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Capı́tulo 1

Representação Canônica

1.1 Introdução
Perspectiva microscópica
Os corpos sujeitos a experimentação são caracterizados por diversas pro-
priedades entre as quais encontram-se aquelas que denominamos proprieda-
des termodinâmicas. Essas propriedades são descritas por relações entre as
diversas grandezas termodinâmicas e, juntamente com as leis fundamentais
da termodinâmica, constituem uma teoria macroscópica da matéria. Por
outro lado, devemos levar em consideração que a matéria possui uma con-
stituição microscópica. Um pequeno diamante ou um fragmento de quartzo
são constituı́dos por um número enorme de átomos. O ar atmosférico con-
finado num balão, a água em ebulição dentro de uma chaleira assim como o
vapor d’água que dela emerge são compostos por inúmeras moléculas. É na-
tural, portanto, presumir que as propriedades termodinâmicas possam ser
explicadas e obtidas a partir da constituição microscópica dos corpos. Mais
precisamente, a partir das leis que regem o comportamento das unidades
constitutivas microscópicas.
Uma grandeza macroscópica como a pressão de um gás, por exemplo,
foi explicada por Bernoulli em termos microscópicos, ao admitir que um
gás é constituı́do por inúmeras partı́culas, que se movimentam de acordo
com as leis da mecânica e se chocam continuamente com as paredes do
recipiente. Essa explicação foi retomada por Clausius e aperfeiçoada por
Maxwell, que admitiu que as velocidades das partı́culas não são iguais mas
se repartem de acordo com a distribuição que leva seu nome. A distribuição

1
2 1 Representação Canônica

das velocidades, que entendemos como uma distribuição de probabilidades,


é consequência dos choques entre as partı́culas e, portanto, das leis que
regem o movimento das partı́culas. Esse resultado nos mostra o caráter
probabilı́stico da teoria que aqui desenvolvemos, que por isso foi denomi-
nada por Gibbs de mecânica estatı́stica.
A distribuição de Maxwell também nos leva a presumir que as dis-
tribuições de probabilidade da mecânica estatı́stica podem ser deduzidas a
partir das leis que governam o movimento microscópico, isto é, a partir das
leis da mecânica. Entretanto, não há demostração geral dessa afirmação,
embora isso não signifique que ela não possa vir a ser alcançada. Por isso,
o ponto de vista que adotamos consiste em introduzir as distribuições de
probabilidades fundamentais como princı́pios básicos, independentes mas
consistentes com as leis da mecânica. Para sistemas em equilı́brio, que são
aqueles tratados aqui, as distribuições fundamentais foram estabelecidas
por Boltzmann e por Gibbs, e suas formas variam de acordo com o tipo
de contato do sistema com o meio externo. Essas distintas formas de des-
crição, que denominamos representações, são conhecidas como teoria dos
ensembles de Gibbs. Neste capı́tulo utilizamos a representação denominada
canônica que é aquela apropriada para o estudo de um sistema em contato
com um reservatório térmico com o qual troca energia.
A determinação das leis e propriedades termodinâmicas de um sistema
por meio da mecânica estatı́stica, como já dissemos, se fundamenta na con-
stituição microscópica da matéria e nas leis que regem o movimento das
suas unidades constituintes. Entre essas leis, destacamos a conservação
da energia, que admitimos, como fez Helmholtz, ser observada ao nı́vel
microscópico. Por outro lado, a conservação da energia no âmbito da ter-
modinâmica envolve a grandeza que denominamos calor. Dessa forma,
necessitamos de uma definição de calor no âmbito da mecânica estatı́stica.
Devido à existencia da relação entre calor e entropia, estabelecida por Clau-
sius, esse problema se reduz à definição de entropia. Para resolver esse prob-
lema, recorremos a Boltzmann, que introduziu a idéia de que a entropia S
está relacionada com o número W de estados microscópicos acessı́veis. Na
formulação de Planck essa relação se escreve S = kB ln W , em que kB é a
constante de Boltzmann. Essa definição de entropia é apropriada quando
os estados acessı́veis são igualmente prováveis. Quando isso não acontece,
é necessário usar a forma mais geral introduzida por Gibbs, que veremos
mais adiante.
1.1 Introdução 3

Distribuição de Maxwell
As velocidades de translação das moléculas de um sistema clássico, como
um gás, um lı́quido ou um sólido, que se encontra a uma temperatura T ,
se repartem de acordo com a distribuição de Maxwell. Se considerarmos
um componente cartesiano da velocidade, por exemplo o componente vx , a
densidade de probabilidades dessa variável é dada por
2
ρ(vx ) = Ae−βmvx /2 , (1.1)

em que A é uma constante, β = 1/kB T e m é a massa da molécula. A


constante A é obtida pela normalização,
Z ∞
ρ(vx )dvx = 1. (1.2)
−∞

Utilizando a fórmula
Z ∞  1/2
−αx2 /2 2π
e dx = , (1.3)
−∞ α

obtemos A = (βm/2π)1/2 e, portanto,


 1/2
βm 2
ρ(vx ) = e−βmvx /2 . (1.4)

A média hvx2 i é dada por


Z ∞  1/2 Z ∞
βm 2
hvx2 i = vx2 ρ(vx )dvx = vx2 e−βmvx /2 dvx . (1.5)
−∞ 2π −∞

Para calcular a integral utilizamos o resultado


Z ∞  1/2
−αx2 /2 2 1 2π
e x dx = , (1.6)
−∞ α α

que se obtém derivando ambos os lados de (1.3) relativamente a α. Uti-


lizando esse resultado em (1.5), obtemos hvx2 i = 1/βm e, portanto,

1 1
mhvx2 i = kB T. (1.7)
2 2
4 1 Representação Canônica

Os outros componentes cartesianos da velocidade também possuem a


mesma distribuição de probabilidades, isto é,
 1/2
βm 2
ρ(vy ) = e−βmvy /2 , (1.8)

 1/2
βm 2
ρ(vz ) = e−βmvz /2 . (1.9)

Para determinar a distribuição de probabilidades da velocidade de uma
molécula, ~v = (vx , vy , vz ), admitimos que os componentes cartesianos são
variáveis independentes de modo que ρ0 (vx , vy , vz ) = ρ(vx )ρ(vy )ρ(vz ), isto é,
 3/2
βm 2 2 2
ρ0 (vx , vy , vz ) = e−βm(vx +vy +vz )/2 , (1.10)

Notar que essa distribuição está normalizada de acordo com


Z
ρ dvx dvy dvz = 1. (1.11)

Uma molécula possui uma energia cinética de translação dada por E =


mv 2 /2, em que v = |~v |. Tendo em vista que v 2 = vx2 + vy2 + vz2 ,
m 2 m 2
E= v = (vx + vy2 + vz2 ). (1.12)
2 2
Para obter hEi, observamos que o resultado (1.7) pode ser estendido para
os outros dois componentes. Desses resultados concluı́mos que a energia
cinética média de translação das moléculas é dada por
m 2 m 3
hEi = hv i = hvx2 + vy2 + vz2 i = kB T. (1.13)
2 2 2
Notar que a raiz quadrada da velocidade quadrática média, vr , definida por

vr = h(vx2 + vy2 + vz2 )i1/2 , (1.14)

é dada por r
3kB T
vr = , (1.15)
m
1.1 Introdução 5

0,3

0,2

ρv v
0,1

0
0 1 2 3

v/ v
Figura 1.1: Distribuição de Maxwell ρv relativa ao módulo da velocidade v, dada
pela equaçao (1.18), como função de v/v̄ em que v̄ é dada por (1.20).

A distribuição de probabilidades ρ3 (v, θ, φ) das velocidades em coorde-


nadas esféricas se obtém a partir da igualdade

ρ3 dvdθdφ = ρ0 dvx dvy dvz . (1.16)

Utilizando as transformações vx = v sin θ cos φ, vy = v sin θ sin φ e vz =


v cos θ entre coordenadas esféricas e cartesianas, vemos que dvx dvy dvz =
v 2 sin θdvdθdφ, de modo que
 3/2
βm 2 /2
ρ3 = v 2 sin θe−βmv . (1.17)

A distribuição de probabilidades ρv (v) do módulo da velocidade é alcançada


pela integração em θ e φ,
 3/2
βm 2 /2
ρv = 4π v 2 e−βmv , (1.18)

mostrada na figura 1.1.


A velocidade média v̄, definida por

v̄ = hvi = h(vx2 + vy2 + vz2 )1/2 i, (1.19)


6 1 Representação Canônica

pode ser calculada a partir de (1.18). Multiplicando (1.18) por v e inte-


grando, alcançamos o resultado
r
8kB T
v̄ = . (1.20)
πm
O resultado (1.13) é uma expressão do teorema da equipartição da ener-
gia, válido para sistemas clássicos. Para entender melhor o teorema, vamos
supor que o sistema que consideramos tenha dois tipos de moléculas, com
massas distintas, m1 e m2 . Denotando por ~v1 e ~v2 as velocidades respectivas
e aplicando o resultado (1.13) para cada uma delas, obtemos

m1 2 m2 2 3kB T
hv1 i = hv2 i = . (1.21)
2 2 2
Ou seja, a energia cinética se reparte igualmente entre os dois tipos de
moléculas, embora tenham massas distintas. Isso significa que as moléculas
de menor massa possuem velocidades maiores e aquelas de maior massa se
movem mais lentamente.

1.2 Distribuição de probabilidades


Estado
As propriedades macroscópicas de um sistema, tais como a energia interna
ou a pressão, podem ser obtidas a partir das velocidades e das posições de
cada uma das moléculas que compõem o sistema, isto é, dos estados de cada
molécula. Além da velocidade de translação, o estado de uma molécula é
caracterizado pela posição do centro de massa e por outras grandezas como
os ângulos que definem a orientação espacial de uma molécula e as respec-
tivas velocidades angulares. O estado microscópico do sistema, ou simples-
mente estado do sistema, deve ser entendido como o conjunto dos estados
das moléculas. Essa definição é apropriada no âmbito da mecânica clássica.
Se adotarmos uma descrição quântica, devemos considerar a definição de
estado que esteja de acordo com os princı́pios da mecânica quântica.
Um sistema não permanece, em geral, no mesmo estado, mas ao longo
do tempo passa por vário estados. É apropriado portanto perguntar qual
é a probabilidade Ps de ocorrência de um determinado estado s. Uma vez
conhecido Ps , podemos determinar a probabilidade de ocorrência de um
1.2 Distribuição de probabilidades 7

determinado valor de uma grandeza fs considerada como função do estado


s. Em particular podemos determinar seu valor médio hfs i, dado por
X
hfs i = fs Ps (1.22)
s

desde que Ps esteja normalizado de acordo com


X
Ps = 1. (1.23)
s

Dessa forma, resta o problema fundamental do estabelecimento da proba-


bilidade Ps de ocorrência de cada estado s.

Distribuição de Gibbs
Com a finalidade de estabelecer a probabilidade de ocorrência de cada
estado do sistema, isto é, da distribuição de probabilidades dos estados,
imaginamos um sistema constituı́do por várias unidades constitutivas in-
teragentes confinadas numa região delimitada do espaço. Admitimos que o
sistema esteja sujeito às seguintes condições. As unidades constitutivas in-
teragem por meio de forças conservativas, o que permite a associação a cada
estado s do sistema a grandeza conservativa denominada energia Es . O sis-
tema está em contato com um reservatório térmico à temperatura T com o
qual troca energia. O sistema encontra-se em equı́brio termodinâmico com
o reservatório, o que significa que a temperatura do sistema é a mesma
temperatura do reservatório e que a energia do sistema flutua em torno de
um valor médio que permanece invariante no tempo. Nessas condições, ad-
mitimos como princı́pio fundamental que a probabilidade Ps de encontrar
o sistema no estado s depende de s apenas através de Es e é dada por
1 −βEs
Ps = e , (1.24)
Z
em que Z é uma constante de normalização e β = 1/kB T . Notar que o
estado s deve ser entendido, em geral, como um conjunto de variáveis, de
modo que Ps é , em geral, uma distribuição conjunta de probabilidades.
A distribuição (1.24) é denominada distribuição canônica de Gibbs e é
válida para sistemas cujos estados são discretizados. Entretanto, ela pode
ser estendida para sistemas cujos estados formam um contı́nuo, como ocorre
8 1 Representação Canônica

com sistemas clássicos. Para sistemas quânticos, Es deve ser entendido


como os autovalores do operador hamiltoniano. Para sistemas clássicos, Es
deve ser substituı́do pela hamiltoniana clássica, que é definida sobre um
espaço contı́nuo e a distribuição de probabilidades entendida como uma
densidade de probabilidades.
A partir da normalização (1.23) obtém-se para Z a seguinte expressão
X
Z= e−βEs , (1.25)
s

que é denominada função de partição canônica do sistema. Embora intro-


duzida como um fator de normalização, veremos que a função de partição
possui um papel fundamental na determinação das propriedades termodi-
nâmicas.

Energia interna e entropia


A partir da distribuição canônica de probabilidades (1.24), podemos deter-
minar a energia média U = hEs i, ou energia interna, dada por
X
U= Es Ps . (1.26)
s

Substituindo a expressão (1.24) em (1.26) obtemos


1 X
U= Es e−βEs , (1.27)
Z s

que pode ser escrita na seguinte forma


1 X ∂ −βEs 1 ∂ X −βEs 1 ∂
U =− e =− e =− Z, (1.28)
Z s ∂β Z ∂β s Z ∂β

ou seja,

U =− ln Z. (1.29)
∂β
Essa fórmula permite a determinação da energia média a partir da função
de partição Z.
De acordo com a teoria termodinâmica, a variação na energia interna
∆U de um sistema se deve não apenas ao trabalho realizado mas também
1.2 Distribuição de probabilidades 9

ao calor Q trocado com o ambiente. No presente caso, o ambiente é um


reservatório térmico de modo que a variação de energia é igual ao calor
trocado, isto é, ∆U = Q, que escrevemos em forma diferencial, dU = dQ.
De acordo com Clausius, para um sistema em equilibrio termodinâmico,
dQ = T dS em que S é a entropia do sistema. Essa relação pode ser escrita
de forma equivalente como
∂U
= T. (1.30)
∂S
Para demonstrar a relação (1.30) é necessário antes introduzir uma ex-
pressão para a entropia. Admitimos a seguinte expressão, devido a Gibbs,
para a entropia X
S = −kB Ps ln Ps . (1.31)
s
Derivando as duas expressões acima em relação a β, obtém-se
∂U X ∂Ps
= Es , (1.32)
∂β s
∂β

∂S X ∂Ps
= kB β Es . (1.33)
∂β s
∂β
Essa última expressão foi obtida utilizando a distribuição (1.24) e levando
em conta que
X ∂Ps ∂ X
= Ps = 0, (1.34)
s
∂β ∂β s
pois Ps está normalizado. Agora, basta tomar a razão entre (1.26) e (1.33)
para obter
∂U (∂U/∂β) 1
= = = T, (1.35)
∂S (∂S/∂β) kB β
que completa a demonstração de (1.30).
É preciso notar que a adição de qualquer constante na definição da
entropia dada por (1.31) não altera o resultado (1.30). Portanto, para
definir a entropia de forma univoca é preciso fazer uma escolha do valor
dessa constante. Antes disso, é necessário especificar o significado de estado
já que (1.31) contém uma soma sobre estados. Postulamos que estados
devem ser entendidos como estados quânticos, ou mais precisamente como
os autoestados do hamiltoniano quântico do sistema, e que a constante
deve ser ecolhida como sendo nula. Para sistemas clássicos, tomamos como
10 1 Representação Canônica

definição de entropia o limite clássico da expressão (1.31), como veremos


mais adiante.
Em seguida mostramos que a energia livre de Helmholtz também está
diretamente relacionada com a função de partição. Para isso, começamos
por substituir a expressão (1.24) em (1.31) para obter
X X X
S = kB (βEs + ln Z)Ps = kB β Es Ps + kB ln Z Ps , (1.36)
s s s

ou, utilizando a expressão (1.26) e a normalização (1.23),

1
S= U + kB ln Z, (1.37)
T
em que utilizamos também a relação β = 1/kB T . Tendo em vista que a
energia livre de Helmholtz F está relacionada com a energia interna U por
meio de F = U − T S, segue-se que

F = −kB T ln Z, (1.38)

fórmula que permite a determinação de F a partir da função de partição


canônica Z. Tendo em vista que F esta relacionado com S, cuja definição
envolve soma sobre estados quânticos, então a soma que define a função de
partição, dada por (1.25), também deve ser feita sobre estados quânticos.
No caso de sistemas clássicos a função de partição é aquela que se obtém
tomando o limite clássico da expressão (1.25).
Note que a entropia também pode ser obtida a partir da relação

∂F
S=− , (1.39)
∂T
que se demonstra tomando a derivada de (1.38) em relação a T e utilizando
os resultados (1.29) e (1.37).

Capacidade térmica
A capacidade térmica de um corpo é definida como a razão entre a quanti-
dade de calor absorvida pelo corpo e a resultante variação da temperatura.
Entretanto devemos ser precisos na maneira como o calor está sendo in-
troduzido. Aqui vamos considerar que o calor está sendo introduzido de
1.2 Distribuição de probabilidades 11

forma que os parâmetros dos quais a energia Es depende estão sendo man-
tidos constantes. Nesse caso dQ = dU , ou seja, o calor introduzido é igual
a variação da energia do sistema. A capacidade térmica assim definida é
dada por
∂U
C= (1.40)
∂T
e está relacionada diretamente com a variância da energia, como veremos
a seguir. Como a variância é por definição não negativa concluı́mos que a
capacidade térmica é não negativa. Dessa forma sempre que introduzimos
calor em um corpo, sua temperatura nunca diminui.
Usando a relação β = 1/kB T podemos escrever também

1 ∂U
C=− . (1.41)
kB T 2 ∂β

Tendo em vista que de acordo com a expressão (1.29) a energia U se rela-


ciona com Z através de
1 ∂Z
U =− , (1.42)
Z ∂β
então
2
1 ∂2Z

∂U 1 ∂Z
− = 2
− 2 . (1.43)
∂β Z ∂β Z ∂β
Mas
1 ∂2Z 1 X 2 −βE X 2
= E e = Es Ps = hEs2 i (1.44)
Z ∂β 2 Z s s s

e
 2
1 ∂Z
= U 2 = hEs i2 . (1.45)
Z2 ∂β
Logo,
1
C= (hEs2 i − hEs i2 ), (1.46)
kB T 2
e, portanto, a capacidade térmica está relacionada com a variância da ener-
gia. Como hEs2 i − hEs i2 = h(Es2 − hEs i)2 i ≥ 0, a variância nunca é negativa,
concluı́mos que C ≥ 0.
12 1 Representação Canônica

Sistemas não interagentes


Muitos sistemas podem ser tratados como não interagentes. Esse é o
caso dos gases a baixas densidades, o que acontece a altas temperaturas
e baixas pressões, regime em as distâncias intermoleculares são suficiente-
mente grandes para que interação entre elas possa ser desprezada. Gases
sob essas condições são denominados gases ideais. É o caso também de
sistemas magnéticos que exibem paramagnetismo, no regime de altas tem-
peraturas, caso em que a interação entre os dipolos mágneticos pode ser
desprezada. É preciso, entretanto, ter em mente que a interação entre as
unidades, por menor que seja, é necessária para que o sistema entre em
equilibrio. Se a interação entre as unidades constitutivas for inexistente,
devemos supor a existência de algum outro mecanismo que conduza o sis-
tema ao equilı́brio termico. A energia total de um sistema não interagente
é igual a soma das energias de cada unidade constitutiva. Além disso,
a energia de cada unidade constitutiva depende apenas do estado dessa
unidade constitutiva. Como consequência a distribuição de probabilidades
relativa ao sistema se fatoriza e cada fator se identifica com a distribuição
de probabilidades relativa a uma determinada unidade constitutiva.
Aqui consideramos um sistema constituı́do por N unidades constitutivas
do mesmo tipo. Denotando por ` o estado de uma unidade constitutiva e
por ε` a respectiva energia, então a distribuição de probabilidades P` dessa
unidade constitutiva é dada por
1 −βε`
P` = e , (1.47)
ζ
em que a função de partição da unidade constitutiva é dada por
X
ζ= e−βε` . (1.48)
`

A função de partição Z do sistema se fatoriza e é dada por


Z = ζN (1.49)
A partir de ζ podemos obter as propriedades termodinâmicas do sis-
tema utilizando os mesmos procedimentos usados anteriormente. A energia
média U do sistema vale U = N u em que
X
u = hε` i = ε` P ` , (1.50)
`
1.2 Distribuição de probabilidades 13

é a energia média de uma unidade constitutiva. Ela é obtida a partir de ζ


por meio da fórmula

u=− ln ζ. (1.51)
∂β
A partir de u obtemos a capacidade térmica por unidade constitutiva ou o
calor especı́fico
c = ∂u/∂T, (1.52)
que está ligada à variância de E` por meio de
1 2 2

c= hε ` i − hε ` i . (1.53)
kB T 2

A capacidade térmica do sistema vale C = N c.


A energia livre F = −kB T ln Z do sistema vale F = N f em que f , a
energia livre de uma unidade constitutiva, se obtém por meio da fórmula

f = −kB T ln ζ, (1.54)

A entropia total do sistema é dada por S = N s em que a entropia relativa


a uma unidade constitutiva, dada por
X
s = −kB P` ln P` , (1.55)
`

e pode ser obtida por meio de

∂f
s=− , (1.56)
∂T
ou ainda por s = (u − f )/T .

Sitemas clássicos
De acordo com a mecânica clássica, o estado de um sistema com um grau de
liberdade é determinado pela posição x e momento p, isto é, por um ponto
do espaço (x, p). Em analogia com (1.47), a distribuição de probabilidades,
que no presente caso é uma densidade de probabilidades, é dada por
1 −βH(x,p)
ρ(x, p) = e . (1.57)
ζ∗
14 1 Representação Canônica

em que H(x, p) é a hamiltoniana e ζ ∗ vale


Z
ζ = e−βH(x,p) dxdp.

(1.58)

de modo que ρ(x, p) está normalizado na forma usual


Z
ρ(x, p)dxdp = 1. (1.59)

Para determinar a entropia, a energia livre de Helmholtz e a função


de partição, é preciso ter uma prescrição para contar estados. Tendo em
vista que um estado corresponde a um ponto no espaço (x, p), então o
número de estados em qualquer região finita do espaço (x, p) é infinito.
Para remediar essa situação, declaramos que o número de estados numa
região é proporcional à area dessa região. Em seguida, postulamos que
uma região de área igual a h está associada a um único estado. Dessa
forma, o número n de estados numa região R do espaço (x, p) é a razão
entre a área de R e h, isto é,
Z
1
n= dxdp. (1.60)
h R
Utilizando o resultado (1.60), a função de partição relativa a um sistema
clássico com um grau de liberdade se torna
Z
1
ζ= e−βH(x,p) dxdp, (1.61)
h
que é análoga à equação (1.48). Notar que ζ é adimensional pois a con-
stante h possui dimensão de comprimento×momento e que ζ = ζ ∗ /h. Mais
adiante, veremos que h deve ser identificado com a constante de Planck.
Essa identificação será obtida quando compararmos o limite clássico de ζ,
calculado por meio de (1.48), com (1.61).
A partir de ζ, dado por (1.61), podemos obter a energia livre de Helmholtz,
f = −kB T ln ζ e a entropia s. Utilizando a fórmula
Z
u = Hρdxdp (1.62)

e a relação s = (u − f )/T , alcançamos a seguinte expressão para a entropia


Z
s = −kB ρ(x, p) ln[hρ(x, p)]dxdp, (1.63)

que é análoga à equação (1.55).


1.3 Oscilador harmônico 15

1.3 Oscilador harmônico


Modelo de Einstein
Einstein concebeu um modelo para explicar como o calor especı́fico dos
sólidos se anula quando T → 0, uma exigência da lei introduzida por Nernst
e denominada terceira lei da termodinâmica. De acordo com esse modelo,
as vibrações de um átomo do sólido em torno de sua posição de equilı́brio
são equivalentes às de um oscilador harmônico. Cada átomo é representado
por três osciladores, um para cada uma das três direções espaciais, inde-
pendentes. O sólido é equivalente portanto a 3N osciladores independentes
cada um representando uma unidade constitutiva. De acordo com o mod-
elo de Einstein todos possuem a mesma frequência ω de oscilação. Mais
adiante, no capı́tulo 4, teremos a oportunidade de estudar um modelo mais
aprimorado em que as frequências das vibrações não são todas iguais.
As energias quantizadas En de um oscilador são dadas por
 
1
En = ~ω n + , (1.64)
2
em que n toma os valores n = 0, 1, 2, 3, ..., e ~ = h/2π sendo h a constante
de Planck. A probabilidade de encontrar o oscilador no estado n é pois
1 −βEn
Pn = e , (1.65)
ζ
e a função de partição ζ de um oscilador vale
∞ ∞
X X 1
ζ= e−βEn = e−β~ω(n+ 2 ) , (1.66)
n=0 n=0
ou

X
−β~ω/2
ζ=e e−nβ~ω . (1.67)
n=0
O somatório corresponde à soma dos termos de uma progressão geométrica
de razão igual a e−β~ω . Logo,
1
ζ = e−β~ω/2 , (1.68)
1 − e−β~ω
da qual obtemos
1
ln ζ = − β~ω − ln(1 − e−β~ω ). (1.69)
2
16 1 Representação Canônica

2 1.5

1.5
1

c / kB
u / u0

0.5
0.5

0 0
0 0.5 1 1.5 2 0 0.5 1 1.5 2

T / T0 T / T0

Figura 1.2: (a) Energia média u e (b) capacidade térmica c de um oscilador


harmônico quântico como funções da temperatura T , em que u0 = ~ω e T0 =
~ω/kB . As linhas tracejadas representam o resultado clássico.

A energia média de um oscilador u = −(∂/∂β) ln ζ vale


 
1 1
u = ~ω + . (1.70)
2 eβ~ω − 1
A partir dessa expressão obtemos o capacidade térmica de um oscilador,
c = (∂u/∂T ), dada por

eβ~ω
c = kB (β~ω)2 . (1.71)
(eβ~ω − 1)2
Os gráficos da energia e da capacidade térmica são apresentados na figura
1.2.
A energia livre f de um oscilador f = −kB T ln ζ é dada por
1
f = ~ω + kB T ln(1 − e−β~ω ), (1.72)
2
da qual obtemos a entropia, s = −∂f /∂T , de um oscilador
~ω 1
s = −kB ln(1 − e−β~ω ) + β~ω
. (1.73)
T (e − 1)
Para um conjunto de 3N osciladores, a energia U e a capacidade térmica
C são dadas por
U = 3N u, C = 3N c. (1.74)
1.3 Oscilador harmônico 17

A energia livre F e a entropia S são dadas por

F = 3N f, S = 3N s. (1.75)

Vale notar que a função de partição Z do sistema se relaciona com a função


de partição ζ de um oscilador por meio de

Z = ζ 3N . (1.76)

No regime de altas temperaturas, isto é, para kB T >> ~ω, a função de


partição de um oscilador se reduz a
1 kB T
ζ= = . (1.77)
β~ω ~ω
A partir desse resultado, obtemos
1
u= = kB T, c = kB . (1.78)
β
E também
kB T kB T
f = −kB T ln , s = kB {1 + ln( )}, (1.79)
~ω ~ω
válidos para altas temperaturas.

Lei de Dulong-Petit
Agora consideramos a versão clássica do sistema que acabamos de estudar.
Imaginamos um sólido constituı́do por N átomos, cada átomo oscilando nas
três direções cartesianas como três osciladores harmônicos independentes.
O movimento de cada oscilador é descrito pela hamiltoniana H(x, p), função
da posição x e do momento p, dada por
1 2 mω 2 2
H(x, p) = p + x , (1.80)
2m 2
em que m é a massa do átomo e ω é a frequência angular de oscilação.
A distribuição de probabilidades ρ(x, p), que é uma densidade de prob-
abilidades, é dada por (1.57) e a função de partição ζ por (1.61). Substi-
tuindo a expressão (1.80) em (1.61),
Z
1 2 2
ζ= e−βp /2m−βmω2x /2 dxdp. (1.81)
h
18 1 Representação Canônica

A integral múltipla é o produto de duas integrais gaussianas. Efetuando as


integrais,
 1/2  1/2
1 2πm 2π 2π 2πkB T
ζ= = = . (1.82)
h β βmω 2 hβω hω

A partir da função de partição ζ, determinamos a energia de um os-


cilador, u = −(∂/∂β) ln ζ, e a capacidade térmica de um oscilador, c =
∂u/∂T ,
1
u = = kB T, c = kB , (1.83)
β
que se identificam com os resultados quânticos a altas temperaturas, dados
por (1.78).
Determinamos também a energia livre de um oscilador, f = −kB T ln ζ,
e a entropia de um oscilador, s = −∂f /∂T ,

2πkB T 2πkB T
f = −kB T ln( ), s = kB {1 + ln( )}. (1.84)
hω hω
Aqui cabe uma observação importante sobre a constante h. Como vimos
anteriormente quando discutimos sistemas clássicos, a constante h foi intro-
duzida de forma ad hoc. Entretanto, se desejarmos que os resultados para a
entropia e energia livre obtidos anteriormente para o oscilador quântico, no
limite de altas temperaturas, dadas por (1.79), se identifiquem com resulta-
dos (1.84) que acabamos de obter, então vemos que h deve ser identificado
com a constante de Planck. Para isso, basta comparar a expressão (1.82)
com (1.77).
Para obter U , C, F e S para um sólido, basta multiplicar os resultados
acima por 3N . Obtemos a energia
1
U = 3N = 3N kB T, (1.85)
β

e a capacidade térmica
C = 3N kB . (1.86)
Esse resultado não depende da frequência de oscilação. Portanto, se os
átomos vibrarem com frequências distintas, o resultado para a capacidade
térmica permanece o mesmo. Como consequência, qualquer sólido a altas
temperaturas, regime em que os resultados clássicos podem ser aplicados,
1.4 Dipolo num campo 19

tem o mesmo calor especifico C/N = 3kB , que é a expressão da lei de


Dulong-Petit.
A energia livre do sólido é dada por

2πkB T
F = −3N kB T ln( ), (1.87)

e a entropia por
2πkB T
S = 3N kB {1 + ln( )}. (1.88)

1.4 Dipolo num campo


Dois estados
Um conjunto de dipolos magnéticos permanentes não interagentes constitui
um sistema paramagnético ideal. Esse é o caso de compostos formados
por átomos magnéticos tais que a separação entre os átomos magnéticos é
suficientemente grande para que a interação entre eles possa ser desprezada.
Nessa situação, é suficiente tratar apenas um átomo magnético, ou um
dipolo magnético. Quando submetido a um campo magnético H, ~ a energia
de interação do momento de dipolo magnético µ ~ e o campo vale

E = −~ ~
µ · H. (1.89)

De acordo com a teoria quântica os possı́veis valores do componente de


µ
~ na direção do campo são discretizados. A situação mais simples corres-
ponde ao caso em que o componente toma apenas dois valores, ±µ. Assim,
escrevemos a energia de interação com o campo na forma

Eσ = −σµH, (1.90)

em que σ = ±1. A probabilidade de ocorrência dos estados σ = ±1 vale


1 −βEσ 1
P (σ) = e = eβσµH , (1.91)
ζ ζ

em que β = 1/kB T e ζ é a função de partição de um átomo,


X
ζ= eβσµH (1.92)
σ=±1
20 1 Representação Canônica

0,8 0,5
(a) (b)
0,4
0,6

0,3

c/kB
s/kB

0,4

0,2

0,2
0,1

0 0
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5

T/T0 T/T0

Figura 1.3: (a) Entropia s e (b) capacidade térmica c de um sistema de dois


estados como funções da temperatura T , em que T0 = µH/kB . A linha tracejada
representa o valor ln 2.

ou
ζ = eβµH + e−βµH = 2 cosh βµH, (1.93)
e, portanto,
ln ζ = ln 2 cosh βµH. (1.94)
A energia livre por átomo f = −kB T ln ζ vale

f = −kB T ln 2 cosh βµH. (1.95)

A energia por átomo se obtém por meio da fórmula u = −(∂/∂β) ln ζ,

u = −µH tanh βµH, (1.96)

a partir da qual obtemos o calor especı́fico, c = ∂u/∂T ,

µ2 H 2
c= sech2 βµH, (1.97)
kB T 2
mostrada na figura 1.3 como função da temperatura. Note que c se anula
tanto para T = 0 quanto para T → ∞.
Para encontrar a magnetização m = µhσi utilizamos a fórmula m =
−∂f /∂H, que se obtém derivando ambos os lados de (1.92) relativamente
a H e dividindo por ζ. Utilizando essa fórmula alcançamos o resultado

m = µ tanh βµH. (1.98)


1.4 Dipolo num campo 21

A susceptibilidade χ, definida por χ = ∂m/∂H, vale

µ2
χ= sech2 βµH. (1.99)
kB T

A campo nulo, H = 0,
µ2
χ= , (1.100)
kB T
que nos diz que a susceptibilidade a campo nulo é inversamente proporcional
à temperatura, que é a lei de Curie.
A entropia por átomo pode ser calculada por meio de s = −∂f /∂T mas
é mais facil utilizar a relação s = (u − f )/T , a partir da qual obtemos

µH µH µH
s=− tanh + kB ln 2 cosh , (1.101)
T kB T kB T

mostrada na figura 1.3 como função da temperatura. Quando T → ∞,


s → kB ln 2 e quando T → 0, s → 0, cmo se vê na figura 1.3.

Teoria de Brillouin
De acordo com a teoria quântica, os possı́veis valores do componente de µ ~
na direção do campo são discretizados e dados por jgµB , em que µB é o
magneton de Bohr, g é uma constante numérica e j toma os valores j =
−J, −J +1, . . . , J −1, J, em que J pode ser um dos valores 1/2, 1, 3/2, 2, . . ..
Dessa forma os possı́veis valores da energia de interação com o campo são
dados por
jµH
Ej = − , (1.102)
J
em que µ = gµB J.
A probabilidade de ocorrência dos estados j = −J, −J + 1, . . . , J − 1, J
vale
1 1
P (j) = e−βEj = eβjµH/J , (1.103)
ζ ζ
em que β = 1/kB T e ζ é a função de partição de um átomo,

J
X
ζ= ejβµH/J , (1.104)
j=−J
22 1 Representação Canônica

e constitui uma soma de uma progressão geométrica. Somando em j,

sinh (2J + 1)βµH/2J


ζ= . (1.105)
sinh βµH/2J

Portanto, a energia livre por átomo f = −kB T ln ζ é dada por


 
2J + 1 1
f = −kB T ln sinh βµH − ln sinh βµH . (1.106)
2J 2J

Para obter a magnetização m = gµB hji = µhji/J, utilizamos a fórmula


m = −∂f /∂H, que se obtém derivando ambos os lados de (1.104) rela-
tivamente a H e dividindo por ζ. Utilizando essa fórmula, alcançamos o
resultado
 
2J + 1 2J + 1 1 1
m=µ coth βµH − coth βµH . (1.107)
2J 2J 2J 2J

A expressão para a magnetização pode ser escrita na seguinte forma


µH
m = µBJ ( ), (1.108)
kB T

em que BJ (x) é a função de Brillouin, definida por


 
2J + 1 2J + 1 1 1
BJ (x) = coth x− coth x , (1.109)
2J 2J 2J 2J

mostrada na figura 1.4.


Para pequenos valores de x, usamos a expansão coth x = 1/x + x/3,
para obter BJ (x) = (J + 1)x/3J. Portanto, para pequenos valores de H,

J + 1 µ2 H
m= . (1.110)
3J kB T
O coeficiente de H é a susceptibilidade a campo nulo χ0 , isto é,

J + 1 µ2
χ0 = , (1.111)
3J kB T
e, portanto, a susceptibilidade é inversamente proporcional à temperatura,
que é a lei de Curie.
1.4 Dipolo num campo 23

1/2
0,8 1
3/2

0,6 L
BJ
0,4

0,2

0
0 1 2 3 4 5

x
Figura 1.4: Função de Brillouin BJ (x) para J = 1/2, 1, 3/2. A curva inferior
corresponde ao limite J → ∞ da função de Brillouin e coincide com a função de
Langevin L(x).

Teoria de Langevin
Um dielétrico como a água é composto por um conjunto de moléculas
cada uma carregando um dipolo elétrico permanente. Se a separação en-
tre as moléculas for suficiente grande para que a interação possa ser de-
sprezada, então estamos diante de um sistema não interagente. Assim, é
suficiente considerar um único dipolo elétrico. Quando submetico a um
~ a energia de interação do momento de dipolo elétrico p~0
campo elétrico E,
do átomo e o campo é dado por

E = −~ ~
p0 · E. (1.112)

O momento de dipolo elétrico p~0 possui módulo constante p0 e compo-


nentes cartesianos que denotamos por p0x , p0y e p0z . Utilizando coorde-
nadas esféricas, θ e φ, tais que p0x = p0 sin θ cos φ, p0y = p0 sin θ sin φ e
p0z = p0 cos θ então a equação (1.112) se escreve

E = −p0 E cos θ. (1.113)

Em termos dos ângulos esféricos, a densidade de probabilidades vale


1 βp0 E cos θ
ρ(θ, φ) = e , (1.114)
ζ
24 1 Representação Canônica

em que a função de partição atômica ζ é dada por


Z
ζ= eβp0 E cos θ sin θdθdφ. (1.115)

Integrando em φ e, em seguida, efetuando a mudança de variável ξ = cos θ,


1
sinh βp0 E
Z
ζ = 2π eβp0 Eξ dξ = 4π . (1.116)
−1 βp0 E

Portanto, a energia livre f = −kB T ln ζ é dada por

f = −kB T (ln 4π + ln sinh βp0 E − ln βp0 E) . (1.117)

A polarização na direção do campo, p = p0 hcos θi, se calcula por meio


da fórmula p = −∂f /∂E, que se obtém derivando ambos os lados de (1.115)
relativamente a E e dividindo por ζ. Utilizando essa fórmula, alcançamos
o resultado  
1
p = p0 coth βpE − , (1.118)
βp0 E
que pode ser escrita na forma

p0 E
p = p0 L( ), (1.119)
kB T

em que L(x) é a função de Langevin, definida por

1
L(x) = coth x − , (1.120)
x

mostrada na figura 1.4. Vale notar que o limite J → ∞ da função de


Brillouin BJ nos conduz à função de Langevin.
Quando x é pequeno, coth x = 1/x + x/3 de modo que L(x) = x/3.
Portanto, para pequenos valores de E,

p20 E
p= , (1.121)
3kB T

que é a lei de Curie.


1.4 Dipolo num campo 25

Exercı́cios
1. A partir da distribuição de probabilidade do módulo da velocidade,
dada por (1.18), mostre que vr = hv 2 i1/2 , a raiz quadrada da velocidade
quadrática média, é dada por vr = (3kB T /m)1/2 . Mostre também que, a
partir da mesma distribuição (1.18), a velocidade média v̄ = hvi é dada por
v̄ = (8kB T /πm)1/2 .
2. Um recipiente contém um gás cuja distribuição de probabilidades das
velocidades é idependente da direção da velocidade ~v . Isso significa que essa
distribuição só depende do módulo v = (vx2 +vy2 +vz2 )1/2 da velocidade, como
ocorre com a distribuição de Maxwell. Em outros termos ρ(vx , vy , vz ) =
f (v). Mostre que a velocidade média v̄ é dada por
Z ∞
v̄ = 4π v 3 f (v)dv.
0

Suponha que o recipiente tenha uma pequena abertura numa parede per-
pendicular à direção z, por onde escapam as moléculas, fenômeno denomi-
nado efusão. O número de moléculas que escapam pela abertura por
unidade de tempo e por unidade de área é dado por
Z
Φ=n vz ρ(vx , vy , vz )dvx dvy dvz ,
vz ≥0

em que n é o número de moléculas por unidade de volume e a integral em vz


é feita apenas nos seus valores positivos. Mostre que Φ = nv̄/4, resultado
que não depende da forma explicita da distribuição de velocidades desde
que ela seja isotrópica. Determine também o número de moléculas g(v)dv
que escapam pelo furo por unidade de tempo e por unidade de área, com
velocidades entre v e v + dv, mostrando que g(v) = nπv 3 f (v).
3. Mostre que a distribuição de probabilidades canônica é aquela que
fornece o máximo valor de
X
− Ps ln Ps ,
s

entre as distribuições que satisfazem as restrições


X X
Ps = 1, Es Ps = U,
s s

em que U é considerado constante.


26 1 Representação Canônica

4. Mostre que a entropia dada por (1.31) é aditiva. Isto é, mostre que a
entropia total de dois sistemas não interagentes é igual à soma das entropias
de cada sistema. Para isso, admita que os estados que descrevem cada um
dos dois sistemas são variáveis independentes.
5. Considere um sistema com L estados com energias discretizadas. Supo-
nha que o nı́vel fundamental, com energia E0 , possua degenerescência igual
a M . Mostre que: (a) a altas temperaturas, a energia média é igual à media
aritmética das energia dos L estados e que a entropia vale S = kB ln L; e
(b) à temperatura zero, a energia média é igual E0 /M e a entropia é igual
a S = kB ln M , e é nula se o nivel fundamental for não degenerado. Em
ambos os casos mostre que a capacidade térmica se anula.
6. A hamiltoniana de um oscilador anarmônico clássico é dada por
1 2
H= p + ax2 − bx3 + cx4 ,
2m
em que a e c são constantes positivas e b é uma constante que pode ser
positiva ou negativa. Admitindo que b e c são muito pequenos, determine,
até termos de ordem linear na temperatura, a contribuição dos termos
anarmônicos para a capacidade térmica. Calcule também o valor médio
hxi até termos lineares na temperatura e mostre que ele é proporcional a b
e portanto se anula quando o termo cúbico está ausente.
7. Considere um sistema de N átomos localizados, não interagentes, cada
um podendo estar em dois estados cujas energias são

Eσ = εσ,

em que ε > 0 e σ = 0, 1. Faça um gráfico das probabilidades canônicas P0 e


P1 como funções da temperatura. Determine a energia média u, a entropia
s e a capacidade térmica u de um átomo. Faça um gráfico dessas grandezas
como funções da temperatura indicando seus valores nos limites T → 0 e
T → ∞.
8. Considere um sistema de N átomos localizados, não interagentes, cada
um com três estados cujas energias são

Eσ = εσ 2 ,

em que ε > 0 e σ = 0, ±1. Determine a energia u, a entropia s e a


capacidade térmica c de um átomo como funções da temperatura. Esboce
1.4 Dipolo num campo 27

os gráficos de U , S e C como funções da temperatura, indicando os seus


valores nos limites T → 0 e T → ∞.
9. Um cristal parmagnético é composto de N ı́ons magnéticos. Quando
sujeito a um campo magnético H, cada ı́on contribui para a energia total
com uma energia
Eσ = µHσ,
em que µ é a magnetização de saturação e σ = 0, ±1 Determine a função de
partição ζ do ı́on e a energia livre f . A partir dela determine a magnetização
m = −(∂f /∂H) e a susceptibilidade χ = (∂m/∂H) a campo nulo.
10. Repita o exercı́cio anterior para o caso em que

Eσ = µHσ + εσ 2 .

11. Considere um sistema de N átomos localizados, não interagentes, cada


um com quatro estados cujas energias são: 0, ε > 0 (duplamente degener-
ado) e 2ε. Determine a energia u, a entropia s e a capacidade térmica c
de um átomo como funções da temperatura. Esboce os gráficos de u, s e c
como funções da temperatura, indicando seus valores nos limites T → 0 e
T → ∞.
12. Determine a energia média por átomo u, a entropia por átomo s e o
calor especı́fico c dos sistemas descritos pelas equações (1.102) e (1.113).
Faça os gráficos dessas três grandezas como funções da temperatura.

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