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A nova forma de pesquisar

a
comunicação: a engenharia
das emoções, o autômato
espiritual e um campo de
conhecimento que se
constitui

Ciro Marcondes
Filho
Comunicação como fenônomeno
insondável
Tipos de fenômenos comunicacionais, a partir do
ponto de vista do produto.

Abertos
Exemplos 1: “são as matérias jornalísticas realizadas como live transmission; os
programas que transformam seguindo as reações do outro ( programas de auditório ou
de entrevistas, rádio ao vivo, shows, palestras, aulas, diálogos diretos ou por
computador)” p.60.
“Os abertos são os fenômenos que se
transformam enquanto estão sendo
realizados, exibidos, produzidos.
Eles são considerados “vivos”” p.60.
Comunicação como fenônomeno
insondável

Fechados

Exemplos: cinema, televisão, rádio gravado. Também são: jornais, revistas e


Os fechados são os produtos
livros.
editados e transmitidos
sincronicamente para grandes
Nesse caso, o articulador não participa mais diretamente. Em outras palavras, o
públicos. Também são aqueles cuja
produto já está finalizado.  A vitalidade dependem daqueles que recebem.
recepção é individualizada e não
sincronizada.
“São como que “congelados” p.61
Diferenças
PRODUTOS

Abertos Fechados
“Há um acontecimento comunicacional não terminado “[...]os que sofrem ação deparam-se
– proponente(s) e as pessoas a quem se dirige com formas prontas e podem reagir
consideram as reações uns dos outros e participam ou não a elas”p.61.
conjuntamente no desenvolvimento do
fenômeno”p.61.

Em jogo: a força expressiva da obra (apuração


“A comunicação daí surgida é algo coletivo, técnica, apelo efetivo, qualidade enquanto
socializado, comum”.p.61 capacidade de envolvimento) e abertura da
pessoa que recebe.
“Há algo como uma “dialética” entre esses dois lados da questão: o indivíduo fruidor, que se depara com a obra,
e a própria obra, que busca seduzi-lo. Nesse encontro, existe a chance de interferir um elemento inesperado, um
incorpóreo, que promove a alteração na pessoa que entra em jogo com esse objeto ou essa ação”p.61
Diferenças
PRODUTOS

Abertos Fechados

“[...] também o podem, mas há a possibilidade de serem


Os produtos abertos podem “conduzir a pessoa
buscados pela temporalidade imposta pelo espectador ou leitor
participante, levá-la a certos desenvolvimentos,
(ele pode suspender a leitura) e pela recepção isolada, que não
embalá-la” p.62,
supõe a sintonia com as demais pessoas”p.62.
.
Dois tipos de comunicação desenvolvidas
para grandes públicos sincronicamente e para formas indivíduais
não sincrônica:

1
“Nos processos “ao vivo”, há a provocação por parte de um agente que joga com a comunicação
observando o público, sentindo-o, capturando suas mais sensíveis mudanças, adaptando-se às menores
oscilações”p.62.

“A comunicação aqui é um fenômeno que opera com o tempo, que pode se estender e exigir sempre
novos reinícios”p.62

O autor da comunicação trabalha com a insistência, persistência, repetições e retrações.

Estamos mais num jogo entre olhares, expectativas, alterações de falas e de condutas.
EXEMPLO: DONA XEPA (https://www.youtube.com/watch?v=SNXKWeZAEhc)
Dois tipos de comunicação desenvolvidas
para grandes públicos sincronicamente e para formas indivíduais
não sincrônica:

“proporcionada pelos objetos ou pelas situações predefinidos”p.63. “Sobrevive a individualidade das


2 percepções, a forma diferenciada como cada um sente o fenômeno, as reações são pessoais e
intransferíveis, mas já não há a força e a insistência de um provocador”p.63.

Um programa de rádio, um filme, uma instalação estão lá esperando pela presença


de um apreciador.

Não há um jogo de entreolhares, expectativas e alterações de condutas.


“Sem nós, nenhuma dessas obras, nenhuma dessas produções existe, por mais bem acabadas que sejam, por
mais esteticamente nobres que tenha sido sua elaboração, por mais reverenciadas que tenham sido em outras
épocas. É preciso que entremos em contato com elas para vivermos sua comunicabilidade e a nossa. A arte
do provocador está inteiramente depositada na e somente na obra: ela tem vida própria e deverá falar por
ele”p.63.
 

RARAMENTE APRECIAMOS UMA OBRA TOTAL

“Geralmente procuramos uma exposição, um filme, um programa de TV cujas informações anteriores nos
tenham chamado a atenção. A indústria da divulgação trabalha para isso: para nos instigar a ir a um
espetáculo porque este ou aquele especialista nos aconselhou. Esse fato faz com que a apreciação imediata,
espontânea, livre e pessoal é quase impossível”p.63

A função de um crítico sobre determinado assunto. A pessoa que é especialista e conduz a interpretação.
Há também um valor atribuído sobre a pessoa que tem grande referência na comunidade (Interpretação
minha) Ex: Beyoncé e as peças do museu do Louvre – Quebra de recordo em 2018 (mais de 10 milhões de
pessoas registradas). 
 
 
A obra já vem pronta – “Há sérias dúvidas de que isso é comunicação. Principalmente porque,
especialmente para esses objetos, a sensação nos aparece quase como “de encomenda” p.64
O tempo é um fator importante para pensar uma leitura da obra.

A percepção pode ser “rápida”, mas ao mesmo tempo entramos em cena para contemplar.

Ex: filme. “Eu estou nessa cena. Nisso ele se assemelha às formas de comunicação do primeiro tipo: alguém
está realizando alguma coisa e eu estou acompanhando. Naturalmente, essa pessoa não me vê nem altera seu
comportamento por eu estar ali. Esse detalhe não existe. Mas o fato de eu fazer a imersão na cena me coloca
simuladamente num contexto em que eu vivencio os humores, os temores, as angústias e as alegrias dos
personagens. De alguma forma, sou contaminado por eles, por todos esses sentimentos e emoções.”p.64
 
Do ponto de vista técnico, a percepção
funciona de dois lados:
 ”o da produção esteticamente elaborada de uma peça artística ou
cultural, que dispensa a presença de um ser humano para trabalhá-la
junto aos que a fruem e o da vontade destes mesmos em fazer a imersão nela”p.64.

“O primeiro eixo dessa dualidade, a qualidade intrínseca da produção (fílmica, radiofônica ou televisiva)
usa-se de recursos de edição para administrar as sensações daquele que a recebe”p.64.

Contribui para a formação de vínculos (A engenharia das emoções).

O personagem sente. Eu sinto. O personagem sente. Eu não sinto.


“segundo os critérios de edição, da engenharia das emoções, podemos ser levados a um envolvimento total com a cena
ou a uma frieza absoluta diante da temática, seja ela
qual for” p.65.

“Esse lado da comunicação não depende de nós. É parecido com o que Deleuze chama de automatismo da imagem
cinematográfica, que o cinema faz acoplar com nosso autômato espiritual, enquanto seres humanos preceptores.
(DELEUZE, 1984, 1990)”p.65

“Mas Deleuze aposta que o cinema faz mais do que isso, que ele avance também na produção de novos pensamentos, o
que, entretanto, é mais discutível, visto que, para isso, não se trata agora apenas de um jogo maquinal com supressão e
estimulação de sensações, como pressupõe a psicologia comportamental, mas de evocação de algo que transcende essa
mera engenharia técnica e entra no campo metafísico das questões existenciais. A nós nos parece que isso precisa do
concurso do próprio recipiente [...]”p.66

 
 
“Um filme, uma peça de TV, um radioteatro nos comandam. Nós seguimos. A comunicação, se ocorrer, se
dará no durante, na nossa exposição ao tempo de exibição ou apresentação”p.66.

“Podemos, naturalmente, desistir de acompanhar a narrativa e sair, desligar o aparelho,


abandonar a recepção. Mas, se ficarmos, estaremos assim mantendo um voto de confiança naquilo que estamos
recebendo como som, imagem ou cena em movimento” (p.66). Se não há influência sobre a cena, algo foi
construído para a dispersão (o segundo ponto de vista).

A discussão central: “A empatia entre os dois polos, espectador-fluxo de imagens (ou


sons), será bem-sucedida se, da parte daquele que assiste, houve não apenas o interesse, a vontade, o
desejo de receber aquela narrativa, mas também a colaboração (a aceitação), e isso escapa ao plano de
Deleuze. Eu me deixo envolver pela trama na medida em que ela é convincente, real, simula de forma
razoável as cenas cotidianas da vida”p.66.
Não basta eu ser capturado pela emoção criada pela engenharia técnica das emoções; as telenovelas provocam isso sem
realizar a comunicação.

“Uma conexão precisa surgir entre uma produção construída de forma tecnicamente aprimorada e uma expectativa,
conexão que interfira efetivamente na sensibilidade daquele que está assistindo. O produto tem que mexer de fato com
aquele que o recebe, mas a qualidade da comunicação está exatamente nos efeitos possíveis, alcançáveis dessa
conexão, a saber, se eles foram só aparentemente penetrantes ou se, de fato, provocaram resultados inovadores; se eles
não só fizeram sentir, mas também mexeram com a cabeça, subvertendo padrões”p.66.
 
 
NA COMUNICAÇÃO VIVA, ABERTA “a comunicação acontece na própria vivência, no estar junto através de
insistências e persistências por parte do elaborador, do incitador, do realizador. Ele sente e vê resultados”p.67
 
NA COMUNICAÇÃO FECHADA, “comunicação acontece apenas no lado dos que recebem, em conjunto ou
isoladamente. É uma experiência interior específica, pessoal, única, intransferível”p.67
 
 
COMO
PESQUISAR A
COMUNICAÇÃO?
DIREÇÃO PARA OS ACADÊMICOS (centralidade da discussão)
 
“Como trabalhar os processos de comunicação ou quase comunicacionais que nos interessam? Como estudar
efetivamente o fenômeno comunicacional por meio de um procedimento específico, particular, não cumulativo, sem
pretensões a generalizações ou inferências?”p..67
 

 
 
“[...] a contemporaneidade evidencia um flagrante paradoxo epistemológico: enquanto a comunicação é campo
emergente que habita todos os espaços e levanta indagações e questões absolutamente atuais, carentes de
trabalhos investigativos imediatos, são os saberes constituídos em outros contextos e em outras épocas, que
atendiam a demandas sociais outras, que se colocam na condição de estudá-los. Ora, é preciso virar essa
mesa, dotar os estudos comunicacionais stricto sensu da precedência que lhes cabe. A hora é de nos dedicarmos
aos fenômenos comunicacionais e à sua emergência como o grande fenômeno da contemporaneidade com
estatuto de campo próprio e autônomo.” p.68

O fenômeno-sendo-visto é o que condiciona a organização de nossa experiência;

 
 
O que é um fenômeno comunicacional?

É um fenômeno comunicacional quando há a intencionalidade de comunicar (explícita ou


subentendida) de um agente, em envolver o outro, conquistá-lo (diferente das torcidas de futebol
que são as expectativas acumuladas e energias represadas de todos).

“o fenômeno não se subordina a um método predefinido pelo pesquisador, este simplesmente


observa e tenta apreender o sentido que se constrói
no ato. O fenômeno doa sentido, o “exprime””p.69.
CINCO CASOS Caso 1: o pesquisador quer estudar o processo de comunicação que

SOBRE O se realiza numa igreja evangélica.

PESQUISADOR O pesquisador entra em campo e compreende a logística do


fenômeno. Passa a exercer as atividades na convivência continuada.
“Isso lhe permitirá avaliar as transformações produzidas pela
palavra do pastor em um ou outro membro da comunidade de
ouvintes”p.69
CINCO CASOS
SOBRE O O pastor em questão é o agente comunicador que por seguidas
insistências busca convencer os fiéis das verdades que está

PESQUISADOR transmitindo.

Meta do agente comunicador: conquistar novos “convertidos”

“O pesquisador, acompanhando esse desdobramento, identifica a


passagem, a mudança de estado, se tiver sorte, inclusive a
interveniência do incorpóreo, mudando o atributo de sua
consciência. Toda a cena litúrgica doa sentido, exprime-se
nele”p.69.
CINCO CASOS Caso 2: mudança organizacional (mobilizações).
SOBRE O Canais possíveis: dos grandes meios de comunicação, passando pelas declarações dos
PESQUISADOR políticos e pessoas influentes na opinião pública, até as plataformas individuais e
grupais de troca eletrônica (blogs, twitters, facebooks, mensagens do WhatsApp).

Agente comunicador (tecnicamente, há pelo menos quatro agentes funcionando


juntos): os líderes políticos, as lideranças mediáticas, as vozes subterrâneas das redes e
a vivência pessoal dos acontecimentos (o trabalho delas são colaborativos entre si).

“O pesquisador trabalha com todas ao mesmo tempo, observando o início do


movimento, seus desdobramentos nos dias sucessivos seu esvaziamento”p.70
CINCO CASOS “A intenção é apreender até que ponto o movimento como sujeito altera a mente das
SOBRE O pessoas e as faz pensar diferentemente. Neste caso, distinto do exemplo citado atrás,
das torcidas futebolísticas, há instigadores do acontecimento, mesmo que este,
PESQUISADOR posteriormente, adquira vida própria e se desligue de seus estimuladores” p.70.

“O trabalho da pesquisa consta no mapeamento das mudanças de posição da


grande imprensa, do rádio e da televisão durante esses dias, das declarações dos
homens públicos e dos líderes diversos, o que dará ao pesquisador um quadro mais
ou menos fiel do posicionamento dos proprietários das redes clássicas de
comunicação e de seu envolvimento ou não com o status quo político”p.71.

As informações serão comparadas com as fornecidas pelos meios subalternos de


informação (redes informais eletrônicas). Essa comparação permitirá uma leitura
ampla do acontecimento.
CINCO CASOS
SOBRE O
PESQUISADOR CASO 3: apresentação de um grupo musical

“Há uma situação eventualmente comunicacional entre os


executantes e o público assistente. Há outra situação
potencialmente mais comunicacional entre os próprios
executantes e sua interação recíproca tocando a melodia,
entrando em entrelaçamento harmônico, gerando, a partir
disso, novas descobertas”p.71.

Do ponto de vista comunicacional, uma audição musical tem


poucas chances de efetivar-se como comunicação stricto sensu.
CINCO CASOS
SOBRE O HÁ CONFIRMAÇÕES EMOTIVAS.
 
PESQUISADOR IMPORTANTE: “Quando se participa de uma audição musical
é improvável a ocorrência da comunicação, principalmente
porque o público a assiste para se reencontrar com suas
emoções, para reviver audições antigas, em suma, para
estender essas ações sobre o presente”p.71

● “Pelo fato de tocarem juntos, de já se conhecerem e


circular intimidade entre eles, no momento da
apresentação, como refinamento dessa própria intimidade
musical, pode-se chegar a um novo sentido: as inovações,
as descobertas, as ousadias têm a capacidade de provocar
a alteração e a proposição de novidades e verdadeiras
descobertas, muitas vezes desconcertantes” p.72.
CINCO CASOS
SOBRE O “o público que acompanha um determinado grupo musical
PESQUISADOR poderá transformar radicalmente seu gosto estético por
influência desse mesmo grupo, na medida em que este
surpreender sua própria plateia com arranjos ousados, letras
incomuns, performances espetaculares. Cria-se, com isso, uma
cultura específica desse grupo ou do líder do grupo, que
instituirá uma aceitação automática e continuada de suas
criações posteriores”p.72

A quebra de padrão e instituição do novo é um evento


comunicacional.
CINCO CASOS
SOBRE O
PESQUISADOR Caso 4: cinema

“O cinema tem uma grande capacidade de realizar o acontecimento comunicacional.


Ele conta que a extensão do tempo, a duração da assistência de um filme é
suficiente para gerar, no espectador, um processo interno de questionamento de
posições ou opiniões”p.72

É uma experiência coletiva. “Um ritual do mesmo espetáculo”p.72

Há uma estrutura que permite a comunicação no ambiente (sons, imagens, luz, etc.).

A comunicação é realizada pelo espetáculo que se cria. A partir do desenvolvimento da


cena.
CINCO CASOS Caso 5 e outros: “O YouTube goza de prestígio similar ao do cinema. Não se trata de
SOBRE O mensagem manipulada, como ocorre com frequência na TV, mas de escolha pessoal.
Da mesma forma, não há as imposições da censura, na maneira como a conhecemos
PESQUISADOR nos meios tradicionais de comunicação. É um mundo ainda relativamente livre e
aberto, gozando por isso de ampla aceitação popular. Pessoas assistem vídeos,
acompanham séries, vão atrás de certas modas e as abandonam com a mesma
rapidez com que a elas aderem”p.74 .

A influência funciona enquanto o evento comunicacional.


CINCO CASOS Outro caso: museu.
SOBRE O “Às vezes, uma visita a um museu funciona como um choque, uma verdadeira imersão
PESQUISADOR um ambiente, cuja intenção, da instituição, declarada ou não, é a de despertar
sensibilidades”p.74.

Exposições: “Algumas exposições, instalações, experimentações são ali dispostas


exatamente para despertar o visitante para outras estéticas, outras apreensões de
mundo, outros olhares. E, nesse caso, quebram expectativas”p.75.

Livro: “o livro tem também a alta capacidade de quebrar expectativas e de alterar


posições assumidas”p.75

“O livro é uma espécie de diálogo em que o leitor apenas ouve e o redator ou escritor
tem tempo, espaço e circunstância para expor longamente sua visão de mundo. Ele se
contrapõe a um hábito contemporâneo de não ouvir o outro ou ouvi-lo de forma
fragmentária e rudimentar”p.75
Obrigado!

dbsadanilo@gmail.com

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