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Aula 5: Distribuição de Maxwell-Boltzmann e Livre

Caminho Médio
Chee Sheng Fong

Data de aula: 4/7/2022 (Atualização: 4/7/2022)

Esta nota é baseada principalmente no livro texto “Raymond A. Serway e John W. Jewett, Jr.
Princípios de Física, Vol. 2, 5ª edição” (16.6), e minhas próprias adições. Para parte “Livre
Caminho Médio”, seguimos o livro “D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de Física,
Volume 2: Gravitação, Ondas e Termodinâmica, 8ª edição” (19.6). Se vocês descobrem algo que
não faz sentido, é muito provável que seja meu erro. Por favor me escrevam sheng.fong arroba
ufabc.edu.br.

Na aula passada, vimos:

• Um mol contém o número de Avogadro, NA = 6, 022 × 1023 de entidades elementares


(átomos ou moléculas).

• O número de mols de uma substância de N entidades elementares é:


N m
n = = ,
NA M
onde m = N m0 é sua massa total e M = NA m0 é sua massa molar e m0 é a massa de cada
entidade elementar.

• Um gás ideal obedece a lei dos gases ideais:

PV = nRT = N kB T,

onde P é a pressão do gás, V o volume, T a temperatura absoluta, R = 8, 314 J/mol · K a


constante universal dos gases, e kB = NRA = 1, 38 × 10−23 J/K a constante de Boltz-
mann.

1
• Podemos entender a lei dos gases ideais considerando o ponto de vista microscópico que é
a teoria cinética dos gases. Dessa teoria, a pressão de um gás é:
2N
P = E,
3V
onde E = 21 m0 v 2 é a energia cinética (translacional) média da cada molécula.
• Comparando com a lei dos gases ideias, a temperatura de um gás é:
2E
T = .
3kB
• Também podemos escrever energia cinética média por molécula como:
3
E = kB T.
2
• A energia interna do gás é a energia cinética translacional total (para gás monoatômico):
3 3
Eint = N E = N kB T = nRT.
2 2
• A velocidade média quadrática (vmq) das moléculas de um gás é:
r r
p 3kB T 3RT
vvmq = v2 = = .
m0 M

1 Distribuição de velocidades moleculares


Já vimos o conceito da distribuição de velocidades moleculares na parte anterior quando supon-
hamos entre N = N1 + N2 + N3 + ... moléculas, N1 tem velocidade ~v1 = (vx1 , vy1 , vz1 ), N2 tem
velocidade ~v2 = (vx2 , vy2 , vz2 ), N3 tem x velocidade ~v3 = (vx3 , vy3 , vz3 ), etc.
Ex. 1: Quinze partículas idênticas têm (módulos de) velocidades diferentes: uma tem velocidade de
2,00 m/s, duas de 3,00 m/s, três de 5,00 m/s, quatro de 7,00 m/s, outras três têm velocidade
de 9,00 m/s, e as últimas duas de 12,0 m/s. Encontre (a) a velocidade média, (b) a velocidade
vmq, e (c) a velocidade mais provável dessas partículas.
A velocidade média é:
P
i Ni vxi
v = P
i Ni
1 × 2, 00 + 2 × 3, 00 + 3 × 5, 00 + 4 × 7, 00 + 3 × 9, 00 + 2 × 12, 0
= m/s
1+2+3+4+3+2
= 6, 80 m/s.

2
A velocidade vmq é:
sP
2
i Ni vxi
p
vvmp = v2 = P
i Ni
r
1 × 2, 002 + 2 × 3, 002 + 3 × 5, 002 + 4 × 7, 002 + 3 × 9, 002 + 2 × 12, 02
= m/s
1+2+3+4+3+2
= 7, 93 m/s.

A velocidade mais provável é dela que tem mais partículas: 7,00 m/s.

Embora não precisássemos especificar a distribuição para derivar o resultado na seção anterior,
vamos ver qual é a distribuição real para um sistema em equilíbrio térmico. Em vez de velocidade,
é mais apropriado pensar em termo de energia cinética de partículas, pois elas podem trocar energia
entre si através colisões elásticas (por isso, as velocidades delas podem mudar).

Se um sistema está em equilíbrio térmico, as partículas podem trocar a energia cinética entre
si através de colisões eláticas. Como será a distribuição de velocidade das partículas?

Primeiramente, vamos considerar um sistema simplificado que cada partícula somente pode ter
energia de esse valores: 0, ∆E, 2∆E, 3∆E, 4∆E, ... Suponhamos que o sistema tem energia
interna (total) E = 3∆E. Vamos considerar um sistema com uma partícula. Então, essa partícula
terá energia 3∆E. Em seguida, consideramos um sistema com duas partículas. Elas podem trocar
energia entre si através colisões elásticas e temos só dua possibilidades: (1) uma partícula tem
energia 0 e outra 3∆E e (2) uma partícula tem energia ∆E e outra 2∆E. Cada possibilidade tem
duas variações, por exemplo, para a primeira possibilidade, partícula 1 tem energia 0 e partícula
2 tem energia 3∆E ou vice versa. Portanto, as duas possibilidades têm mesma probabilidade
2/4 = 50 %. Agora, podemos contar número de partículas que esperamos para cada energia
multiplicando o número de partícula com essa energia com a probabilidade. Percebemos que para
todas as energias, temos 1 × 2/4 = 1/2, isto é, esperamos 1/2 da partícula em cada energia.
Há mais sentido converter isso em probabilidade ou distribuição, dividindo pelo número total de
partículas N = 2 (veja Tabela 1). Consideramos também os casos de três e quarto partículas
como na Tabela 2 e Tabela 3. O que percebemos é a probabilidade de ter uma partícula com uma
energia diminui com a energia. Se considerarmos ∆E → 0, teremos uma distribuição contínua em
energia. Se também considerarmos muitas partículas N  1, a distribuição é igual à função de
distribuição Maxwell-Boltzmann (MB):
− k ET
f (E) = Ce B . (1)

3
Figure 1: A distribuição de energia (0, ∆E, 2∆E, 3∆E) para casos de três (círculos vermelhos)
e quatro (triângulos azuis) partículas em um sistema de energia total 3∆E. Como comparação,
mostramos a curva da distribuição Maxwell-Boltzmann dada pela equação (1) (fixamos kB T = ∆E
e C = 1).

Configuração 0 ∆E 2∆E 3∆E 4∆E Variação Probabilidade


(1) 1 1 2 2/4
(2) 1 1 2 2/4
Número de partículas 2/4 2/4 2/4 2/4 0
Distribuição f 2/8 2/8 2/8 2/8 0

Table 1: Caso de N = 2 partículas com energia interna (total) de sistema E = 3∆E. Suponhamos
que a energia é discreta de esse valores: ∆E, 2∆E, 3∆E, 4∆E...

Configuração 0 ∆E 2∆E 3∆E 4∆E Variação Probabilidade


(1) 2 1 3 3/10
(2) 1 1 1 6 6/10
(3) 3 1 1/10
Número de partículas 12/10 9/10 6/10 3/10 0
Distribuição f 12/30 9/30 6/30 3/30 0

Table 2: Caso de N = 3 partículas com energia interna (total) de sistema E = 3∆E. Suponhamos
que a energia é discreta de esse valores: ∆E, 2∆E, 3∆E, 4∆E...

4
Configuração 0 ∆E 2∆E 3∆E 4∆E Variação Probabilidade
(1) 3 1 4 4/20
(2) 2 1 1 12 12/20
(3) 1 3 4 4/20
Número de partículas 40/20 24/20 12/20 4/20 0
Distribuição f 40/80 24/80 12/80 4/80 0

Table 3: Caso de N = 4 partículas com energia interna (total) de sistema E = 3∆E. Suponhamos
que a energia é discreta de esse valores: ∆E, 2∆E, 3∆E, 4∆E...

onde C é uma constante. Podemos determinar essa constante exigindo que a probabilidade total
seja um.
Como a energia cinética de partícula é E = 12 m0 v 2 , podemos escrever:
m0 v 2
− 12
f (v) = Ce kB T
. (2)

Se integrarmos sobre todas as velocidades, obtemos a probabilidade total que deveria ser um:1
Z
f (v) d3 v = 1,
m v2
Z
−1 0
4πCe 2 kB T v 2 dv = 1. (3)

É costume denotar a função na integral como função de distribuição MB da velocidade de


moléculas:
m0 v 2
− 12
F (v) ≡ 4πCv 2 e kB T
. (4)

Para achar a constante C, resolvemos a integração (3) usando a identidade:


Z ∞ √
−ax2 2 π
e x dx = , a constante (5)
0 4a3/2
e obtemos:
 3/2  3/2
2πkB T m0
C = 1 =⇒ C = . (6)
m0 2πkB T
1
Aqui podemos escrever d3 v = 4πv 2 dv porque f (v) somente depende no módulo de velocidade v.

5
Figure 2: A distribuição de velocidade das moléculas de gás em uma temperatura.

Portanto, temos:
3/2
m0 v 2

m0 − 21
F (v) = 4π v2e kB T
. (7)
2πkB T

A distribuição de velocidade das moléculas de gás de N partículas a temperatura T é:

Nv ≡ N F (v) , (8)

como mostrada na Figura 2. O número de moléculas com velocidade entre v e v + dv é dN = Nv dv.


Por exemplo, para obter o número de moléculas entre v1 e v2 , calculamos:
Z v2 Z v2
N (v1 < v < v2 ) = Nν dv = N F (v) dv. (9)
v1 v1

Para determinar a velocidade mais provável vmp , precisamos encontrar a máxima de F (v).
Resolvendo:
dF (v)
= 0, (10)
dv v=vmp

obtemos:
r r
2kB T kB T
vmp = = 1, 41 . (11)
m0 m0

6
A velocidade média v pode ser determinada como:2
Z ∞
v = vF (v) dv
0
r r
8kB T kB T
= = 1, 60 . (12)
πm0 m0
Finalmente, podemos determinar a velocidade vmq como:3
sZ

2
v = v 2 F (v) dv
0
r r
3kB T kB T
= = 1, 73 . (13)
m0 m0
A Figura 3 representa as curvas de distribuição de velocidade para N = 105 moléculas de nitrogênio
a T = 300 K e T = 900 K.
Ex. 2: A que temperatura a velocidade média dos átomos de hélio se igualaria (a) à velocidade de
escape da Terra, 1, 12 × 104 m/s, e (b) à velocidade de escape da Lua, 2, 37 × 103 m/s? Nota:
A massa de um átomo de hélio é 6, 64 × 10−27 kg.
A velocidade média é:
r
8kB T
v =
πm0
πm0 v 2
=⇒ T = .
8kB
(a) Portanto, para escapar da Terra, a temperatura deveria ser
2
π (6, 64 × 10−27 kg) (1, 12 × 104 m/s)
T = −23
= 2, 37 × 104 K.
8 (1, 38 × 10 J/K)
2
Usando a identidade:

Z ∞
2 1
e−ax x3 dx = , a constante.
0 a2

3
Usando a identidade:

Z ∞ √
2 3 π
e−ax x4 dx = , a constante.
0 8a5/2

7
Figure 3: A função distribuição de velocidade para 105 moléculas de nitrogênio a 300 K e 900 K.

(b) Para escapar da Lua, a temperatura deveria ser


2
π (6, 64 × 10−27 kg) (1, 12 × 104 m/s)
T = = 1, 06 × 103 K.
8 (1, 38 × 10−23 J/K)

2 Livre Caminho Médio


Na teoria cinética dos gases, vimos que partículas de um gás ideal se movem aleatoriamente e
podem ter colisões elásticas entre si e com o recipiente. Portanto, elas podem trocar energia entre
si e em equilíbrio térmico com temperatura T , têm distribuição de velocidade que dada pela função
de distribuição MB como na equação (7).
A Figura 4 mostra a trajetória de uma partícula típica no interior do gás, sofrendo mudanças
de velocidade ao colidir elasticamente com outras moléculas. Entre duas colisões a partícula se
move em linha reta com velocidade constante.
Para descrever esse movimento aleatório, definimos o livre caminho médio λ das partículas,
que é a distância média percorrida por uma partícula entre duas colisões. Para estimarmos λ,
supomos que as partículas são esferas de diâmetro d. Uma colisão ocorre, se os centros de duas
moléculas chegam a uma distância d um do outro, como na Figura 5 (a).

Se o livre campinho médio λ depende de N , V e diâmetro d das partículas de um gás,

8
Figure 4: A trajetória de uma partícula típica no interior do gás.

podemos adivinhar a fórmula de λ usando somente análise dimensional?


Equivalentemente, podemos pensar na partícula em movimento como tendo um raio d e todo o
resto de partículas como pontuais conforme na Figura 5 (b). Em intervalo de tempo ∆t, essa
partícula com uma velocidade v varre um cilindro de comprimento v∆t e raio d. Nesse caso, o
número de colisões que acontecem em ∆t é igual ao número de partículas pontuais no interior
desse cilindro de volume πd2 v∆t. Como N/V é o número de moléculas por unidade de volume, o
número de moléculas no interior do cilindro é igual:
N 2
número de colisões em ∆t = πd v∆t. (14)
V
Logo, temos:
distância percorrida em ∆t
λ =
número de colisões em ∆t
v∆t
= N 2
V
πd v∆t
1
= 2
. (15)
πd N/V
Esta equação é baseia na hipótese de que todas as partículas, exceto uma, estão em repouso. Na
verdade, todas as partículas estão em movimento e temos que considerar a velocidade relativa entre
duas particulas.

Como estimamos a velocidade relativa? Vamos considerar as partículas pontuais estão se


movendo com velocidade v em direções perpendiculares
√ do movimento
√ da partícula com raio
2 2
d. A magnitude da velocidade relativa é vrel = v + v = 2v.

9
Figure 5: (a) Uma colisão acontece quando os centros de duas moléculas ficam a uma distância
d, onde d é o diâmetro das moléculas. (b) Uma representação equivalente, é pensar na molécula
em movimento como tendo um raio d e em todas as outras moléculas como pontos. (Figura na
direita) No intervalo de tempo ∆t, a molécula em movimento varre um cilindro de comprimento
v∆t e raio d.


Usando vrel = 2v no lugar de v na equação (14) para estimar o número de colisões, obtemos:
1
λ = √ . (16)
2πd2 N/V

Ex. 3: Qual é o livre caminho médio λ de moléculas de oxigênio à temperatura T = 300 K e a uma
pressão 1, 0 atm. Suponha que o diâmetro das moléculas é d = 0, 29 nm.
Temos:
1
λ = √
2πd2 N/V
kT
= √
2πd2 P
(1, 38 × 10−23 J/K) (300 K)
= √
2π (0, 29 × 10−9 m)2 (1, 013 × 105 Pa)
= 1, 1 × 10−7 m.

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