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Romantismo Realismo

Pintura idealizada Pintura nua e crua

Mulheres peneirando trigo, 1


O quadro abaixo mostra as principais oposições
entre Romantismo e Realismo / Naturalismo : 

REALISMO / NATURALISMO 
ROMANTISMO 
subjetividade objetividade
imaginação realidade circundante
sentimento inteligência , razão
verdade individual  verdade universal
fantasia , devaneio fatos observáveis
homem = uma peça do
homem = centro do mundo 
mundo  
volta ao passado  crítica do presente 
Contexto histórico:
•Europa : O Realismo foi um reflexo do
materialismo e do cientificismo
cominentes da segunda metade do
século passado: a glorificação da
ciência.
•Brasil: Momento de crise social,
quando a civilização burguesa e a
urbana tomavam lugar da sociedade
agrária, latifundiária e escravocrata.
3
A carruagem de terceira classe(1863-65) Daumier,
Honoré (1808-1879) 4
O SOCIALISMO DE MARX
Um espectro ronda a Europa

Em 1848, os economistas e
filósofos alemães Karl Marx
(1818-1883) e Friedrich Engels
(1820-1895) publicaram o
MANIFESTO COMUNISTA
Objetivo: despertar a
consciência de classes.

5
O RACIONALISMO POSITIVISTA DE COMTE
O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por meta.

Augusto Comte (1798-1857) só admite as verdades positivas, ou


seja, as científicas, aquelas que emanam do experimentalismo,
da observação e da constatação, e repudia a metafísica.
Para ele só cinco ciências são
relevantes: a Astronomia, a
Física, a Química, a Filosofia e a
Sociologia, em ordem de
importância.
Ciência, único guia da vida
individual e social, única moral e
única religião possível.
6
O EVOLUCIONISMO DE DARWIN
Darwin elaborou a teoria da
seleção natural, defendendo que
a concorrência entre as
espécies eliminaria os
organismos mais fracos,
permitindo à espécie evoluir,
graças às heranças genéticas
favoráveis dos indivíduos mais
fortes e mais aptos.
A viagem de Darwin a bordo do Beagle

7
O DETERMINISMO DE TAINE
O comportamento
humano é determinado
por três fatores: o
meio, a raça e o
momento histórico.
Destino pré-estabelecido por
um conjunto de circunstâncias.

8
Por isso não admito um Deus que
passeie no seu jardim de bengala na
mão, aloje os amigos no ventre das
baleias, morra soltando um grito e
ressuscite ao fim de três dias: coisas
absurdas por si mesmas e
completamente opostas; além disso, a
todas as leis da física; o que nos
demonstra, de resto, que os padres
têm sempre permanecido numa
ignorância torpe, na qual se esforçam
por mergulhar as populações.

(Fala de Homais, personagem de Madame Bovary,


Gustave Flaubert, 1857)

9
Questão Coimbrã

• Teófilo Braga (1864) – Visão dos tempos e Tempestades sonoras.


• Antero de Quental(1865) – Odes modernas.
• Antônio Feliciano de Castilho – condena as obras: “falta de bom
senso e bom gosto”.
ANTERO DE QUENTAL (1842 – 1891)

Oscilação entre poesia de


combate, elogio da ação e da
capacidade humana, e uma
poesia intimista, análise de uma
individualidade angustiada.

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Eça de Queirós
crítico da burguesia
• O crime do padre Amaro
• O primo Basílio
• Os Maias.

• Hipocrisia/falso moralismo/ócio
da alta sociedade.
REALISMO
O Realismo é uma reação contra o Romantismo:
O Romantismo era a apoteose do sentimento; o
Realismo é a anatomia do caráter.
É a crítica do homem.
É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos - para
condenar o que houve de mau na nossa sociedade.
(Eça de Queirós)

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MACHADO DE ASSIS
PROSA ROMÂNTICA E REALISTA
Sugestão
Características machadianas

• Questionar as verdades absolutas


• Pessimismo: miséria moral, hipocrisia
• Visão crítica sobre o cientificismo
• Conservadorismo no uso da Língua
• Digressões
• Intertextualidade
• Diálogo com o leitor
Prosa realista

Memórias Póstumas de Brás Quincas Borba


Cubas 1880 Humanistas mais uma vez
Autor: Brás Cubas garantiam sua sobrevivência,
Pneumonia e desilusão 1869 dando vida ao forte, eliminando
os mais fracos.
Ziguezague da vida – emplasto –
alucinações - amores Rubião – cachorro Quincas Borba
Marcela – Eugênia - Virgília Sofia e Cristiano Palha
Lobo Neves Cachorro morre
Volta a Barbacena
Dom Casmurro

• Narrador 1ª pessoa : personagem narrador : Bentinho.


• Intenção de Bentinho, rememorar sua história, tentar resgatar o
tempo passado, compreender o que aconteceu entre ele e Capitu.
• Sequência não linear dos fatos, digressões, metalinguagem, diálogo
com o leitor, intertextualidade – consciência conturbada do
narrador.
• O narrador delega ao leitor preencher as lacunas.
• Machado de Assis em criar um clima de incerteza e ambiguidade.
Traiu ou não traiu?

• Contradições
• Omissões
• Emendas
• Lacunas
• Visão unilateral: tendencioso: escolha do
• tipo de narrador
Argumentos de acusação

• Visita de Escobar sem avisar Bento


• Mudança de comportamento de D. Glória
• Olhar de Capitu no velório de Escobar
• Filho : semelhança e mesma forma de
• andar de Escobar
Contradições...

• Menino adorava imitar os outros.


• Capitu era parecida com a mãe de Sancha
• “Na vida há dessas semelhanças assim esquisitas.”
• Capitu era a melhor amiga de Sancha
• (velório)
Leitor

Houve adultério Não houve adultério

Dúvida sem fim


NATURALISMO – ROMANCE TESE -
DETERMINISMO
O Autor...
Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de
Azevedo (1857 – 1913)
•Caricaturista, jornalista, romancista e
diplomata.
•É o fundador da Cadeira n. 4 da Academia
Brasileira de Letras.
•Publicava seus romances em folhetins.
•Analisava os agrupamentos humanos, a
degradação das casas de pensão e sua
exploração pelo imigrante.
•Ao tornar-se diplomata, desiste da carreira
literária.
O Naturalismo

 É um desdobramento do Realismo.
 Romance cientificista – “de tese”.
 Influência do positivismo, determinismo, do
darwinismo.
 Proposta de revelar “patologias sociais”.
 Sexo, prostituição, adultério, violência, assassinatos, vícios,
etc.
 Zoomorfização do homem.
 Análise de camadas sociais mais baixas.
O contexto...
O Cortiço aborda tema de
conflitos humanos.

-Modernização e
Industrialização do país.
- Aumento de desigualdade
social: surge o Proletariado.
- Sociedade formada por
portugueses, burgueses,
mulatos e negros.
- Cortiços: Precursores das
Favelas, moravam os
Excluídos, pobres e
humildes, frutos do meio.
Características...
- Escravidão e Adultério evidentes.
- Obra narrada em 3ª pessoa, com
narrador onisciente.
- O tempo é trabalhado de maneira
linear.
- A narrativa se passa em dois
espaços: O Cortiço e o Sobrado do
Miranda. Enquadrados no bairro do
Botafogo.
- É uma alegoria do Brasil.
- Brasileiros são usados de forma
moral pelos portugueses.
CORTIÇO

Espaço físico : habitação


coletiva
Espaço social : mistura de
“raças”, choque entre elas.
Espaço simbólico : ALEGORIA
do Brasil (“matéria-prima de
lucro para o capitalismo”)
O cortiço e L´Assommoir (Émile Zola)

- Lavadeiras e seu trabalho (brigas)


- Encontro de amantes
- Policial (espécie de caricatura da lei)
- Drama de trabalhadores pobres
- Trabalhadores amontoados numa
habitação coletiva
- Degradação devido à vida promíscua
O REINO ANIMAL (Zoomorfismo)

NA HABITAÇÃO COLETIVA: “aglomeração


tumultuosa de machos e fêmeas” / “o prazer animal
de existir” / “as mulheres iam despejando crianças
com uma regularidade de gado procriador” / “o
tremular das redondas tetas à larga”
DEPRECIAÇÃO DE PERSONAGENS: “estalavam
todos por saber quem a tinha emprenhado” / “o
mugido lúgubre daquela pobre criatura”
NA DESCRIÇÃO: “a sua crina preta, desgrenhada,
escorrida e abundante como a das éguas selvagens”
PERSONAGENS: Os personagens da obra são psicologicamente superficiais – são
desenvolvidos apenas como TIPOS sociais.

JOÃO ROMÃO – taverneiro português, dono da pedreira e do cortiço; representa o


capitalista explorador e, ao final, a hipocrisia social.
BERTOLEZA – quitandeira, escrava “amasiada” com João Romão, para quem ela
trabalha como uma máquina.
MIRANDA – comerciante português. Principal opositor de João Romão; mora num
sobrado aburguesado, ao lado do cortiço.

ESTELA – mulher de Miranda, trai o marido com caixeiros e com Henrique.


ZULMIRA – filha de Miranda e Estela, pretendente de João Romão.
JERÔNIMO – português “cavouqueiro”, trabalhador da pedreira de João Romão,
representa a disciplina do trabalho, num primeiro momento, e a preguiça.
RITA BAIANA – mulata sensual e provocante que promove os pagodes no cortiço;
é uma representação da mulher que age por instinto, usa seu corpo.
PIEDADE – portuguesa que é casada com Jerônimo, briga com Rita Baiana;
representa a mulher européia; ao final, é abandonada e começa a beber.
CAPOEIRA FIRMO – mulato e companheiro que se envolve com Rita Baiana; é
morto por Jerônimo.
POMBINHA – moça loura, pura e íntegra, “a flor do cortiço”; é corrompida ao
conhecer Léonie.
LÉONIE – prostituta “refinada”, inicia sexualmente Pombinha após um almoço em
sua casa.
D. ISABEL – mãe de Pombinha, acaba numa casa de saúde após a filha “perder-se
na vida”.
JOÃO DA COSTA – noivo de Pombinha.

LEANDRA, A “MACHONA” – lavadeira gritona, corpulenta, cujos filhos não se


parecem com o pai.
OUTRAS PERSONAGENS: Paula, a “bruxa” (tenta incendiar o cortiço duas
vezes); Augusta e Alexandre; Bruno e Leocádia (ele é ferreiro, ela o trai – ao final se
reconciliam); Albino (mora no cortiço, é lavadeiro e homossexual); Juju (afilhada de
Léonie).
Zoomorfismo
“E cada verso que vinha da sua
boca de mulata era um arrulhar
choroso de pomba no cio. E o Firmo,
bêbedo de volúpia, enroscava-se todo
ao violão; e o violão e ele gemiam com
o mesmo gosto, grunhindo, ganindo,
miando, com todas as vozes de bichos
sensuais, num desespero de luxúria
que penetrava até ao tutano com
línguas finíssimas de cobra.” (pg.81 de 162)
Determinismo
“Pombinha abria muito a
bolsa, principalmente com a
mulher de Jerônimo, a cuja filha,
sua protegida predileta, votava
agora, por sua vez, uma simpatia
toda especial, idêntica à que
noutro tempo inspirara ela própria
à Léonie. A cadeia continuava e
continuaria interminavelmente; o
cortiço estava preparando uma
nova prostituta naquela pobre
menina desamparada, que se fazia
mulher ao lado de uma infeliz mãe
ébria.” (pag.157 de 162)
Positivismo

“... E, defronte do
candeeiro de querosene,
conversavam sobre a sua vida e
sobre a sua Marianita, a filhinha
que estava no colégio e que só
os visitava aos domingos e dias
santos”. (pg.33 de 162)
Darwinismo e
evolucionismo
“Travou-se então uma
luta renhida e surda entre o
português negociante de
fazendas por atacado e o
português negociante de
secos e molhados...” (p.22)
RESUMO DAS IDEIAS:
A visão determinista biológico-racial, social e geográfica.

A predominância do biológico. A abordagem explícita do sexual –


heterossexualidade e homossexualidade.

A identificação homem-animal.

A ênfase nos aspectos de degradação do homem e da sociedade.

A denúncia da realidade social e política – abordagem do


contemporâneo ao autor.

O problema habitacional do Rio – a promiscuidade dos cortiços.

A exploração do homem.

O casamento e os interesses econômicos.

A linguagem – presença do coloquial – portuguesa e brasileira.


Escrito em forma de folhetim e, posteriormente, publicado em 1884, Casa de
pensão situa-se, no tocante à data de publicação, entre O mulato, de 1881, e O
cortiço, de 1890.
ficção x realidade

Casa de pensão foi inspirado em um fato ocorrido no


Rio de Janeiro, “a questão Capistrano”. Amplamente
divulgada nos jornais na seção de notícias policiais, a
tragédia envolvia o estudante Capistrano, o qual foi
morto por Antônio Alexandre Pereira, irmão de Júlia,
a jovem seduzida. (Gazeta de Notícias, 20 nov. 1876)
ficção x realidade
Destaque de partes enfermas da sociedade:
habitações coletivas e a vinda de um
provinciano para a capital, que alteravam a
ordem da sociedade.
Discussão calorosa e de sucesso na imprensa
– honra, sedução, prostituição feminina
Degradação dos personagens pelo meio em
que convivem (a casa de pensão), o qual é
mostrado de forma bastante negativa ao
leitor.










O enredo
- Ida de Amâncio, o protagonista, para a Corte. O rapaz, oriundo do Maranhão, chega à
capital fluminense com o intuito de estudar medicina.
- Hospeda-se na casa de um amigo de sua família, Luís Batista de Campos. Porém, sua
estada nessa residência é curta, dado que, persuadido por João Coqueiro, ele se muda
para uma pensão.
- A ampla casa é controlada por Coqueiro e sua esposa, Mme. Brizard, uma mulher bem
mais velha que o marido.
- Os quartos são ocupados por figuras diferentes: um homem que sofre com a tísica; && um
casal, cuja esposa depois se apaixona por Amâncio, entre outras personagens. Moram
também na casa: a irmã de João Coqueiro – Amélia – César e Nini, esta última
personagem, uma moça histérica que é filha de Mme. Brizard.
- Na casa de pensão, Coqueiro e a esposa valem-se de várias estratégias para casar o
estudante maranhense com Amélia.
- Apesar de todos os esforços empreendidos pelo casal, o rapaz toma a jovem somente
como amante, pois fica claro no decorrer do romance que ele não deseja se casar com ela.
- Revoltado com a situação, Coqueiro entrega Amâncio à Justiça, alegando que o estudante
de medicina havia desonrado Amélia. O rapaz vai a julgamento e é absolvido.
- Revoltado com a decisão do júri, Coqueiro invade o hotel em que Amâncio se achava
hospedado e mata o rapaz que falece clamando pela mãe.
Amâncio e o meio

Vinte anos, tipo do Norte, franzino, amornado, pescoço estreito,


cabelos crespos e olhos vivos e penetrantes, se bem que alterados por
um leve estrabismo.
Vestia casimira clara, tinha um alfinete de esmeralda na camisa, um
brilhante na mão esquerda e um grossa cadeia de ouro sobre o ventre.
Ao pés, coagidos em apertados sapatinhos de verniz, desapareciam-
lhe casquilhamente nas amplas bainhas da calça.
Amâncio e o meio
Amâncio fora muito mal-educado pelo pai, português antigo e austero, desses que
confundem o respeito com o terror. Em pequeno levou muita bordoada ; tinha um
medo horroroso de Vasconcelos; fugia dele como de um inimigo, e ficava todo frio e a
tremer quando lhe ouvia a voz ou lhe sentia os passos. Se acaso algumas vezes se
mostrava dócil e amoroso, era sempre por conveniência: habituou-se a fingir desde
esse tempo. Sua mãe, D. Ângela, uma santa de cabelos brancos e rosto de moça, não
raro se voltava contra o marido e apadrinhava o filho. Amâncio agarrava-se-lhe à saias,
fora de si, sufocado de soluços.
Aos sete anos entrou para a escola. Que horror ! O mestre, um tal Antônio Pires,
homem grosseiro, bruto, de cabelo duro e olhos de touro, batia nas crianças por gosto,
por um hábito do ofício. Na aula só falava a berrar, como se dirigisse uma boiada. Tinha
as mãos grossas, a voz áspera, a catadura selvagem ; e quando metia para dentro um
pouco mais de vinho, ficava pior. Amâncio, já na Corte, só de pensar no bruto, ainda
sentia os calafrios dos outros tempos, e com eles vagos desejos de vingança. Um
malquerer doentio invadia-lhe o coração, sempre que se lembrava do mestre e do pai.
Envolvia-os no mesmo ressentimento, no mesmo ódio surdo e inconfessável.
Amâncio e o meio

Todas as vezes que lhe aparecia um ímpeto de coragem, sempre que


lhe assistia um assomo de dignidade, sempre que pretendia repelir
uma afronta, castigar um insulto, o pai ou o professor caía-lhe em
cima, abafando-lhe os impulsos pundonorosos. Ficou medroso e
descarado. Todavia, esses pequenos episódios da infância, tão
insignificantes na aparência, decretaram a direção que devia tomar o
caráter de Amâncio. Desde logo habituou-se a fazer uma falsa ideia
dos seus semelhantes; julgou os homens por seu pai, seu professor e
seus condiscípulos. - E abominou-os. Principiou a aborrecê-los
secretamente, por uma fatalidade do ressentimento; principiou a
desconfiar de todos, a prevenir-se contra tudo, a disfarçar, a fingir
que era o que exigiam brutalmente que ele fosse.
Casa de Campos
A casa de Luís Campos era na Rua Direita. Um desses casarões do
tempo antigo, quadrados e sem gosto, cujo ar severo e recolhido está
a dizer no seu silêncio os rigores do velho comércio português.
Compunha-se do vasto armazém ao rés-do-chão, e mais dois
andares ; no primeiro dos quais estava o escritório e à noite
aboletavam-se os caixeiros, e no segundo morava o negociante com a
mulher - D. Maria Hortênsia, e uma cunhada- D. Carlotinha. À mesa,
quando raramente se palestrava, era sempre com muita reserva ;não
havia risadas expansivas, nem livres exclamações de alegria. Os
hóspedes, pobre gente de província, faziam uma cerimônia espessa; o
guarda-livros poucas vezes arriscava a sua anedota e, só se
determinava a isso, tendo de antemão escolhido um assunto discreto
e conveniente.
(AZEVEDO, 2008, p. 15)
Habitantes da casa
Hortênsia saíra uma excelente dona -de- casa, muito arranjadinha,
muito amiga de poupar, muito presa aos interesses de seu marido,
e limpa, “limpa ,que fazia gosto!” O segundo andar vivia, pois, num
brinco ; nem um escarro seco no chão. Os móveis luziam, como se
tivessem chegado na véspera da casa do marceneiro ;as roupas da
cama eram de uma brancura fresca e cheirosa ;não havia teias de
aranha nos tetos ou nos candeeiros e os globos de vidro não
apresentavam sequer a nódoa de uma mosca.
E Campos sentia-se bem no meio dessa ordem, desse método.
Procurava todos os dias enriquecer os trens de sua casa, já
comprando umas jardineiras, que lhe chamaram a atenção em tal
rua ; já trazendo uma estatueta, um quadro, uma nova máquina de
fazer sorvetes , ou um sistema aperfeiçoado para esta ou aquela
utilidade doméstica. Gostava que em sua casa houvesse um pouco
de tudo.
Amâncio e o meio – a república
Só acordou no dia seguinte, quando o sol já entrava pela única
janela do quarto. Sentia a boca amarga e o corpo moído. Assentou-
se na cama e circunvagou em torno os olhos assombrados, com a
estranheza de um doido ao recuperar o entendimento. O sujeito
magro da véspera lá estava no mesmo sítio; agora, porém, dormia,
amortalhado a custo num insuficiente pedaço de chita vermelha.
Do lado oposto, no chão, sobre um lençol encardido e cheio de
nódoas, a cabeça pousada num jogo de dicionários latinos, jazia
Paiva, a sono solto, apenas resguardado por um colete de flanela.
Mais adiante, em uma cama estreita, de lona, viam-se dois moços,
ressonando de costas um para outro, com as nucas unidas, a
disputarem silenciosamente o mesmo travesseiro.
Amâncio e o meio –a república
O quarto respirava todo um ar triste de desmazelo e boêmia. Fazia má impressão estar
ali: o vômito de Amâncio secava-se no chão, azedando o ambiente; a louça, que servira
ao último jantar, ainda coberta de gordura coalhada, aparecia dentro de uma lata
abominável, cheia de contusões e roída de ferrugem. Uma banquinha, encostada à
parede, dizia com o seu frio aspecto desarranjado que alguém estivera aí a trabalhar
durante a noite, até que se extinguira a vela, cujas últimas gotas de estearina se
derramavam melancolicamente pelas bordas de um frasco vazio de xarope Larose, que
lhe fizera às vezes de castiçal. Num dos cantos amontoava-se roupa suja; em outro
repousava uma máquina de fazer café, ao lado de uma garrafa de espírito de vinho. Nas
cabeceiras das três camas e ao comprido das paredes, sobre jornais velhos e desbotados,
dependuravam-se calças e fraques de casimira; em uma das ombreiras da janela umas
lunetas de ouro, cuidadosamente suspensas num prego. Por aqui e por ali pontas
esmagadas de cigarro e cuspalhadas ressequidas. No meio do soalho, com o gargalo
decepado, luzia uma garrafa. A luz franca e penetrante da manhã dava a tudo isso um
relevo ainda mais duro e repulsivo; o coração de Amâncio ficou vexado e corrido, como
se todos os ângulos daquela imundície o espetassem a um só tempo. Ergueu-se
cautelosamente, para não acordar os outros, e foi à janela. O vasto panorama lá de fora
estremulhou-lhe os sentidos com o seu aspecto. (AZEVEDO, 2008, p. 53-54 ).
Amâncio e o meio – a casa de pensão
Fica-se muito melhor em uma casa de família, continuava o
outro. A vida em hotel ou a vida em república é o diabo:
estraga-se tudo, - o estômago, o caráter, a bolsa; ao passo
que ali você tem o seu banho frio pela manhã, torradas à
noite e, se cair doente (o que lhe não desejo), há quem o
trate, quem lhe prepare um remédio, um caldo, um
suadouro, um escalda-pés...Olhe! até, se você quiser eu...
(AZEVEDO, 2008, p.47).
Amâncio e o meio - a Casa de pensão

E pensando deste modo, ergueu-se disposto a acompanhar


Coqueiro, que insistia em lhe mostrar a casa. Principiaram pela
chácara. – Olha. Isto aqui é como vês!... dizia o proprietário. –
Boa sombra, caramanchões de maracujá, flores, sossego!...
Bom lugar para estudo! E vai até o fundo. Vem ver! Amâncio
obedecia calado. – Parece que se está na roça!... acrescentou o
outro. – De manhã é um chilrear de passarinhos, que até
aborrece! Quando aqui não houver fresco, não o encontrarás
também em parte alguma! Cá está o terraço. – Sobe!
Amâncio e o meio - a Casa de pensão

Em cima é que estava o grande recurso da


casa, porque Mme. Brizard dividira todo o
segundo pavimento em oito cubículos
iguais, ficando quatro de cada lado e o
corredor no centro. Os da frente davam
janelas para a rua e os do fundo para a
chácara. As paredes divisórias eram de
madeira e forradas de papel nacional.
(AZEVEDO, 2008, p. 72).
Casa de pensão
Primeiro quarto: advogado que auxilia a legitimar a ideia de
ordem, retidão, legalidade...
Segundo quarto: negociante que fora à bancarrota; além de
receber comentários negativos, há uma alusão à sua esposa coxa.
Terceiro quarto: Piloto representa ligeireza, a astúcia, entre outras
características ladinas.
Neste, disse mostrando o n.º 1, está Dr. Tavares, um advogado de
mão-cheia; caráter muito sério! No segundo declarou que morava o
Fontes: – Não era mau sujeito, coitado! Fora infeliz nos negócios:
quebrara havia dois anos e ainda não tinha conseguido levantar a
cabeça. E abafando a voz: – Dizem que ficou arranjado... não sei!...
Paga pontualmente as suas despesas, mas é um “unha-de-fome” (...)
especula com tudo; tem o quarto cheio de fazendas, fitas e tetéias
de armarinho; vende essas miudezas pelas casas particulares, e
dizem que faz negócio. A mulher, uma francesa coxa, é empregada
na Notre Dame e só vem a casa para dormir. E, indicando o n.º 3. –
Aqui é o Piloto (...) repórter da Gazeta (...) um rapaz tão popular. Um
que anda sempre muito ligeiro, olhando para os lados, aos pulinhos,
como um calango. Não conheces?! (AZEVEDO, 2008, p. 82-83).
Casa de pensão
Depois de subir, acharam-se em corredor estreito e
oprimido pelo teto. Ao fundo uma janela de grades verdes
coava tristemente a luz que vinha de fora. Lia-se nas portas,
em algarismos azuis, pintados sobre um pequeno círculo
branco, os números de 4 a 11. (AZEVEDO, 2008, p. 83, grifos
meus)
Casa de pensão
Quarto quarto: — Campelo, um esquisitão, porém bom sujeito, de
comércio; não comia em casa senão aos domingos e isso mesmo só
de manhã.
Quinto quarto: Paula Mendes e a mulher; casal de artistas, davam
lições e concertos de piano e rabeca; muito conhecidos na Corte.
Sexto quarto: o guarda-livros, cuja profissão está relacionada ao
comércio, tem, como Campos, uma postura correta.
Sétimo quarto: morador tem uma enfermidade física que simboliza a
doença moral que acomete todos os habitantes da casa.
Oitavo quarto: é apresentado de relance e a saia de Lúcia, que trai o
homem com quem mora, amasiando-se com outros, sendo que um
deles será Amâncio. A peça de roupa somada ao espaço que se fecha,
rapidamente, graças à porta, remete à relação ilícita.
Casa de pensão
Nono quarto: era do Melinho empregado na Caixa de Amortização;
não comia em casa, mas, às vezes, trazia frutas cristalizadas para
Mme. Brizard e Amelinha.
Décimo quarto: Lamentosa ou Latembrosa, uma coisa por aí assim!”
Ele tinha o nome escrito lá embaixo. — Mas que homem fino!
delicadíssimo! um verdadeiro gentleman! E tocava violão com muito
talento.
Décimo primeiro: que ficava justamente encostado à janela do
corredor, pertencia a um excelente médico, Dr. Correia; estava,
porém, quase sempre fechado, visto que o doutor só se utilizava do
quarto para certos trabalhos e certos estudos, que, por causa das
crianças, não podia fazer em casa da família.
Casa de pensão
Entre o mundo interior e exterior, são as janelas, de onde se pode ver a rua,
com seu movimento, isto é, seu desfile constante. Era, portanto, das janelas
que as moças da casa podiam entrar em contato visual com seus
namorados...
(...) Amâncio, com acentuações de quem detesta imoralidades, disse ao
outro, sem transição: — Trata-se de Nini, disse o provinciano em voz
soturna (...) sabes, continuou aquele — que a pobre menina sofre
horrivelmente dos nervos (...)
A doença começa de uma maneira leve e, aos poucos, levará
a casa à morte.
(...) Não podia sossegar. O seu corpo, chupado lentamente
pela tísica, nu e esquelético, virava-se de uma para outra
banda, entre manchas excrementícias, a porejar um suor
gorduroso e frio, que umedecia as roupas da cama e dava-lhe
à pele, cor de osso velho, um brilho repugnante.
Zoomorfismo

O Teles era um advogado velho, muito respeitado no


foro; não pelo caráter, que o não mostrava nunca,
nem pela sua ciência, que não a tinha; nem
tampouco pelos seus cabelos brancos, que a estes
nem ele próprio respeitava, invertendo-lhe a cor;
mas sim pela sua proverbial sagacidade, pelas suas
manhas de chicanista, pela sua terrível figura de
raposa velha, pelos seus olhinhos irrequietos e
matreiros, pelo seu nariz a bico de pássaro e pela sua
boca sem lábios, donde a palavra saía seca e
penetrante como uma bala.
Nisto, como se acordasse de uma vertigem, saiu a correr
tropeçando em tudo. No primeiro andar um polícia lançou-lhe as
garras aos cós das calças e o foi conduzindo à sua frente, sem lhe
dizer palavra. Entretanto, Amâncio despertou com um novo
gemido e levou ao peito as mãos que se ensoparam no sangue da
ferida. Olhou em torno, à procura de alguém; mas o quarto estava
abandonado. Então, fechou novamente os olhos estremecendo,
esticou o corpo - e uma palavra doce esvoaçou-lhe nos lábios
entreabertos, como um fraco e lamentoso apelo de criança:
- Mamãe!.. E morreu.
A mãe vem até o Rio para socorrer o filho preso, e o descobre morto!

“... quando esta (Ângela), que estivera até aí a percorrer,


como uma doida, outros mostradores, arrancou do peito
um formidável grito e caiu de bruços na calçada.
Tinha visto seu filho, representado na mesa do necrotério,
com o tronco, o corpo em sangue. E por debaixo, em letras
garrafais: ‘Amâncio de Vasconcelos, assassinado por João
Coqueiro no Hotel Paris, em tanto de tal’.”
Foco narrativo: O autor escolheu o seu ponto-
de-vista narrativo: a terceira pessoa do
singular, um narrador onisciente e onipotente,
fora do elenco dos personagens. Como um
observador atento e minucioso dentro das
próprias fórmulas apertadas do naturalismo.
No caso deste romance, Aluísio Azevedo
trabalhou muito servilmente sobre os fatos
absolutamente reais.
- Ao mesmo tempo em que narram fatos, os narradores de
Casa de Pensão e Clara dos Anjos também assumem postura
intrusa e opinativa: eles interrompem a narração de
acontecimentos e inserem seus comentários e opiniões,
apresentando análises sociológicas ou psicológicas de
acontecimentos, ambientes e personagens. Nas alternativas
abaixo, foram transcritos trechos dos dois romances. Assinale
a alternativa em que se observa tal atitude intrusa e opinativa
do narrador no romance de Aluísio Azevedo
a) “Por outro lado, as mulatas folgavam em tê-lo perto de si, achavam-no vivo e
atilado, provocavam-lhe ditos de graça, mexiam com ele, faziam-lhe
perguntas maliciosas, só para ‘ver o que o demônio do menino respondia’. E
logo que Amâncio dava a réplica, piscando os olhos e mostrando a ponta da
língua, caíam todas num ataque de riso, a olharem umas para as outras com
intenção”.

b) “Muita vez chorou de ternura, mas sempre às escondidas; muita vez sentiu o
coração saltar para o filho, mas sempre se conteve, receoso de cair no
ridículo./ E não se lembrava, o imprudente, de que o amor de pai é bem ao
contrário do amor de filho; não se lembrava de que aquele nasce e subsiste
por si e que este precisa ser criado; que aquele é um princípio e que este é
uma consequência; que um vem de dentro para fora e que o outro vem de
fora para dentro”.
c) “O seu ideal na vida não era adquirir uma personalidade, não era ser ela,
mesmo ao lado do pai ou do futuro marido. Era constituir função do pai,
enquanto solteira, e do marido, quando casada. Não imaginava as catástrofes
imprevistas da vida, que nos empurram, às vezes, para onde nunca sonhamos
ter de parar. Não via que, adquirida uma pequena profissão honesta e digna
do seu sexo, auxiliaria seus pais e seu marido, quando casada fosse”.
d) “A casa da família do famoso violeiro não ficava nas ruas
fronteiras à gare da Central; mas, numa transversal, cuidada,
limpa e calçada a paralelepípedos. Nos subúrbios, há disso: ao
lado de uma rua, quase oculta em seu cerrado matagal, topa-
se uma catita, de ar urbano inteiramente. Indaga-se por que
tal via pública mereceu tantos cuidados da edilidade, e os
historiógrafos locais explicam: é porque nela, há anos, morou
o deputado tal ou o ministro sicrano ou o intendente fulano”.
e) “O provinciano, muito desvigorizado com a moléstia, sentia
perfeitamente que os lúbricos impulsos, que dantes lhe
inspirava a graciosa rapariga, iam-se agora destecendo e
dissipando à luz de um novo sentimento de gratidão e
respeito. A primitiva Amélia desaparecia aos poucos, para dar
lugar àquela extremosa criança, àquela irmãzinha venerável,
que lhe enchia o quarto com o frescor balsâmico de sua
virgindade e rociava-lhe o coração com a trêfega mimalhice
de sua ternura”.
• A) Falsa: Esse trecho da obra acaba por ser completamente descritivo,
uma vez que indica a relação entre as mulatas com a personagem
Amâncio ainda quando criança.
• B) Correta: Essa alternativa corresponde à relação de postura intrusa e de
opinião do narrador, principalmente quando se percebe o seu grau de
onisciência, como por exemplo: “[...] chorou de ternura, mas sempre às
escondidas [..] muita vez sentiu o coração saltar para o filho [...] Nota-se
que ambos os itens sublinhados se referem às particularidades das
personagens, as quais são alcançadas pela visão determinista e
Naturalista do narrador.
• C) Falsa: Esse trecho é do romance Clara dos Anjos, de Lima Barreto, e a
questão pede para assinalar a alternativa do narrador de Aluísio Azevedo.
• D) Falsa: Esse trecho também é do romance Clara dos Anjos, de Lima
Barreto, e a questão pede para assinalar a alternativa do narrador de
Aluísio Azevedo.
• E) Falsa: Esse trecho se limita na descrição, não se adentra numa atitude
intrusa do narrador, nem mesmo opinativa, relacionada a fatores sociais
e/ou psicológicos.

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