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ENTREVISTA COM NUNO COBRA – REVISTA ISTO É 1648

REVISTA ISTO É – Edição 1648 – 02/05/2001


O segredo da vitória

Nuno Cobra, ex-preparador físico de Ayrton Senna, afirma que


para ser vitorioso é preciso respeitar o corpo e resgatar a auto-
estima

Ouça trechos da entrevista


LIVRO "SACO DA POSITIVIDADE DEUSES ADORMECIDOS
CORPO EMOCIONAL AYRTON SENNA CONTRA REGIMES
TOMAR AZEITE "FORTES BURROS"
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Cilene Pereira e Lena Castellón

Oito anos para escrever livro que explica o seu método

O professor Nuno Cobra, famoso por ter sido o preparador físico do


tricampeão de Fórmula 1 Ayrton Senna, resolveu colocar no papel sua
experiência de mais de 40 anos em treinar atletas e empresários. No
começo do mês, lançou o livro A semente da vitória (editora Senac), um
alentado trabalho de 223 páginas em que resume seu método de
treinamento. “A finalidade do livro é mostrar que o método, de tanto
sucesso, não tem milagre nenhum. Não há segredo. Ele consiste no
resgate do homem às suas raízes de vencedor que é”, afirma. Formado
em educação física, Cobra defende o fortalecimento do corpo como o
caminho para que o homem melhore sua saúde espiritual e, dessa forma,
torne-se vitorioso. Ele critica a moda da malhação do corpo e garante que
quem é feliz não adoece. “Não existe doença. Existe o doente.
Procuramos e trabalhamos arduamente para ficar doentes porque temos
um programa de autodestruição”, diz.

Cobra, 62 anos, levou oito anos para concluir o livro. E resolveu lançá-lo
neste ano porque acredita que só hoje as pessoas estão mais atentas e
abertas a ouvir o que tem a dizer. “Fiquei 40 anos quieto. Agora resolvi
falar. Os indivíduos estão mais conscientes e as pessoas pelo menos vão
refletir sobre o que falo”, afirma. Em forma com o corpo e a mente, Cobra
segue à risca seu próprio método. Dorme às 21 horas e às 5h15 já está de
pé. Antes de pular da cama, no entanto, faz alguns exercícios de
alongamento. Depois, hidrata o corpo com muita água e sai para uma
corrida de 20 a 30 minutos.

Só após essa espécie de ritual é que o preparador toma seu café da


manhã e vai para o trabalho de consultoria em empresas, atendimento a
clientes e palestras. Nas refeições, carne vermelha e bebida alcoólica
estão riscadas do cardápio. Cobra acredita que é um dos melhores
exemplos do sucesso de seu programa de treinamento. “Eu era um garoto
fraco, franzino, triste e acanhado. Quando comecei a trabalhar meu corpo,
fiquei forte e mais sociável”, afirma. O preparador também garante que
tem uma saúde de ferro. “Ela é fantástica, maravilhosa. Nunca fiquei sem
energia. E também nunca fiquei triste na vida”, assegura. Para dar mais
detalhes sobre seu método, Cobra recebeu ISTOÉ para uma entrevista.

Istoé – Como o sr. definiria o seu método?


Nuno Cobra – É o resgate do homem às raízes de vencedor que é. Mas
elas são tiradas pela sociedade castradora, em sua maneira agressiva de
civilizar as pessoas. Por isso critico o que chamo de tripé de anulação.

Leia mais nas próximas páginas:

• Programa de autodestruição
• Malhação estúpida
• Envelhecendo prematuramente
• Os pontos "A", "B" e "C"
• O corpo fala
• Não existe doença

O segredo da vitória - Continuação


Istoé – O que é isso?
Cobra – Trata-se do conjunto dos pais, da igreja e da escola. Ele anula as
pessoas. Cheguei a essa conclusão porque os jovens que chegavam a
mim estavam completamente destruídos, sem auto-estima, pessimistas.
Peguei campeão que tinha batido o carro, por exemplo, e falava: domingo
baterei outra vez. Mas Deus não fez ninguém para dar errado. No entanto,
quando a criança nasce vem um massacre. Ela tem energia, movimento.
Entra na casa correndo e os pais pedem para que fique quieta. E ela
percebe que ser feliz não é o caminho, porque quando está alegre leva
porrada. Mas quando está quieta, o pai faz cafuné. A criança pensa: eu
existo aqui. Nesse momento, cria um programa de autodestruição. E a
escola instrui, não educa. A religião ocidental cria a dúvida, a incerteza.
Por que se coloca Cristo numa cruz? Por que passar essa coisa de
sofrimento? É isso que quero tirar das pessoas. Quero reprogramar os
indivíduos para a certeza, a beleza da vida, o sucesso, a felicidade, a
saúde. É um direito do homem.

Istoé – Mas como o sr. acredita conseguir essa reprogramação?


Cobra – O corpo é o maior patrimônio do homem. Por meio dele, numa
ação concreta de modificação do organismo, passa-se inconscientemente
a acreditar que não nascemos para ser tristes, sofrer ou sermos doentes.
Nascemos para a vitória.

Istoé – De que forma se percebe isso?


Cobra – A partir do fortalecimento do corpo, fazendo com que a pessoa
tenha mais energia, mais vitalidade. Ela ganha o poder pelo corpo. Se uma
pessoa subia uma escada e se cansava, de repente sente uma mágica
porque passa a conseguir fazer aquilo sem sentir cansaço. Meu método é
dar de novo esse poder à pessoa. O Ayrton Senna, por exemplo, levou um
ano e meio para dar uma oitava (exercício de difícil execução feito na
barra). Quando ele fez a primeira, foi e ganhou em Estoril, em Portugal.
Ele tinha uma Lotus. Não era um carro para ganhar uma corrida. Quando a
pessoa fizer uma oitava, correr uma maratona, sentirá que é o máximo.
Mas correr a maratona não é fazer o melhor tempo. É participar da corrida,
vivê-la com alegria.

Istoé – O que diferencia o seu método dos demais programas de


treinamento?
Cobra – Entendo que o corpo é um caminho por meio do qual exploramos
o potencial humano. Não queremos deixar o cara forte e burro. O que
temos visto é as pessoas se agredindo, se maltratando nessa malhação
estúpida.

Istoé – Por que estúpida?


Cobra – Acho estranho dizer que se vai malhar o corpo. Essa expressão é
típica daquela brincadeira de malhar o Judas. O corpo não é para ser
judiado. É para ser tratado com carinho, atenção. Por isso recomendo no
meu método um trabalho gradativo, em que não existe a malhação. A
pessoa aprende a empurrar os seus limites, mas nunca a ultrapassá-los.
Se tem uma frequência cardíaca baixa, vai melhorando o rendimento, a
performance. No início, tem de fazer o que chamo de um passeio no
shopping sem parar para ver as lojas porque a caminhada precisa ser
contínua. O indivíduo tem de fazer uma atividade compatível com seu
momento cardiovascular. O que critico é essa correria infernal. Vejo as
pessoas caminhando e correndo ofegantes. O indivíduo está perdendo
energia em vez de ganhá-la, e envelhecendo prematuramente. Também
critico a musculação com peso feita hoje. Há muita tecnologia, mas ela faz
a pessoa ficar forte e burra. Quando se faz um supino com peso, é
necessário equilíbrio. É preciso ter uma gratificação por estar fazendo
aquilo, a sua emoção tem de estar presente, tem de haver relação com o
cérebro, que está ordenando dezenas de músculos. O cérebro não está
participando daqueles movimentos coordenados pela máquina.

Leia mais nas próximas páginas:

• Os pontos "A", "B" e "C"


• O corpo fala
• Não existe doença

O segredo da vitória - Continuação

Istoé – O sr. dá muita importância ao trabalho com o coração. Por


quê?
Cobra – Nosso organismo foi formado por milhões de anos para o
movimento. Porém, o homem foi se tornando sedentário e o aparelho que
mais sofreu com isso foi o cardiovascular, que acabou atrofiado. O coração
do homem moderno bate, mas não consegue enviar aos órgãos vitais o
necessário sangue para uma vida em exuberância. Daí a necessidade de
se trabalhar o músculo cardíaco para dotá-lo de maior poder de injetar
mais sangue na corrente circulatória, abastecendo melhor o organismo e
possibilitando uma vida com mais energia e disposição. Trabalhar o
músculo cardíaco é vital para a saúde, mas sem malhação. Quando é
trabalhado corretamente, ele sorri satisfeito.

Istoé – É por isso que o sr. defende a caminhada como um dos


melhores exercícios?
Cobra – Para caminhar só se precisa da perna, de uma praça, de um
parque. Não sou contra nadar, andar de bicicleta, mas caminhar é o mais
simples. Vinte minutos já está ótimo. Já não se é sedentário.

Istoé – Quando caminhar?


Cobra – O ideal é andar antes do café da manhã. Mas não se pode
caminhar em jejum nem com o estômago cheio. É preciso comer algo leve
e beber bastante água. Ao caminhar pela manhã, você adquire energia,
depois toma um banho e relaxa. Quando se caminha, fabricam-se
hormônios de alta qualidade. O exercício vai lhe dar motivação, energia. À
noite, você tem de dormir.

Istoé – Na prática, quais são as bases de seu método?


Cobra – O ponto “A” é o sono, o “B” é a alimentação, o “C” é a atividade
física e depois vem o relaxamento e a meditação. Essas quatro coisas
fundamentam o método.

Istoé – Por que o sono é o mais importante?


Cobra – O sono é a base da vida. É o elemento primordial porque faz o
reparo da máquina orgânica. Até o século XIX dormíamos cerca de dez
horas. Mas no século XX, o homem resolveu achar que oito horas era o
tempo ideal para dormir. Mas o jovem tem de dormir em torno de 10 a 12
horas porque está em crescimento. O sono é o que dá um ótimo
desempenho no dia seguinte. O adulto tem de dormir pelo menos de oito a
nove horas. No entanto, o homem moderno acha que está dormindo e
perdendo tempo.

Istoé – E a alimentação?
Cobra – As pessoas acham que só comem o que gostam. Mas não
percebem que gostam do que comem. Como estão comendo determinado
tipo de comida, acabam gostando. Não adianta ir se hospedar num spa,
procurar um médico ou tomar remédios. Se parar com essas estratégias,
voltam os mesmos hábitos. Queremos formar uma dieta, tudo aquilo que
deve constituir a alimentação para o resto da vida. E tem de fazer com
prazer. Tudo o que se faz forçado não se fixa como hábito. A dieta tem de
ser balanceada, tendo inclusive a gordura que faz bem ao coração, como
a do azeite extravirgem. Esse alimento é uma fonte maravilhosa da boa
gordura. Mas as pessoas olham um rabanete, por exemplo, e não sentem
vontade de comê-lo. Então, aconselho: coloque um salzinho, um azeite. E
sou contra também as pessoas serem muito magras. Essa beleza tem de
ser questionada. As modelos muito magras são verdadeiras sofredoras.
Não há beleza. Elas são estacas. Gordurinha a mais não é o problema. O
problema é o sedentarismo.

Istoé – Como a meditação ajuda?


Cobra – Ela é uma ferramenta para entrar em equilíbrio. O meditar é
buscar você. É aquele momento em que você se distrai olhando pela
janela do carro e não está vendo nada. O organismo impõe a meditação.
Ela é tão imperiosa quanto o sono. É uma peça de sobrevivência. O
meditar faz com que sua cabeça sossegue. Você repousa quando está em
estado meditativo. Falar “não” também é importante. O ideal é dizer “sim”
para você e “não” para as pessoas. O Pedro Paulo Diniz, por exemplo, não
conseguia falar “não”. Ele tinha de ir a Interlagos (autódromo de São
Paulo) e pegava uma coisa para um, outra coisa para outro. No dia em
que falou seu primeiro “não”, sentiu-se mal. Mas quando desligou o
telefone sentiu uma imensidão e me disse depois: acho que foi essa tal de
felicidade.

Istoé – É possível saber quando algo vai mal com o corpo?


Cobra – O corpo fala, mas as pessoas se fazem surdas para ele. O sinal
mais incrível é a solicitação de sono. Curei muitas pessoas com uma
terapia de sono. Tive um caso de um homem com triglicérides (tipo de
gordura que, em excesso, pode ser prejudicial) alto. Ele dormia apenas
quatro horas. Fiz que dormisse oito. Em um mês ele se curou. Outro
sintoma é a infelicidade. Quem não está feliz, tem níveis baixos de saúde.

Istoé – Como a felicidade ajuda a não adoecer?


Cobra – Não existe doença. Existe o doente. Você não tem nenhuma
doença, mas tem de ter uma determinação absurda para continuar
levando uma vida desregrada. Tem de comer mal, dormir mal. Procuramos
a doença e trabalhamos arduamente para ficar doentes porque temos o
programa de auto-destruição. Mas não se tem como adoecer quando se é
feliz.
Istoé – Os felizes nunca ficam doentes?
Cobra – Isso não é história. A vida me mostrou que quem é feliz não
adoece. Fiz um teste com octagenários em 1970. Eu queria saber se em
pessoas dessa idade já haveria hipertrofia muscular. Tinha quatro pessoas
com alimentação muito ruim. Medi o colesterol de uma delas e os níveis
estavam bons. O cara era extremamente feliz, alegre, incrível. O que
aconteceu? Ele estava em equilíbrio.

Istoé – Como se explica isso organicamente?


Cobra – O organismo tem esse nome porque se organiza. É uma máquina
perfeita. Ele não assimila o que faz mal. Só serão assimiladas as coisas
boas. Quando você está em desequilíbrio, o seu colesterol aumenta
mesmo se você comer direito. Aí, vem a doença. A doença é o
desequilíbrio.

Istoé – O sr. diz que quem muda o corpo, muda a cabeça. Vale o
mesmo para quem fez uma cirurgia plástica?
Cobra – Mas é claro. Você é o que você acha que é.

Istoé – No livro, o sr. diz que trabalhar demais não faz mal. O que faz
mal é trabalhar indefinidamente. Qual a diferença?
Cobra – O trabalho é uma das poucas coisas que a sociedade nos
ofereceu para nos dar saúde. É uma hora em que você está com a cabeça
junto do corpo. O fazer é maravilhoso. Você pode trabalhar bastante que
não faz mal. Trabalhar sem trégua, continuadamente, traz infelicidade e
doenças.

Istoé – O que o sr. acha do momento do Rubinho (com quem


trabalhou durante dois anos)? Ele está em desequilíbrio?
Cobra – A Fórmula 1 precisa de uma pessoa que esteja sempre em seu
melhor. As pressões são extraordinárias. Ele está recebendo uma pressão
terrível. O Ayrton teve vários momentos muito difíceis, mais difíceis do que
os que o Rubinho está atravessando agora. O Ayrton superou, mas a
gente estava junto. A escuderia do Rubinho não está oferecendo o mesmo
carro e as mesmas condições dadas ao Michael Schumacher. Isso,
evidentemente, desequilibra qualquer um. Ele precisa se dedicar mais ao
trabalho com o corpo, buscando equilíbrio espiritual e emocional.

Fonte:
Revista Isto É – Edição 1648 – 02/05/2001 –
Entrevista com Nuno Cobra

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