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7.

Vibrações Cristalinas
7.1 - Falhas do Modelo de Íons Estáticos

Nos últimos capítulos, vimos que a idéia de estrutura cristalina como um


conjunto de íons ocupando posições regulares e estáticas no espaço (modelo de íons
estáticos) foi capaz de explicar diversas observações experimentais, desde a difração
de ondas por cristais até as propriedades dinâmicas de elétrons nos mesmos.
No entanto, há muitas outras observações experimentais que o modelo de íons
estáticos não pode explicar. Entre elas:
- O calor específico dos metais a baixas temperaturas, como vimos
anteriormente, tem uma dependência característica c = AT + BT 3 . O termo
linear em T é devido aos elétrons livres, porém o termo cúbico ainda não foi
justificado. Para materiais isolantes, o calor específico a baixas temperaturas
é da forma c = A exp(− E g 2k B T ) + BT 3 , onde primeiro termo, devido aos
elétrons, é bastante diferente do caso do metálico1, mas a dependência
cúbica também está presente. Conclui-se portanto que esta dependência
deve estar associada a alguma outra forma de excitação térmica, não
eletrônica.
- Ao serem aquecidos, os materiais se expandem (expansão térmica) e
eventualmente fundem. Estes fenômenos obviamente não podem ser
explicados pelo modelo de íons estáticos.
- Estudamos no capítulo anterior o modelo de condutividade térmica de
Drude que supunha os elétrons livres como transportadores da energia
térmica. Esta suposição tem fundamento experimental, já que se verifica que
os metais conduzem calor de maneira muito mais eficiente que os isolantes.
No entanto, apesar de usualmente menor que a dos metais, a condutividade
térmica dos isolantes não é nula, devendo portanto haver um outro
mecanismo de transporte de energia além do eletrônico.
Esta lista poderia se estender muito mais2, incluindo fenômenos como o
espalhamento inelástico de luz e de nêutrons por cristais, o fenômeno da
supercondutividade, a propagação do som em cristais, etc. Mas já está claro que
devemos ir além do modelo de íons estáticos, o que faremos neste Capítulo.

7.2 - Aproximação Harmônica

Iniciaremos nosso estudo das vibrações cristalinas por uma aproximação


simples, mas que explica uma enorme variedade dos fenômenos associados a vibrações,
a aproximação harmônica. Para introduzirmos esta aproximação, vamos tomar
inicialmente o exemplo (consideravelmente mais simples) do oscilador harmônico

1
A forma deste termo se justifica pois em um isolante os elétrons precisam ser excitados termicamente
com energias acima da energia do gap (Eg) para contribuírem para o calor específico.
2
Veja o Capítulo 21 do Ashcroft.

130
acoplado, com duas massas idênticas M e constantes elásticas K, como mostrado na
(0) (0)
Fig. 7.1. As posições de equilíbrio das massas são 𝑥1 e 𝑥2 e os deslocamentos a
partir do equilíbrio são designados por 𝑢1 e 𝑢2 , respectivamente.

1 2
K K K
M M
(0)
𝑥1 𝑥2
(0) x

Figura 7.1 – Oscilador harmônico acoplado.

Neste caso, escrevemos a energia (hamiltoniana) do sistema da seguinte forma:


1 1 1
𝐸 = 2 𝑀𝑢̇ 12 + 2 𝑀𝑢̇ 22 + 2 𝐾[𝑢12 + (𝑢1 − 𝑢2 )2 + 𝑢22 ]. (7.01)

Note que o termo (u1 – u2)2 dá origem aos termos cruzados que acoplam os dois
osciladores e tornam difícil a solução do problema. Podemos também analisar as forças
restauradoras (Lei de Hooke) que atuam em cada uma das massas:

𝐹1 = −𝐾𝑢1 − 𝐾(𝑢1 − 𝑢2 ) = −2𝐾𝑢1 + 𝐾𝑢2


{ (7.02)
𝐹2 = −𝐾𝑢2 − 𝐾(𝑢2 − 𝑢1 ) = 𝐾𝑢1 − 2𝐾𝑢2

Note que estas equações podem ser escritas de form mais concisa se definirmos um
vetor F com duas componentes: 𝐅 = (𝐹𝐹1 ), e analogamente para os deslocamentos a
2

partir do equilíbrio: 𝐮 = (𝑢𝑢1). Usando esta notação, a Eq. (7.01) fica na forma de uma
2
equação matricial:

𝑭 = −𝜱 ⋅ 𝒖 , (7.03)

onde

𝜕𝐹1 𝜕𝐹1 𝜕2𝑈 𝜕2𝑈


| | | |
2𝐾 −𝐾 𝜕𝑢1 𝜕𝑢2 0 𝜕𝑢1 𝜕𝑢1 0 𝜕𝑢1 𝜕𝑢2 0
𝜱=[ ] = − [ 𝜕𝐹 0 𝜕𝐹2
] =[ 𝜕2𝑈 𝜕2𝑈
] . (7.04)
−𝐾 2𝐾 2
| | | |
𝜕𝑢1 0 𝜕𝑢2 0 𝜕𝑢2 𝜕𝑢1 0 𝜕𝑢2 𝜕𝑢2 0

A matriz Φ é conhecida como matriz de constantes de força (MCF)3, por analogia


com o oscilador harmônico simples, em uma dimensão, onde a derivada segunda da
energia potencial é a constante de força ou constante de mola. Verifique por si mesmo
as definições em termos da derivada da força ou da derivada segunda da energia
potencial, tomadas em torno das posições de equilíbrio. Note ainda que a energia
potencial pode ser escrita como 12 u  Φ  u .
A Eq. (7.01) pode ser desacoplada a partir de uma transformação para
coordenadas normais:

3
Ou matriz de derivadas segundas, ou ainda matriz Hessiana.

131
𝑢1 +𝑢2 𝑢1 −𝑢2
𝑞1 = ; 𝑞2 = . (7.05)
√2 √2

Tais modos normais são obtidos pela diagonalização da MCF (são seus autovetores),
mas neste exemplo simples eles podem ser escritos apenas recordando a noção de que
o problema de dois corpos se resolve com a mudança para a coordenada do centro-de-
massa e coordenada relativa. Assim, podemos verificar que a hamiltoniana pode ser
reescrita como:

E= 1
2
 
Mq12 + 12 M 12 q12 + 12 Mq 22 + 12 M 22 q 22 ,  (7.06)

que é a hamiltoniana de dois osciladores harmônicos desacoplados com freqüências


 1 = K M e  2 = 3K M (que são freqüências dos modos normais, obtidas pela
diagonalização da MCF).
Este exemplo simples contendo apenas dois osciladores acoplados nos fornece
uma introdução ao problema que queremos agora resolver, que é o de um cristal
contendo N átomos com condições de contorno periódicas. Estes N átomos estão
distribuídos por Ncel células unitárias e há p átomos na base, de modo que N = pN cel .
Designamos cada célula unitária por um vetor da Rede de Bravais R e cada vetor da
base por τ. Assim, em nosso cristal existem Ncel vetores R e p vetores τ. Tais vetores
são fixos (independentes do tempo) e descrevem a geometria de equilíbrio do cristal
estático. Veremos que este problema, ainda que consideravelmente mais complexo,
poderá ser entendido como uma generalização do problema simples de 2 osciladores
acoplados.
Para descrever a dinâmica destes N átomos, precisamos determinar as posições
r de cada um deles como função do tempo, ou seja, rR , τ (t ) . A energia potencial4 U do
cristal é uma função do conjunto dos N vetores posição, que denotaremos por r.
Sendo assim, é uma função de 3N variáveis, já que cada um dos vetores r tem 3
coordenadas cartesianas. Assim:

U = U (r) (7.1)

Na situação em que os átomos estão em suas posições de equilíbrio, ou seja,


( )
rR , τ = R + τ  rR0 , τ , U tem seu valor mínimo U0, ou seja, U r 0 = U 0 . Suponha agora
que cada átomo i sofra um pequeno deslocamento u R ,τ a partir do equilíbrio, de modo
que

rR , τ = rR0 , τ + u R , τ . (7.2)

O deslocamento é pequeno o suficiente para que o átomo i não perca sua "identidade",
ou seja, cada átomo permanece mais próximo de suas própria posição de equilíbrio
original do que de qualquer outra. Estamos considerando portanto pequenas vibrações

4
Iremos supor conhecida a energia potencial, sem entrarmos em considerações sobre como ela é
calculada. Na verdade, este pode ser um problema bem complicado computacionalmente.

132
em torno das posições de equilíbrio, e não deslocamentos arbitrariamente grandes. Este
fato está ilustrado na Fig. 7.2.

R+τ
r

Figura 7.2 - Os círculos brancos representam os sítios da rede R + τ (posições de equilíbrio) e os círculos
pretos são as posições atômicas instantâneas r.

Vamos agora calcular a energia potencial neste caso. Antes, vamos simplificar
por um momento a notação, como fizemos também no caso do oscilador duplo,
definindo r, R e u como vetores de 3N coordenadas:

r1  r10  u1 


r   0  u 
2  r2   2 
      (7.3)
r =  ; r =  0 ;
0
u= 
r  r  u  
     
     
r3 N  r 0  u 3 N 
 3N 

Nesta notação, a Equação (7.1) torna-se simplesmente r = r 0 + u . Repare ainda que o


índice µ, que vai de 1 a 3N, serve para designar simultaneamente o vetor da célula
unitária R (que vai de 1 a Ncel), o vetor da base τ (que vai de 1 a p) e a coordenada
cartesiana que vamos indicar por α (α = x,y,z). Assim, o índice 𝜇 ≡ (𝐑, 𝛕, 𝛼).
Se o deslocamento u é pequeno, podemos utilizar a expansão de Taylor em 3N
coordenadas:

U (r ) = U (r 0 + u) = U (r 0 ) + (u   )U 0 + 12 (u   ) 2 U 0 +  (7.4)

O primeiro termo da expansão é simplesmente a energia de equilíbrio, U (r ) = U 0 . O


0

segundo termo é

 U U 
(u   )U =  u1 +  + u3 N  =0 , (7.5)
 u1 u 3 N
0
 0

ou seja, o segundo termo é nulo pela própria definição de equilíbrio, onde as derivadas
primeiras se anulam. O terceiro termo será

133
1      
1
(u   ) 2 U =  u1 +  + u3N   u1 +  + u3N  U =
2 0
2  u1 u 3 N   u1 u 3 N  0

1   2U 
=  u
2  =1,,3 N  u  u
 u
 (7.6)
 =1,, 3 N
0

Em notação matricial, este termo se escreve 1


2 u  Φ  u , onde Φ é uma matriz (3N 
3N)5:

  2U  2U 
  
 u1u1 0 u1u 3 N 0 
(7.7)
Φ=    
  2U U 2 
  
 u 3 N u1 0 u 3 N u 3 N 0 

Novamente surge aqui a matriz Φ como matriz de constantes de força (MCF). No


nosso caso tridimensional, é como se cada par de átomos e direções estivesse ligado
por uma mola de constante   =  2U u  u , como ilustra a Fig. 7.3. Obviamente,
espera-se que Φ decaia com a distância entre os átomos (quanto maior a distância,
menor a magnitude da interação). Lembre-se, mais uma vez, que os índices µ e ν
indicam simultaneamente posições atômicas e direções cartesianas:   (R, τ,  ) e
  (R , τ ,  ) . Assim, até 2a ordem na expansão de Taylor, a energia potencial assume
a forma compacta e elegante:

U = U 0 + 12 u  Φ  u . (7.8)

Esta é a aproximação harmônica.


A constante de força Φ pode ser expressa de uma outra maneira, também
bastante intuitiva, pela razão entre a componente da força exercida sobre um átomo
quando um outro átomo sofre um deslocamento infinitesimal em uma dada direção. As
forças nos átomos, expressas na nossa notação definida acima, são também
componentes de um vetor de 3N coordenadas,
 F1 
F 
 2 
  (7.9)
F= ,
 F 
 
 
 F3 N 

5
Novamente, no produto matricial u.Φ.u, o vetor deslocamento do lado direito é um vetor coluna
(N1) e o vetor do lado esquerdo é seu transposto (N1), de modo que o resultado da operação u.Φ.u é
um escalar.

134
onde cada componente F é dada por F = − U u  . Em notação matricial6:

− U
F= = −Φ  u . (7.10)
u

A constante de força Φ é, portanto,

− F F
  = − . (7.11)
u 0
u

As Equações (7.10) e (7.11) mais uma vez têm uma analogia clara com o oscilador
harmônico simples (F = - kx). Novamente, a Fig. 7.3 pode ser usada para interpretar
este resultado: realizamos um deslocamento infinitesimal δuν em um certo
átomo/direção ν e isto causa uma força δFµ em outro átomo/direção µ. A razão entre
essas duas quantidades (com o sinal de menos) é o elemento Φ da MCF. Usaremos
esta definição como um método prático para o cálculo da MCF nos exemplos que virão
a seguir.


Φ

Figura 7.3 – Interpretação física da constante de força Φ. Note que os índices  e  se referem não apenas
a átomos do cristal, mas também a direções de deslocamentos atômicos.

A matriz de constantes de força desempenha um papel fundamental na teoria de


vibrações cristalinas. É portanto interessante analisar em detalhe algumas de suas
propriedades. Estas propriedades consistem em simetrias:
(1) Φ é uma matriz simétrica, ou seja,   =  . Isto decorre do fato de que
a ordem das derivadas não importa:

 2U  2U
  = = =  . (7.12)
u  u 0
u u  0

Note que, pela definição (7.11), isto implica que a força sentida (pelo átomo na direção)
 quando se realiza um deslocamento infinitesimal (do átomo na direção) , é a mesma
força sentida (pelo átomo na direção)  quando se realiza um deslocamento
infinitesimal (do átomo na direção) .

6
Tente mostrar o resultado da segunda igualdade. Para isso, use o fato que a matriz Φ é simétrica, ou
seja, Φ = Φ , que mostraremos a seguir.

135
(2) Regra de soma acústica: A soma dos elementos de uma linha (ou coluna)
de Φ é igual a zero. Isto pode ser demonstrado da seguinte maneira. Façamos um
deslocamento u  = d idêntico para todos os átomos e direções. A força resultante deve
ser nula, pois a posição relativa dos átomos não se alterou. Assim, temos

d  0 
   11 +  12 +   
F = −Φ  u = −Φ  d  = −d   = 0  , (7.14)
   
    

como queríamos demonstrar. Este resultado pode ser visto também como uma
conseqüência da 3a Lei de Newton: vamos supor que o átomo/direção 1 é deslocado por
uma distância d. O vetor força resultante será:

d    11   F1 
 
F = −Φ  u = −Φ   0  = −d  21  =  F2  (7.15)
 
       

Como não existem forças externas, a força sentida pelo átomo/direção 1 deve cancelar
exatamente a soma das forças sentidas pelos demais átomos:  F = 0 , o que implica

em 

 1 = 0 , ou seja a soma dos elementos da primeira coluna é zero. O mesmo

argumento pode ser usado para qualquer uma das colunas.

7.3 - Modos Normais

Agora sabemos, em princípio, calcular as forças atuantes sobre os íons quando


neles se fazem deslocamentos u, através da Eq. (7.10). Podemos então descrever a
dinâmica dos mesmos. Vamos retornar à nossa notação original, na qual escrevemos os
vetores deslocamento como:

u  u R ,τ (t ) = u R ,τ , x (t )xˆ + u R ,τ , y (t ) yˆ + u R ,τ , z (t )zˆ , (7.16)

ou seja, ao invés de um vetor de 3N coordenadas, temos novamente um vetor de 3


coordenadas para cada um dos N íons da rede e reintroduzimos explicitamente a
dependência temporal.
A equação de movimento para a componente α (x, y ou z) do deslocamento do
átomo localizado em R + τ

M τ uR , τ , = FR , τ , = −(Φ  u )R , τ , = −  Rτ , Rτ  u R, τ,  . (7.17)


R, τ, 

Note que M τ é a massa do átomo da base localizado na posição τ.


Fazemos agora o seguinte ansatz para o vetor deslocamento

136
1
u R , (t ) =

 εˆ  (k )e 
k
i k R − (k )t 
. (7.18)

Trata-se simplesmente de uma expansão de Fourier para os vetores deslocamento. Cada


um dos termos da expansão de Fourier (7.18) corresponde a uma solução onde todos os
íons associados ao mesmo vetor de base τ vibram na mesma direção, dada pelo vetor
de polarização εˆ  (k ) . Íons localizados em células unitárias separadas por um vetor da
rede R oscilam com uma diferença de fase e ikR . A semelhança da Eq. (7.17) com a do
oscilador harmônico simples sugere que a dependência temporal de cada um dos termos
seja oscilatória, da forma e −it . Buscamos portanto as soluções com vetor de onda k e
frequência ω(k) bem definidos, correspondendo a cada um dos termos da expansão
(7.18). Estas soluções são conhecidas como modos normais7:

1
q k (t ) = εˆ τ (k )e i k R − (k )t  . (7.19)
M

Agora, introduzimos novamente a idéia de condições de contorno periódicas,


que vimos na teoria do gás de elétrons livres (veja o Capítulo 5). Naquela ocasião, as
condições foram impostas sobre as funções de onda eletrônicas. Agora, fazemos o
mesmo com os deslocamentos:

u R , = u R + Niai , , (7.20)

onde ai são os vetores primitivos da rede e Ni é o número de células unitárias do cristal


na direção correspondente. De maneira idêntica ao que foi feito no Cap. 5 (veja a Eq.
(5.38)), chegamos à expressão para os vetores k permitidos:

n1 n n
k= b1 + 2 b 2 + 3 b 3 , (7.21)
N1 N2 N3

onde bi são os vetores primitivos da rede recíproca e ni são inteiros. Estes são
exatamente os mesmos k's permitidos para os estados eletrônicos, e estão também
restritos à 1a ZB.
Nosso objetivo agora é encontrar as frequências dos modos normais e os vetores
de polarização. Substituindo a expressão (7.19) na equação de movimento (7.17),
obtemos:

  , (k )e ik R  R ,R      (k )e ik R


− M  2
M
=− 
R , ,  M
(7.22)

  R ,R   e −ik (R − R ) 


   , (k ) =  
2
    (k ) . (7.23)
 ,  
 R M M 

7
Soluções mais gerais podem sempre ser escritas como uma combinação linear de modos normais.

137
Agora, de maneira semelhante ao que fizemos na Eq. (7.3) para os índices generalizados
  (R, τ,  ) , vamos definir novos índices generalizados i  (τ,  ) e j  (τ ,  ) . Esses
novos índices combinam as coordenadas cartesianas e as posições dos átomos da base
em um único índice. Assim, i e j percorrem valores de 1 a 3p. Usando esta nova notação,
A Eq. (7.23) se simplifica:

  Ri ,Rj e −ik (R − R ) 


 2  i (k ) =    j (k ) (7.23a)
j  R MiM j 

Em notação matricial, esta equação se escreve

 2εˆ (k ) = D(k )  εˆ (k ) , (7.24)

onde

1
Dij (k ) =
MiM j

R
Ri , R j e −ik ( R −R) (7.25)

são os elementos da matriz dinâmica D(k)8. Seus autovalores 2 são as frequências


dos modos normais ao quadrado e seus autovetores são os vetores de polarização. A
obtenção destas quantidades é feita portanto através da diagonalização da matriz
dinâmica. Trata-se de uma matriz (3p3p), ao contrário da matriz de constantes de força
que tem dimensões (3N3N). O uso de condições de contorno periódicas, e a
consequente formulação do problema no espaço recíproco, mais uma vez reduz nosso
trabalho consideravelmente9.

Vamos explorar as potencialidades do formalismo desenvolvido até agora


através de alguns exemplos.

(A) Cristal unidimensional com base monoatômica


Este é o caso mais simples possível. Suponha um cristal monoatômico
unidimensional de parâmetro de rede a onde cada íon de massa M interage de forma
harmônica (constante de mola igual a K) apenas com seus primeiros vizinhos. Esta
situação está ilustrada na Fig. 7.4.

K K K K K K K

1 a 2 3 N 1

Figura 7.4 – Cristal unidimensional de parâmetro de rede a com condições de contorno periódicas e
interação harmônica entre 1os vizinhos.

8
Note que D(k) não depende de R, já que, devido à simetria de translação, os elementos da matriz de
constantes de força dependem apenas da posição relativa entre os átomos. Por simplicidade, poderíamos
escolher R=0, por exemplo.
9
Ao invés de diagonalizar uma matriz (3N3N), precisamos apenas diagonalizar uma matrix (3p3p)
para cada um dos N k's na 1a ZB.

138
Neste caso mais simples, os índices generalizados µ e ν indicam apenas as
coordenadas da célula unitária, ou seja, 𝜇 ≡ 𝑅 e 𝜈 ≡ 𝑅′. Vamos calcular a matriz de
constantes de força. Em 1 dimensão, a matriz terá NN elementos:

𝜕2𝑈 𝛿𝐹
𝛷𝑅,𝑅′ = 𝜕𝑢 | ≈ − 𝛿𝑢 𝑅 , (7.26)
𝑅 𝜕𝑢𝑅′ 0 𝑅′

ou seja, como já vimos, para um deslocamento infinitesimal 𝛿𝑢𝑅′ no átomo posicionado


em R’, o elemento de matriz 𝛷𝑅,𝑅′ será igual à razão entre a força 𝛿𝐹𝑅 no átomo
localizado em R (resultante deste deslocamento) e o próprio deslocamento, com sinal
negativo. Como está ilustrado na Fig. 7.5, podemos calcular facilmente a força
resultante pela Lei de Hooke, e o resultado obtido é

−2𝐾𝛿𝑢𝑅′ , se 𝑅 = 𝑅′
𝛿𝐹𝑅 = {𝐾𝛿𝑢𝑅′ , se 𝑅 = 𝑅′ ± a . (7.27)
0, qualquer outro 𝑅

uR’
K K
R’ - a R’ R’+a

Figura 7.5 – Um deslocamento infinitesimal no átomo  produz forças apenas nos seus vizinhos mais
próximos e nele mesmo.

A matriz Φ tem portanto a forma

 2K −K 0 0  0 − K
− K 2K −K 0  0 0 

 0 −K 2K −K  0 0 
 
Φ= 0 0 −K 2K  0 0  . (7.28)
      −K 0 
 
 0 0 0 0 0 2K − K
− K −K 2 K 
 0 0 0 0

Vamos agora calcular a matriz dinâmica. Neste exemplo unidimensional com


apenas um átomo na base, a matriz dinâmica tem dimensões (11), ou seja, é apenas
um número. Sendo assim, podemos ignorar os índices i e j da expressão (7.25), e
considerando que todos os átomos têm a mesma massa M, obtemos:
1 1 2𝐾
𝐷(𝑘) = 𝑀 ∑𝑅′ 𝛷𝑅,𝑅′ 𝑒 −𝑖𝑘(𝑅−𝑅′) = 𝑀 (2𝐾 − 𝐾𝑒 −𝑖𝑘𝑎 − 𝐾𝑒 𝑖𝑘𝑎 ) = (1 − cos 𝑘𝑎). (7.29)
𝑀

Ou ainda, usando identidades trigonométricas,

4𝐾 𝑘𝑎
𝐷(𝑘) = sen2 ( 2 ) . (7.29a)
𝑀

139
Neste caso, a matriz dinâmica é igual ao próprio autovalor  2 . Podemos então
facilmente encontrar as frequências dos modos normais:

𝐾 𝑘𝑎
𝜔 = 2√𝑀 |sen ( 2 )| . (7.30)

Este resultado está mostrado no gráfico da Fig. 7.6. Note que, no limite 𝑘 → 0 (longos
comprimentos de onda), a relação de dispersão é linear (𝜔 = 𝑐𝑘) , indicando uma onda
(sonora) com velocidade c, como veremos a seguir.

(k)

-/a /a k
Figura 7.6 – Frequências dos modos normais de um cristal monoatômico unidimensional para k na 1a Zona
de Brillouin.

Em uma dimensão, o vetor de polarização (autovetor da matriz dinâmica) é


simplesmente a direção x. Os deslocamentos dos modos normais são, portanto,
1
𝑞𝑘 (𝑡) = 𝑒 𝑖(𝑘𝑅−𝜔𝑡) , (7.31)
√𝑀

onde 𝑅 = 𝑛𝑎 (com n inteiro) são as posições atômicas. Vamos analisar alguns destes
deslocamentos (em t = 0).

(a) k = 0

(b) k = /a

(c) k qualquer

 = 2/k

Figura 7.7 – Alguns modos normais. (a) Para k = 0, modo de translação. (b) Para k = /a, onda estacionária
com átomos se movendo em oposição de fase com seus vizinhos. (c) Modo com vetor de onda k qualquer.

Para k = 0, os deslocamentos de todos os átomos são idênticos, como mostra a


Fig. 7.7(a). Ou seja, este modo normal corresponde a uma translação do cristal como

140
um todo, não representando portanto um movimento de vibração. Assim pode-se
entender porque a frequência deste modo é nula, (0)=0: como não há deslocamentos
relativos entre os átomos, o modo de translação tem energia potencial nula. Isto pode
ser visto também como uma consequência da regra de soma acústica que estudamos
anteriormente.

Para k =   a , uma análise da Eq. (7.31) revela que deslocamentos em átomos


vizinhos são opostos, como mostra a Fig. 7.7(b), ou seja,
𝑢±𝜋⁄𝑎 (𝑛𝑎, 𝑡) = −𝑢±𝜋⁄𝑎 ((𝑛 ± 1)𝑎, 𝑡) qualquer que seja t. Este padrão de
deslocamentos representa uma onda estacionária, ou seja, não transporta energia.
Para um k qualquer, o padrão de deslocamentos é como o mostrado na Fig.
7.7(c) e representa uma onda elástica propagante. A velocidade da onda propagante é a
velocidade de grupo

d K ka
vg = =a cos (7.32)
dk M 2

e está mostrada na Fig. 7.8. Note que vg vai a zero para k = /a, como se espera de uma
onda estacionária. Note também, como dissemos anteriormente, que vg se aproxima de
uma constante no limite k → 0 , indicando que a relação de dispersão é
aproximadamente linear na origem, ou seja,   ck , com c = a K M . A constante c
é a velocidade da onda elástica no limite k → 0 . Isto nada mais é do que a velocidade
do som no cristal, já que ondas sonoras são ondas elásticas longitudinais com
comprimento de onda muito grande comparado com as distâncias interatômicas. A
teoria de vibrações harmônicas é portanto capaz de prever, a partir de quantidades
microscópicas como a massa, constante de mola e parâmetro de rede, uma grandeza
macroscópica mensurável como a velocidade do som.

vg

/a k
Figura 7.8 – Velocidade de grupo em função do vetor de onda.

(B) Cristal unidimensional com base diatômica

Vamos considerar agora um cristal unidimensional com dois átomos na base,


um com massa M1 e outro com massa M2, como mostra a Fig. 7.9, com 𝑀2 > 𝑀1 .
K K K K K
M1 M2 M1 M2
a
Figura 7.9 – Cristal 1D com dois átomos de massa diferentes por célula unitária.

141
Neste caso, para determinar a MCF, será mais conveniente usar a notação menos
concisa em que deixamos explícito que os índices da MCF indicam a posição da célula
unitária e do átomo da base:   (R, τ,  ) . Especificamente, para este sistema
bidimensional, podemos ignorar o índice α que indica as coordenadas cartesianas. Desta
forma, os elementos da MCF são:

𝜕2𝑈
𝛷𝑅𝜏,𝑅′ 𝜏′ = 𝜕𝑢 | , (7.33)
𝑅𝜏 𝜕𝑢𝑅′ 𝜏′
0

Mais uma vez consideramos interações harmônicas entre 1os vizinhos com uma
constante de mola K. Desta forma, os únicos elementos não-nulos da matriz de
constantes de força são

𝛷𝑅1,𝑅1 = 𝛷𝑅2,𝑅2 = 2𝐾 (7.34)


𝛷𝑅1,𝑅2 = 𝛷𝑅2,𝑅1 = 𝛷𝑅1,(𝑅−𝑎)2 = 𝛷(𝑅−𝑎)2,𝑅1 = −𝐾 (7.35)

onde o índice R indica a célula unitária e o segundo índice (1 ou 2) indica o átomo da


base τ.
Neste caso, a matriz dinâmica será
1
𝐷𝝉,𝝉′ (𝒌) = ∑𝑅′ 𝛷𝑅𝝉,𝑅′𝝉′ 𝑒 −𝑖𝒌⋅(𝑅−𝑅′) (7.36)
√𝑀𝜏 𝑀𝜏′

Esta matriz dinâmica terá (22) dimensões e terá os seguintes elementos:


1 2𝐾
𝐷11 (𝑘) = ∑𝑅′ 𝛷𝑅1,𝑅′1 𝑒 −𝑖𝑘(𝑅−𝑅′) =
√𝑀1 𝑀1 𝑀 1
1 2𝐾
𝐷22 (𝑘) = ∑ 𝛷𝑅2,𝑅′2 𝑒 −𝑖𝑘(𝑅−𝑅′) =
√𝑀2 𝑀2 𝑀2
𝑅′ (7.37)
1 −𝑖𝑘(𝑅−𝑅′)
−𝐾 − 𝐾𝑒 −𝑖𝑘𝑎
𝐷12 (𝑘) = ∑ 𝛷𝑅1,𝑅′2 𝑒 =
√𝑀1 𝑀2 𝑅′
√𝑀1 𝑀2
1 −𝐾𝑒 𝑖𝑘𝑎 −𝐾
𝐷21 (𝑘) = ∑𝑅′ 𝛷𝑅2,𝑅′1 𝑒 −𝑖𝑘(𝑅−𝑅′) = .
√𝑀1 𝑀2 √𝑀1 𝑀2

Impondo a condição det(D(k ) −  2 I) = 0 , chega-se à seguinte equação de autovalores


para  2 (verifique!):

2K (M 1 + M 2 ) 2 2K 2
4 −  + (1 − cos ka ) = 0 , (7.38)
M 1M 2 M 1M 2

cujas soluções são

𝐾(𝑀1 +𝑀2 ) 2(1−𝑐𝑜𝑠 𝑘𝑎)𝑀1 𝑀2


𝜔2 = [1 ± √1 − ]. (7.39)
𝑀1 𝑀2 (𝑀1 +𝑀2 )2

Vemos portanto que, para cada k, há duas soluções  (k ) , desenhadas na Fig. 7.10. As
diferentes soluções são conhecidas como ramos (analógos às bandas eletrônicas).

142
(k)

ramo 0
ótico

gap

ramo
acústico

 = ck

-/a /a k
Figura 7.10 – Ramos de fônons para um cristal unidimensional com dois átomos distintos por célula
unitária.

Vamos analisar alguns casos limites. Para valores de k pequenos ( ka  1 ),


obtemos os seguintes soluções

2K (M 1 + M 2 )
0 = (ramo ótico)
M 1M 2 (7.40)
.
 K 
   a  k = ck (ramo acústico)

 2( M 1 + M 2 ) 
Vemos novamente a presença de uma solução com relação de dispersão linear  = ck
na vizinhança de k=0, associada à propagação de ondas sonoras e portanto denominada
ramo acústico. Além destas, há soluções cuja frequência não vai a zero na origem e
sim a uma constante 0. Estas soluções fazem parte do ramo ótico. Esta denominação
pode ser melhor entendida se analisarmos os vetores de polarização. O ramo acústico
corresponde a autovalores tais que  1 =  2 em k = 0 (verifique!), ou seja, para pequenos
comprimentos de onda (na vizinhança da origem) os deslocamentos de átomos
pertencentes à mesma célula unitária estão no mesmo sentido, como mostra a Fig.
7.11(a). Já o ramo ótico corresponde a autovalores  1 = − 2 em k = 0, ou seja,
deslocamentos contrários de átomos na mesma célula, como mostram as Fig. 7.11(b).
Na borda da Zona de Brillouin (k = /a), um dos átomos vibra, enquanto o outro
permanece parado, como mostraremos na lista de exercícios, de modo que as
freqüências são (2 K M 1 ) (átomo M1 vibrando) ou (2 K M 2 )
1/ 2 1/ 2
(átomo M2
vibrando) como mostram as Fig. 7.11(c) e 7.11(d). Em cristais iônicos, onde além de
terem massas distintas os átomos (íons) têm cargas opostas, estes deslocamentos em
sentido contrário podem ser excitados por um campo elétrico da luz, por exemplo. Por
isso a denominação “ramo ótico”. As frequências de vibração típicas estão na faixa do
infra-vermelho. Isto faz com que a espectroscopia de absorção no infra-vermelho seja
uma das técnicas mais poderosas para o estudo das vibrações cristalinas em sólidos.

143
(a) Acústico, k = 0
M1 M2 M1 M2 M1 M2 M1 M2

(b) Ótico, k = 0
M1 M2 M1 M2 M1 M2 M1 M2

Acústico, k = /a
(c)
M1 M2 M1 M2 M1 M2 M1 M2

(d) Ótico, k = /a


M1 M2 M1 M2 M1 M2 M1 M2

Figura 7.11 – Alguns modos normais de um cristal unidimensional diatômico.

(C) Cristais tridimensionais

Vamos agora generalizar de forma qualitativa os resultados anteriores para o


caso mais relevante sob o ponto de vista experimental: um cristal tri-dimensional.
Vamos supor inicialmente um cristal 3D com um base de 1 átomo. Neste caso, teremos
3 ramos acústicos, como mostra a Fig. 7.12. Destes três ramos, um deles é denominado
longitudinal acoustic (LA), pois o vetor de polarização é paralelo ao vetor de onda k,
ou seja, representa uma onda elástica longitudinal. Os outros dois ramos são
denominados transverse acoustic (TA) e apresentam o vetor de polarização
perpendicular ao vetor de onda. Estes 3 modos normais estão representados
esquematicamente na Fig. 7.13.

LA
TA

TA

k
Figura 7.12 – Os 3 ramos acústicos de um cristal tridimensional com 1 átomo por célula unitária.

144
k

LA: u // k TA: u k TA: u k

Figura 7.13 – Deslocamentos associados aos modos LA e TA.

Generalizando agora para um cristal com uma base de p átomos, teremos 3p


ramos, dos quais 3 são ramos acústicos e (3p - 3) são óticos. Os ramos óticos também
podem ser classificados como LO (longitudinal optical) ou TO (transversal optical),
dependendo se o vetor de polarização é paralelo ou perpendicular ao vetor de onda. A
Fig. 7.14 abaixo mostra o caso particular de um cristal tridimensional com 2 átomos na
base, onde há portanto 3 ramos acústicos e 3 ramos óticos.


Ramos óticos

Ramos acústicos

Figura 7.14 – Ramos de fônons para um cristal em 3D com 2 átomos na base.

7.4 – A Lei de Dulong e Petit


Como mencionamos anteriormente, as vibrações cristalinas contribuem de
forma significativa para o calor específico dos sólidos. Utilizaremos a aproximação
harmônica, desenvolvida na última Seção, para calcular esta contribuição. Iniciaremos
este estudo descrevendo a teoria clássica do calor específico devido a vibrações
cristalinas: a Lei de Dulong e Petit. Veremos que esta lei falha clamorosamente na
descrição dos resultados experimentais, e isto nos servirá como motivação para
desenvolver a teoria quântica das vibrações, o que faremos a partir da próxima Seção.

145
Considere um cristal com Ncel células unitárias e p átomos na base, contendo
portanto um total de N = Ncel × p átomos. Por simplicidade, consideremos todos os
átomos com a mesma massa M. Pela notação desenvolvida no início da Seção 7.2 (veja
a Eq. (7.3)), o vetor deslocamento u tem 3N coordenadas, e a MCF tem dimensões (3N
× 3N). Podemos escrever, dentro da aproximação harmônica, a energia total (cinética +
potencial) deste sistema como:

E = T +U = 1
2
 u
Mu  + U 0 + 12 u  Φ  u (7.41)

Esta é a energia de um sistema de 3N osciladores harmônicos acoplados. Como


já vimos, este problema é resolvido a partir de uma mudança para as coordenadas dos
modos normais. Neste caso, um modo normal é caracterizado por uma coordenada qks,
indexado por um vetor de onda k na 1a Zona de Brillouin e um ramo de fônon s, e tendo
uma freqüência s(k). Temos então 3N modos normais, correspondendo aos Ncel k’s
permitidos da 1a Zona de Brillouin e aos 3p ramos. Desta forma, a energia do sistema
se escreve na forma:

 
N cel 3 p
E = U 0 +  12 Mq k2s + 12 M s2 (k )qk2s . (7.45)
k =1 s =1

Esta é a expressão para a energia de 3N osciladores harmônico desacoplados.


Vamos agora investigar as propriedades térmicas deste cristal clássico. O
Teorema da Equipartição nos permite calcular a energia interna  E  no equilíbrio
térmico à temperatura T. Segundo este teorema, cada grau de liberdade quadrático na
expressão da energia contribui com 12 k B T para a energia interna. No nosso caso
específico, temos 6N graus de liberdade quadráticos, de modo que a energia interna é
dada por

 E = 3Nk B T . (7.46)

O calor específico é, portanto,

1 E
c= = 3nk B , (7.47)
V T

onde n é a densidade. O calor específico é uma constante independente da temperatura.


Esta é a Lei de Dulong e Petit.
No entanto, ao serem feitas medições do calor específico de isolantes, notam-se
discrepâncias marcantes com relação a este resultado. Estas discrepâncias estão
mostradas esquematicamente na Fig. 7.15. O calor específico parece tender para um
valor constante apenas a temperaturas muito altas. Ainda assim, este valor é um pouco
diferente do resultado de Dulong e Petit (linha tracejada). Esta discrepância pode ainda
ser explicada dentro do contexto de uma teoria clássica: trata-se de uma limitação da
aproximação harmônica. Esta aproximação, que temos usado amplamente, parte do
pressuposto de que os deslocamentos com relação ao equilíbrio são pequenos, o que
deixa de ser verdade a temperaturas muito altas. A outra discrepância com relação à
previsão clássica é a dependência forte com a temperatura do calor específico, sendo
proporcional a T3 a temperaturas baixas, como já dissemos. Esta discrepância só será
explicada ao considerarmos efeitos quânticos, o que faremos na próxima Seção.

146
c
3nkB discrepância
clássica

discrepância
quântica
T
c ~ T3

Figura 7.15 – Calor específico em função da temperatura para um sólido isolante.

7.5 – Fônons

Iniciaremos agora a descrição quântica das vibrações cristalinas. Nos cursos


básicos de Mecânica Quântica, aprendemos a resolver o oscilador harmônico simples e
encontramos seus autovalores e autoestados da energia. Em particular, vimos que um
oscilador harmônico de frequência  tem estados quantizados com espaçamento
constante em energia:

E n = (n + 1
2
) , (7.48)

como está esquematizado na Fig. 7.16.

n=2
n=1
n=0
x

Figura 7.16 – Níveis quânticos do oscilador harmônico simples.

Como foi visto na última Seção, nosso cristal pode ser considerado, dentro da
aproximação harmônica, como um sistema de 3N osciladores harmônicos
desacoplados, com freqüências s(k). Assim, para cada modo normal (k,s), as energias
permitidas são:

Enks = (nks + 12 ) s (k ) (7.49)

Desta forma, podemos facilmente quantizar a hamiltoniana (7.45), e obtemos a energia


total do sistema:

(7.50)

147
E = U 0 +  E nks = U 0 +  (nks + 1
2 ) s (k )
k ,s k ,s

O número quântico nks indica em que estado excitado está o modo normal com vetor
de onda k do ramo s. As energias de cada modo normal são quantizadas, ou seja, passa-
se de um nível para outro apenas através da absorção ou emissão de uma excitação
elementar de vetor de onda k e energia  s (k ) , sugerindo portanto uma natureza
“corpuscular”. Um fônon é então um quantum de energia elástica, da mesma forma que
um fóton é um quantum de energia eletromagnética. Desta forma, em vez de dizer “o
modo normal do ramo s com vetor de onda k está no estado excitado nks”, diz-se que
“há nks fônons do ramo s com vetor de onda k no cristal”. De modo idêntico ao oscilador
harmônico simples, o número de fônons está relacionado à “amplitude” de vibração do
modo normal.
Para investigarmos agora as propriedades térmicas do cristal quântico, temos
que calcular o número médio de fônons em um certo modo normal, <nks>, em função
da temperatura. A probabilidade de que o modo esteja no estado nks é dada pelo fator
de Boltzmann:

− Enks
e
p(nks ) = , (7.51)
e
− Enks

nks

onde  = 1 k B T . Desta forma, o número médio de fônons é

n n
− Enks − nks  s ( k )

ks e ks e
 nks = =
nks nks
’ (7.52)
e e
− Enks − nks  s ( k )

nks nks

que pode ser reescrito como

1   − nks  s ( k ) 
 nks = − ln  e . (7.53)
 ks  nks 


1
Usando o resultado da soma de uma progressão geométrica: x
n =0
n
=
1− x
se
−  s (k )
x<1, onde x = e , obtemos finalmente

1
 nks =  s ( k )
. (7.54)
e −1

Esta é a famosa distribuição de Planck, a mesma que surge na discussão da radiação


de corpo negro, a analogia entre fótons e fônons aparece aqui mais uma vez10.
Voltando à expressão (7.50), podemos agora escrever a densidade de energia
u = E V em equilíbrio termodinâmico a temperatura T como

10
Para os que já viram este tópico em Física Estatística, ambos são bósons com potencial químico nulo,
ou seja, sem restrição no número de partículas.

148
1 1  s (k )
u = u0 + 
V ks 2  s (k ) +
1

V ks e  s ( k )
−1
. (7.55)

O termo u0 é a densidade de energia potencial na situação de equilíbrio, sendo portanto


constante e não tendo relevância para o calor específico. O segundo termo é também
constante (independente da temperatura), mas tem um significado mais interessante.
Note que é um termo que surge apenas quando introduzimos a descrição quântica das
vibrações e está presente mesmo à temperatura zero, ou seja, quando classicamente não
se esperaria que houvesse vibrações. É portanto conhecido como energia de ponto
zero e fisicamente está associado à impossibilidade, a partir do Princípio de Incerteza,
de se definir perfeitamente a posição dos íons. Há sempre uma incerteza na posição,
que está associada à um movimento “vibratório” não-térmico, ou seja, presente mesmo
a T = 0. Ou seja, mesmo no zero absoluto os íons “vibram”.
O terceiro termo é o único relevante para o calor específico, que podemos
escrever então como:

1   s (k )
c=
V T
 e 
ks
 s (k )
−1
. (7.56)

Como se nota, um cálculo exato do calor específico não é nada simples, pois envolve
um somatório (que eventualmente transformaremos em uma integral) sobre todos os
k’s permitidos na 1a Zona de Brillouin de uma função complicada. Note que uma
expressão analítica para s(k) só existe em situações extremamente idealizadas, como
as que vimos na Seção 7.2. Ainda assim, utilizando argumentos gerais e algumas
aproximações, podemos extrair muitos resultados físicos da expressão (7.56), como
veremos a seguir.

(A) Limite de temperaturas altas


Mostraremos a seguir que o resultado clássico de Dulong e Petit é obtido no
limite de altas temperaturas, qualquer que seja a forma de s(k). Para temperaturas altas
temos  → 0 , de modo que podemos usar

1 1
lim = (7.57)
x →0 e − 1
x
x

e o calor específico torna-se

1 𝜕 ℏ𝜔 (𝒌) 1 3𝑁
𝑐 = 𝑉 𝜕𝑇 ∑𝒌𝑠 𝛽ℏ𝜔𝑠 (𝒌) = 𝑉 ∑𝒌𝑠 𝑘𝐵 = 𝑘𝐵 = 3𝑛𝑘𝐵 , (7.58)
𝑠 𝑉

que é o resultado de Dulong e Petit. O limite clássico é então recuperado conforme


esperávamos.

(B) Modelo de Einstein


Vamos agora obter expressões aproximadas para o calor específico em função
da temperatura. Para tanto, precisamos utilizar expressões aproximadas para s(k) que
nos permitam efetuar o somatório da Eq. (7.56). A aproximação mais simples possível

149
é o chamado modelo de Einstein, de 1907. Einstein foi o primeiro a aplicar a mecânica
quântica ao problema do calor específico de sólidos11. Sua suposição foi que todos os
modos normais teriam a mesma freqüência,  s (k ) =  E (frequência de Einstein), uma
aproximação que pode ser considerada um pouco drástica, como mostra a Fig. 7.17.
(k)

E

-/a /a k
Figura 7.17 – Modelo de Einstein para um cristal unidimensional diatômico. A relação de dispersão s(k)
é substituída por uma frequência “média” E.

Ao substituirmos este resultado na expressão para o calor específico, obtemos

1   E (
   E  3n  E e  E k BT  E k B T
2
)=
c=  = 3n
T  e  E k BT − 1
=
V T ks e
 E
−1 (
e  E k BT − 1 )
2

e  E k BT
( E k BT )
2
(7.59)
= 3nk B
(e  E k BT
)
−1
2

Analisando o limite de baixas temperaturas, vemos que

𝑐 ≈ 𝑒 −ℏ𝜔𝐸⁄𝑘𝐵 𝑇 (baixas temperaturas), (7.58)

ou seja, o calor específico vai realmente a zero a baixas temperaturas, mas não com
forma ~ T3 que é medida experimentalmente. Esta discrepância é consequência da
aproximação  s (k ) =  E , como veremos a seguir.

(C) Modelo de Debye


A aproximação  s (k ) =  E é até razoável para fônons óticos, pois estes têm
ramos quase sem dispersão. O modelo de Einstein é ainda usado hoje em dia neste
contexto. No entanto, para descrever as propriedades térmicas (devido às vibrações
cristalinas) de um cristal a baixas temperaturas, os fônons acústicos são muito mais
importantes, como mostra a Fig. 7.18.

11
De fato, este trabalho de Einstein foi o primeiro a utilizar a Mecânica Quântica na área de Física da
Matéria Condensada como um todo!

150
(k)

kBT / ħ
-/a /a k

Figura 7.18 – Os modos normais significativamente populados com fônons são apenas aqueles com energia
menor ou da ordem de kBT. Para baixas temperaturas, estes são os modos acústicos.

Para fônons acústicos, uma aproximação mais conveniente seria utilizar uma
relação de dispersão linear, ou seja,  s (k ) = ck . Este é o modelo de Debye,
desenvolvido por Peter Debye em 1912. Iremos supor, por simplicidade, que a
velocidade do som c é a mesma para os três ramos acústicos. Desta forma, a expressão
(7.56) para o calor específico torna-se

1  3  V D
k
ck ck
c=  ck
= 3 
V T ks e − 1 V T (2 ) 0
4k 2 ck
e −1
dk , (7.59)

onde efetuamos a soma apenas sobre os 3 ramos acústicos (deixamos de lado os modos
óticos). Definimos o limite superior da integral como um certo vetor de onda kD. Como
obtê-lo? Idealmente, teríamos que efetuar a integral dentro da 1a Zona de Brillouin, que
pode ter uma forma geométrica complicada. Por simplicidade, e aproveitando a simetria
esférica do integrando, faremos a integral em uma esfera de raio kD. Como veremos a
seguir, o formato exato do volume de integração não irá importar muito para as
propriedades a baixas temperaturas, para as quais apenas os modos em torno de k = 0
irão contribuir. Mas devemos garantir que a esfera de integração contenha o mesmo
número de pontos k permitidos dentro da 1a Zona de Brillouin, ou seja, Ncel. Isto define
o valor de kD, que é conhecido como vetor de onda de Debye:

13
4 3 (2 ) 3  6N  2 
k D = N cel  k D =  cel  . (7.60)
3 V  V 

Desta forma, o calor específico torna-se

151
3  V 3c 
k kD
D
ck 3 k3
c=
V T (2 ) 3
4 
0 e
ck
−1
dk =
2 2 T  e
0
ck
−1
dk =

k 3 e ck
kD
3c ck
=
2 2 0 (e ck − 1) 2 k BT 2 dk . (7.61)

ck
Definindo x = , e fazendo a substituição de variáveis, temos
k BT

D / T 3
3c k B  k BT  x 4 e x
c=
2 2 
0
 
c  c  (e x − 1) 2
dx , (7.62)

ck D
onde  D = é a temperatura de Debye. Podemos reescrever a expressão (7.62)
kB
de modo que a temperatura de Debye apareça mais explicitamente (verifique!):

3  /T
 T  D
x 4e x
c = 9nk B 
 D


0 (e x − 1) 2
dx . (7.63)

Note que a dependência do calor específico com a temperatura sempre aparece na forma
T /  D , de modo que a temperatura de Debye define a escala de temperaturas relevante
ao problema. Assim, no limite de temperaturas baixas, ou seja, T   D , podemos
estender o limite de integração até  :

3
 T  x 4e x
c = 9nk B 
 D


0 (e x − 1) 2 dx . (7.64)

A integral definida pode ser resolvida, e seu valor é 4 4 15 . Desta forma, obtemos
finalmente a expressão do calor específico para baixas temperaturas:
3
12 4  T 
c= nk B   . (7.65)
5  D 

Note que a dependência com o cubo da temperatura, verificada experimentalmente, é


finalmente obtida.

Para altas temperaturas ( T   D ), o calor específico deve aproximar-se do


resultado clássico, como mostramos em (7.58). Assim, a temperatura de Debye separa
os limites clássico e quântico. Veja na Tabela 7.1 a temperatura de Debye para alguns
materiais. Note que, quanto mais rígido o material, maior é a temperatura de Debye.

152
Material D (K)
Li 400
Na 150
C 1860
Ar 85
Ne 63

Tabela 7.1 – Temperaturas de Debye para alguns sólidos.

É possível obter de forma mais simples, apenas com argumentos qualitativos, a


dependência T3 no calor específico devido a fônons. Consideremos a relação de
dispersão  = ck. A uma temperatura T, a energia térmica disponível é kBT. Esta energia
será suficiente para excitar fônons dentro de uma esfera de raio kmax no espaço recíproco
tal que  = ck max = k B T , de modo que k max = k B T / c . O número de modos Nm
dentro desta esfera de raio kmax é proporcional ao volume desta esfera, ou seja
N m  k max
3
 T 3 . Como cada modo tem uma energia de excitação típica da ordem de
kBT, a energia vibracional do sistema será E ~ Nm kBT ~T4. Assim, o calor específico
c = E T  T 3 .

7.6 – Efeitos anarmônicos e expansão térmica

Até agora temos discutido as vibrações cristalinas dentro do regime de validade


da aproximação harmônica. Apesar desta aproximação explicar a maioria dos
fenômenos vibratórios em um cristal, há um fenômeno muito importante e corriqueiro
que não pode ser descrito dentro desta aproximação: a expansão térmica.
Em nossos estudos de física elementar, aprendemos que a expansão térmica
ocorre devido ao fato de que o potencial interatômico é anarmônico, como ilustrado na
Fig. 7.18a. Apesar de que esta descrição não está incorreta do ponto-de-vista
qualitativo, uma descrição mais profunda exige uma descrição mais detalhada dos
efeitos anarmônicos nas vibrações cristalinas, como veremos a seguir.

Figura 7.18a – Descrição esquemática da expansão térmica a partir do potencial interatômico


anarmônico. À medida que a temperatura aumenta, níveis vibracionais de mais alta energia vão sendo
populados. Como o potencial é anarmônico, tais níveis estão associados a valores médios cada vez
maiores da distância interatômica.

153
Por simplicidade, vamos considerar o modelo de Einstein, que descrevemos na
Seção anterior. Os resultados principais que vamos obter poderão ser generalizados
para modelos mais realistas da dispersão de fônons. Nossa abordagem será feita a partir
da aproximação quase-harmônica, que é uma maneira conveniente do ponto de vista
matemático de introduzir os efeitos anarmônicos. Nesta aproximação, introduzimos
uma dependência das constantes de força K com a distância interatômica a (veja por
exemplo a Fig. 7.4, para um modelo 1D). Em uma mola anarmônica, a constante de
mola diminui quando a ligação química é esticada, ou seja, a ligação química se
enfraquece quando esticada, mas continuamos utilizando as expressões que obtivemos
na aproximação harmônica, apenas modificando as frequências dos modos normais.
Como as frequências dos fônons estão ligadas diretamente às constantes de mola (𝜔 ∝
√𝐾), tais frequências (e, consequentemente, a frequência efetiva de Einstein 𝜔𝐸 )
também diminuem quando o cristal se expande. Vamos modelar este decréscimo de
forma linear com a variação de volume ∆𝑉 = 𝑉 − 𝑉0 :

∆𝑉
𝜔𝐸 (𝑉) = 𝜔𝐸0 (1 − 𝛾 𝑉 ) , (7.66)
0

em que V0 é o volume em que a energia potencial é minimizada à temperatura zero e γ


é o chamado parâmetro de Grüneisen.
Voltando agora à Eq. (7.55), e considerando o modelo de Einstein, podemos
escrever explicitamente a energia do cristal como função do volume e da temperatura:

3 ℏ𝜔 (𝑉)
𝐸(𝑉, 𝑇) = 𝑈0 (𝑉) + 2 𝑁ℏ𝜔𝐸 (𝑉) + 3𝑁 exp(𝛽ℏ𝜔𝐸 . (7.67)
𝐸 (𝑉))−1

Substituindo (7.66) em (7.67) e supondo baixas temperaturas (𝑘𝐵 𝑇 ≪ ℏ𝜔𝐸 ), obtemos:

𝐸(𝑉, 𝑇) = 𝐸0 (𝑉) + 3𝑁ℏ𝜔𝐸0 (1 − 𝛾Δ𝑉/𝑉0 ) exp(−𝛽ℏ𝜔𝐸0 ), (7.68)

em que desprezamos a dependência com o volume no expoente (verifique a validade


3
desta aproximação). Na expressão acima, 𝐸0 (𝑉) = 𝑈0 (𝑉) + 2 𝑁ℏ𝜔𝐸 (𝑉) é
independente da temperatura e podemos aproximar por uma forma quadrática:

1 (𝑉−𝑉0 )2
𝐸0 (𝑉) = 𝐸0 (𝑉0 ) + 2 𝐵 , (7.69)
𝑉0

em que B é o módulo de bulk, que definimos no Capítulo 2. Note que, ao escrevermos


a Eq. (7.69), desprezamos a influência dos efeitos anarmônicos da energia de ponto
zero no volume de equilíbrio do cristal V0. Tal influência existe, mas como estamos
interessados apenas na expansão térmica (como função da temperatura), vamos ignorá-
la nesta análise.
𝑑𝐸
Para encontrarmos o volume de equilíbrio 𝑉 ∗ , vamos impor 𝑑𝑉 = 0 em (7.68) e
obtemos:
0 0
3𝑁ℏ𝜔𝐸 𝛾 exp(−𝛽ℏ𝜔𝐸 )
𝑉 ∗ = 𝑉0 + . (7.69)
𝐵

154
Já podemos perceber o efeito de expansão térmica, concretizado no segundo termo da
Eq. (7.69), que descreve o aumento no volume do cristal devido à temperatura.
1 𝑑𝑉 ∗
Podemos obter então o coeficiente de expansão térmica 𝛼 = 𝑉 𝑑𝑇 :
0

2
ℏ𝜔0 𝛾
𝛼 = 3𝑛𝑘𝐵 ( 𝑘 𝑇𝐸 ) exp(−𝛽ℏ𝜔𝐸0 ) . (7.69)
𝐵 𝐵

Comparando este resultado com a Eq. (7.59), identificamos a presença no numerador


do calor específico cv do modelo de Einstein no limite de baixas temperaturas, de modo
que chegamos na bem conhecida expressão de Grüneisen:
𝛾𝑐𝑣
𝛼= , (7.70)
𝐵

que relaciona o coeficiente de expansão térmica, o calor específico, o módulo de bulk


e a anarmonicidade (através do parâmetro de Grüneisen). Desta forma, chegamos
finalmente ao entendimento do fenômeno de expansão térmica como consequência dos
efeitos anarmônicos nos sólidos.

7.7 – Momento linear de um fônon

Qual a interpretação física da quantidade k para um fônon? Para tentarmos


entender esta questão, vamos supor um cristal (supondo todos os átomos com massa M)
onde foi excitado um único fônon em um modo normal com vetor de onda k. Os
deslocamentos dos átomos deste cristal podem ser expressos por (7.19):

1 (7.71)
𝒖𝒌 (𝑹, 𝑡) = 𝜺̂(𝒌)𝑒 𝑖(𝒌⋅𝑹−𝜔𝑡)
√𝑀

Qual o momento linear total deste cristal? Basta somar os momentos lineares de todos
os átomos:

𝑑 0, se 𝐤 ≠ 0
𝑷𝑡𝑜𝑡 = 𝑀 ∑𝑹 𝒖𝒌 (𝑹, 𝑡) = −𝑖𝜔√𝑀𝑒 −𝑖𝜔𝑡 𝜺̂ ∑𝑹 𝑒 𝑖𝒌⋅𝑹 = { . (7.72)
𝑑𝑡 𝑁, se 𝐤 = 0

Ou seja, um fônon com k0 não carrega momento físico. Isto se justifica, pois os
deslocamentos u são deslocamentos relativos. Apenas os modos de translação (k=0),
que representam translações do cristal como um todo, carregam momento físico.

Apesar disso, pode-se mostrar12 que a quantidade k atua como momento linear
do fônon nos processos de interação deste com fótons ou nêutrons, e por isso tem
relevância e recebe a denominação momento cristalino do fônon (de forma bastante
análoga ao momento cristalino do elétron, que vimos no Capítulo 5). Estes mecanismos
são extremamente importantes porque propiciam informação experimental direta sobre
o espectro de fônons. Nestes processos, as conservações do momento e da energia se
escrevem da seguinte forma:

12
Apêndice M do Ashcroft-Mermin.

155
p  − p =  (k + G ) (7.73)
,
E  − E =  s (k )

onde p e E são o momento e a energia do fóton ou nêutron incidente, p’ e E’ são o


momento e a energia do fóton ou nêutron espalhado, e  k e   s (k ) são o momento
cristalino e a energia do fônon criado (-) ou destruído (+). O termo G surge porque o
vetor de onda k do fônon é definido dentro da 1a Zona de Brillouin. Os processos de
criação e destruição de fônons estão ilustrados na Fig. 7.20.

p p

p’ p’

criação destruição

Figura 7.19 – Processos de espalhamento de fótons ou nêutrons envolvendo a absorção (destruição) ou


emissão (criação) de fônons.

Podemos considerar um caso particular de espalhamento: o espalhamento


elástico. Isto ocorre se nenhum fônon for criado ou destruído. A energia da partícula
incidente irá se conservar. Mesmo assim, há alteração do momento pela presença do
termo G . Sejam p = q e p  = q  . A conservação de momento nos dá:

(q  − q) = G  q = G . (7.74)

Esta é precisamente a condição de von Laue, que estudamos no Capítulo 4 no contexto


da difração de raios-X. Vemos agora que não apenas os fótons, mas também os nêutrons
podem ser difratados e fornecer informações sobre a estrutura cristalina.
No caso mais geral, onde há absorção ou emissão de fônons, temos o
espalhamento inelástico. Neste caso, o processo de espalhamento fornecerá
informação sobre o vetor de onda e a energia do fônon, ou seja, permitirá a
determinação experimental da relação de dispersão  s (k ) . Para fótons, o espalhamento
inelástico leva o nome de espalhamento Raman.

Referências:
- Ashcroft e Mermin, Capítulos 21 a 24.
- Kittel, Capítulos 4 e 5.
- Ibach e Lüth, Capítulos 4 e 5.

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