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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

AULA 2 – A TRANSFORMAÇÃO DO DINHEIRO EM CAPITAL

Cap. IV, livro I, O Capital


Profª Dayani Cris de Aquino
Objetivo da aula
• Analisar a transformação do dinheiro em capital de modo a
desvendar a origem da mais-valia:
1. A fórmula geral do capital e a circulação simples de mercadorias
2. Contradições da fórmula geral
3. Compra e venda da força de trabalho
1. A fórmula geral do capital
• Para chegar na Fórmula Geral do Capital Marx para da Circulação Simples de Mercadorias.
• Marx chama de Circulação Simples de Mercadorias (CSM) o ato de vender uma mercadoria para comprar
outra, assim sendo, a CSM representa o circuito do consumo, em que um indivíduo vende uma mercadoria
(M1), intermediada pelo dinheiro (D) com o intuito de comprar outra mercadoria (M 2) para seu consumo
pessoal:
M1 – D – M2
• Características da Circulação Simples de Mercadorias:
• A mercadoria (M) é o ponto de partida e de chegada, portanto esgota-se no segundo M as relações de
troca possíveis
• M1 e M2 são qualitativamente diferentes, pois devem ser valores de uso diferentes
• Esse circuito pode representar:
• A circulação da renda de um trabalhador assalariado pelo capitalista
• A circulação da renda do capitalista
• A circulação da renda de um trabalhador que está fora do circuito do capital (trabalho por conta
própria ou o tecelão, no exemplo do Marx)
1. A fórmula geral do capital
• A Circulação Simples deixa suspensa em circulação contínua a forma geral da riqueza, ou seja, o

dinheiro, de modo que a Circulação Simples espontaneamente estimula o nascimento de um circuito

que é a conservação do valor na sua forma geral e não a sua “destruição” no consumo. Isso não precisa

se derivar, na prática da própria circulação simples mas pode muito bem ser o resultado de somas de

dinheiro já disponíveis:

ML – D – MB – D – MT – D ...etc

• Onde:

ML = mercadoria linho; D = dinheiro; MB =mercadoria Bíblia; MT =mercadoria trigo, etc


Características da fórmula geral do capital
D–M–D
• O ponto de partida e de chegada é o dinheiro
• O objetivo final do capital nunca pode ser o consumo pessoal e sim um novo processo de
produção de mercadorias para venda, portanto, visa sempre o valor
• D inicial e final são qualitativamente iguais: ambos são dinheiro
• D inicial e D final não podem ser quantitativamente iguais, pois não se troca dinheiro por
igual quantidade de dinheiro, um capitalista não adianta um quantia D para recuperar no
final a mesma quantia D.
• De fato da fórmula completa do capital é D – M – D’
Fórmula geral do capital
D – M – D’
• Um capitalista adianta uma quantidade de dinheiro (D) na compra de
mercadorias (M) para, após vendê-las, adquirir uma quantidade D’ de
dinheiro.
• Portanto, D’ = D + ∆D
• A esse ∆D Marx chama de mais-valia.
Princípio da troca de equivalentes
• Origem do valor: vimos que somente o dispêndio de força de trabalho é que gera valor,
portanto, o valor não nasce da troca, não nasce da circulação de mercadorias, não
nasce da venda de mercadorias, mas nasce somente no ato de produção de
mercadorias
• Esfera da produção: onde o valor é produzido
• Esfera da circulação: onde o valor é circulado, realizado por meio da circulação de
mercadorias
• Marx sempre supõe a troca de equivalentes: na circulação de mercadorias, portanto
deve vigorar o princípio da troca de equivalentes: certa quantidade de trabalho (ou sua
expressão monetária) deve ser sempre trocada por igual quantidade de trabalho
Princípio da troca de equivalentes
• É evidente que nas trocas cotidianas um vendedor pode tentar passar o outro para trás e
vender sua mercadoria por um preço acima do valor (e frequentemente isso acontece).
• O ponto central aqui é entender que a origem do valor não pode ser buscada nestes atos
de trapaça, pois um vendedor pode vender mais caro aqui, mas comprar mais caro ali e
assim sua vantagem desparece.
• Portanto, quando se pretende construir uma explicação real de qual é a origem do valor,
deve-se ter como hipótese a troca de equivalentes, ou seja, que as compras e vendas se
dão pelos seus respectivos valores (TTSN).
• A pergunta importante é: como D – M – D’ respeita a troca de equivalentes? Há aí uma
contradição aparente...
Quadro comparativo
Circulação simples de mercadorias Fórmula geral do capital
M–D–M D–M–D‘
Circuito do consumo Circuito do capital
Ponto de partida e de chegada é M Ponto de partida e de chegada é D
Objetivo é o valor de uso Objetivo é o valor
M inicial e M final são qualitativamente diferentes: são D inicial e D final são qualitativamente iguais: ambos são
diferentes valores de uso dinheiro
M inicial e M final são quantitativamente iguais: D inicial e D final não podem ser quantitativamente
respeitando-se a troca de equivalentes: ambos contém iguais, pois não se troca dinheiro por igual quantidade
a mesma quantidade de trabalho, logo mesma de dinheiro, mas D inicial e D final não poderiam ser
expressão monetária quantitativamente diferentes se quisermos respeitar a
troca de equivalentes.
Como Marx resolve esta aparente contradição?
2. Contradição da fórmula geral
• Dado o princípio da troca de equivalentes, a fórmula D – M – D’ ,
contém uma contradição aparente:
• Se na circulação as mercadorias devem ser trocadas por seus equivalentes,
e na circulação do capital D inicial deve ser menor do que D final, então de
onde surge o ∆D (a mais-valia) de modo que a troca de equivalente possa
ser mantida na esfera da circulação?
• O possuidor de dinheiro deve comprar mercadorias por seu valor e vendê-
las por seu valor e mesmo assim extrair no final do processo mais-valia.
• Qual é, portanto, a origem da mais-valia?
3. Compra e venda da força de trabalho

• Marx demonstra a origem da mais-valia a partir do ato de compra e venda da


força de trabalho (FT).
• Força de trabalho é o conjunto de capacidades físicas e mentais do trabalhador
postas em exercício durante a jornada de trabalho
• No capitalismo a força de trabalho se transforma em mercadoria, pois o
trabalhador vende (aliena) sua força de trabalho diária em troca de um valor.
Entretanto, devemos saber que a força de trabalho é uma mercadoria muito
especial, pois é a única capaz de gerar valor.
Requisitos para FT tornar-se mercadoria
• A força de trabalho só se torna mercadoria quando:
(i) é vendida “livremente” por um período de tempo limitado;
Ou seja, o trabalho despedido torna-se trabalho assalariado, não se estabelece mais
relações servis (nem escravistas)
(ii) o trabalhador não possa vender o produto de seu trabalho.
Ou seja, o trabalhador seja expropriado da
propriedade da terra e dos meios de produção
• Lembrando que para que algo seja mercadoria é preciso ter valor de
uso e valor, qual é, portanto, o valor de uso e o valor da mercadoria
Força de trabalho?
Valor de uso da FT
• Valor de uso da Força de Trabalho: No caso da mercadoria Força de
Trabalho seu valor de uso é a capacidade de satisfazer a necessidade de
quem a compra. E quem compra a mercadoria Força de Trabalho é o
capitalista, logo, a necessidade do capitalista a ser satisfeita é o ato de
realizar trabalho, portanto, o valor de uso da força de trabalho é sua
capacidade de trabalhar.
• Em determinada jornada de trabalho o valor de uso da força de trabalho
gera uma valor novo que podemos chamar de wj
Valor da FT (vf)
• Valor da Força de Trabalho (vf): a força de trabalho existe enquanto capacidade de trabalho,
portanto essa capacidade precisa ser reconstituída diariamente. Assim, o valor da força de
trabalho corresponde à quantidade de trabalho socialmente necessária para produzir os
elementos de consumo que restaurem a capacidade de trabalho consumida durante a jornada
de trabalho mais a formação de uma força de trabalho futura que venha substituir a presente
(seus filhos). As necessidades de consumo do trabalhador não são apenas biológicas, mas
também histórico-sociais.
• Portanto, o valor diário da Força de trabalho pode ser traduzido pelo equivalente monetário
que reconstitua diariamente sua necessidade de:
• alimentar-se
• vestir-se
• descansar
• divertir-se
• cuidar da saúde
• Etc.
Origem da mais-valia (m)
• A mais-valia emerge, portanto, do fato de que o capitalista paga à força de
trabalho o seu valor, isto é, a quantidade de trabalho equivalente à cesta de
consumo necessária à reprodução dos trabalhadores, mas recebe em troca o
direito de usufruir do valor de uso dela, ou seja, de usufruir de sua capacidade de
trabalho durante um determinado período que corresponde à jornada de
trabalho.
• O ponto central é que o valor gerado ao longo da jornada de trabalho pelo
desfrute do valor de uso da força de trabalho é maior do que o próprio valor da
força de trabalho. A figura a seguir ilustra este ponto:
• Na figura, vf é o valor da força de trabalho, m é a mais-valia e wf é o valor novo criado pelo desfrute do
valor de uso da força de trabalho. Note que wf é maior do que vf (isso é garantido pelo nível de
produtividade do trabalho alcançado no capitalismo), assim, o que excede vf é apropriado pelo
capitalista como mais-valia. Portanto, a mais-valia é trabalho alheio apropriado sob a legitimação da
propriedade privada. Supondo uma jornada de trabalho de 12 horas, temos:

m = w j – vf

O valor total produzido na jornada (wj) = 12 h, logo, m = 12h – 6h = 6h

Obs.: na vídeo aula usei a notação “L” para denominar o “valor total produzido
na jornada”, mas para padronizar com as notações utilizadas pelo profº Cipolla
passarei a utilizar a notação wj
Nas esferas da circulação e da produção temos:
D = dinheiro adiantado
50
M = mercadorias
100 100 MP 150 150
MP = meios de produção
DM 50 .....
 P.....
 M'  D '
FT = força de trabalho
FT
 P = processo produtivo
50 + 50 + 50 M’ = mercadorias novas acrescidas de
valor
 vvf 
 6h  m6h D’ = D + ∆D, dinheiro adiantado + mais-
Valor dos meios de produção + ||| valia
̶̶̶̶̶          
jornada de trabalho=12 horas vf = valor da FT
m = mais-valia
Valor novo produzido = wj c = valor dos meios de produção
wj = valor novo produzido na jornada
Antecipando...
• Do exposto segue que o trabalho é a única fonte de valor.
• Pergunta: mas as máquinas utilizadas para produzir as mercadorias M’,
equivalentes aos meios de produção, não criam valor? NÃO!
• Veremos mais tarde que o valor dos meios de produção (máquinas, instrumentos,
matérias-primas etc.) entram no valor final da mercadoria, mas não criam novo
valor, porque são valor já existente ou trabalho morto:
• M’ = valor dos meios de produção + vf + m

trabalho morto trabalho vivo


Conclusão
• A força de trabalho é a única fonte do valor.
• A força de trabalho é colocada para trabalhar durante uma jornada em que ela
reproduz seu próprio valor (vf) e além dele valor excedente.
• Este valor excedente é a mais-valia (m): valor criado pelo trabalhador, mas não
pago a ele
• A mais-valia nasce, portanto, na esfera da produção e nunca na esfera da
circulação (comercialização das mercadorias)
• Capital comercial e capital financeiro não geram mais-valia, seus rendimentos
são, em geral, partes da mais-valia produzida pelos trabalhadores do capital
industrial (produtivo)
Referências
MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Livro I, vol. I, cap. IV – A transformação do dinheiro em
capital. Versão em pdf disponível no TEAMS.

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