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SOBRE ALGUMAS DANÇAS BRASILEIRAS

Pesquisa: Rosane Almeida

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O REISADO DOS GUERREIROS

Tropel de passos que abala a terra! Quantos reinos submersos, quantos


Pelo rosto ralo brilho de cetim e pe- verões de esperança,
drarias, Quantos vales e desertos, quantos
Sobre a pele pobre turbilhões de co- sertões de desejos
res e miçangas. eles trazem na garganta?

Quem são esses homens de tez en- Que palavras escreve esse alfabeto
cardidas e passos graciosos? de passos e combates?
Quem são esses magos de magras O que me dizem essas almas que o
figuras e riso na boca? coração não diviso?
Quem são esses Reis, sem níquel no Como posso seus enigmas desvelar
bolso mas fartos de festas? se não os ouço?
Será preciso descer ao porão das
Deviam se maldizer... e dançam! heresias
Brincam com o nunca visto. para conhecer seus desígnios?

Na procura de que luas, de que sóis O que os move nessa caminhada


eles caminham, sem fim?
trazendo bois coroados, jaraguas, Serão os gestos dos rios,
burrinhas.... ou almas de tantos Reis nestas ves-
tes encarnadas?
De onde vem esse cortejo que brin-
ca na travessia Reis com sono, Reis cansados, Reis
e abre nesse deserto as sete portas de baile e roçado.
do riso? É inverno e eles ainda brincam...
Batem os tambores, tangem as vio-
las, sopram os pífanos...
É inverno e eles ainda brincam!
Oswaldo Barroso

2 DANÇAS BRASILEIRAS
CIRANDA

Uma das mais tradicionais danças reza, fluem em melodias autentica- melhor exemplo de Ciranda feita no
populares, a Ciranda se faz com mo- mente brasileiras. Brasil pode ser encontrado na Ilha de
vimentos circulares, cantigas e mãos Itamaracá, por Maria Madalena Cor-
dadas. Desde a pré-história, já se fa- Cirandas no Brasil reias do Nascimento, a conhecida Lia,
zia uma dança ritual em roda, acom- imortalizada pela cantiga:
panhada por cânticos. Segundo a tra- Segundo historiadores, a Ciranda,
dição, ao se voltarem para o centro originária de Portugal, era dança-
de um círculo, movimentando-se e da por adultos. A difusão da Ciranda “Essa Ciranda
cantando, os homens se comunica- pelo Brasil teve início no norte de Per- quem me deu foi Lia
vam com seus deuses. nambuco, tendo imediatamente atra- que mora na Ilha de Itamaracá.
De mãos ou braços dados, os parti- ído as crianças, por essa mistura de Estávamos na beira da praia,
cipantes formam uma roda, e giram canto, dança, brincadeira e diversão, ouvindo as pancadas
e ondulam ao som das cantigas pu- na qual não cabiam discriminações: das ondas do mar...”
xadas pelo Mestre de Ciranda – figu- dançam velhos e moços, homens e
ra central do folguedo. Cirandeiros e mulheres de todas as condições. A Outras cirandas:
cirandeiras balançam seus corpos e brincadeira se espalhou rapidamente
movimentam seus pés de modo sin- por todo o Nordeste. • Ciranda de Dona Duda do Janga,
gular, cantando as respostas (ou es- Quando se fala de Ciranda, não se no Município de Paulista, PE;
tribilhos) ao Mestre que se coloca no pode deixar de citar o grande mestre • As cirandas Nordestina, For-
centro ou ao lado da roda, tocando o Antônio Baracho, um dos maiores po- mosa, Mimosa e Cobiçada do Zé
seu ganzá. Junto dele, os outros mú- etas e compositores que comandou, Custódio, em Olinda;
sicos se acompanham por instrumen- durante muitos anos, a Ciranda de • Ciranda Brasileira de Camara-
tos característicos, como a zabum- Abreu e Lima. Baracho era trabalha- gibe e Dengosa de Água Fria, em
ba, o tarol e, às vezes, pelos sopros dor braçal e encantava a todos com Recife;
(trombones, clarinetes, saxofones e sua voz forte e os versos que criava • Ciranda do Edmilson em Tracu-
pistons). nas brincadeiras de roda. nhaém, Ciranda do Santeiro em
O tema das cantigas é variado e se- É comum realizar Cirandas à beira da Nazaré da Mata, Ciranda da Bia em
gue a deixa do Mestre. O cotidiano praia, em que a cadência dos passos, Aliança e a Ciranda do Zé da Ra-
faz-se presente nas cirandas canta- com os pés descalços, se harmonizam posa em Vicência, todas no interior
das: amor e política, futebol e natu- com o balanço das ondas do mar. O de Pernambuco.

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CABOCLINHO

Caboclinho – diminutivo de caboclo, apresenta seus personagens: fechando com graça por serem mui
palavra muito usada no Nordeste ligeiros(...)”1.
para se referir aos índios ou à mis- o cacique (ou caboclo velho), a ín-
tura de índio com branco – refere-se dia-chefe (mãe tribo), o pajé, maté, Há manifestações de Caboclinho em
tanto aos filhos de caboclo quanto a o matuá, o capitão, o tenente, a por- todo o Nordeste e em Minas Gerais;
um bailado de origem indígena. ta-estandarte, os perós (meninos as representações geralmente ocor-
e meninas) e os caboclos de baque rem no Carnaval de Recife e Olinda.
Como folguedo, o Caboclinho dra- (músicos). Todos usam figurinos fei-
matiza as batalhas, as caçadas e as tos de penas de ema, avestruz ou pa- É importante ressaltar que, muitas
colheitas. Trata-se de uma dança vão, cocares na cabeça, atacas nos vezes, tradicionais grupos de Índios
marcada pela agilidade, destreza e punhos e tornozelos, além de colares são confundidos com os Caboclinhos,
desenvoltura do participante, fruto com dentes de animais e pequenas apesar de apresentarem caracterís-
de uma coreografia rica, cujos mo- cabaças presas à cintura. ticas diferenciadas: pinturas faciais
vimentos são de abaixar e levantar, de cor vermelho, uso de cocares com
saltos e troca-pés (apoio nas pontas Histórico penas de garça ou galinha e disposi-
dos pés e calcanhares). ção dos dançarinos em duas fileiras:
O Caboclinho é uma reminiscência de um lado, as índias portam macha-
As coreografias mais conhecidas são de um antigo desfile indígena, uma dinhas; de outro, os índios conduzem
Ataque à Guerra, Aldeia, Cipó e Em- apresentação de dança indígena aos pequenas lanças. A dança é acompa-
boscada. As danças, também chama- brancos, observado desde o século nhada pelos sons de duas gaitas, dois
das de toré, são a Guerra e o Baião, XVI, como citado pelo Padre Fernão ganzás e três bombos; os mestres
e podem ser dançadas individual ou Cardim: são, na maioria das vezes, seguido-
coletivamente, sempre acompanha- res de cultos indígenas (pajelança).
das por música leve e ligeira (execu- “Foi o recebido dos índios com uma
tada por pífanos, surdos, maracás, dança mui graciosa de meninos, to- Grupos tradicionais:
reco-recos e ganzás) e pelos estali- dos empenhados, com seus diade-
dos secos das preacas (pancadas das mas na cabeça e outros atavios das • em Recife: Caboclinho
flechas nos arcos), utilizadas pelos mesmas penas, que os faziam mui Sete Flexas, na região do-
dançarinos que marcam o ritmo. lustrosos(...) fizeram no terreiro de Alto do Pascoal; Tabajara
Como todo folguedo, o Caboclinho nossa Igreja seus caracóis, abrindo e de Casa Amarela; Cabo-

4 DANÇAS BRASILEIRAS
MACULELÊ

clinho Canindé de Bomba do He- O Maculelê é uma dança dramática, de origem imprecisa, advinda de um auto
metério e Caboclinho Uirapuru, popular de origem africana. O Maculelê é um folguedo que desperta duas in-
de Coque; terpretações bem distintas, podendo representar tanto a luta entre escravos
• em Olinda: Caboclinho Tupi Gua- e senhores brancos, quanto uma simples diversão entre os negros africanos,
rani de Caixa d’Água e os Cabocli- como o samba de roda.
nhos Tapajós de Águas Compridas;
• no município de Tracunhaém, Ca- Acredita-se que há cerca de 300 anos o bailado guerreiro integra o cenário
boclinhos Coités e os Caboclinhos das festas religiosas no Recôncavo Baiano, a festa de Nossa Senhora da Con-
Índio Vencedor; ceição, na Praça da Purificação em Salvador – fazendo-se acompanhar de
• os grupos de índios em Araçoiaba, música e atos profanos, apesar de estar relacionado aos rituais religiosos.
os Cates de Goiana e os Fulni-ô de
Águas Belas.
O Maculelê passou por mudanças, ao longo do tempo. Em sua antiga forma, a
dança era realizada em cortejo; os participantes, geralmente negros do sexo
masculino, saíam às ruas dois a dois, entrechocando as grimas ou bastões de
madeira que portavam em cada mão, ao ritmo de atabaques e cânticos popu-
lares, numa mistura das línguas portuguesa e africana, em coro:

“Ô lê lê maculelê
Ô lê lê maculelê”.

Outras formas de execução podem ser observadas; nos anos 60, comandados
pelo Mestre Popó, os figurantes deslocavam-se em fila indiana, acompanhados
pelo ritmo ijexá, tendo à frente o mestre, seguido do contramestre e do mas-
cote – geralmente uma criança. Cada um levava um par de grima com cerca
de 50 centímetros cada, que os participantes faziam chocar-se com energia.
Nas apresentações em praça pública ou em locais privados, a coluna de dan-
çarinos era disposta em semicírculo, e as grimas ao se chocarem eram ‘con-
geladas’ ao som do apito do mestre. Após silêncio absoluto, o mestre entoava
os cânticos de Louvação: um para Nossa Senhora da Conceição, um para a

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COCO

Princesa Izabel e o terceiro para o dono da casa (no caso de apresentações O Coco pode ser considerado um gê-
realizadas em frente a alguma residência particular). nero poético-musical-coreográfico
encontrável nos estados do Nordeste
Zezinho, filho de Mestre Popó, assumiu então a direção do Grupo Folclórico brasileiro, apresentando variações na
Viva Bahia, e passou a exigir muita atenção de cada figurante, pois o mestre execução, entre um e outro estado.
se punha no centro da grande roda e escolhia um figurante para bater a sua
grima. Em outro momento da coreografia, mestre Zezinho chamava à liça um Há duas versões sobre a sua origem
por um dos integrantes até o último da roda, quando então dava por encerra- do Coco: uma afirma que a dança
da a brincadeira, que finalizava com a retirada dos dançarinos, em fila indiana, teria surgido no Quilombo dos Pal-
batendo umas nas outras suas próprias grimas. mares, com o barulho que os cocos
provocavam ao serem quebrados nas
O ritmo era feito por três atabaques e um agogô de duas bocas. O apito do pedras, um som que convidava os ne-
mestre dava o sinal para o início e o fim da dança e da música. O par de gri- gros a dançarem. Com o tempo, esse
mas que cada componente carrega é batida uma contra a outra em quatro ruído natural foi substituído pelo som
tempos, sendo que no primeiro, no segundo e no terceiro tempos as batidas de palmas com as mãos encovadas,
dançado por pares de casais dispos-
são dadas à altura da barriga, com os braços flexionados; no quarto tempo, a
tos em roda, trocando umbigadas
batida é dada na altura do rosto, com os braços estendidos para a frente. As
entre si e com os casais vizinhos.
grimas também podiam ser batidas no chão, considerado o tempo marcado.

Ao se tornar conhecido fora das sen-


Atualmente, cada grupo apresenta o Maculelê com maior liberdade, intro-
zalas, o Coco passou a ser dançado,
duzindo passos espontâneos, golpes de capoeira, gingados de samba, acro-
em comunidades rurais, durante a
bacias, passos de frevo e, sobretudo, danças de candomblé. O gingado livre
construção de casas de pau-a-pique,
gerou uma perda da seqüência dramática que a dança outrora apresentava.
processo para o qual era necessário
O mestre não usa somente uma grima, mas sim duas, como os demais com-
contar com o trabalho de um grande
ponentes. E o legado que ainda permanece nas atuais apresentações de Ma-
número de pessoas. Assim, o dono
culelê é a exigência da batida das grimas no tempo certo, de acordo com o convocava seus vizinhos, parentes e
ritmo tocado. amigos a participarem da construção,
cuja etapa final era o nivelamento do
assoalho de barro da casa. A finali-

6 DANÇAS BRASILEIRAS
zação da obra era, portanto, a dança solista cita, geralmente, pessoas pre- res se enlaçam, segurando no braço
de sapateado que amassava o chão sentes e acontecimentos que sejam ou quadril do parceiro, sem ficar de
da casa. Os homens, principalmente, do conhecimento de todos. Os versos frente um para o outro.
pisavam firme durante a noite inteira, cantados pelo solista são repetidos
motivados pelos Cocos ou Pagodes, por todos os participantes, sendo que O Coco mais tradicional do Estado de
revezando-se com as mulheres que a silaba tônica final de cada verso Pernambuco é o Coco de Roda de
entoavam canções de roda. A festa, é reforçada, pelos dançarinos, com Selma, em Olinda. Selma aprendeu
oferecida pelo dono como forma de uma pisada forte com ambos os pés, a dançar Coco, desde menina, com
agradecimento, seguia noite a den- com marcação do tempo e o gingado seus pais. Hoje, repassa a tradição
tro regada a cachaça, arroz-doce e do corpo, de um lado para o outro. aos filhos e netos.
buchada (pratos típicos da tradição
rural), até o dia clarear e o chão ficar Há inúmeras variações encontradas, Outros grupos de Coco
lisinho. mas não se pode deixar de mencio-
nar as cinco formas de organização • em Olinda, Coco de Praia de An-
Atualmente, o Coco é executado coreográfica do Coco: tonieta em Águas Compridas;
mesmo que não haja um evento ex- • em Recife, Coco de Roda de Egi-
traordinário; as pessoas trazem seus • Coco de Roda: dois casais dançam dio Bezerra na Torre, Coco de
instrumentos (bombos, pandeiros, em destaque no centro da roda e es- Roda Sete Flexas em Alto do Pas-
zabumbas, tamborins e os tradicio- colhem outro par, para revezamento, coal, Coco de Roda de Elefante
nais ganzás), reúnem-se em pares através de uma umbigada. em Bomba do Hemetério e Coco de
e formam uma roda. Cada integran- • Coco de Visita: os pares visitam Roda de Zé Neguinho no Morro da
te dá uma volta em torno do próprio outros pares, trocando de lugar en- Conceição;
corpo e se encontra com o parceiro quanto sapateiam. • no interior do Estado, Coco de Ca-
numa umbigada, seguindo a marca- • Coco Solto: variante do Coco de lixto em Arcoverde e Coco de Roda
ção rítmica da música. Em seguida, Visita, havendo o mesmo movimento Varelo em Nazaré da Mata.
cada um dá um passo para a direita, de visitação e uma umbigada.
outro para a esquerda e volta a se • Coco de Parelhas: os cavalheiros
encontrar na umbigada. mudam de dama ao sinal do canta-
As melodias são improvisadas pelos dor, dando umbigadas a cada troca.
“tiradores de coco”, sendo que um • Coco de Parelhas Ligadas: os pa-

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BUMBA-MEU-BOI OU CAVALO-MARINHO

O Bumba-meu-boi é uma manifestação popular ligada à tra-


dição das danças dramáticas Janeiras e Reisados2 – trazidas
pelos portugueses e incorporadas pela população nordesti-
na–, que ocorrem no período de 12 dias, entre a véspera de
Natal e o dia de Reis.
O folguedo apresenta as figuras dos animais tradicionais do presépio – o boi e
a burrinha –; o termo Bumba faz valer a impressão de choque, batida e pan-
cada, por conta da interjeição: “Bate, chifra meu boi”, repetida pelas vozes
excitadas, nas cantigas do auto.
O Cavalo-marinho é uma das variantes do Bumba-meu-boi, uma espécie de
teatro de rua que reúne música, dança e poesia3, caracterizado pela variedade
de movimentos, loas (ou poesias), toadas (cantos), coreografias e improvi-
sos.
A música e o canto conduzem a brincadeira e são executados pelo Banco
– grupo de músicos que tocam sentados em um banco, acompanhados por
instrumentos como rabeca, pandeiro, reco-reco, mineiro e ganzá. Além des-
tes, duas bexigas de boi percutidas no corpo de dois personagens, Mateus e
Bastião, têm função musical.
O enredo do Cavalo-marinho, tal como um auto do boi, narra a história de
personagens fantásticos e reais presentes na vida cotidiana e imaginária do
interior do Estado onde é representado. A disposição no espaço físico é uma
roda naturalmente formada pelo público que interage com a cena teatral, mas
não atua.
Segundo Mestre Salustiano, que mantém um dos grupos mais conhecidos de
Cavalo-marinho, haviam – originalmente – mais de setenta personagens no
auto, mas muitos não são mais encenados. A brincadeira – que dura a noite
inteira – é levada entre os meses de julho e janeiro (com destaque para os
dias de Natal e Santo Reis) e está sempre relacionada à religiosidade e ao sin-
cretismo, embora não esteja ligado a nenhuma instituição religiosa.

8 DANÇAS BRASILEIRAS
Enredo

O Capitão Marinho, figura central que dá nome ao auto, oferece um Baile aos
Santos Reis do Oriente. Para isso, contrata dois negros, o Mateus e o Bastião
pra tomar conta do terreiro. Após chegar de viagem, os negros se dizem donos
do terreiro, e o Capitão é obrigado a chamar o Soldado da Guarita para que re-
tome a música. Surge o Empata o Samba, que interrompe o samba até a che-
gada do Mané do Baile, que reabre o terreiro para o Baile, um dos pontos altos
da noite.

No Baile há uma seqüência de coreografias – as Danças dos Arcos que são


São Gonçalo, Jerimum, Marieta, Cobra, Roseira e outras em conjunto elabora-
da pelos Galantes, Damas, Pastorinhas, Arlequim, mestradas pelo Capitão que
tem a função de Puxador dos Arcos. Depois, é a vez de o Capitão vir montado
em seu cavalo (daí o nome de Cavalo-marinho)... e a dança segue adiante
com Mestre Ambrósio, um mascate que sai pelo mundo comprando, vendendo
e negociando, trocando de figura para continuar a brincadeira.

Outras figuras vão surgindo aleatoriamente – Matuto da Goma, Selador e Seu


Campelo, Vila Nova, Seu Domingos, Véia do Bambu e finalmente o Vaqueiro
com seu filho Mané, montado numa Burra. Quando o dia amanhece, o terreiro
recebe o Boi e finaliza a despedida numa roda de Coco.
Este é o enredo representado por Mestre Grimário, mas cada grupo tem
sua maneira particular de brincar. O Cavalo-marinho se concentra em uma
pequena região do Nordeste; ainda em atividade estão os grupos de Mes-
tre Gasosa em Baeux, na Paraíba, e de Mestre Salustiano em Tabajara,
Olinda. Outros mais distantes no interior de PE – em Condado, Aliança,
Camutanga, Itambé e Goiana – são os grupos de Biu, Alexandre, Inacio
Lucindo e Mariano Teles.

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FREVO

Assim como a própria palavra que lhe Os passistas modernos, que geral- São tantos os passos que emissoras
deu o nome (frever, frevura), o frevo mente formam uma ala especial nas de televisão e rádio vieram incentivar
é uma dança da multidão que, acom- grandes agremiações dos clubes car- a criatividade dos passistas no cha-
panhada de música excitante e ligei- navalescos, criam passos que soam mado Concurso de Passo, que deu
ra, gera calor e esquenta. Apesar de verdadeiras acrobacias e levam no- origem à criação de escolas de pas-
a coreografia ser dançada individual- mes como vôo de andorinha, tesoura sistas como Egidio Bezerra (já faleci-
mente, o frevo está presente nas car- no ar, coice de burro, tesoura cruzan- do) conhecido como o Rei do Passo,
navais de rua em Recife e nos salões do, canguru, trem de ferro, tesoura Francisco Nascimento Filho ou Nasci-
dos clubes carnavalescos, contagian- passando a sombrinha etc. É curioso mento do Passo, e Arnaldo Francis-
do a todos os que o ouvem, como se notar o uso de sombrinhas coloridas, co Neves, o Coruja, que vieram a ser
por todos passasse uma corrente ele- com cerca de 50 centímetros de com- professores de Antulio Madureira, o
trizante, que não deixa ninguém ficar primento e 60 de diâmetro que facili- Pipoca, de Meia Noite e tantos outros
parado. tam os passos acrobáticos. representantes de uma geração de
passistas.
O ritmo contagiante – que é a essên- O frevo tem muitos outros passos,
cia da dança – é tocado numa marcha cada um com seu próprio nome. Em Origem do Frevo –
sincopada, frenética, com andamento pesquisa realizada por Francisco Nas- Do capoeira ao passista
semelhante ao da marchinha carioca, cimento Filho6, foram relacionados e
porém mais pesado, com uma execu- catalogados 48 passos: saca-rolha, Após a Abolição da Escravatura em
ção vigorosa e estridente de fanfar- canguru, tesoura, locomotiva, chã de 1888, surgiram os Clubes Carnava-
ra – diálogos de trombones e pistões bundinha, careceu, pisando em bra- lescos, por volta no início do século
com clarinetes e saxofones. sa, urubu baleado, de bandinha que XX, incorporando elementos dos des-
eu vou, ferrolho, tramela, encaraco- files militares, acrescidos da influên-
A coreografia, conhecida como pas- lado, plantando mandioca, parafuso, cia de procissões religiosas – como,
so, é executada ad libitum4, indivi- passeando na pracinha (em referên- por exemplo, o estandarte, uma có-
dualmente, tendo cada dançarino ou cia a Praça da Independência, conhe- pia dos pendões das corporações pro-
passista possibilidade de mostrar sua cida por Pracinha do Diário, chamada fissionais e das irmandades e confra-
autenticidade na execução, de cará- de Quartel General do Frevo), e uma rias. Hoje, o estandarte é símbolo da
ter instintivo e pessoal, com improvi- infinidade de outros que variam se- maior parte das agremiações carna-
sações e variações personalíssimas. gundo seus executantes. valescas.

10 DANÇAS BRASILEIRAS
Os Clubes Carnavalescos, oriundos violentos e piruetas famosas. Durante os dias de carnaval, em qual-
de grupos profissionais do operariado quer esquina de Recife ou de Olinda,
urbano – Vassourinhas (1889), Le- O capoeira malandro de ontem deu haverá passistas à espera de um clu-
nhadores (1987), Pão Duro (1916), origem ao passista de hoje: usa ca- be pedestre, também chamado tro-
Toureiros de Santo Antonio (1916), misa multicolorida (ou com três co- ça, ou da Frevioca, uma orquestra
Prato Misterioso (1919), Papagaio res) aberta no peito e amarrada na volante criada em Recife, em 1980,
Falador, Lavadeiras de Areias e ou- cintura, bermuda ou calça arregaça- para fazer o povo unido cair num fre-
tros que não mais existem, como da, sapato-tênis branco, chapéu de vo-rasgado, expandir toda a força in-
Caiadores, Empalhadores, Sineiros, palha e chapéu-de-sol ou sombrinha terior do homem, criando, com uma
Quitandeiras –, tinham passistas que borboleta nas mãos, que são obje- coreografia autêntica, esta dança tão
obedeciam aos cordões dos clubes tos remanescentes do cacete ou da brasileira.
e usavam distintivo da agremiação bengala, usada nos tempos antigos.
num bastão envergado. Tal instrumento é uma arma em po- Nas palavras de Mário de Andrade:
tencial, pois tem as pontas afinadas “A vibração paroxística do frevo é
Com a rivalidade crescente entre (contudo, os passistas têm consegui- realmente uma coisa assombrosa. É
agremiações no carnaval de Pernam- do ludibriar a vigilância policial). entusiasmo, ardência orgíaca, a mais
buco, os capoeiras, chamados de dionisíaca de nossa música nacional
brabos e valentões, ousaram praticar (...) que beleza de coreografia! Que
exercícios de capoeiragem em frente beleza admirável, um verdadeiro ti-
aos cordões carnavalescos – A Pimen- tulo de glória que o país ignora, sim-
ta (1901), gerando fortes agressões. plesmente porque entre nós são ra-
Uma das vítimas, em 1907, foi o dire- ros os que têm verdadeira convicção
tor do Clube Carnavalesco Tome Fa- A musicalidade do frevo, segundo Má- de cultura”. Felizmente, hoje em dia,
rofa. Como forma de conter as agres- rio Melo, nasceu da polca-marcha, e o frevo é uma das danças que mais
sões, os capoeiristas passaram a ser foi o ensaiador das bandas da Briga- se espalha e contagia Brasil afora.
perseguidos pelos Chefes de Polícia da Militar de Pernambuco, o Capitão
e tiveram que amaneirar certos pas- José Lourenço da Silva, o conhecido
sos, como rabos de arraia, pernadas, Zuzinha, quem estabeleceu a linha
cabeçadas, cisões etc., criando uma divisória entre o frevo e a polca-mar-
nova coreografia que, embora não cha, quando introduziu a sincopada
tenha desprezado toda a agressivida- em quiálteras6.
de, foi convertida em passos menos

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MARACATU

O Maracatu é um cortejo real que desfila pelas ruas com uma orquestra de
percussão, cantando e dançando sem coreografia especial. O Maracatu é tam-
bém conhecido como nação (grande grupo homogêneo), originária das antigas
festas de coroação de reis negros ocorridas por volta do final do século XVII.
Advindos de cultos afro-brasileiros no período colonial, os integrantes das
nações (negros em sua maioria) veneravam a Calunga – boneca espécie de
divindade muito respeitada no sincretismo religioso. Cantavam Loas – toadas
para seus mortos (eguns), nas quais incluíam versos africanos. Os negros
acompanhavam os reis de congo, eleitos pelos escravos, para a coroação nas
igrejas e, posteriormente, faziam um batuque no adro em homenagem à pa-
droeira ou à Nossa Senhora do Rosário.

Perdida a tradição sagrada, o nação se convergiu para o Carnaval, conservan-


do elementos distintos de qualquer outro cordão no carnaval. Em 1952, os
mais antigos grupos de Maracatu eram Maracatu Elefante, Leão Coroado,
Porto Rico e Estrela Brilhante. Em destaque, os seguintes personagens: à
frente, o Rei, a Rainha e o escravo que sustenta o pálio ou guarda-sol, o Por-
ta-estandarte, os Príncipes, Princesas, Vassalos, Embaixadores. Em seguida a
Dama-de-paço, a carregar a boneca de madeira preta Calunga, as Baianas, os
Caboclos a representarem os índios, pessoas encarregadas de levar megafone
e lanternas; e, por fim, os batuqueiros com seus instrumentos musicais.
Todos seguem em um cortejo sem coreografia, apenas as baianas evocam a
dança dos Xangôs (cerimônias religiosas afro-brasileiras) e os caboclos com
arco e flechas, machados e lanças, ora de cócoras, ora pulando, apontando as
armas, como nos passos do Caboclinhos – folguedo popular de caracterização
indígena.

Um dos momentos de maior significação no cortejo de Maracatu é a dança da


Calunga, quando a boneca, que representa os ancestrais masculinos ou femi-
ninos do grupo, é entregue, pela Dama-do-paço, à Rainha e depois vai para a

12 DANÇAS BRASILEIRAS
mão das Baianas, para que cada qual (que transmite o comando rítmico) e Maracatu Cambinda Nova de Ca-
dance com a boneca durante algum repiques (que obedece às indicações ruaru
tempo. do meião). O início e o fim das músi-
cas são sempre determinados por um Tem influência do coco, tanto musi-
Todas as vezes que desfilam pelas apito. calmente quanto nas coreografias.
ruas de Recife, os Maracatus tradicio- A música é cantada através do me-
nais não deixam de passar e cantar Maracatus de Orquestra gafone e respondida por homens e
diante da igreja de Nossa Senhora do ou de Trombone mulheres, com exceção dos instru-
Rosário, no bairro de Santo Antônio, mentistas. Os personagens são rei,
e dos terreiros de Xangô que encon- Além do Maracatu tradicional, estão rainha, calunga, porta-estandarte,
tram no meio do caminho, até retor- surgindo em Recife outros cortejos, balizas, baianas, batuqueiros ou ba-
nar à sede de cada grupo. denominados Maracatu de Orquestra queiros, porta-voz.
ou de trombone, que, de acordo com
A música é cantada em diálogo pela Guerra Peixe, pertencem ao novo tipo Maracatu Ás de Ouro de Fortaleza
Rainha e Baianas. Os instrumentos de Maracatu Cambinda Estrela, o qual CE
característicos são o gonguê (um não apresenta nem rei nem rainha, Desde 1943, os personagens que
grande agogô com uma única cam- sendo os personagens o porta-ban- desfilam no carnaval são: boneca-
pânula, percutido com uma vara de deira, damas-de-paço, portas-biquê preta (calunga), porta-estandarte,
madeira); o tarol (um pequeno tam- (mulheres carregando flores), baia- dois meninos vestidos de índios e
bor chato com bordões de violão); nas, caboclos, caboclos de lança (que chamados Maracatus, Cambinda Ve-
as caixas-de-guerra; os zabumbas usam chapéu em forma de funil), Bo- lha ou Chefe Macumba, diretor musi-
(grandes tambores de fabricação po- neca-aurora. cal e coreográfico do conjunto. A rai-
pular, com som intenso e grave per- nha é antecedida por dois portadores
cutido com uma maçaneta), o cabo A música é tocada pelos usuais ins- de lanternas, duas com ventarolas,
de bilro com extremidade ovóide e trumentos de Maracatu, acrescidos seguidas de uma sombrinha aberta.
uma vareta roliça que é a resposta. de cuíca, surdo, saxofone, corneta Alguns outros figurantes são homens
e trombone. A música pode ser um vestidos de mulher. O acompanha-
Dentre as variações do Maracatu está canto de grupo tradicional ou de fre- mento instrumental é feito por um
o Maracatu de Baque Solto e o Ma- vo, samba, choro e baião, sendo exe- tambor surdo, uma caixa-clara, uma
racatu de Baque Virado, cujas ba- cutada pelo coro feminino. Na coreo- cuíca, dois ganzás e um gonguê.
tidas ou toques podem ser marcante grafia, fundem-se figurados do sam-
(tocada por zabumba mestre), meião ba e da marcha.

13
MOÇAMBIQUE

Originariamente, no Brasil, era dança de salão, levada a efeito pelos escravos


nas casas-grandes dos fazendeiros. Com o tempo, transformou-se, deixou de
ser um bailado puramente africano, para se tornar uma mistura de várias
danças, confundindo-se, às vezes, com a congada, fandangos etc. Nestas
festas – geralmente batizadas com nomes de santos – aproveitaram-se a ba-
tida de paus do Caiapó e modificações de algumas danças do fandango e das
congadas (p. ex., não se usa o bastão da congada), mantendo-se apenas o
essencial.

Segundo alguns pesquisadores, a dança foi praticada pelos mou-


ros na Península Ibérica e utilizada na catequese dos índios brasilei-
ros como precioso fator de recreação popular. O maior ponto da pre-
sença do Moçambique é no Vale do Paraíba do Sul, em São Paulo. Tam-
bém é encontrado no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.
O moçambiqueiro considera sua dança como sendo “dança de religião”, sendo
denominada, também, de “Dança de São Benedito”. No Santuário de Apareci-
da do Norte, os romeiros do Vale do Paraíba do Sul (os piraquaras) dançam o
Moçambique, praticamente todos os domingos, cumprindo promessas feitas.
O cortejo vagueia pelas ruas em determinadas festas e, atualmente, não pos-
sui entrecho dramático, assemelhando-se neste aspecto aos Maracatus per-
nambucanos. Com exceção da Rainha e Porta-bandeiras, mulheres não dan-
çam o Moçambique.

O Moçambique é um bailado. No bailado há várias danças. Atualmente, a par-


te dramática é insignificante, reduzindo o número de personagens. As danças
têm nomes religiosos: Escada de São Benedito, Estrela da Guia, etc. Três da-
mas recolhem as ofertas do povo. Para se dançar os brincantes usam bastões
de madeira, que são batidos com espadas, sempre acompanhada de uma co-
reografia. O figurino é roupa branca, tênis azul e fitas vermelhas e azuis, alças
cruzadas entre o ombro e a cintura. Usam paiás (fita com guizos) em volta da

14 DANÇAS BRASILEIRAS
perna, pouco abaixo dos joelhos.

O Mestre tira os versos e os brincantes respondem com seus cantos. A músi-


ca do Moçambique se chama “linha” ou “ponto” e segue o esquema de solos,
terças e coros, às vezes atingindo o falsete. Há uma introdução, na qual os
moçambiqueiros entoam a melodia sem compromisso rítmico preciso, apro-
ximando-se de um cantar declamado. Entre uma dança e outra, há sempre a
louvação aos santos, em solo e coro, num recitativo que é gemido e não can-
tado. Os textos são religiosos e podem estar relacionados à parte representativa
das danças.

A “bateria” – o conjunto de instrumentos musicais – “puxa” os cantos. O gru-


po de Mestre Aristeu tem cerca de 35 integrantes; a “bateria” é composta de
tarol (caixinha de guerra), acordeon, surdo, atabaque, pandeiro e duas caixas
de repique (essa composição pode variar de grupo para grupo). Ele afirma que
gosta de cantar “sambado”, no estilo antigo, por ser mais percussivo. Seu grupo
não tem viola.

Coreografia: os dançarinos cruzam seus bastões em forma de X, formando


losangos em esteira a uma distância relativa ao número de componentes, e
dançam ao longo da esteira sem tocar nos bastões, colocando os pés nos vãos
dos cruzamentos dos paus. Aquele que tocar em algum dos bastões é obriga-
do a retirar-se, sendo substituído por outro. Os dançarinos pulam, agacham-
se, executam passos cruzados, sacodem-se em frêmitos e cantam enquanto
dançam.

Como a consideram “dança de religião”, o Moçambique também é dançado


dentro das capelas rurais, principalmente por ocasião dos ensaios da compa-
nhia. Dentro da capela não usam o bastão, somente cantam e dançam baten-
do os pés. O bailado é guerreiro, o bastão é arma, e deve ficar fora do lugar
sagrado.

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Notas
1
Cardim, Padre Fernão. Tratado e Terra da Gente do Brasil. Rio de Janeiro, 1925.
2
Danças Dramáticas, na definição de Mário de Andrade, é o nome genérico não somente dos bailados que desenvol-
vem uma ação dramática propriamente dita, como também todos os bailados coletivos, respeitando o princípio de obra
musical constituída pela seriação de várias peças coreográficas.
3
Segundo Silvio Romero, o Cavalo-Marinho, diferente do Bumba-meu-boi, não é representado por um animal, mas por
um cavaleiro, associação do cavaleiro com vaqueiro, que passa, durante a exibição, fazendo piafés e corcovos.
4
Termo do latim que significa a bel prazer, a vontade, o que seria, segundo Câmara Cascudo, a reação mímica pessoal
de quem dança.
5
Pesquisa realizada em 1976 em conjunto com a Professor Jurandy Austermann, do Departamento de Cultura da Se-
cretaria de Educação e Cultura do Estado de PE.
6
Redução ou ampliação do valor das notas que formam uma unidade de tempo ou de compasso.

16 DANÇAS BRASILEIRAS

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