Você está na página 1de 49

EPISTEMOLOGIA – o

problema da origem do
conhecimento
Recordando…

As fontes de justificação do conhecimento

Um conhecimento é a priori
se o podemos adquirir
Conhecimento recorrendo apenas ao
Razão pensamento e
a priori
independentemente da
experiência.
“Todos os solteiros são não-casados”
Como justificamos as
Problema nossas crenças?

Um conhecimento é a
Conhecimento posteriori se só o podemos
Experiência
a posteriori adquirir pela experiência.
“Todos os solteiros são
infelizes”
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO

Qual é a origem do conhecimento humano? Qual é a fonte principal do conhecimento


humano?
Vamos analisar duas respostas a estas questões.

Racionalismo

artes
René Desc
Qual é a origem do
Problema conhecimento?

Empirismo

e
David Hum
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
A resposta de René Descartes

• Racionalismo
Descartes foi um filósofo racionalista.

O racionalismo considera que a razão é a fonte


principal/origem do conhecimento humano.

A razão é a capacidade de raciocínio.

Racionalism
o deriva
do termo la
tino ratio, René Descartes
que signific
a razão. 1596-1650
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
A resposta de Descartes

• Ideias inatas, adventícias e factícias Descartes

Descartes considera que temos três tipos diferentes de


ideias:

IDEIAS

INATAS ADVENTÍCIAS FACTÍCIAS


O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
A resposta de Descartes

IDEIAS

INATAS ADVENTÍCIAS FACTÍCIAS


Ideias que nascem connosco e Ideias com origem na Ideias criadas pela imaginação.
que são descobertas experiência sensível Inspiradas em outras ideias.
racionalmente. Não derivam da (fornecidas pelos sentidos).
experiência.
Exemplos: oceano, cavalo,
Exemplos: a ideia de Deus, Exemplos: sereia, unicórnio,
árvore,
existência, verdade, lobisomem, etc.
automóvel, etc.
as ideias matemáticas, etc.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
A resposta de Descartes

IDEIAS

ADVENTÍCIAS FACTÍCIAS
INATAS

Descartes:
A razão é a fonte das ideias inatas. a ideia de D
eus é-me
inata, do m
esm
Para Descartes, as ideias inatas que me é in o modo
são mais claras e distintas ata a ideia
de mim pró
do que as outras ideias. prio.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
A resposta de Descartes

• Conhecimento a priori

RAZÃO HUMANA
Partindo

das IDEIAS de ideias da


e
INATAS EXPERIÊNCIA
produz O conhecim
en
a priori pod to
e ser
conhecimento obtido atra
vés da
a priori intuição ou
da
dedução.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
A resposta de Descartes

• Conhecimento a priori
A Matemática e
até a Física
têm conhecimen
CONHECIMENTO A PRIORI tos a priori
substanciais.

São conhecim
ent os
q u e s e d e ve m
É substancial ao
poder do racio
cínio e não
à observação
do mundo.

É um conhecimento
acerca do mundo
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
A resposta de Descartes

• Conhecimento a posteriori
Descartes não nega que a experiência é
necessária para conhecer coisas como,
por exemplo, «está a nevar».

Porém, por não derivar da razão,


o conhecimento a posteriori
é menos certo e menos rigoroso
do que o conhecimento a priori.
Conclusão
Racionalismo
O conhecimento tem um fundamento racional:
as crenças básicas provêm da razão.
Tese
Há crenças sobre o mundo que podem ser
justificadas a priori.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
Crítica empirista ao inatismo de Descartes 1 Se algumas id
eias fossem
as crianças m inatas, então
ostrariam conh
ecê-las.
O argumento pode ser reforçado referindo que 2 Mas as crianç
as não mostra
muitos adultos parecem igualmente desconhecer m conhecê-las
.
essas ideias. 3 Logo, essas id
eias não são in
atas.

A resposta racionalista é que as ideias inatas


são como sementes:

nascem connosco, mas não vêm Por isso, nem to


completas e acabadas da s as
pessoas manife
stam
conhecer as ide
ias que
n a sc e r am co m e
las.
é preciso exercício e treino para as tornar
conscientes e explícitas.
O EMPIRISMO DE DAVID HUME

David Hume foi um filósofo empirista.


Para um empirista, a experiência é a fonte
principal/origem do conhecimento humano.

Nada está
intelecto s no
em antes
ter passa
do pelos
sentidos.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO Para Hume
, perceções
é
a palavra q
ue designa
todo e qua
lque
conteúdo m r
ental.
O ponto de partida para o conhecimento são as perceções, que são tudo o que há na nossa mente.

Hume distingue dois tipos de perceção.

PERCEÇÕES

IMPRESSÕES IDEIAS

As impressões são as perceções mais vivas e fortes.


As ideias são as perceções menos vivas e intensas.
As ideias são cópias das impressões.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• Impressões e ideias
PERCEÇÕES = Conteúdos da mente
IMPRESSÕES = dados fornecidos pela experiência imediata IDEIAS
INTERNAS EXTERNAS
(sentimentos e desejos) (sensações provenientes
dos cinco sentidos)

Simples Simples Complexas Simples Complexas


Indivisíveis, não se Associação de várias Indivisíveis, não se Associação de várias
podem decompor: impressões simples: podem decompor: ideias simples:
Complexas - sensação de doce - visão de uma casa - ideia de azul - ideia de mar
- sensação visual - audição de uma - ideia de doce - ideia de bolo
de azul canção de chocolate

SENTIR PENSAR
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• O princípio da cópia

As ideias são apenas cópias das impressões.

As ideias começam por ser recordações das impressões.

Representações das coisas mesmo


que estas não estejam presentes. Princípio Rejeição d
o inatismo:
se as ideia
da cópia das impres
s são cópia
s
sõe
há ideias in s, então não
atas.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• O princípio da cópia Ideia de


UNIVERSO Não há um
a impressã
correspond o
ente a univ
Se não pudermos ter experiência de Decompõe-se noutras ideias mas das id erso,
eias em qu
uma certa coisa não conseguiremos (menos) complexas decompõe e se
formar ideias acerca dela. já há impre
ssões.
planeta estrela
Mesmo as ideias mais abstratas
têm origem na experiência. …
Embora ind
iret
Por exemplo, a ideia de universo… Que por sua vez se a ideia de u amente,
niverso
decompõem em ideias também pr
ovém
ainda mais simples… da experiên
cia.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• O princípio da cópia

Mas como explicar ideias como


+
a de «sereia»?

=
Essas ideias representam seres que
não existem e, por isso, não derivam
diretamente da experiência.

Ideias desse género são misturas


de ideias – as ideias de «mulher»
e «peixe».
Debate:

Como avaliarias a ideia de


que existem anjos?
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• A ideia de Deus
Trata-se de uma ideia derivada da É uma ideia complexa que se forma
experiência, de modo indireto… através da associação de outras ideias
menos complexas (sendo que essas já
Não corresponde diretamente a
correspondem a impressões).
nenhuma impressão.

A perspetiv
a de Hume
é bastante
dife
da de Desc rente
artes.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• Ideia de Deus para Descartes e para Hume

Ideia de
DEUS

DESCARTES HUME

Ideia inata Ideia complexa


Causada pelo próprio criador (Deus) (Empírica, não inata) originada
pela associação de várias ideias
Debate:
Diz-se que Hume, no leito de morte, recebeu uma visita de um amigo
que lhe perguntou se acreditava na vida depois da morte; este
respondeu que também era possível que um bocado de carvão
atirado ao fogo não ardesse.

Como avaliarias a posição de Hume relativamente


à existência de Deus?
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• Relações de ideias e questões de facto


Tudo o que podemos investigar e tentar conhecer divide-se em:

RELAÇÕES DE IDEIAS QUESTÕES DE FACTO

• Nenhum solteiro é casado. • O Sol vai nascer amanhã.


• Um triângulo tem três lados. • Lisboa é a capital de Portugal.
• O dobro de cinco é metade de vinte. • Fumar faz mal à saúde.
•… •…
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

RELAÇÕES DE IDEIAS
Conhecimento a priori

Verdades necessárias Certeza

A negação de uma relação de A certeza da verdade pode


ideias implica uma contradição estabelecer-se demonstrativamente Para saber
que nenhu
solteiro é c m
asado não
Através precisamos
de fazer
nenhuma o
bservação.
• do raciocínio; Sabemo-lo
a priori.
• da intuição.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

QUESTÕES DE FACTO

Conhecimento a posteriori Dizer que o


não vai nas sol
cer am
é falso mas anhã
não
é contraditó
É a posteriori É contingente rio.

Recorre à experiência (observar A negação de uma questão de facto


os factos do mundo) não implica uma contradição

A sua verdade nunca é totalmente certa


O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• O conhecimento do mundo

Podemos saber a priori que nenhum O conhecimento das relações de ideias


solteiro é casado… (a priori) não é substancial.

… mas sem a experiência não O conhecimento das questões de facto


teríamos os conceitos de solteiro (a posteriori) é substancial.
e de casado.

Existe conh
a priori, ma ecimento
s não é ace
do mundo. rc a
conhecime Todo o
nto do mun
a posteriori. do é
Síntese:
Tipos de conhecimento
Tipos de
conhecimento

Questões de facto Relações de ideias

Conhecimento Conhecimento
a posteriori a priori

Expressa verdades
Dão-nos Decorre da Expressa verdades
contingentes: Nada nos
Decorre da conhecimento relação necessárias:
negá-las não dizem sobre o
experiência. sobre o estabelecida negá-las implica
implica mundo.
mundo. entre ideias. contradição.
contradição.

• O seu conhecimento é substancial • O seu conhecimento não é substancial


Empirismo

O conhecimento tem um
fundamento empírico: as crenças
Tese básicas provêm da experiência.
O conhecimento a priori não é
substancial (sobre o mundo).
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• A causalidade

A compreensão habitual de causalidade é a de que um acontecimento A


(a causa) provoca um acontecimento B (o efeito).

Acontecimento A
Se observamos pegadas na praia… David Hu
consider me
a qu
uma conceção e esta
Fazemos sal.
ha
de causa bitual
cau
inferência lidade
é errada!
Acontecimento B
… concluímos que alguém passou
por ali antes de nós.
Princípio da causalidade

Princípio que defende que o


acontecimento de algo é sempre
precedido por uma causa e que existe
uma conexão necessária entre uma
causa e o seu efeito.

Causa Efeito

Conexão necessária
Causalidade para Hume – Conjunção Constante

«A mente, possivelmente, nunca pode encontrar o efeito na suposta causa


através do mais rigoroso escrutínio e exame, porque o efeito é totalmente
diferente da causa e, por conseguinte, jamais pode nela ser descoberto.»
Hume

Causa-efeito Não pode ser Não é resultado


Conjunção
(conexão conhecida pela de qualquer
constante
necessária) razão. impressão.
Costume/Hábito

«O costume, pois, é o grande guia da vida humana. Unicamente este princípio


nos torna útil a experiência e nos faz esperar, para o futuro, uma série de
eventos semelhantes àqueles que apareceram no passado. Sem a influência
do costume, seríamos plenamente ignorantes em toda a questão de facto
para além do que está imediatamente presente à memória e aos sentidos.»
Hume

Acontecimentos
Conjunção Costume/ futuros assemelham-se
constante Hábito aos acontecimentos do
passado.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• A causalidade para Hume

CAUSALIDADE

A experiência Ligamos a causa ao A ideia de conexão


mostra-nos efeito com base no necessária é a cópia A conclusão d
e Hume
conjunções hábito (um fenómeno de um sentimento acerca da cau
salidade
constantes e não psicológico e e não de uma tem um caráte
r
conexões necessárias subjetivo) impressão externa notoriamente
cético
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• O problema da indução
Os raciocínios indutivos partem da experiência, mas levam-nos além da experiência…
… as suas conclusões referem-se a casos não observados, quer do presente quer do futuro.

A Os iogurtes de mirtilo que B Já estive muitas vezes em salas


já provei eram saborosos. como esta e o teto não caiu.
Logo, todos os iogurtes Por isso, o teto não vai cair
de mirtilo são saborosos. durante esta aula.
el p r ov á- lo s a todos,
Não é possív o r efere-se
A conclusão refere
-se
c on c lus ã
mas a d e mirtilo a momentos que a
s io g u r te s inda
a todos o não ocorreram
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

PROBLEMA DA INDUÇÃO
No caso dos raciocínios indutivos
ocorre uma espécie de salto

Do «alguns» Do «alguns» do «passado»


para o «todos» ou «presente» para o «próximo»
ou os «próximos» casos do «futuro»
Generaliza Mas existirá
ção
Previsão uma justificaç
ão
racional para
a indução?
Sem esse salto indutivo só poderíamos, muito provavelmente,
pensar e falar do imediato, do aqui e agora.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• O problema da indução
Por exemplo: ao prever que o Sol vai nascer
amanhã estamos a pressupor que a Terra
continuará a girar como tem girado até hoje.

Mas, como se pode


justificar o princípio
da uniformidade
da natureza?
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• O ceticismo moderado de Hume


Hume chegou a conclusões céticas acerca da indução e da causalidade...

… mas considera que os seres humanos têm alguns conhecimentos:

Ceticismo
Temos Temos também
moderado
conhecimentos alguns
acerca das conhecimentos
relações de ideias. acerca do mundo.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• O ceticismo moderado de Hume


Sabemos que no passado após comer pão
ficámos sem fome...

… porém, não sabemos se da próxima vez


que comermos pão ficaremos sem fome.

A experiência não nos mostra


A experiência Em consequência,
uma conexão necessária entre
imediata marca, muitas proposições
a ingestão do pão e o
portanto, o limite científicas não poderão
desaparecimento da fome,
do conhecimento ser consideradas
apenas a conjunção constante
humano. conhecimento.
dos dois fenómenos.
O PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO
O empirismo de David Hume

• O ceticismo radical torna a vida impossível


Hume considera que não seria possível viver como céticos radicais.

CETICISMO Defende a Mas não seria


RADICAL suspensão de possível viver
todas as crenças. assim.

CETICISMO Na vida prática temos de acreditar na existência


MODERADO de relações causais e nas inferências indutivas,
mesmo sem justificação racional.
OBJEÇÕES AO EMPIRISMO DE HUME Atenção!
Estas não

todas as o
objeções
Os conhecimentos matemáticos possíveis
à te
são substanciais de David oria
Hume.

É implausível que o conhecimento matemático


não seja substancial:
• quando se fazem cálculos matemáticos
parece haver conhecimento novo e não
apenas uma explicitação de ideias;

• a matemática aplica-se ao mundo,


no quotidiano e nas ciências.
OBJEÇÕES AO EMPIRISMO DE HUME Atenção!
Estas não

todas as o
objeções
possíveis
à te
A conceção de causalidade de Hume de David oria
Hume.
tem consequências absurdas

Aceitar a identificação humana entre causalidade e conjunção


constante leva a admitir falsidades, como, por exemplo:

• o dia é causa da noite (ou vice-versa), já que entre eles


existe conjunção constante;

• o mundo não teve uma causa, já que a criação do mundo


aconteceu só uma vez, não havendo, portanto, uma
conjunção constante.
COMPARAÇÃO ENTRE AS TEORIAS DE DESCARTES E DE HUME

QUESTÕES DESCARTES HUME


Qual a perspetiva filosófica Racionalismo. Empirismo.
em que se insere a teoria?

Qual é a fonte do conhecimen- Razão. Sentidos (ou experiência).


to mais valorizada?

Há ideias inatas? Sim. Por exemplo: o cogito e a ideia de Não. Todas as ideias têm origem nas
Deus. impressões (mesmo as mais abstratas,
como a ideia de Deus).

Como pode ser obtido Através da intuição e da dedução. Através da intuição e da dedução.
o conhecimento a priori?

continua
COMPARAÇÃO ENTRE AS TEORIAS DE DESCARTES E DE HUME

continuação

QUESTÕES DESCARTES HUME


O conhecimento a priori é Sim. Permite-nos ter informações sobre Não. É um conhecimento das relações de
substancial? o mundo. ideias, não dá informações sobre o
mundo. Os factos do mundo só podem
ser conhecidos a posteriori.

Qual é o fundamento do nosso O cogito (é um fundamento racional, As impressões (é um fundamento


conhecimento do mundo? a priori). empírico, a posteriori).

Os céticos têm razão? Não. É possível alcançar conhecimentos Em parte. Temos alguns conhecimentos,
indubitáveis (ideias claras e distintas, cuja mas em muitas áreas temos apenas
verdade é garantida por Deus) que crenças sem justificação, mas que não
podem ser racionalmente justificados. podemos rejeitar.
Exame Nacional Filosofia
Exame Nacional (2023 F1)
Considere o texto seguinte.
Quando nós [os céticos] perguntamos se um objeto é como parece, admitimos que ele
tem uma aparência. Deste modo, a nossa investigação não se dirige à própria aparência. Em vez
disso, questiona o juízo que fazemos acerca dela, e isto é muito diferente de investigar a própria
aparência. O mel, por exemplo, parece-nos doce. E isto nós concedemos, porque temos uma
sensação de doçura ao sermos afetados pelo mel. A questão, no entanto, é se este é doce,
independentemente do modo como nos afeta. Portanto, não é a aparência que é questionada,
mas o juízo que fazemos acerca dela.
Sexto Empírico, Selections from the Major Writings on Scepticism, Man, & God, Indianapolis, Hackett Publishing Company, 1985, p. 38.

- Em que medida Descartes e Hume poderiam subscrever a dúvida cética expressa no texto?
Na sua resposta, explicite os aspetos relevantes das perspetivas de Descartes e de Hume.
Correção
Explicitação dos aspetos relevantes das perspetivas de Descartes e de Hume:
− segundo Descartes (na fase em que apresenta os argumentos céticos), não só não podemos confiar nos
sentidos, pois estes já nos enganaram, como não podemos ter a certeza de que não sonhamos quando
julgamos estar acordados;
− por exemplo, quando mergulhamos uma vareta de vidro num copo de água, podemos ter a ilusão de
que a forma da vareta se alterou; mas Descartes mostra que nem sequer podemos afastar a hipótese de
o próprio ato de mergulhar a vareta de vidro no copo de água ser, afinal, parte de um sonho;
− segundo Hume, apenas temos perceções (impressões e ideias), mas não temos acesso aos objetos que
consideramos serem as causas das nossas perceções;
− ora, para sabermos/admitirmos que as perceções resultam dos objetos, teríamos de observar as
perceções a serem causadas pelos objetos, o que é impossível (pois nós só temos acesso às perceções).
Exame Nacional (2023 F2)
Atente nos dois textos seguintes, A e B, um dos quais foi escrito por Descartes e o outro por Hume.
Texto A
Mesmo que fosse verdade que o meu conhecimento aumenta gradualmente e que há em mim
[potencialmente] muitas coisas, […] nenhuma delas pertence à ideia de Deus. […] Na verdade, que o meu
conhecimento aumente gradualmente é prova certíssima de imperfeição. Além disso, ainda que o meu
conhecimento aumentasse sempre mais e mais, nunca o concebo por isso como sendo infinito […], porque
nunca chegará ao ponto de não ser sempre capaz de maior acrescentamento. Mas eu afirmo que Deus é
infinito […], que nada se pode acrescentar à sua perfeição.
Texto B
Quando analisamos os nossos pensamentos ou ideias, por mais complexos ou sublimes que possam ser,
sempre constatamos que eles se decompõem em ideias simples, copiadas de alguma sensação ou
sentimento precedente. […] A ideia de Deus, no sentido de um Ser infinitamente inteligente, sábio e bondoso,
deriva da reflexão sobre as operações da nossa própria mente e de aumentar sem limites aquelas qualidades
de bondade e sabedoria.
1- Identifique o autor do texto A e o autor do texto B, justificando, com base nos textos, as identificações
feitas.
2 - Justifique que um dos textos contém uma premissa de um argumento a favor da existência de Deus.
Correção

1. Identificação dos autores dos textos:


− o texto A é de Descartes, e o texto B é de Hume.
Justificação da identificação feita:
− no texto A, afirma-se que nenhuma das coisas que, potencialmente, existem nele (Descartes) «pertence à
ideia de Deus», e que o seu conhecimento, mesmo que «aumentasse sempre mais e mais», seria sempre
finito, não podendo fazer parte da ideia de Deus, que é a ideia de um ser infinito;
− de acordo com o Texto A, algumas ideias são independentes da experiência, e a ideia de Deus é uma dessas
ideias (e estes são aspetos centrais do racionalismo de Descartes);
− no texto B, afirma-se que todas as ideias, «por mais complexas e sublimes que possam ser», derivam da
experiência, e que a ideia de Deus deriva da experiência que temos da «nossa própria mente», na qual
percebemos os sentimentos de «bondade e sabedoria», que são infinitamente aumentados na ideia de Deus;
− de acordo com o Texto B, qualquer ideia, mesmo que seja a ideia de um ser sublime como Deus, tem origem
em impressões e, nessa medida, depende da experiência (e este é um aspeto central do empirismo de Hume).
2. Justificação:
− no texto A, Deus é apresentado como um ser infinito e perfeito, dado que «nada se pode acrescentar à
sua perfeição»;
− a existência é uma perfeição (OU nada que não exista pode ser perfeito);
− se Deus não existisse, não seria perfeito (logo, Deus existe).

Você também pode gostar