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Coordenadores: Marcelo T.

Cometti
Fernando F. Castellani

Sumário

TÍTULO I – PARTE GERAL

CAPÍTULO I – PESSOAS NATURAIS ............................................................................ 3

CAPÍTULO II – PESSOA JURÍDICA ............................................................................... 9

CAPÍTULO III – FATO JURÍDICO .................................................................................. 15

CAPÍTULO IV – DOMICÍLIO .......................................................................................... 25

CAPÍTULO V – DOS BENS ............................................................................................. 27

TÍTULO II – PARTE ESPECIAL

CAPÍTULO I – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES .............................................................. 31

CAPÍTULO II – TEORIA GERAL DOS CONTRATOS .................................................. 49

CAPÍTULO III – CONTRATOS EM ESPÉCIE ................................................................ 53

CAPÍTULO IV – RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................ 67

TÍTULO III – DIREITO DAS COISAS

CAPÍTULO I – POSSE ...................................................................................................... 71

CAPÍTULO II – DIREITOS REAIS .................................................................................. 73

CAPÍTULO III – PROPRIEDADE .................................................................................... 75

CAPÍTULO IV – DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA ...................................... 79

CAPÍTULO V – DIREITOS REAIS DE GARANTIA ..................................................... 83

TÍTULO IV – DIREITO DE FAMÍLIA

CAPÍTULO I – CASAMENTO ......................................................................................... 87

CAPÍTULO II – PARENTESCO ....................................................................................... 97

CAPÍTULO III – FILIAÇÃO ............................................................................................. 99

CAPÍTULO IV – UNIÃO ESTÁVEL ............................................................................... 103

CAPÍTULO V – ALIMENTOS ......................................................................................... 105

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CAPÍTULO VI – TUTELA E CURATELA ...................................................................... 107

CAPÍTULO VII – DIREITO DAS SUCESSÕES .............................................................. 111

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TÍTULO I - PARTE GERAL

CAPÍTULO I – PESSOAS NATURAIS

1. Conceito de personalidade jurídica

A personalidade jurídica é um atributo essencial para ser sujeito de direito (art. 1º do CC).
Para a teoria geral do direito civil a personalidade é uma aptidão genérica para titularizar
direitos e contrair obrigações.
Todavia, a noção de aptidão, ou seja, qualidade para ser sujeito de direito, conceito
aplicável tanto às pessoas físicas como às pessoas jurídicas não é o único sentido técnico de
personalidade. Num sentido valorativo, a personalidade traduz o “conjunto de características e
atributos da pessoa humana, considerada objeto de proteção privilegiada por parte do
ordenamento, bem jurídico representado pela afirmação da dignidade humana” (Gustavo
Tepedino, Heloisa Helena Barbosa, Maria Celina Bodin de Morais. Código Civil interpretado
conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Revonar, 2004, p.04).
Resumindo os dois sentidos técnicos que envolvem o conceito de personalidade jurídica
podemos afirmar que: a) ela significa a possibilidade de alguém ser titular de relações
jurídicas, como forma de expressão da dignidade da pessoa humana e, b) objeto de tutela
privilegiada pela ordem jurídica constitucional.

2. Início da personalidade jurídica da pessoa natural

O início da personalidade é marcado pelo nascimento com vida, conforme dicção do art. 2º
do CC. Clinicamente o nascimento é aferível pelo exame de docimasia hidrostática de Galeno.
Em consonância com o texto do art. 2º do CC, a doutrina majoritária defende que o Direito
Civil positivo adotou a teoria natalista para o início da personalidade jurídica. Nessa linha, o
nascituro, ente concebido, mas não nascido, não passa de uma potencialidade de direitos.
Em sentido contrário, por influência do Direito francês, surge a teoria concepcionista pela
qual o nascituro adquiriria personalidade jurídica desde a concepção, sendo, assim,
considerado pessoa. Aqui o nascimento não é condição para que a personalidade exista, mas
para que se consolide.

3. Proteção jurídica do nascituro

Nascituro é o ente já concebido, mas ainda não nascido. Deixando de lado as discussões
teóricas sobre o início da personalidade jurídica, é certo que a segunda parte do art. 2º do CC
expressamente “põe à salvo os seus direitos”. Assim, pode-se afirmar que na legislação em
vigor o nascituro:
a) É titular de direitos personalíssimos (como o direito à vida);
b) Pode receber doação, conforme dispõe o art. 542 do CC: “A doação feita ao nascituro
valerá, sendo aceita por seu representante legal”;
c) Pode ser beneficiado por legado e herança (art. 1798 do CC);
d) Pode ser-lhe nomeado curador para a defesa dos seus interesses (arts. 877 e 878 do
CPC);
e) O Código Penal tipifica o crime de aborto;

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f) Tem direito a alimentos.


É bom lembrar que o enunciado 01, aprovado na Jornada de Direito Civil, promovida pelo
CEJ (Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal), em 2002, afirmou que “a
proteção que o Código Defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos
de personalidade, tais como o nome, imagem e sepultura”.

4. Capacidade de direito e capacidade de fato

Por capacidade de direito, também conhecida como capacidade de gozo ou capacidade de


aquisição, pode ser entendida como a medida da intensidade da personalidade. Todo ente com
personalidade jurídica possui também capacidade de direito, tendo em vista que não se nega
ao indivíduo a qualidade para ser sujeito de direito. Personalidade e capacidade jurídica são as
duas faces de uma mesma moeda.
A capacidade de direito não se confunde com a capacidade de fato, também chamada de
capacidade de exercício. Este conceito se relaciona com as condições pessoais que
determinado indivíduo reúne para exercer pessoalmente seus direitos. Ela nada mais é do que
a habilidade para praticar de forma autônoma, ou seja, sem a interferência de terceiros na
qualidade de representantes ou assistentes, seus direitos civis. Da capacidade de fato
distingue-se a legitimidade (ou legitimação). Esta é uma forma específica de exercício de
determinados atos da vida civil, ao contrário da capacidade, a qual se refere à aptidão para a
prática em geral.
A capacidade de fato, ao contrário da capacidade de direito possui estágios definidos no
próprio Código Civil. Ele distingue duas modalidades de incapacidade, a saber: a
incapacidade em absoluta e a relativa. Trata-se de um divisor quantitativo de compreensão do
indivíduo.
De acordo com o art. 3º do CC são considerados absolutamente incapazes:
a) Os menores de 16 anos (art. 3º, I) – Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei no. 8069/90), até os 12 anos de idade incompletos considera-se a pessoa criança.
Entretanto, os adolescentes até os 16 também são reputados absolutamente incapazes.
b) Aqueles que sofrem de doença ou deficiência mental (art. 3º, II) – Trata-se de uma
hipótese que o indivíduo é atormentado por uma patologia que o impede de praticar atos no
comércio jurídico, tendo em vista o comprometimento do seu quadro cognitivo. Nesta
hipótese a incapacidade deve ser reconhecida por meio da ação de interdição, prevista nos
artigos 1.177 ao artigo 1186 do CPC.
c) Os que por causa transitória não puderem exprimir sua vontade (art. 3º, III) – São
elementos para a configuração dessa forma de incapacidade o caráter temporário e a
impossibilidade total de expressão da vontade, os quais deverão ser verificados
cumulativamente. (ex. coma).
De acordo com o art. 4º do CC são considerados relativamente incapazes:
a) Os maiores de 16 e menores de 18 anos (art. 4º, I);
b) Os ébrios habituais e os viciados em tóxico (art. 4º, II);
c) Os deficientes mentais que tenham o discernimento reduzido (art. 4º, II);
d) Os excepcionais sem desenvolvimento mental completo (art. 4º, III) – A previsão da
incapacidade relativa dos excepcionais tem como propósito proteger os atos praticados pelos
agentes nessas situações, sem prejuízo de sua salutar inserção no meio social.
e) Os pródigos (art. 4º, IV) – Esta modalidade de incapacidade deve ser decretada
judicialmente por requisição do cônjuge ou familiar, já que o que se protege, com a
incapacidade do pródigo, é exatamente o patrimônio da família, e não apenas o patrimônio do

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pródigo. De acordo com o art. 1782 do CC “a interdição do pródigo só o privará de, sem
curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e
praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração”.
É bom lembrar que a senilidade não é causa de restrição da capacidade, ressalvada a
hipótese de a senectude gerar um estado patológico, a exemplo da arteriosclerose.
Sobre a capacidade dos índicos está será regulada pela Lei no. 6.001/73 (Estatuto do
Índio), tendo em vista que o código civil remete a matéria para a legislação especial (art. 4º,
parágrafo único).

5. Emancipação

Trata-se de um uma hipótese de antecipação da aquisição da capacidade civil plena antes


da idade legal. Três são as formas de emancipação:
a) Emancipação voluntária – É aquela concedida por ato unilateral dos pais em pleno
exercício do poder parental, ou um deles na falta do outro. Trata-se de ato irrevogável, sob a
forma de instrumento público, independentemente de homologação judicial, desde que o
menor haja completado 16 anos (CC art. 5º, parágrafo único, I, primeira parte). Para surtir os
efeitos legais a escritura pública de emancipação deverá ser registrada no Cartório de Registro
das Pessoas Naturais (CC art. 9º., II).
b) Emancipação judicial – Realiza-se mediante uma sentença judicial, na hipótese de um
menor posto sob tutela. Antes da sentença o tutor será, necessariamente, ouvido pelo
magistrado (Código Civil art. 5º, parágrafo único, I, segunda parte). Nesse caso, o juiz deverá
comunicar a emancipação ao oficial de registro civil, de ofício, se não constar dos autos haver
sido efetuado este em oito dias.
c) Emancipação legal – Ocorre em razão de situações descritas na lei. O art. 5º do CC nos
traz as seguintes situações:
1- O Casamento;
2- Exercício de emprego efetivo;
3- Colação de grau em curso de ensino superior;
4- Estabelecimento civil ou comercial, ou a existência de relação de emprego, desde que,
em função deles, o menor tenha economia própria. A expressão economia própria deve ser
entendida no sentido de caracterização de renda suficiente por meio do estabelecimento ou do
emprego para a sobrevivência da pessoa, de acordo com o nível social em que está inserida.

6. Extinção da personalidade jurídica da pessoa natural

A morte é o momento no qual a personalidade se extingue. A morte deverá ser atestada por
profissional de medicina, ressalvada a possibilidade de suas testemunhas o fazerem se faltar o
especialista, sendo o fato levado a registro, nos termos dos arts. 77 e 78 da Lei no. 6.015/73
(Lei de Registros Públicos), cuja prova se faz através da certidão extraída do assento de óbito.
Não se admite no ordenamento pátrio a hipótese de morte civil ou qualquer outro modo de
perda da personalidade sem vida. Todavia é possível cogitar de uma presunção de morte,
conforme se depreende da leitura do art. 7º do CC.
O referido dispositivo trata de duas hipóteses de morte presumida. A primeira trata da
probabilidade extrema de morte daquele que se encontre em perigo de vida. (CC art. 7º, I). A
segunda hipótese trata dos desaparecidos em campanha de guerra ou feito prisioneiro, caso
não seja encontrado até 02 dois anos após o término da guerra (CC art. 7º, II).

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Por força do estabelecido no art. 9º, IV, do CC a sentença declaratória de morte presumida
deverá ser inscrita em registro público, de forma a dar publicidade ao acontecimento.
Finalmente, o CC no art. 8º trata da hipótese de morte simultânea, conhecida também como
comoriência. Cuida-se de uma presunção juris tantum, segundo a qual se determina a morte
simultânea daqueles que falecem na mesma ocasião, podendo ser ilidida por prova que
estabeleça a precedência da morte de um dos envolvidos.
O interesse no tratamento do tema justifica-se pela implicância de tal fato na ordem de
vocação no plano da sucessão, ou seja, na transmissão dos direitos entre os sucessores e
sucedidos, enfim, quem tem a posição de herdeiro do outro.

7. Ausência das pessoas naturais

Ausente é aquele que desaparece de seu domicílio, sem que dele se tenha notícias. Assim,
para caracterizar a ausência a não-presença do sujeito deve somar-se com a falta de notícias.
A ausência é um processo no qual a proteção dos bens do desaparecido dá lugar à proteção
dos interesses dos sucessores. Este processo tem três estágios, conforme a menor
possibilidade de reaparecimento do ausente:
a) Declaração da ausência e curadoria dos bens:
Com o desaparecimento de uma pessoa, sem deixar notícias, nem representante ou
procurador, surge uma massa de bens de bens sem que tenha alguém para administrá-la.
Portanto, a requerimento dos interessados na administração (cônjuge, companheiro, parente
sucessível) ou do Ministério Público, o Poder Judiciário reconhecerá tal circunstância, com a
declaração de ausência, nomeando curador, que passará a gerir os negócios do ausente até o
seu eventual retorno, mediante arrecadação de seus bens (art. 1160 do CPC).
Na nomeação o juiz deverá fixar os poderes e obrigações do curador, as quais, sem linhas
gerais, seguirão os princípios a respeito dos tutores e curadores (arts. 1728 e seguintes do
CC). A nomeação não é discricionária, estabelecendo uma ordem legal estrita e sucessiva, a
saber:
1) o cônjuge (também o companheiro), se não tiver separado judicialmente, ou de fato por
mais de dois anos antes da declaração de ausência;
2) pais do ausente (genitores);
3) descendente, preferindo os mais próximos aos mais remotos;
4) Qualquer pessoa à escolha do magistrado.
Atente-se que não caberá nomeação de curador se não houver bens para administrar.
Por fim, observa-se que a curadoria dos bens do ausente não se confunde com a curadoria
da herança jacente (arts. 1819 e seguintes do CC).
b) Sucessão provisória:
De acordo com o art. 26 do CC decorrido 01 ano da arrecadação dos bens do ausente, ou,
se ele deixou representante ou procurador, hipótese que se limita à previsão do art. 23 do
mesmo diploma., em se passando 03 anos, poderão os interessados requerer que se abra
provisoriamente a sucessão.
Consideram-se interessados na abertura o cônjuge ou companheiro; os herdeiros
presumidos, legítimos ou testamentários; os que tiverem sobre os bens do ausente direito
pendente de sua morte; os credores de obrigações vencidas e não pagas.
O sucessor provisório recebe os bens que caibam no seu quinhão, dando, em regra,
garantia pignoratícia ou hipotecária de restituí-los (art. 30 do CC). Essa cautela de exigência
de garantia é excepcionada, porém, em relação aos ascendentes, descendentes e o cônjuge,
uma vez provada sua condição de herdeiro (art. 30, parágrafo 2º do CC).

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A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória só produzirá efeitos 180 após
sua publicação e trânsito em julgado, de acordo com o art. 28 do Código Civil. Depois desse
período proceder-se-á à abertura do testamento, caso existente, ou ao inventário e partilha dos
bens, como se o ausente tivesse falecido.
Na forma do art. 33, os herdeiros necessários empossados (art. 1845 do CC) terão direito
subjetivo a todos os frutos e rendimentos dos bens que lhes couberem, o que não acontecerá
com os demais sucessores, que deverão, necessariamente, capitalizar metade desses bens
acessórios, com prestação anual de contas ao juiz competente. Porém, se a ausência foi
voluntária e injustificada, o ausente perde direito ao montante acumulado em favor dos
sucessores (art. 33, parágrafo único do CC), como forma de sanção ao comportamento
negligente daquele.
c) Sucessão definitiva:
Decorridos 10 anos do trânsito em julgado da sentença que concedeu a abertura da
sucessão provisória, ou quando o ausente completar 80 anos de idade, se de 05 datam suas
últimas notícias, poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e levantamento das
cauções; ou quando houver certeza da morte do ausente (arts. 37 e 38 do CC).
Mas a propriedade assim adquirida considera-se resolúvel. Se o ausente aparecer nos dez
seguintes à abertura da sucessão definitiva, os bens serão entregues no estado em que se
acharem, ou os que se sub-rogarem neles, os o preço de sua alienação. Porém, se o ausente
regressar depois de passados os 10 anos nada recebe. Reversamente, se não regressar e
nenhum herdeiro tiver promovido a sucessão definitiva, serão os bens arrecadados como
vagos passando à propriedade do Município, do Distrito Federal ou da União. Seja qual for o
caso os direitos de terceiros são respeitados, não se desfazendo as aquisições realizadas.

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CAPÍTULO II – PESSOA JURÍDICA

1. Caracteres gerais da pessoa jurídica

Por diversas razões, inclusive de natureza social e antropológica, o homem tende a


agrupar-se, para garantir a subsistência e realizar seus propósitos. O grupo, assim, recebe do
ordenamento personalidade jurídica, viabilizando a sua atuação autônoma e funcional, com
vistas à realização de seus objetivos.
Contudo, para a constituição ou o nascimento da pessoa jurídica é necessária a conjunção
de três requisitos:
a) Vontade humana criadora - È a vontade gregária que marca o surgimento das pessoas
jurídicas, vontade eminentemente criadora que, para ser eficaz, deve emitir-se na
conformidade do que prescreve o direito positivo.
b) Observância das condições legais – É a lei que determina a forma a que obedece aquela
declaração de vontade, franqueando aos indivíduos a adoção de instrumento particular ou
exigindo o instrumento público.
c) Liceidade de seu propósito - Por óbvio não é possível reconhecer validade a um ente que
atue em descompasso com o ordenamento jurídico que possibilitou seu surgimento, daí
porque a liceidade é imprescindível à vida da pessoa jurídica.

2. Teorias sobre a natureza da pessoa jurídica

Diversas são as teorias que tentam explicar a caracterização das pessoas jurídicas, as quais
refletem a evolução deste instituto ao longo da história. As principais são:
a) Teoria da ficção – Segundo essa concepção o direito concebe a pessoa jurídica como
uma criação artificial, cuja existência, por isso mesmo, é simplesmente uma ficção.
b) Teoria orgânica ou da realidade objetiva – Seus partidários entendem que a pessoa
jurídica é uma realidade viva, análoga à pessoa física. Para esta teoria as pessoas jurídicas
possuem tanto um corpus, que administra e mantém a entidade em contato com o mundo,
como um animus, que é a idéia dominante, manifestada nas associações e nas sociedades pela
vontade do grupo componente e nas fundações pela de seu criador.
c) Teoria da realidade técnica – Esta teoria situa a pessoa jurídica como produto da técnica
jurídica, rejeitando a tese ficcional para considerar os entes coletivos como uma realidade, que
não seria objetiva, pois a personificação dos grupos se opera por construção jurídica, ou seja,
o ato de atribuir personalidade não seria arbitrário, mas à vista de uma situação concentra.
A melhor doutrina entende que a teoria da realidade técnica é a que melhor explica o
tratamento dispensado à pessoa jurídica por nosso ordenamento. A análise do art. 45 do CC
permite afirmar que a personificação da pessoa jurídica é, de fato, construção da técnica
jurídica, podendo, inclusive, operar-se a suspensão legal de seus efeitos, por meio da
desconsideração, em situações excepcionais admitidas por lei.

3. Surgimento e início da personalidade da pessoa jurídica

O surgimento da pessoa jurídica de direito privado se dá em dois estágios distintos.


O primeiro ocorre com a exteriorização da manifestação de vontade que permite a criação
e a elaboração do ato de constituição, independentemente de qualquer autorização estatal,
com exceção dos casos especiais tratados no CC. O ato deverá ser escrito, podendo se revestir

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de forma pública ou particular, salvo nas hipóteses das fundações, que requerem instrumento
público ou testamento.
No caso de defeito no ato constitutivo, seja ele formal ou substancial, aos legítimos
interessados cabe o direito potestativo de anular a constituição da pessoa jurídica. O prazo é
decadencial, como destaca o próprio texto do parágrafo único do art. 45 do CC.
Abre-se o segundo estágio em razão da adoção do sistema das disposições normativas,
porquanto o art. 45 do CC exige o registro do ato de constituição. O registro tem natureza
constitutiva, por ser atributivo de personalidade, diferentemente do registro civil de
nascimento da pessoa natural, eminentemente declaratório da condição de pessoa, já adquirida
no instante do nascimento com vida.
O art. 46 do CC dispõe sobre os dados a serem anotados na inscrição. Este se refere: a)
identificação da pessoa jurídica segundo a sua denominação e fins, local da sede, tempo de
duração e fundo social, se houver; b) aos nomes e qualificações dos fundadores ou
instituidores e dos diretores; c) às normas básicas de administração, incluindo a representação
junto às esferas judicial e extrajudicial; d) ao esclarecimento se o ato constitutivo é passível de
modificação no que concerne à administração e ao seu modo de atuar; e) à informação se os
membros da pessoa jurídica respondem subsidiariamente pelas obrigações sociais; f) às
condições gerais na hipótese de extinção, inclusive a destinação do patrimônio.
A falta do registro implica no surgimento de entidades de fato ou irregulares, desprovida
de personalidade, mas com capacidade para se obrigar perante terceiros. Na doutrina do
direito comercial a sociedade de fato seria aquela que funciona sem que houvesse sido
reduzido a termo o seu estatuto ou contrato social; a sociedade irregular, por sua vez, seria
aquela organizada por escrito, mas sem a necessária inscrição dos atos constitutivos no
registro peculiar.
É preciso pôr em sinal a existência de outras entidades despersonalizadas, além das
chamadas sociedades de fato ou irregulares:
a) Massa Falida – Se refere ao acervo patrimonial que pertencia à empresa declarada
judicialmente falida. É com a sentença declaratória de falência que surge a massa falida.
b) Espólio – Este consiste no patrimônio deixado pelo de cujus e compreensivo do
conjunto de direitos e obrigações. O fato jurídico que faz surgir é o evento morte e a sua
extinção se opera com o fato jurídico da partilha de bens entre os herdeiros. Entre esses dois
momentos – morte e partilha – impõe-se administração do acervo de direitos e obrigações,
cuja titularidade é exercida pela figura do inventariante.
c) Herança jacente e vacante – O CC no art. 1819 prevê a hipótese de alguém vir a falecer,
deixando acervo de bens sem, todavia, testamento ou herdeiro legítimo notoriamente
conhecido. A situação configura o instituto da herança jacente. Os bens permanecerão nesta
condição até a sua entrega aos herdeiros que vierem a se habilitar ou à declaração de sua
vacância. Ocorrendo esta, o patrimônio deverá ser incorporado aos bens da União, do Estado
ou do Distrito Federal.
d) Condomínio – Dá-se a figura do condomínio quando mais de uma pessoa possui a
titularidade do domínio de um bem. O condomínio não chega a ser uma pessoa jurídica, em
primeiro lugar pela desnecessidade, uma vez que a ordem jurídica o instrumentaliza com os
recursos jurídicos suficientes à administração de seus interesses. Em segundo lugar, porque
não há manifestação de vontade neste sentido, nem formalização desta, carecendo, pois, de
affectio societatis.

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4. Capacidade e representação da pessoa jurídica

A capacidade da pessoa jurídica é, por sua própria natureza, especial. Considerando sua
estrutura organizacional, moldada a partir da técnica jurídica, esse ente social não poderá, por
óbvio, praticar todos os atos jurídicos admitidos para a pessoa natural. “O seu campo de
atuação jurídica encontra-se delimitado no contrato social, nos estatutos ou na própria lei. Não
deve, portanto, praticar atos ou celebrar negócios que extrapolem da sua finalidade social, sob
pena de ineficácia” (Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito
Civil. Vol I. São Paulo: Saraiva, 2004, p.208).
Por se tratar de um ente cuja personificação é decorrência da técnica legal, sem existência
biológica ou orgânica, a pessoa jurídica, dada a sua estrutura, exige órgãos de representação
para poder atuar na órbita social. Em verdade, mais técnico seria falar em presentação da
pessoa jurídica. Isto é, por não poder atuar por si mesma, a sociedade ou a associação age,
faz-se presente, por meio das pessoas jurídicas que compõem os seus órgãos sociais e
conselhos deliberativos. Essas pessoas praticam atos como se fosse o próprio ente social.

5. Espécies de pessoas jurídicas de direito privado

O art. 44 do CC prevê cinco espécies de pessoa jurídica de direito privado. São elas:
a) Associações:
São entidades formadas pela união de indivíduos com o propósito de realizarem fins não-
econômicos. Note-se que, pelo fato de não perseguir escopo lucrativo, a associação não está
impedida de gerar renda, porém os seus membros não pretendem partilhar lucros ou
dividendos, como ocorre entre os sócios nas sociedades civis e empresárias. A receita gerada
deve ser revertida em benefício da própria associação visando à melhoria de sua atividade.
O estatuto social das associações deverá observar para a sua validade os requisitos
indicados no art. 54 do CC. Trata-se de um conteúdo mínimo que poderá ser, eventualmente,
ampliado.
A assembléia geral é o órgão máximo das associações. Ela possui poderes deliberativos e o
art. 59 do CC estabeleceu-lhe competências absolutas: 1º) eleger os administradores; 2º)
destituir os adminitradores; 3º) aprovar contas; e 4º) alterar o estatuto.
A lei considerou intransmissível a qualidade de associado (art. 56 do CC). Todavia,
havendo autorização estatutária, o titular de quota ou fração ideal do patrimônio poderá
transmitir, por ato inter vivos ou mortis causa, os seus direitos a um terceiro (adquirente ou
herdeiro), que passará à condição de associado.
A exclusão do associado só ocorre ocorrendo justa causa, e na estrita forma do estatuto
social (art. 57 do CC). Mesmo não cuidando o estatuto de elencar as condutas que entende
passíveis de exclusão do associado, a assembléia geral, especialmente convocada, poderá
apreciar a existência de motivos graves, e, em deliberação fundamentada e por maioria
absoluta dos presentes, decidir pela aplicação da sanção.
Ocorrendo a dissolução da associação, o patrimônio líquido, será destinado à entidade de
fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à
instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes. Na falta dessas, os
bens remanescentes serão devolvidos à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União
(art. 61, § 2º do CC).
Por cláusula do estatuto ou, no silêncio deste, por deliberação dos associados, prevê o § 1º
do art. 61, é permitido aos respectivos membros, antes da destinação do remanescente a

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entidades congêneres, receber em restituição, em valor atualizado, as contribuições que


houverem prestado ao patrimônio da entidade.
b) Sociedades:
São as entidades formadas pela união de pessoas que exercem atividade econômica e
buscam o lucro como objetivo. Dependendo do tipo de atividade realizada, as sociedades
podem ser simples ou empresárias. As formas societárias previstas no nosso ordenamento são:
1) sociedade em nome coletivo;
2) sociedade em comandita simples;
3) sociedade limitada;
4) sociedade anônima;
e) sociedade em comandita por ações.
c) Fundações:
São entidades resultantes de uma afetação patrimonial, por testamento ou escritura pública,
que faz o seu instituidor, especificando o fim para o qual se destina. Para a criação de uma
fundação, há uma série ordenada de etapas que devem ser observadas, a saber:
1) Afetação de bens livres por meio do ato de dotação patrimonial;
2) Instituição por escritura pública ou testamento;
3) Elaboração dos estatutos (Há duas formas de instituição da fundação: a direta, quando o
próprio instituidor o faz, pessoalmente; ou a fiduciária, quando confia a terceiro a organização
da entidade).
4) Aprovação dos estatutos (É o órgão do Ministério Público que deverá aprovar os
estatutos da fundação, com recurso ao juiz competente, em caso de divergência);
5) Realização do registro civil.
d) Partidos Políticos:
São entidades com liberdade de criação, tendo autonomia para definir sua estrutura interna,
organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e
disciplina partidária (art. 17 da CF).
O § 3º do art. 44 do CC estabelece que os partidos políticos serão organizados e
funcionarão conforme o disposto na Lei n. 9.096/95.
e) Organizações religiosas:
São entidades que muito se assemelham às associações. Contudo, o § 1º. Do art. 44 do CC
garante-lhes liberdade de criação, organização, estruturação interna, sendo vedado ao poder
público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos.
O art. 44 do CC não é um rol taxativo. Outras espécies como as cooperativas e as entidades
desportivas não foram previstas neste dispositivo

6. Desconsideração da personalidade jurídica

O art. 50 do CC prevê a desconsideração, a qual pode ser entendida como um mecanismo


que pretende a supressão temporária da personalidade jurídica da sociedade, em caso de
fraude, abuso, ou simples desvio de função, objetivando a satisfação do terceiro lesado junto
ao patrimônio dos próprios sócios, que passam a ter responsabilidade pessoal pelo ilícito
causado.
Norma de teor semelhante existe também no CDC no art. 28.

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7. Extinção da pessoa jurídica

O fim da pessoa jurídica poderá ocorrer por causas diversas, mas em qualquer hipótese a
personalidade subsistirá até que se ultime a liquidação e se proceda a anotação devida. A
dissolução deverá ser averbada no registro respectivo e, uma vez encerrada a liquidação,
seguir-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.
A dissolução das pessoas poderá ser:
a) Convencional – A mesma liberdade que permitiu aos sócios a criação da pessoa jurídica
pode levá-los à extinção desta. Para tanto devem ser observadas as normas previstas no
estatuto ou contrato social.
b) Administrativa – Ocorre quando a autorização para o funcionamento da pessoa jurídica
é cancelada.
c) Judicial – A iniciativa para a dissolução da pessoa jurídica, em primeiro lugar, é dos
administradores, que dispõem do prazo de trinta dias contado da perda da autorização, ou de
sócio que tenha exercitado o direito de pedi-la na forma da lei.
d) Fato natural – Ocorrendo o fato jurídico morte dos membros de uma sociedade, e não
prevendo o seu ato constitutivo o prosseguimento das atividades por intermédio dos herdeiros,
o resultado será a extinção da pessoa jurídica.

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CAPÍTULO III – FATO JURÍDICO

1. Conceito de fato jurídico lato sensu

Os acontecimentos, indistintamente considerados, que geram direitos subjetivos são


chamados, em sentido amplo, de fatos jurídicos ou fatos jurígenos. “Fatos jurídicos são,
portanto, aqueles fatos a que o direito atribui relevância jurídica, no sentido de mudar as
relações anteriores a eles e de configurar novas situações, a que correspondem novas
qualificações jurídicas” (LOTUFO, Renan; [coordenação Everaldo Augusti Cambler]. Curso
Avançado de Direito Civil: Vol 1. São Paulo: RT, 2003, p. 199).
O ordenamento atribui a um fato uma qualificação e uma disciplina, de tal sorte que
ocorrendo concretamente o fato, ou historicamente, constitui o ponto de confluência entre a
norma e o dever ser da realidade: é o modo pelo qual o ordenamento jurídico encontra real
atuação.
Assim, fato jurídico, em sentido amplo (lato sensu), seria todo o acontecimento natural ou
humano capaz de criar, modificar, conservar ou extinguir relações jurídicas.

2. Efeitos aquisitivos, modificativos, conservativos e extintivos do fato jurídico

1) Aquisição de direitos – Ocorre quando se dá sua conjunção com seu titular. Assim,
surge a propriedade quando o bem se subordina a um dominus. A aquisição de direitos tem
sido analisada das seguintes formas:
a) Originária ou derivada – de acordo com a existência ou não de uma relação jurídica
anterior com o direito ou bem objeto da relação, sem interposição ou transferência de outra
pessoa;
b) Gratuita ou onerosa – de acordo com a existência ou não de uma contraprestação para a
aquisição do direito;
c) A título universal ou singular – se o adquirente substitui o sucedido na totalidade (ou em
quota-parte) de seus direitos ou apenas de uma ou algumas coisas determinadas;
d) Simples ou complexa – Se o fato gerador da relação jurídica se constituir em um único
ato ou numa necessária simultaneidade ou sucessividade de fatos.
A título de complementação, porém, é importante distinguir os direitos futuros, em relação
à expectativa de direito, do direito eventual e do direito condicional.
A expectativa de direito é mera possibilidade de sua aquisição, não estando amparada pela
legislação em geral, uma vez que ainda não foi incorporada ao patrimônio jurídico da pessoa.
Um exemplo é a fase de tratativas para celebração de um contrato, em que não há falar, ainda,
de um direito adquirido, por si só, à realização da avença.
O direito eventual, por sua vez, refere-se a situações em que o interesse do titular ainda não
se encontra completo, pelo fato de não se terem realizado todos os elementos básicos exigidos
pela norma jurídica. Como exemplo, podemos lembrar o direito à sucessão legítima, que,
embora protegido pelo ordenamento jurídico, só se consolida com a morte do autor da
herança.
Por fim, o direito condicional é aquele que somente se perfaz se ocorrer determinado
acontecimento futuro e incerto.
2) Conservação de direitos – Atos praticados para o resguardo (defesa) de direitos, caso
estes sejam ameaçados por quem quer que seja. Essas medidas, de caráter muitas vezes
acautelatório, podem ser sistematizadas da seguinte forma:

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a) Atos de conservação – Atos praticados pelo titular do direito para evitar o perecimento,
turbação ou esbulho de seu direito.
b) Atos de defesa do direito lesado – Tendo ocorrido a violação ao direito, o ajuizamento
de ações cognitivas ou executivas, no exercício do direito constitucional de ação (art. 5º.,
XXXV, da CF).
c) Atos de defesa preventiva – Antes mesmo da violação (mas diante da sua ameaça
evidente) é possível o ajuizamento de procedimentos próprios para uma defesa preventiva,
como é o caso do interdito proibitório.
d) Ocorrida a violação, a ordem jurídica admite, sempre excepcionalmente, a prática de
atos de autotutela, como, por exemplo, o desforço incontinenti (art. 1210, parágrafo 1º do
CC).
3) Extinção de direitos – Como tudo na vida, também os direitos podem extinguir-se, como
é o caso do perecimento do objeto, o abandono, a decadência, etc.

3. Fato jurídico em sentido estrito

São todos os acontecimentos naturais que determinam efeitos na órbita jurídica. Os fatos
jurídicos em sentido estrito subdividem-se em:
a) Ordinários – São fatos da natureza de ocorrência comum, costumeira, cotidiana: o
nascimento, a morte, o decurso do tempo.
b) Extraordinários – São fatos inesperados, às vezes imprevisíveis: um terremoto, uma
enchente, o caso fortuito e a força maior.

4. Ato jurídico em sentido estrito

O ato jurídico em sentido estrito, constitui simples manifestação de vontade, sem conteúdo
negocial, que determina a produção de efeitos legalmente previstos.
Neste tipo de ato, não existe propriamente um declaração de vontade manifestada com o
propósito de atingir, dentro do campo da autonomia privada, os efeitos jurídicos pretendidos
pelo agente (como no negócio jurídico), mas sim um simples comportamento humano
deflagrador de efeitos previamente estabelecidos por lei. É o que ocorre, por exemplo, no ato
de fixação do domicílio.
Note-se que o elemento caracterizador dessa categoria reside na circunstância de que o
agente não goza de ampla liberdade de escolha na determinação dos efeitos resultantes de seu
comportamento, como se dá no negócio jurídico (um contrato, por exemplo).

5. Negócio jurídico

O negócio jurídico é entendido pela corrente voluntarista (dominante no direito brasileiro,


refletindo-se no art. 112 do C.C.) como uma “declaração de vontade dirigida à provocação de
determinados efeitos jurídicos, ou, na definição do Código da Saxônia, a ação de vontade, que
se dirige, de acordo com a lei, a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica”
(GOMES, Orlando. Introdução ao estudo do direito civil. 10ª. Rio de Janeiro: Forense, 1993,
p. 280.).
Com efeito, para apreender sistematicamente o tema faz-se mister analisá-lo sob os três
planos em que o negócio jurídico pode ser visualizado:
a) Plano de existência – Um negócio jurídico não surge do nada, exigindo-se, para tanto
que seja considerado como tal, o atendimento a certos requisitos mínimos. Neste plano “não

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se cogita de invalidade ou eficácia do fato jurídico, importa, apenas, a realidade da existência.


Tudo, aqui, fica circunscrito a se saber se o suporte fático suficiente se compôs, dando ensejo
à incidência” (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico (Plano da Existência).
São Paulo: Saraiva, 2000, p. 83.)
b) Plano de validade – O C.C. no art. 104 enumera os pressupostos de validade do negócio
jurídico: a) agente capaz; b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; c) forma
prescrita ou não defesa em lei.
Sobre o tema da capacidade o C.C., suprindo omissão da legislação civil anterior, trouxe à
tona um capítulo inteiramente dedicado ao instituto da representação, com preceitos genéricos
aplicáveis tanto à representação legal, quanto à voluntária. A representação, como forma de
manifestação de vontade do representado através do representante deve produzir plenamente
seus efeitos, na forma deduzida no art. 116 do C.C. Sobre o tema, ainda, vale observar a
restrição legal sobre o autocontrato, ou seja, ao negócio jurídico consigo mesmo, como se vê
do art. 117:
“Art. 117 – Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o
representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.
Parágrafo único – Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio
realizado por aquele em quem os poderes houverem sido substabelecidos.”
A licitude para a validade do negócio jurídico traduz a idéia de estar o objeto dentro do
campo de permissibilidade normativa, o que significa dizer não ser proibido pelo direito e
pela moral. Além do campo da licitude, o objeto deve, ainda, respeitar as leis naturais. Há que
ser, portanto, fisicamente possível, uma vez que não se poderia reconhecer validade a um
negócio que tivesse por objeto uma prestação naturalmente irrealizável, como, por exemplo, a
alienação de um imóvel situado na lua.
Deve, também, o objeto ser determinado ou, ao menos, determinável, sob pena de se
prejudicar não apenas a validade, mas, em último plano, a própria executoriedade da avença.
Todo objeto deve, pois, conter elementos mínimos de individualização que permitam
caracterizá-lo.
Por fim, para que o negócio jurídico, seja perfeitamente válido, deve revestir a forma
adequada. Observa-se, com isso, que os negócios jurídicos, como regra geral, podem ser
realizados de acordo com a conveniência da forma preferida pelas partes, por força da adoção
no C.C. do princípio da liberdade da formas.
Todavia, quando a norma legal impõe determinado revestimento para o ato, traduzindo em
uma forma especial ou em uma indispensável solenidade, diz-se que o negócio é ad
solemnitatem, a exemplo do testamento e dos contratos constitutivos ou translativos de
direitos reais imóveis acima do valor consignado em lei, uma vez que a forma pública é
indispensável para a validade do ato.
Ao lado do negócio ad solemnitatem, figura outra importante categoria: a dos negócios ad
probationem. Nesses, apesar de a forma não preponderar sobre o fundo, por não ser essencial,
deverá, outrossim, ser observada, para efeito de prova do ato jurídico. Assim, a prova escrita é
necessária, para efeitos probatórios, quando o valor do contrato exceder o décuplo do maior
salário mínimo vigente no país, ao tempo que foi celebrado, nos termos do art. 401 do CPC.
c) Plano de eficácia – Ainda que um negócio jurídico existente seja considerado válido, ou
seja, perfeito para o sistema que o concebeu, isto não importa em produção imediata de
efeitos, pois estes podem estar limitados por elementos acidentais de declaração.
A lei civil dispõe sobre três tipos de elementos acidentais:
1) Condição – Elemento voluntário que subordina o nascimento ou extinção do direito
subjetivo a acontecimento futuro e incerto. A modalidade suspensiva provoca a aquisição do

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direito, já a resolutiva, uma vez realizado o negócio, permite a extinção de seus efeitos na
eventualidade de o fato previsto vir a acontecer.
2) Termo – É o marco temporal que define o começo ou o fim dos efeitos jurídicos de um
negócio jurídico. Pode ser legal ou convencional. O primeiro decorre da lei o segundo, de
cláusula contratual. O termo se caracteriza pela futuridade e certeza.
O termo pode ser suspensivo ou resolutivo. O primeiro, também denominado inicial (dies a
quo) é o dia a partir de quando os efeitos de um negócio jurídico começam a produzir. Ele não
instaura a relação jurídica, que já existe. Neste sentido é a regra do art. 131, a qual informa
que o termo inicial suspende o exercício, não a aquisição do direito. O segundo corresponde
ao dia em que cessam os efeitos do ato negocial. O C.C. por seu art. 1923, prevê a hipótese de
legado a termo inicial ou suspensivo.
A doutrina registra ainda o termo de graça, que é concedido pelo juiz no curso dos
processos mediante dilação de prazo.
3) Encargo ou modo – É a cláusula geradora de obrigação para a parte beneficiária em
negócio jurídico gratuito e em favor do disponente, de terceiro ou do interesse público. É um
peso atrelado a uma vantagem (uma restrição), e não uma prestação correspectiva
sinalagmática. O encargo pode ser uma restrição no uso da coisa, ou pode ser uma obrigação
imposta àquele que é beneficiário.

6. Ato ilícito

Trata-se de um ato voluntário e consciente do ser humano, que transgride um dever


jurídico. Dizem alguns, simplificadamente e generalizando, que ilícito é tudo aquilo que é
contrário ao direito, até porque se deve entender o direito como proteção do que é lícito.
Honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere (viver honestamente, não
prejudicar outrem, atribuir-se o que é seu).
A conseqüência do ato ilícito é a do surgimento do dever de reparar o dano causado, de
estrutura obrigacional.
Ao lado e muito próximo do ato ilícito existe a figura do abuso de direito. Analisando o art.
187 do C.C., conclui-se não ser imprescindível para o reconhecimento do abuso que o agente
tenha a intenção de prejudicar terceiro, bastando, segundo a dicção legal, que exceda
manifestamente os limites impostos pela finalidade econômica ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes. Adotou-se, portanto, o critério finalístico para a identificação do abuso de
direito.
Finalmente, vale observar que o exercício regular do direito, a legítima defesa e o estado
de necessidade são causas excludentes de ilicitude, previstas em nosso direito positivo (art.
188 do CC).

7. Defeitos do negócio jurídico

Trata-se dos defeitos dos negócios jurídicos, que se classificam em vícios de


consentimento –aqueles em que a vontade não é expressada de maneira absolutamente livre –
e vícios sociais – em que a vontade manifestada não tem, na realidade, a intenção pura e de
boa fé que enuncia.
São vícios de consentimento:
a) Erro ou ignorância – Trata-se de uma falsa percepção da realidade, ao passo que a
ignorância é um estado de espírito negativo, o total desconhecimento do declarante a respeito

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das circunstâncias do negócio. O erro, entretanto, só é considerado como causa de


anulabilidade do negócio jurídico se for: a) essencial (substancial); e b) escusável (perdoável).
b) Dolo – Trata-se de um artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém
à prática de um ato jurídico que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a terceiro.
Pode-se classificar o dolo em principal e acidental. O principal é quando a causa determinante
do negócio. O acidental leva a distorções comportamentais que podem alterar o resultado final
do negócio. A distinção tem relevo para fins que o principal enseja a anulação do negócio e o
acidental só pode levar às perdas e danos.
c) Coação – Trata-se da violência apta a influenciar a vítima a realizar negócio jurídico que
a sua vontade interna não deseja efetuar, daí a possibilidade de sua anulação. São dois tipos de
coação: física (vis absoluta) e moral (vis compulsiva). Importante notar, que a doutrina
entende que a vis absoluta neutraliza completamente a manifestação de vontade, tornando o
negócio jurídico inexistente, e não simplesmente anulável.
d) Lesão – Trata-se de um vício que permite a deformação da declaração de vontade por
fatores pessoais do contratante, diante da inexperiência ou necessidade, exploradas
indevidamente pelo locupletante.
A lesão se compõe de dois requisitos: 1) objetivo ou material (desproporção das prestações
avençadas); e 2) subjetivo, imaterial ou anímico (a premente necessidade, a inexperiência ou a
leviandade da parte lesada e o dolo de aproveitamento da parte beneficiada).
Suas características são: 1) a lesão só é admissível nos contratos comutativos; 2) a
desproporção entre as prestações deve verificar-se no momento do contrato e não
posteriormente; 3) a desproporção deve ser considerável.
Não se confunde a lesão, todavia, com a aplicação da teoria da imprevisão. Esta última,
decorrente do desenvolvimento teórico da cláusula rebus sic stantibus, é aplicável quando a
ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não-imputáveis,
refletindo sobre a economia ou na execução do contrato, autorizarem a sua resolução ou
revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes.
A lesão é vício que surge concomitantemente com o negócio; já a teoria da imprevisão, por
sua vez, pressupõe negócio válido, que tem seu equilíbrio rompido pela superveniência de
circunstância imprevista e imprevisível.
e) Estado de perigo - Identifica-se como uma hipótese de inexigibilidade de conduta
diversa, ante a iminência de dano por que passa o agente, a quem não resta outra alternativa
senão praticar o ato. A expressão “meu reino por um cavalo”, da obra de Shakespeare, pode
ser um exemplo para esse vício.
São vícios sociais:
a) Simulação – È uma declaração enganosa de vontade, visando produzir efeito do
ostensivamente indicado. É um defeito que não vicia a vontade do declarante, uma vez que
este se mancomuna de livre vontade para atingir fins espúrios, em detrimento da lei ou da
própria sociedade. Importante observar que a simulação deixou de ser uma causa de
anulabilidade e passou a figurar entre as hipóteses de nulidade do ato jurídico.
b) Fraude contra credores – Consiste no ato de alienação ou oneração de bens, assim como
de remissão de dívidas, praticado pelo devedor insolvente, ou à beira da insolvência, com o
propósito de prejudicar credor preexistente, em virtude da diminuição experimentada pelo seu
patrimônio.
Dois elementos compõem a fraude, o primeiro de natureza subjetiva e o segundo objetiva.
São eles, respectivamente, o consilium fraudis (o conluio fraudulento) e o eventus damni (o
prejuízo causado ao credor).

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A anulação do ato praticado em fraude contra credores dá-se por meio de uma ação
revocatório, denominada ação pauliana.

8. Invalidade do negócio jurídico

A previsibilidade doutrinária e normativa da teoria das nulidades impede a proliferação de


atos jurídicos ilegais ou portadores de vícios, a depender da natureza do interesse jurídico
violado. Sendo assim, é possível afirmar que o reconhecimento desses estados são formas de
proteção e defesa do ordenamento jurídico vigente.
Dentro dessa perspectiva, é correto dizer-se que o ato nulo (nulidade absoluta), viola
norma de ordem pública, de natureza cogente, e carrega em si vício considerado grave. Por
sua vez, o ato anulável (nulidade relativa), contaminado de vício menos grave, decorre de
infringência de norma jurídica protetora de interesses eminentemente privados.

NULIDADE ABSOLUTA NULIDADE RELATIVA


1- O ato nulo atinge interesse público 1- O ato anulável atinge interesses
superior. particulares, legalmente tutelados.
2- Opera-se de pleno direito. 2- Não se opera de pleno direito.
3- Não admite confirmação. 3- Admite confirmação expressa ou
tácita.
4- Pode ser argüida pelas partes, por 4- Somente pode ser argüida pelos
terceiro interessado, pelo MP, ou, até legítimos interessados.
mesmo, pronunciada pelo juiz.
5- A ação declaratória de nulidade é 5- A ação anulatória é decidida por
decidida por sentença de natureza sentença de natureza desconstitutiva
declaratória.
6- Pode ser reconhecida, segundo o CC, 6- A anulabilidade somente pode ser
a qualquer tempo, não se sujeitando ao argüida, pela via judicial, em prazos
prazo prescricional ou decadencial. decadenciais de quatro (regra geral) ou dois
(regra supletiva) anos, salvo norma
específica em sentido contrário.

9. Prescrição

Direito subjetivo é o poder que o ordenamento jurídico reconhece a alguém de ter, fazer ou
exigir de outrem determinado comportamento. É verdadeira permissão jurídica, ou ainda, é
um poder concedido ao indivíduo para realizar seus interesses. Representa a estrutura da
relação poder-dever, em que ao poder de uma das partes corresponde ao dever da outra.
Da infração desse dever resulta, nas relações jurídicas patrimoniais, um dano para o titular
do direito subjetivo. Nasce, então, para esse titular, o poder de exigir do devedor uma ação ou
omissão, que permite a composição do dano verificado. A esse direito de exigir chama a
doutrina de pretensão, por influência do direito alemão.
A pretensão revela-se, portanto, como um poder de exigir de outrem uma ação ou omissão.
É, para alguns, sinônimo de direito subjetivo, embora com conotação dinâmica, enquanto
aquele é estático e, para outros, ainda, uma situação jurídica subjetiva.
A pretensão que nasce no momento em que o credor pode exigir a prestação, e esta não é
cumprida, causando lesão no direito subjetivo, pressupõe, assim, a existência de um crédito,
com a qual não se confunde.

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Embora a pretensão seja um conceito técnico jurídico aplicável às várias espécies de


relações jurídicas, em tese, é nas obrigações que ele encontra a sua natural aplicação. A sua
função mais importante é a de traduzir uma legitimação material para exigir uma prestação
determinada, o que a relaciona intimamente com o direito processual civil.
A prescrição é a perda da pretensão, em virtude da inércia de seu titular, no prazo previsto
pela lei (art. 189 do C.C.).
Pode-se dizer, pois, que a prescrição tem como requisitos: a) a violação do direito, com o
nascimento da pretensão; b) a inércia do titular; c) o decurso do prazo fixado em lei.
Importante observar que existem pretensões imprescritíveis, afirmando que a
prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade a exceção. Assim, não prescrevem:
a) as que protegem os direitos da personalidade;
b) as que se prendem ao estado das pessoas (estado de filiação, a qualidade de cidadania, a
condição conjugal);
c) as de exercício facultativo (ou potestativo), em que não existe direito violado, como as
destinadas a extinguir o condomínio, a de pedir meação no muro vizinho;
d) as referentes a bens públicos de qualquer natureza, que são imprescritíveis;
e) as que protegem o direito de propriedade, que é perpétuo (reivindicatória);
f) as pretensões de reaver bens confiados à guarda de outrem, a título de depósito, penhor
ou mandato;
g) as destinadas a anular inscrição do nome empresarial feita com violação de lei ou do
contrato (CC, art. 1.167).
A pretensão e a exceção prescrevem no mesmo prazo (art. 189 e art. 190).
O art. 191 não admite a renúncia prévia da prescrição, isto é, antes que se tenha
consumado. Assim, dois são os requisitos para a validade da renúncia:
a) que a prescrição já esteja consumada;
b) que não prejudique terceiro. Terceiros eventualmente prejudicados são os credores, pois
a renúncia à possibilidade de alegar a prescrição pode acarretar a diminuição do patrimônio
do devedor. Em se tratando de ato jurídico, requer a capacidade do agente.
Renunciar à prescrição consiste na possibilidade de o devedor de uma dívida prescrita,
consumado o prazo prescricional e sem prejuízo a terceiro, abdicar do direito de alegar esta
defesa indireta de mérito (a prescrição) em face de seu credor.
A única conseqüência da tardia alegação da prescrição diz respeito aos ônus de
sucumbência: são indevidos honorários advocatícios em favor do réu, se este deixou de alegar
a prescrição de imediato, na oportunidade da contestação, deixando para fazê-lo somente em
grau de apelação, nos termos do art. 22 do CPC.
Diz o mencionado art. 193 que a prescrição pode ser alegada “pela parte a quem
aproveita”. A argüição não se restringe, pois, ao prescribente, mas se estende a terceiros
favorecidos por ela.
Registre-se que os “relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus
assistentes ou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a alegarem
oportunamente” (art. 195), regra também aplicável à decadência por força do art. 208 do CC.
Finalmente, é permitida, também, a accessio praescriptionis, isto é, a soma do tempo
corrido contra o credor ao que flui contra o seu sucessor (art. 196). O prazo, desse modo, não
se inicia novamente. E com o principal prescrevem os direitos acessórios (art. 167 do CC/16),
regra que deve ser acolhida pela doutrina e jurisprudência.
O Código Civil agrupou as causas que suspendem e impedem a prescrição em uma mesma
seção, entendendo que estão subordinadas a uma unidade fundamental. As mesmas causas ora
impedem, ora suspendem a prescrição, dependendo do momento em que surgem.

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Impedimento da prescrição é o obstáculo ao curso do respectivo prazo, antes do seu início.


Constitui-se em um fato que não permite comece o prazo prescricional a correr. Assim, se o
prazo ainda não começou a fluir, a causa ou obstáculo impede que comece.
Se, entretanto, o obstáculo surge após o prazo ter iniciado, dá-se a suspensão. Desse modo,
a suspensão é a cessação temporária do curso do prazo prescricional sem prejuízo do tempo já
decorrido. Cessando as causas suspensivas, a prescrição continua a correr, aproveitando-se o
tempo anteriormente decorrido.
Interrupção da prescrição é o fato que impede o fluxo normal do prazo, inutilizando o já
decorrido
A interrupção depende, em regra, de um comportamento ativo do credor, diferentemente
da suspensão, que decorre de certos fatos previstos na lei, como foi mencionada. Qualquer ato
de exercício ou proteção ao direito interrompe a prescrição, extinguindo o tempo já decorrido,
que volta a correr por inteiro, diversamente da suspensão da prescrição, cujo prazo volta a
fluir somente pelo tempo restante.
O efeito da interrupção da prescrição é, portanto, instantâneo: “A prescrição interrompida
recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a
interromper” (art. 202, parágrafo único). Sempre que possível a opção, ela se verificará pela
maneira mais favorável ao devedor.
O art. 202, caput, expressamente declara que a interrupção da prescrição “somente poderá
ocorrer uma vez”. A restrição é benéfica, para não se eternizarem as interrupções da
prescrição.
São efeitos da interrupção da prescrição:
1- Inutiliza-se todo o tempo prescricional decorrido, começando a correr novo prazo.
2- O direito subjetivo atingido é beneficiado pela interrupção, dilatando-se o período para
composição do dano; essa vantagem para o titular do direito subjetivo ofendido corresponde
às desvantagens para o prescribente, que vê retardado o benefício que lhe poderia advir da
prescrição;
3- A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; igualmente, a
interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica os demais co-
obrigados (art. 204 do CC).
A interrupção por um dos credores solidários, aproveita aos outros; assim como a
interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros (CC, art.
204, § 1º).

10. Decadência

Existem direitos subjetivos que não fazem nascer pretensões, porque destituídos dos
respectivos deveres. São direitos potestativos.
O direito potestativo é o poder que o agente tem de influir na esfera jurídica de outrem,
constituindo, modificando ou extinguindo uma situação subjetiva sem que esta possa fazer
alguma coisa se não sujeitar-se. São direitos potestativos o do patrão dispensar o empregado,
o do doador revogar a doação simples, o de aceitar ou não a proposta de contratar, o de aceitar
ou não herança.
O lado passivo da relação jurídica limita-se a sujeitar-se ao exercício de vontade da outra
parte. E não havendo dever, não há o seu descumprimento, não há lesão. Consequentemente,
não há pretensão.
O tempo limita o exercício dos direitos potestativos pela inércia do respectivo titular, a
qual recebe o nome de caducidade. Esta, em sentido amplo, significa extinção de direitos em

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geral, e em sentido restrito, perda dos direitos potestativos quando toma o nome de
decadência. Seu fundamento é o princípio da inadmissibilidade de conduta contraditória.
A decadência traduz-se, portanto, em uma limitação que a lei estabelece para o exercício
de um direito, extinguindo-o e pondo a termo ao estado de sujeição existente. Aplica-se às
relações que contêm obrigações, sendo objeto de ação constitutiva.
Na decadência, ainda, o prazo começa a correr no momento em que o direito nasce,
surgindo, simultaneamente, direito e termo inicial do prazo, o que não ocorre na prescrição,
em que este só corre da lesão do direito subjetivo.
O que se tem em mira é, portanto, o exercício do direito potestativo, não a sua
exigibilidade, própria da prescrição.
O respectivo prazo é rigidamente fixado, sem possibilidade de interrupção ou suspensão, e
também menor do que o da prescrição.
A decadência é estabelecida em lei ou pela vontade das partes em negócio jurídico, desde
que se trate de matéria de direito disponível e não haja fraude às regras legais. Enquanto a
prescrição deve ser alegada pela parte interessada, a decadência não é “suscetível de oposição,
como meio de defesa”.
Sendo matéria de ordem pública, dispõe a lei (CC, art. 209) que é nula a renúncia à
decadência fixada em lei, sendo de admitir-se, a contrario sensu, ser válida a renúncia à
decadência estabelecida em negócio jurídico pelas partes.
No caso de decadência legal, deve o juiz conhece-la de ofício (CC, art. 210).
No caso de decadência convencional, o interessado, isto é, a parte a quem aproveita, pode
alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.
Prescreve o art. 207 que salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência
as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição. Em princípio, pois, os
prazos decadenciais são fatais e peremptórios, pois não se suspendem, nem se interrompem. A
inserção da expressão “salvo disposição em contrário” no aludido dispositivo tem a finalidade
de definir que tal regra não é absoluta, bem como de esclarecer que não são revogados os
casos de um eventual dispositivo especial.

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CAPÍTULO IV – DOMICÍLIO

1. Noção Geral

A noção de domicílio desempenha papel relevante para o Direito. Segundo o art. 70. da
LICC a “lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o
fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”; é ainda o domicílio que
determina o local onde a pessoa, habitualmente, terá de cumprir suas obrigações (art. 327 do
C.C.) e ainda, onde será aberta a sucessão hereditária (art. 1785 do C.C.).
Diante disso, conclui-se, que o domicílio importa em traduzir “o elemento de fixação
espacial do indivíduo, o fato de localização para efeito das relações jurídicas, a indicação de
um lugar onde o indivíduo está, deve estar ou presume-se que esteja, dispensando-se aos que
tenham interesse em encontrá-lo o esforço e a incerteza de andarem à sua procura por
caminhos instáveis” (Caio Mario da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil – Introdução
ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 373).

2. Noção de residência e morada

Não se confundem com o domicílio a morada e a residência. Todavia, a exata compreensão


desses conceitos é fundamental para esclarece a matéria de maneira apropriada, tendo em
vista que todas as situações descrevem um tipo de relação que uma pessoa natural estabelece
com um lugar.
a) Morada – É o lugar onde a pessoa se estabelece provisoriamente. Confunde-se com a
noção de estadia que é a mais tênue relação de fato entre uma pessoa e um lugar tomada em
consideração pela lei. Fala-se também, para caracterizar esta relação transitória de fato, em
habitação.
b) Residência – Trata-se de um lugar que pressupõe mais estabilidade. É o lugar onde a
pessoa natural se estabelece habitualmente, ou seja, uma sede estável da pessoa.

3. Aspectos gerais do domicílio da pessoa natural

O domicílio é o lugar de exercício dos direitos e cumprimento das obrigações, no sentido


da exigibilidade. Nos termos do art. 70 do CC o domicílio da pessoa natural é o lugar onde
estabelece residência com ânimo definitivo, convertendo-o, em regra, em centro principal de
seus negócios jurídicos ou de sua atividade profissional.
O ordenamento jurídico brasileiro adota o conceito da pluralidade domiciliar, inclusive
com uma técnica para destacar a pluralidade domiciliar residencial (art. 71 do CC) da
pluralidade domiciliar profissional (art. 72 do CC). Em ambos os casos é mister a
concorrência dos requisitos do ânimo (psíquico) e da residência (material).
Para as pessoas que não tenham residência certa, ou seja, não possuam o requisito material
do domicílio, elaborou-se a teoria do domicílio aparente ou ocasional, segundo a qual aquele
que cria aparências de um domicílio em um lugar pode ser considerado pelo terceiro como
tendo aí seu domicílio (ex. andarilhos, ciganos, profissionais de circo, etc.) A aplicação legal
desta teoria encontra-se no art. 73 do CC e no art. 94, parágrafo 2º do CPC.
A mudança de domicílio opera-se com a transferência da residência aliada à intenção
manifesta de alterá-lo. A prova da intenção resulta do que declarar a pessoa às
municipalidades do lugar que deixa, e para onde vai, ou se tais declarações não fizer, da

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própria mudança, com as circunstâncias que a determinaram. Tal regra encontra assento no
art. 74 do CC. Trata-se de norma jurídica imperfeita, uma vez que a falta de declaração não
acarreta sanção alguma ao omitente.

4. Aspectos gerais do domicílio da pessoa jurídica

O domicílio da pessoa jurídica de direito privado é a sua sede, indicada em seu estatuto,
contrato social ou ato constitutivo equivalente. É o seu domicílio especial.
Se não houver essa fixação, a lei atua supletivamente, ao considerar como seu domicílio “o
lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações”, ou, então, se possuir
filiais em diversos lugares, “cada um deles será considerado domicílio para os atos nele
praticados” (art. 75, IV e parágrafo 1º. do CC). Aliás, o Supremo Tribunal Federal já assentou
entendimento no sentido de que “a pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no
domicílio da agência, ou do estabelecimento, em que praticou o ato” (súmula 363).
Se a administração ou diretoria da pessoa jurídica de direito privado tiver sede no
estrangeiro, será considerado seu domicílio, no tocante às obrigações contraídas por qualquer
de suas agências, “o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder” (art. 75,
parágrafo 2º. do CC).

5. Espécies de domicílio

O domicílio poderá ser:


a) Voluntário – Decorre do ato de livre vontade do sujeito, que fixa residência em um
determinado local, com ânimo definitivo. Não sofre interferência legal este tipo de domicílio.
b) De eleição ou especial – Decorre do ajuste entre as partes de um contrato. Vale destacar,
porém, que este dispositivo somente pode ser invocado em relações jurídicas em que
prevaleça o princípio da igualdade dos contratantes e de sua correspondente autonomia de
vontade. Vale notar que na dinâmica do CDC considera-se ilegal a cláusula contratual que
estabelece o foro de eleição em benefício do fornecedor, por violar o disposto no art. 51, IV,
do CDC.
c) Necessário ou legal – Decorre de mandamento da lei, em atenção à condição especial de
determinadas pessoas. Suas hipóteses estão descritas no parágrafo único do art. 76 do CC,
sendo elas: o do menor que terá o domicílio do seu representante legal; o servidor público
cujo domicílio é o lugar em que exerce permanentemente suas funções; o militar que
responderá civilmente no lugar onde serva, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do
comando a que se encontra imediatamente subordinado; o do marítimo que é lugar onde o
navio estiver matriculado; e, finalmente, o do preso que é o lugar onde estiver cumprindo
pena.
O agente diplomático, por sua vez, que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade
sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou
no último ponto do território brasileiro onde o teve (art. 77 do CC).

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CAPÍTULO V – DOS BENS

1. Introdução

Sob um prisma de técnica legislativa das expressões, é possível afirmar que a expressão
“bem” utilizada pelo legislador na parte geral tem significado amplo e pode ser utilizada em
diferentes acepções. Na parte especial, quando trata de propriedade e de seus desdobramentos,
fala em coisa, deixando de utilizar-se do termo “bem”, como feito na parte geral.
Já num enfoque dogmático, infelizmente a doutrina nem sempre está acorde sobre o
conceito de bem correspondente ao de coisa, se é mais ou menos amplo do que esse.
No sentido econômico, são considerados bens apenas as utilidades com valor pecuniário,
excluídas aquelas que não podem merecer a qualificação patrimonial.
Para efeitos jurídicos, pode-se considerar como bem a utilidade física material ou imaterial
que pode servir de objeto de uma relação jurídica.
Para explicar o conceito de bem, Orlando Gomes (ORLANDO GOMES, Introdução ao
Direito Civil, 10ª. Ed., ão ao Direito Civil, 10ª. Ed., Rio de Janeiro, 1990, p. 207), exige a
reunião de três qualidade: a) economicidade, ou seja, suscetíveis de avaliação econômica;
permutabilidade, noutras palavras, a possibilidade de transito jurídico através de relação
estabelecidas entre os seus titulares (posse e domínio), mediante uma individualização
existencial criado por um critério econômico-social; e limitatividade, num sentido de raridade,
escassez empregado por outros doutrinadores.
Patrimônio
Numa acepção clássica o patrimônio é a constituição econômica da pessoa natural ou
jurídica, ou seja, um complexo de direitos e obrigações entrelaçados por relações jurídicas, as
quais têm como objeto os bens, as coisas, os créditos, os débitos. Em síntese, a “representação
econômica da pessoa”.
Nesta idéia, está englobado o complexo de direitos reais e obrigacionais de uma pessoa,
ficando de lado todos os outros que não têm valor pecuniário, nem podem ser cedidos, como
os direitos de família e os direitos puros de personalidade.
Modernamente a noção de patrimônio está ligada diretamente à personalidade do
indivíduo, cunhando alguns autores a expressão “patrimônio moral” e também a teoria do
patrimônio mínimo desenvolvida por Edson Fachin, a qual alicerça a noção de piso vital ou
mínimo existencial, introduzida expressamente no ordenamento pátrio pela Lei 10.835/04 que
trata da renda básica de cidadania.
Tal renda básica de cidadania nada mais é do que uma projeção do patrimônio mínimo dos
indivíduos, ou seja, bens de composição obrigatória em seu patrimônio para garantir
alimentação, educação e a saúde como projeção concreta do fundamento da dignidade da
pessoa humana.

2. Classificação dos bens

Os bens se classificam, pela própria lei, sob três aspectos: de acordo com sua titularidade,
por meio de comparação com outros bens, ou através da consideração do bem isoladamente.
1- bens considerados em si mesmos:
a) Corpóreos são aqueles que têm existência física (material), perceptível pelos sentidos
(móveis, imóveis); incorpóreos são aqueles que têm existência meramente abstrata, ideal,
jurídica (p. ex. direitos autorais).

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A importância da distinção reside no fato de haver diferença para a transmissão. Os bens


materiais são transferidos por meio de contrato de compra e venda ou doação; os imateriais
por cessão. Não existe a possibilidade de aquisição de bens incorpóreos por meio de
usucapião.
b) Imóveis (ou bens de raiz), segundo o art. 79 do CC são “o solo e tudo quanto se lhe
incorporar natural ou artificialmente”. A doutrina esclarece que são aqueles que não se podem
transportar sem alteração de sua essência, de sua substância. Móveis são, de acordo com o art.
82, “os bens suscetíveis de movimento próprio (semoventes), ou de remoção por força alheia,
sem alteração de sua substância ou da destinação econômico-social”.
A importância da distinção entre bens móveis e imóveis é verificada em vários aspectos.
1- Quanto à forma de alienação: é livre em relação aos móveis, mas em relação aos
imóveis exige escritura pública para os bens de valor superior a 30 salários mínimos.
2- Quanto à necessidade de autorização do cônjuge: Via de regra as negociações
relacionadas aos bens imóveis exige anuência do cônjuge, sob pena de anulabilidade do ato
(art. 1647, com a ressalva de que a autorização não será exigida se o regime de bens for de
separação absoluta); quanto aos bens móveis a exigência não existe.
3- Outro aspecto da distinção reside no tipo de direito real de garantia que poderá ser
constituído sobre o bem: em regra, os bens móveis podem ser oferecidos em penhor, e em
relação aos imóveis poderão ser objeto de hipoteca.
Os imóveis podem ser:
1- Por natureza: solo e tudo que nele se incorporar naturalmente (subsolo, árvores, espaço
aéreo, etc.).
2- por acessão física, industrial ou artificial: é tudo que o homem incorporar
permanentemente ao solo (sementes, construções, edifícios). Nos termos do art. 81 não
perdem o caráter de imóveis as edificações que, separadas do solo, mas conservando sua
unidade, forem removidas para outro lugar (ex. casa de madeira) e os materiais
provisoriamente separados de um prédio para nele reempregarem;
3- Por acessão intelectual ou por destinação do proprietário. Ex. maquinários agrícolas,
escada de emergência, ar-condicionado, armários embutidos). Pelo novo CC são chamados de
pertenças (art. 93), que constituem uma categoria de bens acessórios.
4- Por determinação legal: Por imperativo de segurança jurídica, a lei opta por tratar
determinados bens como imóveis, embora não se pudesse falar, em razão de sua natureza, em
bens móveis ou imóveis. De acordo com o art. 80, são considerados imóveis para efeitos
legais: os direitos reais sobre imóveis e as ações que os assegurem e o direito à sucessão
aberta.
Os bens móveis, por sua vez, podem ser classificados em:
1- Por sua própria natureza: são aqueles que podem ser transportados sem deterioração de
sua substância, por força própria ou externa.
2- Por antecipação: São aqueles bens que, embora ainda incorporados ao solo são
destinados a ser destacados e convertidos em móveis. Exemplo: árvores destinadas a corte.
3- Por determinação legal: Também há bens que são considerados móveis em razão da
vontade do legislador, embora sejam bens incorpóreos. Trata-se das hipóteses previstas no art.
83 do CC.
c) Fungíveis são os bens móveis que podem ser substituídos por outros da mesma espécie,
qualidade e quantidade. Infungíveis são os insubtituíveis. Os imóveis, em princípio, serão
sempre considerados bens infungíveis. Porém, é possível que sejam tratados num determinado
negócio como bens fungíveis.

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d) Consumíveis são os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria
substância, bem como aqueles que são destinados à alienação. Inconsumíveis são aqueles que
admitem uso reiterado, sem destruição imediata de sua substância, ainda que haja
possibilidade de sua destruição em decorrência do tempo.
A importância desta classificação encontra-se no usufruto, que é um direito real de gozo ou
fruição que só pode recair sobre bens inconsumíveis. Se, pó um acaso, o usufruto for
instituído sobre bens consumíveis, será chamado de quase-usufruto ou usufruto impróprio.
A presente classificação não se confunde com aquela que consta do art. 26 do CDC (bens
duráveis e não duráveis) e que envolve tempo maior ou menor do consumo de determinado
bem.
e) divisíveis e indivisíveis
f) Singulares são os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independente dos
demais. Os bens singulares podem ser: simples, quando suas partes componentes encontram-
se ligadas naturalmente; compostos, quando seus elementos são unidos por ato humano. Os
bens coletivos, universais, ou as universalidades, são, por sua vez, aqueles que são compostos
por vários bens singulares, que, considerados em conjunto, formam um todo homogêneo. A
universalidade pode ser de fato, que é a pluralidade de bens singulares com destinação
unitária, ou de direito, que é o complexo de relações jurídicas de uma pessoa, dotadas de valor
econômico e que por isso, a ordem jurídica atribui caráter unitário (espólio, patrimônio, massa
falida). Etc.
Bens reciprocamente considerados:
De acordo com esta classificação os bens podem ser principais ou acessórios. O bem
principal (art. 92) é aquele que existe por si mesmo, que tem existência própria (ex. o solo).
Acessório é aqueles cuja existência supõe a do principal.
Os bens acessórios podem ser de vários tipos:
1- Frutos: São as utilidades que a coisa principal periodicamente produz e cuja percepção
não diminui a sua substância. Costuma-se dizer que são as utilidades que nascem e renascem.
2- Produtos: São as utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a quantidade, e que
não se renovam (pedras, metais, petróleo)
3- Pertenças: São os bens móveis que são afetados de forma duradoura ao uso, serviço ou
aformoseamento de outro bem, sem que sejam considerados suas partes integrantes (art. 93).
4- Benfeitorias: São obras ou despesas realizadas pelo homem na estrutura da coisa
principal, com o propósito de conservá-la (benfeitorias necessárias), melhorá-la (benfeitorias
úteis) ou embelezá-la (benfeitorias voluptuárias).
3- bens quanto à titularidade do domínio:
A lei classifica os bens de acordo com sua titularidade, os quais podem ser públicos ou
particulares.
Existem três classes de bens públicos (art. 99):
1- Os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças. É indiferente
para a caracterização dos bens de uso comum que o uso seja gratuito ou retribuído.
2- Os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou
estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de
suas autarquias. São aqueles bens públicos que se destinam especialmente à execução dos
serviços públicos e são utilizados exclusivamente pelo poder público.
3- Os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público.
São os bens públicos que não são afetados a uma atividade pública específica.
Os bens de uso comum e os de uso especial são inalienáveis; já os dominicais podem ser
alienados, nos termos da lei.

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TÍTULO II – PARTE ESPECIAL

CAPÍTULO I – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

1. Acepções da obrigação

Em sentido lato, a obrigação se identifica com qualquer espécie de dever moral, social,
religioso ou jurídico. Mesmo no campo do direito, os juristas utilizam, algumas vezes, a
palavra “obrigação” como sinônimo de dever jurídico, olvidando a sua significação técnica e
dogmática.

2. Conceito e elementos

Obrigação é a relação jurídica em virtude da qual uma ou mais pessoas determinadas


devem, em favor de outra ou de outras, uma prestação de caráter patrimonial.
Por outras palavras:
Obrigação é o vínculo jurídico temporário pelo qual a parte credora (uma ou mais pessoas)
pode exigir da parte devedora (uma ou mais pessoas) uma prestação patrimonial e agir
judicialmente ou mediante instauração de juízo arbitral sobre o seu patrimônio, se não for
satisfeita espontaneamente.
Seus elemento são: os sujeitos, o objeto e o vínculo jurídico. Os sujeitos são: a parte
credora (uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas) e a parte devedora (uma ou mais pessoas
físicas ou jurídicas). O objeto é a prestação (dar, fazer ou não fazer alguma coisa). A
prestação deve ter conteúdo patrimonial e ser lícita, possível e determinada ou determinável.

3. Crédito e débito

Em toda obrigação existem um lado positivo – o crédito – e um lado negativo – o débito. O


crédito é o direito visto sob o prisma do sujeito ativo da relação jurídica. O débito é o dever
jurídico de pagar, que recai sobre o sujeito passivo da relação jurídica. O direito alemão
conserva expressões distintas para indicar a relação de débito – Schuldverhältnis – e os
direitos de crédito – Forderungsrechte.

4. Vínculo obrigacional

Um vínculo obrigacional pode criar uma ou diversas obrigações, para uma ou para as
diferentes partes interessadas.
Assim, num mútuo sem juros, a relação jurídica existente cria apenas uma obrigação para o
mutuário, que é a de devolver a quantia emprestada, na forma estabelecida pelas cláusulas
contratuais.
Já, ao contrário, num contrato de compra e venda, existem várias obrigações de ambas as
partes. O comprador deve pagar o preço. O vendedor deve entregar a coisa e responder no
caso de evicção. Há, assim, vínculos obrigacionais que se limitam a criar uma obrigação e
outros que criam diversas obrigações derivadas do mesmo negócio jurídico.

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5. Débito e responsabilidade

A obrigação tem um fim primário: a prestação; e um fim secundário: sujeitar o patrimônio


do devedor que não a satisfaz. O dever de prestar surge do débito; a ação judicial sobre o
patrimônio surge da responsabilidade ou da garantia.
O inadimplemento da obrigação, constituindo a violação ou o descumprimento de um
dever jurídico, implica a criação de uma relação jurídica secundária ou derivada, com as
mesmas características da obrigação, por ser dever jurídico, recaindo sobre pessoa
determinada (direito relativo) e de caráter patrimonial, que denominamos responsabilidade.
Não ocorrendo o pagamento voluntário, surge a responsabilidade, e o credor pode ir a juízo,
ou recorrer à máquina judiciária do Estado, para obter a condenação do devedor ao
pagamento; e se, após a condenação, não pagar ou já tendo o credor um título, pode pedir ao
juiz que execute tantos bens do devedor quantos forem necessários para a satisfação do seu
débito. Ademais, desde que estabelecida cláusula compromissória entre as partes, a questão
poderá ser resolvida por arbitragem.
Enquanto a obrigação é originária e depende de ato do devedor para a sua extinção, a
responsabilidade é derivada do inadimplemento de dever jurídico e autoriza a ação do credor,
por intermédio do Estado ou mediante instauração de juízo arbitral, sobre os bens do devedor.
A distinção entre obrigação e responsabilidade foi feita por Brinz na Alemanha, que
discriminou, na relação obrigacional, dois momentos distintos: o do débito (Schuld),
consistindo na obrigação de realizar a prestação e dependente de ação ou omissão do devedor,
e o da responsabilidade (Haftung), na qual se faculta ao credor atacar e executar o patrimônio
do devedor a fim de obter o pagamento devido ou uma quantia equivalente acrescida das
perdas e danos, ou seja, da indenização pelos prejuízos causados em virtude do
inadimplemento da obrigação originária na forma previamente estabelecida.

6. Obrigações naturais

São as que não podem ser reclamadas em juízo, embora lícitas.A idéia de obrigação
imperfeita ou natural também é válida para as dívidas de jogo e de aposta, agora tratadas no
art. 814 do Código Civil
A obrigação natural confere hoje juridicidade à obrigação moral e ao dever de consciência
reconhecidos e cumpridos pelo devedor, que, posteriormente, não pode reaver o pagamento
feito conscientemente.

7. Características da prestação

Definida a obrigação em sentido técnico como um vínculo jurídico de caráter patrimonial,


que recai sobre uma pessoa, em benefício de outra, relativamente a um bem (coisa ou serviço)
que se encontra no patrimônio do devedor, podemos afirmar que o conteúdo da obrigação
deve ser uma prestação possível, lícita, determinada ou determinável e possuindo expressão
econômica.
A prestação é o comportamento do devedor que aproveita ao credor e por este pode ser
exigido.
A prestação deve ser possível, física e legalmente, pois já afirmavam os romanos que ad
impossibilia nemo tenetur. A impossibilidade pode ser física ou jurídica, absoluta e objetiva
ou relativa e subjetiva, originária ou superveniente.
A impossibilidade é objetiva ou absoluta quando existe para todos os membros da

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coletividade, por motivos físicos ou em virtude de lei. Tal impossibilidade importa em


nulidade da obrigação.
Ao contrário, a impossibilidade relativa ou subjetiva é a que só ocorre para o sujeito
passivo da relação jurídica, mas não para todas as pessoas, e importa o dever, para o
inadimplente, de ressarcir os danos decorrentes do não-cumprimento da obrigação assumida.
Quando a impossibilidade objetiva é superveniente ou posterior à relação jurídica, é
preciso destacar o caso em que houve mora do devedor, hipótese na qual ele responde pelas
perdas e danos, e os casos fortuitos ou de força maior em que, sem culpa do devedor, a
obrigação se tornou impossível ou ilícita, excluindo-se pois a sua responsabilidade.
A prestação deve ser determinada ou determinável, não podendo ficar ao exclusivo arbítrio
do devedor.
Embora a doutrina entenda imprescindível o conteúdo econômico, uma vez que não se
considera obrigação o dever jurídico que, no caso de inadimplemento, não se possa resolver
em perdas e danos, fixados em dinheiro, cabe notar que, atualmente, com a aceitação do dano
material ou moral, qualquer lesão de direito pode ser avaliada em dinheiro.

8. Obrigações positivas e negativas

As obrigações são positivas quando a prestação do devedor implica dar ou fazer alguma
coisa e negativas quando importam numa abstenção.
É tradicional a distinção entre obrigações de dar, fazer e não fazer, que ainda é feita pelo
CC. A obrigação de dar consiste em transferir a posse ou transmitir a propriedade de um
objeto ao credor, enquanto a obrigação de fazer importa na realização de atos ou serviços no
interesse do credor. Embora, à primeira vista, os contornos de cada uma sejam perfeitamente
definidos, em muitos casos surgem dúvidas quanto à natureza da obrigação, havendo autores
que condenam a distinção. Indaga-se, assim, se são obrigações de dar ou de fazer a de lavrar
escritura definitiva de um imóvel e a de justificar o pagamento de certos impostos que em
virtude de contrato são da responsabilidade do locatário.
A importância prática da classificação decorre da regulamentação legal tradicionalmente
diferente com referência às obrigações de fazer e às obrigações de dar.
A obrigação negativa importa numa abstenção, ou seja, em não praticar algum ato.

9. Obrigações de dar coisa certa e coisa incerta

A obrigação de dar pode abranger coisa certa ou coisa incerta.


A obrigação de dar coisa certa surge quando a prestação é de objeto específico e
individualizado A lei esclarece que o credor de coisa certa não pode ser obrigado a receber
outra, ainda que mais valiosa (art. 313 do CC), e não pode exigir do devedor outra coisa,
mesmo sendo de valor inferior. É o princípio romano que encontramos em sentença de Paulo,
de acordo com o qual aliud pro alio invito creditore solvi non potest.
A entrega de objeto diverso do prometido importa em modificação da obrigação,
denominada novação objetiva (do objeto), que só ocorre havendo consentimento de ambas as
partes.
A coisa deve ser entregue com os seus acessórios, salvo convenção em contrário das partes
(art. 233 do CC).
Se a coisa certa devida se perder, antes da tradição e sem culpa do devedor, a obrigação se
resolve para os interessados, extinguindo-se todos os seus efeitos.
Até a tradição, todos os riscos correm por conta do tradens que tem a propriedade do bem.

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Se a perda ou destruição da coisa for oriunda de culpa do devedor, o credor dele poderá exigir
o valor em dinheiro do objeto acrescido das perdas e danos (art. 234 do CC, parte final, e art.
627 do CPC).
Em caso de deterioração do objeto, sem culpa do devedor, tem o credor uma opção entre
solver a obrigação ou aceitar a coisa, abatendo do seu preço o valor que perdeu. Havendo
culpa do devedor, o credor pode exigir o equivalente em dinheiro ou aceitar o objeto com
abatimento do preço, com direito a reclamar, em ambos os casos, indenização pelas perdas e
danos (art. 236 do CC).
Nada impede que as partes convencionem a obrigação do devedor de ressarcir os danos,
mesmo na hipótese de destruição ou perda do objeto em virtude de caso fortuito ou força
maior.
Se a coisa sofrer melhoramentos ou passar a ter acrescidos até a tradição, o devedor poderá
exigir um aumento do preço, resolvendo a obrigação se o credor não anuir (art. 237 do CC).
Dando a coisa frutos antes da tradição, cabem ao devedor, passando os frutos pendentes à
propriedade do credor (art. 237, parágrafo único, do CC).
Entre as obrigações de dar coisa certa, o CC, seguindo a sistemática do Código de 1916,
trata da obrigação de restituir (art. 238 e s.), embora haja diferença na situação do credor nos
dois casos. Na obrigação de dar, a propriedade do bem pertence, até a tradição ou a
transcrição, ao devedor, enquanto, na obrigação de restituir, o credor tem direito real sobre o
bem que está legalmente em poder do devedor.
A obrigação de dar coisa incerta consiste em fornecer certa quantidade de unidades de
determinado gênero e não uma coisa especificada. A incerteza da coisa não significa
indeterminação, mas determinação genericamente feita.
Nas obrigações de dar coisa incerta, o primeiro problema que surge é o referente à escolha
das unidades a serem entregues. As partes têm a mais ampla liberdade de atribuir seja a um
dos contratantes, seja a terceiro, a escolha dos exemplares que deverão ser fornecidos. Na
falta de cláusula contratual, existe uma norma supletiva, em virtude da qual a escolha caberá
ao devedor, não lhe sendo lícito, todavia, escolher a pior qualidade, nem sendo obrigado a dar
as melhores unidades (art. 244 do CC).
O art. 246 do CC esclarece que, “antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou
deterioração da coisa, ainda que por força maior, ou caso fortuito”.

10. Obrigações de fazer

A prestação de fazer pode ser um ato de ordem física, em sentido estrito, ou de ordem
psíquica.
Como regra geral, se a prestação não for realizada, o devedor indenizar o credor por perdas
e danos (art. 247 do CC), desde que só ele possa realizá-la, por força do contrato ou em razão
de reputação profissional ou de habilidades pessoais. O conteúdo da obrigação definirá o grau
de pessoalidade que o credor tenha desejado.
O CC prevê a possibilidade de o credor valer-se de execução da obrigação por terceiro
(execução in natura), à custa do devedor, quando for possível e desde que ela não seja
personalíssima. A aplicação desta hipótese pressupõe urgência para que possa ser realizada
independentemente de autorização judicial.

11. Obrigações de não fazer

As obrigações ainda podem ser omissivas, importando numa abstenção, num non facere.

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Em certos casos, em virtude de cláusulas contratuais, ou de condições impostas em ato


unilateral, uma pessoa, restringindo a sua própria liberdade e os direitos que a lei lhe assegura,
se obriga a deixar de praticar algum ato.
Se, sem culpa do devedor, a abstenção se torna impossível, extingue-se a obrigação (art.
250 do CC). Se o devedor, culposamente, infringe a obrigação de não fazer e pratica o ato
vedado, deve ressarcir o dano causado ao credor, podendo ainda este exigir que o devedor
desfaça à sua custa o ato praticado, se a sua natureza o permitir (art. 251 do CC).
O CC permitir ao credor, em casos de urgência, desfazer ou mandar desfazer, independente
de autorização judicial, devendo ser posteriormente ressarcido do devido (art. 251, parágrafo
único). Assim, tratando-se de obrigações de não construir além de certo gabarito, em virtude
de cláusulas contratuais, o credor pode exigir do devedor que desfaça a construção levantada
além do mencionado gabarito e pague as perdas e danos. Se o devedor se recusar, o credor
pode mandar destruir a obra, por conta do devedor.
Se a obrigação consiste em não vender determinados artigos, o credor não pode desfazer as
vendas realizadas, mas pode pedir uma indenização e, mediante ação própria, fixar uma multa
que o devedor será obrigado a pagar enquanto infringir a obrigação por ele assumida (arts.
642 a 645 do CPC).

12. Obrigações simples e compostas

A obrigação pode ter um ou vários objetos. Quando a obrigação abrange uma única
prestação, é considerada simples (por exemplo: o vendedor se obriga a entregar ao comprador
o livro vendido). Quando, ao contrário, a obrigação contém mais de uma prestação, é
denominada composta ou complexa.

13. Obrigações cumulativas e alternativas

Nas obrigações compostas, existe pluralidade de pretensões, cabendo ao devedor cumpri-


las conjuntamente (obrigações conjuntivas ou cumulativas) ou alternativamente (obrigações
alternativas). Nas primeiras, todas as prestações abrangidas pela obrigação devem ser
executadas, enquanto nas segundas a pluralidade das prestações existentes na obrigação é
substituída, na execução, por uma prestação única escolhida na forma do contrato ou da lei
(plures res sunt in obligatione, una autem in solutione).
Nas obrigações alternativas, existem duas ou mais formas pelas quais a obrigação pode ser
satisfeita, e o cumprimento de uma única prestação extingue a obrigação.
O negócio jurídico indica normalmente, no caso de obrigações alternativas, a quem cabe
escolher a prestação a ser executada (in solutione) entre as diversas possíveis (in obligatione).
No silêncio das partes, aplica-se a norma supletiva existente no CC, art. 252, que concede o
direito de escolha ao devedor.
O devedor não pode, todavia, obrigar o credor a receber parte de uma prestação e parte de
outra (art. 252, § 1º, do CC). A sua opção deve ser total, salvo se se tratar de prestações
periódicas nas quais se admite a renovação da opção para cada período (entrega mensal
alternativa de determinados alimentos ou de certa quantia em dinheiro), nos termos do art.
252, § 2º, do CC.
A finalidade da prestação alternativa é dar maior liberdade de escolha ao devedor,
aumentando as garantias e as perspectivas de cumprimento da obrigação para o credor.
A escolha da prestação que será cumprida, ou seja, a concentração, deve ser realizada no
prazo estabelecido pela convenção. Não existindo prazo, o credor ou devedor a quem couber a

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escolha deverá ser notificado a fim de incorrer em mora pela ausência de escolha. Conforme o
CC, se houver a pluralidade de optantes, mas não o consenso entre eles sobre a escolha dentro
de determinado prazo, o juiz deverá decidir o impasse (art. 252, § 3º).
A alternatividade da obrigação não decorre apenas da vontade individual, resultando em
alguns casos das próprias disposições legais. É o que ocorre no caso, por exemplo, de
incorporação de uma sociedade por outra, na qual os acionistas dissidentes têm direito de
retirar-se da companhia mediante pagamento do reembolso ou então de receber ações da
incorporadora.

14. Obrigações com faculdade de substituição

Têm uma estrutura parecida com as obrigações alternativas as obrigações com faculdade
de solução ou com faculdade de substituição, erradamente chamadas obrigações facultativas.
Não poderia haver obrigações facultativas, pois o que é facultativo não é obrigatório e o que é
obrigatório não é facultativo.
A distinção com as obrigações alternativas se faz atendendo ao fato de nestas haver
diversas prestações na obrigação, enquanto na obrigação com faculdade de solução ou de
substituição a obrigação é de prestar determinado fato ou entregar certa coisa, havendo uma
possibilidade de substituição para o devedor. Na obrigação alternativa, a impossibilidade em
relação a uma das prestações importa em obrigação de cumprir a outra.
Na obrigação com faculdade de solução, a impossibilidade em relação à prestação
principal extingue o vínculo jurídico, não podendo o credor exigir a prestação facultativa.
A própria lei apresenta casos de obrigações com faculdade de solução. Assim, o art. 1.234
do CC estabelece, para o proprietário da coisa perdida, a obrigação de pagar, a quem a achou,
uma recompensa mínima de 5% (cinco por cento) e uma indenização pelas despesas que
houver feito com a conservação e transporte da coisa. É a prestação que o descobridor da
coisa pode exigir. O mesmo artigo admite, todavia, o abandono da coisa perdida, e, assim, o
proprietário pode, em vez de pagar o que deve, abandonar o objeto. É a faculdade de solução
ou substituição.

15. Obrigações divisíveis e indivisíveis

As obrigações são divisíveis ou indivisíveis, conforme possam ou não ser fracionadas em


prestações parciais homogêneas.
O art. 314 do CC estabelece uma presunção de indivisibilidade da prestação no tempo
quando afirma: “Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o
credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou”.
Por outro lado, havendo pluralidade de credores ou de devedores, a lei presume a divisão
da obrigação, desde que o objeto seja divisível (art. 257 do CC).
A indivisibilidade pode decorrer da natureza da prestação, da vontade das partes, de
determinações legais, de motivos de ordem econômica ou dada a razão determinante do
negócio jurídico (art. 258 do CC).
A própria lei pode considerar um bem indivisível, como ocorre com relação à ação das
sociedades anônimas, que para a companhia é considerada indivisível ex vi do art. 28 da Lei
n. 6.404, de 15-12-1976 (Lei das Sociedades Anônimas).
Se a prestação não for divisível e houver pluralidade de devedores, cada um deles será
obrigado pela dívida total, sub-rogando-se nos direitos do credor, em relação aos outros, o que
tiver pago a dívida (art. 259 do CC).

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Se a pluralidade for de credores, cada um destes pode exigir a dívida inteira, mas o devedor
ou os devedores só se desobrigam pagando a todos conjuntamente ou a um dos credores,
dando este caução de ratificação dos outros (art. 260 do CC). Se um dos credores receber a
prestação inteira, os outros exigirão dele, em dinheiro, a parte que lhes couber (art. 261 do
CC).
Nos casos de remissão, transação, novação, confusão ou compensação da dívida por parte
de um dos credores, a obrigação não fica extinta em relação aos outros credores, que poderão
exigir a prestação, descontada a quota do credor que perdoou a dívida ou em relação ao qual
ocorreu a transação, confusão etc. (art. 262 do CC).
Não cumprida a obrigação, surge a responsabilidade que reveste a forma de indenização
em dinheiro, sendo cada um dos devedores responsável apenas pela sua quota. Sendo a culpa
de um só, este responderá pelas perdas e danos (art. 263, § 2º, do CC).
Em geral, as obrigações de dar são consideradas divisíveis, seja por ser divisível o seu
objeto, seja por admitir a divisão deste em quotas ideais, salvo quando em virtude de lei ou de
convenção houver indivisibilidade. As obrigações de fazer, quando fungíveis, são divisíveis.

16. Obrigações ambulatórias. Obrigações “propter rem” ou reais

Chamam-se obrigações ambulatórias (de ambulare = andar) aquelas obrigações que podem
ser transferidas sem formalidades, passando de um titular a outro. São exemplos os títulos ao
portador, os títulos de legitimação (bilhetes de cinema, teatro, trem, fichas de bar etc.).
Já as obrigações reais (de res = coisa, em latim) são as que derivam da vinculação de
alguém a certos bens, sobre os quais incidem ônus reais (imposto imobiliário, seguro
obrigatório, foro etc.), bem como deveres decorrentes da necessidade de manter-se a coisa
(despesas de condomínio, conservação de divisas etc.). Chamam-se também de obrigações
propter rem ou ob rem.
As obrigações reais, ou propter rem, passam a pesar sobre quem se torne titular da coisa.
Logo, sabendo-se quem é o titular, sabe-se quem é o devedor.

17. Obrigações solidárias

Obrigações solidárias são aquelas com pluralidade de credores ou devedores, cada um com
um direito ou obrigado ao total, como se houvesse um só credor ou devedor.
Sendo a pluralidade de credores, a solidariedade é ativa; sendo de devedores é passiva.
Sendo de credores e devedores, é mista.
A solidariedade nunca se presume (art. 265 do CC), resultando da lei ou da vontade das
partes, ao contrário do que acontece em outras legislações que admitem a presunção de
solidariedade
a) Solidariedade ativa
Solidariedade ativa é a de vários credores. São exemplos de solidariedade ativa as contas
bancárias conjuntas e os depósitos conjuntos em caixas-fortes, podendo qualquer dos credores
movimentar a conta ou utilizar a caixa-forte.
Cada um dos credores solidários tem o direito de exigir do devedor o cumprimento da
prestação por inteiro, independentemente de autorização dos outros credores ou de caução
(art. 267 do CC), podendo promover as medidas assecuratórias do seu direito, constituir o
devedor em mora e interromper a prescrição. O pagamento total do débito a um dos credores
extingue a obrigação (art. 269 do CC). No caso da confusão só se extingue a parte do crédito
ou do débito pertencente ao credor ou devedor solidário (art. 383 do CC). A incapacidade de

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um dos co-credores não prejudica os direitos dos outros.


Enquanto alguns dos credores solidários não demandarem o devedor comum, a qualquer
daqueles poderá este pagar (art. 268 do CC).
A mora accipiendi por parte de um dos credores prejudica a todos os outros, ressalvando o
direito à ação regressiva.
Falecendo um dos credores solidários, cada um dos seus herdeiros só terá direito a exigir a
quota do crédito correspondente ao seu quinhão hereditário, salvo sendo indivisível a
prestação (art. 270 do CC).
Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste a solidariedade para todos os
efeitos, inclusive para fins do pagamento de juros de mora e demais encargos dela decorrentes
(art. 271 do CC).
O credor que recebe o pagamento ou faz a remissão da dívida ou que a extingue em virtude
de novação, compensação ou transação responde, perante os outros, pela parte que lhes
couber (art. 272 do CC). Há assim o direito de regresso em virtude do qual cada um dos
credores recebe a sua quota, presumindo-se juris tantum, na falta de disposições diversas no
título, que a divisão seja igual, impondo-se o rateio quando recebido o montante do total do
débito ou uma parte dele.
b) Solidariedade passiva
Ocorre solidariedade passiva quando, havendo multiplicidade de devedores, o credor pode
exigir de qualquer destes o pagamento integral do débito, a qual resulta de disposições legais
ou de declaração de vontade das partes interessadas.
Na obrigação solidária, o credor tem o direito de exigir e receber de um ou alguns dos
devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum. Sendo o pagamento parcial, poderá exigir
dos demais devedores o saldo.
O devedor acionado não pode alegar o benefício da divisão, nem limitar o seu pagamento à
quota do débito total que lhe cabe, nem mesmo exigir que sejam acionados, no mesmo
processo ou em outro, os demais coobrigados. Uma vez feito o pagamento por um dos
devedores, o crédito se extingue na relação externa, sendo feito o rateio na relação jurídica
interna. Se o credor, tendo executado os bens de alguns devedores, não recebeu o débito total,
subsiste a solidariedade, e, portanto, pode acionar os outros a fim de receber o saldo.
Falecendo um dos devedores solidários, deixando herdeiros, a obrigação entre os herdeiros
é conjunta, mas não solidária. Cada um deles não será obrigado a pagar senão a quota que
corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo sendo indivisível a obrigação. Em relação aos
demais devedores, os herdeiros serão considerados como um devedor solidário (art. 276 do
CC).
A remissão concedida a um dos coobrigados extingue a dívida na parte a ele
correspondente, de modo que, ainda reservando o credor a solidariedade contra os outros, já
lhes não pode cobrar o débito sem dedução da parte remitida (art. 388 do CC). A remissão,
sendo liberalidade, é interpretada restritivamente, aplicando-se tão-somente à quota do
devedor, mantido o dever solidário dos coobrigados pelo total do montante do débito,
descontada a parte do devedor que obteve remissão.
Qualquer dos devedores solidários pode estipular condições especiais para o pagamento do
seu débito, não podendo, todavia, agravar a posição dos coobrigados sem consentimento
destes (art. 278 do CC). A interrupção da prescrição efetuada contra o devedor solidário ou o
reconhecimento da dívida por este envolve os demais coobrigados e seus herdeiros. A
interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros
herdeiros ou devedores senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis (art. 204,
§§ 1º e 2º, do CC).

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No caso de impossibilidade de cumprir a obrigação decorrente de força maior, a obrigação


se extingue. Se houver culpa de um dos devedores, cada um dos coobrigados deve pagar o
valor da coisa ou da prestação (aestimatio rei), respondendo pelas perdas e danos o devedor
culpado (art. 280 do CC). Se um dos devedores já estava em mora quando a impossibilidade
se verificou, responde pelos danos dela decorrentes, mesmo na hipótese de força maior ou de
caso fortuito, salvo se provar a isenção de culpa ou que o dano sobreviria ainda se a obrigação
fosse oportunamente executada (art. 399 do CC).
Quanto ao credor, na relação jurídica externa, todos os devedores respondem pelos juros de
mora, ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um, mas o culpado responde
perante os outros, na relação interna, pela obrigação acrescida (art. 280 do novo Código
Civil).
Os princípios aplicados em relação às perdas e danos e aos juros não são os mesmos.
Quanto à indenização pelas perdas e danos, o credor só pode cobrá-la do devedor culpado.
Quanto aos juros, são exigíveis de qualquer coobrigado, embora este tenha ação regressiva
contra o culpado.
O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os
devedores (art. 282 do CC). Pode, assim, transformar a obrigação solidária em obrigação
conjunta ou fracionária, na qual, em vez de responder, na relação externa, pelo total do débito,
só responde cada devedor pela sua quota.
O devedor demandado pelo credor pode opor as exceções comuns a todos os devedores e
as exceções que lhe forem pessoais, não lhe aproveitando porém as pessoais de outro co-
devedor. Assim, qualquer devedor pode alegar a ilicitude do objeto, a extinção da dívida por
pagamento já feito, ou seja, as defesas ou exceções comuns a todos os devedores. São
consideradas exceções pessoais as que só podem ser alegadas pelo interessado, por exemplo,
os vícios de consentimento e as causas de anulabilidades dos negócios jurídicos em geral
(arts. 171 e 177 do CC).

A novação entre um dos devedores e o credor, modificando o conteúdo da obrigação


originária, exonera os devedores solidários de qualquer responsabilidade (art. 365 do CC).

18. Execução da obrigação

O dever jurídico imposto ao devedor, em favor do credor, na relação obrigacional pode ser
cumprido direta ou indiretamente, voluntária ou involuntariamente.
O cumprimento da obrigação, também denominado pagamento ou solução do débito, é a
execução da prestação pelo devedor na forma estabelecida no ato jurídico ou na lei, de acordo
com as normas fixadas quanto ao modo, tempo e lugar de sua realização.
O pagamento pressupõe a existência de uma dívida e a vontade de extingui-la (animus
solvendi), devendo em tese ser feito pelo devedor ao credor. Na falta de uma relação jurídica,
o pagamento configura-se como indevido, dando margem a uma ação do devedor para reaver
o que pagou sem justo motivo (arts. 876 e seguintes do CC).
A obrigação se extingue independentemente de pagamento no caso de realização de
condição resolutiva ou advento de termo extintivo. A impossibilidade de cumprimento do
dever jurídico em virtude de caso fortuito ou força maior constitui outra hipótese de extinção
da obrigação.
No caso de inadimplemento injustificado, o credor pode recorrer ao procedimento judicial
ou arbitral para exigir a execução forçada da obrigação. A sentença garante ao credor o que
lhe era devido acrescido das perdas e danos pelo atraso, ou o equivalente (id quod interest),

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abrangendo o ressarcimento do dano causado e do lucro não auferido (damnum emergens e


lucrum cessans).

19. Pagamento

Pagamento todo cumprimento de obrigação, importando em dar, fazer ou não fazer.


O pagamento é feito na forma estipulada, não podendo o credor ser obrigado a receber
parcialmente o débito, salvo em casos especiais previstos pela lei, como na substituição do
devedor por seus herdeiros, que só são responsáveis pelo débito na proporção dos seus
quinhões (art. 1.997 do CC).
O dever de cumprir a obrigação incumbe ao devedor e aos seus herdeiros, se o débito não
for personalíssimo. Os sucessores se substituem ao falecido em todas as vantagens e deveres
de caráter patrimonial que tenha, salvo se existir um vínculo de intuito pessoal.
Qualquer pessoa pode pagar uma dívida, sua ou de outrem. Mas o Código Civil distingue:
o pagamento pode ser feito por terceiro interessado ou por terceiro não interessado. O termo
interessado aí tem sentido técnico: é aquele que pode ser responsabilizado pelo débito, como,
por exemplo, o avalista ou um terceiro garantidor da dívida. No entanto, se alguém é parente
ou amigo do devedor e deseja auxiliá-lo, também pode pagar, mas os efeitos são diversos.
A obrigação se extingue pelo pagamento da dívida por qualquer interessado (devedor,
coobrigado, fiador, herdeiro do devedor, adquirente do imóvel hipotecado) a quem é lícito
fazê-lo em nome próprio, sub-rogando-se no direito do credor. Em virtude do estabelecido no
art. 346 do CC, ocorre a sub-rogação de pleno direito em favor:
“I – do credor que paga a dívida do devedor comum;
II – do adquirente do imóvel hipotecado que paga a credor hipotecário, bem como do
terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;
III – do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo
ou em parte”.
O pagamento também pode ser feito por terceiro não interessado. Se o fizer em nome
próprio, o terceiro pode tão-somente obter o reembolso do que pagou, mas não se sub-roga
nos direitos do credor (art. 305 do CC). Havendo oposição do devedor ao pagamento do seu
débito por outrem ou não tendo conhecimento da ação de terceiro, este não terá direito ao
reembolso do que pagou, se o devedor tinha meios para ilidir a ação (art. 306 do CC).
O devedor não se pode opor ao pagamento por terceiros, ou melhor, a sua oposição não
invalida ou impede o pagamento, importando apenas em restringir os direitos do pagador
contra ele. Não pode, todavia, o terceiro, piorar a posição do devedor. Assim, se pagar o
débito antes do vencimento, somente após este poderá exigir do devedor o reembolso da
quantia despendida (art. 305, parágrafo único, do CC). Se o devedor tinha a possibilidade de
compensar débito e crédito com o credor, o terceiro não interessado, que pagou, só poderá
exigir do devedor o pagamento da quantia não sujeita à compensação.
O pagamento deve ser feito ao credor, aos seus sucessores, ou ao seu representante legal,
judicial ou convencional.
Nos casos de incapacidade do credor, o pagamento deverá ser feito a quem de direito.
Havendo dúvida de quem pode receber, incumbe ao devedor consignar judicialmente o
pagamento, cabendo ao juiz finalmente decidir a quem o pagamento deverá ser feito (art. 895
do CPC).
Considera válido o pagamento feito ao credor putativo, ou seja, àquele que tem todas as
características de credor, embora não o seja. É credor putativo aquele que se apresenta com
um título aparentemente válido, embora posteriormente seja o mesmo julgado nulo.

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Se o pagamento é feito ao credor incapaz de quitar, tendo o devedor ciência dessa


incapacidade, só valerá nos limites em que reverteu em favor do beneficiado (art. 310 do CC).
O pagamento feito indevidamente obriga o devedor a pagar novamente. Quem paga mal
paga duas vezes. O devedor poderá, todavia, reaver daquele a quem pagou indevidamente o
montante pago, fundamentando-se nas regras sobre pagamento indevido (arts. 876 e s. do CC)
e da vedação do enriquecimento sem causa (art. 884 do CC).
O devedor que paga tem direito à quitação regular, ou seja, à prova do pagamento feito,
podendo reter o pagamento, sem incorrer em mora, enquanto lhe for recusada a quitação (art.
319 do CC).
O pagamento é feito na forma estabelecida pela lei ou pelo negócio jurídico e, tratando-se
de obrigações pecuniárias, far-se-á em moeda corrente no lugar do cumprimento da obrigação
(art. 315 do CC). O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que é devida, ainda
que mais valiosa. Assim, também não está obrigado o credor a receber pagamento que não
seja em moeda corrente, ficando ao seu exclusivo critério aceitar ou não ordem de pagamento
ou cheques, visados ou não.
A quitação admite qualquer forma, devendo ser escrita desde que o montante da dívida seja
superior ao décuplo do maior salário mínimo (art. 401 do CPC).
Os débitos, cuja quitação consiste na devolução do título (por exemplo: nota promissória),
perdido este, pode o devedor exigir, retendo o pagamento, declaração do credor que inutilize o
título desaparecido (art. 321 do CC).
Havendo pagamentos periódicos, presume-se juris tantum que o recebimento do
pagamento da prestação posterior implique a quitação das prestações anteriores. É o que se dá
na hipótese de pagamento de aluguéis na locação e das duplicatas sucessivas na venda de um
objeto em prestações. Admite-se, todavia, a prova contrária, que pode consistir na ressalva
existente no próprio recibo ou em outros documentos ou mesmo na correspondência entre as
partes (art. 322 do CC).
A quitação do capital, sem ressalva, faz presumir o pagamento dos juros (art. 323 do CC).
A entrega do título ao devedor firma a presunção juris tantum de pagamento, podendo,
todavia, a quitação ser impugnada, desde que o credor prove, no prazo de sessenta dias, que
não ocorreu o pagamento, tendo a quitação sido obtida pelo devedor fraudulentamente (art.
324 do CC).
Salvo convenção em contrário, presume-se que corram por conta do devedor as despesas
com o pagamento e a quitação. Tal presunção extingue-se, todavia, se ocorrer aumento por
fato do credor, caso em que a despesa acrescida será por conta do credor (art. 325 do CC).
No que diz respeito ao lugar do pagamento as dívidas são portables ou portáveis quando
devem ser pagas no domicílio do credor ou onde ele indicar. São quérables ou quesíveis
quando pagáveis no domicílio do devedor.
A norma geral, estabelecida no art. 327 do CC considera, salvo convenção em contrário,
que o pagamento deve ser feito no domicílio do devedor, no momento do vencimento da
obrigação. Havendo pluralidade de domicílios ou mais de um lugar indicado para o
pagamento, cabe a opção ao credor.
Existem várias exceções ao princípio fixado no referido art. 327 do CC, decorrentes da
própria lei, da natureza das obrigações, das circunstâncias ou de convenção entre as partes.
O CC duas regras especiais referentes ao lugar do pagamento. A primeira está prevista em
seu art. 329 e estabelece que, se houver motivo grave que impeça a realização do pagamento
no lugar acordado, o devedor poderá fazê-lo em outro local, desde que haja prejuízo para o
credor. A segunda está aposta em seu art. 330 ao prever que, com o pagamento reiterado em
outro local, presume-se que o credor renunciou ao lugar previamente acordado no contrato.

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Sobre o tempo do pagamento, o negócio jurídico criador da obrigação estabelece a época


de sua realização. No caso de silêncio das partes e desde que não exista disposição legal em
sentido contrário, o credor pode exigir o pagamento imediatamente (art. 331 do CC), salvo se
a execução tiver de ser feita em lugar diverso, ou exigir tempo, casos em que o prazo será
fixado de acordo com os usos e costumes locais, dependendo de notificação prévia feita pelo
credor ao devedor.
As obrigações condicionais cumprem-se na data do implemento da condição, cabendo ao
credor a prova de que o devedor teve ciência do advento da mesma (art. 332 do CC).
A lei concede ao credor o direito de cobrar a dívida antes do seu vencimento em algumas
hipóteses especiais, que revelam a insolvência do devedor, como as mencionadas no art. 333
do CC:
“I – no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;
II – se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro
credor;
III – se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou
reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las”.
Neste caso, se houver solidariedade passiva entre os devedores, a antecipação de
vencimento relativa a um dos devedores não importa em vencimento do débito dos
coobrigados solidários (art. 333, parágrafo único, do CC).
Também são causas de vencimento antecipado dos débitos as hipóteses elencadas no art.
1.425 do CC, que são, por exemplo, a deterioração e o perecimento da coisa dada em garantia
(incisos I e IV, §§ 1º e 2º).

20. Inadimplemento e mora

O inadimplemento ou não-cumprimento da obrigação na maneira estipulada pode revestir


formas diversas. A destruição da coisa e a ilicitude do negócio jurídico, em virtude de lei
nova, importam em impedir de modo definitivo o cumprimento da obrigação.
O inadimplemento total, cabal e definitivo pode ser fortuito ou culposo, ensejando, na
última hipótese, a responsabilidade do inadimplente.
Pode, diversamente, ter havido um simples atraso no adimplemento da obrigação, que não
foi cumprida no tempo fixado, mas o foi posteriormente. Esse atraso ou retardamento importa
num inadimplemento temporário, quer por parte do devedor (mora debitoris ou mora
solvendi), quer por parte do credor (mora creditoris ou mora accipiendi).
Mora é o retardamento culposo no cumprimento da obrigação, quando a prestação ainda é
útil para o credor. A mora debitoris pressupõe uma dívida líquida e certa, vencida e não paga
em virtude de culpa do devedor. Uma vez que haja mora, o devedor responde também pela
impossibilidade da prestação resultante de caso fortuito ou força maior, salvo se provar a
isenção de culpa ou que o dano ainda sobreviria se a obrigação fosse oportunamente
desempenhada.
A constituição em mora se realiza de pleno direito, ou seja, pelo simples advento do termo
ou decurso do prazo, sem necessidade de qualquer interpelação judicial. É o princípio dies
interpellat pro homine (art. 397 do CC).
Há mora do credor quando este se recusa a receber o que lhe é devido, na forma contratual
ou legal (art. 394 do CC). Os efeitos da mora creditoris importam em transferir a
responsabilidade pela conservação da coisa ao credor, como se tradição tivesse havido,
devendo o credor ressarcir o devedor pelas despesas que teve, depois da mora, pela
conservação do bem e sujeitando-se ainda a recebê-lo pelo seu maior valor, se este oscilar

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entre o tempo do vencimento e o do pagamento, interrompendo, outrossim, o curso dos juros


(art. 400 do CC).

21. Pagamento em consignação

Pagamento em consignação é o depósito judicial da coisa devida ou depósito em


estabelecimento bancário, se for débito em dinheiro, para liberar o devedor, nos casos legais
(art. 334 do CC).
A consignação em pagamento se aplica a todos os casos de obrigação de dar coisa certa ou
incerta, móvel ou imóvel, só não cabendo tal ação na hipótese de obrigação de fazer ou de não
fazer, e considerando-se pagamento o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da
coisa devida, nos casos e forma legais (art. 334 do CC)
A consignação é regulada pelo CC nos arts. 334 a 345 e no Código de Processo Civil nos
arts. 890 a 900.
A consignação deve ser efetiva, completa e incondicional, somente podendo depender de
prova da qualidade do credor por parte de quem pretende receber o pagamento.

22. Pagamento com sub-rogação

A sub-rogação é a substituição de uma pessoa ou de uma coisa por outra pessoa ou coisa,
numa relação jurídica.
Sub-rogação pessoal pode ser: a) por força de lei, a transferência do crédito ao pagador de
dívida alheia (casos do art. 346 do CC); b) por força de contrato ou de recibo com tal fim, a
transferência do crédito próprio ou alheio, pelo pagamento (art. 347 do CC). Distingue-se da
cessão de crédito, porque esta se faz antes do pagamento e a sub-rogação se faz por causa do
pagamento.
A sub-rogação pode ser legal (de pleno direito) ou convencional. É legal quando independe
do consentimento do devedor ou do credor, e convencional quando ocorre explicitamente a
transferência dos direitos de devedor ou do credor ao terceiro, que efetua o pagamento ou
empresta o dinheiro necessário para tal fim.
Os casos de sub-rogação legal são aqueles em que o pagamento é feito por um terceiro
interessado na relação jurídica. Ocorre, também, a sub-rogação legal em favor do terceiro que
paga letra de câmbio ou do segurador que indeniza o dano causado à pessoa ou coisa
segurada.
A sub-rogação convencional se dá por cessão do credor ou do devedor. O terceiro se sub-
roga nos direitos do credor quando paga o débito, mediante transferência dos direitos que o
credor tinha contra o devedor.
Sub-rogação real é a substituição de uma coisa gravada por outra, que fica em lugar
daquela. Exemplo: um bem da herança gravada com cláusula de inalienabilidade não pode ser
vendido. Mas, se o herdeiro indicar outro bem, de valor semelhante, ou títulos da dívida
pública, ou mantiver depósito em poupança vinculada, de valor equivalente, poderá vender o
imóvel, que é substituído pelo outro ou pelos títulos ou pela caderneta vinculada (art. 1.911,
parágrafo único, do CC – passando a ser exigida autorização judicial – e Decreto-lei n. 6.777,
de 8-8-1944).
A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do
primitivo em relação à dívida contra o devedor principal e os fiadores (art. 349 do CC). O
sub-rogado assume assim a posição do sub-rogante, com todas as suas características e
atributos.

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23. Imputação do pagamento

Imputação é a escolha da parcela a ser quitada num pagamento parcial do devedor que tem
vários débitos em relação a um só credor.
Quando o devedor tem vários débitos em relação ao mesmo credor e paga quantia
insuficiente para a liquidação de todos, o problema que surge é o de saber quais os débitos
que devem ser considerados pagos, ou seja, com relação a que débitos o pagamento deve ser
imputado.
A imputação pode decorrer de acordo entre os interessados ou de determinações legais.
Havendo diversos débitos, todos líquidos e vencidos, garante a lei ao devedor o direito de
indicar quais os débitos que pretende pagar (art. 352 do CC).
Não declarando o devedor qual das dívidas pretende pagar e aceitando a quitação de uma
delas, não mais poderá apresentar reclamação posterior contra a imputação, salvo provando a
existência de dolo ou violência (art. 353 do CC). Assim sendo, na falta de declaração do
devedor, fica ao arbítrio do credor imputar o pagamento da maneira que preferir.
Supletivamente, ou seja, na falta de declaração de vontade dos interessados, o legislador
estabeleceu um sistema de preferência considerando que, havendo capital e juros, o
pagamento, no silêncio das partes, deve ser imputado primeiramente nos juros e depois no
capital (art. 354 do CC).

24. Dação em pagamento

Quando o credor consente em receber coisa diversa da que lhe é devida ocorre a datio in
solutum ou dação em pagamento.
Os elementos necessários da dação em pagamento são, pois, a existência de uma dívida e o
pagamento desta pela entrega de uma coisa diferente da prometida, com assentimento do
credor e visando à extinção da obrigação. A dação em pagamento extingue a obrigação, pouco
importando que a coisa dada em pagamento tenha valor maior ou menor do que a prestação
originariamente devida.
Havendo evicção, ou seja, reintegrando-se terceiro na propriedade da coisa dada em
pagamento ao credor, determina o Código que se restabelece a obrigação primitiva, ficando
sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros (art. 359 do CC).

25. Novação

A novação é a transformação de uma obrigação em outra, ou melhor, a extinção de uma


obrigação mediante a constituição de uma obrigação nova que se substitui à anterior,
distinguindo-se a prestação antiga da nova, seja pelo valor ou natureza da prestação, seja por
modificação do credor ou do devedor.
Para que haja novação são elementos necessários: a) uma obrigação anterior, embora possa
ser simples obrigação natural, condicional ou anulável; b) uma obrigação nova que extingue a
anterior; c) a vontade de realizar novação (animus novandi) extinguindo a obrigação anterior,
em virtude da criação da obrigação nova; e d) capacidade das partes para novar e para dispor.
Salvo estipulação em contrário, a novação extingue os acessórios e garantias da dívida
primitiva, desonerando os coobrigados que nela não intervieram (arts. 364 a 366 do CC).
A novação é objetiva ou real quando há modificação da prestação e subjetiva quando
ocorre mudança do credor ou do devedor. Não caracteriza a novação a simples modificação

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das modalidades (condições, termo ou encargo) ou das garantias dadas ao credor, sendo
necessária uma substituição do objeto da obrigação (prestação) ou da causa debendi.
A novação é subjetiva quando o antigo devedor é substituído por um devedor novo,
ficando exonerado da responsabilidade o antigo, ou quando o credor primitivo é substituído
por outro, extinguindo-se a dívida do devedor para com o primeiro e mantendo-se para com o
novo credor. A novação deriva de delegação quando há consentimento de todos os
interessados e extinção do débito para o substituído, ou da expromissão, quando a novação se
realiza independentemente do consentimento do devedor originário, por acordo entre o credor
e um novo devedor que assume a obrigação do anterior (art. 362 do CC).

26. Compensação

A compensação é meio de extinguir as dívidas de pessoas que, ao mesmo tempo, são


credora e devedora uma da outra até o limite da existência do crédito recíproco (art. 368 do
CC).
A compensação pode ser automática ou de pleno direito, judicial, quando depende de
decisão do magistrado, ou convencional, quando decorre de declaração de vontade das partes
interessadas, podendo ainda ser total, com a extinção de ambas as dívidas, ou parcial, quando
os créditos são de valor diverso, extinguindo-se um e mantendo-se o outro na parte excedente
ao crédito compensado.
A compensação só se efetua entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis (art. 369
do CC), havendo reciprocidade entre os créditos e débitos. Mesmo as coisas fungíveis só se
compensam quando forem da mesma qualidade.
Não impede a compensação a diferença de causa nas dívidas, salvo se um dos créditos
decorrer de esbulho, furto ou roubo, comodato, depósito ou alimentos ou se uma dívida for de
coisa insuscetível de penhora (art. 373 do CC).
Também não se admite a compensação nas dívidas fiscais, a não ser em virtude de lei
específica (art. 170 da Lei n. 5.172/66).
As partes podem renunciar à compensação ou excluí-la por mútuo acordo (art. 375 do novo
Código Civil).
A compensação é voluntária quando as partes a realizam em virtude de convenção, sem
que existam os requisitos estabelecidos pela lei para a compensação de pleno direito. É
também denominada compensação facultativa.
A compensação judicial é aquela realizada pelo juiz, em virtude da liquidação judicial de
um crédito anteriormente ilíquido.

27. Confusão

A confusão é a extinção da obrigação decorrente da identificação numa mesma pessoa das


qualidades de credor e devedor (art. 381 do CC).
Como a compensação, a confusão só pode ser alegada entre credor e devedor.
A confusão pode ser parcial ou total (art. 382 do CC). É total quando importa na extinção
da obrigação. É parcial quando tão-somente uma parte do crédito se extingue pela confusão.
A confusão extingue a obrigação principal e as obrigações acessórias; mas a confusão na
obrigação acessória (confusão do fiador e do credor) não importa em extinção da obrigação
principal (art. 384 do CC).

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28. Remissão de dívida

Remissão das dívidas é a renúncia do credor ao crédito que existe em seu favor,
necessitando, para se tornar irrevogável, o acordo de vontades do credor e do devedor. A
simples declaração do credor importa em extinção da dívida, mas pode ser revogada até o
momento em que o devedor aceita a remissão.
Se a dívida for solidária, a remissão feita a um dos devedores extingue a dívida na parte a
ele correspondente, só podendo o credor cobrar dos coobrigados solidários o débito
remanescente, descontando a quota que for objeto da remissão (art. 388 do CC).
Se a obrigação for indivisível e um dos credores fizer a remissão da dívida, a obrigação
não se extingue para os outros, que todavia só poderão exigi-la descontada a parte
correspondente ao credor que perdoou a dívida (art. 262 do novo Código Civil).

29. Transação

A palavra “transação” é utilizada em sentidos diversos. Na acepção mais ampla e menos


técnica, significa qualquer espécie de negócio. Em sentido restrito, é o negócio jurídico
bilateral pelo qual os interessados, por concessões mútuas, evitam ou terminam um litígio (art.
840 do CC).
Pela transação, as partes extinguem obrigações, não as substituindo normalmente por
outras, como ocorre na novação.
A transação também se distingue do ato de liberalidade em que uma das partes quer
beneficiar a outra, seja trazendo-lhe uma doação, seja perdoando uma dívida. Quando se
transige, há sempre uma dúvida ou um litígio que as partes pretendem eliminar a fim de obter
maior segurança nas suas relações jurídicas.
Pode ser judicial ou extrajudicial, conforme vise a terminar um processo ou evitar o seu
início. No primeiro caso, poderá ser feita por termo nos autos, assinado pelos transigentes e
devidamente homologado pelo juiz ou por escritura pública.
Nos termos do art. 842 do CC, a transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em
que a lei o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre
direitos contestados em juízo, será feita por escritura pública ou por termo nos autos, assinado
pelos transigentes e homologado pelo juiz.
A transação concluída entre o credor e o devedor desobriga o fiador, como aliás ocorre em
matéria de novação (art. 844, § 1º, do CC). Se houver transação entre um dos devedores
solidários e o credor, a dívida se extingue para os co-devedores solidários (art. 844, § 3º, do
CC).

30. Cláusula penal

A cláusula penal é um pacto acessório, regulamentado pela lei civil (arts. 408 a 416 do
CC), pelo qual as partes, por convenção expressa, submetem o devedor que descumprir a
obrigação a uma pena ou multa no caso de mora (cláusula penal moratória) ou de
inadimplemento (cláusula penal compensatória).
A cláusula penal se apresenta geralmente sob a forma de pagamento de determinada
quantia em dinheiro, admitindo-se todavia a cláusula cujo conteúdo seja a prática de ato ou
mesmo uma abstenção por parte do inadimplente.
A multa é convencionada no momento da realização do ato jurídico ou posteriormente,
revertendo em favor da parte inocente ou de terceiro (v. g., obra beneficente). O valor da

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multa deve ser determinável, recorrendo-se eventualmente a vários fatores para a fixação
definitiva do seu montante.
A cláusula penal é moratória quando se aplica em virtude de mora do devedor e sem
prejuízo da exigência da prestação principal.
Outras vezes, a cláusula penal se aplica no caso de infração do contrato, podendo então
substituir-se às perdas e danos, funcionando como verdadeira cláusula compensatória, ou
acrescer-se a elas, como complemento pela infração contratual. No silêncio do contrato,
entende-se que no caso de inadimplemento, e não de mora, a cláusula penal é compensatória e
não representa um acréscimo às perdas e danos. Assim, num contrato de locação por tempo
determinado, o locatário abandona o prédio antes do termo fixado e existe no contrato uma
multa na hipótese de infração contratual. O locatário pode pagar a multa, não devendo mais
nada (art. 4º da Lei n. 8.245, de 18-10-1991).
O CC tem dois artigos que impõem limites para a estipulação da cláusula penal. O primeiro
é o art. 412 que veda ter a cláusula penal valor superior ao da obrigação principal. O segundo
atribui ao juiz o dever de reduzir a cláusula eqüitativamente, quando a obrigação tiver sido
parcialmente cumprida ou na hipótese de a penalidade ser manifestamente excessiva, tendo
em vista a natureza e a finalidade do negócio (art. 413).

31. Arras ou sinal

As arras constituem quantia ou coisa móvel dada por uma das partes à outra, em garantia
da conclusão de um contrato.
As arras podem ser em dinheiro ou em outros bens fungíveis. Se houver a execução do
contrato, o sinal poderá ser restituído ou computado como parte do pagamento do devido (art.
417, parte final, do CC).
Nos termos do art. 420 do CC, se as partes convencionam a possibilidade de
arrependimento, as arras são consideradas penitenciais e terão função unicamente
indenizatórias. Nesta hipótese, não haverá a restituição do sinal para aquele que o deu ou, se o
arrependimento for da outra parte, haverá restituição do equivalente ao valor dado como arras.
O legislador determinou, ainda, que não poderá ser exigida indenização suplementar.
Ressalta-se que, se as arras não constituem início do pagamento, devem ser devolvidas
quando o contrato é executado ou desfeito independentemente de culpa.
As arras se distinguem da cláusula penal pois, nesta, há promessa de pagamento, enquanto
naquela o pagamento é feito desde logo, no momento da celebração do contrato,
independentemente de qualquer infração. Funcionando ambos os institutos como limitações
da indenização na hipótese de inadimplemento, nas arras penitenciais o pagamento é prévio,
por antecipação mediante entrega real da quantia, enquanto na cláusula penal a parte
inadimplente se compromete condicionalmente (na hipótese de inadimplemento ou de mora) a
pagar certa quantia previamente fixada.

32. Transmissão das obrigações

A transmissão das obrigações pode apresentar-se sob a forma ativa (cessão de crédito) ou
passiva (assunção de dívida ou cessão de débito), entre pessoas vivas (inter vivos) ou em
virtude de falecimento (mortis causa), podendo ser a título universal, quando abrange todos os
bens ou uma fração da totalidade dos bens do cedente (como ocorre em relação ao herdeiro),
ou a título singular, quando só se refere a um crédito específico (v. g., um crédito contratual,
que foi cedido).

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A assunção de dívida é um negócio jurídico pelo qual um terceiro assume a dívida em


lugar do devedor, com ou sem aceite deste.
O CC admite expressamente a assunção de dívida nos arts. 299 e s., tornando inequívoco
que: “É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso
do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era
insolvente e o credor o ignorava” (art. 299).
Além disso, o parágrafo único do art. 299 trata da manifestação do credor sobre o negócio
realizado e determina que pode ficar estipulado um prazo para que ele consinta na assunção
da dívida, e, caso não o faça, o silêncio será interpretado como a reprovação da respectiva
cessão de débito.
Como aplicações específicas da assunção de dívida, o CC se refere ao caso do adquirente
do imóvel hipotecado que se responsabiliza pelo pagamento do débito hipotecário. Neste
caso, o banco não é obrigado a aceitar qualquer devedor, pois concede crédito a alguém que,
em princípio, poderá pagar, dependendo dos rendimentos, emprego e outros fatores. O CC diz
que o credor, sendo notificado, deve impugnar a transferência em trinta dias; se não o faz,
“entender-se-á dado o assentimento”, conforme o seu art. 303.

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CAPÍTULO II – TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

1. Noção de contrato

O contrato é um negócio jurídico bilateral, pois depende de no mínimo duas declarações de


vontade, visando criar, modificar ou extinguir obrigações (direitos relativos de conteúdo
patrimonial).

2. Princípios básicos do direito contratual

Liberdade de contratar é a faculdade de realizar ou não determinado contrato, enquanto a


liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato. A primeira se
refere à possibilidade de realizar ou não um negócio, enquanto a segunda importa na fixação
das modalidades de sua realização.
A liberdade no plano contratual tem sofrido amplas restrições, especialmente no tocante à
faculdade de fixar o conteúdo do contrato (liberdade contratual), pois muitos contratos são
hoje verdadeiros contratos de adesão, cujo texto depende de aprovação prévia de organismos
governamentais.
Em tese, a liberdade contratual só sofre restrições em virtude da ordem pública, que
representa a projeção do interesse social nas relações interindividuais. O dirigismo contratual
diminuiu e restringiu a autonomia da vontade, em virtude da elaboração de uma série de
normas legislativas fixando princípios mínimos que os contratos não podem afastar (salário
mínimo, tabelamento de gênero, fixação de percentagens de juros).
O Código Civil, , em seu art. 422, adotou a cláusula geral de boa-fé, também denominada
pela doutrina de boa-fé objetiva, tanto na conclusão do contrato quanto na sua execução.
A regra de boa-fé objetiva configura-se como cláusula geral e, portanto, corresponde a uma
técnica legislativa que busca garantir a relação entre o direito e a realidade social,
possibilitando a existência de um sistema jurídico aberto com constantes adaptações das
normas legais às exigências do mundo de relações e da alteração dos seus valores com o
tempo. Assim, a cláusula geral fornece um ponto de partida para se alcançar resultados justos
e adequados.
É preciso ressaltar, ainda, que não se iguala ao sentido dado à boa-fé subjetiva, que implica
um estado de conhecimento do sujeito, isto é, representa algo psicológico que presume a
ignorância da real situação jurídica. Na boa-fé subjetiva, analisa-se o conhecimento ou a
ignorância de determinada situação, levando em conta os deveres de diligência que se espera
de um homem mediano. Relaciona-se com fatores do sujeito e com os cuidados que deve ter
nas suas relações com terceiros. É o caso do art. 1.201 do CC: “É de boa-fé a posse, se o
possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”.

3. Formação do contrato

O contrato, como acordo de vontades, pressupõe uma proposta, denominada policitação,


feita por uma das partes – o policitante ou proponente – à outra – o oblato ou solicitado.
Quando há aceitação, o oblato torna-se aceitante. Os dois elementos imprescindíveis para a
formação do contrato são a solicitação ou proposta e a aceitação.
Antes de aceitar, uma das partes pode pretender apenas obter informações, para saber se
interessa ou não o contrato. Assim, indagações, apontamentos, minutas, visitas, contas, troca
de cartas para esclarecimentos, não vinculam as partes. O contrato poderá ou não se realizar.

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Essas são as chamadas negociações preliminares.


A proposta de contrato obriga o proponente, como toda declaração unilateral de vontade,
se o contrário não resultar dos seus termos, da natureza do negócio ou das circunstâncias do
caso, deixando todavia a policitação de ser vinculatória se feita sem prazo a pessoa presente,
não for aceita imediatamente ou se, feita a pessoa ausente, esta não responder dentro do prazo
estipulado ou de prazo razoável.
Deixa também de obrigar o proponente a policitação quando, antes ou simultaneamente
com ela, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente (arts. 427 e 428 do
CC).
O CC estabeleceu regra específica para a oferta destinada ao público em geral. De acordo
com o seu art. 429, a oferta ao público equivale à proposta, se contiver todos os requisitos
essenciais do contrato e desde que as circunstâncias e os usos não estabeleçam o contrário.
Entretanto, ela pode ser revogada pela mesma via da sua divulgação, desde que a própria
oferta mencione essa faculdade (parágrafo único do art. 429).
Quanto ao lugar, reputa-se celebrado o contrato onde foi proposto (art. 435 do novo
Código Civil). O problema se reveste da maior importância em direito privado, pois, “para
qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”, e “a
obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”
(art. 9º e § 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-lei n. 4.657, de 4-9-1942).
Havendo contraproposta, será considerado o lugar em que foi feita, equiparando-se a
aceitação condicional, que, no fundo, constitui nova proposta.
Geralmente os contratos não tenham formas solenes, algumas vezes há necessidade de
escritura pública (venda de imóvel de valor superior a certa quantia), passando a ser o
instrumento público essencial para a validade do negócio jurídico (art. 109 do CC), ou de
documento escrito (doação que não seja de pequeno valor; autorização para sublocar na
sistemática da Lei do Inquilinato). Quando, todavia, não há exigência legal quanto à forma,
pode o contrato tanto ser verbal como escrito, realizando-se por documento particular ou
público.

4. Efeitos dos contratos

Os contratos alcançam as partes interessadas, que são os sujeitos ativos e passivos da


relação jurídica, assim como seus sucessores (herdeiros, cessionários), não podendo todavia
prejudicar ou beneficiar terceiros sem declaração de vontade por parte destes de que aceitam
os efeitos contratuais sobre o seu patrimônio.
Para o não contratante que não sucede ao contratante, o contrato é res inter alios acta,
relação jurídica entre as partes contratantes, sem nenhum efeito sobre o patrimônio do
terceiro.

5. Promessa pelo fato de terceiro

O art. 439 do CC admite explicitamente a possibilidade de ser prometido fato de terceiro,


com ou sem conhecimento ou consentimento deste. A promessa não vincula, todavia, o
terceiro, salvo declaração de vontade deste, resolvendo-se em perdas e danos que o promitente
deverá pagar ao outro contratante, na hipótese de inadimplemento. Nesta hipótese, a
indenização deve ser ampla, abrangendo tanto o dano emergente como o lucro cessante.

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6. Estipulação em favor de terceiro

A estipulação em favor de terceiro é o contrato pelo qual se cria, para terceiro, um direito
novo e próprio. Exemplo: seguro de vida.
Na estipulação existem três sujeitos, dois certos e um condicional, sendo o estipulante, que
estipula em favor de terceiro, o promitente, que se obriga a realizar a prestação em favor de
terceiro, e finalmente o terceiro, pessoa determinada ou determinável, em favor de quem a
prestação deve ser executada.
Os direitos e deveres oriundos da estipulação surgem independentemente da aceitação do
terceiro, mas, em certos casos, uma vez que o terceiro tenha manifestado a sua aceitação, não
poderão os contratantes fazer o distrato sem intervenção do terceiro, nem poderão, sem o seu
consentimento, modificar a identidade do beneficiário ou as modalidades da prestação.
Enquanto o terceiro não aceita os efeitos da estipulação, há obrigatoriedade desta, mas as
partes podem alterar a convenção de comum acordo.

7. Contrato com pessoa a declarar

Neste tipo de contrato, uma das partes tem a faculdade de, nos termos estipulados no
instrumento contratual ou na lei, indicar outra pessoa que irá adquirir direitos ou assumir
obrigações nele previstas, desde o momento em que foi celebrado (arts. 467 a 469 do CC).
Entretanto, caso não haja indicação de terceira pessoa ou a indicação não seja aceita por ela
ou, ainda, se a pessoa indicada for insolvente ou incapaz no momento da indicação, o contrato
somente produzirá efeitos entre os contratantes originários (arts. 470 e 471).

8. Vícios redibitórios

Vício redibitório é o defeito oculto que desvaloriza ou torna a coisa imprópria ao uso.O
vício redibitório se distingue do defeito visível, aparente ou ostensivo, por um lado, e do erro,
vício da vontade, por outro.
O vício redibitório é, pois, oculto, impedindo o uso normal da coisa, ignorado pelo
adquirente, e existente no momento da execução do contrato e subsistente na época do
exercício da ação própria.
Se o vício vier a surgir depois da execução do contrato, não pode ser atribuída a
responsabilidade ao vendedor, salvo se o comprador puder provar que decorre de outro
defeito já existente por ocasião do contrato. Perecendo a coisa, em virtude de caso fortuito ou
culpa do comprador, este não pode acionar o vendedor. Se ao contrário o desaparecimento do
objeto for conseqüência do vício, cabe o exercício da ação redibitória.
A teoria da responsabilidade pelos vícios redibitórios se aplica atualmente a todos os
contratos comutativos, ou seja, àqueles em que há equivalência das prestações das partes,
como também à doação onerosa (art. 441 e parágrafo único do CC).
A renúncia à garantia pelos vícios redibitórios pode ser expressa, mediante cláusula
contratual ou aditamento ao contrato, ou tácita, quando o adquirente, não intentando as ações
próprias, prefere realizar, por sua própria conta, as reformas ou consertos necessários para
corrigir os defeitos existentes.
Os prazos para o exercício da ação redibitória são de decadência, não se suspendendo, nem
sendo suscetíveis de interrupção, começando a correr a partir da entrega ou da tradição do
objeto ao adquirente.
Contudo, o art. 445, § 1o. do CC estabelece que, quando o vício, por sua natureza, só puder

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ser conhecido mais tarde, o prazo será contado da data da ciência da sua existência até o
máximo de cento e oitenta dias, para bens móveis, e um ano, para os imóveis.
Em relação aos vícios ocultos nos negócios de compra e venda de animais, o prazo de
garantia deve ser especificado em lei especial, ou, se esta não existir, considerar-se-ão os usos
e costumes locais, nos termos do art. 445, § 2º, do CC. Este dispositivo determina a aplicação
do prazo especificado no seu § 1º – 180 dias para bens móveis e um ano para bens imóveis,
quando não houver lei específica, nem regra consuetudinária, mas consideramos que se
equipara aos móveis.

9. Evicção

A evicção é o fato em virtude do qual o adquirente perde a posse ou a propriedade de


determinado objeto, em virtude de sentença judicial, que as atribui a terceiro, reconhecendo
que o alienante não era titular legítimo do direito que transferiu.
Caracteriza, pois, a evicção a perda da posse ou da propriedade de um bem, pelo
adquirente, em virtude de sentença judicial, na qual se declara que o alienante não tinha
qualidade para realizar a alienação.
O terceiro que realiza a evicção é o evictor, titular legítimo do direito. O adquirente é o
evicto, pois sofre a evicção, perdendo o direito que acreditava ter legitimamente adquirido. O
alienante é o responsável pelos prejuízos decorrentes da evicção, pois transmitiu um direito
inexistente ou viciado, ou seja, um direito alheio.
Para que haja evicção é preciso que:
1. em contrato oneroso, exista um vício no direito do alienante transferido ao adquirente;
2. seja o vício anterior à alienação;
3. haja sentença, transitada em julgado, em virtude da qual o adquirente perdeu o uso, a
posse ou o domínio da coisa alienada.
Quando o objeto da evicção se identifica completamente com o da alienação, a evicção é
total; quando, ao contrário, a evicção só recai sobre uma parte do objeto da alienação, ela é
parcial.
A garantia do alienante pelos prejuízos decorrentes da evicção existe nos contratos
onerosos, podendo as partes, mediante cláusula contratual, reforçar, diminuir ou excluir a
responsabilidade decorrente da lei (art. 448 do CC). Ademais, essa garantia subsiste mesmo
em casos de aquisição em hasta pública (art. 447 do CC).
As garantias do adquirente podem ser reforçadas mediante uma caução ou fiança ou
mesmo por garantia hipotecária a fim de assegurar, com um patrimônio de terceiro ou com
certos bens específicos pertencentes ao alienante, o pagamento da indenização devida na
hipótese de evicção. A lei dá assim maior liberdade às partes para a ampliação da garantia
legal no caso de evicção, devendo os contratantes fixar as garantias suplementares no
instrumento em que estabelecem as condições do negócio jurídico ou em ato posterior.

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CAPÍTULO III - CONTRATOS EM ESPÉCIE

1. Da compra e venda e da troca

A compra e venda distinguiu-se da troca ou permuta por importar na transferência de


mercadorias de uma parte contratante para a outra, mediante o pagamento de determinada
quantia de moedas.
O CC define a compra e venda como o contrato pelo qual um dos contratantes se obriga a
transferir o domínio de certa coisa, e o outro a pagar-lhe certo preço em dinheiro (art. 481).
A compra e venda é um contrato bilateral (cria obrigações para ambas as partes), oneroso
(não importa em liberalidade), podendo ser comutativo ou aleatório. Geralmente é
comutativo, havendo equivalência aproximada das prestações e certeza quanto ao valor de
ambas. Excepcionalmente, pode ser aleatório, na hipótese de surgir dúvida quanto à existência
de uma das prestações (venda de mercadoria que se encontra em navio que pode ter
naufragado, venda de colheita futura, venha ou não a haver safra – emptio spei) ou quanto ao
valor dela (emptio rei speratae, venda de colheita desde que haja safra, qualquer que seja o
seu valor).
São elementos essenciais da venda a existência do objeto (res), do preço (pretium) e do
consenso (consensus). Esses elementos estão perfeitamente especificados no art. 482 do CC.
O contrato se torna perfeito com a combinação entre as partes do objeto da venda, do preço
e das modalidades de pagamento.
O contrato de compra e venda pressupõe a capacidade geral, devendo tanto o comprador
como o vendedor ser capazes de fato ou, se incapazes, estar devidamente assistidos ou
representados, exigindo, em alguns casos, legitimação.
Assim, embora tenha a capacidade geral, o falido não pode alienar os seus bens, e mesmo a
pessoa solvente não pode alienar bens arrestados, seqüestrados ou penhorados. A venda,
sendo ato de disponibilidade, exige autorização do juiz quando o alienante é incapaz (arts.
1.691, 1.747 e 1.750 do CC).
Para evitar litígios na família exige-se, sob pena de anulação do negócio, que na venda dos
ascendentes para os descendentes haja o consentimento expresso dos outros descendentes e do
cônjuge (art. 496 do CC), a fim de evitar que a doação seja simulada em compra e venda.
A lei também veda, sob pena de nulidade, aos tutores, curadores, testamenteiros,
administradores a aquisição dos bens confiados à sua guarda ou administração, estendendo tal
proibição aos funcionários públicos, aos juízes, demais serventuários e auxiliares da Justiça e
aos leiloeiros, nos casos expressamente mencionados no art. 497 do CC, a fim de evitar
conluios ou fraudes. O legislador ressaltou ainda que essa proibição estende-se aos casos de
cessão de crédito (art. 497, parágrafo único).
A compra e venda não requer forma especial, embora possa esta ser exigida para a
transferência da propriedade.

2. Hipóteses especiais de compra e venda (cláusulas especiais)

a) Venda por Amostra


Na venda por amostras, protótipos ou modelos, o vendedor garante ao comprador que a
mercadoria alienada tem as qualidades correspondentes às da amostra (art. 484 do CC). Além
disso, o novo Código deixa claro que, se houver contradição ou diversidade entre a descrição
da coisa no contrato e as características das amostras, dos protótipos ou dos modelos,
prevalecem estas últimas (parágrafo único do art. 484).

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Trata-se, pois, de uma espécie de venda condicional que somente se torna perfeita e
acabada comprovando-se a identidade da mercadoria ou do objeto entregue com a amostra
que deu margem ao pedido.
b) Venda “ad corpus” e “ad mensuram”
Há duas modalidades na venda de terras ou terrenos: a venda ad corpus é a alienação de
imóvel, como coisa certa e discriminada, sendo apenas enunciativa ou descritiva a referência
às dimensões.
Já a venda “ad mensuram” faz-se o preço por medida de extensão, situação em que a
mesma passa a ser condição essencial ao contrato efetivado.
c) Retrovenda
A cláusula de retrovenda consiste na faculdade que se reserva o vendedor de reaver o
imóvel vendido devolvendo ao comprador o preço, as despesas feitas pelo adquirente (custas
de escritura e impostos), incluindo aquelas efetuadas com a sua autorização escrita no período
de resgate ou para a realização de benfeitorias necessárias (art. 505 do CC).
A retrovenda só se aplica aos imóveis e pode ser exercida durante um prazo de caducidade
de, no máximo, três anos a partir da data da venda (art. 505 do CC).
A retrovenda tem efeitos reais, valendo inclusive contra terceiros, se o comprador
transferiu o seu direito dentro do prazo de exercício da retrovenda, funcionando como
verdadeira cláusula resolutória da propriedade (art. 1.359 do CC), e extinguindo todos os
direitos de terceiros posteriores à alienação primitiva (hipoteca, anticrese, promessa
irretratável de venda etc.).
d) Venda a contento e venda sujeita a prova (arts. 509 a 512 do novo Código Civil)
Venda a contento é a alienação que depende de aprovação do comprador, funcionando esta
como condição suspensiva para a efetivação do negócio, ainda que a coisa já tenha sido
entregue. É muito conhecida tal espécie de venda no tocante a vinhos, perfumes, livros e
alimentos em geral.
O CCl trouxe a figura da venda sujeita a prova, que se assemelha à venda a contento, na
medida em que também se presume feita sob condição suspensiva de que a coisa tenha as
qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina (art. 510).
Até a aceitação da venda, tanto na venda a contento quanto na venda sujeita a prova, o
comprador é equiparado ao comodatário (art. 511 do CC).
e) Preferência ou preempção
A preferência ou preempção é uma faculdade pessoal que se assegura ao vendedor para
readquirir a coisa vendida em igualdade de condições com um terceiro comprador, na
hipótese de revenda do bem. Na hipótese de exercício do direito de preferência, o comprador
fica obrigado a pagar o preço nas condições ofertadas ou ajustadas.
O CC estipulou um prazo máximo para o exercício do direito de preferência, sendo de
cento e oitenta dias, se a coisa for móvel, ou de dois anos, se imóvel (art. 513, parágrafo
único).
Distingue-se da retrovenda por ser aplicável tanto a móveis como a imóveis, importando
apenas na criação de um direito obrigacional, que se resolve em perdas e danos, e não num
direito real, como ocorre na retrovenda.
O direito de preferência é intransferível por ato mortis causa ou inter vivos. Ciente da
venda que está para ser realizada, o titular do direito de preferência pode notificar o alienante
de sua vontade de exercê-la, adquirindo o bem.
Existindo preferência em favor de mais de uma pessoa, só poderá ser exercido em relação à
totalidade do objeto, ou seja, à coisa em seu todo, não se admitindo exercício parcial do
direito de preferência que viria cindir a venda.

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A preferência tem sido assegurada, por lei, ao locatário para aquisição do imóvel
residencial alugado, em condições de igualdade com qualquer terceiro interessado na compra
do prédio, tendo todavia efeitos pessoais, ou seja, resolvendo-se em perdas e danos. A Lei do
Inquilinato (Lei n. 8.242/91) lhe dá efeitos reais (art. 33).
f) Pacto de melhor comprador e pacto comissório
O pacto de melhor comprador é a faculdade concedida ao vendedor, pelo contrato, de
rescindir a venda já realizada se dentro de certo prazo aparecer melhor comprador, aplicando-
se somente aos imóveis. Vale o pacto de melhor comprador como verdadeira condição
resolutiva, assegurando-se, todavia, ao primeiro comprador a preferência para manter a venda
feita em seu favor, caso pague preço igual ao do melhor comprador encontrado no prazo de
exercício do pacto.
O Código Civil deixou de disciplinar o pacto de melhor comprador, sob a justificativa do
desuso dessa figura contratual tipificada pelo Código de 1916. Entretanto, nada impede que as
partes, usando da sua autonomia da vontade, estipulem de forma similar, observado o regime
dos negócios jurídicos.
g) Venda sobre documentos
A definição desse instituto é dada pelo art. 529, de modo que se caracteriza não pela
tradição da coisa, mas pela entrega do seu título representativo e dos outros documentos
exigidos pelo contrato, ou até, caso o contrato nada mencione, pelos usos.
Ao comprador não cabe recusar o pagamento alegando vício ou estado da coisa vendida,
uma vez que a documentação esteja em ordem, ressalvados os casos em que o defeito tiver
sido comprovado (parágrafo único do art. 529).
Salvo estipulação em contrário, o pagamento deverá ser efetuado na data e no lugar da
entrega dos documentos (art. 530).
Usa-se tal modalidade no comércio internacional, em que se prova o embarque das
mercadorias, por exemplo, pelo conhecimento marítimo, em geral contendo as cláusulas CIF
(cost, insurance, freight = custo, seguro e frete incluídos) ou FOB (free on board = livre a
bordo).

3. Doação

Doação é o negócio jurídico pelo qual alguém se obriga a transferir, por liberalidade, bens
ou vantagens do seu patrimônio para outra pessoa.
Os caracteres essenciais da doação são o enriquecimento do donatário, o animus donandi, a
atualidade da atribuição patrimonial e a irrevogabilidade.
É preciso que o donatário aceite a doação, salvo se absolutamente incapaz. A lei presume,
todavia, a aceitação quando o doador fixou prazo para que o donatário o aceitasse, tratando-se
de doação sem encargo e o donatário não se manifestou nesse período (art. 539 do CC).
A pessoa casada não pode fazer doações sem o consentimento do outro cônjuge, salvo
sendo remuneratórias, de bens comuns ou dos que possam integrar futura meação. Essa
proibição, entretanto, não vale se os cônjuges forem casados em regime de separação absoluta
(art. 1.647 do CC).
Atendendo-se ao interesse do donatário, admite-se que os absolutamente incapazes possam
receber doações puras, sem a necessidade da sua aceitação (art. 543 do CC). Também se
considera válida a doação feita ao nascituro quando aceita pelo seu representante legal (art.
542 do CC).
As doações remuneratórias são aquelas que visam uma compensação do donatário por
serviços prestados ou por ato praticado. É preciso distinguir no caso a doação da dação em

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pagamento. Esta existe havendo preço combinado para uma prestação de serviços e pagando o
devedor com um objeto determinado, mediante acordo nesse sentido entre as partes. A doação
surge quando não existe essa proporção exata entre as prestações, não havendo nem mesmo
um direito do credor de exigir judicialmente o pagamento de uma prestação fixa.
As doações podem ser reversíveis, quando as partes estipulam que, em virtude da morte do
donatário, voltarão os bens doados ao doador se ainda estiver vivo. Nesta hipótese, operando
tal cláusula como resolutória do contrato, terá ela efeitos retroativos, anulando as alienações
feitas pelo donatário e fazendo os bens reverterem livres de quaisquer ônus ao doador.
As doações ainda podem ser continuadas, quando revestem a forma de pagamento em
períodos sucessivos, que, salvo outra indicação do doador, só são devidas enquanto ele estiver
vivo e não poderão subsistir após a morte do donatário.
A doação é ineficaz quando realizada em desobediência às normas legais, podendo ser nula
ou anulável.
A revogação ocorre na hipótese de ingratidão do donatário, constituindo faculdade que o
doador poderá exercer na forma dos arts. 557 a 564 do CC, sendo considerada nula qualquer
estipulação pela qual o doador previamente renuncie à possibilidade de revogação nos casos
de ingratidão do donatário. A revogação deve respeitar os direitos de terceiros e pode decorrer
também da inexecução de encargos (art. 555 do CC).
A resolução da doação decorre da existência de condição resolutiva ou termo final,
extinguindo-se a liberalidade, passando a ser considerada como inexistente desde o início e
desaparecendo todos os seus efeitos e, inclusive, os eventuais direitos de terceiros, pois a
resolução do direito fundamental importa em caducidade dos direitos derivados.
A redução das doações se justifica quando o valor destas ultrapassa a parte disponível, da
qual o doador poderia dispor em testamento no momento da liberalidade, ferindo assim os
direitos dos seus herdeiros necessários (art. 549 do CC).

4. Da locação

No direito romano, vários contratos foram abrangidos pela denominação de locatio


conductio, que tinha três modalidades: locatio rei (ou rerum): locação de coisas; locatio operis
faciendi: locação de obra, ou empreitada; e locatio operarum: locação de serviços.
Mas a evolução do direito alterou a classificação romana. Assim, os Códigos mais recentes
disciplinam o contrato de prestação de serviços, o contrato de trabalho, a empreitada, o
contrato de aprendizagem, o de agência, o de trabalho doméstico, o de expedição, o de
transporte e outros, como figuras autônomas. A locação ficou restrita à de coisas, com um
regime especial para os imóveis.
Locação é o contrato em que uma das partes se obriga a ceder à outra o uso e gozo de coisa
infungível, mediante remuneração.
A parte que cede o uso e gozo diz-se locador, senhorio ou arrendador; a que recebe a coisa
chama-se locatário, inquilino ou arrendatário.
A remuneração ou o preço pago diz-se aluguel, aluguer ou renda. Pode fazer-se em
dinheiro ou outra utilidade.
A locação é contrato bilateral, consensual, oneroso, comutativo, impessoal e de duração,
ou de execução sucessiva. É bilateral porque acarreta obrigações interdependentes de ambas
as partes. É consensual porque basta o acordo de vontades. Não é contrato real, porque não se
exige a entrega da coisa para aperfeiçoar o contrato, isto é, mesmo antes da entrega o contrato
já está perfeito.
É oneroso porque, se for gratuito, constitui comodato (empréstimo de coisa não fungível).

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É impessoal porque não se leva em conta a pessoa do contratante, sendo admitida, em tese, a
cessão. É contrato de duração, porque se prolonga no tempo.
Podem ser locadas coisas móveis e imóveis, infungíveis e não consumíveis. Não podem ser
locadas as coisas fungíveis, pois neste caso o contrato se transforma em mútuo oneroso. Não
o podem ser também os bens públicos de uso comum. Admite-se que certos bens incorpóreos
também possam ser locados, como o fundo de comércio e patente de invenção. A coisa pode
ser do locador ou não; é válida a locação de coisa alheia.

5. Da locação predial urbana

As leis de locação predial foram chamadas de Leis do Inquilinato, porque supostamente


pretendiam defender ou proteger o inquilino.
Em 18-10-1991, editou-se a Lei n. 8.245, que, como se vê da ementa, “dispõe sobre as
locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes”. Tal como em parte
ocorria nas anteriores, a Lei n. 8.245/91 foi além e regulou melhor e com alterações alguns
processos referentes às locações de imóveis.
Mesmo sendo lei especial, se for omissa, aplica-se o Código Civil, supletivamente. A lei se
refere aos contratos em shopping centers, que passam a incluir-se na locação.
A lei sistematizou melhor a matéria, começando pelas disposições gerais, aplicáveis a
todas as locações de imóveis urbanos, passando para as especiais, com a locação residencial e
a não residencial e cuidando da parte processual, em que trouxe inovações quanto às ações de
despejo, consignação, revisional e renovatória, alterando e extinguindo a Lei de Luvas e
outras leis especiais (art. 90).

6. Da empreitada

A empreitada costuma ser definida como o contrato pelo qual alguém se obriga a fazer
determinada obra para outrem, mediante retribuição.
Em virtude do contrato de empreitada pode ocorrer a modificação de um bem móvel ou
imóvel ou a realização de um trabalho científico, intelectual ou artístico, tratando-se de um
instituto de alta relevância não apenas no direito civil, mas também no direito empresarial e
no direito administrativo.
O contrato de empreitada é consensual, bilateral, oneroso e comutativo, podendo,
conforme o caso, ser de execução imediata ou contínua, realizado intuitu personae ou
livremente transferível (art. 626 do CC), tudo dependendo das circunstâncias peculiares do
contrato e da convenção das partes.
O dever primordial do empreiteiro é realizar a obra ou serviço no prazo e nas condições
convencionadas ou de acordo com os usos locais, respondendo pela sua solidez. Na hipótese
de mora do empreiteiro ou de defeitos na obra, o dono pode optar entre receber a obra e exigir
abatimento do preço ou rescindir o contrato pedindo perdas e danos (arts. 615 e 616 do CC).
Considera-se imperfeita a obra quando o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e
dos planos dados, assim como das regras técnicas peculiares aos trabalhos da mesma natureza.
Havendo qualquer modificação do plano inicial por parte do dono da obra, deverá ser
assinado documento escrito determinando as alterações. Nesse sentido é o art. 621 do CC.
Entretanto, o mesmo dispositivo legal traz duas exceções e permite modificações quando:
a) fique demonstrada a inconveniência ou excessiva onerosidade da execução do projeto
original, por motivos supervenientes ou razões de ordem técnica, e b) quando as alterações
forem de pouca monta, ressalvada a unidade estética da obra projetada.

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Sendo a empreitada de mão-de-obra e de material, os riscos referentes a este correrão por


conta do empreiteiro até a entrega da obra a quem a encomendou.
A conclusão da obra com o respectivo pagamento é a forma normal de extinção do
contrato de empreitada. As partes que convencionaram a empreitada, por comum acordo,
podem realizar um distrato, ocorrendo assim a extinção por vontade das partes. O perecimento
do objeto, o falecimento de uma das partes sendo o contrato intuitu personae (art. 626 do CC),
a desapropriação do bem, a força maior e o caso fortuito são outras tantas causas de extinção
da empreitada.
Se houver inadimplemento ou culpa por parte do empreiteiro, assiste ao dono da obra o
direito de rescindir o contrato, de acordo com a cláusula resolutiva tácita, aplicável a todos os
contratos bilaterais, o mesmo acontecendo na hipótese de inadimplemento por parte do dono
da obra, justificando então a rescisão a pedido do empreiteiro.

7. Da prestação de serviço

É aquele pelo qual uma pessoa estipula uma atividade lícita, em caráter eventual e
autônomo, sem subordinação do prestador e mediante remuneração.
Já vimos, no capítulo das locações, que, no direito romano, havia três figuras com nomes
começando pela palavra locatio: locatio rerum, locatio operis e locatio operarum. A primeira é
a locação de coisas; a segunda (locação de obra) é o que se chama de empreitada; a terceira, o
que se chamou, no Código Civil de 1916, de locação de serviços e que hoje se considera mais
adequado chamar de prestação de serviços, terminologia adotada pelo novo Código Civil.
O CC regula a matéria nos arts. 593 a 609 ao admitir que se contrate qualquer serviço, mas
inova ao acrescentar:
“Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei
especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo.
Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser
contratada mediante retribuição”.
O tempo máximo do contrato, se não fixado, é de quatro anos (art. 598 do CC). Neste caso,
qualquer das partes pode rompê-lo, se quiser, com aviso prévio (como no direito do trabalho).
O novo Código Civil corrigiu o termo “rescindir” (do art. 1.221) por “resolver”, assim
estabelecendo no art. 599: “Não havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir da
natureza do contrato, ou do costume do lugar, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante
prévio aviso, pode resolver o contrato”.
Em caso de prazo certo, só deve o prestador despedir-se por justa causa (art. 602 do CC).
Se o prestador de serviços for despedido sem justa causa, tem direito a receber por inteiro a
retribuição vencida e a metade do que faltar até o fim do contrato (art. 603).
O contrato só admite transferência com acordo da outra parte, ou seja, não se pode mandar
alguém em lugar da parte (art. 605 do CC), donde se segue que é personalíssimo (ou intuitu
personae)

8. Do empréstimo

O empréstimo é a convenção pela qual uma das partes recebe coisa alheia para utilizá-la e,
em seguida, devolvê-la ao legítimo proprietário.
A finalidade do empréstimo pode ser o simples uso, como ocorre nas coisas infungíveis, ou
o consumo, como acontece nos bens fungíveis. Distingue-se assim o a) comodato,
empréstimo gratuito, de coisas infungíveis para utilização pelo comodatário, mantendo-se,

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todavia, a sua substância inalterada e devolvendo-se as coisas recebidas ao comodante, do b)


mútuo, empréstimo de coisas fungíveis, para consumo, em que o mutuário se torna um
verdadeiro proprietário da coisa mutuada, podendo usá-la e consumi-la, cabendo-lhe restituir
objeto de igual qualidade e valor, sendo a identificação genérica e não individual.
O comodato consiste na cessão gratuita e temporária da utilização de coisa infungível.
Ressalta-se que, em relação ao comodato, as regras do novo Código Civil seguem quase que
completamente as já existentes no Código de 1916.
Já o mútuo consiste na transferência da propriedade da coisa mutuada, obrigando-o a
restituir ao mutuante o que dele recebeu, em coisa do mesmo gênero, quantidade e qualidade,
podendo ser gratuito ou oneroso. Caracteriza-se o mútuo pela translação do domínio, em
virtude da qual os riscos da coisa se transferem para o mutuário, cuja obrigação de restituir
perdura, mesmo na hipótese de destruição da coisa por força maior ou em virtude de caso
fortuito, pois res perit domino (o risco pelo perecimento da coisa corre por conta do
proprietário), e o gênero presumidamente nunca perece.
O mútuo também é chamado empréstimo de consumo, e só pode ser realizado pelo
proprietário da coisa mutuada, sob pena de importar em ato nulo para o direito civil e ilícito
penal punido como se estelionato fosse (CP, art. 171, § 2º, I), segundo a melhor doutrina.
Ao lado do contrato típico de mútuo, conhecemos o contrato de abertura de crédito ou
promessa de mútuo, com traços peculiares, pela qual se assegura a alguém, mediante
determinada comissão, a possibilidade de utilizar por certo prazo um crédito limitado ou
ilimitado, convencionando-se juros para o financiamento. Ao contrário do mútuo, a abertura
de crédito é contrato consensual.
O mútuo em que as partes estipulam o pagamento de juros é denominado mútuo
feneraticio.

9. Do depósito

O contrato de depósito importa na guarda temporária de um bem móvel pelo depositário


até o momento em que o depositante o reclame (art. 627 do CC).
O depósito, pela sua finalidade básica de custódia da coisa, distingue-se do comodato, em
que o comodatário recebe a coisa para a sua utilização, e da locação de coisa, que têm a
mesma razão de ser, embora sendo onerosa. Normalmente, o depositário não pode utilizar a
coisa depositada, salvo convenção em contrário das partes ou em decorrência da própria
natureza do negócio (depósitos bancários). A utilização indevida da coisa depositada ou a sua
entrega em depósito a terceiro, sem a autorização expressa do depositante, implica responder
o depositário por perdas e danos (art. 640 do CC).
O legislador (art. 640, parágrafo único, do CC) especificou ainda a responsabilidade do
depositário, mesmo quando devidamente autorizado pelo depositante, se agir com culpa na
escolha do terceiro para quem o bem será dado em depósito. Também se diferencia o depósito
do mandato, por haver no primeiro uma função relativamente passiva de vigilância, enquanto,
no segundo, o mandatário tem deveres ativos para defender os interesses do mandante.
O depósito, sendo ato de administração, pode ser contratado não apenas pelo proprietário
do objeto, mas por qualquer pessoa que tenha a posse dele (locatário, comodatário,
mandatário).
Depósito voluntário é o decorrente da vontade das partes; depósito obrigatório é o
realizado em desempenho de obrigação legal (depósito legal) ou em virtude de calamidade
pública (depósito miserável). O depósito ainda pode ser de coisa litigiosa a fim de evitar que o
desvio dos bens litigiosos venha prejudicar as partes em conflito, denominando-se então

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seqüestro, sendo admissível tanto em relação a móveis como a imóveis e funcionando como
medida preparatória ou conservatória regulada pela lei processual civil (arts. 822 e s. do
Código de Processo Civil).

10. Do mandato

O mandato é o contrato pelo qual alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome,
praticar atos ou administrar interesses (art. 653 do CC).
A base do mandato é, pois, fiduciária, decorrente da confiança existente entre os
contratantes, tratando-se inequivocamente de um contrato realizado intuitu personae,
atendendo-se à personalidade do mandatário, pessoa física ou jurídica.
O mandato é considerado como contrato unilateral, pois, normalmente, só cria obrigações
para o mandatário, somente passando a ser imperfeitamente bilateral quando o mandatário,
em virtude da convenção ou por tratar-se de ato profissional, é remunerado.
O mandato só é admissível para os atos que não têm natureza personalíssima, não se
podendo, por exemplo, conceder mandato para fazer testamento, embora se admita o mandato
para, em nome do mandante, casar com pessoa determinada (art. 1.542 do novo Código
Civil).
O mandato se distingue da comissão porque o comissário atua em nome próprio, embora
no interesse e por conta do comitente, enquanto no mandato, o mandatário age em nome e por
conta do mandante.
Também se diferencia da prestação de serviços, que é sempre onerosa, enquanto o mandato
se apresenta como presumidamente gratuito, e que abrange negócios jurídicos e atos
materiais, quando somente os primeiros são da alçada do mandatário.
A procuração é o instrumento do mandato. Ocorre que, em verdade, para a doutrina, não há
identidade entre procuração e mandato. A procuração é um negócio jurídico pelo qual se
constitui o poder de representação voluntária. Este pode ser de prestação de serviços, trabalho,
compra e venda, corretagem etc. Freqüentemente é o mandato. Há um lado interno (o negócio
entre as partes) – subjacente – e o lado externo – a representação, a relação entre o
representante e principal perante o terceiro.
Todas as pessoas capazes podem outorgar mandato mediante instrumento particular por
elas assinado.
Os incapazes podem outorgar mandato, devendo a procuração ser dada pelos seus
representantes legais, sendo absoluta a incapacidade, ou pelos seus assistentes, sendo a
incapacidade relativa. Quando os incapazes outorgarem mandato sem representação ou
assistência, aplicam-se as normas sobre obrigações contraídas por menores (arts. 166, 171 a
177 do CC).
Em alguns casos especiais, admite-se a procuração dada pelo relativamente incapaz, entre
dezesseis e dezoito anos, independentemente de qualquer intervenção do seu assistente, assim
dispondo a lei em relação aos conflitos trabalhistas (art. 792 da Consolidação das Leis do
Trabalho), a faculdade de apresentar queixa-crime (Código de Processo Penal, arts. 34 e 50) e
de requerer o registro de nascimento (Lei n. 6.015/73, art. 50, § 3º).
Ademais, o relativamente incapaz pode figurar como mandatário, mas neste caso o
mandante não terá ação contra ele, salvo em decorrência das regras gerais e princípios
aplicáveis às obrigações contraídas pelos menores (art. 666 do CC).
O analfabeto só pode outorgar procuração por instrumento público, uma vez que não pode
assinar o instrumento particular, como exige o art. 654 do CC.
O mandato pode ser expresso ou tácito. O primeiro decorre de convenção e o segundo de

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presunção legal, como a que considera os cônjuges autorizados a comprar as coisas


necessárias à economia doméstica independentemente de autorização um do outro (art. 1.643
do CC).
O mandato, naturalmente gratuito, se presume oneroso quando praticado profissionalmente
pelo mandatário, admitindo-se em todas as hipóteses que as partes livremente convencionem
uma remuneração pelo exercício do mandato, podendo esta ser global ou paga parceladamente
durante o tempo em que for exercido o mandato (art. 658 do CC). Se o mandato for oneroso,
caberá ao mandatário a retribuição prevista em lei ou no contrato. Quando não houver
previsão, a remuneração será determinada pelos usos e costumes do lugar e, na falta destes,
por arbitramento (art. 658, parágrafo único, do CC).
O mandato em causa própria é, conforme indicado, outorgado no interesse do mandatário,
que, conseqüentemente, fica isento de prestar contas, tem poderes amplos, inclusive para
transferir para si bens móveis e imóveis objeto do mandato, equivalendo a procuração à venda
ou cessão de direito. É muito usada na cessão de títulos de clube e na alienação de bens
imóveis. Trata-se de mandato irrevogável e que subsiste e produz efeitos após a morte do
mandante.
Extingue-se o mandato em virtude de renúncia do mandatário; revogação pelo mandante;
morte ou interdição de uma das partes; mudança do estado que inabilite o mandante a conferir
os poderes ou o mandatário a exercê-los, pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio
(art. 682 do CC).
A natureza personalíssima e fiduciária do contrato faz com que, em tese, qualquer das
partes possa sempre rescindi-lo, caducando o mandato com a morte, incapacidade ou
mudança de estado de um dos contratantes, quando se trata de pessoa física, mas não afetando
as pessoas jurídicas.
São irrevogáveis os mandatos a) com cláusula de irrevogabilidade; b) dados como
condição do contrato bilateral ou c) com cláusula “em causa própria”, meio de cumprir uma
obrigação contratada.
O mandato judicial é concedido a advogado devidamente registrado na Ordem dos
Advogados (OAB) para patrocinar uma causa.
O mandato deve ser escrito, salvo nos processos criminais e trabalhistas, em que a simples
indicação do advogado em audiência pode ser suficiente.
Admite-se excepcionalmente que o advogado funcione sem procuração e comprometendo-
se a apresentá-la dentro de certo prazo (art. 37 do Código de Processo Civil e art. 5º, § 1º, da
Lei n. 8.906/94 – Estatuto da OAB).

11. Do contrato de corretagem

É o contrato pelo qual uma parte se obriga para com outra a aproximar interessados e obter
a conclusão de negócios, sem subordinação e mediante remuneração. É também chamado de
mediação.
São partes no contrato de corretagem o interessado (cliente) e o corretor (mediador). Este
pode ser pessoa física ou jurídica. Nem sempre o corretor é um profissional, podendo
desempenhar a função apenas esporadicamente.
Cliente é aquele que contrata o corretor para realizar o negócio. Esse contratante, caso seja
efetivado o negócio pretendido, deve remunerar o corretor. A outra parte, que é aproximada,
não se configura como cliente no contrato de corretagem e, por conseqüência, não tem a
obrigação de pagar a comissão, que certos corretores exigem, recebendo duplamente.
O contrato classifica-se como bilateral, porque acarreta obrigações para ambas as partes;

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acessório, porque tem por fim a conclusão de outro contrato (o principal); aleatório, porque
depende do fator sorte (realização do negócio), já tendo, inclusive, o STJ, se pronunciado pela
sua caracterização como obrigação de resultado; oneroso, porque implica remuneração; e
consensual, porque basta o acordo de vontades, não sendo exigida necessariamente a sua
formalização por escrito, conforme decidido pelos nossos tribunais.
O corretor tem o dever de desempenhar a sua função de intermediação com diligência e
prudência que o negócio exige, sempre prestando informações e esclarecimentos ao cliente
sobre o andamento, as condições, os riscos e as especificidades do negócio, nos termos do art.
723 do CC. Se causar danos, por dolo ou culpa, deve por eles responder. Concluindo-se ou
não os negócios, os documentos recebidos devem ser restituídos, podendo o cliente exigir
prestação de contas.

12. Do Seguro

O seguro é concebido como promessa condicional de indenização na hipótese de


ocorrência do sinistro (acontecimento futuro e incerto causador de prejuízo), tendo como
contraprestação o pagamento do prêmio pelo segurado. O elemento aleatório consiste
justamente na incerteza referente ao pagamento da indenização, que depende da existência de
prejuízo em virtude da ocorrência do sinistro no período de vigência do contrato. Uma das
prestações (a indenização a ser paga pelo segurador) é, assim, condicional, enquanto a do
outro contratante (o pagamento do prêmio pelo segurado) é certa e independe de condição.
O contrato de seguro é bilateral, oneroso, aleatório e consensual; é um contrato de adesão e
um contrato dirigido.
O contrato de seguro é dirigido, pois depende da aprovação do seu texto pelas autoridades
administrativas (SUSEP – Superintendência de Seguros Privados), e é de adesão, pois o
segurado não tem a possibilidade de discutir as cláusulas contratuais com o segurador,
podendo apenas aceitá-las ou deixar de contratar. Muitas vezes, nem a liberdade de contratar,
ou não, existe, pois a lei impõe a determinadas classes de pessoas o seguro obrigatório
(acidentes de trabalho, de trânsito e outros).
O contrato de seguro se fundamenta na boa-fé das partes e na sua lealdade, tanto na sua
formação quanto na sua execução (art. 765 do CC). Diante desse princípio, se o segurado
prestar declarações falsas, inexatas ou omitir informações relevantes, que possam influir na
aceitação da proposta ou especificação do valor do prêmio pela seguradora, ele perderá o
direito à garantia objeto do seguro, subsistindo, todavia, a obrigação do pagamento do prêmio
vencido (art. 766 do CC). O legislador ressalvou, entretanto, que, se a inexatidão ou a omissão
não resultar de má-fé do segurado, o segurador pode optar pela resolução do contrato ou
cobrança da diferença do prêmio (art. 766, parágrafo único, do CC).
As operações de seguros agrupam-se em: a) seguros de ramos elementares ou de dano; b)
seguros de pessoa, englobando o seguro de vida.
O seguro tem como instrumentos a apólice e o bilhete de seguros, conforme o caso. Há
também a proposta, que fica com a seguradora, enquanto a apólice fica com o segurado. O
Decreto-lei n. 73/66 permite a emissão de bilhete de seguro a pedido verbal do interessado
(art. 10).
A apólice ou o bilhete de seguro são os instrumentos probatórios do contrato, devendo
conter a enumeração dos riscos transferidos ao segurador, os dados sobre o prazo de vigência
do contrato e as obrigações assumidas pelas partes.
No seguro obrigatório de veículos terrestres, basta a declaração do DETRAN
(Departamento Estadual de Trânsito) de que foi pago o prêmio (anexa ao Certificado de

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Propriedade). Nos seguros de viagem, certas seguradoras fornecem um cartão com a espécie
de seguro, dando o nome e o período da garantia. Nos estacionamentos pagos de veículos,
basta um simples bilhete ou cartão numerado, fornecido por meios eletrônicos, comprovando
o estacionamento. Em determinados seguros-saúde, basta um simples cartão com os dados do
segurado. Outras vezes, simples indicação nos extratos mensais, como ocorre com os seguros
de cartão de crédito. O Código Civil estabelece em seu art. 758: “O contrato de seguro prova-
se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento
comprobatório do pagamento do respectivo prêmio”.

13. Da fiança

Ocorre fiança quando alguém se obriga a pagar dívida alheia. Os elementos essenciais da
fiança são a existência de uma obrigação principal válida (obrigação do afiançado) e de uma
obrigação acessória com caráter de garantia.
A fiança se caracteriza pela fé depositada no fiador, explicando-se, assim, a denominação
de caução fidejussória. Trata-se de um contrato acessório, unilateral e gratuito. A
acessoriedade decorre de seguir a obrigação do fiador o destino da obrigação principal,
extinguindo-se e anulando-se com esta. É unilateral, pois cria dever para o fiador em relação
ao credor, sem que o primeiro possa exigir qualquer compensação do segundo.
Em princípio, o contrato de fiança é gratuito, podendo todavia as partes livremente
convencionar uma compensação para os riscos corridos pelo fiador.
A fiança se distingue do aval, garantia específica dos títulos cambiais, assim como da
comissão “del credere”, disciplinada no Código Civil a partir do art. 693.
Não podem prestar fiança os analfabetos, salvo tendo dado poderes especiais para tanto por
instrumento público (art. 819 do CC), os leiloeiros (Decreto n. 21.981 de 19-10-1932, art. 30),
as pessoas jurídicas cujos estatutos proíbem a concessão de fiança e os mandatários que não
tenham competência explícita para esse fim, salvo se a procuração contiver poderes
expressos.
Fiança legal é a que decorre de imposição de lei. Por exemplo, em virtude do art. 1.280, o
proprietário tem direito a exigir do proprietário ou possuidor do prédio vizinho a demolição
ou a reparação necessária, quando este ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo
dano iminente.
Fiança judicial é aquela exigida por uma das partes no processo. A lei usa o termo caução.
Esta pode ser: real (quando há uma coisa dada em garantia) ou fidejussória. Esta costuma ser
fiança.
Fiança convencional é a que decorre de vontade das partes, necessariamente manifestada
por escrito, em contrato próprio ou no contrato principal, cujas obrigações se garantem,
também podendo constar de simples carta ou declaração na qual seja inequívoca a vontade do
fiador de garantir o pagamento de dívida alheia, não valendo todavia como fiança as simples
referências à idoneidade do devedor ou as informações comerciais sobre ele, nem mesmo as
cartas de recomendação ou aquelas em que um terceiro promete fazer o melhor esforço para
que o devedor pague a dívida (comfort letter).
A fiança, pelo seu caráter liberal não se presume, não admitindo outrossim interpretação
extensiva, só respondendo o fiador pelas obrigações explicitamente assumidas. A fiança pode
ser mais restrita do que a obrigação principal (as obrigações do locatário se referem à
conservação do prédio, pagamento dos aluguéis etc., e o fiador pode limitar-se a garantir o
pagamento dos aluguéis), não devendo, todavia, ser mais ampla do que a obrigação garantida,
sob pena de ser reduzida às suas justas proporções (art. 823 do CC).

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A fiança pode ser estipulada sem consentimento do devedor ou contra sua vontade (art.
820 do CC), abrangendo dívidas certas ou incertas, líquidas ou ilíquidas, presentes ou futuras,
dependentes de condição ou de termo (art. 821 do CC).
Obrigando-se pela obrigação principal, sem mencionar qualquer restrição, assume o fiador
a responsabilidade por todos os acessórios (juros, custas, cláusulas penais).
O benefício de ordem consiste na possibilidade dada ao fiador de, até a contestação da lide,
indicar bens do devedor livres e desembaraçados existentes no município suficientes para
solver o débito, a fim de evitar a execução dos seus próprios bens. O benefício de ordem
decorre da natureza normalmente subsidiária ou complementar da responsabilidade do fiador,
desaparecendo, todavia, quando o credor renunciou expressamente a esse benefício, ou se
obrigou como principal pagador e devedor solidário ou ainda sendo o afiançado pessoa
insolvente ou falida (arts. 827 e 828 do CC). Na prática, a evolução realizada pretende
equiparar o fiador ao devedor solidário, como se vê, aliás, na legislação estrangeira.
Pode haver vários fiadores para um único débito, admitindo-se também a concessão de
fiança ao fiador. No caso de pluralidade de fiadores para um mesmo débito, entende-se que
são solidários salvo se limitaram a responsabilidade de cada um ou convencionaram a divisão
das responsabilidades.

14. Do transporte

O Código Civil define o contrato de transporte em seu art. 730: “Pelo contrato de
transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro,
pessoas ou coisas”.
Em relação ao regime jurídico aplicável, o legislador ressalvou que ao transporte exercido
em virtude de autorização, permissão ou concessão são aplicadas as regras dos regulamentos
específicos, sem prejuízo, todavia, das normas do Código Civil (art. 731).
Como legislação específica relacionada com o contrato de transporte, podem-se citar o
Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86, art. 10); a Lei n. 9.611/98, regulamentada
pelo Decreto n. 3.411/2000, que trata do transporte multimodal; a Lei n. 8.374/91, art. 8º, § 2º,
que dispõe sobre o seguro de cargas; incidindo também regras do Código de Defesa do
Consumidor.
Também devem ser observadas as disciplinas especiais sobre o tema e os tratados e
convenções internacionais (art. 732).
As partes do contrato de transporte são: de um lado, o transportador (ou condutor) e, de
outro, o passageiro ou usuário (no transporte de pessoas) ou o expedidor ou remetente (no
transporte de coisas). Não é parte o destinatário das coisas.
Pode haver transporte de pessoas e transporte de coisas, tendo o novo Código Civil
disciplinado estas duas espécies de forma diversa, respectivamente, em seus arts. 734 a 742 e
743 a 756.
Quanto ao meio, o transporte pode ser terrestre (rodoviário ou ferroviário), aquático
(marítimo, fluvial e lacustre) e aéreo, ou misto, abrangendo sucessivamente as várias
modalidades.
No transporte de pessoas, mediante o pagamento do valor da passagem pelo usuário, o
transportador obriga-se a cumprir o contrato, deslocando a pessoa e a sua bagagem, com
segurança, sem danos, até o lugar previsto, obedecendo aos horários e aos itinerários. Se
ocorrer evento alheio à vontade do transportador que interrompa a viagem, o transporte
deverá ser concluído em outro veículo da mesma categoria ou em modalidade diferente, desde
que haja a anuência do usuário, correndo todas as despesas por conta do transportador.

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O transportador não pode recusar passageiros, salvo se existir justificativa em


regulamentos ou o motivo decorrer das condições de saúde ou de higiene do interessado (art.
739 do CC).
O passageiro tem a obrigação de observar as normas estabelecidas pelo transportador,
especificadas nos bilhetes ou que de outra forma lhe tenha sido dado conhecimento, bem
como de se comportar de maneira a não incomodar ou prejudicar os demais passageiros, a não
danificar o veículo, dificultar ou impedir a prestação do serviço (art. 738 do CC).
O passageiro pode rescindir o contrato antes de iniciada a viagem e, se comunicado ao
transportador em tempo hábil para a revenda do bilhete, terá direito à restituição do valor
pago. Mesmo que a viagem já tenha começado, o passageiro pode rescindir o contrato de
transporte, mas somente receberá a restituição do trecho não utilizado se demonstrar que outra
pessoa foi transportada em seu lugar na continuação da viagem.
No transporte de coisas, o transportador tem a obrigação de levar o bem que lhe foi
entregue ao destino solicitado, dentro do prazo contratado ou previsto, devendo tomar todas as
providências e os cuidados para manter o seu bom estado. A conferência das condições da
mercadoria deve ser feita no ato de entrega pelo destinatário ou por pessoa que apresentar o
conhecimento de transporte endossado.
As eventuais reclamações deverão ser feitas, neste momento, sob pena de decadência de tal
direito, salvo se a avaria não for perceptível desde logo, hipótese na qual há o prazo de dez
dias para reclamar (art. 754 do CC).
O transportador é obrigado a emitir documento especificando as características que
identifiquem a coisa a ser transportada, podendo, inclusive, exigir do expedidor uma relação
dos bens devidamente assinada, em duas vias, ficando uma parte integrante do conhecimento
(art. 744 e seu parágrafo único do CC). A falsidade das informações ou a sua inexatidão
implica o dever de o remetente indenizar o transportador pelos danos causados por tal ato.
Ao manter a coisa a ser transportada em seus armazéns, o transportador submete-se à
disciplina legal do depósito, em virtude do art. 751 do Código Civil.

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CAPÍTULO IV – RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil é definida como a situação de quem sofre as conseqüências da


violação de uma norma, ou como a obrigação que incumbe a alguém de reparar o prejuízo
causado a outrem, pela sua atuação ou em virtude de danos provocados por pessoas ou coisas
dele dependentes.

1. Elementos da responsabilidade civil

São elementos estruturais da responsabilidade civil:


a) Ação ou omissão do agente - A responsabilidade pode derivar de ato próprio, de ato de
terceiro que esteja sob a guarda do agente, e ainda de danos causados por coisas e animais que
lhe pertençam.
A responsabilidade por ato de terceiro é hipótese de responsabilidade solidária (art. 942).
Assim, ocorre a solidariedade não só no caso de concorrer uma pluralidade de agentes, como
também entre as pessoas designadas no art. 932.
Com o art. 942 do CC o direito positivo brasileiro instituiu um “nexo causal plúrimo”.
Em havendo mais de um agente causador do dano, não se perquire qual deles deve ser
chamado como responsável direto ou principal. Beneficiando, mais uma vez, a vítima
permite-lhe eleger, dentre os co-responsáveis, aquele de maior resistência econômica, para
suportar o encargo ressarcitório.
A responsabilidade por danos causados por animais e coisas que estejam sob a guarda do
agente é, em regra, objetiva (expressa disposição do art. 936: independe da prova de culpa.
Isto se deve ao aumento do número de acidentes e de vítimas, que não devem ficar
irressarcidas. Como excludente de responsabilidade o agente deve provar que o dano foi
causado por culpa exclusiva da vítima ou força maior.
b) Culpa ou dolo do agente - A obrigação de indenizar não existe, em regra, só porque o
agente causador do dano procedeu obejtivamente mal. É essencial que ele tenha agido com
culpa. Agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer censura
ou reprovação do direito. (Primeira parte do art. 927 do CC)
O critério para aferição da diligência exigível do agente, e, portanto, para a caracterização
de culpa, é o da comparação de seu comportamento com o do homo medius, do homem ideal,
que diligentemente prevê o mal e precavidament evita o perigo.
Com relação aos graus, a culpa pode ser grave, leve e levíssima. O CC., entretanto, não faz
nenhuma distinção entre dolo e culpa, nem entre os graus da culpa, para fins de reparação do
dano.
Assim, provado o dano, deve ser ele ressarcido integralmente pelo seu causador, tenha
agido com dolo, culpa grave ou mesmo levíssima.
c) Relação de Causalidade - – É a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do
agente e o dano verificado. Vem expressa no verbo “causar”, utilizado no art. 186. As
principais teoria sobre a relação de causalidade são:
1) Teoria da equivalência das condições – toda e qualquer circunstância que haja
concorrido para produzir o dano é considerada uma causa. A sua equivalência resulta de que,
suprimida uma delas, o dano não se verifica. O ato do autor do dano era condição sine qua
non para que o dano se verificasse.
2) Teoria da causalidade adequada – Somente considera como causadora do dano a
condição por si só apta a produzi-lo. Se existiu no caso em apreciação dano somente por força
de uma circunstância acidental, diz-se que a causa não era adequada.

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d) Dano - Sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano
pode ser material ou simplesmente moral
Dano é uma lesão a um bem jurídico. Aprecia-se o dano tendo em vista a diminuição
sofrida no patrimônio. Logo, a matéria do dano prende-se à da indenização, de modo que só
interessa o estudo do dano indenizável.
Indenizar significa reparar o dano causado à vitima, integralmente. Se possível restaurando
o statu quo ante. Assim, o dano, em toda a sua extensão deve abranger aquilo que
efetivamente se perdeu e aquilo que se deixou de lucrar.
Não é, portanto, indenizável o chamado dano remoto, que seria conseqüência indireta do
inadimplemento, envolvendo lucros cessantes para cuja efetiva configuração tivessem de
concorrer outros fatores apenas a execução a que o devedor faltou.

2. Responsabilidade contratual e extracontratual

A responsabilidade contratual ocorre quando determinada pessoa causar prejuízo a outrem


por descumprir uma obrigação contratual. Nela o agente descumpre o avençado, tornando-se
inadimplente. O CC disciplinou genericamente esta espécie de responsabilidade nos art. 395 e
seguintes e 389 e seguintes.
A responsabilidade contratual abrange também o inadimplemento ou mora relativos a
qualquer obrigação, ainda que provenientes de um negócio unilateral (como o testamento, a
procuração ou a promessa de recompensa) ou da lei (como a obrigação de alimentos)
Já a responsabilidade extracontratual é aquela derivada de ilícito extracontratual, também
chamada aquiliana (art. 186 do CC). Nela o agente infringe um dever legal. Não há nenhum
vínculo jurídico existente entre a vítima e o causador do dano.

3. Responsabilidade subjetiva e objetiva

Convivem hoje no ordenamento jurídico brasileiro duas teorias que fundamentam a


responsabilidade civil, as quais se diferenciam pela consideração da culpa como elemento da
obrigação de reparar o dano.
a) Responsabilidade subjetiva - Nesta concepção a culpa é pressuposto da responsabilidade
civil, ou seja, em não havendo culpa não há responsabilidade.
O CC filiou-se à teoria subjetiva, conforme se verifica da leitura do art. 186 que erigiu o
dolo e a culpa como fundamentos da obrigação de reparar. A responsabilidade subjetiva
subsiste como regra necessária, sem prejuízo da adoção da responsabilidade objetiva.
b) Responsabilidade objetiva – Nesta hipótese a lei impõe a reparação de um dano causado
sem a concorrência do elemento culpa. Esta modalidade funda-se no risco.
O parágrafo único do art. 967 do CC admite a responsabilidade sem culpa pelo exercício
da atividade que, por sua natureza, representa risco para os direitos de outrem.

4. Responsabilidade civil nas relações de consumo

No CDC, tanto a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço como a oriunda do vício
do produto ou serviço são de natureza objetiva, prescindindo do elemento culpa a obrigação
de indenizar atribuída ao fornecedor.

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5. Quantificação e liquidação do dano

Indenizar é, na realidade, restabelecer a situação anterior ao dano. A formação da palavra


indica o seu sentido: in + dano + izar. Significa desfazer o dano, dentro da medida do
possível. Nesse sentido, o art. 944 do novo Código Civil especifica que: “A indenização
mede-se pela extensão do dano”, tendo, assim, o lesado o direito de receber perdas e danos
(dano emergente e lucro cessante).
Ao magistrado é dado excepcionalmente o poder de reduzir o montante da indenização, se
houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano causado (art. 944,
parágrafo único). Além disso, quando quem sofreu o dano tiver colaborado com a ocorrência
do fato, o valor da indenização levará em conta a gravidade da sua culpa em confronto com a
do autor do dano (art. 945).
A avaliação do dano faz-se pela liquidação, que consiste na fixação do montante
pecuniário da indenização. Essa liquidação pode ser convencional ou legal, amigável ou
judicial. É convencional quando decorre de entendimento prévio entre as partes, podendo a
cláusula penal funcionar como uma prefixação das perdas e danos. É legal quando realizada
na forma da lei. Quer seja convencional ou legal, pode realizar-se sem litígio (composição
amigável) ou em virtude de decisão judicial (composição judicial).
A reparação ideal consiste na efetiva reposição. Quando impossível deve a indenização ser
paga em dinheiro; conforme a natureza do dano, a indenização poderá ser paga sob a forma de
entrega de um capital ou de uma renda (art. 947).
Os arts. 948 a 954 do CC esclarecem o modus faciendi da liquidação da reparação civil no
caso de atos ilícitos, dizendo em que consiste a indenização pelos diversos casos.
Em relação ao homicídio, sem excluir outras reparações, determina a lei que sejam
abrangidas as despesas com o tratamento e funeral da vítima, o luto de sua família e o
pagamento dos alimentos às pessoas a quem o defunto os devia, considerando-se a duração
provável da vida da vítima (art. 948 do CC).
No caso de lesão ou ofensa à saúde, a lei determina que seja paga uma indenização cabal
de todas as despesas incorridas pela vítima e dos lucros não auferidos, bem como de eventuais
outros prejuízos (art. 949 do CC).
Quando houver impossibilidade ou diminuição da capacidade de trabalho da vítima, deverá
ser concedida indenização correspondente, sob a forma de pensão ou, se o prejudicado
preferir, sob pagamento em apenas uma parcela (arts. 950 do CC).
No caso de usurpação de bens, a reparação consiste na sua devolução e no pagamento de
suas deteriorações, além dos lucros cessantes. Caso tenha se perdido o bem, deverá ser
reembolsado ao prejudicado valor equivalente (art. 952 do CC).
Os arts. 953 e 954 do CC tratam da reparação do dano material e do dano moral nos casos
de injúria, difamação ou calúnia, assim como nas ofensas à liberdade pessoal (cárcere privado
e prisão ilegal ou não motivada).

6. Excludentes de responsabilidade civil

As excludentes de responsabilidade civil são situações jurídicas descritas pela lei que
exoneram ao agente o dever jurídico de reparação do dano.
São excludentes de responsabilidade civil subjetiva:
a) legítima defesa;
b) o estado de necessidade;
c) o exercício regular do direito;

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d) o estrito cumprimento do dever legal;


e) o caso fortuito; e
f) a força maior.
Legítima defesa própria é a repulsa a mal injusto, grave e atual ou iminente à pessoa da
vítima ou aos seus bens. A legítima defesa pressupõe, assim, a existência de uma agressão
ilícita, pelo agente, e a vontade de defesa, por parte do ofendido.A repulsa deve ser
proporcional e imediata. O ofendido responderá pelo excesso de legítima defesa, pouco
importando se cometeu o excesso por dolo ou culpa.
Estado de necessidade próprio é a situação em que o sujeito viola direito alheio, com a
finalidade de remover perigo iminente de um direito seu. Não se confunde a legítima defesa
com o estado de necessidade, pois aquela se refere aos direitos da personalidade, enquanto
este se relaciona com o patrimônio do indivíduo. O estado de necessidade pressupõe aquele
que o pratica não ter provocado ou facilitado o seu próprio dano.
Exercício regular de direito é o desenvolvimento de atividade humana em conformidade
com o ordenamento jurídico. Somente deixa de ser considerado regular o exercício do direito,
pelo excesso na atividade humana, conhecido como abuso de direito.
Estrito cumprimento do dever legal é a observância de um dever jurídico anteriormente
estabelecido por lei. Caso o sujeito venha a ultrapassar os limites fixados pelo ordenamento
jurídico, no cumprimento do dever legal, ele poderá ser responsabilizado pelo excesso ou
abuso de poder ou de autoridade.
Caso fortuito é um evento imprevisível, do qual o homem médio não possui controle. Já a
força maior é todo evento inevitável e, por vezes, imprevisível, que prejudica os interesses
patrimoniais ou morais da vítima.
São excludentes de responsabilidade civil objetiva:
a) a culpa exclusiva da vítima;
b) a culpa exclusiva de terceiro;
c) a força maior; e
d) o caso fortuito.
Além das excludentes de responsabilidade civil subjetiva e objetiva, há duas outras
hipóteses frequentemente lembradas, que não são causas de exoneração da responsabilidade
por força de lei, mas sim motivos que levam à não responsabilização do agente na prática
porque dependem da vontade humana.
São elas: a renúncia da vítima à indenização e a cláusula de não indenizar.
Renúncia da vítima à indenização é ato jurídico unilateral irrevogável e informal por meio
do qual o próprio titular extingue, por abdicação, o direito subjetivo que tem à reparação por
perdas e danos. Somente se torna possível a renúncia à indenização por quem é plenamente
capaz.
Cláusula de não indenizar é o dispositivo integrante de um negócio jurídico por meio do
qual há a exoneração total ou parcial do dever de reparar o prejuízo patrimonial, nos limites
acordados pelas partes.

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TÍTULO III – DIREITO DAS COISAS

CAPÍTULO I – POSSE

1. Conceito e teorias

A doutrina, na sua quase totalidade, alerta a dificuldade do enquadramento jurídico do


instituto da posse.
Na idéia de posse há, pois, uma coisa e uma vontade, traduzindo a relação de fruição. Mas,
nem todo estado de fato, relativamente à coisa ou à sua utilização, é juridicamente posse. Muito
próximo deste instituto temos a detenção (art. 1.198 do CC) que, embora semelhante na
aparência, muito se difere na essência, como nos efeitos. Aí é que surge a doutrina, com os
elementos de caracterização, e com os pressupostos que autorizam estremar uma de outra.
Savigny, responsável pelo desenvolvimento da teoria subjetiva da posse, considerava-a como
o poder de uma pessoa sobre uma determinada coisa. Assim, era preciso, a conjugação de dois
elementos para a sua caracterização: o corpus (poder físico sobre a coisa) e o animus (intenção de
agir como dono).
Por sua vez, Jhering definia a posse como exteriorização da propriedade. O elemento material
da posse para o autor é a conduta externa da pessoa, que se apresenta numa relação semelhante
ao procedimento normal de proprietário. O elemento psíquico (animus) nesta teoria não se situa
na intenção de dono, mas tão-somente na vontade de proceder como procede habitualmente o
proprietário (affectio tenendi) independentemente de querer ser dono.
Partindo de que, normalmente, o proprietário é possuidor, Jhering entendeu que é possuidor
quem procede com a aparência de dono, o que permite definir, como já se tem feito: posse é a
visibilidade do domínio.
O Código Civil, no art. 1.196, adotou a teoria desenvolvida pela referido autor, a qual foi
denominada de objetiva, justamente por ser mais conveniente e satisfatória. Com efeito, na
relação possessória não se revela o animus domini, nem facilmente se prova.
Essas novas teorias, que dão ênfase ao caráter econômico e à função social da posse, aliadas à
nova concepção do direito de propriedade, que também deve exercer uma função social, como
prescreve a Constituição Federal, constituem instrumento jurídico de fortalecimento da posse,
permitindo que, em alguns casos e diante de certas circunstâncias, venha a preponderar sobre o
direito de propriedade.

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CAPÍTULO II – DIREITOS REAIS

1. Características dos direitos reais

Os direitos reais se apóiam na relação entre homem e coisa, sendo que esta deve possuir valor
econômico e suscetível de apropriação.
No dizer de Silvio Rodrigues, são os direitos que se prende à coisa, prevalecendo com a
exclusão de concorrência de quem quer que seja, independendo para o seu exercício da
colaboração de outrem e conferindo ao seu titular a possibilidade de ir buscar a coisa onde quer
que ela se encontre, para sobre ela exercer o seu direito.
As características principais dos direitos reais são: taxatividade, oponibilidade “erga omnes”,
seqüela e aderência.
A taxatividade (numerus clausus) releva que não há direitos reais quando a lei não os declara.
O art. 1.225 do CC é a referência para os que proclamam a taxatividade do número dos direitos
reais. Todavia, tal não significa que só são direitos reais os apontados no referido dispositivo,
mas também outros disciplinados de modo esparso no mesmo diploma e os constituídos em
diversas leis especiais.
Entre os direitos reais previstos em lei esparsa é bom lembrar a alienação fiduciária (Lei
9.514/97).
Quanto à oponibilidade, os direitos reais permitem que seu titular não seja molestado por
ninguém. Surge, daí, o direito de seqüela ou jus persequendi, isto é, de perseguir a coisa e de
reivindicá-la em poder de quem quer que esteja (ação real), bem como o jus praeferendi ou
direito de preferência. Segundo a lição de Orlando Gomes, o direito de seqüela é o que tem o
titular de direito real de seguir a coisa em poder de todo e qualquer detentor ou possuidor.
Por fim a aderência do direito real à coisa não é senão a constatação do fato de que o direito
real permanece incidindo sobre o bem, ainda que este circule de mão em mão e se transmita a
terceiros, pois o aludido direito segue a coisa (jus persequendi), em poder de quem quer que ela
se encontre. Em conseqüência, a tutela do direito real é sempre mais enérgica e eficaz que a do
direito de crédito.

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CAPÍTULO III – PROPRIEDADE

1. Função social da propriedade

Propriedade é o direito que outorga ao seu titular a faculdade de usar, gozar e dispor dos bens
e de reavê-los do poder de quem quer que, injustamente, os possua.
Tais poderes, expressão do núcleo interno ou econômico do domínio e do núcleo externo ou
jurídico, compõem o aspecto estrutural do direito de propriedade, sem nenhuma referência ao
aspecto funcional do instituto.
Contudo hoje, a propriedade não pode ser vista apenas como a reunião das faculdades usar,
gozar e dispor reivindicar, os quais são tendencialmente plenos, cujos confins são definidos
externamente, ou, de qualquer modo, em caráter predominantemente negativo, de tal modo que,
até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para suas atividades e para a
emanação de sua senhoria sobre o bem. Modernamente, a determinação do conteúdo da
propriedade, ao contrário, dependerá de centros de interesses extraproprietários, os quais vão ser
regulados no âmbito da relação jurídica de propriedade.
Tal conclusão oferece suporte teórico para a correta compreensão da função social da
propriedade, que terá, necessariamente, uma configuração mais flexível. Daí decorre que quando
uma certa propriedade não cumpre a sua função social, não pode ser tutelada pelo ordenamento
jurídico. Vale dizer, que não somente os bens de produção, mas também os de consumo possuem
uma função social, sendo por esta conformados em seu conteúdo – modos de aquisição e de
utilização.

2. Restrições ao direito de propriedade

Inúmeras leis impõem restrições ao direito de propriedade (Código de Mineração, Lei de


Proteção ao Meio Ambiente, etc.).
Há ainda limitações decorrentes do direito de vizinhança e de cláusulas impostas
voluntariamente nas liberalidades, como inalienabilidade, impenhorabilidade e
incomunicabilidade.
Todo esse conjunto, no entanto, acaba traçando o perfil atual do direito de propriedade no
direito brasileiro, que deixou de apresentar as características de direito absoluto e ilimitado, para
se transformar em um direito de finalidade social.
Aquisição da propriedade imóvel
a) Usucapião
b) Acessão: É uma forma de aquisição de propriedade imóvel que resulta de um processo
de incorporação de um determinado bem ao solo.
Seja qual for a modalidade de acessão, ela sempre dependerá do concurso de dois
requisitos: a) a conjugação entre duas coisas, até então separadas; b) o caráter acessório de
uma dessas coisas, em confronto com a outra. Percebe-se, nitidamente, na caracterização
deste fenômeno aquisitivo o princípio segundo o qual a coisa acessória segue a principal
(acessorium sequitur suum principale).
As acessões podem ser físicas ou naturais (formação de ilhas, avulsão, aluvião e álveo
abandonado) ou industruais (construções ou plantações). Seja ela qual for presume-se que a
acessão existente em um determinado terreno foi feita pelo proprietário e à sua custa (art.
1253 do C.C).

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3. Aquisição da propriedade móvel

a) Ocupação
Na apropriação de cada coisa sem dono inseriu-se uma idéia que o tempo amadureceu e
sistematizou. A coisa sem dono pertence por direito natural ao ocupante, que os sistemas
modernos o adotam ao definir o princípio da aquisição da propriedade móvel: quem se
assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação
defesa por lei (art. 1263 do C.C.).
A essência da ocupação reside, pois, na apropriação de coisa sem dono pelo simples fato,
acrescenta-se, de apreendê-la possuindo-a como própria.
Com efeito, diz-se que não tem dono aquela que nunca foi objeto de assenhoramento (res
nullius), categoria preenchida pelas espécies que a natureza inesgotavelmente produz, como
aquela que já o teve e não mais o tem (res derelicta).
A primeira classe (res nullius) é preenchida, em primeiro lugar pelos animais bravios
enquanto entregues à sua natural liberdade, que se não confundem com os animais selvagens
capturados. Estes não são res nullius, pois que pertencem a alguém. No segundo estão os
animais mansos ou domesticados, não assinalados ou marcados, se perderem o hábito de
retornar ao lugar onde costuma recolher-se, salvo se os donos estiverem ainda à sua procura;
reputam-se também sem dono os enxames de abelhas, anteriormente apropriados se o dono da
respectiva colméia os não reclamar imediatamente (decadência instantânea de direito).
Considera-se ainda sem dono a coisa abandonada (res derelicta); mas para que assim se
configure, torna-se mister a ocorrência de um fator psíquico, contido na intenção de renunciá-
las.
Indaga-se da liceidade da cláusula adjecta a talões de empresas de serviço (lavanderia,
sapataria, transportadora), consignando que se consideram abandonados os objetos não
procurados num prazo determinado. Não é razoável presumir que alguém, deixando um
objeto para sofrer reparações, manifeste com isso, a intenção não revelada de e ele renunciar.
É aceitável mandato para vender, e o locador do serviço pagar-se do custo deste. O que não é
lícito é forçar no proprietário uma intenção de abandonar e converter a coisa, que o
interessado tem a intenção de conservar, numa res derelicta pelo fato de haver excedido um
prazo determinado no cupão de sua identificação, ou em tabuleta na loja, como limite de sua
validade de seu direito de dono.
Tendo em vista que não são freqüentes as coisas sem dono, a ocupação como modalidade
aquisitiva ficou hoje muito reduzida. As poucas hipóteses remanescentes – caça, pesca e
tesouro – são as hipóteses mais comuns.
Tesouro: É o depósito antigo de moedas ou coisas preciosas, enterrado ou oculto, de cujo
dono não haja memória. Elementos para caracterização: 1- ser um depósito de coisas móveis
preciosas ou moedas, promovido por mão humana, 2- estar o depósito enterrado ou oculto, 3-
a ancianidade, isto é, ser antigo e tão antigo que se haja perdido a memória de quem seja o
proprietário.
b) Especificação
Especificação é a transformação definitiva da matéria-prima em espécie nova, mediante o
trabalho ou indústria do especificador. Para que se opere a aquisição da propriedade é mister a
transformação se dê pela ação humana, e que não seja possível retornar à espécie anterior.
A importância social desta modalidade aquisitiva é muito grande, tendo-se em vista a
capacidade criadora do homem. A “novidade” é encarada em sentido econômico e não
filosófico, vale dizer que a nova species há de resultar de alteração dotada de importância (ex.
escultura, a pintura em relação à tela).

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O CC ao fixar o princípio da especificação, dispõe no art. 1269 que “aquele que,


trabalhando em matéria-prima em parte alheia, obtiver espécie nova, desta será proprietário,
se não puder restituir à forma anterior”
Conciliando, todavia, a aquisição da propriedade com o princípio fundamental do respeito
ao direito alheio, o prejudicado com a especificação irredutível terá direito ao ressarcimento,
salvo se se tratar de especificação de má-fé.
c) Misturas: Confusão, comistão, e adjunção
São hipóteses de coisas de diversos donos mesclarem-se. Diz-se haver confusão quando se
acharem sem estado líquido, mistura ou comistão se forem coisas secas. Num e noutro caso,
ordinariamente resulta num condomínio, regulados os direitos pelo disposto no título ou na
convenção, quando for ela voluntariamente obtida.
A adjunção consiste na justaposição de uma a outra coisa, impossibilitando destacar-se a
acessória da principal, e, conseguintemente, resultando que o dono da primeira adquire a
segunda, com a observância das regras de acessão.
d) Usucapião
e) Tradição
Trata-se de um ato de entrega da coisa ao adquirente, transformando a declaração
translatícia de vontade em direito real.
Diz-se tradição real a que consiste na efetiva entrega ou entrega material da coisa ao
adquirente que a recebe e apreende. Simbólica se diz a tradição que se não realiza pela entrega
e apreensão material da coisa, porém mediante a de algo que a represente

4. Condomínio

Dá-se o condomínio, quando mais de uma pessoa, ao mesmo tempo, exerce o direito de
propriedade sobre determinada coisa.
O novo Código deixou claro que o solo, estrutura do prédio, do telhado, a rede geral de
distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, calefação e refrigeração centrais, e as demais
partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são de utilidade em comum dos
condôminos, não podendo ser alienados separadamente ou divididos.
Vale ressaltar que a Lei 4.591/64 condomínio edilício (arts. 1.331 a 1.358 do CC) com as
alterações da Lei 4.864/65 continua vigendo subsidiariamente ao novo Código Civil nas
implicações que este não disciplinou. A grande novidade do Código, aos condomínios e a
possibilidade de se aplicar multa ao condômino que tiver conduta anti-social de forma reiterada
(art. 1.337, parágrafo único do CC).
Também poderá o condômino alugar a sua vaga de garagem a qualquer pessoa, dando
preferência aos demais condôminos. (art 1.338 do CC).
O condomínio pode ser classificado sob três formas:
a) quanto à origem, ou seja, voluntário e eventual. Voluntário ou convencional, quando surge
do acordo de vontades; emerge de contrato ou convenção. Eventual ou acidental, quando sua
origem é estranha à vontade dos condôminos. É a hipótese dos bens deixados por herança a mais
de um herdeiro ou doação de uma coisa a mais de uma pessoa;
b) quanto ao objeto, ou seja, universal e particular. Universal, quando abranger a coisa
integralmente, inclusive frutos e rendimentos. Particular, quando se limita a determinadas coisas
ou frutos, permanecendo os demais fora do condomínio;
c) quanto à forma, ou seja, divisível e indivisível. Divisível, quando o condomínio existe de
direito, mas não de fato (cada condômino já se situou numa parte determinada da coisa).

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Indivisível, quando tanto existe de fato como de direito. Todos os condôminos são donos, em
comum, de toda coisa, porque se mantém indivisa e nenhum se situou em uma parte.
Cumpre apenas ressaltar que o assunto referente a condomínio é tratado nos arts. 1.314 a
1.322 do CC.

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CAPÍTULO IV – DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA

1. Da superfície

Trata-se de direito real de fruição ou gozo sobre coisa alheia, de origem romana. Surgiu da
necessidade prática de se permitir edificação sobre bens públicos, pertencendo o solo em poder
do Estado.
O Estatuto da Cidade antecipou-se ao novo Código Civil, disciplinando o direito de superfície,
limitado, porém, a imóvel urbano, enquanto este cuida do urbano e também do rural.
No art. 1369 do CC o direito de superfície é definido como a faculdade que o proprietário tem
de conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado,
mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis
A concessão da superfície pode ser onerosa ou gratuita. Em ambos os casos o superficiário,
posto que desfruta dos proveitos do imóvel, responde pelos encargos e tributos que sobre ele
incidem. Como direito real que se prende ao imóvel, o direito de superfície pode ser transferido,
pelo superficiário, a terceiros, inclusive a seus herdeiros, por morte daquele.

2. Das servidões

Servidão é um encargo que suporta um prédio denominado serviente, em benefício de um


outro prédio chamado dominante, conferindo ao titular o uso e gozo do direito ou faculdade.
A servidão é um direito acessório, porque implica a existência de um direito principal. Como
se trata de direito concedido ao dono do prédio dominante, seu titular há que ser proprietário
daquele prédio. Com efeito, seria contrário ao próprio conceito de servidão admitir sua
constituição em favor de quem não fosse dono do prédio dominante.
A servidão é perpétua, no sentido de que é irresgatável sem a anuência do proprietário do
prédio dominante.
A servidão é composta dos seguintes elementos:
a) Trata-se de uma relação entre dois prédios;
b) A servidão envolve uma obrigação negativa;
c) A existência da servidão implica a idéia de que os prédios pertencem a donos diversos

3. Do usufruto

Trata-se de um direito real sobre coisa alheia conferido a alguém de retirar, temporariamente,
da coisa alheia os frutos e utilidades que ela produz, sem alterar-lhe a substância (Art. 1225, IV,
CC).
O proprietário perde, temporariamente, o direito ao uso e aos frutos. Não perde entretanto, a
substância, conservando a condição de proprietário. Daí o termo nu proprietário, eis que fica
tolhido no exercício integral dos poderes inerente à propriedade.
Pode recair sobre bens móveis ou imóveis e sobre um patrimônio (como um todo). Se bens
móveis, não podem ser fungíveis, pois necessário conservar a substância da coisa. Suas principais
características são:
1- Temporário: não excede à vida do usufrutuário (art. 1410, I CC) ou trinta anos se for pessoa
jurídica (art. 1410 CC). Pode-se estabelecer uma condição (graduação universitária). Nunca
perpétuo.
2- Oponível erga omnes: daí também decorre o direito de seqüela.

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3- Intransferível e inalienável: Não se transfere por herança ou por alienação. Todavia, de


acordo como o art. 1393 CC é possível ceder o exercício a título gratuito (comodato) ou oneroso
(RT 412/208). Perante terceiro só tem validade se devidamente registrado (RT 520/212).
4- É impenhorável: o direito real não pode ser objeto de penhora, mas seu exercício sim, desde
que tenha expressão econômica. A penhora recai sobre os frutos e utilidades do bem (Art. 716
CPC – usufruto em execução)
O usufruto pode ser classificado de três formas:
1- Quanto à origem pode ser legal (estabelecido por lei em benefício de determinadas
pessoas); convencional; resultante de usucapião.
2- Quanto à extensão é possível afirmar que este direito recai sobre bens individualizados,
sobre uma universalidade de bens (ou parte dela) e pode abranger os frutos e utilidades, no todo
ou em parte.
3- Quanto à duração pode ser temporário (prazo preestabelecido) ou vitalício (até a morte do
usufrutuário);
A extinção do usufruto ocorre pela:
1- Renúncia ou morte do usufrutuário. Não ocorre com a morte do nu proprietário (aqui a nua
propriedade é transmitida aos herdeiros);
2- Termo de sua duração – prazo, salvo morte anterior;
3- Extinção da pessoa jurídica ou decurso do prazo de 30 anos;
4- Cessação do motivo de origem;
5- Destruição da coisa.
6- Consolidação

4. Do uso

O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quando o exigirem as necessidades


pessoais suas e de sua família (art. 1412). No que diz respeito às necessidades pessoais, deve-se
ter em consideração a condição social do usuário, bem como o lugar onde vive.
Em verdade, o direito real de uso não se diferencia substancialmente do usufruto,
distinguindo-se dele pela intensidade ou profundidade do direito.

5. Da habitação

A habitação pode ser entendida como uma modalidade especial de uso à moradia.
O titular desse direito pode usar a cada para si, residindo nela, mas não alugá-la nem
emprestá-la. E se for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que a ocupar estará no
exercício de direito próprio, nada devendo às demais a título de aluguel.
A Lei no. 4.121, de 27 de agosto de 1962, criou o direito de habitação em favor do cônjuge
sobrevivente, enquanto permanecer em estado de viuvez, desde que o imóvel da família seja o
único residencial a inventariar.
A Lei no. 9278, de 10 de maio de 1996, dispondo sobre a união estável, diz que a dissolução,
por morte de um dos conviventes, dá ao sobrevivente o direito real de habitação (art. 7º,
parágrafo único).
Como direito real, imprescindível se torna o registro do respectivo título no Cartório de
Registro de Imóveis (LRP, art. 167, item I, n.7).
O direito real de habitação é concedido sem prejuízo da participação da viúva ou do viúvo na
herança. Mesmo que o cônjuge sobrevivente seja herdeiro ou legatário, não perde o direito de
habitação.

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Dispõe ainda o art. 1.831 do Código Civil, no capítulo concernente à ordem da vocação
hereditária, que, “ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado,
sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente
ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a
inventariar”.

6. Do direito do promitente comprador

Consiste a promessa irretratável de compra e venda no contrato pelo qual o promitente


vendedor obriga-se a vender ao compromissário comprador determinado imóvel, pelo preço,
condições e modos convencionados, outorgando-lhe a escritura definitiva quando houver o
adimplemento da obrigação. O compromissário comprador, por sua vez, obriga-se a pagar o
preço e cumprir todas as condições estipuladas na avença, adquirindo, em conseqüência, direito
real sobre o imóvel, com a faculdade de reclamar a outorga da escritura pública definitiva, ou sua
adjudicação compulsória havendo recusa por parte do promitente vendedor.
Cuida-se de direito real, porque o adquirente tem a utilização da coisa e pode dispor do direito
mediante cessão. Desfruta, ainda, da seqüela, podendo reivindicar a coisa em poder de quem quer
que a detenha. Pode, também, opor-se à ação de terceiros que coloquem obstáculos ao exercício
do direito, havendo oponibilidade erga omnes.
O instituto passou por uma série de fases de evolução em nosso direito. O sistema do Código
Civil de 1916 permitia que o promitente, com base no seu art. 1.088, se arrependesse antes de
celebrado o contrato definitivo. Como o direito era de natureza pessoal, os adquirentes não
podiam reivindicar o imóvel, mas apenas o pagamento de perdas e danos.
Com o advento do Decreto-Lei n. 58/37, o compromisso tornou-se irretratável, conferindo
direito real ao comprador, desde que levado ao registro imobiliário. O promitente comprador não
recebe o domínio da coisa, mas passa a ter direitos reais sobre ela.
A Lei n. 6.766/79 veio derrogar o Decreto-Lei n. 58/37, que hoje se aplica somente aos
loteamentos rurais. O art. 25 da referida lei declara irretratáveis e irrevogáveis os compromissos
de compra e venda de imóveis loteados. Qualquer cláusula de arrependimento, nesses contratos,
ter-se-á, pois, por não escrita.
Em se tratando, porém, de imóvel não loteado, lícito afigura-se convencionar o
arrependimento, afastando-se, com isso, a constituição do direito real. Inexistindo cláusula nesse
sentido, prevalece a irretratabilidade.

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CAPÍTULO V – DIREITOS REAIS DE GARANTIA

1. Aspectos Gerais

O Código Civil brasileiro contempla as seguintes modalidades de garantia real: penhor,


hipoteca e anticrese.
A Lei n. 4.728/65, criou uma nova modalidade: a alienação fiduciária, disciplinada no Código
Civil como propriedade fiduciária.
Para Orlando Gomes, direito real de garantia é o que confere ao credor a pretensão de obter o
pagamento da dívida com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua satisfação. Sua função é
garantir ao credor o recebimento da dívida, por estar vinculado determinado bem ao seu
pagamento. O direito do credor concentra-se sobre determinado elemento patrimonial do
devedor. Os atributos de seqüela e preferência atestam sua natureza substantiva real.
Para validade da garantia real exige a lei, além da capacidade geral para os atos da vida civil, a
especial para alienar. Dispõe, com efeito, o art. 1.420 do CC, na sua primeira parte, que “só
aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese”.
Em regra, pois, somente o proprietário pode dar bens em garantia. Não basta, todavia, essa
qualidade. Faz-se mister que, além do domínio, tenha ainda a livre disposição da coisa. Desse
modo, a falta de vênia conjugal torna anulável o ato praticado, segundo dispõe o art. 1.649 do
CC, podendo o outro cônjuge, e não quem o praticou, pleitear-lhe a anulação, até dois anos
depois de terminada a sociedade conjugal. Não existe regra idêntica para os companheiros,
podendo suceder a alienação unilateral de um bem, ou a constituição de direito real, por um
deles, ilaqueando a boa-fé do terceiro.
A segunda parte do art. 1.420 dispõe que somente os bens dentro do comércio poderão ser
dados em penhor, anticrese ou hipoteca. Os bens fora do comércio dados em garantia, tornam o
negócio nulo.
A lei impõe, ainda, a observância de formalidades para que os contratos de penhor, anticrese e
hipoteca tenham eficácia perante terceiros, a qual é alcançada pela especialização (art. 1.424) e
pela publicidade.
E especialização é a descrição pormenorizada, no contrato, do bem dado em garantia, do valor
do crédito, do prazo fixado para pagamento e da taxa de juros, se houver. A publicidade é dada
pelo registro do título constitutivo no Registro de Imóveis (hipoteca, anticrese e penhor rural) ou
no Registro de Títulos e Documentos (penhor convencional).
É importante observar que a ausência desses requisitos não acarreta, porém, a nulidade do
contrato, mas apenas a sua ineficácia, pois não produz os efeitos próprios de um direito real.
Valerá apenas como direito pessoal, vinculando somente as partes que intervieram na convenção.
Em conseqüência, fica o credor privado da seqüela, da preferência e da ação real, restando-lhe
apenas o direito de participar do concurso de credores, na condição de quirografário.
Criado o direito real de garantia, fica o bem afetado ao pagamento prioritário de determinada
obrigação, porquanto o art. 1.422 permite a separação deste bem do patrimônio do devedor. Além
desta prioridade, os direitos reais de garantia geram os seguintes efeitos: a) direito de preferência
ou prelação; b) direito de seqüela; c) direito de excussão; d) indivisibilidade.

2. Da hipoteca

É o direito real de garantia que tem por objetivo bens imóveis, navio ou avião pertencentes ao
devedor ou a terceiro e que, embora não entregues ao credor, asseguram-lhe, preferencialmente,
o recebimento de seu crédito.

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Sendo condição natural da hipoteca a acessoriedade, pressupõe ela a existência de uma dívida,
à qual adere e busca assegurar.
A validade da hipoteca depende da observância do requisito concernente à forma de sua
constituição. Envolve este o título constitutivo, a especialização (art. 1.424 do CC) e o registro no
Cartório de Imóveis (art. 1.492 do CC).
Remição da hipoteca é a liberação ou resgate do imóvel hipotecado mediante o pagamento, ao
credor, da dívida que visa garantir.

3. Do penhor

É o direito real que submete coisa móvel ou mobilizável ao pagamento de uma dívida (art.
1.431 do CC).
A transferência da coisa para as mãos do credor tem a vantagem de impedir a alienação
fraudulenta do objeto da garantia, além de dar publicidade ao negócio jurídico. A publicidade é
reforçada pelo registro do título no Cartório de Registro de Títulos e Documentos.
Para que tenha validade a constituição do penhor é necessário que a coisa oferecida em
garantia pertença ao próprio devedor, pois é nulo o penhor de coisa alheia, salvo as hipóteses de
domínio superveniente e de garantia oferecida por terceira pessoa.

4. Da anticrese

É direito real de garantia que o credor recebe a posse de coisa frigífera, ficando autorizado a
perceber-lhe os frutos e imputa-los no pagamento da dívida. Uma vez registrada, adere à coisa,
acompanhando-a em caso de transmissão inter vivos ou mortis causa. Desse modo, o credor pode
opor seu direito ao adquirente do imóvel dado em garantia.

5. Da alienação fiduciária

A alienação fiduciária em garantia de imóveis, regulada pela Lei no. 9.514/97, é negócio
jurídico pelo qual o devedor, fiduciante, com a finalidade de garantir o cumprimento de uma
obrigação, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel e a posse
indireta da coisa imóvel, permanecendo o fiduciante com a posse direta.
Assim, alguém, querendo adquirir imóvel em construção ou construído, mediante
financiamento de entidade autorizada, realizará contrato pelo qual transferirá a propriedade a esta
entidade, a qual ficará obrigada a devolvê-la, uma vez paga a dívida, daí constituir-se, em
propriedade resolúvel, para o fiduciário ou credor.
O contrato de alienação será necessariamente registrado no Registro de Imóveis, com os
requisitos previstos no art. 24 da Lei n. 9.514/97.
Com o pagamento da dívida e seus encargos, extingue-se a propriedade fiduciária do imóvel
retornando o bem à plena propriedade do fiduciante. O fiduciário é obrigado a entregar ao
fiduciante, no prazo de 30 dias, a contar da liquidação da dívida, termo de quitação, sob pena de
multa em favor deste, equivalente a 0,5% ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato. O termo
de quitação será levado a registro, para o cancelamento da propriedade fiduciária.
O fiduciante poderá, com anuência do fiduciário, transferir os direitos de que seja titular sobre
o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas
obrigações.

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6. Das Concessões

A lei 11.481/07 introduziu dois novos direitos reais no Código Civil brasileiro, a saber: a
concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso.
Não se trata propriamente de um direito real novo. Desde a edição da Medida Provisória n.
2.220, de 4 de setembro de 2001, editada como diploma substitutivo ao veto dos arts. 15 a 20
do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), a concessão de uso especial para fins de moradia
compõe o rol dos direitos reais.
Ocorre que a Lei n. 11.481/2007, responsável pela introdução do instituto no CC, pouco,
ou melhor, praticamente nada acrescentou sobre o instituto, o qual continua submetido ao
conteúdo e contornos normativos da Med. Prov. n. 2.220/2001. Isso porque não foi inserido
no CC, ao contrário dos demais direitos reais, um título específico sobre esse direito.
Pela MP n. 2.220/2001, o direito à concessão de uso especial para fins de moradia só será
outorgado àquele “que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel
público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito
à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde
que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou
rural” (art. 1.º da referida Medida Provisória).
A concessão exige praticamente os mesmos requisitos do usucapião urbano previsto no art.
183 da CF e no art. 1.240 do CC. Ocorre que a concessão, ao contrário do usucapião, nada
mais é do que contrato administrativo pelo qual a Administração faculta ao particular a
utilização privativa de bem público, para que a exerça conforme a sua destinação. O que era
faculdade, porém, passa a ser direito do possuidor, e a Administração não pode recusar o
contrato.
O art. 5.º da MP estabelece que "É facultado ao Poder Público assegurar o exercício do
direito de que tratam os arts. 1.º e 2.º em outro local na hipótese de ocupação de imóvel:
I – de uso comum do povo;
II – destinado a projeto de urbanização;
III – de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos
ecossistemas naturais;
IV – reservado à construção de represas e obras congêneres; ou
V – situado em via de comunicação".
Há, como se vê, tentativa de trazer essa camada desfavorecida da população ao mundo
legalizado, buscando outorgar-lhe títulos de direito real, inclusive dispondo, no art. 7.º da
Med. Prov. n. 2.220/2001, que "O direito de concessão de uso especial para fins de moradia é
transferível por ato inter vivos ou causa mortis". O direito de concessão de uso especial para
fins de moradia pode ser reconhecido por ato administrativo ou por decisão judicial e tem
publicidade, de caráter declaratório, com o registro no Registro Predial (art. 167, I, n. 37, da
Lei n. 6.015/73).

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TÍTULO IV – DIREITO DE FAMÍLIA

CAPÍTULO I – CASAMENTO

1. Conceito de casamento

Casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que se unem material e


espiritualmente para constituírem uma família. Estes são os elementos básicos, fundamentais
e lapidares do casamento.

2. Casamento religioso com efeitos civis

O casamento religioso equipara-se ao civil. O legislador, no art. 1.515 do C., explicita os


modos pelos quais se alcançam os efeitos civis:
a) Habilitação Prévia – Os nubentes apresentam-se ao oficial do registro civil e habitam-se
ao ato posterior. Encerrado o procedimento de habilitação (num prazo de noventa dias) é
extraída uma “sentença”, resultando numa certidão a ser apresentada ao ministro religioso. A
habilitação aqui descrita é a mesma exigida para o casamento civil e o procedimento visa
declarar e certificar que os interessados não possuem impedimentos, estando aptos para o
casamento.
b) Habilitação Posterior – Nesse caso, primeiro é realizada a cerimônia religiosa com
posterior competente habilitação e, por fim, a inscrição do casamento no registro público. O
registro funciona como uma espécie de convalidação.

3. Natureza jurídica do casamento

O casamento seria um instituto de natureza híbrida: contrato na formação; instituição


(estatuto imperativo pré organizado) no conteúdo. Na realidade, trata-se de uma instituição
em que os cônjuges ingressam pela manifestação de sua vontade, feita de acordo com a lei.

4. Finalidades do casamento

a) Intenção de viverem juntos – É a chamada affectio maritalis que é o elemento decisivo


na indissolubilidade do vínculo.
b) Amor – Que independe de mera atração sexual e encontra sua manifestação mais
veemente na afeição, solidariedade, cumplicidade, atração mútua e afinidades pessoais.
c) O companheirismo – Calcado num projeto comum, capaz de atender e satisfazer ideais e
interesses de ambos os cônjuges.

5. Princípios do casamento

a) Liberdade de União – O casamento só se justifica e legitima quando decorre da livre


manifestação de vontade dos parceiros.
b) Monogamia - Decorre da mais tradicional e inquebrável postura do mundo ocidental;
quem é casado está proibido de contrair novas núpcias ( C.C. art. 1521, VI).

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c) Comunhão de Vida - Os nubentes comungam os mesmos ideais, renunciando os


instintos egoísticos e personalistas, em função de um bem maior que é a família.

6. Pressupostos de existência jurídica do casamento

a) Diversidade de Sexo – Nesse sentido a lei é clara e não abre espaço a qualquer exegese
extensiva (art. 1517). As uniões estáveis de natureza homossexual podem ter relevância
jurídica em outros planos e sob outras formar, mas não como modalidade de casamento.
b) Consentimento – A falta de consentimento torna inexistente o casamento.
c) Celebração por Autoridade Competente – Inexiste casamento se o consentimento é
manifestado perante quem não tem competência para celebrar o ato matrimonial. Casamento
celebrado perante autoridade incompetente (perante prefeito municipal ou delegado de
polícia) não é nulo, mas simplesmente inexistente.

7. Pressupostos de validade

a) Puberdade – No art. 1517 o legislador fixou idade núbil aos 16 anos, independentemente
do sexo do nubente. Todavia, a capacidade matrimonial não se confunde com a capacidade
civil (18 anos). Desse modo, se um ou ambos os pretendentes não tiverem atingido a
maioridade civil, será necessária a autorização dos pais ou dos seus representantes legais para
a celebração do ato. Havendo divergência entre os pais, o interessado poderá obter do juiz o
suprimento judicial correspondente (parágrafo único do art. 1517 c/c o art. 1519).
A regra do art. 1517 comporta, porém, uma exceção: admissibilidade do casamento para
evitar cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez (art. 1520).
b) Potência – É a aptidão para conjunção carnal. Fora as exceções legais (casamento de
anciãos e casamento in extremis – art. 1540) os nubentes devem ter aptidão para a vida
sexual. Dois são os tipos de impotência que interessam ao direito matrimonial:
Impotentia Coeundi (de concepção ou de cópula) – Pode gerar a anulação do casamento,
desde que interesse a um dos cônjuges anulá-lo (art. 1557, III);
Impotentia Generandi (de gerar, ou, de procriar) – Não justifica a anulação do casamento,
confirmando-se a idéia de que a prole não é finalidade do casamento.
c) Sanidade – O CC não previu a sanidade dos nubentes como condição necessária à
validade do casamento. O exame pré-nupcial não é obrigatório, salvo no caso de casamento
de colaterais de 3º grau (tios e sobrinhos), conforme disposto no Decreto-lei 3.200 de 1941.

8. Pressupostos de regularidade

São os que se referem às formalidades do casamento, que é ato jurídico eminentemente


formal. A lei soleniza-o, prescrevendo formalidades de observância obrigatória para a sua
regularidade.
a) Formalidades Preliminares – São as que antecedem o casamento. Elas são de três
ordens: habilitação – arts. 1525 e 1526 - (nesta fase ocorre a apreciação dos documentos e
apuração da capacidade dos nubentes e a inexistência dos impedimentos matrimoniais); a
publicação dos editais – art 1527 - (a dispensa dos editais é possível nas seguintes hipóteses:
se ficar comprovada a urgência (grave enfermidade, parto eminente, viagem inadiável) e
também no caso de casamento nuncupativo); e emissão do certificado da habilitação – arts.
1533 a 1538 – (o oficial extrairá o certificado de habilitação durando a eficácia da habilitação
por 90 dias).

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b) Formalidades Concomitantes – São as que acompanham a cerimônia e vêem


detalhadamente previstas nos art. 1533 ao art. 1538. Importante notar que sua inobservância
determina-lhe a nulidade do ato.

9. Dos impedimentos matrimoniais

São as circunstâncias que impossibilitam a realização de determinado casamento, noutras


palavras, é a ausência de requisito ou ausência de qualidade que a lei articulou entre as
condições que invalidam ou apenas proíbem a união civil.
Desde já é importante observar a diferença entre incapacidade e impedimento matrimonial.
A incapacidade é geral, a pessoa considerada incapaz não pode casar com quem quer que seja.
Ex. pessoa casada. O impedimento matrimonial é relativo, isto é, a pessoa considerada não
pode casar com determinada pessoa. Ex. não podem casar os irmãos (art. 1521, IV).
Os impedimentos são classificados da seguinte forma:
a) Impedimentos dirimentes públicos (ou absolutos) – São examinados nos incisos I a VII
do art. 1521. Considerando o interesse público neles estampados podem ser argüídos por
qualquer interessado e pelo Ministério Público. Estes impedimentos dividem-se em três
categoriais: impedimentos resultantes do parentesco (art. 1521, I a V); impedimentos
resultante de vínculo (art. 1521, VI); e impedimentos resultante de crime (art. 1521, VII).
Acarretam como efeito a nulidade do casamento.
b) Impedimentos Dirimentes Relativos - Passaram a ser as causas de anulabilidade do
casamento (art. 1.550). Podem demandar a anulação o cônjuge prejudicado, representantes
legais ou ascendentes. Mas se os cônjuges (ou interessados na anulabilidade) silenciarem, o
casamento convalida do vício originário.
c) Impedimentos impedientes (ou proibitivos) - No atual CC passam a ser, agora, causas
suspensivas (art. 1523, I a IV) a infração destas causas não gera nem nulidade, nem anulação,
mas tão somente uma sanção (imposição do regime obrigatório da separação de bens). As
disposições constantes nos incisos I a IV do art. 1523 têm por escopo, a proteção da prole
anterior, evitar a confusão de consangüinidade (turbatio sanguinis), a confusão de patrimônios
e a proteção do nubente por influência dos representantes legais. Acarretam como efeito uma
mera sanção.

10. Celebração do casamento

Dada a importância que se reveste o casamento, tanto na ordem pública como na ordem
privada, o legislador reveste-o de toda a solenidade possível. É o que se depreende da leitura
dos arts. 1533 a 1538.
a) Casamento por procuração - A lei permite a celebração do ato por procuração cuja
eficácia não ultrapassará noventa dias, desde que o nubente impossibilitado outorgue poderes
especiais a alguém para comparecer em seu lugar e receber, em seu nome, o outro consorte.
Hoje, em decorrência de disposição legal expressa – art. 1542 – é imprescindível a escritura
pública para a sua validade. Esta procuração é um ato eminentemente revogável até o
momento da celebração do casamento.
b) Casamento perante autoridade diplomática ou consular - Dispõe o art. 7º, parágrafo
segundo da LICC: “o casamento de estrangeiros poderá ser celebrar-se perante autoridades
diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes”.

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No caso de um dos nubentes ser brasileiro e o outro estrangeiro, cessa a competência da


autoridade consular. Se o casamento for realizado no Brasil, será aplicada a lei brasileira
quanto aos impedimentos e às formalidades do casamento (Art. 7º. parágrafo 1º. da LICC).
c) Casamento nuncupativo - Também chamado in extremis vitae momentis, ou, in articulo
mortis, é forma especial de celebração de casamento, prevista pelo CC, quando um dos
contraentes se encontra em iminente perigo de vida, não havendo assim tempo para a
celebração do casamento com todo o formalismo previsto na lei civil.
O art. 1540 do CC permite que o oficial do Registro Civil, mediante despacho da
autoridade competente, à vista dos documentos exigidos no art. 1525 e independentemente de
edital de proclamas, dê a certidão de habilitação, dispensando o processo regular. Mas a lei
chega mesmo a permitir a dispensa da autoridade competente se os contraentes não lograrem
obter sua presença. Neste caso, os nubentes figurarão como celebrantes e realizarão oralmente
o casamento, perante seis testemunhas, que não tenham parentesco em linha reta, ou, na
colateral, até segundo grau.

11. Das provas do casamento

O casamento realizado no Brasil, conforme dispõe o art. 1543, prova-se pela certidão do
registro, feito ao tempo de sua celebração. A prova supletória só se torna admissível quando,
preliminarmente, se justifica a falta ou a perda do registro (ex. passaporte, depoimento de
testemunhas, certidão de proclamas, etc.)
O CC. admite uma prova indireta, a posse do estado de casados, que nada mais é do que a
situação de duas pessoas que sempre se comportaram, privada e publicamente como marido e
mulher e que, para a comunidade, se encontram no gozo recíproco da situação de esposos.
Segundo a disposição legal, a concessão feita pelo art. 1545 fica subordinada a quatro
pressupostos:
a) Que ambos os pais tenham falecido;
b) Que ambos os pais tenham vivido naquele estado;
c) Que a prole comum prove que o é;
d) Que não se apresente certidão do registro civil provando a ocorrência de casamento.
A regra do in dúbio pro matrimonio (art. 1547 do CC) é utilizada quando há dúvida sobre a
prova do casamento, ou seja, quando há dúvida quanto à existência do ato constitutivo do
vínculo conjugal, deve o julgador inclinar pela sua existência.
O art. 1546 prevê a retroatividade dos efeitos do registro da sentença que reconhece o
casamento à data de sua celebração. O artigo consagra os efeitos da retroação sentencial,
chancelando a dimensão do afeto em detrimento do puro formalismo.
É válido no Brasil desde que registrado, quando do retorno dos nubentes ao país. Em assim
sendo, a validade do casamento celebrado no estrangeiro, no consulado brasileiro, está
submetida ao requisito de que ambos os nubentes sejam brasileiros. A eficácia do ato, no
Brasil, está submetida à condição suspensiva, qual seja, a realização de seu registro em
território nacional. Após o retorno dos brasileiros ao território nacional, deverá ser registrado
em 180 dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges.

12. Da eficácia do casamento

Pelo art. 1565 do CC., homem e mulher, em absoluta igualdade de direitos e deveres, pelo
casamento, assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis
pelos encargos da família. Instaura-se o regime da co-gestão na sociedade familiar. E para

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reafirmar a recepção do princípio constitucional da igualdade, o legislador estatui, no


parágrafo 1º. do citado art que, qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o
sobrenome do outro.
Os efeitos que produz o casamento podem ser encarados como restrições que cada um dos
cônjuges impôs voluntariamente à sua liberdade pessoal e que, uma vez assumidas, devem ser
respeitadas enquanto durar a união, os quais dão origem aos chamados deveres conjugais. São
eles (art. 1.566 do CC):
a) Fidelidade recíproca - A jurisprudência e a doutrina sempre encararam essa questão
como o dever de abster-se cada consorte de praticar relações sexuais com terceiro, sob pena
de adultério.
b) Vida em comum no domicílio conjugal - Na convivência sob o mesmo teto (domicílio
conjugal), ou, na mesma casa, é que se estabelece o convívio sexual. Afora as hipóteses de
recusa legítima ou justa, o dever de coabitação no domicílio conjugal é indeclinável. O dever
de convivência sexual não é da essência do casamento nos casos de casamento in extremis
bem como nos casos de consortes separados em razão de doença ou da profissão.
c) Mútua assistência - A palavra assistência (apoio, socorro) não pode ser tomada num
sentido amplo, ou seja, que englobe tanto o aspecto material (econômico), como o moral
(apoio, desvelo, próprios do companheirismo).
d) Sustento, guarda e educação dos filhos - A infração deste dever, relativamente aos filhos
menores e não emancipados, acarreta a suspensão ou destituição do poder parental (art. 1638,
II).
e) Respeito e consideração mútuos - O desaparecimento do respeito e da consideração
mútuos é prova evidente que a união conjugal se encontra fragilizada.

13. Da invalidade do casamento

a) Casamento inexistente - O casamento é inexistente quando lhe faltam um ou mais


elementos essenciais à sua formação. O ato, não adquirindo existência, nenhum efeito pode
produzir.
b) Casamento nulo - Segundo o disposto no art. 1548 nulo é o casamento contraído pelo
enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil (por não estar em
seu juízo perfeito) e por infringência de impedimentos (previstos no CC., art. 1521, incisos I a
VII). A decretação da nulidade pode ser promovida pelo Ministério Público, ou por qualquer
interessado (art. 1549). A sentença de nulidade do casamento tem caráter declaratório, uma
vez que reconhece apenas o fato que o invalida, produzindo efeitos ex tunc (art. 1563).
c) Casamento anulável - O art. 1550 o CC trata dos casos de casamento anulável que
substituem, em linhas gerais, os outrora denominados impedimentos dirimentes relativos. Seis
são as hipóteses legais de anulação do casamento. Não existem outras, logo, trata-se de uma
enumeração taxativa e não exemplificativa. São elas:
1- Quem não completou a idade mínima para casar (A regra comporta as exceções dos arts.
1520 e 1551);
2- O menor em idade núbil, não autorizado pelo seu representante legal: mas, depois de
atingi-la, poderá confirmar seu casamento, com a autorização de seus representantes legais, ou
com suprimento judicial – art. 1533;
3- A ocorrência de vício de vontade: Nos arts. 1556 e 1557 o legislador trata da complexa
matéria da ocorrência de erro essencial de um dos nubentes quanto à pessoa do outro. E, em
seguida, arrola as hipóteses caracterizadoras daquele erro. São elas:
a) o que diz respeito à sua identidade, honra e boa fama;

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b) a ignorância de crime anterior ao casamento;


c) a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave
e transmissível, por contágio ou herança;
d) a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave.
Com efeito, para que o erro essencial quanto à pessoa do outro nubente seja causa de
anulabilidade do casamento é preciso a ocorrência de três pressupostos:
a) anterioridade do defeito do casamento;
b) desconhecimento do defeito pelo cônjuge enganado; e
c) insuportabilidade da vida em comum.
4- O incapaz de consentir ou manifestar de modo inequívoco, seu consentimento: Os
surdos-mudos sem educação adequada que lhes possibilite manifestar sua vontade não podem
casar; de igual modo, pessoa portadora de enfermidade mental ou física, toxicômano não
podem casar;
5- Pelo mandatário, sem que ele ou outro contratante soubesse da revogação do mandato,
não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;
6- Por incompetência da autoridade celebrante: O legislador está aqui se referindo à
incompetência ratione loci (em razão do lugar da celebração), ou, então, ratione personarum
(em razão das pessoas dos nubentes, quanto a seus domicílios). A incompetência ratione
materiae, conforme vimos, gera inexistência do casamento, salvo na hipótese do art. 1554.

14. Casamento putativo

Diz-se putativo o casamento que, embora nulo, ou anulável, foi contraído de boa-fé, por
um só ou por ambos os cônjuges, reconhecendo-lhe efeitos a ordem jurídica. O termo vem do
latim, putare, que significa “imaginar”. Atendendo a boa-fé e o princípio da equidade, o
ordenamento jurídico reconhece ao casamento nulo, ou anulável, todos os efeitos – aos filhos
e ao cônjuge de boa-fé – do casamento válido.
Declarado putativo o casamento ganha validade e produz todos os efeitos que produziria o
casamento válido, até a data da sentença que o invalidou. A putatividade pode ocorrer na
própria ação anulatória ou em processo autônomo promovido pelo(s) cônjuges(s)
enganado(s), pelos filhos ou por terceiros que tenham interesse na declaração, se a sentença
foi omissa a esse respeito.

15. Dissolução da sociedade conjugal

Segundo o disposto no art. 1571 do CC., a sociedade conjugal termina: pela morte de um
dos cônjuges, pela nulidade ou anulação do casamento, pela separação judicial ou pelo
divórcio.
A separação pode ser judicial e extrajudicial. Toda separação depende da homologação
para surtir efeitos. Entre suas principais características temos:
a) A ação de separação judicial é personalíssima (art. 1576, parágrafo único), mas, em caso
de incapacidade a lei admite a propositura da ação por curador, ascendente ou irmão – No
mesmo sentido em relação ao divórcio (art. 1582, parágrafo único).
b) A tentativa de conciliação – obrigatória na Lei do Divórcio art. 3º., parágrafo 2º. – deixa
de constar no novo C.C., mas era de ordem pública e sua ausência justificava a nulidade do
processo;
c) Enquanto perdura o processo judicial de separação, perduram as obrigações decorrentes
do casamento (art. 1576).

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As três espécies de separação litigiosa, constantes na Lei do Divórcio permanecem


presentes no novo Código Civil:
a) Separação Litigiosa como Sanção: Ocorre quando um dos cônjuges imputar ao outro
conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres conjugais.
Anteriormente prevista no art. 5º. da Ldi ressurge, agora, no art. 1572, que se refere à grave
violação dos deveres do casamento e à insuportabilidade da vida em comum (Os deveres
conjugais são aqueles arrolados no atual art. 1566 do C.C.).
b) Separação Litigiosa como Falência: Ocorre quando qualquer um dos cônjuges prova a
ruptura da vida em comum há mais de 01 (um) ano consecutivo e a impossibilidade de sua
recoonstituição (art. 1572, parágrafo 1º.).
c) Separação Litigiosa como Remédio: Ocorre quando um dos cônjuges está acometido de
grave doença mental de cura improvável (art. 1572, parágrafo 2º. e 3º.). O prazo de duração
da doença para a obtenção da separação que, na lei divorcista, era de cinco anos, passa, agora,
a ser de dois anos.
O art. 1574 trata da separação judicial consensual, reduzindo o prazo mínimo de
casamento, de dois para um ano. O consentimento é suficiente a determinar a validade da
decisão. O processo é disciplinado pelo art. 34 da Lei no. 6515/77 e pelos arts. 1120 a 1124
do CPC. O lapso temporal é um requisito objetivo e comprova-se pela certidão. Há decisões
que aceitam justificação para comprovar a existência do casamento, na ausência do registro.
No art. 1576 o legislador enfrentou a questão tormentosa que sempre dividiu a
jurisprudência nacional, uns entendendo que a separação não importava em término dos
deveres matrimoniais e outros, contrariamente, encarando a concessão da separação como
termo das obrigações oriundas do casamento. Com o atual dispositivo encerra-se a
controvertida polêmica: a separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade
recíproca; a mútua assistência mantém-se na forma de alimentos e, em havendo filhos, o
dever de sustento, guarda e educação, até a maioridade.
O art. 1575 dispõe sobre a separação de corpos e a partilha de bens. A separação de corpos,
na hipótese de cautelar preparatória, pode confirmar a medida deferida liminarmente no
processo cautelar. É dado importante na matéria da dissolução da sociedade conjugal porque,
se foi deferida a medida cautelar de separação de corpos, o prazo para conversão em divórcio
é contado da data da concessão daquela medida e não do decreto da separação judicial.
Quanto à partilha de bens, poderá ser feita mediante proposta dos cônjuges e homologada
pelo juiz, quando a separação é consensual. Em se tratando de separação litigiosa, será pelo
juiz decidida, face à indecisão ou irredutibilidade dos cônjuges. Mas, como a lei deixa claro, é
efeito fundamental da separação. Importante notar, que o disposto no art. 1581 que, em
manifesta incoerência e quebra de sistema, permite a concessão do divórcio sem que haja
partilha de bens. Preliminarmente, e em caráter de justificação, tudo parece indicar que a
postura do legislador atual decorra da Sumula 197, do STJ, que dispensa a partilha em se
tratando de divórcio direto.
O art. 1580, além de reafirmar as duas hipóteses de divórcio (direto ou via conversão)
refere-se aos prazos da ruptura da sociedade conjugal.
O divórcio indireto (ou via conversão) dá-se quando do transcurso do lapso temporal de 1
(um) ano do trânsito em julgado da sentença de separação, ou da concessão da medida
cautelar de separação de corpos. No caso de conversão em divórcio da separação judicial, não
constará referência à causa que a determinou – parágrafo 1º.
O divórcio direto poderá ser requerido por um ou ambos os cônjuges, no caso de
comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.

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16. Efeitos da separação e do divórcio

Os efeitos da separação judicial atingem tanto a pessoa dos cônjuges quanto o seu
patrimônio, por isso fala-se em efeitos pessoais e efeitos patrimoniais.
Efeitos Pessoais:
a) Põe termo aos deveres recíprocos do casamento;
b) Impede a mulher de continuar a usar o nome do marido (regra geral). O cônjuge
“culpado” perde o direito de usar o sobrenome do outro, pena que se concretizará se não
ocorrer alguma das hipóteses previstas no art. 1578:
I- evidente prejuízo para sua identificação;
II- manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união
dissolvida;
III- dano grave reconhecido na decisão judicial.
c) Impossibilita a realização de novas núpcias;
d) Autoriza a conversão em divórcio, cumprido o prazo de um ano de vigência da
separação.
Efeitos Patrimoniais:
a) Põe fim ao regime matrimonial de bens;
b) Substitui o dever de sustento pela obrigação alimentar;
c) Extingue o direito sucessório entre os cônjuges;
d) Pode dar origem à indenização por perdas e danos se ocorrerem prejuízos morais ou
patrimoniais.
A sentença de divórcio produz os seguintes efeitos:
a) Dissolve definitivamente o vínculo matrimonial;
b) Põe fim aos deveres conjugais;
c) Extingue o regime matrimonial;
d) Faz cessar o direito sucessório;
e) Não admite reconciliação entre os cônjuges;
f) Possibilita novo casamento aos divorciados;
g) Mantém inalterado os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos.

17. Regime de bens entre os cônjuges

Regime de bens é, pois, o complexo de normas que disciplina as relações econômicas entre
marido e mulher durante o casamento. Estas normas são de ordem pública e, portanto,
inderrogáveis pelos cônjuges.
O art. 1639 do CC resgata o princípio da autonomia da vontade, em matéria de regime de
bens, permitindo aos cônjuges estipular o que lhes aprouver. Na realidade, o legislador criou
duas hipóteses de incidência de regras em matéria de regime de bens:
a) Os cônjuges escolhem o que lhes aprouver – materializando sua escolha em documento
próprio (pacto antenupcial – art. 1640 c/c art. 1653);
b) Os cônjuges aderem ao regime legal – sem convenção, aceitando em bloco o regime da
comunhão parcial de bens – art. 1640.
A liberdade dos cônjuges no exercício da escolha é total, mas a lei impõe a necessidade da
convenção – pacto antenupcial – sempre que a opção exercida difere do padrão ofertado pela
lei. Importante ressaltar que o regime de bens começa a vigorar desde a data do casamento,
diz o parágrafo 1º do art. 1639 do CC. Todavia, esse regime é passível de modificação (art.
1639, parágrafo segundo) mediante a ocorrência de três requisitos cumulativos:

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a) A autorização judicial;
b) O pedido motivado de ambos os cônjuges; e
c) A ressalva dos direitos de terceiros.
O pedido de alteração é dirigido ao juiz competente, em ação própria, que só o deferirá
quando convicto da motivação relevante e do não prejuízo dos interesses de terceiros. O
pedido motivado de ambos os cônjuges cerca o pedido de maior garantia; a não anuência de
um não só compromete o deferimento, como também não poderá ser suprida pelo juiz.
Todavia, em se tratando de regime obrigatório de separação de bens (art. 1641) não há que
se invocar a revogabilidade estampada na nova lei, uma vez que a admissão daquela mudança
implicaria em esvaziar o conteúdo da previsão legal. Se o legislador impõe a separação nas
três hipóteses do art. 1641, é porque, naquelas hipóteses específicas desconheceu a aplicação
do princípio da autonomia da vontade.
O pacto antenupcial é um ato jurídico pessoal, formal, sendo indispensável a escritura
pública (art. 1653), nominado, isto é, previsto em lei e legítimo (típico), pois os nubentes têm
a sua autonomia limitada pela lei e não podem, consequentemente, estipular que o pacto
produzirá efeitos diversos daqueles previstos pela norma jurídica.
Acrescenta o art. 1653 que o pacto é nulo se não lhe seguir o casamento. Ou seja, o
casamento é condição suspensiva necessária para que o pacto produza os seus reais efeitos.
Logo, não realizado o casamento, o pacto torna-se ineficaz.
O pacto antenupcial só terá efeito perante terceiros – art. 1657 – depois de registrado.
Assim como o casamento é objeto de registro público, a lei também exige o registro do pacto
antenupcial no registro de imóveis, para que produza os efeitos perante terceiros. A eficácia a
que se refere o texto legal, diz respeito tão somente aos bens imóveis. O registro imobiliário
competente é o do domicílio dos cônjuges devendo os mesmos levar ao registro imobiliário a
escritura pública do pacto antenupcial e a certidão do casamento.

18. Regime da comunhão parcial de bens

Introduzido no Brasil pela Lei do Divórcio (Lei 6515/1977), alterou o então vigente art.
258 (CC/16), para determinar que, não havendo convenção, ou sendo nula, vigorará, quanto
aos bens, o regime da comunhão parcial.
O regime de comunhão parcial limita o patrimônio comum aos bens adquiridos na
constância do casamento a título oneroso (ou seja, a ocorrência da sociedade conjugal não
anula a individualidade e autonomia dos cônjuges em matéria patrimonial). Desse modo, o
regime da comunhão parcial faz surgir três massas distintas de bens, quais sejam, os bens
particulares do marido; os bens particulares da mulher; e os bens comuns do casal.
No art. 1659 estão arrolados os bens que não entram na comunhão:
1- Os bens que cada cônjuge possuir ao casar e os que lhe sobrevierem, na constância do
casamento, por doação ou sucessão e os sub-rogados em seu lugar;
2- Os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em
sub-rogação dos bens particulares. O limite da sub-rogação é o valor do bem particular
(adquirido antes do casamento, ou doado, ou herdado). Se o bem sub-rogado é mais valioso
que o alienado, a diferença do valor, se não foi paga com recursos próprios e particulares do
cônjuge, passa a ser comum a ambos os cônjuges.
3- As obrigações anteriores ao casamento – obrigações negociais;
4- As obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
5-Os bens de uso pessoal, os livros e os instrumentos de profissão;
6- Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

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7- As pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.


Os bens que participam da comunhão são aqueles descritos no art. 1660 do CC.

19. Regime da comunhão universal de bens

Segundo o art. 1667 do CC o regime da comunhão universal importa na comunicação de


todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas. Todos os bens, diz a lei, logo,
móveis e imóveis, direitos e ações, passam a constituir um só massa, que permanece
indivisível até a dissolução da sociedade conjugal.
Cada um dos cônjuges tem direito à metade ideal desta massa, por isso, diz-se que o
cônjuge é “meeiro”. Com a exclusão das exceções previstas no art. 1668, os patrimônios dos
cônjuges se fundem em um só, passando, marido e mulher, a figurar como condôminos de um
condomínio peculiar, pois que insuscetível de divisão antes da dissolução da sociedade
conjugal.
No art. 1668 do C.C. o legislador arrola, em cinco incisos, os bens que são excluídos do
regime de comunhão universal.

20. Regime da participação final nos aqüestos

Na participação final nos aqüestos há formação de massas de bens particulares


incomunicáveis durante o casamento, mas que se tornam comuns no momento da dissolução
do mesmo.
Durante o casamento, como ocorre na separação de bens, cada um dos cônjuges goza de
liberdade total na administração e na disposição dos seus bens, mas, ao mesmo tempo, associa
cada cônjuge aos ganhos do outro, valor este a ser levantado na dissolução da sociedade
conjugal, quando ressurge a idéia da comunhão.
O art. 1673 delimita o que é patrimônio comum dispondo, no seu parágrafo único, que a
administração dos bens é exclusiva de cada cônjuge, que os poderá livremente alienar, se
forem móveis. Vale ressaltar que, embora o parágrafo único do art. 1673 só admita a
alienação dos bens móveis, a possibilidade estende-se, igualmente, aos bens imóveis, desde
que a hipótese tenham sido objeto de cláusula no pacto antenupcial (art. 1656).

21. Regime da separação de bens

O regime de separação de bens é aquele em que cada cônjuge conserva o domínio e a


administração de seus bens presentes e futuros, responsabilizando-se individualmente pelas
dívidas anteriores e posteriores ao casamento.
O regime de separação é legal (quando decorre da lei) ou convencional (decorre de
convenção estabelecida em pacto antenupcial).

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CAPÍTULO II – PARENTESCO

Toda pessoa se enquadra numa família por quatro ordens de relações: o vínculo conjugal; o
parentesco; a afinidade; e o vínculo sócio-afetivo.

1. Espécies de parentesco

a) Parentesco natural – É o que se origina da consangüinidade.


b) Parentesco civil – É o decorrente da adoção, isto é, o vínculo legal que se estabelece à
semelhança da filiação consangüínea, mas independente dos laços de sangue. É por força de
uma ficção legal que se estabelece este parentesco. Em decorrência do art. 227, parágrafo 6º.
da CF, no atual sistema codificado, o adotado tem os mesmos direitos do filho consangüíneo.
c) Parentesco por afinidade - Inicialmente vale ressaltar que o casamento não cria nenhum
parentesco entre o homem e a mulher. Marido e mulher são, simplesmente, afins. Embora
haja simetria com a contagem dos graus no parentesco, a afinidade não decorre da natureza,
nem do sangue, mas tão somente da lei.
A afinidade, assim como o parentesco por consangüinidade, comporta duas linhas: a reta e
a colateral. São afins em linha reta ascendente: sogro, sogra, padrasto e madrasta (no mesmo
grau que pai e mãe). São afins na linha na linha reta descendente: genro, nora, enteado,
enteada (no mesmo grau que filho e filha).
A afinidade na linha reta é sempre mantida (art. 1595, parágrafo 2º.); mas a afinidade
colateral (ou cunhadio) extingue-se com o término do casamento. Em assim sendo, inexiste
impedimento de o viúvo (ou divorciado) casar-se com a cunhada.
d) O vínculo sócio-afetivo - É a proposta inédita, não visualizada pelo C/C 1916 e que
ganha legítimo reconhecimento na singela fórmula do art. 1593 quando se refere ao
parentesco que resulta de outra origem.

2. Contagem do parentesco

O parentesco é contado através de linhas e graus.


Existem duas espécies de linhas: reta (quando as pessoas descendem umas das outras) e
colateral ou transversal (quando as pessoas, entre si, não descendem uma das outras, embora
procedendo de um tronco ancestral comum. Dispõe, com efeito, o art. 1592 do CC.: “ São
parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só
tronco, sem descenderem uma da outra”.
Os graus são o meio de que se dispõe para determinar a proximidade ou remoticidade do
parentesco.
Dispõe a respeito o art. 1594 “Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo
número de gerações e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes
até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente”.

3. Efeitos do parentesco

As relações de parentesco afetam os mais diversos campos do Direito, desde os


impedimentos que se traduzem em inelegibilidade da constituição até os impedimentos para o
casamento.

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Direito Civil
BRUNNO PANDORI GIANCOLI

No processo civil, estão impedidos de depor como testemunha, além do cônjuge da parte,
seu ascendente ou descendente em qualquer grau, assim como o colateral até o terceiro grau,
seja consangüíneo ou afim (art. 405, parágrafo 2º., I, do CPC).
No direito penal, há crimes cujo parentesco entre o agente causador e a vítima agrava a
intensidade da pena.
No direito fiscal, o parentesco pode definir isenções, deduções ou o nível de tributação. No
direito constitucional e no direito administrativo, há restrições de parentesco para ocupar
certos cargos:

Resolução no. 07 do CNJ – art. 2º. Constituem prática de nepotismo, dentre outras:

I- o exercício de cargo em provimento de comissão ou de função gratificada, no âmbito da


jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta,
colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes
vinculados;
II- o exercício, em Tribunais ou Juízos diversos, de cargos de provimento em comissão, ou
de funções gratificadas, por cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou
por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de dois ou mais magistrados, ou de servi dor es
investidos em cargos de direção ou de assessoramento, em circunstâncias que caracterizem
ajuste para burlar a regra do inciso anterior mediante reciprocidade nas nomeações ou
designações;
III - o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito
da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta,
colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer servidor investido em
cargo de direção ou de assessoramento;
IV - a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público, de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou
por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados,
bem como de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento;
V - a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação, de
pessoa jurídica da qual sejam sócios cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou
colateral até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, ou
servidor investido em cargo de direção e de assessoramento.
(...)
No direito de família, os efeitos do parentesco fazem-se sentir com mais intensidade, ao
estabelecer impedimentos para o casamento, estabelecer o dever de prestar alimentos, de
servir como tutor etc.
No direito sucessório, o parentesco estabelece as classes de herdeiros que podem concorrer
à herança, limitando-se, na classe dos colaterais, àqueles até o quarto grau.

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CAPÍTULO III – FILIAÇÃO

Filiação é a relação de parentesco, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa
àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivesse gerado.
A CF (art. 226, parágrafo 6o.) estabeleceu absoluta igualdade entre todos os filhos, não
admitindo mais a retrógrada distinção entre filiação legítima e ilegítima.
O princípio da igualdade dos filhos é reiterado no art.1.596 do CC, que enfatiza: “Os
filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

1. Presunção de paternidade

Presume-se filho o concebido na constância do casamento: pater is est quem iustae nuptiae
demonstrant.
Já diziam os romanos: mater semper certa est. Em regra, o simples fato do nascimento
estabelece o vínculo jurídico entre a mãe e o filho. Se a mãe for casada, esta circunstância
estabelece, automaticamente, a paternidade.
A presunção de paternidade é prevista no art. 1.597 do CC.Neste dispositivo três hipóteses
de presunção de filhos concebidos na constância do casamento, todas elas vinculadas à
reprodução assistida.
O vocábulo fecundação indica a fase de reprodução assistida consistente na fertilização do
óvulo pelo espermatozóide. A fecundação ou inseminação homóloga é realizada com sêmen
originário do marido. Neste caso o óvulo e o sêmen pertecem ao marido e à mulher,
respectivamente, pressupondo-se, in casu, o consentimento de ambos.
A fecundação ou inseminação artificial post mortem é realizada com embrião ou sêmen
conservado, após a morte do doador, por meio de técnicas especiais.
O código não define a partir de quando se considera embrião, mas a resolução 1.358/92, do
Conselho Federal de Medicina, indica que, “a partir de 14 dias, tem-se propriamente o
embrião, ou vida humana. Essa distinção é aceita em vários direitos estrangeiros,
especialmente na Europa”.
Apenas é admitida a concepção de embriões excedentários “se estes derivam de
fecundação homóloga, ou seja, de gametas da mãe e do pai, sejam casados ou companheiros
de união estável”. Por conseqüência, está proibida a utilização de embrião excedêntário por
homem e mulher que não sejam os pais genéticos ou por outra mulher titular da entidade
monoparental.
A resolução no. 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina admite a cessão temporária do
útero, sem fins lucrativos, desde que o cedente seja parente colateral até o segundo da mãe
genética.
O inciso V do art. 1.597 presume concebido no casamento os filhos “havidos por
inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”.
Ocorre tal modalidade de inseminação quando é utilizado “sêmen de outro homem,
normalmente doador anônimo, e não o do marido, para a fecundação do óvulo da mulher. A
lei não exige que o marido seja estéril ou, por qualquer razão física ou psíquica, não possa
procriar. A única exigência é que tenha o marido previamente autorizado a utilização de
sêmen estranho ao seu. A lei não exige que haja autorização escrita, apenas que seja “prévia”,
razão por que pode ser verbal e comprovada em juízo como tal.
A paternidade, neste caso, apesar de não ter componente genético, terá fundamento moral,
privilegiando-se a relação socioafetiva.

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Direito Civil
BRUNNO PANDORI GIANCOLI

Se o marido anuiu na inseminação artificial heteróloga, será o pai legal da criança assim
concebida, não podendo voltar atrás, salvo se provar que, na verdade, aquele bebê adveio da
infidelidade da mulher (CC, arts. 1.600 e 1.602).
A impugnação da paternidade conduzirá o filho a uma paternidade incerta, devido ao
segredo profissional médico e ao anonimato do doador do sêmen inoculado na mulher.
Em regra, a presunção de paternidade do art. 1.597 é júris tantum, admitindo a prova em
contrário. Pode, pois, ser elidida pelo marido, mediante ação negatória de paternidade, que é
imprescritível (art. 1.601 do CC).
Importante observar, que a prova de impotência do cônjuge para gerar, à época da
concepção, ilide a presunção de paternidade (art. 1.599).
O importante é que a patologia tenha ocorrido depois de estabelecida a convivência
conjugal e no prazo legal atribuído ao momento da concepção, traduzido nos cento e vinte e
um dias, ou mais, dos trezentos que houverem precedido ao nascimento do filho.

2. Ação negatória de paternidade e de maternidade

Conhecida também como ação de contestação de paternidade, a ação negatória destina-se a


excluir a presunção legal de paternidade.
A legitimidade ativa é privativa do marido (CC, art. 1.601). Só ele tem a titularidade, a
iniciativa da ação, mas, uma vez iniciada, passa a seus herdeiros (art. 1.601, parágrafo único),
se ele vier a falecer durante o seu curso.
Assim, entende a doutrina que nem mesmo o curado do marido interdito poderia ajuizar tal
ação.
Legitimado passivamente para esta ação é o filho, mas, por ter sido efetuado o registro pela
mãe – e porque se objetiva desconstituir um ato jurídico, retirando do registro civil o nome
que figura como pai -, deve ela também integrar a lide, na posição de ré. Se o filho é falecido,
a ação deve ser movida contra seus herdeiros (normalmente a mãe é a herdeira).
Mesmo que o marido não tenha ajuizado a negatória de paternidade, tem sido reconhecido
ao filho o direito de impugnar a paternidade, com base no art. 1.604.
Mais se evidenciou essa possibilidade com o advento da Lei n. 8.560/92, elaborada com o
intuito de conferir maior proteção aos filhos, por permitir que a investigação da paternidade,
mesmo adulterina, seja proposta contra o homem casado, ou pelo filho da mulher casada
contra o seu verdadeiro pai; e por permitir, também, no art. 8o., a retificação, por decisão
judicial, ouvido o Ministério Público, dos “registros de nascimento anteriores à data da
presente lei”.
Nesse sentido, também é o ECA: (art. 27): “O reconhecimento do estado de filiação é
direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou
seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça”.
Dispõe o art. 1.608 do CC: “quando a maternidade constar do termo do nascimento do
filho, a mãe só poderá contestá-la, provando a falsidade do termo,ou das declarações nele
contidas”. Tal dispositivo abre exceção à presunção mater in jure semper certa est, que visa à
proteção da família constituída pelo casamento. A falsidade do termo de nascimento pode ser
atribuída ao próprio oficial de registro civil ou à declaração da mãe ou do pai, induzidos a erro
por falta de cuidado de hospitais e maternidades, como ocorre nos casos de troca de bebês.
Deve-se, pois, distinguir a ação negatória de paternidade ou maternidade daquela destinada
a impugnar a paternidade ou maternidade. A primeira tem por objeto negar o status de filho ao
que goza de presunção decorrente da concepção na constância do casamento. A segunda visa
negar o fato da própria concepção, ou provar a suposição de parto, para afastar a condição de

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filho, como nas hipóteses de troca de criança em maternidades, de simulação de parto e


introdução maliciosa na família da pessoa portadora do status de filho e de falsidade
ideológica do assento de nascimento.
Somente a ação negatória é privativa do marido ou da mulher. A de impugnação da
paternidade ou da maternidade pode ser ajuizada pelo próprio filho, por interesse moral ou até
mesmo de natureza sucessória, com citação dos pais presumidos, fazendo-o com base no art.
1.604 do CC e provando erro ou falsidade do registro, ou ainda por quem demonstre legítimo
interesse, como os irmãos da pessoa registrada como filho.
Dispõe o art. 1.603 do CC que a filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento
registrada no Registro Civil.
O registro, que deve conter os dados exigidos no art. 54 da Lei dos Registros Públicos,
discriminando em 09 itens, prova não só o nascimento como também a filiação.
Prova-se também a filiação pelos meios de prova elencados no art. 1.609 do CC como
modos voluntários de reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento.
Reconhecimento judicial da filiação: investigação de paternidade e maternidade.
O filho não reconhecido voluntariamente pode obter o reconhecimento judicial, forçado ou
coativo, por meio da ação de investigação de paternidade, que é ação de estado, de natureza
declaratória e imprescritível.
Os efeitos da sentença que declara a paternidade são os mesmos do reconhecimento
voluntário e também ex tunc: retroagem à data do nascimento (CC, art. 1.616).
Embora a ação seja imprescritível, os efeitos patrimoniais do estado da pessoa prescrevem.
Por essa razão, preceitua a Súmula 149 do STF: “É imprescritível a ação de investigação de
paternidade, mas não o é a de petição de herança”. Esta prescreve em dez anos (CC, art. 205),
a contar não da morte do suposto pai, mas do momento em que foi reconhecida a paternidade.
É que o prazo de prescrição somente se inicia quando surge o direito à ação, e este só nasce
com o reconhecimento.
A legitimidade ativa para o ajuizamento da ação de investigação de paternidade é do filho.
O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, por isso, a ação é privativa
dele. Se menor, será representado pela mãe ou tutor.
É de se admitir o litisconsórcio ativo facultativo dos filhos da mesma mãe na investigação
de paternidade do mesmo suposto genitor.
Se a mãe do investigante é menor, relativa ou absolutamente incapaz, poderá ser
representada ou assistida por um dos seus genitores, ou por tutor nomeado especialmente para
o ato, a pedido do Ministério Público, que zela pelos interesses do incapaz.
A mãe natural, ainda que menor, exerce o poder familiar de filho menor não reconhecido
pelo pai e, pois, “representa-o nos atos da vida civil e pode, destarte, assistida por seu pai,
intentar em nome do filho a ação investigatória de paternidade”.
Se o filho morrer antes de iniciá-la, seus herdeiros e sucessores ficarão inibidos para o
ajuizamento, salvo se “ele morrer menor e incapaz” (CC art. 1.606). Se já tiver sido iniciada,
têm eles legitimação para “continuá-la, salvo se julgado extinto o processo” (art. 1.606,
parágrafo único).
A moderna doutrina, secundada pela jurisprudência, tem reconhecido legitimidade ao
nascituro para a sua propositura, representado pela mãe, não só em face do que dispõe o
parágrafo único do art. 1.609 do CC, como também por se tratar de pretensão que se insere no
rol dos direitos da personalidade e na idéia de proteção integral à criança, consagrada na
própria CF.
Não há empecilho para que o filho adotivo intente ação de investigação de paternidade em
face do pai biológico, de caráter declaratório e satisfativo do seu interesse pessoal.

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Direito Civil
BRUNNO PANDORI GIANCOLI

A lei n.8.560/92 permite que a referida ação seja ajuizada pelo Ministério Público, na
qualidade de parte, havendo elementos suficientes, quando o oficial do Registro Civil
encaminhar ao juiz os dados sobre o suposto pai, fornecidos pela mãe ao registrar o filho (art.
2o, parágrafo 4o.), ainda que o registro de nascimento tenha sido lavrado anteriormente à sua
promulgação. Trata-se de legitimação extraordinária deferida aos membros do parquet, na
defesa dos interesses do investigando.
A legitimidade passiva recai no suposto pai ou na suposta mãe, dependendo de quem está
sendo investigado. Se o demandado já for falecido, a ação deverá ser dirigida contra seus
herdeiros. Havendo descendentes ou ascendentes, o cônjuge do falecido não participará da
ação, se não concorrer com estes à herança, salvo como representante do filho menor.
Deverá a viúva ser citada como parte, todavia, sempre que for herdeira, seja por
inexistirem descendentes e ascendentes (CC, art. 1.829, III), seja por concorrer com eles à
herança (art. 1.829, I e II).
Não é correto mover a ação contra o espólio do finado pai. O espólio não tem
personalidade jurídica, não passando de um acervo de bens.
O art. 27 do ECA menciona expressamente “os herdeiros” do suposto pai, mas a ação pode
ser contestada por qualquer pessoa “que justo interesse tenha” (CC, art. 1.615). A defesa,
pode, assim, ser apresentada pela mulher do investigado, pelos filhos havidos no casamento
ou filhos reconhecidos anteriormente, bem como outros parentes sucessíveis, uma vez que a
declaração do estado de filho repercute não apenas na relação entre as partes, mas pode atingir
terceiros, como aquele que se considera o verdadeiro genitor.
Se não houver herdeiros sucessíveis conhecidos, a ação deverá ser movida contra eventuais
herdeiros incertos e desconhecidos citados por editais.

3. Efeitos do reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento

O reconhecimento produz efeitos de natureza patrimonial e de cunho moral. O principal


deles é estabelecer a relação jurídica de parentesco entre pai e filho. Embora se produzam a
partir do momento de sua realização, são, porém, retroativos ou retrooperantes (ex tunc),
gerando as suas conseqüências, não da data do ato, mas retroagindo “até o dia do nascimento
do filho, ou mesmo de sua concepção, se isto condisser com seus interesses”.
Com o reconhecimento, o filho ingressa na família do genitor e passa a usar o sobrenome
deste. O registro de nascimento deve ser, pois, alterado, para que dele venham a constar os
dados atualizados sobre sua ascendência.
Se menor, se sujeita ao poder familiar, ficando os pais submetidos ao dever de sustentá-lo,
de tê-lo sob sua guarda e de educá-lo (CC, art. 1.566, IV).
Entre o pai e o filho reconhecido há direitos recíprocos aos alimentos (CC, art. 1.696) e à
sucessão (art. 1.829, I e II).
Dispõe o art. 1.616 do CC que “a sentença que julgar procedente a ação de investigação
produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e
eduque fora da companhia dos pais ou daqueles que lhe contestou essa qualidade”. O
dispositivo permite, portanto, que, em nome do melhor interesse da criança, ela possa
permanecer na companhia de quem a acolheu e criou.
O reconhecimento é incondicional:não se pode subordiná-lo a condição, ou a termo (CC,
art. 1.613). É vedado ao pai subordinar a eficácia do reconhecimento à determinada data ou a
determinado período, afastando-se, assim, a temporariedade do ato.

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CAPÍTULO IV – UNIÃO ESTÁVEL

O termo “união estável” admite dois sentidos, um amplo (lato sensu) e um restrito (stricto
sensu). No sentido amplo, desde a posse do estado de casados, com notoriedade de longos
anos, até a união adulterina, tudo se incluiria na noção maior de concubinato. No sentido
restrito, é a convivência more uxorio, ou seja, o convívio, de homem e mulher, como se
fossem marido e mulher.
O termo união estável, empregado pelo constituinte de 1988 refere-se à união livre, entre
homem e mulher desimpedidos, tanto é que o texto constitucional – art. 226, parágrafo 3º -
refere-se à possibilidade de conversão em casamento. Só se converte em casamento, união
entre homem e mulher não inquinada de impedimento.
O concubinato não se confunde com a união estável (ou, união livre), porque naquele há
sempre impedimento, enquanto nesta a convivência pode ser convertida em casamento.

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CAPÍTULO V – ALIMENTOS

Alimentos, na linguagem jurídica, tem uma conotação amplíssima, que não pode ser
reduzida à noção de mero sustento (alimentação) mas envolve, também, vestuário, habitação,
saúde, lazer, educação, profissionalização. Logo, podemos afirmar que alimentos são os
auxílios prestados a uma pessoa para prover as necessidades da vida.

1. Princípios da obrigação alimentar

Como se trata de um munus público, as regras que disciplinam a matéria são de ordem
pública, portanto, inderrogáveis por convenção entre as partes. Assim, não se pode renunciar
ao direito de exigir alimentos (art. 1707); não se pode ajustar que seu montante jamais será
alterado; não se pode estabelecer condição contrária ao disposto na lei.
a) Princípio da reciprocidade – Dispõe o art. 1696 do CC que o direito à prestação de
alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a
obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Isto é, a reciprocidade da
obrigação alimentar ocorre tanto entre ascendentes como entre descendentes.
b) Princípio da preferência – Na falta de ascendente cabe a obrigação aos descendentes e,
faltando estes, aos irmãos, germanos como unilaterais (art. 1697). O CC limita a obrigação na
linha colateral ao segundo grau (irmãos), logo tios ou sobrinhos (parentes em 3º grau)
escapam da previsão legal. Importante notar, que o elenco previsto pela lei é taxativo,
numerus clausus, de modo que, em faltando alguma das categorias citadas, extingue-se a
obrigação alimentar decorrente do parentesco.
c) Princípio da complementaridade – Se o parente convocado não estiver habilitado a
cumprir a obrigação totalmente (art. 1698 do CC) poderá chamar outros parentes, de grau
imediato para concorrer no cumprimento da dívida alimentar.
d) Princípio da mutabilidade (ou da variabilidade da prestação) – A decisão judicial sobre
alimentos faz coisa julgada formal, mas não material, isto é, ela é mutável podendo ser
modificada a qualquer tempo, sempre em decorrência da variação financeira das partes
interessadas (art. 1699 do CC). Se o quantum da pensão alimentícia subordina-se a um critério
de proporcionalidade entre as necessidades do alimentado e os recursos do alimentante,
sempre que o binômio se alterar produzirá efeitos imediatos sobre a pensão provocando
exoneração, redução ou majoração. Desse modo, entende-se que a revisão é da essência da
obrigação alimentar.
e) Princípio da transmissibilidade – Os alimentos poderão ser cobrados do espólio, ou de
cada herdeiro, mas sempre no limite das forças do monte, respondendo cada herdeiro
proporcionalmente à parte que lhe couber na herança.
f) Princípio da alternatividade – Os alimentos podem ser pagos em espécie (moradia,
alimentação, vestuário, etc.) ou em dinheiro, mediante o pagamento da prestação pecuniária.
O art. 1701 do CC confere ao devedor de alimentos a faculdade de optar entre o cumprimento
da pensão em espécie, ou em dinheiro, isto é, o dispositivo legal prescreve uma obrigação
alternativa. O direito de escolha, porém, não é absoluto, pois o parágrafo único do artigo
confere ao juiz, se as circunstâncias o exigirem, o poder de fixar a forma do cumprimento da
prestação.
g) Princípio da irrenunciabilidade – Não podem as partes pactuarem de modo diverso, quer
por contrato ou convenção (art. 1707 do CC). O texto legal é claro e não deve gerar maiores
questionamentos: o credor pode não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a
alimentos.

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2. Fontes da obrigação alimentar

A dívida de alimentos pode provir de várias fontes:


a) Vontade das partes – Embora hipótese rara ela pode se materializar nos casos de
separação consensual, na qual o marido (ou a mulher) convenciona a pensão a ser paga ao
outro cônjuge. Também pode derivar de disposição testamentária (art. 1920).
b) Parentesco – A lei impõe aos pais o encargo de prover a mantença da família e, por
decorrência jurídica, a eles compete sustentar e educar os filhos. Da mesma forma, aos filhos
compete sustentar os pais, na velhice e quando necessitam de auxílio.
c) Casamento e União Estável – Por força do princípio constitucional que inseriu as uniões
estáveis como espécie do gênero maior entidades familiares, os companheiros também podem
pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver (art. 1694).
d) Ato Ilícito – Quando o causador do dano fica obrigado a reparar o prejuízo mediante
pagamento de uma indenização, a pensão alimentar decorre da responsabilidade civil. É o que
decorre do disposto no art. 948, II.

3. Exoneração da obrigação alimentar

As três hipóteses arroladas no caput do art. 1708 do CC (casamento, união estável ou o


concubinato) na medida em que acarretam o vínculo do credor da pensão, à outra pessoa, são
suficientes a justificar a cessação do pagamento da dívida alimentar. Cessa o dever de prestar
alimento em caráter definitivo por que o credor se encontra vinculado a outra pessoa.
O parágrafo único do referido art. introduz a hipótese de ingratidão do alimentário como
causa extintiva da obrigação do devedor.

4. Atualização da dívida alimentar

No art. 1710 do CC a atualização monetária é feita por fórmula mais ampla (índice oficial
regularmente estabelecido) que subsiste por tempo indeterminado, sem risco de perda de
parâmetro oficial quando da desvalorização da moeda nacional.

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CAPÍTULO VI – TUTELA E CURATELA

A tutela e a curatela têm um ponto em comum, ambos os institutos objetivam proteger


pessoas incapazes, de fato e de direito, que necessitam da presença de outrem que aja em
nome delas. Tanto a tutela, quanto a curatela representam um munus (encargo) público, de
caráter personalíssimo e, em princípio irrenunciável.

O Código Civil manteve a distinção do direito antigo: a tutela dirige-se aos menores e a
curatela, aos maiores incapazes. Aí reside o divisor de águas entre os dois institutos.

São posto sob tutela São postos sob curatela


Os menores cujos pais falecem Os Deficientes mentais
Os menores cujos pais foram destituídos Os excepcionais
ou suspensos do poder parental Os pródigos
Os nascituros

1. Da tutela

A tutela possui três finalidades específicas: os cuidados com a pessoa do menor; a


administração de seus bens e sua representação para os atos e negócios da vida civil.
Três são os tipos de tutela reconhecidos pela ordem civil brasileira:
a) Tutela testamentária - O art. 1729 restringe aos pais, em conjunto, a nomeação do tutor.
Ambos devem estar no exercício do poder parental (art. 1730). Se existir apenas um dos
genitores a este competirá a nomeação do tutor. Dispõe, ainda, o art. 1733, que, se mais de um
tutor foi nomeado em disposição testamentária, entende-se que a tutela foi atribuída ao
primeiro, e que os outros lhe sucederão pela ordem de nomeação, no caso de morte,
incapacidade, escusa ou qualquer outro impedimento.
b) Tutela legítima - Na falta de nomeação a lei estabelece a ordem de preferência dos
eventuais tutores (art. 1731) ordem que não é inflexível, devendo-se considerar, sempre, o
maior interesse do menor.
c) Tutela dativa - Na falta ou na impossibilidade dos consangüíneos, o munus é
direcionado a pessoa estranha ao grupo familiar (art. 1732). A tutela dativa tem caráter
subsidiário, porque somente ocorrerá quando inexistir tutor testamentário ou legítimo.

2. Da escusa dos tutores

Tratando-se de um encargo público a tutela, em princípio, não pode ser recusada. Todavia,
no art. 1736 estão arrolados os casos específicos em que se justifica a escusa. O rol do art.
1736 é taxativo, isto é, somente aqueles casos são excludentes da tutela.
No art. 1.737 a lei arrola mais uma hipótese de escusa, própria da tutela dativa; daqueles
que não forem parentes do menor e que, por conseguinte, não estão obrigados a aceitar a
tutela. A escusa deve ser apresentada no lapso temporal de 10 (dez) dias subseqüentes à
designação, sob pena de entender-se renunciado o direito de alegá-la (art. 1738). Se o juiz
admitir a escusa – art. 1739 – o nomeado exercerá a tutela, até a decisão do recurso interposto.

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3. Do exercício da tutela

O art. 1752 prevê a remuneração do tutor proporcionalmente à importância dos bens


administrados. Se, porém, o tutor se compromete a exercer gratuitamente o cargo, não poderá
reclamar qualquer remuneração.
O CC (art. 1.743) previu a ocorrência de tutor subrogado sempre que o vulto e a
complexidade do patrimônio e exigir e, mediante justificativa em juízo. Da mesma forma, o
Código admite a figura do protutor (pessoa encarregada de fiscalizar o tutor) no art. 1742.
Incumbe ao tutor, sob inspeção do Poder Judiciário, quanto à pessoa do menor:
a) Dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos;
b) Providenciar a correção do menor, quando necessário;
c) Adimplir os demais deveres que normalmente competem aos pais.
Quanto ao patrimônio do menor compete ao tutor administrar os bens do tutelado em
proveito do mesmo.
O tutor também deve representar o menor até os dezesseis anos assisti-lo, dos dezesseis aos
18 anos de idade.

4. Da prestação de contas do tutor

Como administrador da pessoa do menor e de seu eventual patrimônio, o tutor fica


obrigado a prestar contas (art. 1755) ainda que o contrário tenham dispostos os pais do
tutelado.
Ao final da cada ano de administração, os tutores submeterão ao juiz o balanço respectivo
(art. 1756) e prestarão contas de 2 (dois) em 2 (dois) anos quando, por qualquer motivo,
deixarem o exercício da tutela ou toda vez que o juiz achar conveniente (art. 1757).
Finda a tutela, a quitação do menor só produzirá efeito depois de aprovadas as contas pelo
juiz (art. 1758) subsistindo inteira, até então, a responsabilidade do tutor. Em qualquer
hipótese de impossibilidade do tutor prestar contas (morte, ausência, etc.) as contas serão
prestadas por seus herdeiros ou representantes (art. 1759).

5. Da cessação da tutela

A tutela cessa, sob o prisma do tutelado, com a maioridade ou emancipação do menor, ou


ao cair o menor sob o poder familiar (caso de adoção, por exemplo). Sob o prisma do tutor, ao
expirar o termo, em que era obrigado a servir (dois anos, conforme prevê o art. 1765), ao
sobrevir escusa legítima ou ao ser removido (art. 1764).
Visualiza o art. 1766 a possibilidade de destituição do tutor quando negligente (isto é,
descaso ou falta de zelo no exercício de suas funções), prevaricador (é o que descumpre o
dever a que está obrigado, por improbidade ou má-fé) ou incurso em incapacidade (todas as
vezes em que o tutor se encontrar em qualquer das hipóteses do art. 1735 do Código Civil).

6. Da curatela

Quem exerce a curatela cuida dos interesses das pessoas arroladas no art. 1767. A
interdição dessas pessoas pode ser promovida pelos pais ou tutores, pelos cônjuges ou outro
parente e pelo Ministério Público – art. 1768. Importante notar, que a tutela e a curatela são
institutos muito próximos e com fins idênticos, tanto isso é verdade que o legislador, no art.
1774, manda aplicar-se à curatela as disposições concernentes à tutela.

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7. Curatela dos nascituros

Nascituro (art. 1779) é o ser humano já concebido, mas ainda não nascido. Duas são as
condições necessárias para materializar a curatela de seus bens: falecimento do pai ou perda
do poder parental e, se estiver a mulher grávida, mas não tendo o poder parental. A finalidade
dessa curadoria é zelar pelos interesses do nascituro e impedir, em favor do feto e de terceiros,
a substituição e a supressão do parto.

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CAPÍTULO VII – DIREITO DAS SUCESSÕES

1. Aspectos gerais

A sucessão em sentido restrito designa a transmissão de bens de uma pessoa (autor da


herança, também chamado de de cujus) em decorrência de sua morte para uma outra
(chamado genericamente de sucessor).
Com a morte do de cujus abre-se a sucessão. Imediatamente a posse e a propriedade de
seus bens transmitem-se aos seus herdeiros legítimos e testamentários, sem qualquer
necessidade de manifestação dos mesmos (art. 1.784 do CC). Trata-se da aplicação do
princípio de saisine.
Deste princípio resultam as seguintes conseqüências:
a) a capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão (art. 1.787 do CC);
b) o herdeiro pode socorrer-se dos interditos possessórios na proteção de sua posse; e
c) o herdeiro pode prosseguir, sem solução de continuidade, com as ações intentadas pelo
de cujus.

2. Espécies de sucessão

Existem duas formas de sucessão no direito brasileiro (art. 1.786 do CC):


a) A legítima – Resultante de lei. Ocorre sempre que o autor da herança morre sem deixar
disposição de última vontade; diz-se sucessão ad intestato (art. 1788 do CC).
b) A testamentária – Resultante da vontade do testador. Deriva do testamento, isto é, da
manifestação de vontade do testador que, além da legítima, abre espaço à vontade soberana do
testador, quanto à cota disponível.
O direito brasileiro consagrou o sistema da limitada liberdade de testar. É o que deflui do
disposto nos arts. 1.789 c/c 1.846 do CC. Com efeito, havendo herdeiros necessários (art.
1.845) diz o art. 1.789 que o testador só pode dispor da metade da herança.

3. Lugar da abertura da sucessão

A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido (art. 1.785), sendo aí o foro
competente para que se promovam o inventário e a partilha dos bens. Porém a lei prevê outras
situações:
a) Ausência de domicílio certo – Será competente o foro da situação do imóvel (art. 96,
parágrafo único, I, do CPC);
b) Pluralidade de domicílios – Se o de cujus possuía bens em diversos lugares, será
competente o lugar onde ocorreu o óbito; e
c) Falecimento no estrangeiro – Será competente para processar o inventário e a partilha, o
foro de seu último domicílio no Brasil (art. 96, caput, do CPC)

4. Representação legal na sucessão

O inventariante é o representante legal do espólio. Nomeado pelo juiz, representa o espólio


judicial e extrajudicialmente, ativa e passivamente, prestando compromisso formal no
processo e assumindo total responsabilidade pela guarda e conservação dos bens. A nomeação
obedece às preferências ditadas pela lei (art. 1.797 do CC): 1º) o cônjuge ou companheiro, 2º)

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o herdeiro (na posse e administração do espólio), 3º) o testamenteiro, 4º) a pessoa de


confiança do juiz (inventariante judicial).

5. Característica da herança

A herança é uma universalidade de direito. Até a partilha todos os herdeiros encontram-se


frente ao espólio como condôminos, ou seja, possuidores e proprietários de uma cota ideal,
abstrata, que só se materializará (ou concretizará) no momento da partilha.
O estado de indivisão, decorrente da abertura da sucessão, desaparece via inventário que,
minucioso e exato, faz conhecer o complexo de bens transmitido pelo de cujus aos herdeiros.
Ele garante a igualdade de quinhões, prepara a partilha e põe fim ao estado condominial.
O art. 1.792 ainda precisa que o herdeiro nunca responde ultra vires hereditatis, ou seja, ele
não responde pelos encargos superiores às forças da herança. Em outras palavras, a
responsabilidade da herança pelas dívidas do defunto limita-se às suas forças.

6. Cessão de direitos hereditários

O CC admitiu a cessão dos direitos hereditários mediante escritura pública e da anuência


dos demais co-herdeiros. Essa possibilidade existe desde a abertura da sucessão.
Através da cessão transfere-se, do cedente para o cessionário, o direito sobre a herança
indivisa, ou sobre o seu quinhão. Não se transfere a qualidade de herdeiro, esta é pessoal e
intransmissível. Assim, o cedente continua herdeiro para efeitos sucessórios na eventualidade
de substituição ou direito de acrescer.
O co-herdeiro só cede parte indivisa, ou fração ideal, jamais bem singular do acervo. Ele
também deverá respeitar o direito de preferência dos demais co-herdeiros. O direito de
preferência dos co-herdeiros tem de ser exercido, depositado o preço no prazo de 180 dias,
após a transmissão. Trata-se de uma preferência legal e real.

7. Instauração do inventário

O CC (art. 1.796) estabeleceu o prazo de instauração do inventário, 30 dias da data da


abertura da sucessão, mas silenciou sobre o respectivo término, embora o prazo de
encerramento esteja previsto no CPC que é de 6 meses.

8. Capacidade para suceder

São capazes de herdar as pessoas nascidas ou já concebidas (nascituros) no momento da


abertura da sucessão.
Mas a lei ainda previu a possibilidade de sucessão aos não concebidos (prole eventual –
art. 1.799, I) e as pessoas jurídicas (de direito público e privado), contudo estas hipóteses são
restritas à sucessão testamentária.

9. Aceitação da herança

A aceitação da herança pode ser expressa, tácita ou presumida. A expressa é a manifestada


por escrito (art. 1805). Não se trata de uma hipótese freqüente. A aceitação tácita é a que
resulta de atos compatíveis com o caráter dos herdeiros. (Ex. o fato do herdeiro outorgar
procuração ao advogado para acompanhar o inventário). Já a aceitação presumida é a prevista

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no art. 1807 do CC. Qualquer interessado (credor, eventual herdeiro) pode requerer a
notificação do herdeiro silente. Se em 30 (trinta) dias não se pronunciar o herdeiro, presumir-
se-á aceitação da herança.
Importante observar que a aceitação não admite parcialidade, condição ou termo, da
mesma forma que a renúncia.

10. Renúncia da herança

É o ato pelo qual um herdeiro, chamado à sucessão, declara que não a aceita. Para que se
caracterize é fundamental a ocorrência de três condições:
a) Tenha sido gratuita;
b) Tenha sido pura e simples (sem termo ou condição); e
c) Tenha sido feita em favor de todos os co-herdeiros.
Os efeitos da renúncia são:
a) A renúncia afasta o renunciante da sucessão, retroagindo ao momento da abertura da
sucessão o renunciante é considerado como se jamais tivesse existido;
b) A cota do renunciante acresce à dos outros herdeiros (art. 1810);
c) Se o renunciante é o único herdeiro da classe, devolve-se a herança aos herdeiros da
classe subseqüente;
d) Os descendentes do de cujus não podem representar o renunciante na sucessão do
ascendente; e
e) Se o renunciante for o único de sua classe ou se todos os outros da mesma classe
renunciarem os filhos poderão herdar por direito próprio e por cabeça
A renúncia é irretratável, não admite revogação pois, tratando-se de ato jurídico unilateral,
aperfeiçoa-se desde o momento da declaração soberana de vontade.

11. Herança jacente

Herança jacente é aquela cujos herdeiros não são conhecidos, ou que, sendo conhecidos
renunciaram à herança, devolvendo-se esta ao Estado. A jacência pode ocorrer tanto na
sucessão legítima, quanto na sucessão testamentária.
Evitando-se que o patrimônio caia no vazio a lei indica o Estado para recolher a herança
vaga.
O período que medeia entre a abertura da sucessão e a aquisição pelo Estado dos bens do
de cujus chama-se jacência. No direito pátrio jamais ocorre a aquisição imediata da herança
pelo Estado. O ente público somente adquire a propriedade dos bens hereditários após a
declaração de vacância, admissível um ano após a conclusão do inventário (art. 1.820).
O juiz manda a Fazenda Pública arrecadar os bens, que ficam em seu poder por um período
de 5 (cinco) anos. É sempre lícito aos herdeiros comparecerem e pedirem a entrega dos bens,
mediante devida habilitação.
Transcorrido todo o prazo prescritivo, sem a habilitação de qualquer herdeiro, a posse
exercida pela Fazenda transforma-se em propriedade. Os bens do de cujus, sem herdeiros
passam a pertencer ao Município no qual se encontram. Localizados no Distrito Federal são-
lhe devolvidos e se encontrarem-se nos territórios revertem em favor da União.

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12. Da petição de herança

Trata-se do meio judicial de que se serve o herdeiro excluído para garantir sua qualidade
sucessória e natural acesso aos bens herediários. A petição de herança tem um duplo objetivo:
a) O reconhecimento judicial da qualidade de herdeiro;
b) A restituição dos bens que compõem o seu acervo hereditário.
Conforme dispõe o art. 1.824 do CC, qualquer herdeiro pode intentar a ação; quem quer
que herde, legítima ou testamentariamente, pode pedir a herança se outrem a possui, com
ofensa ao seu direito de herdeiro.

13. Ordem de vocação hereditária

O critério da vocação é a proximidade do vínculo familiar. Assim, os herdeiros mais


próximos excluem os mais remotos (salvo hipótese de representação) e os herdeiros de grau
igual, quando herdam em nome próprio, recebem uma cota igual da herança.
Assim:
a) Herdeiros de grau igual: herdam por cabeça
b) Herdeiros de grau diferente: herdam por estirpe

14. Herdeiros legítimos

São as pessoas indicadas na lei (art. 1.829) como sucessores, na sucessão legal, a quem se
transmite a totalidade ou cota parte da herança.
A existência de herdeiros legítimos necessários impede a disposição testamentária dos bens
constitutivos da legítima (art. 1.846). São eles: os descendentes; os ascendentes, e o cônjuge
sobrevivente (concorrendo com as duas categorias, conforme prevê o inciso I do art. 1829) e o
companheiro.
Os herdeiros legítimos facultativos são os herdeiros que podem vir a herdar, quando
faltarem herdeiros necessários. Para excluí-los da sucessão basta que o testador disponha dos
bens, sem os contemplar. Nesta categoria incluem-se os colaterais até o quarto grau.

15. Sucessão dos descendentes

A sucessão dos descendentes ocorre por cabeça (quando os herdeiros se encontram no


mesmo grau de parentesco do de cujus) ou por estirpe (quando herdeiros de graus diferentes).

16. Sucessão do cônjuge

De acordo com o art. 1.830 o chamamento do cônjuge está condicionado a que, na data do
óbito, não estivesse separado judicialmente de de cujus, nem deste separado de fato há mais
de dois anos, “salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem
culpa do sobrevivente”.
Agora, o cônjuge sobrevivente concorre à divisão da legítima, em igualdade com os
descendentes ou ascendentes do falecido. Em três hipóteses, todavia, a lei deixa de reconhecer
vocação hereditária ao cônjuge, atribuindo a herança, em sua totalidade, aos descendentes:
a) Se o regime de bens do casal era o da comunhão universal;
b) Se o regime de bens era o da separação obrigatória; e

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c) Se o regime de bens era o da comunhão parcial, sem que o falecido tenha deixado bens
particulares. A ausência de patrimônio particular do de cujus importa serem comuns todos os
seus bens: por uma circunstância fática, essa última situação se equipara à primeira (de
comunhão universal) e, portanto, deve merecer igual tratamento.
Diante de tais exceções à regra da concorrência entre descendentes e cônjuge, ao último
caberá participar da sucessão em três hipóteses:
a) Se o regime de bens do casal era o da separação convencional, isto é, aquele livremente
adotado pelos cônjuges mediante pacto antenupcial válido;
b) Se o regime de bens era o da comunhão parcial, e o de cujus tinha bens particulares
(caso em que o cônjuge será, ao mesmo tempo, herdeiro e meeiro, incidindo a meação,
obviamente, apenas sobre o patrimônio comum);
c) Se o regime de bens era o da participação final nos aqüestos. Também aqui haverá
herança e meação.
Quando o cônjuge concorrer com ascendentes, será irrelevante o regime de bens.
A nova lei previu, ainda, com maior extensão, o direito real de habitação sobre o imóvel
residencial familiar para o cônjuge sobrevivente (art. 1.831).

17. Sucessão dos ascendentes

Não havendo descendentes, a sucessão devolve-se aos ascendentes. Aqui, também, o


princípio da proximidade é a regra, mas não se admite a representação.
E no caso dos pais do de cujus estarem mortos, mas ainda vivos seu avô paterno C e seus
avós maternos E e F, como se dividirá a herança? C receberá metade da herança cabendo a
outra metade a E e F conjuntamente (art. 1.836, parágrafo 2o. do C.C.).
A sucessão do filho adotivo por seus ascendentes cria duas situações distintas, a saber:
a) Adoção plena - A herança do filho adotivo devolve-se aos seus pais adotivos (art. 41,
parágrafo 2o. do ECA);
b) Adoção Simples – A herança beneficiará os ascendentes naturais.

18. Sucessão na união estável

A sucessão do convivente está prevista no art. 1790 do CC. Sua participação está limitada
aos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência, ficando excluído os bens
particulares deixados pelo de cujus.
Concorrendo com descendentes comuns receberá quota igual a que for paga ao
descendente. Se concorrer com descendentes só do falecido receberá metade do que cada
descendente receber.
Não havendo descendentes do falecido, o convivente concorrerá à herança com os outros
parentes porventura existentes, tendo direito a no mínimo 1/3 (um terço) da herança.
O convivente somente irá receber a totalidade da herança caso o falecido não tenha
deixado nenhum parente suscetível de receber a herança. Neste montante incluem-se os bens
particulares.

19. Do direito de representação

Trata-se de ficção porque, morrendo o presumido herdeiro antes da abertura da sucessão


em seu favor, são chamados os seus descendentes, em concorrência com os outros

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descendentes mais próximos do autor da herança, a ocupar o lugar do presumido herdeiro,


substituindo-o.
Embora a representação (também chamada substituição legal) tenha muitos pontos em
comum com a substituição, com ela não se confunde. A representação é própria da sucessão
legítima. Decorre de imposição legal; há, pois, indefinição dos representantes que só se
conhecerão no momento da abertura da sucessão. A substituição é própria da sucessão
testamentária . Decorre da vontade pessoal do testador; logo, mesmo antes de aberta a
sucessão já se conhece a titularidade do substituto.
A representação (art. 1.852) só ocorre na linha reta descendente, mas nunca na ascendente.
Na linha descendente, a representação é sem limites. Na ascendente não há que se falar em
representação.
Em se tratando de colaterais (linha transversal) só ocorre direito de representação em favor
dos filhos de irmãos do falecido, quando com irmãos deste concorrerem (art. 1.853).
Finalmente dispõe o art. 1.856 que o renunciante à herança de uma pessoa não está
impedido de representá-la na sucessão de outra.

20. Da indignidade

Trata-se da destituição do direito hereditário que a lei impõe ao herdeiro ou legatário que
se conduziu mal em relação à pessoa do de cujus. A indignidade é declarada por sentença em
ação ordinária (art. 1.815 do CC). A sentença que declara a indignidade não é título
constitutivo, mas apenas declarativo da incapacidade para suceder, sendo o seu efeito
retroativo à data da abertura da sucessão.
Como a indignidade é de natureza estritamente privativa, iniciada ou não a ação extingue-
se com o falecimento do herdeiro ameaçado (art. 1.816 do CC). A pretensão por indignidade
pode ser proposta pelo legítimo interessado dentro do prazo de 4 (quatro) anos, a partir da
abertura da sucessão (art. 1.815, parágrafo único). O prazo é decadencial, pois trata-se de um
direito potestativo.

21. Testamento

Testamento é o ato unilateral e revogável pelo que uma pessoa dispõe, para depois de sua
morte, de todos os seus bens ou de parte deles. É de 05 anos o prazo para impugnar a validade
do testamento (art. 1.859). Podem testar os maiores de 16 anos (1.860, parágrafo único do
CC). A determinação da capacidade é a da feitura do testamento.
Os testamentos se dividem em ordinários e especiais. Os ordinários são os facultados a
todas as pessoas capazes. São eles:
a) O testamento público:
É o ditado pelo testador e lavrado pelo tabelião em livro de notas, perante o mesmo oficial
e na presença de duas testemunhas (art. 1.864 ao art. 1.867 do CC). O analfabeto (art. 1.865
do CC), o surdo (art. 1.866 do CC) e o cego (art. 1.867) devem usar este tipo de testamento.
b) O testamento cerrado:
É escrito e assinado pelo próprio testador ou por alguém ao seu rogo, completando por
instrumento de aprovação lavrado pelo tabelião em presença de duas testemunhas (art. 1.868
ao art. 1.875 do CC).
c) O testamento particular:
É escrito e assinado pelo testador e lido na presença de três testemunhas que o subscrevem
(art. 1.876 ao art. 1.880 do CC).

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Os testamentos especiais são os facultados a certas e determinadas pessoas que se


encontram em situações excepcionais. São eles:
a) O testamento marítimo:
Facultado às pessoas que se encontram a bordo de navios de guerra ou mercantes.
Realizados com as formalidades da lei se apresenta com forma similar ao testamento público
ou ao testamento cerrado (art. 1.888 ao art. 1.892 do CC).
b) O testamento aeronáutico:
Facultado às pessoas que se encontram a bordo de aeronaves militares ou comerciais (art.
1.888 ao art. 1.892 do CC).
c) O testamento militar:
Feito por militares e demais pessoas a serviço das Forças Armadas, dentro ou fora do país,
ou em praça sitiada ou com as comunicações interrompidas (art. 1.893 ao art. 1.896 do CC).

22. Codicilo

Trata-se de um ato de última vontade pelo qual o disponente traça diretrizes sobre assuntos
pouco importantes, despesas e dádivas de pequeno valor. Contém disposições sobre: enterro,
esmolas de pouco monta a determinadas pessoas ou aos pobres de certo lugar, legado de
móveis, jóias, roupas de pouco valor e de uso pessoal.

23. Legado

Trata-se da disposição testamentária a título particular, destinada a conceder a alguém uma


determinada vantagem econômica. Só pode ser objeto de legado bem que pertence ao
testador. Três são as pessoas que figuram no legado:
a) O testador (legante);
b) O legatário (a quem o legado beneficia);
c) O herdeiro (incumbido de cumprir o legado).
Quanto ao objeto os legados são:
a) De coisa certa (art. 1.912 do CC);
b) De coisa comum (art. 1.914 do CC);
c) De coisa singularizada (art. 1.916 do CC);
d) De coisa localizada (art. 1.917 do CC);
e) De crédito (art. 1.918 do CC);
f) De quitação de dívida (art. 1.919 do CC);
g) De alimentos (art. 1.920 do CC);
h) De usufruto (art. 1.921 do CC);
i) De imóvel (art. 1.922 do CC).
Os legados podem perder sua eficácia. Trata-se da caducidade dos legados. Cinco são os
motivos geradores:
a) Modificação da coisa legada;
b) Alienação da coisa legada;
c) Perecimento ou evicção da coisa legada;
d) Indignidade;
e) Pré-morte do legatário.

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24. Das substituições

Prevendo a hipótese do herdeiro, ou do legatário, não poder ou não querer assumir a


herança ou o legado é que surgiu o instituto da substituição, como meio de dar continuidade à
cadeia sucessória. Trata-se de um instituto específico da sucessão testamentária.
A figura da substituição hereditária apresenta várias modalidades:
a) Substituição vulgar:
Ocorre quando o substituído é chamado para assumir a posição do nomeado anterior.
Constitui-se numa simples troca de titulares, condicionada ao primeiro herdeiro instituído ou
legatário não assumir sua condição na herança.
Essa modalidade admite duas formas: será singular, se só tiver um substituto ao herdeiro
ou legatário instituído; e será plural ou coletiva se vários forem os substitutos convocados
simultaneamente.
b) Substituição recíproca:
Ocorre quando os co-herdeiros, ou co-legatários são substituídos uns pelos outros, ou,
quando o testador, instituindo vários herdeiros ou legatários, os declara substitutos uns dos
outros. A substituição recíproca pode ser geral (quando todos substituem ao herdeiro ou
legatário que faltar) ou particular (quando uns herdeiros ou legatários determinados
substituem outros determinados, e reciprocamente).
c) Substituição fideicomissária:
É a substituição quando ocorre a transmissão concomitante e sucessiva a duas pessoas.
Mediante fideicomisso (confiança) o testador (fideicomitente) transmite a propriedade
resolúvel da coisa a um primeiro beneficiário (fiduciário), com a obrigação de que esse
transfira para um segundo beneficiário (fideicomissário). Três são as características
constitutivas da substituição fideicomissária: 1ª) a dupla disposição testamentária; 2ª) a
obrigação de conservar e restituir os bens; e 3ª) a ordem sucessiva (execução da obrigação ou
da substituição fideicomissária deferida ao tempo da morte do fiduciário).

25. Da deserdação

É a privação dos herdeiros necessários à legítima e à sucessão testamentária realizada pelo


de cujus, em testamento com declaração de causa. Trata-se de um instituto exclusivo da
sucessão testamentária, porém guarda estreita ligação com a indignidade. Todavia, a
deserdação é mais ampla que esta última.
Além das causas enumeradas no art. 1.814 também autorizam a deserdação as hipóteses
descritas no art. 1.962 do CC.
Só o testamento (art. 1.964 do CC) tem o poder de gerar a deserdação. Além disso, o
legislador exige a prova da veracidade da causa (art. 1.965 do CC) cabendo ao herdeiro prova-
la no lapso temporal de quatro anos. O testador só poderá perdoar o deserdado por meio da
revogação testamentária.

26. Do inventário

O inventário é feito para descrever e avaliar os bens possibilitando a posterior divisão do


acervo entre os herdeiros.
O inventário, na forma de arrolamento sumário, pode ocorrer quando todos os herdeiros
forem capazes e estiverem acordados sobre a partilha dos bens deixados pelo de cujus. Neste
caso, deve ser atendido o princípio da igualdade na partilha, consistindo este na boa partição

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da herança, dando-se em bens, a cada um dos herdeiros, uma soma de valores correspondentes
a seu direito hereditário, formando-se quinhões em partes iguais, sob pena de ser a partilha
anulada, determinando-se que outra seja feita.

27. Dos sonegados

Sonegado é tudo aquilo que deveria entrar na partilha, porém foi ciente e conscientemente
omitido na descrição dos bens pelo inventariante, não restituído pelo mesmo ou por sucessor
universal, ou doado a herdeiro e não trazido à colação pelo beneficiário com a liberalidade.

28. Da colação

Colacionar é conferir os bens e valores recebidos antes da abertura da sucessão de forma a


garantir a igualdade da legítima. Tem como objetivo restabelecer a igualdade entre herdeiros
legitimários.
São pressupostos da colação:
a) Ocorrência de sucessão legítima;
b) Existência de co-herdeiros necessários descendentes;
c) Ocorrência de uma liberalidade em vida.
Os bens sujeitos à colação são:
a) Doações e dotes constituídos pelos ascendentes;
b) Venda de bens ou doações feitas por interposta pessoa;
c) Outros recursos fornecidos pelo ascendente em favorecimento do descendente.
De acordo com o disposto no art. 2.004 do CC, o valor da colação é o que lhe for atribuído
no ato de liberalidade e, na falta desse valor, os bens doados serão avaliados com base no que
valiam ao tempo da liberalidade.
Os gastos ordinários do ascendente para com o descendente não são colacionáveis, por não
constituírem doação, nem liberalidade (art. 2.010 e art. 2.011 do CC).

29. Da partilha

É o ato pelo qual o partidor procede à divisão de um patrimônio entre os interessados, em


inventário causa mortis e a ser homologado pelo juiz. Sendo incapazes ou inexistindo
composição entre os herdeiros, a partilha será sempre judicial (art. 2.016 do CC). Trata-se de
um ato anulável e a invalidação deve ser promovida através de ação anulatória, com prazo
prescricional de 1 (um) ano, contado nos termos do disposto no parágrafo único do art. 1.029
do CPC.
A partilha em vida é possível e ela não se confunde com a doação (art. 2.018 do CC).

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