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Resenha Crítica: "Françoise Choay, A Alegoria do Patrimônio.

" Tradução: Teresa


Castro, Lisboa: Edições 70, Julho de 2000.
Haroldo L. Camargo2 1

Não há hoje quem não tenha ouvido falar sobre patrimônio. Patrimônio cultural, bem
entendido, pois, a denominação adquiriu múltiplos significados, dependente do adjetivo que
a qualifica. Poderíamos por exemplo, entre inúmeras possibilidades, falar de patrimônio
genético de seres vivos... Pois bem, ainda que admitindo seja o nome corrente e que o
patrimônio cultural se tenha convertido numa noção mundializada, sabe-se realmente o que
é patrimônio? As noções relativas a patrimônio, não raro, são vagas e contraditórias. O
senso comum atribuiria aos bens arquitetônicos preservados ou tombados a interdição de
uso, o que deterioraria qualquer construção -todas destinadas em princípio à ocupação - pela
não ocupação.

Há ainda, entre nós, brasileiros, dois outros aspectos também passíveis de constatação,
distantes do discurso mais atual sobre o patrimônio. O primeiro, tenderia a considerar
exclusivamente como bens patrimoniais nacionais, o universo dos artefatos denominados
“coloniais” ou “barroco-coloniais” (permanência da noção originária do ideário modernista
dos anos trinta do século XX). Neste conceito, nada daquilo que figure fora do partido
colonial seria digno de classificação. Nele se pode identificar, cristalizado, o eco das
práticas oficiais. Entendimento estreito, reprodução da ideologia que continua a se perpetuar
na escolha de exemplares do Brasil, para figurar na lista do patrimônio mundial, alheia ao
conceito contemporâneo, muito mais abrangente.

O segundo aspecto nos faria acreditar que o patrimônio seria inerente às sociedades
humanas desde sempre. Não seria impertinente acrescentar aqui, também o turismo, que
gozaria da mesma crença de ser velho como o mundo. Ora, tanto o patrimônio quanto o
turismo são fenômenos históricos. E, quando dizemos históricos, admitimos
necessariamente uma gênese ou origem de práticas sociais localizadas no tempo e no
espaço. Nessa medida, para se reconhecer e estabelecer suas identidades como práticas
sociais, tanto o turismo como o patrimônio, em virtude de sua importância para a
contemporaneidade, tornaram-se objetos de conhecimento. E, já que se aludiu ao turismo, é
preciso destacar também, a grande contribuição que o conhecimento do patrimônio pode ter
para a atividade turística, considerando a importância crescente da oferta cultural como
segmento de mercado.

O patrimônio cultural, apenas muito recentemente, vem se articulando como matéria de


conhecimento. É possível que isto se situe após os anos sessenta do século XX, com a
passagem da noção mais antiga e consagrada de monumento, para uma noção de
complexidade e de magnitude desconhecidas antes desse período. Portanto, patrimônio, é
matéria novíssima que se constrói e se sedimenta na intersecção de inúmeros saberes
acadêmicos já consagrados. Para tanto, tateia-se entre a História, a História da Arte,
Arquitetura e Urbanismo, Antropologia, Arqueologia e as teorias de restauro, para citar
apenas as disciplinas mais conhecidas. Falta muito, entretanto, para que o patrimônio venha
a constituir-se em conhecimento provido de justificativas imanentes à sua estrutura. Do que
se conhece hoje, dos fundamentos que ainda ostentam andaimes, das metodologias enquanto
aplicabilidade à prática, há um leque muito amplo de possibilidades: campo fértil, ainda que
labiríntico, onde é fácil perder-se.

Tendo em vista a introdução, A Alegoria do Patrimônio, de Françoise Choay, é um marco


neste assunto. Literatura que ordena, periodiza, aborda criticamente as idéias sobre a
preservação e o restauro, codificando saberes diacronicamente e, identificando o patrimônio
cultural, nascido das Revoluções Industrial e Francesa, embalado pelos valores do
Romantismo. Processo e conceitos históricos, dos quais o turismo não está alheio, ou antes,
nos quais está intimamente imbricado, considerando sua origem.
U R B A N A , a n o 2 , n º 2 , 2 0 0 7 , Dossiê: Cidade, Imagem, História e Interdisciplinaridade.
CIEC/UNICAMP
Embora possamos considerar A Alegoria do Patrimônio fundamental, é preciso reconhecer
que outras contribuições o antecedem. Há outros autores no mesmo contexto, francófono,
cuja colaboração também é decisiva para a disciplina em constituição. Penso
particularmente em André Chastel e Jean Pierre Babelon, com La Notion de Patrimoine 3.

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