Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Direito Internacional Público - Nguyen-Quoc Dihn e Escola de Lisboa
Direito Internacional Público - Nguyen-Quoc Dihn e Escola de Lisboa
INTERNACIONAL
PÚBLICO
Professor Carlos Blanco de Morais
SEBENTA
大象城堡
2014/2015
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Desejando boa sorte, cabe-me alertar para o facto de a sebenta ter, certamente, pequenas
imprecisões que, por lapso e sem intenção, nela perpassaram. Leiam criticamente, como tudo
em ciência! E não dispensem a consulta dos manuais (isto ajuda e tem muita coisa resumida
mas não terá tudo e poderá ter erros, e nada como comprar os manuais ou consultá-los na
biblioteca).
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Determinação das fontes formais do Direito Internacional pelo artigo 38.º do Estatuto
do Tribunal Internacional de Justiça: como resulta da distinção entre as fontes materiais e
as fontes formais do Direito, o conteúdo do Direito deriva das primeiras, enquanto as segundas
correspondem à formulação e à introdução desse conteúdo no Direito Positivo 2. Sobre uma
questão de tal importância, convém que haja um consenso universal. Donde o interesse de um
texto tomando claramente posição e comprometendo a quase totalidade dos Estados. Não era
o caso da supracitada Convenção de Haia, que não entrou em vigor. Os Estados que criaram as
1
Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação Calouste Gulbenkian, 4.ª Edição
1992.
2
O artigo 7.º da XII Convenção de Haia de 1907, que criava o Tribunal Internacional de Presas, fornecia a
seguinte enumeração das fontes formais do Direito aplicável por esta jurisdição internacional:
«Se a questão de direito a resolver for prevista por uma convenção em vigor entre o
beligerante captor e a potência que é parte no litígio, ou cujo natural é parte no litígio, o Tribunal
conforma-se com as disposições da citada convenção.
Na falta de tais disposições, o Tribunal aplica as regras do Direito Internacional. Se não existem
regras geralmente reconhecidas, o Tribunal decide de acordo com os princípios gerais da justiça e da
equidade».
Esta disposição designava por «regras de Direito Internacional», regras consuetudinárias gerais.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
numerosas regras de conteúdo muito variado: o menor tratado dá-nos disso uma ilustração3. Se
conviesse insistir sobre esta questão de terminologia, era designadamente porque a solução do
problema de hierarquia não segue as mesmas regras para as normas jurídicas e para as fontes
de Direito.
2.º O princípio é que, para as fontes, não existe hierarquia em Direito Internacional.
Contrariamente ao artigo 7.º da Convenção de Haia de 1907 o artigo 38.º do Estatuto do Tribunal
Internacional de Justiça abstém-se de fazer qualquer alusão a uma hierarquia entre as fontes 4
enumeradas. Não é possível admitir, como postulado geral, que os tratados prevaleçam
necessariamente sobre o costume ou vice-versa. Seria bem diferente se, por um processo
centralizado, uma das fontes dispusesse de uma primazia incontestada. O estado atual da
sociedade internacional, ainda largamente descentralizada, impede uma tal conclusão. Todas as
fontes são suscetíveis de traduzir, segundo modalidades diferentes, exigências da sociedade
internacional; em especial, não há «qualquer razão para pensar que, quando o Direito
Internacional consuetudinário é constituído por regras idênticas às do Direito convencional, é
suplantado por este de tal maneira que deixa de ter existência própria» 4 . A ideia de uma
hierarquia das fontes é particularmente inaceitável numa abordagem voluntarista5. A ausência
de hierarquia das fontes só vale para o Direito interestatal. O mesmo não se verifica nos sistemas
jurídicos mais organizados tal como aqueles que são elaborados dentro das organizações
internacionais. Quando a uma hierarquia dos órgãos corresponde uma hierarquia dos atos
emitidos por cada um deles, existe efetivamente uma hierarquia entre os processos de adoção
dos atos jurídicos, entre as fontes formais próprias dos órgãos em causa. Uma outra questão é
saber se as fontes propriamente ditas são hierarquicamente superiores às que são
características das organizações internacionais ou de outros sujeitos do Direito Internacional.
Aqui também não podemos postular que as fontes interestatais sejam, por natureza, superiores
às do Direito das organizações internacionais. Tecnicamente, estas são aliás muitas vezes as
mesmas (convenções e costumes). A ausência de hierarquia a priori entre fontes formais não
tem como consequência a ausência de qualquer relação entre estas fontes. É muitas vezes
necessário conciliar várias fontes no estádio de elaboração ou da prova do Direito positivo. É
verdade, contudo, que certas fontes têm um caráter secundário, embora não sejam secundárias:
é o caso dos princípios gerais de Direito. O intérprete só recorre a elas na falta de outras fontes
pertinentes. O conflito potencial é então contornado.
3.º O facto de as fontes formais não seres hierarquizadas não leva a concluir que não
exista hierarquia entre as normas jurídicas. Esta hierarquia não poderá evidentemente deduzir-
se do fundamento destas normas, porque se trata de normas formais. Mas pode ser resultante
de outras características: o grau relativo de generalidade das regras em causa, a sua posição
cronológica, por exemplo. O único caso em que se pode, com efeito, aplicar o princípio
3
A confusão entre norma e fonte é tanto mais frequente quanto é certo ser alimentada pelo
vocabulário. Por uma simplificação abusiva mas cómoda, a mesma palavra ou a mesma expressão pode
visar simultaneamente uma fonte e as normas que delas provêm.
4
Acórdão 27 de junho de 1986.
5
Nesta perspetiva, todas as fontes formais assentam, em última análise, na vontade direta ou indireta
dos Estados, vontade que se exprime diferentemente, de um ponto de vista técnico, segundo o
processo de elaboração do Direito. Não existe então razão a priori para fazer prevalecer uma destas
técnicas sobre uma outra, a não ser que prevaleça a fonte que permite a expressão mais clara – em cada
caso particular – das vontades do sujeito de Direito. Ora a clareza da expressão não é própria de um
processo: tudo depende das circunstâncias. Os conflitos entre várias fontes formais não têm então
senão respostas individuais.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
hierárquico é o de um conflito entre uma norma “imperativa” (ius cogens) e uma outra norma,
convencional ou costumeira. A Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados afirma
o caráter “imperativo” – portanto hierarquicamente superior – de certas normas, não do seu
processo de elaboração, que permanece uma fonte “clássica”, convencional ou costumeira. Para
os outros casos, há, senão um princípio hierárquico, pelo menos regras de resolução de conflitos,
quer entre regras convencionais, quer entre regras consuetudinárias, quer ainda entre norma
convencional e norma consuetudinária. As soluções do Direito positivo inspiram-se em dois
adágios: specialia generalibus derogant ( lei especial derroga lei geral) e lex posterior priori 5
derogat (lei posterior prevalece sobre a regra anterior). Um ponto fraco do Direito Internacional
consiste em que tais regras permitem de certo saber qual das duas que sejam incompatíveis
deve aplicar-se, mas não põe o problema da licitude de uma norma em relação a outra. Apenas
a afirmação do primado hierárquico permitiria obter o segundo resultado.
Classificação das fontes: a enumeração das fontes fornecida pelo artigo 38.º do Estatuto do
Tribunal Internacional de Justiça é completada pela prática, é bastante diversificada para que
sejam possíveis reagrupamentos ou reaproximações entre as diversas fontes. Uma tal diligência
autoriza a evidenciar certos elementos comuns aos regimes das diferentes fontes. Uma tal
diligência autoriza a evidenciar certos elementos comuns aos regimes das diferentes fontes. É
possível assim opor as fontes escritas às fontes não escritas, porque os processes não serão
provavelmente os mesmos para umas e para outras, sucedendo o mesmo para o potencial grau
de precisão das normas resultantes. Pelas mesmas razões e porque a oponibilidade das normas
difere num e noutro caso, distinguir-se-ão as fontes concertadas e as unilaterais, ou ainda o
“direito espontâneo” e as fontes que tomam a forma de atos jurídicos (tratados, certos atos
unilaterais dos Estados e as organizações internacionais).
A – Definição de Tratado
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º Partes no acordo: para que haja tratado, é necessário que as partes sejam sujeitos
de Direito Internacional. Enquanto os Estados foram considerados como únicos sujeitos diretos
deste Direito, os tratados não podiam ser senão interestatais. As únicas dificuldades, a este
respeito, provinham de entidades de cujo caráter estatal se podia duvidas, e dos Estados
federados. Esta categoria de tratados continua a ser a mais importante, mas apareceram outras
categorias com a extensão da qualidade de sujeito de Direito a entidades não estatais.
3.º Criação de efeitos de Direito: qualquer tratado cria compromissos jurídicos, a cargo 6
das partes, com caráter obrigatório. Este aspeto distingue os tratados dos atos concertados não
convencionais, mas é muitas vezes difícil de fazer a demarcação entre uns e outros.
2.º O artigo 2.º, n.º1, alínea a), da Convenção de Viena de 1969 (CVDT) inclui na
definição de tratado vários elementos formais que completam, de forma feliz, a sua definição
tradicional:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
B – Classificação de Tratados
Classificações materiais:
1.º A distinção entre tratados-leis e tratados-contratos: é uma das mais clássicas na
doutrina, mas também das mais controversas. Apresenta um certo interesse histórico e
sociológico, mas não possui qualquer alcance jurídico: não existe um regime jurídico próprio
para cada uma destas categorias de tratados; aliás, como poderia ser de outro modo, se um
mesmo tratado pode ter um caráter misto, ser uma amálgama de disposições dos dois tipos?
Considerações históricas explicam o sucesso desta distinção: no princípio do século XIX, os
autores ficaram impressionados pela originalidade dos primeiros tratados coletivos que fixavam
regras abstratas, em relação à prática tradicional dos tratados bilaterais de conteúdo mais
material e subjetivo. Do ponto de vista sociológico, esta “descoberta” permitia chamar a atenção
para a função “legislativa” do concerto das nações. Contudo, a prática não tirou daí quaisquer
conclusões, senão em matéria de interpretação das convenções. Porém, assistimos a um
ressurgimento desta velha distinção no caso dos tratados de caráter humanitário a propósito
dos quais o artigo 60.º, n.º5 CVDT esclarece que não se lhe pode pôr termo ou que a sua
aplicação não pode suspender-se invocando como pretexto a violação substancial pela outra
parte. As jurisdições internacionais têm, de resto, acentuado o caráter particular dos tratados
relativos à proteção dos direitos do homem.
2.º A oposição dos tratados gerais aos tratados especiais: de origem convencional
(artigo 38.º, n.º1 Estatuto do TIJ), esta distinção é apenas uma formulação particular da distinção
precedente e não tem, pois, mais alcance técnico do que aquela. Os esforços realizados para a
concretizar defrontam-se com a ambiguidade, a anfibologia, da noção de “tratado geral”. Os
autores da Convenção de Viena preferiram não estabelecer disposições específicas para os
tratados multilaterais gerais, apesar da tentativa de definição da Comissão de Direito
Internacional. As duas primeiras classificações fundadas no objeto ou na finalidade dos tratados
são demasiado abstratas para responder às necessidades da prática. Não sucede o mesmo com
a terceira.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Direito Internacional, é possível deduzir um regime jurídico próprio desta categoria de tratados.
A especificidade do seu regime reside, no essencial, em duas características: a vontade dos
Estados em assegurar a longevidade das organizações internacionais e a preocupação de lhes
garantir um funcionamento contínuo. Assim, os Estados abster-se-ão de emitir reservas sobre
as regras de processo; não preverão cláusulas de abandono, nem cláusulas de duração da
convenção, e obrigar-se-ão a respeitar um longo prazo antes de poderem encarar a denúncia do
tratado. Estas considerações são levadas às últimas consequências no caso de organizações
integradas: proibir-se-á aos Estados membros que suspendam a aplicação do tratado com o
pretexto – ainda que real – da sua violação por um deles. Devido a estas particularidades, e por
analogia com a terminologia adotada no Direito interno, reconhece-se frequentemente a estas
cartas constitutivas de organizações internacionais um caráter “constitucional”. É anunciar,
senão resolver, os delicados problemas de hierarquia que podem existir entre as duas categorias
de tratados.
Classificações formais:
1.º De acordo com a qualidade das partes: distinguem-se os tratados concluídos entre
Estados, os tratados concluídos estre Estados e Organizações Internacionais e os tratados
concluídos entre organizações internacionais. Ao evocar a possibilidade de regras específicas
para os tratados concluídos em que são partes sujeitos de Direito que não os Estados, o artigo
3.º da CVDT parecia ver nesta distinção uma summa divisio na matéria. As particularidades do
direito das organizações internacionais parecem, a priori, justificar diferenças de regime jurídico
entre estas três categorias de tratados. O exame aprofundado do problema desde 1969
demonstrou os seus limites. A tendência, no estádio atual da codificação do Direito dos Tratados,
é para unificar ao máximo o regime jurídico das diversas categorias. Assim, na sequência da
Comissão de Direito Internacional, a Convenção de Viena de 1986, mesmo mantendo a distinção
entre tratados concluídos entre Estados e organizações e tratados concluídos só entre
organizações internacionais, apenas lhe concede um alcance concreto bastante restrito.
2.º Segundo o número das partes: a dsintição principal, plenamente operatória, é a que
existe entre tratados bilaterais e tratados multilaterais. Certos autores consideram que, entre
estas duas categorias, existe uma categoria intermédia constituída por tratados plurilaterais que
designariam os tratados em que o número das partes, superior a dois, é limitado, enquanto, em
princípio, os tratados multilaterais são suscetíveis de virem a ser tratados universais. A prática
não revela diferenças substanciais entre o regime jurídico do tratado plurilateral e o do tratado
multilateral. A summa divisio continua a ser, pois, a distinção entre tratados bilaterais e tratados
multilaterais, entre os quais existem importantes diferenças de regimes.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º Por outro lado, ao criar obrigações a cargo do Estado, qualquer Convenção
Internacional é uma fonte de limitação das suas competências. Deve ser concluído sem pressa
e com pleno conhecimento de causa. Tanto mais que a autoridade estatal competente para
concluir tratados, a que beneficia dos treaty-making powers, segundo a terminologia anglo-
saxónica – a qual, pela força das coisas e salvo raras exceções, não participa pessoalmente na
conclusão –, precisa de verificar-se se os seus representantes seguiram corretamente as suas
instruções. Para responder a estas exigências, a conclusão dos tratados, enquanto processo,
subdivide-se em várias fases. Apresenta-se, assim, desde a época do absolutismo real, no
decurso da qual se constituiu progressivamente, como um mecanismo complexo.
3.º Convém acrescentar que, embora conservando a sua complexidade, sofreu inúmeras
transformações desde o século XIX. Estas resultam, em primeiro lugar, das mudanças ocorridas
nos regimes constitucionais que modificaram profundamente a ordem das competências no
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
A – Negociação do Texto
Plenos poderes para negociar: a prática dos plenos poderes ilustra bem a mistura de
pragmatismo e arcaísmo que reina nas relações internacionais. Herança da época monárquica,
em que esta instituição era plenamente justificada pelas condições concretas de conclusão dos
tratados, ela sobrevive – enquanto símbolo da soberania – num contexto radicalmente
transformado. Por isso, quando a sua realização se reveste de um formalismo excessivo, será
objeto de exceções. Por respeito das tradições, a formulação das cartas de plenos poderes não
foi modernizada. Na realidade, salvo no caso de acordos em forma simplificada, o
plenipotenciário já não tem, hoje, competência para vincular definitivamente o Estado, o que
dá um caráter sobretudo protocolar à verificação dos plenos poderes. Se os autores da
Convenção de Viena deliberaram confirmar o caráter tradicional desta prática e portanto o seu
alcance geral (Artigo 7.º CVDT), deixam uma grande latitude de ação aos Estados: estes podem
discricionariamente renunciar a ela (Artigo 7.º, n.º1 alínea b)) ou ultrapassar a irregularidade
cometida (artigo 8.º). Além disso, presunções de representatividade jogam a favor dos Chefes
de Estado e de Governo e dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, o que lhes evita terem de
apresentar tais poderes. Sucede o mesmo com os chefes de missão diplomática e com os
representantes acreditados de um Estado numa conferência diplomática ou junto de uma
organização internacional; mas somente para a adoção de um tratado entre o Estado
acreditante e o Estado acreditado ou no âmbito desta conferência ou desta organização (artigo
7.º, n.º2).
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º Solução em vigor em Portugal6: não custa fazer a contraposição (mais aparente que
real) entre as cinco Constituições portuguesas anteriores e a atual no concernente à negociação
e à assinatura de convenções internacionais. Nas Convenções anteriores, a negociação e
assinatura eram da competência do Rei (Constituição de 1822, Carta Constitucional e
Constituição de 1838) ou do Presidente da República (Constituição de 1911 e de 1933). Na
Constituição atual, elas competem ao Governo (artigo 197.º, n.º1, alínea b)). Vê-se bem por que
a contraposição se mostra menos significativa do que parece: porque em todas as Constituições
anteriores à de 1976 o Chefe de Estado (Rei ou Presidente da República) exercia as suas
faculdades compreendidas no Poder Executivo através dos Secretários de Estado ou Ministros
e, de qualquer sorte, os seus atos estavam todos sujeitos a referenda ministerial. E percebe-se
igualmente por que na Constituição de 1976 se perfila com nitidez a atribuição (e atribuição
exclusiva) ao Governo dos poderes de negociação internacional do Estado: a clara
autonomização deste órgão, em face do Presidente da República, em correspondência com o
sistema de Governo semipresidencial adotado. Se o Presidente da República não ajusta, direta
ou indiretamente, nenhuma convenção internacional e se, em geral, a condução da política
externa cabe ao Governo (artigo 182.º CRP), isso não dispensa a concertação entre os dois
órgãos, não só por imperativo de interdependência de órgãos de soberania (artigo 111.º, n.º1)
mas também por tal ser o pressuposto de atos na área das relações internacionais, que esses,
sim, implicam a intervenção presidencial (artigo 135.º). O Primeiro-Ministro informa o
Presidente da República acerca dos assuntos da política externa do País (artigo 200.º, n.º1,
alínea c)) e aqui se integram, por certo, senão todas as negociações internacionais, pelo menos
as atinentes às convenções de maiores repercussões para a vida coletiva – informação prévia, e
não apenas a posteriori, ou perante factos consumados. Tão pouco a Assembleia da República
participa na negociação. Mas, por virtude do princípio dos poderes implícitos, nada obsta a que
recomende ao Governo a negociação de qualquer tratado. Dever de informação tem, do mesmo
passo, o Governo em relação aos partidos políticos representados na Assembleia da República
e que não façam parte de Governo (artigo 114.º, n.º3) e, por outra banda, em relação aos grupos
parlamentares (artigo 180.º, n.º2, alínea g)). A informação sobre o andamento dos principais
assuntos de interesse público abrange, evidentemente, a negociação de qualquer convenção de
repercussões significativas na vida do País. Ao Ministério dos Negócios Estrangeiros incumbe a
condução das negociações internacionais e a responsabilidade pelos procedimentos que visem
a vinculação internacional do Estado, sem prejuízo das competências atribuídas a outros órgãos
do Estado – incumbe-lhe, pois, um papel específico, se bem que não exclusivo, por causa da
6
Miranda, Jorge; Curso de Direito Internacional Público; Princípia editores;
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
diversificação e da complexidade da vida internacional dos nossos dias. Assim, nos processos de
negociação de acordos ou compromissos internacionais que vinculem o Estado português
devem os departamentos envolvidos manter o Ministério dos Negócios Estrangeiros
permanentemente informado, desde o início da negociação até à sua conclusão. E o início da
fase de negociação não poderá ocorrer sem o prévio enquadramento político a prestar pelo
Ministério dos Negócios estrangeiros, que deverá ainda ser informado e pronunciar-se acerca
dela. Todavia, a rubrica ou a assinatura de acordos internacionais, sejam quais forem a
designação, a forma e o conteúdo, estão sujeitas a prévia aprovação pelo Conselho de Ministros 12
e dependem de mandato expresso, entendendo-se esta competência delegada no Primeiro-
Ministro.
Intercambio e exame dos plenos poderes: a produção de plenos poderes, emitidos pela
autoridade competente para conduzir a política externa, permite assegurar que a negociação
será conduzida entre agentes competentes dos Estados ou das Organizações Internacionais
presentes. Se o intercambio dos plenos poderes é, em geral, uma simples formalidade, certos
prolemas podem surgir nesta ocasião: a qualidade estatal da entidade representada pode ser
contestada, assim como a competência da autoridade que outorga os plenos poderes. Sobre
este dois pontos, a prática internacional, fragmentária, não é muito clara. Tratando-se de
tratados bilaterais, um Estado pode, discricionariamente, recusar-se a negociar com uma
entidade cuja competência conteste para concluir um tratado. Assim, nada impede um Estado
de negociar diretamente com um Estado membro de um Estado Federal – se a Constituição
deste o admitir – mas nada a isso o obriga: da mesma maneira, a recusa, mantida por muito
tempo pelos países de Leste, de negociar com as Comunidades Europeias obrigou estas a
negociarem por meio de plenipotenciários de Estados membros interpostos. No que respeita à
negociação de Convenções multilaterais, a regra geral pode enunciar-se assim: compete à
conferência ou ao órgão internacional no seio da qual a negociação se realiza, aceitar ou recusar,
consoante as suas regras de procedimento, os plenos poderes apresentados.
7
Os artigos 43.º e 63.º da Carta das Nações Unidas consideram respetivamente a competência do
Conselho de Segurança para os acordos relativos À constituição das forças armadas das Nações Unidas
(que nunca foram concluídos) e à do Conselho Económico e Social para os acordos com outras
organizações do sistema. A prática é incerta quanto ao resto: alguns acordos relativos às forças de
manutenção da paz foram negociados em nome da Assembleia Geral, outros em nome do Conselho de
Segurança e outros diretamente pelo Secretário Geral.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
conferências multilaterais no seio das quais as negociações são obra de comissões ou de grupos
diversos que funcionam simultaneamente: o acordo de uma delegação dobre um determinado
ponto está subordinado ao seu acordo sobre todos os outros. Esta técnica do compromisso
global (package deal) foi definida pelo Presidente da Terceira Conferência das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar: “O conceito de compromisso global significa que a posição de qualquer
delegação sobre tal ou tal ponto só será considerada como irrevogável quando se obtiver o
acordo pelo menos sobre todos os elementos a incluir no compromisso. Qualquer delegação tem
portanto o direito de reservar a sua posição sobre um ponto particular até serem satisfeitos 13
outros pontos de importância vital para ela.”
2.º Dispositivo: é constituído pelo corpo da Convenção, isto é, pelo conjunto dos seus
elementos providos de obrigatoriedade jurídica. Compreende:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
e possuem a mesma força obrigatória que os seus outros elementos, a menos que disponha
diversamente, o que por vezes acontece no que respeita sobretudo à resolução de conflitos ou
ao processo de emendas.8
B – Adoção do Texto
14
Na prática, a dissociação entre as duas operações é efetiva no que respeita aos tratados
multilaterais: o texto é antes de mais votado ou adotado consensualmente pela conferência (ou
pelo órgão da Organização Internacional) e depois assinado pelos Chefes de delegação. Em
contrapartida, os tratados bilaterais são em geral fixados pelo artigo 10.º da Convenção de
Viena, a rubrica, que consiste na aposição das iniciais dos negociadores, e a assinatura ad
referendum, que só é concedida na condição de ser confirmada pelas autoridades do Estado
competentes. Uma e outra têm valor provisório e devem ser objeto de uma confirmação
ulterior9.
Alcance da adoção: a adoção marca o fim da fase da negociação mas não significa que a
Convenção se imponha aos Estados que o assinaram. Regra geral, o efeito obrigatório do tratado
resulta da expressão do consentimento a estar vinculado por ele e não da assinatura, a menos
8
Alguns anexos são intitulados “protocolos”. Todavia, em geral, os protocolos constituem instrumentos
autónomos submetidos a um processo de entrada em vigor distinto da Convenção de base que estão
destinados a completar.
9
Rubrica e assinatura ad referendum correspondem à preocupação de evitar qualquer precipitação. A
elas se recorre em especial nos seguintes casos:
- Para adoção de um acordo em forma simplificada que, em virtude do seu objeto, deveria ser
apresentado ao Parlamento nacional, antes de entrar em vigor pela assinatura;
- Para dar à Convenção alguma solenidade reservando a assinatura definitiva a uma autoridade
política mais alta do que os negociadores;
- e, sobretudo, quando o negociador não está habilitado a assinar.
Com efeito, o plenipotenciário que negoceia só pode assinar se os seus plenos poderes compreenderem
também o de assinar. É o caso geral, mas não acontece sempre assim. Quando este não for o caso,
como para a negociação, os plenos poderes de assinar devem emanar da autoridade estatal que detém,
segundo a Constituição do Estado, o poder de assinar as Convenções. Contudo, este nem sempre é
expressamente atribuído pelas Constituições nacionais. Para as Convenções concluídas pelas
Organizações Internacionais, a regra geral é distinguir os plenos poderes para negociar dos poderes para
assinar: esta particularidade – estabelecida pelo artigo 7.º, n.º3 CVDT – deriva de os mesmos órgãos não
terem competência nos dois estádios do processo. Assim, ocorre frequentemente no seio das
Comunidades que a negociação depende estatutariamente da competência de um órgão – secretário
internacional, Comissão – ao passo que a assinatura se subordina a uma decisão da um outro órgão, a
maior parte das vezes o Conselho de Ministros; é necessário portanto prever um “vaivém”.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
que as partes não tenham decidido de outro modo. Apesar de tudo, um Estado cujo
representante assinou, não está já na mesma situação do Estado que se absteve e a própria
Convenção beneficia de um estatuto jurídico pelo que respeita ao Direito Internacional.
1.º Se bem que não esteja ligado pela Convenção, o Estado signatário tem, pelo facto da
sua assinatura, certos direitos e certas obrigações. Codificando uma prática por vezes ambígua,
o artigo 18.º da Convenção de Viena dispõe:
“Um Estado deve abster-se de atos que privariam um tratado do seu objeto ou da sua 15
finalidade
a) Quando assinou o tratado (…) enquanto não tiver manifestado a sua intenção de
não se tornar parte no tratado.”
O alcance desta disposição, que deriva do princípio da Boa Fé nas relações internacionais,
deve ser apreciado com exatidão: não significa que o Estado signatário seja obrigado a
respeitar as disposições de fundo do tratado – o que lhe daria o estatuto de Estado parte
– mas somente tal Estado não pode adotar um comportamento que esvaziaria de toda
a substância o seu compromisso ulterior quando exprimisse o seu consentimento em
estar vinculado. Do supracitado artigo 18.º da CVDT pode-se igualmente deduzir que um
Estado signatário deve examinar em boa fé o texto da Convenção para determinar a sua
posição definitiva a seu respeito. Trata-se, todavia de uma obrigação de comportamento
extremamente vaga, mantendo o Estado signatário toda a sua liberdade de exprimir ou
não o seu consentimento em vincular-se e em fazê-lo num prazo por ele julgado razoável,
salvo disposição em contrário, o que é absolutamente excecional. O estatuto provisório
do Estado que assinou implica igualmente certos direitos a seu favor. Tendo qualidade
para se tornar parte, ele é um destinatário das diversas comunidades relativas à vida da
Convenção efetuada pelo depositário (Artigo 77.º CVDT). Além disso, pode fazer
objeções às reservas formuladas por outros Estados.
2.º Não se impondo aos Estados signatários, a Convenção, uma vez adotada, nem por
isso deixa de ter certos efeitos jurídicos.
a) Pela sua natureza e pelo seu objeto, as cláusulas finais do tratado estão
previstas para serem aplicadas imediatamente (modalidades de autenticação do texto,
de expressão pelas partes do seu consentimento em vincular-se, da entrada em vigor do
conjunto da Convenção, etc.). O artigo 24.º n.º4 CVDT confirma esta solução:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
10
É verdade que, mesmo antes da sua adoção, o Tribunal Internacional de Justiça, considerara que ela
não “poderia (…) postergar uma disposição do projeto de convenção (sobre o Direito do Mar) se
chegasse à conclusão de que a sua substância vincula todos os membros da comunidade internacional
pelo facto de consagrar ou cristalizar uma regra de Direito Consuetudinário preexistente ou em via de
formação”.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
A – Modos de Expressão
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º Cartas de ratificação são trocadas entre as partes. Esta troca verifica-se por um
processo – verbal datado e assinado que permite evitar qualquer contestação sobre a realização
da ratificação. Pode mesmo suceder que as partes se contentem com uma notificação feita por
cada Estado, indicando no que lhes diz respeito, que as operações de ratificação se encontram
efetivamente concluídas. As mesmas observações valem, mutatis mutandis, para a aceitação e
a aprovação.
11
No século XIX, alguns governos justificavam ainda a sua recusa de ratificar invocando o excesso de
poder dos plenipotenciários. No quadro dos regimes representativos e democráticos, as recusas de
ratificar provêm, a maior parte das vezes, do desacordo entre o Executivo e o Parlamento.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
fixadas pela Convenção e não pode daí tirar vantagem. Somente o envio dos instrumentos de
ratificação (ou de aceitação ou de aprovação) é suscetível de vincular o Estado12.
Definição: Um Tratado pode ser definitivamente concluído desde que seja assinado. Neste caso,
a assinatura desempenha uma dupla função: ela é, ao mesmo tempo, um processo de
autenticação do texto e um modo pelo qual o Estado exprime o eu consentimento. Já não é
necessário que intervenha depois desta assinatura qualquer outro ato, seja a ratificação, a
aceitação ou a aprovação. Diz-se que o tratado é concluído segundo um processo breve ou “de
um único grau” ou “tratado formal” que se conclui segundo o processo longo, “ de duplo grau”.
Quaisquer que possam ser as dificuldades de ordem constitucional suscitadas pela prática de
acordos em forma simplificada, a sua validade é indiscutível em Direito Internacional. A
Convenção de Viena confirma, de resto, a dupla função da assinatura: autenticação do texto
(artigo 10.º CVDT) e, se for caso disso, modo de expressão do consentimento em vincular-se
pelo tratado (artigo 11.º CVDT).
Recurso ao processo breve: O processo longo, com a sua inevitável lentidão, não permite
fazer face a todas as necessidades. Não só é necessário concluir muito, mas também concluir
depressa e a tempo. A voga dos acordos em forma simplificada é, por outro lado, a consequência
de uma tendência generalizada da política interna. Em todos os países o executivo opta pelo
processo breve, todas as vezes que é constitucionalmente possível, a fim de se libertar da coação
parlamentar que surgiu com a experiência não como motor, mas como um travão da ação
internacional13. É significativo que a assinatura constitua o primeiro dos modos de expressão
do consentimento em vincular-se citados pelo artigo 11.º CVDT. Se bem que, nos termos do
Artigo 12.º CVDT, se vise manifestamente o acordo sob a forma simplificada, ela abstém-se de
pronunciar o seu nome a fim de deixar às práticas internas toda a liberdade de recorrer, se for
caso disso, a uma outra denominação. A adoção da rubrica e da assinatura ad referendum como
12
Alguns autores, nomeadamente J. Basdevant e G. Scelle, perguntaram-se se a responsabilidade
internacional do Estado que recusa ratificar não podia, em certos casos, ficar comprometida com o
fundamento da teoria do abuso do direito. O exame da prática internacional não permite responder
pela afirmativa, por muito condenável que politicamente tal atitude possa ser por vezes.
13
Este processo teve origem na prática americana dos executive agreements. Desde o final do século
XVIII o Presidente dos Estados Unidos, para se reservar o máximo de autonomia na condução da política
externa do país, concluía sozinho certos acordos, ditos acordos executivos, que, regra geral, entram em
vigor pelo simples facto de serem assinados pelo Presidente ou em seu nome. Sendo raros inicialmente,
devido à persistente predominância dos tratados em forma solene, os acordos em forma simplificada
concluídos por todos os Estados do mundo multiplicaram-se depois consideravelmente. O recurso tão
frequente aos acordos em forma simplificada explica-se pelo facto de o processo longo estar menos
adaptado hoje do que ontem ao papel internacional do Estado, o qual, em consequência da crescente
intensificação das relações internacionais e do contínuo alargamento das matérias submetidas ao
Direito Internacional, tem de regular em comum com outros Estados, pela via dos tratados, problemas
numerosos e variados.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
modo de expressão do consentimento tem por objetivo facilitar ao máximo o processo breve.
Todavia, a confirmação ulterior de uma assinatura ad referendum não deve ser interpretada
como uma aprovação do tratado, de outra maneira voltar-se-ia ao processo longo. No quadro
do processo em forma simplificada, esta confirmação produz um efeito retroativo.
- a sua flexibilidade;
O processo breve, como o processo longo, é deixado à livre escolha dos Estados. Pode
ser utilizado tanto para as Convenções Bilaterais como para as Multilaterais. No caso das
Bilaterais, os dois negociadores apõem-se simultaneamente a sua assinatura num mesmo
instrumento. De outra forma, as assinaturas efetuam-se por uma troca de notas ou de cartas,
sendo a data do tratado a da receção da segunda carta ou nota. No caso de um troca de cartas,
estas são redigidas em termos idênticos e cada uma delas reproduz integralmente o texto do
acordo. A assinatura pode ser aposto pelo Chefe de Estado, pelo Chefe de Governo, pelo
Ministro dos Negócios Estrangeiros ou por qualquer funcionário devidamente autorizado pelo
Ministro dos Negócios Estrangeiros. Outra prova da flexibilidade do processo breve e da
liberdade dos Estados: um acordo pode ser um tratado formal para certos Estados e um acordo
de forma simplificada para outros. Excluindo as diferenças de processo, não existem diferenças
de natureza entre o acordo de forma simplificada e o tratado solene, tendo um e outro o mesmo
valor obrigatório para os Estados partes. O acordo não é juridicamente inferior ao tratado formal.
Entre os dois, também não existe qualquer diferença material.
Generalidades: A conclusão dos tratados de forma solene oferece uma espécie de parêntesis
interno no processo internacional: os Estados signatários reservam-se a possibilidade de
proceder a um novo exame antes de exprimir o seu consentimento “definitivo” em se
vincularem. Quanto a esta fase do processo, o Direito Internacional não pode senão remeter
para o Direito Interno: nenhuma consideração de oportunidade ou de lógica jurídica impõe uma
solução uniforme; os constituintes nacionais dispõem de uma total liberdade de organização do
processo. É o que reconhece a fórmula frequentemente utilizada nas cláusulas finais dos
tratados, segundo a qual o consentimento será expresso “em conformidade com as regras
constitucionais respetivas” dos Estados signatários. A questão inscreve-se, pois, exclusivamente
no debate constitucional interno. A sua solução deriva, inevitavelmente, quer do esquema
constitucional geral, quer da relação de forças entre os órgãos constitucionais, dado mais
conjuntural que orienta a prática política interna. Na época contemporânea em que o Direito
Convencional invade cada vez mais a legislação interna, o objetivo geralmente procurado é de
um certo controlo prévio do executivo, quer pela opinião pública (referendo), quer pelo
legislador (autorização parlamentar). Todavia, o Direito Interno não pode abstrair-se totalmente
dos dados da prática internacional, uma vez que só regulamenta uma das fases do processo de
conclusão dos tratados: a dificuldade principal provém da generalização dos acordos em forma
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
A – Entrada em Vigor
1.º Os tratados bilaterais entram em vigor, consoante o caso, na data da troca dos dois
instrumentos de ratificação (ou de aceitação ou de aprovação), do estabelecimento do
processo-verbal que comprove aquela troca ou da segunda notificação da ratificação Para dar
tempo aos Estados de organizar e preparar esta entrada em vigor, o tratado prevê, por vezes,
um prazo consecutivo à troca dos instrumentos de ratificação. Só depois de este prazo expirar,
é o que tratado entra em vigor. Em caso de omissão no texto, o Tribunal Internacional de Justiça
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
considera que existe uma presunção a favor da entrada em vigor na data da troca das
ratificações.
2.º Quanto aos tratados multilaterais, requer-se, por vezes, a unanimidade das
ratificações pelos signatários como condição da sua entrada em vigor.
o motivo porque é de tradução, nestes últimos tratados, que as suas cláusulas finais subordinem
a sua entrada em vigor à obtenção, não da unanimidade, mas apenas de um certo número de
ratificações. Noutros casos, a exigência da qualidade junta-se à da quantidade. Ao fixar o
número de ratificações necessárias, um tratado pode subordinar a sua entrada em vigor a
ratificações provenientes de certos Estados, em função da sua importância no quadro desse
tratado. De acordo com o artigo 110.º da Carta das Nações Unidas, a sua entrada em vigor é
fixada para o dia em que a maioria dos Estados signatários, a que se juntam os cinco Estados
membros permanentes do Conselho de Segurança, a tiverem ratificado. Esta limitação do
número de ratificações necessárias constitui um progresso na técnica da conclusão dos tratados,
enquanto facilita e acelera a sua passagem ao Direito Positivo.
Aplicação provisória de um tratado: Codificando uma prática já antiga e tornada cada vez mais
frequente, o artigo 25, n.º1 CVDT dispõe nos termos seguintes:
Esta “outra maneira” consiste, por exemplo, num protocolo ou em qualquer outro texto
não incorporado no tratado. A aplicação provisória não confere ao tratado o caráter de um
acordo em forma simplificada. Ela torna-se necessária em virtude da urgência
discricionariamente apreciada pelos negociadores, mas o processo continua a ser o processo
longo com expressão após a assinatura do consentimento estatal em vincular-se. A aplicação
provisória é particularmente útil quando o tratado cria um mecanismo institucional complexo.
A técnica de criação de comissões preparatórias encarregadas de traçar a via para a futura
organização é muito frequentemente praticada. Reveste, contudo modalidades muito variadas;
aplicação provisória do próprio ato constitutivo, criação da comissão preparatória para uma
organização informal da Conferência tendo adotado o ato constitutivo, adoção de um acordo
em forma simplificada destinado a desaparecer com a entrada em vigor do ato constitutivo. O
n.º2 do artigo 25.º CVDT fixa um limite à aplicação provisória:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
B – Registo e publicação
23
Sistema do Pacto da Sociedade das Nações: o artigo 18.º do Pacto S.d.N. instituiu duas
formalidades novas, o registo e a publicação do tratado, destinados a aperfeiçoar a sua
introdução na ordem jurídica internacional.
Sistema atual: Está fundamentado no artigo 102.º da Carta das Nações Unidas redigido:
“1. Qualquer tratado ou acordo internacional, concluído por um Membro das
Nações Unidas, depois da entrada em vigor da presente Carta, será o mais cedo possível
registado no Secretariado e por ele publicado.
2. Nenhuma parte num tratado ou acordo internacional que não tenha sido
registado em conformidade com as disposições do n.º1 do presente artigo não poderá invocar o
dito tratado ou acordo perante um órgão das Nações Unidas.”
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Tipologias de Conferências:
1.º Distinção tradicional e congressos: Pensou-se que se podia basear esta distinção nas
diferenças substanciais entre estas duas espécies de reuniões: solução de problemas políticos e
preponderância das grandes potências no Congresso, estabelecimento das regras de Direito e
igualdade entre todos os participantes nas conferências. Contudo, esta separação nunca foi tão
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
nítida na prática. Na época contemporânea, tende-se a utilizar apenas o termo conferência para
designar indiferentemente as reuniões políticas ou as reuniões jurídicas.
2.º Distinção baseada nas modalidades de convocação das conferências: A este respeito,
podemos dividi-las em dois tipos:
Podemos sublinhar as diferenças reais entre os dois tipos. Do ponto de vista do seu
objeto, as conferências do primeiro tipo são muitas vezes simultaneamente politicas e técnicas,
ao passo que as do segundo tipo são sempre exclusivamente consagradas ao estabelecimento
de regras de Direito. No que respeita à sua composição, à sua organização e ao seu
funcionamento, as conferências convocadas pelas organizações internacionais são nitidamente
mais institucionalizadas do que as que resultam de uma iniciativa puramente estatal.
Composição das Conferências: Pelo que diz respeito às Conferências reunidas por iniciativa
de um ou de vários Estados, estes beneficiam de um poder discricionário para designarem
Estados convidados. O convite pode estar sujeito a certas condições políticas. Nas conferências
convocadas por uma Organização Internacional, devem distinguir-se duas categorias de
convidados14:
Organização e funcionamento:
1.º A organização material de cada conferência está assegurada, segundo o caso, pelo
Estado escolhido como sede ou pela organização. Um tratado elaborado por uma Conferência
convocada e organizada por uma Organização denomina-se Tratado concluído “sob os auspícios”
desta Organização. Quando a Conferência convocada por uma Organização não se realiza na
sede desta, o Estado promotor contribui largamente para essa organização material.
2.º As regras aplicáveis são, em princípio, as mesmas para os dois tipos de Conferências.
A Conferência convocada por uma Organização Internacional não é um órgão desta, conserva o
caráter de uma reunião interestadual clássica, dotada de existência autónoma e regulada pelo
Direito Internacional geral das Conferências Internacionais. Contudo, cada Organização
Internacional procede à codificação destas regras através dos textos estabelecidos
14
A fixação de critérios de convite levanta problemas jurídicos e problemas políticos agudos. A
participação de uma entidade numa Conferência é um índice importante da sua personalidade
internacional e da sua representatividade política nas Relações Internacionais.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
“autoritariamente” por ela e aos quais se acrescentam novas regras, destinadas a preencher as
lacunas ou a esclarecer as obscuridades do Direito Consuetudinário.
C) Adoção do texto efetua-se, regra geral, pelo processo do voto. Nos termos
do artigo 9.º da Convenção de Viena. Esta disposição tem apenas valor supletivo e nada impede
a conferência de fixar outra maioria, de aceitar a unanimidade ou de adotar o texto por consenso.
Na prática, o recurso ao processo da unanimidade, que respeita plenamente a soberania, não
cria um verdadeiro risco de bloqueio se a conferência reunir apenas um número limitado de
Estados. Quando este número é relativamente elevado, a unanimidade é ainda muitas vezes
exigida em virtude do objeto político da Conferência. Nos outros casos, quando existe um
grande número de participantes considera-se pouco realista exigir a unanimidade. Maioria
simples ou maioria qualificada? A aplicação da regra da maioria simples apresenta a vantagem
de facilitar a adoção dos textos e, portanto, de aumentar as hipóteses de sucesso da Conferência.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Os seus adversários insistem, pelo contrário, nos seus inconvenientes: falta de autoridade das
decisões que dela resultariam e proteção insuficiente dos interesses da minoria. Cada
Conferência, quando da adoção do seu regulamento interno, fixa, ela própria, a sua regra de
votação. Verifica-se um uso corrente de diversas maiorias, se bem que os casos de recurso à
maioria de 2/3 sejam os maios números.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
órgãos da Organização decidam concluir uma Convenção por si mesmos ou por uma Conferência
convocada por eles; a escolha do método só se efetua na última fase da negociação; em ambos
os casos, o essencial da elaboração do texto terá tido lugar segundo as técnicas próprias da
Organização. Esta analogia de processos é ainda mais manifesta quando se compara a adoção
de uma Convenção com um ato unilateral no quadro da Organização. É então difícil encontrar
neles indícios quanto à real natureza do ato adotado. Da mesma maneira, as condições de
entrada em vigor não fornecem necessariamente critérios decisivos. A elaboração de
Convenções no quadro das Organizações Internacionais é o domínio em que a fórmula da 28
“diplomacia parlamentar” mais se justifica e em que a comunidade interestatal mais se aproxima
da ideia do “legislador” internacional, sem que qualquer assimilação com a Ordem Interna
Nacional seja possível. O facto de se tratar de uma competência própria da Organização suscita
com efeito particularidades notáveis. A “planificação” da elaboração do Direito Convencional
torna-se possível graças à permanência dos órgãos e à sua estrutura hierárquica; ela escapa, em
certa medida, às pressões unilaterais dos Estados. OS processos internos da Organização são
oponíveis aos Estados membros e, salvo se forem modificados segundo as regras da própria
Organização, não podem ser adaptados discricionariamente. Estas são as regras gerais sobre a
deliberação no âmbito dos órgãos e sobre a adoção das resoluções que serão aplicáveis:
trabalhos preparatórios por colégios de peritos ou pelo secretariado – mas com consulta dos
Estados no decorrer desta fase, sob a forma de questionários –; reapresentação do projeto, por
intermédio dos órgãos subsidiários, ao órgão intergovernamental plenário; adoção, soba forma
de resolução, por unanimidade, por maioria ou por consenso; autenticação pelos órgãos da
organização. Porém, não se pode levar longe de mais a analogia com a função legislativa: o
caráter “autoritário” do processo cessa com a adoção do projeto de convenção; a entrada em
vigor desta última continua a depender da ratificação ou adesão dos Estados.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Adesão: A adesão é o ato pelo qual um Estado que não assinou o texto do Tratado,
exprime o seu consentimento definitivo em vincular-se. Este processo tem o mesmo alcance
que o da assinatura e da ratificação. Nestas condições, as precauções que rodeiam o processo
de ratificação já não se impõem: o Estado aderente tomou, a respeito do Tratado, o recuo
necessário; ele teve todo o tempo para pesar as vantagens e os inconvenientes do seu
compromisso. A adesão permite, mais eficazmente do que a assinatura diferida, alargar o campo
de aplicação de uma regulamentação convencional: traduz, com efeito, o consentimento de um
Estado em vincular-se pelo Tratado, do mesmo modo que a ratificação, a aceitação ou a
aprovação. A Convenção de Viena esforça-se por facilitar a sua prática no seu artigo 12.º.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
B – Reservas
Definições:
1.º Em presença de um Tratado cujo objeto, finalidade e conteúdo, no seu conjunto,
lhe convém, à exceção de algumas das suas disposições, o Estado interessado pode escolher
entre duas atitudes: ou recusar-se a fazer parte do Tratado a fim de escapar à aplicação das
referidas disposições; ou não cortando completamente as pontes, consentir em vincular-se mas
declarando ao mesmo tempo quer que exclui pura e simplesmente do seu compromisso as
disposições que não merecem a sua concordância, quer que entende atribuir-lhes, no que lhe
diz respeito, um significado particular, suscetível da sua aceitação. Se o Estado optar por esta
segunda atitude e fizer uma tal declaração, diz-se que formula reservas a essas disposições. O
Direito dos Tratados autoriza-o a isso. Pode formular reservas à assinatura, à ratificação, à
aceitação, à aprovação ou à adesão. De acordo com o artigo 2.º, n.º1 CVDT:
“A expressão reserva designa uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu
teor ou a sua designação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um
tratado ou a ele adere, declaração pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas
disposições do tratado na sua aplicação a este Estado”.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
aplicação de uma disposição, mas somente esclarecer o seu sentido. Se a distinção entre
reservas e declarações interpretativas parece clara em abstrato, é-o muito menos in concreto.
Os Estados, com efeito, têm tendência a ter das segundas uma conceção bastante ampla e a
redigi-las de maneira tão ambígua que o sentido da Convenção pode ser largamente falseado;
em certos casos existe um meio cómodo (mas juridicamente inaceitável) de contornar as regras
limitando ou evitando as reservas. Quando um declaração interpretativa se analisa de facto com
uma reserva, é possível restabelecer esta qualificação.
32
Vantagens e inconvenientes: O processo das reservas é objeto de críticas severas. É acusado
de modificado o Tratado, violar a sua integridade, perturbar o seu equilíbrio, fragmentar o seu
regime. Embora tais objeções não sejam desprovidas de valor, não são decisivas. As reservas,
com efeito, facilitam a aceitação dos Tratados e favorecem por consequência, o alargamento do
seu campo de aplicação. Ela encontra, hoje, novos fundamentos de transformação da técnica
de elaboração dos Tratados Multilaterais e na multiplicação dos participantes nesta elaboração.
Por um lado, da aplicação do sistema maioritário resulta que o Tratado adotado contém
inevitavelmente disposições inaceitáveis para os Estados minoritários que as recusaram por
votação e que poderiam preferir abster-se de se vincularem se lhes fosse proibido formular
reservas. A opinião do Tribunal Internacional de Justiça é perfeitamente clara a este respeito:
“O princípio maioritário, se facilita a conclusão das Convenções Multilaterais, pode tornar
necessária, para certos Estados, a formulação de reservas”. Por outro lado, é muito difícil chegar
à unificação jurídica desejável, quando, dado o seu número elevado, os Estados participantes na
elaboração, no âmbito de uma grande Conferência Internacional, refletem toda a diversidade
do mundo que representam. Enfim, na época contemporânea, numerosas Convenções
Multilaterais Gerais estabelecem um verdadeiro Direito novo: por realismo, deve aceitar-se que
este seja aplicado progressivamente antes de tornar regra comum a todos os Estados. Assim, o
problema da legitimidade das reservas é um problema de escolha entre dois objetivos: a
aproximação dos povos pela extensão da comunidade das partes aos Tratados Multilaterais ou
a uniformização do Direito. Autorizando as reservas, o Direito Internacional positivo optou pelo
primeiro, as regras em vigor traduzem contudo a preocupação de evitar que as regras
convencionais possam ser esvaziadas da sua substância por uma prática abusiva das reservas.
2.º A prática é extremamente diversa. Por uma cláusula explícita, os Estados podem
proibir qualquer formulação de reservas. Admite-se geralmente que, nas Convenções
Internacionais do Trabalho, existe uma cláusula implícita de proibição das reservas pelo facto de
caber à Organização Internacional do Trabalho a missão de uniformizar as condições de trabalho
no mundo. Outros Tratados contentam-se com proibir reservas em algumas das suas disposições,
o que equivale a autorizá-las a respeito de todas as outras. Pelo contrário, alguns Tratados
autorizam expressamente as reservas a determinadas disposições, o que equivale a proibi-las
para os outros artigos. Outros ainda autorizam ou excluem algumas categorias de reservas.
3.º Efeitos das cláusulas relativas às reservas: Normalmente, quando as reservas são
autorizadas pelo tratado, não precisam do consentimento dos outros Estados contratantes para
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Além disso, se bem que a Convenção de Viena seja omissa neste ponto, um Estado
não poderia fazer uma reserva a uma disposição contendo codificação de regras
consuetudinárias do Direito Internacional Geral que, conforme o Tribunal Internacional de
Justiça, por natureza devem aplicar-se em condições iguais a todos os membros da comunidade
internacional e não podem portanto estar subordinadas a um direito de exclusão exercido
unilateralmente seja ao arbítrio de qualquer dos membros da comunidade seja à sua própria
vantagem. Ocorre o mesmo, a fortiori, para reservas a cláusulas convencionais que exprimem
regras de ius cogens.
Efeitos das reservas e das objeções às reservas: A exigência da aceitação, expressa ou tácita, da
reserva pelo conjunto dos Estados contratantes para que o Tratado possa entrar em vigor
relativamente ao Estado reservatório, equivalia a dar, a cada Estado parte, um direito de veto
pouco compatível com a tendência atual para o alargamento do direito de participar nos
Tratados. Esta solução, aplicada no tempo da Sociedade das Nações e no início das Nações
Unidas, está hoje ultrapassada. Atualmente a exigência da unanimidade já não é mantida, senão
parcialmente, para os tratados cujas partes são em número restrito. Quanto aos outros,
renunciou-se mesmo à ideia de um consentimento “coletivo” dado por uma percentagem
razoável de Estados partes. A Convenção de Viena convida mesmo os Estados a darem um lugar
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
mais amplo à aceitação tácita das reservas: a ausência de objeções no prazo relativamente curto
de um ano deve ser interpretada como uma aceitação (artigo 20.º, n.º5 CVDT). Correlativamente,
os autores da Convenção de Viena, empenharam-se em reduzir o alcance das objeções às
reservas. A objeção não pode ser presumida, tem de ser sempre formalmente expressa, mas
pode emanar de um Estado simplesmente signatário. E para que a objeção tenha por efeito
impedir a entrada em vigor do Tratado entre os dois Estados interessados, é necessário que o
Estado que emite a objeção tenha manifestado claramente a sua intenção de que seja assim
(artigo 20.º, n.º4 CVDT). A prática arbitral confirma esta vontade de limitar os casos em que o 34
conjunto da relação convencional seria posto em causa pela combinação de uma reserva e de
uma objeção a esta. Evidentemente, a existência de reservas não modifica em nada o jogo do
Tratado entre os Estados que o aceitaram integralmente. Entre os Estados reservatórios e os
que aceitaram as reservas, as regras do Tratado são modificadas na medida requerida pelas
reservas. Entre os Estados reservatários e os que formulam objeções à reserva, sem no entanto
se oporem à entrada em vigor do Tratado entre eles, o Tratado aplica-se com exceção das
disposições sobre as quais incide a reserva. O ideal é evidentemente, encontrar o mais
rapidamente possível uma aplicação integral do Tratado; por isso, basta um ato unilateral de
abandono para que desapareçam reservas e objeções às reservas; esta retirada pode ocorrer
em qualquer momento.
Regime Jurídico:
1.º Escolha dos depositários: Regra geral, o Estado, em cujo território se desenrolam
as negociações ou se reúne a Conferência de elaboração, é designado como depositário, mas
nada impede que se proceda a outra escolha. Em particular, quando o Tratado é concluído sob
os auspícios de uma organização internacional ou negociado no seu âmbito, a institucionalização
completa-se muitas vezes pela designação como depositário da Organização ou do chefe do
Secretariado. A prática dos depositários múltiplos desenvolveu-se igualmente principalmente
pela influência de dois fatores:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
15
Segundo opinião de Professor Fausto de Quadros
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
toca à sua incidência nas Regiões, em função das particularidades destas e tendo em vista a
relevância de que se revestem para esses territórios”. Convenhamos que esta definição, pela sua
vacuidade, pouco ajuda o intérprete a encontrar uma resposta à pergunta colocada. Da nossa
parte, entendemos que o transcrito artigo 22.º, n.º1, alínea s) CRP e os preceitos similares dos
Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas englobam, sem dúvida, as Convenções
Internacionais que tenham por objeto:
Questão duvidosa é a de saber se naquele artigo 229.º, n.º1, alínea s), CRP e nos
preceitos similares dos Estatutos não cabem também as matérias de “interesse específico” para
cada Região, elencadas, a título exemplificativo, nos artigos 33.º do Estatuto dos Açores e 30.º do
Estatuto da Madeira. A favor de uma resposta afirmativa militam dois argumentos: o transcrito
do trecho da Comissão Constitucional; e o facto de as matérias de “interesse específico” serem,
por maioria de razão, matérias que dizem “diretamente respeito” às Regiões Autónomas. Só que,
se assim fosse, estar-se-ia a conceder às Regiões Autónomas um quase ilimitado poder de
participação na negociação internacional, que não parece ter estado pelo menos no espírito do
legislador constituinte. A participação das Regiões Autónomas nas negociações de Tratados
Internacionais, quando deva ter lugar, revestirá a forma de representação efetiva na delegação
portuguesa que negociar o Tratado respetivo, assim como nas respetivas comissões de execução
e fiscalização – é o que estabelecem os artigos 76.º do Estatuto dos Açores e 58.º do Estatuto da
Madeira.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Ratificação: Como acima se disse, nos Tratados Solenes não é a assinatura que
vincula o Estado mas tão somente a ratificação e a subsequente troca de ratificações. A ratificação
é o ato jurídico individual e solene pelo qual o órgão competente do Estado afirma a vontade
deste de se vincular ao tratado cujo texto foi por ele assinado. É assim que a CVDT, no seu artigo
14.º, concebe a ratificação.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Qual é a forma que deve assumir o ato de ratificação? A Constituição não fornece
resposta a esta interrogação, nem mesmo quando submete a ratificação a referenda ministerial
(artigo 143.º, n.º1, por remissão para o artigo 138.º, alínea b)) ou quando obriga à publicação dos
avisos de ratificação (artigo 122.º, n.º1, alínea b)). Também a Lei n.º 6/83, de 29 de julho, quando
veio disciplinar a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, ignorou a questão,
particularmente no artigo 10.º, n.º 3 e 5. Todavia, ainda na década de 80 iniciou-se a prática do
ato de ratificação ser objeto de um decreto autónomo do Presidente da República (decreto
presidencial de ratificação). A obrigação de publicação do decreto de ratificar um Tratado
precedendo aprovação pela Assembleia da República (mediante resolução) ou pelo governo
(através de Decreto): é o que resulta dos artigos 164.º, alínea j), e artigo 200.º, n.º1, alínea c).
Também em Portugal a ratificação do Tratado é um ato livre, o que significa que o Presidente da
República, após a Assembleia da República ou o Governo (conforme o caso) terem aprovado o
Tratado, pode optar por uma de três hipóteses: ratifica-lo; não o ratificar; pedir a fiscalização
preventiva da sua Constitucionalidade, de harmonia com os artigos 137.º, alínea g), in fine e artigo
278.º, n.º1. Se optar pela última hipótese, e se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela
inconstitucionalidade do Tratado, o ato da ratificação deixa de ser um ato totalmente livre: nesse
caso, o Presidente só poderá ratificar o Tratado se a Assembleia o aprovar por maioria de 2/3 dos
deputados presentes, que terá de ser sempre superior à maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções (artigo 279.º, n.º4).
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
A Constituição de 1933, na sua versão original, era omissa nesta matéria. Todavia, 40
entendíamos que o seu artigo 151.º, n.º1, ao referir-se a acordos não incluídos nos artigos 81.º,
n.º7 e 91.º, n.º7, parecia querer abranger os acordos em forma simplificada. E a prática já admitia
como válidos os Acordos Internacionais celebrados pelo Governo, e aos quais o Professor Afonso
Queiró chamava Acordos Intergovernamentais. Quanto ao objeto desses acordos, muito cedo o
Ministério dos Negócios Estrangeiros começou a entender que os Acordos que abrangiam
matéria legislativa necessitavam de ratificação, podendo esta estar dispensada para aqueles que
só dissessem respeito a questões compreendidas na competência administrativa ou política do
Governo. Mas após a revisão de 1971 aquela Constituição passou a admitir de modo expresso os
Acordos em Forma Simplificada, nos artigos 4.º, n.º1, e 109.º, n.º2. A essa alteração não terá sido
estranha a publicação da Convenção de Viena dois anos antes e o facto de, na prática diplomática
portuguesa, há muito se vir a assistir ao aumento do número de Acordos em Forma Simplificada,
sem que a sua admissibilidade suscitasse especiais dificuldades nos meios jurídicos ou
diplomáticos. A Constituição de 1976 acolheu mais generosamente aqueles acordos, prevendo-
os em vários preceitos: tomando por referência o texto Constitucional após a revisão de 1989.
Esta Constituição conserva a terminologia que já era adotada pela Constituição de 1933, segundo
a qual se distinguem as Convenções (que são, num sentido mais lato, todos os Tratados, e num
entendimento mais restrito, todos os Acordos abrangidos pela CVDT), os tratados (isto é, os
Tratados Solenes, sujeitos a ratificação) e os Acordos Internacionais (ou seja, os Acordos em
Forma Simplificada, que dispensam a ratificação).
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
que nada impede que a Constituição portuguesa imponha, após a assinatura, a aprovação do
acordo, dado que o Direito Constitucional de cada Estado é livre de prescrever o regime que
entender para a Conclusão dos Tratados Internacionais. Mas, em face do artigo 12.º, nº1 CVDT,
caso Portugal não ressalve expressamente no acordo que só se vinculará a ele depois da sua
aprovação pelo órgão nacional competente, de harmonia com a sua Constituição, ficará vinculado
ao acordo no plano internacional pela sua mera assinatura, não obstante o acordo só passe a
vigorar na ordem interna após a sua aprovação ou, porventura, até nunca venha a vigorar na
ordem interna por a aprovação não se ter dado ou por acordo ter sido declarado inconstitucional. 41
E isto é assim porque o artigo 27.º CVDT dispõe que nenhum Estado pode invocar as disposições
do seu Direito Interno para se eximir ao cumprimento do Tratado ao qual livremente se vinculou
na cena internacional. Se a assinatura compete sempre ao Governo, a aprovação cabe, ao
princípio, ao Governo, mas este, se assim o entender, pode submeter os acordos à aprovação da
Assembleia da República (artigo 200.º, n.º1, alínea c), 1.ªa parte e in fine). Excetuam-se os
acordos concluídos sobre matéria de competência reservada da Assembleia da República que
têm de ser necessariamente aprovados por este órgão (artigo 164.º, alínea j), 1.ª parte).
16
Miranda, Jorge; Curso de Direito Internacional; Princípia editores;
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
O regime atual de aprovação, por força dos artigo 161.º, alínea i), e 197.º,
n.º1, alínea c), apresenta-se assim:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
17
Morais, Carlos Blanco; Curso de Direito Constitucional, 2.ª edição; Coimbra Editores; Coimbra,
outubro de 2012; pp. 128 - 138
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
18
Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação Calouste Gulbenkian,
4.ª Edição 1992.
19
Se os autores de um ato jurídico intitulado não são sujeitos de Direito Internacional, a ausência de
capacidade internacional põe o problema da existência desse ato enquanto Tratado, mas não o da sua
validade. O ato já não corresponde à definição estrita do Tratado, mas pode ser válido enquanto ato
jurídico.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Não sucede o mesmo para os sujeitos “parciais” do Direito Internacional que são as
Organizações Internacionais e as Autoridades “pré Estatais”.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
49
A- Irregularidades Formais
Doutrina:
1.º Uma abordagem sistemática do problema torna a sua solução dependente da
conceção geral das relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno:
20
A conclusão de um acordo de independência é o “canto do cisne” de um Movimento de Libertação
Nacional, a última manifestação da sua existência enquanto sujeito de Direito Internacional; depois
disso, o povo em nome do qual atuava será representado pelo novo Estado.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
b) Georges Scelle considera, pelo contrário, de acordo com a sua teoria monista,
que as prescrições constitucionais têm valor jurídico pleno na Ordem Internacional. A sua
violação leva a uma irregularidade internacional que deve ser internacionalmente sancionada.
No caso sujeito, os constituintes nacionais exercem, pelo processo do desdobramento funcional,
uma competência internacional com o fim de completar o processo “internacional” de
conclusão dos Tratados. Assim, as regras Constitucionais neste domínio são, pela sua natureza
como pelo seu objeto, regras internacionais estabelecidas por um processo não convencional.
Acrescenta que é, todavia, necessário distinguir, no Direito Constitucional Interno, entre regras 50
de validade e regras de execução; só as primeiras tem incidência sobre a validade internacional
do Tratado.
2.º Outros autores recusam-se a relacionar o problema com o conflito teórico entre
monistas e dualistas. Preferem uma abordagem empírica.
Direito Positivo:
1.º As incertezas da prática anterior à Convenção de Viena. São raros os diferentes
Estados tendo diretamente origem em ratificações imperfeitas. Segundo alguns precedentes
antigos relativos a Tratados bilaterais, as partes em causa adotaram posições nitidamente
favoráveis à tese da não validade.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º Solução fixada pela Convenção de Viena. No seu artigo 46.º a Convenção de
Viena de 1969 consagra a abordagem empírica de compromisso defendida por uma parte da
doutrina. Esta disposição está na linha de uma prática convencional constante, refletida na
cláusula tradicional que prevê a ratificação pelos Estados signatários “em conformidade com as
suas regras Constitucionais respetivas”. A Convenção contém, além disso, um artigo 47.º
redigido nestes termos:
Esta disposição só seria aplicável aos Tratados concluídos segundo o processo breve,
isto é, aos “acordos em forma simplificada”, que são definitivos desde a sua assinatura.
B – Irregularidades Substanciais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
I – Erro e Dolo
1.º Esta exigência de um erro essencial funda-se numa certa regra de origem remota.
2.º Adotada pela prática diplomática, a exigência do erro essencial tem sido
constantemente confirmada pela jurisprudência. O Tribunal Penal Internacional de Justiça,
relativamente a um litigio entre o Cambodja e a Tailândia21, definiu que “a principal importância
jurídica do erro, quando existe, é poder afetar a realidade do consentimento que se julga ter sido
dado.”. Determinou, ainda, três casos em que, excecionalmente, um erro essencial não afetaria
a validade do consentimento: “É regra de Direito estabelecida que uma parte não pode invocar
um erro como vício do consentimento se tiver contribuído para esse erro pelo seu
comportamento, se estava em condição de o evitar ou se as circunstâncias eram tais que tinha
sido advertida a possibilidade de um erro”. Se estes factos de verificaram, o erro já não é
desculpável e, em conformidade com o princípio da boa fé, não pode viciar o consentimento.
Pode o erro essencial provir indiferentemente de um erro de Direito ou de um erro de facto? Já
foi sustentado que o processo de conclusão dos Tratados reduz ao máximo os riscos de erro
sobre questões de Direito. É verdade que os casos de erro encontrados na prática relacionam-
se quase sempre com questões de facto relativas a Tratados de demarcação ou de traçado de
fronteiras (erros geográficos frequentemente verificados em mapas).
3.º A Convenção de Viena codificou a regra do erro essencial no seu artigo 48.º,
n.º1:
“Um Estado pode invocar um erro num Tratado como viciando o seu
consentimento em se obrigar pelo Tratado, se o erro incide sobre um facto ou uma situação que
este Estado supunha existir no momento em que o Tratado foi concluído e que constituía uma
base essencial do consentimento desse Estado em obrigar-se pelo Tratado”.
O n.º2 desta disposição só considera, porém duas das três exceções referidas pelo
Tribunal Internacional de Justiça, no caso anteriormente apresentado:
“O n.º1 não se aplica quando o dito Estado contribuiu para o Erro pela sua
conduta ou quando as circunstâncias foram tais que ele devia ser advertido da possibilidade de
um erro”.
21
Caso do Templo de Préah Vihear, 1950.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
II – Coação
Coação exercida sobre o representante do Estado: A História das Relações entre Estados
oferece alguns exemplos célebres:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
período, a nulidade desse Tratado foi reconhecida após a derrota japonesa e a Coreia voltou a
ser um Estado independente.
Ressalta das discussões que precederam a adoção deste texto que a coação,
considerada neste caso concreto, deve ser compreendida num sentido muito lato, englobando
não só as violências físicas ou ameaças de violências contra a pessoa do representantes, mas
também todos os atos suscetíveis de atingir a sua carreira, como revelação de factos de caráter
privado ou ainda ameaças dirigidas contra a sua família. O caráter destes atos de coação o
emprego da expressão “dirigidas contra ele” tendem a deixar bem claro, no espírito dos autores
da disposição, que o representante é encarado como indivíduo e não como órgão do Estado.
Espera-se, com isto, evitar qualquer confusão entre o próprio Estado e o seu representante.
Coação exercida sobre o Estado: Mais frequente, o problema da coação exercida sobre o
próprio Estado é ainda mais grave e mais complexo. Tradicionalmente relacionava-se com o uso
da força; continua a ser necessário encará-lo nestes termos, mas convém também questionar-
se sobre o efeito da coação constituída pela pressão económica e política, sem uso da força
armada.
1.º Uso da força – Os dados do problema sofreram uma transformação radical com
a consagração do princípio da proibição do emprego da força nas relações internacionais.
22
G. Scelle encontrou nesta solução, aprovada pelos próprios voluntaristas, a prova incontestável de
que a força obrigatória do Direito Internacional se funda em algo mais do que a vontade dos Estados.
Renunciando a uma explicação jurídica.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
«É nulo todo o Tratado cuja conclusão tenha ido obtida pela ameaça ou
pelo emprego da força em violação dos princípios de Direito Internacional contidos na Carta das
Nações Unidas.»
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
“Uma distinção essencial deve (…) ser estabelecida entre as obrigações dos
Estados para com a comunidade internacional no seu conjunto e as que nascem em
relação a outro Estado no quadro da proteção diplomática. Pela sua própria natureza,
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Formação das normas imperativas: o artigo 53.º CVDT limita-se a indicar que uma norma de
ius cogens é uma norma “aceite e reconhecida” como tal “pela comunidade internacional dos
Estados no seu conjunto”. Estas indicações são manifestamente insuficientes para permitirem
determinar se uma dada regra constitui ou não uma norma imperativa. Deverá tratar-se de uma
norma costumeira ou de uma regra convencional? Segundo a Comissão de Direito Internacional,
uma e outra são concebíveis. Mas esta opinião, que parece razoável, não é partilhada por uma
parte da doutrina que estabelece de preferência o processo costumeiro. Por outro lado, a noção
de comunidade de Estados “no seu conjunto” é ambígua; se resulta tanto dos trabalhos
preparatórios como da própria fórmula fixada segundo a qual a unanimidade dos Estados não é
exigida, o artigo 53.º deixa sem resposta a questão do número e da qualidade dos Estados que
devem “aceitar e reconhecer” o caráter imperativo de uma norma para que possamos tê-la
como uma regra de ius cogens. Do mesmo modo, a redação do artigo 53.º não resolve o
problema da existência de normas imperativas regionais, que se imporiam entre Estados ligados
por solidariedades especiais. As dificuldades não respeitam somente ao presente. O artigo 53.º
prevê a possibilidade da modificação de uma norma imperativa em vigor por uma norma do
mesmo valor. De acordo com o artigo 64.º, novas normas imperativas podem nascer de futuro.
Nos nossos dias, esta conceção dinâmica do ius cogens, lógica em si, é, de resto, ditada pela
necessidade de uma adaptação contínua do direito às condições mutáveis da coexistência
pacífica e às aspirações variadas dos novos Estados. Ora, a Convenção de Viena não institui em
parte alguma um processo específico de elaboração das normas do ius cogens. Confrontamo-
nos, assim, com o simples critério material, sempre repleto de imprecisões. A carência é bem
mais grave do que no caso da determinação das normas existentes, pois será muito difícil
distinguir uma Convenção que viola o ius cogens daquela que o modifica.
23
Sentença de 31 de julho de 1989, R.G.D.I.P., 1990, p. 234 (Delimitação de fronteira marítima Guiné-
Bissau/Senegal)
24
assim, a regra segundo a qual “um Estado nascido de um processo de libertação nacional tem o
direito de aceitar ou não os Tratados que o Estado colonizador tiver concluído após o processo ter sido
desencadeado” não depende do ius cogens, mesmo estando logicamente ligada ao princípio do direito
dos povos disporem de si próprios, o qual apresenta um caráter imperativo.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Esta sugestão teria tido o mérito de retirar aos Estados o poder de qualificação. Mas as
possibilidades de ser aceite por estes eram nulas pois, querendo evitar um extremo, caía noutro,
não podendo os Estados deixar de considerar que, ao dotarem o juiz de um poder exorbitante,
transformavam-no num legislador universal. Dividida entre a necessidade da tarefa e as
dificuldades da sua execução, a Comissão de Direito Internacional preferiu, finalmente, uma
atitude que consistia em evocar o problema sem o resolver. No seu relatório, fornecem-se
mesmo alguns exemplos de tratados derrogatórios do ius cogens:
Desta lista, que não é exaustiva, ressalta que a Comissão leva também em conta considerações
relativas aos bons costumes e à ordem pública internacional. Assim, na sua conceção, os
Tratados imorais integram-se na nova categoria dos Tratados contrários às normas imperativas.
Contudo, a Comissão absteve-se se propor qualquer texto enumerativo, declarando que conviria
deixar à prática dos Estados e aos tribunais internacionais o cuidado de proceder
progressivamente à determinação dessas normas imperativas. Finalmente, a Conferência
aprovou o artigo 66.º dispondo que, em caso de diferendo sobre a aplicação ou a interpretação
dos artigos 53.º e 64.º, e se não chegar a uma solução nos doze meses seguintes à data em que
ele se verificou, qualquer parte “pode, mediante requerimento, submete-lo à decisão do Tribunal
Internacional de Justiça, salvo se as Partes decidirem de comum acordo submeter o diferendo a
arbitragem”. Algo ficou portanto do primeiro projeto apresentado26. Mas o problema só está
resolvido parcialmente e é provável que os Estados que, em princípio, se opuseram à
competência obrigatória do Tribunal Internacional de Justiça se recusem a ratificar a Convenção
a menos que não possam emitir reservas sobre este artigo 66.º27. Na verdade, após a adoção da
Convenção de Viena, a jurisprudência trouxe alguns esclarecimentos. Eles permanecem
contudo parciais e limitados. Podemos talvez aguardar um progresso, na concretização do
conceito de ius cogens, dos trabalhos atuais das Nações Unidas sobre a responsabilidade
internacional dos Estados e da elaboração em curso de um Código dos crimes contra a paz e a
25
Sir Hersch Lauterpacht enquanto segundo relator da C.D.I.
26
ver nota 18
27
Vimos que a Convenção de Viena é omissa sobre a possibilidade de formular reservas: neste caso
preciso, seriam elas compatíveis com o objeto e o fim da Convenção? Levando em conta as
circunstâncias da adoção do artigo 66.º, cuja redação constitui um compromisso tido como essencial por
numerosos Estados, poder-se-á duvidar; e, admitindo que uma tal reserva seja possível, o problema da
determinação das regras imperativas permanece no que respeita aos Estados reservatários. Além disto
e sobretudo, se o juiz for chamado a pronunciar-se em que critérios se fundamentará? A questão
continua a não estar resolvida.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
1.º A assimilação das normas de ius cogens às do direito natural resulta de uma
generalização abusiva;
2.º Ninguém ousará pretender que um tratado dispondo, por exemplo, uma
violação do princípio pacta sunt servanda ou um recurso ilegítimo à força, conserve plena
validade perante o direito positivo por ser contrário apenas ao direito natural.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
tinha o dever de colmatar esta lacuna a fim de prevenir os abusos provenientes das iniciativas
unilaterais. Efetivamente, institui regras que não só renovam e racionalizam o Direito dos
Tratados, mas também atualizam o problema geral das nulidades em Direito Internacional
Público, o qual, até ao momento, só foi estudado no que diz respeito às sentenças arbitrais e a
outros atos jurídicos unilaterais. Este cuidado de exatidão corresponde à necessidade da
sociedade internacional contemporânea de dispor de uma técnica jurídica que facilite a
reconsideração ordenada das regulamentações convencionais arcaicas. Por isso mesmo, não
podemos surpreender-nos verificando o papel decisivo que tem sido desempenhado pelos
estados do Terceiro Mundo, mas também pelos países socialistas, preocupados em definir meios
de contestação.
28
as diferentes ordens jurídicas internas aplicam dois tipos de nulidade em matéria de contratos. A
nulidade absoluta sanciona as ilegalidades graves que afetam o interesse geral e perturbam a ordem
pública. Caracteriza-se por alguns aspetos dominantes: qualquer pessoa interessada, terceiro ou
contratante, pode a ela recorrer, o juiz pode invoca-la de ofício, ela é suscetível de confirmação e
mesmo, de acordo com algumas legislações, não pode ser coberta pela prescrição.
29
Ver acórdão do Tribunal Internacional de Justiça no caso da Sentença arbitral do Rei de Espanha, Rec.,
1960, p. 205, 209 e 213.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Hipóteses da nulidade absoluta: não acontece o mesmo com a coação. A vítima merece
sempre proteção, mas também é necessário, no interesse geral, desencorajar o recurso à coação
ilícita. Nesta ordem de ideias, a Convenção operou um nítido recuo da conceção contratualista,
aplicando a nulidade absoluta a um tratado viciado pela coação. No que respeita, em primeiro
lugar, à coação exercida sobre a pessoa do representante do Estado, a Comissão de Direito
Internacional, desde a fase preparatória e contra o parecer de um seu relator31, tinha retido a
sanção da nulidade absoluta. Ela justificou, nos termos mas claros possíveis, a sua decisão:
“É nulo todo o tratado cuja conclusão tenha sido obtida pela ameaça ou pelo
emprego da força em violação dos princípios de direito internacional contidos na
Carta das Nações Unidas.”
Põe-se desde logo o problema da aplicação desta regra no tempo. Em que data penetram no
direito positivo os “princípios de direito internacional” evocados, antes da sua incorporação na
30
O seu terceiro relator, Sir Gerald Fitzmaurice
31
O seu quarto relator, Sir Humphrey Waldock
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Carta? Serão, consequentemente, postos de novo em causa todos os Tratados de paz concluídos
no quadro do Direito Internacional clássico? De facto, como vimos, somente estão em causa os
Tratados concluídos posteriormente à adoção da norma de proibição da guerra pelo Pacto de
Briand-Kellog de 1928 e da força pela Carta das Nações Unidas de 1945. Dever-se-á ainda ter em
conta que a nulidade do artigo 52.º, resultante da ilicitude de certas formas de coação, está
limitada no seu campo de aplicação: escapam-lhe os Tratados concluídos na sequência de um
conflito fundamentado na legítima defesa. O artigo 53.º, sobre os Tratados incompatíveis com
o ius cogens, é também redigido pela mesma mão sancionatória a fim de defender a ordem 62
pública internacional. O caráter absoluto destas três nulidades decorre, diretamente do artigo
45.º CVDT que as afasta de aplicação da regra de confirmação formalmente expressa ou tácita32.
Sistema tradicional: em conformidade geral com o princípio geral dos direitos nacionais
segundo o qual ninguém pode fazer-se justiça a si mesmo, nenhuma parte num contrato ou num
Tratado viciado por uma irregularidade poderia proceder unilateralmente à sua anulação. A
intervenção de uma instância competente deveria ser sempre necessária. Não haveria nulidade
de pleno direito de um ato jurídico que implicasse a sua anulação automática. Sustentou-se que
uma tal nulidade equivaleria à sua inexistência. Em direito interno, este princípio geral tem
permanentemente plena aplicação. Em Direito Internacional também, a despeito de algumas
opiniões isoladas, favoráveis à nulidade de pleno direito de certos atos afetados por vícios muito
graves. Com exceção de modalidades especiais previstas num Tratado e aplicáveis unicamente
a esse Tratado, todas as vezes que surge uma dificuldade nas relações entre as partes
contratantes, esta é resolvida de acordo com o mecanismo de direito comum de resolução de
conflitos internacionais, que só pode ser posto em prática com o consentimento mútuo dos
Estados interessados. Este consentimento pode ser expresso em cláusulas especiais do Tratado
contestado ou dar lugar a um novo acordo. Através deste último, os Estados em litigio podem
reconhecer a um terceiro órgão, designadamente um árbitro ou uma jurisdição internacional.
Este mecanismo consensual colide todavia com a aplicação de um outro princípio geral de
Direito Internacional, em virtude do qual, enquanto Estado soberano, cada parte aprecia sob a
sua única responsabilidade as situações que lhe digam respeito. Assim, o Estado detêm a
possibilidade de tirar ele próprio as consequências da irregularidade e de proclamar
unilateralmente a nulidade. Esta atitude traduz-se pela recusa de executar o Tratado. Chega-se
assim a uma espécie de automatismo de facto. Na sua opinião dissidente33:
“É o próprio estado que se julga lesado, ao rejeitar um ato jurídico viciado, em seu entender, de
nulidade. Trata-se evidentemente de uma decisão grave, à qual só se deveria recorrer em casos
32
Podemos perguntar-nos se a noção de nulidade absoluta no sentido da Convenção coincide
inteiramente com a mesma noção segundo o Direito Interno. De acordo com este, qualquer pessoa
interessada, contratante ou não, pode recorrer a uma nulidade absoluta. Ora, se na redação dos artigos
51.º, 52.º e 53.º são utilizadas fórmulas absolutamente impessoais, não proibindo explicitamente esta
mesma interpretação extensiva, esta parece ser desmentida pelos artigos 65.º e 66.º que só às partes
aplicam a nulidade.
33
Proferida no caso relativo a Certas despesas das Nações unidas pelo juiz Winiarski.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
excecionais, mas por vezes inevitável e reconhecida como tal pelo Direito Internacional
comum.”34
34
Segundo o Professor Reuter, “são os próprios Estados que declaram a nulidade, na falta de uma
autoridade jusrisdicional”.
35
Supracitado acórdão proferido no caso Barcelona Traction (Rec., 1970, p. 47)
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
diferendo a arbitragem. Não sendo assim, segundo o artigo 66.º, alínea a), qualquer parte no
diferendo pode, mediante requerimento unilateral, levar o caso ao Tribunal Internacional de
Justiça. Neste caso, a competência do Tribunal é obrigatória. Nos outros casos, as partes podem,
de acordo com o artigo 66.º, alínea b), recorrer ao processo indicado no anexo à Convenção,
que abre uma nova brecha no sistema voluntarista clássico. Cria-se um mecanismo de
conciliação obrigatório. Qualquer das partes pode pedir ao Secretário geral das Nações Unidas
que submeta o diferendo a uma comissão de conciliação composta por cinco membros. O início
da conciliação não tem, pois, lugar por iniciativa direta de uma parte. Espera-se que o Secretário 64
Geral consiga, pela sua mediação, fazer aceitar uma solução conciliadora. Em caso de insucesso
desta última tentativa, será obrigado a submeter o caso à comissão de conciliação, não possui o
poder de tomar decisões obrigatórias como um árbitro ou um juiz36.
36
O sistema foi transposto pelo artigo 66.º, n.º2 da Convenção de Viena de 1986 em caso de diferendo
no qual uma Organização Internacional é parte; neste caso, no seguimento de processos complexos,
pode ser apresentada ao Tribunal Internacional de Justiça, uma solicitação de parecer consultivo que
todas as partes no diferendo aceitam “como definitivo”.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
artigo 64.º, o vício do ato é contemporâneo da sua conclusão. Mas, na prática, não sendo o vício
descoberto no próprio momento da entrada em vigor do Tratado, sendo este aparentemente
regular, já se encontra em execução antes que a parte lesada esteja em condições de
desencadear o ato de anulação. Embora se não deva reconhecer qualquer situação “adquirida”
contra o direito, é legítimo atenuar o rigor de uma sanção retroativa de modo a reduzir as
perturbações criadas pelo regresso à situação anterior. O artigo 60.º, n.º2, foi redigido com este
fim. Assim, “os atos praticados de boa fé, antes de a nulidade haver sido invocada, não são
afetados pela nulidade do tratado”. Esta redação é defeituosa pois, se o Tratado for nulo, é 65
automaticamente ilícito, bem como todas as suas medidas de execução. A boa fé justifica uma
exceção à retroatividade, mas não apaga a ilicitude. A disposição esclarece que, nos casos de
dolo (artigo 49.º), de corrupção (artigo 50.º) e de coação (artigo 51.º e 52.º), não é concedido o
benefício da boa fé à parte responsável. A atenuação da retroatividade culmina com a regra
resultante do artigo 69.º, n.º2, alínea a), segundo a qual, qualquer parte pode pedir o
restabelecimento do statu quo ante “na medida do possível”. Perante esta disposição, podemos
perguntar se a exceção não fez desaparecer a regra ou se esta não se tornou exceção, pois, na
verdade, a aplicação da retroatividade, deixada à inteira discrição da parte lesada, encontra-se
ainda subordinada, em cada caso, à interpretação da expressão “na medida do possível”, o que
não deixa de suscitar sérias divergências.
37
Se estas visarem determinadas cláusulas, só relativamente a essas pode ser invocada Além disso, para
que a separação seja obrigatória, devem reunir-se outras três condições:
-as cláusulas em questão devem ser separáveis do resto do Tratado no que respeita à sua
execução;
- a aceitação das referidas cláusulas não constituiu para a outra parte ou para as outras partes a
base essencial do seu consentimento em vincular-se pelo Tratado no seu conjunto;
- não é injusto continuar a executar o que subsiste do Tratado.
A introdução destas precauções, cuidadosamente formuladas, prova que, aos olhos dos autores da
Convenção, a indivisibilidade continua a ser a regra e a divisibilidade a exceção. A terceira condição não
figurava no projeto da Comissão de Direito Internacional. Foi acrescentada pela Conferência na
sequência de uma emenda americana tendente a evitar que a separação produzisse uma rutura do
equilíbrio em detrimento de uma das partes.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Efeitos da nulidade a respeito das partes: no caso em que a nulidade de um Tratado bilateral
for admitida, o Tratado no seu conjunto, ou as disposições que incorrem em nulidade, deixam
de ter efeito relativamente às partes nas condições descritas anteriormente. O problema é
muito mais complexo no caso de um Tratado multilateral: a nulidade não produz
necessariamente os mesmo efeitos face ao Estado, cujo consentimento foi viciado, e às outras
partes. Em princípio, o Tratado permanece válido nas relações destas entre si, assim como refere 66
o artigo 69.º, n.º4 CVDT. Contudo, esta regra, prevista expressamente para as irregularidades
que viciem o consentimento, não se aplica no caso de nulidade por violação de ius cogens que
afete “objetivamente” o Tratado, abstraindo da situação pessoal das partes. O artigo 71.º CVDT,
relativo às consequências da nulidade de um Tratado em conflito com uma norma imperativa
de Direito Internacional geral, não faz de resto qualquer distinção entre Tratados bilaterais e
multilaterais.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Aplicação do Princípio da boa fé: segundo o artigo 26.º CVDT: «Todo o tratado em vigor
vincula as partes e deve ser por elas executado de boa fé.» Ao propor esta redação, a Comissão
de Direito Internacional fez questão em sublinhar que enunciava o princípio fundamental do
Direito dos Tratados. A execução de boa fé e o respeito da regra pacta sunt servanda estão assim
intimamente ligados constituindo dois aspetos complementares de um mesmo princípio. O
principio eleva-se ao nível de uma instituição reguladora do conjunto das relações internacionais.
Ganha particular relevo no direito dos Tratados. De acordo com uma fórmula geral da
Convenção de Viena (artigo 18.º), executar de boa fé significa: «Abster-se dos atos que privem
um tratado do seu objeto ou do seu fim.» Esta conceção é talvez demasiado larga, por
conseguinte demasiado vaga, porque não caracteriza suficientemente a face oposta, que é a má
fé. A execução de boa fé deveria ser definida como a que exclui toda a tentativa de “fraude à
lei”, toda a astúcia, e exige positivamente fidelidade e lealdade aos compromissos assumidos.
Seja como for, uma definição é forçosamente abstrata; ela deve ser clarificada pela prática. A
obrigação de executar uma Convenção é tanto mais difícil de delimitar quanto mais as normas
convencionais forem ambíguas. Mediante redações apropriadas, as partes podem com efeito
reduzir o alcance dos seus compromissos, seja enunciando as suas obrigações em termos
suficientemente vagos para poderem aproveitar essa ambiguidade no seu melhor interesse, seja
reservando-se a possibilidade de se desligarem dos seus compromissos em certas circunstâncias.
Na primeira hipótese, os Estados podem em especial jogar com a distinção entre obrigações de
resultado e obrigações de comportamento: as primeiras são mais constrangentes na medida em
que as partes devem alcançar um objetivo previamente fixado; as segundas são menos rigorosas:
elas impõem somente às partes a adoção de certas atitudes. A oposição não é, de resto, absoluta
38
A unidade orgânica do Estado e a sua soberania contribuem para simplificar a solução dos problemas
de aplicação das Convenções: o Direito Internacional pode, muitas vezes, remeter para o Direito interno
do Estado, um direito, regra geral, simultaneamente coerente e estável. A situação é a priori menos
favorável para as Organizações Internacionais: a hierarquia interna dos seus órgãos é frequentemente
mal assegurada, e , sobretudo, os Estados membros das Organizações Internacionais podem intervir na
execução dos acordos concluídos por estas.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
e sobretudo uma Convenção pode enunciar em termos vagos os resultados a alcançar ou, pelo
contrário, fixar com muita precisão o comportamento que devem seguir as partes. A Convenção
pode, por outro lado, prever uma faculdade de suspensão das obrigações convencionais,
podendo a decisão resultar apenas da vontade do Estado interessado (cláusulas de salvaguarda),
ou necessitar do acordo ou da autorização das outras partes contratantes (cláusulas
derrogatórias). O Direito Internacional da Economia constitui o domínio privilegiado, mas não
exclusivo, destas regulamentações convencionais “frouxas” que tornam muitas vezes difícil e de
qualquer modo subjetiva a apreciação das infrações. Quaisquer que possam ser as incertezas 68
provenientes da redação da Convenção, as partes não podem deixar de respeitar as suas
disposições e a obrigação de execução de boa fé permanece. Mesmo que seja aparentemente
comparável, o problema da execução dos atos concertados não convencionais formula-se em
termos inteiramente diferentes: ele não depende do conteúdo da norma mas da natureza do
instrumento. Não sendo este um ato jurídico, não obriga os seus autores a executá-lo qualquer
que seja a precisão da sua reação.
Esta regra beneficia do apoio concordante da prática dos Estados, da jurisprudência dos
tribunais internacionais e da doutrina. Em certos casos particulares, as disposições de uma
Convenção referente expressamente a um território ou uma região determinada. Não se verifica
o mesmo com a que resulta da chamada “cláusula federal”. Esta tem por objetivo afastar os
Estados membros de um Estado federal do campo de aplicação de um acordo concluído em
nome do Estado federal, com vista a salvaguardar a autonomia das entidades federadas. A
utilização desta cláusula tornou-se, porém, relativamente rara em virtude da conjugação de dois
fatores, que explicam, aliás, o silêncio da Convenção de Viena a respeito deste problema. Por
um lado, está ligada a circunstâncias históricas particulares: encontramo-la nos períodos em que
a solidariedade interna da união não é ainda suficiente para permitir que a entidade federal
resolva, ela própria, os problemas internacionais com que se confronta, mas em que essa
solidariedade é suficientemente marcada para excluir uma representação internacional distinta
dos Estados federados; reforçando-se as solidariedades, ela torna-se menos necessária. Por
outro lado, os Estados cocontratantes mostram-se muitas vezes reticentes a respeito da cláusula
federal, que diminui o alcance do compromisso tomado pelo Estado federal. A “cláusula colonial”
39
Comissão Europeia dos Direitos do Homem, caso De Becker, decisão 214/56 de 9 junho 1958
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
põe atualmente ainda mais problemas: visa excluir da aplicação da Convenção as dependências
não metropolitanas de um Estado ou reservar-lhes um tratamento específico.
Garantias de execução: de acordo com o Direito comum, a inexecução não justificada de uma
Convenção empenha a responsabilidade internacional do Estado. A eficácia desta garantia é
muito relativa: depende da vontade do Estado, que reconhece ou não a sua responsabilidade;
no caso contrário os Estados podem, e devem, submeter-se a um processo pacífico de resolução
do seu desacordo, que pode ser estabelecido pelas cláusulas do própria Convenção ou por um
documento conexo. Além disso, verifica-se uma tendência cada vez mais nítida para admitir que
a violação de uma obrigação convencional autoriza o Estado vítima a ripostar através de” contra-
medidas”. Uma vez que a Convenção de Viena se abstinha de se intrometer no direito da
responsabilidade internacional (artigo 73.º CDVT), era difícil abordar o problema das garantias
do respeito das Convenções. É apenas através das consequências de uma violação substancial
da Convenção que ela encara a questão (artigo 60.º CVDT): a ameaça de suspensão ou de
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
extinção da Convenção não passa de uma medida de represália, e portanto é, quando muito,
uma garantia política. Não deixa de ser claro que uma recusa em cumprir uma obrigação
convencional é de natureza a comprometer a responsabilidade internacional40. Por conseguinte,
não obstante o silêncio da Convenção de Viena, as consequências da violação de uma
Convenção devem ser encaradas à luz do direito da responsabilidade internacional. Além disso,
a prática desenvolveu duas categorias de mecanismos de garantias:
40
Parecer consultivo do Tribunal Internacional de Justiça de 18 julho de 1950 – Interpretação dos
Tratados de paz.
41
O Tratado de Versailles de 1919 recorreu a ela; para garantir o pagamento das reparações a cargo da
Alemanha, previa por um lado a afetação a esse pagamento de todos os recursos económicos e, pelo
outro, a ocupação durante 15 anos da margem esquerda do Reno.
42
Pelo Tratado de Londres de 19 abril 1839 no qual eram partes a Áustria, a França, a Grã-Bretanha, a
Prússia e a Rússia, as cinco potências prometiam garantir a neutralidade perpétua da Bélgica instituída
por outro Tratado de Londres, de 15 novembro 1831.
43
Este compromisso americano foi combinado com a criação da Força multinacional de observadores;
como as comissões internacionais de controlo aplicadas sucessivamente para velar pelo
restabelecimento e manutenção da paz na Indochina. Uma outra forma de institucionalização paralela é
constituída pelas conferências periódicas dos Estados partes encarregados de examinar a aplicação da
Convenção. Esta técnica, de pressão bem como de garantia propriamente dita, é utilizada sobretudo em
matéria de desarmamento.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
efetivamente, como qualquer outra norma de Direito interno, não só perante todas as
autoridades estatais, governantes e Administração, seja qual for o escalão da hierarquia em que
se encontrem colocadas, mas também permite os nacionais do Estado. Como se opera esta
introdução? Na opinião geral, partilhada mesmo pelos Estados que, invocando um dualismo
rígido, praticam um sistema de incorporação legislativa, este dever de introdução é uma
obrigação de resultado e não de meio. A maneira como se realiza é, pois, deixada à livre escolha
do Estado. Este é, de resto, livre de considerar que o seu Direito interno está desde agora de
acordo com a Convenção e de não tomar qualquer medida de introdução específica, com o risco 72
– mínimo – de ver a sua responsabilidade internacional comprometida se a outra ou as outras
partes o contestarem. Pelo contrário, os Estados não estão evidentemente proibidos de
limitarem a sua liberdade por compromissos convencionais, mas eles só o consentem
excecionalmente. Na prática, os Estados usam amplamente a liberdade quanto aos meios a pôr
em prática que lhes reconhece o Direito Internacional.
A obrigação de tomar medidas: para ser aplicável, uma Convenção deve conter disposições
suficientemente precisas e poder inscrever-se nas “estruturas de acolhimento” jurídicas ou
financeiras de Direito interno. A execução da Convenção exige frequentemente que certas
decisões tenham sido tomadas no plano nacional; o respeito da Convenção pelos Estados só é
assegurado se eles tomarem efetivamente tais medidas (votação de créditos especiais, adoção
de leis ou de atos regulamentares, modificações da legislação ou da regulamentação existentes).
O conteúdo desta obrigação depende do caráter auto-executório ou não da Convenção. Uma
Convenção – ou uma disposição dela – é auto executória quando a sua aplicação não exige
medidas internas complementares. Resulta até desta definição que são inúteis medidas
especiais preliminares à execução44. Pelo contrário, as Convenções que não apresentarem um
caráter auto executório não são autossuficientes e os Estados partes devem tomar as medidas
internas necessárias à sua execução. Alguns instrumentos contêm uma cláusula que confirma
esta obrigação. O Tribunal Penal de Justiça Internacional reconheceu como “princípio óbvio”,
que um Estado que tenha validamente contraído compromissos internacionais seja obrigado a
introduzir na sua legislação as modificações necessárias para assegurar a execução dos
compromissos assumidos45. A fiscalização do respeito desta obrigação efetua-se, regra geral, por
recurso à responsabilidade internacional do Estado, o que supõe que, não tomando as medidas
de aplicação necessárias, o Estado atentou contra os direitos garantidos pela Convenção aos
cidadãos estrangeiros. Se o compromisso da responsabilidade do Estado não oferece dúvidas,
visto que ele não pode invocar as lacunas do seu Direito interno para fugir aos seus
compromissos convencionais (artigo 27.º CVDT), este mecanismo deixa uma ampla margem de
44
Concretamente, o caráter auto executório de uma disposição convencional é muitas vezes difícil de
determinar e pode ser objeto de apreciações divergentes.
45
Parecer 21 fevereiro 1925 sobre a Permuta das populações turcas e gregas.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
poder discricionário aos Estados; não é possível recorrer a ele em relação aos nacionais, salvo
exceção, e de qualquer modo é muito difícil acioná-lo. Só os tribunais nacionais podem
contribuir para uma solução mais eficaz, quer aceitando os recursos baseados na inobservância
desta obrigação pelo poder regulamentar, quer fazendo prevalecer uma Convenção
internacional sobre o Direito interno apesar da insuficiência das medidas de aplicação: a sua
atitude será, em parte, ditada pelo seu conceito da aplicação direta da referida Convenção46.
Tratados que interessam aos particulares: como sublinhou o Tribunal Penal de Justiça 73
Internacional: «O próprio objeto de um acordo internacional, na intenção das partes
contratantes, (pode) ser a adoção pelas partes, de regras determinadas, criando direitos e
obrigações para os indivíduos, e suscetíveis de serem aplicadas pelos tribunais nacionais». Em
boa lógica, daqui deveria resultar que estas Convenções, se forem auto executórias , serão
diretamente aplicáveis, isto é, oponíveis ao poder executivo, e que os particulares deles se
poderão valer, perante o juiz nacional, mesmo que as suas normas não tenham sido
incorporadas na legislação nacional. Contudo, na prática, as jurisdições nacionais mostram-se
hesitantes mesmo que, apesar de certas críticas doutrinais sobre a lentidão do processo, a
tendência geral nos países ocidentais seja favorável a uma presunção de aplicabilidade direta,
na medida necessária para assegurar a plena eficácia internacional e interna das Convenções.
Pode, todavia, parecer paradoxal que a posição dos Tribunais sobre este problema não coincida
com a distinção entre monismo e dualismo e que os países de tradição monista se mostrem, por
vezes, bastante restritivos.
b) Entre 1933 e 1971: a seguir a 1933, e sobretudo após 1957, a doutrina dividiu-
se fortemente: continuou a haver quem defendesse uma cláusula geral de receção plena; havia
quem defendesse que somente se encontravam cláusulas de receção semiplena; inversamente,
havia quem se pronunciasse no sentido da cláusula geral de receção plena; e havia quem
sustentasse não consagrar o Direito Português nenhum sistema geral sobre a relevância do
Direito Internacional, mas, ao mesmo tempo, por adoção de um monismo de Direito
46
A recusa, a demora ou a insuficiência das medidas de aplicação das Convenções e do Direito derivado
(diretrizes, decisões, eventualmente mesmo regulamentos) constituem, pelo que diz respeito às
Comunidades Europeias, falta dos Estados, podendo ser sancionadas pelo Tribunal de Justiça por iniciativa
da Comissão ou corrigidas na sequência de pressões da Comissão.
47
Miranda, Jorge; Curso de Direito Constitucional, 3.ª edição; Principia editores; Cascais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
- os artigos 4.º, 7.º, n.º 6 e 7, 16.º, n.º1, 33.º, n.º 3, 4 e 5, 102.º, 273, n.º2 e 275,
n.º5 colocam os atos normativos de Direito Internacional a par da lei como fontes de regras de
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Direito Interno; enão se trata nem de redundâncias, nem de cláusulas de receção semiplena,
mas sim de afloramentos naturais do princípio da receção plena;
Ainda a respeito do artigo 8.º, n.º2, observe-se que: a alusão do artigo em questão, a
Convenções «regularmente ratificadas ou aprovadas» tem de ser conjugada com o artigo 277.º,
n.º2; no preceito abrangem-se os acordos sob a forma de troca de notas, porque entre nós estão
sujeitos a aprovação; a expressão «enquanto vincularem internacionalmente o Estado
português» significa que vigência na Ordem interna depende da vigência na Ordem
internacional (as normas internacionais só vigoram no nosso ordenamento jurídico depois de
começarem a vigorar no ordenamento internacional e cessam de aqui vigorar ou sofrem
modificações, na medida em que tal aconteça a nível internacional); em contrapartida, a
eventual não vigência de qualquer tratado na ordem interna por preterição dos requisitos
constitucionais não impede a vinculação a esse tratado na ordem internacional. Quanto às
normas emanadas dos órgãos competentes de Organizações Internacionais de que Portugal seja
parte e que vigoram diretamente na Ordem interna, por tal se encontrar estabelecido nos
respetivos tratados constitutivos (artigo 8.º, n.º3), nenhuma dúvida se suscita sobre a natureza
do fenómeno com receção automática no seu grau máximo. Dispensa-se não só qualquer
interposição legislativa como qualquer aprovação ou ratificação a nível interno equivalente à
dos tratados (e tão pouco pode dar-se fiscalização preventiva). Mas deveria exigir-se sempre a
publicação no jornal oficial português. Pensado em 1982 na perspetiva da integração de Portugal
nas Comunidades Europeias e da consequente receção do Direito Comunitário, nunca esgotou
aí o seu âmbito vital. Como bem se sabe, há decisões normativas imediatamente aplicáveis das
mais diversas Organizações Internacionais – entre as quais as resoluções do Conselho de
Segurança das Nações Unidas. O artigo 8.º é omisso relativamente a tratados celebrados por
Organizações Internacionais de que Portugal seja membro. É obvio, porém, que eles não podem
deixar de ser aplicados enquanto tais imediatamente na ordem interna, embora não por força
do n.º 2 (que pressupõe tratados aprovados pelo Estado português), mas por extensão do n.º3.
O n.º4 – depois de, no primeiro segmento, repetir o que já consta dos n.º 2 e 3 – vem estabelecer
que as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas
instituições são aplicáveis na ordem interna nos termos definidos pelo Direito da União.
Devolve-se, pois, aparentemente, para o Direito da União (que, por o artigo 7.º, n.º6, falar em
“convencionar”, só pode ser o Direito Primário) um decisão que deveria pertencer à Constituição.
Afigura-se, no entanto, de encarar uma interpretação conforme ao princípio da independência
nacional, o primeiro dos limites materiais de revisão constitucional (artigo 28.º), de modo a
garantir a soberania constituinte do Estado português; o contrário equivaleria à degradação do
seu estatuto jurídico, aproximando-o do de um Estado federado. Isso, porque se trata, quanto
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
ao Direito derivado, de normas emanadas no exercício das competências da União – que são
competências de atribuição e a interpretar à luz do princípio da subsidiariedade. E porque se
prescreve o respeito dos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático, os
princípios em que assenta a República e que são princípios constitucionais portugueses (artigo
2.º e Jurisprudência do Tribunal Constitucional).
76
C – Perante o juiz interno
48
Morais, Carlos Blanco; Justiça Constitucional, Tomo I, 2ª edição; Coimbra Editores, Coimbra; outubro
2006
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
têm as normas jurídicas como objeto de controlo. Entende-se, na maioria dos ordenamentos
democráticos que, em nome do princípio da essencialidade, o controlo de constitucionalidade
como processo especial é garantido, em última instância, por jurisdições também especificas.
Jurisdições que não podem ser constrangidas a consumir a sua atividade na fiscalização de atos
de aplicação (cuja inconstitucionalidade é, maioritariamente, uma consequência daquela que
atinge a norma onde se fundam) devendo, sim, dirigir-se às normas ao abrigo das quais os
referidos atos são praticados. O sistema específico de controlo da constitucionalidade, implica,
deste modo, não um confronto entre a norma e um caso concreto, mas um confronto entre 77
duas normas (ou entre um princípio e uma norma), que supõe a atestação da compatibilidade
da que reveste uma hierarquia inferior com a que goza de supremacia constitucional. 49 O
sistema português alarga o sistema de fiscalização da constitucionalidade a todas as normas
jurídico-públicas (artigo 277.º, n.º1), se bem que o universo das normas que são objeto do
controlo varie de processo para processo. Esse universo é pleno no que respeita aos processos
de fiscalização sucessiva (artigo 280.º e 281.º, n.º1); restringe-se a atos legislativos, convenções
internacionais e referendos em sede de fiscalização preventiva, de acordo com os n.º1, 2 e 4 do
artigo 278.º e do artigo 115.º; e circunscreve-se a atos legislativos no processo de fiscalização
da inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º, n.º1). Como contraponto discutível deste
excesso de generosidade na determinação do objeto da fiscalização, não se admite a figura do
recurso de amparo, mormente contra atos jurídico-públicos não normativos. E a ausência de
fiscalização de alguns destes atos singulares, como é o caso dos atos políticos por razões de
forma, constitui uma dispensiva e incompreensível lacuna do sistema, que não é isenta de
críticas.50
49
Existem, ainda assim, sistemas de fiscalização em que o controlo se exerce, não sobre todo o tipo de
normas, mas, sobre as que são emitidas ao abrigo de uma função jurídico-pública primária, em nome de
uma maior exigência no posicionamento da essencialidade do objeto normativo controlado (caso dos
E.U.A, Itália e França). Outros sistemas restringem a fiscalização abstrata e concreta de
constitucionalidade atos normativos primários, mas alargam o objeto do recurso direto de
constitucionalidade a normas e atos jurídico-públicos não legislativos (caso da Alemanha, Espanha e
Áustria).
50
Importa também referir que o sistema brasileiro instituído pela Constituição de 1988 alarga, tal como
sucede com o português, o objeto do controlo.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Inconstitucionalidade material:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Inconstitucionalidade formal:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
A inconstitucionalidade orgânica: 85
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
51
pre·clu·dir - (latim praecludo, -ere, fechar diante de alguém, obstruir, impedir) verbo intransitivo
"precludir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013,
http://www.priberam.pt/DLPO/precludir.
52
Acórdão n.º 212/86, 18-6
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
53
No primeiro caso, se um diploma legal tiver sido aprovado por um órgão sem competência para tal,
em relação a toda a matéria que constitui o respetivo objeto, estamos perante uma
inconstitucionalidade total de um diploma. Se, ao invés, o órgão apenas exorbitou os seus limites
competenciais em relação às matérias abrangidas por alguns preceitos, falar-se-á em
inconstitucionalidade parcial do diploma. No segundo caso, se o objetivo da fiscalização constitucional
recair sobre um preceito de um diploma, o mesmo preceito contiver um só comando normativo e este
último for inconstitucional, seremos confrontados com a inconstitucionalidade total do preceito. Se ao
invés o preceito se desdobrar em várias normas e apenas algumas destas forem inconstitucionais
estaremos perante a inconstitucionalidade parcial do preceito.
54
A preterição de formalidades essenciais na génese de uma lei afetam a totalidade de um diploma.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
material necessária com uma norma principal que seja julgada inconstitucional. Nestes termos
a Justiça Constitucional, no caso exposto, tendo constatado o caráter injustificado de uma
divisibilidade do ato, deveria declarar a sua inconstitucionalidade.
55
a·bla·ção (latim ablatio, -onis, acção de tirar) substantivo feminino 1.
[Cirurgia] [Cirurgia] Extracção. 2. [Gramática] [Gramática] Aférese. "ablação", in Dicionário
Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/ablação
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Noção: de acordo com Marcelo Rebelo de Sousa, o valor do ato inconstitucional reside
fundamentalmente no efeito essencial da inconstitucionalidade. Se a conformidade dos
pressupostos e elementos do ato com a Constituição predica o valor positivo do mesmo e a sua
virtual perfeição jurídica para, como ato existente e válido, produzir os efeito que lhe
correspondem, já o valor negativo, ou desvalor, implica que um ato, em razão da sua
desconformidade com a Constituição, se pode ver inibido de produzir a totalidade das suas
consequências jurídicas típicas. Podemos, assim, definir desvalor do ato inconstitucional como
a depreciação, mais ou menos intensa, sofrida por um ato desconforme com a Constituição,
suscetível de obstar à produção dos efeitos jurídicos que ordinária e tipicamente lhe
corresponderiam.
56
Acórdão n.º 201/86 e Acórdão n.º 261/86, 20-7.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
conjunto de conceitos muito próximos, as que dele se distinguem, pese o facto de haver alguma
doutrina e jurisprudência que os assimila, no todo ou em parte. Assim, enquanto o vício do ato
é a deformidade de que o mesmo padece em razão da colisão dos seus pressupostos ou
elementos com uma norma parâmetro à qual se encontra vinculado, a sua relação de desvalor
reporta-se à natureza da norma parâmetro que, sendo violada, se mostra suscetível de
fundamentar a depreciação jurídica do ato que a ela é desconforme. Pode-se, neste último caso,
falar em ilegalidade, quando essa norma-parâmetro ofendida é uma lei com valor reforçado e
em inconstitucionalidade, quando a mesma assume o “status” jurídico de princípio ou regra 91
constitucional. Por outro lado, no universo da relação de desvalor de inconstitucionalidade, que
é a que presentemente ocupa a nossa atenção, enquanto o valor negativo se reconduz à
depreciação genérica do ato suscetível de inibir a produção dos seus efeitos, a sanção constitui
no contexto da mesma depreciação, o tipo concreto de reação assumida pelo ordenamento
jurídico contra atos inconstitucionais, e que se traduz na eliminação, ou na paralisia total ou
parcial, dos seus efeitos jurídicos. A sanção é pois, a forma assumida, no plano repressivo, por
um determinado valor negativo. Importa precisar que a posição aqui defendida admite que num
dado valor negativo possam coexistir diversos tipos de sanções, como reações concretas e
diversas do ordenamento contra normas inconstitucionais. Distintamente, para outra doutrina,
não existe distinção virtual entre desvalor e sanção (sendo o segundo consumido pelo primeiro).
Tipologia dos valores negativos: na ordem jurídica portuguesa, haverá a considerar valores
negativos de caráter principal, ou próprio, que são precisamente aqueles que, por resultarem
da ocorrência de vícios nos pressupostos e elementos essenciais do ato inconstitucional,
implicam necessariamente a aplicação de sanções que eliminam os efeitos jurídicos do mesmo
ato. É o caso da inexistência jurídica e da invalidade. Contudo haverá igualmente a assinalar a
existência de valores negativos de natureza acessória, ou imprópria, que se caracterizam por
uma depreciação nominal do ato inconstitucional. Trata-se daqueles casos em que os atos, pelo
facto de os respetivos vícios não assumirem caráter grave ou relevante, não são referidos por
qualquer sanção, podendo continuar a produzir os seus efeitos jurídicos. Trata-se do caso da
irregularidade.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
instituições. Assim sendo, a eliminação total desses efeitos pode ser declarada pelos órgãos de
Justiça Constitucional, declaração que aliás é um prius da responsabilização dos Estados por
lesões deles decorrentes, já que o mesmo Estado é civilmente responsável, nos termos do artigo
22. CRP, pela prática de atos aparentes de que resulte a violação de direitos, liberdades e
garantias ou prejuízo para outrem. Ora a responsabilidade por um ato aparente leva a que o
mesmo seja tratado como tal, e não como uma ausência de ato. Os efeitos processuais e os
danos colaterais gerados pelo pretenso ato levam-nos, pois, a considerar ser uma ficção, talvez
pouco útil, o entendimento mais radical que defende que o mesmo seja irremediavelmente 92
tratado como se nunca tivesse existido. Pelo exposto, o valor negativo da inexistência reconduz-
se, fundamentalmente, à sanção traduzida no imperativo de eliminação rigorosa de todos os
efeitos que faticamente o ato aparente tenha gerado, o qual implica que, dentro da reserva
possível, se proceda a uma reconstituição completa da situação existente ao momento anterior
à prática do mesmo. A ideia de “reserva do possível” presa ao conceito de putatividade é, aliás,
um limite extremo ao corolário-regra de que o ato aparente está impreterivelmente condenado
a não produzir efeito algum.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
3.º não é possível, por outra banda, concordar com a tese que
reconduz a inexistência à violação dos princípios e valores
fundamentais da Constituição Material. A ideia de Constituição
Material logra ser excessivamente difusa, doutrinária e discutida
para que possa funcionar como um parâmetro referencial, não só
para a Justiça Constitucional, mas para a pluralidade aberta de
intérpretes legitimados a declarar a inexistência de atos. Por outro
lado, a convocação do artigo 288.º como referência normativa 95
objetiva dos princípios fundamentais dessa Constituição Material
revela ser enganosa, já que nem todos os valores e interesses aí
elencados, têm relevância suficiente para integrarem a identidade
nuclear da Constituição. Dele já constaram até 1989 institutos
marginais que o constituinte quis proteger com maior rigidez, como
as comissões de moradores e o princípio de apropriação coletiva dos
meios de produção, e dele continua, ainda, a constar a
inconstitucionalidade por omissão, sendo forçado conceder que um
ato que vulnerasse a essência destes princípios pudesse ser tido
como inexistente. Mesmo no que toca à definição de Constituição
Material, dada pela mesma doutrina, a mesma respeita à
identificação dos órgãos do poder político, ao seu modo de
designação, às suas competências e ao seu controlo a todos os
níveis. Trata-se de uma realidade servida por uma miríade de
princípios cuja violação através de atos normativos perfeitamente
identificáveis constitui uma realidade permanente, e que não faria
sentido dramatizar através do seu tratamento radical em sede de
inexistência.
4.º finalmente, a inexistência com fundamento em vícios
materiais colidiria com os princípios da segurança jurídica e
separação de poderes. Resulta ser pouco entendível o facto de a
doutrina que defende uma extensão dos fundamentos deste
desvalor considerar inexistentes atos violadores ao núcleo dos
direitos fundamentais (pelo facto de constarem da componente
fundamental da Constituição Material, revelada por limites de
revisão) quando os bens protegidos pelo artigo 288.º CRP não
compreendem, afinal, todos estes direitos, mas apenas os direitos,
liberdades e garantias. Mas o facto é que, depreciações graves ou
mesmo ablações de segmentos nucleares dos direitos, liberdades e
garantias são realidades não imediatamente representáveis ou
objetificáveis pelos operadores jurídicos e destinatários das normas.
A grande maioria das violações assume caráter implícito, e mesmo
quando assumem um alcance textual, carecem de uma complexa
atividade hermenêutica necessária para determinar se a ofensa foi
desferida contra o núcleo do direito ou contra os termos do seu
legítimo exercício. Essa complexidade é incompatível com um
controlo exercido por uma pluralidade de operadores jurídicos,
mesmo no contexto de um poder de exame de constitucionalidade
pela Administração. O risco de irromperem interpretações
subjetivistas de que decorra a desobediência indevida de órgãos e
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º A invalidade:
Noção: podemos definir invalidade de um ato inconstitucional como a sua
inaptidão para produzir a totalidade das consequências jurídicas que tipicamente lhe
corresponderiam se o mesmo se mostrasse conforme a Constituição.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Sanções da invalidade:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
57
Na reforma de 1985/1984 manteve-se, em termos gerais, o regime do período anterior,
determinando, então, que uma norma administrativa declarada ilegal com força obrigatória geral veria
salvaguardados os seus efeitos passados, salvo decisão em contrário do tribunal competente, fundada
em razões de segurança jurídica, equidade e interesse público de excecional relevo. Tratava-se da
subsistência, com alterações, do velho regime crismado por Marcello Caetano de “nulidade radical” mas
que Viera de Andrade considerou ser um “regime misto de nulidade e anulabilidade”. Posteriormente,
na reforma de 2002, entrada em vigor em 2004, foram estabelecidos dois regimes impugnatórios, no
âmbito processual da “ação administrativa especial”, portadores de sanções distintas. Por um lado
institui-se o pedido de declaração da ilegalidade regulamentar, em abstrato, traduzido na eliminação da
norma inválida com efeitos ex tunc, em termos próximos ao regime instituído no artigo 282.º CRP, sem
prejuízo da salvaguarda dos atos tornados impugnáveis. Trata-se de uma sanção que é qualificada pela
doutrina como “nulidade”. Por outro lado, o pedido de declaração de ilegalidade de normas
administrativas, em concreto, por via principal, a qual se reduz, tão só, à não aplicação do regulamento
ilegal no caso sub iuditio continuando a mesma norma, todavia, a vigorar no ordenamento. Trata-se de
uma desaplicação que a doutrina faz contrastar com a sanção de nulidade ipso iure que implica a
eliminação da norma do ordenamento.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
58
Santamaria Pastor, “La Nulidad de Pleno Derecho de Los atos Administrativos. Contribuición a una
Teoria de la Ineficácia en el Derecho Publico”, Madrid, 1975.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
59
Ver páginas 229 a 234 do Tomo I
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
3.º A irregularidade:
Conceito: a irregularidade na ordem constitucional portuguesa é um valor
negativo impróprio, porque se traduz numa reação referencial do ordenamento que, não só
restringe a atos inconstitucionais que enfermem de vícios orgânicos e formais de caráter não
essencial, mas que também se encontra desprovida de efeitos sancionatórios que impeçam os
mesmos atos de produzir consequências jurídicas. A existirem sanções, estas assumem caráter
reflexo, não se repercutindo-se sobre o ato mas sim, em tese, sobre os seus autores, a nível de
responsabilidade política ou disciplinar.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
b) Pressupostos da irregularidade:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
60
Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação Calouste Gulbenkian, 4.ª
Edição 1992; pp. 219
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
ser um terceiro Estado para se tornar um Estado parte, noutras hipóteses põem-se
problemas mais embaraçantes. De um modo geral, um Estado que garante a execução
de um Tratado no qual ele não é parte, será verdadeiramente um terceiro Estado? A
distinção revela-se particularmente mal adaptada ao desenvolvimento da prática
convencional das Organizações Internacionais: os Estados membros de uma organização
serão terceiros ou partes nos Tratados concluídos por ela? Não deverá reconhecer-se
que estes Tratados são, pelo menos, oponíveis aos Estados membros da organização, 128
mesmo quando estes não são formalmente partes neles? Na verdade, se esta hipótese
tende a multiplicar-se, ela não é totalmente inédita; e o Direito internacional clássico
teve de conciliar um princípio – o do efeito relativo dos Tratados – e as suas exceções.
«Um tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o
consentimento deste último».
Fundamento e significação:
1.º Na doutrina nem uma só voz se eleva contra o princípio em sim, mas, para
explica-lo, duas teses principais se encontram em presença. Segundo a teoria voluntarista, a
relatividade dos Tratados é incontestável porque se baseia simultaneamente na soberania, na
independência, na igualdade dos Estados e na natureza contratual do Tratado. Ela não é mais
do que a transposição, para o Direito dos Tratados, da regra tradicional da relatividade dos
contratos. G. Scelle propõe outra explicação, chegando ao mesmo resultado prático. Na sua
opinião, o tratado não é um contrato entre as partes, mas a sua lei comum; todavia, esta lei só
se aplica à sociedade internacional por elas concluída, excluindo os Estados estranhos essa
sociedade. Para mais, agindo nessa qualidade, os governantes estatais não possuem qualquer
poder, conferido por Tratado ou por qualquer outro modo, de dispor quer da competência, quer
dos direitos de terceiros. Só esta explicação objetivista é compatível com certas exceções ao
princípio. Os conceitos de soberania e de igualdade, enquanto fundamentos da regra da
relatividade, devem evidentemente postergar-se no que respeita aos Tratados concluídos pelas
organizações internacionais. Não há, porém, razão para aceitar uma exceção à regra no caso
destes Tratados: as organizações são sujeitos de Direito Internacional e, a este título, estão
subordinadas ao consensualismo convencional.
2.º Quando ao significado do princípio, ele resulta da máxima bem conhecida: pacta
servatiis nec nocente nec prosunt: os acordos não podem nem impor obrigações a terceiros, nem
conferir-lhes direitos. Tais são os dois aspetos do princípio confirmados por uma jurisprudência
abundante e constante.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
129
A – Aplicação dos Tratados a terceiros Estados com o seu consentimento
Técnica do acordo colateral: tirando as consequências lógicas do artigo 34.º CVDT, o artigo
35.º CVDT dispõe:
Resulta deste artigo que a obrigação visada não se impõe ao terceiro Estado em virtude do
Tratado inicial em que não é parte, mas em virtude de um acordo entre ele, por um lado, e o
grupo dos Estados partes no Tratado inicial, pelo outro. Este acordo em que o terceiro Estado é
parte, reconhecido pela Comissão de Direito Internacional como sendo a «base jurídica» da
obrigação que incumbe doravante a esse Estado, designa-se acordo colateral. Durante os
trabalhos preparatórios, a Comissão de Direito Internacional insistiu firmemente sobre a
impossibilidade para um Tratado criar obrigações a cargo de terceiros Estados, princípio que ela
considerava como um dos bastiões da independência e da igualdade dos Estados. Este restrito
voluntarismo é igualmente reforçado pelo artigo 37.º, n.º1 CVDT, segundo o qual:
«Nos casos em que uma obrigação tenha nascido para um terceiro Estado, de acordo
com o artigo 35.º, essa obrigação só pode ser modificada ou revogada através do consentimento
das partes no tratado e do terceiro Estado, a menos que se estabeleça terem convencionado
diversamente.»
Poucos precedentes ilustram estras regras de tal mo a situação que elas visam é excecional. De
resto, no final de um debate confuso, um aditamento ao artigo 74.º da Convenção veio
esclarecer que as suas disposições «não prejudicam nenhuma questão que possa surgir em
relação à criação de obrigações e direitos de Estados membros de uma organização
internacional em virtude de um tratado de que essa organização seja parte».
Cláusulas da nação mais favorecida: suponhamos que dois Estados, o Estado A e o Estado B
concluem entre si um Tratado sobre tarifas aduaneiras aplicáveis aos produtos importados,
provenientes dos respetivos territórios. No Tratado A-B é inserida uma cláusula segundo a qual,
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
com ou sem condições, com ou sem reciprocidade, um deles beneficiará de qualquer tarifa mais
favorável que o outro poderia ulteriormente conceder, noutro Tratado, a um terceiro Estado C.
Consequentemente, se este Tratado A-C, mediante o qual A (Estado concedente) concede a C
vantagens superiores às que inicialmente reconheceu a B no Tratado A-B, for efetivamente
concluído, B (Estado beneficiário) beneficiará automaticamente destas novas vantagens, sendo-
lhe aplicado o Tratado A-C, se bem que seja Estado terceiro, isto em virtude da cláusula contida
no tratamento primitivo A-B e na qual já consentira. Assim, é por esta cláusula chamada
«cláusula de nação mais favorecida» que os Tratados podem criar direitos a favor de Estados 130
terceiros no respeito pela soberania e sem que seja violada a conceção contratualista. É o que
exprime o artigo 5.º do projeto de artigos adotado sobre este assunto pela Comissão de Direito
Internacional, em 1978:
Segundo o Tribunal Internacional de Justiça, para que a cláusula produza efeitos, é necessário
que os dois Tratados incidam sobre a mesma matéria. Estes princípios são confirmados pelo
projeto de artigos da Comissão de Direito Internacional, sobre a cláusula da nação mais
favorecida. São, além disso, resolvidas certas dificuldades políticas encontradas na prática: ora
de maneira explícita, ora de maneira implícita, o projeto consagra uma interpretação bastante
liberal da cláusula. Na prática, os Estados recorreram à cláusula bastante cedo, antes do
aparecimento dos tratados multilaterais com vista, precisamente, a estenderem o campo de
aplicação das regras bilaterais. Prevista, primeiro nos Tratados económicos e depois noutros
Tratados, tais como as convenções de estabelecimentos e as relativas aso privilégios e
imunidades consulares, aquela cláusula desempenhava assim o papel de um processo de
unificação do Direito. O Tribunal Internacional de Justiça reconhece que ela permite
«estabelecer e manter permanentemente a igualdade fundamental e se discriminações entre
todos os países interessados». Nos nossos dias, apesar da multiplicação dos Tratados
multilaterais, esta prática mantém-se e com o mesmo objetivo, porque, em numerosos casos,
as matérias supracitadas continuam a ser reguladas por meio de acordos bilaterais. A
experiência prova, contudo, que a utilização da nação mais favorecida só é concebível nas
relações entre Estados previamente unidos por qualquer solidariedade particular. Daí resultam
sérias dificuldades para a sua aplicação quando está incluída num Tratado multilateral aberto. A
heterogeneidade crescente das relações comerciais internacionais devidas à multiplicação das
zonas preferenciais (designadamente uniões aduaneiras) e dos países independentes em vias de
desenvolvimento, obriga a encarar uma verdadeira “explosão” da cláusula da nação mais
favorecida.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Toda a teoria da estipulação a favor de outrem resulta desta passagem. O Tribunal não exclui a 131
estipulação a favor de outrem e subordina a sua validade ao consentimento do terceiro Estado.
Ao utilizar a expressão “direito adquirido”, deixa supor que este não pode desaparecer sem o
consentimento do beneficiário. Aliás, o Tribunal julgou expressamente neste sentido. Através
de duas das suas disposições, a Convenção de Viena confirmou inteiramente a solução do
acórdão. De acordo com o seu artigo 36.º
«No caso em que um direito tenha nascido para um terceiro Estado, de acordo com
o artigo 36.º, esse direito não pode ser revogado ou modificado pelas partes, se se concluir que
era destinado a não ser revogável ou modificável sem o consentimento do terceiro Estado.»
Evolução dos processos: a existência das Tratados que produzem efeitos não só em
relação a alguns terceiros Estados, mas também em relação a «todos os Estados» já não
é contestável. O artigo 36.º CVDT implica-o. O Tribunal Internacional de Justiça verifica-
a. Mas qual é a base jurídica destes Tratados? Procurou-se fundamentar a extensão dos
efeitos de certos Tratados a terceiros no princípio – consagrado na Convenção de Viena
no artigo 38.º - segundo o qual uma regra enunciada num Tratado pode tornar-se numa
norma consuetudinária obrigatória para os Estados não parte nesse Tratado. Este
raciocínio é comodo, permitindo harmonizar algumas realidades com a teoria
voluntarista por pouco que se acompanhe com a identificação do costume a um acordo
tácito. Mas o raciocínio é pouco convincente, por não explica porque é que os direitos e
obrigações resultantes de certos Tratados, como os relativos às vias de comunicação
internacional, são aplicáveis imediatamente a todos, enquanto a formação do Direito
consuetudinário é espontânea mas não instantânea. Na medida em que, no estrito
Direito positivo, estes direitos e obrigações convencionalmente previstos são oponíveis
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
aos terceiros Estados sem o seu consentimento, é forçoso admitir que o voluntarismo e
o interestadualismo são vivamente atacados. O jurista já não pode senão verificar a
passagem ao superestadualismo, mesmo que seja apenas implícito, empírico e
fragmentário. Só esta explicação é conforme à natureza das coisas. Hoje como ontem,
um grupo mais ou menos vasto de Estados está em condições, em nome do interesse
geral da comunidade internacional, de estabelecer, por via convencional, regras de que
ninguém negará o valor “universal”. Numa sociedade pouco organizada e dominada por 132
alguns grandes Estados, este fenómeno correspondia abertamente a um “Governo
internacional de facto” de tipo oligárquico. Na sociedade internacional atual, em que é
difícil opor-se à lei do número e em que os areópagos universais (conferências,
organizações internacionais) usam processos “quase legislativos”, o mesmo resultado
será procurado, de modo hipócrita ou sincero, em nome da “comunidade internacional”:
a técnica dos acordos abertos à quase totalidade dos Estados fornece um aparato
jurídico a um consenso efetivamente quase universal ou à vontade das grandes
potências. O fenómeno não se limita à edição de normas respeitantes às relações
interestatais. Podemos observá-lo igualmente no funcionamento das Organizações
Internacionais: é frequente encontrar, nos seus estatutos, cláusulas de revisão ou de
emenda cuja entrada em vigor exige a unanimidade dos Estados membros (artigos 108.º
e 109.º da Carta da O.N.U.). Os Estados minoritários só podem escolher entre aceitar ou
deixar a organização. A única diferença em relação à hipótese geral é que aqui a exceção
ao princípio da relatividade dos Tratados é inconsituticionalizada e antecipadamente
aceite por todos os Estados membros; mas é difícil falar de um “consentimento” dos
Estados minoritários à sorte que lhes está reservada. Seria mais exato considerar que se
presume que o grupo maioritário traduz a vontade da “comunidade internacional”. O
problema põe-se da mesma maneira no que respeita às resoluções das organizações
internacionais. Afirmar a existência de um poder internacional de Direito não deixa de
ter os seus perigos para as soberanias nacionais, na ausência de um acordo sobre os
critérios de maioria ou de quase unanimidade que permitiriam considerar oponível erga
omnes um regime convencional. Vimos que a Convenção de Viena não resolvera este
problema o que diz respeito às normas de ius cogens de origem convencional.
Relativamente às disposições da Carta das Nações Unidas, parece mais prudente deduzir
a sua obrigatoriedade em relação aos Estados não membros, pois elas tornaram-se hoje
normas consuetudinárias.
Campo de aplicação e alcance dos Tratados:
1.º Criação de situações “objetivas”: tal foi durante muito tempo o objeto
essencial dos atos concertados cujo respeito pelo conjunto dos Estados as grandes
potências tentaram obter. Como lembrava a comissão de juristas consultada pelo
Conselho da Sociedade das Nações a propósito das Ilhas Aaland: «As Potências
procuraram, com efeito, em numerosos casos desde 1815 e designadamente quando da
conclusão do Tratado de Paris estabelecer um verdadeiro direito objetivo, verdadeiros
estatutos políticos cujos efeitos se fazem sentir mesmo fora do círculo das partes
contratantes». Estavam em causa, a maior parte das vezes, regimes de neutralização, de
desmilitarização e de livre navegação das vias fluviais ou marítimas de interesse
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Noção de interpretação: o destino natural de uma regra de direito é ser aplicada às relações
sociais para as quais foi estabelecida. Como não podem prever antecipadamente todas as
situações concretas que forem submetidas ao seu poder, os autores desta regra deverão
proceder mediante disposições gerais. Em consequência, a formulação de qualquer norma
jurídica realiza-se, necessariamente, por diversos graus, através da abstração e da
conceptualização. Se este método se impõe e oferece, para mais, garantias sérias contra as
discriminações, mesmo involuntárias, cria em contrapartida uma tarefa suplementar para os
que estão encarregados da função de aplicação do direito. Com efeito, em virtude da
generalidade dos seus termos, é raro que uma regra de direito possa ser aplicada
automaticamente a um caso concreto. Para ter a certeza de que ela se aplica, e em que medida,
a esse caso concreto, é necessário, a maior parte das vezes, esforçarmo-nos por dissipar
previamente as incertezas e ambiguidades que ela encerra de maneira quase inevitável em
virtude daquela generalidade, a fim de lhe restituir o seu verdadeiro significado. Tal é a tarefa
da interpretação: consiste em evidenciar o sentido exato e o conteúdo da regra de direito
aplicável numa determinada situação. Assim definida e delimitada, a interpretação da regra de
direito ou de qualquer texto com força obrigatória é uma operação que tem de ser realizada
tanto na ordem internacional como na ordem interna. Porém, aplicam-se certas regras
específicas à ordem internacional. Impõe-se responder a duas questões: quem pode interpretar?
E como interpretar?
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
A – Interpretação autêntica
Interpretação unilateral: em virtude da sua soberania, cada Estado tem o direito de indicar o
sentido que dá aos tratados em que é parte, pelo que lhe diz respeito.
Interpretação coletiva:
1.º A interpretação realmente autêntica é a que corresponde a um acordo efetuado
entre todos os Estados partes do tratado. Este acordo reveste várias formas.
61
T.I.J., parecer consultivo de 11 julho 1950, Estatuto Internacional do Sudoeste Africano, Rec.., 1950, p.
135-136)
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º A interpretação coletiva pode realizar-se, também, por um acordo entre alguns
Estados partes no Tratado. Juridicamente, um acordo interpretativo inter se vincula apenas os
Estados que o aceitaram; possui um valor probatório menor do que o do acordo unânime e
levanta perante os Estados que não são parte nele, aos quais não é oponível, os mesmos
problemas que os suscitados pela interpretação unilateral: em caso de contestação, o único
recurso é aplicar as regras relativas aos Tratados sucessivos sem identidades de partes.
Interpretação por um juiz internacional: para evitar as dificuldades que podem suscitar a
interpretação pelas partes, a competência de interpretação pode ser transferida expressamente
para o juiz internacional (ou para o árbitro) por uma cláusula do Tratado. Em caso de silêncio
deste, aquela competência integra-se normalmente, tal como na ordem interna, na sua missão
geral de “dizer o direito”. Designadamente no que diz respeito ao Tribunal Internacional de
Justiça, o artigo 36.º do seu Estatuto dispõe que ele é competente para conhecer «todos os
diferendos de ordem jurídica relativos à interpretação de um Tratado».
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
maneira como a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança interpretam a Carta. Alguns atos
constitutivos contêm disposições expressas, com vista a organizar um processo anterior ao
recurso para os órgãos arbitrais ou jurisdicionais, ou um processo “final” nos conflitos entre
Estados sobre o funcionamento dessas organizações. O recurso a órgãos intragovernamentais
pode parecer pouco satisfatório por duas razões: a interpretação dos Tratados faria prevalecer
as considerações políticas sobre os argumentos jurídicos e correr-se-iam riscos de interpretação
contraditória entre órgãos de uma mesma organização, na ausência de uma estrita hierarquia
os órgãos e de um recurso sistemático a um órgão jurisdicional. Se a primeira critica é muitas
vezes exata, ela não se aplica às Organizações Internacionais e não deve ser exagerada: quando
muito deve salientar-se que este modo de interpretação favorece a interpretação teleológica e
uma interpretação extensiva dos poderes dos órgãos envolvidos. Sobre este segundo ponto,
deve observar-se que, na prática, no âmbito da O.N.U. os conflitos de interpretação continuam
a ser excecionais e que a interpretação da Carta pela Assembleia Geral se impõe à maioria dos
órgãos por razões simultaneamente jurídicas e políticas. O alcance concreto das interpretações
apresentadas pelos órgãos não jurisdicionais varia em função da autoridade do órgão e da
possibilidade de recorrer ou não das suas decisões. Poderá admitir-se que estas interpretações
tenham “valor autêntico”, correndo o risco de ver a Carta constitutiva revista indiretamente?
Uma parte da doutrina responde negativamente em virtude do «princípio estabelecido segundo
o qual o direito de escolher uma interpretação que faça fé (authoritaritative) de uma norma
jurídica cabe apenas à pessoa ou órgão competente para a modificar ou a suprimir», o que não
é o caso, regra gera, quanto aos órgãos da Organização. Mas, na prática das Nações Unidas, em
conformidade com o critério proposto pela Conferência de São Francisco, admite-se que essa
interpretação terá força obrigatória se for «geralmente aceitável» pelos Estados membros. A
verdade é que subsistem divergências sobre o significado deste critério: o recurso ao “consenso”
satisfará esta exigência?
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
inegável». Deve então dar-se prioridade aos elementos que melhor refletem esta vontade.
Existe, seguramente, um certo artificio simplificador por parte da Convenção de Viena ao
reduzir à unidade a «regra geral de interpretação» dos Tratados. Não deixa de ser a da
interpretação de Boa Fé, formulada pelo artigo 31.º, n.º 1 CVDT. Este princípio fundamental está
na origem dos diversos meios e regras utilizados para interpretar os Tratados e é em função
desta exigência fundamental que deve efetuar-se a escolha entre os diferentes métodos.
Meios e regras de interpretação: mesmo que a distinção possa ser contestada, é 138
conveniente distinguir os meios – elementos de fundo ou de forma pertinentes para a
compreensão do texto – das regras de interpretação, isto é, dos princípios fundamentais
orientadores da utilização destes meios.
1.º Diversos meios de interpretação: nos termos do artigo 31.º, n.º1 CVDT, «um
Tratado deve ser interpretado de boa fé, segundo o sentido comum atribuível aos termos do
tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim». Não poderíamos exprimir com
maior clareza que os diferentes meios de interpretação são interdepentes: os meios objetivos
(texto, contexto, circunstâncias) são indissociáveis dos meios subjetivos (objetivos procurados
pelas partes).
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
c) A regra do efeito útil permite chegar a uma interpretação eficaz. Segundo esta
regra, o intérprete deve supor que os autores do Tratado elaboram uma
disposição para que seja aplicada. Deve, portanto, escolher entre os vários
sentidos possíveis desta disposição aquele que permita a sua aplicação efetiva
(ut res magis valeant quam pereat). Por esta razão, o Tribunal Penal de Justiça
Internacional empregava, por vezes, a expressão «efeito prático». Por outro
lado o Tribunal pronunciou-se nestes termos: «Com efeito, seria contrário às
regras de interpretação geralmente reconhecidas considerar que uma
disposição deste género, inserida num compromisso, não tenha nem alcance
nem efeito». O respeito da regra do efeito útil não deveria levar à procura
incondicional da aplicação do texto a ponto de pô-lo em contradição com
outros elementos do Tratado. Tal contradição surgiria se a interpretação
desse a este texto um sentido incompatível com «a sua letra e espírito», com
a sua «função» ou o seu «objeto» e o seu «fim». A Comissão de Direito
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
matéria que a doutrina centralizou as suas reflexões. Nenhuma das soluções propostas pelos
autores parece, aliás, inteiramente satisfatória: assentando em pressupostos doutrinais
dogmáticos, enquadram-se mal na realidade. A primeira abordagem, subjetiva, termina num
impasse; a segunda, objetiva, peca por excesso de abstração.
62
Georges Scelles distingue três situações:
i) Em caso de identidade total entre os Estados parte nos dois tratados incompatíveis
convém aplicar a máxima lex posteriori priori derrogat sob reserva, no quadro das
organizações internacional, da superioridade do seu tratado constitutivo sobre os
tratados ordinários;
ii) Tratando-se de um tratado multilateral anterior e um tratado posterior concluídos
somente entre certos Estados parte no tratado anterior, o princípio geral lex specialis
derogat generali pode aplicar-se, na condição de o tratado especial posterior não
contrariar a economia de conjunto do tratado geral anterior. As relações entre os dois
tratados são, então, semelhantes às que, na ordem interna, se estabelecem entre o
regulamento e a lei. Em contrapartida, se existir um conflito entre os dois tratados,
deve fazer prevalecer o tratado geral sobre o tratado particular, em virtude da lei da
hierarquia das ordens, quando a ordem composta domina e condiciona as ordens
componentes;
iii) Na terceira situação, o conflito opõe tratados concluídos entre Estados parcialmente
difererentes. Não pode aplicar-se nenhuma das regras precedentes, pois as normas
em conflito pertencem a ordens distintas. Vinculados pelo princípio pacta sunt
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
que elaboram o sistema de regra mais completo com a construção de uma verdadeira hierarquia
dos tratados. Esta construção sedutoramente racional menoscaba um importante parâmetro, a
soberania do Estado e, sendo assim, corresponde apenas parcialmente à prática internacional –
aliás, muitas vezes confusa e cheia de elementos contraditórios – que a Convenção de Viena
sistematizou por meio de algumas fórmulas acessíveis. As regras formuladas a título principal
no artigo 30.º - mas também nos artigos 41.º, 53.º, 60.º, 64.º etc. – não podiam, contudo, refletir
a totalidade das variadas soluções desta prática. No essencial, apenas afloram os problemas de
responsabilidade que a inexecução dos tratados irredutíveis com base no Direito dos tratados 143
inevitavelmente põe. A grande dificuldade da matéria reside na necessidade de combinar o
princípio da autonomia da vontade dos sujeitos de Direito Internacional com o do efeito relativo
dos tratados, o que levanta na verdade dois problemas distintos: o da compatibilidade entre
normas sucessivas, ângulo sob o qual a questão é em geral considerada, e o da oponibilidade de
uma norma vinculando um dado Estado a um segundo Estado, que concluiu com o primeiro um
tratado contendo uma disposição incompatível com esta norma.
Estes tratados, que se apresentam eles próprios como subordinados, não põem
nenhum problema particular: por hipótese preservam os direitos de terceiros e, se se verificar
uma incompatibilidade, basta fazer uma sua aplicação mecânica. O mesmo não acontece na
hipótese inversa, quando um tratado afirma a sua própria superioridade. Neste caso, põe-se,
com efeito, de maneira premente o problema da preservação dos direitos de terceiros; somente
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
a existência de mecanismos preventivos eficazes, que evitam que ocorra tal problema, constitui
uma solução verdadeiramente satisfatória.
Princípios de solução em caso de silêncio das partes: sem resolver todos os problemas, as
disposições expressas adotadas pelas partes facilitam a sua solução. Isto porém é a exceção e,
no caso mais frequente do silêncio do tratado, é necessário procurar fora deste os princípios
aplicáveis. A este respeito convém distinguir, conforme o artigo 30.º CVDT, a hipótese dos
tratados sucessivos com identidade de partes, da hipótese em que os tratados incompatíveis
são concluídos entre partes diferentes.
1.º Tratados sucessivos com identidade de partes: esta hipótese é a mais simples.
Ela é considerada no artigo 30.º, n.º3 CVDT, segundo o qual:
Esta disposição não é mais do que a aplicação do princípio lex posteriori priori
derogat, cuja concretização não constitui problema, uma vez que os dois tratados emanam dos
mesmos Estados. Mas é preciso não esquecer que o artigo 30.º visa apenas os acordos
sucessivos tratando «a mesma matéria», o que foi interpretado como «tendo o mesmo grau de
generalidade». Se um dos dois tratados tiver um caráter especial em relação ao outro, deve
reconhecer-se a prevalência da lex specialis, por aplicação da máxima specialia generalibus
derogat, a menos que resulte expressa ou implicitamente do tratado posterior que as partes
pretenderam considerar a solução inversa. Em conformidade com a prática constante dos
Estados, esta regra não passa, na realidade, de uma ilustração dos princípios aplicáveis à
modificação ou à revogação dos tratados, à regra segundo a qual todos os Estados partes no
primeiro tratado podem modifica-lo ou revoga-lo por um acordo posterior, formalmente
expresso ou tácito. A aplicação da regra do bom senso formulada pelo artigo 30.º, n.º3 CVDT
não suscita quaisquer dificuldades na prática.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
a. Nas relações entre Estados partes nos dois tratados, aplica-se 145
prioritariamente o tratado posterior, em conformidade com o já
citado princípio geral lex posteriori derogat priori apoiado pelo
princípio da superioridade da regra “especial” ou “particular” sobre
a regra geral (in toto jure genus per speciem derogatur), pelo menos
quando o tratado restrito é posterior. Se, pelo contrário, o tratado
restrito for anterior, e em caso de silêncio do tratado posterior, o
princípio lex poster prevalece sobre o princípio in toto jure…
(superioridade do tratado posterior), em conformidade com a
vontade implícita dos Estados. Estas soluções são conformes à
prática interestatal.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º Tratados criando uma situação objetiva: nos termos do artigo 103.º da Carta das
Nações Unidas:
«No caso de conflito entre as obrigações dos Membros das Nações Unidas em
virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional,
prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta».
Esta redação inspira-se no artigo 20.º do Pacto da S.d.N. que, no seu n.º1 revogava
todas as obrigações ou entendimentos entre os membros da Sociedade incompatíveis com os
seus termos. Todavia, difere dela sob dois aspetos importantes: por um lado a Carta está em
recesso relativamente ao Pacto na medida em que não prevê a revogação dos tratados
contrários, por outro, vai muito mais longe; com efeito, contrariamente ao texto de 1919 – cujo
artigo 20.º, n.º2, obrigava somente os Estados membros da Sociedade das Nações a
exonerarem-se das obrigações incompatíveis contraídas com os Estados não membros – o artigo
103.º não preserva os direitos dos Estados terceiros visto que podem ter para com Estados não
membros. Esta situação, evidentemente excecional, só pode explicar-se se admitirmos o caráter
quase constitucional da Carta, que cria uma situação objetiva, oponível ao conjunto dos Estados.
Foi o que a Comissão de Direito Internacional que se fundamentou não só na importância do
lugar que ocupa a Carta das Nações Unidas no Direito Internacional contemporâneo, mas
também no facto de que «os Estados membros da O.N.U. constitutem uma parte (…)
considerável da comunidade internacional». Esta supremacia está, de resto, em plena harmonia
63
T.I.J. , parecer de 28 maio 1951, Reservas à Convenção sobre o genocídio, Rec, 1951, p. 21)
64
Rec. 1970, p. 32
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
B – Problema da oponibilidade
65
Parecer de 11 abril 1949, Rec., 1949, p. 185.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
«Uma parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar a
não execução de um tratado».
regra que aparece como o complemento do princípio pacta sunt servada expresso no artigo
precedente. Todavia, face a este problema, o juiz internacional e o juiz interno, inseridos num
ambiente social diferente, podem ter reações variadas, ditadas por preocupações distintas. De
facto, «o que constitui uma violação de um tratado pode ser lícito em Direito interno e o que é
ilícito em Direito interno pode não constituir qualquer violação de uma disposição
convencional» 66 . Órgão do direito das gentes, o juiz internacional afirma em todas as
circunstâncias a superioridade deste, dando assim razão ao monismo quanto ao primado do
Direito Internacional; não tira porém todas as consequências deste princípio: em qualquer caso,
o contencioso internacional é, regra geral, um contencioso da responsabilidade e não da
anulação. Sem se opor radicalmente a esta solução, a posição do juiz interno é simultaneamente
mais hesitante e mais circunspeta. Nesta perspetiva, a atitude do juiz comunitário é
particularmente interessante porque se encontra «numa encruzilhada»: faco aos Direitos dos
Estados membros, o Direito Comunitário surge com efeito como um ramo do Direito
Internacional, em que se verifica que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias afirma a
superioridade sem fraqueza. Pelo contrário, as soluções adotadas são mais flexíveis ou, em todo
o caso, mais subtis, quando o Tribunal do Luxemburgo deve encarar as relações entre normas
convencionais gerais e Direito Comunitário, mostrando-se este último neste caso como um
Direito “interno” perante aquelas normas.
66
Tribunal Internacional de Justiça, Acórdão de 20 julho 1989, Ellettronica Sicula, Rec., 1989, p. 51, ver
também p. 74.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
«se por um lado, segundo os princípios geralmente admitidos, em Estado não pode,
face a outro Estado, valer-se das disposições constitucionais deste último, mas somente do
Direito Internacional e dos compromissos internacionais validamente contraídos, por outro,
inversamente, um Estado não se poderia invocar, face a outro Estado, a sua própria Constituição
para se subtrair às obrigações que lhe são impostas pelo Direito Internacional ou pelos tratados
em vigor».
A mesma regra foi formulada de maneira mais sistemática pela sentença arbitral de 26 julho
1875, preferida no caso Montijo entre os Estados Unidos e a Colômbia, que aplica esta regra às
Constituições dos Estados federais:
«Para o Direito Internacional e para o Tribunal, que é o seu órgão, as leis nacionais
são simples factos, manifestação da vontade e da atividade dos Estados, do mesmo modo que
as decisões judiciais ou as medidas administrativas»67.
67
Acórdão 25 maio 1926, Alta Silésia polaca, série A, n.º7, p. 12.
68
Parecer 31 julho 1930, Questão das comunidades greco-búlgaras, série B, n.º 17, p. 32.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
acrescentou:
«A invocação de ofensas praticadas seja aos direitos fundamentais tal como são
formulados pela constituição de um Estado membro, seja aos princípios de uma estrutura
constitucional nacional, não poderia afetar a validade de um ato da Comunidade ou o seu efeito
sobre o território deste Estado». O que é verdadeiro para um ato da Comunidade é-o a fortiori
para os tratados constitutivos.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
«A força executiva do direito comunitário não pode, com efeito, variar de um Estado
membro para outro, de acordo com as legislações internas ulteriores sem pôr em perigo a
realização dos objetivos do tratado…; as obrigações contraídas no tratado instituindo a
Comunidade não seriam incondicionais mas somente eventuais, se pudessem ser postas em 151
causa pelos atos legislativos futuros dos signatários»69. Não é, portanto, necessário que a norma
legislativa nacional, contrária à norma comunitária diretamente aplicável, tenha sido
formalmente revogada para que o juiz nacional se abstenha de a aplicar.
Por isso os Estados membros nunca conseguiram escapar à comprovação de uma falta da sua
parte às obrigações comunitárias utilizando o argumento dos obstáculos do Direito nacional
(lentidão ou má vontade do legislador interno): este não pode justificar o desrespeito do Direito
comunitário.
69
T.J.C.E., 15 julho 1964, caso 6/64, Costa c. E.N.E.L., Rec. 1964, p. 1141.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
70
he·te·ró·cli·to adjectivo 1. Não conforme às regras da gramática. 2. [Figurado] Extravagante;
excêntrico. "heteróclito", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013,
http://www.priberam.pt/DLPO/heteróclito.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
ainda mais vasta do que aquela que se encontra prevista no modelo francês que lhe serviu de
fonte cognitiva.
71
Miranda, Jorge; Curso de Direito Constitucional, 3.ª edição; Principia editores; Cascais, pp 156 a 174
72
Normas convencionais e normas legislativas: a força jurídica (ou o valor ou a eficácia) das normas
de Direito Internacional recebidas na Ordem interna frente à força jurídica (ou ao valor ou à eficácia) das
normas de produção interna pode ser a priori concebida numa das seguintes posições:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
73
Como identificar cabalmente num peido determinado, a norma costumeira violadora da Lei
Fundamental, de acordo com o artigo 51.º, n.º1 LTC, se a mesma reveste uma natureza puramente
material, e não assume uma forma escrita? Sendo teoricamente possível, não parece simples antever tal
cenário. Já na fiscalização concreta, seria concebível representar um regulamento independente,
fundado numa lei que definisse a competência objetiva e subjetiva para a sua emissão, mas cujo
conteúdo consistisse na concretização de uma regra consuetudinária. Aplicado o regulamento a um caso
singular através de uma decisão judicial, poderia a sua inconstitucionalidade ser suscitada, bem como a
do costume normativo que se assumiu como seu parâmetro material, fundamentando uma
consequente interposição de recurso. E a haver três ou mais regulamentos inconstitucionais com
idêntico fundamento, não repugnaria que, por iniciativa do Ministério Público ou dos Juízes do Tribunal
Constitucional, fosse convocado o instituto do artigo 82.º da LTC, e declarada a inconstitucionalidade
com força obrigatória geral do regulamento, bem como do costume que se conformava como seu
parâmetro.
74
Artigo 249.º
Para o desempenho das suas atribuições e nos termos do presente Tratado, o Parlamento Europeu em
conjunto como Conselho, o Conselho e a Comissão adotam regulamentos e diretivas, tomam decisões e
formulam recomendações ou pareceres.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
redação e renumeração que lhe foi dada pelo Tratado de Nice) são os regulamentos
comunitários, as normas em sentido material que gozam de aplicabilidade direta na ordem
interna dos Estados-membros, bem como de uma prevalência normativa ou de um primado
sobre Direito interno (efeito direto em juízo, e eventualmente, também na órbita da atividade
constitutiva da Administração). Trata-se de normas que não admitem a sua corporização em
regras internas, ou a sua complementação por estas, salvo se os mesmo o autorizarem. Já no
que concerne as diretivas comunitárias, estas consistem, de acordo com o referido artigo 249.º
TCE, em atos normativos incompletos que vinculam os Estados-Membros quanto a obrigações 156
de resultado, mas que concedem aos mesmos Estados a forma e os meios de preencherem estes
últimos. Daqui resulta que as diretivas não têm aplicabilidade direta, produzindo os seus efeitos
através da sua transposição num ato normativo de Direito Interno. Na ordem constitucional
portuguesa, de acordo com o artigo 112.º, n.º 8 CRP, as diretivas são transportas por lei, decreto-
lei e decreto-legislativo regional, pelo que o controlo da constitucionalidade não incide
diretamente sobre a diretiva, mas sobre o ato legislativo que a transponha;
O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em
todos os Estados-Membros.
A diretiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto,
às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.
A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que designar.
As recomendações e os pareceres não são vinculativos
75
Pereira, André Gonçalves; Quadros, Fausto, Manual de Direito Internacional Público, Coimbra, 1995, p
124 e seg. (a complementar com a opinião do manual)
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
76
Artigo 10.º
Os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimento
das obrigações decorrentes do presente Tratado ou resultantes de atos das instituições da Comunidade.
Os Estados-Membros facilitam à Comunidade o cumprimento da sua missão.
Os Estados-Membros abstêm‑se de tomar quaisquer medidas suscetíveis de pôrem perigo a realização
dos objetivos do presente Tratado.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
77
Daí que qualificar na ordem interna portuguesa os acordos internacionais como “convenções em
forma simplificada”, figura prevista na Convenção de Viena, não tem qualquer razão de ser na ordem
jurídica portuguesa já que na ordem jurídica portuguesa não existe uma rigorosa repartição de matérias
entre tratados e acordos na esfera de competência parlamentar nem a possibilidade do Estado se
vincular pela assinatura vale como autenticação, exigindo-se uma aprovação parlamentar ou
governamental e um controlo de mérito presidencial para que os mesmos atos vinculem juridicamente a
República Portuguesa.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
No que diz respeito aos acordos internacionais, se o Tribunal se pronunciar pela sua
inconstitucionalidade:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Natureza Jurídica: o processo de fiscalização sucessiva consiste num tipo de controlo abstrato
de validade de normas exercido por via direta ou principal, e que tem por finalidade essencial,
a eliminação das normas jurídicas já publicadas que sejam julgadas inconstitucionais ou ilegais,
bem como de efeitos que as mesmas hajam produzido no passado. Atentemos nas componentes
integrativas desta caracterização.
1.º Um processo de fiscalização abstrata exercido por via principal: este processo
de fiscalização supõe que se aprecie a constitucionalidade ou a legalidade de uma to, na sua
qualidade de norma jurídica já formada e potencialmente eficaz. Embora a invalidade constitua
o desvalor regra suscetível de apreciação e repressão (artigo 3.º, n.º 3 e, ainda, o artigo 282.º
CRP que implicitamente incorpora o regime da nulidade como sanção dos atos inválidos), pode
o mesmo processo der excecionalmente convocado para declarar, igualmente, a inexistência e
a irregularidade de normas inconstitucionais pese o facto de tal nunca ter sucedido até ao ano
de 2010. Encontramo-nos diante de um controlo abstrato porque o mesmo incide sobre um ato
normativo já introduzido o ordenamento (volvida a sua aprovação, eventual controlo de mérito
e publicação) que é questionado nessa mesma qualidade, independentemente de ter, ou não,
produzido qualquer efeito jurídico concreto. Atento este ultimo dado, regista-se que o ato
normativo pode ser sindicado durante o período da vacatio legis, sendo também possível
impugnar através deste processo, leis individuais e concretas, independentemente da sua
efetiva aplicação à situação particular sobre a qual dispõem. A via processual de controlo
utilizada assume natureza principal já que pressupõe que um conjunto de órgãos ou titulares de
órgãos, legitimados para o efeito, impugnem diretamente um ato normativo, junto do Tribunal
Constitucional.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º A eliminação da norma e dos seus efeitos como objeto do processo: o objeto
principal do processo de fiscalização sucessiva consiste na eliminação da norma diretamente
impugnada, bem como a destruição retroativa de efeitos decorrentes da sua aplicação, desde o
momento em que o desvalor normativo se constituiu. Desta regra são excecionados, ope
constituitione o casos julgados bem como os efeitos libertados pela norma julgada
supervenientemente inconstitucional ou ilegal, durante o período anterior à entrada e vigor do
parâmetro que com ela entrou em colisão (artigo 282.º, n.º 2 e 3 CRP). São também
expressamente excecionados dos efeitos repressivos ex tunc, nos termos da Constituição, mas 173
por decisão do Tribunal Constitucional, algumas situações que sejam tidas por consolidadas, por
razões de equidade, segurança jurídica e interesse público especialmente relevante (artigo 282.º,
n.º4 CRP). Em Portugal e no Brasil o julgamento da inconstitucionalidade de uma norma em
fiscalização abstrata sucessiva implica a prolação de uma decisão com força obrigatória geral,
diversamente do que sucede com o julgamento em fiscalização concreta, o qual se limita a privar
de eficácia da norma inconstitucional no caso sub iuditio.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
prevê no artigo 3.º do artigo 281.º CRP que, no caso de a mesma norma vir a ser julgada
inconstitucional em três casos concretos se torna possível desencadear, mediante iniciativa dos
juízes do Tribunal Constitucional ou do Ministério Público, o seu controlo abstrato sucessivo, de
forma a que possa ser removida do ordenamento. Um sistema centrado num controlo concreto
difuso que não possua mecanismos de purga abstrata do ato inconstitucional do ordenamento
desafiaria os princípios básicos de economia processual e as exigências mais elementares da
segurança jurídica. Isto, porque permitira sem justificação cabal a subsistência na ordem interna,
de uma norma já julgada inválida no caso concreto e a multiplicação inútil de futuros processos 174
com o mesmo objeto. Os sistemas concentrados europeus solucionaram o problema
imprimindo força obrigatória geral à decisão de inconstitucionalidade proferida em fiscalização
concreta.
Pressupostos subjetivos:
1.º Competência para o exercício da atividade de fiscalização: o exercício do
controlo abstrato sucessivo da validade constitucional das normas e da legalidade das leis e de
regulamentos que violem certas leis constitui uma reserva exclusiva de competência do Tribunal
Constitucional. Este Tribunal é, efetivamente, o único órgão competente para apreciar e
declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas jurídico-políticas com
eficácia externa que violem a Constituição da República, assim como a ilegalidade das leis e de
determinados regulamentos que conflituem com os estatutos Político-Administrativos das
Regiões Autónomas (n.º1 do artigo 223.º, conjugado com o 281.º CRP).
2.º Legitimidade processual ativa: o n.º2 do artigo 281.º CRP enumera os sujeitos
de natureza jurídico-pública (órgãos e titulares de órgãos) dotados de legitimidade ativa para
peticionarem a fiscalização abstrata sucessiva.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
de questionar normas editadas durante o pontificado de uma anterior maioria. Finalmente, fará
ainda sentido que os deputados da bancada maioritária ou de qualquer outro grupo possam
impugnar atos normativos oriundos das regiões autónomas.
leis, quando se verifiquem certos pressupostos objetivos, como o da lesão de direitos regionais
constantes da Constituição, ou da ofensa a determinados parâmetros normativos, como a
violação do estatuto por ato legislativo (artigo 281.º, n.º2, alínea g) CRP);
78
Acórdão n.º 491/2004
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Pressupostos objetivos:
1.º Parâmetro de controlo: de acordo com o n.º1 do artigo 281.º CRP, a fiscalização
abstrata sucessiva propõe-se aferir a conformidade de atos normativos com o parâmetro
constitucional (alínea a)) e de atos legislativos e alguns regulamentos com leis de valor reforçado
(alíneas b), c) e d)). No que respeita a esta categoria de leis, a alínea b) do n.º1 do artigo 281.º
reporta-se a atos legislativos com valor reforçado na sua generalidade, enquanto as alíneas c) e
d) concernem a uma categoria específica de lei reforçada (o Estatuto).
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
79
Admite-se que a referida exigência possa ser menos rigorosa no caso de os promotores do controlo
abstrato serem titulares de órgãos de soberania, nomeadamente o Presidente da República, por razões
de consideração institucional.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Subsecção III – Introdução aos tipos e aos efeitos das decisões do Tribunal
Constitucional em processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade e
legalidade
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
b) seja por considerar que, para além dos vícios invocados e que por dele foram
julgados improcedentes, a norma impugnada não padece de nenhuns
outros;
c) Seja porque a norma sindicada pode ser estimada como válida através de 185
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
CRP. Dela emergem, por seu turno, efeitos negativos (eliminação e da sua produtividade
passada), efeitos positivos (repristinação de direito revogado pelo ato inconstitucional) e efeitos
proibitivos (proibição de aplicação ou reedição do ato inconstitucional).
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Orçamento de Estado para o ano seguinte pela Assembleia da República) também o será na base
de pressupostos de ordem análoga, também eles centrados num contexto de vazio orçamental.
Embora a repristinação seja automática não seria de menos que numa situação dessa natureza
o Tribunal Constitucional aludisse e fundamentasse a referida revivescência. Do mesmo modo
nada parece impedir a revivescência de uma lei-medida, se a norma declarada inconstitucional
assumir uma natureza e um objeto idênticos, ou se uma norma geral que tenha sido julgada
inconstitucional tiver sido precedida por uma pluralidade de leis-medida, cuja soma cura, total,
ou parcialmente seu âmbito e objeto. Ressalva-se, eventualmente, o caso de leis puramente 188
singulares cujo objeto se tenha já esgotado numa dada situação jurídica concreta, não fazendo
qualquer sentido a sua revivescência. Havendo aqui a considerar uma situação análoga à
preclusão da repristinação da generalidade das normas caducas ao tempo do julgamento da
inconstitucionalidade (sobretudo, em relação às que não sejam prorrogáveis) e das lei de
autorização legislativa já utilizadas, caducadas ou cujo limite temporal se tenha esgotado.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
e ilegalidade: o artigo 282.º CRP estipula os efeitos das decisões de acolhimento de um pedido
de fiscalização da constitucionalidade e legalidade em processo abstrato sucessivo. Em especial,
o n.º 1 do referido preceito alude à força obrigatória geral que envolve a declaração da
inconstitucionalidade originária de um ato normativo, da qual resulta o efeito-regra deste tipo
de decisão. Efeito que, tal como se verá, se desdobra numa pluralidade de eficácias, como é o
caso da nulidade, da força de caso julgado formal e material e da eficácia erga omnes.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Ocorrendo a repristinação, a
norma repristinada deve, em primeiro lugar,
valer como fundamento de validade dos atos
administrativos e situações jurídicas que
ocorram no futuro. Quanto aos atos
administrativos praticados no passado, estes
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
corretiva do legislador, em
sede de revisão da Lei do
Tribunal Constitucional.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
80
Larez recorda a este propósito que «(…) de entre os fatores que dão motivo a uma revisão e, com isso,
frequentemente, a uma modificação da interpretação anterior, cabe a uma importância proeminente à
alteração da situação normativa». Situações fáticas com que o legislador se deparou num dado
momento e aos quais respondeu através de regulação legislativa, variaram com o tempo e as
circunstâncias, em termos que nem sempre podem ser previstos pelo legislador. Contudo «(…) nem toda
a modificação de relações acarreta por si só, de imediato, uma alteração do conteúdo da norma. Existe a
princípio, ao invés, uma relação de tensão que só impele a uma solução – por via de uma interpretação
modificada ou de um desenvolvimento judicial do Direito – quando a insuficiência do entendimento
anterior da lei passou a ser evidente». Em consequência «Os tribunais podem abandonar a sua
interpretação anterior porque se convenceram que era incorreta, que assentava em falsas suposições ou
em conclusões não suficientemente seguras. Mas ao tomar em consideração o fator temporal, pode
também resultar que uma interpretação que antes era correta agora não o seja». O momento em que a
anterior orientação interpretativa da jurisprudência terá deixado de ser correta não é simples de
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
determinar, em razão do caráter contínuo das alterações experimentadas pelo respetivo objeto, o que
conduz a momentos de incerteza quando, em tempos intermédios de transição podem resultar coo
aceitáveis duas interpretações distintas (a originária e a que procura adaptar a norma e a situação ao
tempo). No final, a escolha caberá por ser feita em relação à solução hermenêutica mais conforme com
a Constituição, na sua projeção para as situações do presente.
81
Assim, no campo estrito desses mesmos direitos fundamentais, o Tribunal Constitucional espanhol
enunciou standards de constitucionalidade para as alterações de jurisprudência, de forma a que estas
últimas não afrontem essas posições jurídicas ativas, a saber:
- Necessidade de motivação (que traduza, implícita ou explicitamente o sentido da alteração e
justifique cabalmente os respetivos fundamentos);
- Ausência de arbítrio (interdição de alterações pretextuosas que gerem efeitos bruscos,
desigualitários, desproporcionados, ou injustificadamente onerosos pra os direitos das pessoas);
- Caráter geral (ausência de critérios geradores de uma alteração que derivem da resolução de
um caso singular).
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Plano do capítulo: o objeto do presente capítulo é estudar não só o fim do tratado enquanto
216
fonte, mas também, mais geralmente, o das noras convencionais, o que inclui o conjunto de
medidas que, em graus diversos, afetam a “vida” do tratado: a sua modificação, assim como a
sua suspensão ou a sua extinção. Somente esta última diz respeito à própria existência do
tratado, enquanto a modificação e a suspensão produzem os seus efeitos sobre o seu conteúdo,
as normas que ele contém, deixando-o subsistir. Mais ainda do que o resto do Direito do
Tratados, a matéria é caracterizada por uma grande ausência de formalismo. A Convenção de
Viena é assim muito discreta sob este ponto e abstém-se de qualquer alusão ao princípio do
"ato contrário”. Esta preocupação de flexibilidade manifesta-se igualmente a propósito do
respeito das exigências do Direito interno dos Estados, como condição de validade da expressão
de vontade no plano internacional. Considerando o facto de que as disposições constitucionais
são muito menos explícitas quanto à terminação dos tratados do que no que respeita à sua
conclusão, o Direito Internacional procura aqui, simplesmente, exigir que o consentimento do
Estado seja expresso por uma autoridade competente para o representar. Bem entendido, isto
não compromete a solução que pode ser dada ao problema pelo Direito Constitucional dos
Estados Partes. Se bem que a modificação e a suspensão tenham um objeto comum, no sentido
de que se reportam às normas do Tratado e não à fonte que ele constitui, o regime jurídico da
suspensão e o regime aplicável à extinção estão muito próximos, o que justifica que sejam
examinados conjuntamente por oposição ao da modificação do tratado, que exige um exame
distinto.
Noção:
1.º Terminologia – Modificação, emenda, revisão: a parte IV da Convenção de Viena
é intitulada «Emenda e modificação dos tratados». Seguindo a Comissão de Direito Internacional,
ela afastou deliberadamente o termo “revisão”, em virtude da conotação política que este
termo assumira no período entre as duas guerras em ligação com o artigo 19.º do Pacto da
S.d.N.. Na realidade, encontra-se frequentemente o termos “revisão” na prática
contemporânea, sem que qualquer significado articular lhe seja atribuído. Ele designa muitas
vezes (mas nem sempre) uma modificação geral interessando o conjunto das disposições do
tratado, por oposição à emenda, que visa uma modificação parcial. A Carta das Nações Unidas,
que adota esta distinção, instituiu dois processos separados, um para as emendas às suas
disposições e outro para a sua revisão (artigos 108.º e 109.º). Por outro lado, ao adotar o termo
“modificação”, a Convenção de Viena, seguindo também aqui a Comissão de Direito
82
Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação Calouste Gulbenkian,
4.ª Edição 1992.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Internacional, serve-se dele unicamente para designar uma modalidade particular de mudança,
aplicada ao tratado multilateral (artigo 41.º). Esta iniciativa lança uma nova confusão na
terminologia tradicional, segundo a qual o termo “modificação” é um termo genérico
englobando ao mesmo tempo a emenda parcial e a revisão geral. Sem seguir a Comissão de
Direito Internacional e a Convenção de Viena, considera-se na presente secção que os três
termos “modificação”, “emenda” e “revisão” são juridicamente equivalentes, o que admite por
exemplo o artigo 236.º do Tratado de Roma C.E.
217
2.º Adaptação pacífica à alteração de circunstâncias: o tratado traduz o equilíbrio
das obrigações que as partes aceitaram em circunstâncias determinadas. Estas evoluem e é
preciso evitar imobilizar as relações entre os Estados contratantes e poder modifica-las. Nesta
perspetiva geral, são possíveis várias abordagens, que não estão necessariamente ligadas às
técnicas do Direito dos Tratados. Por, por exemplo, pensar-se em organizar a intervenção de
uma autoridade política internacional. O artigo 19.º do Pacto da S.d.N. dispunha nestes termos:
A ideia profunda dos redatores do Pacto era que a manutenção de uma paz durável
dependeria da possibilidade de realizar a mudança pacífica das situações políticas estabelecidas,
sempre que estas se tornassem incompatíveis com as novas realidades da vida internacional. Ela
não foi retomada sob esta forma pela Carta das Nações Unidas, donde não estão ausentes,
todavia, preocupações análogas; testemunham-no, por exemplo, a possibilidade reconhecida à
Assembleia Geral de «recomendar as medidas próprias a assegurar a solução pacífica de
qualquer situação» (artigo 14.º) ou de promover o «desenvolvimento progressivo do Direito
Internacional» (artigo 13.º). Do mesmo modo, e sempre fora do Direito dos Tratados, é possível
uma modificação costumeira das disposições convencionais. Aliás, certas técnicas próprias do
Direito dos Tratados podem chegar a modificar as obrigações convencionais, mesmo na
ausência de qualquer revisão: reservas, interpretação, etc. A modificação no sentido técnico, a
emenda, só aparece por conseguinte como uma das modalidades da função social fundamental
da adaptação dos tratados à mudança das circunstâncias e à evolução do ambiente internacional.
A importância do papel que pode desempenhar depende das disposições de espírito dos Estados
que não estão necessariamente dispostos a recorrer a ela. É, de resto, mais fácil de conceber,
tratando-se de tratados bilaterais do que de convenções multilaterais para as quais foram
forjadas técnicas sofisticadas de modificação, de inspiração menos voluntarista do que os
processos clássicos.
Modificação pela via do acordo expresso: a regra processual de base que enuncia o artigo
39.º CVDT é a seguinte:
83
Resulta deste texto que, antes de dirigir aos membros o convite previsto, a Assembleia devia verificar
previamente se os tratados em causa se “tornaram inaplicáveis”, o que equivaleria praticamente à
constatação de uma alteração das circunstâncias.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Esta regra comum aos tratados bilaterais e multilaterais, tem, porém, apenas um
caráter supletivo de vontade. As partes são livres de a rejeitar, de limitar as suas possibilidades
de utilização, ou de esclarecer as suas modalidades pela inclusão, no tratado, de disposições
especiais ditas “cláusulas de revisão” que têm por objeto fixar por antecipação o processo da
sua própria modificação. Estas cláusulas podem, antes de mais, querer assegurar um mínimo de
estabilidade ao tratado primitivo, limitando a liberdade dos Estados , por exemplo, só 218
autorizando a introdução de uma proposta de revisão tendo expirado um primeiro período de
aplicação, ou excluindo qualquer emenda sobre certas disposições ou ainda tornando difíceis as
condições de adoção e de entrada em vigor da emenda. Pelo contrário, as partes podem
mostrar-se desejosas de incentivar a adaptação do tratado às mudanças de circunstâncias,
facilitando, eventualmente, a sua revisão. Este é o objetivo das cláusulas que preveem a
convocação de uma conferência de revisão ou de exame após um certo número de anos (artigo
109.º Carta das Nações Unidas) ou daquelas que facilitam a adoção ou a entrada em vigor das
emendas a certas convenções multilaterais. Acontece isso designadamente se o acordo
modificador pode ser concluído de forma simplificada, enquanto o tratado que modifica é em
forma solene. Mesmo na falta de qualquer disposição expressa, um tratado pode sempre ser
modificado por um acordo concluído em forma menos solene e mesmo por um acordo verbal.
Isto resulta necessariamente da ausência de formalismo do Direito Internacional neste domínio
e da total equivalência de todas as formas de tratados. Contudo, podemos duvidar que as partes
possam negligenciar as exigências das cláusulas de revisão quando existem.
«Um tratado pode ser modificado pela prática ulteriormente seguida pelas partes
na aplicação do tratado quando esta estabelece o seu acordo para modificar as disposições do
tratado».
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Processo de modificação por um acordo aberto a todas as partes: trata-se muitas vezes
de um processo complexo compreendendo várias etapas.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
das Nações Unidas, pela exigência de uma ratificação pelos cinco membros permanentes do
Conselho de Segurança (Artigo 108.º e 109.º); unanimidade de certas partes; remissão para as
regras relativas à entrada em vigor do próprio tratado de base; etc. Estes princípios valem tanto
para os tratados ordinários como para os atos constitutivos de organizações internacionais. Não
obstante estes comportam às vezes – com frequência, paralelamente a regras de revisão mais
solenes e apenas para certas disposições – processos simplificados que não fazem intervir senão
os órgãos da organização.
221
2.º Efeitos da entrada em vigor da alteração: a entrada em vigor da emenda, após
a sua ratificação pelo conjunto das partes, não levante qualquer problema especial: o tratado
assim modificado impõe-se a todos sem que a vontade de qualquer Estado contratante seja
afetada: Sucede o mesmo se a emenda produzir os seus efeitos apenas relativamente aos
Estados que a aceitaram. Esta é a regra geral, consagrada pelo artigo 40.º, n.º4 e 5 CVDT:
«4. O acordo emendado não vincula os Estados que já são partes no tratado e que
não se tornam partes neste cordo(…)
«5. Todo o Estado que se torne parte no tratado depois da entrada em vigor do
acordo emendado, se não tiver expresso intenção diferente, é considerado como sendo:
«b) parte no tratado não emendado em relação às partes do tratado que não
estejam vinculadas pelo acordo emendado»
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Posição do problema: a modificação de um tratado é uma operação que tem por fim substituir
as suas disposições, ou algumas dentre elas, por outras novas. É ao mesmo tempo negativa e
construtiva pois o vazio criado é em geral imediatamente preenchido. Pelo contrário, a extinção
de um tratado produz um efeito exclusivamente negativo: um tratado que incorre em extinção
222
cessa a sua vigência. De acordo com o artigo 70.º CVDT, as partes estão libertas da «obrigação
de continuar a executar» um tratado extinto. Este cessa, pois, a sua vigência e deixa de produzir
efeitos. Fica assim afetado quer como ato, quer como norma. O mesmo artigo 70.º esclarece
que a extinção:
«não afeta nenhum direito, nenhuma obrigação, nem nenhuma situação jurídica das
Partes, criadas pela execução do tratado antes da cessação da sua vigência».
Observações gerais: a extinção é expressamente visada pelo artigo 54.º CVDT e a suspensão
pelo seu artigo 57. Certamente a melhor solução é que cada tratado contenha disposições
prevendo as modalidades da sua própria extinção ou suspensão. Nesse caso, basta aplicar tais
disposições e as contestações, se as houver, incidem apenas sobre a sua interpretação. Todavia,
a redação dos artigos pertinentes da Convenção implica, por um lado¨, que a vontade das partes
possa ser implícita e, por outro, que possa exprimir-se «em qualquer momento» como o
determinam expressamente os artigos 54.º, alínea b) e 57.º, alínea b). Isso significa que a
extinção, o recesso ou a suspensão podem estar previstos no próprio tratado ou ser decididos
ulteriormente de comum acordo pelas partes.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Cláusulas expressas: um tratado pode ser concluído expressamente para uma duração
ilimitada. Numerosos tratados são concluídos para uma duração indeterminada. Outros contêm
cláusulas expressas relativas à sua extinção, ao recesso dos Estados partes para a sua suspensão.
«Salvo se dispuser diversamente, um tratado multilateral não deixa de vigorar pela mera
circunstância de o número de partes de tornar inferior ao número necessário para a sua entrada
em vigor».
Embora a denúncia e o recesso resultem de um ato unilateral de uma parte não se trata
de rutura ilícita de compromissos, uma vez que uma e outro se baseiam estritamente numa
cláusula do tratado (ou estão conformes com o Direito Internacional por outras razões). O
tratado, quando os autoriza, determina frequentemente as condições do seu exercício. Estas
incidem sobre o prazo de pré aviso, só tendo efeito a denúncia, ou o recesso nos termos desses
prazos. A fim de gozarem de uma estabilidade relativa, certos tratados só permitem denúncias
ao expirar um certo período de aplicação. Alguns tratados formulam mesmo condições de fundo.
Finalmente, outras cláusulas de denúncia dão certas indicações no que respeita aos seus efeitos.
Em especial, os atos constitutivos de organizações internacionais e as convenções relativas aos
direitos do homem determinam frequentemente que o Estado, tendo notificado a sua denúncia
do tratado, não está liberto das obrigações que lhe competiam ates desta ser válida. Em virtude
da fixação das suas condições de exercício por uma cláusula expressa do tratado, as denúncias
e os recessos, nestes casos, são qualificados de denúncias e recessos regulamentados.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
um Estado pode estar dispensado pelas outras partes de executar algumas das suas obrigações
convencionais, não podem ser consideradas cláusulas suspensivas se tiverem um efeito
definitivo. O artigo 57.º CVDT que prevê a hipótese de cláusulas suspensivas relativamente à
aplicação do tratado no seu conjunto, foi adotado não tanto para consagrar um costume
existente quanto para encorajar os Estados a preverem para o futuro disposições nesse sentido.
Cláusulas implícitas:
224
1.º Extinção por execução do tratado: os acordos mais estreitamente ligados ao que
designamos, por vezes, por “tratados-contratos”, como os que incidem sobre cessão territorial,
os que preveem um compromisso financeiro ou de uma entrega de mercadorias, etc., criam uma
obrigação concreta, estritamente delimitada que, uma vez executada, esgota os seus efeitos e
já não se renova. Apesar do silêncio da Convenção de Viena e de algumas controvérsias
doutrinais, é necessário considerar que, segundo uma cláusula implícita que se deduz da
natureza destes tratados, a sua execução leva automaticamente à sua extinção.
2.º Denúncia ou recesso sem autorização expressa: existem sempre numerosos tratadas
que não contêm qualquer cláusula explícita que regule a sua própria extinção. Serão imutáveis
por isso? Sim, se se respeitar à letra o princípio pacta sunt servanda. Com efeito, está excluído
que um Estado – tal como um indivíduo – possa contrair compromissos perpétuos. Põe-se, assim,
o problema de saber se, em todos os tratados, existe uma cláusula implícita que autorize a
denúncia ou o recesso. A resposta negativa apoia-se em precedentes célebres. A Convenção de
Viena no seu artigo 56.º, consagra, igualmente, a ilicitude da “denúncia-repúdio”. Contudo,
acrescenta que, em caso silêncio do tratado, pode basear-se numa exceção a este princípio isto
é, numa possibilidade de denúncia unilateral, numa autorização implícita do tratado. O mesmo
artigo esclarece que esta pode resultar das intenções das partes ou deduzir-se da natureza do
próprio tratado. Existem tratadas que, em virtude da sua natureza, não são suscetíveis de
denúncia, como sejam, o tratados de paz ou os que fixam as fronteiras; pelo contrário, outros
tipos de tratado, tais como os tratados de aliança, pode presumir-se que contêm implicitamente
o direito de denúncia ou de recesso, a menos que se observem indícios de intenção contrária. O
critério da natureza do tratado permanece muito ambíguo: o direito discricionário de recesso
das organizações internacionais, é muitas vezes, considerado incompatível com os objetivos que
elas visam, designadamente em matéria de manutenção da paz. Se a Convenção de Viena
admite a existência de cláusulas implícitas de denúncia e de recesso, resulta dos trabalhos
preparatórios e da prática que a solução considera é mais conjuntural do que baseada na
convicção de uma regra consuetudinária preexistente. Conscientes dos inconvenientes desta
tomada de posição, os autores da Convenção de Viena têm tentado mitigar-lhe os efeitos,
recomendando que seja respeitado um pré aviso de doze meses, suficiente para que se iniciem
negociações entre os Estados interessados. Tem-se afirmado que, em virtude de uma cláusula
implícita do tratado, factos tais como a sua inexecução ou uma alteração fundamental de
circunstâncias podem provocar quer a sua extinção por denúncia ou por qualquer outro
processo, quer a sua suspensão. Na realidade, o efeito desses acontecimentos na vida do tratado
é determinado, não pelas partes, mas por regras gerais do Direito consuetudinário.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Vontade expressa:
1.º Extinção expressa pela conclusão de um tratado posterior: nos termos do artigo 54.º,
alínea b) CVDT:
Por vezes, a ab-rogação constitui o único objeto do tratado posterior. Com mais
frequência, uma regulamentação parcial ou inteiramente nova vem substituir que foi formulada
pelo tratado anterior, ao mesmo tempo que o revoga expressamente
2.º A suspensão convencional está prevista no artigo 57.º, alínea b) CVDT redigido da
mesma maneira que o artigo 54.º, alínea b). Todavia, a exigência da unanimidade não é absoluta
como no caso da ab-rogação. A suspensão dos tratados multilaterais, segundo o artigo 58.º,
pode resultar de um acordo inter se concluído entre certas partes apenas, se pelo menos ela
estiver expressamente prevista numa cláusula do tratado anterior. Em caso de silêncio deste,
tal suspensão só seria permitida na condição de não causar dano aos outros Estados partes e de
não ser incompatível com o objeto e o fim do tratado anterior. O artigo 58.º dispõe ainda que
as partes, que entraram no acordo inter se de suspensão devem notificar as outras partes da
sua intenção de se concluir semelhante acordo e designar as disposições do tratado cuja
aplicação desejam suspender.
3.º O artigo 54.º, alínea b) CVDT alinha o regime jurídico aplicável ao recesso de uma
das partes pelo da extinção do tratado: a denúncia pode ocorrer a todo o momento com o
acordo unânime das partes.
Vontade tácita:
1.º Extinção implícita pela conclusão de um tratado posterior: o artigo 54.º, alínea b)
não faz distinção entre a ab-rogação expressa e a abrogação tácita. Esta tem lugar quando o
segundo tratado versa sobre a mesma matéria que o primeiro, é concluído entre as mesmas
partes e contém disposições a tal ponto incompatíveis com este «que é impossível aplicar os
dois tratados ao mesmo tempo» ou «se resultar do tratado posterior ou estiver por outro lado
estabelecido que, segundo a intenção das partes, a matéria deve ser regulada por este tratado»
(artigo 59.º, n.º1). Neste caso, como no caso de ab-rogação expressa, as regras relativas às
normas sucessivas com identidade das partes são plenamente aplicáveis e o tratado posterior
prevalece sobre o tratado anterior que cessa de existir sem que haja preocupação com a forma,
solene, simplificada ou mesmo verbal, dos dois acordos em causa.
2.º Suspensão implícita em virtude do consentimento das partes: o artigo 59.º, n.º2
CVDT dispõe que:
84
Esta última menção visa os Estados que exprimiram o seu consentimento em estarem vinculados pelo
tratado sem que este esteja ainda em vigor a seu respeito.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Também aqui, na prática, o problema até agora só foi formulado por disposições convencionais
isoladas e não pelo conjunto de um tratado.
3.º Recesso ou denúncia por consentimento tácito entre todos os Estados em causa: o
artigo 54.º CVDT não faz distinção quanto às regras aplicáveis a esta situação por um lado e à
ab-rogação tácita por outro poderes.
226
2.º - Extinção e suspensão do tratado por circunstâncias não previstas pelo tratado
Inexecução faltosa: consiste na violação das disposições do tratado por uma ou várias partes.
Na ordem interna, o juiz reconhece que uma parte não pode exigir que a outra execute um
cotrato que ela própria não respeita. Esta atitude é conforme ao princípio geral inadimplente
non est adimplendum que se aplica também na ordem internacional.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Conflito armado internacional: se bem que o problema dos efeitos da guerra sobre os
tratados seja uma questão clássica em Direito Internacional largamente debatida na doutrina, a
Comissão de Direito Internacional não tinha redigido qualquer disposição sobre este ponto
quando dos trabalhos preparatórios da Convenção de Viena. Ela explicou este silêncio no seu
relatório: o exame dos efeitos da guerra sobre os tratados obrigaria a considerar todo o
problema da regulamentação do uso da força pela Carta das Nações Unidas, o que teria por
resultado alargar consideravelmente o âmbito dos trabalhos. Contudo, por iniciativa dos
delegados da úngria, da Polónia e da Suiça, a Conferênia de Viena adotou por unanimidade o
artigo 73.º da Convenção, nos termos do qual as disposições «não consideram resolvida
qualquer questão que possa surgir a propósito de um tratado em virtude (…) da abertura de
hostilidades entre Estados». Esta breve alusão tem, pelo menos, o mérito de lembrar que existe
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º Regime jurídico: a aplicação do princípio suscita três problemas distintos, aliás,
conexos: em que condições uma alteração de circunstâncias terá efeitos sobre a vida do tratado?
Como pode esta alteração ser verificada? Quais estes efeitos?
85
Os exemplos citados pela Comissão de Direito Internacional visavam a submersão de uma ilha, a
secagem de um rio ou a destruição de uma barragem ou de uma instalação hidroelétrica indispensável à
execução do tratado.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Plano do título: em Direito Internacional, como nas ordens jurídicas nacionais, coexistem
vários modos de formação do Direito, mais ou menos institucionalizados. A prática interestatal,
sobretudo a partir do século XX, reconheceu na via convencional a “fonte de direito” menos
contestada e melhor regulamentada; a doutrina consagra esta evolução agrupando – por
oposição – todos os outros modos de formação do Direito. Apesar do seu caráter um pouco
simplista e arbitrário, esta distinção pode justificar-se:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
«o Tribunal aplica…
233
«b) o costume internacional como prova de uma prática geral aceite como
direito;
Secção I – O Costume
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
como sustenta a doutrina clássica, que uma certa prática se tenha desenvolvido antes que
possamos interrogar-nos sobre a existência da opinio iuris e procurar a sua prova, ou poder-se-
á então afastar toda a anterioridade de um elemento em relação a outro? Enquanto
tradicionalmente se afirmava que o elemento psicológico era o resultado da acumulação dos
precedentes, a prática contemporânea permite reconhecer na opinio iuris o ponto de partida
do processo costumeiro. : aos costumes “sensatos” do passado juntar-se-iam assim costumes
“selvagens” – a partir de tendências progressivamente cristalizadas. Esta indeterminação sobre
o encadeamento das etapas prova a flexibilidade deste modo de formação; ela não altera a sua 234
unidade. Não é menos verdade que o processo costumeiro difere em muitos aspetos do
processo convencional, o que explica certas hesitações da doutrina voluntarista:
- a fonte costumeira não beneficia da expressão de uma vontade mas apoia-se sobre
a convicção de que existe uma regra;
86
Primeiro acaba por reconhecer um papel fundamental, senão mesmo exclusivo, ao elemento
psicológico do costume, quando a reunião efetiva deste elemento com o elemento material é
necessária para a formação de qualquer regra costumeira: os abusos a que tal método poderia conduzir
parecem explicar a atitude muito reservada aos Estados do Tribunal a propósito do conceito de
“tendência” costumeira, no caso da Plataforma continental Tunísia-Líbia (1982). Em segundo lugar, esta
teoria não pode explicar que os costumes gerais se imponham a todos os Estados, mesmo àqueles que
não tenham participado no processo de formação: a oposição a um costume geral já formado, em si não
produz efeito. Não podendo negar a existência de tais costumes gerais, a doutrina voluntarista sustenta
que a oponibilidade destas regras gerais aos Estados terceiros só é possível em virtude do
consentimento tácito destes últimos. Raciocínio puramente fictício, sobretudo quando pretende explicar
por que razão os novos Estados são imediatamente submetidos, desde o seu nascimento, ao conjunto
dos costumes gerais existentes. De facto, o acordo tácito não é concebível senão para costumes
bilaterais ou locais, aplicáveis a um número restrito de Estados, cujo consentimento, pelo menos
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
erga omnes dos costumes gerais, permitindo as evoluções indispensáveis. Ela também não
distorce a realidade das diferenças de poder entre sujeitos de Direito Internacional, pois é
completamente compatível com o facto de a “maioria silenciosa” dos Estados dever
frequentemente inclinar-se perante a análise das necessidades sociais propostas pelas grandes
potências. Para ser espontâneo, o processo de criação das regras costumeiras não deve deixar
de revestir certas formas. Esta a razão pela qual convém estudar o desenrolar do processo antes
de tratar da aplicação do costume.
1.º Os atos do Estado são os praticados pelos seus órgãos, com incidência as
relações internacionais. Cabem evidentemente nesta definição os atos das autoridades
especialmente encarregadas das relações internacionais, exprimindo-se no exercício das suas
funções, isto é, o Ministro dos Negócios Estrangeiros e os seus colaboradores, principalmente
os agentes diplomáticos (declarações, correio diplomático, instruções dirigidas aos diplomatas,
etc). Tratando-se de atos unilaterais, surgirão não raro problemas de imputabilidade e de
oponibilidade aos Estados em litigio, assim como a questão de saber se os comportamentos do
implícito, será necessariamente verificado. O único apoio de que beneficia esta abordagem reside num
dictum celebre do Tribunal Penal de Justiça Internacional:
«As regras de direito que vinculam os Estados resultam da vontade destes, vontade
manifestada em convenções ou usos geralmente aceites como consagrando princípios de direito».
Esta tomada de posição, isolada e severamente criticada, não tem senão uma fraca autoridade:
este acórdão só pôde ser proferido graças ao voto preponderante do Presidente do Tribunal.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º Os atos das instituições internacionais: devemos citar em primeiro lugar ao atos
jurisdicionais e arbitrais internacionais. O Tribunal Pena de Justiça Internacional e mais tarde o
Tribunal Internacional de Justiça não hesitam, aliás, em citar a sua própria jurisprudência como
precedentes úteis. Quanto às organizações internacionais, como para os Estados, mas por outras
razões, convém distinguir as suas práticas internas e os seus comportamentos nas relações
internacionais.
87
TJCE, 14 dezembro 1971, caso 7/71, Comission c. France, Rec. 1971, p. 1003; 3 feveriero 1976, caso
59/75, Ministère public c. Manghera, Rec. 1976
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Internacional de Justiça, para que uma regra seja consuetudinariamente estabelecida não é
necessário que a prática correspondente seja rigorosamente conforme a esta.
1.º Para as regras costumeiras «gerais», o artigo 38.º, n.º1, alínea b) ETIJ indica
claramente que elas resultam da prática geral e não de uma prática unânime, o que seria
irrealizável e irrealista. A jurisprudência internacional aderiu a esta conceção. No seu acórdão
de 1969, supracitado, considera: «No que respeita aos outros elementos geralmente tidos por
necessários a fim de que uma regra convencional seja considerada regra geral de direito
internacional, pode ser suficiente uma participação muito vasta e representativa na convenção,
sob condição, todavia, de compreender os Estados particularmente interessados». A
participação muito vasta a qual o Tribunal Internacional de Justiça faz alusão não implica,
88
Acórdão 27 junho 1986, Atividades militares e paramilitares na Nicarágua, §186, Rec., p. 98)
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
forçosamente, uma ação positiva por parte de um grande número de Estados, sobretudo se não
aparecerem pretensões divergentes.
2.º Se bem que o artigo 38.º, n.º1 ETIJ só faça alusão às regras consuetudinárias
gerais, nunca foi contestado que pudessem aparecer costumes de alcance geográfico limitado.
A existência de costumes regionais e mesmo locais é atestada pela prática e pela jurisprudência
internacionais. O Direito da guerra marítima foi durante muito tempo um Direito
consuetudinário para os Estados da Europa continental; os Estados americanos emanaram um 239
direito consuetudinário do reconhecimento de governo em caso de mudança revolucionária.
Por seu lado, o Tribunal Internacional de Justiça teve várias ocasiões para reconhecer tais
costumes regionais. O problema da existência dos costumes bilaterais foi claramente no caso do
Direito de passagem em território indiano. À alegação da Índia de que «nenhum costume local
poderia constituir-se entre dois Estados apenas», o Tribunal respondeu em termos muito
precisos: «Dificilmente se compreende por que razão o número de Estados entre os quais pode
constituir-se um costume local com base numa prática prolongada deveria necessariamente ser
superior a dois. O tribunal não vê razão para que uma prática prolongada e contínua entre dois
Estados, aceite por ambos como reguladora das suas relações, não esteja na base dos direitos e
obrigações recíprocas entre esses dois Estados»89. A unanimidade será exigida aqui? Impõe-se
uma resposta afirmativa no que respeita aos costumes bilaterais. Quando é apresentada a prova
de um costume local «não é necessário indagar se o costume internacional geral ou os princípios
gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas podem levar ao mesmo resultado»,
conforme o Tribunal Internacional de Justiça considera neste caso acima referido. O
consensualismo interestatal, mais acentuado no costume regional ou local do que no costume
geral, mantém-se dominante na jurisprudência internacional. Tratando-se dos costumes
regionais, é razoável pensar que, quanto mais restrito for o círculo de Estados interessados, mais
unanimidade é necessária. Contudo, a posição do Tribunal Internacional de Justiça não é clara a
este respeito.
B – O elemento psicológico
89
TIJ, Rec., 1960, p. 39
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
notável continuidade desde o dictum do Tribunal no caso Lotus. Respondendo à tese do agente
governamental francês que invoca um facto de abstenção, o Tribunal Penal de Justiça
Internacional não considerou este como um precedente pertinente na medida em que não era
motivado, neste caso, pela «consciência de um dever de se abster» 90 . De maneira mais
sistemática ainda, o Tribunal Internacional de Justiça exprime esta teoria nos termos seguintes:
«Os Estados devem portanto ter a certeza de se conformar ao que equivale a uma
obrigação jurídica. Não são suficientes nem a frequência, nem mesmo o caráter habitual dos 240
atos. Existem numerosos atos internacionais, no domínio do protocolo por exemplo, que são
realizados quase invariavelmente mas motivados por simples considerações de cortesia, de
oportunidade ou de tradição e não pelo sentimento de uma obrigação jurídica»91.
90
Acórdão de 1927, série A, n.º10, p.28
91
Plataforma continental do Mar do Norte, Tec. 1969, p. 44.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
1.º Parece impor-se uma solução quando o Estado pôs objeção à criação da regra
consuetudinária, sem conseguir fazer valer o seu ponto de vista: a regra costumeira é-lhe
inoponível. Evidentemente, devemos pôr em prática o princípio segundo o qual um Estado não
pode opor-se à aplicação de uma regra imperativa (ius cogens): todos os Estados estão
vinculados por uma regra costumeira que apresenta esta qualidade.
1.º Sobre o primeiro ponto, uma parte da doutrina exprime uma dúvida quanto à
necessidade de provar a opinio iuris. Admitindo embora que, nas condições históricas do
aparecimento das regras costumeiras, se torna muitas vezes difícil isolar a opinio iuris dos
próprios comportamentos, a jurisprudência recusou-se a consagrar esta tese. Porém, é preciso
reconhecer que, na administração da prova da opinio iuris pelo juiz ou pelo árbitro, existe
frequentemente uma certa “telescopagem” das demonstrações relativas aos elementos
materiais e psicológicos.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º Quanto aos meios de prova, o artigo 15.º do Estatuto da Comissão de Direito
Internacional das Nações Unidas fornece a indicação seguinte: só podemos considerar a
“codificação” de uma regra, por conseguinte supor o seu caráter costumeiro, na medida em que
dispomos do apoio de uma prática estatal consequente, de precedentes (jurisprudenciais) e de
opiniões doutrinais (convergentes). Condições que são difíceis de reunir, sobretudo para a
opinio iuris, mas por vezes também para a prática dos sujeitos de Direito. A prova da prática
pode tornar-se delicada pela falta de publicidade dada aos comportamentos diplomáticos ou
pelas precauções tomadas para proibir uma clara imputação a um sujeito de Direito 242
Internacional. No decorrer dos últimos vinte anos realizaram-se progressos para avaliar mais
sistematicamente esta prática: multiplicaram-se os repertórios da prática nacional; as
organizações internacionais procedem a estudos comparativos e estabelecem numerosas
compilações. A principal dificuldade reside na priva da existência da opinio iuris, quando não
pode ser deduzida de fatores objetivos. É necessário, então, procurar as intenções. Com base
em que indícios? No acórdão de 1969, no caso da Plataforma continental do Mar do Norte, o
Tribunal Internacional de Justiça esclarece:
«Os atos considerados devem testemunhar, pela sua natureza ou pela maneira
como são executados, convicção de que esta prática se tornou obrigatória…».
A noção de codificação:
1.º “Codificação” e “desenvolvimento progressivo do direito”: o artigo 13.º da Carta
das Nações Unidas confere à Assembleia Geral mandato para «promover estudos e fazer
recomendações destinadas a… incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional
e a sua codificação». O artigo 15.º Estatuto da Comissão de Direito Internacional tenta precisar
a distinção nos termos seguintes: no primeiro caso, tratando-se de preparar «projetos de
convenções sobre sujeitos que não estão ainda regulamentadas pelo direito internacional ou
para os quais o direito não está ainda suficientemente desenvolvido na prática estatal». A
codificação é «a formulação mais exata e a sistematização das regras de direito internacional
nos domínios em que existem já uma prática estatal consequente, precedentes e opiniões
doutrinais». A codificação é uma operação de conversão de regras consuetudinárias num corpo
de regras escritas, sistematicamente agrupadas. O desenvolvimento do direito é uma operação
de afirmação ou de consagração de regras novas com base no Direito existente. A clareza da
distinção é apenas aparente. Na prática, as duas operações estarão muitas vezes intimamente
imbricadas, quanto mais não seja para reforçar a coerência lógica do corpo de regras inscritas
numa mesma convenção; será contudo necessário recorrer ao juiz para distinguir, no interior de
um texto de codificação, as regras costumeiras e as regras novas. O debate sobre estes dois
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
conceitos teria podido continuar a ser doutrinal. Porém tornou-se rapidamente político, o que
não é surpreendente: a distinção codificação – desenvolvimento do Direito tem uma incidência
direta sobre a oponibilidade das normas contidas nas convenções de codificação. De há quinze
anos a esta parte, desenvolvem-se cada vez mais táticas diplomáticas ofensivas ou defensivas
sobre este assunto: assim, o recurso à fórmula da “declaração” para dar crédito à ideia de que
as regras apresentadas num texto se inscrevem num processo consuetudinário e se prestam
portanto, desde logo, à “codificação”.
243
2.º Vantagens e inconvenientes da codificação: existe hoje uma conjunção muito
forte de forças políticas a favor dos trabalhos de codificação. Para os Estados “contestatários”,
a codificação é a ocasião de fazerem uma “triagem” entre as normas que respondem às suas
próprias aspirações e as que são rejeitadas porque, originadas pela prática dos Estados
ocidentais, lhes parecem responder às necessidades exclusivas destes Estados; para os outros,
a codificação surge como a “última oportunidade” das regras antigas, uma defesa eficaz contra
uma contestação durável. Convém dissociar o curto e o médio prazos de preferência a tentar
distinguir as vantagens técnicas e políticas da codificação.
As técnicas da codificação: somente devem ser tomadas em consideração aqui aquelas que
são aplicadas por sujeitos de Direito Internacional, competentes para estabelecer normas
internacionais. Os procedimentos variam em função do quadro institucional em que se inscreve
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
o processo de codificação: não é indiferente que a obra se desenrole num contexto diplomático
clássico ou sob os auspícios de uma organização internacional, nem que tenha sido considerada
uma abordagem universal e regional. A descrição torna-se por vezes muito complexa tendo em
conta a sobreposição e a complementaridade das diligências regionais e universais, como foi o
caso da revisão do Direito do mar nos anos 70. O ponto de partida dos processos de codificação
pode resultar de iniciativas estatais, de sugestões de órgãos internacionais e mesmo de
organizações não governamentais: esta última hipótese é importante para as codificações de
Direito privado e de Direito Humanitário; mas só consideraremos o processo de codificação a 244
partir do momento em que os Estados aceitaram participar no projeto. Mesmo limitando-nos às
ilustrações fornecidas pelas Nações Unidas é notável a diversidade de soluções:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
«modelo de regras» cujo alcance jurídico depende dos comportamentos dos Estados para o
conteúdo do texto, através de resolução: o processo de codificação acaba por ser um simples
«modelo de regras» cujo alcance jurídico depende dos comportamentos dos Estados. Ela própria
pode também adotar este texto, após emendas se o desejar, sob forma de uma convenção à
qual os Estados serão convidados a aderir ou sob forma de resoluções “solenes”. A maior parte
das vezes, a Assembleia decidirá provocar a reunião de uma conferência diplomática
encarregada de adotar o texto da convenção de codificação.
245
4.º A obra da Conferência, teoricamente autónoma em relação à Organização das
Nações Unidas será mais ou menos guiada pelas iniciativas anteriores da Assembleia visto a
composição dos dois órgãos ser muito próxima.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º O conflito entre uma norma universal e uma norma regional só pode surgir se a
norma universal não tiver valor de ius cogens. Impõe-se portanto limitar-se à hipótese da
incompatibilidade entre normas consuetudinárias não “imperativas”. Aqui o princípio de
anterioridade não fornece a solução de Direito comum. A questão deve ser encarada em termos
de oponibilidade de norma universal e da norma regional ou local aos Estados em litígio. Na
ausência de uma hierarquia de normas consuetudinárias, parece lógico fazer prevalecer a norma
regional se o conflito impõe dois Estados regidos pela norma regional – esta é a lex specialis – e
em contrapartida, fazer aplicação da norma universal no caso contrário – porque somente esta
última é oponível ao conjunto das partes em litígio.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
1.º Norma costumeira e ato jurídico unilateral estatal: o ato unilateral é inoponível
aos outros sujeitos de Direito e é mesmo ilícito, se a regra consuetudinária for oponível ao
Estado em causa; a regra consuetudinária, anterior ou posterior, prevalece.
247
2.º Norma consuetudinária e recomendação: uma norma consuetudinária posterior,
contrária à recomendação, acarreta desuso desta e portanto prevalece sobre ela. A situação é
mais complexa quando a recomendação é mais recente do que o costume. Nas relações entre o
Estado que invoca a recomendação e os que tiram vantagem do costume – quer tenham voltado
contra a recomendação quer sejam terceiros em relação à organização – a recomendação é
inoponível e é o costume que prevalece porque constitui o único denominador comum. Pode
parecer mais surpreendente chegar à mesma conclusão quando o litígio opõe dois Estados que
votaram a favor da referida recomendação: mas sabemos que os Estados não estão
comprometidos – sob reserva de boa fé – apenas por este voto; eles podem continuar a invocar
o costume contrário. O Estado que aplica o costume contrário à resolução não pode portanto
ver comprometer a sua responsabilidade internacional. Disto não deveria concluir-se que,
inversamente, o Estado que concede a preferência à resolução comete um ato ilícito e
compromete a sua responsabilidade. Não é este o caso, pelo menos nas relações entre Estados
que votaram a favor da resolução.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
92
Miranda, Jorge; Curso de Direito Internacional
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
1.º o ius cogens não pode ser modificado ou afetado por normas consuetudinárias;
2.º o costume postula sempre a prática, o ius cogens impõe-se ainda quando não
haja nenhuma prática, seja no sentido do seu cumprimento, seja noutro sentido.
93
Quadros, Fausto; Direito Internacional Público
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
no conteúdo daquilo que atrás chamámos Direito Constitucional Internacional. Daí, aliás, a
tendência legítima para que os tratados codificadores se apliquem a todos os sujeitos do Direito
Internacional independentemente da sua adesão ao tratado.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
deve ser rejeitada como explicação dos costumes gerais. Quando muito, poderá valer em
relação a costumes locais, entre poucos, ou mesmo entre dois Estados, mas então o seu valor
explicativo é nenhum. Em resumo, ao rejeitar a explicação voluntarista do costume só cabe
reafirmar que o fundamento da obrigatoriedade do costume é o mesmo fundamento da
obrigatoriedade do Direito Internacional em geral. E, se tivermos conseguido uma solução
satisfatória para este problema, de que tratámos atrás, dela resultará também a explicação do
fundameno da obrigatoriedade do costume. Notemos finalmente que a fórmula do artigo 38.º
do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça é particularmente infeliz, já que parece 251
distinguir entre o costume, por um lado, e a norma jurídica, por outro, sendo aquele uma mera
prova da existência desta. Ora a Teoria Geral do Direito não põe já em dúvida que o costume,
interno ou internacional, não é a prova de uma norma jurídica, mas é o próprio modo de
formação da norma, que não existe independentemente do uso e da opinio iuris. Teria sido mais
uma razão a indicar aos autores daquele Estatuto a convivência em definirem o costume como
fonte do direito Internacional.
Uma fonte direta e autónoma: retomando os termos do artigo 38-III do Estatuto do Tribunal
Penal de Justiça Internacional, o artigo 38.º, n.º1, alínea c, do Estatuto do Tribunal Internacional
de Justiça dispõe que o Tribunal aplica «os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações
civilizadas».
1.º A redação dos princípios gerais de direito a outras fontes de Direito Internacional:
a) O caráter diretamente aplicável foi posto em questão pelos autores
voluntários. Sem negar o valor jurídico destes princípios, eles pretendem
que só na sequência de uma autorização convencional expressa, que deve
intervir em cada caso, podem aplicar-se nas relações internacionais. Assim,
quando o artigo 38.º, n.º1, alínea c) do Estatuto do Tribunal Internacional
de Justiça prescreve ao Tribunal que recorra aos princípios gerais de Direito,
esta prescrição só se dirige a este Tribunal e somente a este. Outras
jurisdições ou tribunais arbitrais podem também, e individualmente,
receber tal autorização. Mas, enquanto nenhum acordo estiver concluído a
este respeito, os princípios gerais de Direito não se impõem nem aos Estados,
nem aos juízes, nem aos árbitros, pois não constituem uma fonte primária
de Direito Internacional da qual podem nascer diretamente regras positivas.
Eles têm caráter obrigatório, em cada caso, não pela sua própria força, mas
por intermédio da convenção de autorização. Foi a própria noção de
princípios gerais de Direito que motivou esta tomada de posição. Estes são,
com efeito, as primeiras propostas obtidas por um lento trabalho de indução,
das regras particulares da ordem jurídica. Pela via dedutiva, podem, depois,
ser aplicados a situações concretas que não são expressamente reguladas
pelo Direito positivo. Existiria portanto uma total incompatibilidade entre o
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Uma fonte primária e supletiva: para muitos autores, a utilidade do artigo 38.º, n.º1, alínea
c), e o recurso aos princípios gerais de direito reduz-se a colmatar algumas lacunas do Direito
consuetudinário e convencional ou a evitar os impasses de uma aparente lacuna jurídica. Estes
princípios constituiriam assim uma fonte não somente supletiva mas também subsidiária do
Direito Internacional. Segundo a opinião dominante, o artigo 38.º, n.º1, alínea c), é uma
consequência necessária das limitações da função jurisdicional internacional. Diversamente do
juiz interno, que pode e deve decidir mesmo em caso de silêncio da lei, o juiz internacional não
poderia fazê-lo sem habilitação expressa dos sujeitos do Direito Internacional. Na ausência de
uma resposta convencional ou consuetudinária ao litígio que lhe é submetido, o juiz ou o árbitro
deveria pronunciar o non liquet, reconhecer que lhe é impossível cumprir a sua missão. O
recurso aos princípios gerais de Direito autorizá-lo a decidir, sem sair do Direito positivo. Para
outros autores, que recusam a ideia de lacunas do Direito – porque se resolveriam numa
competência discricionária dos Estados (princípio da independência) – o artigo 38.º, n.º1, alínea
c), teria por função reduzir o campo de aplicação desta competência discricionária, para além
do que é oponível aos Estados em causa com base nas regras convencionais ou consuetudinárias.
Não deveria, aliás, deduzir-se da tese precedente que os princípios gerais de Direito são
suscetíveis de resolver todos os problemas suscitados pela ausência de regras consuetudinárias
e convencionais. Nada na natureza destes princípios permite tal conclusão. Que se trate de uma
fonte supletiva é indiscutível. O juiz internacional como os agentes estatais, invocam em
primeiro lugar, podendo-o, regras consuetudinárias e convencionais em apoio das suas
demonstrações. Esta era também a opinião do comité de Juristas encarregado de elaborar o
projeto do Estatuto do Tribunal Penal de Justiça Internacional. Solução razoável pois as regras
consuetudinárias e convencionais têm uma existência mais fácil de estabelecer e um conteúdo
menos aleatório. A ordem estabelecida pela enumeração do artigo 38.º do Estatuto e portanto
uma ordem sucessiva «de tomada em consideração«. Tratar-se-á então de uma fonte subsidiária
ou secundária? Será necessário reconhecer uma hierarquia entre as fontes visadas no artigo
38.º? Se numerosos autores sustentaram esta tese, foi porque tinham em mente a aplicação
dos princípios gerais de Direito pelo juiz ou pelo árbitro internacional com uma autorização
convencional. Mas vimos mais atrás que esta visão estreita das coisas não corresponde à
realidade: os tribunais internacionais aplicam sem hesitar os princípios gerais mesmo na
ausência de uma habilitação – o fenómeno é evidente no que respeita ao Tribunal de Justiça das
Comunidades Europeias, que não se contenta com as hipóteses de responsabilidade contratual
evocadas pelo artigo 215.º do Tratado de Roma na busca dos princípios gerais comuns aos
direitos dos Estados Membros, e os sujeitos de Direito Internacional invocam-nos fora de
qualquer contencioso. Em segundo lugar, admitir com Guggenheim que «a introdução dos
princípios gerais de direito, como fonte particular de direito das gentes, tem uma razão jurídico-
politica. Trata-se de estender o poder do juiz internacional restringindo o poder discricionário
dos sujeitos de Direito, poder baseado no princípio do Direito consuetudinário que reconhece a
independência dos Estados». Equivale a reconhecer a mesma eficácia tanto a um princípio geral
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
254
Princípios comuns às ordens jurídicas nacionais:
1.º Só podem ser transpostos para a ordem jurídica internacional os princípios
comuns aos diferentes sistemas jurídicos nacionais. É necessário e suficiente que um princípio
interno na maior parte dos sistemas jurídicos, não em todos. Serão portanto afastados os
princípios próprios a este ou àquele país, assim como os que são aplicados apenas por «cetos
sistemas de Direito Interno». Será necessário recusar a priori certos sistemas jurídicos por não
corresponderem à ideia de «nações civilizadas», conforme a letra do artigo 38.º do Estatuto?
Esta fórmula, além de muito envelhecida, para não dizer obsoleta, é supérflua no caso do
Tribunal Internacional de Justiça. A composição deste Tribunal, baseada na «representação das
grandes formas de civilização e dos principais sistemas jurídicos do muno», é em si uma garantia:
pode-se admitir que a generalidade de um princípio de Direito interno está suficientemente
estabelecida se for considerada como tal por estes juízes.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
competências, aos seus meios de ação e às suas regras de funcionamento (regulamentos das
assembleias parlamentares, Direito da função pública, Direito dos contratos). Esta aproximação
pode também observar-se nas relações entre pessoas provadas e sujeitos de Direito
Internacional, quer se trate de Direitos individuais em matéria contenciosa quer do regime dos
contratos transnacionais.
256
Secção III – A Equidade
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
senão mesmo a referência expressa ao artigo 38.º, n.º2 do seu Estatuo. Segundo o Tribunal
Penal de Justiça Internacional o poder «de natureza absolutamente excecional que as partes lhe
concederiam «de estabelecer um regulamento que abstraísse dos direitos reconhecidos por ele
e só envolvesse considerações de pura oportunidade… deveria resultar de um texto positivo e
claro que não se encontra no compromisso» 94 . Mas adquirida esta base, o Tribunal parecia
admitir uma total liberdade de juízo sem referência ao direito positivo – e mesmo, na
circunstância, contra a autoridade de caso julgado. Da mesma maneira, o Tribunal Internacional
de Justiça admitiu o princípio de uma solução ex aequo et bono no seu acórdão de 1966, 257
Sudoeste africado. A jurisprudência recente do Tribunal parece confirmar as indicações
anteriores: desde que a habilitação para decidir segundo a equidade não seja de uma evidência
solar, o Tribunal abster-se-á de proceder contra legem e mesmo de decidir praeter legem; se a
habilitação for indiscutível, o Tribunal «já não teria que aplicar estritamente regras jurídicas,
tendo por fim alcançar um regulamento adequado». Isto pode significar o exercício de um certo
poder discricionário e o recurso à «justiça distributiva». A fórmula adotada pelo Tribunal em
1982 mostra bem que aqui a equidade não é uma fonte de direito, mas um sistema de referência
de uma resolução jurisdicional dos conflitos internacionais. Quando a equidade substitui o
Direito, não parece nada lógico considera-la uma fonte de Direito Internacional. Não se tornará
então difícil distinguir a equidade e a noção de composição conciliadora? Mesmo admitindo-se
que o poder de decidir ex aequo et bono não e confunde com a ideia de decidir
«equitativamente», que vai mais além, é certo que a equidade «procede diretamente da ideia
de justiça», ao passo que a composição conciliadora pode fazer prevalecer considerações de
conveniência e de oportunidade.
94
Disposição de 6 de dezembro 1930, Zonas francas, série A, n.º 24, p. 10
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Justiça confirmou este ponto de vista de maneira muito clara no caso da Plataforma Continental
do Mar do Norte: «Qualquer que seja o raciocínio jurídico do juiz, as suas decisões devem por
definição ser justas, portanto, nesse sentido, equitativas». Encontra-se outra ilustração disso no
comentário de um projeto de artigos da Comissão de Direito Internacional: «De facto, o princípio
da equidade é mais um fator de equilíbrio, um elemento corretivo destinado a preservar o
caráter racional do elo de ligação entre os bens móveis do Estado e o território. A equidade
permite interpretar da maneira mais judiciosa a noção de «bens… ligados à atividade do Estado
predecessor em relação ao território…» e dar-lhe um sentido aceitável. Deverá chegar-se até à 258
correção das regras de Direito quando a sua aplicação conduz a um resultado contrário ao
sentimento de justiça? Admitir que considerações de equidade podem levar a afastar as regras
de Direito seria contrário ao princípio elementar da segurança jurídica. Tais considerações
podem certamente inspirar reivindicações políticas que, por sua vez, podem estar na origem de
novas normas jurídicas, mas a equidade só pode substituir o Direito positivo se as partes em
litígio o consentirem.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
meio de interpretação das outras regras de Direito. Não é senão uma fonte derivada, indireta,
«segunda» do Direito Internacional. A equidade pode intervir «como princípio suplementar de
decisão nos casos em que o Direito positivo permanece silencioso». Esta solução tem o mérito
de limita a subjetividade do juiz e do árbitro que só podem procurar a equidade nos limites
razoáveis da regra geral e objetiva que aplicam.
259
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Observações gerais: ao lado dos atos concertados convencionais, cujo lugar notável no Direito
Internacional contemporâneo já foi sublinhado, a prática e a jurisprudência internacional
reconhecem a existência de outras categorias de instrumentos jurídicos e a sua contribuição
para a formação do Direito Internacional. Atos jurídicos que se distinguem dos tratados seja pelo
260
seu caráter unilateral, seja pela sua autonomia em relação ao Direito dos Tratados. Apesar da
sua diversidade formal, os atos aqui estudados têm uma característica comum: trata-se sempre
de uma expressão de vontade num sujeito do Direito Internacional, tendente a criar efeitos de
Direito. Todavia, como são difíceis de relacionar com fontes formais tradicionais de Direito
Internacional, visto a sua «normatividade» ser muitas contestada, estes instrumento estão no
centro de uma controvérsia sobre o seu verdadeiro papel na elaboração do Direito. Apesar de
todas estas ambiguidades, é necessário estudá-los aqui na medida em que é contestada a sua
integração nas fontes do Direito Internacional. Convém igualmente manter a distinção entre
atos unilaterais e atos concertados, pois a sua oponibilidade aos sujeitos de Direito põe-se em
termos diferentes, o que não pode deixar de influir no seu papel na elaboração do Direito
Internacional.
Definição de ato unilateral: por ato unilateral deve entender-se o ato imputável a um único
sujeito de Direito Internacional. O crescimento espetacular desta categoria de atos está
evidentemente relacionado com a multiplicação de sujeitos de Direito. Durante muito tempo
limitada aos atos unilaterais dos Estados, compreende agora a massa impressionante dos atos
provenientes de organizações internacionais. Num mundo de coexistência das soberanias
estatais, os atos das organizações relançam a controvérsia sobre o alcance jurídico e a
oponibilidade dos atos unilaterais aos Estados. A propósito dos atos estatais, os raciocínios que
se apoiam no princípio da soberania, não podem ser pura e simplesmente transpostos para o
caso dos atos das organizações internacionais: é preciso ter em conta a competência limitada
das organizações e o facto de que estes atos atingem os Estados ora como membros da
organização («atos autonormativos»), ora como sujeitos autónomos («autos
heteronormativos»); a oponibilidade dos atos unilaterais das organizações depende de um jogo
de elementos mais complexos do que na hipótese dos atos unilaterais.
A – Noção
Consagração dos atos unilaterais estatais pelo Direito Internacional : embora o artigo
38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça não lhe faça menção, a exist~encia de atos
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
pelos quais um Estado, agindo sozinho, exprime a sua vontade e que produzem efeitos em
Direito Internacional é indiscutível. Para que assim seja, é necessário – como para qualquer
outro ato jurídico – que sejam demonstradas a imputabilidade do ato a um Estado, atuando nos
limites da sua capacidade, e uma publicidade suficiente da vontade do Estado. Não é necessário,
pelo contrário, que se estabeleça qualquer aceitação do compromisso unilateral pelos outros
sujeitos de Direito. Os tribunais internacionais não se detêm na diversidade das manifestações
desta vontade, visto que a intenção estatal é – ou pelo menos parece – manifesta. Estes
admitem que os atos unilaterais podam emanar da autoridade legislativa ou do executivo, 261
dirigir-se aos Estados mas também à opinião pública nacional e tomar uma forma mais ou menos
solene.
2.º É regra esta categoria de atos unilaterais que uma classificação material é mais
fecunda. Podemos distinguir em geral os principais tipos seguintes:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
1.º A competência do Estado para realizar certos atos é-lhe muitas vezes conferida
por um acordo no qual é parte. Assim acontece na adesão ao tratado, na denúncia ou no recesso
regulamentados, e nas reservas a este tratado. Da mesma maneira, por declaração unilateral
baseada no artigo 36.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, os Estados podem
aceitar a jurisdição obrigatória do Tribunal. Esta aceitação permitir-lhes-á solicitar
unilateralmente o Tribunal Internacional de Justiça nos diferendos que os oponham a outros
Estados que tenham dado o mesmo acordo. Podem multiplicar-se os exemplos de tais
solicitações. A combinação de um tratado e de um ou vários atos unilaterais é uma solução
corrente. Ela contribuirá para completar o compromisso convencional evitando consagrar,
abertamente, as discriminações entre as partes. A convergência do ato convencional e do ato
unilateral pode também visar a confirmação do caráter objetivo e oponível a todos do tratado
em causa: a declaração substitui neste caso a adesão formal. Alem disso o ato unilateral
prolongará os efeitos no tempo do ato convencional. É um processo frequentemente utilizado
para os acordos de controlo dos armamentos estratégicos: este método permite conciliar a
vontade dos Estados de só tomarem compromissos experimentais e a curto prazo, e a sua
preocupação de não criarem soluções de continuidade quando a negociação do novo acordo se
arrasta muito. Um ato unilateral do Estado pode também dar «existência jurídica» ao conteúdo
de um tratado que não está em vigor, ou porque já o deixou de estar, ou por não o estar ainda.
3.º Cada vez com mais frequência, os atos unilaterais dos Estados incidem sobre o
conteúdo de resoluções de organizações internacionais. Quer façam uso de uma habilitação
fornecida por tais resoluções, quer se comprometam a respeitar as suas prescrições. Tais
compromissos unilaterais transformam uma recomendação em ato obrigatório se forem
expressos antecipadamente, e tornam uma recomendação oponível aos Estados que a
aceitarem após a sua adoção. Pouco importa, a este respeito, que se trate de um Estado membro
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
ou de um Estado não membro pois não é já o Direito próprio da organização internacional que
está em causa.
B – Alcance Jurídico
263
Os atos autonormativos:
1.º Não há dúvidas de que os Estados podem impor a si próprios obrigações ou
exercer unilateralmente direitos nos limites admitidos pelo Direito Internacional geral. O
Tribunal Internacional de Justiça afirmou-o sem ambiguidades no caso dos Ensaios nucleares:
«É sabido que declarações revestindo a forma de atos unilaterais e relativas a situações de
Direito ou de facto podem criar obrigações jurídicas. Quando o autor da declaração pretende
vincular-se nestes termos, esta intenção confere à sua tomada de posição o caráter de um
compromisso jurídico, ficando doravante o Estado em causa obrigado a seguir uma linha de
conduta conforme à sua declaração. Um compromisso desta natureza, expresso publicamente
e com a intenção de se vincular, tem um efeito obrigatório, mesmo fora do quadro das
negociações internacionais».
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
unilateralmente, impor obrigações aos outros Estados, sem que seja necessário o
reconhecimento expresso destes, quando, ao fazê-lo, se limitar a exercer competências
estabelecidas por regras convencionais ou consuetudinárias. Poder-se-ão aproximar desta
hipótese as situações em que um Estado, para justificar o seu comportamento unilateral, se
apoia em resoluções de organizações internacionais? Os tribunais nacionais serão reticentes em
admitir a oponibilidade do ato unilateral do Estado terceiro na sua ordem jurídica interna; mas
esta reticência nem sempre tem incidência porque muitas vezes recusam tirar daí
consequências práticas, concedendo ao Estado terceiro o privilégio da imunidade jurisdicional.
Por outro lado, pode suceder que um Estado esteja em condições de agir como representante
ou «mandatário» da comunidade internacional: a ilustração clássica desta situação é fornecida
pela gestão da navegação nos canais internacionais ou em certos estreitos. As disciplinas
impostas aos Estados terceiros com este fundamento pressupõem uma aceitação expressa ou
implícita da sua parte, muitas vezes difícil de obter.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
tenha os mesmos efeitos em todos os seus elementos e em relação a todos os seus destinatários,
o que não se verifica necessariamente. Além disso, esta distinção abstrai dos comportamentos
dos Estados, em especial da sua aceitação expressa da resolução, que modifica os seus efeitos.
Existem numerosos exemplos de resoluções aceites. As resoluções adotadas nestas condições
já não são simples recomendações, mas verdadeiros atos jurídicos, dando a organização um
conteúdo à vontade do Estado expressa previamente. As mesmas considerações valem se o
requerente de um parecer consultivo estiver de acordo a priori em aceitá-lo. Observar-se-á que
a resolução não coincide com a noção de ato unilateral não jurisdicional. Esta categoria de atos 265
é mais ampla, compreende igualmente o conjunto dos atos adotados pelos órgãos compostos
por agentes internacionais (Secretariados, Comissão Europeia). Para os atos dos órgãos
jurisdicionais, a distinção entre «acórdão» (ou «sentença») e «parecer consultivo» é comparável
mutatis mutandis, à existente entre decisão e recomendação. Se tivermos de deter-nos um
pouco mais nestas questões de terminologia, é porque elas têm uma incidência no alcance
jurídico dos atos unilaterais das organizações.
A – As Decisões
Definição: no sentido técnico, a decisão é um ato unilateral «com força obrigatória geral», isto
é, um ato emanado de uma manifestação de vontade de uma organização, imputável portanto
a esta, e que cria obrigações a cargo do seu ou dos seus destinatários. É efetivamente um ato
jurídico internacional. Somente um ato de um órgão internacional que tem tais efeitos merece
esta qualificação. Será, em princípio, o caso de uma decisão do Conselho de Segurança das
Nações Unidas adotada conforme o artigo 25.º da Carta, pois o termo «decisão» é aqui
entendido no seu sentido técnico. Em contrapartida, o ato adotado em virtude de outras
disposições da Carta e qualificado como decisão, pode ser na realidade uma recomendação: o
termo «decisão» é neste caso tomado no sentido corrente e visa um ato destinado a concluir
uma discussão ou uma deliberação. O Tribunal Internacional de Justiça reconhece, a propósito
do artigo 18.º da Carta, que elas «compreendem com efeito certas recomendações» 95 da
Assembleia. Noutros casos, não será admitida a hesitação. Segundo o artigo 189.º do Tratado
instituindo a Comunidade Europeia:
95
Parecer de 1962, Certas despesas, Rec., 1962, p. 163.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
importante no Direito das organizações internacionais do que nas relações interestatais. Dirige
em parte a aplicação do princípio da hierarquia das fontes, princípio que encontra melhor
aplicação num quadro institucionalizado. Assim, os agentes das Nações Unidas estão
submetidos a um Estatuto, estabelecido pela Assembleia Geral, e ao Regulamento emanado –
em execução do primeiro – do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. A base da
pirâmide normativa é constituída por decisões individuais de aplicação. Como têm efeito
obrigatório para os órgãos da organização e para os Estados membros, as decisões são adotadas
segundo processos muitas vezes complexos destinados a fazer respeitar certos equilíbrios 267
políticos. A Carta das Nações fornece disso várias ilustrações. O artigo 97.º estabelece que o
Secretário Geral é «nomeado pela Assembleia Geral mediante recomendação do Conselho de
Segurança»; os juízes do Tribunal Internacional de Justiça são eleitos após escrutínios separados
da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança, por maioria absoluta de votos (artigo 4.º a
12.º do Estatuto anexo à Carta). A admissão de um Estado nas Nações Unidas realiza-se através
de uma decisão da Assembleia Geral por recomendação do Conselho de Segurança (artigo 4.º,
n.º1 Carta). Da mesma maneira, no âmbito das Comunidades Europeias, o Conselho de Ministros
só pode, em princípio, adotar um ato decisório sob proposta da Comissão. A «recomendação»
do Conselho de Segurança, a «proposta» da Comissão, não são em si próprias atos criadores de
normas, mas – como atos-condições – não são desprovidos de efeitos jurídicos; a sua falta
constitui um vício de processo suficiente para obter a anulação ou a inoponibilidade do ato
unilateral da organização.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
execução». Este dictum chama a atenção para certas particularidades do regime das decisões
unilaterais da Organização das Nações Unidas. A sua oponibilidade aos Estados destinatários e
mesmo a sua validade estão condicionadas, em primeiro lugar, pela extensão das competências
reconhecidas ao órgão que adota estas decisões; depende também de uma eventual aceitação
dos Estados destinatários. O poder de decidir, atribuído pela Carta ao Conselho de Segurança
no exercício da sua função de manutenção e de restabelecimento da paz, é prenhe de
consequências mais o seu uso foi, durante muito tempo, excecional. É a primeira vez, na História
da humanidade, que um órgão político, à escala universal, tem o direito de impor os seus pontos 268
de vista a Estados soberanos no domínio mais importante das relações internacionais. Quando
exerce este poder de natureza «executiva», surge de facto como uma «autoridade pública
internacional»: o poder de decisão que o artigo 25.º da Carta reconhece ao Conselho de
Segurança não se limita ao exercício das competências previstas pelo capítulo VII da Carta, mas
a todas as medidas julgadas oportunas para a manutenção da paz. Embora a Assembleia Geral
não tenha, em princípio, competência para adotar decisões empenhativas para os Estados
membros. As organizações podem também usar o seu poder regulamentar para adotar decisões
de alcance geral que interessem os Estados. Um tal poder é atentatório para as soberanias
nacionais; não devemos, portanto, surpreender-nos se fica a maior parte das vezes encerrado
em limites estreitos e se aplica apenas a problemas técnicos As instituições especializadas são
os seus principais beneficiários. Pode-se aproximar desta hipótese a competência de auto
emenda da sua Carta de que dispõem certas organizações. A maior parte das vezes, «a decisão»
da organização não será, todavia, senão uma mera etapa, necessária mas não suficiente, para
obter a revisão do tratado constitutivo; é portanto quando muito um ato-condição num
processo complexo de alteração de um tratado.
96
Sobre o conflito normas convencionais/decisões das organizações ver Extinção e Suspensão dos
Tratados, Extinção e Suspensão do Tratado pela vontade das partes, Vontade posterior das
partes, Vontade Tácita
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
costume novo, a decisão é oponível entre Estados membros da organização, mas inoponível nas
relações com os Estados terceiros. Por consequência, em termos de responsabilidade, o Estado
membro que aplica a decisão não pode ver a sua responsabilidade comprometida nas relações
com outro Estado membro; ao passo que a sua responsabilidade estaria comprometida pela
mesma atitude nas suas relações com um Estado não membro. A aplicação das sentenças dos
tribunais internacionais é facilitada pelo princípio da autoridade do caso julgado. Mas, face à má
vontade de um Estado, as técnicas institucionalizadas correm o risco de ter uma eficácia limitada.
Na ordem jurídica interna, os tribunais nacionais mostram-se embaraçados quando lhes é 269
solicitado que apliquem decisões das organizações internacionais. À sua jurisprudência falta
coerência. Com bastante frequência os tribunais internos evitarão pronunciar-se diretamente
sobre o valor jurídico destes atos: sem negar abertamente o seu alcance obrigatório, eles
encontrarão subterfúgios processuais para não terem de os toma em consideração. Os tribunais
nacionais mostram menos reserva quando as constituições locais incorporam os princípios das
convenções internacionais com base nas quais certas organizações apoiam a sua prática: assim
sucede com a jurisprudência dos tribunais alemães e austríacos em matéria de direitos do
homem, que faz referência Às «decisões» da Comissão e do Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem.
B – As Recomendações
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Carta das Nações Unidas, pressupõe uma violação jurídica às soberanias nacionais; convém não
estender o seu campo de aplicação aos inconvenientes políticos de uma tomada de posição da
organização. Não obrigatórias de um ponto de vista jurídico, as recomendações podem ser
politicamente muito coercivas. São inegáveis meios de pressão políticos. Com efeito, a oposição
de um Estado a uma recomendação sustentada por um grupo mais ou menos vasto de Estados,
obriga-o manter-se na defensiva, a explicar a sua posição sobretudo se o órgão internacional
procedeu a uma qualificação da situação - «ocupação», «ameaça para a paz», «agressão» - que
se impõe a órgãos subsidiários. Estas considerações são particularmente prementes quando as 270
recomendações são acompanhadas de meios de pressão psicológicos (solenidade da adoção,
formulação decalcada na dos tratados, etc.); ou se comportam um mecanismo de controlo
tendo por objeto permitir apreciar os progressos efetuados na aplicação dos princípios que
formulam ou salientar as insuficiências na sua aplicação. Nas Nações Unidas, tais processos são
frequentemente utilizados nos domínios dos direitos do homem, da descolonização, do
desenvolvimento e do desarmamento. Em última instância, acabam num mecanismo de
adaptação comparável às conferências de revisão dos tratados. Ao criar tais órgãos de controlo,
a Assembleia Geral pode parecer contornar a proteção oferecida às soberanias nacionais pelo
artigo 2.º, n.º2 Carta das Nações Unidas: os Estados membros não podem contestar a existência
e os poderes reconhecidos estes órgãos, exercendo a Assembleia uma competência
estabelecida pela Carta. O Tribunal Internacional de Justiça afastou a objeção baseada neste
alcance jurídico indireto das recomendações nos termos seguintes:
«As funções da Assembleia Geral para as quais pode criar órgãos subsidiários
compreendem, por exemplo, os inquéritos, a observação e o controlo, mas a maneira como estes
órgãos subsidiários são utilizados depende do consentimento do Estado ou dos Estados
interessados»97.
Por vezes, sustentou-se que uma recomendação era oponível a um Estado tendo,
pelo seu voto, contribuído para a sua adoção, invocando o princípio da boa fé. Não está excluído
que o princípio encontre aplicação; mas a boa fé não é violada só pelo facto de um Estado não
aplicar uma recomendação que votou. Falando de «recomendação», a Carta constitutiva da
organização implica que o seu conteúdo não é obrigatório. Muito legitimamente, os Estados
regulam a sua conduta em função desta consideração: frequentemente um Estado vota a favor
de uma recomendação porque tem consciência que o seu voto não o empenha: sustentar o
contrário conduziria a uma grave paralisia do funcionamento das organizações internacionais.
97
Parecer de 1962, Certas despesas, Rec., 1962, p. 165.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
pareceres das assembleias parlamentares não têm força vinculante para os órgãos destinatários.
Só sucede diversamente com base numa exceção expressa ou num compromisso de cooperação
entre organizações teoricamente independentes.
Valor normativo das recomendações: a falta de força obrigatória das recomendações não
significa que não tenham qualquer alcance. Se fosse esse o caso, seria difícil explicar a
obstinação dos debates que conduziram à sua adoção. O seu impacto político é muitas vezes
fundamental e mesmo o seu valor jurídico não é de desprezar. É difícil formular uma maneira 271
geral e abstrata o alcance das recomendações.
O quadro jurídico pode, com efeito, tornar-se muito complexo. Os outros Estados
membros permanecem livres de não dar seguimento a esta recomendação, e não estão
vinculados senão pelas normas anteriormente aceites. O eventual conflito das regras antigas e
novas não pode ser resolvido nem em virtude do princípio da hierarquia das fontes – vito que a
recomendação é, por hipótese, válida – nem com base no princípio «lex posterior», visto que a
norma mais recente não é obrigatória. Mesmo o princípio da boa fé é de uma utilidade muito
limitada: é inoponível aos Estados que votaram contra a recomendação; quando muito proibirá
a um Estado que votou a favor da recomendação que censure um outro Estado por aplica-la. A
consequência essencial da adoção de uma recomendação será portanto autorizar os Estados
que a respeitam a pôr de parte a aplicação de uma norma anterior contanto que não violem os
direitos adquiridos pelos outros Estados. Os Estados que a recusem poderão continuar a aplicar
a norma anterior. Esta situação é concebível, ainda que incómoda, quando se trata de princípios
que regem as relações interestatais; mas constitui um verdadeiro impasse quando está em causa
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
98
Assim, a Assembleia Geral poderia, apoiando-se na resolução 377 (V) denominada Acheson,
recomendar o recurso à força em condições não previstas na Carta. Como conciliar as obrigações
preexistentes, definidas pela Carta, e as normas recomendadas? «Na verdade, as recomendações não
possuem qualquer força obrigatória, mas neste caso somos colocados perante a hipótese em que um
Estado põe voluntariamente em aplicação a resolução. Poderá dizer-se que esta aplicação espontânea é
irregular por entrar em conflito com obrigações anteriores? Isso seria desencorajar as boas vontades e
comprometer a realização dos objetivos da Carta. Se as resoluções não possuem força obrigatória, são,
no entanto, adotadas com o fim de serem executadas».
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
- as que foram aceites antecipadamente pelos Estados têm, com efeito, força
obrigatória para estes Estados;
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Noção: na vida internacional, os Estados negoceiam frequentemente instrumentos que não são
tratados mas não são por isso menos destinados a reger as suas relações mútuas e, em todo o
caso, a orientar a sua conduta. Resultantes, como os tratados, de uma concertação entre
sujeitos de Direito Internacional, estes atos não estão submetidos ao Direito dos tratados e, em
274
especial, à regra fundamental que o sustém, o princípio pacta sunt servanda. Nem por isso
deixam de desempenhar um papel político extremamente importante, o que não é contestado
por ninguém, e, a despeito de controvérsias doutrinais particularmente vivas sobre este ponto
desde os anos 70, têm efeitos jurídicos. Se durante muito tempo a doutrina latina não prestou
qualquer atenção ao fenómeno, o mesmo não acontece na literatura anglossaxónica. Os autores
ingleses e americanos recorrem há muito tempo à noção de gentlemen’s agreements. Um
gentlemen’s agreement foi definido como «um acordo entre dirigentes políticos que não vincula
os Estados que representam no plano do Direito, mas cujo respeito se impõe aos seus signatários
como uma questão de honra ou de boa fé». Indiscutivelmente, estes instrumentos apresentam
um certo parentesco com os atos concertados não convencionais. Todavia, se nos ativermos à
definição proposta, não poderiam ser assimilados queles: por um lado, esta definição considera
resolvida a questão fundamental que estes instrumentos controversos põem, cominando-lhes a
excomunhão jurídica; por outro – e é um aspeto desta tomada de posição geral –, tratando-se
de compromissos de homem para homem, não vinculam sujeitos de Direito Internacional e, por
este facto, permanecem, por definição, fora da esfera do Direito Internacional. Pode-se, de resto,
experimentar algumas dificuldades para admitir o bom fundamento desta definição: ela assenta
no postulado de uma espécie de desdobramento funcional em proveito dos autores do
gentlemen’s agreement que, se bem que investidos de responsabilidade estatais, poderiam agir
a título pessoal nas relações internacionais. Na realidade, os instrumentos que a doutrina
anglossaxónica designa por gentlemen’s agreements ou non-binding agreements não são mais
do que atos concertados não convencionais, que podemos definir como instrumentos
resultantes de uma negociação entre pessoas habilitadas a comprometer o Estado e chamadas
a enquadrar as suas relações, sem por isso terem um efeito obrigatório.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Fronteiras mal definidas: apesar desta unidade e de uma definição que não suscita incertezas
especiais, nem sempre é fácil distinguir os atos concertados não convencionais das outras
categorias de instrumentos jurídicos internacionais. Nenhum problema se põe, a priori, na
distinção dos atos concertados não convencionais e dos atos unilaterais dos Estados: uns são o
resultado de uma negociação e não tê efeito obrigatório, os outros emanam de um só sujeito
de Direito que eles assumem. Pela sua natureza, trata-se portanto de instrumentos claramente
distintos. Contudo, pode notar-se que, da mesma maneira que certos tratados se assemelham
a «atos unilaterais coletivos» face a terceiros, certos atos concertados não convencionais
pretendem produzir efeitos a respeito de terceiros. Põe-se o problema do efeito dos atos
concertados não convencionais a respeito de terceiros; podemos resolvê-lo por analogia com as
regras relativas ao efeito dos tratados para os Estados terceiros. Mas é sobretudo em relação as
resoluções das organizações internacionais por um lado, aos tratados por outro, que se põe o
problema da especificidade dos atos concertados não convencionais.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
do que incidência concreta, ao passo que o alcance jurídico dos atos concertados não
convencionais está muito próximo do das recomendações das organizações internacionais.
2º. Atos concertados não convencionais e tratados: não acontece o mesmo o que
respeita aos tratados. Em presença de um determinado texto, é, com efeito, extremamente
importante determinar se este é um tratado ou um ato concertado não convencional, sendo as
consequências jurídicas muito diferentes conforme a hipótese adotada, visto que, por definição,
o tratado é obrigatório, enquanto o ato concertado não convencional não o é. Ora esta distinção 276
é muitas vezes difícil. Não poderíamos encontrar o critério para isso na denominação do ato –
não se segue qualquer prática constante a este respeito –, nem tão pouco na sua forma: o Direito
dos Tratados é extremamente pouco formalista. Como recordou o Tribunal Internacional de
Justiça, não existem «regras de Direito Internacional proibindo que um comunicado conjunto
constitua um acordo internacional». No mesmo caso, o Tribunal esclareceu que a questão de
saber se tal instrumento constitui ou não um Tratado «depende essencialmente da natureza do
ato ou da transação a que le se refere» e que é preciso «levar em conta antes de mais os termos
empregados e as circunstâncias em que o consentimento foi elaborado». Esta diretiva, que se
assemelha à que se aplica, nas resoluções das organizações internacionais, para fazer uma
distinção entre as recomendações e as decisões não resolve, contudo, todos os problemas. Em
certos casos, não é permitida a dúvida: verifica-se isso quando o próprio instrumento em causa
específica, que exprime a «vontade política» dos seus autores e não é «um tratado ou acordo
internacional». Mas, regra geral, as fórmulas utilizadas são muito mais fluídas e o intérprete
deve demonstrar mais espírito subtil do que espírito geométrico.
Ausência de força obrigatória nos atos concertados não convencionais : os tratados são
obrigatórios, os atos concertados não convencionais não o são. Isto é um elemento da própria
definição de uns e de outros. Este princípio simples, não deve ser interpretado de maneira
simplista: o tratado é obrigatório enquanto fonte; mas pode conter normas incertas, cuja
aplicação depende em grande parte da apreciação dos seus destinatários, enquanto atos
concertados não convencionais podem conter «normas» muito rigorosas; tal é o caso, por
exemplo, dos gentlemen’s agreements relativos à repartição geográfica dos postos nas
organizações internacionais ou das Diretivas relativas às transferências de artigos nucleares. O
conjunto destas normas incertas em virtude do seu conteúdo, que da sua inclusão numa fonte
não suscetível de criar obrigações jurídicas (atos concertados não convencionais e
recomendações das organizações internacionais), constitui o que se designa por soft law,
expressão cuja tradução é difícil (Direito «brando»?, «fluído»?, «flexível»?, «imaturo»?). A
ausência de força obrigatória dos atos concertados não convencionais tem importantes
consequências jurídicas o seu desrespeito não compromete a responsabilidade internacional
dos seus autores e não pode ser objeto de um recurso jurisdicional. Não se tratando de Direito
dos Tratados, tanto internacional como internos: não têm vocação para serem inscritos junto
do Secretariado das Nações Unidas. Apesar destas características, ou talvez por causa delas, os
atos concertados não convencionais são muito largamente utilizados nas relações internacionais
e parecem mesmo exercer uma atração crescente sobre os Estados. Esta atração explica-se pela
flexibilidade destes instrumentos, bem adaptados às condições variáveis da vida internacional –
muito especialmente em matéria económica – e, em certos casos pelo menos, pela preocupação
dos responsáveis da política externa de escapar aos constrangimentos constitucionais em
matéria de tratados. A multiplicação das cimeiras no decurso dos últimos vinte anos explica
também esta proliferação. Além disso, a experiência mostra que estes instrumentos não são, de
facto, nem menos respeitados, nem menos coercivos do que os Tratados em boa e devida forma:
muitas vezes adotados após longas negociações e de maneira solene, exercem uma pressão
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
muito grande sobre os seus destinatários (que são em geral os seus autores); basta pensar, a
este respeito, no papel que desempenharam e continuam a despenhar, por exemplo, o Ato final
do Congresso de Viena e a Declaração sobre a neutralidade perpétua da Suíça (1815). Esta
pressão é ainda acrescida quando o ato concertado prevê processos especais de publicidade ou
de exame periódico. Tal era o caso do protocolo de encerramento da Conferência de Ialta que
tinha previsto encontros periódicos dos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos três Estados
signatários (Estados Unidos, Reino Unido e U.R.S.S.).
277
Regime jurídico dos atos concertados não convencionais: do caráter não obrigatório dos
atos concertados não convencionais, uma parte da doutrina deduz o seu caráter não jurídico:
tratar-se-ia de compromissos puramente morais e políticos, sem alcance jurídico, e que,
portanto, não seriam redigidos pelo Direito Internacional. Esta tese assenta numa assimilação
abusiva entre o «jurídico» e o «obrigatório», e não pode ser aceite. A questão é atualmente
objeto de debates doutrinais e é significativo a este respeito que, chamado a examinar a questão
dos «textos internacionais com um alcance jurídico nas relações atuais entre os seus autores e
textos que dele são desprovidos», o Instituto de Direito Internacional tenha tido de renunciar a
adotar uma resolução de fundo. Para numerosos autores, «a verdadeira questão e saber se as
disposições de um texto internacional são suscetíveis ou não de serem legitimamente invocadas
perante um tribunal internacional e tomadas em consideração por este último» (M. Virally). Isto
traduz um conceito extremamente restritivo da própria noção de Direito (todos os sistemas
jurídicos conhecem a existência de normas que não são da competência dos tribunais – as
obrigações naturais do Ius Romanum) e, singularmente, o Direito Internacional, no qual «a
existência de obrigações cuja execução não pode ser, em última instância, objeto de um
processo judiciário, sempre constitui mais a regra do que a exceção». Não poderíamos encontrar
a confirmação destas análises no artigo 2.º, n.º1, alínea a) da Convenção de Viena que define o
tratado como «um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito
Internacional…»: esta disposição vale apenas para os fins de aplicação da própria Convenção e,
como estabelecem os trabalhos preparatórios, o sentido da fórmula «é acentuar positivamente
a submissão dos tratados a este direito e não excluir qualquer instrumento do campo do Direito
das gentes». Na realidade, como as recomendações das organizações internacionais, os atos
concertados não convencionais, sem serem obrigatórios, estão submetidos ao Direito
Internacional e têm um alcance jurídico que não é de pouca monta.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Em certos casos, o respeito das normas contidas num ato concertado não
convencional pode impor-se aos Estados; mas não é o próprio ato que é obrigatório; têm este 278
caráter porque este se limita a reassumir regras costumeiras preexistentes. Além disso, como as
resoluções ou convenções que não entraram em vigor, o conteúdo de um ato concertado não
convencional pode ter força obrigatória para os Estados que o tenham aceite seja por um ato
unilateral, seja por um tratado.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
«sem prejuízo do disposto no artigo 59.º, as decisões judiciais e a doutrina dos publicistas
mais altamente qualificados das várias nações, como meio auxiliar para a determinação das 279
regras de direito».
A redação desta parte do artigo 38.º não é muito satisfatória, pois os termos «aplica» e
«auxiliar» poderiam levar a crer que o Estatuto visa uma fonte de Direito Internacional. A
doutrina é unânime em admitir que nem a jurisprudência, nem a doutrina podem criar regras
de Direito. Elas podem apenas provar a sua existência. O Tribunal «aplica» regras de Direito,
sevindo-se da jurisprudência e da doutrina para as descobrir: são meios de determinação das
regras consuetudinárias e convencionais ou dos princípios gerais de Direito. Que significa nesse
caso a alusão ao papel subsidiário da jurisprudência e da doutrina? Parece que o artigo 38.º
subentende que existem outros meios suscetíveis de servir – até de servir melhor – o mesmo
fim. Pode pensar-se hoje em dia, por exemplo, nas recomendações de organizações
internacionais às quais ainda é impossível reconhecer valor obrigatório. Se bem que mais
importante em Direito Internacional do que em Direito interno, o papel da doutrina e da
jurisprudência admite que os Estados e as organizações internacionais queiram manter um
domínio completo das regras que se lhes impõem.
1.º - A Doutrina
Definição: o termo «doutrina» tem duas aceções ligadas entre si, das quais somente a segunda
é aqui tomada em consideração. Designa-se por vezes a posição dos atores internacionais sobre
problemas políticos. É neste primeiro sentido que se fala das doutrinas Monroe, Hallstein,
Brejnev. Pouco importa que estas doutrinas tenham implicações ou um objeto jurídico
(reconhecimento, soberania): a sua razão de ser é política e não pretendem exprimir o Direito
Internacional as, quando muito, uma «política jurídica externa». Por doutrina, entende-se
também – e é o que visa o artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça – as
posições dos autores, das sociedades eruditas ou dos órgãos chamados a formular opiniões
jurídicas sem comprometer os sujeitos de Direito (Estado, organização internacional) dos quais
derivam. Na prática, o peso das opiniões individuais varia de maneira sensível conforme elas se
exprimem num quadro pedagógico, de livre discussão académica, ou se inserem num processo
internacional (diplomático, normativo ou contencioso). Todavia, se a distinção é incontestável,
os seus limites são por vezes difíceis de precisar.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º - A Jurisprudência
Papel da jurisprudência:
1.º A referência, no artigo 38.º do Estatuto, à função da jurisprudência como meio de
determinação do Direito, corresponde a uma realidade. A autoridade assim reconhecida à
jurisprudência internacional explica-se pelas garantias oferecidas pelo processo jurisdicional e a
própria composição dos tribunais internacionais. Esta autoridade pode no entanto ser atenuada
quando é dada uma certa publicidade aos desacordos entre juízes ou árbitros; a este respeito,
ma opinião individual pode ser tão lamentável como uma opinião dissidente. A opinião
individual é a de um juiz que aceita o dispositivo de um acórdão mas não a sua exposição dos
motivos; este tipo de opinião permite-lhe, ao mesmo tempo, justificar o seu desacordo e dar a
conhecer os motivos sobre os quais pretende basear a sua aceitação do dispositivo. A opinião
dissidente é a de um juiz minoritário que indica não apenas a sua oposição ao dispositivo do
acórdão, mas também os motivos nos quais baseia a sua oposição. Em conformidade com a
prática seguida pelos tribunais anglossaxónicos, são admitidas a formulação das opiniões
individuais e dissidentes dos juízes do Tribunal Internacional de Justiça: as primeiras pelo artigo
57.º do Estatuto, as segundas pelo seu Regulamento.
2.º Poder-se-á sustentar, como G. Scelle, que a jurisprudência é uma verdadeira fonte
de Direito? G. Scelle parte da ideia de que a noção de ato jurisdicional é una, porque é a mesma
em todos os sistemas de Direito. Ora na quase totalidade das ordens jurídicas nacionais, admite-
se que o ato jurisdicional é normativo; deve verificar-se o mesmo em Direito Internacional. Em
direito estrito, esta opinião só é aceitável para a criação de normas individuais: um acórdão
apenas tem alcance normativo direto para as partes (autoridade relativa do caso julgado, artigo
59.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça). Em contrapartida, não pode extrapolar-
se a solução anglossaxónica da autoridade normativa geral da jurisprudência: esta baseia-se no
princípio stare decisis (autoridade do precedente jurisdicional), que não foi transposto para o
Direito Internacional. Na prática, é verdade que nos aproximamos das condições de
continuidade jurisprudencial característica da tradição anglossaxónica. O Tribunal Internacional
de Justiça não hesita em invocar, na motivação dos seus acórdãos e pareceres, a sua
«jurisprudência constante. Teve mesmo ocasião de admitir que, apesar do princípio do efeito
relativo do aso julgado, uma demonstração e uma conclusão jurídicas da sua parte poderiam ser
diretamente aplicadas nas relações entre Estados terceiros:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
«É evidente que qualquer decisão sobre a situação do Ato de 1928, pela qual o Tribunal
declararia que este é ou já não é uma convenção em vigor, poderia influenciar as relações entre
outro Estados que não a Grécia e a Turquia»99.
Com efeito, é claro, que, se uma opinião do Tribunal se baseia em fatores objetivos, não
podem admitir-se pela sua parte conclusões contraditórias. As exigências de coerência, de
continuidade, de segurança jurídica, são mais imperativas para a jurisprudência do que para a
doutrina. É na medida em que estas exigências são respeitadas que a jurisprudência é previsível 282
e tem portanto uma certa autoridade junto dos Estados. Além disso, como vimoso acima, é
necessário reconhecer às jurisdições internacionais um papel na criação de normas gerais de
interpretação dos tratados, na aplicação da equidade, assim como na elaboração das regras
consuetudinárias. Todos estes argumentos não bastam para fazer da jurisprudência uma fonte
de Direito Internacional. Somente os acórdãos têm esta qualidade e ainda com uma
oponibilidade restrita aos Estados partes no contencioso.
99
T.I.J., 1978, Plataforma Continetal do Mar Egeu, Rec., 1978, p. 17.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
As Relações Internacionais100
O precedente da Sociedade das Nações: as soluções que serão conservadas pelos autores
da Carta das Nações Unidas, para a resolução pacífica dos conflitos não poderiam ignorar as
lições da experiência da Sociedade das Nações. É ainda hoje necessário estudar o mecanismos
de entre-as-duas-guerras para compreender como se tentou corrigir as lacunas e as
insuficiências. Com efeito, se a Sociedade das Nações viu malograda a sua ambição principal,
evitar conflitos armados, a responsabilidade deste insucesso não pertence – no essencial – às
técnicas de resolução pacífica instituídas pelo Pacto. A maior parte delas estavam alicerçadas
em dados fundamentais que são sempre observados: coexistência de Estados soberanos e
justaposição de Estados de desigual poder.
2.º A Prática – não obstante os grandes insucessos, alguns dos quais produzidos em
situações que, politica e juridicamente, não se prestavam a uma resolução pacífica, o balanço
da Sociedade das Nações não é inteiramente negativo.
100
Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação Calouste
Gulbenkian, 4.ª Edição 1992.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º Do ponto de vista material, a mesma questão colocou-se e 1945 como em 1919:
todos os conflitos são suscetíveis de ser levados a órgãos internacionais tendo em vista a sua
resolução pacífica? No seu conjunto a Carta confirma as soluções do Pacto.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
contrário em facilitar o acesso dos Estados não membros aos órgãos de regulamentação da
Organização já que é evidente que a paz é indivisível.
Exercício de competências:
1.º As funções dos órgãos competentes da O.N.U. são idênticas às dos órgãos da
S.d.N.. Uns como outros exercem a sua missão pela via do inquérito, da mediação e da
conciliação.
285
2.º Os poderes dos órgãos são idênticos no Pacto e na Carta desde que se trate da
resolução pacífica de conflitos. Os órgãos não podem adotar senão recomendações, atos
jurídicos sem efeito obrigatório para as partes de um conflito. Pelo contrário, se o conflito é
suficientemente grave para ser considerado uma ameaça para a paz ou por constituir uma
rutura da paz, a missão de certos órgãos amplia-se. A este respeito, as soluções do Pacto e da
Carta diferem: o Conselho da S.d.N. não podia agir senão pela via de recomendações para
estabelecer ou manter a paz; o Conselho de Segurança poderá adotar decisões, atos obrigatórios.
3.º Uma última diferença entre os dois sistemas é de assinalar aqui, que se reporta
ao processo de decisão. O Pacto consagrava o princípio do voto por unanimidade. Porque lhe
atribuiu uma parte da responsabilidade do insucesso da S.d.N. os autores da Carta procuraram
um mecanismo mais complexo e mais flexível. A regra da maioria impôs-se no seio da
Assembleia Geral (maioria de dois terços, na matéria); no Conselho de Segurança, uma maioria
igualmente reforçada (9 votos sobre 15) deve ser conjugada com a unanimidade dos membros
permanentes.
I – Conselho de Segurança
Prerrogativas do Conselho de Segurança: elas são justificadas pelo artigo 24.º, n.º1 da Carta.
Se bem que o seu texto vise a manutenção da paz e não a resolução de conflitos, poderemos
considerar tendo em vista a prática, que estas duas missões são demasiado interdependentes
para não autorizarem uma interpretação lata do campo de aplicação do artigo 24.º. Outras
disposições da Carta objetivam os meios e modalidades desta preeminência, garantida
particularmente pela ausência de subordinação hierárquica do Conselho à Assembleia Geral e
pela aplicação na matéria de limitações de competência da Assembleia em virtude dos artigos
11.º e 12.º (artigo 35.º, n.º3). Na medida em que estas disposições digam respeito à manutenção
da paz, elas podem igualmente ser aplicadas em matéria de resolução pacífica; pois o Conselho
de Segurança não dissocia os seus poderes a título de uma ou de outras competências – ao
ponto de evitar fazer referência nas suas resoluções aos diferentes capítulos que respeitam a
estas duas competências teoricamente distintas, o capítulo VI para a resolução pacífica e o
capítulo VII para a manutenção da paz.
Interpelação do Conselho:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
a) Todo o Estado membro, parte ou não parte num conflito, implicado ou não
numa «situação», pode «solicitar a atenção» do Conselho sobre qualquer
conflito ou qualquer situação (Artigo 35.º, n.º1). Tendo o seu fundamento a
Carta, a competência do Conselho impõe-se a todos os Estados membros,
incluídas as partes no conflito: uma iniciativa unilateral por uma parte é 286
sempre possível. A ausência de acordo preliminar das partes dá a ação do
Conselho o caráter de um intervenção oficiosa. Não sendo a iniciativa uma
obrigação para as partes, o direito de terceiros Estados a tomá-la –
verdadeira actio populis – encontra todo a sua justificação. A Carta
regulamenta duas outras formas de iniciativa emanando das partes. A
primeira afasta-se da ideia de iniciativa facultativa, que constitui o direito
comum. Se as partes não conseguiram resolver o seu conflito por recurso
aos meios enunciados no artigo 33.º, elas estão na obrigação de submeter
este conflito ao Conselho (artigo 37.º). A segunda consiste na iniciativa do
Conselho «se todas as partes num conflito assim o solicitarem» (artigo 38.º,
que não se aplica às «situações»).
b) Um Estado não membro da O.N.U. pode igualmente pedir a intervenção do
Conselho de Segurança mas em condições mais estritas: deve tratar-se de
um conflito, o Estado em causa deve ser parte neste conflito e ele deve
aceitar preliminarmente as obrigações de resolução pacífica previstas na
Carta (artigo 35.º, n.º2). Ao contrário do que previa o artigo 17.º, n.º1 do
Pacto, o Estado não membro beneficia por direito no acompanhamento do
processo, de uma situação idêntica à de um Estado membro.
c) O direito de iniciativa reconhecido a alguns órgãos da O.N.U. permite suprir
a eventual omissão dos Estados. Em virtude do artigo 11.º, n.º3, a
Assembleia Geral poderá assim solicitar a atenção do Conselho de
Segurança para uma «situação». A inovação mai interessante reside no
artigo 99.º eu autoriza o Secretário-Geral a encarregar o Conselho de um
«processo» que engloba por sua vez a ideia de conflito e de situação.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
a redação do artigo 25.º da Carta não impedia reconhecer valor decisório às resoluções do
Conselho de Segurança que não se inscreviam no quadro do capítulo VII da Carta.
1.º Exercício direto dos seus poderes de resolução de conflitos: quando examina um
processo, o Conselho tem primeiro que tudo o direito de abrir ou de fazer proceder sob sua
autoridade a um inquérito. Mesmo sem habilitação especial, o Conselho pode sempre decidir
conhecer a materialidade dos factos. O Conselho pode, ainda, ir mais longe com base no artigo
34.º, e proceder a um inquérito especial: procura também determinar se o prolongamento de 287
um conflito ou de uma situação «parece ameaçar a manutenção da paz e da segurança
internacionais». O objeto do inquérito é mais ambicioso visto que se dirige a conclusões de
fundo relativas à qualificação jurídica dos factos; estas conclusões podem constituir a primeira
etapa para uma tomada de posição sobre a manutenção da paz. Logo que é interpelado em
virtude dos artigos 37.º e 38.º, o Conselho pode recomendar os termos de uma resolução. Assim
fazendo, ele exerce a função de mediador e de conciliador. Já se tem defendido que o Conselho
podia desempenhar o papel de árbitro. Não se pode admitir esta análise senão quando o
Conselho adotasse uma decisão obrigatória para as partes no conflito. Uma tal eventualidade
não é talvez interdita pela letra do Capítulo VI, porém ela nunca se verificou. Regra geral, o
Conselho não age por si próprio porque a sua estrutura não se presta para tal, mas por
intermédio de uma comissão intergovernamental ou de personalidades das quais ele avaliza os
resultados.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Se bem que a sua competência para criar estes órgãos seja fixada por
uma disposição (artigo 29.º da Carta) que pertence a uma secção do Capítulo V intitulado
“Processo”, admitimos que se trate em geral de uma questão de fundo, submetida por esta
razão ao vetos dos membros permanentes do Conselho.
II – Assembleia Geral
288
1.º Competências da Assembleia segundo a Carta: o artigo 10.º da Carta atribui-lhe uma
competência a todos os títulos geral. Os artigos 11.º, 12.º e 14.º definem várias hipóteses que
interessam à resolução de conflitos. A Assembleia pode discuti e fazer recomendações sobre
todas as “questões” que interessem à manutenção da paz (artigo 11.º, n.º2); a sua competência
é confirmada pelo artigo 35.º. A sua interpelação é relativamente fácil visto que pode ser um
ato de um Estado membro, de um Estado não membro ou do Conselho de Segurança. Ela pode
solicitar a atenção do Conselho de Segurança sobre as situações perigosas para a paz (artigo 11.º,
n.º3). Ela pode enfim – e sobretudo – recomendar as «medidas próprias para assegurar o
ajustamento pacífico de toda a situação» (artigo 14.º). A fim de remediar os inconvenientes de
um paralelismo obsoleto de competências da Assembleia e do Conselho perante conflitos mais
graves, e como garantia da preponderância deste último, a Carta impõe duas limitações à
Assembleia. Segundo o artigo 12.º, a Assembleia Geral não tem o direito de fazer
recomendações sobre os «assuntos» - conflitos ou situações, incluídos os discutidos a propósito
do artigo 14.º - que examinará o Conselho de Segurança. Quando muito ela está no direito de
«discutir»; esta «reserva à reserva» pode parecer irrisória: qual é a utilidade de um debate que
não pode ser senão transmitida: com efeito, a Assembleia está capacitada para fazer
recomendações quando o Conselho lho solicite expressamente para tomar posição, ou quando
eliminou o assunto da sua ordem do dia. Em segundo lugar, cada vez que o exame de um caso
provoca uma ação coerciva regida pelo Capítulo VII da Carta, a Assembleia Geral deve reenvia-
lo ao Conselho, seja antes ou seja depois da discussão (artigo 11.º, n.º2 in fine). O monopólio do
Conselho em matéria coerciva implica, em princípio, a incompetência da Assembleia para
recomendar uma tal «ação».
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
esperar pela famosa resolução 277 (V) de novembro de 1950, «União para a Manutenção da
Paz» mas denominada frequentemente como «resolução Dean Acheson» pelo nome do seu
promotor, o Secretário de Estado americano da época, para que a ultrapassagem da letra e do
espirito da Carta fosse realizada. Se bem que a sua «constitucionalidade» permaneça muito
contestada, existe uma prática suficiente para que possamos ver nela o fundamento de algumas
iniciativas da Assembleia em matéria de resolução de conflito. Certamente, em princípio para
que a resolução seja posta em prática é necessário pelo menos uma ameaça contra a paz. Mas
a Assembleia permite-se fazer dela uso sem necessidade de qualificar a situação que denuncia; 289
evitando designar os Estados implicados, ela contenta-se a recomendar medidas políticas
totalmente compatíveis com a ideia da solução pacífica de conflitos. Por outro lado, a
Assembleia nunca até aqui recomendou o emprego de medidas coletivas semelhante às
enumeradas no artigo 41.º da Carta em matéria de manutenção da paz. A concorrência com o
Conselho permanece no quadro dos meios de resolução pacífica.
1.º No quadro da resolução de Acheson, mas também sobre outras bases, a Assembleia
associa-se voluntariamente ao Conselho tendo em vista a resolução de certos casos, quando ela
não tende a associá-lo às suas próprias iniciativas.
2.º Assim que ela recomenda aos Estados o recurso aos meios pacíficos, para além das
exortações diretas, a Assembleia reforça a sua pressão utilizando os órgãos existentes ou
criando novos órgãos subsidiários, sobretudo para fins de inquérito.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º O Secretário-Geral exerce por vezes as funções diplomáticas não por seu próprio
arbítrio, mas com base num mandato que lhe é confiado pela Assembleia ou pelo Conselho de
Segurança, hipótese prevista no artigo 98.º da Carta.
3.º Mesmo sem habilitação ou texto, o Secretário-Geral está numa posição estratégica
290
na Organização das Nações Unidas que o autoriza a desempenhar muitas vezes de maneira
discreta senão mesmo confidencial, um papel importante para resolver certos conflitos. Em
princípio, ele pode acionar todas as formas de resolução pacífica: negociações, bons ofícios,
mediação, conciliação.
I – Uma População
101
Parecer n.º1, 29 novembro 1991, R.G.D.I.P.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
Relações entre Estados e população: um Estado é, antes de mais, uma coletividade humana.
Não pode existir sem população. O que é a população de um Estado? Existem critérios sobre a
sua composição?
1.º Em sentido lato, compreende todos os habitantes que vivem e trabalham no seu
território. É um dado geográfico e demográfico, ao mesmo tempo demasiado lato e demasiado
estreito sob um ponto de vista jurídico. Demasiado lato porque inclui os estrangeiros
domiciliados no Estado ou que aí possuem a sua principal residência, e não renunciaram à sua 291
nacionalidade de origem; esta escolha não justifica de facto a sua inclusão num dos elementos
constitutivos do Estado. Mas é também uma conceção demasiado restritiva na medida em que
descura os nacionais instalados no estrangeiro que escolheram continuar a participar na vida
política do seu Estado de origem.
3.º Por população do Estado, designa-se por vezes também a coletividade dos seus
naturais. Ora este termo, utilizado em contextos muito variados pelos tratados, não é
interpretado de maneira uniforme. Os termos “natural” e “nacional” ora são considerados
sinónimos. Ora o termo “natural” tem um sentido mais lato do que a noção de “nacional” e visa
pessoas assimiladas aos nacionais.
População, nação e povo: somente o primeiro termo é pertinente, no que respeita aos
elementos constitutivos do Estado. Assim, nenhuma regra de Direito Internacional impõe que a
cada Estado corresponda uma “nação” e uma só. O Direito Internacional não proíbe de modo
nenhum que um Estado englobe várias “nações”, cujos membros terão todos a mesma
nacionalidade. Todavia, a noção de população não basta para englobar todas as realidades
tomadas em conta pelo direito e pela política internacional. Muitas vezes pareceu oportuno
privilegiar, além da simples realidade estatística e jurídica que é a população, um facto
sociológico e político simbolizado pela nação ou pelo povo, expressões de uma certa
homogeneidade da população. O que é uma nação? O desacordo é total sobre os seus critérios..
Segundo a conceção subjetiva, para que haja nação, é necessário e suficiente que os indivíduos
que a compõem possuam vontade de viver juntos. Para os partidários da conceção objetiva, a
existência de nação assenta em fatores reais: comunidade histórica, homogeneidade racial,
linguística, cultural, etc.; alguns chegarão mesmo a pretender que é legítimo integrar um Estado,
se necessário contra a sua vontade, todos os indivíduos que fazem parte, em virtude destes
“critérios”, de uma mesma nação. A acuidade do desacordo está ao nível das implicações
políticas que se quis dar ao conceito de nação. No século XIX nasceu o princípio das
nacionalidades, segundo o qual todos os indivíduos que pertencem a uma mesma nação têm o
direito – mas não a obrigação – de viver no interior de um Estado, que lhes seja próprio. O Estado
coincide então com uma nação e é um “Estado nacional”. Não sendo admitido enquanto
princípio geral pelo Direito Internacional, o princípio das nacionalidades dominou vários regimes
convencionais dos séculos XIX e XX (tratados de paz, reconhecimento coletivo de novos Estados,
proteção de minorias). O seu avatar contemporâneo é o princípio do direito de
autodeterminação dos povos, consagrado pelo Direito positivo no seu alcance anti-colonial. Mas
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
não se trata senão de uma consagração parcial do princípio das nacionalidades: o Direito
Internacional atual não comporta ainda o reconhecimento da legitimidade da secessão. Em que
medida esta noção de autodeterminação joga em benefício da população concreta, isto é, da
nação ou do povo? O princípio do direito de autodeterminação dos povos está no ponto de
encontro de duas noções fundamentais: o princípio das nacionalidades e a ideia democrática.
Derivado do primeiro, implica que as cessões e as ligações territoriais não podem realizar-se sem
a vontade livremente expressa das respetivas populações; ligado à segunda, implica o direito de
a população de cada Estado escolher livremente o seu regime político e a sua organização 292
constitucional. Para os povos já constituídos em Estados, o princípio confunde-se com o da
autonomia constitucional e política do Estado: isto é, a possibilidade de escolher o seu regime
político e o direito de designar os seus governantes sem ingerência estrangeira. Os únicos limites
impostos incidem no respeito de certos direitos do homem (proibição do racismo e do apartheid)
e, progressivamente, da ideia de democracia.
II – Um Território
Relações entre o Estado e o Território: do mesmo modo que pode dizer-se «não há Estado
sem população», deve dizer-se «não há Estado sem território». O princípio está firmemente
estabelecido pelo costume internacional. O Estado desaparece com a perda total do seu
território. O Direito Internacional interessa-se apenas pelas relações entre certos dados
geográficos e a soberania pelas quais se define o território estatal. A importância concedida ao
território como elemento constitutivo do Estado permite reconhecer uma forte
interdependência entre o território Estatal e os outros elementos constitutivos, população e
governo. Não é necessário que o território tenha uma dimensão importante para que possa
estabelecer-se um Estado. Conhecem-se “micro-Estados” desde sempre e a sua existência não
é contestada.
1.º Território e População: entre os dois conceitos, a relação é direta e necessária; não
há território estatal sem população. A população estatal moderna e uma população sedentária,
estabilizada no interior das fronteiras do território do Estado. A ideia de um Estado nómada é
“aberrante” e todos os governos confrontados com os problemas do nomadismo
transfronteiriço praticam políticas, por vezes, brutais, de sedentarização dos grupos nómadas.
No mesmo sentido, a presença de um indivíduo num território estatal constitui, senão uma
prova da nacionalidade, pelo menos um vínculo ao Estado que representa um indício +útil em
caso de contestação da nacionalidade real.
2.º Território e Governo: o vínculo entre estas duas noções também é necessário, pois
não pode imaginar-se um Estado sem poder estável. As condições modernas de exercício do
poder político e administrativo exigem o domínio de um território, por muito reduzido que seja.
A posse de um território impõe-se portanto como condição prévia para a existência de um
“governo”. Inversamente, o território é o espaço no qual o Estado exerce o conjunto dos poderes
reconhecidos às entidades soberanas pelo Direito Internacional. Este laço muito forte
estabelecido entre a plenitude das funções governamentais e o território estatal obriga a
qualificar diversamente os espaços em que as autoridades do território estatal obriga a qualificar
diversamente os espaços em que as autoridades do Estado não exercem competências plenas e
exclusivas: fala-se então de zonas ou de espaços “sob jurisdição” doo Estado. É necessário mas
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
suficiente que o Governo disponha de um mínimo de base territorial para que exista Estado. Isso
pressupõe antes de mais que a integridade territorial é um princípio fundamental do Direito
Internacional contemporâneo – dado que só se admitiram as modificações territoriais por meios
pacíficos. (O princípio da integridade territorial, enunciado no artigo 2.º, n.º 4, da Carta nas
Nações Unidas é evocado em inúmeros documentos internacionais). Podemos daqui deduzir
consequentemente que a qualidade de estado não se perde pelo simples facto da diminuição
do território. Não só as modificações de fronteiras permanecem possíveis mas a identidade do
antigo Estado não é atingida pelas flutuações da sua consistência geográfica. 293
Natureza jurídica do território: as opiniões dividem-se quanto à melhor fórmula jurídica que
permita consagrar a associação estreita do Estado e do território. Foram quatro as teorias
principais propostas pela doutrina, mas somente as duas últimas são suscetíveis de serem
consideradas hoje em dia:
1.º No interesse do Estado, as duas primeiras teorias esforçam-se por criar a união mais
estreita possível entre o Estado e o seu território:
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
2.º Será necessário que o território estatal seja contínuo? Embora o seja regra geral –
sob reserva das possessões insulares –, o Direito Internacional não o exige. As circunstâncias
históricas favoreceram por vezes a manutenção de enclaves em territórios estrangeiros ou a
criação de Estados sem unidade geográfica. O território de um Estado terceiro pode constituir
uma solução de continuidade entre os elementos do território terrestre ou marítimo de um
Estado.
3.º A delimitação do território estatal é certamente útil para revenir conflitos entre
Estados limítrofes. Não é juridicamente necessária e muitas vezes realiza-se tardiamente. A falta
de delimitação ou o seu caráter impreciso não constitui uma objeção ao reconhecimento da
existência do Estado.
III – Um Governo
2.º Existe uma segunda relação entre o governo e o Estado, que incide não
propriamente na existência do Estado mas nas suas competências. Se o Estado dispõe de um
governo, é para responder à sua missão fundamental de satisfazer as necessidades da população
submetida à sua autoridade. A ideia de governo está diretamente relacionada com a conceção
funcional do Estado. Ela confere, assim, um título particular de competências estatais, as
relativas às organizações e à defesa dos serviços públicos do estado sem as quais ficaria privado
dos instrumentos indispensáveis ao exercício dos seus deveres.
葡京的法的大学 | 大象城堡
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais
guerra civil. Nas hipóteses precedentes, em que se trata de Estados há muito admitidos na
comunidade internacional, poder-se-á julgar que as perturbações que os afetam não põem em
causa a sua existência: os outros Estados postulam que a sua inaptidão é meramente temporária.
Mais surpreendente ainda é a atitude observada a respeito de entidades que acedem à
soberania: quantos novos Estados não entraram nas Nações Unidas sem que se tenha verificado
a condição formulada pelo artigo 4.º, n.º1 da Carta. «Podem tornar-se membros das Nações
Unidas todos os outros Estados pacíficos que aceitarem as obrigações contidas na presente Carta
e, segundo parecer da Organização, forem capazes de cumprir tais obrigações e dispostos a fazê-
lo»? É, não obstante, nesta fase inicial da existência do Estado que este exame deve efetuar-se
e por vezes isso verifica-se. Os candidatos à soberania estão bem conscientes disso a julgar pelas
iniciativas dos movimentos de libertação nacional, iniciativas orientadas de acordo com a prova
da efetividade do seu controlo político e administrativo num determinado território ou numa
determinada população, em formas tão simbólicas quanto possível, mesmo caricaturais. Na
prática, só se procedeu à verificação de efetividade governamental nas situações em que uma
intervenção militar externa desempenhou um papel significativo na independência do novo
Estado: encontram-se então reunidas as condições políticas para que as grandes potências,
usando o seu veto, exijam um exame mais sério.
葡京的法的大学 | 大象城堡