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Dto Penal I
Dto Penal I
2007-2008
Direito Penal I – Lara Geraldes, 3º-A @ FDL
§1: CONCEITO. Direito penal é o conjunto de normas que atribuem a certos factos
sanções criminais relacionam-se com a prevenção do crime e a perda de direitos [vg privação
da liberdade, mediante pena de prisão]. Note-se que a prisão preventiva não é uma sanção
proprio sensu, mas sim uma medida de coacção aplicável perante indícios da prática do
crime.
Importa aqui distinguir, no seio das sanções criminais, as penas das medidas de
segurança: as últimas referem-se a inimputáveis que, nos termos dos arts 19º e 20º, não são
inimputáveis os menores de 16 anos e os incapazes por anomalia psíquica. As penas, por seu
delinquente.
com uma medida de segurança, nos casos em que o limite máximo da moldura penal for
mesmo agente pode ser considerado inimputável relativamente a um crime de violação, vg, e
imputável em relação ao crime de roubo. Nestes termos, FIGUEIREDO DIAS conclui pela
existência de um sistema dualista, de dupla via ou de duplo binário, apesar dos argumentos
direito, já que o princípio da culpa não é a única forma de limitação do poder sancionatório
termos que estudaremos infra]. Por outro lado, um sistema dualista afigura-se politico-
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Conclui-se: apesar das diferenças supra apontadas, a medida de segurança pode ser
conjugada com uma pena, desde que a primeira seja executada antes da pena de prisão, vg,
sistema monista prático não é, de iure condendo, de afastar: veja-se as penas que constituem
material de crime]: se o legislador considerasse como crime, vg, copiar num exame, não teria
ainda assim criado qualquer norma penal. Por outras palavras: o direito penal não pode ser
Nestes termos, desta primeira noção partiremos para uma outra: o conceito material
de crime. Efectivamente, antes mesmo de moldados pelo legislador, crime e pena são
produzidos por instâncias sociais mediante representações comummente aceites, que serão
§2: FINS DAS PENAS. A dignidade punitiva das condutas humanas releva para o
debate dos fins das penas, rectius, legitimação, fundamentação e função da intervenção
de “modelo azul”.
hebreus].
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o Contributos:
utilitarista:
Direito
Nega
Crime
Nega
Crítica: esta teoria perdeu toda a pureza de uma teoria absoluta, justificando-se hoje
com base nas mesmas premissas da teoria da prevenção geral, infra. Parte de uma ideia de
inidóneo e ilegítimo].
princípio da culpa: não pode haver pena sem culpa e a medida da pena não pode excedê-la.
Configura-a, todavia, com uma fundamentação ética, a afastar dado que não cabe ao Estado
preservação de bens jurídicos: o Estado não deve arrogar-se entidade sancionadora do pecado
pelos adeptos das teorias absolutas por se servirem da pessoa humana para a
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execução.
Contributos:
psicológica].
inquebrantável.
sua vertente positiva, deriva da severidade ou da prontidão da aplicação da pena. Para mais,
penas seriam cada vez mais desumanas e severas [direito penal do terror]. O interesse público
não deve fundamentar que se inflinja qualquer pena ao indivíduo, pois este não é um meio ao
consagrada [art. 1º CRP]. No limite, seria preferível condenar um inocente do que deixar o
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doente.
Contributos:
indivíduo em concreto.
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Crítica: também esta teoria é inaceitável como fim exclusivo das penas na medida em
que, levada ao limite, poderia determinar que crimes gravíssimos ficassem impunes, se não
existisse perigo de reincidência do delinquente [vg crimes ocasionais], e que crimes menos
graves justificassem a prisão perpétua ou a pena de morte, vg. Por outro lado, a investigação
empírica não permite uma prognose segura sobre a delinquência futura [veja-se o sugestivo
caso Minority Report, ainda que fictício]. É hoje de recusar o paradigma de correcção moral e
probabilidades de reincidência, num ciclo vicioso. Uma vez mais põe-se em causa o princípio
FIGUEIREDO DIAS considera que as penas só podem ter natureza preventiva, geral ou
especial, nas suas diversas formas, e nunca retributiva: umas e outras devem coexistir e
combinar-se da melhor forma. Contra EDUARDO CORREIA, a culpa não deve ser fundamento
da pena, mas tão-só pressuposto necessário e limite inultrapassável. Conclui-se: é justa toda
a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e que não exceda a medida da
teorias dos fins das penas logra dar uma resposta satisfatória ao problema da legitimidade da
pena.
Para mais, toda a discussão sobre os fins das penas está condicionada pelo seu
conteúdo histórico e pela sua função social, face à amarga, mas indispensável, necessidade
de punir. Conclui-se: a perspectiva do ponto de partida deve ser outro. Deve procurar-se
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e não ao que deveria ser, de iure condendo. A ligação entre a reflexão sobre os fins das penas
princípios, FIGUEIREDO DIAS designa de “modelo verde”: paradigma emergente que organiza
substituindo-se a pena de prisão por sanções alternativas. Este “modelo verde” apoia-se na
verdade, a um discurso evasivo que radica num meio de intimidação. O “modelo verde”, a
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ROXIN, por seu lado, articula as três teorias através de um esquema de limitação
FERNANDA PALMA critica esta soma das três teorias, propondo antes uma dialéctica
entre elas. Os arts 18º-2 CRP e 40º teriam uma lógica que se aproxima da teoria preventiva
ainda que, no Estado de Direito, seja a retribuição a resposta mais correcta, ainda que
Quais os fins últimos das penas? Prevenção especial, de modo mitigado [art.
40º-1].
especial gravidade, conclui-se que o crime que as fundamenta deve também possuir um
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crime.
da consciência humana].
o conceito de bem jurídico tende a ser absorvido pelos fins concretos que cada sociedade
deverá realizar.
protecção perante ameaças graves [bens jurídicos, enfim] o ambiente, vg: bem jurídico
tutelado mediante consagração expressa de crimes ambientais, com a reforma penal de 1995.
lesivas da moralidade social: quando não reflictam uma necessidade do núcleo de condições
essenciais de existência na nossa sociedade [pornografia adulta, vg], a incriminação não deve
ser a solução mais justa, na medida em que a coesão social proclamada pelos bens jurídicos,
assim entendidos como tal, não se define a partir da moral sexual, mas sim a partir
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enfim].
Do mesmo modo, conclui ROXIN que puras violações morais não conformam a lesão de
um autêntico bem jurídico e não podem, por isso, integrar o conceito material de crime:
FIGUEIREDO DIAS e ROXIN, não implica limitar a intervenção da sanção criminal apenas aos
casos em que haja efectiva lesão desse bem jurídico. Nestes termos, a tentativa é punida
[art. 23º], ainda que não chegue a lesar-se o objecto da acção. O legislador antecipa, tão-só,
Conclui-se: sendo certo que não pode haver criminalização onde não haja tutela de
um bem jurídico-penal, a asserção inversa não é exacta. Explicite-se: nem sempre que há um
bem jurídico digno de tutela penal deve haver intervenção penal. Releva, aqui, o conceito de
§6: LABELLING-APPROACH. Face ao que foi exposto supra §5, devemos acrescentar
que o conceito material de crime não resulta apenas do seu conteúdo material, mas também
da construção social dessa realidade: uma conduta é criminosa após um processo social
delinquentes. A conduta não é criminosa porque é punida, mas tão-só porque a selecção
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instâncias não formais de controlo, numa perspectiva relativista face ao que é designado
socialmente como crime. Assim não o deve ser: no limite, um certo modo de organização
social geraria necessariamente certos crimes, consoante os valores que enformassem essa
comunidade.
jurídicos essenciais para a vida em sociedade são atribuídas as sanções mais graves do nosso
ordenamento jurídico [noção já patente nas obras de BECCARIA e VON LISZT]. Uma noção
conduta desviante, a mesma pode não redundar na aplicação de uma sanção criminal que,
intervém quando a conduta desviante não possa ser resolvida com recurso a outras soluções.
Veja-se a interrupção voluntária da gravidez, por exemplo: entende o TC que, ainda que seja
uma opção criminalmente relevante, certas medidas de intervenção social podem resolvê-la
§8: CONCLUSÃO. Face aos argumentos expostos e às teorias analisadas, ainda que
nenhuma seja de acolher num Estado de Direito, poderemos concluir pelo sentido e função do
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dignidade penal.
sexual, enfim].
Há condutas que podem afectar bens jurídicos e que, ainda assim, não
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quando seja violado o bem-estar público. O direito [administrativo, e não penal!] de mera
Dir-se-ia que o critério quantitativo obriga a que a diferença entre este tipo de ilícito
subsidiariedade do último. Para uns, tal não basta: critérios qualitativos deverão também
direito de mera ordenação social, por não lhe corresponderem as mesmas garantias penais do
que as de processo penal [segundo MATTES]. Para outros, a procura de critérios qualitativos é
social, versus a imediata relevância ética do ilícito penal, já que o direito penal integra
FIGUEIREDO DIAS considera que, ainda que o ilícito seja de “mera” ordenação social,
de competência para aplicar certas sanções, cujos fins são apenas de reordenação da vida
social:
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utilitaristas do Estado.
inimputabilidade].
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meios penais deve ser limitada, ou mesmo excepcional, só se justificando pela protecção de
direitos fundamentais. Assim se obsta à utilização discricionária das penas pelo poder
termos seguintes:
Perante a conduta que viole um mero valor moral sem expressão num bem
Perante a conduta que possa ser solucionada com recurso a outros meios
pornografia adulta].
Perante a conduta que não é evitável pelo direito penal, cujo papel é antes
§3: IGUALDADE PENAL. O princípio da igualdade penal [art. 13º CRP] proscreve a
culpa. Implica que factos de menor danosidade social sejam sancionados com penas mais
leves: a um pequeno furto não poderá jamais corresponder a pena mais elevada do furto
qualificado, vg.
ser punido menos severamente do que outrem [proporcionalidade] por factos idênticos
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penas.
atentem o respeito pela pessoa humana [vg pena de morte, prisão perpétua, tortura e penas
degradantes].
seguintes, sintetizadas numa só [não pode haver crime, nem pena, que não resulte de uma lei
Nullum crimen sine lege [não há crime sem lei]: as sanções penais não podem
segurança], descritos na lei de forma exaustiva [art. 29º-3 CRP e 1º-1]. VON
o Proevia
o Stricta
o Certa
Nulla poena sine lege [não há pena sem lei]: as sanções penais devem ser
aplicadas com base em lei anterior que as preveja [art. 29º-1 CRP e 1º-1].
aplicação
Nulla poena sine crimen [não há pena sem crime, e não nullum crimen sine
poena, no nosso país]: as sanções penais não podem ser aplicadas sem que se
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restringida pelo último. O controlo do poder do Estado não se limita ao tribunal, mas começa
pelo próprio legislador, vinculado a não criar leis penais retroactivas. [art. 29º-4 CRP e 2º].
Este princípio não cobre toda a matéria penal, mas apenas aquela que se traduza na
ideia infra.
justificar, com recurso a argumentação, a intenção da lei em ser aplicada ao caso concreto.
lei, sem que determinados argumentos procedam. Exemplifiquemos: se a lei identificar que
só é punível como violação o acto sexual violento praticado contra uma mulher, a analogia
com uma vítima homem não seria possível, ainda que a igualdade material seja manifesta,
dado o sentido histórico dessa pretensa lei [a possibilidade da gravidez e a menor resistência
da vítima mulher].
naturalmente exigível. Com a aplicação consequente da lei aos casos reais, cria-se no
perversidade”, vg, significa, no caso de homicídio qualificado [art. 132º]. Frequente é que o
intérprete siga apenas a sua intuição e prescinda, assim, de um raciocínio de tipo analógico.
determinável, formulando-se tipos legais que orientam o aplicador do direito penal. Conceitos
indeterminados, cláusulas gerais e fórmulas gerais de valor são permitidos, desde que não
obstem à determinabilidade objectiva das condutas a proibir. FIGUEIREDO DIAS defende que
o critério decisivo para aferir do respeito pelo princípio da legalidade, neste âmbito, é aquele
que permite saber se, apesar da indeterminação aceitável dos conceitos, existe ainda assim
uma área e um fim de protecção da norma claramente determinados. Essa área, a existir,
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legalidade.
conceitos indeterminados situações em que não existe verdadeira igualdade material [vg
homicídio a motivação por ódio político, nos mesmos moldes que o ódio religioso ou racial],
§1: FONTES. Só a lei pode ser fonte de direito penal [art. 29º CRP, 1º e 2º],
Este princípio só é afastado pelo art. 29º-2 CRP: admite-se a legitimidade da punição
reconhecidos. Assim, o costume internacional pode também ser fonte do direito penal. Esta
consagração.
da legalidade, no Estado de Direito. Da leitura conjugada da CRP com a lei penal resulta o
seguinte:
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§3: RESERVA DE LEI. Nullum crimen, nulla poena sine lege stricta: subordina o direito
pena à lei escrita, formal [no sistema continental]. As razoes que a ditam residem na
segurança jurídica e no princípio democrático [art. 165º-1 c) CRP]. Uma leitura literal deste
responsabilidade.
responsabilidade
Como vimos, a reserva de lei impõe que pelo menos as normas penais que definem
CRP], sejam aprovadas pela AR ou pelo Gov, ao abrigo de LAL. O que dizer das normas que:
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negativas]?
que as normas que agravam a responsabilidade estão abrangidas pela previsão legal em
No segundo caso, poder-se-ia dizer simplesmente que não estão submetidas à reserva
direitos dos cidadãos entre si, conferindo uma maior liberdade na permissão de certas
condutas que, correlativamente, diminui a liberdade de todos que se lhe oponham. Aqui, a
mediante DL, ainda que sem LAL da AR, segundo FERNANDA PALMA.
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§4: TIPICIDADE. Nullum crimen, nulla poena sine lege certa: consequência directa da
reserva de lei penal, que origina uma especial conformação da técnica legislativa e da
com a sua definição legislativa [art. 29º-1 e 3 CRP e 1º-3]. Daí que se diga que as normas
inadmissíveis as leis penais em branco [leis que remetem para outras na descrição da conduta
a punir – cominam uma pena para comportamentos que não descrevem, alcançando-se essa
conclusão através de uma remissão da norma penal para leis, regulamentos ou actos
administrativos]. Subjacente está uma ideia de previsibilidade das condutas com dignidade
imagens sociais que prefigurem com exactidão a conduta proibida e a sanção respectiva.
tipo legal de crime, descrito com precisão por um preceito legal. A tipicidade resulta, assim,
Não se pense, contudo, que o juiz é um autómato que se limita a subsumir a norma ao
caso real: o processo de aplicação do direito pauta-se pela comparação, analogia, entre a
mesmo efeito sobre o organismo humano, ainda que não tóxicas: como ministrar doses
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A analogia implica, sempre, a criação de uma norma pelo intérprete. Aqui, centremo-
nos na analogia legis [aplicação de uma regra jurídica a um caso concreto não regulado pela
reserva de lei nesses casos. Diferentemente, para FIGUEIREDO DIAS esta proibição vale
também para certas normas da parte geral do Código que constituam alargamentos da
decisão legislativa inimitável pelo julgador através do recurso à analogia. A proibição funda-
com a CRP, ou com a proibição de raciocínios analógicos na aplicação da lei penal: cumpre
[KAUFMANN]: pressupõe a existência prévia de um sentido literal que se lhe impõe. Por outro
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juridicamente inaceitável da letra da lei? Conclui-se: a solução não deve pautar-se por estas
categorias tradicionais.
conclui, com base nesta premissa, pela possibilidade de interpretação extensiva de normas
Por seu lado, FERNANDA PALMA considera inaceitável que, mediante um argumento a
contrario sensu, se conclua pela permissão da interpretação extensiva pela proibição legal da
pode ser retirada do art. em causa por analogia com a proibição da própria analogia: ora
sabemos que tal norma é excepcional, encontrando-se, assim, a analogia vedada [art. 11º
CC]: como ultrapassar esta dificuldade sem redundarmos em incoerência sistemática? Conclui-
se: não se pode considerar proibida toda e qualquer interpretação extensiva, no direito
entre o que seja o sentido possível e o mínimo de correspondência legal [não é logicamente
para o autor, as ideias jurídicas não são moldadas pelas palavras, mas meramente indiciadas
por estas. Propõe, assim, quatro condições de validade como critério distintivo entre a
Revele os valores jurídicos que a lei pretende atingir, mediante os tipos legais
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directamente pelos cidadãos. Assim, a unidade do direito atribuído ao STJ deve, antes, sê-lo
verbal, diz-se. As palavras são o limite do mundo. Subjaz, aqui, a teoria da significação
legislador.
comuns atribuídos às palavras, dentro do qual o aplicador do direito se pode mover sem
conclusão o ultrapassa.
sentido comummente aceite como tal, por todos [pelo homem médio, enfim]. O sentido a
retirar tem que ser perceptível e comunicacional, sustentável pela linguagem social. Para
normas não são descrições típicas das condutas permitidas, mas tão-só critérios gerais de
solução de conflitos de direitos. Neste campo a analogia iuris é permitida, mesmo que se
ultrapasse o sentido possível do texto legal, excepto quando a norma permissiva seja
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§1: NÃO RETROACTIVIDADE. Nullum crimen, nulla poena sine lege praevia art. 29º-1
e 3 CRP e 1º-1]: princípio da não retroactividade das normas penais que criem ou agravem a
Incriminações
Penas
Medidas de segurança
Cumpre determinar quando se considera o facto praticado [art. 2º-1], para efeitos de
acção criminosa ou ao momento em que se produziria a acção, em caso de omissão [art. 3º].
Decisiva é a conduta [o momento em que o agente actua ou, no caso da omissão, em que
devia ter actuado], não o resultado. Haverá retroactividade quando a lei em causa for
anterior à produção do resultado típico, mas posterior à prática da acção. Vale para todos os
permanentes ou duradouros [vg sequestro, art. 158º] em que a lei posterior que agrave a
incriminação entre em vigor antes do término da consumação desse crime: uma parte do
crime ocorre no domínio da lei antiga, enquanto que outra parte ocorre no domínio da lei
nova. Nesse caso, o agente não será punido por todos os crimes que pratique
cumulativamente durante esse período de tempo, mas tão-só pelo crime mais grave,
aplicando-se a lei em vigor durante o facto mais grave. O mesmo se diga em relação a crimes
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continuados [art. 30º-2]. Conclui-se: FIGUEIREDO DIAS considera que a lei posterior que
agrave o regime legal só pode valer para aqueles elementos típicos do comportamento
medidas de segurança [ao contrário da solução dos CP alemão e italiano], embora tal já tenha
sido negado por EDUARDO CORREIA, no passado: entendia-se que não haveria retroactividade
capazes de culpa: tão-só de perigosidade]. Não procede, todavia: veja-se o disposto no art.
29º-1 e 3 CRP e 1º-2. Fundamenta-se, sim, na segurança jurídica, como supra já indiciado.
pejus.
prossegue melhor o fim da medida de segurança, por ser mais recente, ainda
retroactividade in pejus.
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de facto ilícito típico” que, aqui, releva. Subjaz uma ideia de prevenção
penal [art. 5º-1 CPP], ainda que não englobe as normas que se referem a causas de extinção
retroactividade. Isto é, deverá admitir-se que uma corrente jurisprudencial estabilizada possa
ser alterada contra o agente? FIGUEIREDO DIAS considera que a aplicação da nova corrente
vg, não constitui uma violação proprio sensu do princípio da legalidade, embora, ainda assim,
aplicação retroactiva da lei penal mais favorável [retroactividade in melius ou lex melior diz-
se], nos termos dos arts. 29º-4 CRP e 2º-4. Fundamenta-se na igualdade e na necessidade da
pena, surgindo autonomamente como verdadeiro princípio, e não uma mera excepção ao
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novo regime processual [art. 371º-A CPP – manda reabrir o processo, a pedido
da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime, concretamente mais
o art. 2º-2
Com a entrada em vigor de nova lei, a moldura penal é alterada para de 1 a 5 anos,
mais favorável, enfim. A já cumpriu 2 dos 3 anos que lhe foram sentenciados, após
salvo:
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condenado
282º CRP]: o TC deve reabrir o caso julgado quando a lei inconstitucional seja
Moldura penal antiga: 1-10 anos [10+1=11 /2= 5,5; 5 anos e 6 meses].
Moldura penal antiga: 3-12 anos [3+12=15 /2= 7,5; 7 anos e seis meses].
10 anos = 120 meses. 1/3 de 10 anos = 40 meses. 10 anos + 1/3 = 160 meses = 13 anos
e 4 meses.
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§3: SUCESSÃO NO TEMPO. Não haverá uma verdadeira sucessão de leis no tempo se:
acto, mas já não vigoravam ao tempo da apreciação judicial deste [art. 29º-4 CRP e 2º-4, 1ª
parte]. Com a vigência da lei mais favorável, intermédia, o agente ganhou uma posição
jurídica que deve ficar a coberto da proibição da retroactividade da lei mais grave posterior.
Uma excepção ao princípio da aplicação da lei mais favorável está consagrada no art.
2º-3 para as chamadas leis temporárias ou de emergência: aquelas que são, a priori, editadas
pelo legislador para um tempo determinado [vg duração de um estado de sítio]. A lei cessa
automaticamente a sua vigência uma vez decorrido esse período. Não há aqui expectativas a
Harmonia internacional
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crime]
Nacionalidade
Universalidade
Território português é o espaço definido como tal pela CRP [art. 5º-1 e 2 CRP]: inclui
aeroporto estrangeiro]. FERNANDA PALMA considera que este critério resolve apenas
O art. 4º carece, todavia, de articulação com o disposto no art. 7º. Segundo a teoria
da ubiquidade, basta que um dos dois elementos objectivos [acção, total ou parcial, e sob
português [art. 7º], numa solução mista ou plurilateral aqui consagrada. Para o efeito basta a
tentativa inacabada, mas não já a prática de actos preparatórios não puníveis, excepto
para FIGUEIREDO DIAS], art. 21º. O mesmo autor considera que a lei portuguesa deve ser
No caso já mencionado dos crimes continuados [art. 30º-2], basta que um dos factos
pluralidade real de factos, que podem ser cometidos em países diferentes, é juridicamente
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diversas ordens jurídicas, entende FIGUEIREDO DIAS que qualquer uma dessas ordens
crime de perigo concreto, e estes crimes constituem crimes de resultado. O simples perigo
configura já uma afronta à ordem jurídica, pondo em causa a segurança dos bens e a
confiança no direito.
problema de sucessão de leis penais no tempo, entende-se que se aplica, ainda assim, a lei
portuguesa [art. 7º]. Exemplifiquemos: o facto é praticado em Portugal, onde o resultado será
igualmente produzido; entre prática e resultado, entra em vigor uma lei que passa a puni-lo;
a lei portuguesa é de aplicar, embora da leitura dos arts. 2º-1 e 29º-1 CRP se conclua que o
curioso considerar-se como local da prática do facto o lugar onde este não
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ser punido por homicídio, dado que nenhuma das leis concorrentes pode ser aplicada.
do último a todos os casos poderia abrir lacunas de punibilidade indesejáveis para uma
política criminal eficiente. Nestes termos, considera-se que a lei portuguesa se aplica [art. 5º-
1 e]:
ou
passiva
portugueses à soberania punitiva do seu próprio Estado. Entendia-se que o Estado nacional ou
nacionais, maxime dos interesses nacionais, em termos que analisaremos infra §3. É dever do
Estado português a concessão de protecção aos bens jurídicos de que os cidadãos portugueses
através da necessária verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais, a aplicar quer à
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concedida porque:
A ideia que subjaz à verificação destes requisitos é o respeito pelas expectativas dos
pelos mesmos factos, contra a pessoa procurada [vg quando o procedimento penal se
engloba, por interpretação extensiva, a entrega aos TPI e a que resulta de um mandado de
detenção europeu.
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princípio da nacionalidade, encontra-se patente no disposto no art. 5º-1 b): a lei penal
Estado. O português que se dirige ao estrangeiro para, aí, cometer um facto lícito, mas ilícito
face ao ordenamento jurídico português, contra português, não deve ficar impune. Se a
extensão em causa não existisse, o agente que o fizesse adquiriria um verdadeiro “direito à
impunidade”, através de uma fraude à lei penal. Exemplifiquemos: vg a mulher que, outrora,
se dirigisse a uma clínica estrangeira para aí levar a cabo uma interrupção voluntária da
gravidez, ainda que lícita segundo a lex loci [lei estrangeira]. Face ao que foi exposto, não
cabe, aqui, assegurar expectativas nem proteger a igualdade entre agentes e estrangeiros.
aborto no estrangeiro.
Esta extensão justifica-se, segundo FIGUEIREDO DIAS, com base numa ideia de
pertencem e onde o agente habitualmente vive, e não obstando a uma fraude à lei proprio
sensu [não constitui nenhuma fraude à lei, segundo o mesmo autor, a violência doméstica por
casal português em país estrangeiro, nem tem a mesma qualquer consagração legal].
de aplicação da lei penal portuguesa no espaço, encontra consagração legal no art. 5º-1 a) e
lesões de bens jurídicos nacionais, exteriores ao território português: aqui, subjaz o poder
Compreende-se que a maior parte das ordens jurídicas estrangeiras não consagre
normas que obstem à lesão de bens jurídicos próprios de outro país: vg crimes contra o
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Estado. FIGUEIREDO DIAS fundamenta esta extensão do ius puniendi nacional na relação que
seu facto contra interesses especificamente portugueses. Para mais, o Estado em cujo
território o crime foi praticado pode nem ter qualquer vontade de perseguir este tipo de
Burla informática
Falsificação de moeda
activa: sempre que um dos crimes supra haja sido praticado por um português, não se torna
necessária a verificação dos requisitos supra, concluindo-se pela aplicação da lei penal
portuguesa.
factos contra os quais se deva lutar a nível mundial ou que internacionalmente tenha
facto considerado crime pela sua lei interna, mas tão-só relativamente aos bens jurídicos a
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A aplicação da lei penal portuguesa, nestes casos, está submetida a uma dupla
condição:
ou
concedida, por alguma das razões já mencionadas [cfr. supra §2]: esta
o actual art. 5º-1 f) que veio colmatar uma lacuna do sistema de aplicação da lei penal no
espaço: um cidadão estrangeiro, tendo praticado um crime grave no estrangeiro [punível por
pena de morte, vg], poderia buscar refúgio em Portugal, onde não poderia ser julgado nem
extraditado, por ausência de conexão relevante com a lei portuguesa e porque a extradição
seria proibida face à gravidade da consequência jurídica imposta pelo país do delito,
respectivamente.
perpétua são constitucionalmente proibidas [art. 33º-4 CRP], pelo que a nossa ordem jurídica
não pode, por maioria de razão, extraditar um agente para uma ordem jurídica que as aplique
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[cfr. supra §2]. Esta lacuna, até ter sido devidamente colmatada, fazia com que o nosso país
do poder punitivo do Estado nacional com o crime cometido, mas sim um princípio de
O facto constitua crime que admita extradição e esta não possa ser concedida
qual ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime [art. 29º-5
CRP], garantia que vale para todas as pessoas e todos os tribunais [inclusive estrangeiros].
deve constituir o princípio prioritário, enquanto que todos os outros são meramente
negativos de jurisdição: o Estado português pune porque outro Estado não pôde fazê-lo.
O que dizer da aplicação deste princípio aos casos do princípio da defesa dos
interesses nacionais, na sua vertente de protecção real? Poder-se-ia defender que não deve
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Direito Penal I – Lara Geraldes, 3º-A @ FDL
acrescenta FIGUEIREDO DIAS que esta solução já se encontra consagrada desde o CP de 1886:
Por seu lado, o princípio da aplicação da lei penal estrangeira mais favorável [art. 6º-
2] constitui outra restrição à aplicação da lei penal portuguesa no espaço: prova definitiva do
carácter subsidiário dos princípios de extra-territorialidade. O facto deve ser julgado pelos
tribunais portugueses segundo a lei do país em que tiver sido praticado sempre que esta seja
subsidiária.
Este regime não se aplica, contudo, aos crimes aos quais a lei portuguesa é aplicável
sanções previstas pela aplicação da lei penal estrangeira: relembre-se que o problema não se
coloca relativamente à pena de morte, vg, já que a lei estrangeira que a admita não será lex
melior; o problema cinge-se, tão-só, aos limites inferiores da escala penal. O CP consagra um
leque de penas substitutivas da pena de prisão, embora não exista qualquer tábua de
O art. 6º-2, 2ª parte consagrou uma alternativa a este problema: cláusula geral de
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