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FICHA DE AVALIAÇÃO 4

GRUPO I
A. Lê o seguinte texto.
Amava Simão uma sua vizinha, menina de quinze
anos, rica herdeira, regularmente bonita e bem-
nascida. Da janela do seu quarto é que ele a vira a
primeira vez, para amá-la sempre. Não ficara ela
5 incólume da ferida que fizera no coração do vizinho:
amou-o também, e com mais seriedade que a usual nos
seus anos.
Os poetas cansam-nos a paciência a falarem do
amor da mulher aos quinze anos, como paixão
10 perigosa, única e inflexível. Alguns prosadores de
romances dizem o mesmo. Enganam-se ambos. O
amor aos quinze anos é uma brincadeira; é a última
manifestação do amor às bonecas; é tentativa da
avezinha que ensaia o voo fora do ninho, sempre com
15 os olhos fitos na ave-mãe, que está da fronde1 próxima
chamando: tanto sabe a primeira o que é amar muito,
como a segunda o que é voar para longe.
Teresa de Albuquerque devia ser, porventura, uma
exceção no seu amor.
20 O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de
Teresa, por motivos de litígios, em que Domingos Botelho lhes deu sentenças contra. Afora isso,
ainda no ano anterior dois criados de Tadeu de Albuquerque tinham sido feridos na celebrada
pancadaria2 da fonte. É, pois, evidente que o amor de Teresa, declinando de si o dever de
obtemperar3 e sacrificar-se ao justo azedume de seu pai, era verdadeiro e forte.E este amor era
25 singularmente discreto e cauteloso. Viram-se e falaram-se três meses, sem darem rebate à
vizinhança, e nem sequer suspeitas às duas famílias. O destino que ambos se prometiam era o
mais honesto: ele ia formar-se para poder sustentá-la, se
não tivessem outros recursos; ela esperava que seu velho
pai falecesse para, senhora sua, lhe dar, com o coração, o
30 seu grande património. Espanta discrição tamanha na
índole de Simão Botelho, e na presumível ignorância de
Teresa em coisas materiais da vida, como são um
património!
Na véspera da sua ida para Coimbra, estava Simão
35 Botelho despedindo-se da suspirosa menina, quando
subitamente ela foi arrancada da janela. O alucinado moço
ouviu gemidos daquela voz que, um momento antes,
soluçava comovida por lágrimas de saudade. Ferveu-lhe o
sangue na cabeça; contorceu-se no seu quarto como o tigre
40 contra as grades inflexíveis da jaula. Teve tentações de se
matar, na impotência de socorrê-la. As restantes horas
daquela noite passou-as em raivas e projetos de vingança.
Com o amanhecer esfriou-lhe o sangue e renasceu a
esperança com os cálculos.
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, p. 27.

1
folhagem, copa de árvore.
2
briga em que Simão se envolveu, descrita no início da obra.
3
obedecer.
Educação Literária
1. Indica, com base no texto, quatro dos traços caracterizadores de Teresa.
2. Explicita dois dos valores expressivos presentes na seguinte afirmação: «é tentativa da avezinha que
ensaia o voo fora do ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que está da fronde próxima chamando»
(ll. 10-11).
3. Identifica o recurso expressivo presente em “Não ficara ela incólume da ferida que fizera no coração
do vizinho (…)” (l. 3-4) e refere o seu valor.
4. Demonstra a importância deste excerto para a evolução da intriga.

B. Lê o seguinte texto.
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

5 É um não querer mais que bem querer;


é solitário andar por entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;


10 é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor


nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões, Lírica Completa – II, Lisboa: IN-CM, 1994, p. 101.

5. Demonstra o caráter circular do poema e explicita a respetiva carga simbólica.


6. Explica o valor expressivo do recurso expressivo que estabelece a relação entre o último terceto e as
restantes estrofes.
Grupo II

Teresa de Albuquerque
em sua carta ao Mundo
Simão Botelho, meu amado esposo
Não te admires da configuração daquela que te há de parecer uma bem estranha carta. Quando
estas laudas1 chegarem às tuas mãos, saberás que as escrevi com tinta feita da cinza que dia e
noite me rodeia, diluída na escorrenteza das minhas próprias lágrimas. Oxalá matérias tão
5 precárias resistam à viagem e consigam levar-te saudações da minha parte, seja onde for que te
encontres, e estejas tu acompanhado por quem quer que seja que o destino te tenha dado por
amiga ou amante.
Pois pelo meu lado, se muito mudei, continuo a querer-te como no primeiro dia em que te vi
cavalgando pelas ruas de Viseu, e a amar-te da mesma forma, sem refrigério2 nem apelo, como
10 no último instante, quando te dirigiste ao portaló para receberes as minhas cartas, na nau que em
breve partiria levando-te a caminho da Índia. Nessa hora, a minha vida acabou, Simão, mas a tua
felicidade, fatalmente sem mim, continua a ser o meu maior cuidado. A tua felicidade é o meu
destino. Vê como são as coisas, meu amado. Agora, pouco me importa que aquela, com quem
fazias projetos de partilhar uma casinha nos arredores de Coimbra, já não se chame Teresa, nem
15 que o peito onde sonhavas encostar a tua cabeça, já não seja o seu. A vida mudou, isto é, a morte
mudou o que foi sonhado em vida. Mas o mais importante é que sei agora o que não sabia antes.
E por isso posso dizer-te que a natureza daquela Eternidade que ora víamos como um paraíso
perfeito, ora como um lugar de quietude e silêncio para onde os dois iríamos adormecer para
sempre, afinal é muito diferente do que ambos imaginávamos. Posso dizer-te que se escrevo esta
20 carta, é porque faço empenho em avisar-te para que não sejas tomado tu pela surpresa que a mim
me prende. Meu divino esposo do céu, meu amado, estávamos enganados, a vida a partir daqui
tem um sentido diferente. O amor que aí vivemos até ao desespero, cá deste lado, não tem o valor
de um pinto, e os bens que pensávamos que nos conduziriam a um lugar de bom merecimento,
ficaram pelo caminho. Grande dolo3. Só o meu amor por ti, meu adorado esposo, continua igual,
25 absoluto e derradeiro, e por isso preciso explicar-te o que por cá se passa, antes que seja tarde.
Podes crer. Tão grande é a minha emoção ao fazer esta denúncia, que me atrapalho nas letras de
cinza que desenho sobre este pedaço de sudário 4, e tão grande a minha urgência em fazer-to
saber, que nem sei como chamar as palavras. (…)
Colóquio Letras, n.º 181, setembro/dezembro de 2012, p. 136.

1
folhas de papel.
2
alívio, conforto.
3
engano, fraude.
4
lenço usado para envolver um cadáver, mortalha.

Leitura / Gramática
1. Para responderes a cada um dos itens de 1.1. a 1.5., seleciona a única opção que permite obter uma
afirmação correta.
1.1. Teresa escreve “uma bem estranha carta” (l. 2), uma vez que
A. se encontra enclausurada.
B. já morreu e comunica com Simão.
C. as frases não têm nexo.
D. a tinta é de má qualidade.
1.2. As “matérias tão precárias” (l. 4) remetem para
A. as lágrimas.
B. o papel usado.
C. materiais pouco frágeis.
D. cinza diluída em lágrimas.
1.3. A expressão “não tem o valor de um pinto” (ll. 20) significa
A. tem pouco valor.
B. não vale tanto como um pintainho.
C. não significa nada para mim.
D. não é correspondido.
1.4. O pronome presente em “nos conduziriam” (l. 23) desempenha a função sintática de
A. complemento indireto.
B. complemento agente da passiva.
C. complemento direto.
D. sujeito.
1.5. A oração “que me atrapalho nas letras de cinza” (ll. 26-27) é
A. subordinada substantiva completiva.
B. subordinada adverbial causal.
C. subordinada adverbial consecutiva.
D. subordinada adjetiva relativa explicativa.

2. Responde de forma correta aos itens apresentados.


2.1. Indica a função sintática da palavra sublinhada em “Nessa hora, a minha vida acabou, Simão” (l. 11).
2.2. Refere o tipo de coesão apresentado pelas seguintes expressões: “estas laudas” e “esta carta”.
2.3. Indica a função sintática da expressão “a minha emoção” (l. 26).

Grupo III

O amor é um tema transversal que atravessa a literatura portuguesa, mas que está sempre
presente na vida do ser humano.

Num texto bem estruturado, com um mínimo de 100 e um máximo de 200 palavras, apresenta uma
exposição sobre os diferentes tipos de amor que o homem pode experienciar, ao longo da vida.
Fundamenta o teu ponto de vista, recorrendo a exemplos ilustrativos.

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