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Urbano Zilles
CRER E COMPREENDER
Coleção:
FILOSOFIA – 175
PORTO ALEGRE
2004
© Copyright de EDIPUCRS, 2004
ISBN: 85-7430432-8
CDD: 230.01
Nas religiões, a palavra Deus surge para designar o termo supremo, de algum
modo transcendente, com relação ao homem e ao mundo. O homem busca entrar em
relação pessoal com Ele. Para as escolas evolucionistas houve um largo caminho para se
chegar a um Deus único e universal. Essa teoria, entretanto, foi questionada por W.
Schmidt, que formulou a hipótese de uma revelação primitiva, baseando-se no fato de
que também em religiões ditas primitivas encontram-se indícios de uma crença num Ser
Supremo. A tese fundamental é a seguinte: no começo existe a unidade, a fé em um ser
supremo, um monoteísmo simples. E claro que tal tese não se deverá sustentar por
motivos teológicos.
Prescindindo dessas teorias, podemos afirmar que, na história da humanidade
conhecida, encontram-se duas estruturas do homem religioso: de um lado, a orientação
para algo (alguém) Absoluto e Transcendente; por outro, a necessidade das mediações
simbólicas (hierofanias, mitos, ritos etc.). Ora prevalece um, ora outro elemento.
As religiões tentam estabelecer alguma relação com Deus de várias maneiras,
sobretudo na oração (adoração), no sacrifício, no culto, na moralidade, na lei e no
direito. Deus (ou os deuses) é ser com quem se pode falar, que pode ser invocado.
As teorias evolucionistas, que partem do politeísmo para chegar ao monoteísmo
judaico-cristão, manifestam limites para os estudiosos contemporâneos. Sabe-se que
Conclusão
1 — O método transcendental
1
Para o tema aqui tratado é oportuno o artigo de J. Maréchal, Le dynamisme intellectuel. In: Revue Néo-Schol.
de Philos. 28 (1927), p.137-165.
2 - Experiência do Incondicionado
2
As citações dessa obra de Coreth são tiradas da tradução espanhola (Barcelona: Anel, 1964)
Referências
2 — Filosofia da religião
Wittgenstein mostra que, no uso, a palavra ―Deus‖ pertence àquelas palavras que
cedo aprendemos — através de imagens, catecismos etc. — Mas, diz ele, tais imagens não
ALSTON, William P. Divine Nature and Human Language. Cornell: University Press,
1989.
RICKEN, Friedo. Sind Sätze über Gott sinnlos? In: Religionskritik, organizado por Karl-
Heinz Weger. Munique: Johannes Berchmans Verlag, 1976, p. 101-128.
WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-philosophicus. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1968.
______ . Investigações Filosóficas. S.Paulo: Abril Cultural, 1975.
WUCHTERL, K. Philosophie und Religion. Berna/ Stuttgart: Verlag Paul Haupt, 1982.
ZILLES, Urbano. O Racional e o Místico em Wittgenstein. 3. ed. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2001.
Há mais de dois séculos, dentro dessa linha, toda uma corrente filosófica se
concentra sobre o conhecimento. Essa corrente conquistou a consciência de uma relação
conosco mesmos, ou seja, da autoconsciência. Com essa palavra já sugere a tendência a
salientar a própria produção e as próprias qualidades, havendo raízes para indicar esse
conhecimento com o pronome pessoal eu e fazer da palavra Eu o conhecimento
elementar de nós mesmos como tema da Filosofia,
Além disso, outras razões levaram essa corrente filosófica a tornar-se uma
Filosofia do sujeito: o pensamento, que temos de nós mesmos, ofereceu-se como último
ponto de partida evidente de todo o conhecimento. Abriu-se, dessa maneira, a
perspectiva de uma seqüência que no fim se fecha em si mesma e crê poder concluir daí
tudo que é possível saber. Delineou-se, desse modo, uma nova ciência para superar o
conhecimento matemático quanto ao aspecto sistemático.
Por outro lado, como a vinculação do conhecimento a nós mesmos pareceu
auto-suficiente, cabe explicitar tudo adequadamente a partir de si próprio. Gerou-se,
assim, a esperança de que nosso pensamento poderia encontrar a única explicação
possível de um Absoluto.
Essa corrente adquiriu dimensões universais com o idealismo alemão: Fichte, Hegel
e Schelling. Este último intitulou uma de suas primeiras obras, Do eu como princípio da
Filosofia. Contra essa posição da Filosofia do sujeito afirma-se que, em nosso tempo, a
Filosofia se deva orientar na intersubjetividade e na linguagem. Nas últimas décadas do
século XX, o positivismo lógico, a Filosofia analítica da linguagem, o pragmatismo e
correntes fenomenológicas e da filosofia social rejeitaram a Filosofia do sujeito.
Tudo isso não significa que se deva rejeitar simplesmente a Filosofia que parte
da subjetividade. Mas também não significa que essa hoje seja aproblemática.
Durante séculos trabalha-se com a idéia de que a Filosofia é a mãe das ciências
particulares: gera-as, as desenvolve e, ao entrarem em maioridade, adquirem autonomia
com seus próprios métodos. Para representantes da Filosofia analítica, mais recentemente
surgem tendências de reduzir a Filosofia a um conhecimento do ―residual‖ (Austin) ou de
integrar disciplinas em ciências particulares. Isso ocorre, sobretudo, com a lógica simbólica
e a metamatemática, partes das teorias das ciência, da lingüística, da teoria política e da
ética aplicada. Representantes do empirismo lógico, que vêem a tarefa da Filosofia na
reconstrução das teorias das ciências particulares, entendem a Filosofia como metaciência.
O aumento do poder tecnológico à disposição do homem, a fusão entre
tecnologia e ciência gerou uma nova situação ética. A complexidade do desenvolvimento
técnico-científico complicou o caminho entre o agir humano e sua eficiência. A
dinâmica dessa evolução tornou problemática a distinção tradicional entre ação e
omissão, entre agir responsável e omissão irresponsável. Tudo indica que, no futuro, a
solução de problemas éticos e sua aplicação moral e política terão papel mais importante
que a solução de problemas técnicos. Com isso a Filosofia tenderá a uma orientação
prática, a uma tarefa que as ciências e a técnica são incapazes de exercer por si mesmas.
Entretanto, o papel orientador da Filosofia pode ser compreendido, não só num
sentido normativo, mas também no sentido epistêmico. Assim Quine defende de maneira
Conclusão
Antes de mais nada, cabe conceituar o que entendemos por imortalidade. Em geral,
por imortalidade quer designar-se a perenidade da vida, de um ser que não morre (deuses,
Deus), ou, então, de um ser que, através da morte, se transforma e continua a viver sem corpo
ou assume formas superiores ou inferiores de vida (metempsicose, reencarnação).
Com o termo imortalidade queremos exprimir, pois, uma vida-sem-fim. Neste
sentido geral compete essencial e absolutamente a Deus. Os seres espirituais criados são
imortais por natureza enquanto participam da vida divina. Num segundo momento,
significa a sobrevivência para além da morte. Neste sentido, a imortalidade se refere a
seres essencialmente relacionados com a morte. Quer dizer-se que a alma subsiste, por
ser espiritual e imortal. Poderá entender-se, outrossim, que ―o homem todo‖,
ressuscitado, viverá sem fim. Portanto, não se trata apenas da imortalidade metafórica
(sobrevivência na memória dos homens), mas inclui a permanência consciente de
―identidade do sujeito‖ que sobrevive.
A imortalidade é um dos problemas que mais tem preocupado o espírito do
homem, pois sua importância na interpretação da existência humana é indiscutível.
Relacionado com a existência de Deus, fundamenta a religião e a moral. Trata-se da
sobrevivência da ―alma‖ ou pessoa humana depois da morte.
A idéia de imortalidade encontra-se em múltiplas doutrinas e tradições
religiosas. Na Índia, nas religiões e filosofias da Grécia, no judaísmo, no cristianismo e
no islamismo. A crença em uma vida para além da morte é testemunhada nos rituais
fúnebres das religiões primitivas. Nas religiões que admitem a migração de almas, a
idéia de recompensa e castigo está associada à idéia de uma purificação lenta, tanto faz
ser a meta última o nirvana, o bramã ou a libertação da alma do corpo.
Quando os filósofos falam da imortalidade da alma humana ou da pessoa,
geralmente consideram tal idéia o mero resultado de uma visão dualista. Por isso muitos
teólogos cristãos rejeitam a idéia filosófica de imortalidade e se contentam com a idéia
da ressurreição. Será que a idéia filosófica de imortalidade da alma simplesmente exclui
a fé na ressurreição? Nos tempos mais recentes, teólogos muitas vezes polemizaram
contra a idéia da imortalidade a partir da esperança na ressurreição. Argumentavam que
só nela estava garantida a seriedade da morte, a responsabilidade do homem todo, sua
dependência da graça criadora de Deus e eliminada a idéia de um falso dualismo corpo-
alma na concepção do homem. Do contrário, a imortalidade se basearia num valor eterno
do homem ou sua identidade com a essência eterna de Deus.
A oposição excludente entre imortalidade e ressurreição não encontra
fundamento na tradição da Igreja. A Igreja antiga e medieval não a conhece. Martinho
Lutero não polemizou contra a imortalidade da alma, embora destacasse a ressurreição.
Conclusão
Referências
Por carta encíclica, na Igreja católica, desde meados do século XVIII, entende-
se uma carta-circular do Papa, dirigida a toda a Igreja, ou a parte dela, ou também a não-
católicos. Como outros documentos pontifícios, costuma designar-se as encíclicas pelas
duas ou três primeiras palavras do texto original. As palavras iniciais desta, na língua
latina (original), são Fides et Ratio.
3 — Aspectos doutrinais
4 — Aspectos exortativos
1 — Contexto histórico
3 — O conceito cristão de fé
A fé ou crença é bem mais ampla que a ciência. Faz parte da vida. Nascemos e
crescemos numa circunstância interpretada e acreditamos que as coisas se comportam
desta ou daquela maneira. Formam-se, assim, as crenças individuais, de grupos, de
povos, de gerações. Nascemos para dentro de um sistema de crenças. Habituamo-nos a
elas. Há momentos em que se tornam problemáticas e surge a dúvida, o conflito.
Enquanto o homem crê, não precisa pensar. Antes de ser capaz do conhecimento
científico, o homem vive do conhecimento da fé nos pais, nos deuses ou em Deus.
Assim a crença não só fundamenta historicamente a própria ciência, mas está
presente na experiência cotidiana. Se hoje a concepção científica goza da preferência da
opinião pública, nada impedirá que amanhã ou depois uma nova geração dê preferência a
uma interpretação do mundo e da sociedade a partir do amor, de tipo religioso. Em sua
gênese, a fé é anterior à ciência, ao próprio uso da razão, sendo pressuposto da ciência. É
a questão do sentido para a própria existência humana. Na convivência humana articula-
se como confiança no outro. A fé religiosa orienta-se para Deus.
Antes de mais nada, do ponto de vista cristão, é dom de Deus. É o sim do
homem a Deus que se revelou no homem histórico Jesus como o Cristo. Religião e fé
não são sinônimos, pois há religiões nas quais a fé não é o fundamento e centro. Para o
cristão, a fé é o fundamento da existência, uma fé que se articula na vida concreta.
A fé cristã tem, por um lado, o motivo da obediência a Deus a exemplo de Abraão,
o pai dos crentes e de Maria, mãe de Jesus e da Igreja. Por outro, tem o motivo do êxodo e da
contestação do que já é em nome do que ainda não é. A fé de Abraão obriga-o a abandonar
seu país e entregar seu filho Isaac em sacrifício. Deixa a segurança (terra, bens) e aventura-se
com Deus em busca de novos caminhos, de rumos desconhecidos. E a fé sempre a caminho,
Conclusão
Não existe nem pode existir uma doutrina social pronta e acabada, uma vez que a
sociedade encontra-se em mudança permanente. E essas mudanças são imprevisíveis,
pois dependem do livre uso que o homem faz de sua inteligência e de suas conquistas.
Para elaborar uma doutrina social católica, não basta ler encíclicas e
comentaristas. Pressupõe-se, de um lado, um conhecimento profundo da Bíblia e da
tradição da Igreja; por outro, um conhecimento das filosofias e das ciências. Só assim se
conseguirão elaborar princípios para uma transformação da sociedade atual numa
sociedade mais humana e mais fraterna. Para esta elaboração de uma doutrina social
católica. vale o que João Paulo II diz na introdução da encíclica Fides et ratio: ―A fé e a
razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a
contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de
conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-o e
amando-o, possa chegar à verdade sobre si próprio‖.
O maior pecado dos católicos hoje é, sem dúvida, a omissão, isto é, não o mal que
fazem, mas o bem que deixam de fazer. Neste mundo urge que os católicos despertem
para lutar contra o pessimismo e a acomodação e anunciem urna grande esperança. Neste
1 — Gênese da fé e da ciência
2 — Autonomia da ciência
a) Ética
Antes de mais nada, cabe esclarecer alguns termos usados nesta abordagem. As
palavras ética (éthos), derivada do grego, e moral (mores), derivada do latim, a rigor,
têm a mesma etimologia. Ambas, entretanto, são entendidas de diferentes maneiras,
sempre referentes à conduta e ao agir humanos. Antes da moral filosófica existe a moral
vivida. As ciências humanas que estudam o comportamento humano, como a sociologia
e psicologia, de modo algum substituem a ética ou moral.
Para alguns autores, é fundamental distinguir ética e moral. Por ética
entendem a análise da dimensão pessoal da ação, mostrando o modo como o agir surge
da própria interioridade da pessoa que age. A moral, por sua vez, considera o agir na
sua relação com a lei.
Os dois termos, para nós, abrangem as mesmas áreas de problemas, embora a
ética se proponha o nível da fundamentação da lei e da moral, e a moral se ocupe mais
do campo da lei e da regra.
Ernst Tugendhat distingue o conceito de moral em três níveis:
a) um sistema de obrigações intersubjetivas. Considera-se, então, imoral uma
ação que transgride as normas consideradas intersubjetivamemte válidas;
b) um comportamento altruísta. Este pode fazer parte de um sistema, mas
existem ações altruístas que não são normativas. Pode funcionar por simpatia,
compaixão e não só por normas;
c) qualquer coisa que uma pessoa crê dever fazer, como deve viver. A palavra
moral pode ter o sentido de dever, no sentido de uma obrigação. Neste significado em
geral se usa a palavra ética.
Quando usamos a palavra moral, geralmente, designamos aquelas regularidades
do comportamento que se baseiam na pressão social. Nesse sentido, a moral é um
sistema de exigências recíprocas. E bom o membro de uma sociedade moral, quando ele
se comporta como os membros o exigem mutuamente uns dos outros; é mau, quando
transgride tais normas.
A moral é um sistema de normas que restringe ou condiciona a liberdade dos
membros da sociedade. E um peso que nos impomos mutuamente uns aos outros. Por isso
tais normas somente são aceitas quando justificadas. Aceitar um sistema de normas é dispor-
se a observá-las. A aceitação implica uma atitude, não apenas racional, mas também afetiva.
Segundo E. Tugendhat, somente existem dois tipos de justificação recíproca de
normas: o religioso e o relacionado aos interesses dos membros da sociedade. O religioso
pode ser denominado de justificação vertical ou autoritária, e o segundo de justificação
horizontal. Diz Tugendhat: ―Em todas as sociedades tradicionais, a justificação era vertical.
Nietzsche e Dostoiewski pensavam que, quando a justificação vertical se torna impossível, a
moral simplesmente não é justificável e muitos pensam assim ainda hoje‖ (p. 17).
Certamente a justificação religiosa pode conduzir para além de si mesma, pois a
justificação feita só de maneira autoritária pode não convencer. Pode perguntar-se: as
b) Fundamentalismo religioso
3
Servimo-nos do texto de G. Wieland. In: Honnefelder/Krieger. Philosophische Propädeutik. Paderboen-
München: F. Schöningh, 1996, vol. II, p. 61-68.
Conclusão
Referências
1 — Conceituação de espiritualidade
Para os filósofos, em geral, trata-se mais de uma qualidade que de uma entidade.
Contrapõe-se à materialidade. Refere-se a uma qualidade que transcende toda materialidade.
Assim Deus, os anjos, a alma são exemplos perfeitos de seres espirituais. Neste caso
emprega-se espiritual como negação de material. Espiritual então é a qualidade que convém a
seres situados fora do espaço e do tempo. Via de regra aí pára a eloqüência dos filósofos.
2 — Conceito cristão
4 — Espiritualidade e mística
Conclusão
1 — A unidade da criação
4
T.de CHARDIN, Le Milieu Divin. Paris: Ed. Du Seuil, 1957, p. 108.
5
Id., Sur les Bases Possibles d‟um Credo Commun. Caderno 1 (Construire La Terre). Paris: Ed. Du Seuil,
1958, p. 42-43.
6
Id., Le Milieu Divin, p. 121.
7
Id., ibid., p. 122.
8
Id., ibid., p. 122.
9
Id., ibid., p. 122.
10
Id., ibid., p. 122.
11
Id., ibid., p. 123-125.
12
Id., ibid., p. 126.
2 — O acontecimento salvífico
13
Id., ibid., p. 128.
3 — O acabamento do mundo
14
Id., ibid., p. 201-202.
―Olha a multidão imensa daqueles que constroem e daqueles que procuram. Nos
laboratórios, nos estádios, nos desertos, nas usinas, no enorme cadinho social, tu vês
todos estes homens que labutam? Pois bem: Tudo o que neles fermenta de ciência e de
arte, de pensamento, tudo isto é para ti‖ 15.
―Terra fumegante de usinas, terra trepidante de negócios. Terra vibrante de cem novas
irradiações. Este grande organismo vive em definitivo para e por uma alma nova‖16
―Em que momento, na noosfera, existiu uma necessidade mais urgente de encontrar
uma fé, uma esperança, a fim de dar um sentido, uma alma ao imenso organismo que nós
construímos? Em que época a crise foi mais violenta entre o gosto e o desgosto da vida?
Nós oscilamos hoje entre duas paixões: a de servir ao mundo, ou de lhe fazer greve‖ 17.
Precisa o cristão despir a veste humana para ser integral? Acaso temos alguma
razão para pensar que uma mãe, trabalhando todo o dia em casa, a fim de sustentar seis
ou sete filhos, seja menos santa que a religiosa carmelita ou beneditina, só porque a
última dispõe de mais tempo para a contemplação?
Na Igreja há monges e religiosos de todos os tipos: missionários, contemplativos,
mendicantes etc. Por amor à verdade também devemos reconhecer que já houve monges
antes de Cristo e que ainda hoje existem monges fora do cristianismo, como sejam os
monges das grandes religiões orientais. Com razão Teilhard pergunta, pois, por que não
haveria também homens na Igreja com finalidade de mostrar o caminho à santificação,
15
Id., ibid., p. 202.
16
T. de CHARDIN, Le Phénomène Humain. Paris: Ed. Du Seuil, 1955, p. 238.
17
Id., L‟Energia Humaine. Paris: Ed. Du Seuil, 1962, p. 54.
18
Id., Le Milieu Divin, p. 39.
19
Id., ibid., p. 41.
20
Id., ibid., p. 41-42.
―Pela repercussão mais ou menos profunda e direta sobre o mundo espiritual, cada
uma de nossas obras contribui a perfazer o Cristo na sua totalidade mística. Eis a
resposta à nossa questão do modo mais completo possível: como poderemos nós,
seguindo o convite de S. Paulo, ver Deus em todo o meio ativo de nossa vida? — Pela
operação sempre ativa da encarnação, o divino penetra nossa energia de criaturas de tal
maneira que não saberíamos encontrar outro meio mais apropriado que nossa ação
mesma, a fim de reencontrarmos e abraçarmos o divino.
Na ação adiro à potência criadora de Deus. Identifico-me com ela. Torno-me, não só
um instrumento, mas seu prolongamento vivo. E como no ser nada há de mais íntimo que
sua vontade, confundo-me, de alguma maneira, por meu coração, com o coração de Deus.
Este contato dura sempre, porque sempre estou ativo. E como não existem limites à
perfeição de minha fidelidade e ao fervor de minha intenção, este mesmo contato
simultaneamente permitirá assemelhar-me sempre mais estreita e indefinidamente a Deus.
A alma não mantém esta comunhão para gozar ou para perder de vista o objeto
material da ação. Não é, pois, criadora a atividade a que ela se decide? O desejo do
sucesso e certo amor apaixonante à obra a realizar constituem parte integrante de nossa
fidelidade de criaturas. Disso até depende a sinceridade com que nós desejamos o
sucesso de Deus, como um novo fator — outrossim ilimitado — a nos impulsionar à
união mais perfeita com o Todo-Poderoso, o qual nos anima. No começo estávamos
associados a Deus no simples exercício comum das vontades e agora nos unimos a Ele
no amor comum ante o resultado a obter. E maravilha das maravilhas é que, no resultado
obtido, temos a alegria de encontrá-lo ainda presente‖.
21
Id., ibid., p. 50-53.
―Em resumo, quando um católico trabalha conosco. nós sempre levamos a impressão
de que ele não procede com sinceridade, mas por condescendência. Parece interessar-se
só até certo ponto. Mas no fundo ele não crê no esforço humano‖24.
Os cristãos são acusados de não irem até à raiz do ser humano. Teilhard reage
contra tais acusações:
22
Id., ibid., p. 55 e 59..
23
Id., ibid., p. 59.
24
Id., ibid., p. 59-60.
25
Id., ibid., p. 61.
26
Id., ibid., p. 63-64.
27
Id., ibid., p. 62.
Sem dúvida alguma, torna-se difícil dizer até que ponto as suspeitas e desconfianças
contra os cristãos, especialmente contra os católicos, são justas. Contudo, podemos crer
que não foram tiradas inteiramente do ar. Parece-nos certo que os ateístas não nos objetam,
em primeiro lugar, por causa de nossa fé, mas porque dedicamos muito tempo — na visão
deles — às formalidades do culto e, na vida prática, nada se altera, especialmente lá, onde
se trata de grandes massas em miséria. Devemos ter clareza de que não poderemos iludir os
miseráveis com bons conselhos. Em outras palavras, os ateístas nos criticam, em primeiro
lugar, onde negligenciamos nossos deveres humanos e sociais. Na situação atual não
cumprimos nossos deveres de cristãos autênticos, dando apenas uma esmolinha ao pobre,
quando bate à nossa porta. Hoje se nos impõe a tarefa de fazer com que o pobre não
precise mais de esmola, que se possa ajudar a si mesmo. E preciso proporcionar-lhe
chances de auto-realização, na medida em que tal é possível. Precisaremos usar as ciências
e a técnica não só contra a pobreza e as doenças. ―O interesse do cristão está nas coisas, em
dependência absoluta da presença de Deus nas mesmas‖.
Teilhard tenta superar o abismo entre o ―filho da terra‖ e o ―filho do céu‖. Na sua
mística da ação cremos divisar novo tipo de ascese, isto é, de ir a Deus através do
mundo. Claude Cuénot pensa que a espiritualidade de Le Milieu Divin, da qual
expusemos alguns aspetos concernentes à ação. marca um avanço da Igreja em direção à
sua unidade, porque a faz tomar consciência dos efeitos universalmente purificadores e
santificantes da encarnação 28.
A síntese teilhardiana certamente exige uma reflexão mais crítica. Desde já temos
certeza de que não a poderemos rejeitar totalmente. A unidade entre a dedicação ao
mundo e o amor a Deus, entre a vida de todos os dias e a religião dominical fundamenta-
se na idéia cristã de criação e de redenção. E verdade de fé que Deus também está
imanente à criação em todos os seus momentos. Por isso a atividade humana é meio
salvífico. Não pode existir um cristianismo alheio ao mundo, mesmo para o monge
enclausurado. Na visão de Teilhard, essas motivações convencem de tal maneira, que no
fim conseguem libertar novos impulsos à tarefa do cristão no mundo, mostrando que o
trabalho profano não contradiz a santificação. Contudo, Teilhard talvez distinga de
menos mundo e Deus, aquém e além, dando-nos, às vezes, a impressão de suspender a
tensão real entre matéria e espírito. Corre o perigo, ao menos na interpretação, de
restringir a religião às dimensões intramundanas, identificando, por exemplo, o trabalho
profano com a construção do Reino do céu, a ação terrena com a ação redentora e
salvífica da graça, porque lhe falta um pouco o pensamento polar. Numa leitura
superficial, facilmente nos poderá escapar a intencionalidade sobrenatural e grandiosa da
criação orientada toda ela para Cristo (Cl 1, 15-20). Dizer, contudo, que a síntese
teilhardiana carece de fundamentos bíblicos parece-nos mui precipitado. Na Bíblia
encontramos apoio para dizer que até ao fim dos tempos a santidade de Deus terá
transpenetrado tudo (Nm 14, 21), pois naqueles dias mesmo os ―cincerros dos cavalos‖ e
28
Cl. CUÉNOT, Teilhard de Chardin. Paris: Ed. Seuil, 1962, p. 155. Col. Écrivains de toujours
A palavra mística não é de origem cristã, e a mística cristã não é a única. O termo
mística provém do adjetivo grego mystikós, relacionado com o verbo mýo (fechar os olhos
e a boca para penetrar num mistério sem divulgá-lo) e myéo (iniciar-se nos mistérios),
significando oculto ou relativo a um mistério. Fechar os olhos corporais, para que os olhos
espirituais vejam o que deve ser visto; e a boca, para que não diga o que não sabe ou não
pode dizer. Fechar os olhos corporais para que, recolhido à sua própria intimidade, abra os
olhos espirituais para o abismo insondável e indizível de si mesmo e das coisas. Assim a
palavra mística indica ―algo indeterminado‖ para além do que se vê, se descreve ou
designa, algo muito importante, que permanece na esfera do inefável. Por outro lado, o
místico parece ver o que os demais não percebem.
Na filosofia platônica, sobretudo no neoplatonismo e no gnosticismo, mística
passou a designar conhecimento, falar místico como discurso inadequado de uma última
verdade envolvida de mistério inexprimível, porque eleva acima de tudo o que é lógico e
racional. A partir do século XVII, a palavra mística é empregada para designar o campo dos
fatos místicos (a mística) e a quem passa por uma experiência deste gênero (os místicos).
A palavra mística é usada para designar: a) na linguagem profana: a vivência de
ideologias fortemente arraigadas e absorventes, por exemplo, a mística marxista; b) nas
religiões orientais: a comunhão com Deus ou com deuses que o homem julga conseguir
mediante próprio esforço; c) na concepção bíblico-cristã: comunhão obtida por
condescendência ou graça de Deus, o qual se revela e comunica ao homem que se dispõe
a acolhê-lo e a colaborar na santificação própria e dos outros.
De maneira genérica, por estados místicos entendem-se estados que, por um
lado, se caracterizam por uma desvalorização e uma espécie de desaparecimento dos
símbolos sensíveis e das noções do pensamento abstrato e discursivo e, por outro lado,
pelo contato direto e imediato do espírito com a realidade transcendente possuída em si
mesma. A primeira característica nem sempre é evidente. A segunda, entretanto, está
presente em todos os estados místicos.
No estudo comparativo das religiões, no concernente à realidade possuída ―em
si mesma‖, distingue-se uma mística de imanência e uma mística de transcendência. O
primeiro caso é o de numerosos místicos hinduístas, para os quais a realidade não é outra
coisa que o próprio sujeito em sua profundidade abissal, o atmã descoberto e percebido
na experiência última, num recolhimento em si mesmo, num êxtase sem diferença entre
o sujeito e o objeto.
No caso da mística da transcendência, como entre judeus, cristãos e
muçulmanos, a experiência desenvolve-se no interior e não fora da fé teologal. A
realidade última, concebida como transcendente, eleva o sujeito até ela.
Desde a Idade Média tornou-se clássica a definição de mística como ―o
conhecimento de Deus pela experiência‖. A mística encontra seu ápice na união de Deus
com a alma. Tal experiência, por breve que seja, é uma mística da vivência, um
fenômeno extraordinário, concedida a poucas pessoas.
A experiência almejada exige uma preparação. Em sentido mais amplo, faz
parte da mística a atitude religiosa global. Geralmente essa preparação é designada como
2 — Na Sagrada Escritura
3 — Na história do cristianismo
Teresa de Ávila é uma mística dos tempos modernos. Depois do período áureo
da teologia da Alta Idade Média, i. é, depois do século XIII, surgiu na Europa uma
separação sempre mais profunda entre a teologia das universidades e a vida de piedade
do povo cristão. Os cristãos, sobretudo os religiosos, se queixaram de que a teologia dos
doutores não os orientava para a vida prática, que não era fonte de vivência cristã. Por
outro lado, os teólogos se queixavam de que os homens religiosos ou místicos não se
inspiravam na teologia, nem se deixavam orientar por ela. Esta situação levou a uma
série de famosas disputas nas quais não raro intervinha a inquisição. Assim o grande S.
João da Cruz, um dos colaboradores de Teresa na reforma das carmelitas, e a própria
Teresa foram suspeitos da inquisição.
Como se explica este abismo entre teologia-ciência e vida prática?
O reavivamento da filosofia grega no Ocidente cristão por Tomás de Aquino e
outros tivera como conseqüência que a teologia posterior, sobretudo depois do século
XIV, se abastecia mais na filosofia que na Bíblia. A função dos teólogos consistia em
fundamentar filosoficamente a doutrina positiva do magistério eclesiástico, sem
questionar mais uma vez a própria doutrina do magistério à luz da revelação bíblica.
Surgiu, assim, o que na história da teologia chamamos de positivismo doutrinário do
magistério. Contra esta atitude positivista protestou a Reforma de Lutero, voltando-se à
Bíblia. Mas, na teologia católica, este desenvolvimento teológico continua, em suas
grandes linhas, até o concílio Vaticano II.
Nesta situação formou-se, paralelamente à teologia dos doutores, nas
universidades, a mística. Etimologicamente a palavra ―mística‖ deriva do grego
mystikós, proveniente dos verbos mýo, que significa fechar os olhos e boca para
interiorizar-se de um mistério, e do verbo myéo, que significa ser introduzido nos
mistérios. Os místicos não só falavam uma linguagem própria, mas até polemizavam —
contra a esterilidade da teologia dos acadêmicos. Os místicos são homens que procuram,
na vida prática, a experiência imediata de Deus através da oração. Têm como meta a
contemplação — por isso na Idade Média também se diz contemplatio de Deus na linha
29
Opúsculos. Petrópolis: Vozes, 1951, p. 31-32.
30
Castelo Interior ou Moradas. 2. e. Petrópolis: Vozes, 1956,p. 10.
31
Ibidem, p. 10.
32
Ibidem, p. 12.
33
Castelo interior ou Moradas. 2. e. Petrópolis: Vozes, 1955, p. 17.
34
Ibidem, p. 188.
35
Livro da Vida, 3. e. Petrópolis: Vozes, 1961, p.68.