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DIREITO

INTERNACIONAL
PÚBLICO
Professor Carlos Blanco de Morais

SEBENTA
大象城堡
2014/2015
Direito Internacional Público Professor Carlos Blanco de Morais

Desejando boa sorte, cabe-me alertar para o facto de a sebenta ter, certamente, pequenas
imprecisões que, por lapso e sem intenção, nela perpassaram. Leiam criticamente, como tudo
em ciência! E não dispensem a consulta dos manuais (isto ajuda e tem muita coisa resumida
mas não terá tudo e poderá ter erros, e nada como comprar os manuais ou consultá-los na
biblioteca).

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A Formação Convencional do Direito Internacional1

Formação do Direito Internacional e fontes do Direito Internacional: as fontes formais


do direito são os processos de elaboração do direito, as diversas técnicas que autorizam a
considerar que uma regra pertence ao Direito positivo. As fontes materiais constituem os 2
fundamentos sociológicos das normas internacionais, a sua base política, moral ou económica
mais ou menos explicitada pela doutrina ou pelos sujeitos do Direito. As fontes materiais,
traduções diretas das estruturas internacionais e das ideologias dominantes, têm uma dinâmica
que as fontes formais, simples processos técnicos, não podem ter. Por isso o interesse pelos dois
tipos de fontes do Direito Internacional varia segundo as épocas e as posições doutrinais. Se as
fontes formais do Direito são as únicas pelas quais as normas acedem ao Direito positivo, as
fontes materiais são cada vez mais levadas diretamente em consideração pelo Direito, enquanto
participam no processo de emergência do Direito positivo. Elas não podem bastar para
aperfeiçoar uma norma jurídica, mas influenciam os processos jurídicos que concretizam as
fontes formais. Portanto, a distinção das fontes já não tem o mesmo significado, nem o mesmo
alcance, sobretudo se estamos menos interessados no conteúdo “definitivo” da norma do que
nas suas modalidades de estabelecimento. Não se trata de uma simples moda tradicional. Os
atores internacionais contribuem diretamente para esta mudança de atitude. A jurisprudência
internacional é cada vez mais solicitada a tomar em conta regras em via de formação, cujo
alcance não pode ser apreciado se nos apoiarmos apenas no alcance habitualmente reconhecido
às fontes formais do Direito, em especial à Convenção e ao costume. As fontes formais do Direito
Internacional conservam, nesta perspetiva, toda a sua importância. Mas, tomando como
exemplo o Tratado – cuja primazia atual seria inexato negar – o intérprete deverá estar tão
atento à sua consagração de uma norma ainda contestada no plano internacional, como ao seu
alcance indiscutivelmente obrigatório nas relações entre as partes em causa do referido Tratado.
Mais do que a própria fonte formal, é portanto o processo de formação do Direito no seu
conjunto que se torna necessário tomar em consideração.

Determinação das fontes formais do Direito Internacional pelo artigo 38.º do Estatuto
do Tribunal Internacional de Justiça: como resulta da distinção entre as fontes materiais e
as fontes formais do Direito, o conteúdo do Direito deriva das primeiras, enquanto as segundas
correspondem à formulação e à introdução desse conteúdo no Direito Positivo 2. Sobre uma
questão de tal importância, convém que haja um consenso universal. Donde o interesse de um
texto tomando claramente posição e comprometendo a quase totalidade dos Estados. Não era
o caso da supracitada Convenção de Haia, que não entrou em vigor. Os Estados que criaram as

1
Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação Calouste Gulbenkian, 4.ª Edição
1992.
2
O artigo 7.º da XII Convenção de Haia de 1907, que criava o Tribunal Internacional de Presas, fornecia a
seguinte enumeração das fontes formais do Direito aplicável por esta jurisdição internacional:
«Se a questão de direito a resolver for prevista por uma convenção em vigor entre o
beligerante captor e a potência que é parte no litígio, ou cujo natural é parte no litígio, o Tribunal
conforma-se com as disposições da citada convenção.
Na falta de tais disposições, o Tribunal aplica as regras do Direito Internacional. Se não existem
regras geralmente reconhecidas, o Tribunal decide de acordo com os princípios gerais da justiça e da
equidade».
Esta disposição designava por «regras de Direito Internacional», regras consuetudinárias gerais.

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primeiras organizações universais e a elas associaram as primeiras jurisdições com vocação


universal, estavam em condições de estabelecerem um texto respondendo a estas condições.
Foi inicialmente o Estatuto do Tribunal Penal de Justiça Internacional, depois do Tribunal
Internacional de Justiça. Num e noutro texto – sob reserva de uma numeração ligeiramente
diferente –, o artigo 38.º, dispõe:

«1. O Tribunal (…) aplica:

a) As convenções internacionais, quer gerais quer especiais, que estabeleçam 3

regras expressamente reconhecidas pelos Estados em litigio;


b) O costume internacional, como prova de uma prática geral aceite como
Direito;
c) Os princípios gerais de Direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
d) Sob reserva da disposição do artigo 59.º, as decisões judiciais e os
ensinamentos dos juspublicistas mais qualificados das vária nações como
meio auxiliar para a determinação da regra de direito.

2. A presente disposição não prejudica a faculdade de o Tribunal decidir ex aequo et


bono, se as partes estiverem de acordo.»

Enquanto o texto de 1920 começava simplesmente pelos termos: «O Tribunal aplica…» o de


1945 – o único em vigor – abre com uma evocação da missão do Tribunal: «O Tribunal, cuja
função é resolver os litígios que lhe sejam submetidos, em conformidade com o Direito
Internacional, aplica…». Este esclarecimento não é inútil, embora não seja necessário: indica
claramente que as fontes enumeradas são as do Direito Internacional e que se trata de fontes
formais deste Direito, em virtude de serem aplicáveis diretamente pelo juiz. Ora o artigo 38.º do
Estatuto é oponível a todos os sujeitos de Direito Internacional e pode ser invocado por eles.
Com efeito, todos os Estados membros das Nações Unidas são, ipso facto, partes do Estatuto do
Tribunal e ligados por ele. Os raros Estados que não são membros da Organização das Nações
Unidas aceitaram-no quase todos expressamente, com vista a serem autorizados a recorrer ao
Tribunal nos conflitos em que estão implicados. O seu campo de aplicação é mesmo, de facto,
mais amplo do que o Estatuto, na medida em que os termos do artigo 38.º são retomados
noutros tratados sobre a resolução pacífica dos conflitos, ou lhes servem de referência. Por seu
lado, as organizações internacionais não estão aptas para contestar uma tomada de posição tão
nítida por parte dos Estados; não se conhece precedente em que uma das organizações
internacionais tenha posto em dúvida o caráter de fontes formais das que foram enumeradas
no artigo 38.º. O artigo 38.º pode ser, porém, criticado: é ambíguo nalgumas das suas
formulações e sobretudo não fornece uma lista exaustiva das fontes formais do Direito
Internacional contemporâneo. Não foram referidas fontes importantes, tais como os atos
unilaterais dos Estados e as decisões das organizações internacionais.

Hierarquia das fontes e conflitos de normas:


1.º Para esclarecer o problema, convém distinguir com muita firmeza, desde o início, as
normas jurídicas internacionais e as fontes formais do Direito Internacional. Por normas,
entendemos o conteúdo, a substância de uma regra elaborada segundo as exigências
“processuais” desta ou daquela fonte formal. Uma mesma norma pode provir de numerosas
fontes diferentes: assim, podem ter um fundamento convencional para certos Estados e um
fundamento costumeiro para outros. Inversamente, uma mesma fonte pode dar origem a

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numerosas regras de conteúdo muito variado: o menor tratado dá-nos disso uma ilustração3. Se
conviesse insistir sobre esta questão de terminologia, era designadamente porque a solução do
problema de hierarquia não segue as mesmas regras para as normas jurídicas e para as fontes
de Direito.

2.º O princípio é que, para as fontes, não existe hierarquia em Direito Internacional.
Contrariamente ao artigo 7.º da Convenção de Haia de 1907 o artigo 38.º do Estatuto do Tribunal
Internacional de Justiça abstém-se de fazer qualquer alusão a uma hierarquia entre as fontes 4
enumeradas. Não é possível admitir, como postulado geral, que os tratados prevaleçam
necessariamente sobre o costume ou vice-versa. Seria bem diferente se, por um processo
centralizado, uma das fontes dispusesse de uma primazia incontestada. O estado atual da
sociedade internacional, ainda largamente descentralizada, impede uma tal conclusão. Todas as
fontes são suscetíveis de traduzir, segundo modalidades diferentes, exigências da sociedade
internacional; em especial, não há «qualquer razão para pensar que, quando o Direito
Internacional consuetudinário é constituído por regras idênticas às do Direito convencional, é
suplantado por este de tal maneira que deixa de ter existência própria» 4 . A ideia de uma
hierarquia das fontes é particularmente inaceitável numa abordagem voluntarista5. A ausência
de hierarquia das fontes só vale para o Direito interestatal. O mesmo não se verifica nos sistemas
jurídicos mais organizados tal como aqueles que são elaborados dentro das organizações
internacionais. Quando a uma hierarquia dos órgãos corresponde uma hierarquia dos atos
emitidos por cada um deles, existe efetivamente uma hierarquia entre os processos de adoção
dos atos jurídicos, entre as fontes formais próprias dos órgãos em causa. Uma outra questão é
saber se as fontes propriamente ditas são hierarquicamente superiores às que são
características das organizações internacionais ou de outros sujeitos do Direito Internacional.
Aqui também não podemos postular que as fontes interestatais sejam, por natureza, superiores
às do Direito das organizações internacionais. Tecnicamente, estas são aliás muitas vezes as
mesmas (convenções e costumes). A ausência de hierarquia a priori entre fontes formais não
tem como consequência a ausência de qualquer relação entre estas fontes. É muitas vezes
necessário conciliar várias fontes no estádio de elaboração ou da prova do Direito positivo. É
verdade, contudo, que certas fontes têm um caráter secundário, embora não sejam secundárias:
é o caso dos princípios gerais de Direito. O intérprete só recorre a elas na falta de outras fontes
pertinentes. O conflito potencial é então contornado.

3.º O facto de as fontes formais não seres hierarquizadas não leva a concluir que não
exista hierarquia entre as normas jurídicas. Esta hierarquia não poderá evidentemente deduzir-
se do fundamento destas normas, porque se trata de normas formais. Mas pode ser resultante
de outras características: o grau relativo de generalidade das regras em causa, a sua posição
cronológica, por exemplo. O único caso em que se pode, com efeito, aplicar o princípio

3
A confusão entre norma e fonte é tanto mais frequente quanto é certo ser alimentada pelo
vocabulário. Por uma simplificação abusiva mas cómoda, a mesma palavra ou a mesma expressão pode
visar simultaneamente uma fonte e as normas que delas provêm.
4
Acórdão 27 de junho de 1986.
5
Nesta perspetiva, todas as fontes formais assentam, em última análise, na vontade direta ou indireta
dos Estados, vontade que se exprime diferentemente, de um ponto de vista técnico, segundo o
processo de elaboração do Direito. Não existe então razão a priori para fazer prevalecer uma destas
técnicas sobre uma outra, a não ser que prevaleça a fonte que permite a expressão mais clara – em cada
caso particular – das vontades do sujeito de Direito. Ora a clareza da expressão não é própria de um
processo: tudo depende das circunstâncias. Os conflitos entre várias fontes formais não têm então
senão respostas individuais.

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hierárquico é o de um conflito entre uma norma “imperativa” (ius cogens) e uma outra norma,
convencional ou costumeira. A Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados afirma
o caráter “imperativo” – portanto hierarquicamente superior – de certas normas, não do seu
processo de elaboração, que permanece uma fonte “clássica”, convencional ou costumeira. Para
os outros casos, há, senão um princípio hierárquico, pelo menos regras de resolução de conflitos,
quer entre regras convencionais, quer entre regras consuetudinárias, quer ainda entre norma
convencional e norma consuetudinária. As soluções do Direito positivo inspiram-se em dois
adágios: specialia generalibus derogant ( lei especial derroga lei geral) e lex posterior priori 5
derogat (lei posterior prevalece sobre a regra anterior). Um ponto fraco do Direito Internacional
consiste em que tais regras permitem de certo saber qual das duas que sejam incompatíveis
deve aplicar-se, mas não põe o problema da licitude de uma norma em relação a outra. Apenas
a afirmação do primado hierárquico permitiria obter o segundo resultado.

Classificação das fontes: a enumeração das fontes fornecida pelo artigo 38.º do Estatuto do
Tribunal Internacional de Justiça é completada pela prática, é bastante diversificada para que
sejam possíveis reagrupamentos ou reaproximações entre as diversas fontes. Uma tal diligência
autoriza a evidenciar certos elementos comuns aos regimes das diferentes fontes. Uma tal
diligência autoriza a evidenciar certos elementos comuns aos regimes das diferentes fontes. É
possível assim opor as fontes escritas às fontes não escritas, porque os processes não serão
provavelmente os mesmos para umas e para outras, sucedendo o mesmo para o potencial grau
de precisão das normas resultantes. Pelas mesmas razões e porque a oponibilidade das normas
difere num e noutro caso, distinguir-se-ão as fontes concertadas e as unilaterais, ou ainda o
“direito espontâneo” e as fontes que tomam a forma de atos jurídicos (tratados, certos atos
unilaterais dos Estados e as organizações internacionais).

A Formação Convencional do Direito Internacional

A – Definição de Tratado

Definição tradicional: em virtude da antiguidade do tratado como processo de criação das


obrigações jurídicas entre Estados, os elementos constitutivos da sua definição encontram-se
solidamente estabelecidos. São objeto de um acordo geral na doutrina, sob reserva de pequenas
diferenças de redação entre os autores. Podemos fixar a definição seguinte: o tratado designa
a produzir efeitos de Direito e regulado pelo Direito Internacional. Carlos Blanco de Morais
define-o, como: acordo concluído entre dois ou mais sujeitos de Direito Internacional Público
com capacidade para o efeito, destinado a produzir efeitos jurídicos regidos pelo mesmo Direito.

1.º Conclusão de um acordo: supõe um “concurso de vontades” entre as partes


concordantes. Não necessariamente uma aceitação paralela e simultânea: um tratado pode
nascer de uma declaração unilateral de vontade de uma parte, seguida da aceitação da outra,
ou de uma declaração coletiva que tenha sido objeto de aceitações unilaterais posteriores.

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2.º Partes no acordo: para que haja tratado, é necessário que as partes sejam sujeitos
de Direito Internacional. Enquanto os Estados foram considerados como únicos sujeitos diretos
deste Direito, os tratados não podiam ser senão interestatais. As únicas dificuldades, a este
respeito, provinham de entidades de cujo caráter estatal se podia duvidas, e dos Estados
federados. Esta categoria de tratados continua a ser a mais importante, mas apareceram outras
categorias com a extensão da qualidade de sujeito de Direito a entidades não estatais.

3.º Criação de efeitos de Direito: qualquer tratado cria compromissos jurídicos, a cargo 6
das partes, com caráter obrigatório. Este aspeto distingue os tratados dos atos concertados não
convencionais, mas é muitas vezes difícil de fazer a demarcação entre uns e outros.

4.º Submissão ao Direito Internacional: se o tratado deve ser necessariamente regulado


pelo Direito Internacional, não é indispensável que esteja subordinado exclusivamente a este. A
matéria dos tratados é uma matéria interdisciplinar, no sentido em que depende de
simultaneamente da ordem jurídica internacional e da ordem jurídica interna. Designadamente
no que respeita à conclusão do tratado, cabe ao Direito interno um vasto domínio de
intervenção.

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados e a definição escrita:


1.º A Convenção de Viena de 23 de maio de 1969: a importância que representam os
tratados na vida jurídica internacional, os contornos bem definidos e relativamente precisos dos
princípios relativos à sua conclusão e à sua aplicação, levaram a Comissão de Direito
Internacional a preocupar-se muito cedo com a sua codificação. Iniciada em 1950 e entrando na
sua fase ativa a partir de 1961, esta só pôde todavia ser concluída em 1969 tantos foram os
problemas surgidos em toda a sua complexidade assim que se entrou no pormenor das regras
aplicáveis. Seja como for, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 23 de maio de
1969 – o tratado dos tratados – é um êxito notável e um exemplo de conciliação bem sucedida
entre a codificação pura e simples de regras preexistentes e o seu desenvolvimento progressivo.

2.º O artigo 2.º, n.º1, alínea a), da Convenção de Viena de 1969 (CVDT) inclui na
definição de tratado vários elementos formais que completam, de forma feliz, a sua definição
tradicional:

«a expressão “tratado” designa um acordo internacional, concluído por escrito entre


Estados e regido pelo Direito Internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer
em dois ou vários instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular»

a) Forma escrita: a Convenção define o tratado como um acordo concluído pro


escrito. Se dúvida, o artigo 3.º implica que ela não ignora os acordos que não
foram concluídos por escrito – os acordos verbais – e que não lhes retira
qualquer valor jurídico. Mesmo assim, ao recusar examinar acordos verbais
entre Estados, embora estes existam, a Conferência de Viena confirma
implicitamente que as regras relativas a esses acordos não apresentam
provavelmente segurança para permitir a sua codificação;
b) Número de instrumentos: por “tratados” designa-se, tanto o conteúdo do
acordo concluído entre as partes, quer dizer, o próprio acordo, como o
instrumento que formaliza esse acordo. A Convenção de Viena esclarece
que um mesmo tratado pode compreender dois ou mais instrumentos.

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Assim, o acordo concluído pode ser estabelecido mediante uma “troca de


cartas” ou “troca de notas” entre as partes;
c) Pluralidade de denominações: dispondo que o termo tratado designa em
acordo internacional “qualquer que seja a sua denominação particular”, a
Convenção confirma a existência de uma pluralidade de denominações
equivalentes.

B – Classificação de Tratados

Métodos de classificação: existem, em princípio, dois métodos de classificação. O primeiro


toma em consideração os aspetos intrínsecos dos tratados, o seu conteúdo ou a sua função
jurídica; fala-se, neste caso, de classificação material. O segundo interessa-se pelas variáveis
extrínsecas dos tratados, considerados como instrumentos jurídicos; dá origem a classificações
formais. No Direito dos tratados, nenhuma classificação tem alcance geral: consoante os
problemas que se põem, terá valor operatório uma ou outra, por vezes será mesmo a
combinação de várias classificações. Por isso a Convenção de Viena abstém-se de qualquer
distinção sistemática e rejeita, implicitamente, certas classificações.

Classificações materiais:
1.º A distinção entre tratados-leis e tratados-contratos: é uma das mais clássicas na
doutrina, mas também das mais controversas. Apresenta um certo interesse histórico e
sociológico, mas não possui qualquer alcance jurídico: não existe um regime jurídico próprio
para cada uma destas categorias de tratados; aliás, como poderia ser de outro modo, se um
mesmo tratado pode ter um caráter misto, ser uma amálgama de disposições dos dois tipos?
Considerações históricas explicam o sucesso desta distinção: no princípio do século XIX, os
autores ficaram impressionados pela originalidade dos primeiros tratados coletivos que fixavam
regras abstratas, em relação à prática tradicional dos tratados bilaterais de conteúdo mais
material e subjetivo. Do ponto de vista sociológico, esta “descoberta” permitia chamar a atenção
para a função “legislativa” do concerto das nações. Contudo, a prática não tirou daí quaisquer
conclusões, senão em matéria de interpretação das convenções. Porém, assistimos a um
ressurgimento desta velha distinção no caso dos tratados de caráter humanitário a propósito
dos quais o artigo 60.º, n.º5 CVDT esclarece que não se lhe pode pôr termo ou que a sua
aplicação não pode suspender-se invocando como pretexto a violação substancial pela outra
parte. As jurisdições internacionais têm, de resto, acentuado o caráter particular dos tratados
relativos à proteção dos direitos do homem.

2.º A oposição dos tratados gerais aos tratados especiais: de origem convencional
(artigo 38.º, n.º1 Estatuto do TIJ), esta distinção é apenas uma formulação particular da distinção
precedente e não tem, pois, mais alcance técnico do que aquela. Os esforços realizados para a
concretizar defrontam-se com a ambiguidade, a anfibologia, da noção de “tratado geral”. Os
autores da Convenção de Viena preferiram não estabelecer disposições específicas para os
tratados multilaterais gerais, apesar da tentativa de definição da Comissão de Direito
Internacional. As duas primeiras classificações fundadas no objeto ou na finalidade dos tratados
são demasiado abstratas para responder às necessidades da prática. Não sucede o mesmo com
a terceira.

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3.º A distinção tratados normativos-tratados constitutivos de organizações


internacionais: consiste em opor os tratados que fixam regras de comportamento aos que
estabelecem estruturas e determinam o seu modo de funcionamento. Na verdade, esta
distinção não é inteiramente operatória, pois existem tratados que têm caráter misto; mas e
largamente aceite pelo Direito positivo. O importante número de organizações internacionais,
o fenómeno de imitação na elaboração das cartas constitutivas, permitiram o aparecimento de
uma categoria relativamente homogénea de tratados. Como reconhece o artigo 5.º da
Convenção de Viena e como tendem a estabelecer os trabalhos ulteriores da Comissão de 8

Direito Internacional, é possível deduzir um regime jurídico próprio desta categoria de tratados.
A especificidade do seu regime reside, no essencial, em duas características: a vontade dos
Estados em assegurar a longevidade das organizações internacionais e a preocupação de lhes
garantir um funcionamento contínuo. Assim, os Estados abster-se-ão de emitir reservas sobre
as regras de processo; não preverão cláusulas de abandono, nem cláusulas de duração da
convenção, e obrigar-se-ão a respeitar um longo prazo antes de poderem encarar a denúncia do
tratado. Estas considerações são levadas às últimas consequências no caso de organizações
integradas: proibir-se-á aos Estados membros que suspendam a aplicação do tratado com o
pretexto – ainda que real – da sua violação por um deles. Devido a estas particularidades, e por
analogia com a terminologia adotada no Direito interno, reconhece-se frequentemente a estas
cartas constitutivas de organizações internacionais um caráter “constitucional”. É anunciar,
senão resolver, os delicados problemas de hierarquia que podem existir entre as duas categorias
de tratados.

Classificações formais:
1.º De acordo com a qualidade das partes: distinguem-se os tratados concluídos entre
Estados, os tratados concluídos estre Estados e Organizações Internacionais e os tratados
concluídos entre organizações internacionais. Ao evocar a possibilidade de regras específicas
para os tratados concluídos em que são partes sujeitos de Direito que não os Estados, o artigo
3.º da CVDT parecia ver nesta distinção uma summa divisio na matéria. As particularidades do
direito das organizações internacionais parecem, a priori, justificar diferenças de regime jurídico
entre estas três categorias de tratados. O exame aprofundado do problema desde 1969
demonstrou os seus limites. A tendência, no estádio atual da codificação do Direito dos Tratados,
é para unificar ao máximo o regime jurídico das diversas categorias. Assim, na sequência da
Comissão de Direito Internacional, a Convenção de Viena de 1986, mesmo mantendo a distinção
entre tratados concluídos entre Estados e organizações e tratados concluídos só entre
organizações internacionais, apenas lhe concede um alcance concreto bastante restrito.

2.º Segundo o número das partes: a dsintição principal, plenamente operatória, é a que
existe entre tratados bilaterais e tratados multilaterais. Certos autores consideram que, entre
estas duas categorias, existe uma categoria intermédia constituída por tratados plurilaterais que
designariam os tratados em que o número das partes, superior a dois, é limitado, enquanto, em
princípio, os tratados multilaterais são suscetíveis de virem a ser tratados universais. A prática
não revela diferenças substanciais entre o regime jurídico do tratado plurilateral e o do tratado
multilateral. A summa divisio continua a ser, pois, a distinção entre tratados bilaterais e tratados
multilaterais, entre os quais existem importantes diferenças de regimes.

3.º Segundo a forma: tradicionalmente, em relação a este critério do processo de


conclusão, estabeleceu-se uma distinção entre “tratados em forma solene” e “acordos em
forma simplificada”, a que se aplicam respetivamente modalidades diferentes de expressão do

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consentimento em vincular-se. A crescente intervenção das organizações internacionais na


conclusão dos tratados dá origem a uma nova distinção entre o que são concluídos com ou sem
essa intervenção. Quando a intervenção ocorre, deve ainda fazer-se uma subdistinção entre os
tratados concluídos sob os auspícios de uma organização, quando esta fornece apenas uma
ajuda tendente a encorajar e favorecer aquela conclusão, e os tratados concluídos dentro dessa
organização, quando é um seu órgão que procede diretamente à elaboração do texto do tratado.

Conclusão dos Tratados

Observações Gerais: A conclusão de um tratado internacional é uma operação com múltiplos


aspetos:

1) Adoção do texto e sua autenticação;


2) Decisão do Estado consentido em vincular-se pela Convenção Internacional;
3) Notificação internacional desta decisão;
4) Entrada em vigor da Convenção Internacional, em conformidade com as suas
disposições, relativamente aos Estados que exprimiram o seu consentimento.

Os processos exigidos nas fases 3 e 4 são exclusivamente submetidos às regras do Direito


Internacional, o consentimento previsto na segunda fase depende unicamente do Direito
Interno do Estado considerado. Quanto à primeira fase ela é essencialmente internacional mas
é condicionada por um ato puramente interno: a designação do negociador. A Convenção de
Viena conseguiu clarificar o regime jurídico das diversas etapas do processo de elaboração das
Convenções Internacionais e permitiu esperar novos progressos no desenvolvimento do Direito
relativo a esta matéria.

1.º Concluir uma Convenção Internacional é, antes de mais, um atributo da soberania,


ao mesmo tempo que o seu exercício. Ora, quem pode levar a cabo essa importante tarefa em
nome do Estado, em virtude da autonomia Constitucional dos Estados, são as respetivas
Constituições que, na repartição geral das competências entre as diversas autoridades estatais,
respondem a esta questão. Ou seja, se a conclusão dos tratados é, por natureza, uma matéria
regulada pelo Direito Internacional, depende também, necessariamente, do Direito Interno.

2.º Por outro lado, ao criar obrigações a cargo do Estado, qualquer Convenção
Internacional é uma fonte de limitação das suas competências. Deve ser concluído sem pressa
e com pleno conhecimento de causa. Tanto mais que a autoridade estatal competente para
concluir tratados, a que beneficia dos treaty-making powers, segundo a terminologia anglo-
saxónica – a qual, pela força das coisas e salvo raras exceções, não participa pessoalmente na
conclusão –, precisa de verificar-se se os seus representantes seguiram corretamente as suas
instruções. Para responder a estas exigências, a conclusão dos tratados, enquanto processo,
subdivide-se em várias fases. Apresenta-se, assim, desde a época do absolutismo real, no
decurso da qual se constituiu progressivamente, como um mecanismo complexo.

3.º Convém acrescentar que, embora conservando a sua complexidade, sofreu inúmeras
transformações desde o século XIX. Estas resultam, em primeiro lugar, das mudanças ocorridas
nos regimes constitucionais que modificaram profundamente a ordem das competências no

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seio do Estado. As outras causas dessas transformações situam-se no plano internacional: a


intensificação das relações internacionais e a expansão do Direito Convencional, consecutivas
as crescimento da solidariedade internacional, levaram os Estados a procurar novos processos,
adaptados às novas necessidades. Entre as inovações a mais importante a assinalar é a criação
do tratado multilateral. Como consequência dessas transformações, o processo de conclusão
diversificou-se de diferentes modos. Cada Estado procede segundo as suas próprias regras
nacionais. Os métodos clássicos coexistem com os novos métodos. A conclusão dos tratados
multilaterais efetiva-se segundo regras específicas. Finalmente a conjugação da liberdade dos 10
Estados e do seu empirismo é responsável por uma anarquia que é difícil dissimular. Um
elemento suplementar de complexidade resulta da irrupção das Organizações Internacionais na
vida jurídica internacional: elas não só constituem o quadro em que são negociados numerosos
tratados entre Estados, mas também concluem diretamente acordo tanto entre si, como com
os Estados.

Secção I – Processo Comum aos Tratados Bilaterais e aos Tratados Multilaterais

1.º Elaboração do Texto

A – Negociação do Texto

Plenos poderes para negociar: a prática dos plenos poderes ilustra bem a mistura de
pragmatismo e arcaísmo que reina nas relações internacionais. Herança da época monárquica,
em que esta instituição era plenamente justificada pelas condições concretas de conclusão dos
tratados, ela sobrevive – enquanto símbolo da soberania – num contexto radicalmente
transformado. Por isso, quando a sua realização se reveste de um formalismo excessivo, será
objeto de exceções. Por respeito das tradições, a formulação das cartas de plenos poderes não
foi modernizada. Na realidade, salvo no caso de acordos em forma simplificada, o
plenipotenciário já não tem, hoje, competência para vincular definitivamente o Estado, o que
dá um caráter sobretudo protocolar à verificação dos plenos poderes. Se os autores da
Convenção de Viena deliberaram confirmar o caráter tradicional desta prática e portanto o seu
alcance geral (Artigo 7.º CVDT), deixam uma grande latitude de ação aos Estados: estes podem
discricionariamente renunciar a ela (Artigo 7.º, n.º1 alínea b)) ou ultrapassar a irregularidade
cometida (artigo 8.º). Além disso, presunções de representatividade jogam a favor dos Chefes
de Estado e de Governo e dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, o que lhes evita terem de
apresentar tais poderes. Sucede o mesmo com os chefes de missão diplomática e com os
representantes acreditados de um Estado numa conferência diplomática ou junto de uma
organização internacional; mas somente para a adoção de um tratado entre o Estado
acreditante e o Estado acreditado ou no âmbito desta conferência ou desta organização (artigo
7.º, n.º2).

Autoridade competente para negociar e conferir plenos poderes:


1.º Solução geral: a determinação da autoridade competente para negociar depende do
Direito Constitucional de cada Estado e quem detém o poder de designar os plenipotenciários e

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de lhe conferir os plenos poderes é a autoridade investida pela Constituição do Estado da


competência para negociar. Uma vez que não se trata de comprometer definitivamente o Estado
mas unicamente de elaborar o texto do tratado, não se põe a escolha entre o executivo e o
legislativo. Em matéria de negociação, a regra constitucional admitida por todos os sistemas
nacionais atribui competência ao executivo. Esta solução é racional porque só o executivo
dispõe de todos os meios técnicos necessários ao cumprimento desta tarefa. Concretamente, o
que é que se entende por executivo? Num regime Presidencial, trata-se apenas do Chefe de
Estado; num regime parlamentar, é necessário repartir a competência entre o Chefe de Estado 11
e o Governo representado pelo seu Chefe ou pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Naturalmente, quando as autoridades estatais constitucionalmente competentes participam
pessoalmente na negociação, elas não têm necessidade de cartas de plenos poderes. Esta
dispensa é confirmada pelo artigo 7.º, n.º2, alínea a), da Convenção de Viena.

2.º Solução em vigor em Portugal6: não custa fazer a contraposição (mais aparente que
real) entre as cinco Constituições portuguesas anteriores e a atual no concernente à negociação
e à assinatura de convenções internacionais. Nas Convenções anteriores, a negociação e
assinatura eram da competência do Rei (Constituição de 1822, Carta Constitucional e
Constituição de 1838) ou do Presidente da República (Constituição de 1911 e de 1933). Na
Constituição atual, elas competem ao Governo (artigo 197.º, n.º1, alínea b)). Vê-se bem por que
a contraposição se mostra menos significativa do que parece: porque em todas as Constituições
anteriores à de 1976 o Chefe de Estado (Rei ou Presidente da República) exercia as suas
faculdades compreendidas no Poder Executivo através dos Secretários de Estado ou Ministros
e, de qualquer sorte, os seus atos estavam todos sujeitos a referenda ministerial. E percebe-se
igualmente por que na Constituição de 1976 se perfila com nitidez a atribuição (e atribuição
exclusiva) ao Governo dos poderes de negociação internacional do Estado: a clara
autonomização deste órgão, em face do Presidente da República, em correspondência com o
sistema de Governo semipresidencial adotado. Se o Presidente da República não ajusta, direta
ou indiretamente, nenhuma convenção internacional e se, em geral, a condução da política
externa cabe ao Governo (artigo 182.º CRP), isso não dispensa a concertação entre os dois
órgãos, não só por imperativo de interdependência de órgãos de soberania (artigo 111.º, n.º1)
mas também por tal ser o pressuposto de atos na área das relações internacionais, que esses,
sim, implicam a intervenção presidencial (artigo 135.º). O Primeiro-Ministro informa o
Presidente da República acerca dos assuntos da política externa do País (artigo 200.º, n.º1,
alínea c)) e aqui se integram, por certo, senão todas as negociações internacionais, pelo menos
as atinentes às convenções de maiores repercussões para a vida coletiva – informação prévia, e
não apenas a posteriori, ou perante factos consumados. Tão pouco a Assembleia da República
participa na negociação. Mas, por virtude do princípio dos poderes implícitos, nada obsta a que
recomende ao Governo a negociação de qualquer tratado. Dever de informação tem, do mesmo
passo, o Governo em relação aos partidos políticos representados na Assembleia da República
e que não façam parte de Governo (artigo 114.º, n.º3) e, por outra banda, em relação aos grupos
parlamentares (artigo 180.º, n.º2, alínea g)). A informação sobre o andamento dos principais
assuntos de interesse público abrange, evidentemente, a negociação de qualquer convenção de
repercussões significativas na vida do País. Ao Ministério dos Negócios Estrangeiros incumbe a
condução das negociações internacionais e a responsabilidade pelos procedimentos que visem
a vinculação internacional do Estado, sem prejuízo das competências atribuídas a outros órgãos
do Estado – incumbe-lhe, pois, um papel específico, se bem que não exclusivo, por causa da

6
Miranda, Jorge; Curso de Direito Internacional Público; Princípia editores;

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diversificação e da complexidade da vida internacional dos nossos dias. Assim, nos processos de
negociação de acordos ou compromissos internacionais que vinculem o Estado português
devem os departamentos envolvidos manter o Ministério dos Negócios Estrangeiros
permanentemente informado, desde o início da negociação até à sua conclusão. E o início da
fase de negociação não poderá ocorrer sem o prévio enquadramento político a prestar pelo
Ministério dos Negócios estrangeiros, que deverá ainda ser informado e pronunciar-se acerca
dela. Todavia, a rubrica ou a assinatura de acordos internacionais, sejam quais forem a
designação, a forma e o conteúdo, estão sujeitas a prévia aprovação pelo Conselho de Ministros 12
e dependem de mandato expresso, entendendo-se esta competência delegada no Primeiro-
Ministro.

3.º Soluções próprias das organizações internacionais: Elas dependem do Direito


próprio de cada organização (cf artigo 7, n.º3, alínea a) da Convenção de Viena); as práticas
suprem as frequentes omissões textuais e são extremamente diversas. A competência para
negociar pode pertencer ao órgão plenário “supremo”, mas também a um órgão restrito ou ao
Chefe do Secretariado7.

Intercambio e exame dos plenos poderes: a produção de plenos poderes, emitidos pela
autoridade competente para conduzir a política externa, permite assegurar que a negociação
será conduzida entre agentes competentes dos Estados ou das Organizações Internacionais
presentes. Se o intercambio dos plenos poderes é, em geral, uma simples formalidade, certos
prolemas podem surgir nesta ocasião: a qualidade estatal da entidade representada pode ser
contestada, assim como a competência da autoridade que outorga os plenos poderes. Sobre
este dois pontos, a prática internacional, fragmentária, não é muito clara. Tratando-se de
tratados bilaterais, um Estado pode, discricionariamente, recusar-se a negociar com uma
entidade cuja competência conteste para concluir um tratado. Assim, nada impede um Estado
de negociar diretamente com um Estado membro de um Estado Federal – se a Constituição
deste o admitir – mas nada a isso o obriga: da mesma maneira, a recusa, mantida por muito
tempo pelos países de Leste, de negociar com as Comunidades Europeias obrigou estas a
negociarem por meio de plenipotenciários de Estados membros interpostos. No que respeita à
negociação de Convenções multilaterais, a regra geral pode enunciar-se assim: compete à
conferência ou ao órgão internacional no seio da qual a negociação se realiza, aceitar ou recusar,
consoante as suas regras de procedimento, os plenos poderes apresentados.

Desenvolvimento da negociação: no decurso da negociação, projetos de textos são


submetidos à discussão, provocando emendas ou contrapropostas ou as duas coisas ao mesmo
tempo. Projetos, emendas e contrapropostas podem ser formuladas provisoriamente na forma
verbal, mas, em princípio, devem ser sempre apresentados, em última análise, sob a forma de
textos redigidos. Esta redação é muitas vezes obra de peritos que acompanham os negociadores.
Se as negociações e as discussões avançam para um acordo, à medida que os projetos são
emendados ou não, são também adotados e tornam-se as disposições do futuro tratado.
Enquanto o texto não estiver concluído – isto é, até à adoção do tratado –, todas as suas
disposições podem ser postas em causa. Este princípio está sistematizado no quadro de algumas

7
Os artigos 43.º e 63.º da Carta das Nações Unidas consideram respetivamente a competência do
Conselho de Segurança para os acordos relativos À constituição das forças armadas das Nações Unidas
(que nunca foram concluídos) e à do Conselho Económico e Social para os acordos com outras
organizações do sistema. A prática é incerta quanto ao resto: alguns acordos relativos às forças de
manutenção da paz foram negociados em nome da Assembleia Geral, outros em nome do Conselho de
Segurança e outros diretamente pelo Secretário Geral.

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conferências multilaterais no seio das quais as negociações são obra de comissões ou de grupos
diversos que funcionam simultaneamente: o acordo de uma delegação dobre um determinado
ponto está subordinado ao seu acordo sobre todos os outros. Esta técnica do compromisso
global (package deal) foi definida pelo Presidente da Terceira Conferência das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar: “O conceito de compromisso global significa que a posição de qualquer
delegação sobre tal ou tal ponto só será considerada como irrevogável quando se obtiver o
acordo pelo menos sobre todos os elementos a incluir no compromisso. Qualquer delegação tem
portanto o direito de reservar a sua posição sobre um ponto particular até serem satisfeitos 13
outros pontos de importância vital para ela.”

Contextura da Convenção: por esta expressão, designam-se os elementos formais que


constituem a Convenção. Integram-no o:

1.º Preâmbulo: contém duas categorias de enunciados:


a) Enumeração das Partes: são designadas pela expressão “Altas Partes
Contratantes”. Ocorre que os Estados interessados sejam explicitamente referidos: mas as mais
das vezes, procede-se à enumeração dos Governos ou dos órgãos estatais tendo participado na
negociação: Chefes de Estado, Chefes de Governo ou Ministros dos Negócios Estrangeiros. Se se
trata de Chefes de Estado, convém respeitar integralmente a sua qualificação oficial. Aqui
também, entra em jogo a igualdade dos Estados e, para a respeitar, procede-se à enumeração
por ordem alfabética. Este método equilibrado pela regra dita da alternância, segundo a qual
cada Estado figura à cabeça da lista das partes no exemplar do tratado que lhe é destinado. O
preâmbulo da Carta das Nações Unidas começa por estes termos “Nós, povos das Nações
Unidas…”. Esta enunciação é excecional. Tem alcance político, mas não significa, no plano
jurídico, que as Partes na Carta sejam os povos e os indivíduos que os compõem.

b) Exposição dos motivos: o preâmbulo

2.º Dispositivo: é constituído pelo corpo da Convenção, isto é, pelo conjunto dos seus
elementos providos de obrigatoriedade jurídica. Compreende:

a) Os artigos: são, por vezes, muito numerosos e podem agrupar-se de


diferentes modos: em capítulos na Carta, em Títulos e capítulos na Convenção de Haia, em
partes, capítulos e secções no Tratado de Versailles e no Tratado de Roma, em partes e secções
a Convenção de Montego Bay.

b) As cláusulas finais: a noção de cláusulas finais relaciona-se com a dupla


natureza do tratado considerado, quer do ponto de vista material, como um texto normativo,
quer do ponto de vista formal, como um ato. Estas cláusulas referem-se unicamente a certos
mecanismos do ato enquanto tal: processo de emendas, de revisão, modalidades de entrada em
vigor, extensão do tratado aos Estados que não participaram na elaboração do texto, duração
do tratado, etc. Do ponto de vista técnico, a redação das cláusulas finais foi objeto de grandes
progressos a partir do desenvolvimento dos tratados multilaterais. Deste modo o Direito dos
Tratados adquire maior clareza. A unificação de certas cláusulas pode servir de base para o
estabelecimento de uma tipologia dos tratados.

c) Os anexos: eventualmente, o dispositivo completa-se por anexos às


Convenções. Estes anexos contêm disposições técnicas ou complementares, relativas a certos
artigos da Convenção ou ao seu conjunto. A fim de não a sobrecarregarem, encontram-se
materialmente separados dela. Juridicamente os anexos fazem parte integrante da Convenção

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e possuem a mesma força obrigatória que os seus outros elementos, a menos que disponha
diversamente, o que por vezes acontece no que respeita sobretudo à resolução de conflitos ou
ao processo de emendas.8

B – Adoção do Texto

14

Definição e procedimento: a adoção do texto da Convenção marca o fim da fase de


elaboração. A adoção decompõe-se em duas operações distintas:

Fixação do texto, significando que a negociação terminou e que os negociadores


consideram ter chegado a um texto à primeira vista aceitável;

Autenticação, procedimento que consiste em declarar que o texto redigido


corresponde à intenção dos negociadores e que o consideram definitivo. Em princípio, um texto
autenticado já não é mais suscetível de modificação.

Na prática, a dissociação entre as duas operações é efetiva no que respeita aos tratados
multilaterais: o texto é antes de mais votado ou adotado consensualmente pela conferência (ou
pelo órgão da Organização Internacional) e depois assinado pelos Chefes de delegação. Em
contrapartida, os tratados bilaterais são em geral fixados pelo artigo 10.º da Convenção de
Viena, a rubrica, que consiste na aposição das iniciais dos negociadores, e a assinatura ad
referendum, que só é concedida na condição de ser confirmada pelas autoridades do Estado
competentes. Uma e outra têm valor provisório e devem ser objeto de uma confirmação
ulterior9.

Alcance da adoção: a adoção marca o fim da fase da negociação mas não significa que a
Convenção se imponha aos Estados que o assinaram. Regra geral, o efeito obrigatório do tratado
resulta da expressão do consentimento a estar vinculado por ele e não da assinatura, a menos

8
Alguns anexos são intitulados “protocolos”. Todavia, em geral, os protocolos constituem instrumentos
autónomos submetidos a um processo de entrada em vigor distinto da Convenção de base que estão
destinados a completar.
9
Rubrica e assinatura ad referendum correspondem à preocupação de evitar qualquer precipitação. A
elas se recorre em especial nos seguintes casos:
- Para adoção de um acordo em forma simplificada que, em virtude do seu objeto, deveria ser
apresentado ao Parlamento nacional, antes de entrar em vigor pela assinatura;
- Para dar à Convenção alguma solenidade reservando a assinatura definitiva a uma autoridade
política mais alta do que os negociadores;
- e, sobretudo, quando o negociador não está habilitado a assinar.
Com efeito, o plenipotenciário que negoceia só pode assinar se os seus plenos poderes compreenderem
também o de assinar. É o caso geral, mas não acontece sempre assim. Quando este não for o caso,
como para a negociação, os plenos poderes de assinar devem emanar da autoridade estatal que detém,
segundo a Constituição do Estado, o poder de assinar as Convenções. Contudo, este nem sempre é
expressamente atribuído pelas Constituições nacionais. Para as Convenções concluídas pelas
Organizações Internacionais, a regra geral é distinguir os plenos poderes para negociar dos poderes para
assinar: esta particularidade – estabelecida pelo artigo 7.º, n.º3 CVDT – deriva de os mesmos órgãos não
terem competência nos dois estádios do processo. Assim, ocorre frequentemente no seio das
Comunidades que a negociação depende estatutariamente da competência de um órgão – secretário
internacional, Comissão – ao passo que a assinatura se subordina a uma decisão da um outro órgão, a
maior parte das vezes o Conselho de Ministros; é necessário portanto prever um “vaivém”.

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que as partes não tenham decidido de outro modo. Apesar de tudo, um Estado cujo
representante assinou, não está já na mesma situação do Estado que se absteve e a própria
Convenção beneficia de um estatuto jurídico pelo que respeita ao Direito Internacional.

1.º Se bem que não esteja ligado pela Convenção, o Estado signatário tem, pelo facto da
sua assinatura, certos direitos e certas obrigações. Codificando uma prática por vezes ambígua,
o artigo 18.º da Convenção de Viena dispõe:

“Um Estado deve abster-se de atos que privariam um tratado do seu objeto ou da sua 15

finalidade

a) Quando assinou o tratado (…) enquanto não tiver manifestado a sua intenção de
não se tornar parte no tratado.”

O alcance desta disposição, que deriva do princípio da Boa Fé nas relações internacionais,
deve ser apreciado com exatidão: não significa que o Estado signatário seja obrigado a
respeitar as disposições de fundo do tratado – o que lhe daria o estatuto de Estado parte
– mas somente tal Estado não pode adotar um comportamento que esvaziaria de toda
a substância o seu compromisso ulterior quando exprimisse o seu consentimento em
estar vinculado. Do supracitado artigo 18.º da CVDT pode-se igualmente deduzir que um
Estado signatário deve examinar em boa fé o texto da Convenção para determinar a sua
posição definitiva a seu respeito. Trata-se, todavia de uma obrigação de comportamento
extremamente vaga, mantendo o Estado signatário toda a sua liberdade de exprimir ou
não o seu consentimento em vincular-se e em fazê-lo num prazo por ele julgado razoável,
salvo disposição em contrário, o que é absolutamente excecional. O estatuto provisório
do Estado que assinou implica igualmente certos direitos a seu favor. Tendo qualidade
para se tornar parte, ele é um destinatário das diversas comunidades relativas à vida da
Convenção efetuada pelo depositário (Artigo 77.º CVDT). Além disso, pode fazer
objeções às reservas formuladas por outros Estados.

2.º Não se impondo aos Estados signatários, a Convenção, uma vez adotada, nem por
isso deixa de ter certos efeitos jurídicos.

a) Pela sua natureza e pelo seu objeto, as cláusulas finais do tratado estão
previstas para serem aplicadas imediatamente (modalidades de autenticação do texto,
de expressão pelas partes do seu consentimento em vincular-se, da entrada em vigor do
conjunto da Convenção, etc.). O artigo 24.º n.º4 CVDT confirma esta solução:

“As disposições de um tratado que regulamentam a autenticação do texto, o


estabelecimento do consentimento dos Estados em vincular-se pelo tratado, as
modalidades ou a data de entrada em vigor, as reservas, as funções do depositário, bem
como as outras questões que surgem necessariamente antes da entrada em vigor do
tratado, são aplicáveis desde a adoção do texto”

b) Além disso, a adoção de um tratado por um número importante de Estados tem um


alcance jurídico que ultrapassa a simples autenticação do texto. Uma convenção
multilateral, antes mesmo da sua entrada em vigor, pode servir de modelo a
tratados bilaterais ou multilaterais. Constitui, sobretudo se se tratar de uma
convenção de codificação, um elemento importante do procedimento
consuetudinário. Assim, cristalizando regras consuetudinárias em via da formação,
a adoção da Convenção de Montego Bay de 10 de dezembro 1982, desempenhou

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um papel decisivo na evolução do Direito do Mar 10 . Isto confirma que o Direito


Internacional se forma gradualmente sem solução entre as diferentes fases da sua
formação. Conscientes destes fenómenos, os serviços diplomáticos tomam certas
precauções para que sejam protegidos os interesses dos Estados minoritários na
negociação, ou concede-se um prazo suplementar para consultar o seu governo
(assinatura ad referendum). Pelo contrário, para dar o máximo alcance ao projeto
de convenção, poder-se-á procurar a multiplicação das assinaturas. O processo da
assinatura diferida permite atingir este objetivo: no decorrer do prazo, o Estado 16
minoritário cujo representante tinha votado contra o texto poderá proceder a um
novo exame desse texto e será talvez levado a rever a sua opinião negativa.

2.º Expressão Pelo Estado do seu Consentimento em Vincular-se

Alcance variável da assinatura: A assinatura da Convenção tem um alcance superior à simples


autenticação do seu texto (para qual ela não é de resto indispensável visto que a autenticação
pode resultar da rubrica) ou apenas da assinatura do Presidente da Conferência ou do órgão da
Organização Internacional que a adotou. Como se viu, a assinatura confere ao Estado um
estatuto provisório em relação à Convenção: tem, por este facto, direitos e obrigações para com
os outros Estados signatários e, a este respeito, a assinatura surge como uma transição entre a
fase de elaboração, que ela encerra, e a da expressão do consentimento em vincular-se – que o
Estado permanece aliás livre de não levar ao seu termo, não obstante a assinatura do texto.
Todavia, em certos casos, a assinatura pode constituir, só por si, a expressão do consentimento
do Estado em vincular-se pela Convenção que se torna então obrigatório a seu respeito, pelo
simples facto de o ter assinado. Este processo breve, aplicável aos acordos em forma
simplificada, opõe-se ao processo longo, que caracteriza os Tratados em forma solene e esta
oposição constitui a summa divisio na matéria. Convém examinar sucessivamente estes dois
modos de expressão mas sublinhando que, qualquer que seja o processo seguido, longo ou
breve, o compromisso do Estado é perfeito desde que tenha expresso o seu consentimento. É
de resto significativo que o artigo 11.º CVDT coloque em pé de rigorosa igualdade os diferentes
“modos de expressão do consentimento em vincular-se por um tratado” que enumera: “a
assinatura, a troca de instrumentos constitutivos de um tratado, a ratificação, a aceitação, a
aprovação ou a adesão, ou (…) qualquer outro meio concordado”. Para ser completo, é
necessário indicar que a assinatura não constitui uma etapa obrigatória para a conclusão de
todos os tratados: o processo da adesão é um processo longo que pode prescindir da assinatura.
Porém em todos os outros casos, a assinatura ou constitui a expressão do consentimento do
Estado em vincular-se ou a precede. Após ter analisado estes diferentes modos, que dependem
do Direito Internacional, abordar-se-á a questão da determinação da competência para exprimir
pelo Direito Constitucional interno o consentimento do Estado.

10
É verdade que, mesmo antes da sua adoção, o Tribunal Internacional de Justiça, considerara que ela
não “poderia (…) postergar uma disposição do projeto de convenção (sobre o Direito do Mar) se
chegasse à conclusão de que a sua substância vincula todos os membros da comunidade internacional
pelo facto de consagrar ou cristalizar uma regra de Direito Consuetudinário preexistente ou em via de
formação”.

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A – Modos de Expressão

I – Conclusão em forma solene

Indiferença da denominação estabelecida: O processo, longo ou solene, é caracterizado 17


pela dissociação entre a fase de autenticação do texto da Convenção – que se traduz pela
assinatura – e a do consentimento em vincular-se, que se exprime por um ato distinto na
sequência de um exame efetuado pelos órgãos competentes para empenhar o Estado. Como
quer que seja, este ato está portanto separado da assinatura no tempo. A conclusão da
Convenção realiza-se por meio de dois atos sucessivos do Estado. Somente em virtude do
segundo ato a Convenção produz efeitos de Direito. Este processo de “duplo grau”, constitui o
elemento essencial da definição dos tratados formais ou solenes. Nem a denominação da
expressão do consentimento em vincular-se, nem o processo interno seguido importam. “Tudo
se reduz às intenções dos Estados, desde que estas intenções tenham uma clareza suficiente
para a prática habitual”. Assim, o artigo 11.º CVDT enumera entre os “modos de expressão do
consentimento em vincular-se por um tratado”, “a ratificação, a aceitação, a aprovação” ou
“qualquer outro meio concordado.” A ratificação é o ato pelo qual a mais alta autoridade do
Estado, com competência constitucional para concluir convenções internacionais, confirma o
tratado elaborado pelos seus plenipotenciários, consente que se torne definitivo e obrigatório,
e compromete-se solenemente, em nome do Estado, a executá-lo. Desde o fim da Segunda
Guerra Mundial, o vocabulário constitucional interno enriqueceu-se porém com novas palavras,
que servem para designar processos em geral menos solenes, levando uma autoridade menos
alta na hierarquia dos órgãos do Estado a exprimir o seu consentimento em vincular-se. Fala-se
então da aceitação, da acessão ou de aprovação e esta terminologia foi retomada pelo Direito
das Gentes. Ao nível internacional, porém, estes modos não apresentam diferenças substanciais
da ratificação. Consistem também em atos posteriores à assinatura cujo acabamento é
necessário para um compromisso definitivo do Estado. Permanece-se no quadro do processo
longo, de duplo grau, próprio dos tratados em forma solene. Quando os Estados, na sua
liberdade de escolha, optam por estes modos novos, conferem plenos poderes “sob reserva de
aceitação” ou “sob reserva de aprovação”. Aceitação, aprovação, acessão e ratificação são
simplesmente palavras diferentes que exprimem uma mesma realidade jurídica internacional.

Origem e fundamento da ratificação:


1.º Tradicionalmente, os monarcas, que monopolizavam a totalidade do poder do
Estado, conferiam aos seus plenipotenciários plenos poderes para negociar e assinar com
mandato de os empenhar definitivamente. No domínio doutrinal, Grócio considerava que a
assinatura era suficiente para vincular o Estado. Todavia, a ratificação posterior ao Tratado não
era inteiramente desconhecida na época. Em virtude da Teoria do Direito Privado do mandato,
o mandante conservava o direito de invalidar por excesso de poder a obra do seu mandatário.
Um exame a posteriori de um Tratado assinado pelo mandatário era, pois, ao mesmo tempo,
normal e necessário. Pouco a pouco, `medida que se acentuava a evolução para o absolutismo
real, o soberano transformava o Direito da Fiscalização, que exercia sobre a ação desempenhada
pelos seus enviados, num direito de aprovação global do Tratado assinado. Pela mesma lógica,
o seu empenho definitivo ia subordinar-se a essa aprovação a despeito da manutenção do
conteúdo tradicional das cartas de plenos poderes. A instituição consolidar-se-á no século XIX,

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depois da substituição da soberania real pela soberania nacional e do abandono definitivo do


sistema do mandato. Daí em diante, os plenos poderes, limitados à negociação e à assinatura,
apenas são conferidos “sob reserva de ratificação”.

2.º A distinção entre assinatura e ratificação e a sua separação no tempo justificam-se


por várias razões: isto está em plena harmonia com os princípios modernos do Direito Público
que não admitem, sem texto, delegação de competências. Por outro lado, permite,
efetivamente, que as autoridades investidas do “treating making power” verifiquem se os 18
plenipotenciários não ultrapassaram as suas instruções. Nenhuma dificuldade diplomática pode
resultar desta verificação, não se trata de pôr novamente em questão a palavra dada, uma vez
que o Tratado não está ainda definitivamente concluído. O prazo entre a assinatura e a
ratificação pode ser utilizado num novo exame do texto do tratado antes de o Estado se vincular
juridicamente. Mesmo que traduzam preocupações de simplificação institucional no plano
interno, a aceitação, a aprovação ou a acessão dependem das mesmas precauções.

Processo e forma de ratificação:


1.º O instrumento de ratificação apresenta-se sob a forma de cartas de ratificação. O
instrumento de ratificação de um tratado bilateral deve exprimir, em princípio, uma aceitação
pura e simples; pode mesmo conter declarações interpretativas mas não reservas; se tal for o
caso, é encarada uma proposta de reabertura das negociações.

2.º Cartas de ratificação são trocadas entre as partes. Esta troca verifica-se por um
processo – verbal datado e assinado que permite evitar qualquer contestação sobre a realização
da ratificação. Pode mesmo suceder que as partes se contentem com uma notificação feita por
cada Estado, indicando no que lhes diz respeito, que as operações de ratificação se encontram
efetivamente concluídas. As mesmas observações valem, mutatis mutandis, para a aceitação e
a aprovação.

Legalidade da recusa da vinculação: O novo exame do tratado, tornado possível graças à


existência de um intervalo de tempo entre a assinatura e a ratificação – o que permite associar
a representação nacional à conclusão da Convenção – esvaziar-se-ia de todo o seu significado se
devesse terminar por uma ratificação inevitável. O direito de recusar a ratificação é, pois,
inerente à noção de processo longo 11 . A possibilidade de impedir a ratificação de uma
Convenção assinada não é uma prerrogativa exclusiva dos órgãos parlamentares. Sendo a
competência para ratificar um elemento da função governamental – condução dos negócios
estrangeiros –, o órgão executivo pode muito bem não dar seguimento à autorização
parlamentar ou fazê-lo apenas após um prazo muito longo: ele dispõe de poder discricionário
na escolha do momento e pode abster-se de ratificar por razões de pura oportunidade política.
Esta liberdade deixada aos Estados é uma fonte de atraso e de incerteza. Se alguns tratados
políticos foram ratificados num prazo razoável, não aconteceu o mesmo com numerosos
tratados normativos. Quaisquer que sejam os motivos da sua abstenção, um Estado que não
exprime o seu consentimento definitivo em vincular-se não é obrigado a respeitar as obrigações

11
No século XIX, alguns governos justificavam ainda a sua recusa de ratificar invocando o excesso de
poder dos plenipotenciários. No quadro dos regimes representativos e democráticos, as recusas de
ratificar provêm, a maior parte das vezes, do desacordo entre o Executivo e o Parlamento.

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fixadas pela Convenção e não pode daí tirar vantagem. Somente o envio dos instrumentos de
ratificação (ou de aceitação ou de aprovação) é suscetível de vincular o Estado12.

Inexistência de uma presunção a favor da ratificação: modo tradicional da expressão do


consentimento em vincular-se, a ratificação – assim como a aceitação ou a aprovação – só se
impõe se for prevista pelos Estados signatários. A liberdade de escolha de que dispõe resulta
claramente da redação do artigo 14.º da CVDT.
19

II – Conclusão em forma simplificada

Definição: Um Tratado pode ser definitivamente concluído desde que seja assinado. Neste caso,
a assinatura desempenha uma dupla função: ela é, ao mesmo tempo, um processo de
autenticação do texto e um modo pelo qual o Estado exprime o eu consentimento. Já não é
necessário que intervenha depois desta assinatura qualquer outro ato, seja a ratificação, a
aceitação ou a aprovação. Diz-se que o tratado é concluído segundo um processo breve ou “de
um único grau” ou “tratado formal” que se conclui segundo o processo longo, “ de duplo grau”.
Quaisquer que possam ser as dificuldades de ordem constitucional suscitadas pela prática de
acordos em forma simplificada, a sua validade é indiscutível em Direito Internacional. A
Convenção de Viena confirma, de resto, a dupla função da assinatura: autenticação do texto
(artigo 10.º CVDT) e, se for caso disso, modo de expressão do consentimento em vincular-se
pelo tratado (artigo 11.º CVDT).

Recurso ao processo breve: O processo longo, com a sua inevitável lentidão, não permite
fazer face a todas as necessidades. Não só é necessário concluir muito, mas também concluir
depressa e a tempo. A voga dos acordos em forma simplificada é, por outro lado, a consequência
de uma tendência generalizada da política interna. Em todos os países o executivo opta pelo
processo breve, todas as vezes que é constitucionalmente possível, a fim de se libertar da coação
parlamentar que surgiu com a experiência não como motor, mas como um travão da ação
internacional13. É significativo que a assinatura constitua o primeiro dos modos de expressão
do consentimento em vincular-se citados pelo artigo 11.º CVDT. Se bem que, nos termos do
Artigo 12.º CVDT, se vise manifestamente o acordo sob a forma simplificada, ela abstém-se de
pronunciar o seu nome a fim de deixar às práticas internas toda a liberdade de recorrer, se for
caso disso, a uma outra denominação. A adoção da rubrica e da assinatura ad referendum como

12
Alguns autores, nomeadamente J. Basdevant e G. Scelle, perguntaram-se se a responsabilidade
internacional do Estado que recusa ratificar não podia, em certos casos, ficar comprometida com o
fundamento da teoria do abuso do direito. O exame da prática internacional não permite responder
pela afirmativa, por muito condenável que politicamente tal atitude possa ser por vezes.
13
Este processo teve origem na prática americana dos executive agreements. Desde o final do século
XVIII o Presidente dos Estados Unidos, para se reservar o máximo de autonomia na condução da política
externa do país, concluía sozinho certos acordos, ditos acordos executivos, que, regra geral, entram em
vigor pelo simples facto de serem assinados pelo Presidente ou em seu nome. Sendo raros inicialmente,
devido à persistente predominância dos tratados em forma solene, os acordos em forma simplificada
concluídos por todos os Estados do mundo multiplicaram-se depois consideravelmente. O recurso tão
frequente aos acordos em forma simplificada explica-se pelo facto de o processo longo estar menos
adaptado hoje do que ontem ao papel internacional do Estado, o qual, em consequência da crescente
intensificação das relações internacionais e do contínuo alargamento das matérias submetidas ao
Direito Internacional, tem de regular em comum com outros Estados, pela via dos tratados, problemas
numerosos e variados.

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modo de expressão do consentimento tem por objetivo facilitar ao máximo o processo breve.
Todavia, a confirmação ulterior de uma assinatura ad referendum não deve ser interpretada
como uma aprovação do tratado, de outra maneira voltar-se-ia ao processo longo. No quadro
do processo em forma simplificada, esta confirmação produz um efeito retroativo.

Características dos acordos em forma simplificada: Os ensinamentos recebidos da


prática muito abundante dos acordos em forma simplificada permitem descrevê-los de modo
completo. Dois traços principais caracterizam este tipo de acordos: 20

- a sua flexibilidade;

- a sua identidade de natureza com o tratado formal.

O processo breve, como o processo longo, é deixado à livre escolha dos Estados. Pode
ser utilizado tanto para as Convenções Bilaterais como para as Multilaterais. No caso das
Bilaterais, os dois negociadores apõem-se simultaneamente a sua assinatura num mesmo
instrumento. De outra forma, as assinaturas efetuam-se por uma troca de notas ou de cartas,
sendo a data do tratado a da receção da segunda carta ou nota. No caso de um troca de cartas,
estas são redigidas em termos idênticos e cada uma delas reproduz integralmente o texto do
acordo. A assinatura pode ser aposto pelo Chefe de Estado, pelo Chefe de Governo, pelo
Ministro dos Negócios Estrangeiros ou por qualquer funcionário devidamente autorizado pelo
Ministro dos Negócios Estrangeiros. Outra prova da flexibilidade do processo breve e da
liberdade dos Estados: um acordo pode ser um tratado formal para certos Estados e um acordo
de forma simplificada para outros. Excluindo as diferenças de processo, não existem diferenças
de natureza entre o acordo de forma simplificada e o tratado solene, tendo um e outro o mesmo
valor obrigatório para os Estados partes. O acordo não é juridicamente inferior ao tratado formal.
Entre os dois, também não existe qualquer diferença material.

B – Determinação das Autoridades Competentes

Generalidades: A conclusão dos tratados de forma solene oferece uma espécie de parêntesis
interno no processo internacional: os Estados signatários reservam-se a possibilidade de
proceder a um novo exame antes de exprimir o seu consentimento “definitivo” em se
vincularem. Quanto a esta fase do processo, o Direito Internacional não pode senão remeter
para o Direito Interno: nenhuma consideração de oportunidade ou de lógica jurídica impõe uma
solução uniforme; os constituintes nacionais dispõem de uma total liberdade de organização do
processo. É o que reconhece a fórmula frequentemente utilizada nas cláusulas finais dos
tratados, segundo a qual o consentimento será expresso “em conformidade com as regras
constitucionais respetivas” dos Estados signatários. A questão inscreve-se, pois, exclusivamente
no debate constitucional interno. A sua solução deriva, inevitavelmente, quer do esquema
constitucional geral, quer da relação de forças entre os órgãos constitucionais, dado mais
conjuntural que orienta a prática política interna. Na época contemporânea em que o Direito
Convencional invade cada vez mais a legislação interna, o objetivo geralmente procurado é de
um certo controlo prévio do executivo, quer pela opinião pública (referendo), quer pelo
legislador (autorização parlamentar). Todavia, o Direito Interno não pode abstrair-se totalmente
dos dados da prática internacional, uma vez que só regulamenta uma das fases do processo de
conclusão dos tratados: a dificuldade principal provém da generalização dos acordos em forma

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simplificada, a qual reforça a primazia tradicional do executivo. As Constituições modernas


consagram um espaço cada vez maior a este problema. Certas disposições têm por objetivo
definir os processos segundo os quais é autorizada e realizada a conclusão de acordos; outras
especificam o campo de aplicação de tais processos. No que respeita aos tratados concluídos
pelas Organizações Internacionais, a Convenção de Viena transpõe, mutatis mutandis, as regras
aplicáveis aos tratados entre Estados. Assim, nos termos do artigo 11.º, n.º2, “o consentimento
de uma organização internacional em vincular-se por um tratado pode ser expresso pela
assinatura, já que a troca de instrumentos constitui um tratado, um ato de confirmação formal 21
– que é equivalente à ratificação do Estado – a aceitação, a aprovação ou a adesão, ou por
qualquer outro modo conveniente. Todavia, a questão de saber qual seja a autoridade
competente para exprimir o consentimento definitivo da organização em vincular-se não se põe
nos mesmo termos que no âmbito do Estado. Este problema, já observado no que respeita à
assinatura, só pode ser resolvido caso por caso em função das regras próprias a cada organização
e, por vezes, da categoria do tratado em causa.

3.º Introdução do Tratado na Ordem Jurídica Internacional

A – Entrada em Vigor

Entrada em vigor segundo a Convenção de Viena: Para que as disposições da Convenção


Internacional se tornem Direito Positivo e se integrem no ordenamento jurídico internacional, é
preciso que sejam cumpridas as condições da sua entrada em vigor. A Convenção de Viena abre
neste domínio largas possibilidades de escolha aos negociadores no seu artigo 4.º. A sua
disposição põe a tónica numa distinção extremamente importante: uma Convenção
Internacional pode ser obrigatória para certos Estados e não para o conjunto dos signatários;
“entra em vigor” desde que se cumpram as condições previstas mas não se aplicará aos outros
signatários senão na medida em que estes tenham expresso o seu consentimento definitivo em
vincular-se. É o sistema de entrada em vigor escalonada; não se concebe senão para os tratados
multilaterais em forma solene. Além disso, convém distinguir a entrada em vigor e a aplicação
efetiva do tratado: os Estados podem prever um prazo entre a realização de todas as condições
da entrada em vigor e a data na qual as suas disposições (ou algumas de entre elas) se aplicam.

Condições da entrada em vigor: Por definição, os acordos em forma simplificada entram em


vigor desde que os negociadores tenham expresso o consentimento dos Estados em vincular-se,
pela aposição da sua assinatura. Isto é frequentemente determinado por uma cláusula final.
Quando de um tratado em forma solene, a regulamentação da sua entrada em vigor é diferente
conforme ele é bilateral ou multilateral.

1.º Os tratados bilaterais entram em vigor, consoante o caso, na data da troca dos dois
instrumentos de ratificação (ou de aceitação ou de aprovação), do estabelecimento do
processo-verbal que comprove aquela troca ou da segunda notificação da ratificação Para dar
tempo aos Estados de organizar e preparar esta entrada em vigor, o tratado prevê, por vezes,
um prazo consecutivo à troca dos instrumentos de ratificação. Só depois de este prazo expirar,
é o que tratado entra em vigor. Em caso de omissão no texto, o Tribunal Internacional de Justiça

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considera que existe uma presunção a favor da entrada em vigor na data da troca das
ratificações.

2.º Quanto aos tratados multilaterais, requer-se, por vezes, a unanimidade das
ratificações pelos signatários como condição da sua entrada em vigor.

Concebível no que diz respeito a tratados políticos ou tratados plurilaterais (número


ilimitado de partes), esta unanimidade corre o risco de bloquear indefinidamente a entrada em
vigor dos tratados multilaterais gerais concluídos entre um grandíssimo número de Estados. Eis 22

o motivo porque é de tradução, nestes últimos tratados, que as suas cláusulas finais subordinem
a sua entrada em vigor à obtenção, não da unanimidade, mas apenas de um certo número de
ratificações. Noutros casos, a exigência da qualidade junta-se à da quantidade. Ao fixar o
número de ratificações necessárias, um tratado pode subordinar a sua entrada em vigor a
ratificações provenientes de certos Estados, em função da sua importância no quadro desse
tratado. De acordo com o artigo 110.º da Carta das Nações Unidas, a sua entrada em vigor é
fixada para o dia em que a maioria dos Estados signatários, a que se juntam os cinco Estados
membros permanentes do Conselho de Segurança, a tiverem ratificado. Esta limitação do
número de ratificações necessárias constitui um progresso na técnica da conclusão dos tratados,
enquanto facilita e acelera a sua passagem ao Direito Positivo.

Aplicação provisória de um tratado: Codificando uma prática já antiga e tornada cada vez mais
frequente, o artigo 25, n.º1 CVDT dispõe nos termos seguintes:

“1. Um tratado ou uma parte de um tratado aplica-se a título provisório,


aguardando a sua entrada em vigor:

a) Se o próprio Estado assim o dispuser; ou


b) Se os Estados que participaram na negociação concordaram de
outra maneira.”

Esta “outra maneira” consiste, por exemplo, num protocolo ou em qualquer outro texto
não incorporado no tratado. A aplicação provisória não confere ao tratado o caráter de um
acordo em forma simplificada. Ela torna-se necessária em virtude da urgência
discricionariamente apreciada pelos negociadores, mas o processo continua a ser o processo
longo com expressão após a assinatura do consentimento estatal em vincular-se. A aplicação
provisória é particularmente útil quando o tratado cria um mecanismo institucional complexo.
A técnica de criação de comissões preparatórias encarregadas de traçar a via para a futura
organização é muito frequentemente praticada. Reveste, contudo modalidades muito variadas;
aplicação provisória do próprio ato constitutivo, criação da comissão preparatória para uma
organização informal da Conferência tendo adotado o ato constitutivo, adoção de um acordo
em forma simplificada destinado a desaparecer com a entrada em vigor do ato constitutivo. O
n.º2 do artigo 25.º CVDT fixa um limite à aplicação provisória:

“A menos que o tratado disponha diversamente ou que os Estados que


participaram na negociação não tenham concordado noutro sentido, a aplicação a título
provisório de um tratado ou de uma parte de um tratado a respeito de um Estado cessa se esse
Estado notificar, aos outros Estados, entre os quais o tratado é aplicado provisoriamente, a sua
intenção de não se tornar parte desse tratado.”

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Podem, contudo, levantar certas dúvidas sobre a compatibilidade da aplicação


provisória dos tratados com as regras constitucionais relativas ao compromisso definitivo do
Estado.

B – Registo e publicação

23

Sistema do Pacto da Sociedade das Nações: o artigo 18.º do Pacto S.d.N. instituiu duas
formalidades novas, o registo e a publicação do tratado, destinados a aperfeiçoar a sua
introdução na ordem jurídica internacional.

1.º A origem do artigo 18.º é essencialmente política. A fórmula do Pacto “Qualquer


tratado ou compromisso internacional concluído de futuro por um membro da Sociedade
deverá ser imediatamente registado pelo Secretariado e por ele publicado logo que seja possível.
Nenhum destes tratados ou compromissos internacionais será obrigatório antes do respetivo
registo”, institucionalizando-se assim a prática da diplomacia pública ou aberta.

2.º Alcance. A prática internacional consagrou apenas parcialmente as intenções dos


autores do Pacto, um registo sistemático de todos os acordos internacionais a uma sanção
severa para a falta de registo. O primeiro objetivo pressupunha uma informação sem falhas do
Secretariado da Sociedade das Nações: ela podia ser organizada para os tratados concluídos sob
a égide da Sociedade das Nações, mas, nos outro casos, dependia da boa vontade e da diligência
dos Estados. Do ponto de vista quantitativo, obtiveram-se resultados satisfatórios. Mas, por
vezes, os Estados conservaram uma conceção restritiva do acordo internacional. O fracasso foi
mais nítido em matéria de sanções; neste ponto, o artigo 18.º caducou imediatamente. Pela via
consuetudinária, os Estados admitiram que um tratado não registado entrasse em vigor e tivesse
força obrigatória; simplesmente, ele era inoponível perante os órgãos da Sociedade das Nações,
em particular num recurso perante o Tribunal Penal de Justiça Internacional. Por uma
preocupação de realismo, a Carta das Nações Unidas adotou esta solução.

Sistema atual: Está fundamentado no artigo 102.º da Carta das Nações Unidas redigido:
“1. Qualquer tratado ou acordo internacional, concluído por um Membro das
Nações Unidas, depois da entrada em vigor da presente Carta, será o mais cedo possível
registado no Secretariado e por ele publicado.

2. Nenhuma parte num tratado ou acordo internacional que não tenha sido
registado em conformidade com as disposições do n.º1 do presente artigo não poderá invocar o
dito tratado ou acordo perante um órgão das Nações Unidas.”

Notar-se-á que, de acordo com esta disposição, e diferentemente do artigo 18.º, o


tratado será registado no Secretariado e não por ele, “o mais cedo possível” e não
“imediatamente”. De facto, o registo oficioso de inúmeros tratados concluídos “sob auspícios”
da O.N.U. continua a ser assegurado pelo Secretariado desta Organização. Dese 1945, outras
organizações internacionais criariam, igualmente, sistemas especiais de registo cuja aplicação
está limitada aos tratados relativos às suas respetivas atividades. O artigo 80.º CVDT confirma a
solução do artigo 102.º da Carta.

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Secção II – Aspetos Particulares da Conclusão dos Tratados Multilaterais

Origem e função dos tratados multilaterais: Um tratado multilateral é um tratado concluído


entre vários Estados. Apresentando sobre o tratado bilateral a vantagem de ter um campo de
aplicação mais extenso, teoricamente mesmo ilimitado, está particularmente adaptado à função
de elaboração do Direito, pois favorece a sua unificação e a sua generalização. A partir dos
24
meados do século XIX, o tratado multilateral implantou-se definitivamente como o processo
normal de elaboração do Direito Convencional. A terminologia do Direito Internacional
enriqueceu-se, então, com expressões como “tratado-lei”, “tratado legislativo”, “convenção
geral” e “tratado multilateral geral”. As principais particularidades da conclusão dos tratados
multilaterais relacionam-se com a sua natureza e a sua função:

- Institucionalização do processo de elaboração;

- Recurso a processos especiais destinados a alargar a comunidade dos Estados


contratantes;

- Instituição de um órgão novo: o depositário dos tratados, encarregado, em


nome das partes, da sua “administração”.

1.º Institucionalização do Processo de Elaboração

Os diferentes processos coletivos: O processo de elaboração das Convenções Multilaterais


traduz de maneira impressionante a interpenetração das técnicas propriamente interestatais de
coordenação e de novos mecanismos institucionais mais integrados. A institucionalização é
particularmente acentuada quando a convenção é elaborada mesmo dentro de um órgão
coletivo permanente de uma organização internacional onde se pratica a “diplomacia
parlamentar”, isto é, uma técnica de negociação que recorre amplamente aos métodos das
assembleias parlamentares nacionais. Apesar de tudo, esta evolução marca também os
mecanismos de elaboração dentro de conferências diplomáticas ad hoc – reunidas
especialmente com vista à negociação de uma convenção especial – que, em certos aspetos, se
assemelham também cada vez mais a formas parlamentares. Num e noutro caso, contudo, é
essencial ter presente que não são os representantes do “povo mundial” que negoceiam, mas
sim os dos Estados soberanos.

A – Elaboração por uma Conferência Internacional

Tipologias de Conferências:
1.º Distinção tradicional e congressos: Pensou-se que se podia basear esta distinção nas
diferenças substanciais entre estas duas espécies de reuniões: solução de problemas políticos e
preponderância das grandes potências no Congresso, estabelecimento das regras de Direito e
igualdade entre todos os participantes nas conferências. Contudo, esta separação nunca foi tão

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nítida na prática. Na época contemporânea, tende-se a utilizar apenas o termo conferência para
designar indiferentemente as reuniões políticas ou as reuniões jurídicas.

2.º Distinção baseada nas modalidades de convocação das conferências: A este respeito,
podemos dividi-las em dois tipos:

- o primeiro engloba as conferências convocadas por iniciativa de um ou de


vários Estados;
25
- o segundo tipo designa as conferências convocadas por iniciativa de uma
organização internacional. Sob o impulso da Sociedade das Nações, e depois, ainda com mais
firmeza, da Organização das Nações Unidas, de outras organizações universais de caráter técnico
e de organizações regionais, as conferências internacionais, para a elaboração de normas
jurídicas em matéria cada vez mais numerosas, multiplicaram-se de tal modo que desafiam
qualquer tentativa de contagem.

Podemos sublinhar as diferenças reais entre os dois tipos. Do ponto de vista do seu
objeto, as conferências do primeiro tipo são muitas vezes simultaneamente politicas e técnicas,
ao passo que as do segundo tipo são sempre exclusivamente consagradas ao estabelecimento
de regras de Direito. No que respeita à sua composição, à sua organização e ao seu
funcionamento, as conferências convocadas pelas organizações internacionais são nitidamente
mais institucionalizadas do que as que resultam de uma iniciativa puramente estatal.

Composição das Conferências: Pelo que diz respeito às Conferências reunidas por iniciativa
de um ou de vários Estados, estes beneficiam de um poder discricionário para designarem
Estados convidados. O convite pode estar sujeito a certas condições políticas. Nas conferências
convocadas por uma Organização Internacional, devem distinguir-se duas categorias de
convidados14:

- Estados membros da Organização anfitriã que são convidados de direito;

- Estados que só podem ser convidados se preencherem os requisitos


determinados pelo órgão competente desta organização.

Organização e funcionamento:
1.º A organização material de cada conferência está assegurada, segundo o caso, pelo
Estado escolhido como sede ou pela organização. Um tratado elaborado por uma Conferência
convocada e organizada por uma Organização denomina-se Tratado concluído “sob os auspícios”
desta Organização. Quando a Conferência convocada por uma Organização não se realiza na
sede desta, o Estado promotor contribui largamente para essa organização material.

2.º As regras aplicáveis são, em princípio, as mesmas para os dois tipos de Conferências.
A Conferência convocada por uma Organização Internacional não é um órgão desta, conserva o
caráter de uma reunião interestadual clássica, dotada de existência autónoma e regulada pelo
Direito Internacional geral das Conferências Internacionais. Contudo, cada Organização
Internacional procede à codificação destas regras através dos textos estabelecidos

14
A fixação de critérios de convite levanta problemas jurídicos e problemas políticos agudos. A
participação de uma entidade numa Conferência é um índice importante da sua personalidade
internacional e da sua representatividade política nas Relações Internacionais.

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“autoritariamente” por ela e aos quais se acrescentam novas regras, destinadas a preencher as
lacunas ou a esclarecer as obscuridades do Direito Consuetudinário.

a) Medidas preliminares: em todas as Conferências cada Estado participa por


intermédio de delegações que compreendem delegados propriamente ditos dotados de plenos
poderes, conselheiros e peritos. A Conferência constitui a sua própria comissão de verificação
de poderes. Elege o seu executivo: o Presidente, Vice-Presidentes, relatores. Delibera
definitivamente em sessão plenária; o trabalho de preparação efetua-se, em geral, no âmbito 26
de comités e sub-comités. É igualmente designado um comité de redação com a competência
de aperfeiçoar a redação definitiva da Convenção, depois de ter revisto e coordenado as
diferentes disposições adotadas separadamente. Nas Conferências convocadas pelas
Organizações Internacionais universais, leva-se em conta em todas estas nomeações, uma
repartição geográfica equitativa e, de maneira mais ou menos explicita, as diferenças políticas e
ideológicas entre os Estados participantes. A Conferência estabelece ela própria o seu regimento
interno e decide soberanamente a ordem do dia. Os projetos de um e de outro são sempre
redigidos antes pelo órgão competente da Organização anfitriã, a maior parte das vezes pelo
seu Secretário.

b) Discussões: a base das discussões é constituída pelo projeto do Tratado.


Quando a conferência é organizada por Estados, este projeto pode ser preparado previamente
pelo ou pelos Estados anfitriões. Se é uma Organização a convocar a Conferência a redação do
projeto é confiada a um dos seus órgãos.

A complexidade das questões discutidas, multiplicidade dos interesses em jogo, a


importância das oposições, contribuem para explicar o sucesso da fórmula do consenso na
condução das discussões. Correntemente utilizado nas Nações Unidas este método, que
consiste em adotar as diversas disposições do projeto de Convenção sem voto – e por
conseguinte em discutir durante o tempo que for necessário para que as oposições irredutíveis
sore cada uma delas acabem por ser superadas – não exclui a intervenção de um voto global no
final dos debates, nem mesmo o recurso à técnica maioritária ou unânime no decurso da
discussão em caso de insucesso do consenso. Nas Conferências mais complexas, em que os
conflitos de interesses se revelam irredutíveis, os métodos de negociação tendem a aproximar-
se dos da diplomacia parlamentar no seio das Organizações Internacionais. Aliás, os regimentos
internos das Conferências sob os auspícios das Nações Unidas são muitas vezes em larga medida
diretamente inspirados nos dos órgãos da Organização. Pelo seu formalismo e pelo seu peso, o
regimento interna acaba por assemelhar-se a uma coação insuportável: para evitar a tutela
imposta aos comités de negociação, as delegações favorecem técnicas mais flexíveis e aceitam
reconhecer um papel essencial aos grupos ou intergrupos oficiosos, aos presidentes de comité,
ao presidente da conferência.

C) Adoção do texto efetua-se, regra geral, pelo processo do voto. Nos termos
do artigo 9.º da Convenção de Viena. Esta disposição tem apenas valor supletivo e nada impede
a conferência de fixar outra maioria, de aceitar a unanimidade ou de adotar o texto por consenso.
Na prática, o recurso ao processo da unanimidade, que respeita plenamente a soberania, não
cria um verdadeiro risco de bloqueio se a conferência reunir apenas um número limitado de
Estados. Quando este número é relativamente elevado, a unanimidade é ainda muitas vezes
exigida em virtude do objeto político da Conferência. Nos outros casos, quando existe um
grande número de participantes considera-se pouco realista exigir a unanimidade. Maioria
simples ou maioria qualificada? A aplicação da regra da maioria simples apresenta a vantagem
de facilitar a adoção dos textos e, portanto, de aumentar as hipóteses de sucesso da Conferência.

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Os seus adversários insistem, pelo contrário, nos seus inconvenientes: falta de autoridade das
decisões que dela resultariam e proteção insuficiente dos interesses da minoria. Cada
Conferência, quando da adoção do seu regulamento interno, fixa, ela própria, a sua regra de
votação. Verifica-se um uso corrente de diversas maiorias, se bem que os casos de recurso à
maioria de 2/3 sejam os maios números.

d) Relativamente simples no que respeita aos tratados bilaterais, o problema da


ou das línguas de redação é extremamente complexo tratando-se de convenções multilaterais. 27
Tradicionalmente, a língua única era o Latim. Desde a época moderna e até à Primeira Guerra
Mundial, o Francês, promovido a língua diplomática oficiosa da Europa, foi constantemente
escolhido. Em 1919, o Francês perdeu esse monopólio. O Tratado de Versailles e o Pacto da
Sociedade das Nações foram simultaneamente redigidos em Inglês e Francês, fazendo
igualmente fé as duas versões. As conversações concluídas no quadro das Nações Unidas foram
redigidas em cinco línguas: Inglês, Mandarim, Castelhano, Francês e Russo, às quais hoje em dia
é necessário acrescentar o Árabe, língua oficial e de trabalho da Assembleia Geral desde 1973.
Esta pluralidade é uma manifestação irrefutável da universalização do Direito Internacional e
parece conforme ao princípio da igualdade de soberania dos Estados; em contrapartida,
aumenta as dificuldades de interpretação.

e) Se, em princípio, nada exclui a autenticação do texto se processe pela


assinatura dos diferentes Estados participantes, a Conferência termina frequentemente pela
aprovação de um instrumento denominado “ato final”. No entanto, a assinatura não é
obrigatória; na prática das Conferências que comportam um número muito grande de
participantes acontece frequentemente que o ato final seja assinado somente pelo presidente
da Conferência. De resto, a assinatura do ato final não exclui forçosamente a do próprio tratado.
Acontece, além disso, frequentemente, que o texto de uma Convenção concluída sob os
auspícios das Nações Unidas seja retomado no anexo de uma Resolução da Assembleia Geral.
Não se trata de uma técnica de autenticação do tratado; o objetivo é de chamar a atenção para
o texto adotado e efetuar uma pressão em favor da ratificação ou da adesão.

B – Elaboração por um órgão permanente de uma Organização Internacional


Base jurídica e características gerais do sistema: Criadas com o fim de reforçar e facilitar a
cooperação interestatal, todas as Organizações Internacionais têm competência para autorizar
a conclusão de Convenções Internacionais. A sua capacidade só é limitada pelo princípio da
especialidade: as Convenções concluídas no seio das organizações devem ser conformes aos fins
e ao objetivo delas. A maior parte das cartas constitutivas das Organizações definem o campo
de aplicação e as modalidades de exercício desta competência. Na prática, as disposições
pertinentes são interpretadas extensivamente; no silêncio dos textos, pode sempre recorrer-se
à teoria dos poderes implícitos para justificar a aplicação de uma tal competência. O campo de
aplicação não é fácil de determinar. A conclusão de convenções no interior de uma organização
deve distinguir-se, por um lado, da elaboração por uma conferência realizada sob os auspícios
da Organização, por outro, da adoção de um ato unilateral da referida organização.
Teoricamente, a distinção é nítida: o primeiro método consiste em utilizar os órgãos e os
processos próprios da Organização, e não os das delegações nacionais convidadas para uma
Conferência; como qualquer outra, a convenção adotada no âmbito de uma Organização entra
em vigor de acordo com as habituais modalidades e continua a ser um ato multilateral. Na
realidade, as situações são frequentemente ambíguas. Por vezes, os estatutos preveem que os

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órgãos da Organização decidam concluir uma Convenção por si mesmos ou por uma Conferência
convocada por eles; a escolha do método só se efetua na última fase da negociação; em ambos
os casos, o essencial da elaboração do texto terá tido lugar segundo as técnicas próprias da
Organização. Esta analogia de processos é ainda mais manifesta quando se compara a adoção
de uma Convenção com um ato unilateral no quadro da Organização. É então difícil encontrar
neles indícios quanto à real natureza do ato adotado. Da mesma maneira, as condições de
entrada em vigor não fornecem necessariamente critérios decisivos. A elaboração de
Convenções no quadro das Organizações Internacionais é o domínio em que a fórmula da 28
“diplomacia parlamentar” mais se justifica e em que a comunidade interestatal mais se aproxima
da ideia do “legislador” internacional, sem que qualquer assimilação com a Ordem Interna
Nacional seja possível. O facto de se tratar de uma competência própria da Organização suscita
com efeito particularidades notáveis. A “planificação” da elaboração do Direito Convencional
torna-se possível graças à permanência dos órgãos e à sua estrutura hierárquica; ela escapa, em
certa medida, às pressões unilaterais dos Estados. OS processos internos da Organização são
oponíveis aos Estados membros e, salvo se forem modificados segundo as regras da própria
Organização, não podem ser adaptados discricionariamente. Estas são as regras gerais sobre a
deliberação no âmbito dos órgãos e sobre a adoção das resoluções que serão aplicáveis:
trabalhos preparatórios por colégios de peritos ou pelo secretariado – mas com consulta dos
Estados no decorrer desta fase, sob a forma de questionários –; reapresentação do projeto, por
intermédio dos órgãos subsidiários, ao órgão intergovernamental plenário; adoção, soba forma
de resolução, por unanimidade, por maioria ou por consenso; autenticação pelos órgãos da
organização. Porém, não se pode levar longe de mais a analogia com a função legislativa: o
caráter “autoritário” do processo cessa com a adoção do projeto de convenção; a entrada em
vigor desta última continua a depender da ratificação ou adesão dos Estados.

Elaboração das Convenções Internacionais do Trabalho: A originalidade do método


seguido pela Organização Internacional do Trabalho para elaborar e adotar as Convenções do
trabalho está estritamente ligada ao caráter tripartido desta instituição. Não só, nos órgão da
Organização, têm assento, em igualdade do ponto de vista quantitativo, representantes
patronais e dos assalariados ao lado dos delegados que representam os governos, mas o peso
dos primeiros é comparável ao dos segundos no processo de decisão. Daí resultam três
particularidades no modo de elaboração das Convenções pela Conferência Geral do Trabalho:

a) Indivíduos estão efetivamente associados ao desenrolar do processo de


negociação. Em princípio, os delegados não governamentais devem
representar realmente interesses específicos, os dos dadores de
trabalho e dos empregados, e dar provas de independência em
relação ao governo do seu país de origem.
b) Os projetos de Convenção são adotados pela maioria de dois terços,
fazendo-se a votação por cabeça e não por delegação nacional. O método
de votação constitui, pois, uma exceção à regra geral segundo a qual
os governos nacionais têm o monopólio absoluto da representação
do Estado nas Relações Internacionais. Uma convergência de
interesses dos representantes de interesses socioprofissionais e de
alguns governos pode pôr em xeque a vontade de uma maioria de
Estados membros.
c) Autenticação dos textos adotados não se realiza mediante a assinatura dos
textos ou de um ato final pelos delegados, mas pela do Presidente da

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Conferência Geral e do Diretor do Bureau Internacional do Trabalho (Bureau


Internacional de Travail), o mais alto funcionário da Organização.

Estas características originais explicam porque é que as Convenções


Internacionais do Trabalho, uma vez adotadas, são submetidas a um regime
inédito. O consentimento final dos Estados, embora designado por “ratificação”
pelos estatutos, não corresponde ao sentido usual do termo: juridicamente, a
Convenção não foi aceite pelos representantes dos Estados. Em segundo lugar, 29

mesmo os Estados cujos representantes votaram contra o projeto são obrigados


a apresenta-lo às autoridades legislativas ou administrativas internas com vista
a obter delas aceitação da Convenção. E terceiro lugar, é ponto assente, desde a
origem da Organização Internacional do Trabalho, que a “ratificação” não pode
ser feita com reservas. Esta regra, combinada com a precedente, permitia
esperar uma melhoria mais rápida d sorte dos trabalhadores à escala universal.
Mas verificou-se que ela apenas era realista no quadro da relações entre Estados
com níveis económicos comparáveis. Por isso, em vez de aceitar um
“nivelamento pela base”, foi preciso resignar-se no decurso dos últimos anos, a
fixar normas moduladas no próprio âmbito das Convenções. Enfim, porque
sempre emanam de um órgão tripartido, estas Convenções não podem ser
objeto de uma interpretação ou de uma revisão pelos Estados Membros por
meio de acordos inter se; têm que respeitar os processos estabelecidos pelos
estatutos, que preveem a intervenção da Conferência Geral.

2.º Extensão da Comunidade dos Estados Contraentes

Para um alargamento do direito de participar no Tratado:


1.º Tratados fechados e tratados abertos: a distinção é tradicional:

- Tratado fechado: entende-se um tratado que não contém qualquer cláusula


autorizando outros Estados, que não sejam as partes contraentes, a submeterem-se ao regime
estabelecido pelo Tratado, em troca de um mínimo de formalidades processuais (ato unilateral
ou concertado de assinatura, acessão ou adesão). Com efeito, se for esse o caso, as partes
contraentes originárias, as que negociaram o Tratado, definem discricionariamente e por
unanimidade em que condições aceitará ver um terceiro Estado tornar-se parte desse Tratado.

- Tratado aberto: permite, pelo contrário, que um Estado não contratante se


torne parte por meio de um simples ato unilateral e sem que as partes originárias possam impor-
lhe condições particulares. Pertencem a esta categoria os tratados “multilaterais gerais”:
convenções de codificação do Direito Internacional, Convenções concluídas sob auspícios de
Organizações Internacionais Universais, Convenções sobre o controlo de armamento.

Na realidade, os Tratados de tipo “puro”, totalmente abertos ou fechados são


excecionais e a distinção nem sempre é fácil. Numerosos tratados são abertos mas para
categorias de Estados determinados de antemão; outros dizem-se semi-fechados: a faculdade
de adesão está subordinada a um convite formal do conjunto dos Estados signatários ou à sua

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aceitação, ou mesmo à negociação de um Tratado de adesão que as antigas partes contratantes


tal como os novos aderentes devem ratificar.

2.º O problema da “cláusula qualquer Estado”: A abertura do Tratado pode então


ser global – neste caso o Tratado tem vocação universal – ou parcial. Os critérios seletivos
encontrados na prática são muito variados e comportam muitas vezes restrições ao convite para
negociação: critérios políticos, critério geográfico, etc. Desta prática, favorável à liberdade dos
Estados signatários quanto à abertura dos Tratados, nasceu uma controvérsia político-jurídica. 30
Será admissível, na sociedade internacional atual, que o Tratados Mutilaterais Gerais não
estejam abertos a “qualquer Estado”? Não existirá uma presunção de abertura universal para
esta categoria de Tratados, no silêncio do texto? A resposta interessa todas as entidades cuja
existência como Estado esteja recente – novos Estados – ou contestada – os Estados não
reconhecidos por um grande número de Estados. A abertura destes Tratados a “qualquer Estado”
permitiria a sua participação, sem possibilidade de filtragem pela maioria ou pela unanimidade
das partes signatárias. Esta solução conforme à conceção legislativa do Tratado e em harmonia
com a teoria solidarista, apresenta alguns perigos de exploração política e pressupõe um grau
de solidariedade entre Estados superior ao que existe de facto na sociedade internacional atual.
A jurisprudência internacional já recusara admitir uma presunção de abertura para os Tratados
Multilaterais.

3.º A tendência para a abertura da participação não é menos manifesta após a


segunda Guerra Mundial. Se o direito ao Tratado não foi reconhecido em abstrato e de uma
maneira geral em 1969, verifica-se eu numerosas Convenções Multilaterais de interesse geral
são totalmente abertas e comportam a “cláusula qualquer Estado”. Esta tendência afirmou-se
com o fim da guerra fria e confirmou-se pelas disposições da Convenção de Viena respeitante,
por um lado à assinatura e à adesão, por outro e principalmente às reservas.

A – Assinatura Diferida e Adesão

Assinatura Diferida: Antes de qualquer processo de autenticação do texto do


Tratado, a assinatura não estava, em princípio, aberta senão aos Estados que tinham participado
na negociação; procediam a ela os Estados cujos negociadores consideravam o texto como
satisfatório. Esta possibilidade está hoje aberta a Estados que não tomaram parte na negociação
ou que, nela tendo participado, não julgaram oportuno assinar a Convenção no momento da
sua adoção. É o que se chama “assinatura diferida” e constitui um meio de extensão dos
Tratados Multilaterais permitindo a um Estado, quer dar um primeiro passo para um Tratado ao
qual era totalmente estranho, quer “arrepender-se” depois de reflexão.

Adesão: A adesão é o ato pelo qual um Estado que não assinou o texto do Tratado,
exprime o seu consentimento definitivo em vincular-se. Este processo tem o mesmo alcance
que o da assinatura e da ratificação. Nestas condições, as precauções que rodeiam o processo
de ratificação já não se impõem: o Estado aderente tomou, a respeito do Tratado, o recuo
necessário; ele teve todo o tempo para pesar as vantagens e os inconvenientes do seu
compromisso. A adesão permite, mais eficazmente do que a assinatura diferida, alargar o campo
de aplicação de uma regulamentação convencional: traduz, com efeito, o consentimento de um
Estado em vincular-se pelo Tratado, do mesmo modo que a ratificação, a aceitação ou a
aprovação. A Convenção de Viena esforça-se por facilitar a sua prática no seu artigo 12.º.

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Todavia, a eficácia do processo, para a generalização do regime convencional, é determinada


por dois elementos: os critérios materiais utilizados para definir o campo de aplicação da
cláusula de adesão e o processo de acolhimento do pedido de adesão. Com efeito, a técnica de
adesão diversificou-se. Inicialmente, desde os primeiros tratados multilaterais, a adesão
correspondia a um processo concertado: era necessário quer um acordo entre o Estado e as
partes originárias, quer a aceitação expressa ou tácita destas últimas, depois de notificação de
adesão. No caso da adesão só ser possível mediante convite dos Estados membros, ela apenas
poderá ocorrer após a entrada em vigor do Tratado. Salvo estas hipóteses, no silêncio do Tratado, 31
a adesão realiza-se hoje mediante um simples ato unilateral; o Estado aderente torna-se
automaticamente parte no tratado. Geralmente a adesão ocorrerá após a expiração do prazo
fixado para a assinatura diferida; assim, as adesões serão contabilizadas no cálculo que permite
fixar a data da entrada em vigor. É a simples aplicação do princípio segundo o qual os Estados
aderentes têm exatamente os mesmos direitos e prerrogativas que as partes originárias. A
admissão numa Organização Internacional constitui uma modalidade muito especial de adesão
segundo um processo complexo: o ato de candidatura é uma declaração de intenção; a própria
admissão resulta de uma decisão unilateral dos órgãos competentes da organização, segundo
os seus processos internos que abrem a via ao ato, em princípio unilateral, pelo qual o Estado
adere ao ato constitutivo. Todavia, pode acontecer que, neste caso, a adesão resulte de um
acordo entre as partes originárias e o Estado aderente. Enquanto substituto de outras
modalidades de consentimento, tanto do ponto de vista do Direito Interno como do Direito
Internacional; a simples manifestação da intenção de aderir não tem efeito jurídico e o
depositário do Tratado não pode tomá-la em consideração. O termo “acessão”, por vezes
utilizado como sinónimo de “aceitação”, é muitas vezes adotado em vez e o lugar de “adesão”;
menos frequentemente, sucede o mesmo para o termo “aceitação”.

B – Reservas

Definições:
1.º Em presença de um Tratado cujo objeto, finalidade e conteúdo, no seu conjunto,
lhe convém, à exceção de algumas das suas disposições, o Estado interessado pode escolher
entre duas atitudes: ou recusar-se a fazer parte do Tratado a fim de escapar à aplicação das
referidas disposições; ou não cortando completamente as pontes, consentir em vincular-se mas
declarando ao mesmo tempo quer que exclui pura e simplesmente do seu compromisso as
disposições que não merecem a sua concordância, quer que entende atribuir-lhes, no que lhe
diz respeito, um significado particular, suscetível da sua aceitação. Se o Estado optar por esta
segunda atitude e fizer uma tal declaração, diz-se que formula reservas a essas disposições. O
Direito dos Tratados autoriza-o a isso. Pode formular reservas à assinatura, à ratificação, à
aceitação, à aprovação ou à adesão. De acordo com o artigo 2.º, n.º1 CVDT:

“A expressão reserva designa uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu
teor ou a sua designação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um
tratado ou a ele adere, declaração pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas
disposições do tratado na sua aplicação a este Estado”.

2.º Ao lado das reservas propriamente ditas, a prática contemporânea vê proliferar


as declarações interpretativas, que, em princípio, têm por objeto, não excluir ou limitar a

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aplicação de uma disposição, mas somente esclarecer o seu sentido. Se a distinção entre
reservas e declarações interpretativas parece clara em abstrato, é-o muito menos in concreto.
Os Estados, com efeito, têm tendência a ter das segundas uma conceção bastante ampla e a
redigi-las de maneira tão ambígua que o sentido da Convenção pode ser largamente falseado;
em certos casos existe um meio cómodo (mas juridicamente inaceitável) de contornar as regras
limitando ou evitando as reservas. Quando um declaração interpretativa se analisa de facto com
uma reserva, é possível restabelecer esta qualificação.
32
Vantagens e inconvenientes: O processo das reservas é objeto de críticas severas. É acusado
de modificado o Tratado, violar a sua integridade, perturbar o seu equilíbrio, fragmentar o seu
regime. Embora tais objeções não sejam desprovidas de valor, não são decisivas. As reservas,
com efeito, facilitam a aceitação dos Tratados e favorecem por consequência, o alargamento do
seu campo de aplicação. Ela encontra, hoje, novos fundamentos de transformação da técnica
de elaboração dos Tratados Multilaterais e na multiplicação dos participantes nesta elaboração.
Por um lado, da aplicação do sistema maioritário resulta que o Tratado adotado contém
inevitavelmente disposições inaceitáveis para os Estados minoritários que as recusaram por
votação e que poderiam preferir abster-se de se vincularem se lhes fosse proibido formular
reservas. A opinião do Tribunal Internacional de Justiça é perfeitamente clara a este respeito:
“O princípio maioritário, se facilita a conclusão das Convenções Multilaterais, pode tornar
necessária, para certos Estados, a formulação de reservas”. Por outro lado, é muito difícil chegar
à unificação jurídica desejável, quando, dado o seu número elevado, os Estados participantes na
elaboração, no âmbito de uma grande Conferência Internacional, refletem toda a diversidade
do mundo que representam. Enfim, na época contemporânea, numerosas Convenções
Multilaterais Gerais estabelecem um verdadeiro Direito novo: por realismo, deve aceitar-se que
este seja aplicado progressivamente antes de tornar regra comum a todos os Estados. Assim, o
problema da legitimidade das reservas é um problema de escolha entre dois objetivos: a
aproximação dos povos pela extensão da comunidade das partes aos Tratados Multilaterais ou
a uniformização do Direito. Autorizando as reservas, o Direito Internacional positivo optou pelo
primeiro, as regras em vigor traduzem contudo a preocupação de evitar que as regras
convencionais possam ser esvaziadas da sua substância por uma prática abusiva das reservas.

Restrições convencionais à formulação de reservas:

1.º Princípio de liberdade: a regra fundamental neste domínio é que as partes


contratantes são livres de proibir, de limitar ou de facilitar a seu arbítrio a formulação de
reservas. Este princípio foi consagrado pelas alíneas a) e b) do artigo 19.º CVDT. Nos termos do
artigo 22.º, uma reserva ou uma objeção pode ser retirada em qualquer momento, a menos que
Tratado disponha diversamente.

2.º A prática é extremamente diversa. Por uma cláusula explícita, os Estados podem
proibir qualquer formulação de reservas. Admite-se geralmente que, nas Convenções
Internacionais do Trabalho, existe uma cláusula implícita de proibição das reservas pelo facto de
caber à Organização Internacional do Trabalho a missão de uniformizar as condições de trabalho
no mundo. Outros Tratados contentam-se com proibir reservas em algumas das suas disposições,
o que equivale a autorizá-las a respeito de todas as outras. Pelo contrário, alguns Tratados
autorizam expressamente as reservas a determinadas disposições, o que equivale a proibi-las
para os outros artigos. Outros ainda autorizam ou excluem algumas categorias de reservas.

3.º Efeitos das cláusulas relativas às reservas: Normalmente, quando as reservas são
autorizadas pelo tratado, não precisam do consentimento dos outros Estados contratantes para

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serem aplicadas, sendo dado este consentimento quando da aceitação da cláusula de


autorização. Mas os autores do Tratado podem decidir diversamente.

Formulação de reservas em caso de silêncio do tratado: Em caso de silêncio do Tratado,


põem-se dois problemas: dispõem os Estados de uma liberdade total na formulação de reservas?
E, se não for este o caso, quem pode apreciar a validade destas reservas?

1.º Limitações ao direito de formular reservas: O Direito Positivo evoluiu no sentido


33
de uma notável flexibilização. O artigo 19.º da Convenção de Viena admite formalmente que,
em caso de silêncio do Tratado, é possível uma reserva a não ser que “seja incompatível com o
objeto e a finalidade do tratado”. O artigo 20.º CVDT introduziu contudo duas restrições
suplementares:

“2. Quando resulta do número restrito do Estados que participaram na


negociação, assim como do objeto e da finalidade de um tratado, que a sua aplicação na íntegra
entre todas as partes seja uma condição essencial para o consentimento de cada uma em
vincular-se pelo tratado, deve ser aceite uma reserva por todas as partes;

3. Quando um tratado é um ato constitutivo de uma organização internacional,


a menos que disponha diversamente, uma reserva exige a aceitação do órgão competente desta
organização.”

Além disso, se bem que a Convenção de Viena seja omissa neste ponto, um Estado
não poderia fazer uma reserva a uma disposição contendo codificação de regras
consuetudinárias do Direito Internacional Geral que, conforme o Tribunal Internacional de
Justiça, por natureza devem aplicar-se em condições iguais a todos os membros da comunidade
internacional e não podem portanto estar subordinadas a um direito de exclusão exercido
unilateralmente seja ao arbítrio de qualquer dos membros da comunidade seja à sua própria
vantagem. Ocorre o mesmo, a fortiori, para reservas a cláusulas convencionais que exprimem
regras de ius cogens.

2.º No Estado atual da Sociedade Internacional, a apreciação da validade das


reservas não pode ser da competência do juiz a menos que os Estados nisso consintam. Por
conseguinte, à exceção do caso particular das reservas ao ato constitutivo de uma organização
internacional, para o qual pode encarar-se uma solução institucional (artigo 20.º, n.º1 CVDT), só
existe uma via possível, a que consiste em abandonar a cada Estado cocontratante o direito de
apreciar a validade de uma reserva e, em especial, a sua conformidade com a finalidade e o
objeto do tratado. Alguns Tratados possuem, não obstante, cláusulas específicas sobre este
ponto. Para mais, quando o Tratado cria um órgão de controlo das obrigações convencionais, o
que é frequente em matéria de direitos do Homem, esse órgão deveria poder apreciar a validade
de eventuais reservas. Na prática, as instituições deste tipo dão provas de prudência.

Efeitos das reservas e das objeções às reservas: A exigência da aceitação, expressa ou tácita, da
reserva pelo conjunto dos Estados contratantes para que o Tratado possa entrar em vigor
relativamente ao Estado reservatório, equivalia a dar, a cada Estado parte, um direito de veto
pouco compatível com a tendência atual para o alargamento do direito de participar nos
Tratados. Esta solução, aplicada no tempo da Sociedade das Nações e no início das Nações
Unidas, está hoje ultrapassada. Atualmente a exigência da unanimidade já não é mantida, senão
parcialmente, para os tratados cujas partes são em número restrito. Quanto aos outros,
renunciou-se mesmo à ideia de um consentimento “coletivo” dado por uma percentagem
razoável de Estados partes. A Convenção de Viena convida mesmo os Estados a darem um lugar

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mais amplo à aceitação tácita das reservas: a ausência de objeções no prazo relativamente curto
de um ano deve ser interpretada como uma aceitação (artigo 20.º, n.º5 CVDT). Correlativamente,
os autores da Convenção de Viena, empenharam-se em reduzir o alcance das objeções às
reservas. A objeção não pode ser presumida, tem de ser sempre formalmente expressa, mas
pode emanar de um Estado simplesmente signatário. E para que a objeção tenha por efeito
impedir a entrada em vigor do Tratado entre os dois Estados interessados, é necessário que o
Estado que emite a objeção tenha manifestado claramente a sua intenção de que seja assim
(artigo 20.º, n.º4 CVDT). A prática arbitral confirma esta vontade de limitar os casos em que o 34
conjunto da relação convencional seria posto em causa pela combinação de uma reserva e de
uma objeção a esta. Evidentemente, a existência de reservas não modifica em nada o jogo do
Tratado entre os Estados que o aceitaram integralmente. Entre os Estados reservatórios e os
que aceitaram as reservas, as regras do Tratado são modificadas na medida requerida pelas
reservas. Entre os Estados reservatários e os que formulam objeções à reserva, sem no entanto
se oporem à entrada em vigor do Tratado entre eles, o Tratado aplica-se com exceção das
disposições sobre as quais incide a reserva. O ideal é evidentemente, encontrar o mais
rapidamente possível uma aplicação integral do Tratado; por isso, basta um ato unilateral de
abandono para que desapareçam reservas e objeções às reservas; esta retirada pode ocorrer
em qualquer momento.

A aposição de reservas pela ordem interna portuguesa:

3.º Instituição do Depositário

Noção de Depositário: Segundo o processo geral, comum a todos os Tratados, as cartas de


ratificação são trocadas entre os Estados contratantes: cada um deles deve proceder a tantos
envios quantas as partes. A multiplicação dos Tratados Multilaterais reunindo um número
elevado de partes levou a prática a simplificar este processo. A troca de cartas de ratificação
substitui então o ato do depósito dos instrumentos de ratificação. Para o efeito, os Estados
signatários designam, de comum acordo, um depositário do Tratado e confiam-lhe a tarefa de
centralizar todo o processo. Cada signatário já não tem necessidade de fazer senão um único
envio. Dirige ao depositário o instrumento, depois de ter estabelecido o processo-verbal de
receção. Introduzida desde o início do século XIX, esta prática tem sido constantemente
observada desde então.

Regime Jurídico:
1.º Escolha dos depositários: Regra geral, o Estado, em cujo território se desenrolam
as negociações ou se reúne a Conferência de elaboração, é designado como depositário, mas
nada impede que se proceda a outra escolha. Em particular, quando o Tratado é concluído sob
os auspícios de uma organização internacional ou negociado no seu âmbito, a institucionalização
completa-se muitas vezes pela designação como depositário da Organização ou do chefe do
Secretariado. A prática dos depositários múltiplos desenvolveu-se igualmente principalmente
pela influência de dois fatores:

- Por um lado, em certos casos, o critério geográfico não se mostrou satisfatório


porque levava a privilegiar um negociador enquanto outros teriam podido desempenhar um
papel igualmente importante.

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- Por outro, quando da discussão do Tratado de Moscovo de 25 de julho de 1963


sobre a proibição parcial dos ensaios nucleares, foi decidido instituir três Estados depositários,
os Estados Unidos, o Reino Unido e a União de Repúblicas Socialistas Soviéticas. Estando este
Tratado aberto à assinatura diferida e à adesão de “todos os Estados”, pareceu necessário
permitir a cada um a escolha de depositário em função das suas preferências políticas, ou optar
por aquele que o reconhecesse expressamente como Estado. Desde então, foi aplicada a mesma
solução a outros Tratados abertos a “qualquer Estado”.
35
2.º Funções de Depositário: Estas são essencialmente tarefas de administração do
Tratado. Contudo, põe-se uma questão: terá o depositário competência, além dessas funções
materiais, para verificar a regularidade dos atos concluídos pelos Estados interessados?
Confirmando o ponto de equilíbrio alcançado, não sem dificuldades, pela prática, o artigo 77.º
CVDT responde afirmativamente, mas apenas no que respeita à regularidade formal: em caso
de divergências de ponto de vista, “o depositário deve submeter a questão à atenção dos Estados
signatários contratantes ou, se for caso disso, ao órgão competente da Organização
Internacional em causa”. A Convenção de Viena confirma a função inicial de guarda do original
do Tratado e da centralização dos instrumentos de ratificação. Outras tarefas acrescem:
estabelecer cópias certificadas, informar as partes de todos os atos, notificações e comunicações
relativos ao Tratado, assegurar o registo do Tratado, etc.

Solução em vigor em Portugal:


- Professor Fausto Quadros15:

Quem tem competência em Portugal para negociar Tratados?

O artigo 200.º, n.º1, alínea b) da Constituição diz-nos que é ao Governo que


compete “negociar e ajustar convenções internacionais”. Para o efeito, cabe ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros a “condução das negociações”, por força do artigo 2.º, alínea d) do
Decreto-Lei n.º529/85, de 31 de Dezembro. Mas a rúbrica ou a assinatura de qualquer Tratado
Internacional carece de prévia autorização expressa da parte do Conselho de Ministros. Todavia,
a competência para essa aprovação encontra-se tacitamente delegada ao Primeiro-Ministro: é o
que dispõem os n.º 3 e 4 da Resolução do Conselho de Ministros n.º17/88, de 7 de abril. Isto
significa que é difícil verificar-se hoje uma descoordenação ou uma duplicação de tarefas em
matéria de negociação de Tratados em Portugal: só o Ministro dos Negócios Estrangeiros pode
negocia-los; e antes de eles serem rubricados ou assinados os plenipotenciários terão de obter
para o efeito autorização expressa da parte do Primeiro-Ministro. Mas a Constituição de 1976, no
seu artigo 229.º, n.º1, alínea s) veio conferir às Regiões Autónomas o poder de “participar nas
negociações de Tratados e Acordos Internacionais que diretamente lhes digam respeito(…)”.
Depois, os Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira
(aprovados, respetivamente, pela Lei n.º9/87, de 26 de março, e pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho)
vieram estabelecer que, a nível regional, aquela competência cabe ao respetivo Governo Regional
(artigo 56.º, alínea g) do Estatuto dos Açores e 49.º alínea f) do Estatuto da Madeira). Mas o que
se deve entender por “Tratados e Acordos Internacionais”, conforme rezam os citados dos artigos
229.º, n.º1 alínea s), da Constituição, 56.º, alínea g), do Estatuto dos Açores e 49.º, alínea r) do
Estatuto da Madeira? A Comissão Constitucional, no seu Parecer n.º 20/77, de 18 de agosto de
1977, definiu-os coo sendo os Tratados que “respeitem a interesses predominantemente
regionais ou que, pelo menos, mereçam, no plano nacional, um tratamento específico no que

15
Segundo opinião de Professor Fausto de Quadros

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toca à sua incidência nas Regiões, em função das particularidades destas e tendo em vista a
relevância de que se revestem para esses territórios”. Convenhamos que esta definição, pela sua
vacuidade, pouco ajuda o intérprete a encontrar uma resposta à pergunta colocada. Da nossa
parte, entendemos que o transcrito artigo 22.º, n.º1, alínea s) CRP e os preceitos similares dos
Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas englobam, sem dúvida, as Convenções
Internacionais que tenham por objeto:

a) As matérias a que se referem os artigos 75.º do Estatuto dos Açores 36


e 57.º do Estatuto da Madeira;
b) As matérias a que e referem os artigos 74.º do Estatuto dos Açores e
56.º do Estatuto da Madeira quando os protocolos de colaboração
permanente entre Estado e a respetiva Região, aí previstos, se
extraia que elas, em cada caso, dizem diretamente respeito à Região
em causa;
c) De entre as matérias arroladas nas outras alíneas doo citado artigo
229.º, n.º1, CRP aquelas que, pela sua natureza digam respeito a
cada Região, se não às duas simultaneamente: estarão nesse caso os
Tratados sobre diálogo e cooperação inter-regional, a que se refere
a alínea t) desse preceito.

Questão duvidosa é a de saber se naquele artigo 229.º, n.º1, alínea s), CRP e nos
preceitos similares dos Estatutos não cabem também as matérias de “interesse específico” para
cada Região, elencadas, a título exemplificativo, nos artigos 33.º do Estatuto dos Açores e 30.º do
Estatuto da Madeira. A favor de uma resposta afirmativa militam dois argumentos: o transcrito
do trecho da Comissão Constitucional; e o facto de as matérias de “interesse específico” serem,
por maioria de razão, matérias que dizem “diretamente respeito” às Regiões Autónomas. Só que,
se assim fosse, estar-se-ia a conceder às Regiões Autónomas um quase ilimitado poder de
participação na negociação internacional, que não parece ter estado pelo menos no espírito do
legislador constituinte. A participação das Regiões Autónomas nas negociações de Tratados
Internacionais, quando deva ter lugar, revestirá a forma de representação efetiva na delegação
portuguesa que negociar o Tratado respetivo, assim como nas respetivas comissões de execução
e fiscalização – é o que estabelecem os artigos 76.º do Estatuto dos Açores e 58.º do Estatuto da
Madeira.

Assinatura: Redigido o texto chega-se ao momento em que este é assinado pelos


plenipotenciários. A assinatura do Tratado produz efeitos jurídicos diferentes conforme se trate
de um Tratado Solene ou de um Acordo em Forma Simplificada. No Tratado Solene a assinatura
não significa ainda a vinculação do Estado ao Tratado, mas nem por isso deixa de gerar uma
multiplicidade de efeitos jurídicos, dos quais cabe assinalar os seguintes:

a) Exprime o acordo formal dos plenipotenciários quanto ao texto do


Tratado;
b) Produz para o Estado signatário o direito de ratificar o Tratado;
c) Faz surgir o dever para os Estados signatários de se absterem de
ações ou omissões que privem o Tratado do seu objeto ou do seu fim.
Trata-se, no fundo, de um imperativo do princípio da boa fé e
encontra-se consagrado no artigo 18.º CVDT;
d) Autentica o texto, que fica definitivamente fixado, conforme dispõe
o artigo 10.º, alínea b) CVDT;

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e) Marca a data e o local da celebração do Tratado, uma vez que a


ratificação vai ser feita posteriormente e em datas diferentes por
cada um dos Estados.

Ao contrário do que se passa nos Tratados solenes, nos Acordos em forma


simplificada a assinatura pode vincular imediatamente os Estados cujos plenipotenciários
assinarem. Veja-se o que adiante diremos sobre o artigo 24.º, n.4, CVDT, que pretende estender
a outros casos a vinculação imediata. Os plenos poderes podem, contudo, não conferir ao 37
plenipotenciário a faculdade de assinar. Se assim suceder, este, ou se limita a apor no texto as
suas iniciais, ou assina ad referendum, ficando as assinaturas definitivas para mais tarde. É o caso
da assinatura sob reserva de aceitação, que tem de ser confirmada pelo Estado respetivo. Esta
confirmação é normalmente dada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros e não se confunde
com a ratificação – veja-se, nesse sentido, o artigo 12.º, n.º2, alínea b), CVDT. Porque, em função
do respetivo Direito Constitucional, um mesmo Tratado pode revestir a forma de Tratado Solene
para um Estado signatário e de acordo em forma simplificada para outro, a assinatura pode
assumir efeitos diferentes conforme os Estados que o negociaram.

Ratificação: Como acima se disse, nos Tratados Solenes não é a assinatura que
vincula o Estado mas tão somente a ratificação e a subsequente troca de ratificações. A ratificação
é o ato jurídico individual e solene pelo qual o órgão competente do Estado afirma a vontade
deste de se vincular ao tratado cujo texto foi por ele assinado. É assim que a CVDT, no seu artigo
14.º, concebe a ratificação.

Os sistemas de ratificação – O sistema Português: Vejamos agora quis são os


sistemas de ratificação possíveis. Isto equivale a estudar os órgão que têm competência para o
processo de ratificação dos Tratados. O problema do sistema de vigência do Direito Internacional
está, embora não totalmente, ligado ao do sistema de vigência do Direito Internacional na Ordem
Interna. Ora, como vimos, o Direito Internacional na Ordem Interna. Como se disse, é o Chefe de
Estado quem tem competência para ratificar os Tratados Internacionais. Contudo, a lei interna
pode exigir a intervenção de outros órgãos, fazendo dessa intervenção uma conditio iuris da
vigência interna dos Tratados. Dito isto, podemos então, em síntese, encontrar dois sistemas
fundamentais de ratificação, que refletem a estrutura do Estado, conforme se verifica uma:

- concentração absoluta de poderes: admitindo a fusão dos poderes executivo e


legislativo num mesmo órgão, engloba duas variedades distintas: a primeira é a do sistema do
executivo monocrático, em que há usualmente um órgão singular exclusivamente competente
para a ratificação dos Tratados. A segunda variante é a do sistema de Assembleia, que, como o
seu nome indica, faz avultar a posição de um órgão colegial.

- separação relativa de poderes: é, de longe, o sistema mais praticado,


abrangendo quer o governo presidencialista, abrangendo que o parlamentar, quer sistemas
atípicos. Em qualquer deles, o ato de ratificação é formalmente realizado pelo Chefe de Estado,
mas depende, ou pode depender, da aprovação do órgão legislativo. Por vezes, geralmente no
caso do presidencialismo, esta aprovação é exigida para todos os tratados: é o sistema dos
Estados Unidos da América, que exige a aprovação pelo Senado por uma maioria de 2/3. É, alias,
esta este sistema de 2/3 que está na base da frequente recusa de ratificação dos Tratados
Internacionais pelos Estados Unidos o que tem feito desenvolver aí a prática dos Acordos em
Forma Simplificada (executive agreements). Noutros sistemas, geralmente no caso do
parlamentarismo, a aprovação só é exigida para certos Tratados, mais importantes.

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O sistema de ratificação adotado pela Constituição da República Portuguesa é,


como não podia deixar de ser, um sistema de repartição de poderes. Por outro lado, ele não pode
deixar de refletir as características gerais do sistema político definido na Constituição. Assim,
quem dirige a política externa do País é, em face da Constituição, o Governo. Isso decorre do
princípio geral segundo o qual a “condução da política geral do País” compete ao Governo, e não
a qualquer outro órgão de soberania, nomeadamente ao Presidente da República (artigo 185.º
CRP). Como projeção desse princípio no plano externo, o texto constitucional atribui só ao
Governo o poder de “negociar e ajustar Convenções Internacionais” (artigo 200.º, n.1, alínea b)). 38
Nas Relações Externas, fica para o Presidente da República competência apenas para a
representação do Estado português (artigo 123.º CRP). É dentro desta função de representação
externa que deve ser interpretado o poder que lhe cabe de ratificar os Tratados, por força de
preceito expresso, o artigo 138.º, alínea b). Portanto, é o Presidente da República quem vincula
o Estado português na Ordem Internacional através de Tratados Internacionais solenes e,
portanto, quem atribui vigência a esses Tratados na Ordem interna Portuguesa.

Qual é a forma que deve assumir o ato de ratificação? A Constituição não fornece
resposta a esta interrogação, nem mesmo quando submete a ratificação a referenda ministerial
(artigo 143.º, n.º1, por remissão para o artigo 138.º, alínea b)) ou quando obriga à publicação dos
avisos de ratificação (artigo 122.º, n.º1, alínea b)). Também a Lei n.º 6/83, de 29 de julho, quando
veio disciplinar a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, ignorou a questão,
particularmente no artigo 10.º, n.º 3 e 5. Todavia, ainda na década de 80 iniciou-se a prática do
ato de ratificação ser objeto de um decreto autónomo do Presidente da República (decreto
presidencial de ratificação). A obrigação de publicação do decreto de ratificar um Tratado
precedendo aprovação pela Assembleia da República (mediante resolução) ou pelo governo
(através de Decreto): é o que resulta dos artigos 164.º, alínea j), e artigo 200.º, n.º1, alínea c).
Também em Portugal a ratificação do Tratado é um ato livre, o que significa que o Presidente da
República, após a Assembleia da República ou o Governo (conforme o caso) terem aprovado o
Tratado, pode optar por uma de três hipóteses: ratifica-lo; não o ratificar; pedir a fiscalização
preventiva da sua Constitucionalidade, de harmonia com os artigos 137.º, alínea g), in fine e artigo
278.º, n.º1. Se optar pela última hipótese, e se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela
inconstitucionalidade do Tratado, o ato da ratificação deixa de ser um ato totalmente livre: nesse
caso, o Presidente só poderá ratificar o Tratado se a Assembleia o aprovar por maioria de 2/3 dos
deputados presentes, que terá de ser sempre superior à maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções (artigo 279.º, n.º4).

Os Acordos em Forma Simplificada, que na terminologia da Constituição são


designados de “Acordos Internacionais”, não carecem, nos termos gerais, de ratificação pelo
Presidente da República. Mas nem por isso este deixa de intervir na sua conclusão, porque terá
que assinar as resoluções da Assembleia da República ou os Decretos do Governo que os aprovem
(artigos 137.º, alínea b), 2.ª parte, e 200, n.º2). E não poderá assinar nem aquelas nem estes se o
Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva de Constitucionalidade, se pronunciar
pela Inconstitucionalidade do acordo (Artigo 279.º, n.1).

O Presidente da República pode exercer o veto político quanto aos Tratados?


Cremos que não, nem quando aos Tratados solenes nem quanto aos acordos, porque o veto
político só se pode exercer quanto a atos suscetíveis de promulgação (Artigo 139.º), o que não é
o caso. Todavia, e recapitulando o que se disse, o Presidente da República pode recusar a
vinculação de Portugal a um Tratado solene porque pode não o ratificar; não assim quanto um
acordo, porque, como também já mostrámos, tem sempre de assinar a Resolução da Assembleia

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da República ou o Decreto do Governo que o aprovou, salvo se o Tribunal Constitucional se tiver


pronunciado preventivamente pela sua inconstitucionalidade. Sublinhe-se que, nos termos da
Constituição, o Decreto Presidencial de ratificação carece de referenda do Governo, sob pena da
sua inexistência jurídica (artigo 143.º). Isto mostra bem que em matéria de ratificação existe, no
nosso sistema constitucional, uma intervenção conjugada do Presidente da República e do
Governo, sem prejuízo de só o primeiro ter competência para ratificar os Tratados. Ratificando o
Tratado, cabe ao Presidente da República emitir a carta de ratificação.
39
Como nota final acrescente-se que é hoje pacífico o entendimento de que a
ratificação não tem efeito retroativo. Esse conceito era admitido quando a ratificação era
concebida como mera confirmação da assinatura, mas o seu sentido presente faz com que se não
aceite a produção de efeitos a partir do momento da assinatura, mas só da ratificação, se o
Tratado já estiver em vigor, ou então da entrada em vigor do Tratado. É o que decorre do artigo
24.º CVDT. Notemos, porém, que no n.º4 desse mesmo artigo 24.º estabelece a regra da entrada
em vigor imediata, desde a data da adoção do texto, das disposições de um Tratado que digam
respeito à sua validade formal. Mas esta disposição, embora compreensível, não se compatibiliza
com o respeito pela definição, por cada estado, do seu próprio treaty-making power.

Os Acordos em forma simplificada: Durante muito tempo foi a ratificação a


formalidade pela qual os Estados se vincularam aos Tratados. Mas, como já ficou acima exposto,
como desenvolvimento das Relações Internacionais, particularmente com o incremento do
comércio internacional, passou a ser urgente para os Estados sentirem-se obrigados pelos
Tratados que livremente negociavam, o que nem sempre se compadecia com a demora da
aprovação parlamentar, necessária à ratificação pelo Chefe de Estado. Por conseguinte, a
distinção entre os Tratados Solenes e os Acordos em Forma Simplificada é dada pela presença ou
ausência de ratificação. Saber-se se uma Convenção exige ou não ratificação é uma questão que,
no plano do Direito Internacional, deverá, em princípio, ser esclarecido pela própria Convenção.
Do trabalho de Ian Sinclair, e da prática adotada nesse domínio, extrai-se, desde logo, a conclusão
de que não é a importância da matéria versada na Convenção que faz com que ela imponha a sua
ratificação e lhe dá a forma de Tratado Solene. Mas vamos imaginar agora que o Tratado não
contém indicação expressa quanto à necessidade de ratificação. Quid Iuris? A Convenção de
Viena porém, não veio a adotar sobre este ponto qualquer regra supletiva, limitando-se a
enunciar, nos artigos 11.º a 15.º, as várias formas de expressão do Consentimento do Estado. E,
não obstante o artigo 11.º a primeira dessas formas seja exatamente a assinatura, é de lamentar
a omissão da regra residual ou supletiva, pela indefinição em que deixou um ponto sujeito a
controvérsia, digamos mesmo indispensabilidade, dos acordos em forma simplificada para as
Relações Externas dos Estados, a presunção geral a favor da ratificação fique progressivamente
enfraquecida. Note-se, todavia, que, na prática, o que o Direito internacional possa dispor sobre
a matéria têm pouca relevância porque acabará por ser o Direito Constitucional dos Estados a
definir quais são as matérias que podem ou não ser objeto de acordos em forma simplificada. E
aí o Legislador constituinte de cada Estado conserva uma total liberdade – donde resulta,
frequentemente, que um mesmo Tratado é solene para uma Parte Contratante e de forma
simplificada para outra. E não se vê que esse facto ofenda qualquer razão de lógica jurídica. A
crescente generalização dos Acordos em forma simplificada tem levado a que as Constituições
estaduais lhes dediquem cada vez maior atenção. A posição que as Constituições dos vários
Estados venham a adotar na matéria dependerá sobretudo do sistema político consagrado por
cada uma delas. Antes de procedermos ao estudo do tratamento que à matéria é dado pelo atual
Direito Constitucional português e os seus antecedentes imediatos, queremos frisar aqui dois
pontos:

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- várias Constituições modernas preveem expressamente os Acordos em Forma


Simplificada e estabelecem de modo expresso quais as matérias sobre os quais eles podem versar
– o que, não há dúvida, transmite comodidade ao jurista e segurança ao diplomata.

- Tem sido no Direito Constitucional Norte-Americano que os Acordos em Forma


Simplificada têm feito surgir problemas mais difíceis. A Constituição Americana só prevê os
Tratados Solenes.

A Constituição de 1933, na sua versão original, era omissa nesta matéria. Todavia, 40

entendíamos que o seu artigo 151.º, n.º1, ao referir-se a acordos não incluídos nos artigos 81.º,
n.º7 e 91.º, n.º7, parecia querer abranger os acordos em forma simplificada. E a prática já admitia
como válidos os Acordos Internacionais celebrados pelo Governo, e aos quais o Professor Afonso
Queiró chamava Acordos Intergovernamentais. Quanto ao objeto desses acordos, muito cedo o
Ministério dos Negócios Estrangeiros começou a entender que os Acordos que abrangiam
matéria legislativa necessitavam de ratificação, podendo esta estar dispensada para aqueles que
só dissessem respeito a questões compreendidas na competência administrativa ou política do
Governo. Mas após a revisão de 1971 aquela Constituição passou a admitir de modo expresso os
Acordos em Forma Simplificada, nos artigos 4.º, n.º1, e 109.º, n.º2. A essa alteração não terá sido
estranha a publicação da Convenção de Viena dois anos antes e o facto de, na prática diplomática
portuguesa, há muito se vir a assistir ao aumento do número de Acordos em Forma Simplificada,
sem que a sua admissibilidade suscitasse especiais dificuldades nos meios jurídicos ou
diplomáticos. A Constituição de 1976 acolheu mais generosamente aqueles acordos, prevendo-
os em vários preceitos: tomando por referência o texto Constitucional após a revisão de 1989.
Esta Constituição conserva a terminologia que já era adotada pela Constituição de 1933, segundo
a qual se distinguem as Convenções (que são, num sentido mais lato, todos os Tratados, e num
entendimento mais restrito, todos os Acordos abrangidos pela CVDT), os tratados (isto é, os
Tratados Solenes, sujeitos a ratificação) e os Acordos Internacionais (ou seja, os Acordos em
Forma Simplificada, que dispensam a ratificação).

Quais as matérias que a Constituição permite que sejam objeto de Acordos


em Forma Simplificada? Ela não o diz expressamente, o que é pena. Antes da revisão de 1989,
podia-se concluir que estavam excluídas daquelas matérias abrangidas pelas 1.ª e 2.ª partes da
alínea j) do artigo 164.º (as matérias de competência reservada da Assembleia da República e a
participação de Portugal em Organizações Internacionais, a amizade, a paz, a defesa, a retificação
de fronteiras e os assuntos militares), bem como, por coerência com o Estado de Direito
democrático, consagrado no preâmbulo e nos artigos 2.º e 9º, alínea b), que quaisquer outras
matérias a que corresponda, a nível interno, ato legislativo ou de Governo. Mas a revisão de 1989
substituiu, na 1.ª parte daquela alínea, a expressão “tratados internacionais” por “convenções
internacionais”. Ora, como na terminologia da nossa Constituição o termo convenção engloba
tanto os Tratados solenes como os Acordos em Forma Simplificada, resulta dessa 1.ª parte da
alínea j) do artigo 164.º que hoje os Acordos em Forma Simplificada também podem incidir sobre
matérias de competência reservada da Assembleia da República. Note-se que tudo o que se diz
aqui dos Acordos em Forma Simplificada vale para os Acordos por Troca de Notas, que, hoje, são,
sem dúvida, no nosso Direito Constitucional reconduzíveis àqueles. Uma especificidade do
sistema constitucional português vigente reside no facto de os Acordos em forma Simplificada
não vincularem o Estado Português com a sua mera assinatura mas apenas com a sua aprovação,
logicamente, posterior à assinatura. É o que resulta, desde logo, dos artigos 8.º, n.º2, e 200.º,
n.º1, alínea c), 1.ª parte. Trata-se, sem dúvida, de um desvio à pureza dos princípios que
estabelecem que os Acordos em Forma Simplificada obrigam coma sua mera assinatura. É certo

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que nada impede que a Constituição portuguesa imponha, após a assinatura, a aprovação do
acordo, dado que o Direito Constitucional de cada Estado é livre de prescrever o regime que
entender para a Conclusão dos Tratados Internacionais. Mas, em face do artigo 12.º, nº1 CVDT,
caso Portugal não ressalve expressamente no acordo que só se vinculará a ele depois da sua
aprovação pelo órgão nacional competente, de harmonia com a sua Constituição, ficará vinculado
ao acordo no plano internacional pela sua mera assinatura, não obstante o acordo só passe a
vigorar na ordem interna após a sua aprovação ou, porventura, até nunca venha a vigorar na
ordem interna por a aprovação não se ter dado ou por acordo ter sido declarado inconstitucional. 41
E isto é assim porque o artigo 27.º CVDT dispõe que nenhum Estado pode invocar as disposições
do seu Direito Interno para se eximir ao cumprimento do Tratado ao qual livremente se vinculou
na cena internacional. Se a assinatura compete sempre ao Governo, a aprovação cabe, ao
princípio, ao Governo, mas este, se assim o entender, pode submeter os acordos à aprovação da
Assembleia da República (artigo 200.º, n.º1, alínea c), 1.ªa parte e in fine). Excetuam-se os
acordos concluídos sobre matéria de competência reservada da Assembleia da República que
têm de ser necessariamente aprovados por este órgão (artigo 164.º, alínea j), 1.ª parte).

Velamos, a concluir, alguns outros traços do regime constitucional dos Acordos


em forma simplificada:

- O Presidente da República intervém neles através da assinatura dos


Decretos de aprovação do Governo ou das Resoluções de aprovação da AR (artigos 137.º, 2.ª
parte, e 200.º, n.º2), enquanto que intervém nos tratados mediante retificação;

- O Presidente da República nunca pode opor-se à vinculação do Estado


Português a um acordo, porque tem sempre de assinar o decreto de Governo (artigos 137, alínea
b) in fine, e 200.º, n.º2), ou a resolução da Assembleia da República (Artigos 137.º, alínea b), 2.ª
parte) que o aprova (mas pode opor-se à vinculação a um Tratado não ratificando);

- Os Acordos estão sujeitos, tais como os Tratados à fiscalização


preventiva da constitucionalidade, mas, em caso de pronúncia pela inconstitucionalidade pelo
Tribunal Constitucional, o Presidente da República nunca pode assinar o decreto ou a resolução
que aprova o Acordo (Artigo 279.º, n.º 1 e 2) e, por conseguinte, ele não vigorará na ordem
interna, mesmo se vincular Portugal na esfera internacional, o que, nos termos acima expostos,
acontecerá em princípio (ao contrário do que sucede com o Tratado, que ainda pode vir a ser
ratificado no caso de a Assembleia da República o aprovar por maioria de 2/3 dos deputados
presentes (Artigo 279.º, n.º4)).

- Professor Jorge Miranda16:

A Aprovação: ao longo das Constituições portuguesas têm sido órgãos


com competência para aprovação de convenções:

a) O Parlamento (em todas as Constituições, mas com


variações);
b) O Rei (nas Constituições monárquicas);
c) O Governo (nas Constituições de 1933 e 1976);
d) O Conselho da Revolução (na Constituição de 1976, até 1982,
quanto a tratados e acordos respeitantes a assuntos
militares).

16
Miranda, Jorge; Curso de Direito Internacional; Princípia editores;

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Tendo em conta o papel específico do Parlamento, três sistemas de


aprovação de tratados podem ser apontados:

- Aprovação pelo Parlamento só de convenções internacionais


mais importantes ou mais frequentes (Constituições de 1822, d3 1838,
de 1933 após 1971 e de 1976 – artigo 161.º, alínea i).);

- Aprovação pelo Parlamento de todas as Convenções (Carta


Constitucional após o Ato Adicional de 1852, Constituição de 1911 e 42

Constituição de 1933 antes de 1971);

- Aprovação pelo Parlamento de uma única categoria de


convenções (Carta Constitucional de 1852).

O regime atual de aprovação, por força dos artigo 161.º, alínea i), e 197.º,
n.º1, alínea c), apresenta-se assim:

a) Aprovação dos tratados – só pela Assembleia da República;


b) Aprovação de acordos internacionais sobre matérias
reservadas à Assembleia da República - também só pela
Assembleia;
c) Aprovação dos restantes acordos internacionais – pelo
Governo, mas podendo este submeter qualquer desses
acordos a aprovação parlamentar (ficando então precludida
a sua competência em concreto).

A competência para a aprovação de certas categorias de convenções


abrange a competência para a emissão de reservas a respeito de
qualquer das suas cláusulas – nem poderia ser de outra maneira.

O procedimento e as formas de aprovação: o processo parlamentar de


tratados e acordos (artigos 210.º e seguintes do Regimento da
Assembleia da República) desdobra-se nas seguintes fases:

a) Iniciativa: reservada pela natureza das coisas, ao Governo


(artigo 208.º, n.º1 do Regimento);
b) Apreciação pela comissão competente em razão da matéria
e, se for caso disso, por outra ou outras comissões (artigo
208.º, n.º2), pelos órgãos das regiões autónomas (artigo
208.º, n.º3) ou, tratando-se de convenção de caráter militar,
pelo Conselho Superior de Defesa Nacional (artigo 47.º, n.º1,
alínea c), lei n.º29/82, 11 dezembro – a Lei da defesa
nacional e das Forças Armadas). O parecer é emitido, em
princípio, no prazo de trinta dias (artigo 209.º, n.º1 do
regimento.);
c) Discussão e votação: discussão no plenário, na generalidade
e na especialidade, e só votação global (artigo 210.º).

O referendo nacional e a aprovação de tratados: a revisão de


1989 introduziu o instituto do referendo político nacional. Mas
introduziu-o em moldes bastante restritivos que, na revisão de
1997, viriam a ser, em parte, atenuados. Num procedimento de

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conclusão de tratado pode, pois, inserir-se um referendo. E até


pode haver referendo mesmo que não esteja em curso nenhum
procedimento de aprovação. Importa examinar de que maneira
e com que efeitos. No texto de 1989, apesar da fórmula
“questões de relevante interesse nacional” (artigo 115.º, n.º3),
estavam excluídas de referendo, além de alterações
constitucionais, as matérias de reserva absoluta de competência
absoluta da Assembleia da República (artigos 161.º e 164.º) e as 43
matérias eminentemente políticas (artigo 161.º, alínea i), 1.ª
parte). São os seguintes os traços distintivos do regime do
referendo para o que aqui interessa:

a) As questões a decidir são, antes de mais, questões


de objeto de tratado já negociado e assinado pelo
Estado português e que esteja para ser aprovado;
b) Mas podem ser também questões relativas a tratado
futuro (que se pretenda que Portugal venha a
celebrar) ou a tratado já vinculativo de Portugal
(para efeito de reservas ou de revogação de reservas
ou para efeito de desvinculação, se reservas e
desvinculação forem internacionalmente
admissíveis);
c) Cada referendo recai sobre uma só matéria, num
número máximo de três perguntas formuladas com
objetividade, clareza e precisão (artigo 115, n.º6);
d) Através do referendo o povo não aprova o tratado,
decide, sim, se o Parlamento deve ou não aprová-lo
(artigo 115.º, n.º3);
e) Nenhuma questão fica necessariamente sujeita a
referendo; mas, se este se efetuar, os seus
resultados – sejam positivo ou negativos a respeito
das perguntas formuladas – vincularão o órgão
competente, impondo-se à sua liberdade de decisão
(artigo 115.º, n.º1);
f) Se, contudo, o número de votantes não for superior
a metade dos eleitores inscritos no recenseamento,
o referendo não produzirá efeito vinculativo (artigo
115.º, n.º11) – quer dizer, não produzirá efeito
jurídico nenhum;
g) O caráter vinculativo acarreta outrossim, pela
natureza das coisas, consequências determinantes
sobre alguns ato do Presidente da República, o qual
não pode recusar a ratificação por discordância com
o sentido apurado no referendo;
h) Afora isto, a Constituição não prevê forma alguma
específica de garantia de respeito dos resultados do
referendo, nem por ação, nem por omissão; mas
qualquer tribunal, num caso concreto que tenha de

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decidir, pode e deve (com ase na sua função


genérica de defesa da legalidade democrática)
recusar-se a aplicar qualquer norma com tais
resultados.

O processo referendário implica um específico relacionamento


entre os órgãos políticos de sobrenaia, congruente com o sistema de
governo semipresidencial vindo de 1976: 44

a) A iniciativa postula a competência – como os


tratados só podem ser aprovados pela Assembleia
da República, também apenas ela pode propor
referendos sobre questões que devam se objeto de
tratado (artigos 115.º, n.º1, 2.ª parte, 161.º, alíneas
c) e i), 164.º e 165.º);
b) A iniciativa da Assembleia da República decorre, por
sua vez, da iniciativa de Deputados, de grupos
parlamentares e do Governo nos termos gerais, bem
como de cidadãos eleitores em número não inferiora
75000 (artigos 167.º, n.º 1 e 3, e 115.º, n.º2);
c) A aprovação pelo Parlamento de proposta sobre
questão objeto de ato em formação implica a
suspensão do respetivo processo;
d) As propostas de referendo tomam a forma de
resolução publicada no Diário da República (artigo
166.º, n.º5 e 119.º, n.º1, alínea e));
e) O Presidente da República submete a fiscalização
preventiva obrigatória da constitucionalidade e da
legalidade as propostas de referendo (artigo 115.º,
n.º8);
f) O Presidente da República interino não pode decidir
a convocação de referendo (artigo 139.º, n.º1);
g) São vedadas a convocação e a realização de
referendo entre a data da convocação e a da
realização de eleições gerais (artigo 115.º, n.º7);
h) Não pode ser praticado nenhum ato relativo à
convocação ou à realização de referendo em estado
de sitio ou de emergência;
i) As propostas de referendo recusadas pelo
Presidente da República ou cujas perguntas tenham
obtido resposta negativa não podem ser renovadas
na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da
Assembleia da República, ou até à demissão do
Governo (Artigo 115.º, n.º10).

A revisão constitucional de 2005 veio estabelecer uma


derrogação à regra da distinção entre os atos referendários e os
atos de aprovação de tratados, relativamente a tratados “que
visem a construção e o aprofundamento da união europeia”

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(novo artigo 295.º CRP). Estes tratados passam a ser diretamente


submetidos a votação popular.

- Professor Carlos Blanco de Morais17:

Apontamentos sobre as Normas de Direito Internacional e Supranacional


aplicáveis na ordem jurídica portuguesa:

A) Direito Internacional Público geral e especial: o Direito Internacional 45


Público geral ou comum é composto por princípios jurídicos, normas
consuetudinárias e convenções internacionais aplicáveis à
generalidade dos Estados. No que em particular concerne aos
princípios normativos de Direito Internacional Público (fonte
material que fundamenta a ordem jurídica e as relações jurídicas
internacionais) e ao Costume Internacional geral ou comum (fonte
formal caracterizada por uma prática reiterada e uniforme aceite
pelos sujeitos de Direito Internacional com a convicção da sua
obrigatoriedade como regra de direito), os mesmos aplicam-se
diretamente na ordem interna portuguesa, por força do n.º1 do
artigo 8.º CRP, preceito que refere que esses princípios e normas
fazem parte do Direito português. As regras consuetudinárias
especiais (costumes regionais e locais) não são objeto de qualquer
previsão expressa na Constituição, defendendo uma parte da
doutrina que as mesmas vigoram “por identidade de razão” nos
mesmos termos do Direito consuetudinário geral, por força do n.º1
do artigo 8.º CRP. Já as convenções internacionais (fontes formais
traduzidas por acordos plurilaterais de vontade entre sujeitos de
Direito Internacional, celebrados pela forma escrita) que assumam,
quer caráter geral (tal como a Convenção das Nações Unidas e a
Convenção de Montego Bay), quer caráter especial (as que vinculam
um conjunto específico de Estados, como o Tratado de Lisboa)
vigoram na ordem interna por força do artigo 8.º, n.º2 CRP. Algumas
considerações breves devem ser feitas sobre as Convenções
internacionais na ordem constitucional portuguesa, a saber:
a. As mesmas revestem a forma de acordos internacionais e de
tratados, devendo algumas matérias revestir,
necessariamente, a natureza de tratado (artigo 161.º, n.º1,
alínea i) CRP), podendo nesse caso falar-se em “reserva
necessária de tratado”;
b. Compete exclusivamente ao Governo negociar os tratados
e acordos internacionais (artigo 197.º, n.º1, alínea b) CRP);
c. A Assembleia da República tem a faculdade de aprovar, no
âmbito das matérias sobre as quais recai a sua reserva de
competência legislativa, acordos e tratados, bem como a de
acordos relativamente às convenções que lhe tenham sido
submetidas pelo Governo apenas pode aprovar acordos

17
Morais, Carlos Blanco; Curso de Direito Constitucional, 2.ª edição; Coimbra Editores; Coimbra,
outubro de 2012; pp. 128 - 138

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internacionais sobre as matérias não reservadas à


Assembleia da República (artigo 161.º, n.º1, alínea c) CRP);
d. A Constituição não prevê a existência de qualquer reserva
material de tratado centrada na disciplina primária das
matérias passíveis de regulação por convenção
internacional, pelo que, nas matérias da reserva
parlamentar, e excetuados os já aludidos domínios da
“reserva necessária de tratado”, a Assembleia da República 46
pode aprovar a mesma convenção, seja sob a forma de
tratado, seja sob a forma de acordo (sendo portanto livre
para lhe conferir a forma que julgar conveniente);
e. O Presidente da República dispõe da competência para
ratificar os tratados e assinar os acordos internacionais
(artigo 134.º, alínea b) e artigo 135.º, alínea b) CRP), nada
impedindo que possa livremente recursar, com efeitos
absolutos, essa ratificação e assinatura, sendo
juridicamente inexistentes as convenções não assinadas
(artigo 137.º CRP) ou, por maioria de razão, as convenções
não ratificadas;
f. As convenções internacionais, nelas incluídos os tratados
institutivos da União Europeia, podem ser sujeitas ao
controlo da sua constitucionalidade (implicitamente, por
força do n.º1 do artigo 277.º, e expressamente, nos termos
do n.º1 do artigo 278.º que regula a fiscalização preventiva);
g. As convenções internacionais regularmente ratificadas
(tratados) ou aprovadas e assinadas (acordos) vigoram na
ordem interna após a sua publicação e prevalecem
aplicativamente sobre normas ordinárias internas que com
elas entrem em colisão; isto, na medida em que o artigo 8.º,
n.º2 CRP determina que as convenções publicadas vigorem
internamente enquanto vincularem o Estado Português,
pelo que se uma norma ordinária interna revogasse ou
desaplicasse uma Convenção enquanto esta vinculasse
internamente o Estado Português, ofenderia o preceito
constitucional de referir.

Importa referir que os atos jurídicos unilaterais das


organizações internacionais (fonte voluntária e formal) de que
Portugal seja membro e cujos Tratados institutivos das mesmas
organizações prevejam a sua aplicação direta a ordem interna
dos Estados que a integram, vigorarão diretamente no
ordenamento jurídico Português, nos termos dos n.º 3 e 4 do
artigo 8.º CRP (respetivamente, o caso das resoluções
imperativas do Conselho de Segurança das Nações Unidas e
normas de Direito europeu derivado).

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Validade Dos Tratados18

Observações gerais: Após o cumprimento de formalidades da sua conclusão, o Tratado nasce


para a vida jurídica. Porém, só poderá nela perdurar, produzindo duradouramente os seus
efeitos, se for válido. Como todos os atos jurídicos, incorre em nulidade se não for válido. A 47
questão não pode ser assimilada à da validade dos contratos ou das leis em Direito interno: o
Tratado é um ato de natureza especial e, diferentemente da ordem interna, a ordem
internacional é desprovida de autoridades superiores competentes para determinar regras e
controlar a ação dos sujeitos estaduais neste domínio. Nestas condições, não surpreende que,
durante muito tempo, o Direito positivo só tenha oferecido soluções incompletas e incertas. A
raridade das contestações suscitadas na prática privou-o, aliás, das ocasiões de se aperfeiçoar e
evoluir. Algumas decisões recentes da jurisdição internacional modificaram, felizmente, a
situação de modo substancial. Em relação ao estado do direito tal como ele surgiu desde então,
tanto no plano normativo, como no plano institucional, examinaremos sucessivamente os dois
principais aspetos do problema:

- Quais as Condições de validade dos Tratados;


- Qual o Regime da nulidade dos Tratados por falta de validade.

Secção I – Condições de Validade


Posição do problema: De acordo com os princípios gerais de Direito, as condições requeridas
para a validade de um ato jurídico são: um sujeito capaz, um objeto lícito, uma vontade livre (o
que no caso de um ato bilateral ou multilateral, significa um consentimento regular, isento de
“vícios”) e formas convenientes. A validade do Tratado bilateral ou multilateral está sujeita a
essas mesmas condições.

1.º - Capacidade das Partes

Posse da qualidade de sujeito do Direito Internacional: Só um sujeito de Direito


Internacional tem a capacidade requerida para concluir um Tratado, pois, por definição, este é
um ato concluído entre sujeitos de Direito Internacional19. Tratando-se do Estado, os problemas
põem-se apenas de maneira marginal e só dizem respeito à capacidade das entidades
descentralizadas que o compõem; em contrapartida, aparecem dificuldades particulares no que

18
Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação Calouste Gulbenkian,
4.ª Edição 1992.
19
Se os autores de um ato jurídico intitulado não são sujeitos de Direito Internacional, a ausência de
capacidade internacional põe o problema da existência desse ato enquanto Tratado, mas não o da sua
validade. O ato já não corresponde à definição estrita do Tratado, mas pode ser válido enquanto ato
jurídico.

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respeita às Organizações Internacionais, por um lado, e os Movimentos de Libertação Nacional,


por outro.

1.º O Estado é o sujeito que, por excelência, possui a capacidade de concluir


Tratados (Artigo 6.º CVDT); nenhum domínio de regulamentação lhe está, a priori, vedado;
quando muito, pode surgir um problema se alguns Estados negarem a uma entidade a qualidade
de Estado. Outras dificuldades podem surgir pelo facto de participarem num Tratado entidades
descentralizadas e, em particular, Estados Membros de um Estado Federal. Isto põe dois 48
problemas bem distintos que convém não confundir:

- o da capacidade da entidade de concluir o Tratado;

- o da imputação do tratado a um tal sujeito.

No que respeita ao primeiro ponto, o Direito Internacional remete para o Direito


Interno: uma instituição descentralizada pode concluir um Tratado se esta capacidade lhe for
reconhecida pelo Direito Constitucional do Estado de que depende, entendendo-se que os
outros Estados nunca serão obrigados a concluir um Tratado com uma tal entidade. A questão
da imputação do Tratado concluído por uma entidade descentralizada com um Estado
estrangeiro é inteiramente diferente: a responsabilidade internacional do Estado de que
depende a entidade do cocontratante encontrar-se-ia comprometida em caso do não respeito
do compromisso, salvo se esta última tivesse manifestamente excedido as competências que
lhe são reconhecidas em Direito Interno. Na realidade, faz-se poucas vezes apelo à condição de
capacidade em matéria de validade dos Tratados interestatais. A razão é dupla:

- o Direito Internacional não fornece critérios seguros sobre a qualidade de


sujeito estatal;

- a questão põe-se raramente: a capacidade dos Estados de concluírem Tratados


é plena.

Não sucede o mesmo para os sujeitos “parciais” do Direito Internacional que são as
Organizações Internacionais e as Autoridades “pré Estatais”.

2.º A capacidade das Organizações Internacionais de se comprometerem por


Tratado não pode, hoje em dia, ser posta em duvida. Ela é atestada por uma prática bem
estabelecida e abundante. Mas esta capacidade é derivada e parcial, no sentido em que deriva
da vontade dos Estados membros expressa no ato constitutivo (ou tal como transparece na
prática ulterior da Organização) e se encontra limitada pelo princípio da especialidade (a
Organização só pode comprometer-se nos domínios que derivam da sua competência). É o que
exprime o artigo 6.º CVDT sobre os Tratados concluídos entre Organizações Internacionais e
Estados ou entre Organizações Internacionais.

3.º A capacidade dos Movimentos de Libertação Nacional de contrair compromissos


internacionais é igualmente atestada pela prática. Ela está contudo duplamente limitada. Por
um lado, é seletiva: os Movimentos de Libertação Nacional chamados a tornar-se parte num
Tratado são, regra geral, designados ou pelo menos definidos por uma disposição formal. Por
outro lado, esta capacidade é estritamente funcional: a participação destas entidades está
limitada aos Tratados que correspondem à sua vocação, o encaminhamento do povo que
representam para a soberania plena. Na prática, os Movimentos de Libertação Nacional

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participam em três categorias de Tratados: os acordos de independência, os Tratados relativos


à condução da luta armada e certos atos constitutivos de Organização Internacional.20

2.º - Regularidade do Consentimento

49
A- Irregularidades Formais

Problema das Ratificações imperfeitas: A regularidade do consentimento aprecia-se


primeiramente segundo um ponto de vista formal: deve exprimir-se no respeito das formas
legais e, tratando-se da expressão do consentimento em vincular-se por um Tratado, no respeito
das disposições Constitucionais. Logo, põe-se a questão de saber-se em que medida o
desrespeito das prescrições Constitucionais afeta a validade do compromisso do Estado no
plano internacional. É o que e chama o problema das Ratificações Imperfeitas: em que medida
o não cumprimento de formalidades constitucionalmente requeridas ou a expressão do
consentimento do Estado em vincular-se por uma autoridade incompetente exercem uma
influência sobre a validade internacional do Tratado? Poderá o autor da ratificação imperfeita
invocá-la e poderão as partes valer-se dela como causa de nulidade do Tratado? As regras
Constitucionais em causa são regras formais relativas à competência para concluir os Tratados
e ao seu processo de exercício, e não regras de fundo. A contradição material entre a
Constituição de o Tratado suscita, sobretudo, dificuldades de ordem interna. O problema das
ratificações imperfeitas comporta ainda outro aspeto interno: qual será a atitude das
autoridades estaduais encarregadas da aplicação do Tratado na Ordem interna,
designadamente a dos juízes, perante o desrespeito de regras Constitucionais?

Doutrina:
1.º Uma abordagem sistemática do problema torna a sua solução dependente da
conceção geral das relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno:

a) Partidário do dualismo, Anzilotti exclui qualquer influência do Direito Interno,


mesmo que fosse o Direito Constitucional, sobre a validade dos atos jurídicos internacionais. Em
sua opinião, o Tratado concluído com a violação das formas constitucionais deve permanecer
válido à luz da ordem internacional. A determinação das consequências dessa violação é uma
questão exclusivamente interna. O envio das cartas de ratificação equivale à declaração de
vontade do Estado de se empenhar, a qual não é afetada pela maneira como se realiza a
formação dessa vontade na ordem interna. Acrescenta que o Estado que ignorou as suas
próprias regras Constitucionais cometeu uma falta; plenamente responsável pela situação
criada pela ratificação imperfeita de que é o autor, não seria mal visto invocar a sua própria falta
para se desvincular do seu compromisso. Admitir, nestas condições, a invalidade do Tratado
seria injusto pois esta solução equivaleria a fazer com que as outras partes sofressem as
consequências de uma falta que não cometeram.

20
A conclusão de um acordo de independência é o “canto do cisne” de um Movimento de Libertação
Nacional, a última manifestação da sua existência enquanto sujeito de Direito Internacional; depois
disso, o povo em nome do qual atuava será representado pelo novo Estado.

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b) Georges Scelle considera, pelo contrário, de acordo com a sua teoria monista,
que as prescrições constitucionais têm valor jurídico pleno na Ordem Internacional. A sua
violação leva a uma irregularidade internacional que deve ser internacionalmente sancionada.
No caso sujeito, os constituintes nacionais exercem, pelo processo do desdobramento funcional,
uma competência internacional com o fim de completar o processo “internacional” de
conclusão dos Tratados. Assim, as regras Constitucionais neste domínio são, pela sua natureza
como pelo seu objeto, regras internacionais estabelecidas por um processo não convencional.
Acrescenta que é, todavia, necessário distinguir, no Direito Constitucional Interno, entre regras 50
de validade e regras de execução; só as primeiras tem incidência sobre a validade internacional
do Tratado.

2.º Outros autores recusam-se a relacionar o problema com o conflito teórico entre
monistas e dualistas. Preferem uma abordagem empírica.

a) Basdevant distingue a violação manifesta de uma disposição constitucional


notoriamente conhecida e a violação duvidosa de uma regra regida em termos
insuficientemente explícitos. É favorável à invalidação na primeira hipótese, pois o respeito pela
Soberania de um Estado estrangeiro exige que sejam tomados em consideração os limites
claramente fixados pela sua Constituição ao poder dos seus representantes. Em compensação,
em todos os outros casos, quando o Chefe de um Estado ratifica um Tratado, atesta, na mesma
ocasião, que todos os órgãos estatais competentes aceitaram realmente que o Tratado se torne
definitivo, e por isso deve ser acreditado. De outra forma, para provar que o Chefe de Estado
violou uma qualquer regra constitucional, seria preciso que as outras partes a interpretassem,
o que lhes está vedado pelo princípio da não ingerência nos assuntos internos.

b) Alguns partidários da validade das ratificações imperfeitas invocaram,


igualmente, a necessidade de salvaguardar a segurança das relações jurídicas internacionais.
Aos seus olhos, a invalidação só seria concebível se as regras Constitucionais dos Estados
contratantes fossem conhecidas por todos. De outro modo, em qualquer momento, um acordo
estaria ameaçado de nulidade se somente um Estado, que deseje anular o seu compromisso,
alegue a inobservância de uma formalidade que só ele conhece e interpreta. Efetivamente, o
motivo do vício de forma Constitucional pode, por vezes, aparecer como um puro pretexto
invocado por Estados para de desvincularem dos seus compromissos.

A doutrina baseada na distinção entre as prescrições constitucionais notórias e as


que o não são constitui uma tentativa de conciliação aceitável entre as duas teses extremas
provenientes da confrontação monismo-dualismo. A aplicação do monismo integral pode
provocar sérias dificuldades, pois é praticamente impossível determinar com exatidão as
competências Constitucionais dos governos estatais. Contudo, quais os critérios que estão na
base da distinção entre as prescrições notórias e as outras? Não seria necessário recorrer mais
uma vez às interpretações nacionais feitas pelos representantes do Estado em causa? Por outras
palavras, qualquer solução que não resulte a invalidação de princípio de um Tratado
irregularmente ratificado, beneficia inevitavelmente o Estado autor da irregularidade.

Direito Positivo:
1.º As incertezas da prática anterior à Convenção de Viena. São raros os diferentes
Estados tendo diretamente origem em ratificações imperfeitas. Segundo alguns precedentes
antigos relativos a Tratados bilaterais, as partes em causa adotaram posições nitidamente
favoráveis à tese da não validade.

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2.º Solução fixada pela Convenção de Viena. No seu artigo 46.º a Convenção de
Viena de 1969 consagra a abordagem empírica de compromisso defendida por uma parte da
doutrina. Esta disposição está na linha de uma prática convencional constante, refletida na
cláusula tradicional que prevê a ratificação pelos Estados signatários “em conformidade com as
suas regras Constitucionais respetivas”. A Convenção contém, além disso, um artigo 47.º
redigido nestes termos:

“Se o poder conferido a um representante de exprimir o consentimento do um 51


Estado em obrigar-se por um determinado Tratado tiver sido objeto de uma restrição especial, o
facto desse representante não a ter respeitado não pode invocar-se como viciando o
consentimento que manifestou, a não ser que a restrição haja sido notificada aos outros Estados
que tenham participado na negociação, antes da expressão desse consentimento.”.

Esta disposição só seria aplicável aos Tratados concluídos segundo o processo breve,
isto é, aos “acordos em forma simplificada”, que são definitivos desde a sua assinatura.

B – Irregularidades Substanciais

Vícios do consentimento e Direito Internacional: Nas diferentes Ordens Jurídicas Nacionais,


a regra segundo a qual um contrato só é válido sob a condição da realidade e da liberdade do
consentimento encontra-se solidamente ancorada no Direito Contratual. Está prevista e
organizada pelo legislador que determina com precisão os factos constitutivos dos vícios do
consentimento: o erro, o dolo e a violência, aos quais se acrescenta a lesão. Ao seu nível, os
juízes internos, constantemente solicitados, aplicam-na e produzem uma jurisprudência
abundante e variada que a vivifica. Parece, porém, difícil transpor pura e simplesmente estes
princípios para a Ordem internacional. A doutrina não é uniforme neste ponto:

- Numerosos autores preconizam a adoção pura e simples das soluções


experimentadas que estabelece o Direito Interno. Os autores voluntaristas não são os únicos a
recomendar essa transposição integral. À margem de qualquer atitude sistemática, outros há
que aderem a essa solução, preocupados em ver assegurada uma proteção eficaz às vitimas
destes vícios do consentimento.

- Uma segunda corrente de pensamento, sem ser hostil a essa transposição,


recomenda prudência pela dupla razão de que é impossível assimilar o Tratado a um contrato e
de que falta a ação reguladora de uma verdadeira autoridade jurisdicional na sociedade
internacional. Embora aceitando aderir à regra geral de que um Tratado pode ser invalidado
pela existência de um vício de consentimento, os autores que pertencem a esta tendência
esforçam-se por adaptá-la às condições particulares da vida internacional e por conciliá-la com
o princípio pacta sunt servanda.

- Segundo um terceira corrente de opinião, é rejeitada qualquer transposição como


perigosa e inútil: perigosa, pois na falta de órgãos superiores geraria abusos e contestações
insolúveis em detrimento da estabilidade dos Tratados; inútil, pois a complexidade do processo
de conclusão dos Tratados elimina praticamente as possibilidades de um consentimento estatal
viciado. É teoria da infalibilidade do Estado”. Só se concede a eventualidade da coação,
enquanto os casos de erro ou de dolo não passariam de “meras hipóteses académicas”. Ora, nas

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relações internacionais, o recurso à coação excluí qualquer solução de essência privatística e


contratualista.

Ainda neste caso, o Direito Positivo aproxima-se da tendência intermédia. Não


adota totalmente a teoria do Direito Privado, mas reconhece que, sob certas condições, o erro,
o dolo e a coação podem viciar o consentimento e determinar a nulidade do Tratado. O regime
da coação é o que se afasta mais das soluções de Direito Privado.
52

I – Erro e Dolo

Erro: O erro só é constitutivo de um vício do consentimento em matéria de Tratados se diz


respeito a um elemento essencial que seja a própria base em que assenta o dito consentimento.

1.º Esta exigência de um erro essencial funda-se numa certa regra de origem remota.

2.º Adotada pela prática diplomática, a exigência do erro essencial tem sido
constantemente confirmada pela jurisprudência. O Tribunal Penal Internacional de Justiça,
relativamente a um litigio entre o Cambodja e a Tailândia21, definiu que “a principal importância
jurídica do erro, quando existe, é poder afetar a realidade do consentimento que se julga ter sido
dado.”. Determinou, ainda, três casos em que, excecionalmente, um erro essencial não afetaria
a validade do consentimento: “É regra de Direito estabelecida que uma parte não pode invocar
um erro como vício do consentimento se tiver contribuído para esse erro pelo seu
comportamento, se estava em condição de o evitar ou se as circunstâncias eram tais que tinha
sido advertida a possibilidade de um erro”. Se estes factos de verificaram, o erro já não é
desculpável e, em conformidade com o princípio da boa fé, não pode viciar o consentimento.
Pode o erro essencial provir indiferentemente de um erro de Direito ou de um erro de facto? Já
foi sustentado que o processo de conclusão dos Tratados reduz ao máximo os riscos de erro
sobre questões de Direito. É verdade que os casos de erro encontrados na prática relacionam-
se quase sempre com questões de facto relativas a Tratados de demarcação ou de traçado de
fronteiras (erros geográficos frequentemente verificados em mapas).

3.º A Convenção de Viena codificou a regra do erro essencial no seu artigo 48.º,
n.º1:

“Um Estado pode invocar um erro num Tratado como viciando o seu
consentimento em se obrigar pelo Tratado, se o erro incide sobre um facto ou uma situação que
este Estado supunha existir no momento em que o Tratado foi concluído e que constituía uma
base essencial do consentimento desse Estado em obrigar-se pelo Tratado”.

O n.º2 desta disposição só considera, porém duas das três exceções referidas pelo
Tribunal Internacional de Justiça, no caso anteriormente apresentado:

“O n.º1 não se aplica quando o dito Estado contribuiu para o Erro pela sua
conduta ou quando as circunstâncias foram tais que ele devia ser advertido da possibilidade de
um erro”.

21
Caso do Templo de Préah Vihear, 1950.

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A Convenção limitou-se expressamente aos erros de facto. Pelo contrário, ressalta


da generalidade dos termos precedentes que o erro que vicia o consentimento pode ser
cometido por uma parte qualquer ou por várias partes.

Dolo e corrupção do representante do Estado:

1.º O exemplos de dolo na conclusão dos Tratados são praticamente inexistentes.


Alguns precedentes antigos foram documentados nas negociações levadas a cabo na época
colonial, no contexto especial das relações entre potências europeias e chefes tribais da África 53

Central a quem se mostravam mapas voluntariamente falsificados. Nestes casos, o dolo


correspondia a uma vontade de induzir o cocontratante em erro sobre um ponto determinante.
Seria, então, assimilável a um erro provocado por intrigas. Todavia, a Comissão de Direito
Internacional considera que deve constituir um vício específico e autónomo, distinto do erro
propriamente dito, pelo facto de se traduzir sempre por condutas deliberadas em completa
contradição com a mútua confiança que deveria normalmente existir entre os negociadores.
Assim, a Convenção de Viena aceitou consagrar uma disposição especial ao dolo. Nos termos
do artigo 49.º CVDT:

“Se um Estado foi levado a concluir um Tratado pela conduta fraudulenta de um


outro Estado que tenha participado na negociação pode invocar o dolo como tendo viciado o
seu consentimento em obrigar-se pelo Tratado.”

Esta aceitação do dolo como vício de consentimento não é, porém,


acompanhada de qualquer definição. É de recear que esta carência provoque a procura, se for
caso disso, de analogias com situações contratuais de Direito Privado.

2.º A Convenção de Viena, no seu artigo 50.º, criou ex nihilo um vício do


consentimento próprio da matéria dos Tratados: a corrupção do representante de um Estado.
A Comissão de Direito Internacional, que propôs essa criação, sublinha a corrupção deveria ser
definida de maneira estrita e visando apenas os atos que tivessem com efeito “pesar
grandemente” na vontade do representante. Um simples gesto de cortesia ou um favor mínimo
não constituiriam atos de corrução. Por seu lado, a Convenção forneceu apenas uma definição
“orgânica” da corrupção, exigindo que fosse imputável, direta ou indiretamente, a um outro
Estado que tenha participado na negociação. Não é certo que fosse necessário criar o vício
“autónomo” da corrupção. Esta é, com efeito, assimilável ao dolo, pois não é mais do que uma
“manobra” cujo objetivo é falsear, em proveito do seu autor, os resultados da negociação.

II – Coação

Coação exercida sobre o representante do Estado: A História das Relações entre Estados
oferece alguns exemplos célebres:

- Em 1526, Francisco I, enquanto era prisioneiro de Carlos V, foi obrigado a assinar


o Tratado de Madrid, cedendo-lhe toda a Borgonha; mas após a sua libertação, recusou executá-
lo, invocando a violência exercida contra a sua pessoa.

- Em 1905, os japoneses que ocupavam Seul obrigaram os negociadores coreanos a


assinar o Tratado de protetorado. Em 1945, despeito da sua aplicação efetiva durante um longo

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período, a nulidade desse Tratado foi reconhecida após a derrota japonesa e a Coreia voltou a
ser um Estado independente.

Ressalta destes precedentes que a coação se exercia até sobre personagens


colocadas no topo da hierarquia das autoridades estatais e que era difícil, nessas condições,
separá-los inteiramente dos Estados que representavam ou encarnavam. O artigo 51.º CVDT
proclama em termos categóricos a nulidade dos Tratados concluídos pela violência exercida
sobre os representantes. 54

“A expressão do consentimento de um Estado em obrigar-se por um Tratado,


obtida pela coação exercida sobre o seu representante por meio de atos ou ameaças dirigidas
contra ele, é desprovida de qualquer efeito jurídico.”

Ressalta das discussões que precederam a adoção deste texto que a coação,
considerada neste caso concreto, deve ser compreendida num sentido muito lato, englobando
não só as violências físicas ou ameaças de violências contra a pessoa do representantes, mas
também todos os atos suscetíveis de atingir a sua carreira, como revelação de factos de caráter
privado ou ainda ameaças dirigidas contra a sua família. O caráter destes atos de coação o
emprego da expressão “dirigidas contra ele” tendem a deixar bem claro, no espírito dos autores
da disposição, que o representante é encarado como indivíduo e não como órgão do Estado.
Espera-se, com isto, evitar qualquer confusão entre o próprio Estado e o seu representante.

Coação exercida sobre o Estado: Mais frequente, o problema da coação exercida sobre o
próprio Estado é ainda mais grave e mais complexo. Tradicionalmente relacionava-se com o uso
da força; continua a ser necessário encará-lo nestes termos, mas convém também questionar-
se sobre o efeito da coação constituída pela pressão económica e política, sem uso da força
armada.

1.º Uso da força – Os dados do problema sofreram uma transformação radical com
a consagração do princípio da proibição do emprego da força nas relações internacionais.

a) Autorizando o uso da força, o Direito Internacional Clássico não podia recusar


a validade dos referidos Tratados que devia considerar consequências “normais” de uma
atividade lícita22.

b) Contudo, o Direito positivo evoluiu consideravelmente neste domínio. Desde


1919 o Pacto da Sociedade das Nações criou as primeiras limitações substanciais ao direito de
os Estados recorrerem à força. Atualmente a Carta das Nações Unidas (artigo 3.º, n.º2) formula,
em termos gerais, a regra da proibição do recurso à ameaça ou ao uso da força por violação dos
seus princípios e à margem do casos por ela permitidos. De acordo com estes novos princípios,
a solução clássica da validade dos Tratados impostos pela violência teve de ser profundamente
reajustada. Doravante aplicar-se-á unicamente os Tratados concluídos na sequência de um uso
licito da força. Em contrapartida, serão nulos os que forem impostos a um qualquer Estado por
meio de uma coação material proibida.

c) Codificando este estado de direito, o artigo 52.º CVDT dispõe:

22
G. Scelle encontrou nesta solução, aprovada pelos próprios voluntaristas, a prova incontestável de
que a força obrigatória do Direito Internacional se funda em algo mais do que a vontade dos Estados.
Renunciando a uma explicação jurídica.

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«É nulo todo o Tratado cuja conclusão tenha ido obtida pela ameaça ou
pelo emprego da força em violação dos princípios de Direito Internacional contidos na Carta das
Nações Unidas.»

Esta nulidade concebe-se de uma maneira tão rigorosa como a que


resulta da coação exercida sobre a pessoa de um representante do Estado. Ao visar os
“princípios de Direito Internacional na Carta” este texto levanta um problema de aplicação no
tempo da regra que suscita. “Incorporados” na Carta, estes princípios preexistem 55
necessariamente a ela.

2.º O problema suscitados pelo emprego da pressão económica e política é


particularmente delicado. Quando da Conferência de Viena sobre o Direito dos Tratados, a
questão da assimilação da coação económica e política à coação armada foi levantada pelos
Estados do Terceiro Mundo. Julgando demasiado vago o conceito de “pressão económica e
política”, em lugar de redigir uma disposição expressa, a incluir no dispositivo da Convenção, a
Conferência contentou-se em incorporar no seu ato final dois textos a este propósito:

- uma declaração condenando “solenemente” qualquer “coação militar, política ou


económica quando da conclusão dos Tratados” e uma Resolução pedindo ao Secretário-Geral
da Organização das Nações Unidas que dirigisse aquela declaração a todos os Estados membros,
aos Estados participantes, bem como aos órgãos principais das Nações Unidas. Se nos
colocarmos num plano geral, a dificuldade resulta das incertezas atuais relativas à definição do
limiar do ilícito neste domínio. Não há dúvida de que a utilização maciça da coação não armada
por um Estado, tendo em vista obter de um outro Estado a utilização maciça da coação não
armada por um Estado, tendo em vista obter de um outro Estado a conclusão de um Tratado,
viciaria este de nulidade. Pelo contrário, não poderíamos assimilar qualquer pressão a uma
coação ilícita ou basearmo-nos na simples desigualdade entre os Estados contratantes para daí
deduzir a nulidade do Tratado: isto seria pôr de novo em causa as relações de força donde nasça
o Direito Internacional e, definitivamente, negar a sua própria existência. Mas entre estes dois
extremos podem apresentar-se múltiplas situações; na falta de regras claras que permitam
qualifica-las no Direito Internacional Positivo, é preferível orientarmo-nos noutras direções que
não as fornecidas pela teoria da validade dos Tratados, aliás bastante incertas: é, de resto,
permitido aos Estados invocar outros argumentos, além do emprego da coação, para pôr em
causa os Tratados que não tenham sido concluídos com base na igualdade soberana das partes:

- teoria do abuso de direito;

- alteração fundamental das circunstâncias;

- incompatibilidade com o jus cogens.

3.º Licitude do objeto

Posição tradicional do problema: Dependerá de um Tratado da licitude do seu objeto? Para


que possa ser assim, é necessário poder afirmar a existência de uma ordem pública internacional.
Se bem que a controvérsia tenha sido relançada pela Convenção de Viena, o problema é menos
novo do que parece: para o abordar, a doutrina colocou-se tradicionalmente quer no terreno da
moralidade internacional, quer no da pesquisa de normas costumeiras superiores.

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1.º Tratados e moralidade internacional - Nenhum Direito pode tolerar a


imoralidade, embora o Direito não possa ser confundido com a moral. Só podemos encarar a
possibilidade de sancionar os Tratados imorais se o Direito positivo for suscetível de receber,
por um processo de formação espontânea, regras morais (conceito de direito objetivo segundo
as doutrinas de Duguit ee G. Scelles). Só este Direito poderia servir de fundamento positivo a
uma ordem pública internacional, à qual o conteúdo dos Tratados devesse, obrigatoriamente,
submeter-se.
56
2.º Tratados e normas costumeiras superiores – G. Scelle distinguiu-se na defesa da
existência de tais normas. Embora admita que Tratado e costume têm igual alcance, recusa
atribuir a esta igualdade um alcance absoluto: um Tratado não pode derrogar um costume sólida
e claramente estabelecido. No quadro do Direito Consuetudinário, convém reconhecer a
existência de uma hierarquia entre as normas imperativas, por um lado, e as que são
modificáveis por uma Convenção posterior, por outro; adotando outra terminologia, entre o jus
cogens e o jus dispositivum.

O domínio desta superlegalidade internacional é definido por critérios materiais,


normas que garantam as liberdades individuais, tais como: o direito à vida em oposição à guerra,
a liberdade física que se opõe à escravatura, a liberdade de circulação, de comércio e de
estabelecimento, incompatível com o encerramento abusivo das fronteiras; normas que
garantam a liberdade coletiva essencial, a qual se traduz pelo direito dos povos a disporem de
si próprios. Recorrer a critérios materiais é supor resolvido o problema das modalidades a
formação da ordem pública internacional numa sociedade pouco integrada. A Convenção de
Viena tentou colmatar esta lacuna: só até certo ponto o conseguiu. Mas o essencial é que deu
um impulso decisivo no progresso do princípio da hierarquia das normas.

Consagração do primado das normas imperativas (ius cogens) pela Convenção de


Viena de 1969: Os artigos 53.º e 64.º CVDT estabelecem uma verdadeira hierarquia entre as
normas imperativas e a outras; de maneira nenhuma instituem uma nova categoria de fontes
formais de direito internacional. A Comissão de Direito Internacional, que propôs esta solução,
teve o cuidado de advertir que ela nada criou e de sublinhar que, na sua opinião, “certas regras
e certos princípios que os Estados não poderiam derrogar mediante disposições convencionais”
já existiam no momento em que preparava o seu projeto articulado. Todavia, não fez mais do
que constatar uma situação preexistente. A Comissão introduziu uma inovação ao recomendar
por unanimidade dos seus membros, que fossem sancionados com a nulidade os Tratados
concluídos em violação daquelas normas imperativas. Para assinalar o caráter inovador da
solução que aprovaram, numerosos delegados à Conferência esclareceram que ela não teria
sido possível no passado quando “a conceção contratual do Direito Internacional prevalecia”.
Esta observação faz ressaltar o verdadeiro alcance da obra da Comissão de Direito Internacional
confirmada pela Conferência. Uma e outra ultrapassam o Direito dos Tratados. É o próprio
fundamento do Direito Internacional que está diretamente em causa. As preocupações morais
determinam em larga medida o voto dos representantes dos Estados reunidos em Viena.
Fizeram questão em afirmar, por forte maioria, a existência de uma comunidade jurídica
universal fundada em valores próprios, que todos os seus membros devem reconhecer. Esta
abordagem foi confirmada e precisada pelo Tribunal Internacional de Justiça num obter dictum
do acórdão de 5 de feveiro de 1970:

“Uma distinção essencial deve (…) ser estabelecida entre as obrigações dos
Estados para com a comunidade internacional no seu conjunto e as que nascem em
relação a outro Estado no quadro da proteção diplomática. Pela sua própria natureza,

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as primeiras dizem respeito a todos os Estados. Dada a importância dos direitos em


causa, todos os Estados podem ser considerados como tendo interesse jurídico em
que esses direitos sejam protegidos; as obrigações em causa são obrigações erga
omnes”.

Em conformidade com o conceito de ordem pública, o Tribunal anuncia a


possibilidade de uma “actio popularis” quando as normas violadas forem normas de ius cogens,
e estabelece uma distinção entre as formas de responsabilidade internacional (crimes e delitos) 57
que a Comissão de Direito Internacional tenta hoje tornar explícitas no quadro do seus trabalhos
sobre a responsabilidade dos Estados. A jurisprudência arbitral trouxe algumas especificações à
definição e aos efeitos destas normas imperativas23: dizendo que “do ponto de vista do direito
dos Tratados, o ius cogens é simplesmente a característica própria de certas normas jurídicas de
não serem suscetíveis de derrogação por via convencional”; mas esclareceu que uma regra
ligada a uma norma imperativa por uma relação lógica só é ela própria imperativa se não for o
seu corolário necessário 24 ; Mas enveredando por esta via, não podemos contentar-nos em
expressar princípios, por louváveis que sejam. É preciso dar-lhes vida e o importante é resolver
os problemas que surgem da sua aplicação prática. É então que começam as dificuldades mais
sérias.

Formação das normas imperativas: o artigo 53.º CVDT limita-se a indicar que uma norma de
ius cogens é uma norma “aceite e reconhecida” como tal “pela comunidade internacional dos
Estados no seu conjunto”. Estas indicações são manifestamente insuficientes para permitirem
determinar se uma dada regra constitui ou não uma norma imperativa. Deverá tratar-se de uma
norma costumeira ou de uma regra convencional? Segundo a Comissão de Direito Internacional,
uma e outra são concebíveis. Mas esta opinião, que parece razoável, não é partilhada por uma
parte da doutrina que estabelece de preferência o processo costumeiro. Por outro lado, a noção
de comunidade de Estados “no seu conjunto” é ambígua; se resulta tanto dos trabalhos
preparatórios como da própria fórmula fixada segundo a qual a unanimidade dos Estados não é
exigida, o artigo 53.º deixa sem resposta a questão do número e da qualidade dos Estados que
devem “aceitar e reconhecer” o caráter imperativo de uma norma para que possamos tê-la
como uma regra de ius cogens. Do mesmo modo, a redação do artigo 53.º não resolve o
problema da existência de normas imperativas regionais, que se imporiam entre Estados ligados
por solidariedades especiais. As dificuldades não respeitam somente ao presente. O artigo 53.º
prevê a possibilidade da modificação de uma norma imperativa em vigor por uma norma do
mesmo valor. De acordo com o artigo 64.º, novas normas imperativas podem nascer de futuro.
Nos nossos dias, esta conceção dinâmica do ius cogens, lógica em si, é, de resto, ditada pela
necessidade de uma adaptação contínua do direito às condições mutáveis da coexistência
pacífica e às aspirações variadas dos novos Estados. Ora, a Convenção de Viena não institui em
parte alguma um processo específico de elaboração das normas do ius cogens. Confrontamo-
nos, assim, com o simples critério material, sempre repleto de imprecisões. A carência é bem
mais grave do que no caso da determinação das normas existentes, pois será muito difícil
distinguir uma Convenção que viola o ius cogens daquela que o modifica.

23
Sentença de 31 de julho de 1989, R.G.D.I.P., 1990, p. 234 (Delimitação de fronteira marítima Guiné-
Bissau/Senegal)
24
assim, a regra segundo a qual “um Estado nascido de um processo de libertação nacional tem o
direito de aceitar ou não os Tratados que o Estado colonizador tiver concluído após o processo ter sido
desencadeado” não depende do ius cogens, mesmo estando logicamente ligada ao princípio do direito
dos povos disporem de si próprios, o qual apresenta um caráter imperativo.

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Determinação das normas imperativas: na ausência de um modo de formação autónomo,


põe-se a questão de saber como uma regra de ius cogens pode ser dissociada das normas não
imperativas (ius dispositivum). Procurando uma solução institucional para o problema, um
relator25 da Comissão de Direito Internacional, lembrou-se de recorrer ao juiz internacional. Em
1953, propôs o seguinte artigo:

“É nulo todo o tratado ou disposição de um tratado cuja execução suponha um ato


que o direito internacional considera ilícito, quando essa situação tiver sido 58
verificada pelo Tribunal Internacional de Justiça”

Esta sugestão teria tido o mérito de retirar aos Estados o poder de qualificação. Mas as
possibilidades de ser aceite por estes eram nulas pois, querendo evitar um extremo, caía noutro,
não podendo os Estados deixar de considerar que, ao dotarem o juiz de um poder exorbitante,
transformavam-no num legislador universal. Dividida entre a necessidade da tarefa e as
dificuldades da sua execução, a Comissão de Direito Internacional preferiu, finalmente, uma
atitude que consistia em evocar o problema sem o resolver. No seu relatório, fornecem-se
mesmo alguns exemplos de tratados derrogatórios do ius cogens:

- tratado que vise um empego da força contrário aos princípios da Carta;

- tratado que organize o tráfico de escravos, a pirataria ou o genocídio;

- tratados que violem as regras protetoras da situação dos indivíduos, etc.

Desta lista, que não é exaustiva, ressalta que a Comissão leva também em conta considerações
relativas aos bons costumes e à ordem pública internacional. Assim, na sua conceção, os
Tratados imorais integram-se na nova categoria dos Tratados contrários às normas imperativas.
Contudo, a Comissão absteve-se se propor qualquer texto enumerativo, declarando que conviria
deixar à prática dos Estados e aos tribunais internacionais o cuidado de proceder
progressivamente à determinação dessas normas imperativas. Finalmente, a Conferência
aprovou o artigo 66.º dispondo que, em caso de diferendo sobre a aplicação ou a interpretação
dos artigos 53.º e 64.º, e se não chegar a uma solução nos doze meses seguintes à data em que
ele se verificou, qualquer parte “pode, mediante requerimento, submete-lo à decisão do Tribunal
Internacional de Justiça, salvo se as Partes decidirem de comum acordo submeter o diferendo a
arbitragem”. Algo ficou portanto do primeiro projeto apresentado26. Mas o problema só está
resolvido parcialmente e é provável que os Estados que, em princípio, se opuseram à
competência obrigatória do Tribunal Internacional de Justiça se recusem a ratificar a Convenção
a menos que não possam emitir reservas sobre este artigo 66.º27. Na verdade, após a adoção da
Convenção de Viena, a jurisprudência trouxe alguns esclarecimentos. Eles permanecem
contudo parciais e limitados. Podemos talvez aguardar um progresso, na concretização do
conceito de ius cogens, dos trabalhos atuais das Nações Unidas sobre a responsabilidade
internacional dos Estados e da elaboração em curso de um Código dos crimes contra a paz e a

25
Sir Hersch Lauterpacht enquanto segundo relator da C.D.I.
26
ver nota 18
27
Vimos que a Convenção de Viena é omissa sobre a possibilidade de formular reservas: neste caso
preciso, seriam elas compatíveis com o objeto e o fim da Convenção? Levando em conta as
circunstâncias da adoção do artigo 66.º, cuja redação constitui um compromisso tido como essencial por
numerosos Estados, poder-se-á duvidar; e, admitindo que uma tal reserva seja possível, o problema da
determinação das regras imperativas permanece no que respeita aos Estados reservatários. Além disto
e sobretudo, se o juiz for chamado a pronunciar-se em que critérios se fundamentará? A questão
continua a não estar resolvida.

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segurança da humanidade. Mesmo que as duas noções não se sobreponham inteiramente,


definições e descrições das normas de ius cogens e dos crimes internacionais apresentam uma
analogia evidente, se bem que possamos supor interações entre os dois problemas.

Contribuição da noção de ius cogens para o desenvolvimento progressivo do direito


internacional: o aspeto “revolucionário” deste reconhecimento e as dificuldades provocadas
pela sua aplicação prática suscitaram uma abundante literatura, na qual se cruzam aprovações
matizadas e críticas sistemáticas. Todos os adversários da “promoção” do ius cogens 59
desenvolvem um tema idêntico: ela é incompatível com as características do Direito
Internacional positivo atual, que permanece, em grande parte, um direito de coordenação. Nos
sistemas jurídicos nacionais, visto que a noção de ordem pública é determinada quanto ao
conteúdo pelo legislador e garantida na sua aplicação pelo juiz, ela pode ser incorporada sem
inconvenientes de maior no direito positivo interno. Mas o reconhecimento da positividade do
ius cogens numa sociedade de estrutura primitiva, sem poder legislativo e sem autoridades
judiciárias, como a sociedade dos Estados soberanos, e perigosa por duas razões:

- abre caminho ao regresso ofensivo do direito natural como seu subjetivismo;

- incita à proclamação unilateral da nulidade dos tratados livremente concluídos por


motivo incontrolável de violação de uma hipotética norma imperativa.

É decerto muito lamentável que a obra comum da Comissão de Direito Internacional e da


Convenção de Viena fique inacabada. Apesar de tudo, por impressionante que sejam, os
argumentos invocados contra o ius cogens não são novos. Foram já utilizados outrora contra a
anulação dos tratados imorais. Em resposta podemos fazer melo menos duas observações:

1.º A assimilação das normas de ius cogens às do direito natural resulta de uma
generalização abusiva;

2.º Ninguém ousará pretender que um tratado dispondo, por exemplo, uma
violação do princípio pacta sunt servanda ou um recurso ilegítimo à força, conserve plena
validade perante o direito positivo por ser contrário apenas ao direito natural.

Observar-se-á, essencialmente, que as críticas dirigidas à supremacia absoluta das normas


imperativas apenas têm fundamento na medida em que a estrutura atual do Direito
Internacional deve ser mantida e respeitada como um postulado. É sem dúvida mais simples
renunciar àquela supremacia do que modificar esta estrutura. Mas o positivismo jurídico de vista
curta é tanto menos uma justificação quanto é certo traduzir uma conceção voluntarista estreita
do direito: na verdade, desde que uma norma de ius cogens se impõe a um Estado que não a
aceitou, é o fundamento voluntarista do Direito Internacional que é definitivamente postergado.
É na perspetiva do desenvolvimento progressivo do Direito Internacional que nos devemos
colocar para apreciar o evento jurídico notável que é o reconhecimento da existência do ius
cogens. Na edificação das bases constitucionais escritas da comunidade internacional, bem
necessário é um começo e este reside na solução de princípio adotada pela Convenção.

Secção II – Regime das nulidades por falta de validade

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Novidades introduzidas pela Convenção de Viena de 1969: não considerando a nulidade


por violação de ius cogens, a Convenção de Viena fez obra de codificação e não de criação no
que diz respeito às outras causas de nulidade. A nulidade do Tratado viciado, consagrada pela
prática anterior, é a sanção mais grave concebível: num grau inferior, a técnica dá a escolher
entre a sua inoponibilidade e a responsabilidade do autor da irregularidade. Contudo, não
ressaltam dessa mesma prática, dada a raridade dos precedentes, elementos suficientes para
formar, como em matéria contratual interna, um verdadeiro regime da nulidade dos Tratados.
A Convenção de Viena, que definiu com mais clareza as antigas e modernas causas de nulidade, 60

tinha o dever de colmatar esta lacuna a fim de prevenir os abusos provenientes das iniciativas
unilaterais. Efetivamente, institui regras que não só renovam e racionalizam o Direito dos
Tratados, mas também atualizam o problema geral das nulidades em Direito Internacional
Público, o qual, até ao momento, só foi estudado no que diz respeito às sentenças arbitrais e a
outros atos jurídicos unilaterais. Este cuidado de exatidão corresponde à necessidade da
sociedade internacional contemporânea de dispor de uma técnica jurídica que facilite a
reconsideração ordenada das regulamentações convencionais arcaicas. Por isso mesmo, não
podemos surpreender-nos verificando o papel decisivo que tem sido desempenhado pelos
estados do Terceiro Mundo, mas também pelos países socialistas, preocupados em definir meios
de contestação.

1.º - Nulidade Absoluta e Nulidade Relativa

Distinção das duas categorias28: Segundo a opinião tradicionalmente admitida na doutrina,


a ordem internacional ignoraria esta distinção entre nulidade relativa e nulidade absoluta: todas
as nulidades seriam relativas porque o princípio da efetividade desempenharia o papel de um
processo geral de cobertura das situações originariamente irregulares que beneficiariam de uma
aplicação durável. Esta doutrina parece confirmada pela jurisprudência que se absteve de aplicar
a nulidade absoluta a uma sentença arbitral viciada por excesso de poder ou por violação do
acordo, irregularidades contudo graves, que seria de interesse público sancionar severamente29.
Com mais razão ainda, qualquer nulidade absoluta deveria ser excluída da matéria dos Tratados
pelos autores que, aderindo a esta doutrina, se recusam, além disso, a reconhecer a existência
de uma ordem pública internacional, atitude que os leva a assimilar a puros interesses privados
os interesses dos Estados protegidos pelas causas da nulidade. Os autores da Convenção de
Viena não se deixaram influenciar, nem pela prática, nem pela doutrina. Aceitaram
cumulativamente estes dois tipos de nulidade, atribuindo um campo de aplicação preciso a cada
um determinando as diferenças de regime, que incidem sobre a possibilidade de fazer funcionar
o princípio de divisibilidade e de consentir na irregularidade para com o Estado vítima, e sobre
o direito de invocar o vício que afeta o Tratado.

28
as diferentes ordens jurídicas internas aplicam dois tipos de nulidade em matéria de contratos. A
nulidade absoluta sanciona as ilegalidades graves que afetam o interesse geral e perturbam a ordem
pública. Caracteriza-se por alguns aspetos dominantes: qualquer pessoa interessada, terceiro ou
contratante, pode a ela recorrer, o juiz pode invoca-la de ofício, ela é suscetível de confirmação e
mesmo, de acordo com algumas legislações, não pode ser coberta pela prescrição.
29
Ver acórdão do Tribunal Internacional de Justiça no caso da Sentença arbitral do Rei de Espanha, Rec.,
1960, p. 205, 209 e 213.

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Hipóteses de nulidade relativa: São sancionadas com a nulidade relativa todas as


irregularidades do consentimento que não sejam a coação, isto é, a violação das formas
constitucionais, o erro, o dolo e a corrupção do representante de um Estado. A este respeito, a
Convenção, contentou-se em codificar a prática. Quando as discussões na Comissão de Direito
Internacional, alguns dos seus membros30, solicitaram em vão que o erro fosse sancionado com
a nulidade absoluta. O caráter relativo das nulidades estabelecidas resulta da própria letra dos 61
artigos 46.º (violação de uma disposição de Direito Interno), 48.º (erro), 49.º (dolo), 50.º
(corrupção do representante), segundo os quais só o Estado contratante, que seja vítima da
irregularidade, pode invoca-la. Por outro lado, a propósito destas causas de nulidade, o artigo
45.º da Convenção dispõe expressamente que um Estado já não pode invoca-las se, após ter
tido conhecimento dos factos “aceitou expressamente considerar que o tratado era válido” ou
se, em razão da sua conduta, deve considerar-se “como tendo aceite a validade do tratado”. A
nulidade de um Tratado baseada no erro cometido apresenta uma particularidade, em relação
à que resulta dos outros vícios do consentimento, no que respeita à sorte dos atos praticados
com fundamento nesse Tratado: as atenuações do princípio da retroatividade, justificadas pela
boa fé, serão admitidas da maneira mais vasta (artigo 69.º, n.º2). A aplicação da simples nulidade
relativa a estes casos é inteiramente fundada. Nenhum interesse geral está em causa. A
proteção limita-se aos interesses das vítimas das irregularidades.

Hipóteses da nulidade absoluta: não acontece o mesmo com a coação. A vítima merece
sempre proteção, mas também é necessário, no interesse geral, desencorajar o recurso à coação
ilícita. Nesta ordem de ideias, a Convenção operou um nítido recuo da conceção contratualista,
aplicando a nulidade absoluta a um tratado viciado pela coação. No que respeita, em primeiro
lugar, à coação exercida sobre a pessoa do representante do Estado, a Comissão de Direito
Internacional, desde a fase preparatória e contra o parecer de um seu relator31, tinha retido a
sanção da nulidade absoluta. Ela justificou, nos termos mas claros possíveis, a sua decisão:

“O emprego da coação sobre o representante do Estado a fim de conseguir a


conclusão de um tratado seria de tal modo grave que o artigo deveria valer-se da
nulidade absoluta do consentimento a um tratado obtido em tais condições.”

Na Conferência de Viena, todas as emendas tendentes a regressar à nulidade relativa foram


rejeitadas. O artigo 51.º adotado dispõe expressamente que o Tratado concluído sob tal coação
é “desprovido de qualquer efeito jurídico”. A mesma severidade aplica-se, evidentemente, aos
Tratados viciados pela coação exercida sobre o Estado. Em nome da estabilidade dos Tratados
de paz, uma emenda franco-suíça, favorável à nulidade relativa, foi rejeitada por forte maioria.
Os termos do artigo 52.º são também sem apelo:

“É nulo todo o tratado cuja conclusão tenha sido obtida pela ameaça ou pelo
emprego da força em violação dos princípios de direito internacional contidos na
Carta das Nações Unidas.”

Põe-se desde logo o problema da aplicação desta regra no tempo. Em que data penetram no
direito positivo os “princípios de direito internacional” evocados, antes da sua incorporação na

30
O seu terceiro relator, Sir Gerald Fitzmaurice
31
O seu quarto relator, Sir Humphrey Waldock

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Carta? Serão, consequentemente, postos de novo em causa todos os Tratados de paz concluídos
no quadro do Direito Internacional clássico? De facto, como vimos, somente estão em causa os
Tratados concluídos posteriormente à adoção da norma de proibição da guerra pelo Pacto de
Briand-Kellog de 1928 e da força pela Carta das Nações Unidas de 1945. Dever-se-á ainda ter em
conta que a nulidade do artigo 52.º, resultante da ilicitude de certas formas de coação, está
limitada no seu campo de aplicação: escapam-lhe os Tratados concluídos na sequência de um
conflito fundamentado na legítima defesa. O artigo 53.º, sobre os Tratados incompatíveis com
o ius cogens, é também redigido pela mesma mão sancionatória a fim de defender a ordem 62
pública internacional. O caráter absoluto destas três nulidades decorre, diretamente do artigo
45.º CVDT que as afasta de aplicação da regra de confirmação formalmente expressa ou tácita32.

2.º - Processo de anulação

Sistema tradicional: em conformidade geral com o princípio geral dos direitos nacionais
segundo o qual ninguém pode fazer-se justiça a si mesmo, nenhuma parte num contrato ou num
Tratado viciado por uma irregularidade poderia proceder unilateralmente à sua anulação. A
intervenção de uma instância competente deveria ser sempre necessária. Não haveria nulidade
de pleno direito de um ato jurídico que implicasse a sua anulação automática. Sustentou-se que
uma tal nulidade equivaleria à sua inexistência. Em direito interno, este princípio geral tem
permanentemente plena aplicação. Em Direito Internacional também, a despeito de algumas
opiniões isoladas, favoráveis à nulidade de pleno direito de certos atos afetados por vícios muito
graves. Com exceção de modalidades especiais previstas num Tratado e aplicáveis unicamente
a esse Tratado, todas as vezes que surge uma dificuldade nas relações entre as partes
contratantes, esta é resolvida de acordo com o mecanismo de direito comum de resolução de
conflitos internacionais, que só pode ser posto em prática com o consentimento mútuo dos
Estados interessados. Este consentimento pode ser expresso em cláusulas especiais do Tratado
contestado ou dar lugar a um novo acordo. Através deste último, os Estados em litigio podem
reconhecer a um terceiro órgão, designadamente um árbitro ou uma jurisdição internacional.
Este mecanismo consensual colide todavia com a aplicação de um outro princípio geral de
Direito Internacional, em virtude do qual, enquanto Estado soberano, cada parte aprecia sob a
sua única responsabilidade as situações que lhe digam respeito. Assim, o Estado detêm a
possibilidade de tirar ele próprio as consequências da irregularidade e de proclamar
unilateralmente a nulidade. Esta atitude traduz-se pela recusa de executar o Tratado. Chega-se
assim a uma espécie de automatismo de facto. Na sua opinião dissidente33:

“É o próprio estado que se julga lesado, ao rejeitar um ato jurídico viciado, em seu entender, de
nulidade. Trata-se evidentemente de uma decisão grave, à qual só se deveria recorrer em casos

32
Podemos perguntar-nos se a noção de nulidade absoluta no sentido da Convenção coincide
inteiramente com a mesma noção segundo o Direito Interno. De acordo com este, qualquer pessoa
interessada, contratante ou não, pode recorrer a uma nulidade absoluta. Ora, se na redação dos artigos
51.º, 52.º e 53.º são utilizadas fórmulas absolutamente impessoais, não proibindo explicitamente esta
mesma interpretação extensiva, esta parece ser desmentida pelos artigos 65.º e 66.º que só às partes
aplicam a nulidade.
33
Proferida no caso relativo a Certas despesas das Nações unidas pelo juiz Winiarski.

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excecionais, mas por vezes inevitável e reconhecida como tal pelo Direito Internacional
comum.”34

Sistemas da Convenção de Viena: o objetivo é eliminar tais atuações unilaterais. Embora o


mecanismo instituído tenha, em parte, suscitado críticas, tem o mérito de limitar os riscos de
abuso.
63
1.º A declaração de nulidade – de acordo com o artigo 65.º CVDT, a parte que invoca
um vicio do consentimento ou qualquer outro motivo admitido pela Convenção para contestar
a validade de um Tratado, deve notificar previamente por escrito às outras partes a sua
pretensão. Assim, só as partes no Tratado litigioso podem desencadear a ação de nulidade. A
solução retida não é porém uniforme. Resulta com efeito dos artigo 46.º, 48, 49.º e 50.º CVDT
que só o Estado cujo consentimento foi viciado pode invocar a nulidade do Tratado nas
hipóteses de ratificação imperfeita, de erro, de dolo ou de corrupção do seu representante. Pelo
contrário, a coação ou a contradição do Tratado com uma norma de ius cogens pode ser
invocada por qualquer Estado parte (nulidade absoluta). Podemos perguntar-nos se não será
chocante esta limitação de invocar a nulidade só aos Estados parte do direito. Pelo menos nesta
última hipótese, no caso em que o tratado viole uma norma de ius cogens, não seria lógico
admitir uma “ação popular”, a possibilidade de uma ação por parte e todos os Estados? É o que
parece deixar entender o Tribunal Internacional de Justiça35: só os deveres de ius cogens de
origem consuetudinária conferem a todos os Estados qualidade para agir; quanto aos de origem
convencional a isso se opõe o princípio do efeito relativo dos Tratados. Em que data deverá ser
endereçada a notificação? Foi em vão que, quando das deliberações da Comissão de Direito
Internacional e mais tarde na Conferência de Viena, certas delegações reclamaram a fixação de
um prazo a contar do dia da descoberta dos factos constitutivos da causa da nulidade impugnada.
Esta pode ser invocada em qualquer momento. Os adversários deste liberalismo consideram-no,
não sem razão, um fator de insegurança nas relações convencionais. Se nenhuma objeção for
formulada no prazo de três meses, o Estado autor da notificação pode declarar ele mesmo a
nulidade do Tratado em causa. Esta declaração deve figurar um “instrumento” comunicado às
outras partes (artigo 67.º CVDT). Se o instrumento não for assinado pelo Chefe de Estado, Chefe
de Governo ou pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, o representante do Estado que faz a
comunicação pode ser convidado a apresentar os seus plenos poderes. Enquanto esta moratória
de três meses não expirar, o Tratado litigioso deve continuar em vigor.

2.º Resolução de conflitos – há contudo que esperar algumas objeções, pois a


pretensão de obter a nulidade baseia-se em factos que, salvo uma coincidência excecional, não
são interpretados nem qualificados do mesmo modo por todas as partes. Com o aparecimento
de uma objeção, nasce um conflito. Neste caso, as partes interessadas devem procurar uma
solução pacífica mediante o recurso a um dos meios previstos no artigo 33.º da Carta das Nações
Unidas (artigo 65.º CVDT). Esta disposição nada acrescenta ao direito comum. A verdadeira
inovação resulta do artigo 66.º CVDT. Se, nos doze meses seguintes à data na obstante
prosseguir-se na procura de uma distinção fundamental entre a nulidade resultante de um
conflito que opõe o Tratado às normas de ius cogens (artigos 53.º e 64.º CVDT) e as outras causas
de nulidade. No primeiro caso, as partes podem decidir, de comum acordo, submeter o

34
Segundo o Professor Reuter, “são os próprios Estados que declaram a nulidade, na falta de uma
autoridade jusrisdicional”.
35
Supracitado acórdão proferido no caso Barcelona Traction (Rec., 1970, p. 47)

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diferendo a arbitragem. Não sendo assim, segundo o artigo 66.º, alínea a), qualquer parte no
diferendo pode, mediante requerimento unilateral, levar o caso ao Tribunal Internacional de
Justiça. Neste caso, a competência do Tribunal é obrigatória. Nos outros casos, as partes podem,
de acordo com o artigo 66.º, alínea b), recorrer ao processo indicado no anexo à Convenção,
que abre uma nova brecha no sistema voluntarista clássico. Cria-se um mecanismo de
conciliação obrigatório. Qualquer das partes pode pedir ao Secretário geral das Nações Unidas
que submeta o diferendo a uma comissão de conciliação composta por cinco membros. O início
da conciliação não tem, pois, lugar por iniciativa direta de uma parte. Espera-se que o Secretário 64
Geral consiga, pela sua mediação, fazer aceitar uma solução conciliadora. Em caso de insucesso
desta última tentativa, será obrigado a submeter o caso à comissão de conciliação, não possui o
poder de tomar decisões obrigatórias como um árbitro ou um juiz36.

3.º Efeitos da nulidade

Regra da nulidade ab initio e as suas atenuações: o Tratado é considerado nulo no dia da


sua conclusão e não só a partir do momento da descoberta da causa de nulidade. A nulidade é,
pois, retroativa. Esta regra preconizada pela Comissão de Direito Internacional é confirmada,
sem equívoco, no artigo 69.º, n.º1 CVDT. Ao adotar esta solução uniforme, clara e categórica, a
Convenção põe fim a uma longa incerteza na doutrina e na jurisprudência sobre os efeitos da
nulidade no tempo. Tinha-se tentado estabelecer a este respeito uma diferença entre a nulidade
absoluta e a nulidade relativa. Como consequência desta nulidade ab initio, se foram postos em
execução atos do Tratado anulado, antes da verificação da sua nulidade, as partes deverão
restabelecer, nas suas relações mútuas, situação que teria existido se esses atos não tivessem
sido praticados. O regresso ao statu quo deveria ser integral. Na prática diplomática, os Estados
não se satisfazem necessariamente com uma solução tão bem demarcada, que possa apresentar
inconvenientes para todas as partes em presença. Se a nulidade derivar da violação de uma
norma imperativa de ius cogens, a restitutio in integrum não consiste tanto num ajustamento
das relações entre as partes quanto na obrigação, para cada uma delas, de harmonizar a sua
própria situação com aquela norma e comportar-se do mesmo modo. É dentro deste espírito
que um artigo especial, o artigo 71.º CVDT, determina os efeitos da nulidade neste caso. Nele se
determina que as partes são obrigadas a eliminar “as consequências de todo o ato praticado
com base numa disposição que seja incompatível com a norma imperativa de Direito geral” e a
“tornar as suas relações mútuas conformes” à mesma norma. Trata-se pois, antes de mais,
assegurar o seu respeito. No conjunto, as partes estão “vinculadas” pelas mesmas obrigações
no caso da superveniência de uma nova norma imperativa (artigo 64.º CVDT), sob a reserva
importante de que, nesta hipótese, a nulidade não é retroativa (artigo 71.º, n.º2). O Tratado é
anulado para o futuro, não incorre em nulidade ab initio, pois era válido “no momento da sua
conclusão”. Os atos anteriormente praticados em execução do Tratado conservam, portanto, a
sua validade. O artigo 64.º dispõe expressamente que o Tratado “se torna nulo e cessa a sua
vigência. Tecnicamente a situação resulta da extinção do Tratado e não da sua anulação. Em
princípio, a retroatividade da nulidade é inatacável pois, excluindo a circunstância prevista no

36
O sistema foi transposto pelo artigo 66.º, n.º2 da Convenção de Viena de 1986 em caso de diferendo
no qual uma Organização Internacional é parte; neste caso, no seguimento de processos complexos,
pode ser apresentada ao Tribunal Internacional de Justiça, uma solicitação de parecer consultivo que
todas as partes no diferendo aceitam “como definitivo”.

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artigo 64.º, o vício do ato é contemporâneo da sua conclusão. Mas, na prática, não sendo o vício
descoberto no próprio momento da entrada em vigor do Tratado, sendo este aparentemente
regular, já se encontra em execução antes que a parte lesada esteja em condições de
desencadear o ato de anulação. Embora se não deva reconhecer qualquer situação “adquirida”
contra o direito, é legítimo atenuar o rigor de uma sanção retroativa de modo a reduzir as
perturbações criadas pelo regresso à situação anterior. O artigo 60.º, n.º2, foi redigido com este
fim. Assim, “os atos praticados de boa fé, antes de a nulidade haver sido invocada, não são
afetados pela nulidade do tratado”. Esta redação é defeituosa pois, se o Tratado for nulo, é 65
automaticamente ilícito, bem como todas as suas medidas de execução. A boa fé justifica uma
exceção à retroatividade, mas não apaga a ilicitude. A disposição esclarece que, nos casos de
dolo (artigo 49.º), de corrupção (artigo 50.º) e de coação (artigo 51.º e 52.º), não é concedido o
benefício da boa fé à parte responsável. A atenuação da retroatividade culmina com a regra
resultante do artigo 69.º, n.º2, alínea a), segundo a qual, qualquer parte pode pedir o
restabelecimento do statu quo ante “na medida do possível”. Perante esta disposição, podemos
perguntar se a exceção não fez desaparecer a regra ou se esta não se tornou exceção, pois, na
verdade, a aplicação da retroatividade, deixada à inteira discrição da parte lesada, encontra-se
ainda subordinada, em cada caso, à interpretação da expressão “na medida do possível”, o que
não deixa de suscitar sérias divergências.

Problema da divisibilidade do Tratado: em princípio, a nulidade deve afetar o conjunto das


disposições do tratado (artigo 44.º, n.º1 CVDT). Esta indivisibilidade, recomendada pela doutrina
clássica, provém do princípio geral do respeitada integridade do tratado. Contudo, nem todos
os Tratados constituem uma “totalidade solidária” cujos elementos se equilibram naturalmente.
Muitos deles possuem um conteúdo misto e, por consequência, cláusulas (ou grupos de
cláusulas) que são perfeitamente “separáveis” visto serem independentes umas das outras. A
Comissão de Direito Internacional fez notar que a doutrina e a jurisprudência do Tribunal
Internacional de Justiça admitiram a existência, na prática, de casos em que pode aplicar-se sem
inconveniente a divisibilidade, podendo suprimir-se certas disposições de um Tratado sem
perturbar necessariamente o equilíbrio dos direitos e deveres estabelecidos pelas suas outras
cláusulas. De acordo com esta conceção, o mesmo artigo 44.º, no seu número 2, previu um caso
de separação obrigatória nas hipóteses de erro ou de ratificação imperfeita37. A separação é
facultativa para o Estado que invocar o dolo ou a corrupção; ele pode exigir a nulidade do
conjunto do trabalho ou só de determinadas cláusulas, se as condições precedentes forem
preenchidas.

37
Se estas visarem determinadas cláusulas, só relativamente a essas pode ser invocada Além disso, para
que a separação seja obrigatória, devem reunir-se outras três condições:
-as cláusulas em questão devem ser separáveis do resto do Tratado no que respeita à sua
execução;
- a aceitação das referidas cláusulas não constituiu para a outra parte ou para as outras partes a
base essencial do seu consentimento em vincular-se pelo Tratado no seu conjunto;
- não é injusto continuar a executar o que subsiste do Tratado.
A introdução destas precauções, cuidadosamente formuladas, prova que, aos olhos dos autores da
Convenção, a indivisibilidade continua a ser a regra e a divisibilidade a exceção. A terceira condição não
figurava no projeto da Comissão de Direito Internacional. Foi acrescentada pela Conferência na
sequência de uma emenda americana tendente a evitar que a separação produzisse uma rutura do
equilíbrio em detrimento de uma das partes.

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Efeitos da nulidade a respeito das partes: no caso em que a nulidade de um Tratado bilateral
for admitida, o Tratado no seu conjunto, ou as disposições que incorrem em nulidade, deixam
de ter efeito relativamente às partes nas condições descritas anteriormente. O problema é
muito mais complexo no caso de um Tratado multilateral: a nulidade não produz
necessariamente os mesmo efeitos face ao Estado, cujo consentimento foi viciado, e às outras
partes. Em princípio, o Tratado permanece válido nas relações destas entre si, assim como refere 66
o artigo 69.º, n.º4 CVDT. Contudo, esta regra, prevista expressamente para as irregularidades
que viciem o consentimento, não se aplica no caso de nulidade por violação de ius cogens que
afete “objetivamente” o Tratado, abstraindo da situação pessoal das partes. O artigo 71.º CVDT,
relativo às consequências da nulidade de um Tratado em conflito com uma norma imperativa
de Direito Internacional geral, não faz de resto qualquer distinção entre Tratados bilaterais e
multilaterais.

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Aplicação dos Tratados


Plano do capítulo: uma vez entrado em vigor, a Convenção válida deve ser aplicada pelos
Estados partes; dado o seu caráter obrigatório, eles devem executá-lo. Impondo-se às partes, a
Convenção pode igualmente ter efeitos a respeito de terceiros. Aliás, devem ser examinados 67
outros dois problemas gerais inerentes a própria noção de aplicação da regra de direito:
interpretação da Convenção e os conflitos que pode suscitar, quando da sua aplicação, em
relação a outras normas jurídicas38.

Secção I – Execução dos Tratados pelos Estados partes

1.º - Ordem jurídica internacional e execução dos Tratados

Aplicação do Princípio da boa fé: segundo o artigo 26.º CVDT: «Todo o tratado em vigor
vincula as partes e deve ser por elas executado de boa fé.» Ao propor esta redação, a Comissão
de Direito Internacional fez questão em sublinhar que enunciava o princípio fundamental do
Direito dos Tratados. A execução de boa fé e o respeito da regra pacta sunt servanda estão assim
intimamente ligados constituindo dois aspetos complementares de um mesmo princípio. O
principio eleva-se ao nível de uma instituição reguladora do conjunto das relações internacionais.
Ganha particular relevo no direito dos Tratados. De acordo com uma fórmula geral da
Convenção de Viena (artigo 18.º), executar de boa fé significa: «Abster-se dos atos que privem
um tratado do seu objeto ou do seu fim.» Esta conceção é talvez demasiado larga, por
conseguinte demasiado vaga, porque não caracteriza suficientemente a face oposta, que é a má
fé. A execução de boa fé deveria ser definida como a que exclui toda a tentativa de “fraude à
lei”, toda a astúcia, e exige positivamente fidelidade e lealdade aos compromissos assumidos.
Seja como for, uma definição é forçosamente abstrata; ela deve ser clarificada pela prática. A
obrigação de executar uma Convenção é tanto mais difícil de delimitar quanto mais as normas
convencionais forem ambíguas. Mediante redações apropriadas, as partes podem com efeito
reduzir o alcance dos seus compromissos, seja enunciando as suas obrigações em termos
suficientemente vagos para poderem aproveitar essa ambiguidade no seu melhor interesse, seja
reservando-se a possibilidade de se desligarem dos seus compromissos em certas circunstâncias.
Na primeira hipótese, os Estados podem em especial jogar com a distinção entre obrigações de
resultado e obrigações de comportamento: as primeiras são mais constrangentes na medida em
que as partes devem alcançar um objetivo previamente fixado; as segundas são menos rigorosas:
elas impõem somente às partes a adoção de certas atitudes. A oposição não é, de resto, absoluta

38
A unidade orgânica do Estado e a sua soberania contribuem para simplificar a solução dos problemas
de aplicação das Convenções: o Direito Internacional pode, muitas vezes, remeter para o Direito interno
do Estado, um direito, regra geral, simultaneamente coerente e estável. A situação é a priori menos
favorável para as Organizações Internacionais: a hierarquia interna dos seus órgãos é frequentemente
mal assegurada, e , sobretudo, os Estados membros das Organizações Internacionais podem intervir na
execução dos acordos concluídos por estas.

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e sobretudo uma Convenção pode enunciar em termos vagos os resultados a alcançar ou, pelo
contrário, fixar com muita precisão o comportamento que devem seguir as partes. A Convenção
pode, por outro lado, prever uma faculdade de suspensão das obrigações convencionais,
podendo a decisão resultar apenas da vontade do Estado interessado (cláusulas de salvaguarda),
ou necessitar do acordo ou da autorização das outras partes contratantes (cláusulas
derrogatórias). O Direito Internacional da Economia constitui o domínio privilegiado, mas não
exclusivo, destas regulamentações convencionais “frouxas” que tornam muitas vezes difícil e de
qualquer modo subjetiva a apreciação das infrações. Quaisquer que possam ser as incertezas 68
provenientes da redação da Convenção, as partes não podem deixar de respeitar as suas
disposições e a obrigação de execução de boa fé permanece. Mesmo que seja aparentemente
comparável, o problema da execução dos atos concertados não convencionais formula-se em
termos inteiramente diferentes: ele não depende do conteúdo da norma mas da natureza do
instrumento. Não sendo este um ato jurídico, não obriga os seus autores a executá-lo qualquer
que seja a precisão da sua reação.

Não retroatividade dos Tratados: o princípio da não retroatividade é um princípio geral


aplicável a todos os atos jurídicos internacionais. Corresponde a uma técnica de solução, entre
outras, do problema da aplicação das regras convencionais no tempo. A aplicação deste
princípio será ditada pela preocupação em conciliar dois objetivos por vezes contraditórios:
garantir a segurança jurídica dos destinatários das normas internacionais e não retardar
indevidamente a aplicação de novas regras de Direito Internacional. Disto deduzir-se-á que
qualquer Convenção Internacional deve ser apreciada, na falta de indicação em contrário só
pode incidir sobre os factos posteriores à sua entrada em vigor (regra do efeito imediato).
Qualificar este princípio de “princípio de Direito Internacional geralmente reconhecido”39 não
implica que ele tenha um caráter absoluto. Nada impede os Estados de elaborarem uma
Convenção que derrogue o princípio da não retroatividade, de modo explícito ou implícito.

Execução territorial: nos termos do artigo 29.º CVDT:


«Salvo se o contrário resultar do tratado ou tenha sido de outro modo estabelecido,
a aplicação de um tratado estende-se à totalidade do território de cada um das Partes.»

Esta regra beneficia do apoio concordante da prática dos Estados, da jurisprudência dos
tribunais internacionais e da doutrina. Em certos casos particulares, as disposições de uma
Convenção referente expressamente a um território ou uma região determinada. Não se verifica
o mesmo com a que resulta da chamada “cláusula federal”. Esta tem por objetivo afastar os
Estados membros de um Estado federal do campo de aplicação de um acordo concluído em
nome do Estado federal, com vista a salvaguardar a autonomia das entidades federadas. A
utilização desta cláusula tornou-se, porém, relativamente rara em virtude da conjugação de dois
fatores, que explicam, aliás, o silêncio da Convenção de Viena a respeito deste problema. Por
um lado, está ligada a circunstâncias históricas particulares: encontramo-la nos períodos em que
a solidariedade interna da união não é ainda suficiente para permitir que a entidade federal
resolva, ela própria, os problemas internacionais com que se confronta, mas em que essa
solidariedade é suficientemente marcada para excluir uma representação internacional distinta
dos Estados federados; reforçando-se as solidariedades, ela torna-se menos necessária. Por
outro lado, os Estados cocontratantes mostram-se muitas vezes reticentes a respeito da cláusula
federal, que diminui o alcance do compromisso tomado pelo Estado federal. A “cláusula colonial”

39
Comissão Europeia dos Direitos do Homem, caso De Becker, decisão 214/56 de 9 junho 1958

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põe atualmente ainda mais problemas: visa excluir da aplicação da Convenção as dependências
não metropolitanas de um Estado ou reservar-lhes um tratamento específico.

Causas da inexecução: as obrigações convencionais são primeiramente obrigações de Direito


Internacional. A sua violação acarreta a responsabilização do seu autor, nas condições do direito
comum para o qual remete o artigo 73.º CVDT, isto é, salvo se existir uma circunstância
excluindo a ilicitude. Contudo, o problema não pode limitar-se somente ao direito da
responsabilidade internacional dos Estados: em consequência da Convenção, as partes aceitam 69
obrigações, em geral recíprocas, e existem causas de inexecução próprias do sistema
convencional. Com efeito, todo o facto que justifique a caducidade ou a suspensão da
Convenção fundamenta automaticamente a sua inexecução. Além disso os governos são por
vezes tentados a justificar o não cumprimento de uma Convenção pela sua incompatibilidade
com o Direito nacional. Por reação contra este argumento ameaçador para a segurança das
relações jurídicas internacionais, o artigo 27.º CVDT reafirma o primado do Direito Internacional.
Somente o artigo 46.º CVDT prevê uma exceção a esta regra, de alcance limitado, admitindo que
a violação manifesta de uma disposição de importância fundamental, quando da conclusão de
uma Convenção, pode invalidar o consentimento do Estado. A Comissão de Direito Internacional
tivera escrúpulos em propor esta regra, que lhe parecia depender mais do regime da
responsabilidade internacional e que a CVDT entendeu não tratar (ver artigo 73.º CVDT). Os
Estados que participaram na Conferência de Viena julgaram oportuno recordar expressamente
este corolário do princípio do primado do Direito Internacional Convencional sobre o Direito
interno. A sua prudência e tanto mais justificada quanto é certo que nem todos os Estados
conhecem um processo de exame prévio de constitucionalidade. É sobretudo quando da
elaboração do texto da Convenção que os negociadores encontram, na necessidade de respeitar
o Direito Constitucional interno, um argumento de peso para recusar uma proposta. Tal como
está concebido, o artigo 27.º CVDT não é porém inútil. A sua estrita observância permite
aumentar a efetividade do princípio da continuidade do Estado, tornando inoperante, no plano
internacional, qualquer retratação, por um governo revolucionário, dos compromissos
assumidos pelo governo legal derrubado, como todo o repúdio por parte deste, se fosse
restabelecido nas suas funções, dos Tratados concluídos pelo sue predecessor durante o
interregno. A jurisprudência internacional teve ocasião de deliberar neste sentido. A
transposição da regra do artigo 27.º CVDT para as Convenções concluídas por Organizações
Internacionais apresenta algumas dificuldades, pois estas Convenções podem ter por objeto a
aplicação de resoluções que as Organizações podem livremente modificar. Apesar das
hesitações da Comissão de Direito Internacional, a Convenção de 1986 sobre o Direito dos
Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais
transpõe-na pura e simplesmente.

Garantias de execução: de acordo com o Direito comum, a inexecução não justificada de uma
Convenção empenha a responsabilidade internacional do Estado. A eficácia desta garantia é
muito relativa: depende da vontade do Estado, que reconhece ou não a sua responsabilidade;
no caso contrário os Estados podem, e devem, submeter-se a um processo pacífico de resolução
do seu desacordo, que pode ser estabelecido pelas cláusulas do própria Convenção ou por um
documento conexo. Além disso, verifica-se uma tendência cada vez mais nítida para admitir que
a violação de uma obrigação convencional autoriza o Estado vítima a ripostar através de” contra-
medidas”. Uma vez que a Convenção de Viena se abstinha de se intrometer no direito da
responsabilidade internacional (artigo 73.º CDVT), era difícil abordar o problema das garantias
do respeito das Convenções. É apenas através das consequências de uma violação substancial
da Convenção que ela encara a questão (artigo 60.º CVDT): a ameaça de suspensão ou de

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extinção da Convenção não passa de uma medida de represália, e portanto é, quando muito,
uma garantia política. Não deixa de ser claro que uma recusa em cumprir uma obrigação
convencional é de natureza a comprometer a responsabilidade internacional40. Por conseguinte,
não obstante o silêncio da Convenção de Viena, as consequências da violação de uma
Convenção devem ser encaradas à luz do direito da responsabilidade internacional. Além disso,
a prática desenvolveu duas categorias de mecanismos de garantias:

1.º Mecanismos interestatais de garantia: estabelecidas numa base ad hoc e 70


apresentam um caráter puramente interestatal podem revestir formas variadas que podemos
reagrupar sob três rúbricas principais:

a) Penhora: processo tradicional, outrora frequentemente utilizado para


garantir a execução das Convenções de paz e dos contratos internacionais de empréstimo41;

b) Garantia por uma ou várias potências: constitui igualmente um mecanismo


42
clássico ;

c) Garantia institucionalizada sobre uma base ad hoc43;

2.º Mecanismos permanentes de controlo no quadro das Organizações


Internacionais: são permanentes e funcionam no quadro de certas Organizações Internacionais:

a) Apesar das propostas nesse sentido quando da Conferência de São Francisco,


a Carta das Nações Unidas não prevê expressamente a intervenção da Organização para
assegurar o respeito das Convenções e a fórmula do preâmbulo que os visa fica atrás da utilizada
no preâmbulo do Pacto da Sociedade das Nações. Portanto, só de maneira totalmente indireta,
a utilização pelo Conselho de Segurança dos poderes pode ter, em certos casos, por objeto
assegurar a execução das Convenções. De todas as Organizações universais, a Organização
Internacional do Trabalho foi certamente a que pôs em ação os processos mais aperfeiçoados
de controlo e de aplicação das Convenções elaboradas sob os seus auspícios. Além do processo
dos relatórios anuais sobre a aplicação das Convenções, com exames sucessivos por um comité
de peritos independentes e um comité tripartido, os estatutos preveem um processo de
execução forçada: mediante queixa de um Estado parte na Convenção considerada, de um
delegado à Conferência geral ou do Conselho de Administração, este último pode solicitar uma
comissão de inquérito: esta tem competência para estabelecer os factos e para fazer
recomendações num relatório que será público. No prazo de três meses, os governos
interessados deverão aceitar essas recomendações ou manifestar a sua intenção de recorrer ao
Tribunal Internacional de Justiça, cuja decisão é definitiva. Se um Estado membro não

40
Parecer consultivo do Tribunal Internacional de Justiça de 18 julho de 1950 – Interpretação dos
Tratados de paz.
41
O Tratado de Versailles de 1919 recorreu a ela; para garantir o pagamento das reparações a cargo da
Alemanha, previa por um lado a afetação a esse pagamento de todos os recursos económicos e, pelo
outro, a ocupação durante 15 anos da margem esquerda do Reno.
42
Pelo Tratado de Londres de 19 abril 1839 no qual eram partes a Áustria, a França, a Grã-Bretanha, a
Prússia e a Rússia, as cinco potências prometiam garantir a neutralidade perpétua da Bélgica instituída
por outro Tratado de Londres, de 15 novembro 1831.
43
Este compromisso americano foi combinado com a criação da Força multinacional de observadores;
como as comissões internacionais de controlo aplicadas sucessivamente para velar pelo
restabelecimento e manutenção da paz na Indochina. Uma outra forma de institucionalização paralela é
constituída pelas conferências periódicas dos Estados partes encarregados de examinar a aplicação da
Convenção. Esta técnica, de pressão bem como de garantia propriamente dita, é utilizada sobretudo em
matéria de desarmamento.

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reconhecer as recomendações da comissão ou a decisão do Tribunal, a Conferência Geral decide,


em última instância, sob proposta do Conselho de Administração, quais os meios para assegurar
o seu cumprimento. No silêncio do textos, não parece que a Conferência possa ir até à suspensão
ou expulsão do Estado faltoso da Organização. Ao lado deste mecanismo de alcance geral,
existem processos especiais previstos pelo artigo 24.º dos Estatutos e por diversas Convenções
sobre a proteção dos direitos sindicais. Outras Organizações Internacionais inspiraram-se mais
ou menos nas técnicas da Organização Internacional de Trabalho sem alcançarem o mesmo grau
de coerência; 71

b) Mas foi sobretudo a nível regional, e muito particularmente no quadro das


Organizações integradas, que se desenvolveram processos eficazes. Assim, o Conselho da
Europa dispõe de sistemas de controlo, muito constrangentes para os Estados, no que respeita
à aplicação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Carta Social Europeia. Após
relatório de uma comissão de inquérito independente, o Conselho pode emitir recomendações
que, se não forem respeitadas pelo seu destinatário, ainda que seja por um motivo estranho à
sua vontade, autorizarão as outras partes a não respeitar as suas próprias obrigações.
Diversamente das outras Organizações onde última palavra pertence a um órgão
intergovernamental, os tratados constitutivos das Comunidades Europeias reservam a
competência de controlo a dois órgãos independentes dos governos, a Comissão e o Tribunal de
Justiça. Com base na queixa de um Estado ou por sua própria iniciativa, a Comissão adota uma
decisão fundamentada ou um parecer fundamentado seguido de uma intimação para
apresentar as suas observações. Se o Estado membro não aceita a decisão ou não reconhece o
parecer fundamentado, o Estado ou a Comissão – segundo o caso – pode recorrer a Tribunal
que decide em última instância.

2.º - Ordem jurídica interna e execução dos Tratados

Autoridades públicas responsáveis pela execução: a execução das Convenções incumbe a


todos os órgãos do Estado, porque a obrigação de executar impõe-se ao Estado tomado no seu
conjunto como sujeito de direito Internacional. Como procedem os diversos órgãos estatais de
modo a cumprirem plenamente o seu dever? Antes de mais, têm de introduzir a Convenção na
Ordem interna. De seguida devem “aplica-la”. Contudo, este último termo engloba diferentes
atividades:

a) As autoridades não jurisdicionais têm o dever de tomar decisões necessárias


que são medidas executórias propriamente ditas;
b) Por seu lado, os tribunais nacionais têm a obrigação de aplicar as Convenções,
sempre que o exija a resolução dos litígios sobre os quais se devem pronunciar.

A – Introdução do Tratado na Ordem Interna

Obrigações do Estado: o princípio de execução de boa fé das obrigações convencionais, impõe


a introdução na ordem jurídica interna das Convenções que estabelecem direitos e obrigações
para os particulares. Esta introdução permitirá às normas convencionais imporem-se

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efetivamente, como qualquer outra norma de Direito interno, não só perante todas as
autoridades estatais, governantes e Administração, seja qual for o escalão da hierarquia em que
se encontrem colocadas, mas também permite os nacionais do Estado. Como se opera esta
introdução? Na opinião geral, partilhada mesmo pelos Estados que, invocando um dualismo
rígido, praticam um sistema de incorporação legislativa, este dever de introdução é uma
obrigação de resultado e não de meio. A maneira como se realiza é, pois, deixada à livre escolha
do Estado. Este é, de resto, livre de considerar que o seu Direito interno está desde agora de
acordo com a Convenção e de não tomar qualquer medida de introdução específica, com o risco 72
– mínimo – de ver a sua responsabilidade internacional comprometida se a outra ou as outras
partes o contestarem. Pelo contrário, os Estados não estão evidentemente proibidos de
limitarem a sua liberdade por compromissos convencionais, mas eles só o consentem
excecionalmente. Na prática, os Estados usam amplamente a liberdade quanto aos meios a pôr
em prática que lhes reconhece o Direito Internacional.

Processo tradicional de introdução: de acordo com o sistema tradicional geralmente


adotado pelos Estados, a introdução da Convenção na Ordem interna está subordinada ao
cumprimento pela autoridade estatal de um ato jurídico especial. A forma e a natureza deste
ato variam consoante os sistemas nacionais.

B – Medidas internas de execução

A obrigação de tomar medidas: para ser aplicável, uma Convenção deve conter disposições
suficientemente precisas e poder inscrever-se nas “estruturas de acolhimento” jurídicas ou
financeiras de Direito interno. A execução da Convenção exige frequentemente que certas
decisões tenham sido tomadas no plano nacional; o respeito da Convenção pelos Estados só é
assegurado se eles tomarem efetivamente tais medidas (votação de créditos especiais, adoção
de leis ou de atos regulamentares, modificações da legislação ou da regulamentação existentes).
O conteúdo desta obrigação depende do caráter auto-executório ou não da Convenção. Uma
Convenção – ou uma disposição dela – é auto executória quando a sua aplicação não exige
medidas internas complementares. Resulta até desta definição que são inúteis medidas
especiais preliminares à execução44. Pelo contrário, as Convenções que não apresentarem um
caráter auto executório não são autossuficientes e os Estados partes devem tomar as medidas
internas necessárias à sua execução. Alguns instrumentos contêm uma cláusula que confirma
esta obrigação. O Tribunal Penal de Justiça Internacional reconheceu como “princípio óbvio”,
que um Estado que tenha validamente contraído compromissos internacionais seja obrigado a
introduzir na sua legislação as modificações necessárias para assegurar a execução dos
compromissos assumidos45. A fiscalização do respeito desta obrigação efetua-se, regra geral, por
recurso à responsabilidade internacional do Estado, o que supõe que, não tomando as medidas
de aplicação necessárias, o Estado atentou contra os direitos garantidos pela Convenção aos
cidadãos estrangeiros. Se o compromisso da responsabilidade do Estado não oferece dúvidas,
visto que ele não pode invocar as lacunas do seu Direito interno para fugir aos seus
compromissos convencionais (artigo 27.º CVDT), este mecanismo deixa uma ampla margem de

44
Concretamente, o caráter auto executório de uma disposição convencional é muitas vezes difícil de
determinar e pode ser objeto de apreciações divergentes.
45
Parecer 21 fevereiro 1925 sobre a Permuta das populações turcas e gregas.

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poder discricionário aos Estados; não é possível recorrer a ele em relação aos nacionais, salvo
exceção, e de qualquer modo é muito difícil acioná-lo. Só os tribunais nacionais podem
contribuir para uma solução mais eficaz, quer aceitando os recursos baseados na inobservância
desta obrigação pelo poder regulamentar, quer fazendo prevalecer uma Convenção
internacional sobre o Direito interno apesar da insuficiência das medidas de aplicação: a sua
atitude será, em parte, ditada pelo seu conceito da aplicação direta da referida Convenção46.

Tratados que interessam aos particulares: como sublinhou o Tribunal Penal de Justiça 73
Internacional: «O próprio objeto de um acordo internacional, na intenção das partes
contratantes, (pode) ser a adoção pelas partes, de regras determinadas, criando direitos e
obrigações para os indivíduos, e suscetíveis de serem aplicadas pelos tribunais nacionais». Em
boa lógica, daqui deveria resultar que estas Convenções, se forem auto executórias , serão
diretamente aplicáveis, isto é, oponíveis ao poder executivo, e que os particulares deles se
poderão valer, perante o juiz nacional, mesmo que as suas normas não tenham sido
incorporadas na legislação nacional. Contudo, na prática, as jurisdições nacionais mostram-se
hesitantes mesmo que, apesar de certas críticas doutrinais sobre a lentidão do processo, a
tendência geral nos países ocidentais seja favorável a uma presunção de aplicabilidade direta,
na medida necessária para assegurar a plena eficácia internacional e interna das Convenções.
Pode, todavia, parecer paradoxal que a posição dos Tribunais sobre este problema não coincida
com a distinção entre monismo e dualismo e que os países de tradição monista se mostrem, por
vezes, bastante restritivos.

C – Aplicação por uma jurisdição interna


(o exemplo português)47

Relevância do Direito Internacional na Ordem interna portuguesa:


1.º Evolução da questão: a questão da relevância do Direito Internacional na Ordem
interna portuguesa tem sido uma das questões mais estudadas e debatidas na doutrina
portuguesa. A este respeito, quatro fases podem e devem ser reportadas:

a) Antes de 1933: antes da Constituição de 1933, havia consenso quanto à


existência de uma cláusula geral de receção plena;

b) Entre 1933 e 1971: a seguir a 1933, e sobretudo após 1957, a doutrina dividiu-
se fortemente: continuou a haver quem defendesse uma cláusula geral de receção plena; havia
quem defendesse que somente se encontravam cláusulas de receção semiplena; inversamente,
havia quem se pronunciasse no sentido da cláusula geral de receção plena; e havia quem
sustentasse não consagrar o Direito Português nenhum sistema geral sobre a relevância do
Direito Internacional, mas, ao mesmo tempo, por adoção de um monismo de Direito

46
A recusa, a demora ou a insuficiência das medidas de aplicação das Convenções e do Direito derivado
(diretrizes, decisões, eventualmente mesmo regulamentos) constituem, pelo que diz respeito às
Comunidades Europeias, falta dos Estados, podendo ser sancionadas pelo Tribunal de Justiça por iniciativa
da Comissão ou corrigidas na sequência de pressões da Comissão.
47
Miranda, Jorge; Curso de Direito Constitucional, 3.ª edição; Principia editores; Cascais

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Internacional, se decidisse no sentido da sua aplicabilidade genérica na ordem interna. O Código


civil de 1966, apesar de abrir com um capítulo “Fontes de Direito”, ignora aí totalmente os
tratados e as demais fontes especificas do Direito Internacional.

c) Entre 1971 e 1976: mas a revisão constitucional de 1971 aditaria com um §


único ao artigo 4.º da Constituição, dispondo expressamente sobre a relevância das normas
internacionais. Subsistiram, entretanto, divergências (embora em novos moldes): entre
defensores de um entendimento favorável à receção plena; e defensores de um entendimento 74
favorável à transformação implícita

d) Após 1976: A Constituição de 1976 dedica todo um artigo ao Direito


Internacional, o artigo 8.º CRP, em que cuida, sucessivamente, do Direito Internacional comum
(n.º1), do Direito Internacional convencional (n.º2), desde a revisão de 1982, também de normas
dimanadas de órgãos de Organizações Internacionais (n.º3) e, desde a revisão de 2004,
especificamente, de normas da União Europeia (n.º4). Em face das normas constitucionais e no
contexto global da Lei Fundamental, é agora quase unânime de que existe uma cláusula geral
de receção plena – o que não significa, evidentemente, que os autores dela retirem idênticas
consequências.

2.º A situação atual: não custa descobrir um enquadramento favorável à receção


automática do Direito Internacional na Constituição de 1976. Apontam, por certo (embora não
decisivamente) nessa direção os trabalhos preparatórios na Assembleia Constituinte: o teor das
intervenções produzidas durante a discussão do artigo 8.º CRP, o claríssimo texto aprovado
acerca do Direito Internacional geral ou comum (pela primeira vez entre nós) e a adoção em vez
de uma cláusula de reciprocidade, da regra de vigência das normas convencionais na Ordem
interna “enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português. Ao mesmo tempo, e
sobretudo, noutros preceitos fazem-se não poucos e não pouco importantes apelos a normas
de Direito Internacional. No tocante ao Direito Internacional comum, corroboram ou apoiam a
tese da receção automática: a letra do artigo 8.º, n.º1; a referência a princípios de Direito
Internacional nos artigos 7.º, n.º1, 16.º, n.º2 e 29.º, n.º2. Problema complementar consiste em
averiguar se deve reconhecer-se a eficácia interna de todo e qualquer costume internacional u
se, apenas, daqueles em cuja formação Portugal tenha intervindo ou a que tenha dado aceitação
tácita. Congruentemente com uma fundamentação não voluntarista do Direito Internacional, é
de preferir o alcance mais consentâneo com a universalidade do Direito Internacional. Mais
duvidoso é o estatuto do costume local e regional. Evidentemente, não cabe no âmbito literal
do artigo 8.º, n.º1, conquanto este lhe possa (ou deva) ser estendido por analogia, por
interpretação extensiva ou por identidade de razão. Quanto ao n.º2 do artigo 8.º, ele não fez
depender a vigência na Ordem interna das normas constantes de Convenções Internacionais
regularmente ratificadas ou aprovadas, senão da sua publicação oficial (o que bem se
compreende, pois nenhum cidadão pode ser destinatário de uma norma jurídica sem que
disponha de um meio objetivo de a conhecer); mas a publicação – que não é ato específico e
livre do órgão de vinculação internacional do Estado, o Presidente da República -, ao contrário
da ratificação, funciona como mera condictio iuris. Se não bastasse a interpretação histórica,
literal e lógica do artigo 8.º, alguns argumentos de natureza sistemática viriam confirmar ou
demonstrar que nele se encontra uma regra de receção geral plena do Direito Internacional
convencional:

- os artigos 4.º, 7.º, n.º 6 e 7, 16.º, n.º1, 33.º, n.º 3, 4 e 5, 102.º, 273, n.º2 e 275,
n.º5 colocam os atos normativos de Direito Internacional a par da lei como fontes de regras de

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Direito Interno; enão se trata nem de redundâncias, nem de cláusulas de receção semiplena,
mas sim de afloramentos naturais do princípio da receção plena;

- são os mesmos órgãos – Parlamento e o Governo – que têm competência de


aprovação de Convenções Internacionais, pelo que não se justificaria por nenhuma razão de
equilíbrio do sistema político a exigência de dois atos sucessivos de qualquer desses órgãos
sobre a mesma matéria;

- mas, por outra banda, a competência de aprovação dos tratados e acordos 75

internacionais é distinta e não totalmente coincidente com a competência legislativa, e


manifesta-se em atos típicos diferenciados – quanto à Assembleia da República, a resolução
(artigo 166.º, n.º5) e, quanto ao Governo, o decreto, o decreto simples, e não o decreto-lei (por
força do artigo 197.º, n.º2);

- da fiscalização da constitucionalidade igualmente se distingue entre atos


legislativos e tratados.

Ainda a respeito do artigo 8.º, n.º2, observe-se que: a alusão do artigo em questão, a
Convenções «regularmente ratificadas ou aprovadas» tem de ser conjugada com o artigo 277.º,
n.º2; no preceito abrangem-se os acordos sob a forma de troca de notas, porque entre nós estão
sujeitos a aprovação; a expressão «enquanto vincularem internacionalmente o Estado
português» significa que vigência na Ordem interna depende da vigência na Ordem
internacional (as normas internacionais só vigoram no nosso ordenamento jurídico depois de
começarem a vigorar no ordenamento internacional e cessam de aqui vigorar ou sofrem
modificações, na medida em que tal aconteça a nível internacional); em contrapartida, a
eventual não vigência de qualquer tratado na ordem interna por preterição dos requisitos
constitucionais não impede a vinculação a esse tratado na ordem internacional. Quanto às
normas emanadas dos órgãos competentes de Organizações Internacionais de que Portugal seja
parte e que vigoram diretamente na Ordem interna, por tal se encontrar estabelecido nos
respetivos tratados constitutivos (artigo 8.º, n.º3), nenhuma dúvida se suscita sobre a natureza
do fenómeno com receção automática no seu grau máximo. Dispensa-se não só qualquer
interposição legislativa como qualquer aprovação ou ratificação a nível interno equivalente à
dos tratados (e tão pouco pode dar-se fiscalização preventiva). Mas deveria exigir-se sempre a
publicação no jornal oficial português. Pensado em 1982 na perspetiva da integração de Portugal
nas Comunidades Europeias e da consequente receção do Direito Comunitário, nunca esgotou
aí o seu âmbito vital. Como bem se sabe, há decisões normativas imediatamente aplicáveis das
mais diversas Organizações Internacionais – entre as quais as resoluções do Conselho de
Segurança das Nações Unidas. O artigo 8.º é omisso relativamente a tratados celebrados por
Organizações Internacionais de que Portugal seja membro. É obvio, porém, que eles não podem
deixar de ser aplicados enquanto tais imediatamente na ordem interna, embora não por força
do n.º 2 (que pressupõe tratados aprovados pelo Estado português), mas por extensão do n.º3.
O n.º4 – depois de, no primeiro segmento, repetir o que já consta dos n.º 2 e 3 – vem estabelecer
que as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas
instituições são aplicáveis na ordem interna nos termos definidos pelo Direito da União.
Devolve-se, pois, aparentemente, para o Direito da União (que, por o artigo 7.º, n.º6, falar em
“convencionar”, só pode ser o Direito Primário) um decisão que deveria pertencer à Constituição.
Afigura-se, no entanto, de encarar uma interpretação conforme ao princípio da independência
nacional, o primeiro dos limites materiais de revisão constitucional (artigo 28.º), de modo a
garantir a soberania constituinte do Estado português; o contrário equivaleria à degradação do
seu estatuto jurídico, aproximando-o do de um Estado federado. Isso, porque se trata, quanto

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ao Direito derivado, de normas emanadas no exercício das competências da União – que são
competências de atribuição e a interpretar à luz do princípio da subsidiariedade. E porque se
prescreve o respeito dos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático, os
princípios em que assenta a República e que são princípios constitucionais portugueses (artigo
2.º e Jurisprudência do Tribunal Constitucional).

76
C – Perante o juiz interno

Normas convencionais e normas constitucionais: Não tendo os juízes internos


competência para fiscalizar a conformidade da Constituição à Convenção, como a França, põe-
se apenas a questão de saber se aceitam pôr em aplicação uma Convenção contrária à
Constituição. No caso português, onde o princípio do primado do Direito Interno sobre o Direito
Internacional está em vigor, há que averiguar essa conformidade.

I – A Inconstitucionalidade dos atos jurídico-públicos48

Noção: podemos definir singelamente inconstitucionalidade de um ato jurídico-público como a


desconformidade do mesmo ato com o parâmetro constitucional a que se encontra submetido.
A relação de incompatibilidade de um ato com o princípio ou norma constitucional com a qual
se deveria conformar pode definir-se como uma modalidade de relação de desvalor das
condutas jurídico-públicas, dado que dela resulta, por regra, a depreciação jurídica do mesmo
ato. Trata-se, ademais, da modalidade de relação de desvalor dotada de maior relevância ou
essencialidade, já que a regra ofendida, a Constituição, encima a hierarquia do sistema
normativo estadual. Como se verá, a ilegalidade constitui outra relação de desvalor que atinge
atos legislativos quando estes colidem com leis a que devem respeito, e se designam por “leis
reforçadas”.

Tipologia da inconstitucionalidade: A inconstitucionalidade dos atos jurídico-públicos pode


ser aferida com base numa multiplicidade de critérios, dos quais destacaremos nove:

1.º critério da natureza do ato inconstitucional: inconstitucionalidade de atos


normativos e não normativos: é um facto – é um facto que a inconstitucionalidade, no seu
sentido amplo, abrange qualquer conduta jurídico-pública que viole a Constituição. Contudo, os
ordenamentos jurídicos valoram de forma diversiforme os atos públicos, para o efeito da sua
submissão a um sistema próprio de fiscalização que implique o conhecimento e a declaração da
sua inconstitucionalidade. Na verdade, independentemente de a inconstitucionalidade de atos
singulares de funções subordinadas, como a administrativa e a jurisdicional, poderem ser objeto
de controlo da sua conformidade com a Constituição por parte dos tribunais (os quais verificam
a sua compatibilidade com uma legalidade qualificada, que é a normação constitucional), o facto
é que os sistemas instituídos especificamente para a fiscalização da constitucionalidade apenas

48
Morais, Carlos Blanco; Justiça Constitucional, Tomo I, 2ª edição; Coimbra Editores, Coimbra; outubro
2006

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têm as normas jurídicas como objeto de controlo. Entende-se, na maioria dos ordenamentos
democráticos que, em nome do princípio da essencialidade, o controlo de constitucionalidade
como processo especial é garantido, em última instância, por jurisdições também especificas.
Jurisdições que não podem ser constrangidas a consumir a sua atividade na fiscalização de atos
de aplicação (cuja inconstitucionalidade é, maioritariamente, uma consequência daquela que
atinge a norma onde se fundam) devendo, sim, dirigir-se às normas ao abrigo das quais os
referidos atos são praticados. O sistema específico de controlo da constitucionalidade, implica,
deste modo, não um confronto entre a norma e um caso concreto, mas um confronto entre 77
duas normas (ou entre um princípio e uma norma), que supõe a atestação da compatibilidade
da que reveste uma hierarquia inferior com a que goza de supremacia constitucional. 49 O
sistema português alarga o sistema de fiscalização da constitucionalidade a todas as normas
jurídico-públicas (artigo 277.º, n.º1), se bem que o universo das normas que são objeto do
controlo varie de processo para processo. Esse universo é pleno no que respeita aos processos
de fiscalização sucessiva (artigo 280.º e 281.º, n.º1); restringe-se a atos legislativos, convenções
internacionais e referendos em sede de fiscalização preventiva, de acordo com os n.º1, 2 e 4 do
artigo 278.º e do artigo 115.º; e circunscreve-se a atos legislativos no processo de fiscalização
da inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º, n.º1). Como contraponto discutível deste
excesso de generosidade na determinação do objeto da fiscalização, não se admite a figura do
recurso de amparo, mormente contra atos jurídico-públicos não normativos. E a ausência de
fiscalização de alguns destes atos singulares, como é o caso dos atos políticos por razões de
forma, constitui uma dispensiva e incompreensível lacuna do sistema, que não é isenta de
críticas.50

2.º Critério do caráter comissivo da conduta contrária à Constituição:


inconstitucionalidade por ação e por omissão – a inconstitucionalidade por ação ocorre quando
um órgão de poder político pratica um ato que viola a Constituição. Por se tratar de uma conduta
comissiva ou positiva, onde um ato de vontade declarada ofende a ordem constitucional, este
tipo de inconstitucionalidade assume um caráter mais grave e relevante em termos processuais
e sancionatórios, do que as inconstitucionalidades derivadas das condutas omissivas dos
decisores competentes. Existe inconstitucionalidade por omissão quando um órgão público se
abstém de editar um ato, cuja prática é exigida pela Constituição, pelo que a inércia do decisor
viola um dever constitucional de agir. Embora seja vasto o número de condutas omissivas
suscetíveis de gerarem inconstitucionalidade verifica-se que, no ordenamento português, o
sistema de controlo da inconstitucionalidade por omissão recai apenas sobre condutas
negativas do legislador, no quadro das omissões absolutas. De acordo com o artigo 283, n.º1
CRP, a inconstitucionalidade por omissão ocorre quando o legislador não aprova leis tidas como
necessárias para dar exequibilidade a normas constitucionais não exequíveis por si próprias, de
caráter percetivo ou pragmático. Trata-se de uma inconstitucionalidade sem sanção, pois o
Tribunal Constitucional limita-se a verificar o não cumprimento omissivo da Constituição e dar,
desse facto, conhecimento ao órgão legislativo competente. Produto da hipertrofia

49
Existem, ainda assim, sistemas de fiscalização em que o controlo se exerce, não sobre todo o tipo de
normas, mas, sobre as que são emitidas ao abrigo de uma função jurídico-pública primária, em nome de
uma maior exigência no posicionamento da essencialidade do objeto normativo controlado (caso dos
E.U.A, Itália e França). Outros sistemas restringem a fiscalização abstrata e concreta de
constitucionalidade atos normativos primários, mas alargam o objeto do recurso direto de
constitucionalidade a normas e atos jurídico-públicos não legislativos (caso da Alemanha, Espanha e
Áustria).
50
Importa também referir que o sistema brasileiro instituído pela Constituição de 1988 alarga, tal como
sucede com o português, o objeto do controlo.

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programática do constitucionalismo intervencionista, não são muitas as constituições a


consagrar, no plano processual, a inconstitucionalidade por omissão. As omissões absolutas
(censuradas na ausência de concretização legal de normas constitucionais não exequíveis por si
próprios) devem ser diferenciadas das omissões relativas, as quais ocorrem quando uma lei cria
benefícios ou onerações em favor de uma categoria de pessoas e silencia idêntico beneficio da
igualdade. Tal como se verá, as omissões relativas constituem um fenómeno sindicável em sede
de inconstitucionalidade por ação, na medida em que pressupõem uma conduta ativa
incompleta do legislador, a qual se traduz em leis que discriminam em razão do seu silêncio 78
parcial, certas categorias de pessoas que, nos termos constitucionais, deveriam ser por elas
também complementadas. Como tal, a sua apreciação é efetuada através dos processos de
fiscalização sucessiva, abstrata e concreta, sendo solucionadas, frequentemente, através da
prolação de sentenças com efeitos aditivos e não através do artigo 283.º CRP, o qual é reservado
ao controlo das omissões absolutas.

3.º Critério do vício do ato inconstitucional


Conceito de vício: Considera-se vício de um ato inconstitucional a ocorrência de
um defeito ou de uma deformidade nos pressupostos ou nos elementos do ato, gerada pela
desconformidade deste último com um parâmetro inserto na Constituição.

Inconstitucionalidade material:

a) Noção: podemos defini-la como a colisão do conteúdo de um ato


jurídico-público com o conteúdo dos princípios ou das normas
constitucionais com as quais aquele se deveria conformar. Embora
todos os vícios suponham uma violação do conteúdo da
Constituição, na inconstitucionalidade material ocorre uma lesão
direta de um enunciado substantivo da normação constitucional.
Atentando no atributos do ato jurídico-público, a
inconstitucionalidade material implica a viciação de elementos
objetivos de caráter substancial do ato, situação que ocorre quando
o seu objeto imediato (contido na declaração) viola o sentido de um
parâmetro constitucional substantivo, ou quando o seu escopo não
tem cabimento no fim que a Constituição assina ao mesmo ato.
b) A valoração de uma incompatibilidade conteudística: por regra, a
inconstitucionalidade material, pese o facto de ser conhecida em
último lugar pelo órgão de fiscalização constitucional quando exista
uma cumulação de vícios, afirma-se como a modalidade de
inconstitucionalidade que, no universo dos atos juridicamente
existentes, supõe a ocorrência de um dos vícios mais graves. Isto,
porque implica a ofensa a enunciados substanciais da normação
fundamental, mormente à Constituição material que, como
componente justificante da própria razão de ser da realidade
constitucional, assume nesta última caráter principal. O facto de o
artigo 277.º, n.º2 CRP excluir a inconstitucionalidade material de
entre os pressupostos do desvalor da irregularidade das normas
inconstitucionais traduz o caráter relevante do vício e o postulado
de que o mesmo não se encontra dispensado de sanção. Se esta
procede como enunciado geral, ela não é, contudo, isenta de
exceções. Tal como se irá observar, existem vícios orgânicos e

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formais que, em razão de afetarem a identificação do próprio ato,


geram a sua inexistência jurídica, a qual consiste no desvalor mais
grave da conduta inconstitucional. Trata-se, contudo, de
deformidades verdadeiramente excecionais, que não obscurecem o
corolário da relevância da maior gravidade do vício material,
quando confrontado com os restantes vícios, em sede dos
desvalores que postulam a invalidade e a irregularidade. A natureza
do parâmetro substancial ofendido ostenta alguma variabilidade. 79
Efetivamente, atendendo à densidade e ao grau de aderência
vinculante do padrão substantivo, a inconstitucionalidade material
pode derivar da violação de normas pragmáticas, de princípios, de
normas que contêm conceitos jurídicos indeterminados, e,
finalmente, de normas percetivas. As normas programáticas das
constituições sociais caracterizam-se por uma fraca densidade
reguladora e um reduzida capacidade vinculativa. Na verdade, ao
estabelecerem metas e projetos ou ao enunciarem certos valores
carentes de consecução ativa por parte do legislador, as normas
programáticas, fora do processo do controlo da constitucionalidade
por omissão, não são invocáveis em juízo quando se trate de
garantir a sua exequibilidade, já que não existem meios
contenciosos para impelir o mesmo legislador a realizar uma
obrigação de facere. A maior carga vinculante das normas
programáticas respeita aos fins: se um ato prossegue um fim diverso
ou contrastante com aquele que a Constituição estipula para a sua
emissão, gera-se uma inconstitucionalidade material fundada em
desvio de poder. E precisamente muitos direitos sociais e culturais
contidos em normas programáticas apontam para uma intervenção
estadual tendente à realização vinculada de fins diversos. Só que a
natureza deste tipo de normas consente ao legislador uma ampla
liberdade conformadora sobre o modo e o tempo de realização das
mesmas tarefas, realidades que podem inclusivamente gerar, a
título consequencial, distonias aparentes entre o escopo da norma-
parâmetro e a norma objeto. A Justiça Constitucional portuguesa
tem sido a este propósito pouco severa com o legislador em relação
ao modo como este concretiza a normação pragmática da Lei
Fundamental. Quanto aos meios devidos, os mesmos assumem uma
reduzida relevância jurídico-constitucional neste tipo de normas.
Podem, ainda assim, ocorrer em abstrato, casos de
inconstitucionalidade material de atos que determinem o emprego
de meios manifestamente incoerentes ou irracionais para o
preenchimento do fim-programa. De todo o modo, princípios
fundamentais precetivos da ordem jurídica, como os da
proporcionalidade e do Estado de Direito (onde se contém o
corolário da segurança jurídica), podem ser concorrentemente
convocados neste último caso para fundar a invalidação do ato. No
que concerne aos princípios constitucionais e aos conceitos jurídicos
indeterminados, dotados de caráter percetivo, estes revelam-se
como parâmetros de relevância normativa e da potencial

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aplicabilidade direta (no caso de serem exequíveis por si próprios,


pese a sua reduzida densidade). Os princípios normativos da
Constituição definem-se como enunciados de valores que a Lei
Fundamental dota de relevância jurídica. Conformam pontos
axiológicos de partida para a estruturação coerente e unitária da
Constituição, carecendo de ulterior determinação para que possam
manifestar a sua operatividade jurídica. Tal como ensinam certos
autores, esses mesmos princípios têm uma maior capacidade 80
expansiva do que as simples normas constitucionais, carecendo
todavia, para que possam exprimir uma parametricidade vinculante,
de uma efetiva concretização hermenêutica, a qual implica um
trânsito interpretativo do abstrato para o específico. Trânsito que
exige do intérprete uma densificação do campo de previsão do
enunciado axiológico, de modo a poder deduzir dele corolários-
regra passíveis de cobrir normativamente o domínio regido pelo ato
que é objeto de fiscalização constitucional. Num sentido inverso,
pode igualmente predicar a captação, mediante abstrações
sucessivas, dos princípios implícitos que podem ser servidos pelo
mesmo ato, havendo que verificar a sua inserção constitucional ou
sua compatibilidade, com os princípios normativos da Constituição.
Estamos aqui, perante a abstração interpretativa. Frequentemente,
a questão de constitucionalidade material derivada de uma colisão
entre o objeto ou o fim de uma norma, com o escopo nuclear de um
princípio não resulta, com frequência, de uma violação
imediatamente figurada, mas sim de uma antinomia implícita, a
qual é tanto mais difusa, quanto mais sincrético for o princípio
parâmetro. Quanto aos conceitos jurídicos indeterminados, estes
assumem-se como critérios abertos situados em normas jurídicas,
que se revelam portadores de um sentido relativamente incerto,
tanto quanto à ideia valorada que contém, como em relação ao seu
objeto e consequencialidade. Embora nos referidos conceitos exista
tanto uma zona de certeza como uma zona de obscuridade que
reclama elucidação, verifica-se que esta mesma descodificação
carece de uma operação concretizadora análoga à densificação de
princípios, a qual, contudo, se torna por vezes mais difícil de realizar,
em razão do facto de se não descortinarem muitas vezes valores
imediatamente apreensíveis por detrás do conceito, mas sim meros
interesses ou imperativos funcionais.
c) Algumas modalidades de inconstitucionalidade material:
- violação textual: considerada como a modalidade menos
frequente, embora mais evidente, de inconstitucionalidade
material, a violação textual implica que o conteúdo do ato objeto de
fiscalização, tal como se encontra explicitado na respetiva
declaração, seja diametralmente oposto à formulação literal da
norma constitucional que o parametriza. Trata-se de uma
modalidade ostensiva e, por isso mesmo, pouco frequente de vício
material.

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- violação implícita: ocorre uma violação material implícita


quando um determinado ato vulnera um parâmetro constitucional
que não se encontra expresso, mas que é subsumível, por via
interpretativa, do sentido decorrente de um princípio ou de uma
norma constitucional. Em certas situações ocorre por via de uma
dedução a contrario sensu, noutras as lesões são desferidas às
irradiações normativas de princípios ou conceitos jurídicos
indeterminados, deduzidas pela hermenêutica constitucional. Por 81
vezes a lesão implícita de certos princípios constitucionais
determina a ocorrência de vícios materiais qualificados. É o caso do
vício de excesso de poder em sentido estrito. Este ocorre quando o
objeto imediato do ato contrasta com o seu fim, em termos tais que
dessa distonia decorre uma lesão ao princípio da proporcionalidade,
quando a aplicação deste último se tem como constitucionalmente
pertinente. Trata-se de uma situação que tem lugar quando os
meios previstos no ato tendo em vista o preenchimento do
respetivo fim revelam ser radicalmente desadequados, excessivos
ou injustificadamente onerosos, postulando um arbítrio na decisão.
Fala-se, igualmente, na incoerência e na irrazoabilidade como vícios
lógicos intrínsecos do ato, suscetíveis de implicarem a sua
inconstitucionalidade material. Embora se comungue de algumas
preocupações assumidas na doutrina portuguesa, no sentido de
considerar que o parâmetro de razoabilidade lógica corre o risco de
transformar o juízo de constitucionalidade, num juízo de
oportunidade ou de técnica legislativa sobre o conteúdo da norma,
o facto é que, em caso de incoerência rotunda da qual derivem
prejuízos ou onerações para os seus destinatários, considera-se que
a ilogicidade do comendo jurídico pode relevar em termos de
constitucionalidade. Na verdade, a coerência do Direito, embora
não constitua um dado adquirido impõe-se a título permanente
com um princípio estruturante do mesmo. Já que a realização da
Justiça Material, que subjaz à realização dos fins do Estado de
Direito, repudia a incongruência dos comandos jurídicos. Tendo
como significado empírico atua consequentemente, a coerência
implica a recusa da contradição e, por conseguinte, a rejeição de
proposições jurídicas que, em simultâneo, afirmem e neguem a
mesma realidade, bem como a possibilidade de o mesmo caso ser
objeto de duas soluções regulatórias incompatíveis presentes na
mesma lei. Trata-se de um princípio lógico porque a lógica recusa o
contraditório e o incongruente e o Direito, embora se não esgote n
lógica não pode afirmar-se contra ela, sob pena de negar o
pressuposto de segurança que lhe inere e de negar o seu caráter
cientifico-dogmático. Com efeito, a coerência é um corolário do
princípio da segurança jurídica que por seu turno é um pressuposto
do Direito, postulando a mesma segurança a possibilidade de cada
cidadão poder ter poder, na base deles, prever, antecipar e calcular
comportamentos. Ora a segurança jurídica ostenta uma relevância
pacífica em diversos preceitos da Constituição (mormente artigo

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282.º, n.º4) mas encontra-se necessariamente presente com um


alcance geral, no princípio do Estado de Direito Democrático,
inscrito no artigo 2.º, tendo já logrado revelar-se
jurisprudencialmente a partir deste último, imbricada em outros
corolários dele derivados, como foi o caso do já aludido princípio da
proteção da confiança. A incoerência interna é convocada com
raridade e parcimónia pela Justiça Constitucional, apenas nas
situações em que as disfunções lógicas no conteúdo, ou o contraste 82
entre meios e fins criam quadros de irracionalidade inequívoca
suscetíveis de criar injustiças manifestas, o que se afigura correto,
tendo em vista evitar decisões de mérito disfarçadas de pronúncias
de legitimidade. No ordenamento português o Tribunal
Constitucional apela não infrequentemente ao padrão da
razoabilidade. Fá-lo, contudo, as mais das vezes no contexto das
incoerências externas, ou seja, sem autonomia própria e em
associação, ou na dependência, da prolação de juízos de
proporcionalidade, quando existe desadequação entre os meios
utilizados e as medidas de valor constitucionais presas ao
imperativo abstrato de adequação desses meios ao preenchimento
de determinados fins.
- Desvio do poder: o vício de desvio de poder ocorre quando o
fim real do ato discrepa do fim que o princípio ou a norma de
referência constitucional estipula para a sua emissão.

Inconstitucionalidade formal:

a) Noção: a inconstitucionalidade formal consiste na violação das


regras constitucionais respeitantes à produção e à revelação de uma
to jurídico-público. Trata-se de um vício nos elementos objetivos do
ato que deve, em princípio, ser conhecido antes da apreciação de
cumulativos vícios materiais, dado que se uma conduta de poder
experimentar um defeito de forma que revista caráter essencial, o
ato será inexistente ou inválido, sendo irrelevante o confronto do
seu conteúdo com o conteúdo da Constituição. Do mesmo modo
que alguma doutrina procurou considerar que todos os vícios, do
ato inconstitucional implicariam a violação do conteúdo da
Constituição, outros defenderam igualmente a ideia segundo a qual
todos os vícios seriam formais. Os vícios materiais, segundo este
entendimento, dissolver-se-iam nos formais, dado que qualquer lei
inconstitucional poderia sanar o seu vício apenas se fosse adotada
através das formas idóneas previstas no ordenamento, e mormente,
com o processo agravado de revisão constitucional. Não parece
proceder esta linha argumentativa. Em primeiro lugar, porque as
próprias leis de revisão constitucional podem ser materialmente
inconstitucionais se violarem limites materiais implícitos, que, como
tal, respeitam ao núcleo identitário da Lei Fundamental. Em
segundo lugar, porque a mesma tese, como bem notam certos
autores, seria vítima de um salto lógico: afirmar-se-ia a inexistência
do vício material, mas para o superar, haveria que o remover

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através da lei de revisão constitucional, implicando essa operação o


reconhecimento da sua existência. Em terceiro lugar, existem
diferenças claras entre um procedimento viciado de uma norma
gerada através de uma tramitação perfeita, e o vício de uma norma
derivado do confronto do conteúdo dessa lei com o conteúdo das
normas constitucionais. Finalmente, em termos de desvalores do
ato inconstitucional, verifica-se que o ordenamento português não
determina nem a inexistência jurídica de um ato nem a sua 83
irregularidade, com fundamento em vícios materiais. Outros
designam os vícios formais dos vícios procedimentais, considerando
que os primeiros respeitariam à exteriorização do ato (assumindo-
se como vícios do ato), enquanto que os segundos estariam ligados
à tramitação juridicamente regulada do ato (vícios referentes ao
complexo de atos necessários para produzir o ato final). Não se
vislumbra uma razão de ser convincente para, ao arrepio da
doutrina clássica, se decompor os defeitos de forma, em vícios
formais stricto sensu e vícios procedimentais. Em primeiro lugar,
tanto o modo de exteriorização do ato como a sua fraseologia
produtiva constituem formalidades indispensáveis à sua génese e
identificação, pelo que, a viciação dessas formalidades gerará, num
e noutro caso, uma deformidade formal. Existem, por conseguinte,
semelhanças relevantes passíveis de agruparem os defeitos
ocorridos nas formalidades doa to, na mesma categoria dogmática
de vício. Em segundo lugar porque, com exceção de quadros de
ausência absoluta de título, geradores de inexistência jurídica, e que,
salvo erro material, nunca ocorrem a não ser em exemplos
académicos, os vícios de titulação reduzem-se a simples desvios de
forma intraorgânica, geradores de simples irregularidades, tal como
sucede com as leis orgânicas que, durante algum tempo eram
legendadas e numeradas nos mesmos termos da legislação
parlamentar comum. Em razão de um imperativo dogmático de
economia classificatória, não fará sentido criar para os vícios de
revelação uma categoria à parte, tendo sobretudo em conta a sua
raridade e pouca relevância no plano dos desvalores do ato
inconstitucional. A decomposição de variantes de vícios da mesma
família em categorias apartadas, sobretudo quando não existe um
forte fundamento material que o justifique, conforma um convite à
pulverização inútil das deformidades geradoras de
inconstitucionalidade e uma causa para a sua difícil apreensão. Se é
facto que existe uma valorização importante do relevo do
procedimento produtivo dos atos, não parece fazer sentido separar
esse procedimento da fase da sua externalização formal, já que a
revelação dos mesmos atos, embora possa ganhar autonomia (mas
não independência) no Direito das formas, é precisamente
apreensível no último estádio procedimental da génese dos
mesmos atos, que é o da sua publicação. Importa elucidar que a
inconstitucionalidade formal deriva, unicamente, da
desconformidade da formulação de um ato com as regras relativas

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à sua produção e revelação que encontraram ínsitas na Constituição.


Se o ato afrontar as regras relativas à sua formação presentes em
normas interna corporis, como os regimentos governamentais ou
parlamentares, não resultará desse facto qualquer
inconstitucionalidade, dado que essas normas atípicas segregadas
pela função política stricto sensu não revestem caráter imperativo,
mas sim ordenador, na sua relação com as normas produzidas ao
seu abrigo. Já as leis-quadro que se assumem como atos 84
pressupostos de outras leis e podem ditar regras adjetivas sobre a
sua produção devem ser observadas pelas segundas, sob pena não
de inconstitucionalidade, mas sim da relação de desvalor da
ilegalidade de atos legislativos (112.º, n.º3 conjugado com o 281.º,
n.º1, alínea b).
b) Modalidades de vícios formais relevantes na edição de atos
legislativos:
- Vícios no procedimento produtivo do ato: a produção do ato
jurídico-público consiste na ativação do procedimento relativo à sua
génese, o qual é integrado como se disse, por uma sequência
ordenada de atos jurídicos que concorrem para a formação do ato
típico final. Ora, existem atos, como as leis parlamentares, cujo
processo de tramitação nas suas fases procedimentais de iniciativa,
instrução constitutiva, de controlo de mérito e de integração de
eficácia se encontra regulado por normas constitucionais. No caso
de os atos que se integram em cada uma dessas fases se mostrarem
desconformes com as regras sobre a produção legal insertas na
Constituição enfermarão de um vício de forma que contaminará o
ato final. Os vícios sobre o iter produtivo assumem-se, deste modo,
como defeitos de fabrico do ato.
- Vícios na revelação do ato: a revelação do ato consiste no
trâmite respeitante à aposição de um título jurídico na declaração
de vontade produzida pelo órgão competente. A especificidade
desse título procura ser consequente com a singularidade do
procedimento produtivo do ano e com a competência que subjaz à
condução do mesmo procedimento já que um título específico
identifica, por regra, a natureza do órgão de onde o ato promana.
Assim, atentando ao n.º1 do artigo 112.º, as leis são reconduzidas à
esfera de competência da Assembleia da República, os Decretos-Lei
à do Governo e os Decretos legislativos regionais à das Assembleias
Legislativas Regionais. Nestes termos, a preterição total de titulação
(carência absoluta de forma), a titulação indevida de uma ato que
não resulte de um erro material, ou a preterição de regras explícitas
ou implícitas sobre os elementos dessa titulação geram vícios
formais na fase de revelação, dos quais decorre a
inconstitucionalidade do ato. Isto, independentemente do facto de
entendermos que, o caráter não essencial de algumas dessas
formalidades justifica que o desvalor do ato inconstitucional se
resuma à irregularidade.

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- Vício do excesso ou abuso de forma: um ato padece de um


defeito de excesso de forma quando é submetido, sem necessidade,
a um título mais solene ou a uma tramitação produtiva mais
exigente do que aquela que, em razão do seu conteúdo, careceria
para a sua edição, dela decorrendo consequências jurídicas no plano
operativo.

A inconstitucionalidade orgânica: 85

a) Noção: a inconstitucionalidade orgânica ocorre quando um órgão


ao produzir um ato viola uma regra de constitucional de
competência. Alguma doutrina classifica este vício como
“adulterino”, porque seria germinado a partir da relação ilícita entre
vícios materiais e formais. Julga-se, contudo, que semelhante
conúbio, por mais sugestivo que seja, não tem exatamente lugar
neste tipo de deformidade. A inconstitucionalidade orgânica não
pressupõe, necessariamente, a preexistência de vícios formais, já
que o ato praticado por um órgão sem competência para o efeito
pode ter sido gerado de acordo com os trâmites constitucionais
relativos à produção e revelação de atos respeitantes à mesma
matéria. Este tipo de inconstitucionalidade tão pouco pressupõe
uma prévia inconstitucionalidade material, já que o conteúdo do ato
aprovado por órgão sem competência pode ser compatível com o
conteúdo das normas constitucionais que conformam o seu objeto
mediato. Será mais correto considerar esta espécie de defeito como
a consequência de uma viciação nos pressupostos,
simultaneamente subjetivos e objetivos do ato. O que se encontra
em causa é a existência, ou não, de um poder funcional que habilite
um órgão a decidir juridicamente, mediante a prática incondicional
de um ato, sobre uma certa matéria e num espaço determinado. A
inconstitucionalidade orgânica pode ocorrer por defeito na vertente
subjetiva da competência, no caso de o órgão não ter existência
jurídica efetiva no momento em que pratica o ato; no caso de os
titulares do mesmo órgão serem coagidos na formação da sua
vontade psicológica; no caso de a mesma vontade ter sido
defraudada; ou na circunstância de os titulares do órgão que
exprimiram a vontade funcional geradora do ato carecerem de
legitimidade ou não se encontrarem no devido exercício devido de
funções. Mas a referida inconstitucionalidade tem igualmente lugar
por deficiência na vertente objetiva da competência: quando o
órgão pratica um ato correspondente a uma função do Estado que
não se lhe encontra cometida; quanto invade a reserva material de
poder de outros órgãos; e quando excede os limites da sua
competência, neles incluídos os que se encontram insertos em
autorizações para o exercício de determinadas responsabilidades.
Importa finalmente referir que, respeitando a vício ocorridos em
sede dos pressupostos do ato inconstitucional, a
inconstitucionalidade orgânica conhece-se previamente à

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apreciação de outros tipos de vícios respeitantes aos elementos do


ato, como é o caso das deformidades formais e materiais.
b) Formas de incompetência radical, absoluta e relativa: pode falar-se
em incompetência radical quando na prática de um ato faltam
requisitos subjetivos ou objetivos essenciais que precludem 51 ,
inequivocamente, a imputação do mesmo ato ao poder funcional de
um órgão. Tal situação tem lugar quando existe uma pretensão total
dos atributos elementares da vertente subjetiva da competência 86
(inexistência de órgão, ilegitimidade do titular, coação sobre a
vontade psicológica), ou uma penetração indevida e ostensiva de
um ato no núcleo do universo material subjacente a uma função
estadual de que o órgão que o pratica não é titular (usurpação de
poder). Pode haver incompetência absoluta, quando a um órgão
seja vedado, na totalidade, o exercício de um poder funcional sobre
uma dada matéria. Haverá incompetência relativa quando, não se
encontrando reunidas as condições jurídicas ou fáticas de caráter
objetivo para que um órgão exerça o poder funcional destinado à
prática de um ato no âmbito de uma certa matéria, o ato é, mesmo
assim, praticado. Vícios de incompetência radicais, em razão da sua
seriedade, geram os valores negativos também mais graves do ato
organicamente inconstitucional, centrados na existência. Os vícios
de incompetência absoluta e relativa geram, por regra, a invalidade.
Certos vícios de incompetência relativa com menor gravidade
podem eventualmente predicar uma mera irregularidade do ato
inconstitucional. Dentro da incompetência radical haverá que
destacar o vício de usurpação de poder, o qual num Estado de
direito Democrático como o português assume caráter qualificado
porque implica uma ofensa ao princípio estruturante da separação
com interdependência de poderes (artigo 111.º CRP). Pode falar-se
em usurpação de poderes quando um órgão pratica atos próprios
de uma função do Estado que se lhe não encontra cometida pela
Constituição.
c) Da constitucionalidade de atos normativos não inovatórios que
incidam em reservas de competência alheias: considerou desde a
sua origem o Tribunal Constitucional português no seguimento de
uma orientação da Comissão Constitucional, que nem todo o tipo
de intromissões normativas de um órgão na reserva de competência
de outro órgão gera inconstitucionalidade orgânica. Assim,
considerou o Tribunal Constitucional, que «quando o Governo , em
matéria da exclusiva competência da Assembleia da República,
edita uma norma que se limita a reproduzir outra contida em lei
parlamentar anterior não há inconstitucionalidade orgânica» 52 . E
não haveria inconstitucionalidade orgânica porque « a emissão da

51
pre·clu·dir - (latim praecludo, -ere, fechar diante de alguém, obstruir, impedir) verbo intransitivo
"precludir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013,
http://www.priberam.pt/DLPO/precludir.
52
Acórdão n.º 212/86, 18-6

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norma nova em nada afetou a reserva de competência da


Assembleia da República, tudo se passando como se o novo
legislador se tivesse mantido inativo em tal matéria, abstendo-se de
legislar». À primeira vista esta interpretação choca, já que se a um
órgão se encontra constitucionalmente vedado dispor sobre
domínios reservados à competência de outros órgãos, o facto de o
vir a fazer converte a norma incursiva na referida reserva, num ato
inconstitucional. A competência é um dos pressupostos do ato 87
jurídico-público. Se esta ultrapassa um limite imposto por um regra
constitucional de competência e dispõe sobre um universo que se
lhe encontra necessariamente proibido, é organicamente
inconstitucional, independentemente de o vício ser mais grave pelo
facto de inovar sobre o mesmo universo material ou se limitar a
reproduzir normas que foram anteriormente editadas pelo órgão
competente. E o facto é que o legislador incompetente, mesmo que
repita simplesmente legislação do órgão competente, fê-lo
intencionalmente através de uma decisão que importa a produção
de efeitos jurídicos, pelo que surge como surrealista a ficção da
Comissão Constitucional, estranhamente aceite pelo Tribunal
Constitucional, segundo a qual tudo se passa como «se o novo
legislador se tivesse mantido inativo em tal matéria». Ora, o
contexto e a lógica global dos diplomas onde se inserem as
reproduções podem conferir a estas, sentido inovatório, pelo que
falece o corolário automaticista segundo o qual a repetição é
equiparada a uma abstenção legislativa. Consideramos que certo
tipo de repetições de disciplinas jurídicas situadas em reservas
alheias e indisponíveis não se mostram necessariamente
desconformes com a Constituição, pese a má técnica legislativa
utilizada, já que resulta ser preferível a utilização de remissões. É o
caso da reprodução devidamente identificada, de normas
parâmetro por legislação que delas é objeto. Já no campo das
relações entre normas de idêntica densidade emitidas pelo Governo
e pelo Parlamento tem-se como ofensivo das normas
constitucionais de competência que o ato legislativo de um dos
órgãos reproduza, sem credenciação, uma disciplina previamente
emitida no âmbito de uma reserva atribuída a outro órgão. Existe
aqui uma falta de legitimidade de um órgão que agiu sem
competência, ao fazer seu, algo que a Constituição transmitiu em
exclusivo a um centro de poder alheio, pelo não é entendível o
argumento segundo o qual nenhuma norma competêncial foi
beliscada e a reprodução legislativa deve ser tratada como uma não
ação legiferante. Ainda assim, admite-se que:
a. Muitas das referidas reproduções são juridicamente
inconsequentes, podendo no caso concreto a
inconstitucionalidade orgânica predicar um simples
desvalor de irregularidade a qual não impedirá o ato de
continuar a produzir os seus efeitos;

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b. Já outras repetições, em razão de fundamentos, adquirir no


contexto em que estão inseridas um sentido novatório
passível de gerar uma intromissão em reserva alheia plena
de consequêncialidade constitutiva, justificando-se para
elas o desvalor da invalidade.

Critério da extensão normativa da incompatibilidade: inconstitucionalidade


total e parcial: 88

- Noções: pode falar-se em inconstitucionalidade total de um ato


jurídico-público quando a referida relação de desvalor o afeta em toda a sua extensão. Haverá
inconstitucionalidade parcial se esta inquinar o ato apenas numa parcela dessa mesma extensão.
A referência dicotómica aos dois tipos de inconstitucionalidade na gíria corrente, tanto pode
respeitar a um diploma composto por diversos preceitos, como a um preceito que se
decomponha em várias normas53.

- Fundamentos da inconstitucionalidade total: a inconstitucionalidade


total de um ato não se mede em razão da natureza do vício de que o mesmo enferma. E se é um
facto que a inconstitucionalidade formal é mais atreita a atingir um ato em toda a sua extensão54,
existem múltiplos exemplos de inconstitucionalidades de tipo parcial. Não é pois inteiramente
liquida a afirmação de alguma doutrina segundo a qual a inconstitucionalidade formal
«normalmente é sempre total» (Marcelo Rebelo de Sousa). Ainda assim, teremos, por vezes, que
considerar a ocorrência de uma inconstitucionalidade necessariamente total em razão do tipo
de processo de fiscalização envolvido. Assim, mesmo que seja questionada uma só norma de
um diploma em processo de fiscalização preventiva (279.º CRP), a pronúncia e o veto por
inconstitucionalidade, que não sejam seguidas de expurgo ou confirmação, obstam à existência
jurídica das restantes normas do referido diploma e não apenas à da norma inconstitucional.
Noutras circunstâncias, verifica-se que a inconstitucionalidade de uma parte de um diploma, ou
de um preceito, se propaga, respetivamente, ás restantes normas contidas no diploma ou no
próprio preceito. Essa propagação ocorre frequentemente em razão de uma situação de
dependência: as restantes normas do ato destinam-se exclusivamente a servir aquela que, a
título principal, é julgada inconstitucional, pelo que a inconstitucionalidade desta se tramite
consequencialmente às primeiras. Noutras circunstâncias, a inconstitucionalidade de uma
norma que revista num ato de caráter principal, sem que se propague às restantes normas, retira
todavia sentido à sua subsistência. A unidade sistemática e a instrumentalidade destas últimas,
em relação à que foi julgada inconstitucional, leva a que não seja lógico, nem útil, nem justo que
as primeiras produzam efeitos jurídicos. É certo que normas inúteis não são normas inválidas.
Só que a subsistência de normas amputadas do seu objeto principal, e carentes de significado
próprio ofendem o princípio da segurança jurídica do sistema normativo (artigo 2.º CRP),
podendo justificar-se a declaração da sua inconstitucionalidade com fundamento em conexão

53
No primeiro caso, se um diploma legal tiver sido aprovado por um órgão sem competência para tal,
em relação a toda a matéria que constitui o respetivo objeto, estamos perante uma
inconstitucionalidade total de um diploma. Se, ao invés, o órgão apenas exorbitou os seus limites
competenciais em relação às matérias abrangidas por alguns preceitos, falar-se-á em
inconstitucionalidade parcial do diploma. No segundo caso, se o objetivo da fiscalização constitucional
recair sobre um preceito de um diploma, o mesmo preceito contiver um só comando normativo e este
último for inconstitucional, seremos confrontados com a inconstitucionalidade total do preceito. Se ao
invés o preceito se desdobrar em várias normas e apenas algumas destas forem inconstitucionais
estaremos perante a inconstitucionalidade parcial do preceito.
54
A preterição de formalidades essenciais na génese de uma lei afetam a totalidade de um diploma.

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material necessária com uma norma principal que seja julgada inconstitucional. Nestes termos
a Justiça Constitucional, no caso exposto, tendo constatado o caráter injustificado de uma
divisibilidade do ato, deveria declarar a sua inconstitucionalidade.

- os subtipos horizontal e vertical da inconstitucionalidade parcial:


observámos que a inconstitucionalidade parcial pode aferir-se em razão de um diploma ou de
um preceito. Circunscrevamo-nos a esta segunda hipótese. Por vezes, um preceito é composto
por diversos comandos normativos autónomos, e apenas um deles é inconstitucional. A 89
ablação55 textual desse segmento normativo autónomo e o aproveitamento quantitativo das
restantes normas do preceito permite-nos falar em inconstitucionalidade parcial de tipo
horizontal. Mas existem situações em que um preceito pode vir a conter, por força de uma
operação interpretativa, diversos comandos normativos hipotéticos e alternativos, podendo ser
declarada a inconstitucionalidade de um deles, sem afetar os restantes, bem como o texto do
preceito de onde se extraem. Ora este tipo de inconstitucionalidade que fere um dos sentidos
prescritivos de uma norma, sem que implique uma ablação da declaração textual, designa-se
por inconstitucionalidade parcial de tipo vertical.

- fundamentos da redução do ato inconstitucional: um dos fundamentos


basilares da admissibilidade da figura da inconstitucionalidade parcial radica no princípio da
conservação dos atos normativos. Este, por razões presas à economia do processo produtivo
dos atos jurídico-públicos, racionalidade no aproveitamento da parcela sã dos mesmos atos e
de respeito pela subsistência da componente das decisões jurídico-públicas que se mostre
conforme à Constituição (reflexo do corolário do favor legis), predica uma opção pela
divisibilidade de um ato inquinado por inconstitucionalidade e pela redutibilidade da mesma
inconstitucionalidade ao seu segmento que se encontre viciado. A opção redutiva da
inconstitucionalidade à luz do citado corolário torna-se possível a partir do momento em que a
fiscalização sucessiva da constitucionalidade tem por objeto, de acordo com a alínea a) do artigo
281.º da CRP, não preceitos ou diplomas normativos, mas sim as normas que integrem os
preceitos desses diplomas.

- critério do momento da incompatibilidade: inconstitucionalidade


originária e superveniente: a inconstitucionalidade originária implica que um ato jurídico-
público colida desde o momento da sua formação com o parâmetro constitucional. Assim, no
plano cronológico, o parâmetro constitucional preexistente ao ato que a ele é desconforme. A
inconstitucionalidade superveniente tem lugar quando um ato originariamente conforme a
Constituição entre posteriormente em confronto com uma norma constitucional, editada
sucessivamente ao momento do início de vigência do mesmo ato. Neste quadro patológico que
surge sobretudo nos quadros de colisão do Direito ordinário com as leis de revisão constitucional,
o parâmetro constitucional é cronologicamente ulterior em vigência, ao ato inconstitucional que
lhe deva observância.

- introdução aos respetivos regime:

a) observações gerais: o regime jurídico das


inconstitucionalidades originárias e superveniente encontra-se no artigo 282.º CRP, e a sua
abordagem será feita ulteriormente, a propósito da nulidade dos atos inconstitucionais e dos

55
a·bla·ção (latim ablatio, -onis, acção de tirar) substantivo feminino 1.
[Cirurgia] [Cirurgia] Extracção. 2. [Gramática] [Gramática] Aférese. "ablação", in Dicionário
Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/ablação

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efeitos das decisões de inconstitucionalidade em fiscalização sucessiva. Importa referir, de


qualquer forma, que existe um fundamento lógico para uma reação mais rigorosa do
ordenamento, me relação às inconstitucionalidades originárias. Na verdade, na
inconstitucionalidade originária o decisor pratica o ato em desrespeito pelas normas de
referência que vinculam a mesma decisão, justificando-se que os efeitos que o referido ato
produziu sejam eliminados desde que este iniciou a sua vigência. Já na inconstitucionalidade
superveniente, preservam-se os efeitos produzidos pelo ato, até à entrada em vigor do
parâmetro constitucional gerador da antinomia, pois, de acordo com o brocardo tempus regit 90
actum, só a partir desse momento é que o primeiro deixa de respeitar as normas constitucionais
às quais deve conformidade.

b) inconstitucionalidade superveniente e viciação material:


importa referir que a inconstitucionalidade superveniente opera em sede de vícios materiais,
mas não no espetro de distonias de ordem orgânica e formal. O facto de uma matéria ter, por
via de revisão constitucional, transitado do campo do universo concorrencial entre o Governo e
a Assembleia da República para a reserva absoluta do Parlamento não gera a
inconstitucionalidade superveniente dos decretos-lei editados ao abrigo do primeiro tipo de
competência. E a circunstância de uma matéria da reserva de lei comum ter passado a integrar
a reserva de lei orgânica, tão pouco inconstitucionaliza a legislação comum produzida antes da
revisão sobre a mesma matéria. As novas normas constitucionais sobre a produção normativa e
as regras sobre a competência aplicam-se para o futuro (meramente para as leis que alteraram
os regimes antigos) e não questionam os poderes funcionais e os tramites produtivos do Direito
vigente, sob pena de se abalar seriamente e sem justificação material, a segurança jurídica, a
vocação de completude do ordenamento e o já citado brocardo tempus regit actum que serve
estes dois princípios. A jurisprudência do Tribunal Constitucional perfilha este entendimento,
tendo considerado que não faz sentido aferir se os atos do Direito ordinário anterior satisfazem
os requisitos de forma e de competência que a Constituição passou a fixar de um dado momento
para a produção futura de atos do mesmo tipo56.

II – O Valor Negativo do Ato Normativo Inconstitucional

Noção: de acordo com Marcelo Rebelo de Sousa, o valor do ato inconstitucional reside
fundamentalmente no efeito essencial da inconstitucionalidade. Se a conformidade dos
pressupostos e elementos do ato com a Constituição predica o valor positivo do mesmo e a sua
virtual perfeição jurídica para, como ato existente e válido, produzir os efeito que lhe
correspondem, já o valor negativo, ou desvalor, implica que um ato, em razão da sua
desconformidade com a Constituição, se pode ver inibido de produzir a totalidade das suas
consequências jurídicas típicas. Podemos, assim, definir desvalor do ato inconstitucional como
a depreciação, mais ou menos intensa, sofrida por um ato desconforme com a Constituição,
suscetível de obstar à produção dos efeitos jurídicos que ordinária e tipicamente lhe
corresponderiam.

Alinhamento de conceitos operativos: vício, relação de desvalor negativo e sanção do


ato inconstitucional: a noção de valor negativo do ato inconstitucional interage com um

56
Acórdão n.º 201/86 e Acórdão n.º 261/86, 20-7.

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conjunto de conceitos muito próximos, as que dele se distinguem, pese o facto de haver alguma
doutrina e jurisprudência que os assimila, no todo ou em parte. Assim, enquanto o vício do ato
é a deformidade de que o mesmo padece em razão da colisão dos seus pressupostos ou
elementos com uma norma parâmetro à qual se encontra vinculado, a sua relação de desvalor
reporta-se à natureza da norma parâmetro que, sendo violada, se mostra suscetível de
fundamentar a depreciação jurídica do ato que a ela é desconforme. Pode-se, neste último caso,
falar em ilegalidade, quando essa norma-parâmetro ofendida é uma lei com valor reforçado e
em inconstitucionalidade, quando a mesma assume o “status” jurídico de princípio ou regra 91
constitucional. Por outro lado, no universo da relação de desvalor de inconstitucionalidade, que
é a que presentemente ocupa a nossa atenção, enquanto o valor negativo se reconduz à
depreciação genérica do ato suscetível de inibir a produção dos seus efeitos, a sanção constitui
no contexto da mesma depreciação, o tipo concreto de reação assumida pelo ordenamento
jurídico contra atos inconstitucionais, e que se traduz na eliminação, ou na paralisia total ou
parcial, dos seus efeitos jurídicos. A sanção é pois, a forma assumida, no plano repressivo, por
um determinado valor negativo. Importa precisar que a posição aqui defendida admite que num
dado valor negativo possam coexistir diversos tipos de sanções, como reações concretas e
diversas do ordenamento contra normas inconstitucionais. Distintamente, para outra doutrina,
não existe distinção virtual entre desvalor e sanção (sendo o segundo consumido pelo primeiro).

Tipologia dos valores negativos: na ordem jurídica portuguesa, haverá a considerar valores
negativos de caráter principal, ou próprio, que são precisamente aqueles que, por resultarem
da ocorrência de vícios nos pressupostos e elementos essenciais do ato inconstitucional,
implicam necessariamente a aplicação de sanções que eliminam os efeitos jurídicos do mesmo
ato. É o caso da inexistência jurídica e da invalidade. Contudo haverá igualmente a assinalar a
existência de valores negativos de natureza acessória, ou imprópria, que se caracterizam por
uma depreciação nominal do ato inconstitucional. Trata-se daqueles casos em que os atos, pelo
facto de os respetivos vícios não assumirem caráter grave ou relevante, não são referidos por
qualquer sanção, podendo continuar a produzir os seus efeitos jurídicos. Trata-se do caso da
irregularidade.

1.º A inexistência jurídica:


Noção: a inexistência jurídica consiste na total inaptidão de um ato aparente
para produzir os efeitos jurídicos correspondentes a um ato jurídico típico, pelo facto de carecer
dos mais elementares requisitos de identificação constitucional. Trata-se da modalidade de
desvalor mais grave prevista no ordenamento, dado que pressupõe, também, em razão da maior
seriedade do vício, uma improdutividade absoluta de efeitos, sendo o ato inexistente tratado
em termos sancionatórios (dentro da reserva do possível), como se nunca houvera sido
praticado. Para certos autores (Gomes Canotilho), o ato inexistente, não pode ser considerado
um “não ato”. Ele consiste num ato, embora totalmente improdutivo, já que assume a natureza
de uma aparência de ato, pese o facto de não poder gerar nenhuns efeitos próprios da sua
natureza. Outros (Marcelo Rebelo de Sousa) consideram a inexistência como uma ausência de
ato, ou porque ocorre uma omissão de conduta, ou porque o ato é meramente aparente, já que
lhe faltam os dados mínimos de identificação constitucional. Pela nossa parte, temos que uma
decisão jurídico-pública deformada, à qual faltem os seus requisitos elementares ou mínimos de
identificação, é sempre um ato, embora aparente. É que, uma lei publicada que careça de
promulgação não pode ser considerada um “não ato”, já que consiste faticamente numa
conduta reconduzida aos poderes públicos que gera transitoriamente efeitos idênticos aos que
correspondem um ato típico, os quais se mostram aptos a afetar comportamentos de pessoas e

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instituições. Assim sendo, a eliminação total desses efeitos pode ser declarada pelos órgãos de
Justiça Constitucional, declaração que aliás é um prius da responsabilização dos Estados por
lesões deles decorrentes, já que o mesmo Estado é civilmente responsável, nos termos do artigo
22. CRP, pela prática de atos aparentes de que resulte a violação de direitos, liberdades e
garantias ou prejuízo para outrem. Ora a responsabilidade por um ato aparente leva a que o
mesmo seja tratado como tal, e não como uma ausência de ato. Os efeitos processuais e os
danos colaterais gerados pelo pretenso ato levam-nos, pois, a considerar ser uma ficção, talvez
pouco útil, o entendimento mais radical que defende que o mesmo seja irremediavelmente 92
tratado como se nunca tivesse existido. Pelo exposto, o valor negativo da inexistência reconduz-
se, fundamentalmente, à sanção traduzida no imperativo de eliminação rigorosa de todos os
efeitos que faticamente o ato aparente tenha gerado, o qual implica que, dentro da reserva
possível, se proceda a uma reconstituição completa da situação existente ao momento anterior
à prática do mesmo. A ideia de “reserva do possível” presa ao conceito de putatividade é, aliás,
um limite extremo ao corolário-regra de que o ato aparente está impreterivelmente condenado
a não produzir efeito algum.

Fundamentos da inexistência jurídica:

a) Conceção ampla: para certas construções doutrinárias, a


inexistência ocorre quando se omite os atributos mínimos de
identificabilidade formal ou material, exigidos constitucionalmente
a um ato. A autonomia do desvalor da inexistência por preterição
dos requisitos mínimos de forma foi aceite pela doutrina (Marcello
Caetano), embora sem grande entusiasmo, durante a vigência da
Constituição de 1933. Contudo, deve-se a Miguel Galvão Teles o
alargamento dos pressupostos do mesmo valor, não só ao campo
orgânico (defeito de junção e autoria), mas igualmente ao universo
material, mormente em caso de violação de direitos individuais que
não se encontrassem suspensos por medidas excecionais. A
construção exposta recebeu o respaldo de José Gomes Canotilho
que, na vigência da Constituição de 1976, considerou que a
inexistência não se reduziria aos casos expressamente previstos na
Constituição, alargando-se a outros vícios formais ou orgânicos
qualificados, bem assim como a vícios materiais respeitantes a
contrastes manifestos e graves com as normas declarativas de
direitos fundamentais. Marcelo Rebelo de Sousa que
originariamente excluía este alargamento material dos
fundamentos da inexistência alterou a sua posição no sentido da
referida extensão. Segundo este autor, certos vícios materiais
podem prejudicar a identificação do ato, tais como a incoerência
interna (suscetível de o tornar incompreensível) e a total
desconformidade do ato com a Constituição material. A cláusula de
limites materiais de revisão identificaria a componente essencial e
intangível da Constituição material, conformando-se como
inexistentes os atos que esvaziassem o núcleo dos valores aí
protegidos. De entre os exemplos enumerados, o autor refere o dos
direitos fundamentais cujo núcleo essencial seria insuscetível de ser
comprimido ou suprimido, sob pena de inexistência do ato,

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redundando a compressão ilegítima do seu exercício numa mera


invalidade.
b) Conceções restritivas: Jorge Miranda assume o legado da doutrina
clássica que circunscreve os fundamentos da inexistência a vícios
orgânicos e formais que, afetando a imputação de uma conduta à
vontade do centro de poder competente, prejudicam a sua
identificabilidade. Ora a inconstitucionalidade material não
constituiria num vício de imputação passível de prejudicar a 93
existência do ato, mas sim numa vontade substancial existente que
se orientaria para um sentido desconforme à Constituição.
Considerando que a Constituição Material é um conceito
excessivamente doutrinal para se confrontar como fundamento da
inexistência, em caso de violação, Jorge Miranda considera mesmo
que as normas constitucionais relativas a direitos fundamentais
seriam tantas que, se a sua violação predicasse inexistência,
aumentaria a insegurança jurídica no ordenamento. E essa
insegurança aumentaria, a partir do momento em que os cidadãos
passassem, de acordo com a primeira doutrina examinada, a fazer
uso reiterado do “direito de resistência” contra a aplicação de
normas constitucionais, substituindo-se indevidamente o mesmo
direito aos institutos jurisdicionais de controlo da
constitucionalidade que a Lei Fundamental consagra.
c) Posição adotada: acolhimento de uma conceção excecional e
restringente dos fundamentos da inexistência:
- apreciação crítica à construção extensiva dos pressupostos do
desvalor de inexistência: o valor negativo da inexistência exprime
uma radicalidade sancionatória do ato inconstitucional, traduzida
na sua improdutividade absoluta de efeitos, transponibilidade do
caso julgado, universalização da faculdade da sua declaração,
inexecutoriedade pela Administração e direito de resistência dos
particulares ao cumprimento de atos aparentes. Em suma, o ato
aparente deve ser, na medida do possível, tratado como se nunca
tivesse existido. Semelhante rigor reativo do ordenamento contra
um ato inconstitucional carece, à luz do princípio da
proporcionalidade, ser adequado não apenas à especial gravidade
do vício mas, também, à sua natureza. Na realidade, para que um
ato seja equiparado em efeitos a um não-ato, necessário se torna
que lhe faltem atributos indispensáveis à respetiva criação ou
externalização, em termos tais que o mesmo se mostre
irreconhecível como decisão dos poderes públicos. Ora, os únicos
vícios suscetíveis de precludirem a identificação e reconhecimento
do ato como conduta típica, bem como a sua recondução ao poder
funcional de um órgão, não podem deixar de constituir
deformidades graves de natureza orgânica e formal. Existem, na
realidade, cinco motivos que justificam esta asserção e que excluem
a inexistência fundada em vícios materiais:
1.º reconduz-se aos termos em que a inexistência
jurídica é tratada na Constituição. Os atos expressamente reputados

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de inexistentes pela Constituição são aqueles a que faltam


requisitos que a mesma Lei reputa como fundamentais, em termos
de forma ou de competência (é o caso da falta de promulgação de
atos legislativos e falta de assinatura de decretos regulamentares
bem como de resoluções parlamentares e decretos do Governo que
aprovem acordos internacionais (artigo 137.º). Admitindo que o
enunciado do caso descrito de inexistência não se reduz a um
numerus clausus dos fundamentos deste tipo de desvalor, haverá, 94
contudo, que considerar que todos os restantes que se não
encontrem explicitados deverão ter uma identidade de razão, em
termos de gravidade e natureza de vício, com os pressupostos de
inexistência de caráter expresso. O contrário implicará não apenas
um manuseio perigosamente libertário de um desvalor de tanta
gravidade, sem um devido suporte textual, lógico e teleológico na
Constituição, como também uma redução não constitucionalmente
fundada do âmbito de aplicação do desvalor regra que a mesma Lei
Fundamental assina expressamente aos atos contrários à
Constituição e que é o desvalor da invalidade, nos termos do n.º3
do artigo 3.º CRP.
2.º considera-se a doutrina que propugna por uma
conceção ampla dos fundamentos de inexistência que esta decorre
de uma omissão ou preterição dos dados mínimos de identificação
do ato. Ora não se vê, salvo o caso de um ato omisso de conteúdo,
como é que existe essa preterição absoluta de requisitos de
identificação, em caso de ocorrerem vícios materiais. O ato é em
primeiro lugar, inidentificável, se faltarem os pressupostos
elementares para a sua emissão, tais como a ausência de um órgão
de poder que tenha decidido a sua emissão, a insusceptibilidade de
recondução do ato a uma função estadual atribuída ao mesmo
órgão ou a ausência de uma vontade funcional livre para a sua
produção. É igualmente inidentificável se carecer de atos
constitutivos ou de controlo com caráter essencial que concorram
para a sua produção, e que se mostrem passíveis de prejudicar a
formação da vontade declarada; ou ainda se a revelação do ato, fora
de um contexto de erro material, o tornar insuscetível de
recondução a um ato típico do ordenamento ou a um ato
correspondente ao exercício de uma dada função jurídico-pública.
Contudo, se o ato for produzido e exteriorizado num quadro de
perfeição orgânico-formal, o facto de o seu conteúdo afrontar o
conteúdo da Constituição, não obnubilará a identificação objetiva
da conduta materialmente inconstitucional, como de um ato
jurídico típico. Não é pois ofensa ao parâmetro constitucional, por
mais grave que possa ser, que prejudicará que o ato seja
considerado como lei e que seja imputado a vontade livre da
Assembleia da República, como órgão competente para o efeito. Daí
que vícios de conteúdo não se mostrem aptos a turbar a
identificabilidade típica do ato inconstitucional.

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3.º não é possível, por outra banda, concordar com a tese que
reconduz a inexistência à violação dos princípios e valores
fundamentais da Constituição Material. A ideia de Constituição
Material logra ser excessivamente difusa, doutrinária e discutida
para que possa funcionar como um parâmetro referencial, não só
para a Justiça Constitucional, mas para a pluralidade aberta de
intérpretes legitimados a declarar a inexistência de atos. Por outro
lado, a convocação do artigo 288.º como referência normativa 95
objetiva dos princípios fundamentais dessa Constituição Material
revela ser enganosa, já que nem todos os valores e interesses aí
elencados, têm relevância suficiente para integrarem a identidade
nuclear da Constituição. Dele já constaram até 1989 institutos
marginais que o constituinte quis proteger com maior rigidez, como
as comissões de moradores e o princípio de apropriação coletiva dos
meios de produção, e dele continua, ainda, a constar a
inconstitucionalidade por omissão, sendo forçado conceder que um
ato que vulnerasse a essência destes princípios pudesse ser tido
como inexistente. Mesmo no que toca à definição de Constituição
Material, dada pela mesma doutrina, a mesma respeita à
identificação dos órgãos do poder político, ao seu modo de
designação, às suas competências e ao seu controlo a todos os
níveis. Trata-se de uma realidade servida por uma miríade de
princípios cuja violação através de atos normativos perfeitamente
identificáveis constitui uma realidade permanente, e que não faria
sentido dramatizar através do seu tratamento radical em sede de
inexistência.
4.º finalmente, a inexistência com fundamento em vícios
materiais colidiria com os princípios da segurança jurídica e
separação de poderes. Resulta ser pouco entendível o facto de a
doutrina que defende uma extensão dos fundamentos deste
desvalor considerar inexistentes atos violadores ao núcleo dos
direitos fundamentais (pelo facto de constarem da componente
fundamental da Constituição Material, revelada por limites de
revisão) quando os bens protegidos pelo artigo 288.º CRP não
compreendem, afinal, todos estes direitos, mas apenas os direitos,
liberdades e garantias. Mas o facto é que, depreciações graves ou
mesmo ablações de segmentos nucleares dos direitos, liberdades e
garantias são realidades não imediatamente representáveis ou
objetificáveis pelos operadores jurídicos e destinatários das normas.
A grande maioria das violações assume caráter implícito, e mesmo
quando assumem um alcance textual, carecem de uma complexa
atividade hermenêutica necessária para determinar se a ofensa foi
desferida contra o núcleo do direito ou contra os termos do seu
legítimo exercício. Essa complexidade é incompatível com um
controlo exercido por uma pluralidade de operadores jurídicos,
mesmo no contexto de um poder de exame de constitucionalidade
pela Administração. O risco de irromperem interpretações
subjetivistas de que decorra a desobediência indevida de órgãos e

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agentes administrativos em relação à aplicação de leis que


considerem inexistentes, bem como do exercício arbitrário do
direito de resistência por parte dos destinatários das normas
quando considerarem que estas enfermam do mesmo desvalor,
importaria a quebra da certeza, estabilidade e previsibilidade na
aplicação e no cumprimento do Direito. A colisão deste alargamento
material dos pressupostos da inexistência com o princípio da
segurança jurídica (artigo 2.º CRP) associa-se, concomitantemente, 96
a uma depreciação dos princípios da separação dos poderes (artigo
111.º) e d reserva constitucional de competências dos órgãos de
soberania (artigo 110.º). Isto porque permitiria deslocar o controlo
da constitucionalidade de atos feridos por um desvalor de
inexistência alargado nos seus pressupostos, para a Administração
Pública e para o legislador, ofendendo-se a regra geral da reserva
jurisdicional de competência fiscalização de competência de
fiscalização. Ora a banalização da inexistência, não só contrasta com
a ideia da sua excecionalidade de pressupostos, acolhida
implicitamente na Constituição, como não parece oferecer, por
contraste com a nulidade, uma utilidade significativa na própria
tutela da certeza na aplicação do Direito e na garantia dos direitos
dos cidadãos. Na verdade, disseminar por uma pluralidade incerta
de interpretes autorizados e frente a pressupostos tão fluidos e
subjetivos, um desvalor que comporta efeitos sancionatórios tão
rigorosos, constitui uma opção que, longe de comportar uma efetiva
utilidade no processo de garantia da Constituição e realização da
Justiça Material, acarreta, ao invés, efeitos potencialmente nocivos
para a segurança jurídica, a equidade e a reserva de fiscalização
jurisdicional da Constituição. Os hipotéticos benefícios da
inexistência fundada em vícios materiais parecem, assim, ser
inferiores aos seus custos. Daí que, nem para reprimir a violação de
direitos qualificados a inexistência parece conformar um desvalor
adequado em termos de utilidade processual, certeza jurídica e
proporcionalidade.
- um valor negativo esquecido pela Justiça Constitucional: a
prática jurisprudencial relevou que o Tribunal Constitucional
ignorou, de facto, o valor negativo da inexistência, nas suas decisões
de inconstitucionalidade. Mesmo em casos rotundos de preterição
de requisitos orgânico-formais que a própria Constituição fulmina
expressamente com inexistência entendeu por bem, na sequência
de um entendimento prévio da Comissão Constitucional, admitir a
convolação das assinaturas ministeriais dos decretos-lei, em
referenda ministerial dos mesmos atos. Apesar de ter convocado
em favor da admissibilidade dessa convolação aquilo que seria uma
“praxe”, como tal, não insuscetível de se configurar como um
costume até à entrada em vigor da Lei n.º 67/83, 29 julho, o facto é
que o Tribunal fez uso de um expediente, não inteiramente
convincente, para suster os efeitos devastadores em termos de
segurança jurídica que poderiam decorrer da declaração de

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inexistência de enorme massa de diplomas legais aprovados sem


referenda, no referido período. Observa-se, deste modo, que o
Tribunal tem tido uma leitura muito restringente sobre os próprios
pressupostos orgânico-formais da inexistência, sendo muito
improvável que a viesse a aceitar com fundamento em vício
material.
- pertinência a adoção de um critério objetivo dos fundamentos
da inexistência: fatores como a consolidação doutrinal dos traços 97
dominantes da conceção clássica da inexistência; a restringência
que a Constituição da República faz em relação à enunciação dos
casos em que expressamente comina a inexistência como valor
negativo do ato inconstitucional; a opção constitucional pela
invalidade como desvalor dos atos a ela contrários; a radicalidade
dos efeitos sancionatórios do ato inexistente e a insegurança
jurídica crítica e desnecessária que adviria de uma banalização da
figura, no caso da adoção da tese que admite o instituto em caso de
vício material; e o esquecimento do desvalor pela Justiça
Constitucional, constituem argumento que nos fazem propender
para a adoção de uma conceção restritiva de inexistência.
Considera-se, em conclusão, ser fundamento dogmático da
inexistência a preterição de requisitos elementares e essenciais de
competência e de forma que a Constituição imponha na tomada de
uma decisão pública, de que resulte, ostensivamente, a
inidentificabilidade desta última como um ato típico.
- introdução aos vícios causadores da inexistência: fora dos
casos expressamente consagrados na Constituição, considera-se
serem deformidades graves causadoras de inexistência jurídica:
- todas as que ostentarem um paralelismo rigoroso com
os casos de inexistência previstos Constituição;
- todas as que, num quadro mais lato de identidade de
razão com os referidos casos, afetarem também de um modo
irremediável, a formação da vontade inerente à génese do ato, a
sua forma e o núcleo institucional da separação de poderes, de tal
modo que se elimine o nexo de imputação do mesmo a um órgão
competente.
No primeiro caso haverá a considerar: a preterição de
atos de controlo de mérito do Presidente da República em relação
a tratados que lhe sejam submetidos para ratificação (alínea b) do
artigo 135.º). No segundo caso, teremos: a produção de um ato por
um órgão inexistente ou juridicamente inibido de exercer funções;
a produção fraudulenta de um ato por um falso titular; a ocorrência
de uma manifestação coativa física e grave sobre a vontade
psicológica dos titulares; a preterição grave de elementos da fase
constitutiva de produção do ato que impliquem uma ausência
objetiva de vontade aprovatória pelos titulares do órgão
competente; e a usurpação rotunda de poderes traduzida no
desempenho ostensivo, por parte de um órgão, de funções
estaduais com eficácia externa que a Constituição lhe não comete.

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Quanto à usurpação de poderes, é certo que existe um largo


assentimento na doutrina constitucional em sancionar com
inexistência jurídica o referido vício. Trata-se de uma orientação que
se acolhe, embora apenas para situações de usurpação de caráter
ostensivo e evidente, casos de manual que, passe o pleonasmo, são
eles próprios virtualmente inexistentes; é o caso de uma lei com o
conteúdo de uma sentença, ou de uma sentença judicial que
revogue expressamente um ato constitucional ou legislativo e o 98
substitua por um regime integralmente diferente. Já em situações
fronteiriças de inconstitucionalidade orgânica que importem
violações menos precisas de domínios materiais reservados a certas
funções estaduais, por atos oriundos de outras funções, a
inidentificabilidade do ato é muito menos objetiva. Seria
proporcionado sancionar com inexistência violações indiretas ou
fronteiriças dessas reservas funcionais? Entende-se que a resposta
é negativa, dado que não existe uma necessária evidência no ato de
usurpação, sobretudo quando esse vício decorre de um processo
interpretativo de recorte fronteiriço impreciso, relativamente o
âmbito funcional das reservas materiais cometidas a cada função
estadual. Sintomaticamente, o Tribunal Constitucional tem
reprimido a violação de reservas funcionais dos poderes do Estado,
em sede de invalidade, e não de inexistência, a qual não foi até ao
ano de 2006 declarada uma única vez.
d) Efeitos jurídicos da sanção da inexistência: sobre os efeitos da
inexistência como sanção de inconstitucionalidade segue-se, na
generalidade, o excurso de Marcelo Rebelo de Sousa sobre a
matéria. Considera-se que uma aparência de ato, dentro da reserva
do possível, não deve produzir qualquer efeito jurídico, seja a título
principal seja, a título reflexo ou indireto. Isto significa que:
a. Não procede a imposição do n.º 3 do artigo 282 relativa à
necessidade de a decisão de inconstitucionalidade respeitar
casos julgados que apliquem normas inexistentes (o que
implicará a reabertura de processos e a reforma de decisões
judiciais);
b. Não é aplicável o n.º4 do artigo 282.º que habilita o Tribunal
Constitucional a restringir efeitos do ato, não procedendo a
conservação de algumas dessas consequências por razões
de segurança jurídica, equidade e interesse público do
especial relevo;
c. O vício do ato aparente é insanável através da prática de
outro ato ou pelo decurso de um prazo, podendo a
inexistência ser declarada a todo o tempo;
d. A conduta inexistente não deve ser executada pelos órgãos
da administração pública nem aplicada pelos tribunais, do
que deriva a ausência de uma reserva jurisdicional quanto à
declaração deste mesmo desvalor.

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Importa sem prejuízo do exposto, situar o alcance de alguns dos


efeitos aludidos. Entende-se, em primeiro lugar, que a
improdutividade total de efeitos jurídicos se encontra sujeita à
“reserva do possível”. Considera-se, em segundo lugar, que a
inexistência não inibe o imperativo da redução da
inconstitucionalidade, quando a mesma é admissível. Na
verdade, em preceitos jurídicos que contenham diversas
normas, a inexistência de algumas não implica a contaminação 99
das restantes e não ocorrer entre as mesmas uma relação
necessária de dependência ou interdependência, pelo que a
pertinência do princípio do aproveitamento dos atos exclui a
tese da inconstitucionalidade total. Assim, se um preceito
atribuir a órgão administrativo determinada competência
expressa para proferir sentenças e para praticar atos
administrativos, a inexistência reduz-se apenas ao primeiro
comando do preceito. Em terceiro lugar, considera-se que o
direito de resistência contra atos inexistentes não é configurado
com um alcance autónomo em relação aos pressupostos deste
direito de necessidade, tal como os mesmos se encontram
definidos no artigo 21.º CRP. Assim os cidadãos têm direito de
resistir contra atos inexistentes ou atos fundados em normas
inexistentes, que ofendam os seus direitos liberdades e
garantias, devendo a mesma inexistência fundar-se em vícios
orgânico-formais. Em quarto lugar, a inexecutoriedade do ato
inexistente pode implicar, como regra geral, o direito de
desobediência dos funcionários e agentes da administração
contra ordem de aplicação dada pelo superior hierárquico.
Finalmente, em quinto e último lugar, considera-se que, se bem
que todos os tribunais possam julgar uma norma jurídica
aparente, como inexistente, não podem, contudo, ofender caso
julgado do Tribunal Constitucional que se pronuncie, em
sentido diverso, pela sua existência jurídica. Sendo certo que a
doutrina se divide sobre esta questão, o facto é que, acaba por
ser o Tribunal Constitucional, nos termos da Lei Fundamental, o
órgão a quem compete proferir a última palavra sobre um
questão de constitucionalidade, seja em sede de fiscalização
abstrata sucessiva (artigo 282.º, n.º1), seja em termos de
julgamento de recursos de decisões judiciais em fiscalização
concreta (artigo 280.º, n.º1). E fá-lo sustentado no pressuposto
competencial e substancial que se trata do «tribunal ao qual
compete especificamente administrar a justiça em matérias de
natureza jurídico-constitucional» (artigo 221.º CRP). No
universo da fiscalização concreta, o facto de o artigo 204.º CRP
determinar que nos feitos submetidos a julgamento, os
tribunais comuns não podem aplicar normas que estimem como
inconstitucionais, não significa que o seu julgamento no sentido
da inconstitucionalidade não possa ser revogado pelo Tribunal
Constitucional, como consequência de decisão de provimento a

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recurso interposto da decisão da desaplicação proferida pelo


Tribunal a quo, nos termos do artigo 280.º, n.º1, alínea a). Ora,
se o Tribunal Constitucional, como jurisdição especializada no
controlo de constitucionalidade e última instância de recurso no
julgamento de decisões positivas ou negativas de
inconstitucionalidade, profere decisões que fazem caso julgado
material e formal quanto à questão de inconstitucionalidade
suscitada (artigo 80.º, n.º1 LTC), parece evidente que, qualquer 100
ulterior decisão judicial proferida no mesmo processo que
ofenda o mesmo caso julgado é irremediavelmente nula. Não
existe, assim, fundamento material para que um julgamento
sobre a não desconformidade da norma com a Constituição em
sede do Tribunal Constitucional seja legitimamente desacatado
por um tribunal a quo que entenda por bem recorrer a instituto
da inexistência para se auto-investir, à margem da Constituição
e da lei, em instituição competente para proferir a última
palavra sobre a questão de inconstitucionalidade. A
competência dos órgãos de soberania é, de acordo com o artigo
110.º, n.º2, a definida na Constituição, a qual não autoriza
inversões de hierarquia jurisdicional nos julgamentos de
inconstitucionalidade, em razão do regime agravado de certos
desvalores. Ademais, a particular gravidade dos efeitos
sancionatórios de um desvalor como a inexistência postula que
se faça caso julgado sobre a questão, em sede de jurisdição
especializada que a Constituição criou para o efeito. A mesma
ordem de razões prevalece em relação a uma situação em eu o
Tribunal Constitucional julgasse uma norma inconstitucional em
sede do desvalor de invalidade, restringindo, contudo, os
efeitos sancionatórios por razões de segurança jurídica, de
forma a salvaguardar certas situações fática e juridicamente
consolidadas; e em que o tribunal a quo viesse a considerar ex
novo, ou mantendo o sentido da decisão recorrida, que a
inconstitucionalidade em causa seria geradora não de
invalidade, mas de inexistência, do que decorreria a
impossibilidade de salvaguarda de quaisquer consequências
jurídicas produzidas pela norma inconstitucional. Na verdade,
se a decisão do Tribunal Constitucional faz caso julgado em
relação à questão de constitucionalidade suscitada no processo,
por maioria de razão o fará ao regime de desvalor do ato
inconstitucional e aos respetivos efeitos. Valia aqui a regra do
artigo 80.º, n.º3 LTC, segundo o qual, o tribunal a quo se
encontra vinculado à interpretação sufragada pelo Tribunal
como fundamento da sua decisão de recusa de aplicação da
norma inconstitucional, bem como da determinação de efeitos
sancionatórios daí derivada. Importa ainda sublinhar que uma
solução diversa violaria gravemente o princípio constitucional
da segurança jurídica. Isto porque, em caso de divergência de
julgados, conduziria a que situações idênticas fossem tratadas

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de forma diversa pelos diversos tribunais, já que, enquanto uns


se pronunciaram pela inexistência do ato, outros se
pronunciaram pela invalidade com restrição de efeitos, de
acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Tratar-
se-ia de uma situação anárquica, em que a inexistência
funcionaria como um míssil sem controlo, com consequências
agravadas pelo facto de, a atentar na doutrina que defende o
cometimento desse poder aos tribunais comuns, não proceder 101
uma uniformização de julgados em sede da jurisprudência do
Tribunal Constitucional. O “direito de desobediência” dos
tribunais comuns em relação às decisões de
inconstitucionalidade proferidas pelo Tribunal Constitucional
quando estivesse em causa a inexistência jurídica, para além de
desvalorizar e reduzir as competências que a Constituição
comete ao mesmo Tribunal, geraria situações caóticas e
irresolúveis em termos de uniformização de jurisprudência, não
só incompatíveis com a certeza do Direito, mas também com o
princípio da igualdade. As consequências seriam devastadoras
para os destinatários das normas.

2.º A invalidade:
Noção: podemos definir invalidade de um ato inconstitucional como a sua
inaptidão para produzir a totalidade das consequências jurídicas que tipicamente lhe
corresponderiam se o mesmo se mostrasse conforme a Constituição.

a) Atributos da invalidade no Direito português:


a. Um valor negativo que predica a sanção de atos
inconstitucionais existentes e publicados: a invalidade recai
necessariamente sobre atos juridicamente existentes. Isto,
porque os mesmos atos, pese os vícios de que padecem,
devem reunir os requisitos constitucionais necessários para
a sua identificabilidade e imputação à vontade funcional de
um órgão. Estamos, assim, perante um desvalor orientado
para a repressão de condutas inconstitucionais suscetíveis
de identificação como atos jurídicos-públicos típicos. A
fiscalização preventiva da constitucionalidade (artigos 278.º
e 279.º CRP), pelo facto de se exercer sobre atos jurídicos
em período anterior à sua promulgação, ratificação ou
assinatura, exerce-se sobre atos em projeto, que ainda não
ganharam existência jurídica como condutas típicas do
poder político. Daí que, em caso de pronúncia pela
inconstitucionalidade, seguida de veto não superado, a
sanção do diploma inconstitucional não seja a invalidade,
mas sim a preclusão da sua existência jurídica. Na ordem
constitucional portuguesa, o controlo jurisdicional do ato
inconstitucional inválido implica que este se encontre
plenamente introduzido na ordem jurídica, ou seja, deve ser
um ato que, para lá de existente, deve, igualmente,

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encontrar-se publicado. A publicação significa que o ato se


encontra, de acordo com Constituição, em condições para
produzir a respetiva eficácia. No que concerne à fiscalização
abstrata sucessiva (artigos 281.º e 282.º) esta incide sobre
normas publicadas, embora não necessariamente eficazes,
podendo o pedido de fiscalização ser formulado ainda no
decurso da vacatio legis. Quando o n.º1 do artigo 282.º
refere que a declaração de inconstitucionalidade produz 102
efeitos desde a entrada em vigor da norma inconstitucional,
não preclude que os momentos de impugnação do ato e da
declaração com força obrigatória geral ocorram ainda no
tempo da vacatio. Entende-se, de qualquer forma, que
neste último caso, os efeitos da declaração reportam a sua
consequencialidade sancionatória efetiva à data em que o
ato entre efetivamente em vigor, eliminando
preclusivamente, à nascença, as suas potenciais
consequências jurídicas. É pelo detido exame à norma,
realizado desde a sua publicação até à sua efetiva entrada
em vigor, que se detetam inconstitucionalidades ocultas
(dificilmente observáveis em sede de uma fiscalização
preventiva sujeita a prazos curtos de interposição de ação
de fiscalização), bem como vícios de mérito. Uma e outra
realidade podem justificar, respetivamente, a eliminação
ou a alteração de certos preceitos, antes mesmo da norma
entrar em vigor, de modo a evitar-se que esta última
produza os seus efeitos no ordenamento, num status
imperfeito ou inadequado. Trata-se, assim, por razões
conjunturais, de um efeito sancionatório preventivo
contido, a título eventual, no regime de fiscalização
sucessiva. Já no que tange à fiscalização concreta (artigo
280.º), como a mesma incide sobre normas aplicadas pelos
tribunais a situações singulares, considera-se que as
mesmas normas, para além de publicadas, devem
igualmente ser plenamente eficazes.
b. Um devalor-regra estipulado no ordenamento português
para os atos inconstitucionais: a Constituição de 1976
consagra no artigo 3.º, n.º3.º, a invalidade como valor
negativo vocacionado para a depreciação da generalidade
dos atos contrários à Constituição. A ideia de invalidade
como desvalor-referencial pode colher-se, também, na
especialidade, através do facto de a sanção que a serve, em
sede de fiscalização abstrata sucessiva (artigo 282.º), ser a
nulidade, instituto sancionatório típico dos atos inválidos. E
na fiscalização concreta, independentemente do facto de se
poder julgar a desaplicação do ato inconstitucional no caso
singular, quer em sede de nulidade quer de ineficácia,
ambas as sanções podem integrar-se no hemisfério
dogmático das invalidades. Como exceção, a Constituição

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admite para certas formas de inconstitucionalidade, outros


valores negativos, como é o caso da inexistência (artigo
137.º, 142.º, n.º2, e 172.º, n.º2) e da irregularidade
(artigo277.º, n.º2). Tal significa que, por razões lógico-
sistemáticas e teleológicas, a convocação destes mesmos
desvalores, noutras situações não explícitas implica uma
identidade mínima de razão com as situações
expressamente constitucionalizadas. Nestes termos, a 103
invalidade impõe-se como desvalor-regra e a inexistência e
irregularidade como desvalores excecionais. E o facto é que,
até ao momento, o Tribunal Constitucional tem-se
pronunciado, invariavelmente, pela inconstitucionalidade
das normas em sede de invalidade, olvidando, pelo caráter
polémico dos seus pressupostos e pelo alcance
potencialmente perturbador dos seus efeitos, os desvalores
da inexistência e irregularidade.
c. Um desvalor de média intensidade sancionatória: a atentar
nos efeitos jurídicos dos juízos de inconstitucionalidade nos
processos de fiscalização sucessiva, abstrata e concreta,
observar-se ser média a intensidade sancionatória que
emerge do desvalor da invalidade. Com efeito, uma
desaplicação de norma inválida em fiscalização concreta,
não só não impede a produtividade virtual da norma
noutros casos singulares, como também, mesmo na própria
situação em julgamento, se torna possível salvaguardar
determinadas situações jurídicas da referida desaplicação,
por razões de segurança ou equidade. No universo da
fiscalização abstrata sucessiva, o respeito pelo caso julgado
que aplique norma inconstitucional e a eventual restrição
dos efeitos sancionatórios do ato declarado
inconstitucional com força obrigatória geral encontram-se
explicitados nos n.º 3 e 4 do artigo 282.º CRP. Isto significa
que a invalidade postula regimes sancionatório que
admitem ou salvaguardam a não eliminação de alguns
efeitos produzidos pelo ato inconstitucional. Daí a definição
que demos da invalidade, como um valor negativo que inibe
o ato inconstitucional de produzir a “totalidade” dos seus
efeitos prototípicos, o que não significa que não possam
subsistir alguns desses efeitos. Em suma, no quadro da
fiscalização abstrata, enquanto na inexistência existe uma
improdutividade total necessária de efeitos, na invalidade
ocorre uma improdutividade total com caráter possível.

Sanções da invalidade:

a) Anotação complementar: a problemática da qualificação das


sanções do ato inconstitucional inválido no Direito Constitucional e
no Direito Administrativo: a problemática da qualificação e
denominação das sanções da norma inconstitucional constitui uma

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das tarefas mais espinhosas e até desconcertantes da dogmática


constitucional. Isto, em primeiro lugar, porque nem a Constituição
nem a Lei do Tribunal Constitucional optaram em Portugal por
qualificar as sanções aplicadas ao ato inconstitucional, seja em
fiscalização abstrata, seja em fiscalização concreta. Semelhante
circunstância projetou, bem ou mal, a sua dilucidação para u
universo doutrinário no qual se digladiam pré compreensões muito
díspares sobre a mesma questão. A jurisprudência furtou-se, 104
cautamente, a tão perturbadora requesta. Em segundo lugar, existe
uma tendência inelutável para adaptar aos institutos de Direito
Constitucional a panóplia de desvalores e de sanções oriundas do
Direito Administrativo e do Direito Civil, operação que apenas
parcialmente se revela satisfatória, já que os regimes sancionatórios
constitucionais nem sempre coincidem com os que se encontram
previstos naqueles ramos do Direito. Assim, quer o regime da
nulidade (artigo 134.º CPA) quer o da anulabilidade (artigo 136.º
CPA), como sanções do ato administrativo inválido, não se aplicam
integralmente ao regime sancionatório previsto no artigo 282.º CRP
para o ato normativo inválido com fundamento em
inconstitucionalidade. No âmbito dos regulamentos administrativos
inválidos, estes já foram e continuam a ser objeto de sanções de
natureza diversa. A invalidade regulamentar foi, ao longo das
diversas reformas do contencioso administrativo, servida por
sanções diversas, na base de critérios de ordem processual 57 . O
esforço dogmático de qualificação das sanções do ato inválido é,
assim, desafiado por escolhos referenciais e compreensivos
diversos que criam na doutrina posições radicalmente antagónicas
sobre o problema. Posições que constituem um fator superlativo, e
por vezes barroco, de perturbação do imperativo, esse sim decisivo,
de clarificação do regime dos efeitos da inconstitucionalidade no
Direito positivo. Não tendo tido particular êxito a tentativa de criar
uma invalidade mista dotado de uma designação original de
batismo é, assim, compreensível a distância guardada pela

57
Na reforma de 1985/1984 manteve-se, em termos gerais, o regime do período anterior,
determinando, então, que uma norma administrativa declarada ilegal com força obrigatória geral veria
salvaguardados os seus efeitos passados, salvo decisão em contrário do tribunal competente, fundada
em razões de segurança jurídica, equidade e interesse público de excecional relevo. Tratava-se da
subsistência, com alterações, do velho regime crismado por Marcello Caetano de “nulidade radical” mas
que Viera de Andrade considerou ser um “regime misto de nulidade e anulabilidade”. Posteriormente,
na reforma de 2002, entrada em vigor em 2004, foram estabelecidos dois regimes impugnatórios, no
âmbito processual da “ação administrativa especial”, portadores de sanções distintas. Por um lado
institui-se o pedido de declaração da ilegalidade regulamentar, em abstrato, traduzido na eliminação da
norma inválida com efeitos ex tunc, em termos próximos ao regime instituído no artigo 282.º CRP, sem
prejuízo da salvaguarda dos atos tornados impugnáveis. Trata-se de uma sanção que é qualificada pela
doutrina como “nulidade”. Por outro lado, o pedido de declaração de ilegalidade de normas
administrativas, em concreto, por via principal, a qual se reduz, tão só, à não aplicação do regulamento
ilegal no caso sub iuditio continuando a mesma norma, todavia, a vigorar no ordenamento. Trata-se de
uma desaplicação que a doutrina faz contrastar com a sanção de nulidade ipso iure que implica a
eliminação da norma do ordenamento.

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jurisprudência constitucional em relação a um envolvimento no


espinhoso debate sobre a qualificação das referidas sanções. Em
terceiro lugar, a propósito dos paradigmas de Direito Público
observa-se, seja na doutrina estrangeira, seja na portuguesa, que a
própria teoria dos desvalores do ato administrativo experimenta há
muito uma sensível controvérsia. Embora, presentemente,
pontifique no Direito Administrativo a distinção entre inexistência,
nulidade e anulabilidade, a doutrina mais moderna tende a 105
relativizar as diferenças entre o segundo e o terceiro institutos.
Assim, algumas construções 58 consideram que a “nulidade ipso
jure”, o seu caráter imprescritível e a sua eficácia ex tunc seriam
«autênticas pretensões míticas», conceitos mais ideais do que reais
que teriam prejudicado a elaboração de uma «construção sensata».
A mesma corrente exemplifica situações em que a jurisprudência,
em face de factos já consumados e irreversíveis, salvaguarda certas
situações jurídicas de uma eliminação que a aplicação pura e dura
da sanção de nulidade postularia. Em quarto lugar, a
inconstitucionalidade declarada com força obrigatória geral por um
Tribunal Constitucional é sancionada de modo diversiforme por esse
órgão de justiça, de ordenamento para ordenamento. Na maioria
das ordens jurídicas que introduziram a fiscalização abstrata
sucessiva , prevê-se uma sanção declarativa da
inconstitucionalidade que destrói, não apenas o ato
originariamente inconstitucional, mas também os efeitos que o
mesmo produziu desde a sua entrada em vigor (Alemanha, Itália,
Espanha, Brasil e Portugal). Noutros, a decisão jurisdicional é
constitutiva da inconstitucionalidade, e produz efeitos ex nunc,
limitando-se a fulminar o ato, deixando, por regra, intactos, os
efeitos que anteriormente produziu (Áustria). Por outro lado,
mesmo no primeiro grupo de ordens constitucionais, no qual
pontifica no Direito positivo ou na doutrina dominante a preferência
pelo regime da nulidade do ato inconstitucional, existem sensíveis
dissemelhanças sobre os efeitos da mesma nulidade. Na verdade, o
poder concedido ao Tribunal Constitucional para restringir os
efeitos sancionatórios da norma inconstitucional a situações
passadas é muito mais expressivo na Alemanha ou na Itália, do que
no Brasil. Do exposto, importa formular duas breves considerações
que não deixarão de condicionar necessariamente o nosso
entendimento, sobre o regime sancionatório da invalidade do ato
inconstitucional.
a. Tal como alguém escreveu, as categorias jurídicas só
revestem interesse quando das mesmas se torna possível
extrair consequências distintas, sob pena de nos
encontrarmos perante um mero exercício de estilismo
jurídico, apartado da realidade e dos fins últimos do Direito.

58
Santamaria Pastor, “La Nulidad de Pleno Derecho de Los atos Administrativos. Contribuición a una
Teoria de la Ineficácia en el Derecho Publico”, Madrid, 1975.

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E o facto é que, o extrema de posições antagónicas em


matéira da qualificação dos desvalores e das sanções do ato
inconstitucional verificado no termo da década de oitenta
do século XX, teve, precisamente, algo de estilismo e de
ajustamento forçado das sanções do Direito Civil e Direito
Administrativo, ao Direito Constitucional.
Sintomaticamente, uma boa parte da doutrina
jusconstitucionalista dedicou e ainda dedica à 106
categorização dos desvalores e das sanções das normas
inconstitucionais um número muito reduzido de páginas,
optando por uma análise mais exaustiva dos respetivos
regimes no Direito Positivo;
b. Partindo, precisamente, da disciplina jurídico-positiva das
sanções do ato inconstitucional verificamos que as mesmas,
seja em fiscalização concreta, seja em fiscalização abstrata
sucessiva, assentam num regime próprio o qual é
pressuposto, não pelo confronto entre um ato singular e
uma norma, mas por um tensão entre uma norma
parâmetro e uma norma-objeto. Uma perspetiva de
categorização dogmática das sanções, na base de um
critério estrutural que atenda a elementos dominantes ou
permanentes dos institutos jurídicos, deve ter como ponto
de partida os efeitos-regra que a Constituição determina
para o ato inconstitucional em cada um dos processos de
fiscalização instituídos. Ora esses efeitos-regra, consistem:
i. Em fiscalização abstrata sucessiva de normas
originariamente inconstitucionais, na eliminação da
norma e das consequências jurídicas que a mesma
produziu desde a sua entrada em vigor;
ii. E na fiscalização concreta na desaplicação da norma
inconstitucional a um caso singular, com meros
efeitos inter partes.
b) A nulidade como sanção da invalidade resultante de uma decisão de
inconstitucionalidade proferida com força obrigatória geral:
a. Introdução ao regime de declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral: tal como
reconhece um setor da doutrina, o artigo 282.º CRP
preocupou-se menos em «definir os efeitos da declaração
de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, do que em
determinar os termos e o momento a partir do qual eles se
produzem». Ora, os “efeitos-regra” que resultam
objetivamente e “em bruto”, da decisão de
inconstitucionalidade originária são cinco, de acordo com o
n.º1 do preceito:
i. Eleminação da norma a partir do momento em que
é proferida a declaração: implica a expressão
abstrata (a qual qualifica em epígrafe o processo de
fiscalização reportado ao artigo 281.º CRP e, por

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consequência, ao artigo 282.º), que a norma +e


objeto de uma impugnação em via direta,
independentemente da sua aplicação a casos
singulares. Ora, da lógica inerente a uma decisão de
invalidade (artigo 3.º, n.º3 CRP) que recai sobre um
ato, não pode senão resultar a eliminação ou
expulsão do mesmo do ordenamento jurídico. Dado
que o artigo 282.º, n.º1 reporta retroativamente os 107
efeitos da decisão, até à data da entrada em vigor
da norma, depreende-se implicitamente que a data
a partir da qual se projetam os referidos efeitos é a
data da publicação da declaração de
inconstitucionalidade, a qual assinala,
concomitantemente, o termo imediato da presença
do ato normativo inválido, na ordem jurídica;
ii. Eliminação retroativa dos efeitos produzidos pela
norma inconstitucional entre a data da declaração
e a data da sua entrada em vigor: a eliminação
abstrata da norma inconstitucional implica a
destruição das consequências jurídicas que a
mesma produziu desde a sua origem, o que inclui os
atos e negócios jurídicos praticados ou celebrados
no seu respeito;
iii. Ressalva dos casos julgados relativamente aos
efeitos retroativos da declaração: excetua-se,
contudo, como regra, em nome da segurança
jurídica inerente ao imperativo do termo
conclusivo da “luta pelo Direito”, a ressalva das
sentenças transitadas em julgado que tenham
confirmado a aplicação da norma inconstitucional a
certas situações concretas. Esta ressalva, prevista
no n.º3 do artigo 282.º CRP, é tida pelo Tribunal
Constitucional como um critério “equiparável ao
princípio da conformidade à Constituição dos atos
jurídico-públicos plasmado no artigo 3.º” CRP.
Como exceção à ressalva surgem os casos julgados
em matéria pelam, disciplinar e de mera ordenação
social que o Tribunal Constitucional pode transpor,
se a lei represtinada for mais favorável ao arguido
do que a norma inconstitucional envolvida pela
decisão transitada em julgado;
iv. Represtinação do Direito revogado pela norma
julgada inconstitucional: é uma decorrência da
eliminação retroativa dos efeitos da norma
inconstitucional e implica a reposição da situação
normativa que vigorava antes daquela norma ter
iniciado a sua vigência. A revivescência automática
da normação revogada peloa ato inconstitucional

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logra, igualmente, preencher uma lacuna que


ocorreria se este mesmo ato fosse eliminado sem
substituição;
v. Força obrigatória geral da declaração:
contrariamente ao que defende certa doutrina
influenciada pela ordem jurídica germânica, a
expressão força obrigatória geral não é assimilável
ao conceito de “força de lei”. Enquanto a decisão 108
tomada com força de lei põe termo à eficácia de um
ato normativo (em regra com efeitos ex nunc), mas
permite a sua subsistência no ordenamento em
termos que permitem a sua ulterior revivescência
(artigo 7.º, n.º4 CC e artigo 282.º, n.º1 CRP), já a
decisão de inconstitucionalidade do ordenamento,
em princípio com efeitos ex tunc, e sem
possibilidade de revivescência. Enquanto um ato
com força de lei, embora afete a eficácia de um ato
legal preexistente, pode ser ele próprio afetado por
outro ato sucessivo portador da mesma força, uma
decisão com força obrigatória geral não é suscetível
de ser questionada por decisão posterior, já que
tem força plena de caso julgado formal. Finalmente,
e em decorrência da asserção anterior, enquanto a
decisão tomada com força de lei não pode ser
imperativa, a decisão tomada com força obrigatória
geral tem força de caso julgado material e obriga
erga omnes, vinculando quanto ao seu acatamento,
autoridades públicas e sujeitos privados. É essa
força que ampara, como braço secular, a
intensidade do regime sancionatório do ato
inválido no processo de fiscalização abstrato
sucessivo. Considera-se que são estas
características que funcionam como pressupostos
necessários de definição da categoria de sanção
adotada, pelo que a representação de outros
efeitos eventuais desse regime, devem ser tida, a
título secundário, como uma consequência lateral
da adoção dessa mesma categoria.
b. Conceções doutrinárias sobre o tipo de sanção aplicável ao
ato inconstitucional declarado inválido por decisão com
eficácia erga omnes: a grande maioria da doutrina
jusconstitucionalista pronunciou-se decidiamente em favor
da nulidade, como sanção do ato inconstitucional declarado
com força obrigatória geral. Assim, Gomes Canotilho e Vital
Moreira consideram que a declaração de
inconstitucionalidade originária de uma norma equivale à
sua declaração de nulidade. No seu entender, essas normas
não seriam meramente anuláveis, pois estariam feridas de

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nulidade desde a sua entrada em vigor. Os autores


fundamentam esse raciocínio partindo do argumento,
segundo o qual invalidade operaria ipso iure: a sentença não
anularia constitutivamente a norma inválida, limitando-se a
declarar uma inconstitucionalidade que teria sido gerada
desde a origem da norma. Jorge Miranda fala, por seu turno,
numa nulidade sui generis. Nulidade em razão da retroação
de efeitos da decisão, do regime repristinatório, da suposta 109
natureza de efeitos da decisão e da obrigação de
acatamento erga omnes dessa mesma decisão. Sui generis
em razão do imperativo da ressalva dos casos julgados e da
possibilidade de os efeitos retroativos da decisão poderem
ser restringidos pelo Tribunal Constitucional. Considera,
contudo, sobre o alcance desta mesma restrição, que a
mesma implicaria um fenómeno (alargado) de putatividade
no quadro da tutela de expectativas legitimas, situação que
ocorreria igualmente com o regime da nulidade noutros
ramos do Direito, e que, no caso específico do artigo 282.º
CRP, serviria para atenuar o valor negativo, mas não para
alterar qualitativamente a sua natureza. Marcelo Rebelo de
Sousa desenvolveu uma extensa argumentação em favor da
tese da nulidade atípica. Assim, características
fundamentais da nulidade, para além da predominância de
interesses públicos na tutela da constitucionalidade, seriam
a imediatividade, insanabilidade, redutividade,
incaducabilidade, absolutidade, necessidade de declaração
jurisdicional, caráter declarativo da intervenção judicial no
tocante à apreciação da inconstitucionalidade e
oficiosidade. Todos se encontrariam presentes no regime
do artigo 282.º. Como principais atributos não típicos do
mesmo regime destacar-se-ia o respeito pelo caso julgado,
a salvaguarda de efeitos produzidos nos termos do artigo
282.º, n.º4 e a eficácia erga omnes da decisão de
inconstitucionalidade. Posição diversa era originariamente
assumida por Rui Medeiros. Este autor considerava anulável
a lei declarada inconstitucional com força obrigatória geral,
já que, segundo o seu controverso entendimento:
i. A norma inválida seria obrigatória para os
particulares até à declaração da sua
inconstitucionalidade, produzindo ab initio os
efeitos de Direito que lhe corresponderiam,
realidade que se afastaria da característica da
nulidade traduzida na improdutividade total de
efeitos do ato desde o seu início de vigência;
ii. A norma inválida seria precariamente eficaz, sem
prejuízo dessa eficácia poder ser destruída
retroativamente, constituindo essa retroação de
consequencialidade sancionatória, uma

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característica da anulabilidade, e, tendo em conta


que eliminaria a assinalada eficácia precária teria
natureza constitutiva;
iii. Enquanto o ato nulo nunca poderia produzir efeitos
principais, o ato anulável poderia ver sanados ou
convalidados com efeitos primários, constituindo a
salvaguarda dos casos julgados e a restrição dos
efeitos da decisão de inconstitucionalidade, 110
exemplos claros de preservação de consequências
jurídicas de natureza principal, produzidas pelo ato
inconstitucional.

Posteriormente Rui Medeiros abandonou a posição


acabada de descrever, sufragando, com reservas, a
tese da nulidade, mormente em razão do critério do
interesse público dominante que, de acordo com a
construção de Marcelo Rebelo de Sousa, pressuporia
o regime declaração da inconstitucionalidade da
norma com força obrigatória geral. Reservas gerais,
porque persiste em manter a ideia de que a
retroatividade sancionatória conforma uma
característica própria da anulabilidade, ocorrendo
com a nulidade apenas em termos que qualifica como
extremamente impróprios. Reservas específicas,
ainda, porque no seu entender o Tribunal
Constitucional poderia diferir para o futuro efeitos
das sentenças, ao abrigo do n.º4 do artigo 282.º CRP,
conformando este prolongamento de eficácia do ato
inconstitucional, um quadro de anulabilidade e não
de nulidade, a qual operaria ipso iure. De assinalar,
ainda, o entendimento de Vitalino Canas que mostra
alguma simpatia por uma construção inspirada em
Liebmann e Zagrabelski, a qual supõe a decomposição
do juízo de invalidade com força obrigatória geral, em
dois segmentos: a declaração de
inconstitucionalidade, que teria efeitos declarativos;
e a fixação através da sentença, dos efeitos da decisão,
que seriam constitutivos já que os mesmos poderiam
assumir caráter variável. Se a nulidade se firma como
o tipo sancionatório subjacente ao regime previsto no
artigo 282.º, não seria o inexoravelmente, pois, se por
exemplo, o Tribunal viesse a restringir os efeitos da
decisão de inconstitucionalidade, determinando-lhes,
uma eficácia ex nunc por razões de segurança jurídica,
convalidaria ou sanaria as consequências jurídicas
passadas do ato inválido, aproximando-se a referida
sanção do regime da anulabilidade.

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c. Posição adotada: a nulidade do ato inconstitucional: existe,


presentemente, na doutrina um largo consenso em favor da
nulidade, como sanção ou forma do desvalor da norma
declarada inconstitucional com força obrigatória geral. No
nosso entendimento, o referido consenso merece ser
sufragado porque, de acordo com um critério estrutural as
características-regra assinadas pelo artigo 282.º ao ato
inconstitucional ostentam mais semelhanças relevantes 111
com o regime clássico da nulidade, do que com o regime da
anulabilidade, em ramos de Direito Público como o Direito
Administrativo 59 . No que respeita à inconstitucionalidade
originária, sendo a nulidade a sanção que reprime os ato
normativos declarados inconstitucionais com força
obrigatória geral, importa todavia clarificar que o seu
regime próprio, no universo do Direito Constitucional,
importa a expressão de efeitos portadores de uma
intensidade repressiva variável. Na elasticidade apreciável
dessa variabilidade repressiva poderá ser decantada a sua
natureza singular, ou se se quiser, a sua atipicidade. Assim,
pode falar-se em nulidade com efeitos absolutos, quando se
estiver perante uma reação da ordem jurídica contra norma
declarada originariamente inconstitucional, com os estritos
efeitos previstos no n.º1 e na primeira parte do n.º3 do
artigo 282.º CRP. Estes consistem na eliminação tanto da
referida norma comodas consequências jurídicas que esta
produziu desde a sua entrada em vigor, com salvaguarda
dos casos julgados que lhe tenham dado aplicação. É uma
sanção que opera ope constitutione de tal modo que o
Tribunal Constitucional se limita a declarar essa mesma
nulidade. No que concerne à salvaguarda dos casos julgados,
embora certa doutrina os considere um elemento atípico da
nulidade, julgamos, pela nossa parte, que se conforma
como uma característica própria do regime da invalidade
das normas jurídicas na ordem constitucional e legal de
1976, aplicável seja no presente quadro sancionatório da
nulidade (declaração da inconstitucionalidade de leis e da
ilegalidade de regulamentos, com força obrigatória geral ),
seja no da invalidade mista que, na reforma do contencioso
administrativo de 1985 atingia os regulamentos declarados
ilegais com eficácia erga omnes. Falar-se-á em nulidade com
efeitos relativos, quando o Tribunal Constitucional declarar
a inconstitucionalidade originária de uma norma,
restringindo todavia a plenitude dos efeitos sancionatórios
previstos no artigo 282.º, n.º1 e fundamentando essa
restrição nos pressupostos definidos no n.º4 do mesmo
preceito. E quando à luz do Acórdão n.º 32/2002 o Tribunal

59
Ver páginas 229 a 234 do Tomo I

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salvaguarda o ato administrativo decidido equiparando-o


(indevidamente) ao caso julgado. Os efeitos relativos
significam uma atenuação da intensidade sancionatória que
o ordenamento estipula, como regra, para a
inconstitucionalidade originária, preservando-se de uma
potencial destruição uma pluralidade de atos, negócios e
situações jurídicas e fáticas. Trata-se de uma expressão que
não é sinónimo de anulabilidade (frequentemente 112
conhecida como nulidade relativa) mas sim de atenuação,
com eficácia variável, da potência negativa quase-plena
inerente à nulidade com efeitos absolutos, que a
Constituição erige a sanção-regra. No contexto dos
fundamentos do n.º4 do artigo 282.º, a determinação
desses efeitos relativos depende do que for disposto a seu
respeito pelo Tribunal Constitucional através de sentença
fundamentada, a qual poderá imunizar da eliminação
retroativa uma parte ou todos os atos ou factos passados
regidos pela norma inconstitucional. Já no tocante à
salvaguarda do caso decidido administrativo, a sua
preservação seria automática. Já no âmbito do n.º2 do
artigo 282.º, no que respeita à inconstitucionalidade
superveniente, os efeitos da nulidade operam ope
constitutione, por razões lógicas, sendo eliminados
retroativamente apenas os efeitos da norma
inconstitucional produzidos entre a data da declaração e a
data da colisão entre a mesma norma e o parâmetro
constitucional que com ela entrou em distonia. Trata-se de
uma modalidade de nulidade com efeitos relativos,
determinados diretamente pela Lei Fundamental,
distinguindo-se, portanto, da modalidade anteriormente
examinada, em que os efeitos relativos decorrem da
decisão manipulativa do Tribunal. Ainda assim, podem as
duas situações cumular-se, se o Tribunal Constitucional,
decidir eliminar a própria retroatividade limitada da sanção
de inconstitucionalidade superveniente, de acordo com os
fundamentos expressos no artigo 282.º, n.º4.
c) Sinopse sobre as características da nulidade do ato declarado
inconstitucional com força obrigatória: seguir-se-á nesta rúbrica,
embora num ângulo autónomo de análise, algumas das
características dominantes que são assinaladas à nulidade, pela
doutrina que mais detidamente tratou o valor negativo do ato
inconstitucional. Observêmo-las:
a. Imediatividade: significa que a nulidade se verifica desde o
momento da prática do ato inconstitucional, operando ispo
iure. Tem como consequência que a invalidade se constitui
desde a colisão do ato inconstitucional com a Lei
Fundamental, revestindo a decisão de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral, caráter

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declarativo e não constitutivo da nulidade. Tem igualmente


como consequência, a repristinação do Direito revogado
pela norma inconstitucional, bem como a retroatividade
dos efeitos sancionatórios resultantes da declaração, dado
que, suprimida a mesma norma do ordenamento, se
entende que todos os efeitos que produziu desde a sua
origem devem ser também eliminados. Excetuam-se desta
eliminação os casos julgados, os quais, em razão de 113
imperativos de segurança jurídica, tutelados
imperativamente na Constituição, devem ser sempre
imunizados aos efeitos ex tunc da declaração, sem prejuízo
do disposto na segunda parte do n.º3 do artigo 282.º. O
respeito pela firmeza do caso julgado é também uma
característica do regime da nulidade dos regulamentos
declarados ilegais com força obrigatória em Direito
Administrativo, não se configurando como um elemento de
singularidade ou atipicidade da nulidade de atos
normativos em Direito Constitucional. Ademais, acaba por
ser um dos poucos elementos relevantes que permite
distinguir a inconstitucionalidade com efeitos absolutos, da
declaração de inexistência de uma norma aparente, por
parte do Tribunal Constitucional. Exceção ao critério puro
da imediatividade, e que conforma um elemento forte de
singularidade ou atipicidade da sanção em estudo, é a
restrição de efeitos sancionatórios, nos termos do artigo
282.º, n.º4, a que já se fez precedentemente alusão e que
relativiza ou atenua a potência negativa da nulidade;
b. Insanabilidade: se a nulidade do ato opera ipso iure desde a
sua origem (ou desde a verificação da colisão com o
parâmetro constitucional, em caso de inconstitucionalidade
superveniente), não se verifica a possibilidade de
convalidação do ato nulo, nem pelo decurso de um praxo
para a sua impugnação (incaducabilidade da ação de
inconstitucionalidade), nem pela verificação de um facto,
nem ainda pela prática de um ato (inconvertibilidade do ato
inválido). Existem certas condutas do poder político que
podem, por antecipação, esvaziar de sentido a declaração
de nulidade. Diversamente do que sucede em Direito
Administrativo, existe sempre o risco de o legislador
revogar uma norma legal nula e de o fazer, mesmo,
retroativamente, até ao momento da sua entrada em vigor,
esvaziando o sentido ou o interesse processual de uma
declaração de nulidade da mesma norma, com força
obrigatória geral. De todo o modo, se o legislador, através
de semelhante operação revogatória com efeito ex tunc (e
presumivelmente operada na observância do princípio da
tutela da confiança), imunizasse certos factos ou relações
jurídicas, relativamente aos efeitos da referida revogação,

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não subtrairia necessariamente interesse processual a uma


eventual impugnação da norma assim revogada junto do
Tribunal Constitucional;
c. Necessidade de declaração jurisdicional: trata-se de outra
característica da nulidade que atinge os dos atos
normativos inconstitucionais. Analogamente ao que sucede
com a declaração da ilegalidade de regulamentos, ou com a
declaração de anulabilidade de atos administrativos, mas 114
diversamente do que ocorre com a inexistência de
quaisquer atos jurídicos e com a nulidade de atos
administrativos, a nulidade da norma inconstitucional
carece de ser declarada, com força obrigatória, por uma
jurisdição especialmente criada para o efeito, que é o
Tribunal Constitucional. Tal como vimos, a decisão simples
de inconstitucionalidade produz efeitos declarativos da
nulidade, a qual se constitui no momento da colisão do ato
normativo com a Constituição. Isto, sem prejuízo dos
efeitos restringentes da decisão, nos termos do n.º4 do
artigo 282.º, assumirem não uma natureza declarativa mas
sim caráter constitutivo;
d. Força obrigatória geral da declaração: tal como sucede com
os regulamentos administrativos abstratamente
impugnados em sede de contencioso administrativo, as
decisões do Tribunal Constitucional que declaram a
inconstitucionalidade de normas em fiscalização abstrata
sucessiva são portadoras de força obrigatória geral. Trata-
se de uma eficácia erga omnes, que, por razões de
segurança jurídica traduzidas num imperativo categórico e
determinar o acatamento geral do julgado, se impõe a todas
as autoridades e aos particulares. Semelhante
imperatividade só vincula em relação à
inconstitucionalidade declarada, e não em relação a
segmentos aditivos das sentenças, como injunções,
recomendações e preenchimento de lacunas;
d) A privação da eficácia como sanção da invalidade do ato
inconstitucional em processo de fiscalização sucessiva concreta:
a. Apreciação crítica da tese da nulidade do ato
inconstitucional no âmbito do controlo concreto: depois da
entrada em vigor da Constituição de 1976, a maioria da
doutrina que se debruça sobre o desvalor do ato
inconstitucional em processo de fiscalização concreta, ou se
pronuncia em favor da invalidade sancionada com nulidade,
ou evita tomar uma posição clara sobre a matéria. Ainda
assim, não abundou até 2005 a argumentação aduzida em
favor dessa solução, que tende a quedar-se na doutrina,
mais por inércia ou falta de debate, do que pela
sugestividade da solução adotada. Pese o facto de
defendermos uma posição diversa, não consideramos que

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a subsistência da tese da nulidade concreta constitua uma


questão essencial, dado que o que importa fixar é o regime
sancionatório positivo do ato julgado inconstitucional num
caso singular, e este é virtualmente idêntico, quer se adote
a tese da invalidade-nulidade, ou da invalidade ineficácia. E
neste sentido, as nossas objeções à tese da nulidade atípica
revestem uma natureza puramente académica, já que a
subsistência da mesma tese não levanta no ordenamento, 115
problemas de ordem fundamental. A tese da nulidade na
fiscalização concreta confronta-se co alguns argumentos
hipotéticos de ordem adversa, que importa sumarizar:
i. A sanção do ato inconstitucional inválido consiste
no tipo ou forma de reação que, no plano jurídico-
positivo, a Constituição estipula para o mesmo ato.
Ora, tal como admite a generalidade da doutrina, a
Constituição é parca sobre os efeitos relativos a
uma decisão de inconstitucionalidade em
fiscalização concreta. O texto constitucional fala, no
seu artigo 280.º, na recusa de aplicação de norma
inconstitucional por parte dos tribunais. Por seu
turno, o artigo 80.º da LTC reporta-se ao efeito de
caso julgado formal e material de uma decisão do
Tribunal Constitucional que julgue inconstitucional
uma dada norma, efeito que se circunscreve ao
processo onde a questão de constitucionalidade foi
suscitada. Num e noutro caso, estamos perante um
ato jurisdicional portador de uma sanção traduzida
na desaplicação de uma norma inconstitucional,
com eficácia inter partes;
ii. A norma julgada inconstitucional e como tal
desaplicada num determinado processo continua,
todavia, a produzir efeitos nas restantes situações
jurídicas, podendo inclusivamente ser julgada
conforme à Constituição por outras jurisdições,
nelas incluindo o Tribunal Constitucional em caso de
alteração de posição jurisprudencial ou de
divergência de julgados entre secções. Se assim é,
parece pouco verosímil assinar a nulidade para a
norma julgada inconstitucional num caso concreto.
Na verdade, a norma não é a se eliminada, nem são
retroativamente eliminadas todas as suas
consequências jurídicas já ocorridas, já que, pese o
juízo concreto de inconstitucionalidade, se a
mesma norma tiver caráter geral e abstrato,
continua a subsistir no ordenamento jurídico,
aplicando-se a uma pluralidade indeterminada de
factos passados, bem como a uma pluralidade de
situações futuras. Por outro lado, não se vê como

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uma norma geral julgada inconstitucional num caso


concreto por uma secção do Tribunal Constitucional,
e não julgada inconstitucional noutro caso por
secção diversa (e por outras jurisdições de tipo
comum), possa ser considerada nula ipso iure,
através de uma intervenção jurisdicional, pautada
por uma decisão dotada de efeitos puramente
declarativos da invalidade; 116
iii. Não se pode falar, finalmente, numa rigorosa
incaduvabilidade da ação impugnatória da norma
inconstitucional. É certo que, ex officio, os tribunais
podem a todo o tempo julgar uma dada norma
inconstitucional, cabendo desta decisão recurso
direto do Ministério Público para o Tribunal
Constitucional. Mas não é menos certo que a
inconstitucionalidade se afere num processo
concreto e incidental, com efeitos inter partes,
verificando-se, de acordo com a LTC, que as
mesmas partes e o Ministério Público só podem
recorrer para o Tribunal Constitucional se tiverem
suscitado a questão da inconstitucionalidade da
norma durante o processo (artigo 72.º, n.º2), tendo
igualmente um prazo de 10 dias para recorrer
(artigo 75.º, n.º1) findo o qual, o recurso que
poderiam interpor não será admitido. Trata-se de
um regime que difere de uma nulidade de um ato
ou de uma norma administrativas que podem ser
invocadas a todo o tempo, quer como questão
principal quer como questão incidental. A
atipicidade da suposta nulidade neste tipo de
processo não pode ser, passe a redundância, de tal
forma atípica que não tenha uma base relevante de
verosimilhança com a figura da nulidade clássica,
nela incluída a própria nulidade assinada ao ato
inconstitucional em fiscalização abstrata repressiva.
Mesmo como ficção jurídica, o referido instituto
não é conveniente, nem comporta qualquer
vantagem compreensiva.
b. Posição adotada: a privação da eficácia da norma julgada
inválida como efeito sancionatório da sua desaplicação ao
caso concreto: entende-se que, nos termos o artigo 280.º,
n.º1, alínea a) CRP e artigo 80.º, n.º 1, 2 e 3 LTC, se uma
norma for julgada inconstitucional num processo de
fiscalização concreta, a reação do ordenamento no plano do
controlo da constitucionalidade consistirá na sua não
aplicação a esse caso, e apenas a esse caso, decisão que
produzirá efeitos inter partes. Dessa desaplicação resulta
uma paralisia da eficácia do ato apenas no caso sub iuditio,

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continuando os seus efeitos passados e futuros a ser


hipoteticamente preservados noutras situações jurídicas,
não abrangidas pela decisão. Ora o bloqueamento da
produtividade da lei numa dada situação singular, sem que
essa produtividade seja posta em causa nas restantes
situações consiste numa situação de ineficácia jurídica
concreta. E se é certo que três declarações concretas de
inconstitucionalidade do mesmo ato podem justificar, 117
oficiosamente ou por iniciativa do Ministério Público, uma
declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória
geral (artigo 280.º, n.º3 CRP e 82 LTC) esta declaração já
ocorre, não em sede de controlo subjetivo, mas no âmbito
do controlo abstrato sucessivo. Trata-se de uma solução
que foi classicamente admitida por Marcello Caetano e por
Marcelo Rebelo de Sousa, antes de este último autor alterar
a sua posição em favor da construção de Miguel Galvão
Teles que criticara a posição do primeiro autor. Importa,
ainda assim, esclarecer, que não se considera nestas linhas,
a ineficácia como um desvalor a se do ato inconstitucional.
O desvalor do ato julgado inconstitucional em fiscalização
concreta consiste na invalidade, nos termos do artigo 3.º,
n.º3 CRP. Só que a mesma invalidade em Direito
Constitucional, tal como sucede com a invalidade em
Direito Civil e Direito Administrativo, pode ser servida não
por uma, mas por várias formas de sanção, e uma destas
formas é, em fiscalização concreta, a privação de eficácia,
que opera com efeitos sancionatórios retroativos. No
Direito Constitucional positivo, a mesma diversidade
sancionatória é medida, não em razão do vício mas pela
natureza do processo de controlo e dos seus efeitos
específicos. Enquanto na fiscalização abstrata sucessiva, os
efeitos previstos no artigo 282.º cominam a nulidade para o
ato julgado inconstitucional, na fiscalização concreta, a não
aplicação do ato inconstitucional na situação em
julgamento traduz-se no bloqueamento da respetiva
eficácia na situação sub iuditio. Trata-se de uma opção
consentânea com a noção de invalidade a qual é adaptada
à natureza do processo de fiscalização concreta: no controlo
incidental, o ato inconstitucional e inapto para a produção
dos seus efeitos jurídicos, já que os mesmos estão
bloqueados na situação singular que é abrangida pela
decisão de inconstitucionalidade. De uma argumentação
virtualmente contrária à solução adotada podemos
configurar, de entre várias, quatro objeções:
i. Uma primeira, solda-se às construções doutrinárias
que ligam, essencialmente, a sanção da ineficácia a
“certas irregularidades” de atos normativos que
reúnem «todos os requisitos exigidos para a sua

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perfeição». O mesmo entendimento conecta na


teoria administrativa a ineficácia de um ato «não
aos requisitos de validade, mas aos requisitos
necessários à idoneidade do ato para produzir
efeitos jurídicos», realidade passível
eventualmente de transposição para o domínio
constitucional. Só que não se considera, em
primeiro lugar, que a ineficácia na ordem 118
constitucional constitua, necessariamente e
sempre, uma sanção em sentido próprio. Veja-se o
caso da paralisação de eficácia, como efeito de
determinado tipo de antinomias normativas
ocorridas entre normas de densidade idênticas em
esferas de exercício de competências
concorrenciais, alternadas ou paralelas. A aplicação
preferencial de uma lei especial sobre uma lei geral,
em caso de colisão, implica a ineficácia da lei
preferida. Do mesmo modo, a preferência de um
Regulamento Comunitário ou de um Tratado sobre
uma disposição de Direito ordinário interno,
supõem igualmente a ineficácia deste último. A
suspensão de eficácia de um ato normativo
mediante outro sucessivo que lhe determine
expressamente esse efeito, tão pouco resulta ser
obrigatoriamente uma sanção. Finalmente, uma lei
perfeita, mas não publicada, não é sempre definível
como uma lei irregular, mas sim como um ato
legislativo juridicamente perfeito que aguarda
publicação como requisito da sua eficácia, podendo
essa pausa durar um espaço de tempo maior ou
menor. Apenas se for aplicada sem ter sido
publicada, ou se for aplicada durante a vacatio,
seria possível falar em ineficácia como sanção,
relativamente aos efeitos que tenha facticamente
produzido. Em segundo lugar, no que concerne ao
Direito Administrativo, existem exceções ao
entendimento doutrinário exposto que dissocia a
ineficácia de um ato da não observância dos seus
requisitos de validade. Trata-se de um controlo
preventivo de legalidade cujo efeito é a ineficácia
da norma. Daqui resulta que a privação de eficácia,
geral ou particular, de um ato pode em Direito
Público assentar numa pluralidade de fundamentos,
dos quais se não exclui a sanção de normas
inválidas, porque feridas de inconstitucionalidade,
sobretudo quando essa paralisação subjaz aos
efeitos da desaplicação in caso de uma norma
inconstitucional;

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ii. Outra perspetiva diversa é aquela que considera,


enfaticamente, que é liminarmente de afastar a
possibilidade de a inconstitucionalidade de uma lei
acarretar a sua ineficácia, já que sendo a
Constituição o fundamento da ordem jurídica,
nenhum ato poderá subsistir se lhe não for
conforme. As normas constitucionais não seriam
elementos externos à lei e os seus imperativos não 119
se traduziriam em simples requisitos de eficácia,
como determinaria o artigo 3.º, n.º3 CRP. Não se
contesta a ideia segundo a qual uma norma que
seja questionada por via principal num processo de
controlo abstrato de constitucionalidade não deve
subsistir se uma jurisdição concentrada a declarar
inconstitucional, num juízo definitivo proferido com
força obrigatória geral. Se se cria um processo de
fiscalização que tem como seu objeto principal a
eliminação das as normas inconstitucionais do
ordenamento independentemente da sua
aplicação a situações singulares, que sentido faria
paralisar apenas os seus efeitos? Que interesse
teria constelar o ordenamento de normas
inconstitucionais congeladas na sua eficácia? O
mesmo se não passa, contudo, na fiscalização
concreta. Se, como sucede em certos
ordenamentos, depois do juiz a quo suspender o
processo, o Tribunal Constitucional julgasse a
norma inconstitucional com força obrigatória geral,
aceitar-se-ia a tese da nulidade, dado que a
aplicação da regra inconstitucional deixaria de se
colocar no ordenamento. Contudo, no
ordenamento português, a norma pode ser
aplicada e desaplicada numa pluralidade de
tribunais e, só depois de três juízos concretos de
inconstitucionalidade proferidos pelo Tribunal
Constitucional é que o mesmo ato pode
eventualmente ser declarado inconstitucional com
fora obrigatória. A declaração de inconstitucional
com força obrigatória como consequência da
repetição do julgado não é automática, emergindo,
sim, como uma possibilidade que cabe, em termos
de legitimidade ativa, ao Ministério Público ou aos
juízes do Tribunal. Isto significa que, em situações
melindrosas, se podem suceder mais de três juízos
de sentido divergente proferidos pelo Tribunal
Constitucional sobre a constitucionalidade da
norma. Ora, a ausência de definitividade no
julgamento proferido em fiscalização subjetiva e o

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facto de o mesmo não precludir a produtividade da


norma em outras situações, converte a tese da
«nulidade proferida em concreto», numa ficção, já
que é a privação de eficácia da norma o efeito que
resulta de cada decisão que a desaplica. Ademais,
se volvidos um ou dois juízos concretos de
inconstitucionalidade do mesmo ato, o Tribunal
Constitucional alterar a sua orientação 120
jurisprudencial passando a sufragar a tese da não
desconformidade da norma com a Constituição,
onde se queda a nulidade ipso iure e o regime
meramente declarativo deste última? Se as duas
decisões anteriores que julgaram a noma
inconstitucional fizeram caso julgado, quanto à
questão de constitucionalidade, nos processos em
que foram proferidos, mas a mesma norma passar
a ser estimada como conforme à Constituição em
decisões ulteriores, continuando aquela a produzir
os seus efeitos, como será possível considerar que
a nulidade se constituiu desde a origem da norma?
Que as decisões do Tribunal Constitucional se
limitaram a declará-la? E que a norma
inconstitucional é totalmente produtiva? Na
verdade, quando o Tribunal Constitucional julga
uma norma inconstitucional, em concreto, a sua
decisão constitui a invalidade da norma, apenas e
tão só naquele caso e, apenas, volvidas três
decisões desta natureza, existirão fundadas razões
para que o mesmo Tribunal poder oficiosamente
considerar que se verificou desde a sua origem, ou
desde a superveniência de uma lei e revisão
constitucional, uma nulidade, a qual carece ser
declarada erga omnes. É obvio que os imperativos
constitucionais não são externos à lei e não se
revelam meros requisitos da sua eficácia. E por isso
mesmo é que existe no ordenamento um processo
de fiscalização abstrato sucessivo da
constitucionalidade que se destina a purgar do
ordenamento os atos inválidos e a eliminar os
efeitos por ele produzidos no passado. Só que esse
processo coexiste com outros, em que a decisão
positiva sobre a invalidade da norma se esgota na
sua inaplicabilidade, como é o caso da fiscalização
concreta. O objeto deste processo não é destruir a
norma inválida, mas apenas bloqueá-la e permitir a
eliminação dos efeitos que esta produza em
situações jurídicas específicas. A invalidade julgada
em concreto tem, assim, um efeito limitado de

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desaplicação e de repressão a efeitos singulares


que não colocam imediatamente em causa a
permanência da norma no ordenamento, embora
disponha de uma comunicabilidade com processos
de fiscalização que permitem questionar, com
definitividade, essa permanência. Em suma, a
invalidade exprime-se em razão do processo, em
vários idiomas sancionatórios, dotados de 121
intensidades diversas;
iii. É certo que se pode contra argumentar que, depois
de uma decisão concreta de inconstitucionalidade
proferida pelo Tribunal Constitucional, o tribunal a
quo que tenha proferido uma decisão aplicativa da
mesma norma, se verá constrangido a reformar a
decisão precedente, eliminando no caso concreto
os efeitos da norma inconstitucional. Importa a este
respeito subdistinguir a decisão de
inconstitucionalidade, que nos ocupa, de reforma
da decisão que dela resulta. A decisão proferida
pelo Tribunal Constitucional consome-se com o
juízo de inconstitucionalidade, com a desaplicação
da norma inconstitucional ao caso concreto e com
a repristinação do Direito revogado pelo ato
inconstitucional (a qual constitui um imperativo
lógico-sistemático de completude do ordenamento,
como forma de evitar lacunas e se baseia no regime
do artigo 282.º, n.º1, o qual se deve aplicar a todos
os processos em que uma norma seja julgada
inválida). É nesta sede que se exprime a sanção de
ineficácia e as suas consequências complementares.
O Tribunal a quo extrairá dessa desaplicação as
necessárias consequências: aplicará o Direito
repristinado, bloqueará potenciais efeitos da
norma inválida ou eliminará os que se já tenham
produzido em concreto. Trata-se, contudo, de
consequências produzidas no âmbito do processo
principal que já excedem a decisão concreta de
inconstitucionalidade e que só podem interessar ao
Tribunal Constitucional em sede de execução
devida ou indevida do julgado. Na verdade, o que
determina o princípio da constitucionalidade é a
eliminação dos efeitos produzidos por norma
inconstitucional julgada inválida num caso concreto,
não relevando o instituto sancionatório convocado
pelo tribunal a quo para proceder a essa eliminação ,
contanto que o mesmo não consista na
anulabilidade, já que esta permitiria uma
convalidação de efeitos, realidade que o mesmo

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princípio não admite. Poderá, ainda assim,


questionar-se se, declarada a inconstitucionalidade
em concreto de uma norma, a eliminação ex tunc
de um ato administrativo praticado à sua sombra
pelo tribunal a quo se mostra consentânea com a
tese da paralisação de eficácia da norma principal.
A resposta é positiva. Em geral, a ineficácia de uma
norma não é incompatível com a eliminação ex tunc 122
de efeitos que tenha produzido. O tribunal a quo
julgará consequencialmente inválido o ato de
aplicação, determinando ex tunc a improdutividade
dos seus efeitos. Embora a privação de eficácia
possa ser, portanto, a sanção apta a produzir os
referidos efeitos, considera-se que, neste campo,
poderá valer o que for a esse propósito disposto no
Direito correspondente ao processo principal,
contanto que se registe a eliminação das
consequências jurídicas do ato de aplicação inválido.
c. Síntese sobre as características próprias da sanção de
privação de eficácia: importa reter que a privação de
eficácia como sanção de invalidade em processos de
fiscalização subjetiva é caracterizada por especialidades
próprias: tem efeitos principais inter partes sem prejuízos
de produzir efeitos processuais reflexos de caráter mais
amplo; opera retroativamente relativamente a todas as
situações praticadas à sombra da norma inconstitucional
desde que se registou a colisão; implica a repristinação do
Direito revogado pela norma desaplicada; pode assumir
natureza parcial quanto aos respetivos efeitos
sancionatórios; supõe limites quanto à legitimidade e
termos da sua invocação bem como ao prazo de
interposição de recurso correspondente; carece ser
declarada por órgãos jurisdicionais; e pode implicar o
despotenciamento de alguns dos seus efeitos
sancionatórios por razões de segurança jurídica e equidade.

3.º A irregularidade:
Conceito: a irregularidade na ordem constitucional portuguesa é um valor
negativo impróprio, porque se traduz numa reação referencial do ordenamento que, não só
restringe a atos inconstitucionais que enfermem de vícios orgânicos e formais de caráter não
essencial, mas que também se encontra desprovida de efeitos sancionatórios que impeçam os
mesmos atos de produzir consequências jurídicas. A existirem sanções, estas assumem caráter
reflexo, não se repercutindo-se sobre o ato mas sim, em tese, sobre os seus autores, a nível de
responsabilidade política ou disciplinar.

Fundamento e regime jurídico:

a) Abrangência do instituto: a Constituição da República não acolhe


explicitamente a figura da irregularidade para uma pluralidade de

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casos, embora a preveja para a situação específica do artigo 277.º,


n.º2. Daqui resultam duas teses relativamente ao alargamento da
figura:
a. Uma primeira, de caráter restringente, considera que o
instituto só existe quando expressamente previsto na
Constituição. Trata-se de uma afirmação que se presume
ser feita com uma intenção dogmática, embora os seus
autores não se tenham alargado na respetiva justificação; 123
b. Uma segunda posição, de caráter abrangente, aceita,
embora sem avançar uma ordem justificativa detalhada, o
alargamento, embora excecional, da figura, a outras
situações que não as exclusivamente previstas no artigo
277.º, n.º2.

Propugnamos por uma não circunscrição da irregularidade à


situação prevista no artigo 277.º, n.º2. Vejamos porquê:

a. Tal como observámos oportunamente, a invalidade


constitui o desvalor-regra do ato inconstitucional, pelo que,
tanto a inexistência como a irregularidade se conformam
como valores negativos excecionais. Ora, se a doutrina que
considera que a inexistência como desvalor mais grave, não
se restringe aos casos previstos expressamente na
Constituição, não se entende a razão pela qual ela não
admite idêntica solução para a irregularidade, como
desvalor menos grave. Se se admite que um desvalor com
consequências sancionatórias tão rigorosas como a
inexistência prolifere num conjunto de situações que
excedem a expressa previsão constitucional, por maioria de
razão se deveria defender idêntica solução para um
desvalor dotado de consequências sancionatórias nominais
ou referenciais. Isto, tendo sobretudo em conta o princípio
do aproveitamento dos atos jurídicos, o qual procura,
dentro do possível, ou reduzir vertical ou horizontalmente a
inconstitucionalidade à parte do ato por ela afetado,
salvando a parte não inquinada, ou desconsiderar a
relevância de vícios menores na produtividade do ato
inconstitucional. Não existe, na realidade, nenhum
imperativo dogmático visível que imponha que a
irregularidade só ocorra nos casos explicitados na
Constituição;

b. Na linha justificativa do princípio do aproveitamento dos


atos, a irregularidade logra, à luz do princípio da
proporcionalidade, evitar que vícios menores acarretem a
eliminação de uma norma e dos seus efeitos passados, com
manifesto e injustificado prejuízo para o legislador e os
destinatários do ato. É que, a irrelevância ou reduzida
expressão da ofensa ao ordenamento, perpetrada por vícios

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de reduzida gravidade, não justifica racionalmente o


excessivo do meio sancionatório utilizado, que derivaria da
aplicação automática do regime da invalidade previsto no
artigo 282.º à norma inconstitucional;

c. A teleologia do sistema da fiscalização da


constitucionalidade no ordenamento português não admite,
contudo, a possibilidade de se instituir um sistema de 124
controlo que permite a declaração da inconstitucionalidade
sem efeitos sancionatórios, tal como sucede na Alemanha.
É certo que o desvalor da irregularidade acaba por
comportar efeitos semelhantes, mas os seus fundamentos
radicam em pressupostos bem mais circunscritos, em razão
da excecionalidade da figura posicionada, em face da regra
geral do desvalor centrado na invalidade. Não seria
aceitável que, por fluidez excessiva de pressupostos, a
manipulação de sentenças da Justiça Constitucional
alcançasse o universo desse desvalor de intensidade menor,
permitindo ao Tribunal Constitucional, por razões de
segurança jurídica, equidade ou mesmo de mérito,
convalidar qualquer tipo de vícios através do apelo à figura
cómoda da irregularidade. Implantar-se-ia aqui o instituto
previsto no Direito alemão sem credencial constitucional
habilitante. Assim sendo, considera-se que, por identidade
de razão, os pressupostos da irregularidade em situações
não previstas na Constituição devem ser, com as necessárias
adaptações, análogos àqueles que se encontram presentes
no artigo 277.º, n.º2, o único caso de irregularidade explícita
enunciada no texto constitucional.

b) Pressupostos da irregularidade:

a. Vício orgânico e formal que não fira pressupostos ou


elementos essenciais do ato: de acordo com o artigo 277.º,
n.º2 os vícios que predicam a irregularidade do tratados
devidamente ratificados são vícios orgânicos e formais.
Daqui deriva que uma norma materialmente
inconstitucional não pode ser julgada irregular, o que
parece implicar uma opção clara do ordenamento por uma
sanção das inconstitucionalidades materiais em sede de
invalidade. A inconstitucionalidade material nem é tão
objetificável e preclusiva da identificabilidade da norma que
dela enferma que possa justificar a inexistência, nem tão
pouco relevante que possa continuar no ordenamento a
produzir os seus efeitos, mediante um status de mera
irregularidade. Determina o mesmo preceito constitucional
que os vícios orgânico e formais não podem afetar
disposições fundamentais. Trata-se, deste modo, de
deformidades de menor gravidade, devendo a respetiva

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graduação, em razão do caráter excecional do desvalor em


estudo, assumir necessariamente um caráter objetivo.
Nestes termos, não é aceitável falar em irregularidade se
forem afetados pressupostos competênciais e elementos
formais de caráter essencial de um ato;

b. Interesse público na subsistência do ato: para que se


convoque a irregularidade como desvalor do ato 125
inconstitucional, necessário que haja interesse público em
conservar a norma no ordenamento. É nesta sede que se
formula um juízo de proporcionalidade, o qual suponha
uma ponderação de bens que envolva, de um lado, o relevo
do vício e, de outro, o relevo da conservação da norma em
termos de tutela do referido interesse. De qualquer modo,
tal como observa certa doutrina o juízo incidente sobre o
grau de gravidade do vício é um juízo casuístico que envolve
sempre uma necessária ponderação entre a importância da
ofensa e o interesse público em fazer subsistir a norma ou
sancioná-la ao invés, em sede de invalidade;

c. Necessidade de declaração jurisdicional: a irregularidade


carece ser declarada por órgão judicial, não valendo nessa
qualidade se for exclusivamente aferida em sede legislativa
ou administrativa. A apreciação do controlo deve ocorrer
apenas em sede de fiscalização sucessiva, concreta ou
abstrata, devendo o ato dispor de todos os seus elementos
perfetivos essenciais, bem como os atinentes à publicidade.
Tal decorre, analogicamente, do disposto no artigo 277.º,
n.º2, que exige que os tratados “irregulares” se encontrem
regularmente ratificados, requisito que é livremente
transponível, no caso das leis, para a perfeição da
promulgação presidencial ou da assinatura do Ministro da
República. Dado que o instituto apenas pode operar em
sede de fiscalização sucessiva, aos requisitos expostos
devem juntar-se as exigências de referenda e publicação.
Sem prejuízo do que se acaba de referir, e diversamente do
que sucede com a invalidade (nas suas sancionatórias da
nulidade e ineficácia), órgão autor do ato não se encontra
inibido de sanar o vício através da prática de outro ato,
embora, em termos práticos, essa sanação tenha um
interesse reduzido.

c) Efeitos: a norma irregular não é objeto de uma sanção jurídica, ou


seja, pese a inconstitucionalidade de que enferma, não é objeto de
uma reação do ordenamento jurídico que a elimine ou que afete os
seus efeitos passados e futuros. Trata-se de um efeito geral que, a
atentar no disposto no artigo 277.º, n.º2 ocorre ope constitutione,
não se prevendo que uma sentença judicial modele as
consequências da irregularidade, mormente circunscrevendo-a a

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determinados efeitos passados, ou a determinados factos concretos.


A ausência de uma sanção dotada de efetividade que incida sobre a
norma aproxima o seu regime de outras situações afins, mas
justificadas em razões de ordem diversas, como é o caso dos casos
julgados imunizados dos efeitos ex tunc da nulidade, consequências
jurídicas restritivas manipulativas e os efeitos da
inconstitucionalidade por omissão, declarada nos termos do artigo
283.º CRP. 126

Espécies de irregularidade: no que respeita ao Direito Internacional Pública,


este tipo de desvalor, importa exprimir, sobre o mesmo regime, duas notas:

a) A primeira consiste na circunstância de que, aos pressupostos da


figura da irregularidade acresce a verificação do princípio da
reciprocidade, ou seja, o Tratado em questão deve ser aplicado na
ordem jurídica da outra parte, constituindo este atributo, um fator
de aferição do interesse público em salvaguardar a mesma
convenção, em relação aos efeitos que decorreriam da sua
submissão ao regime da invalidade;

b) A segunda questão tem a ver com a possibilidade do alargamento


do regime do artigo 277.º, n.º2 CRP aos acordos internacionais.
Durante muito tempo manifestámos uma opinião desfavorável ao
referido alargamento, dado o artigo falar em «tratados (…)
regularmente ratificados». Esta expansão supõe uma diferença de
regime em relação a convenções, que, como os acordos, não se
encontram sujeitas a uma ratificação presidencial, que é um ato
livre, mas sim a uma assinatura que, supostamente, constituiria um
ato vinculado. Os acordos não estariam assim, presentes, no âmbito
de previsão do preceito. Todavia, a evolução doutrinária e as
revisões constitucionais de 1989 e 1997 retiram sentido, pelo
menos em parte, a alguns aspetos atinentes à distinção entre
Acordo e Tratado no plano material. No que tange à evolução
doutrinária a este respeito diversos constitucionalistas consideram
hoje, como uma conduta constitucionalmente legítima a recusa de
assinatura de um acordo internacional pelo Presidente da República,
passado o regime da assinatura a seguir, em termos gerais, o da
ratificação dos tratados, bem como o da respetiva recusa. No que
concerne às revisões constitucionais, a Assembleia da República
com exceção do número circunscrito de matérias previstas no artigo
161.º, alínea i) CRP que integram a reserva necessária de Tratado,
pode aprovar convenções no âmbito da sua competência, quer sob
a forma de Tratado quer sob a forma de Acordo. Ora, podendo uma
dada matéria ser disciplinada tanto por uma como por outra forma
de convenção, não faz sentido que, ocorrendo um vício orgânico-
foral de menor gravidade, a convenção beneficie do regime da
irregularidade apenas se, por razões de solenidade ou de mera
conveniência, a Assembleia da República lhe conferir a forma de
Tratado. Por outro lado, não revestindo os tratados uma hierarquia

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superior aos acordos existindo acordos que tutelam matérias tanto


ou mais relevantes que outras disciplinadas em tratados, verifica-se
que as razões de interesse público que no âmbito da garantia do
princípio da reciprocidade jurídico-internacional e do pacta sunt
servanda permitem salvar da invalidade, um Tratado, devem
aplicar-se por identidade de razão a um Acordo. A tese ampliativa
da irregularidade que adotámos e que a maioria da doutrina parece
hoje aceitar, encontra na extensão proposta um espaço de 127
incidência útil que impõe uma interpretação evolutiva e atualista do
artigo 277.º, n.º2. Os exemplos de inconstitucionalidades orgânicas
suscetíveis de predicar o desvalor da irregularidade são escassos. Os
casos de irregularidade em sede de inconstitucionalidade formal
são mais numerosos. Assim, a não audição das regiões autónomas
pelos órgãos de soberania, relativamente a questões da sua
competência que respeitem de algum modo às mesmas regiões e
que sejam disciplinadas num ato normativo soberano (artigo 266.º,
n.º2 CRP) poderá em certos casos não gerar invalidade,
nomeadamente em situação fundada urgência e se a matéria,
embora se repercuta na região, se projete diretamente nos
interesses objetivos de todos os cidadãos.

Convocação do instituto pela jurisprudência constitucional: a irregularidade


não logrou ultrapassar no sistema português de fiscalização da constitucionalidade, o seu limbo
teorético. Na verdade, desde a instituição do Tribunal Constitucional até ao ano de 2006, o órgão
superior da Justiça Constitucional não convocou a figura. Relativamente a deformidades de
menor expressão, o Tribunal Constitucional ou se abstém de tomar conhecimento das mesmas,
ou as tem por irrelevantes para efeitos de uma decisão de inconstitucionalidade, ou, em casos
de maior evidência do vício, opta por declarar a inconstitucionalidade com restrição total de
efeitos sancionatórios dotados de eficácia retroativa.

Secção II – Efeitos dos Tratados em relação a terceiros60

Terceiros Estados e Estados parte: segundo o artigo 2.º, n.º1 CVDT


«g) a expressão “parte” designa um Estado que consentiu em estar vinculado
pelo tratado e para o qual o tratado se encontra em vigor;»
»h) a expressão “terceiro Estado” designa um Estado que não é parte no
tratado».
Esta dicotomia nítida entre as qualidades de terceiro Estado parte, por justificada que
seja em regra, revela-se por vezes difícil de aplicar. Se não existe dúvida de que um
Estado, que exprimiu pela adesão o seu consentimento em estar vinculado por um
Tratado cujo texto foi adotado quando das negociações em que não participou deixa de

60
Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação Calouste Gulbenkian, 4.ª
Edição 1992; pp. 219

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ser um terceiro Estado para se tornar um Estado parte, noutras hipóteses põem-se
problemas mais embaraçantes. De um modo geral, um Estado que garante a execução
de um Tratado no qual ele não é parte, será verdadeiramente um terceiro Estado? A
distinção revela-se particularmente mal adaptada ao desenvolvimento da prática
convencional das Organizações Internacionais: os Estados membros de uma organização
serão terceiros ou partes nos Tratados concluídos por ela? Não deverá reconhecer-se
que estes Tratados são, pelo menos, oponíveis aos Estados membros da organização, 128
mesmo quando estes não são formalmente partes neles? Na verdade, se esta hipótese
tende a multiplicar-se, ela não é totalmente inédita; e o Direito internacional clássico
teve de conciliar um princípio – o do efeito relativo dos Tratados – e as suas exceções.

1.º - Princípio da relatividade dos Tratados

Positividade do princípio: a jurisprudência internacional e a prática dos Estados convergem


no reconhecimento de que os Tratados não podem produzir efeitos em relação a terceiros
Estados. Codificando um costume, tão clara como unanimemente afirmado, a Conferência de
Viena adotou, sem dificuldade, a seguinte disposição:

«Um tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o
consentimento deste último».

Fundamento e significação:
1.º Na doutrina nem uma só voz se eleva contra o princípio em sim, mas, para
explica-lo, duas teses principais se encontram em presença. Segundo a teoria voluntarista, a
relatividade dos Tratados é incontestável porque se baseia simultaneamente na soberania, na
independência, na igualdade dos Estados e na natureza contratual do Tratado. Ela não é mais
do que a transposição, para o Direito dos Tratados, da regra tradicional da relatividade dos
contratos. G. Scelle propõe outra explicação, chegando ao mesmo resultado prático. Na sua
opinião, o tratado não é um contrato entre as partes, mas a sua lei comum; todavia, esta lei só
se aplica à sociedade internacional por elas concluída, excluindo os Estados estranhos essa
sociedade. Para mais, agindo nessa qualidade, os governantes estatais não possuem qualquer
poder, conferido por Tratado ou por qualquer outro modo, de dispor quer da competência, quer
dos direitos de terceiros. Só esta explicação objetivista é compatível com certas exceções ao
princípio. Os conceitos de soberania e de igualdade, enquanto fundamentos da regra da
relatividade, devem evidentemente postergar-se no que respeita aos Tratados concluídos pelas
organizações internacionais. Não há, porém, razão para aceitar uma exceção à regra no caso
destes Tratados: as organizações são sujeitos de Direito Internacional e, a este título, estão
subordinadas ao consensualismo convencional.

2.º Quando ao significado do princípio, ele resulta da máxima bem conhecida: pacta
servatiis nec nocente nec prosunt: os acordos não podem nem impor obrigações a terceiros, nem
conferir-lhes direitos. Tais são os dois aspetos do princípio confirmados por uma jurisprudência
abundante e constante.

a) Nada de obrigações a cargo de terceiros Estados;

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b) Nada de direitos a favor de terceiros Estados: segundo esta fórmula, nenhum


Estado pode fazer-se valer das disposições de um Tratado no qual não seja parte.

2.º - Exceções à relatividade dos Tratados

129
A – Aplicação dos Tratados a terceiros Estados com o seu consentimento

I – Tratados que criam obrigações para terceiros Estados

Técnica do acordo colateral: tirando as consequências lógicas do artigo 34.º CVDT, o artigo
35.º CVDT dispõe:

«Uma obrigação nasce para um terceiro Estado de uma disposição de um Tratado,


se as partes nesse Tratado entenderem criar a obrigação por meio dessa disposição e se o
terceiro Estado aceitar expressamente por escrito essa obrigação».

Resulta deste artigo que a obrigação visada não se impõe ao terceiro Estado em virtude do
Tratado inicial em que não é parte, mas em virtude de um acordo entre ele, por um lado, e o
grupo dos Estados partes no Tratado inicial, pelo outro. Este acordo em que o terceiro Estado é
parte, reconhecido pela Comissão de Direito Internacional como sendo a «base jurídica» da
obrigação que incumbe doravante a esse Estado, designa-se acordo colateral. Durante os
trabalhos preparatórios, a Comissão de Direito Internacional insistiu firmemente sobre a
impossibilidade para um Tratado criar obrigações a cargo de terceiros Estados, princípio que ela
considerava como um dos bastiões da independência e da igualdade dos Estados. Este restrito
voluntarismo é igualmente reforçado pelo artigo 37.º, n.º1 CVDT, segundo o qual:

«Nos casos em que uma obrigação tenha nascido para um terceiro Estado, de acordo
com o artigo 35.º, essa obrigação só pode ser modificada ou revogada através do consentimento
das partes no tratado e do terceiro Estado, a menos que se estabeleça terem convencionado
diversamente.»

Poucos precedentes ilustram estras regras de tal mo a situação que elas visam é excecional. De
resto, no final de um debate confuso, um aditamento ao artigo 74.º da Convenção veio
esclarecer que as suas disposições «não prejudicam nenhuma questão que possa surgir em
relação à criação de obrigações e direitos de Estados membros de uma organização
internacional em virtude de um tratado de que essa organização seja parte».

II – Tratados que criam direitos para terceiros Estados

Cláusulas da nação mais favorecida: suponhamos que dois Estados, o Estado A e o Estado B
concluem entre si um Tratado sobre tarifas aduaneiras aplicáveis aos produtos importados,
provenientes dos respetivos territórios. No Tratado A-B é inserida uma cláusula segundo a qual,

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com ou sem condições, com ou sem reciprocidade, um deles beneficiará de qualquer tarifa mais
favorável que o outro poderia ulteriormente conceder, noutro Tratado, a um terceiro Estado C.
Consequentemente, se este Tratado A-C, mediante o qual A (Estado concedente) concede a C
vantagens superiores às que inicialmente reconheceu a B no Tratado A-B, for efetivamente
concluído, B (Estado beneficiário) beneficiará automaticamente destas novas vantagens, sendo-
lhe aplicado o Tratado A-C, se bem que seja Estado terceiro, isto em virtude da cláusula contida
no tratamento primitivo A-B e na qual já consentira. Assim, é por esta cláusula chamada
«cláusula de nação mais favorecida» que os Tratados podem criar direitos a favor de Estados 130
terceiros no respeito pela soberania e sem que seja violada a conceção contratualista. É o que
exprime o artigo 5.º do projeto de artigos adotado sobre este assunto pela Comissão de Direito
Internacional, em 1978:

«O tratamento da nação mais favorecida é o tratamento concedido pelo Estado


concedente ao Estado beneficiário (…) não menos favorável do que o tratamento pelo Estado
concedente a um terceiro…»

Segundo o Tribunal Internacional de Justiça, para que a cláusula produza efeitos, é necessário
que os dois Tratados incidam sobre a mesma matéria. Estes princípios são confirmados pelo
projeto de artigos da Comissão de Direito Internacional, sobre a cláusula da nação mais
favorecida. São, além disso, resolvidas certas dificuldades políticas encontradas na prática: ora
de maneira explícita, ora de maneira implícita, o projeto consagra uma interpretação bastante
liberal da cláusula. Na prática, os Estados recorreram à cláusula bastante cedo, antes do
aparecimento dos tratados multilaterais com vista, precisamente, a estenderem o campo de
aplicação das regras bilaterais. Prevista, primeiro nos Tratados económicos e depois noutros
Tratados, tais como as convenções de estabelecimentos e as relativas aso privilégios e
imunidades consulares, aquela cláusula desempenhava assim o papel de um processo de
unificação do Direito. O Tribunal Internacional de Justiça reconhece que ela permite
«estabelecer e manter permanentemente a igualdade fundamental e se discriminações entre
todos os países interessados». Nos nossos dias, apesar da multiplicação dos Tratados
multilaterais, esta prática mantém-se e com o mesmo objetivo, porque, em numerosos casos,
as matérias supracitadas continuam a ser reguladas por meio de acordos bilaterais. A
experiência prova, contudo, que a utilização da nação mais favorecida só é concebível nas
relações entre Estados previamente unidos por qualquer solidariedade particular. Daí resultam
sérias dificuldades para a sua aplicação quando está incluída num Tratado multilateral aberto. A
heterogeneidade crescente das relações comerciais internacionais devidas à multiplicação das
zonas preferenciais (designadamente uniões aduaneiras) e dos países independentes em vias de
desenvolvimento, obriga a encarar uma verdadeira “explosão” da cláusula da nação mais
favorecida.

Estipulação a favor de outrem: a estipulação a favor de outrem é uma técnica do Direito


contratual interno, pela qual as partes de uma Convenção enunciam uma promessa cujo
beneficiário é um terceiro. Será esta instituição recebida em Direito Internacional? Em caso
afirmativo, será necessário, para produzir os seus efeitos, o consentimento do beneficiário, para
começar a usufruir do direito estipulado em seu favor na data desse consentimento e não na da
conclusão do Tratado que contém aquela estipulação? Terá o beneficiário direito à manutenção
deste último Tratado, no qual não é parte, enquanto não tiver consentido na sua ab-rogação? O
número e o alcance destas questões mostram, uma vez mais, que não se pode transpor pura e
simplesmente uma regra interna para a ordem internacional. O Tribunal Internacional de Justiça
declarou, no seu acórdão de 7 de julho 1932:

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«Não se poderia facilmente presumir que tivessem sido adotadas estipulações


vantajosas para um terceiro Estado com o fim de criar um verdadeiro direito a seu favor. Contudo,
nada impede que a vontade dos Estados soberanos possa ter esse objetivo e esse efeito. A
existência de um direito adquirido em virtude de um ato concluído por outros Estados é, pois,
uma questão específica; trata-se de verificar se os Estados que estipularam a favor de um outro
Estado tencionavam criar para ele um verdadeiro direito aceite como tal por este último».

Toda a teoria da estipulação a favor de outrem resulta desta passagem. O Tribunal não exclui a 131
estipulação a favor de outrem e subordina a sua validade ao consentimento do terceiro Estado.
Ao utilizar a expressão “direito adquirido”, deixa supor que este não pode desaparecer sem o
consentimento do beneficiário. Aliás, o Tribunal julgou expressamente neste sentido. Através
de duas das suas disposições, a Convenção de Viena confirmou inteiramente a solução do
acórdão. De acordo com o seu artigo 36.º

«Um direito nasce para um terceiro Estado de uma disposição de um Tratado, se as


partes nesse Tratado entenderem, por essa disposição, conferir esse direito, quer ao Estado
terceiro, quer a um grupo de Estados a que ele pertença, quer a todos os Estados, e se esse Estado
terceiro o consentir. Presume-se o consentimento enquanto não haja indicação em contrário, a
menos que o tratado disponha diversamente.»

O artigo 37.º, n.º2, acrescenta:

«No caso em que um direito tenha nascido para um terceiro Estado, de acordo com
o artigo 36.º, esse direito não pode ser revogado ou modificado pelas partes, se se concluir que
era destinado a não ser revogável ou modificável sem o consentimento do terceiro Estado.»

Resulta destas disposições que a exigência do consentimento do terceiro Estado é menos


rigorosa no campo de Tratados que criem em seu proveito do que naqueles que originem
deveres a seu cargo.

B – Aplicação dos Tratados a terceiros Estados sem o seu consentimento

Evolução dos processos: a existência das Tratados que produzem efeitos não só em
relação a alguns terceiros Estados, mas também em relação a «todos os Estados» já não
é contestável. O artigo 36.º CVDT implica-o. O Tribunal Internacional de Justiça verifica-
a. Mas qual é a base jurídica destes Tratados? Procurou-se fundamentar a extensão dos
efeitos de certos Tratados a terceiros no princípio – consagrado na Convenção de Viena
no artigo 38.º - segundo o qual uma regra enunciada num Tratado pode tornar-se numa
norma consuetudinária obrigatória para os Estados não parte nesse Tratado. Este
raciocínio é comodo, permitindo harmonizar algumas realidades com a teoria
voluntarista por pouco que se acompanhe com a identificação do costume a um acordo
tácito. Mas o raciocínio é pouco convincente, por não explica porque é que os direitos e
obrigações resultantes de certos Tratados, como os relativos às vias de comunicação
internacional, são aplicáveis imediatamente a todos, enquanto a formação do Direito
consuetudinário é espontânea mas não instantânea. Na medida em que, no estrito
Direito positivo, estes direitos e obrigações convencionalmente previstos são oponíveis

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aos terceiros Estados sem o seu consentimento, é forçoso admitir que o voluntarismo e
o interestadualismo são vivamente atacados. O jurista já não pode senão verificar a
passagem ao superestadualismo, mesmo que seja apenas implícito, empírico e
fragmentário. Só esta explicação é conforme à natureza das coisas. Hoje como ontem,
um grupo mais ou menos vasto de Estados está em condições, em nome do interesse
geral da comunidade internacional, de estabelecer, por via convencional, regras de que
ninguém negará o valor “universal”. Numa sociedade pouco organizada e dominada por 132
alguns grandes Estados, este fenómeno correspondia abertamente a um “Governo
internacional de facto” de tipo oligárquico. Na sociedade internacional atual, em que é
difícil opor-se à lei do número e em que os areópagos universais (conferências,
organizações internacionais) usam processos “quase legislativos”, o mesmo resultado
será procurado, de modo hipócrita ou sincero, em nome da “comunidade internacional”:
a técnica dos acordos abertos à quase totalidade dos Estados fornece um aparato
jurídico a um consenso efetivamente quase universal ou à vontade das grandes
potências. O fenómeno não se limita à edição de normas respeitantes às relações
interestatais. Podemos observá-lo igualmente no funcionamento das Organizações
Internacionais: é frequente encontrar, nos seus estatutos, cláusulas de revisão ou de
emenda cuja entrada em vigor exige a unanimidade dos Estados membros (artigos 108.º
e 109.º da Carta da O.N.U.). Os Estados minoritários só podem escolher entre aceitar ou
deixar a organização. A única diferença em relação à hipótese geral é que aqui a exceção
ao princípio da relatividade dos Tratados é inconsituticionalizada e antecipadamente
aceite por todos os Estados membros; mas é difícil falar de um “consentimento” dos
Estados minoritários à sorte que lhes está reservada. Seria mais exato considerar que se
presume que o grupo maioritário traduz a vontade da “comunidade internacional”. O
problema põe-se da mesma maneira no que respeita às resoluções das organizações
internacionais. Afirmar a existência de um poder internacional de Direito não deixa de
ter os seus perigos para as soberanias nacionais, na ausência de um acordo sobre os
critérios de maioria ou de quase unanimidade que permitiriam considerar oponível erga
omnes um regime convencional. Vimos que a Convenção de Viena não resolvera este
problema o que diz respeito às normas de ius cogens de origem convencional.
Relativamente às disposições da Carta das Nações Unidas, parece mais prudente deduzir
a sua obrigatoriedade em relação aos Estados não membros, pois elas tornaram-se hoje
normas consuetudinárias.
Campo de aplicação e alcance dos Tratados:
1.º Criação de situações “objetivas”: tal foi durante muito tempo o objeto
essencial dos atos concertados cujo respeito pelo conjunto dos Estados as grandes
potências tentaram obter. Como lembrava a comissão de juristas consultada pelo
Conselho da Sociedade das Nações a propósito das Ilhas Aaland: «As Potências
procuraram, com efeito, em numerosos casos desde 1815 e designadamente quando da
conclusão do Tratado de Paris estabelecer um verdadeiro direito objetivo, verdadeiros
estatutos políticos cujos efeitos se fazem sentir mesmo fora do círculo das partes
contratantes». Estavam em causa, a maior parte das vezes, regimes de neutralização, de
desmilitarização e de livre navegação das vias fluviais ou marítimas de interesse

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internacional. Este processo não desapareceu das relações internacionais. O Tratado


sobre o Antártico de 1958 organiza a desmilitarização deste continente e manifesta a
sobrevivência da ideia de governo internacional de facto: teoricamente aberto à adesão
de todos os Estados, este Tratado mantém uma discriminação entre os Estados partes,
manifestamente destinada a permitir que um pequeno grupo de Estados conserve o
controlo do regime aplicável a essa zona, embora catorze Estados tenham igualmente
aderido. O efeito erga omnes de tais Convenções assenta na vontade e na capacidade 133
dos Estados partes de garantir o seu respeito pelos outros Estados. O critério da
efetividade predomina nesta hipótese. A antiguidade das situações estabelecidas, mas
também a sua conformidade aos princípios de Direito Internacional predominantes em
cada época, condicionam a manutenção daquelas Convenções nesta categoria
particular de Tratados: os avatares do regime jurídico do Danúbio ou do canal do
Panamá provam a dificuldade em estabelecer situações objetivas contra o desejo de
uma grande potência e a necessidade de adaptá-las às flutuações das relações de força
estratégica.
2.º Criação de entidades cuja existência é oponível a terceiros: uma parte da
doutrina considera que certos Estados são criados por um Tratado; este seria o caso da
Bélgica ou de certos Estados resultantes da descolonização (acordos de independência).
É certo que a existência de um Estado é um facto objetivo que se impõe a todos os
membros da comunidade internacional, mas é duvidoso que possa ter um fundamento
convencional. Em contrapartida, já é indiscutível que os Tratados constitutivos de
Organizações Internacionais, sobretudo universais, criam situações objetivas e
estabelecem normas de comportamento eventualmente oponíveis aos Estados não
membros. A primeira característica foi reconhecida expressamente pelo Tribunal
Internacional de Justiça no seu parecer de 11 abril 1949:
«Cinquenta Estados, representando uma larguíssima maioria dos membros
da comunidade internacional, tinham o poder, em conformidade com o Direito
Internacional, de criar uma entidade possuindo uma personalidade jurídica objetiva e
não simplesmente uma personalidade reconhecida só por eles».
O mesmo raciocínio pode valer para as outras Organizações universais e meso, de
maneira mais atenuada, para organizações regionais que beneficiem de
reconhecimento por parte de numerosos Estados não membros. Este esboço de um
poder internacional “de direito”, porque exercido por uma maioria de Estados,
repercute-se no alcance das normas contidas nas cartas constitutivas de Organizações
Internacionais: algumas delas têm um indiscutível alcance universal.

3.º Edição de normas com vocação universal: as características da sociedade


internacional contemporânea favoreceram a elaboração de Tratados “normativos”
portadores de duas espécies de violação, pelo menos aparente, ao princípio da
relatividade dos Tratados. Tal é o caso, em primeiro lugar, das convenções de
codificação. Sem dúvida, numa tal hipótese, somente a norma costumeira permanecerá
oponível aos Estados que não são partes no Tratado. Todavia, por comodidade, seremos
frequentemente tentados a recorrer à convenção para a formulação da regra. Pode

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frequentemente verificar-se um deslize tratando-se de convenções que misturam


codificação stricto sensu e desenvolvimento progressivo. Em segundo lugar, e a exceção
é então indiscutível, os Estados partes podem permitir-se exercer competências a
respeito de cidadãos de terceiros. Estados em situações em que, até ali, estes últimos
tinham uma competência exclusiva. Estão nesta situação certas convenções sobre a
proteção do ambiente marítimo.
134

Secção III – Interpretação dos Tratados

Noção de interpretação: o destino natural de uma regra de direito é ser aplicada às relações
sociais para as quais foi estabelecida. Como não podem prever antecipadamente todas as
situações concretas que forem submetidas ao seu poder, os autores desta regra deverão
proceder mediante disposições gerais. Em consequência, a formulação de qualquer norma
jurídica realiza-se, necessariamente, por diversos graus, através da abstração e da
conceptualização. Se este método se impõe e oferece, para mais, garantias sérias contra as
discriminações, mesmo involuntárias, cria em contrapartida uma tarefa suplementar para os
que estão encarregados da função de aplicação do direito. Com efeito, em virtude da
generalidade dos seus termos, é raro que uma regra de direito possa ser aplicada
automaticamente a um caso concreto. Para ter a certeza de que ela se aplica, e em que medida,
a esse caso concreto, é necessário, a maior parte das vezes, esforçarmo-nos por dissipar
previamente as incertezas e ambiguidades que ela encerra de maneira quase inevitável em
virtude daquela generalidade, a fim de lhe restituir o seu verdadeiro significado. Tal é a tarefa
da interpretação: consiste em evidenciar o sentido exato e o conteúdo da regra de direito
aplicável numa determinada situação. Assim definida e delimitada, a interpretação da regra de
direito ou de qualquer texto com força obrigatória é uma operação que tem de ser realizada
tanto na ordem internacional como na ordem interna. Porém, aplicam-se certas regras
específicas à ordem internacional. Impõe-se responder a duas questões: quem pode interpretar?
E como interpretar?

1.º - Competência para interpretar

Interpretação autêntica e interpretação fazendo fé: designa-se pela expressão


“interpretação autêntica” a que é fornecida diretamente pelas partes, por oposição à
interpretação não autêntica, fornecida por um terceiro. A interpretação autêntica não deve ser
confundida com a interpretação fazendo fé. No estado atual da sociedade internacional,
desprovida de autoridade, executiva e jurisdicional obrigatória, “o direito de interpretar
autenticamente uma regra jurídica pertence apenas àquele que tem o poder de a modificar ou
de a suprimir”, em aplicação do velho adágio ejus est interpretari cujus est condere. Contudo,
nada impede os Estados de recorrerem a um terceiro para interpretar o tratado no qual são
partes e, indo mais longe, de conferirem a esta interpretação um caráter obrigatório que, nesta
caso, fará fé.

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A – Interpretação autêntica

Interpretação unilateral: em virtude da sua soberania, cada Estado tem o direito de indicar o
sentido que dá aos tratados em que é parte, pelo que lhe diz respeito.

a) Na vida internacional corrente, os Estados são levados a dar numerosas


interpretações pela via diplomática. A propósito de cada problema concreto que 135
surge por ocasião da aplicação de qualquer tratado, os representantes de cada
parte dão a conhecer a maneira como interpretam as suas disposições. Mas o
Estado pode também dar conhecimento da interpretação do Tratado ou de
algumas das suas disposições, independentemente de qualquer dificuldade de
aplicação que tente assim prevenir, dando a conhecer previamente a sua posição,
quer durante a própria negociação, quer no momento em que exprime o seu
consentimento em estar vinculado;

b) Além disso, as autoridades nacionais são frequentemente levadas a interpretar os


Tratados em que o Estado é parte, quando surgem dificuldades de aplicação não
a esfera internacional, mas na ordem interna. Então o problema põe-se
principalmente perante o juiz interno. Todavia, segundo uma prática
internacional observada na maior parte dos Estados, as jurisdições nacionais
abstêm-se de interpretar elas próprias diretamente e solicitam um parecer oficial
ao Ministro dos Negócios Estrangeiros. Em princípio, elas não estão vinculadas
por este parecer: como habitualmente se conformam com ele, denunciou-se não
só a sua “timidez”, mas também a sua “docilidade” em relação ao poder executivo.
Na realidade – já o dissemos – esta atitude reservada dos tribunais internos
baseia-se no desejo de não obstruir a ação externa do Estado.

Podemos duvidar do caráter verdadeiramente autentico da interpretação unilateral:


emanando de uma só parte, não pode ser considerada como dada por aquele «que
tem o poder de modificar» a regra não é oponível aos outros Estados partes. Ela não
se reveste por isso de menor importância prática. Por um lado com efeito, em
conformidade com o princípio da boa fé, «a interpretação de instrumentos jurídicos
dada pelas próprias partes, se não é concludente para determinar o seu sentido, goza
contudo de um grande valor probatório quando esta interpretação contém o
reconhecimento por uma das partes das suas obrigações em virtude deste
instrumento»61. Por outro lado, pelo seu silêncio, até mesmo pela expressão do seu
acordo, as outras partes podem aceitar a interpretação assim apresentada; nesta
hipótese, a interpretação unilateral vai ao encontro da interpretação coletiva e
adquire um caráter autêntico indiscutível.

Interpretação coletiva:
1.º A interpretação realmente autêntica é a que corresponde a um acordo efetuado
entre todos os Estados partes do tratado. Este acordo reveste várias formas.

61
T.I.J., parecer consultivo de 11 julho 1950, Estatuto Internacional do Sudoeste Africano, Rec.., 1950, p.
135-136)

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a) Pode acontecer que, simultaneamente com a adoção do Tratado, os


Estados negociadores adotem em conjunto um outro texto interpretativo,
mas não é certo que sejam sempre assim. É sem dúvida preferível analisar
em cada caso os termos do instrumento interpretativo e as circunstâncias
da sua adoção para determinar a sua natureza: ora se trata de um acordo,
beneficiando da força obrigatória do Tratado ao qual adere, ora de um
simples ato concertado não convencional, tendo o valor probatório que se
atribui a um tal ato. 136

b) A mesma observação vale para os instrumentos interpretativos adotados


posteriormente ao Tratado. Muitas vezes, tomarão a forma de acordos em
forma simplificada concluídos segundo o processos breve, mesmo que o
Tratado de base se tenha revestido da forma solene. Contudo, é muitas
vezes difícil reunir, após a conclusão deste Tratado de base, o mesmo
número de Estados e sobretudo, obter de novo o seu acordo por trata-se,
de facto, de uma nova negociação. Se o acordo for obtido, é raro que não
se proceda ao mesmo tempo a algumas modificações do Tratado que
seriam difíceis de distinguir das disposições puramente interpretativas.
Admite-se que este acordo posterior possa ser tático e resultar das
práticas concordantes dos Estados ao aplicarem o Tratado. Esta fórmula
flexível apresenta vantagens, embora provoque frequentemente
contestações. O artigo 31.º CVDT coloca, aliás, sobre o mesmo plano a
interpretação por via de acordo e a que resulta da prática ulterior das
partes. Enfim, o próprio Tratado pode prever que, em caso de dificuldade,
o conjunto das partes (ou as que se opuserem) deverão reunir-se para
estabelecer o sentido das disposições obscuras ou problemáticas.
Frequentes nos Tratados bilaterais, tais cláusulas observam-se por vezes
em certas Convenções multilaterais.

2.º A interpretação coletiva pode realizar-se, também, por um acordo entre alguns
Estados partes no Tratado. Juridicamente, um acordo interpretativo inter se vincula apenas os
Estados que o aceitaram; possui um valor probatório menor do que o do acordo unânime e
levanta perante os Estados que não são parte nele, aos quais não é oponível, os mesmos
problemas que os suscitados pela interpretação unilateral: em caso de contestação, o único
recurso é aplicar as regras relativas aos Tratados sucessivos sem identidades de partes.

B – Interpretação não autentica

Interpretação por um juiz internacional: para evitar as dificuldades que podem suscitar a
interpretação pelas partes, a competência de interpretação pode ser transferida expressamente
para o juiz internacional (ou para o árbitro) por uma cláusula do Tratado. Em caso de silêncio
deste, aquela competência integra-se normalmente, tal como na ordem interna, na sua missão
geral de “dizer o direito”. Designadamente no que diz respeito ao Tribunal Internacional de
Justiça, o artigo 36.º do seu Estatuto dispõe que ele é competente para conhecer «todos os
diferendos de ordem jurídica relativos à interpretação de um Tratado».

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Interpretação por uma Organização Internacional: não se pode seriamente contestar a


competência dos órgãos não jurisdicionais das Organizações Internacionais para interpretar a
carta constitutiva, os Tratados que vinculam aquelas organizações e, eventualmente, os
Tratados invocados perante eles no âmbito das suas funções. Quando muito pode discutir-se a
extensão de tal competência e o alcance da interpretação assim formulada. Mesmo no silêncio
do Tratado de base, deve admitir-se uma competência implícita, bastante extensa para permitir
à organização cumprir a sua tarefa: a prática dos órgãos “políticos” da O.N.U. confirma
largamente esta opinião. Aliás, o Tribunal Internacional de Justiça não hesita em apoiar-se na 137

maneira como a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança interpretam a Carta. Alguns atos
constitutivos contêm disposições expressas, com vista a organizar um processo anterior ao
recurso para os órgãos arbitrais ou jurisdicionais, ou um processo “final” nos conflitos entre
Estados sobre o funcionamento dessas organizações. O recurso a órgãos intragovernamentais
pode parecer pouco satisfatório por duas razões: a interpretação dos Tratados faria prevalecer
as considerações políticas sobre os argumentos jurídicos e correr-se-iam riscos de interpretação
contraditória entre órgãos de uma mesma organização, na ausência de uma estrita hierarquia
os órgãos e de um recurso sistemático a um órgão jurisdicional. Se a primeira critica é muitas
vezes exata, ela não se aplica às Organizações Internacionais e não deve ser exagerada: quando
muito deve salientar-se que este modo de interpretação favorece a interpretação teleológica e
uma interpretação extensiva dos poderes dos órgãos envolvidos. Sobre este segundo ponto,
deve observar-se que, na prática, no âmbito da O.N.U. os conflitos de interpretação continuam
a ser excecionais e que a interpretação da Carta pela Assembleia Geral se impõe à maioria dos
órgãos por razões simultaneamente jurídicas e políticas. O alcance concreto das interpretações
apresentadas pelos órgãos não jurisdicionais varia em função da autoridade do órgão e da
possibilidade de recorrer ou não das suas decisões. Poderá admitir-se que estas interpretações
tenham “valor autêntico”, correndo o risco de ver a Carta constitutiva revista indiretamente?
Uma parte da doutrina responde negativamente em virtude do «princípio estabelecido segundo
o qual o direito de escolher uma interpretação que faça fé (authoritaritative) de uma norma
jurídica cabe apenas à pessoa ou órgão competente para a modificar ou a suprimir», o que não
é o caso, regra gera, quanto aos órgãos da Organização. Mas, na prática das Nações Unidas, em
conformidade com o critério proposto pela Conferência de São Francisco, admite-se que essa
interpretação terá força obrigatória se for «geralmente aceitável» pelos Estados membros. A
verdade é que subsistem divergências sobre o significado deste critério: o recurso ao “consenso”
satisfará esta exigência?

2.º - Métodos de Interpretação

Posição do problema: a interpretação é a lógica ao serviço do Direito. Quaisquer que sejam


as circunstâncias do caso, o intérprete deve basear o seu raciocínio num mínimo de regras
estáveis, que se qualificaram naturalmente de “máximas”, pois derivam da própria lógica. A
operação de interpretação é particularmente delicada em Direito Internacional, principalmente
porque os Estados – soberanos – entendem não estar comprometidos para além do que
verdadeiramente aceitaram. Consequentemente, a ideia fundamental é que a interpretação de
um Tratado tem por objetivo averiguar a vontade dos Estados partes. Esta é ditada pelo duplo
respeito da sua soberania e do princípio pacta sunt servanda. Ao mesmo tempo é compatível
com a teoria clássica inspirada na noção de contrato que, «conserva um valor de princípio

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inegável». Deve então dar-se prioridade aos elementos que melhor refletem esta vontade.
Existe, seguramente, um certo artificio simplificador por parte da Convenção de Viena ao
reduzir à unidade a «regra geral de interpretação» dos Tratados. Não deixa de ser a da
interpretação de Boa Fé, formulada pelo artigo 31.º, n.º 1 CVDT. Este princípio fundamental está
na origem dos diversos meios e regras utilizados para interpretar os Tratados e é em função
desta exigência fundamental que deve efetuar-se a escolha entre os diferentes métodos.

Meios e regras de interpretação: mesmo que a distinção possa ser contestada, é 138
conveniente distinguir os meios – elementos de fundo ou de forma pertinentes para a
compreensão do texto – das regras de interpretação, isto é, dos princípios fundamentais
orientadores da utilização destes meios.

1.º Diversos meios de interpretação: nos termos do artigo 31.º, n.º1 CVDT, «um
Tratado deve ser interpretado de boa fé, segundo o sentido comum atribuível aos termos do
tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim». Não poderíamos exprimir com
maior clareza que os diferentes meios de interpretação são interdepentes: os meios objetivos
(texto, contexto, circunstâncias) são indissociáveis dos meios subjetivos (objetivos procurados
pelas partes).

a) o texto é o próprio objeto da interpelação; é também o elemento que reflete


melhor as intenções das partes contratantes que o intérprete tem por missão
primordial investigar e dos quais ele é a expressão;

b) O texto é porém indissociável do contexto conforme esclarece o artigo 31.º, n.º


2 CVDT. Consagrando igualmente as regras preexistentes, o n.º 3 do artigo 31.º
CVDT indica que o intérprete deve, além disso, levar em conta,
«simultaneamente com o contexto: a) todo o acordo estabelecido entre as
partes sobre a interpretação do tratado ou a aplicação das suas disposições; b)
toda a prática ulterior na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo
das partes em relação à interpretação do tratado; c) toda a regra pertinente de
Direito Internacional aplicável às relações entre as partes».

c) Meios complementares de interpretação: expressão da vontade das partes, o


Tratado, exprime, também, uma regra de direito destinada a reger as relações
sociais. Esta regra não pode portanto ser considerada independentemente das
circunstâncias associadas ao seu nascimento e que, por sua vez, estão
estreitamente ligadas à vida social internacional. Irá, aliás, incorporar-se no
ordenamento jurídico em que se mistura com outras normas jurídicas.
Nenhuma interpretação de um Tratado pode abstrair destas circunstâncias,
nem objetivos, independentes da vontade das partes. É o que exprime o artigo
32.º CVDT, que classifica entre os «meios complementares de interpretação»,
os trabalhos preparatórios e as circunstâncias em que o Tratado foi concluído.

d) É interessante verificar que, embora possam refletir as intenções das partes, os


trabalhos preparatórios que, em virtude das particularidades dos processos das
negociações internacionais, são caóticos, confidenciais ou pouco probatórios,
intervêm apenas para confirmar uma interpretação obtida por meios
prioritários, ou quando estes não permitem obter um «efeito útil». Isto está em
conformidade com a posição do Tribunal Internacional de Justiça que foi de
parecer «não dever demarcar-se da jurisprudência constante do Tribunal Penal

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de Justiça Internacional segundo a qual não há necessidade de recorrer aos


trabalhos preparatórios se o texto de uma convenção for em si próprio
suficientemente claro». Parece, contudo, que de alguns anos a esta parte se
esboça uma evolução tendente a conceder mais peso aos trabalhos
preparatórios.

e) Um problema de interpretação particularmente difícil consiste em determinar


em que ata convém situar-se para proceder à interpretação. A Convenção de 139
Viena não fornece quaisquer indicações a este respeito; visando as
circunstâncias em que o Tratado foi concluído, remete para a data da sua
conclusão, mas dando uma grande importância à prática e aos acordos
ulteriores, convida a situar-se também na data em que a interpretação é
formulada. Na prática, a jurisprudência é flexível e, na verdade, razoavelmente
flutuante em função dos dados do problema.

2.º Regras metodológicas: os meios de interpretação acima enumerados são


instrumentos às disposição do intérprete que deve utilizá-los. Para isso pode fazer apelo a vários
métodos que o conduzirão a privilegiar um destes meios ou, melhor, a combiná-los da maneira
mais harmoniosa possível. Simplificando, (e racionalizando sem dúvida o excesso das diligências
eminentemente empíricas), podemos considerar que deve procurar atingir o resultado mais
evidente, o mais lógico ou o mais eficaz.

a) A solução mais evidente é a que consiste em interpretar o menos possível e


em ater-se ao «sentido comum» das palavras, o que só é possível quando a
disposição a aplicar esteja redigida «em termos inequívocos». Como declarou
o Tribunal Penal de Justiça Internacional está nitidamente traçado. Colocado
em presença de um texto cuja clareza não deia nada a desejar, é obrigado a
aplica-lo tal como é…»; e mais recentemente o Tribunal Internacional de
Justiça recordou que, segundo a sua jurisprudência bem estabelecida, «é
necessário interpretar as palavras de acordo com o seu sentido natural e
comum no contexto em que elas figuram».

b) A clareza aparente de uma disposição não deve, todavia, levar a um resultado


«insensato ou absurdo», «incompatível com o espírito, o objeto e o contexto
da clausula ou do ato em que os termos figuram».

c) A regra do efeito útil permite chegar a uma interpretação eficaz. Segundo esta
regra, o intérprete deve supor que os autores do Tratado elaboram uma
disposição para que seja aplicada. Deve, portanto, escolher entre os vários
sentidos possíveis desta disposição aquele que permita a sua aplicação efetiva
(ut res magis valeant quam pereat). Por esta razão, o Tribunal Penal de Justiça
Internacional empregava, por vezes, a expressão «efeito prático». Por outro
lado o Tribunal pronunciou-se nestes termos: «Com efeito, seria contrário às
regras de interpretação geralmente reconhecidas considerar que uma
disposição deste género, inserida num compromisso, não tenha nem alcance
nem efeito». O respeito da regra do efeito útil não deveria levar à procura
incondicional da aplicação do texto a ponto de pô-lo em contradição com
outros elementos do Tratado. Tal contradição surgiria se a interpretação
desse a este texto um sentido incompatível com «a sua letra e espírito», com
a sua «função» ou o seu «objeto» e o seu «fim». A Comissão de Direito

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Internacional não tinha proposto que a regra fosse expressamente


mencionada na Convenção sobre o Direito dos Tratados porque, na sua
opinião, ela estava incluída no princípio da Boa Fé. Isto é exato, mas aplica-se
às partes e não aos juízes. De resto, a menção do objeto e do fim do Tratado
no artigo 31.º, n.º 1 CVDT remete implicitamente para a regra do efeito útil.

d) Surgem problemas de interpretação particularmente quando o Tratado é


redigido em duas ou várias línguas fazendo igualmente a fé. O artigo 33.º, n.º 140
3 e 4 CVDT dá a este respeito as diretrizes seguintes: «3. Presume-se que os
termos de um tratado têm o meso sentido nos diversos textos autênticos. 4.
Salvo o caso em que um determinado texto prevalece, nos termos do n.º 1(…)
quando a comparação dos textos autênticos faz aparecer uma diferença de
sentido que a aplicação dos artigos 31.º e 32.º não permite remediar, adotar-
se-á o sentido que melhor concilie esses textos tendo em conta o objeto e o
fim do tratado.». Na prática, na medida do possível, os juízes ou árbitros
tentam com efeito conciliar as diferentes versões que fazem fé. Quando não
o conseguem, dão a preferência ao texto mais claro ou mais explícito e
correspondendo melhor às «preocupações gerais» das partes. Em
contrapartida, apesar de certas incitações doutrinais e de alguns precedentes
arbitrais, recusam-se em geral a conceder a supremacia ao texto em que
foram efetuando os trabalhos preparatórios.

Escolha dos métodos de interpretação: muito mais do que ao espírito geométrico, a


interpretação dos Tratados faz apelo ao espírito de subtileza. Os diversos meios e métodos
descritos supra constituem mais diretrizes gerais do que regras rígidas. Compete ao intérprete
aplica-las com flexibilidade e ordená-las. Fá-lo em função de considerações muito diversas que
se prestam mal a uma síntese e, se a doutrina se divide a este respeito em escolas de
pensamento muito claramente caracterizadas, podemos da melhor maneira extrair da prática o
esboço de certas tendências gerais.

a) Na doutrina, encontramos vestígios da grande querela que opõe os autores


voluntaristas ao objetivistas: os primeiros que preconizam a predominância
do aspeto contratual, concedem o primado aos elementos subjetivos; ao
mesmo tempo, provam o intérprete de uma larga parte da sua liberdade de
ação perante as partes contratantes. Em contrapartida, a preferência dos
autores objetivistas, que consideram o Tratado, acima de tudo, como o
«revestimento jurídico da realidade social», vai para os meios objetivos de
interpretação. Este método leva-os a reivindicar para o intérprete uma certa
independência em relação aos autores do Tratado. Uma outra clivagem que
separa os autores diz respeito ao recurso à interpretação extensiva ou
restritiva. À primeira estão ligadas a escola da «intenção das partes» e a da
interpretação «textual»; à segunda, a escola da interpretação «teleológica» -
isto é, em função do objeto e do fim do Tratado – e o seu prolongamento, a
interpretação «dedutiva», de utilização mais excecional visto que só a
encontramos na jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça das
Comunidades Europeias. Estas diversas abordagens não são necessariamente
contraditórias, mas levam a resultados diferentes na medida em que insistem
em certos meios de interpretação do que noutros.

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b) Na prática, é sempre possível tentar determinar a influência que uma ou outra


destas escolas de pensamento pôde exercer sobre um intérprete – órgão do
Estado, Juiz ou árbitro internacional – num caso determinado, mas verifica-se
muito claramente que, no conjunto, a escolha de um ou de outro método é
ditava bem mais pelas circunstâncias do que pelas posições doutrinárias
preestabelecidas. Na realidade, a notável síntese efetuada pelos artigos 31.º
a 33.º CVDT traduz bastante fielmente tendências gerais da prática, mesmo
não podendo exprimir todas as suas subtilezas. E a ordem dos meios de 141
interpretação que aí figuram é, com efeito, a que segue a jurisprudência
dominante: primeiro o texto; depois o contexto; a seguir a prática ulterior, os
trabalhos preparatórios e as circunstâncias em que o Tratado foi concluído,
sendo determinado que não existe graduação rígida entre os diversos meios
de interpretação. Aliás, sucede o mesmo no que respeita aos diversos
métodos de interpretação. Se conceder uma prioridade absoluta a um texto
que considera claro – (mas considera-lo claro já é interpretar) –, o juiz afasta
este primeiro reflexo se o seu resultado não é razoável ou se considerações
determinantes militam a favor de uma interpretação que se afasta do sentido
mais habitual dos termos. Isto está também conforme com as prescrições da
Convenção de Viena cujo artigo 31.º, n.º4, dispõe: «Um termo será entendido
num sentido particular se for estabelecido que tal era a intenção das partes.».
Parece pouco duvidoso que os juízes e os árbitros se considerem livres de
recorrer aos métodos de interpretação que lhes pareçam mais apropriados
ao caso especial que lhe é submetido; todavia, preocupados em não ferir as
suscetibilidades nacionais dos Estados soberanos partes nos litígios, utilizam
muitas vezes conjuntamente os meios e as regras acima descritos de maneira
a obter a confirmação interpretativa à qual os conduziu a aplicação de um
dado método, através d utilização de um outro. O conjunto das sentenças
arbitrais e dos acórdãos recentes testemunham, de resto, o êxito excecional
das disposições da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados; pelo
menos de maneira implícita e, muitas vezes, explicitamente, elas referem-se
a isso, mesmo que as partes em litígio não tenham ratificado a Convenção.

Secção IV – Aplicação dos Tratados e conflitos de normas

1.º - Conflitos entre Normas Convencionais Sucessivas

Insuficiência das abordagens doutrinas: Um tratado não pode ser considerado


isoladamente. Não só se encontra ancorado nas realidades sociais, mas as suas disposições
também devem ser confrontadas com outras normas jurídicas com as quais podem entrar em
concorrência. Estas normas podem ser de natureza convencional ou de formação espontânea.
Todavia, como não existe hierarquia entre as fontes de Direito Internacional, podemos admitir
que as regras aplicáveis em caso de conflitos entre normas convencionais são transponíveis na
hipótese de uma contradição entre estas e as regras dependentes de uma outra fonte de Direito
Internacional. De resto, foi sobre o problema dos tratados sucessivos incidindo na mesma

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matéria que a doutrina centralizou as suas reflexões. Nenhuma das soluções propostas pelos
autores parece, aliás, inteiramente satisfatória: assentando em pressupostos doutrinais
dogmáticos, enquadram-se mal na realidade. A primeira abordagem, subjetiva, termina num
impasse; a segunda, objetiva, peca por excesso de abstração.

1.º Os partidários do método subjetivo sustentam o princípio de que são válidos os


tratados em conflito, nascidos das vontades estatais soberanas. Por consequência, a contradição
dos tratados põe, em princípio, não um problema de validade de um deles, mas unicamente um 142
problema de campo de aplicação: é evidentemente impossível que um Estado execute
simultaneamente duas normas contraditórias. O subjetivismo lev também a admitir que não
poderiam existir, fora da vontade dos Estados, regras gerais que determinem uma vez por todas
esta ordem de prioridade. Em cada caso, a solução do conflito depende das intenções das partes.
Se estas não se manifestassem por uma cláusula prevendo expressamente o primado deste ou
daquele tratado, e se a procura destas intenções por outros meios não desse resultado, seria
necessário recorrer a uma solução negociada. Abordado, segundo este método, o problema
deixa de ser difícil, não porque aquele permita aplanar as dificuldades, mas simplesmente
porque as exclui do campo de exame. Contudo, apresenta um inconveniente, aliás importante:
em caso de fracasso das negociações, o conflito seria insolúvel.

2.º Os defensores do método objetivo não se esquivam ao problema. Segundo eles,


a ordem internacional, como toda a ordem jurídica, contém necessariamente regras destinadas
a resolver os seus próprios conflitos de normas. O método objetivo assenta nessas premissas.
Ela leva a procurar estas regras fora da vontade dos Estados. Mesmo que estas regras, em
virtude das particularidades da ordem jurídica internacional, desempenhem apenas um papel
supletivo, a sua intervenção pode permitir a saída do impasse. Nesta conformidade, podemos
inspirar-nos nas soluções que prevalecem na ordem interna, sem que todavia possam ser
transpostas pura e simplesmente: no Estado, apoiam-se essencialmente na hierarquia das
normas (constituição, leis, regulamentos,…) que deriva da hierarquia dos órgãos; nem uma nem
outra existem na sociedade internacional, caracterizada pela sua falta de organização. Apesar
disso, é notável que autores, que estão bem longe de adotar a conceção objetivista do Direito
Internacional, tenham tomado consciência da necessidade de procurar tais princípios e tenham,
efetivamente, proposto algumas soluções “objetivas”. Na lógica da sua teoria geral, são,
contudo, os autores objetivistas, na primeira fila dos quais é necessário citar Georges Scelle62,

62
Georges Scelles distingue três situações:
i) Em caso de identidade total entre os Estados parte nos dois tratados incompatíveis
convém aplicar a máxima lex posteriori priori derrogat sob reserva, no quadro das
organizações internacional, da superioridade do seu tratado constitutivo sobre os
tratados ordinários;
ii) Tratando-se de um tratado multilateral anterior e um tratado posterior concluídos
somente entre certos Estados parte no tratado anterior, o princípio geral lex specialis
derogat generali pode aplicar-se, na condição de o tratado especial posterior não
contrariar a economia de conjunto do tratado geral anterior. As relações entre os dois
tratados são, então, semelhantes às que, na ordem interna, se estabelecem entre o
regulamento e a lei. Em contrapartida, se existir um conflito entre os dois tratados,
deve fazer prevalecer o tratado geral sobre o tratado particular, em virtude da lei da
hierarquia das ordens, quando a ordem composta domina e condiciona as ordens
componentes;
iii) Na terceira situação, o conflito opõe tratados concluídos entre Estados parcialmente
difererentes. Não pode aplicar-se nenhuma das regras precedentes, pois as normas
em conflito pertencem a ordens distintas. Vinculados pelo princípio pacta sunt

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que elaboram o sistema de regra mais completo com a construção de uma verdadeira hierarquia
dos tratados. Esta construção sedutoramente racional menoscaba um importante parâmetro, a
soberania do Estado e, sendo assim, corresponde apenas parcialmente à prática internacional –
aliás, muitas vezes confusa e cheia de elementos contraditórios – que a Convenção de Viena
sistematizou por meio de algumas fórmulas acessíveis. As regras formuladas a título principal
no artigo 30.º - mas também nos artigos 41.º, 53.º, 60.º, 64.º etc. – não podiam, contudo, refletir
a totalidade das variadas soluções desta prática. No essencial, apenas afloram os problemas de
responsabilidade que a inexecução dos tratados irredutíveis com base no Direito dos tratados 143
inevitavelmente põe. A grande dificuldade da matéria reside na necessidade de combinar o
princípio da autonomia da vontade dos sujeitos de Direito Internacional com o do efeito relativo
dos tratados, o que levanta na verdade dois problemas distintos: o da compatibilidade entre
normas sucessivas, ângulo sob o qual a questão é em geral considerada, e o da oponibilidade de
uma norma vinculando um dado Estado a um segundo Estado, que concluiu com o primeiro um
tratado contendo uma disposição incompatível com esta norma.

A – Solução do problema da compatibilidade

Disposições convencionais expressas: nada proíbe as partes num tratado de nele


introduzirem critérios hierárquicos. Fazem-no frequentemente, mas estas iniciativas, se
contribuem para resolver certos problemas, levantam outros, igualmente difíceis. Por
conseguinte, o estabelecimento de processos destinados a prevenir os conflitos parece mais
satisfatório, ainda que a aplicação destes mecanismos preventivos seja delicada.

1.º Declaração de compatibilidade: não é raro que, prevendo eventuais conflitos,


um tratado fixe antecipadamente, por uma cláusula formalmente expressa, o seu lugar na
ordem de prioridade a estabelecer. Estas disposições são designadas “declarações de
compatibilidade” quando indicam expressamente que o tratado em questão é “compatível” com
outro tratado, ou recorrem a outra fórmula especificando ou que não é incompatível com este
ou que não o afeta, e que não será interpretado como afetando de algum modo as disposições
desse outro tratado. Quando um tratado contém semelhante declaração, na qualidade de
tratado inferior, deve ser sempre interpretado no sentido da sua compatibilidade com o tratado
superior. Se for impossível conciliar um e outro, o tratado superior prevalecerá. Tal é a solução
preconizada no artigo 30.º, n.º1 CVDT:

«Quando um tratado estabelece que está subordinado a um tratado anterior ou


posterior ou que não deve ser considerado incompatível com esse outro tratado, as disposições
deste prevalecem sobre as daquele.»

Estes tratados, que se apresentam eles próprios como subordinados, não põem
nenhum problema particular: por hipótese preservam os direitos de terceiros e, se se verificar
uma incompatibilidade, basta fazer uma sua aplicação mecânica. O mesmo não acontece na
hipótese inversa, quando um tratado afirma a sua própria superioridade. Neste caso, põe-se,
com efeito, de maneira premente o problema da preservação dos direitos de terceiros; somente

servanda, os Estados partes no tratado anterior devem executá-lo e este deve


prevalecer sobre o tratado posterior.

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a existência de mecanismos preventivos eficazes, que evitam que ocorra tal problema, constitui
uma solução verdadeiramente satisfatória.

2.º Mecanismos preventivos: como o seu nome indica e contrariamente às cláusulas


de compatibilidade que intervêm ex post facto, esforçam-se por impedir que surge um problema
de incompatibilidade, isto é, por evitar que os Estados concluam sucessivamente tratados
contraditórios. Estes mecanismos podem ser institucionalizados – o modelo é fornecido pelo
artigo 228.º do Tratado de Roma C.E. – ou puramente interestatais. 144

Princípios de solução em caso de silêncio das partes: sem resolver todos os problemas, as
disposições expressas adotadas pelas partes facilitam a sua solução. Isto porém é a exceção e,
no caso mais frequente do silêncio do tratado, é necessário procurar fora deste os princípios
aplicáveis. A este respeito convém distinguir, conforme o artigo 30.º CVDT, a hipótese dos
tratados sucessivos com identidade de partes, da hipótese em que os tratados incompatíveis
são concluídos entre partes diferentes.

1.º Tratados sucessivos com identidade de partes: esta hipótese é a mais simples.
Ela é considerada no artigo 30.º, n.º3 CVDT, segundo o qual:

«Quando todas as partes no tratado anterior são igualmente partes no tratado


posterior, sem que o primeiro tratado tenha cessado de vigorar ou sem que a sua aplicação tenha
sido suspensa por força do artigo 59.º, o primeiro tratado só se aplica na medida em que as suas
disposições sejam compatíveis com as do segundo tratado.»

Esta disposição não é mais do que a aplicação do princípio lex posteriori priori
derogat, cuja concretização não constitui problema, uma vez que os dois tratados emanam dos
mesmos Estados. Mas é preciso não esquecer que o artigo 30.º visa apenas os acordos
sucessivos tratando «a mesma matéria», o que foi interpretado como «tendo o mesmo grau de
generalidade». Se um dos dois tratados tiver um caráter especial em relação ao outro, deve
reconhecer-se a prevalência da lex specialis, por aplicação da máxima specialia generalibus
derogat, a menos que resulte expressa ou implicitamente do tratado posterior que as partes
pretenderam considerar a solução inversa. Em conformidade com a prática constante dos
Estados, esta regra não passa, na realidade, de uma ilustração dos princípios aplicáveis à
modificação ou à revogação dos tratados, à regra segundo a qual todos os Estados partes no
primeiro tratado podem modifica-lo ou revoga-lo por um acordo posterior, formalmente
expresso ou tácito. A aplicação da regra do bom senso formulada pelo artigo 30.º, n.º3 CVDT
não suscita quaisquer dificuldades na prática.

2.º Tratados sucessivos sem identidade de partes: é a situação mais complexa,


porque um círculo restrito de Estados nem sempre é autorizado a modular os seus
compromissos mútuos (norma particular) contra a vontade de um círculo mais vasto de Estados,
relativamente aos quais os primeiros se encontram vinculados por um compromisso anterior
(norma geral). Convém, pois, distinguir duas hipóteses fundamentais consoante a licitude do
tratado posterior é contestável ou não:

a) Caso em que o tratado posterior é compatível com o tratado anterior: uma


norma “particular” pode derrogar uma norma “geral” anterior, se se
verificarem as condições estabelecidas no artigo 41.º, n.º1 CVDT, seja
porque a possibilidade de uma tal modificação está prevista pelo tratado
inicial, seja porque a modificação é compatível com os direitos e obrigações
de todos os Estados partes no tratado inicial, e com o objetivo e o fim desse

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tratado. Pode também surgir o problema de uma norma “particular”


anterior à norma geral, mas a Convenção de Viena não propõe qualquer
critério de validade. Nesta hipótese, é possível dissociar o regime aplicável
nas relações entre Estados partes nos dois tratados e o que se aplica nas
relações com um Estado que seja parte apenas num dos dois tratados
(Artigo 30.º, n.º4 CVDT)).

a. Nas relações entre Estados partes nos dois tratados, aplica-se 145
prioritariamente o tratado posterior, em conformidade com o já
citado princípio geral lex posteriori derogat priori apoiado pelo
princípio da superioridade da regra “especial” ou “particular” sobre
a regra geral (in toto jure genus per speciem derogatur), pelo menos
quando o tratado restrito é posterior. Se, pelo contrário, o tratado
restrito for anterior, e em caso de silêncio do tratado posterior, o
princípio lex poster prevalece sobre o princípio in toto jure…
(superioridade do tratado posterior), em conformidade com a
vontade implícita dos Estados. Estas soluções são conformes à
prática interestatal.

b. Nas relações com outros Estados intervém o princípio do efeito


relativos dos tratados, visto que uma das partes se encontra
vinculada apenas por um tratado, não lhe sendo oponível o outro.
A Comissão de Direito Internacional formulara claramente as duas
situações tipo:

«Nas relações entre um Estado parte nos dois tratados e um


Estado parte no primeiro tratado apenas, o primeiro tratado
rege os seus direitos e obrigações recíprocas – Nas relações
entre um Estado parte nos dois tratados e um Estado parte
no segundo tratado apenas, o segundo tratado rege os seus
direitos e obrigações recíprocas».

O artigo 30.º, n.º4, alínea b) CVDT consagrou esta solução, aliás


indiscutível, numa formulação mais elítica e um pouco menos clara:

«Nas relações entre um Estado parte nos dois tratados


e um Estado parte apenas em um desses tratados, o tratado no qual
os dois Estados são partes rege os seus direitos e obrigações
recíprocas.»

b) Caso em que o tratado posterior não é compatível com o tratado anterior:


nas situações em que não sejam respeitadas as condições estabelecidas pelo
artigo 41.º CVDT, o tratado restrito posterior ao tratado geral não é licíto.
Deve, pois, afirmar-se o primado do tratado anterior e afastar a aplicação
do tratado posterior. A jurisprudência contempla claramente esta solução:

«Podemos igualmente considerar, como princípio reconhecido,


que qualquer convenção multilateral é fruto de um acordo livremente
concluído com base nas suas cláusulas e que, consequentemente, não
compete a nenhum dos contratantes destruir ou comprometer, por decisões

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unilaterais ou por acordos particulares, o fim e a razão de ser da


convenção.63»

O que está estabelecido nas relações entre as partes numa convenção


particular, deveria sê-lo a fortiori nas relações com os Estados não partes: o
princípio pacta sunt servanda impõe aqui o respeito da supremacia do
tratado geral sobre o tratado especial, logo, do tratado anterior sobre o
posterior. Os autores da Convenção de Viena não julgaram oportuno 146
consagrar esta regra, que é, porém, o resultado lógico do sistema
considerado por eles no artigo 41.º. Todavia, podemos encontrar na
Convenção elementos que vão no sentido adotado pela prática: por um lado,
os artigos 54.º e 59.º confirmaram implicitamente a possibilidade de
modificar um tratado multilateral sem o acordo unânime das partes, se as
condições que constam do artigo 41.º não estiverem reunidas; por outro, o
artigo 30.º, n.º5, remete, num caso deste género, para o direito da
responsabilidade internacional.

Exceção: primado absoluto de certas normas convencionais:


1.º Convenções que estabelecem regras de ius cogens: o artigo 53.º CVDT não exclui
a elaboração das normas de ius cogens por meio de convenções. Estas devem ser, de acordo
com aquela disposição, convenções universais ou pelo menos quase universais. A superioridade
absoluta do ius cogens leva naturalmente à dessas convenções. No seu acórdão proferido no
caso Barcelona Traction64, o Tribunal Internacional de Justiça declarou claramente que normas
resultantes do ius cogens podem ser comprovadas pelas referidas convenções, que produzem
efeitos erga omnes.

2.º Tratados criando uma situação objetiva: nos termos do artigo 103.º da Carta das
Nações Unidas:

«No caso de conflito entre as obrigações dos Membros das Nações Unidas em
virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional,
prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta».

Esta redação inspira-se no artigo 20.º do Pacto da S.d.N. que, no seu n.º1 revogava
todas as obrigações ou entendimentos entre os membros da Sociedade incompatíveis com os
seus termos. Todavia, difere dela sob dois aspetos importantes: por um lado a Carta está em
recesso relativamente ao Pacto na medida em que não prevê a revogação dos tratados
contrários, por outro, vai muito mais longe; com efeito, contrariamente ao texto de 1919 – cujo
artigo 20.º, n.º2, obrigava somente os Estados membros da Sociedade das Nações a
exonerarem-se das obrigações incompatíveis contraídas com os Estados não membros – o artigo
103.º não preserva os direitos dos Estados terceiros visto que podem ter para com Estados não
membros. Esta situação, evidentemente excecional, só pode explicar-se se admitirmos o caráter
quase constitucional da Carta, que cria uma situação objetiva, oponível ao conjunto dos Estados.
Foi o que a Comissão de Direito Internacional que se fundamentou não só na importância do
lugar que ocupa a Carta das Nações Unidas no Direito Internacional contemporâneo, mas
também no facto de que «os Estados membros da O.N.U. constitutem uma parte (…)
considerável da comunidade internacional». Esta supremacia está, de resto, em plena harmonia

63
T.I.J. , parecer de 28 maio 1951, Reservas à Convenção sobre o genocídio, Rec, 1951, p. 21)
64
Rec. 1970, p. 32

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com a jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça, que se apoiou também no caráter


quase universal da Carta para afirmar o seu efeito erga omnes.65 Fundamentando-se nestas
considerações, o artigo 30.º, n.º1 CVDT confirmou a superioridade da Carta das Nações Unidas
sobre qualquer outro tratado, admitindo que o artigo 103.º constitui uma exceção aos princípios
mencionados nos parágrafos seguintes, aplicáveis aos tratados sucessivos incidindo sobre a
mesma matéria. Sem dúvida, a Convenção não faz mais do que consagrar uma situação de facto.
Mas, no plano dos princípios, ela trouxe uma contribuição útil ao estabelecimento de uma
hierarquia das normas internacionais, conferindo uma certa positividade à ideia segundo a qual 147
as convenções multilaterais, tendo em conta o seu objeto e a extensão do seu campo de
aplicação, deveriam beneficiar de uma posição privilegiada na ordem jurídica internacional.

B – Problema da oponibilidade

Hipóteses em que o problema se põe: os princípios expostos supra bastam-se a si próprios


em duas hipóteses: a dos tratados sucessivos com identidade de partes e a dos tratados
enunciando uma regra de ius cogens ou criando uma situação objetiva. No primeiro caso, a
questão da oponibilidade das normas convencionais a um terceiro não se põe, nem por hipótese,
e, em conformidade com os princípios tanto da autonomia da vontade como da soberania, as
partes podem fazer prevalecer a regra que mais lhes convém, sendo presumida a sua vontade,
à falta de indicação expressa, em conformidade com os princípios gerais de direito em vigor em
todos os sistemas jurídicos. No segundo caso, não é o tratado enquanto tal, mas a norma, que
se impõe a terceiros; a sua superioridade é a tradução do grau de integração atingido pela
comunidade internacional. Mas este está ainda embrião: e, no estado atual do desenvolvimento
da sociedade internacional, não é possível admitir, como pretenderia a solução extrema
preconizada pelos autores objetivistas, a nulidade dos tratados posteriores concluídos por
algumas das partes relativamente a terceiros. Os direitos destes devem ser salvaguardados, mas
não podem sê-lo por um método puramente objetivo.

Solução do problema: o problema de compatibilidade entre normas sucessivas põe-se


unicamente a respeito do Estado que contraiu compromissos sucessivos. Face a terceiros, estes
compromissos são res inter alios acta; e isto é verdade tanto no primeiro tratado relativamente
às partes no segundo, como neste face às partes no primeiro tratado. Em conformidade com o
princípio do efeito relativo dos tratados, os terceiros não são afetados pelos compromissos em
que não são partes; estes não lhes são pura e simplesmente oponíveis (e isto é verdade quer os
tratados sucessivos sejam compatíveis quer não). Pelo contrário, por aplicação do princípio
pacta sunt servanda, estão no direito de exigir que sejam respeitados os compromissos tomados
a seu respeito. É obvio que, se as obrigações convencionais sucessivamente aceites pelo seu
parceiro forem compatíveis entre si, a sua inoponibilidade não terá qualquer consequência
concreta. Em contrapartida, a sua incompatibilidade induzirá inevitavelmente o Estado parte
nos dois tratados a não respeitar um ou outro dos seus compromissos, embora ambos sejam
válidos. Neste caso, podem considerar-se duas sanções, uma e outra previstas pelo artigo 30.º,
n.º5 CVDT que remete para o artigo 60.º por um lado e para o direito da responsabilidade
internacional por outro. Isto significa que o Estado ou os Estados vítimas da inexecução poderão
pôr fim ao tratado ou suspender a sua aplicação como consequência da sua violação (artigo 60.º),

65
Parecer de 11 abril 1949, Rec., 1949, p. 185.

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e responsabilizar o autor da falta. Não se trata já de resolver um conflito de normas (problema


objetivo de compatibilidade), mas de sancionar (subjetivamente) um comportamento
internacional ilícito. Sem dúvida a solução não é nada satisfatória, pois o Estado vítima poderia
preferir obter a execução do tratado a pôr em causa a responsabilidade do seu parceiro
contratante faltoso, o que levaria quanto muito a uma reparação. De resto, o seu efeito será dar
ao Estado culpado de ter tomado compromissos contraditórios a livre escolha do tratado que
não executará ou, melhor, que violará. Esta é, porém, a consequência inelutável da soberania
do Estado mesmo se a jurisprudência nunca teve ocasião de consagrar claramente esta solução. 148

2.º - Conflitos entre normas convencionais e normas internas

Observações gerais: as disposições de um tratado podem entrar em conflito, não só com


outras normas internacionais convencionais ou não, mas também com normas internas. Tal
incidente relaciona-se com o problema geral das relações entre o Direito Internacional e o
Direito interno. Para o resolver a doutrina reparte-se entre o dualismo e o monismo. Os
partidários do primeiro consideram que tais conflitos não podem produzir-se, enquanto, se
raros monistas preconizam ainda a supremacia do Direito Interno, a maior parte deles
pronunciam-se a favor da superioridade do Direito Internacional. Podem hoje em dia encontrar
apoio no artigo 27.º CVDT:

«Uma parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar a
não execução de um tratado».

regra que aparece como o complemento do princípio pacta sunt servada expresso no artigo
precedente. Todavia, face a este problema, o juiz internacional e o juiz interno, inseridos num
ambiente social diferente, podem ter reações variadas, ditadas por preocupações distintas. De
facto, «o que constitui uma violação de um tratado pode ser lícito em Direito interno e o que é
ilícito em Direito interno pode não constituir qualquer violação de uma disposição
convencional» 66 . Órgão do direito das gentes, o juiz internacional afirma em todas as
circunstâncias a superioridade deste, dando assim razão ao monismo quanto ao primado do
Direito Internacional; não tira porém todas as consequências deste princípio: em qualquer caso,
o contencioso internacional é, regra geral, um contencioso da responsabilidade e não da
anulação. Sem se opor radicalmente a esta solução, a posição do juiz interno é simultaneamente
mais hesitante e mais circunspeta. Nesta perspetiva, a atitude do juiz comunitário é
particularmente interessante porque se encontra «numa encruzilhada»: faco aos Direitos dos
Estados membros, o Direito Comunitário surge com efeito como um ramo do Direito
Internacional, em que se verifica que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias afirma a
superioridade sem fraqueza. Pelo contrário, as soluções adotadas são mais flexíveis ou, em todo
o caso, mais subtis, quando o Tribunal do Luxemburgo deve encarar as relações entre normas
convencionais gerais e Direito Comunitário, mostrando-se este último neste caso como um
Direito “interno” perante aquelas normas.

66
Tribunal Internacional de Justiça, Acórdão de 20 julho 1989, Ellettronica Sicula, Rec., 1989, p. 51, ver
também p. 74.

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A – Perante o Juiz Internacional

Normas convencionais e normas constitucionais: fiel à sua posição de princípio sobre a


superioridade absoluta do Direito Internacional em relação ao Direito interno, o juiz
internacional não se detém na hierárquica das normas existentes na ordem jurídica nacional.
Norma de Direito interno, consequentemente, a regra constitucional não deveria prejudicar a
149
aplicação de um tratado. O Tribunal Penal de Justiça Internacional relembrou-o com firmeza no
seu parecer consultivo de 4 de fevereiro de 1932, relativo ao Tratamento dos nacionais polacos
em Dantzig:

«se por um lado, segundo os princípios geralmente admitidos, em Estado não pode,
face a outro Estado, valer-se das disposições constitucionais deste último, mas somente do
Direito Internacional e dos compromissos internacionais validamente contraídos, por outro,
inversamente, um Estado não se poderia invocar, face a outro Estado, a sua própria Constituição
para se subtrair às obrigações que lhe são impostas pelo Direito Internacional ou pelos tratados
em vigor».

A mesma regra foi formulada de maneira mais sistemática pela sentença arbitral de 26 julho
1875, preferida no caso Montijo entre os Estados Unidos e a Colômbia, que aplica esta regra às
Constituições dos Estados federais:

«Um tratado é superior à Constituição. A legislação da República deve adaptar-se


ao tratado, não o tratado à lei».

O princípio encontra-se confirmado pelo projeto da Comissão de Direito Internacional relativo


à responsabilidade dos Estados, cujo artigo 6.º enuncia:

«O comportamento de um órgão do Estado é considerado como um facto deste


Estado segundo o Direito Internacional, pertencendo este órgão ao poder constitutivo, legislativo,
judicial ou ambos…».

Normas convencionais e normas legislativas ou regulamentares: o que vale para a


Constituição é a fortiori exato para as normas hierarquicamente inferiores na ordem interna.
Desde o seu primeiro acórdão, em 1923, o Tribunal Penal de Justiça Internacional recusou
admitir que, por um ato interno (uma disposição de neutralidade), a Alemanha tivesse podido
libertar-se das obrigações que lhe incumbiam em virtude do Tratado de Versailles. Numa
passagem célebre, muitas vezes citada, o mesmo Tribunal declarou:

«Para o Direito Internacional e para o Tribunal, que é o seu órgão, as leis nacionais
são simples factos, manifestação da vontade e da atividade dos Estados, do mesmo modo que
as decisões judiciais ou as medidas administrativas»67.

Num parecer do mesmo Tribunal encontramos esta fórmula genérica:

«É um princípio geralmente reconhecido do direito das gentes que, nas relações


entre potências contratantes de um tratado, as disposições de uma lei interna não poderiam
prevalecer sobre as do tratado»68.

67
Acórdão 25 maio 1926, Alta Silésia polaca, série A, n.º7, p. 12.
68
Parecer 31 julho 1930, Questão das comunidades greco-búlgaras, série B, n.º 17, p. 32.

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O desrespeito deste princípio, indissociável da obrigação que incumbe ao Estado de tomar as


medidas internas, legislativas ou regulamentares, necessárias à execução do tratado, é
sancionado pela responsabilização do autor da falta, estando o juiz internacional proibido de
pronunciar a anulação do ato interno incriminado, que é declarado simplesmente inoponível
aos outros Estados.

Normas convencionais e decisões jurisdicionais internas: a obrigação de aplicar o tratado


na ordem interna impõe-se a todos os órgãos do Estado, inclusive às jurisdições nacionais. Disso 150
resulta ainda que o Estado não poderá valer-se das decisões jurisdicionais internas para fazer
fracassar um tratado no qual é parte. O Tribunal Penal de Justiça Internacional, que afirmou o
princípio no célebre dictum do seu Acórdão n.º 7 no caso da Alta Silésia polaca, confirmou-o de
maneira mais exata, no seu Acórdão n.º 13 e 15 setembro 1928 relativo à Fábrica de Chorzow
(fundo). Considerando que era impossível:

«Que um julgamento nacional possa invalidar indiretamente um acórdão proferido


por uma instância internacional,»

acrescentou:

«Seja qual for o efeito da sentença do Tribunal de Katowice de 12 novembro 1927


do ponto de vista do Direito interno, esta sentença não poderia nem cancelar a violação da
convenção de Genebra verificada pelo Tribunal no seu Acórdão n.º7, nem subtrair uma das
bases sobre as quais se fundamenta».

A questão é raramente considerada pelos tribunais internacionais sob o ângulo da


compatibilidade entre as decisões dos tribunais internos e as disposições de um tratado. A
solução encontra-se todavia confirmada por numerosas decisões jurisdicionais ou arbitrais
internacionais que reconhecem a responsabilidade do Estado em virtude das decisões dos
tribunais nacionais não conformes a um tratado. Igualmente o artigo 6.º do projeto de artigos
da Comissão de Direito Internacional sobre a responsabilidade dos Estados.

B – Perante o Juiz Comunitário

Normas comunitárias e normas internas: o Direito comunitário aparece aqui, como um


ramo do Direito Internacional face às ordens jurídicas dos Estados Membros. Uma
jurisprudência bem conhecida do Tribunal do Luxemburgo defende muito firmemente o
primado do Direito Comunitário sobre as regras nacionais.

1.º Relações entre normas comunitárias e regras constitucionais: a prevalência das


primeiras está explicitamente assegurada desde um Acórdão de 17 de dezembro 1970:

«A invocação de ofensas praticadas seja aos direitos fundamentais tal como são
formulados pela constituição de um Estado membro, seja aos princípios de uma estrutura
constitucional nacional, não poderia afetar a validade de um ato da Comunidade ou o seu efeito
sobre o território deste Estado». O que é verdadeiro para um ato da Comunidade é-o a fortiori
para os tratados constitutivos.

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2.º Relações entre normas comunitárias e normas legislativas ou regulamentares:


uma jurisprudência constante afirma a superioridade das regras das Comunidades sobre as
disposições nacionais anteriores e posteriores. Segundo um célebre dictum:

«A força executiva do direito comunitário não pode, com efeito, variar de um Estado
membro para outro, de acordo com as legislações internas ulteriores sem pôr em perigo a
realização dos objetivos do tratado…; as obrigações contraídas no tratado instituindo a
Comunidade não seriam incondicionais mas somente eventuais, se pudessem ser postas em 151
causa pelos atos legislativos futuros dos signatários»69. Não é, portanto, necessário que a norma
legislativa nacional, contrária à norma comunitária diretamente aplicável, tenha sido
formalmente revogada para que o juiz nacional se abstenha de a aplicar.

Por isso os Estados membros nunca conseguiram escapar à comprovação de uma falta da sua
parte às obrigações comunitárias utilizando o argumento dos obstáculos do Direito nacional
(lentidão ou má vontade do legislador interno): este não pode justificar o desrespeito do Direito
comunitário.

3.º Relações entre normas comunitárias e decisões jurisdicionais internas: a


jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias mantém-se discreta sobre este
ponto, que aborda apenas indiretamente: quer se recuse a tomar em conta os argumentos
baseados na jurisprudência nacional, quer convide os tribunais nacionais a utilizarem mais
sistematicamente o processo das questões pré judiciais perante ele; quer, finalmente e
sobretudo, recuse as teses sustentadas por alguns tribunais constitucionais nacionais. Contudo,
não está em posição de sancionar diretamente uma decisão jurisdicional que estaria em
contradição flagrante com o Direito Comunitário: a Comissão das Comunidades recusou-se, até
agora, a introduzir um recurso por verificação de falta conta um Estado cujos Tribunais não
respeitaram o primado das normas comunitárias.

Normas convencionais e normas comunitárias: por oposição à hipótese precedente, o


Direito Comunitário é considerado um Direito “interno” face ao Direito Internacional Geral.
Sejam quais forem as hesitações dos tribunais nacionais sobre a natureza das normas
comunitárias, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias deve considera-las normas
“internas” na ordem jurídica cujo respeito assegura. Se, sob este ângulo, a situação jurídica é
mais simples do que perante o juiz interno, apresenta, contudo, uma certa complexidade devido
à coexistência de compromissos internacionais dos Estados membros e da própria Comunidade.
Os compromissos – dos Estados membros ou da Comunidade – que “vinculam” esta, fazem
parte integrante do Direito Comunitário e constituem fontes formais deste. Na medida em que
a Comunidade “sucedeu” aos Estados membros para a aplicação de alguns tratados, os efeitos
jurídicos destes últimos devem, doravante, ser estabelecidos em virtude do Direito Comunitário
e já não segundo as ordens jurídicas nacionais: esta solução impõe-se para garantir uma
aplicação uniforme das convenções que comprometem a Comunidade. O mesmo sucede, em
especial, na procura de um eventual efeito direto e da invocabilidade de uma norma
internacional em Direito Comunitário, de molde a facilitar e a favorecer o desencadear do
processo pré judicial do artigo 177.º do Tratado de Roma. O Tribunal de Justiça das
Comunidades Europeias respeita o princípio do primado do Direito Internacional em relação à
sua própria ordem jurídica “interna”. Mas ainda não teve a ocasião ou a preocupação de verificar
todas as suas consequências.

69
T.J.C.E., 15 julho 1964, caso 6/64, Costa c. E.N.E.L., Rec. 1964, p. 1141.

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1.º Relações entre normas internacionais e tratados constitutivos das Comunidades:


a jurisprudência comunitária não decide, no seu princípiom questão do nível relativo dos
tratados envolvendo a Comunidade em relação aos tratados de Paris e Roma. Os tratados
constitutivos contêm disposições expressas sobre certos aspetos do problema.

a) No caso de tratados que só interessam os Estados membros, nas suas


relações mútuas: o artigo 233.º do tratado C.E.E. confirma a sobrevivência
das uniões aduaneiras sub-regionais, o artigo 219.º do mesmo tratado, 152
fazendo aplicação da máxima lex posteriori derogat priori, proíbe os Estados
membros de invocarem compromissos internacionais anteriores e
contrários às disposições do tratado C.E. em matéria de resolução dos
conflitos. Por seu lado, a jurisprudência estabelece que os acordos
anteriores são implicitamente revogados,ou pelo menos inoponíveis, se isso
for necessário ao bom funcionamento dos tratados de base:

«O Tratado C.E., nas matérias que regulamenta, tem a prioridade


sobre as convenções concluídas antes da sua entrada em vigor entre
os Estados membros, incluindo as convenções ocorridas no quadro
do G.A.T.T. que permanecem em vigor».

Em princípio, não deveria pôr-se problema na compatibilidade entre os tratados


da comunidade e acordos posteriores entre Estados membros, porque existem processos
destinados a prevenir tal hipótese. Em caso de fracasso da prevenção, conviria reconhecer o
primado dos tratados constitutivos na ordem jurídica comunitária. Tanto mais que o Tribunal
considera que o artigo 234.º não diz respeito a esta categoria de convenções.

b) As convenções concluídas com países terceiros superam os tratados


constitutivos quando as regras do Direito dos Tratados relativas aos tratados
sucessivos e as do efeito relativo das convenções internacionais impõem
esta solução.

2.º Relações entre normas internacionais e Direito Comunitário derivado: as


normas internacionais mais recentes prevalecem, indiscutivelmente, sobre as normas
comunitárias e podem condicionar a sua validade em Direito Comunitário se lhes for
reconhecido um efeito direto A maior parte das soluções encontradas a propósito dos atos
constitutivos podem ser transportas aqui, quando for demonstrado que as regras de Direito
Comunitário derivado são medidas de aplicação conformes com o tratado constitutivo. A
supremacia do Direito Internacional sobre o Direito Comunitário derivado mais recente verifica-
se igualmente na prática diplomática das Comunidades Europeias.

C – Perante o Juiz Interno

III – A Fiscalização da Constitucionalidade das normas

A fiscalização jurisdicional: com a revisão constitucional de 1982 foi instituído no


ordenamento português, pela primeira vez na sua História constitucional, um sistema

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jurisdicional pleno de fiscalização da constitucionalidade, pautado pela efetividade dos


institutos que o servem. Abatem-se, deste modo, quer as últimas imunidades da lei, quer as
prerrogativas de certos órgãos políticos, arvorados à posição de guardiões zelosos da arca do
convento. Nessa perspetiva, o Estado português deu o passo que faltava para que às normas
constitucionais fosse reconhecida uma juridicidade integral, a qual no tempo presente mostra
ser dificilmente separável da plenitude do conceito contemporâneo de Estado de Direito
Democrático.
153
Características gerais do modelo instituído com a revisão de 1982: um modelo de
controlo jurisdicional misto da constitucionalidade das normas e da legalidade das leis:
o modelo português, que alguns autores estrangeiros consideram um tertium genus é, segundo
uma opinião vertida na doutrina portuguesa, «uma confluência entre duas culturas jurídico
constitucionais diferentes: a do judicial review dos Estados unidos e a da
Verfassungsgerichtsbarkeit da Áustria». Mas o caráter misto do modelo instituído, vai mais além
da confluência acabada de assinalar, a qual se limita a configurar-se como o seu traço dominante.
Ele recupera, no plano dos processos de fiscalização introduzidos, institutos de outros sistemas,
como o do controlo preventivo francês da constituição de 1958 e o da fiscalização da
constitucionalidade por omissão legislativa, bebido da antiga República Socialista Federativa da
Jugoslávia de 1975. É certo que, tal como foi observado, a arquitetura do sistema instituído em
982 foi erigida nos alicerces do sistema transitório que vigorou entre 1976 e essa data, adaptado
a uma fiscalização assegurada por órgãos jurisdicionais. Contudo, o objetivo central da
adaptação jurisdicional desse modelo centáurico foi o de evitar, por todos os meios possíveis,
através de um controlo exercido por órgãos jurisdicionais, a entrada em vigor ou a subsistência
no ordenamento de qualquer norma inconstitucional, utilizando-se para o efeito os institutos
de fiscalização possíveis e distribuindo-se legitimidade ativa para a sua propulsão, pelo maior
número de sujeitos. Num brevíssimo diagrama procurar-se-á assinalar as componentes
heteróclitas70 do modelo instituído.

- Fiscalização difusa e fiscalização concentrada: o modelo português é dos poucos


sistemas que combina um processo de controlo difuso da constitucionalidade, realizado em
sede de fiscalização concreta, com processos de fiscalização abstratos, operando em via
principal. Diversamente do que sucede no modelo concentrado autro-germânico, os tribunais,
em sede de fiscalização concreta, conhecem e decidem sobre as questões de
constitucionalidade, sem prejuízo de as mesmas, quando implicarem uma desaplicação de uma
norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, deverem obrigatoriamente ser julgadas
pelo Tribunal Constitucional, que funciona como máxima instância de recurso.

- Fiscalização abstrata preventiva e sucessiva: de entre os sistemas que, no âmbito


da fiscalização abstrata da constitucionalidade, conjugam processos de controlo preventivo e
sucessivo, o modelo português é aquele que maior número de categorias de atos normativos
submete ao processo de fiscalização preventiva. Na verdade, ao integrar no objeto de
fiscalização preventiva tratados e acordos internacionais, leis, decretos-lei, decretos legislativos
regionais e referendos, o sistema português, sujeita a este processo uma panóplia de normas

70
he·te·ró·cli·to adjectivo 1. Não conforme às regras da gramática. 2. [Figurado] Extravagante;
excêntrico. "heteróclito", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013,
http://www.priberam.pt/DLPO/heteróclito.

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ainda mais vasta do que aquela que se encontra prevista no modelo francês que lhe serviu de
fonte cognitiva.

Atos normativos públicos sujeitos ao escrutínio da Justiça Constitucional : observemos


seguidamente as principais normas jurídicas sujeitas ao sistema de fiscalização constitucional:

a) As leis de revisão constitucional: na qualidade de normas de um poder


constituído, as leis de revisão constitucional encontram-se sujeitas aos limites
154
que lhe foram fixados na Constituição, mormente por um poder constituinte
que assume caráter subordinante em face do primeiro. Limites que se afiguram
como vínculos jurídicos de ordem temporal (artigo 284.º CRP), formal (artigo
286.º CRP), material (artigo 288.º CRP) e circunstancial (artigo 289.º CRP), os
quais, se violados, implicam a inconstitucionalidade da lei de revisão. Até ao
momento presente não foi requerida a fiscalização da constitucionalidade de
nenhuma lei de revisão, pese as dúvidas sobre a existência de um duplo
processo de revisão nas modificações operadas em 1989. A Constituição não
admite o controlo preventivo da constitucionalidade das leis em apreço;
b) Direito Internacional Público convencional e consuetudinário: no que concerne
às Convenções internacionais, Tratados e Acordos, verifica-se que a
Constituição acolhe disposições específicas sobre a sua impugnação, em
processo de fiscalização preventiva (artigo 278.º, n.º1 e artigo 279.º, n.º4). As
mesmas Convenções, na qualidade de normas jurídicas aplicáveis na ordem
interna, são igualmente sujeitas a fiscalização sucessiva, concreta e abstrata,
contanto que, nos termos do artigo 8.º, n.º2 CRP, tenham sido regularmente
aprovadas, ratificadas (ou assinadas) e publicadas. O artigo 277.º, n.º2 prevê o
desvalor da irregularidade para os Tratados que, nos dois processos de
fiscalização acabados de referir, ofenderem regras de forma e de competência
de importância não fundamental, acautelando o princípio da reciprocidade
internacional. As normas de Direito Consuetudinário aplicam-se diretamente na
ordem interna nos termos do artigo 8.º, n.º1 CRP, encontrando-se, como tal,
sujeitas a fiscalização da sua constitucionalidade. Alguma doutrina (Jorge
Miranda)71 considera que «pela natureza das coisas» não parece que Direito
Internacional Geral ou Comum, onde se sedia o Direito Consuetudinário Geral
possa infringir a Constituição, não prevendo a Constituição nenhuma forma de
controlo desse Direito72. Ignora-se o significado da fórmula natureza das coisas,
já que o Costume, como fonte normativa de Direito Internacional Público, tem

71
Miranda, Jorge; Curso de Direito Constitucional, 3.ª edição; Principia editores; Cascais, pp 156 a 174
72
Normas convencionais e normas legislativas: a força jurídica (ou o valor ou a eficácia) das normas
de Direito Internacional recebidas na Ordem interna frente à força jurídica (ou ao valor ou à eficácia) das
normas de produção interna pode ser a priori concebida numa das seguintes posições:

a) Força jurídica supraconstitucional;

b) Força jurídica constitucional dessas normas;

c) Força jurídica infraconstitucional, mas supralegal;

d) Força jurídica igual à das normas legais;

e) Força jurídica infra legal.

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uma paridade de valor hierárquico em relação à Convenção internacional


(revogando-se as respetivas normas, reciprocamente) e a Convenção é
suscetível de controlo da constitucionalidade na ordem jurídica portuguesa. O
facto é que também se torna perfeitamente concebível, por exemplo, que uma
regra consuetudinária geral, em matéria de comunicações no ciberespaço sirva
de parâmetro comportamental a normas da Administração Pública emitidas ao
abrigo de uma habilitação legal chocando-se com normas constitucionais em
matéria de privacidade e proteção e dados pessoais. A ocorrer essa hipótese, 155
julga-se ser perfeitamente possível sindicar, não só, a constitucionalidade da
norma administrativa, mas também o costume geral que padronizou o seu
conteúdo. Quanto à existência de formas próprias de fiscalização do costume é
certo que os processos de fiscalização foram consagradas na Constituição, mas
não é menos certo que os processos de fiscalização sucessiva, concreta e
abstrata, se dirigem a normas vigentes no ordenamento cientifico, sem
especificar quais, figurando implicitamente o costume geral de entre as mesmas.
Excluindo-se o processo de fiscalização preventiva do costume (pois as normas
consuetudinárias não se encontram sujeitas a ratificação ou assinatura
presidencial) parece, também difícil conceber, no plano procedimental, a
fiscalização abstrata sucessiva de normas desta natureza73.
c) As normas de natureza supranacional: o Direito Comunitário Derivado:

Regime constitucional de vigência do Direito Comunitário derivado na ordem jurídica portuguesa:


as normas de caráter supranacional aprovadas unilateralmente pelas Nações Unidas (resoluções
do Conselho de Segurança de caráter sancionatório) e pela Comunidade Europeia vigoram na
ordem portuguesa nos termos estabelecidos nos Tratados constitutivos dessas organizações, de
acordo com o artigo 8.º, n.º3 CRP que opera um reenvio recetício. Na ordem constitucional
portuguesa, o problema do controlo das normas de Direito Comunitário derivado pode colocar-
se primariamente em relação àquelas que possuem aplicabilidade direta e produzem efeitos
diretos na ordem interna portuguesa, nos termos dos Tratados constitutivos da Comunidade
Europeia, para os quais o referido n.º3 do artigo 8.º CRP remete (o n.º4 do mesmo artigo é
redundante e presentemente só se aplica na sua primeira parte e com um sentido idêntico ao
do n.º 3). Ora, nos termos do artigo 249.º74 de Tratado das Comunidades Europeias (TCE) (na

73
Como identificar cabalmente num peido determinado, a norma costumeira violadora da Lei
Fundamental, de acordo com o artigo 51.º, n.º1 LTC, se a mesma reveste uma natureza puramente
material, e não assume uma forma escrita? Sendo teoricamente possível, não parece simples antever tal
cenário. Já na fiscalização concreta, seria concebível representar um regulamento independente,
fundado numa lei que definisse a competência objetiva e subjetiva para a sua emissão, mas cujo
conteúdo consistisse na concretização de uma regra consuetudinária. Aplicado o regulamento a um caso
singular através de uma decisão judicial, poderia a sua inconstitucionalidade ser suscitada, bem como a
do costume normativo que se assumiu como seu parâmetro material, fundamentando uma
consequente interposição de recurso. E a haver três ou mais regulamentos inconstitucionais com
idêntico fundamento, não repugnaria que, por iniciativa do Ministério Público ou dos Juízes do Tribunal
Constitucional, fosse convocado o instituto do artigo 82.º da LTC, e declarada a inconstitucionalidade
com força obrigatória geral do regulamento, bem como do costume que se conformava como seu
parâmetro.
74
Artigo 249.º
Para o desempenho das suas atribuições e nos termos do presente Tratado, o Parlamento Europeu em
conjunto como Conselho, o Conselho e a Comissão adotam regulamentos e diretivas, tomam decisões e
formulam recomendações ou pareceres.

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redação e renumeração que lhe foi dada pelo Tratado de Nice) são os regulamentos
comunitários, as normas em sentido material que gozam de aplicabilidade direta na ordem
interna dos Estados-membros, bem como de uma prevalência normativa ou de um primado
sobre Direito interno (efeito direto em juízo, e eventualmente, também na órbita da atividade
constitutiva da Administração). Trata-se de normas que não admitem a sua corporização em
regras internas, ou a sua complementação por estas, salvo se os mesmo o autorizarem. Já no
que concerne as diretivas comunitárias, estas consistem, de acordo com o referido artigo 249.º
TCE, em atos normativos incompletos que vinculam os Estados-Membros quanto a obrigações 156
de resultado, mas que concedem aos mesmos Estados a forma e os meios de preencherem estes
últimos. Daqui resulta que as diretivas não têm aplicabilidade direta, produzindo os seus efeitos
através da sua transposição num ato normativo de Direito Interno. Na ordem constitucional
portuguesa, de acordo com o artigo 112.º, n.º 8 CRP, as diretivas são transportas por lei, decreto-
lei e decreto-legislativo regional, pelo que o controlo da constitucionalidade não incide
diretamente sobre a diretiva, mas sobre o ato legislativo que a transponha;

a. Posição favorável à supra constitucionalidade do Direito Comunitário:


embora a doutrina jusconstitucionalista maioritária defenda a
supremacia da Constituição sobre o Direito Comunitário derivado (Jorge
Miranda, Gomes Canotilho e Maria Luísa Duarte), o facto é que esta tese
confronta-se com uma posição diferente expressa por uma maioria de
autores juscomunitaristas, bem como a jurisprudência do Tribunal de
Justiça das Comunidades (TJC). Defende, na verdade, o TJC a supremacia
de todo o Direito Comunitário, institucional e derivado, sobre o Direito
interno dos Estados-membros, nele incluindo o Direito Constitucional.
Nessa linha argumentativa, diversos juspublicistas portugueses (André
Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros) 75 esgrimem uma ordem
justificativa em favor da supra constitucionalidade do Direito
Comunitário derivado, centrado na premissa de que «todo o Direito
Comunitário deve prevalecer sobre todo o Direito Estadual», premissa
que se reconduz, sumariamente, às linhas de força que se passa a
mencionar:
i. O primado do Direito Comunitário sobre o estadual seria uma
“exigência existencial”: se em caso de antinomia normativa
uma norma constitucional pudesse prevalecer sobre uma
norma comunitária, seria a ordem jurídica comum dos Estados-
membros que ficaria comprometida. Sem acatamento do
Direito Comunitário não haveria uniformidade e sem esta não
haveria integração, deixando de haver Direito Comunitário.
Assim, o primado teria de ser absoluto e incondicional, sob pena
de não haver primado e de deixar de haver Direito Comunitário.

O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em
todos os Estados-Membros.
A diretiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto,
às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.
A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que designar.
As recomendações e os pareceres não são vinculativos
75
Pereira, André Gonçalves; Quadros, Fausto, Manual de Direito Internacional Público, Coimbra, 1995, p
124 e seg. (a complementar com a opinião do manual)

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Como tal este teria de ocupar uma posição cimeira na


hierarquia das fontes de cada Estado-Membro;
ii. O primado teria uma base positiva e decorreria, implicitamente,
do artigo 10.º e artigo 259.º do TCE: O artigo 10.º76 consagraria
o dever de lealdade ou solidariedade comunitária, eu imporia
aos Estados-membros o dever de se absterem de assumir
condutas que afrontassem os objetivos do Tratado; e o artigo
249.º conferiria ao regulamento comunitário aplicabilidade 157
direta, o qual teria como pressuposto lógico, o primado;
iii. As linhas mestras do primado, como atributo próprio do Direito
Comunitário, seriam o produto de uma construção pretoriana
do Tribunal de Justiça das Comunidades e decorreria de uma
delegação de competências soberanas feita pelos Estados-
membros às comunidades;
iv. No sistema da Constituição da República Portuguesa, os
Tratados comunitários não primariam sobre o Direito
Constitucional, já que vigorariam nos termos do artigo 8.º, n.º2
e estariam submetidos à fiscalização da sua constitucionalidade.
Tal suscitaria a crítica da doutrina examinada, que sustenta que
essa opção constitucional equivaleria à negação do primado
sobre a Constituição do Direito Comunitário originário ou
institucional. Isto, pese o facto de se aceitar no artigo 8.º, n.º3,
o primado de algum Direito Comunitário derivado sobre a
Constituição, como seria o caso dos regulamentos comunitários,
realidade que constituiria um contrassenso, pois as normas de
Direito derivado teriam como pressuposto o Direito
Comunitário institucional. Deveria, pois, o artigo 8.º, n.º3 da
CRP ser alterado.
b. Posição adotada: a supremacia constitucional sobre as normas
comunitárias: em face do disposto no TCE com a redação que lhe foi
dada pelo Tratado de Amsterdão e atento o disposto na Constituição da
República não é possível concordar com a ilustre posição acabada de
sintetizar. Vejamos porquê:
i. O primado da Constituição não afeta a existência do Direito
Internacional nele incluído o Direito Comunitário: o
existencialismo imputado ao Direito Comunitário não tem
procedência, nem como realidade estrutural, nem como
realidade necessariamente pressuposta pelo seu hipotético
primado sobre as Constituições dos Estados-Membros. Não é,
em primeiro lugar, um dado estrutural porque a Comunidade
Europeia e a União Europeia não são realidades existenciais no
Direito Internacional Público. Existencial será, como dado de

76
Artigo 10.º
Os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimento
das obrigações decorrentes do presente Tratado ou resultantes de atos das instituições da Comunidade.
Os Estados-Membros facilitam à Comunidade o cumprimento da sua missão.
Os Estados-Membros abstêm‑se de tomar quaisquer medidas suscetíveis de pôrem perigo a realização
dos objetivos do presente Tratado.

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facto e de Direito, o Estado-soberano como único sujeito de


Direito Internacional com capacidade de exercício
verdadeiramente plena. Bastará que preencha faticamente os
seus pressupostos existenciais (Povo, Território e Poder
Soberano) e que seja declarativamente reconhecido como tal
por uma parte da Comunidade Internacional, para que possa
ser titular de direitos, sujeito de deveres e dotado de uma
capacidade de exercício que o Direito Internacional Geral ou 158
Comum reconhece a todos os sujeitos com capacidade plena.
Diversamente, a Comunidade Europeia é, ainda, uma
organização internacional, de tipo supranacional, ou se se
quiser, uma Confederação sui generis em razão dos seus
atípicos institutos integradores de natureza federativa. Trata-se
de uma pessoa coletiva de caráter derivado, e como tal, de um
sujeito não existencial ou originário de Direito Internacional,
cuja criação, subsistência e extinção depende da vontade dos
Estados que a constituem, e que dela se podem desvincular
através de um ato de recesso. A Comunidade, como realidade a
se, não pode modificar unilateralmente o estatuto dos Estados-
Membros, mas estes ao invés, podem alterar o Estatuto da
mesma Comunidade, como aliás o têm feito. E os poderes de
que a Comunidade é titular são consequência de uma delegação
dos Estados-Membros os quais os podem redefinir, alargando-
os ou reduzindo-os através de Tratado. Ora, resultando o ato
constitutivo da Comunidade, plasmado no seu Direito
Convencional, de um concerto de vontades soberanas dos
Estados, seria ilógico defender a supremacia desse Direito
institutivo convencional sobre as Constituições dos Estados-
Membros, já que foram estes a admitir que os mesmos Estados,
através dos seus poderes constituídos, dessem à luz o referido
Direito Comunitário originário. Nesta cadeia normativa entre
Direito Constitucional e Direito Comunitário, a norma de
referência é a Constituição dos Estados e a norma referência é
a Constituição dos Estados e a norma derivada é o Direito
Comunitário, pelo que seria ininteligível que, salvo
autolimitação constitucional, a realidade mediatamente criada
prevalecesse sobre a normação que habilitou a sua criação.
Trata-se de uma lógica própria das Confederações, onde a lex
superior dos Estados-Membros continua a ser a respetiva
Constituição, realidade que difere das realidades federais, onde
prevalece a Constituição Federal em relação às constituições
dos Estados que renunciam à sua soberania constitucional. Ora
a Comunidade Europeia ainda não é uma Federação. Se esta
ausência lógica de supremacia comunitária ocorre na relação
entre o Direito Constitucional e o Direito Comunitário
institucional da Comunidade, por maioria de razão ocorrerá em
relação ao Direito Comunitário derivado, o qual depende do
segundo. Semelhante realidade não prejudica, como se disse, o

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facto de as próprias Constituições poderem decidir autolimitar-


se, aceitando que sobre elas prevaleça o Direito Comunitário,
originário ou derivado. Trata-se de uma opção individual de
cada Estado-membro, e não foi essa, contudo, a opção do
decisor constitucional português. Vejamos, agora o segundo
sentido de existencialismo do Direito Comunitário, o qual
parece corresponder, mais estreitamente, ao pensamento da
ilustre doutrina que aqui se critica. Trata-se da tese segundo a 159
qual o respeito pelo Direito Comunitário é condição da sua
subsistência e, por conseguinte, da subsistência da própria
comunidade. Não é possível concordar. Não é, em primeiro
lugar, a inobservância (mesmo que reiterada) das normas de
um ramo de Direito que postula o seu desaparecimento: o
Direito Penal é diariamente ofendido e nem por isso a sua
existência fica comprometida. Para sancionar o seu
incumprimento existem os tribunais. O mesmo se diga do
Direito Internacional Convencional. Todas as violações
consecutivas do Direito Internacional Público, com particular
relevo para a Carta das Nações Unidas, jamais puseram em
causa, quer a subsistência (e o recente fortalecimento desse
Direito) quer a perenidade daquela organização. Por maioria de
razão estas considerações valem para a Comunidade Europeia
que dispõe de um Tribunal Superior de Justiça que, com maior
efetividade do que outros tribunais internacionais,
responsabiliza e sanciona os Estados infratores. Deste modo,
nos termos do TCE, a inobservância do Direito Comunitário por
Direito interno tem como consequência a responsabilização
jurisdicional dos Estados e uma consecutiva e grave
inobservância dos tratados constitutivos pode mesmo gerar a
suspensão dos seus direitos, incluindo o de voto. E os casos em
que Tribunais Constitucionais mediram forças com o TJC, e
reafirmaram o primado do Direito Constitucional sobre o
Direito Comunitário no universo dos direitos fundamentais, em
nada beliscaram a existência deste último Direito, levando
mesmo a episódios recuos da jurisprudência consequêncialista
do Tribunal de Justiça das Comunidades. Cai, assim, por falta de
demonstração, a tese do primado desse Direito sobre as
Constituições dos Estados-Membros, como pressuposto da sua
existência;
ii. Não decorre dos Tratados constitutivos a supra
constitucionalidade do Direito Comunitário: tão pouco
impressiona o argumento segundo o qual o primado de todas
as normas de Direito Comunitário sobre todas as normas de
Direito Interno (incluindo as normas constitucionais) decorreria
dos artigos 10.º e 249.º do TCE, pelo que não seria necessário
os Estados consagrarem-no nas respetivas Constituições para
que o mesmo se pudesse impor nas mesmas ordens estaduais,
por força da vinculação destas ao mesmo Tratado. Tal como

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argumenta oportunamente certa doutrina, a tese exposta dá


por demonstrado o que carece ser demonstrado, ou seja, que
as Comunidades Europeias extraem do Tratado a força das suas
normas e a proeminência das mesmas sobre as Constituições
estaduais. É que, em primeiro lugar, não decorre do TCE um
primado do Direito Comunitário com um alcance
supraconstitucional. O artigo 249.º refere que o regulamento
comunitário é obrigatório «em todos os seus elementos», é 160
«diretamente aplicável» em todos os Estados-Membros, e que
a decisão goza de uma idêntica obrigatoriedade para os seus
específicos destinatários. Se o primado se retira apenas destes
dois pressupostos, ele não envolveria a diretiva, a qual os não
possui, e só obriga em função do resultado a alcançar. No caso
dos regulamentos, o primado, em razão da aplicabilidade direta
e obrigatoriedade integral, parece implicar a libertação de uma
força afim ou superior à da da lei, traduzida numa aplicação
preferente sobre normas ordinárias de Direito interno. Já a
diretiva exprime uma vinculatividade interposta, traduzida
numa parametricidade material sobre as normas de Direito
interno que a transponham, implicando a sua inobservância, a
responsabilidade do Estado por incumprimento da obrigação
de resultado. Daí que não exista um primado de Direito
Comunitário derivado caracterizado por um alcance unitário,
mas sim normas portadoras de primados distintos, estribados
em regimes dotados de modos de vinculação diversas. Não é
igualmente certo, contrariamente ao que é afirmado pela
doutrina criticada, que a simples aplicabilidade direta constitua
uma manifestação do primado. Já existiram e podem
teoricamente existir sistemas constitucionais monistas com
primado do Direito interno, ou seja, sistemas que o Direito
Internacional (convencional ou não) se aplica diretamente na
ordem estadual, sem ato de transformação ou de transposição,
sem prejuízo da sua subordinação ao Direito constitucional e
ordinário interno. A aplicabilidade direta indicia, na verdade,
eficácia imediata da norma na ordem interna do Estado, mas
não garante minimamente a hierarquia com que aí vigorará. Já
a obrigatoriedade, associada à aplicabilidade direta, poderia
contribuir para sustentar a hierarquia da norma comunitária em
função da normação de Direito interno. Só que o aludido
preceito do TCE é ambíguo pois não esclarece o alcance
normativo da sua obrigatoriedade, a qual se exprime na
produção dos chamados efeitos diretos verticais. A
obrigatoriedade em todos os seus elementos significa que o
Direito ordinário do Estado-membro não poderá corporizá-lo
em norma interna, transformá-lo ou acatar apenas um
segmento do seu preceituado. E é óbvio que a lógica manda que
o regulamento prevaleça sobre o Direito ordinário interno, sob
pena de pura e simplesmente ficar sem sentido a existência da

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obrigatoriedade. Fica, contudo por demonstrar que obrigue


também o Direito Constitucional. Se os regulamentos
comunitários se subordinam ao TCE, e este tratado vigora na
ordem portuguesa e de muitos outros Estados-Membros como
uma convenção internacional dotada de valor
infraconstitucional, o regulamento deveria vigorar também
com esse mesmo valor. O seu primado específico, com o valor
de regra supraconstitucional teria de se estribar numa norma 161
do TCE que lhe conferisse essa hierarquia ou em norma
constitucional de Direito interno que lhe reconhecesse valor
supraconstitucional. Ora no primeiro caso, como reconhece
certa doutrina, verifica-se que dos tratados institutivos não é
possível arrancar a supra constitucionalidade dos regulamentos.
Para que tal sucedesse necessário seria que os Tratados
concedessem às comunidades “a competência da competência”
ou seja um poder fundacional e auto legitimador de uma ordem
jurídica de domínio projetada sobre as ordens jurídicas
fundacionais dos Estados-Membros. Vimos que, e termos
estruturais, tal não é possível, pelo facto de a ordem
comunitária se constituir como produto de uma vontade
derivada dos mesmos Estados, não dispondo de uma soberania
constituinte autorreferencial, mas apenas as competências que
lhe foram delegadas por esses mesmos Estados. Ora, se se trata
de uma delegação de poderes, tal como reconhece a doutrina
que é objeto da presente apreciação crítica, então não seria
lógica e teleologicamente concebível a autorreferencialidade
competêncial das Comunidades. É que a delegação implica a
existência de um órgão normalmente competente, o delegante,
e um órgão eventualmente competente, o delegado. O segundo
exerce os poderes nos termos que forem definidos pela
vontade do primeiro que, em última instância os pode avocar.
Nesta base, se a delegação implica por parte do delegado, o
exercício de uma competência derivada e condicionada, seria
um contrassenso que este último pudesse sobrepor a sua
vontade em relação à do delegante, já que este é o titular
originário primário e condicionante da mesma competência.
Exercendo a Comunidade competências delgadas pelos Estados
através dos Tratados institutivos que são o produto da sua livre
vontade, não poderão as mesmas Comunidades auto legitimar
a titularidade própria dessas competências através do facto de
vontade funcional, dado que a natureza das mesmas é derivada
e condicionada por um ato de vontade normativa alheia.
Apenas institutos como o exercício de um “poder constituinte”
exercido pela Comunidade que estadualizasse
federalisticamente as competências antes delegadas e
precedesse à transferência irrevogável das mesmas
competências, dos Estados para a Comunidade, com renúncia
definitiva pelos mesmos à sua titularidade, poderia fundar a

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tese de da sua supra constitucionalidade. Só que essa realidade


não existe, porque, como admite a própria doutrina criticada,
as competências são delegadas. Outra hipótese de supra
constitucionalidade com consagração formal, consiste na
adoção de uma cláusula constitucional de admissão da
prevalência do Direito Comunitário sobre a Constituição. Trata-
se de um problema da ordem interna de cada Estado e não de
supremacia própria, autónoma e existencial do Direito 162
Comunitário. Não é pois possível extrair do artigo 10.º TCE uma
regra de supra constitucionalidade, mas sim um compromisso
de acatamento das obrigações do Tratado e dos atos dos órgãos
comunitários pelas Partes, existindo preceitos de ordem
análoga ou próxima em outros Tratados constitutivos de
organizações internacionais, onde a supra constitucionalidade
do seu Direito se não coloca. Falece, deste modo a tese segundo
a qual o primado do Direito Comunitário assumiria um regime
unitário em todas as normas comunitárias; que esse primado
decorreria da aplicabilidade direta; e que a supra
constitucionalidade, como vertente do mesmo primado, estaria
contida nos artigos 10.º e 149.º TCE;
iii. Insubsistência dos reparos críticos ao n.º3 do artigo 8.º da CRP:
tão pouco procede a tese, segundo a qual, o n.º 3 do artigo 8.º
CRP enferma de imperfeições que justificariam a sua remoção
ou modificação. O facto de um preceito não respaldar uma dada
tese não pode ser resolvido através da alteração do preceito,
sendo mais simples alterar a tese. Quando o artigo 8.º refere
que os atos das organizações internacionais de que Portugal é
Parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se
encontre estipulado nos tratados constitutivos, pretende
significar duas coisas:
1. Que só vigoram diretamente se tal estiver disposto nos
tratados constitutivos, o que sucede com regulamentos
e decisões normativas, mas não ocorre com diretivas;
2. Que essa aplicabilidade direta não se confunde com
hierarquia, já que uma coisa é aplicação imediata, sem
necessidade de transposição, e outra, que não está
pressuposta necessariamente no preceito, é o valor
hierárquico com que a norma diretamente aplicada
vigora na ordem interna.

No que toca à primeira questão enunciada, não se vê como é


que o n.º3 do artigo 8.º CRP possa ser tido como imperfeito. Se
remete diretamente para os tratados comunitários os quais não
concedem, como a doutrina em apreciação admite,
aplicabilidade direta à diretiva, a Constituição não pode ser mais
consequente ao não reconhecer essa mesma aplicabilidade
direta. É a doutrina em questão que se afasta dos tratados
quando, com base num “adquirido comunitário”, defende a

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aplicabilidade direta das diretivas contra o disposto na


Constituição a qual aceita o regime operativo destas normas, tal
como as mesmas contam do TCE. Censura-se a Constituição por
não dizer mais do que dizem os tratados ou mesmo por não
contrariar o que é disposto textualmente nos mesmos tratados
sobre a vigência das mesmas diretivas, o que
argumentativamente não parece fazer grande sentido. Quanto
à segunda questão, a doutrina em exame afirma que da 163
aplicabilidade direta se extrai indiretamente o primado, porque
«é óbvio e ninguém o discute» (André Gonçalves Pereira e
Fausto Quadros). Não parece ser assim. Como se demonstrou a
aplicabilidade direta de uma norma internacional não espelha,
só por si a sua hierarquia. Não é pois, a aplicabilidade direta dos
regulamentos que contém, sem mais o primado, mas sim a
aplicabilidade direta associada à obrigatoriedade de todo o
conteúdo do regulamento na ordem interna do Estado, que o
artigo 249 do TCE prescreve e para o qual o n.º3 e agora a
primeira parte do n.º4 do artigo 8.º CRP remetem. Só que esse
primado opera, nos termos dos tratados constitutivos, sobre o
Direito ordinário, mas não sobre a Constituição, a qual é a
norma de referência que, mediante o reenvio receptício,
possibilita a aplicação direta e o efeito direto. Em síntese, o
artigo 8.º pode ser criticado por não prever a eficácia direta das
decisões (que na sua maioria não têm caráter normativo), mas
não por ser desconforme aos tratados comunitários, para os
quais, aliás, remete;

iv. Supra constitucionalidade lógica de norma comunitária


dependente de tratado infraconstitucional: mas o argumento
lógico mais impressivo contra a supra constitucionalidade do
Direito derivado consiste no facto de os tratado constitutivos
das Comunidades vigorarem na ordem interna, nos mesmos
termos e com o mesmo valor hierárquico dos restantes tratados,
ou seja, nos termos do n.º2 do artigo 8.º CRP. Ora essa
hierarquia das convenções encontra-se concebida (e aqui quase
toda a doutrina coincide), num plano supralegal mas, ainda
assim, infraconstitucional. E a prova deste facto, como admite
(embora criticamente) a insigne posição doutrinária aqui
apreciada, consiste na submissão ao controlo da
constitucionalidade dos tratados internacionais, sem exceção,
realidade que ocorre explicitamente na fiscalização preventiva
(artigos 277.º e 278.º) e implicitamente na sucessiva (artigos
277.º, 280.º e 281.º). Se o Direito comunitário derivado se
subordina aos mesmos tratados e estes detêm um valor infra
constitucional, por maioria de razão o mesmo Direito se tem de
submeter ao mesmo controlo de constitucionalidade, sob pena
de um quadro puramente ilógico: o Direito Comunitário
originário seria infra ordenado à Constituição do Estado, mas o

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Direito comunitário Derivado, pese a sua hierarquia inferior em


relação ao primeiro, seria hierarquicamente superior em
relação à mesma Constituição. Esta solução ilógica é, aliás,
representada pelos próprios autores que defendem a supra
constitucionalidade do Direito Derivado. Ora, como eles
próprios concederão, não podendo proceder interpretações
que conduzam ao absurdo, a interpretação não só lógica mas
também conforme à Constituição só pode ser aquela que 164
submete todas as normas jurídicas infra constitucionais,
internas ou externas, ao controlo de constitucionalidade, nos
termos de um n.º1 do artigo 277.º, que não abre qualquer
exceção.

c. Prática normativa e jurisdicional dos Estados-Membros: em termos de


prática normativa e jurisdicional dos Estados, não se verifica em termos
conclusivos a prevalência da supra constitucionalidade do Direito
Comunitário derivado. E a prova disso está no facto de a maioria das
Constituições dos Estados-Membros, entre os quais Portugal, irem
adaptando as suas Constituições às alterações sofridas pelos tratados
institutivos, antes desses iniciarem vigência. Se pontificasse o princípio
de um primado supra constitucional essa alteração não seria prioritária,
pois o mesmo Direito derivado prevaleceria sobre as normas
constitucionais contrárias, as quais seriam desaplicadas pela
Administração e pelos Tribunais.

IV – Trâmites e efeitos a pronúncia pela inconstitucionalidade relativamente a


convenções internacionais

Considerações prévias sobre o objeto de controlo: os tratados são sujeitos a fiscalização


preventiva antes de serem submetidos a ratificação, o mesmo sucedendo com os acordos
internacionais em momento prévio à sua assinatura, devendo seguir-se, com adaptações, o
regime de controlo dos atos legislativos. Considera-se existir uma lacuna na Constituição, pelo
facto de o n.º1 do artigo 278.º não fazer menção, de entre os atos sujeitos ao controlo
preventivo, aos acordos internacionais aprovados por resolução parlamentar, reportando-se
explicitamente o mesmo preceito, apenas às normas aprovadas por decreto do Governo ou do
Parlamento. Semelhante vazio normativo não se encontra estribado em qualquer fundamento
material razoável. Dado que a Assembleia da República dispõe, no respeito das exceções
previstas na alínea i) do artigo 161.º CRP, da faculdade de escolher a forma de tratado ou de
acordo internacional para crismar convenções internacionais por ela aprovadas, não faria
sentido que a mesma matéria fosse sujeita a fiscalização caso revestisse a forma de tratado e
fosse eximida do mesmo controlo, se assumisse a forma de acordo. Por outro lado, pareceria
anacrónico, à luz da essencialidade das matérias, sujeitar as menos importantes (ou seja, as
respeitantes aos acordos aprovados pelo Governo) ao controlo preventivo e isentar do mesmo
controlo as mais relevantes (tangentes aos acordos internacionais inscritos na reserva do
Parlamento). Deve-se, em conclusão, considerar que o artigo 278.º, n.º1, CRP compreende
também os acordos aprovados sob a forma de resolução pois a sua identidade de razão com as

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demais convenções internacionais, retiraria sentido a uma interpretação textual que os


subtraísse ao processo de fiscalização em exame. Quanto aos tratados institucionais, retiraria
sentido a uma interpretação textual que os subtraísse ao processo de fiscalização em exame.
Quanto aos tratados institucionais que vierem a ser adotados no âmbito da União Europeia
encontram-se, igualmente sujeitos a fiscalização preventiva, atento o disposto no artigo 8.º, n.º4
CRP, já que, mesmo no quadro de uma interpretação minimalista, o referido pretexto determina
a compatibilidade dessas convenções com os princípios fundamentais do Estado de direito
democrático. 165

Efeitos imediatos da pronúncia: no caso de uma pronúncia pela não inconstitucionalidade o


Presidente da República não se encontra vinculado a ratificar os tratados e a assinar os acordos
internacionais já que esse tipo de controlo de mérito que exerce sobre os referidos atos é livre.
Isto pese o facto de a Constituição não ser explícita sobre esse grau de liberdade, diversamente
do que ocorre em relação à promulgação e ao veto político de atos legislativos. Se ao invés, a
pronúncia for no sentido da inconstitucionalidade, o Presidente deve vetar os acordos
internacionais e recusar as ratificações dos tratados. O facto de o n.º2 do artigo 279.º CRP se
referir a um veto por inconstitucionalidade sobre os acordos e o n.º4 do mesmo artigo não
mencionar o mesmo veto em relação aos tratados levou a doutrina a considerar que, em relação
a estes últimos, não haveria que falar num “veto jurídico”, as numa recusa de ratificação. Isto
porque, para além da referida falta de referência, não existiria «um ato interno que deva ser
vetado (a resolução que o aprova, não é remetida ao Presidente)» (Eduardo Correia Batista e
Gomes Canotilho). Com efeito, a resolução da Assembleia da República que aprova o tratado é
publicada independentemente de promulgação (artigo 166.º, n.º 5 e 6 CRP), incidindo o ato de
ratificação presidencial, direta e autonomamente, sobre o referido tratado que lhe é submetido,
após a mesma aprovação. Embora ambas as convenções sejam normas internacionais de
idêntica hierarquia, a maior solenidade dos tratados, a incidência internacional do ato de
ratificação ou da sua recusa (artigo 135.º, alínea b)), bem como a reserva necessária de tratado
que a alínea i) do artigo 161.º consagra, parecem justificar a existência de alguns trâmites
distintos. Em suma, em caso de pronúncia no sentido da inconstitucionalidade, deve falar-se em
veto por inconstitucionalidade em relação aos decretos governamentais ou resoluções
parlamentares que aprovem acordos e, em recusa de ratificação com fundamento em
inconstitucionalidade no que tange aos tratados.

Efeitos imediatos da pronúncia pela inconstitucionalidade:


1.º A admissibilidade limitada do expurgo enquanto efeito da formulação de um
reserva: considera um setor da doutrina (Jorge Miranda) que a Constituição não prevê, nem
poderia prever, o expurgo de norma de convenção internacional considerada inconstitucional.
É que, o n.º 4 do artigo 278.º seria omisso e relação à figura do expurgo, no que tange aos
tratados. E a redação do n.º 1 do artigo 279.º diferenciaria a figura do decreto da do acordo
internacional, só se aplicando, à primeira vista, o regime do n.º2 (relativo ao expurgo ou
confirmação) à reforma estrita do decreto. Importa fazer nesta matéria algumas precisões: a
Constituição, tal como assinala outro setor doutrinário (Eduardo Correia Batista), não proíbe o
expurgo. Pela nossa parte, consideramos à luz do que o instituto da expurgação, sempre que
entendido como alteração ou supressão textual do preceito inconstitucional na convenção não
parece ser admissível quando aplicada às convenções internacionais. Isto, porque suporia a
renegociação da convenção, a qual, sobretudo nos instrumentos multilaterais, não parece ser
exequível e, mesmo que o fosse, implicaria a autenticação e a aprovação de uma nova
convenção. Mas se à a expurgação, no seu sentido amplo de depuração de norma

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inconstitucional, estiver compreendida uma operação de modificação ou remoção ideal da


norma, sem afetação do articulado do texto da convenção, então essa figura já poderia abranger
normas modificadas, reintrepertadas ou privadas de em relações jurídicas internacionais que
vinculem o Estado Português, como efeito da formulação de uma reserva, sempre que a
Convenção a não proíba. Assim sendo, a formulação de um reserva, desde que seja admitida em
relação ao tratado multilateral em causa nos termos da Convenção de Viena, pode ser
qualificada como uma forma ampla de expurgo, pois supõe uma ablação ou modificação, sem
mutação de texto, das normas da convenção nas relações jurídicas que no seu âmbito são 166
travadas entre o Estado Português, quando as formule, e os Estados que as aceitem ou objetem,
permitindo essas reservas superar a inconstitucionalidade. A reserva supõe a modificação ou a
inaplicabilidade de uma parcela textual ou ideal da norma tida como inconstitucional no
ordenamento português. Num e noutro caso não será necessário proceder a uma renegociação
da convenção, mas só a aprovação de um ato jurídico unilateral, não procedendo o
entendimento da doutrina que reclama a necessidade da mesma renegociação e a uma nova
convenção. Em abono desta interpretação parece militar o artigo 204.º, n.º1 do Regulamento
da Assembleia da República, o qual reza que a «resolução da Assembleia que o confirme em
segunda deliberação pode introduzir alterações à primeira resolução de aprovação do tratado,
formulando novas reservas ou modificando as anteriormente formuladas». Se bem que o
articulado da convenção permaneça intocado, o facto é que as reservas que impliquem
alteração do texto se integram substancialmente no domínio da reformulação normativa
subsequente a um julgamento de inconstitucionalidade. Por isso mesmo, sem que se esteja
formalmente perante um novo tratado, o n.º2 do artigo 204.º RAR trata-o como tal, na medida
e que as alterações operadas no sentido das mesmas normas pelas reservas ou por uma
modificação das anteriormente formuladas podem sempre estar afetadas de
inconstitucionalidade. Por isso mesmo, o referido n.º2 admite que «o Presidente da República
pode requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das normas do
tratado». No caso de o Estado Português formular uma declaração interpretativa que configura
um novo sentido às normas da convenção, feito em conformidade com a Constituição, matéria
relativamente à qual o regimento parece ser omisso, entende-se que se esse sentido
interpretativo implicar uma alteração substancial das referidas normas que equivalham, no
plano ideal, a uma reformulação, deveria o mesmo ser submetido um regime idêntico ao
previsto no artigo 204.º RAR para as reservas expurgativas. O regime descrito no número
anterior deve ser tomado, com ajustamentos, aos acordos internacionais multilaterais.

2.º A confirmação parlamentar dos tratados e acordos internacionais:


a) o regime dos tratados: no caso de ser proferida uma pronúncia pela
inconstitucionalidade e de se verificar a consequente e obrigatória
recusa presidencial de ratificação do tratado inconstitucional, a
Assembleia da República dispõe da faculdade de o vir a confirmar
por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que
superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de
funções (artigo 279.º, n.º4 CRP). Decorre da Constituição que se
trata de uma faculdade da Assembleia e não de uma obrigação,
atento o sentido da frase, «este só poderá ser ratificado se a
Assembleia da República o vier a aprovar por maioria de dois terços
(…)». O Parlamento pode, opcionalmente, atenta a fórmula
condicional utilizada na Lei Fundamental, desistir da aprovação do
Tratado ou proceder à sua confirmação. Se assim é, não resulta

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plenamente harmonioso com a Constituição o sentido imperativo da


formulação do artigo 203.º, n.º1 RAR, o qual reza que «No caso de o
Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade de
norma constante de tratado, a resolução que o aprova deve ser
confirmada por maioria dos dois terços dos Deputados presentes».
Ademais, o preceito não reproduz o texto constitucional, na parte
em que o mesmo clarifica que a maioria de dois terços dos
deputados presentes deve ser superior à maioria absoluta dos 167
deputados efetivos. Tem-se deste modo que, em sede de
interpretação corretiva conforme a Constituição, o n.º1 do artigo
203.º RAR deve ser entendido como uma reprodução do artigo 279.º,
n.º4 CRP e a expressão “deve” nada mais será do que uma exigência
da obtenção da maioria qualificada como condição para a superação
do do veto, mas não como obrigação confirmatória a que o
Parlamento se encontre sujeito. O limite mínimo do prazo
determinado para a deliberação confirmativa é fixado no Regimento
da Assembleia da República, o qual, no n.º3 do seu artigo 203.º
prescreve que a segunda deliberação só pode ter lugar a partir do
décimo quinto dia posterior o da receção da mensagem
fundamentada do Presidente da República. Finalmente, convirá
destacar que a proibição de ratificação de tratado julgado
inconstitucional em fiscalização preventiva, salvo confirmação ou
reformulação decorrente de reserva, não vincula o Presidente a
ratificar, no caso de se verificar uma destas duas vicissitudes. A
fórmula «este só pode ser ratificado» é clara no sentido da não
obrigação de ratificação, podendo o Presidente nega-la por razões
de mérito, de acordo com as competências que lhe são atribuídas
pela alínea b) do artigo 135.º CRP. O prazo de ratificação ou de
recusa de ratificação dos tratados internacionais não é
explicitamente fixado pela Constituição, o que não significa que o
Presidente não esteja explicitamente fixado pela Constituição, o que
não significa que o Presidente não esteja temporalmente limitado
para a prática desse ato e goze de total liberdade para arrastar
temporalmente limitado para a prática desse ato goze de total
liberdade para arrastar temporalmente o exercício do seu controlo
de mérito, em matérias tão sensíveis como as que respeitem às
relações externas do Estado. Sufraga-se aqui o entendimento de se
poder aplicar, por analogia, na ratificação dos tratados, o prazo de
20 dias previsto no artigo 136.º, n.º1 CRP para promulgação das leis
da Assembleia da República, já que se trata em ambos os casos de
atos normativos imputados ao Parlamento. Trata-se do mesmo
prazo adotado sobre esta matéria em sede referendária. O referido
prazo deve ser contado a partir da data da decisão negativa de
inconstitucionalidade. A lacuna exposta não deixa de propiciar
incertezas dispensivas (as quais podem gerar «recusas de ratificação
de bolso»). Como tal, ganharia em ser integrada pelo legislador
constitucional em ulterior revisão da Lei Fundamental.

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b) Regime dos acordos internacionais: existe uma interpretação


tradicional formulada no sentido de que, para além dos acordos
internacionais aprovados pelo Governo, também aqueles que
tenham sido aprovados pela Assembleia da República e vetados na
sequência de uma pronúncia por inconstitucionalidade, não seriam
suscetíveis de confirmação parlamentar, em razão do texto
constitucional o não admitir (artigo 279.º, n.º2). Aduz-se, para o
efeito, um argumento literal nos termos do qual o referido preceito 168
constitucional se reporta a decretos para promulgação e assinatura,
sendo certo que os acordos aprovados pela Assembleia da República
não revestem a forma de decreto, mas sim de resolução. Não parece
pacífica semelhante interpretação do preceito constitucional.
Vejamos porquê:

1. Não existe, volvidas sucessivas e discutíveis revisões da


Constituição de 1976, uma diferença substancial de relevo
entre tratado e acordo internacional, mas, essencialmente,
uma distinção orgânica, pois a Assembleia da República aprova
indistintamente tratados e acordos nas matérias da sua
competência, salvo os domínios restritos de reserva de tratado
previstos na segunda parte da alínea i) do artigo 161.º CRP; e o
Governo aprova apenas acordos internacionais. E,
especialmente no tempo presente, essa diferenciação ainda se
esbate com maior intensidade, a partir do momento em que se
sedimenta uma corrente doutrinária que defende que o
Presidente da República pode recusar a assinatura dos acordos
internacionais. Na realidade, a tese segundo a qual o Presidente
da República ratificaria livremente Tratados e assinaria
livremente acordos internacionais constituiu durante anos, sem
qualquer amparo convincente no ordenamento positivo,
expressão de um hipotético costume que teria traçado um
elemento orgânico-formal fundamental de distinção entre as
duas classes de convenções. Verifica-se, contudo, no plano
lógico-sistemático, que a Constituição é omissa quanto ao
hipotético poder presidencial de recusa de assinatura (tal como
sucede com o de recusa de ratificação) o que faz repousar a
elucidação desta querela num trabalho puramente
interpretativo. Ora, não pode proceder uma interpretação feita
ao disposto no n.º2 do artigo 8.º CRP, da qual decorra que os
acordos possam, volvida a sua aprovação, ser enviados para
publicação como ato perfeito, no caso de o Presidente da
República denegar a assinatura. Isto porque o artigo 137.º CRP
fulmina com inexistência jurídica qualquer dos atos previstos na
alínea b) do artigo 134.º aos quais falte a assinatura, figurando
expressamente entre os mesmos, os acordos internacionais.
Tratar-se-ia, mesmo, de uma inexistência reforçada pois essa
assinatura presidencial careceria de ser referendada, de acordo
com o n.º 1 do artigo 140.º cominado com o n.º2 do preceito a

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inexistência jurídica para a mesma falta de referenda


ministerial. O acordo, em suma, caso não seja assinado ou
referendado carece em absoluto de inexistência jurídica. Pelo
que se conclui em favor da faculdade de o Presidente da
República poder recusar a assinatura dos acordos ou, se se
quiser, dispor da faculdade de privar o acordo de existência
jurídica na ordem interna através da denegação de assinatura,
sem que o ordenamento reveja qualquer censura a essa 169
conduta. Daí que o controlo de mérito exercido pelo Presidente
em relação a tratados e acordos seja portador de efeitos
idênticos, não logrando constituir um elemento distintivo entre
ambos.

2. No plano substancial ocorre, também, uma sobreponibilidade


parcial de matérias sujeitas à aprovação de tratados e acordos
pela Assembleia da República já que, esta, salvo os domínios da
reserva de tratado da alínea i) do artigo 161.º CRP, pode
aprovar a mesma matéria sob uma ou outra forma, dispondo,
neste plano, de uma liberdade ampla de escolha77.

3. O diferencial entre as duas convenções e o desmoronamento


do entendimento clássico de que o Presidente da República
estaria vinculado a assinar acordos, tem como efeito no
controlo ex ante da constitucionalidade, a admissibilidade de o
Chefe de Estado, no caso de se registar uma pronuncia pela
inconstitucionalidade e uma ulterior confirmação parlamentar,
poder arbitrar entre o Tribunal e o Parlamento, assinando ou
recusando a assinatura. Com efeito, a tese favorável à
assinatura vinculada pelo Chefe de Estado dos acordos
internacionais constituía o principal obstáculo lógico-jurídico à
fiscalização prévia dessas convenções, nomeadamente por ser
incompatível com o regime do veto translativo por
inconstitucionalidade e com a possibilidade de, volvida uma
confirmação parlamentar para efeito da reversão do mesmo
veto, o Presidente poder, ainda, no âmbito da sua função
arbitral, recusar a assinatura de um acordo. Se a assinatura era
vinculada, como poderia o Presidente nega-la em sede de
controlo preventivo? Ora, a queda da construção da assinatura
obrigatória dos acordos internacionais pelo Presidente da
República remove o obstáculo assinalado. Se o Presidente não
é constrangido juridicamente a assinar a referida convenção,
nomeadamente em sede do controlo de mérito que sobre ela

77
Daí que qualificar na ordem interna portuguesa os acordos internacionais como “convenções em
forma simplificada”, figura prevista na Convenção de Viena, não tem qualquer razão de ser na ordem
jurídica portuguesa já que na ordem jurídica portuguesa não existe uma rigorosa repartição de matérias
entre tratados e acordos na esfera de competência parlamentar nem a possibilidade do Estado se
vincular pela assinatura vale como autenticação, exigindo-se uma aprovação parlamentar ou
governamental e um controlo de mérito presidencial para que os mesmos atos vinculem juridicamente a
República Portuguesa.

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exerce, nada obstará a que exerça sobre ela o seu veto


vinculado, volvida pronúncia no sentido da
inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, ou que
recuse assiná-la, por razões de inconstitucionalidade, no caso
de ser confirmada.

4. Restará o argumento literal favorável à não aplicação do regime


da confirmação parlamentar aos acordos aprovados pela 170
Assembleia da República que será, quiçá, o mais débil. É que,
quem confira à expressão «decretos», ínsita no artigo 278.º,
n.º1 CRP um sentido amplo não poderá deixar, por razões
lógicas, de o fazer também, em relação ao artigo 279.º, n.º2.
Isto porque, se a mesma fórmula vale no contexto do primeiro
preceito citado no período anterior, para submeter os acordos
aprovados por resoluções parlamentares à fiscalização
preventiva, também deverá valer, por identidade de razão, para,
no que concerne ao disposto no artigo 279.º, n.º2 CRP, tornar
admissível a confirmação parlamentar dos mesmos «decretos»
aprovados sob a referida forma de resolução, no caso de o
Tribunal se pronunciar pela sua inconstitucionalidade.

5. Todas as razões antecedentes levam a que nos inclinemos em


favor do entendimento, segundo o qual, os dois artigos citados,
a fórmula «decreto» constitui um sinónimo de diploma e que,
como tal, os acordos internacionais aprovados pela Assembleia
da República sob a forma de resolução e julgados
inconstitucionais em controlo preventivo poderão ser objeto de
confirmação parlamentar na medida em que conformam a
natureza de «decretos» no quadro da relação de sinonímia
exposta. E a bem da verdade, não faria logicamente sentido
defender que um Tratado fosse sujeito ao regime de
confirmação e um acordo aprovado pelo Parlamento com um
conteúdo rigorosamente igual fosse do mesmo regime
subtraído.

Síntese: considera-se, em matéria de tratados, em caso de pronúncia pela inconstitucionalidade


de normas constantes dessas convenções, que:

c) O Presidente deve recusar a sua ratificação;

d) O Parlamento pode, optativamente, desistir da sua aprovação; reaprová-los por


maioria de dois terços dos deputados presentes desde que superior à maioria
absoluta dos efetivos; ou expurgá-los das normas viciadas em segunda deliberação,
no caso de a mesma convenção admitir reservas e de estas virem a ser formuladas
tempestivamente;

e) No segundo e terceiros casos referidos na alínea anterior, o Presidente é livre para


ratificar, ou não, o tratado.

No que diz respeito aos acordos internacionais, se o Tribunal se pronunciar pela sua
inconstitucionalidade:

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a) O Presidente da República deve vetá-los;

b) O Parlamento ou o Governo podem optar entre desistir da sua aprovação e expurgá-


los no quadro da formulação de reservas, podendo ainda a Assembleia da República
reverter o veto, mediante confirmação aprovada por maioria de dois terços dos
deputados presentes, desde que sujeitos à maioria absoluta dos deputados efetivos;

c) Na segunda situação referida na alínea anterior, o Presidente da República, em caso


de dúvida, pode suscitar de novo a fiscalização preventiva da sua 171

constitucionalidade e na terceira pode recusar-se, ou não, a sua assinatura por


razões de constitucionalidade.

V – A fiscalização Abstrata Sucessiva

Subsecção I – Natureza e teleologia do instituto

Consagração normativa: o processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade


e da legalidade encontra-se regulado nos artigos 281.º e 282.º CRP. A Lei do Tribunal
Constitucional dedica-lhe especificamente os artigos 62.º a 66.º, sendo também aplicáveis ao
mesmo processo os seus artigos 51.º a 56.º, na qualidade de deposições comuns à fiscalização
abstrata, preventiva e sucessiva.

Fontes históricas: o exercício da fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade de


normas por parte de uma jurisdição especializada não colhe precedentes na história
constitucional portuguesa. Já o controlo abstrato sucessivo da constitucionalidade de normas,
como processo “a se”, encontra no ordenamento de 1933 uma fonte cognitiva, a saber:

a) A faculdade de a Assembleia Nacional, em sede de fiscalização política, poder


declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalidade orgânica e formal
de normas promulgadas pelo Presidente da República, mediante iniciativa do
Governo ou dos deputados;

b) A faculdade de se poder vir a concentrar em algum ou vários tribunais, a


competência para declarar a inconstitucionalidade de normas com força
obrigatória geral, dependendo essa possibilidade da sua consagração legal .

Importa referir que a atribuição da referida competência a uma instância judicial


então existente (como o Supremo Tribunal de Justiça) ou a criação específica de
uma jurisdição concentrada nos termo acabados de expor, acabou por nunca
ter lugar. Durante o período revolucionário que se seguiu a abril de 1974,
cometeu-se ao Conselho de Estado e depois, ao Conselho da Revolução, o
controlo político concentrado e por via sucessiva da constitucionalidade de
normas, o qual nunca foi exercido e que carecia de sentido como instituto
garantistíco de um Estado de Direito, já que se inseria na teleologia semântica
de auto-policiamento da ditadura militar que então vigorava. Já o texto
constitucional de 1976, na sua versão originária, manteve no Conselho da
Revolução a faculdade de declarar a inconstitucionalidade de normas com força

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obrigatória geral, mediante a iniciativa e um conjunto de órgãos. A arquitetura


deste controlo abstrato sucessivo de recorte político constituiu, no plano
instrumental e positivo, uma fonte próxima do processo de fiscalização abstrata
sucessiva de natureza jurisdicional que foi introduzido em 1982 através da
primeira revisão ordinária da Constituição. Por força da mesma revisão,
substituiu-se ao Conselho da Revolução pelo Tribunal Constitucional, como
órgão competente para o exercício do controlo, ficando consagrada, na sua
plenitude, a matriz jurisdicional da garantia do ordenamento constitucional da 172
III República. A influencia do modelo austro-germânico da fiscalização
concentrada da constitucionalidade, com particular relevo para o processo
abstrato sucessivo, terá marcado a revisão constitucional de 1982. Isto, pese o
facto de os trabalhos preparatórios não serem especialmente esclarecedores
sobre as fontes de Direito Comparado, as quais não abundaram durante as
discussões travadas na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Essas
mesmas fontes terão, apesar de tudo, influenciado a preparação dos projetos
de revisão da Aliança Democrática e da Frente Republicana Socialista, os quais
previam a substituição do Conselho da Revolução por um Tribunal
Constitucional e instituíam o controlo abstrato sucessivo à luz da matriz austro-
germânica. De qualquer modo, a fonte cognitiva externa centrada no paradigma
dos tribunais constitucionais alemão, italiano e espanhol não inovou
significativamente quanto ao teor das regras constitucionais de natureza
processual relativas à fiscalização sucessiva, já que as mesmas foram,
predominantemente, bebidas no texto originário da Constituição relativo ao
controlo político abstrato sucessivo que fora então instituído, excetuada a
matéria dos efeitos das decisões de inconstitucionalidade.

Natureza Jurídica: o processo de fiscalização sucessiva consiste num tipo de controlo abstrato
de validade de normas exercido por via direta ou principal, e que tem por finalidade essencial,
a eliminação das normas jurídicas já publicadas que sejam julgadas inconstitucionais ou ilegais,
bem como de efeitos que as mesmas hajam produzido no passado. Atentemos nas componentes
integrativas desta caracterização.

1.º Um processo de fiscalização abstrata exercido por via principal: este processo
de fiscalização supõe que se aprecie a constitucionalidade ou a legalidade de uma to, na sua
qualidade de norma jurídica já formada e potencialmente eficaz. Embora a invalidade constitua
o desvalor regra suscetível de apreciação e repressão (artigo 3.º, n.º 3 e, ainda, o artigo 282.º
CRP que implicitamente incorpora o regime da nulidade como sanção dos atos inválidos), pode
o mesmo processo der excecionalmente convocado para declarar, igualmente, a inexistência e
a irregularidade de normas inconstitucionais pese o facto de tal nunca ter sucedido até ao ano
de 2010. Encontramo-nos diante de um controlo abstrato porque o mesmo incide sobre um ato
normativo já introduzido o ordenamento (volvida a sua aprovação, eventual controlo de mérito
e publicação) que é questionado nessa mesma qualidade, independentemente de ter, ou não,
produzido qualquer efeito jurídico concreto. Atento este ultimo dado, regista-se que o ato
normativo pode ser sindicado durante o período da vacatio legis, sendo também possível
impugnar através deste processo, leis individuais e concretas, independentemente da sua
efetiva aplicação à situação particular sobre a qual dispõem. A via processual de controlo
utilizada assume natureza principal já que pressupõe que um conjunto de órgãos ou titulares de
órgãos, legitimados para o efeito, impugnem diretamente um ato normativo, junto do Tribunal
Constitucional.

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2.º A eliminação da norma e dos seus efeitos como objeto do processo: o objeto
principal do processo de fiscalização sucessiva consiste na eliminação da norma diretamente
impugnada, bem como a destruição retroativa de efeitos decorrentes da sua aplicação, desde o
momento em que o desvalor normativo se constituiu. Desta regra são excecionados, ope
constituitione o casos julgados bem como os efeitos libertados pela norma julgada
supervenientemente inconstitucional ou ilegal, durante o período anterior à entrada e vigor do
parâmetro que com ela entrou em colisão (artigo 282.º, n.º 2 e 3 CRP). São também
expressamente excecionados dos efeitos repressivos ex tunc, nos termos da Constituição, mas 173

por decisão do Tribunal Constitucional, algumas situações que sejam tidas por consolidadas, por
razões de equidade, segurança jurídica e interesse público especialmente relevante (artigo 282.º,
n.º4 CRP). Em Portugal e no Brasil o julgamento da inconstitucionalidade de uma norma em
fiscalização abstrata sucessiva implica a prolação de uma decisão com força obrigatória geral,
diversamente do que sucede com o julgamento em fiscalização concreta, o qual se limita a privar
de eficácia da norma inconstitucional no caso sub iuditio.

Fins e atributos funcionais da fiscalização abstrata sucessiva: o processo de controlo


abstrato sucessivo tal como se encontra consagrado no artigo 282.º CRP destina-se a remover
definitivamente da ordem jurídica normas feridas de inconstitucionalidade e a reparar os efeitos
das suas metástases, procurando restabelecer o tecido do ordenamento jurídico afetado pelas
consequências geradas pelo ato inválido. Trata-se de uma função processual única, dado que
esse desiderato não logra ser garantido, nem pela fiscalização preventiva , nem pela fiscalização
concreta, já que nem uma nem outra logram expulsar do sistema jurídico uma norma
inconstitucional que nele tenha sido efetivamente introduzida. O tipo de controlo em exame
pressupõe, em tese, o exercício de uma função complementar em relação à fiscalização
preventiva, a qual foi concebida para filtrar a entrada no ordenamento de todas as normas
afetadas por inconstitucionalidades manifestas ou ainda por supostas normas inconstitucionais
envolvidas por uma ambiência externa de conflitualidade política. Essa conflitualidade latente
está bem patente no caso recursivo da legislação laboral, cuja aprovação se encontra, em regra,
envolvida por apelos feitos pelas estruturas sindicais ao Presidente da República para exercer o
controlo preventivo (todos os Chefes de Estado sindicaram a legislação de Trabalho), acabando
por ser muito variável a evidência efetiva das pretensas inconstitucionalidades. Ora, como a
grande maioria dos vícios que predicam a invalidade normativa são realidades não só pouco
evidentes, mas também bem menos permeáveis, em regra, a controvérsia política (emergindo
como exame mais detido ao conteúdo de um ato publicado ou aos seus efeitos), haveria que
conceber um instituto repressivo que os purgasse do ordenamento. A fiscalização sucessiva
permite, assim, eliminar todas essas normas inconstitucionais que a fiscalização preventiva
deixou fluir para a ordem jurídica, seja porque os respetivos vícios não foram detetados; seja
porque, tendo as mesmas normas sido julgadas inconstitucionais acabaram por ser configuradas
politicamente por um órgão parlamentar, seguindo-se a sua promulgação ou assinatura; seja,
ainda, porque o requerente preferiu não bloquear o processo normativo, optando por acionar
o controlo a posteriori para remover unicamente uma parcela normativa inquinada, constante
de um diploma. Um sistema apenas construído em torno da fiscalização preventiva colocaria a
subsistência de uma vasta pluralidade de inconstitucionalidades não detetadas pelos
mecanismos desse processo de fiscalização, à mercê da boa vontade do legislador. Ora,
semelhante circunstância, diminuiria a normatividade da Constituição, a juridicidade do Direito
Constitucional e a integridade teleológica do próprio Estado de direito aumentaria, em contra
corrente, a esfera das imunidades da lei. A fiscalização abstrata sucessiva assume, igualmente,
uma função complementar da fiscalização sucessiva concreta. Na verdade, o sistema português

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prevê no artigo 3.º do artigo 281.º CRP que, no caso de a mesma norma vir a ser julgada
inconstitucional em três casos concretos se torna possível desencadear, mediante iniciativa dos
juízes do Tribunal Constitucional ou do Ministério Público, o seu controlo abstrato sucessivo, de
forma a que possa ser removida do ordenamento. Um sistema centrado num controlo concreto
difuso que não possua mecanismos de purga abstrata do ato inconstitucional do ordenamento
desafiaria os princípios básicos de economia processual e as exigências mais elementares da
segurança jurídica. Isto, porque permitira sem justificação cabal a subsistência na ordem interna,
de uma norma já julgada inválida no caso concreto e a multiplicação inútil de futuros processos 174
com o mesmo objeto. Os sistemas concentrados europeus solucionaram o problema
imprimindo força obrigatória geral à decisão de inconstitucionalidade proferida em fiscalização
concreta.

Subsecção II – Pressupostos processuais

Pressupostos subjetivos:
1.º Competência para o exercício da atividade de fiscalização: o exercício do
controlo abstrato sucessivo da validade constitucional das normas e da legalidade das leis e de
regulamentos que violem certas leis constitui uma reserva exclusiva de competência do Tribunal
Constitucional. Este Tribunal é, efetivamente, o único órgão competente para apreciar e
declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas jurídico-políticas com
eficácia externa que violem a Constituição da República, assim como a ilegalidade das leis e de
determinados regulamentos que conflituem com os estatutos Político-Administrativos das
Regiões Autónomas (n.º1 do artigo 223.º, conjugado com o 281.º CRP).

2.º Legitimidade processual ativa: o n.º2 do artigo 281.º CRP enumera os sujeitos
de natureza jurídico-pública (órgãos e titulares de órgãos) dotados de legitimidade ativa para
peticionarem a fiscalização abstrata sucessiva.

i) Legitimidade geral: a legitimidade geral consiste no poder funcional em que


se encontram investidos certos sujeitos de natureza pública para suscitarem ao Tribunal
Constitucional a fiscalização da constitucionalidade de quaisquer normas, assim como
legalidade de quaisquer disposições legislativas que desrespeitem leis com valor reforçado. Os
sujeitos peticionantes são, de acordo com as alíneas a) a f) do n.º2 do artigo 281.º CRP:

- O Presidente da República: a legitimidade justifica-se à luz da sua


função “moderadora”, inerente ao semipresidencialismo português, a qual implica a
possibilidade de requerer a apreciação da validade das normas já existentes no ordenamento,
sempre que sobre as mesmas o mesmo órgão tenha dúvidas de constitucionalidade. A
circunstância de o mesmo órgão dispor, simultaneamente, de legitimidade ativa para iniciar um
processo de fiscalização preventiva levou a que os requerimentos apresentados pelo Chefe de
Estado, no âmbito da fiscalização abstrata sucessiva, tenham sido, até ao ano de 2010,
muitíssimo escassos, já que o Presidente parece decididamente ter dado a sua preferência ao
primeiro processo de controlo, dado o seu poder obstaculizante do processo normativo;

- O Presidente da Assembleia da República: assume um relevo


puramente institucional, atenta a vontade do legislador constitucional em fazer figurar os

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presidentes de cada órgão de soberania, de natureza não jurisdicional, de entre os sujeitos


competentes para desencadear o sindicato de controlo abstrato sucessivo. Contudo, atento o
facto de o Presidente da Assembleia da República ser um deputado e de a um décimo dos
Deputados ser também reconhecida esta faculdade, leva a que não seja entendível, em termos
substanciais, o fundamento justificante da outorga deste poder ao Presidente do Parlamento,
para além das meras razões honoríficas centradas na equiparação entre os máximos titulares de
órgãos de soberania já referidos, como titulares de legitimidade ativa para a promoção deste
tipo de fiscalização. Sintomaticamente, desde o ano de 1991 que o Presidente do Parlamento 175
não apresenta qualquer pedido de fiscalização em via abstrata sucessiva;

- O Primeiro-Ministro: observa-se o número de requerimentos de


fiscalização por ele formulados não ultrapassaram sensivelmente, até ao termo do ano de 2010,
o valor de uma dezena, deixando praticamente de ser presentes ao Tribunal Constitucional
desde meados da década de noventa. A legitimidade processual que a Constituição lhe
reconhece funda-se essencialmente na necessidade de, no cenário institucional de um governo
minoritário, o mesmo órgão ter a possibilidade de promover o controlo de leis parlamentares
fortuitamente geradas por acordos de conveniência, gizados entre os partidos da oposição.
Contudo, este mecanismo permite, também, a um governo maioritário em funções, questionar
as leis inconstitucionais aprovadas por uma maioria política adversa durante uma legislatura
anterior;

- O Provedor de Justiça: atento o seu estatuto constitucional de órgão


administrativo independente defensor dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos,
encontra a justificação da sua legitimidade ativa, na tutela desses mesmos direitos, quando
ofendidos por normas do poder político. Ainda assim, o objeto dos seus requerimentos não se
encontra limitado à atividade tutelar dos direitos fundamentais, podendo o Provedor suscitar a
apreciação da constitucionalidade de quaisquer normas e com qualquer fundamento. O facto
de os cidadãos poderem apresentar queixas ao Provedor de Justiça por ações ou omissões dos
poderes públicos (artigo 23.º, n.º1 CRP) propicia que, por via indireta ou interposta, os mesmos
cidadãos possam influenciar a ativação do controlo abstrato sucessivo, se tal for julgado
pertinente pelo Provedor. O Provedor de Justiça é um dos órgãos responsáveis pelo maior
número de pedidos de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, demonstrando ser
uma instituição privilegiada dos cidadãos para, por via indireta, garantirem os seus direitos e
interesses legítimos;

- O Procurador Geral da República: assumindo a presidência da


Procuradoria Geral da República e como órgão superior do Ministério Público, a sua legitimidade
ativa pode compreender-se em função do seu papel de defesa da constitucionalidade e
legalidade dos atos jurídico-públicos. Tem sido persistente a promoção do controlo da
constitucionalidade por parte deste órgão, atenta uma multiplicidade de razões, tais como a
defesa de direitos fundamentais, a garantia do Estado Unitário contra diplomas regionais
inválidos e a estrita defesa da Constituição contra atos públicos que lhe são desconformes,
independentemente do relevo político das matérias;

- Um décimo dos Deputados à Assembleia da República: radica,


fundamentalmente, na necessidade de se assegurar a tutela dos direitos dos representantes das
forças políticas minoritárias, permitindo-se-lhes acionar o controlo dos atos aprovados pela
bancada maioritária ou pelo Governo em funções. Pode, também, encontrar justificação na
necessidade de a bancada parlamentar de apoio a um governo minoritário suscitar a apreciação
da validade das normas aprovadas por um concerto heteróclito de deputados oposicionistas ou

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de questionar normas editadas durante o pontificado de uma anterior maioria. Finalmente, fará
ainda sentido que os deputados da bancada maioritária ou de qualquer outro grupo possam
impugnar atos normativos oriundos das regiões autónomas.

ii) Legitimidade especial: trata-se da faculdade reconhecida a diversos sujeitos


para promoverem o controlo da constitucionalidade e legalidade de atos normativos, no
respeito de certos pressupostos ou exigências. Daqui decorre que os mesmos sujeitos:

- só possam impugnar a constitucionalidade de normas e a legalidade de 176

leis, quando se verifiquem certos pressupostos objetivos, como o da lesão de direitos regionais
constantes da Constituição, ou da ofensa a determinados parâmetros normativos, como a
violação do estatuto por ato legislativo (artigo 281.º, n.º2, alínea g) CRP);

- ou só possam impugnar qualquer categoria de ato quando se reunirem


certos requisitos de facto e de direito, como é o caso da repetição do julgado em três casos
concretos (artigo 281.º, n.º3 CRP)).

Encontramo-nos, assim, perante uma legitimidade ativa “limitada” que o


Tribunal Constitucional escrutina rigorosamente78, seja em razão dos pressupostos objetivos,
seja em razão do parâmetro ofendido.

a) Legitimidade ativa no âmbito regional: relembremos o que o texto


constitucional dispõe a este respeito:

a. Representantes da República: atento o disposto na alínea g)


do n.º 2 do artigo 282.º CRP, o Representante da República,
pode requerer a fiscalização da constitucionalidade de
normas que violem os direitos das regiões e o controlo da
legalidade de normas do Estado e das Regiões com
fundamento na violação dos estatutos político-
administrativos. Sendo assim defendidos os pressupostos
subjetivos e objetivos deste sindicato de
constitucionalidade e legalidade e atenta a leitura
“textualista” que dele é feita pelo Tribunal Constitucional
quando aprecia a legitimidade ativa inerente a pedidos de
impugnação de normas ao abrigo deste preceito por parte
dos órgãos e titulares dos órgãos regionais, considera-se
que o Representante da República se encontra limitado ao
âmbito da inconstitucionalidade e ilegalidade que pode
requerer. Importa pois, em tese, que o pedido de
fiscalização se encontre fundamentado nos pressupostos
específicos atrás mencionados, sob pena de indeferimento
liminar, justificado em falta de legitimidade do órgão
requerente (artigo 52.º, n.º1 LTC). Isto, não obsta a que o
preceito se encontre manifestamente mal concebido, tendo
as sucessivas revisões constitucionais contribuído para a
sua gradual degradação teleológica. Em primeiro lugar, a
alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º CRP configura, no plano
textual, os mesmos pressupostos e objeto de impugnação

78
Acórdão n.º 491/2004

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normativa, quer para os Representantes da República, quer


para os órgãos e titulares de órgãos de governo próprio das
regiões. Daqui decorre, salvo melhor opinião, um contra-
senso, pois o primeiro sujeito representa os interesses da
República nas regiões (artigo 20.º, n.º1 CRP) e os segundos
exercem as suas competências no âmbito regional e tendo
em vista a salvaguarda de interesses regionais (artigo 231.º,
n.º1 CRP). Julga-se, por conseguinte, que a disposição 177
referida não resiste a uma interpretação lógica e finalística,
que parta do princípio segundo o qual, os pressupostos e o
objeto da impugnação de normas deva ser ajustado à
natureza e estatuto de cada sujeito titular da legitimidade
ativa e aos fins públicos que pautam o exercício da respetiva
atividade. Nessa linha interpretativa resulta ser
incompreensível que o Representante da República
impugne a constitucionalidade de normas com fundamento
na violação dos interesses das regiões, atento o facto de no
seu âmbito geral de competências e nos fins que presidem
ao exercício das suas funções não se descortinar uma
curadoria de interesses regionais. E, se faz pouco sentido
que o mesmo órgão possa impugnar normas estatais
violadoras da Constituição, no respeitante às disposições
que consagrem direitos regionais, menos sentido fará a
faculdade que textualmente lhe é aparentemente cometida
para também impugnar normas regionais violadoras dos
direitos das regiões que se encontrem vertidos na
Constituição. O Representante da República ficará assim
investido no papel de sumo guardião dos direitos regionais
defendendo-os contra os atos emanados dos próprios
órgãos de governo da região que, afinal, representam nos
termos constitucionais, os interesses dessas coletividades
autónomas, o que constitui um anacronismo. Em segundo
lugar, parece pouco inteligível que, do texto do preceito
constitucional em análise, resulte a inibição dos
Representantes da República em requererem o controlo de
constitucionalidade de decretos legislativos violadores de
normas constitucionais (como é o caso dos direitos
fundamentais), ou que ultrapassem o “âmbito regional”,
limite material positivo de competência para a aprovação
dos diplomas regionais. É que, a bem da verdade, resulta ser
pouco consistente, atribuir o controlo dessas modalidades
de violação constitucional (ademais muito frequente) aos
órgãos com legitimidade geral e negá-la ao comissário do
Estado residente na região. E porque não resulta ser
percetível que se faculte ao Representante da República nas
Regiões Autónomas, um controlo preventivo de âmbito
geral da constitucionalidade de leis regionais (o qual abarca
qualquer tipo de inconstitucionalidade) e, simultaneamente,

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se limite em termos drásticos os pressupostos do controlo


normativo em fiscalização abstrata sucessiva. Trata-se de
um regime que não só convida, no plano legal, ao aumento
de indesejáveis impugnações preventivas (as que
bloqueiam o processo legislativo), como dificulta, também,
a depuração de inconstitucionalidades que escaparam do
controlo ex-ante e infestam o ordenamento, com especial
relevo para os regulamentos regionais que deixaram de ser 178
sujeitos a fiscalização preventiva. Em quarto e último lugar
merece reparo uma leitura desviada ou reducionista que
parece resultar do preceito, segundo a qual a violação dos
direitos regionais, passível de ser sindicada, ocorreria
naturalmente em sede de inconstitucionalidade, realidade
que é, afinal, desmentida por outro preceito constitucional
(alínea d), n.º1 do artigo 282.º) que se reporta a direitos
regionais constantes do estatuto político-administrativo e
cuja violação redunda em ilegalidade. Quiçá por estas
razões, os pedidos de fiscalização sucessiva peticionados
pelo então Ministro da República e agora com o
Representante da República nas Regiões Autónomas têm
diminuído com a passagem do tempo sobre a revisão de
1982, sendo muito mais expressivos os seus requerimentos
em sede de controlo preventivo.

b. Órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas e alguns


dos seus titulares: a alínea g) do n.º2 do artigo 281.º CRP
concede legitimidade específica de fiscalização abstrata
sucessiva às Assembleias Legislativas da Regiões
Autónomas, aos seus presidentes, a um décimo dos seus
deputados e aos presidentes dos governos regionais.
Podem os mesmos órgãos e sujeitos suscitar o controlo da
constitucionalidade de normas que violem os direitos das
Regiões Autónomas, constituindo este instituto uma
importante garantia da autonomia constitucional e
legislativa dos entes regionais que tem paralelo noutros
Estados unitários regionais e federais. E podem, ainda,
sindica a legalidade de atos legislativos estaduais e
regionais violadores dos estatutos. Pretende-se assegurar
através deste instituto um controlo promovido pelos órgãos
regionais, sobre atos jurídicos do Estado-Pessoa e por
bancadas oposicionistas, relativamente a atos emanados
dos órgãos de governo próprio das regiões. Importa
sublinhar que as reservas formuladas supra, à legitimidade
ativa do Presidente da Assembleia da República, aplicam-se,
por identidade de razão, aos presidentes dos parlamentos
regionais, pese o facto de nas regiões, o caráter
parlamentar do respetivo sistema de governo tornar menos
polémico este instituto. A taxa de insucesso destes pedidos

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oriundos das entidades regionais é muito alta devendo-se a


diversos fatores, tais como o teor centralista da
Jurisprudência do Tribunal Constitucional (que dobrou
parte do sentido da revisão constitucional de 2004 aos
parâmetros da sua constante jurisprudencial), aos limites
muito restritivos da legitimidade ativa atribuída pela
Constituição aos sujeitos regionais, ao excesso de
politização emprestado a certos pedidos e à deficiente 179
instrução de muitos deles.

b) Legitimidade ativa no âmbito da repetição do julgado em três casos


concretos: de acordo com o artigo 82.º LTC conjugado com o nº3 do
artigo 281.º CRP, é atribuída a qualquer dos juízes do Tribunal
Constitucional ou ao Ministério Público (leia-se, o Procurador Geral
da República ou, por delegação os procuradores-gerais adjuntos
funcionando junto do mesmo Tribunal) a faculdade de suscitarem a
fiscalização abstrata sucessiva de normas que haja sido julgada
inconstitucional, ou ilegal, em três casos concretos. Não se trata,
portanto, de um poder vinculado à promoção do controlo dos
referidos sujeitos, mas de uma faculdade de que os mesmos
dispõem e que fica condicionada ao limite quantitativo do prévio
julgamento da invalidade de uma norma em, pelo menos, três
situações concretas. Estamos diante do instituto da “repetição do
julgado”, o qual opera como uma “ponte” entre o controlo concreto
e o controlo abstrato sucessivo da constitucionalidade e legalidade
e que se destina a garantir os princípios da unidade jurisprudencial
e da segurança jurídica, eliminando normas marcadas por uma
elevada suspeição de invalidade, dado o facto de já terem sido
julgadas como tal pelo Tribunal Constitucional em fiscalização
incidental. Para o apuramento dos três casos concretos nos quais se
procedeu ao julgamento da inconstitucionalidade de uma mesma
norma, pelo Tribunal Constitucional, não importa verificar, atento o
texto constitucional e o disposto na LTC, se a norma foi julgada
inconstitucional com os mesmos ou com diferentes fundamentos:
na verdade, a norma em questão pode perfeitamente ter sido
julgada inconstitucional na base de vícios distintos e com violação
de normas constitucionais diversas. Encontramo-nos diante do
único trâmite que, em sede de fiscalização abstrata, reconhece aos
juízes do Tribunal Constitucional a faculdade de darem início a um
controlo oficioso da legitimidade jurídica de normas. Todavia, esta
faculdade nunca foi até ao primeiro semestre do ano de 2010
acionada pelos conselheiros do Palácio Ratton, os quais parecem
querer acentuar o seu estatuto de passividade na promoção do
controlo de constitucionalidade, deixando ao Ministério Público
essa mesma tarefa. Esta cifra-se por um muito expressivo número
de pedidos do Procurador da República Adjunto e que se pautam
por uma elevadíssima (e já previsível) tava de sucesso. Alguma
doutrina chegou a questionar a constitucionalidade do artigo 82.º

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LTC, considerando que o poder de iniciativa dos juízes colidiria com


o seu estatuto constitucional de imparcialidade, dado que o mesmo
comprometeria a sua equidistância, como julgadores de uma causa
que seria por eles mesmos suscitada. Considera-se, ainda assim,
não haver no caso em apreço uma ofensa ao princípio da
imparcialidade, já que:

a. O princípio da imparcialidade deduz-se do objeto da função 180


jurisdicional (artigo 202.º) e do princípio da independência
dos magistrados (artigo 203.º) não tendo, ainda assim,
consagração constitucional explícita;

b. O mesmo princípio enuncia o critério geral da passividade e


da posição supra-partes do juiz, implicando que o mesmo
não julgue processos que tenham sido por ele
primariamente promovidos;

c. Esse critério comporta, todavia, exceções em sede de


fiscalização da constitucionalidade, à luz do alto interesse
público de atividade do controlo e da preponderância do
princípio do dispositivo em todos os processos de
fiscalização, com especial relevo para o controlo abstrato;

d. Daí que, mesmo noutros processos de fiscalização, como é o


caso do controlo concreto, os juízes comuns possam exercer
um controlo oficioso da constitucionalidade de normas
(artigo 204.º CRP), não tendo qualquer setor da doutrina
levantado dúvidas sobre a sua imparcialidade para
desencadear esse controlo no referido processo;

e. Por maioria de razão, já em sede de controlo abstrato


sucessivo tem-se justificado o poder de iniciativa dos juízes
do Tribunal Constitucional em processos em que a mesma
norma tenha sido julgada inconstitucional em pelo menos
três casos concretos, facto que conforma a um altíssimo
índice de prognose sobre a sua invalidade e reclama que, em
nome da segurança jurídica, os juízes ativem um processo
que permita removê-la de vez, do ordenamento;

f. Não prevalece dessa forma, no instituto previsto no artigo


82.º LTC, uma conduta verdadeiramente parcial do juiz, o
qual não promove um controlo inovatório de
constitucionalidade, mas sim uma função consequencial ou
derivada de um prévio e repetido julgamento da mesma
norma pelo Tribunal, fazendo sentido que assuma a
garantia da segurança jurídica e da unidade jurisprudencial
no ordenamento, ativando um processo purgativo de uma
norma marcada por uma alta e objetiva suspeita de
invalidade;

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g. A solução do artigo 82.º LTC corre integralmente no circuito


jurisdicional, sendo a mesma preferível à solução brasileira,
de forte recorte político, que deposita na discricionariedade
do Senado a suspensão com efeitos gerais de uma norma
julgada inconstitucional em controlo concreto.

A compreensível preocupação dos juízes do Tribunal Constitucional em não


fazerem uso do instituto não significa, contudo, que a norma tenha caído em desuso. Trata-se 181
de um poder adormecido, que a prática confirmou dever ser guardado para situações especiais
ou de necessidade. É pois legítimo aos juízes dela fazerem uso, mormente em caso de
discrepância com o Ministério Público em caso de injustificada inércia do Ministério Público
relativamente à promoção do controlo de uma norma repetidamente julgada inconstitucional e
inutilmente consumptiva da atividade de fiscalização. Convirá assinalar, finalmente, que o facto
de uma decisão positiva de inconstitucionalidade proferida em controlo concreto revestir
sumário, não obstará a que a mesma concorra para a repetição do julgado, tendo em vista o
acionamento do controlo abstrato sucessivo.

Pressupostos objetivos:
1.º Parâmetro de controlo: de acordo com o n.º1 do artigo 281.º CRP, a fiscalização
abstrata sucessiva propõe-se aferir a conformidade de atos normativos com o parâmetro
constitucional (alínea a)) e de atos legislativos e alguns regulamentos com leis de valor reforçado
(alíneas b), c) e d)). No que respeita a esta categoria de leis, a alínea b) do n.º1 do artigo 281.º
reporta-se a atos legislativos com valor reforçado na sua generalidade, enquanto as alíneas c) e
d) concernem a uma categoria específica de lei reforçada (o Estatuto).

2.º Objeto de controlo:


a) Considerações gerais: da análise feita à norma e ao parâmetro de controlo
é possível retirar que a fiscalização abstrata sucessiva tem por objeto, em
geral, a apreciação de normas e, em especial, o controlo de atos legislativos
confrontados com leis de natureza qualificada. Pode, assim, assinalar-se
uma homologia de objeto com outro processo de fiscalização sucessiva, que
é o processo de controlo concreto. O ordenamento português procede,
assim, ao controlo e à repressão de normas afetadas por dois tipos de
relação desvalor:

a. o primeiro e mais relevante é o da fiscalização da


constitucionalidade de normas jurídico-públicas;

b. o segundo, que compreende uma modalidade de relação de


desvalor específica da Constituição de 1976, consiste na fiscalização
da legalidade das normas legais, as quais devem ser conformes com
leis dotadas de valor reforçado, bem como de atos regulamentares
na sua relação de conformidade com os estatutos de autonomia.

Importa advertir para o facto de não ser infrequente a impugnação errónea de


normas regulamentares, com fundamento na sua ilegalidade por violação de atos legislativos.
Tal como o Tribunal Constitucional assinala nas decisões em que recusa a admissão desse tipo
de pedidos, o mesmo órgão não é um tribunal comum de última instância do contencioso
administrativo. Ele não aprecia a legalidade dos atos da Administração desconformes aos seus

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parâmetros legais, controlando sim, um conjunto de formas de ilegalidade qualificada


expressamente previstas na Constituição e resultantes de relações de desconformidade entre
categorias diversas de atos legislativos. Excetua-se deste regime, a possibilidade de se impugnar
junto do Tribunal Constitucional todos os regulamentos estaduais e regionais que violarem os
estatutos das regiões autónomas, na qualidade de leis reforçadas de hierarquia singular. Na
verdade, as alíneas c) e d) do artigo 281.º CRP, ao utilizarem a expressão “diploma legal” ou
“diploma de órgãos de soberania”, abrange quer atos legislativos, quer atos regulamentares. O
Tribunal Constitucional é, pois, exclusivamente competente para julgar pedidos de fiscalização 182
da legalidade de regulamentos com fundamento em violação de normas estatutárias (trata-se
de uma “ilegalidade administrativa qualificada”) sendo a jurisdição administrativa incompetente
pra proceder à declaração da ilegalidade desses regulamentos, com força obrigatória geral
(artigo 73.º, n.º 2 CPTA). Trata-se de uma derrogação ao princípio da competência exclusiva da
jurisdição administrativa para julgar a ilegalidade de regulamentos, criando um esdrúxulo
enclave de poder do Tribunal Constitucional em sede do contencioso regulamentar de
legalidade, o qual, na lógica processual do tempo presente, não tem qualquer sentido, devendo
ser reponderada em próxima revisão constitucional. No que respeita à fiscalização da
constitucionalidade de normas, o Tribunal Constitucional adotou um conceito “funcional” de
norma jurídica, de recorte dualista: de um lado integram o conceito de norma os atos legislativos
definidos em razão da sua forma e da sua força; de outro os atos normativos não legislativos,
caracterizados pelos atributos da generalidade e abstração. As normas sujeitas a controlo
sucessivo são atos normativos jurídico-públicos dotados de eficácia externa, podendo assumir
natureza interna ou internacional, contanto que aplicáveis na ordem jurídica portuguesa nos
termos do artigo 8.º CRP.

b) Normas e disposições normativas: a Constituição, como vimos, faz recair a


fiscalização da constitucionalidade sobre “normas”. Ora, tal como se verá
adiante, com mais detenção, no espetro da matéria atinente às sentenças
interpretativas, a norma jurídica “hoc sensu” deve, em bom rigor, ser
distinguida da disposição normativa que a contém. A disposição normativa
pode ser definida como um enunciado textual, composto pelo conjunto de
termos que integram uma oração e que suporta uma ou várias normas
jurídicas. Já a norma consistirá na proposição prescritiva de caráter jurídico
e portadora de um mandato de definição que se extrai da disposição
normativa, por via interpretativa. Norma e disposição não têm uma
existência independente, já que não existe norma jurídica positiva sem
disposição normativa que não contenha efetivamente uma norma.
Encontrando-se configuradas entre si numa estreita relação de
interdependência, o facto é que existe entre elas uma autonomia que a
fiscalização da constitucionalidade permite determinar. Com efeito, do
enunciado textual de uma disposição normativa é possível extrair uma
norma, ou várias normas distintas mas coexistentes numa relação
cumulativa. Situações há, também, em que a uma disposição corresponde
uma só norma. Noutras situações, ainda, o texto da disposição pode
comportar diversas relações de significado, ou seja, diversas soluções
interpretativas das quais resultem, também, distintas normas de caráter
ideal, que se configuram como opções alternativas. Finalmente, é possível
construir uma norma resultante da conjugação de disposições distintas.
Juízos como aqueles que inerem à inconstitucionalidade parcial qualitativa

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pressupõem, respetivamente a dissociação entre disposição e norma. Por


exemplo, no que respeita à decisão de inconstitucionalidade parcial
qualitativa, torna-se evidente a distinção entre:

a. A disposição normativa, cujo enunciado textual permanece


intocado sem ablação;

b. uma norma ideal extraída dessa disposição que é declarada


inconstitucional, com força obrigatória geral; 183

c. uma ou mais normas ideais hipotéticas, não inconstitucionais,


retiráveis por via interpretativa do sentido da disposição normativa.

Trata-se de um fenómeno de autonomia entre as duas realidades que


também é aferível noutras sentenças interpretativas, mormente na
interpretação conforme à constituição e nas decisões com caráter
aditivo. Em fiscalização abstrata vigora, tal como se verá, o critério da
sumariedade na instrução do pedido, bastando ao requerente
identificar a norma supostamente violadora e a violada (artigo 51.º.,
n.º1 LTC). Existe em muitos operadores a falsa convicção de que para a
mera a identificação das referidas “normas” deveria ser considerada
suficiente a indicação dos artigos ou disposições normativas. Essa
suficiência tem-se por admissível, se às disposições normativas
corresponder uma única relação verosímil de significado. Contudo, se
dos enunciados normativos impugnados resultam várias soluções
normativas possíveis e verosímeis e apenas uma delas for impugnada,
entende-se que o autor do pedido deve identificar esta última no seu
requerimento. Trata-se de uma exigência que o Tribunal Constitucional
tem feito em fiscalização concreta79, não sendo de mais que a mesma,
por identidade de razão, seja aplicada em controlo abstrato sucessivo,
pese o facto de neste processo vigorar, tal como se disse, um “critério
de sumariedade” na instrução do pedido. Este, todavia não pode ser
entendido como sinónimo de dispensa de identificação da norma
efetivamente questionada. Com efeito, se de uma disposição resultar, a
par de outros, um sentido normativo inconstitucional, o requerente
deve, para que a “norma” violadora possa ser efetivamente
“especificada” (artigo 51.º, n.º1 LTC), identificar, para além da referida
disposição, a proposição prescritiva de caráter ideal inerente a esse
sentido normativo cuja inconstitucionalidade é por ele efetivamente
questionada. Com efeito, num dado preceito são passíveis de emergir
soluções normativas distintas e alternativas, podendo algumas delas ser
rotundamente inconstitucionais e outras perfeitamente conformes à
Constituição. Ora, se o autor doo pedido impugna com fundamento em
inconstitucionalidade uma norma constante de um preceito que possa
albergar sentidos normativos diversos, deve precisar qual destes
considera desconforme com a Lei Fundamental. Justificará, em tese, um

79
Admite-se que a referida exigência possa ser menos rigorosa no caso de os promotores do controlo
abstrato serem titulares de órgãos de soberania, nomeadamente o Presidente da República, por razões
de consideração institucional.

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despacho de aperfeiçoamento do Presidente do Tribunal a interposição


de um pedido de fiscalização que se limite a impugnar, sem mais,
enunciados normativos que contenham, com evidência, uma
pluralidade de normas de sentido alternativo ou cumulativo (artigo 52.º,
n.º1 LTC).

c) Exigibilidade: a fiscalização abstrata sucessiva de atos normativos reveste


caráter facultativo, dado que nenhum dos sujeitos dotados de legitimidade 184
ativa para a requerer se encontra juridicamente obrigado a fazê-lo.

d) Requisitos temporais: a interposição do pedido a todo o tempo: os órgãos


com legitimidade ativa para o efeito podem formular o pedido de
fiscalização da constitucionalidade e legalidade de atos normativos a todo o
tempo, após a sua publicação. Tal resulta implicitamente do artigo 281.º CRP
(que não estipula qualquer limite temporal para a mesma formulação) e,
explicitamente, do n.º1 do artigo 62.º LTC. Dado que as normas declaradas
inconstitucionais com força obrigatória geral são nulas, resulta da natureza
dessa mesma sanção que o vício por ela reprimido não é sanável pelo
decurso de um prazo, razão pela qual a ação declarativa da nulidade não
caduca, podendo ser interposta em qualquer momento.

Subsecção III – Introdução aos tipos e aos efeitos das decisões do Tribunal
Constitucional em processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade e
legalidade

Tipologia: Nos processos de fiscalização da validade de normas, as decisões do Tribunal


Constitucional podem assumir natureza

- Processual: as decisões processuais têm por objeto os trâmites correspondentes à


marcha do processo de fiscalização, sem que se refiram diretamente à questão substancial de
constitucionalidade ou legalidade, suscitadas no pedido;

- Substancial: estas decisões podem, nomeadamente, assumir caráter interlocutório,


instrutório, preclusivo do conhecimento do pedido e de aperfeiçoamento, podendo também ser,
me razão da sua natureza, imputadas ao coletivo dos juízes, ao Presidente do Tribunal ou ao juiz
relator;

- Mérito: são aquelas a que corresponde o julgamento pelo Tribunal Constitucional


da questão de constitucionalidade ou legalidade submetida ao seu juízo. As decisões de mérito
podem ser de rejeição ou de acolhimento. Trata-se de uma designação referencial oriunda do
ordenamento italiano que também foi aceite pela Justiça Constitucional portuguesa.

1.º A decisão de rejeição e os seus efeitos: a decisão de rejeição consiste juízo de


improcedência sobre o mérito do pedido de declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade
de uma ato normativo. O Tribunal, julgando improcedente o pedido peticionado pelo
requerente, decide não declarar a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma impugnada:

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a) se por discordar do teor da causa de pedir (o Tribunal não reconhece como


fundadas as razões que conduzem à impugnação das normas supostamente
violadas ou desconsidera os vícios invocados);

b) seja por considerar que, para além dos vícios invocados e que por dele foram
julgados improcedentes, a norma impugnada não padece de nenhuns
outros;

c) Seja porque a norma sindicada pode ser estimada como válida através de 185

uma interpretação conforme com a Constituição.

Importa assinalar o facto de poderem existir decisões mistas, com uma


componente de acolhimento e outra de rejeição. A sentença de rejeição não
beneficia da força obrigatória geral e do efeito de caso julgado material que
envolve as decisões de acolhimento, através das quais se declara a
inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma. Tal resulta a contrario sensu
do disposto no artigo 282.º CRP, o qual omite a outorga da força obrigatória às
decisões de não inconstitucionalidade. O Tribunal Constitucional, por razões de
ordem lógica, adverte com clareza que só as decisões de acolhimento vedam a
nova apreciação da constitucionalidade de uma norma, dado que a norma
inconstitucional já terá sido, nesse caso, removida do ordenamento.
Diversamente, as decisões de rejeição não têm esse efeito preclusivo
relativamente a nova impugnação. Ora, se assim sucede, nada obsta a que a
norma que não foi julgada inconstitucional ou ilegal possa ser novamente
impugnada com idêntico fundamento, e a todo o tempo, pelos mesmos sujeitos
que antes a tinham sindicado ou por outros com legitimidade ativa para o efeito.
Deste facto resulta que a norma não julgada inconstitucional não beneficia de
um “selo de garantia” da sua validade, mas antes de uma simples presunção de
não inconstitucionalidade suscetível de ser ilidida no futuro, através de nova
impugnação. A decisão de rejeição encontra-se investida, tão só, em força de
caso julgado formal, pelo que:

a. Esgota os seus efeitos no processo e, como


tal, não poderá ser, neste último, revogada
ou modificada;

b. Não beneficiando de força de caso julgado


material, a mera presunção de não
inconstitucionalidade que dela resulta não
equivale a um juízo de constitucionalidade
sobre a norma sindicada.

Atentos os precedentes de direito estrangeiro sobre a matéria, poder-se-ia


supor que uma “decisão de constitucionalidade” equivaleria ao reconhecimento de força de
caso julgado material e, consequentemente, à proibição de nova impugnação da norma, com
fundamento nos mesmos motivos, proibição essa que não tem lugar no ordenamento português.
Na realidade, não faria sentido blindar uma lei contra impugnações futuras, não só porque
podem existir vícios de inconstitucionalidades não evidentes e não constantes do pedido que
podem ter passado desapercebidos, mas porque também, a evolução temporal e circunstancial
pode geral inconstitucionalidades supervenientes de caráter deslizante que passariam a ser
injustificadamente imunes a qualquer controlo.

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2.º Introdução à decisão de acolhimento: as decisões de acolhimento são aquelas


que julgam procedente a pretensão contida no pedido, no sentido da inconstitucionalidade ou
ilegalidade da norma sindicada. Esse acolhimento, pode ser total ou parcial e, implicando a
aceitação do argumento favorável à invalidade do ato impugnado no pedido, pode, ainda assim,
não sufragar os fundamentos de ilegitimidade jurídica invocados na causa de pedir (artigo 51.º,
n.º 5 LTC). A consequência jurídica típica que resulta, como regra, das decisões de acolhimento
traduz-se na declaração da inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma sindicada, com força
obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, tal como dispõem o n.º 1 e o n.º 2 do artigo 282.º 186

CRP. Dela emergem, por seu turno, efeitos negativos (eliminação e da sua produtividade
passada), efeitos positivos (repristinação de direito revogado pelo ato inconstitucional) e efeitos
proibitivos (proibição de aplicação ou reedição do ato inconstitucional).

Efeitos típicos das decisões de acolhimento:


1.º Regime regra das decisões de acolhimento: examinaremos de seguida o regime
da inconstitucionalidade originária e o da inconstitucionalidade superveniente para,
seguidamente, dissecarmos as características prototípicas da força obrigatória geral que investe
as decisões que declaram esses dois tipos de inconstitucionalidade.

a) Regime da inconstitucionalidade originária: efeitos ex tunc da decisão e


repristinação do Direito revogado pela norma nula: encontramo-nos aqui,
de acordo com o entendimento clássico sobre a matéria, perante uma
declaração simples de invalidade, no contexto da sua sanção da nulidade.
Trata-se da decisão regra e comporta seguramente o regime operativo mais
linear de entre os diversos tipos de declarações de inconstitucionalidade. As
normas originariamente inconstitucionais ou ilegais são todas as que, desde
qual lhes era preexistente. Como tal, sendo a norma expulsa do
ordenamento, os efeitos repressivos da declaração de invalidade, atento o
critério da imediatividade, todas as situações ilegítimas não transitadas em
julgado, geradas pela sua aplicação. As normas dependentes, atos de
aplicação e contratos, todos serão por regra inválidos, registando-se
algumas exceções, tais como as situações cobertas pelo caso julgado (artigo
282.º, n.º3 CRP) e, segundo alguns entendimentos controversos, também as
abrangidas pelo chamado “caso decidido administrativo”. A par destes
efeitos repressivos, a declaração de inconstitucionalidade implica,
igualmente, um efeito represtinatório. Com efeito, o n.º1 do artigo 282.º
CRP prevê a repristinação do Direito revogado pelo ato declarado
inconstitucional ou ilegal, o que se traduz na revivescência das normas que
cessaram vigência em virtude da entrada em vigor das disposições
declaradas inválidas. Trata-se de um instituto jurídico que intenta alcançar
dois desideratos:

a. O de restabelecer, na medida do possível, a situação que existia


antes da ocorrência da inconstitucionalidade;

b. O de preenchimento de lacunas geradas pela eliminação da norma


inconstitucional.

A repristinação é automática não carecendo, portanto, de determinação


nesse sentido pelo Tribunal Constitucional, operando imediatamente por força da Constituição.

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Isto, em primeiro lugar porque se a norma inconstitucional é expulsa do ordenamento haverá


que eliminar os seus efeitos póstumos que, em regra, serão também consequentemente
inválidos. Ora, de entre os mesmo figuram, não apenas, os atos e contratos criados no seu
respeito, mas igualmente a decisão ínsita na norma inconstitucional no sentido de revogar
normas jurídicas anteriores. Inapta para proceder à modificação da ordem jurídica, a norma
declarada inconstitucional não pode ver salvaguardada, atento o efeito da nulidade, a sua
eficácia revogatória, pelo que a repristinação do direito que por ela foi revogado implica o
restabelecimento da situação jurídica existente em momento anterior à emissão da norma 187
inválida. Em segundo lugar, uma pluralidade de situações às quais se aplicou indevidamente a
norma inconstitucional ficariam por regular juridicamente se, depois da eliminação dessa norma
não existisse direito imediatamente apto a discipliná-las. Deste modo a repristinação visa
preencher a lacuna gerada pelo julgamento da nulidade da referida norma. Se bem que a
natureza da nulidade, como sanção do ato normativo inconstitucional reclame a consagração
da repristinação, a pragmática do sistema acaba por destacar o desiderato da integração
automática de lacunas como fator determinante da previsão do instituto. Isto, porque os atos
singulares praticados no respeito da norma nula que não se tenham tornado inimpugnável irão,
eventualmente, revalidar-se ou obter o seu fundamento legal à luz da norma repristinada.
Contudo, considera-se que o Tribunal Constitucional, mediante uma decisão manipulativa, pode
obstar, no seu todo ou em parte, à repristinação do direito revogado. No plano da precedência
de regimes legais passíveis de se aplicarem às situações jurídicas deixadas a descoberto em
razão da declaração de inconstitucionalidade de uma lei especial anteriormente revogada, deve
prevalecer repristinação de outra lei especial anteriormente revogada, deve prevalecer a
repristinação de outra lei especial ou a aplicação imediata de uma lei geral que se encontre em
vigor e incida sobre essas situações? O critério reitor deste quadro de aplicação concorrente de
normas deverá ser o da repristinação de lei especial, já que resulta diretamente da Constituição
(artigo 292.º, n.º1 CRP) e da lógica da preferência de lei especial sobre a lei geral prevista no
artigo 7.º, n.º1 CC. Excetua-se os casos em que, por força do disposto no artigo 282.º, n.º4 CRP
o Tribunal Constitucional decida vedar a repristinação do direito revogado, seja pelo facto de o
considerar inconstitucional ou de o qualificar como inaplicável, por razões de segurança jurídica,
equidade ou interesse público de excecional relevo. Assinala alguma doutrina a existência de
exceções à repristinação. Seria o caso da não revivescência de tratados que cessaram vigência
(não podendo os mesmos, atenta a natureza plurilateral, ser repostos em vigor pela vontade
unilateral de um Estado); de leis medida; de leis de vigência pré definida (leis orçamentais,
grandes opções dos planos e limites máximos dos avales a conceder anualmente); de leis
caducas ou esgotadas no seu objeto (tais como as leis de autorização legislativa); e de leis
circunstanciais (amnistias e leis relativas a operações creditícias). No nosso entendimento,
algumas leis de vigência pré definida poderão, eventualmente, revivescer. É, por exemplo, o
caso das leis orçamentais. Declarada a inconstitucionalidade total de lei do Orçamento de Estado
em vigor, faria todo o sentido, por razões de segurança jurídica e de interesse público, a
repristinação da Lei do Orçamento do ano transato e a sua vigência em regime de duodécimos.
Isto porque, no caso de impossibilidade política imediata de aprovação da Lei do Orçamento de
Estado para o novo ano económico, a lei do Orçamento aprovada para vigorar no decurso do
ano findo continuaria a produzir transitoriamente efeitos, produtividade que se mostra
pertinente tendo em vista evitar um cenário de vazio orçamental. É certo que a Lei do
Orçamento de Estado é uma lei de eficácia temporalmente pré definida, mas não é menos
verdade que a Lei do Orçamento do Enquadramento Orçamental, que a parametriza, estabelece
no seu artigo 41.º possibilidade de prorrogação da vigência da primeira. Sendo, portanto a
referida lei prorrogável na base de certos pressupostos (como a da não aprovação da Lei do

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Orçamento de Estado para o ano seguinte pela Assembleia da República) também o será na base
de pressupostos de ordem análoga, também eles centrados num contexto de vazio orçamental.
Embora a repristinação seja automática não seria de menos que numa situação dessa natureza
o Tribunal Constitucional aludisse e fundamentasse a referida revivescência. Do mesmo modo
nada parece impedir a revivescência de uma lei-medida, se a norma declarada inconstitucional
assumir uma natureza e um objeto idênticos, ou se uma norma geral que tenha sido julgada
inconstitucional tiver sido precedida por uma pluralidade de leis-medida, cuja soma cura, total,
ou parcialmente seu âmbito e objeto. Ressalva-se, eventualmente, o caso de leis puramente 188
singulares cujo objeto se tenha já esgotado numa dada situação jurídica concreta, não fazendo
qualquer sentido a sua revivescência. Havendo aqui a considerar uma situação análoga à
preclusão da repristinação da generalidade das normas caducas ao tempo do julgamento da
inconstitucionalidade (sobretudo, em relação às que não sejam prorrogáveis) e das lei de
autorização legislativa já utilizadas, caducadas ou cujo limite temporal se tenha esgotado.

b) Regime da invalidade superveniente: na inconstitucionalidade


superveniente, releva a apreciação de vícios materiais, já que, em termos de
vícios de forma e de competência, vigora o princípio tempus regit actum.
Nestes termos, a norma parâmetro que se destaca para a apreciação da
constitucionalidade é a que estiver em vigor no momento em que se
procede ao controlo. O que à fiscalização de constitucionalidade interessa é
saber se a norma, quando foi criada, observou as regras constitucionais de
competência e forma, e não, se se verificarem mutações constitucionais de
ordem competencial ou formal depois da referida criação. Estas últimas, a
terem ocorrido, apenas podem condicionar a produção de normas futuras,
sendo inservíveis, à luz do princípio tempus regit actum, para aferir a
validade de normas que vigoravam antes de ocorrer a revisão constitucional
que introduziu as referidas alterações de alcance orgânico ou formal. De
acordo com o artigo 282.º, n.º2 CRP, os efeitos repressivos da declaração de
inconstitucionalidade ou ilegalidade limitam a sua eficácia retroativa até ao
momento da entrada em vigor da norma constitucional ou legal que
constitui parâmetro da fiscalização. Tais efeitos são qualificados, por vezes,
como integrativos de um regime misto, situado entre a eficácia ex tunc e ex
nunc. Compreende-se a lógica deste regime à luz das regras sobre a vigência
das normas e dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade: o
ato normativo que é objeto de fiscalização é plenamente válido no
momento em que é editado, já que se mostra conforme com as disposições
constitucionais ou com a legislação reforçada a que deve observância. A
invalidade surge a partir do momento em que ocorrem alterações nessas
normas de referência, das quais resulte uma distonia com as normas de
direito comum anteriormente emitidas e ainda vigentes (vide, todavia, o
caráter diacrónico dos efeitos relativos da nulidade inerentes à declaração,
sobre a norma). Assim sendo, os efeitos da declaração de
constitucionalidade nunca deveriam atingir os contratos celebrados e os
atos praticados no respeito ou em execução da norma declarada
inconstitucional durante o período em que a mesma era plenamente valida,
ou seja, antes da superveniência de normas paramétricas que com ela
entraram em colisão. Semelhante eliminação careceria de fundamento
material, pois teria por objeto atos válidos e afrontaria inadmissivelmente:

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a. O princípio da segurança jurídica (o qual salvaguarda a subsistência


dos atos praticados à sombra de normas ainda válidas, nas quais os
operadores jurídicos legitimamente confiaram);

b. E o princípio da proporcionalidade (dado que o ordenamento


repudia sanções excessivas e desnecessárias).

Considera a maioria da doutrina que, no caso da invalidade


superveniente de normas jurídicas, não há lugar a repristinação do 189

direito revogado por norma julgada inconstitucional ou ilegal. A


Constituição nada dispõe a este respeito. A tese desfavorável à
repristinação funda-se:

- na ausência de previsão constitucional;

- na circunstância de a norma julgada inconstitucional ou ilegal


continuar a aplicar-se aos factos produzidos no seu respeito, antes de
verificada essa mesma inconstitucionalidade ou ilegalidade;

- na desigualdade gerada entre as pessoas no momento anterior


e posterior à superveniência do parâmetro, no caso de a hipotética
repristinação de direito vir a abranger as situações criadas depois dessa
superveniência;

- Na desatualização da norma repristinada.

O terceiro e quarto argumentos avançados em abono da


desatualização e da desigualdade dificilmente procedem, sendo até
contestados por uma parte da doutrina que nega a repristinação, já que
os mesmos, por identidade de razão, se aplicam à repristinação de
normas num quadro de inconstitucionalidade originária onde,
curiosamente, nunca são invocados. Não parece conveniente o primeiro
argumento no sentido da não previsão constitucional da figura,
agregado ao entendimento segundo o qual, o n.º 2 do artigo 282.º CRP,
que é uma norma geral, acolhe explicitamente a repristinação para a
inconstitucionalidade originária e que o n.º2 do mesmo preceito, que
condensa uma norma especial em relação à anterior, não a prevê para
a inconstitucionalidade superveniente, não fazendo sentido integrar
uma norma especial com o regime de uma norma geral. Com efeito, o
artigo 282.º, n.º1 CRP reporta-se a um tipo de inconstitucionalidade (a
inconstitucionalidade originária, que revela ser a mais comum) mas
contém também critérios relativos a outro tipos de
inconstitucionalidade julgados em fiscalização abstrata sucessiva, como
será o caso da inconstitucionalidade superveniente. Ora, o regime
específico da inconstitucionalidade superveniente, previsto no n.º2 do
mesmo preceito, encontra-se expressamente conjugado com o anterior,
encontrando-se o elemento literal que reflete essa conjugação ínsito na
expressão “porém”. Ora, a especialidade relevante contida no n.º2 em
face do n.º1 do artigo 282.º reporta-se apenas aos efeitos temporais da
eficácia sancionatória da sentença e não a qualquer outro efeito, pelo
que o mesmo preceito deve ser lido em conexão com o anterior, como

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consagrando implícita e analogicamente a repristinação, na medida em


que a mesma faça sentido. O argumento de que norma julgada
inconstitucional será válida em relação aos factos ocorridos antes da
entrada em vigor do parâmetro constitucional gerador da invalidade,
sendo quiçá o mais forte, não logra ser, ainda assim, decisivo. Na
verdade, na inconstitucionalidade superveniente haverá que separar
diacronicamente numa disposição normativa, duas normas
materialmente iguais, que por produzirem efeitos em tempos distintos, 190
têm regimes diferentes quanto à sua validade: a norma emergente do
preceito que permanece válida até à superveniência do parâmetro e a
norma que passou a ser inválida após essa superveniência do parâmetro
e a norma que passou a ser inválida após essa superveniência. Ora, quer
a norma válida quer a norma inválida não deixam de se reconduzir a
uma única disposição, ainda vigente no ordenamento, onde constava
uma norma que revogou o direito anterior. Na medida em que o direito
revogador não seja inconstitucional e na medida em que não afronte a
segurança, equidade e o interesse público de excecional relevo, não se
vê qual a razão pertinente para precludir a sua revivescência para o
período posterior à superveniência da lei constitucional geradora de
invalidade. Surge, também em abono da tese da repristinação em sede
de inconstitucionalidade superveniente o argumento da integração de
lacunas. É que, no caso de a inconstitucionalidade superveniente ter
ocorrido em data temporalmente mais distante em relação à da
correspondente declaração de invalidade, a eficácia retroativa dos
efeitos repressivos decorrentes da mesma decisão poderá atingir um
número expressivo de factos. Coloca-se, pois, nesta situação, o
problema do direito aplicável a esses mesmos factos, bem como a
necessidade de ser preenchida uma lacuna. Neste cenário e apenas no
caso de a normação repristinável não ser inconstitucional ou ilegal, não
vemos razões para que seja proibida a revivescência automática do
direito revogado pela norma inconstitucional, contanto que a regra
repristinada apenas se aplique a factos constituídos à sombra dessa
norma, no período posterior à superveniência do parâmetro que
fundamentou a sua invalidade. Sendo inválida a norma declarada
supervenientemente inconstitucional e sendo gerada uma lacuna, como
efeito da sua eliminação não se vislumbra um motivo plausível para a
rejeição de uma repristinação limitada ao período de aplicação da
norma posterior à verificação da inconstitucionalidade. Julga-se que
esta solução decorre, por analogia, do artigo 282.º, n.º1 CRP e pode, tal
como se afirmou anteriormente, ser sempre sustida por decisão do
Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º4 do artigo 282.º, se o direito
repristinado, no todo ou em parte, for, igualmente, inconstitucional ou
ilegal, ou a sua introdução ativa no ordenamento bulir com os valores
protegidos por este último preceito. Em síntese:

- A normação repristinada aplicar-se-ia aos factos verificados


entre a ocorrência da inconstitucionalidade ou ilegalidade e a respetiva

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declaração pelo Tribunal Constitucional (excetuadas as situações


tornadas firmes pelo caso julgado);

- O conteúdo da lei objeto da declaração da


inconstitucionalidade superveniente continuaria a ser validamente
aplicada aos factos que tivessem ocorrido entre o momento do seu
início de vigência e o momento da constituição da invalidade.

2.º A força obrigatória geral como atributo da declaração de inconstitucionalidade 191

e ilegalidade: o artigo 282.º CRP estipula os efeitos das decisões de acolhimento de um pedido
de fiscalização da constitucionalidade e legalidade em processo abstrato sucessivo. Em especial,
o n.º 1 do referido preceito alude à força obrigatória geral que envolve a declaração da
inconstitucionalidade originária de um ato normativo, da qual resulta o efeito-regra deste tipo
de decisão. Efeito que, tal como se verá, se desdobra numa pluralidade de eficácias, como é o
caso da nulidade, da força de caso julgado formal e material e da eficácia erga omnes.

a) A problemática da equiparação da força obrigatória geral a força de


lei: alguma doutrina portuguesa considera que a expressão força
obrigatória geral abarca as noções de vinculação geral e força de lei.
A ideia de vinculação legal consistiria no caráter obrigatório da pate
dispositiva da decisão para todas as autoridades públicas, enquanto
que a de força de lei aludiria ao imperativo de as sentenças terem
valor normativo para as pessoas individuais e coletivas afetadas pela
mesma decisão. O mesmo entendimento doutrinário evoluiu,
contudo, de uma equiparação entre força de lei e força obrigatória
geral, para uma posição mais cauta. Através desta última procura
clarificar-se que as decisões em exame não seriam formalmente
atos legislativos nem criariam normas, embora fossem semelhantes
às normas legais quanto a alguns efeitos, pelo que deteriam uma
fora semelhante à da lei”. Outros autores começaram por evocar
uma força normal negativa de lei solada às declarações de
inconstitucionalidade, enquadrando a força obrigatória geral no
âmbito de uma força assimilável à da lei. Presentemente,
manifestam os mesmos expoentes alguma preocupação em
assinalar as diferenças existente entre os dois conceitos no plano
jurídico, sem prejuízo de vincarem certas semelhanças quanto ao
modo como a decisão atinge a subsistência do ato inconstitucional.
A assimilação entre força obrigatória geral e força de lei tem,
eventualmente, como fonte de inspiração o ordenamento alemão,
cujo §31 (2) da Lei do Tribunal Constitucional utiliza a última
expressão repostada às declarações de inconstitucionalidade e de
constitucionalidade. Ainda assim, a generalidade da doutrina alemã
reconhece que semelhante disposição confere à noção de “força de
lei” um significado eminentemente processual. E, por outro lado,
existem outros setores da mesma doutrina que vibram críticas ao
que consideram ser a “inexatidão” dessa fórmula, a qual favoreceria
o equívoco, segundo o qual, o Tribunal Constitucional se
comportaria como um legislador não só negativo, mas positivo,
sobretudo quando dita “medidas de necessidade legislativa” e

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profere decisões interpretativas conformes à Constituição, cuja


motivação envolve, não poucas vezes, essa mesma força. E o facto
é que, tal como se verificará em sede própria na ordem jurídica
alemã, extrai-se do conceito de força de lei esse efeito vinculante,
que supõe a obrigação de os poderes públicos respeitarem não
apenas a parte dispositiva da decisão, mas também os fundamentos
determinantes da motivação. Ora, na ordem jurídica portuguesa,
salvo no caso da inconstitucionalidade parcial qualitativa (em que o 192
dispositivo vincula conjuntamente com a solução interpretativa que
o fundamenta) a componente interpretativa das declaração de
inconstitucionalidade ou de não inconstitucionalidade não se
encontra investida dessa “eficácia vinculante erga omnes”. Nestes
termos, a chamada à colação da noção germânica de força de lei
para descodificar o sentido da fórmula força obrigatória geral é
inadequada e apenas pode gerar confusão no plano interpretativo.
Reiteramos, sem síntese, as considerações que sobre a matéria
foram por nós oportunamente expendidas, e que na presente sede
nos limitaremos a sintetizar:

i. Força obrigatória geral e força de lei ostentam, no


ordenamento português, alguns atributos próximos e outros
radicalmente distintos que permitem, num sentido puramente
referencial, qualificar a força obrigatória geral como uma das
modalidades de “força afim da força de lei”. Esta noção não
implica uma equiparação ou assimilação entre as duas figuras,
mas a menção a uma simples relação de proximidade , dado que
os elementos dissemelhantes sobrelevam os semelhantes e,
estes últimos, não assumem caráter essencial.

ii. Como atributos de semelhança importa referir que dois


institutos implicam a libertação de uma potência jurídica com
efeitos supressivos, a qual se mostra apta a pôr termo à vigência
de uma dada norma. Neste sentido, a norma cessa a sua
vigência ad futurum, num e noutro caso. Do mesmo modo, os
dois institutos podem produzir efeitos efeitos de ordem
positiva no ordenamento. Assim, num plano limitadamente
criativo, ou re-cretivo, a declaração de inconstitucionalidade
com força obrigatória geral e a revogação podem, a título
necessário ou eventual, determinar o efeito da repristinação do
direito revogado pela norma que cessou vigência.

iii. Como atributo dissemelhantes, convirá configurar os que se


passa a mencionar. Em primeiro lugar, o efeito sancionatório
que deriva da força obrigatória geral da decisão de
inconstitucionalidade expulsa, por regra, a norma do
ordenamento e produz tanto, efeitos ex nunc (preclude efeitos
futuros), como ex tunc (elimina efeitos passados); já que a força
de lei faz apenas cessar a eficácia de uma norma ex nunc,
substituindo a norma revogada no ordenamento em estado de

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improdutividade. A prova dessa subsistência reflete-se na


possibilidade de a mesma norma vir a ser repristinada,
contrariamente ao que sucede com a norma declarada
inconstitucional ou ilegal. Pode ainda a norma revogada ser
aplicada ultra ativamente no respeitante a factos praticados ao
seu abrigo que ainda decorram depois da sua revogação. Assim,
a decisão de inconstitucionalidade elimina com efeitos
retroativos as consequências jurídicas que a norma inválida 193
produziu no passado; já a força de lei inerente à revogação
respeita, por regra, a produtividade pretérita da norma
(havendo inclusivamente certas formas de revogação com
efeitos retroativos que são constitucionalmente proibidas). Em
segundo lugar, a decisão típica de inconstitucionalidade com
força obrigatória geral não assume em termos técnico-jurídicos
caráter normativo, já que a função jurisdicional repressiva
cometida ao Tribunal Constitucional pela Constituição (artigos
221.º, artigo 223.º, n.º1 e artigos 277.º e seguintes CRP) não
consiste em aprovar normas, mas sim em eliminar aquelas que
contrariem os parâmetros de constitucionalidade e legalidade.
É certo que, no plano dos factos, a interpretação feita a
princípios e conceitos indeterminados presentes no parâmetro
constitucional permite alguma criatividade normativa vinculada
no processo de concretização, se bem que essa atividade se
encontre balizada pelo pensamento dogmático da
hermenêutica não se situando na esfera legislativa de uma
produção livre de regras jurídicas (pese alguns excessos
ativistas que permitem questionar a própria legitimidade de
algumas sentenças mais inovadoras). Os efeitos típicos
assinados pela Constituição às decisões com força obrigatória
(artigo 282.º) são por regra de índole cassatória, ou seja,
declaram a nulidade do ato inválido sem enunciarem critérios
de decisão dotados de novidade. Mesmo a repristinação, efeito
automático da declaração, não constitui direito novo hoc sensu
tratando-se, sim, de um ato de reposição em vigor de direito
antigo criado pelo legislador, tendo em vista a composição de
uma lacuna. Do mesmo modo os próprios critérios
reconstrutivos das sentenças aditivas não assumem, por regra,
caráter normativo em sentido próprio. Isso porque:

a. Ou não dispõem de força obrigatória geral (no caso de,


tratando-se de uma sentença aditiva de princípio,
orientarem o modo de preenchimento de uma lacuna
através da revelação de um princípio);

b. Ou se limitam a identificar princípios ou regras


constitucionais existentes, direta e necessariamente
aplicáveis à situação concreta mediante uma única
solução jurídica verosímil.

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A título excecional a decisão aditiva pode comportar efeitos


normativos. Tal sucede quando a concretização de uma
norma ou princípio constitucional cogente implica o
afastamento (seleção negativa) de outras soluções
interpretativas não objetivamente inconstitucionais, mas
menos afeiçoadas aos princípios da Constituição e à
vontade do legislador. Tal implica que o Tribunal
Constitucional prolate um juízo limitadamente 194
discricionário de escolha de entre um leque restrito de
opções normativas distintas e na base de critérios objetivos.
Diversamente, a plenitude da força de lei exprime-se,
segundo a maioria da doutrina, através da supressão do
direito velho, bem como da faculdade de edição livre de
uma norma nova, emitida ao abrigo da função legislativa.
Em terceiro lugar, a força obrigatória geral de uma decisão
de inconstitucionalidade não pode ser questionada por um
ato da mesma ou de outra natureza, assumindo força de
caso julgado formal; já a força própria de um ato legislativo
pode ser afetada por uma potência sucessiva da mesma
natureza (revogação ou repristinação) ou de natureza mais
intensa (uma decisão de inconstitucionalidade). Em quarto
lugar, a força obrigatória geral reveste uma potência
uniforme, independentemente da hierarquia do ato
declarado inválido (lei constitucional, lei ordinária ou
regulamento); diversamente, a força geral de lei é uma
característica estrutural e exclusiva do ato legislativo
ordinário e indicia, no plano da potência relacional que
liberta, a posição hierárquica daquele no ordenamento. Em
quinto lugar, a força obrigatória geral no que respeita ao
seu “efeito vinculativo” caracteriza-se pela imperatividade,
enquanto que a força de lei e a imperatividade são
conceitos distintos, podendo haver leis que a título
principal não assumam natureza imperativa, mas mesmo
assim exerçam a sua força revogatória sobre outras leis
(vide o caso da legislação em matéria de benefícios fiscais).
Em suma, a potência ablativa gerada por uma decisão com
força obrigatória geral é muito mais intensa do que aquela
que é libertada pela força legal inerente a um fenómeno
revogatório, cumprindo os dois institutos, papéis distintos,
no quadro de diferentes atividades estaduais. Daí que, a
noção de força afim da lei que é assinada à força obrigatória
geral constitua, sobretudo, um conceito referencial.

b) As três manifestações de eficácia do conceito de força obrigatória


geral: a noção de força obrigatória geral inerente a uma decisão de
inconstitucionalidade em fiscalização abstrata sucessiva abarca três
dimensões, a saber:

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a. A nulidade da norma julgada inconstitucional ou ilegal,


e que consiste no efeito sancionatório que inere à
declaração, norma essa que não é apenas desaplicada
a um caso singular, como sucede na fiscalização
concreta, mas também eliminada do ordenamento,
sendo igualmente eliminados retroativamente, por
regra, efeitos que a mesma produziu desde a
verificação da invalidade; 195

b. A força de caso julgado formal e material, que consiste


no efeito processual do instituto, traduzida na
insusceptibilidade de o fundo da questão de
inconstitucionalidade ou ilegalidade, que é objeto da
declaração, poder vir a ser recorrida ou reapreciada
jurisdicionalmente, projetando-se a definitividade dos
efeitos da decisão para fora dos contrafortes do próprio
processo;

c. A eficácia frente a todos, que respeita ao poder


vinculativo da decisão e que se traduz na extensão erga
omnes da obrigatoriedade de acatamento do conteúdo
dispositivo da decisão por todas as autoridades
públicas e por todos os particulares destinatários da
norma.

A) A nulidade como sanção da norma inconstitucional:

a. Regime: tínhamos concluído em sede própria


que o desvalor da invalidade das normas
declaradas inconstitucionais ou ilegais com
força obrigatória geral é reprimido no sistema
português com a sanção da nulidade. A
nulidade como sanção da invalidade: serve os
interesses públicos presos à defesa da
intangibilidade da Constituição que não são,
por regra, postergáveis por outros interesses
públicos (artigo 3.º, n.º3 CRP), nem por
interesses privados; constitui-se no momento
em que ocorre a ofensa à norma parâmetro
(Artigo 282.º, n.º1 e 2 CRP); pressupõe a
expulsão da disposição normativa
inconstitucional ou ilegal a partir do momento
em que é publicada a correspondente
declaração; e projeta retroativamente efeitos
repressivos que eliminam consequências
jurídicas anteriormente produzidas pela
mesma disposição, excetuando os casos
julgados. A conceptualização da nulidade como
efeito sancionatório da decisão de
inconstitucionalidade em processo de controlo

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abstrato sucessivo decorre da associação do


instituto da “declaração da
inconstitucionalidade” com a noção de força
obrigatória geral a qual é feita pelo n.º1 do
artigo 282.º CRP. A nulidade ipso iure constitui-
se no momento da colisão entre a norma
inválida e o parâmetro constitucional, pelo que
a função do Tribunal Constitucional será, em 196
regra, apenas a de proceder à sua declaração.
A força obrigatória geral que envolve a
declaração reforça a potência repressiva do
efeito da nulidade, no sentido da expulsão
definitiva da norma do ordenamento jurídico.
Ainda assim, o regime da nulidade pauta-se por
uma sensível variabilidade operativa em razão
do caráter, mais rigoroso ou mais limitado, dos
efeitos sancionatórios que liberta, em relação a
factos passados regidos pela norma
inconstitucional. E daí termos falado no
instituto-regra da nulidade com efeitos
absolutos quando se esteja perante uma
reação do ordenamento contra a norma
inválida, regida nos estritos termos do n.º1 e na
1.ª parte do n.º3 do artigo 282.º CRP: a norma
é eliminada, como eliminados são também os
efeitos que a mesma haja produzido desde a
sua origem, salvaguardados os casos julgados
que a tenham aplicado. Isto sem prejuízo da
nova e muito discutível orientação
jurisprudencial do Tribunal Constitucional,
bebida na jurisprudência administrativa, que
equipara para efeito de salvaguarda, o caso
decidido administrativo ao regime do caso
julgado, suscitando ponderosas dúvidas do
ordem dogmática e constitucional que são
observadas infra. Trata-se da regra geral da
nulidade ipso iure, a qual opera também ope
constitutione, limitando-se o Tribunal
Constitucional proceder à respetiva declaração.
A nulidade com efeitos relativos, como exceção
à regra anterior, supõe que a eficácia
sancionatória com efeitos retroativos prevista
no n.º1, em conjugação com o n.º3 do artigo
282.º, possa ser restringida. Essa restrição
pode operar ope constitutione, no caso de
inconstitucionalidade ou ilegalidade
superveniente, dado que é o próprio n.º 2 do
artigo 282.º CRP a determinar por razões

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lógicas e de segurança jurídica que a


retroatividade da eficácia repressiva da
declaração, terá como limite o momento em
que a norma parâmetro entrou em vigor e
colidiu com uma norma objeto preexistente. E
pode operar por decisão manipulativa do
próprio Tribunal Constitucional,
nomeadamente as condições previstas no n.º4 197
do artigo 282.º, o qual preserva de uma
potencial eliminação, uma pluralidade de atos
e contratos fundados na norma declarada
inconstitucional, contanto que os mesmos
sejam considerados merecedores de
consolidação. Atenuam-se, deste modo, com
eficácia variável, os efeitos sancionatórios
regra projetados para o passado que inerem ao
regime da nulidade com efeitos absolutos. Em
síntese, a nulidade da norma inconstitucional
implica, nos seus traços dogmáticos
fundamentais:

i. A expulsão da norma inconstitucional


do ordenamento, com a consequente
impossibilidade de revivescência da
mesma;

ii. A cessação imediata de efeitos futuros,


a partir do momento de publicação da
decisão de invalidade;

iii. A regra da eliminação de efeitos


passados que não tenham transitado
em julgado, ressalvadas as situações
previstas nos n.º2, 3 e 4 do artigo 282.º
CRP;

iv. A repristinação da norma que a regra


inconstitucional haja revogado, como
forma de reconstituição da situação
jurídica existente antes de declarada a
nulidade e preenchimento do vazio
jurídico gerado pela eliminação da
regra.

Ocorrendo a repristinação, a
norma repristinada deve, em primeiro lugar,
valer como fundamento de validade dos atos
administrativos e situações jurídicas que
ocorram no futuro. Quanto aos atos
administrativos praticados no passado, estes

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não obterão uma novação do seu fundamento


na norma repristinada, no caso de: serem nulos;
respeitarem a situações intangíveis já
transitadas em julgado; terem sido
salvaguardadas pelo Tribunal Constitucional ao
abrigo do artigo 282.º, n.º4 CRP; ou, mais
duvidosamente, caso proceda a salvaguarda do
chamado caso resolvido no caso de prevalecer a 198
norma controversa jurisprudência do Tribunal
Constitucional relativamente à garantia
automática do caso decidido
consequentemente inconstitucional, o que
implicaria uma sanação dos seus vícios. No que
respeita aos atos singulares inconstitucionais
que sejam nulos, as situações jurídicas sobre as
quais os mesmos recaiam serão regidas no
futuro pela norma repristinada, após a
declaração da inconstitucionalidade.

b. Considerações sobre os efeitos relativos de


certas declarações de nulidade fundadas em
inconstitucionalidade: como vimos, a decisão
de acolhimento proferida em controlo abstrato
sucessivo não constitui a relação de desvalor de
inconstitucionalidades ou ilegalidade,
procedendo, sim à sua declaração. O valor
negativo do ato inconstitucional ou ilegal tem,
efetivamente, lugar desde o momento em que
colide com a norma que é seu parâmetro de
validade. Como tal, a declaração de
inconstitucionalidade ou ilegalidade consiste
num juízo de autoridade que tem por escopo
atestar a ocorrência do desvalor da invalidade
e que, assim, autoriza a libertação dos efeitos
repressivos que o ordenamento prevê para
atingir tanto o ato inconstitucional ou ilegal,
como as consequências jurídicas que este
produziu desde o momento em que se gerou o
vício. Existem, de todo o modo, dois aspetos
presos à atipicidade da nulidade em Direito
constitucional que merecem algumas reflexões:
trata-se do regime da nulidade no contexto do
julgamento da inconstitucionalidade
superveniente de uma norma; e dos efeitos
constitutivos gerados pela restrição dos efeitos
da declaração de inconstitucionalidade
originária e superveniente.

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i. Os efeitos diacrónicos da declaração da


nulidade no contexto da
inconstitucionalidade superveniente: a
atentar no regime jurídico-positivo do
artigo 282.º, n.º2 CRP, dir-se-ia que, tal
como sucede com a
inconstitucionalidade originária, a
nulidade de uma norma declarada 199
supervenientemente inconstitucional
constitui-se no momento da colisão
entre um ato normativo ordinário que
era válido na sua origem e uma norma
constitucional aprovada com
posterioridade ao início de vigência do
primeiro ato. Tal como sucede,
também, coma inconstitucionalidade
originária, os efeitos sancionatórios da
declaração assumem caráter
retroativo, eliminado atos e contratos
de execução do ato normativo
inconstitucional compreendidos entre
a data da entrada em vigor do
parâmetro superveniente. E, ainda, tal
como sucede com a
inconstitucionalidade originária, os
efeitos retroativos temporalmente
limitados que a declaração de
inconstitucionalidade superveniente
pode libertar são eles próprios
suscetíveis de restrição nos termos do
artigo 282.º, n.º4 CRP, já que as razões
que predicam o imperativo da
consolidação de certos atos e
contratos praticados após o momento
constitutivo da nulidade valem nas
duas situações. Mas, diversamente do
que sucede com a
inconstitucionalidade originária, já na
inconstitucionalidade superveniente
os efeitos produzidos pela norma,
desde a sua origem até à
superveniência do parâmetro
constitucional são válidos, razão que
leva à qualificação dos efeitos da
nulidade como relativos. Se no plano
puramente descritivo do regime em
vigor pouco mais haverá a acrescentar,
já na esfera do pensamento dogmático

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a qualificação do regime da nulidade


em sede da declaração da
inconstitucionalidade superveniente
não parece ser assim tão simples.
Vejamos porque:

1. Em tese, e à primeira vista, a


norma julgada inconstitucional 200
é só uma. Tendo nascido
originariamente em estado de
validade, porque conforme
com parâmetros
constitucionais preexistentes à
sua entrada em vigor, a norma
passou a quedar-se numa
situação de ilegitimidade
jurídica por terem sido
editados, com posterioridade,
novos parâmetros
constitucionais de conteúdo
antitético. Ora, se assim é, e se
a nulidade se constitui no
momento da superveniência
do parâmetro, em bom rigor
essa mesma nulidade apenas
deveria incidir sobre os efeitos
que a norma produziu entre o
momento dessa
superveniência e o momento
da declaração, não tendo,
contudo, fulminado a norma
em abstrato, entre o momento
da sua origem e a data da
entrada em vigor do
parâmetro gerador da
antinomia. Se os efeitos
gerados pela aplicação da
norma depois de constituída a
nulidade são inequivocamente
nulos e como tal expurgados
do ordenamento, o mesmo
não se deveria passar com a
norma e com os efeitos que
gerou antes de constituída a
nulidade.

2. Se assim é, torna-se possível


dizer que a norma, no que
respeita ao momento anterior

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à ocorrência da nulidade que


atingiu os seus efeitos em
consequência da
superveniência do parâmetro,
subsiste no ordenamento. A
verificar-se essa permanência,
admite-se, em tese que, no
caso de a norma constitucional 201
superveniente que
fundamentou a
inconstitucionalidade vier a ser
revogada por força da
aprovação de nova lei de
revisão Constitucional, a
mesma norma legal objeto de
censura mediante um juízo de
inconstitucionalidade
superveniente poderá vir a
vigorar para o futuro por força
da aprovação de outro ato
normativo ordinário que a
reponha em vigor, de forma a
produzir efeitos entre o
momento em que se tinha
verificado a supressão do
referido parâmetro que com
ela colidia e a data em que se
procede à mesma reposição.
Outro argumento em favor da
permanência da norma
supervenientemente
inconstitucional no
ordenamento decorre da
circunstância de a mesma
poder, se for caso disso, ser
impugnada com fundamento
em inconstitucionalidade
originária. Com efeito, no aso
de a mesma
inconstitucionalidade
originária vir a ser declarada,
em processo autónomo e em
momento ulterior à declaração
de inconstitucionalidade
superveniente, seriam
eliminados todos os efeitos
que produzira, desde o
momento da sua entrada em

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vigor. Só então é que a norma


é integralmente nula, sendo
expulsa do ordenamento in
totum. Se tal sucede, confirma-
se que a norma que num
primeiro momento fora
julgada supervenientemente
inconstitucional, terá ainda 202
assim permanecido no
ordenamento, produzindo, tal
como sucede com as normas
revogadas, efeitos válidos para
um período limitado de tempo
(entre a sua entrada em vigor e
a superveniência de um
parâmetro constitucional
antitético), só tendo sido
efetivamente removida da
ordem jurídica, depois de, num
segundo momento, ter sido
declarada a sua
inconstitucionalidade
originária.

3. No caso relatado, a ser


admissível a revivescência da
norma que antes fora julgada
supervenientemente
inconstitucional, será difícil
argumentar em favor da sua
nulidade ipso iure como ato
normativo e,
consequentemente defender
que a mesma foi expulsa qua
tale do ordenamento jurídico,
como efeito da declaração de
inconstitucionalidade. A figura
da nulidade, mesmo com
efeitos relativos, é aqui
particularmente difícil de
manter em face desta
invalidade mista, onde se
somam elementos típicos da
revogação, com outros
próprios da nulidade. Está-se,
na realidade, perante uma
figura compósita da nulidade e
da cessação de vigência,

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próxima da que se encontra


prevista no artigo 64.º, e no
artigo 71.º, n.º 2 da Convenção
de Viena relativamente à
superveniência de uma norma
de ius cogens em relação a um
tratado. Este mesmo tratado
cessa vigência, por revogação, 203
como efeito da superveniência
de uma norma antitética de
valor hierárquico superior,
sendo considerados nulos
todos os efeitos que de facto
tenha produzido depois da
entrada em vigor da segunda
norma. Veja-se, aliás, que
todas as considerações feitas
supra a propósito da
concomitância entre o
instituto revogatório e o
desvalor da invalidade,
decorrentes da superveniência
de uma norma constitucional
antitética em relação a direito
ordinário preexistente
contribuem para iluminar a
especificidade do regime
jurídico que decorre da
declaração de
inconstitucionalidade, ao
abrigo do artigo 282.º, n.º2
CRP. Em consequência, não
pode deixar de ficar afetada a
linearidade de todas as
posições doutrinárias e
jurisprudenciais que unificam,
sem mais, na nulidade (típica
ou atípica) os efeitos
diversiformes das declarações
de inconstitucionalidade em
controlo sucessivo e que
estimam, singelamente, que
essa declaração decorre a
expulsão da norma
inconstitucional e a
impossibilidade da sua
revivescência. Quando muito
ter-se-ia, algo ficcionalmente,

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de conceber uma forma de


nulidade parcial qualitativa da
norma em razão de um critério
temporal de operatividade
diacrónica. Esta passa por
desdobrar uma dada
disposição normativa (D) em
duas dimensões normativas 204
ideais materialmente iguais
mas de operatividade diversa
em razão do seu regime de
aplicação temporal: a norma
N1 originariamente conforme
com a Constituição e
plenamente válida até à
entrada em vigor do
parâmetro constitucional qe
com ela colide; e a norma N2
que vigora no período
posterior à entrada em vigor
de uma lei de revisão
constitucional que ostenta um
conteúdo com ela
desconforme, e que, por esse
motivo, padece de
inconstitucionalidade
superveniente, sendo
eliminada em como os
respetivos efeitos do
ordenamento. Assim, a norma
ideal N2 seria expulsa da
ordem jurídica, mas já não a
disposição textual D que a
suporta, bem como a
dimensão normativa N1
resultante dessa disposição e
que será, em princípio,
temporalmente valida e eficaz
até à data de emergência do
parâmetro constitucional
antitético. Na base desta ficção,
construída em torno da noção
de nulidade parcial qualitativa
de uma disposição normativa
em razão do seu tempo de
vigência, será possível
conservar emblematicamente

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a figura da nulidade com


efeitos relativos.

ii. Os efeitos constitutivos da sentença


manipulativa que declara a
inconstitucionalidade de uma norma:
regressando à inconstitucionalidade
originária que constitui o fundamento 205
da invalidade-regra subjacente ao
controlo sucessivo, referimos que a
mesma se constitui no momento em
que a norma entra em vigor, e não por
efeito da declaração. Sem embargo, a
partir do momento em que a decisão
de inconstitucionalidade se não limite
à declaração exposta e procure
modelar a eficácia repressiva que se
projeta contra o ato inválido, por
exemplo, à luz do artigo 282.º, n.º4 CRP,
é possível afirmar que, nessas precisas
circunstâncias a decisão de
inconstitucionalidade constitui os
efeitos gerados pelo ato
inconstitucional ou ilegal. Essa decisão
não constitui a nulidade, mas sim os
seus efeitos, num quadro mais
restritivo ou mitigado de intensidade
sancionatória, como, por exemplo, a
que resulta da salvaguarda de
consequências jurídicas passadas pelo
ato inconstitucional. Tal como veremos
detidamente são múltiplas as formas
como as decisões atípicas de
inconstitucionalidade se podem
projetar sobre o sentido e efeitos das
normas julgadas inconstitucionais.

iii. Nota complementar: a relativização


imprópria dos efeitos típicos da
nulidade através da extensão do
regime do caso julgado ao caso
decidido administrativo operada pelo
Tribunal Constitucional: nota e
remissão: tal como será analisado infra,
com mais detalhe, o Tribunal
Constitucional considerou, sobretudo
a partir do Acórdão n.º 786/96 e do
Acórdão 32/2002, de 22-1, num
quadro justificativo paralelo

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construído em torno da figura do caso


julgado, que o caso decidido
administrativo se encontraria
consolidado, de forma a ser tornado
imune aos efeitos sancionatórios com
eficácia retroativa de uma declaração
de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral. Essa jurisprudência 206
abre caminho para o entendimento,
segundo o qual, se um ato
administrativo der execução a uma
norma inconstitucional e não for
impugnado pelos particulares ou pelo
Ministério Público em sede de
contencioso administrativo, com
fundamento em inconstitucionalidade
consequente, durante o decurso do
prazo que o CPTA concede para a
impugnação dos atos anuláveis, o
mesmo transformar-se-á em caso
administrativo decidido, cuja
consolidação o tornará imune, por
razões de segurança jurídica (análogas
às que subjazem ao caso julgado), aos
efeitos retroativos de uma declaração
de inconstitucionalidade da norma por
ele executada. Semelhante
entendimento resulta ser
problemático para a estrutura lógica e
teleológica da nulidade, tal como esta
resulta da doutrina juspublicista
consolidada e do disposto na
Constituição, dado que:

1. Tal significaria uma


importante exceção a um dos
atributos dogmáticos da
nulidade da norma
inconstitucional que é o
princípio da imediatividade:
uma laga maioria de
consequências póstumas
produzidas pela norma
inconstitucional ficaria
salvaguardada dos efeitos
retroativos da sanção de
inconstitucionalidade,
deixando de se poder afirmar

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que a nulidade implicaria a


eliminação retroativa de todas
as consequências jurídicas da
norma inválida exceto o caso
julgado, já que se preservaria
dessa eliminação um largo
espetro de atos
administrativos de aplicação 207
que não tenham sido
impugnados e que nada têm a
ver com o telos do caso julgado;

2. Semelhante exceção, que não


se encontra habilitada na
Constituição ou na lei, mas
antes resulta da criatividade da
jurisprudência constitucional e
administrativa, desfiguraria o
instituto da nulidade: será que
seria possível chamar nulidade
ao efeito sancionatório de uma
declaração de
inconstitucionalidade que
elimina a norma
inconstitucional mas que
preserva as suas metástases?
Que elimina a fonte da
inconstitucionalidade mas que
salvaguarda as muitas das suas
consequências? Que, no fim de
contas, consagra o regime da
nulidade para a norma
inconstitucional e a
anulabilidade para os atos
administrativos que lhe dão
execução?

3. Essa salvaguarda do caso


decidido resultaria de uma
equiparação feita, por
pretensa identidade de razão,
entre a mesma figura e o caso
julgado, por parte do Tribunal
Constitucional, através de uma
decisão com efeitos aditivos de
muito duvidosa
constitucionalidade e que se
mostra passível de justificar,
no mínimo, uma intervenção

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corretiva do legislador, em
sede de revisão da Lei do
Tribunal Constitucional.

É certo que se torna possível afirmar discursivamente


que o regime sancionatório regra continua a ser o da
nulidade com efeitos absolutos, prevista no n.º 1 do artigo
282.º CRP. Todavia, a nulidade com efeitos relativos, para 208
além dos casos expressamente previstos na Constituição
(artigo 282.º, n.º4), somaria, igualmente, por força de uma
jurisprudência criativa do Tribunal Constitucional, o caso
decidido. Trata-se de um aditamento que pode implicar
duas coisas: ou a recondução do instituto dogmático da
nulidade a uma figura ficcional de referência no caso de se
consagrar uma dissociação entre a nulidade da norma e
anulabilidade dos seus efeitos; ou um forte reparo à
jurisprudência do Palácio Ratton, que importaria corrigir no
plano constitucional e legislativo. Trata-se de algo de que
curaremos mais adiante.

B) Força obrigatória geral e força de caso julgado formal


e material:

a. Introdução conceptual: transitam em julgado


as sentenças dos tribunais que sejam, ou se
tornem, insuscetíveis de recurso ordinário,
daqui decorrendo a consolidação dos seus
efeitos no ordenamento jurídico. Pese o facto
de se tornar firme e consolidado, o caso julgado
pode admitir, a título excecional, a sua
modificação em algumas situações, contanto
que seja interposto para o efeito um recurso de
revisão, cujos pressupostos variam em razão do
tipo de processo que estiver em causa. O caso
julgado formal implica que a decisão
jurisdicional assuma, tão só, caráter obrigatório
ou vinculativo no âmbito do processo em que
foi proferida, sendo como tal, irrecorrível. O
caso julgado em sentido material impõe que os
efeitos da decisão jurisdicional proferidos
sobre o fundo da relação controvertida
assumam uma eficácia extraprocessual, ou seja,
determina-se que projetem o seu caráter
vinculativo, não apenas dentro, mas também
fora do processo em que a mesma decisão foi
proferida. Deste modo, o caso julgado material
pressupõe a prévia existência do efeito do caso
julgado formal. E dele decorre a
obrigatoriedade de qualquer autoridade

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pública ou de qualquer particular em acatarem


a decisão transitada em julgado.

b. Natureza e efeitos do caso julgado nas decisões


de acolhimento proferida pelo Tribunal
Constitucional em fiscalização abstrata
sucessiva: considera-se que uma declaração de
inconstitucionalidade proferida com força 209
obrigatória geral produz efeitos próprios do
caso julgado formal e material. Caso julgado
formal porque não havendo qualquer instância
superior àquela que profere a decisão, esta
torna-se irrecorrível dentro do processo. Deste
modo, o Tribunal não pode “interpretar,
modificar, suspender ou revogar” a decisão
tomada, salvo se a própria sentença enfermar
de vícios específicos e a sua nulidade for
arguida em sede recurso extraordinário para o
próprio órgão. Caso julgado material porque,
sendo eliminada do ordenamento a norma
impugnada, a natureza das coisas impede que
possam ocorrer novos processos que envolvam
a questão da sua validade ou aplicabilidade, já
que os mesmos careceriam de objeto. O caso
julgado material fundamenta
substancialmente e impulsiona
processualmente os restantes efeitos da
declaração com força obrigatória geral, ou seja
a nulidade e a eficácia erga omnes da decisão.
É um facto que a sanção da nulidade é
predicada pelo desvalor da invalidade,
cominada pelo artigo 3.º, n.º3 CRP para todos
os atos contrários à Constituição. Contudo, em
abstrato, a invalidade pode ser servida por
tipos diferentes de sanções e, de entre estas,
podem figurar em tese a anulabilidade e a
privação de eficácia do ato inválido. A sanção
da nulidade atípica das normas declaradas
inconstitucionais em controlo abstrato
sucessivo tem sido retirada, para além do
interesse exclusivamente público que inere à
declaração, não apenas a partir dos efeitos
retroativos e repristinatórios da decisão de
invalidade, mas também da fórmula força
obrigatória geral (artigo 282.º, n.º1), a qual
envolve uma particular produtividade
repressiva da declaração a qual, não admitindo
recurso, tem força de caso julgado. Assim

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sendo, pode dizer-se que o caráter firme ou


irreversível da expulsão da norma declarada
inconstitucional ou ilegal do ordenamento, e
que subjaz à sanção da nulidade, consiste numa
decorrência objetiva do caso julgado em
sentido material. Quanto aos efeitos erga
omnes da decisão, ou seja a projeção da
declaração para fora do processo, vinculando 210
todas as autoridades públicas e entidades
privadas, estes constituem uma precisão dos
efeitos de caso julgado material. Postulando o
caso julgado material eficácia ultra partes, não
seria contudo claro quais as entidades
vinculadas pelo decisum condido na declaração,
já que em outros ordenamentos como o
brasileiro e o alemão, existe uma variabilidade
sensível na determinação dos sujeitos
obrigados pelo efeito caso julgado material,
sobretudo quando estiver em causa o
problema da vinculação ao motivo
determinado da sentença. Ora da noção de
força obrigatória geral extrai-se o critério da
eficácia “contra todos”, uma eficácia erga
omnes que obriga, embora com uma
intensidade variável, todos os poderes públicos
bem como os particulares a acatar uma decisão
de inconstitucionalidade com caráter definitivo.
Em suma, a noção de caso julgado material
pressupõe a eficácia erga omnes que se
conforma como seu instrumento. Isto, sem
prejuízo de em processos de ordem distinta,
como o processo do contencioso
administrativo regulamentar, se possa admitir
(algo atipicamente) que exista eficácia erga
omnes desacoplada de caso julgado material,
na medida em que a declaração de ilegalidade
com força obrigatória de um regulamento em
primeira instancia pode ser objeto de um
recurso per saltum para o Supremo Tribunal
Administrativo.

C) Força obrigatória geral e efeito erga omnes da decisão:


examinaremos nesta rúbrica algumas variações no grau
de vinculação que a declaração de
inconstitucionalidade de uma norma, com força
obrigatória geral, pode importar para os cidadãos, para
a Administração Pública, para os tribunais, para o
próprio Tribunal Constitucional e ainda, para o

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legislador. Tal como se observa a propósito das


decisões interpretativas conformes à Constituição, a
vinculatividade erga omnes da decisão restringe-se, em
regra, à componente dispositiva do Acórdão, não
envolvendo a sua motivação. Diversamente, no que
respeita às declarações de inconstitucionalidade parcial
qualitativa a solução interpretativa determinante
expressa na motivação é inseparável da parcela 211
dispositiva da sentença.

a. Vinculatividade plena para os cidadãos: todas


as pessoas singulares ou coletivas encontram-
se impedidas de invocar a norma declarada
inconstitucional, seja no quadro das suas
relações recíprocas, seja em face das
autoridades públicas. Excetuam-se desta
exigência situações previstas na Constituição,
bem como os efeitos que esta reconhece a
certas sentenças. Trata-se, em primeiro lugar,
dos casos julgados, nos quais subsiste a
produtividade singular da norma julgada
inconstitucional, nos termos do artigo 282.º,
n.º3 CRP. Na verdade, tendo sido aplicada a
uma norma inconstitucional a uma situação
concreta, objeto de um litigio contencioso, e
tornando-se firme a última decisão
jurisdicional proferida sobre a matéria como
efeito do trânsito em julgado, fica essa mesma
aplicação consolidada em nome da paz e da
segurança jurídicas e, como tal, imune aos
efeitos sancionatórios retroativos derivados da
declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral. É também o caso, em
segundo lugar, de outras situações que se
encontram imunes à sanção da nulidade que
atinge a norma declarada inconstitucional,
mormente por efeito da decisão manipulativa
do Tribunal constitucional, aprovada nos
termos do artigo 282.º, n.º4 CRP, tendo em
vista a salvaguarda da segurança jurídica,
equidade e interesse público de especial relevo.

b. Vinculatividade plena para os tribunais comuns


e para o operador administrativo: excetuados
os casos julgados e as situações salvaguardadas
nos termos do artigo 282.º, n.º4 CRP, as
autoridades administrativas e judiciais comuns,
não podem aplicar norma declarada
inconstitucional. No caso dos tribunais comuns,

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a decisão de inconstitucionalidade com força


obrigatória aplica-se aos processos pendentes
em juízo. Se esta regra for desrespeitada e os
mesmo órgãos derem aplicação à norma
anteriormente declarada nula pelo Tribunal
Constitucional, impõe-se a interposição de
recurso obrigatório por parte do Ministério
Público para este Tribunal (artigo 72.º, n.º3 212
LTC). No que diz respeito à Administração, a
jurisprudência do Supremo Tribunal
Administrativo, por exemplo, tem estimado
como anuláveis com fundamento em violação
da lei, nulos, com fundamento em usurpação
de poder ou ilegais, por carência de base legal,
os atos administrativos de aplicação de normas
declaradas inconstitucionais. Isto, sem prejuízo
de em controversa jurisprudência ressalvar dos
efeitos consequenciais da nulidade certos atos
que considera consolidados.

c. Vinculatividade relativa para o Tribunal


Constitucional: o Tribunal Constitucional
encontra-se obrigado a aplicar o conteúdo das
suas decisões de inconstitucionalidade,
proferidas com força obrigatória geral, aos
processos pendentes, nos quais a norma
declarada inconstitucional tenha sido sindicada
em fiscalização concreta. Trata-se de um efeito
autovinculativo, derivado da eficácia erga
omnes da declaração e do necessário respeito
pelo caso julgado material, não dependendo
esse efeito obrigatório de publicação da
decisão, salvo se o Tribunal Constitucional
decidir algo em contrário ao abrigo do artigo
282.º, n.º4 CRP. Na verdade, a regra geral sobre
esta matéria é a de que, tendo já sido a norma
inválida eliminada do ordenamento por força
da decisão com força obrigatória geral, não
poderia ulteriormente o Tribunal
Constitucional, no julgamento de processos
pendentes, alterar a jurisprudência e julgar
conforme à Constituição algo que já foi
irradiado da ordem jurídica. No caso de ter
dado entrada no Tribunal Constitucional um
pedido de fiscalização abstrata sucessiva de
uma norma que já tenha sido impugnada junto
do mesmo órgão numa pluralidade de
processos de fiscalização concreta, o Tribunal

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Constitucional adia, por regra, as suas decisões


em controlo concreto sobre os casos
pendentes até à proclamação da decisão em
controlo abstrato. Fá-lo, de forma a
salvaguardar o princípio da igualdade na
aplicação da Constituição, a garantir a unidade
da jurisprudência e a assegurar, num plano
auto vinculatório, que as decisões com força 213
obrigatória geral prevalecem sobre quaisquer
outras que possam ser proferidas no
julgamento de processos pendentes com o
mesmo objeto. No que toca à edição de normas
de conteúdo idêntico a outras declaradas
inconstitucionais, ou no caso de ser, no futuro,
editada uma norma de conteúdo igual, nada
inibe o Tribunal Constitucional de alterar o
sentido da sua jurisprudência, se essas normas
forem impugnadas em controlo sucessivo. As
grandes linhas da jurisprudência constitucional
tendem a manter-se inalteradas, ou pelo
menos estáveis, de modo a traduzir a vontade
dos Tribunais Constitucionais em fazer
permanecer os critérios de validade do Direito
e o imperativo de segurança jurídica que daí
resulta. Ainda assim, podem gerar-se mutações
da orientação jurisprudencial, alterações
constitucionais, legislativas e doutrinárias, bem
como transformações políticas, económicas,
sociais e tecnológicas de fundo, nelas
compreendidas mutações nos usos e costumes,
passíveis de justificarem uma interpretação
evolutiva. Ou podem, ainda, ocorrer alterações
nas pré compreensões políticas e filosóficas
dominantes na composição do tribunal
relativamente a questões altamente
controversas que o tenham dividido 80 . O

80
Larez recorda a este propósito que «(…) de entre os fatores que dão motivo a uma revisão e, com isso,
frequentemente, a uma modificação da interpretação anterior, cabe a uma importância proeminente à
alteração da situação normativa». Situações fáticas com que o legislador se deparou num dado
momento e aos quais respondeu através de regulação legislativa, variaram com o tempo e as
circunstâncias, em termos que nem sempre podem ser previstos pelo legislador. Contudo «(…) nem toda
a modificação de relações acarreta por si só, de imediato, uma alteração do conteúdo da norma. Existe a
princípio, ao invés, uma relação de tensão que só impele a uma solução – por via de uma interpretação
modificada ou de um desenvolvimento judicial do Direito – quando a insuficiência do entendimento
anterior da lei passou a ser evidente». Em consequência «Os tribunais podem abandonar a sua
interpretação anterior porque se convenceram que era incorreta, que assentava em falsas suposições ou
em conclusões não suficientemente seguras. Mas ao tomar em consideração o fator temporal, pode
também resultar que uma interpretação que antes era correta agora não o seja». O momento em que a
anterior orientação interpretativa da jurisprudência terá deixado de ser correta não é simples de

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chamado precedente constitui, nos sistemas


codicistas, um critério argumentativo que,
constituindo uma importante referência ara a
permanência do sentido das decisões, não
constitui uma norma, podendo ser superado
pelo próprio Tribunal Constitucional. Este
órgão, na verdade, está vinculado à
Constituição e não aos paradigmas pretéritos 214
que utilizou para a interpretar. Em Estados
onde fi introduzido o recurso de amparo ou
queixa constitucional contra atos não
normativos, como as decisões jurisdicionais, o
Tribunal Constitucional pode controlar a
constitucionalidade de sentenças dos
supremos tribunais que violem, de modo sério
e direto, direitos fundamentais81. Embora em
Portugal não exista recurso de amparo e as
sentenças não sejam objeto de fiscalização
constitucional, considera-se que a
jurisprudência à qual seja reconhecido
conteúdo normativo, mesmo em sentido
impróprio (como aquela que reveste caráter
uniformizador, preenche uma lacuna ou que
cria um critério novo de decisão), é passível de
fiscalização, nomeadamente em controlo
concreto. Pode, nesse caso, o Tribunal
Constitucional questionar a validade de novos
critérios de decisão contidos nessas sentenças
que violem direitos fundamentais. Mas a
questão determinante que nos encontramos a
observar não se encontra sedeada em
alterações de orientação dos supremos
tribunais, mas sim do próprio Tribunal
Constitucional, já que este não tem de
responder perante nenhum outro órgão sobre

determinar, em razão do caráter contínuo das alterações experimentadas pelo respetivo objeto, o que
conduz a momentos de incerteza quando, em tempos intermédios de transição podem resultar coo
aceitáveis duas interpretações distintas (a originária e a que procura adaptar a norma e a situação ao
tempo). No final, a escolha caberá por ser feita em relação à solução hermenêutica mais conforme com
a Constituição, na sua projeção para as situações do presente.
81
Assim, no campo estrito desses mesmos direitos fundamentais, o Tribunal Constitucional espanhol
enunciou standards de constitucionalidade para as alterações de jurisprudência, de forma a que estas
últimas não afrontem essas posições jurídicas ativas, a saber:
- Necessidade de motivação (que traduza, implícita ou explicitamente o sentido da alteração e
justifique cabalmente os respetivos fundamentos);
- Ausência de arbítrio (interdição de alterações pretextuosas que gerem efeitos bruscos,
desigualitários, desproporcionados, ou injustificadamente onerosos pra os direitos das pessoas);
- Caráter geral (ausência de critérios geradores de uma alteração que derivem da resolução de
um caso singular).

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o fundamento de mudanças de critérios


hermenêuticos em fiscalização abstrata
sucessiva. Sem prejuízo do seu status como
última instância na administração da justiça em
questões de constitucionalidade, considera-se
que o mesmo órgão deverá, à luz do princípio
constitucional da fundamentação das
sentenças, observar exigências análogas às que, 215
por exemplo, foram densificadas pela Justiça
Constitucional espanhola e motivar
adequadamente as suas alterações de
orientação. Sem constituir lei, a orientação
jurisprudencial, que hoje é incontornável para
o estudo do Direito Constitucional, leva a que
os operadores políticos e jurídicos façam um
investimento de confiança na respetiva
estabilidade. Daí que, caso se verifiquem
alterações significativas, quer em relação a
orientações constantes de decisões proferidas
em fiscalização abstrata, quer em decisões
jurisprudência (artigo 79.º-A, n.º1 LTC), se tem
por adequada a sua cabal fundamentação,
devendo ser explanados os motivos que
justificam a alteração. Alterações bruscas,
erráticas ou pretextuosas, desgarradas de uma
justificação convincente, constituem uma
manifestação de prepotência jurisdicional e
depreciam a segurança das relações jurídicas.

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Fim das Normas Convencionais82

Plano do capítulo: o objeto do presente capítulo é estudar não só o fim do tratado enquanto
216
fonte, mas também, mais geralmente, o das noras convencionais, o que inclui o conjunto de
medidas que, em graus diversos, afetam a “vida” do tratado: a sua modificação, assim como a
sua suspensão ou a sua extinção. Somente esta última diz respeito à própria existência do
tratado, enquanto a modificação e a suspensão produzem os seus efeitos sobre o seu conteúdo,
as normas que ele contém, deixando-o subsistir. Mais ainda do que o resto do Direito do
Tratados, a matéria é caracterizada por uma grande ausência de formalismo. A Convenção de
Viena é assim muito discreta sob este ponto e abstém-se de qualquer alusão ao princípio do
"ato contrário”. Esta preocupação de flexibilidade manifesta-se igualmente a propósito do
respeito das exigências do Direito interno dos Estados, como condição de validade da expressão
de vontade no plano internacional. Considerando o facto de que as disposições constitucionais
são muito menos explícitas quanto à terminação dos tratados do que no que respeita à sua
conclusão, o Direito Internacional procura aqui, simplesmente, exigir que o consentimento do
Estado seja expresso por uma autoridade competente para o representar. Bem entendido, isto
não compromete a solução que pode ser dada ao problema pelo Direito Constitucional dos
Estados Partes. Se bem que a modificação e a suspensão tenham um objeto comum, no sentido
de que se reportam às normas do Tratado e não à fonte que ele constitui, o regime jurídico da
suspensão e o regime aplicável à extinção estão muito próximos, o que justifica que sejam
examinados conjuntamente por oposição ao da modificação do tratado, que exige um exame
distinto.

Secção I – Modificação dos Tratados

Noção:
1.º Terminologia – Modificação, emenda, revisão: a parte IV da Convenção de Viena
é intitulada «Emenda e modificação dos tratados». Seguindo a Comissão de Direito Internacional,
ela afastou deliberadamente o termo “revisão”, em virtude da conotação política que este
termo assumira no período entre as duas guerras em ligação com o artigo 19.º do Pacto da
S.d.N.. Na realidade, encontra-se frequentemente o termos “revisão” na prática
contemporânea, sem que qualquer significado articular lhe seja atribuído. Ele designa muitas
vezes (mas nem sempre) uma modificação geral interessando o conjunto das disposições do
tratado, por oposição à emenda, que visa uma modificação parcial. A Carta das Nações Unidas,
que adota esta distinção, instituiu dois processos separados, um para as emendas às suas
disposições e outro para a sua revisão (artigos 108.º e 109.º). Por outro lado, ao adotar o termo
“modificação”, a Convenção de Viena, seguindo também aqui a Comissão de Direito

82
Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação Calouste Gulbenkian,
4.ª Edição 1992.

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Internacional, serve-se dele unicamente para designar uma modalidade particular de mudança,
aplicada ao tratado multilateral (artigo 41.º). Esta iniciativa lança uma nova confusão na
terminologia tradicional, segundo a qual o termo “modificação” é um termo genérico
englobando ao mesmo tempo a emenda parcial e a revisão geral. Sem seguir a Comissão de
Direito Internacional e a Convenção de Viena, considera-se na presente secção que os três
termos “modificação”, “emenda” e “revisão” são juridicamente equivalentes, o que admite por
exemplo o artigo 236.º do Tratado de Roma C.E.
217
2.º Adaptação pacífica à alteração de circunstâncias: o tratado traduz o equilíbrio
das obrigações que as partes aceitaram em circunstâncias determinadas. Estas evoluem e é
preciso evitar imobilizar as relações entre os Estados contratantes e poder modifica-las. Nesta
perspetiva geral, são possíveis várias abordagens, que não estão necessariamente ligadas às
técnicas do Direito dos Tratados. Por, por exemplo, pensar-se em organizar a intervenção de
uma autoridade política internacional. O artigo 19.º do Pacto da S.d.N. dispunha nestes termos:

«A Assembleia pode, de tempos em tempos, convidar os Membros da Sociedade a


precederem a um novo exame dos tratados que se tornarem inaplicáveis, assim como das
situações, cuja manutenção poderia pôr em perigo a paz mundial»83.

A ideia profunda dos redatores do Pacto era que a manutenção de uma paz durável
dependeria da possibilidade de realizar a mudança pacífica das situações políticas estabelecidas,
sempre que estas se tornassem incompatíveis com as novas realidades da vida internacional. Ela
não foi retomada sob esta forma pela Carta das Nações Unidas, donde não estão ausentes,
todavia, preocupações análogas; testemunham-no, por exemplo, a possibilidade reconhecida à
Assembleia Geral de «recomendar as medidas próprias a assegurar a solução pacífica de
qualquer situação» (artigo 14.º) ou de promover o «desenvolvimento progressivo do Direito
Internacional» (artigo 13.º). Do mesmo modo, e sempre fora do Direito dos Tratados, é possível
uma modificação costumeira das disposições convencionais. Aliás, certas técnicas próprias do
Direito dos Tratados podem chegar a modificar as obrigações convencionais, mesmo na
ausência de qualquer revisão: reservas, interpretação, etc. A modificação no sentido técnico, a
emenda, só aparece por conseguinte como uma das modalidades da função social fundamental
da adaptação dos tratados à mudança das circunstâncias e à evolução do ambiente internacional.
A importância do papel que pode desempenhar depende das disposições de espírito dos Estados
que não estão necessariamente dispostos a recorrer a ela. É, de resto, mais fácil de conceber,
tratando-se de tratados bilaterais do que de convenções multilaterais para as quais foram
forjadas técnicas sofisticadas de modificação, de inspiração menos voluntarista do que os
processos clássicos.

1.º - Elementos comuns aos tratados bilaterais e multilaterais

Modificação pela via do acordo expresso: a regra processual de base que enuncia o artigo
39.º CVDT é a seguinte:

83
Resulta deste texto que, antes de dirigir aos membros o convite previsto, a Assembleia devia verificar
previamente se os tratados em causa se “tornaram inaplicáveis”, o que equivaleria praticamente à
constatação de uma alteração das circunstâncias.

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«Um tratado pode ser emendado por acordo entre as partes».

Esta regra comum aos tratados bilaterais e multilaterais, tem, porém, apenas um
caráter supletivo de vontade. As partes são livres de a rejeitar, de limitar as suas possibilidades
de utilização, ou de esclarecer as suas modalidades pela inclusão, no tratado, de disposições
especiais ditas “cláusulas de revisão” que têm por objeto fixar por antecipação o processo da
sua própria modificação. Estas cláusulas podem, antes de mais, querer assegurar um mínimo de
estabilidade ao tratado primitivo, limitando a liberdade dos Estados , por exemplo, só 218
autorizando a introdução de uma proposta de revisão tendo expirado um primeiro período de
aplicação, ou excluindo qualquer emenda sobre certas disposições ou ainda tornando difíceis as
condições de adoção e de entrada em vigor da emenda. Pelo contrário, as partes podem
mostrar-se desejosas de incentivar a adaptação do tratado às mudanças de circunstâncias,
facilitando, eventualmente, a sua revisão. Este é o objetivo das cláusulas que preveem a
convocação de uma conferência de revisão ou de exame após um certo número de anos (artigo
109.º Carta das Nações Unidas) ou daquelas que facilitam a adoção ou a entrada em vigor das
emendas a certas convenções multilaterais. Acontece isso designadamente se o acordo
modificador pode ser concluído de forma simplificada, enquanto o tratado que modifica é em
forma solene. Mesmo na falta de qualquer disposição expressa, um tratado pode sempre ser
modificado por um acordo concluído em forma menos solene e mesmo por um acordo verbal.
Isto resulta necessariamente da ausência de formalismo do Direito Internacional neste domínio
e da total equivalência de todas as formas de tratados. Contudo, podemos duvidar que as partes
possam negligenciar as exigências das cláusulas de revisão quando existem.

Modificação por outras vias:


1.º Modificação por via costumeira ou de acordo tácito: no artigo 38.º do seu
projeto de artigos sobre o Direito dos Tratados, a Comissão de Direito Internacional propusera
a disposição seguinte:

«Um tratado pode ser modificado pela prática ulteriormente seguida pelas partes
na aplicação do tratado quando esta estabelece o seu acordo para modificar as disposições do
tratado».

Preocupada em não legalizar a violação dos tratados, resultante da sua aplicação, e


em manter uma certa flexibilidade nesta, evitando que a conduta dos Estados possa levar a
opor-lhes uma modificação que eles não desejariam realmente, a Conferencia de Viena rejeitou
esta disposição sem porém excluir a possibilidade de uma modificação pelo comportamento
ulterior das partes. A prática admite indiscutivelmente esta possibilidade, que a jurisprudência
consagra.

2.º Modificação pela superveniência de uma norma imperativa de Direito


Internacional: A Convenção de Viena não encara esta possibilidade, limitando-se o artigo 64.º a
rever a extinção de um tratado em conflito com uma nova norma de ius cogens
supervenientemente após a sua entrada em vigor. Mas pode acontecer que a contradição
respeite unicamente uma disposição de um tratado; neste caso não existe qualquer razão para
presumir a extinção deste no seu conjunto; só desaparece o artigo contrário à nova norma
imperativa sob reserva das disposições do artigo 44.º, n.º3 CVDT. Esta solução resulta
implicitamente do n.º5 do mesmo artigo, que não exclui os tratados contrários a uma nova
norma de ius cogens da possibilidade de uma “divisão” das suas disposições.

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2.º - Aspetos particulares da modificação dos tratados multilaterais

Posição do problema: a conclusão de um acordo posterior tendente a modificar um tratado


bilateral não levanta dificuldades particulares, nem tão pouco a determinação do seus efeitos.
Não sucede o mesmo com a modificação dos tratados multilaterais em virtude da pluralidade
das partes: muitos destes tratados são agora tratados quase universais. A extensão sempre
219
crescente do círculo de Estados contratantes põe problemas complexos. Salvo o facto de
consagrar a imutabilidade das convenções, não é admissível que uma minoria de Estados possa
impedir uma modificação desejada por um grande número de partes. Mas se, pelo contrário, se
considerar que a modificação deve ser possível apenas entre as partes que a aceitam, poder-se-
á impô-las aos que a recusarem sem violação da sua soberania e dos seus direitos resultantes
do acordo primitivo? E, no caso contrário, não correremos o risco de chegar anarquicamente a
uma rutura das obrigações convencionais? Estas questões mostram que o crescimento
considerável do número de partes torna necessária uma racionalização que se encontra, aliás,
facilitada pela institucionalização crescente da sociedade internacional. As convenções
comportam frequentemente as regras aplicáveis à sua própria modificação. Quando tal não é o
caso, existem “regas gerais” de origem costumeira, resultantes de uma prática que evoluí muito
a favor da multiplicação dos tratados multilaterais. Estas foram codificadas pela Convenção de
Viena que distingue duas hipóteses: a de uma emenda aberta a todas as partes iniciais (artigo
40.º) e a de uma modificação resultante de um acordo somente entre algumas partes (artigo
41.º). Só a primeira implica particularidades processuais, a segunda remete pura e simplesmente
para os problemas formulados pelas normas convencionais sucessivas sem identidade de partes.
As cláusulas de revisão podem ser extremamente complexas e distinguir entre vários tipos de
modificação, variáveis segundo os Estados, o objeto da modificação, a sua importância, etc.

Processo de modificação por um acordo aberto a todas as partes: trata-se muitas vezes
de um processo complexo compreendendo várias etapas.

1.º O desencadeamento do processo pode ele mesmo decompor-se em dois


estádios: o da iniciativa e o da decisão sobre o prosseguimento que convém dar-lhe.

a) Salvo disposição contrária, a iniciativa da modificação pode ser tomada


por um só Estado parte que dirige uma proposta neste sentido ao
depositário (artigo 40.º, n.º2 CVDT). Contudo, certos tratados reservam
o direito de iniciativa a um número ou a uma proporção mínima de
partes. Por vezes o depósito de uma emenda basta-se a si mesmo; os
Estados são convidados a aceitá-la (ou rejeitá-la) na forma que lhe foi
dada pelo autor da iniciativa ou a consultar-se com vista à revisão.
b) A Convenção de Viena limita-se a indicar que cada um dos Estados
contratantes está no direito de tomar parte na decisão sobre o
seguimento a dar à proposta de modificação (artigo 40.º, n.º2). Na
prática, numerosas convenções multilaterais confiam ao depositário o
cuidado de convocar uma conferência de revisão. Poer vezes, ele dispõe
para isso de uma competência discricionária, mas, a maior parte das
vezes, a competência do depositário encontra-se vinculada: ele tem a
obrigação de proceder a esta convocação se um certo número de partes
a solicitarem após terem notificação da proposta. Os órgãos das
organizações internacionais desempenham, desde este estádio, um

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papel importante no processo de modificação do seu ato constitutivo e,


quando está prevista uma conferência especial de revisão, é a eles que
compete convoca-la (artigo 109.º Carta das Nações Unidas: votação da
Assembleia Geral por maioria de dois terços e do Conselho de Segurança
por um voto de nove quaisquer dos seus membros). O mesmo
procedimento é frequentemente seguido para os tratados concluídos
sob os auspícios das organizações internacionais. Pode igualmente
acontecer que o tratado preveja uma reunião periódica de conferências 220
destinadas a examinar o seu funcionamento ao mesmo tempo que a
oportunidade da sua revisão, ou a convocação de uma conferência de
revisão após um prazo determinado. Sem ir tão longe o artigo 109.º,
n.º3 da Carta das Nações Unidas prevê a inscrição automática de uma
proposta tendo em vista a convocação de tal conferência na décima
sessão anual da Assembleia Geral.

2.º A negociação da modificação pode ter um caráter puramente interestatal, mas


a maior parte das vezes tem lugar seja numa conferência diplomática ad hoc, seja numa
organização internacional. Regra geral, as modificações dos atos constitutivos das organizações
internacionais e dos tratados concluídos no seu âmbito são discutidas pelo seu órgão principal
em conformidade com as suas regras habituais de procedimento. Todavia, nem sempre assim
sucede isso; assim os artigos 108.º e 109.º da Carta das Nações Unidas distinguem-se as
emendas, discutidas pela Assembleia Geral, da revisão, que deve ser objeto de uma conferência
especial. No que respeita à adoção da modificação, a regra da unanimidade só se mantém hoje
em dia para os tratados concluídos entre um pequeno número de partes. As convenções abertas
substituem-lhe, na generalidade, a regra da maioria, eventualmente reforçada por certas
exigências especiais.

Condições de entrada em vigor e efeitos da modificação: nos diferentes estádios do


processo de elaboração e adoção do texto da modificação, a não aplicação da unanimidade não
implica um verdadeira violação da soberania porque não se trata ainda de criar compromissos
definitivos. Sucede diversamente no estádio da expressão do consentimento em vincular-se
pelo acordo de modificação e da sua entrada em vigor. Outrora exigia-se o consentimento
unânime. Atualmente, a não exigência da unanimidade, à qual, para facilitar a modificação, a
prática teve de aderir (e que o artigo 39.º CVDT consagrou implicitamente ao prever que a
convenção de modificação pode ser concluída “entre” as partes), constitui uma verdadeira
inovação e, ao mesmo tempo, uma violação direta da vontade das partes que não aprovam a
modificação. Daí resulta uma diferença importante entre o acordo de modificação e o acordo
que determina a extinção, só este estando sujeito à regra da unanimidade. A Comissão de Direito
Internacional explica esta diferença pelo facto de a extinção implicar o desaparecimento dos
direitos e das obrigações de todos os Estados contratantes, enquanto precisamente os direitos
das partes que não aprovaram a modificação são preservados por outras regras.

1.º Entrada em vigor da modificação: como no que respeita à adoção da emenda, a


unanimidade mantém-se hoje somente para os tratados concluídos entre um número restrito
de Estados. Em todos os outros casos, esta é substituída por regras mais flexíveis, ainda que
muitas vezes as condições relativas à entrada em vigor sejam mais exigentes do que as impostas
para a adoção da emenda. Sem dúvida para facilitar a conclusão, certas cláusulas preconizam
apenas uma maioria simples, muito desfavorável à minoria. Não obstante, muito
frequentemente, requer-se uma maioria reforçada: dois terços, completada, no caso da Carta

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das Nações Unidas, pela exigência de uma ratificação pelos cinco membros permanentes do
Conselho de Segurança (Artigo 108.º e 109.º); unanimidade de certas partes; remissão para as
regras relativas à entrada em vigor do próprio tratado de base; etc. Estes princípios valem tanto
para os tratados ordinários como para os atos constitutivos de organizações internacionais. Não
obstante estes comportam às vezes – com frequência, paralelamente a regras de revisão mais
solenes e apenas para certas disposições – processos simplificados que não fazem intervir senão
os órgãos da organização.
221
2.º Efeitos da entrada em vigor da alteração: a entrada em vigor da emenda, após
a sua ratificação pelo conjunto das partes, não levante qualquer problema especial: o tratado
assim modificado impõe-se a todos sem que a vontade de qualquer Estado contratante seja
afetada: Sucede o mesmo se a emenda produzir os seus efeitos apenas relativamente aos
Estados que a aceitaram. Esta é a regra geral, consagrada pelo artigo 40.º, n.º4 e 5 CVDT:

«4. O acordo emendado não vincula os Estados que já são partes no tratado e que
não se tornam partes neste cordo(…)

«5. Todo o Estado que se torne parte no tratado depois da entrada em vigor do
acordo emendado, se não tiver expresso intenção diferente, é considerado como sendo:

«a) parte no tratado tal como está emendado; e

«b) parte no tratado não emendado em relação às partes do tratado que não
estejam vinculadas pelo acordo emendado»

Nas hipóteses previstas por estas disposições, as partes do tratado modificado e as


do tratado mantido na sua redação primitiva encontram-se, umas em relação às outras, na
situação de Estados vinculados por normas convencionais sucessivas sem identidade de partes.
O artigo 40.º, n.º4 remete, aliás, expressamente para as disposições do artigo 30.º, n.º4,
aplicáveis num caso deste género. Verifica-se o mesmo quando a modificação resulta, não de
uma emenda aberta a todas as partes do tratado inicial, mas de um acordo fechado concluído
entre algumas delas somente. O artigo 41.º CVDT impõe nesta hipótese que se observem
algumas condições destinadas a garantir o respeito dos direitos dos Estados terceiros em relação
a este acordo. Esta solução é frequentemente consagrada po cláusulas de revisão expressas.
Contudo nem sempre ela é praticável porque provoca uma rutura do regime convencional e
pode levar a uma situação jurídica extremamente complexa no caso de modificações frequentes
de um tratado, como podemos observar em certas organizações internacionais. Para repor um
pouco de ordem numa situação deste género, acabar-se-á por elaborar uma nova convenção
retomando todas as adaptações ocorridas no decurso do período anterior. Tal cláusula é
particularmente indispensável no que respeita às disposições institucionais previstas pelos atos
constitutivos da organização internacional pois é dificilmente concebível que os órgãos criados
por tais tratados possam funcionar em conformidade com certas regras relativamente a alguns
Estados membros e com outras regras relativamente a outros. Graças a esta solução, as
disposições primitivas desaparecem e, simultaneamente, resolve-se com a maior simplicidade o
difícil problema do efeito da modificação face às partes no tratado original. Estas não têm outras
alternativas senão aceder ou retirar-se, o que está expressamente previsto em certas cláusulas
de revisão. O tratado pode mesmo prever a exclusão automática das partes que não ratifiquem
a emenda, passado um certo prazo.

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Secção II – Extinção e suspensão dos Tratados

Posição do problema: a modificação de um tratado é uma operação que tem por fim substituir
as suas disposições, ou algumas dentre elas, por outras novas. É ao mesmo tempo negativa e
construtiva pois o vazio criado é em geral imediatamente preenchido. Pelo contrário, a extinção
de um tratado produz um efeito exclusivamente negativo: um tratado que incorre em extinção
222
cessa a sua vigência. De acordo com o artigo 70.º CVDT, as partes estão libertas da «obrigação
de continuar a executar» um tratado extinto. Este cessa, pois, a sua vigência e deixa de produzir
efeitos. Fica assim afetado quer como ato, quer como norma. O mesmo artigo 70.º esclarece
que a extinção:

«não afeta nenhum direito, nenhuma obrigação, nem nenhuma situação jurídica das
Partes, criadas pela execução do tratado antes da cessação da sua vigência».

Este aspeto distingue igualmente a extinção da suspensão. Nesta última hipótese, o


instrumento subsiste; somente as normas que contém cessam provisoriamente de produzir os
seus efeitos. Elas voltarão à vida jurídica assim que cessar esta suspensão, uma vez que o tratado
subsiste. Neste sentido o artigo 72.º CVDT, para sublinhar bem a persistência do tratado,
esclarece não só que se trata da suspensão da sua aplicação, mas ainda que, por um lado, ela
não afeta «as relações jurídicas estabelecidas pelo tratado entre as partes», por outro, que
«durante o período de suspensão, as partes devem abster-se de qualquer ato tendente a impedir
a reposição em vigor do tratado». No que respeita à denúncia, o instrumento e a norma
subsistem; somente se modifica o campo de aplicação do tratado. O termo “recesso” é muitas
vezes empregado para designar a denúncia por um Estado de uma convenção multilateral em
que ele é parte, designadamente de um tratado constitutivo de organização internacional. A
denúncia (regular) de um tratado bilateral determina, evidentemente, a sua extinção. Por mais
diversas que sejam estas noções, elas correspondem muitas vezes a preocupações comparáveis
e o seu regime jurídico aproxima-se. Em especial os mesmos factos, quer se trate da vontade
das partes, quer de circunstâncias que lhe são exteriores, podem muitas vezes justificar
alternativamente a extinção, a suspensão ou a denúncia do tratado.

1.º - Extinção do tratado pela vontade das partes

Observações gerais: a extinção é expressamente visada pelo artigo 54.º CVDT e a suspensão
pelo seu artigo 57. Certamente a melhor solução é que cada tratado contenha disposições
prevendo as modalidades da sua própria extinção ou suspensão. Nesse caso, basta aplicar tais
disposições e as contestações, se as houver, incidem apenas sobre a sua interpretação. Todavia,
a redação dos artigos pertinentes da Convenção implica, por um lado¨, que a vontade das partes
possa ser implícita e, por outro, que possa exprimir-se «em qualquer momento» como o
determinam expressamente os artigos 54.º, alínea b) e 57.º, alínea b). Isso significa que a
extinção, o recesso ou a suspensão podem estar previstos no próprio tratado ou ser decididos
ulteriormente de comum acordo pelas partes.

A – Vontade inicial das partes

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Cláusulas expressas: um tratado pode ser concluído expressamente para uma duração
ilimitada. Numerosos tratados são concluídos para uma duração indeterminada. Outros contêm
cláusulas expressas relativas à sua extinção, ao recesso dos Estados partes para a sua suspensão.

1.º Cláusulas resolutórias: são aquelas que subordinam o fim do compromisso à


superveniência de certos factos previstos antecipadamente pelas partes. Estas podem fixar um
223
prazo, ao expirar o qual o tratado se extingue automaticamente. Este prazo pode coincidir com
uma data precisa, mas, na maior parte dos casos, é estabelecido em número de anos, de 1 a 99
anos. Tais cláusulas figuram muitas vezes nos tratados de aliança, naqueles que contêm um
compromisso de arbitragem obrigatório, em numerosos acordos económicos ou de cooperação,
e figuram sempre nos que determinam a cessão de arrendamento de um território, cujas
durações são mais prolongadas. O período fixado pode ser revogável. A extinção do tratado
pode igualmente estar subordinada à superveniência de factos, certos ou prováveis, previstos
antecipadamente pelos Estados partes.

2.º Cláusulas de denúncia e de recesso: a denúncia (ou o recesso) é um ato praticado


unilateralmente pelas autoridades competentes dos Estados partes que desejam desvincular-se
dos seus compromissos. A denúncia põe fim aos tratados bilaterais. No que respeita aos tratados
multilaterais, ela provoca, em princípio, apenas o “recesso” do seu autor da comunidade das
partes contratantes, mas o tratado mantém-se nas relações entre as outras partes. Contudo
para que as denúncias produzam efeito extintivo em relação ao tratados multilaterais, é
necessário que exista uma cláusula expressa nesse sentido. O artigo 55.º CVDT consagra essa
regra nestes termos:

«Salvo se dispuser diversamente, um tratado multilateral não deixa de vigorar pela mera
circunstância de o número de partes de tornar inferior ao número necessário para a sua entrada
em vigor».

Embora a denúncia e o recesso resultem de um ato unilateral de uma parte não se trata
de rutura ilícita de compromissos, uma vez que uma e outro se baseiam estritamente numa
cláusula do tratado (ou estão conformes com o Direito Internacional por outras razões). O
tratado, quando os autoriza, determina frequentemente as condições do seu exercício. Estas
incidem sobre o prazo de pré aviso, só tendo efeito a denúncia, ou o recesso nos termos desses
prazos. A fim de gozarem de uma estabilidade relativa, certos tratados só permitem denúncias
ao expirar um certo período de aplicação. Alguns tratados formulam mesmo condições de fundo.
Finalmente, outras cláusulas de denúncia dão certas indicações no que respeita aos seus efeitos.
Em especial, os atos constitutivos de organizações internacionais e as convenções relativas aos
direitos do homem determinam frequentemente que o Estado, tendo notificado a sua denúncia
do tratado, não está liberto das obrigações que lhe competiam ates desta ser válida. Em virtude
da fixação das suas condições de exercício por uma cláusula expressa do tratado, as denúncias
e os recessos, nestes casos, são qualificados de denúncias e recessos regulamentados.

3.º Cláusulas suspensivas: a prática oferece poucos exemplos de cláusulas convencionais


relativas à suspensão das convenções no seu conjunto, enquanto são frequente as disposições
sobre a suspensão de uma cláusula ou de um compromisso determinado, em especial nos
tratados económicos. Com efeito estes contêm, cláusulas de salvaguarda que autorizam um
Estado, em que a aplicação de certas disposições do tratado levanta graves problemas, a não as
aplicar momentaneamente. EM contrapartida, as cláusulas derrogatórias, em virtude das quais

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um Estado pode estar dispensado pelas outras partes de executar algumas das suas obrigações
convencionais, não podem ser consideradas cláusulas suspensivas se tiverem um efeito
definitivo. O artigo 57.º CVDT que prevê a hipótese de cláusulas suspensivas relativamente à
aplicação do tratado no seu conjunto, foi adotado não tanto para consagrar um costume
existente quanto para encorajar os Estados a preverem para o futuro disposições nesse sentido.

Cláusulas implícitas:
224
1.º Extinção por execução do tratado: os acordos mais estreitamente ligados ao que
designamos, por vezes, por “tratados-contratos”, como os que incidem sobre cessão territorial,
os que preveem um compromisso financeiro ou de uma entrega de mercadorias, etc., criam uma
obrigação concreta, estritamente delimitada que, uma vez executada, esgota os seus efeitos e
já não se renova. Apesar do silêncio da Convenção de Viena e de algumas controvérsias
doutrinais, é necessário considerar que, segundo uma cláusula implícita que se deduz da
natureza destes tratados, a sua execução leva automaticamente à sua extinção.

2.º Denúncia ou recesso sem autorização expressa: existem sempre numerosos tratadas
que não contêm qualquer cláusula explícita que regule a sua própria extinção. Serão imutáveis
por isso? Sim, se se respeitar à letra o princípio pacta sunt servanda. Com efeito, está excluído
que um Estado – tal como um indivíduo – possa contrair compromissos perpétuos. Põe-se, assim,
o problema de saber se, em todos os tratados, existe uma cláusula implícita que autorize a
denúncia ou o recesso. A resposta negativa apoia-se em precedentes célebres. A Convenção de
Viena no seu artigo 56.º, consagra, igualmente, a ilicitude da “denúncia-repúdio”. Contudo,
acrescenta que, em caso silêncio do tratado, pode basear-se numa exceção a este princípio isto
é, numa possibilidade de denúncia unilateral, numa autorização implícita do tratado. O mesmo
artigo esclarece que esta pode resultar das intenções das partes ou deduzir-se da natureza do
próprio tratado. Existem tratadas que, em virtude da sua natureza, não são suscetíveis de
denúncia, como sejam, o tratados de paz ou os que fixam as fronteiras; pelo contrário, outros
tipos de tratado, tais como os tratados de aliança, pode presumir-se que contêm implicitamente
o direito de denúncia ou de recesso, a menos que se observem indícios de intenção contrária. O
critério da natureza do tratado permanece muito ambíguo: o direito discricionário de recesso
das organizações internacionais, é muitas vezes, considerado incompatível com os objetivos que
elas visam, designadamente em matéria de manutenção da paz. Se a Convenção de Viena
admite a existência de cláusulas implícitas de denúncia e de recesso, resulta dos trabalhos
preparatórios e da prática que a solução considera é mais conjuntural do que baseada na
convicção de uma regra consuetudinária preexistente. Conscientes dos inconvenientes desta
tomada de posição, os autores da Convenção de Viena têm tentado mitigar-lhe os efeitos,
recomendando que seja respeitado um pré aviso de doze meses, suficiente para que se iniciem
negociações entre os Estados interessados. Tem-se afirmado que, em virtude de uma cláusula
implícita do tratado, factos tais como a sua inexecução ou uma alteração fundamental de
circunstâncias podem provocar quer a sua extinção por denúncia ou por qualquer outro
processo, quer a sua suspensão. Na realidade, o efeito desses acontecimentos na vida do tratado
é determinado, não pelas partes, mas por regras gerais do Direito consuetudinário.

B – Vontade posterior das partes

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Vontade expressa:
1.º Extinção expressa pela conclusão de um tratado posterior: nos termos do artigo 54.º,
alínea b) CVDT:

«O termo da vigência de um tratado, ou o recesso de um das partes, pode ter


lugar(…)

«b) em qualquer momento, por consentimento de todas as partes, depois de 225


consultados os outros Estados contratantes;»84

Por vezes, a ab-rogação constitui o único objeto do tratado posterior. Com mais
frequência, uma regulamentação parcial ou inteiramente nova vem substituir que foi formulada
pelo tratado anterior, ao mesmo tempo que o revoga expressamente

2.º A suspensão convencional está prevista no artigo 57.º, alínea b) CVDT redigido da
mesma maneira que o artigo 54.º, alínea b). Todavia, a exigência da unanimidade não é absoluta
como no caso da ab-rogação. A suspensão dos tratados multilaterais, segundo o artigo 58.º,
pode resultar de um acordo inter se concluído entre certas partes apenas, se pelo menos ela
estiver expressamente prevista numa cláusula do tratado anterior. Em caso de silêncio deste,
tal suspensão só seria permitida na condição de não causar dano aos outros Estados partes e de
não ser incompatível com o objeto e o fim do tratado anterior. O artigo 58.º dispõe ainda que
as partes, que entraram no acordo inter se de suspensão devem notificar as outras partes da
sua intenção de se concluir semelhante acordo e designar as disposições do tratado cuja
aplicação desejam suspender.

3.º O artigo 54.º, alínea b) CVDT alinha o regime jurídico aplicável ao recesso de uma
das partes pelo da extinção do tratado: a denúncia pode ocorrer a todo o momento com o
acordo unânime das partes.

Vontade tácita:
1.º Extinção implícita pela conclusão de um tratado posterior: o artigo 54.º, alínea b)
não faz distinção entre a ab-rogação expressa e a abrogação tácita. Esta tem lugar quando o
segundo tratado versa sobre a mesma matéria que o primeiro, é concluído entre as mesmas
partes e contém disposições a tal ponto incompatíveis com este «que é impossível aplicar os
dois tratados ao mesmo tempo» ou «se resultar do tratado posterior ou estiver por outro lado
estabelecido que, segundo a intenção das partes, a matéria deve ser regulada por este tratado»
(artigo 59.º, n.º1). Neste caso, como no caso de ab-rogação expressa, as regras relativas às
normas sucessivas com identidade das partes são plenamente aplicáveis e o tratado posterior
prevalece sobre o tratado anterior que cessa de existir sem que haja preocupação com a forma,
solene, simplificada ou mesmo verbal, dos dois acordos em causa.

2.º Suspensão implícita em virtude do consentimento das partes: o artigo 59.º, n.º2
CVDT dispõe que:

«O tratado precedente é considerado apenas suspenso se resultar do tratado


posterior, ou se estiver por outra forma estabelecido que tal era a intenção das partes».

84
Esta última menção visa os Estados que exprimiram o seu consentimento em estarem vinculados pelo
tratado sem que este esteja ainda em vigor a seu respeito.

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Também aqui, na prática, o problema até agora só foi formulado por disposições convencionais
isoladas e não pelo conjunto de um tratado.

3.º Recesso ou denúncia por consentimento tácito entre todos os Estados em causa: o
artigo 54.º CVDT não faz distinção quanto às regras aplicáveis a esta situação por um lado e à
ab-rogação tácita por outro poderes.

226
2.º - Extinção e suspensão do tratado por circunstâncias não previstas pelo tratado

Um regime objetivo: diversamente das hipóteses examinadas no parágrafo anterior, a atitude


das partes neste caso, nunca tem por fim a suspensão ou a extinção do tratado, mesmo quando
se trata de comportamentos voluntários. Neste sentido, pode falar-se de um regime “objetivo”,
regido por regras gerais. A Convenção de Viena, que qualificou estes factos de “motivos” da
extinção ou da suspensão, estabeleceu igualmente um processo e um sistema de solução dos
diferendos semelhantes aos que se referem à aplicação da nulidade do tratado por falta de
validade. Podendo algumas circunstâncias justificar a extinção do tratado, a sua suspensão ou a
denúncia por um Estado contratante estão ligadas ao comportamento das partes; outras não
dependem dele.

A – Circunstâncias ligadas ao comportamento das partes

Inexecução faltosa: consiste na violação das disposições do tratado por uma ou várias partes.
Na ordem interna, o juiz reconhece que uma parte não pode exigir que a outra execute um
cotrato que ela própria não respeita. Esta atitude é conforme ao princípio geral inadimplente
non est adimplendum que se aplica também na ordem internacional.

1.º Princípio: exigência de uma violação substancial: a doutrina considera que o


desrespeito de um tratado por uma parte pode determinar a sua extinção ou, pelo menos, a sua
suspensão até que cesse a violação; a jurisprudência confirma esta regra consagrada pelo artigo
60.º CVDT. Este princípio que pode aproximar-se da regra tradicional da reciprocidade e da
licitude das represálias pacíficas, exercidas em resposta a atos contrários ao Direito
Internacional, deve porém ser aplicado com prudência. A experiência prova, com efeito, que
uma parte invoca muitas vezes uma violação imaginária ou insignificante para denunciar
unilateralmente um tratado que a incomoda ou suspender a sua aplicação. Esta e a razão pela
qual o artigo 60.º limita a possibilidade de aplicar o princípio non adimplente contractus
unicamente aos casos de violação substancial:

«Para os fins do presente artigo, constituem violação substancial de um tratado:

«a) a rejeição do tratado não autorizada pela presente Convenção; ou

«b) a violação de uma disposição essencial para a realização do objeto ou o fim do


tratado».

Embora a prática na matéria não seja muito abundante, alguns precedentes


jurisprudênciais confirmam esta solução moderada e razoável.

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2.º Regime jurídico:


a) As consequências de uma violação substancial do tratado são determinadas
pelo artigo 60.º CVDT.
a. Se se tratar de um tratado bilateral, a outra parte pode invocar esta
violação como motivo para pôr fim ao tratado ou para o suspender.
Assim em a extinção, nem a suspensão são automáticas. A violação
estabelece apenas o direito de desencadear o processo instituído 227
pelos artigo 65.º e seguintes. Uma interpretação restritiva do texto
poderia levar a excluir qualquer repúdio unilateral do tratado
violado.
b. Se se tratar de um tratado multilateral, preveem-se duas formas de
ação, uma colativa, outra individual.
i. As outras partes, agindo por acordo unânime, são
autorizadas a suspender a aplicação do tratado na
totalidade ou em parte, ou a pôr-lhe fim, quer nas relações
entre elas e o Estado autor da violação, quer entre todas as
partes. Também aqui, não há qualquer automatismo.
Enquanto não se concordar na extinção do tratado segundo
este processo, o tratado subsiste.
ii. A ação individual é, ates de mais, a da parte especialmente
atingida pela violação. Ela pode invoca-la como motivo para
suspender (suspender somente) a aplicação do tratado nas
suas relações com o Estado autor da violação. Qualquer
parte (que não seja o autor da violação), cuja situação em
relação ao tratado for radicalmente modificada pela
violação, pode igualmente invoca-la como motivo para
suspender, no que lhe diz respeito, a aplicação do tratado
(a Comissão de Direito Internacional pensava
designadamente nos tratados sobre o armamento).
b) O artigo 60.º CVDT prevê duas exceções ao princípio que estabelece: a
extinção ou a suspensão não pode afetar por um lado as disposições do
tratado que são concebidas para se aplicarem precisamente aos casos de
violação, e por outro, as «disposições relativas à proteção da pessoa
humana contidas nos tratados de natureza humanitária, designadamente as
disposições que excluem toda e qualquer forma de represálias sobre as
pessoas protegidas pelos referidos tratados».

Conflito armado internacional: se bem que o problema dos efeitos da guerra sobre os
tratados seja uma questão clássica em Direito Internacional largamente debatida na doutrina, a
Comissão de Direito Internacional não tinha redigido qualquer disposição sobre este ponto
quando dos trabalhos preparatórios da Convenção de Viena. Ela explicou este silêncio no seu
relatório: o exame dos efeitos da guerra sobre os tratados obrigaria a considerar todo o
problema da regulamentação do uso da força pela Carta das Nações Unidas, o que teria por
resultado alargar consideravelmente o âmbito dos trabalhos. Contudo, por iniciativa dos
delegados da úngria, da Polónia e da Suiça, a Conferênia de Viena adotou por unanimidade o
artigo 73.º da Convenção, nos termos do qual as disposições «não consideram resolvida
qualquer questão que possa surgir a propósito de um tratado em virtude (…) da abertura de
hostilidades entre Estados». Esta breve alusão tem, pelo menos, o mérito de lembrar que existe

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de facto um problema a este respeito. Na prática verifica-se a existência do que se denomina


um “sistema diferenciado” que, com base numa distinção entre várias categorias de tratados,
engloba simultaneamente a extinção, a suspensão e a manutenção.

a) Os tratados bilaterais em virtude de uma situação de conflito armado


internacional. Esta regra é confirmada pelos tratados de paz de 1919 e de 1947.
O artigo 44.º do Tratado de paz de 10 fevereiro 1947 com a Itália, estipula que
ada uma das potências aliadas e associadas notifique a Itália dos tratados que 228
tenha concluído com ela cuja «reposição em vigor» deseje. Esta disposição
implica a ab-rogação dos referidos tratados em virtude da guerra. Com efeito,
se estes tivessem sido simplesmente suspensos, a sua reposição em vigor
deveria ser automática depois do fim da guerra.
b) Os tratados multilaterais são suspensos nas relações entre beligerantes e
continuam em vigor nas relações entre as partes não beligerantes, assim como
nas relações entre beligerantes e não beligerantes. Quando da guerra italo-
etíope, nenhuma das duas partes beligerantes deixou de ser membro da S.d.N.
(até à retirada da Itália em dezembro de 1937), bem como Israel e os países
árabes não abandonaram as Nações Unidas quando dos conflitos armados que
os opuseram desde 1948. Resulta desta prática que os tratados multilaterais
que criem organizações internacionais continuam a produzir o seus efeitos,
mesmo nas relações entre beligerante, o que traduz um certo avanço sobre o
interestatismo tradicional.
c) Os tratados que criam situações objetivas. Como um estatuto territorial, uma
cessão de território ou um traçado de uma fronteira, não são de modo algum
afetados pelo estado de conflito armado.
d) Os tratados bilaterais ou multilaterais, concluídos especialmente para a
condução de conflitos armados internacionais mantêm-se evidentes
(tratamento dos prisioneiros de guerra, condução das hostilidades, proibição de
certas armas, etc). Os efeitos supracitados só se produzem em caso de conflito
armado internacional regido pelo Direito Internacional, o que exclui a guerra
civil e as represálias armadas. O artigo 74.º CVDT esclarece, por outro lado, que
a rutura das relações diplomáticas e consulares não tem incidência sobre o
Direito dos Tratados.

Costume: um costume posterior a um tratado pode modificar as suas disposições; pode


também ter por efeito a extinção do tratado se a sua manutenção não for compatível com ele:
a igualdade entre estas duas fontes de Direito Internacional permite a aplicação do princípio lex
posteriori derogat priori. Nascendo o costume de práticas concordante, a extinção realiza-se
progressivamente pela não aplicação; o tratado cai em desuso. Em certos casos, o
desaparecimento do tratado não resulta tanto de uma regra nova contrária, quanto de uma
modificação sensível do “ambiente” jurídico internacional necessário à aplicação do mesmo
tratado. Esta hipótese aproxima-se bastante do argumento da alteração fundamental das
circunstâncias; não poderia contudo equiparar-se a esta: por um lado, diversamente da cláusula
rebus, a extinção do tratado que se tornou incompatível com um costume contrário é
automática; por outro, o seu regime jurídico permanece incerto e nenhuma disposição da
Convenção de Viena lhe é consagrada.

B – Do Pacto da Sociedade das Nações à Carta das Nações Unidas

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Inexecução faltosa: é consequência da superveniência de uma situação independentemente


da vontade das partes e tona impossível a execução. Aparentemente esta circunstância evoca o
caso de força maior. Mas, enquanto a causa de força maior beneficia pessoalmente a parte que
a invoca e a exonera de qualquer responsabilidade, neste caso, cabe ao direitos dos tratados
fixar, por meio de uma regra geral, o destino dos tratados não executados. De acordo com o
artigo 61.º CVDT, uma parte pode invocar uma impossibilidade definitiva de executar um tratado
para lhe pôr termo. Esta impossibilidade deve resultar «do desaparecimento ou destruição de
um objeto indispensável à execução do tratado». Tais situações são raras na prática 85. Se a 229

impossibilidade de executar for apenas provisória, somente é possível a suspensão do tratado.


A extinção da personalidade internacional de uma das partes num tratado bilateral, isto é, o
desaparecimento completo desta parte enquanto sujeito de Direito Internacional, constitui
também uma situação que torna impossível a execução deste tratado. As consequências desta
situação resultam de regras gerais em matéria a sucessão de Estados. O artigo 63.º CVDT
especifica que «a rutura das relações diplomáticas ou consulares entre as partes de um tratado
não produz efeito nas relações jurídicas estabelecidas entre elas pelo tratado, salvo na medida
em que a existência de relações diplomáticas ou consulares seja indispensável à aplicação do
tratado». Este último esclarecimento e apenas a ilustração do princípio geral aplicável em caso
de impossibilidade de execução.

Alteração fundamental das circunstâncias:


1.º Princípio: ninguém contesta que uma alteração de circunstâncias em relação às
que existiam no momento da conclusão do tratado, pode determinar a sua extinção ou
suspensão. Esta solução admitida pela doutrina e observada na prática é consagrada pelo artigo
62.º CVDT. Se o princípio é certo, o seu fundamento da lugar a opiniões divergentes. Alguns
afirmam que existe em qualquer tratado uma cláusula tácita segundo a qual o tratado é
obrigatório enquanto as coisas continuarem como anteriormente. Invocam o princípio: omnis
conventio intelligitur rebus sic standibus. Esta cláusula tácita é, por isso, denominada cláusula
rebus sic standibus. O inconveniente desta explicação é que implica a necessidade de provar,
em cada caso, que não existe uma intenção contrária das partes de não incluir essa cláusula no
tratado. Para outros, rebus sic standibus será, de preferência, a expressão de uma regra geral
objetiva. É, evidentemente,a esta aplicação que aderem os autores que baseiam o direito nas
necessidades sociais que as suas normas devem refletir com o máximo de fidelidade. O tratado
expira porque, em consequência da alteração das circunstâncias, cessa a concordância entre o
seu conteúdo e as novas realidades sociais que já não podem gerir.

2.º Regime jurídico: a aplicação do princípio suscita três problemas distintos, aliás,
conexos: em que condições uma alteração de circunstâncias terá efeitos sobre a vida do tratado?
Como pode esta alteração ser verificada? Quais estes efeitos?

a) Condições: só ponde gravemente em perigo as relações jurídicas, se poderia


admitir que qualquer alteração de circunstâncias autorize as partes a pôr
fim a um tratado ou a suspender a sua aplicação. Segundo o artigo 64.º, n.º1
CVDT, é necessário que a alteração tenha sido “fundamental”, isto é, que «a
existência dessas circunstâncias (…) tenha constituído uma base essencial
do consentimento das partes a vincularem-se pelo tratado» e que essa

85
Os exemplos citados pela Comissão de Direito Internacional visavam a submersão de uma ilha, a
secagem de um rio ou a destruição de uma barragem ou de uma instalação hidroelétrica indispensável à
execução do tratado.

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alteração tenha «por efeito a transformação radical do alcance das


obrigações que ficam por excetuar em virtude do tratado». No seu acórdão
de 2 fevereiro 1973 relativo à Competência em matéria de pescas, o Tribunal
Internacional de Justiça considerou que estas disposições se limitavam a
codificar regras costumeiras preexistentes. Esclareceu ainda que:
«… as alterações de circunstâncias que devem ser consideradas como
fundamentais ou vitais são aquelas que põem em perigo a existência ou o
desenvolvimento vital de uma das partes.» «A alteração deve ter provocado 230
uma transformação radical do alcance das obrigações que ficam por
executar. Deve ter tomado mais pesadas estas obrigações, de maneira que
a sua execução se torne essencialmente diferente das que ficam por
executar».
Contrariamente à doutrina clássica da cláusula rebus sic standibus, a
Convenção de Viena não limita a aplicação do princípio da alteração das
circunstâncias aos tratados de duração perpétua ou indefinida. Assim,
permite esperar uma solução satisfatória do problema dos tratados
desiguais. Em contrapartida, o artigo 62.º, n.º2 CVDT exclui a aplicação da
“cláusula rebus”,
«a) se se trata de um tratado que estabelece uma fronteira; ou
«b) de a alteração fundamental resultar de uma violação pela parte que
a invoca, seja de um tratado, seja de qualquer outra obrigação internacional
em relação às outras partes no tratado.»
As condições impostas à aplicação da “cláusula”, são muito rigorosas e é
significativo que nenhuma decisão jurisdicional ou arbitral tenha jamais
admitido que estas estavam reunidas nos casos em que uma das partes
tenha invocado o princípio.
b) Constatação de uma alteração: na prática, os Estados alegam muito
frequentemente a existência de uma alteração fundamental das
circunstâncias para se desvincularem dos seus compromissos convencionais.
As outras partes contestam geralmente a realidade da alteração das
circunstâncias invocada, ainda que não seja rara uma readaptação
convencional. Contudo, sendo a justiça internacional facultativa, e forçoso
procurar a solução noutros sistemas. Foi o que fez o artigo 19.º do Pacto
S.d.N., confiando à Assembleia da Sociedade o cuidado de verificar se certos
tratado «se tornaram inaplicáveis» e de convidar as partes a reexaminá-los.
Este sistema não funcionou e só foi retomado, sob uma forma muito mais
geral, pela Carta das Nações Unidas. Por seu lado, a Convenção de Viena
exclui todo o automatismo e impõe que as partes notifiquem os seus
parceiros da sua intenção e lhe deem seguimento apenas após um prazo
mínimo de três meses; em caso de contestação «as partes deverão procurar
uma solução pelos meios indicados no artigo 33.º da Carta das Nações
Unidas» (artigo 65.º, n.º3). Caso estes meios falhem, volta-se à solução
tradicional de apreciação unilateral pelo Estado que invoca a alteração de
circunstâncias.
c) Efeitos da alteração de circunstâncias: a consequência normal de uma
alteração fundamental das circunstâncias será a extinção do tratado ou o
direito de a parte que a invoca se retirar. O artigo 62.º, n.º3 CVDT atenua
porém o rigor desta solução admitindo que esta parte pode também invocar

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esta alteração «apenas para suspender a aplicação do tratado». Se bem que


tenha sido recomendada por uma parte da doutrina e proposta em Viena
por alguns delegados (Suíça e Austrália), a terceira solução, ais flexível, de
uma adaptação do tratado às novas circunstâncias pela sua modificação,
não foi adotada.

Superveniência de uma norma de ius cogens: o aparecimento de uma norma imperativa de


Direito Internacional, costumeiro ou convencional, provoca a caducidade dos tratados 231
contrários. Esta consequência do princípio da hierarquia das normas está expressamente
prevista pelo artigo 64.º CVDT. Se bem que esta disposição não considere a hipótese de uma
contradição entre a nova norma de ius cogens e certas disposições do tratado, esta pode ocorrer;
neste caso não é o tratado no seu conjunto que «se torna nulo e caduca» mas apenas as
disposições em causa.

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Formação Não Convencional do Direito


Internacional 232

Plano do título: em Direito Internacional, como nas ordens jurídicas nacionais, coexistem
vários modos de formação do Direito, mais ou menos institucionalizados. A prática interestatal,
sobretudo a partir do século XX, reconheceu na via convencional a “fonte de direito” menos
contestada e melhor regulamentada; a doutrina consagra esta evolução agrupando – por
oposição – todos os outros modos de formação do Direito. Apesar do seu caráter um pouco
simplista e arbitrário, esta distinção pode justificar-se:

-negativamente, pelas “imperfeições” comuns dos modos não convencionais em


relação ao tratado: a prova da existência de regras convencionais é relativamente fácil de
estabelecer, visto que são geralmente escritas e reduzidas em atos jurídicos obrigatórios; o valor
normativo das normas convencionais resulta diretamente do instrumento que as contém. Não
sucede o mesmo com as normas extra convencionais, o que conduz a muitas vezes a duvidar
quer do seu caráter normativo, quer da sua qualidade de ato jurídico;

- positivamente, o agrupamento dos modos não convencionais é justificado por


características tais como a flexibilidade e a adaptabilidade das normas não convencionais, a sua
relação mais direta com as exigências da sociedade internacional, a sua “espontaneidade”.

Ameaçados na sua própria existência pelo desenvolvimento rápido dos tratados


como fonte de Direito Internacional, os modos não convencionais tendem a reencontrar um
lugar importante na formação do Direito contemporâneo. Em primeiro lugar, a rigidez intrínseca
do Direito convencional constitui um obstáculo à evolução necessária da sociedade
internacional e não garante sequer um respeito escrupuloso das regras fundamentais. Em
segundo lugar, beneficiando muitas vezes de uma observação mais espontânea por parte dos
sujeitos de Direito, as normas não convencionais podem ter uma longevidade e uma
produtividade superior a muitos tratados “nados mortos”. O paradoxo é que a fraqueza
intrínseca de certos modos de formação extra convencional do Direito – o facto de estas normas
não poderem contradizer o conteúdo dos tratados – favorece o recurso a estes mesmos modos,
com vista a contornar a dificuldade: os diversos modos de formação “espontânea” do Direito
apoiar-se-ão reciprocamente para consagrar o desuso da norma convencional julgada
inoportuna. A existência destes modos não convencionais é consagrada pelo artigo 38.º do
Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, aliás incompleto. Como recomenda o mesmo
artigo 38.º do Estatuto, convém distinguir os modos de elaboração do Direito conforme
conduzem ou não à criação de normas internacionais – isolando os simples instrumentos de
determinação do Direito – e conforme têm um caráter espontâneo ou voluntário.

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Capítulo I – Os modos espontâneos de formação

Característica comum: segundo o artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça


ETIJ),

«o Tribunal aplica…
233
«b) o costume internacional como prova de uma prática geral aceite como
direito;

«c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas…»

Segundo a doutrina dominante, trata-se também aqui de “fontes formais” mas, na


realidade, nada está menos formalizado do que as regras costumeiras ou os princípios gerais.
Num e noutro caso, a eventual regra internacional não é formulada num ato jurídico
internacional e o intérprete não pode portante fazê-lo derivar diretamente da expressão formal
da vontade dos sujeitos de direito; deve assim procurar a sua existência e o seu alcance nos
“comportamentos” ou “recorrer” a outras ordens jurídicas, em especial nacionais, donde deriva
a ideia de “direito espontâneo”, manifestação das regras jurídicas «que não foi organizada
antecipadamente». Esta espontaneidade não impede que se procurem identificar as regras
assim formadas e determinar como elas se manifestam. O papel primordial do intérprete é ainda
reforçado quando se utiliza a habilitação prevista no n.º2 do artigo 38 do ETIJ: «A presente
disposição não viola a faculdade de o Tribunal, se as partes estiverem de acordo, recorrer à
equidade, de decidir ex aequo et bono». Na falta deste acordo, o juiz poderá, por vezes, recorrer
à equidade, retomando assim uma faculdade similar de flexibilização dos seus métodos de
interpretação e de aplicação do direito. Segundo o alcance reconhecido à norma internacional
pelo interpreto, a natureza da referida norma pode variar: tanto poderá ver nela uma regra de
direito positivo – sendo tendência – que anuncia uma futura regra jurídica sem ainda a consagrar
e pode quando muito desviar a interpretação da regra existente. Estudaremos, sucessivamente,
o costume, os princípios gerais de direito e a equidade.

Secção I – O Costume

O costume, fonte de Direito Internacional: o costume, enquanto modo ou processo de


elaboração do direito (e não enquanto norma jurídica) será uma fonte formal de direito? Impõe-
se uma resposta positiva porque se trata de facto de um processo regido pelo Direito
Internacional e autónomo em relação a outros modos, como o modo convencional que autoriza
a exprimir regras de direito. O que confirma o artigo 38.º ETIJ falando de «prova» de uma prática
geral aceite «como direito». Não é menos verdade que se trata de uma fonte de natureza
particular e mesmo controversa. É certamente admitido por todos que o processo costumeiro
não é perfeito senão quando reúne dois elementos. Um primeiro consiste no cumprimento
repetido de atos denominados «precedentes»: é o elemento material ou consuetudo, que pode
não passar de um simples uso no início do processo. O segundo é constituído pela convicção dos
sujeitos de direito, de que o cumprimento de tais atos é obrigatório porque o direito o exige: daí
a qualificação de elemento psicológico ou o recurso à forma latina da opinio iuris sive necessitatis.
O debate contemporâneo incide sobretudo sobre o desenrolar deste processo. Será necessário,

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como sustenta a doutrina clássica, que uma certa prática se tenha desenvolvido antes que
possamos interrogar-nos sobre a existência da opinio iuris e procurar a sua prova, ou poder-se-
á então afastar toda a anterioridade de um elemento em relação a outro? Enquanto
tradicionalmente se afirmava que o elemento psicológico era o resultado da acumulação dos
precedentes, a prática contemporânea permite reconhecer na opinio iuris o ponto de partida
do processo costumeiro. : aos costumes “sensatos” do passado juntar-se-iam assim costumes
“selvagens” – a partir de tendências progressivamente cristalizadas. Esta indeterminação sobre
o encadeamento das etapas prova a flexibilidade deste modo de formação; ela não altera a sua 234
unidade. Não é menos verdade que o processo costumeiro difere em muitos aspetos do
processo convencional, o que explica certas hesitações da doutrina voluntarista:

- a fonte costumeira não beneficia da expressão de uma vontade mas apoia-se sobre
a convicção de que existe uma regra;

- ela não resulta de um ato jurídico mas de comportamentos provenientes dos


sujeitos de direito;

- o processo é particularmente descentralizado, a sua cronologia é menos clara do


que a do processo convencional – ele próprio cada vez mais institucionalizado.

Estas interpretações técnicas são no entanto largamente compensadas pelo facto


de o processo costumeiro se apoiar nos imperativos da sociedade internacional, e de estes
últimos lhe restituírem hoje em dia um papel que julgávamos ultrapassado.

O fundamento do costume: esta questão, já abordada a propósito do problema geral do


fundamento do Direito Internacional deve ser reexaminada aqui na medida em que o debate
entre o positivismo e o objetivismo conduziu a duas teses antagónicas no caso particular do
costume.

1.º A teoria do acordo tácito: não é surpreendente que os autores voluntaristas,


que não admitem outro fundamento do Direito Internacional a não ser a vontade dos Estados,
sustentem que a força obrigatória do costume assenta num acordo tácito entre os Estados. Em
consequência desta tese, uma vez formulada, a regra costumeira só se aplica aos Estados que
participaram na sua formação ou que a reconheceram ulteriormente. Ela não é oponível aos
Estados terceiros sem o seu consentimento. Entre a regra costumeira e a regra convencional, a
identidade é assim completa quando aos seus efeitos. Retoma-se a tese da Vereinbarung
defendida por Tripel e firmemente sustentada pela doutrina soviética. A teoria do acordo tácito
é dificilmente conciliável com a prática internacional e com a lógica do processo costumeiro86.

86
Primeiro acaba por reconhecer um papel fundamental, senão mesmo exclusivo, ao elemento
psicológico do costume, quando a reunião efetiva deste elemento com o elemento material é
necessária para a formação de qualquer regra costumeira: os abusos a que tal método poderia conduzir
parecem explicar a atitude muito reservada aos Estados do Tribunal a propósito do conceito de
“tendência” costumeira, no caso da Plataforma continental Tunísia-Líbia (1982). Em segundo lugar, esta
teoria não pode explicar que os costumes gerais se imponham a todos os Estados, mesmo àqueles que
não tenham participado no processo de formação: a oposição a um costume geral já formado, em si não
produz efeito. Não podendo negar a existência de tais costumes gerais, a doutrina voluntarista sustenta
que a oponibilidade destas regras gerais aos Estados terceiros só é possível em virtude do
consentimento tácito destes últimos. Raciocínio puramente fictício, sobretudo quando pretende explicar
por que razão os novos Estados são imediatamente submetidos, desde o seu nascimento, ao conjunto
dos costumes gerais existentes. De facto, o acordo tácito não é concebível senão para costumes
bilaterais ou locais, aplicáveis a um número restrito de Estados, cujo consentimento, pelo menos

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2.º A doutrina da formação espontânea do direito costumeiro: recusando a


presunção voluntarista da unanimidade, a abordagem objetivista reconhece que a formação das
regras costumeiras é um fenómeno essencialmente sociológico. Fenómeno que pode derivar de
uma necessidade lógica, ou corresponder a uma necessidade social. Todavia, na maioria dos
casos, a regra costumeira corresponde a um equilíbrio das forças internacionais em presença
num dado momento, a uma confrontação dos sujeitos de direito sobre um problema
internacional. A formação espontânea de tais regras efetiva-se após uma tomada de consciência
jurídica coletiva da necessidade social. Somente esta explicação permite fundamentar a validade 235

erga omnes dos costumes gerais, permitindo as evoluções indispensáveis. Ela também não
distorce a realidade das diferenças de poder entre sujeitos de Direito Internacional, pois é
completamente compatível com o facto de a “maioria silenciosa” dos Estados dever
frequentemente inclinar-se perante a análise das necessidades sociais propostas pelas grandes
potências. Para ser espontâneo, o processo de criação das regras costumeiras não deve deixar
de revestir certas formas. Esta a razão pela qual convém estudar o desenrolar do processo antes
de tratar da aplicação do costume.

1.º - O processo consuetudinário

A – O elemento material do costume

Os comportamentos suscetíveis de constituir precedentes: a formação do costume apoia-


se em toda a atuação dos sujeitos de Direito Internacional. Esta atuação pode corresponder a
atos jurídicos, internos ou internacionais, mas isto não é uma necessidade. É suficiente que a
atuação emane de sujeitos de Direito Internacional – Estados, mas também organizações
internacionais, tribunais internacionais, organizações não governamentais, até certas pessoas
privadas. Por atuação – uma terminologia habitual mas lamentável que se refere naturalmente
a atos – deve entender-se não só comportamentos positivos e negativos, mas também qualquer
expressão de uma opinião sobre a oportunidade ou a legalidade da atuação dos outros sujeitos
de Direito Internacional.

1.º Os atos do Estado são os praticados pelos seus órgãos, com incidência as
relações internacionais. Cabem evidentemente nesta definição os atos das autoridades
especialmente encarregadas das relações internacionais, exprimindo-se no exercício das suas
funções, isto é, o Ministro dos Negócios Estrangeiros e os seus colaboradores, principalmente
os agentes diplomáticos (declarações, correio diplomático, instruções dirigidas aos diplomatas,
etc). Tratando-se de atos unilaterais, surgirão não raro problemas de imputabilidade e de
oponibilidade aos Estados em litigio, assim como a questão de saber se os comportamentos do

implícito, será necessariamente verificado. O único apoio de que beneficia esta abordagem reside num
dictum celebre do Tribunal Penal de Justiça Internacional:
«As regras de direito que vinculam os Estados resultam da vontade destes, vontade
manifestada em convenções ou usos geralmente aceites como consagrando princípios de direito».
Esta tomada de posição, isolada e severamente criticada, não tem senão uma fraca autoridade:
este acórdão só pôde ser proferido graças ao voto preponderante do Presidente do Tribunal.

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Estado são constitutivos de estoppel. Também é necessário compreender as tomadas de posição


dos agentes governamentais no decurso de um processo arbitral ou jurisdicional internacional,
ou no âmbito de uma organização internacional. Certos autores propuseram limitar os
precedentes somente aos atos dos agentes diplomáticos. Esta conceção restritiva não tem sido
seguida. Os atos legislativos e administrativos podem, também, servir de precedentes, se
necessário. A fortiori, os atos interestatais poderão constituir precedentes. As regras de uma
convenção que, originariamente, vinculavam apenas os Estados partes, podem servir de ponto
de partida para um processo consuetudinário tanto mais que esta convenção tem vocação 236
universal. O Tribunal Internacional de Justiça admitiu este princípio no Acórdão de 1969 sobre a
Plataforma continental do Mar do Norte. Deverão tomar-se em consideração apenas os atos
“positivos”? Serão as abstenções suscetíveis de constituir precedentes? No referido caso, o
Tribunal admitiu este princípio no Acórdão de 1969, reconhecendo, em matéria de delimitação
do mar territorial, a existência de um costume bilateral com base num ato positivo da Noruega,
seguido de uma prolongada abstenção por parte da Grã-Bretanha.

2.º Os atos das instituições internacionais: devemos citar em primeiro lugar ao atos
jurisdicionais e arbitrais internacionais. O Tribunal Pena de Justiça Internacional e mais tarde o
Tribunal Internacional de Justiça não hesitam, aliás, em citar a sua própria jurisprudência como
precedentes úteis. Quanto às organizações internacionais, como para os Estados, mas por outras
razões, convém distinguir as suas práticas internas e os seus comportamentos nas relações
internacionais.

a) As primeiras podem, sem sombra de dúvida, estar na origem de verdadeiras


regras consuetudinárias vinculativas da própria organização. O Tribunal
Internacional de Justiça referiu-se várias vezes a tais assim engendradas: no
caso da Namíbia, a propósito do alcance da abstenção de um membro
permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Tribunal
considerou que «o processo seguido… constitui a prova de uma prática geral
da Organização». A prática internacional não é necessariamente favorável a
um tal processo, por recear uma revisão implícita da carta constitutiva de
uma organização internacional. Quando as garantias oferecidas pelo
processo de revisão do tratado visam salvaguardar os poderes respetivos
dos órgãos da organização, a revisão consuetudinária dificilmente será
admitida: assim o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias rejeitou
os argumentos baseados na prática costumeira interna das Comunidades na
medida em que esta favorecia violações ao «equilíbrio institucional» entre
órgãos da Organização e à repartição de competências entre as
Comunidades e os Estados membros87.
b) As organizações internacionais participal igualmente na formação do Direito
Internacional geral pelas resoluções que adotam, pelas convenções
internacionais em que participam e pelo conjunto das suas relações com
outros sujeitos de Direito Internacional. Assim, a repetição das «operações
de manutenção da paz» das Nações Unidas permite obter um verdadeiro
corpo de regras consuetudinárias aplicáveis àquelas operações, regras
resultantes, simultaneamente, das resoluções do Conselho de Segurança e
da Assembleia Geral que as criam, dos acordos concluídos com os Estados

87
TJCE, 14 dezembro 1971, caso 7/71, Comission c. France, Rec. 1971, p. 1003; 3 feveriero 1976, caso
59/75, Ministère public c. Manghera, Rec. 1976

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interessados e das práticas observadas no terreno segundo as diretrizes do


Secretário geral. Neste exemplo, a própria Organização das Nações Unidas
está diretamente abrangida pelas regras para cuja criação contribui; mas, de
um modo mais geral, as resoluções dos órgãos das organizações
internacionais podem contribuir para a formação de regras interestatais.
Elas podem, em especial, desencadear o processo conducente à criação de
novas regras: a célebre Declaração relativa à concessão da independência
aos países e aos povos coloniais (resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral 237
da Organização das Nações Unidas de 14 dezembro 1960) desempenhou o
papel de um poderoso catalisador na formação do direito à descolonização
(e da descolonização). Todavia, só pôde ser assim porque tal resolução foi
precedida e seguida por uma abundante prática conforme às regras que
enuncia. A transformação de tais recomendações em regras
consuetudinárias só será possível se tiverem uma aplicação concreta isenta
de ambiguidade. Por si só, uma resolução não pode criar uma regra
consuetudinária. Os precedentes provenientes das organizações
internacionais são particularmente valiosos: conhecidos imediatamente e
tomados em consideração por um grande número de Estados, podem
acelerar o processo consuetudinário.

3.º A possibilidade de os sujeitos de Direito Internacional que não sejam os Estados


e as Organizações Internacionais, estarem, pelos seus comportamentos, na origem de regras
consuetudinárias é controversa. Georges Scelle sustentou que os comportamentos pertinentes
só podiam ser atos de indivíduos. Outros autores, como Strupp, consideram, pelo contrário, que
apenas atos estatais podem ser levados em conta. A prática contemporânea dá mais razão à
tese objetiva – sem ir até à formulação extrema de Scelle. Os comportamentos das organizações
internacionais não governamentais, dos movimentos de libertação internacional e de secessão,
e mesmo das sociedades transnacionais podem dar origem a normas consuetudinárias, na
condição de não colidirem com uma oposição expressa dos sujeitos «maiores» do Direito
Internacional.

A repetição do precedente no tempo: a repetição é a condição da consolidação da prática,


sem a qual seria impossível falar de “uso”. A exigência da repetição decorre das fórmulas
clássicas utilizadas pela jurisprudência internacional que visa uma visão «prática internacional
constante» ou uma «prática constante e uniforme». A necessária coerência da pratica, segundo
a conceção clássica, exprime-se na verdade no dictum sebsequente da sentença arbitral de 17
julho de 1965: «Somente uma prática constante, efetivamente seguida e sem alteração, pode
tornar-se geradora de uma regra de Direito consuetudinário internacional».

1.º Uniformidade: e a concordância dos atos sucessivos de um mesmo Estado que


devem ser, em princípio, semelhantes uns aos outros. Na falta desta uniformidade –
concordância, já não haveria repetição. Se, a propósito de uma mesma questão, os precedentes
seguidos por alguns Estados colidem com atos contrários da parte de outros Estados, a formação
da regra consuetudinária será automaticamente obstaculada. Embora a uniformidade seja uma
noção relativa, a sua verificação não é demasiado difícil. A uniformidade assim exigida não exclui,
evidentemente, a eventualidade de violações, que suscitam um outro problema, embora
possam dar origem a um novo costume, um costume contrário. Neste caso, convém determinar
se o autor do ato em contradição com a regra existente agiu com a convicção de que a violava e
se o seu comportamento se inscreve numa tal contestação. Conforme sublinhou o Tribunal

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Internacional de Justiça, para que uma regra seja consuetudinariamente estabelecida não é
necessário que a prática correspondente seja rigorosamente conforme a esta.

«… parece suficiente, para deduzir a existência de regras costumeiras, que os


Estados na sua conduta estejam em conformidade com elas de uma maneira geral e que eles
próprios considerem os comportamentos não conformes com a regra em questão como violações
desta e não como manifestações do reconhecimento de uma nova regra. Se o Estado atua de
uma maneira aparentemente inconciliável com uma regra reconhecida, mas defende a sua 238
conduta invocando exceções ou justificações contidas na própria regra, daí resulta uma
confirmação e não um enfraquecimento da regra quer a atitude deste Estado possa quer não
possa justificar esta base»88

2.º A apreciação da constância: continuidade é mais incerta. Quantas vezes e


durante quanto tempo deverá um precedente ser repetido para dar origem a uma regra
consuetudinária? Não pode de uma maneira geral responder-se, pois a frequência interfere na
duração. Com efeito, a densidade crescente das relações internacionais leva, cada vez mais, a
aceitar mais breves do que na sociedade interestatal do século XVI ao século XIX. Já em 1930, o
Tribunal Penal de Justiça Internacional admitia que uma prática remontando a menos de 10 anos
podia ter dado origem a uma regra consuetudinária. Mas recentemente, o Tribunal
Internacional de Justiça confirmava: «o facto de apenas ter decorrido um breve lapso de tempo
não constitui em si mesmo um impedimento à formação de uma nova regra de direito
internacional consuetudinário». A jurisprudência só confirma o alcance de um fenómeno mais
vasto através da prática unilateral dos Estados e das suas negociações. Mas, como assinalava o
tribunal no seu acórdão supracitado de 1969, «considera-se indispensável que neste lapso de
tempo, por muito breve que tenha sido, a prática dos Estados, inclusive aqueles especialmente
interessados, tenha sido frequente e praticamente uniforme». No essencial, as exigências
clássicas são respeitadas: preferir o termo “frequência” ao de “constância” ou “continuidade”
corresponde simplesmente a considerar o caráter aleatório e irregular das ocasiões concretas
oferecidas aos Estados para adotarem um certo comportamento em relação a um determinado
sujeito. A noção de «costume instantâneo» ou «imediato» deve pois ser rejeitada. Apesar da
opinião contrária de alguns autores voluntaristas, um precedente isolado nunca é suscetível de
dar origem a uma regra consuetudinária.

A repetição do precedente no espaço: não é suficiente que a repetição dependa do mesmo


Estado autor do primeiro precedente: neste caso, trata-se apenas de uma simples confirmação
da sua reivindicação. A dispersão é necessária; mas deverá ela ser universal? A resposta é
evidentemente negativa, se admitirmos a coexistência de regras costumeiras regionais e gerais.
Ela deve ser matizada para as normas consuetudinárias de alcance universal.

1.º Para as regras costumeiras «gerais», o artigo 38.º, n.º1, alínea b) ETIJ indica
claramente que elas resultam da prática geral e não de uma prática unânime, o que seria
irrealizável e irrealista. A jurisprudência internacional aderiu a esta conceção. No seu acórdão
de 1969, supracitado, considera: «No que respeita aos outros elementos geralmente tidos por
necessários a fim de que uma regra convencional seja considerada regra geral de direito
internacional, pode ser suficiente uma participação muito vasta e representativa na convenção,
sob condição, todavia, de compreender os Estados particularmente interessados». A
participação muito vasta a qual o Tribunal Internacional de Justiça faz alusão não implica,

88
Acórdão 27 junho 1986, Atividades militares e paramilitares na Nicarágua, §186, Rec., p. 98)

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forçosamente, uma ação positiva por parte de um grande número de Estados, sobretudo se não
aparecerem pretensões divergentes.

2.º Se bem que o artigo 38.º, n.º1 ETIJ só faça alusão às regras consuetudinárias
gerais, nunca foi contestado que pudessem aparecer costumes de alcance geográfico limitado.
A existência de costumes regionais e mesmo locais é atestada pela prática e pela jurisprudência
internacionais. O Direito da guerra marítima foi durante muito tempo um Direito
consuetudinário para os Estados da Europa continental; os Estados americanos emanaram um 239
direito consuetudinário do reconhecimento de governo em caso de mudança revolucionária.
Por seu lado, o Tribunal Internacional de Justiça teve várias ocasiões para reconhecer tais
costumes regionais. O problema da existência dos costumes bilaterais foi claramente no caso do
Direito de passagem em território indiano. À alegação da Índia de que «nenhum costume local
poderia constituir-se entre dois Estados apenas», o Tribunal respondeu em termos muito
precisos: «Dificilmente se compreende por que razão o número de Estados entre os quais pode
constituir-se um costume local com base numa prática prolongada deveria necessariamente ser
superior a dois. O tribunal não vê razão para que uma prática prolongada e contínua entre dois
Estados, aceite por ambos como reguladora das suas relações, não esteja na base dos direitos e
obrigações recíprocas entre esses dois Estados»89. A unanimidade será exigida aqui? Impõe-se
uma resposta afirmativa no que respeita aos costumes bilaterais. Quando é apresentada a prova
de um costume local «não é necessário indagar se o costume internacional geral ou os princípios
gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas podem levar ao mesmo resultado»,
conforme o Tribunal Internacional de Justiça considera neste caso acima referido. O
consensualismo interestatal, mais acentuado no costume regional ou local do que no costume
geral, mantém-se dominante na jurisprudência internacional. Tratando-se dos costumes
regionais, é razoável pensar que, quanto mais restrito for o círculo de Estados interessados, mais
unanimidade é necessária. Contudo, a posição do Tribunal Internacional de Justiça não é clara a
este respeito.

B – O elemento psicológico

A exigência da opinio iuris: admite-se, geralmente, que a simples repetição de precedentes


não basta e que uma regra consuetudinária só existe se o ato considerado for motivado pela
consciência de uma obrigação jurídica. É necessário que os Estados tenham a consciência de
estarem juridicamente vinculados: o que se traduz pela fórmula clássica da opinio iuris sive
necessitatis (a convicção do direito ou da necessidade). É por esta característica que a regra
consuetudinária se distingue do uso e da cortesia internacional. A doutrina que inventou esta
condição no início do século XIX, permanece dividida quanto à sua necessidade lógica. É verdade
que, mesmo numa perspetiva voluntarista, pode parecer bastante estranha: não tanto porque
é sempre difícil apresentar a prova de uma convicção psicológica, mas sobretudo pelo facto de
que a convicção de se sujeitar ao Direito é sinal de que a regra existe e não é um elemento da
sua formação. Seria necessário portanto aceitar a ideia de um efeito de antecipação por parte
dos sujeitos de Direito. Todavia, desde que a exigência da opinio iuris foi inscrita no artigo 38.º,
n.º1 Estatuto do Tribunal Penal de Justiça Internacional e depois no ETIJ – «uma prática… aceite
como direito» - a jurisprudência permanece muito firme na questão de princípio. Apresenta uma

89
TIJ, Rec., 1960, p. 39

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notável continuidade desde o dictum do Tribunal no caso Lotus. Respondendo à tese do agente
governamental francês que invoca um facto de abstenção, o Tribunal Penal de Justiça
Internacional não considerou este como um precedente pertinente na medida em que não era
motivado, neste caso, pela «consciência de um dever de se abster» 90 . De maneira mais
sistemática ainda, o Tribunal Internacional de Justiça exprime esta teoria nos termos seguintes:

«Os Estados devem portanto ter a certeza de se conformar ao que equivale a uma
obrigação jurídica. Não são suficientes nem a frequência, nem mesmo o caráter habitual dos 240
atos. Existem numerosos atos internacionais, no domínio do protocolo por exemplo, que são
realizados quase invariavelmente mas motivados por simples considerações de cortesia, de
oportunidade ou de tradição e não pelo sentimento de uma obrigação jurídica»91.

É a autêntica inversão da abordagem dos árbitros internacionais até meados do


século XIX. Todos os sujeitos de Direito podem contribuir para esta constituição da opinio iuris,
inclusive as pessoas privadas, segundo a sentença arbitral da Aminoil de 1982. Por definição, a
ponio iuris só pode resultar de uma expressão de vontade livremente consentida: no caso
Aminoil, as pressões e coações económicas sofridas pelas sociedades petrolíferas farão o árbitro
hesitar em tirar consequências da atitude e do consentimento aparente destas sociedades com
o abandono da regra costumeira anterior.

Costumes “sensatos” e costumes “selvagens”: a doutrina utiliza esta distinção figurada,


recorrendo a R.-J. Dupuy, para exprimir as suas hesitações face a certas práticas normativas da
sociedade internacional contemporânea. Habituada a uma sucessão cronológica em que o
costume – sensato – se baseia em comportamentos apoiados in fine pela opinio iuris, a doutrina
interrogou-se sobre a legitimidade de um processo de elaboração em que a expressão, por vezes
categórica, da opinio iuris precedia qualquer aplicação efetiva, em que os comportamentos
estatais são tomados em conta como expressão da opinio iuris antes de o serem como
precedentes constitutivos de uma prática. Severamente criticada por certos observadores, esta
inversão do momento e do peso dos elementos material e psicológico do costume parece
doravante ser considerada legítima, no seu princípio, pela jurisprudência internacional. Se o
costume “selvagem” continua a constituir problema, não é só em virtude desta inversão dos
dois tempos do processo costumeiro. A inversão é também um sintoma da ambiguidade da
expressão da vontade dos Estados que obriga a prestar uma grande atenção às circunstâncias
que envolveram a adoção das novas regras.

A oponibilidade da norma consuetudinária: em que medida pode um sujeito de Direito


recusar a oponibilidade a seu respeito de uma norma consuetudinária? A dificuldade provém,
antes de mais, do facto de a abstenção, a oposição ou a ausência de um Estado da sociedade
internacional – caso dos Estados novos – nem sempre impede o aparecimento de uma norma
geral ou particular; resulta seguidamente do facto de a segurança jurídica proibir que se ponha
em causa a validade do processo anterior assim como a existência das normas costumeiras, cada
vez que se expande a sociedade internacional. Para dar uma resposta exata em cada caso
particular, o bom método impõe que se distinga a oponibilidade do processo de elaboração da
norma a um certo sujeito de Direito – oponibilidade da norma consuetudinária «à sua nascença»
- e a questão da oponibilidade da norma no tempo: é sobre o primeiro aspeto da demonstração
que insistiremos aqui.

90
Acórdão de 1927, série A, n.º10, p.28
91
Plataforma continental do Mar do Norte, Tec. 1969, p. 44.

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1.º Parece impor-se uma solução quando o Estado pôs objeção à criação da regra
consuetudinária, sem conseguir fazer valer o seu ponto de vista: a regra costumeira é-lhe
inoponível. Evidentemente, devemos pôr em prática o princípio segundo o qual um Estado não
pode opor-se à aplicação de uma regra imperativa (ius cogens): todos os Estados estão
vinculados por uma regra costumeira que apresenta esta qualidade.

2.º Podem os Estados novos escapar à aplicação de regras costumeiras


estabelecidas antes do seu acesso à independência? Em princípio não; o que os obriga – em caso 241
de desacordo sobre o fundo – a abrir um novo processo de elaboração do Direito costumeiro ou
convencional, de maneira a escapar ao domínio da regra antiga senão mesmo a suprimi-la. No
período de transição que resulta desta diligência, torna-se difícil determinar o alcance exato –
portanto a oponibilidade – da norma consuetudinária antiga, sobretudo se esta “contestação”
provém de um grande número de Estados e acaba na coexistência de uma norma
consuetudinária antiga e de uma norma convencional ou consuetudinária nova.

3.º Poderão os Estados admitir que se lhes oponham normas consuetudinárias


criadas por outros sujeitos de direito? Parece certo que atos que emanam de pessoas privadas
não podem opor-se aos Estados contra a sua vontade. Mas o seu aval não é necessariamente
explícito: o exemplo contemporâneo da evolução do Direito dos contratos transnacionais – lex
mercatória – mostra que os Estados podem ter de aceitar a imposição, a título principal ou
supletivo do respeito de normas de origem privada porque aceitaram fazer-lhes referência em
convenções internacionais ou porque a existência destas normas é confirmada pela
jurisprudência dos tribunais nacionais. A situação é mais complexa ainda quando as
organizações internacionais invocam, ao contrário dos Estados membros e dos Estados terceiros,
normas consuetudinárias resultantes do comportamentos das próprias organizações. É bastante
raro, com efeito, que os estatutos da organização em causa especifiquem a solução aplicável;
mesmo quando é este o caso, o problema continua delicado visto que os estatutos, em si
próprios, não são oponíveis aos Estados não membros. O reconhecimento internacional
desempenhará portanto um grande papel para consagrar a oponibilidade de tais normas; ele
poderá ser bilateral ou multilateral, expresso ou implícito.

2.º - A prova do costume


A administração da prova: num recurso contencioso, o ónus da prova compete ao requerente,
pelo menos quando ele invoca uma regra costumeira regional ou local. Convém distinguir duas
séries de dificuldades: será realmente necessário aduzir a prova tanto da prática material como
da opinio iuris? Para cada um destes elementos, qual o grau mínimo de pertinência e de precisão
a alcançar?

1.º Sobre o primeiro ponto, uma parte da doutrina exprime uma dúvida quanto à
necessidade de provar a opinio iuris. Admitindo embora que, nas condições históricas do
aparecimento das regras costumeiras, se torna muitas vezes difícil isolar a opinio iuris dos
próprios comportamentos, a jurisprudência recusou-se a consagrar esta tese. Porém, é preciso
reconhecer que, na administração da prova da opinio iuris pelo juiz ou pelo árbitro, existe
frequentemente uma certa “telescopagem” das demonstrações relativas aos elementos
materiais e psicológicos.

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2.º Quanto aos meios de prova, o artigo 15.º do Estatuto da Comissão de Direito
Internacional das Nações Unidas fornece a indicação seguinte: só podemos considerar a
“codificação” de uma regra, por conseguinte supor o seu caráter costumeiro, na medida em que
dispomos do apoio de uma prática estatal consequente, de precedentes (jurisprudenciais) e de
opiniões doutrinais (convergentes). Condições que são difíceis de reunir, sobretudo para a
opinio iuris, mas por vezes também para a prática dos sujeitos de Direito. A prova da prática
pode tornar-se delicada pela falta de publicidade dada aos comportamentos diplomáticos ou
pelas precauções tomadas para proibir uma clara imputação a um sujeito de Direito 242
Internacional. No decorrer dos últimos vinte anos realizaram-se progressos para avaliar mais
sistematicamente esta prática: multiplicaram-se os repertórios da prática nacional; as
organizações internacionais procedem a estudos comparativos e estabelecem numerosas
compilações. A principal dificuldade reside na priva da existência da opinio iuris, quando não
pode ser deduzida de fatores objetivos. É necessário, então, procurar as intenções. Com base
em que indícios? No acórdão de 1969, no caso da Plataforma continental do Mar do Norte, o
Tribunal Internacional de Justiça esclarece:

«Os atos considerados devem testemunhar, pela sua natureza ou pela maneira
como são executados, convicção de que esta prática se tornou obrigatória…».

Não admitindo como suficiente a repetição em si, a jurisdição internacional


considerará natural que, uma vez solidamente estabelecida, o elemento material possa
acarretar também a prova da opinio iuris. Pelo contrário, o juiz ou o árbitro não hesitará em
dissociar nitidamente a prova dos dois elementos, quando as intenções não correspondem
manifestamente aos atos – tendo estes últimos sido forçados pelas circunstâncias ou sendo a
regra unanimemente reconhecida pelo objeto de violações repetidas – neste caso o Tribunal vê
a prova da opinio iuris das regras relativas ao emprego da força e à não intervenção em
declarações da Assembleia Geral das Nações Unidas. Perante estas dificuldades e estas
incertezas, os sujeitos de Direito procuram na “codificação” do Direito consuetudinário uma
maior segurança jurídica. Ao empreender este processo, poderão formular clara e diretamente
a questão da opinio iuris; paradoxalmente, é-lhes assim possível contornar – pelo menos em
parte – o problema da prova de uma prática frequente e homogénea.

A noção de codificação:
1.º “Codificação” e “desenvolvimento progressivo do direito”: o artigo 13.º da Carta
das Nações Unidas confere à Assembleia Geral mandato para «promover estudos e fazer
recomendações destinadas a… incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional
e a sua codificação». O artigo 15.º Estatuto da Comissão de Direito Internacional tenta precisar
a distinção nos termos seguintes: no primeiro caso, tratando-se de preparar «projetos de
convenções sobre sujeitos que não estão ainda regulamentadas pelo direito internacional ou
para os quais o direito não está ainda suficientemente desenvolvido na prática estatal». A
codificação é «a formulação mais exata e a sistematização das regras de direito internacional
nos domínios em que existem já uma prática estatal consequente, precedentes e opiniões
doutrinais». A codificação é uma operação de conversão de regras consuetudinárias num corpo
de regras escritas, sistematicamente agrupadas. O desenvolvimento do direito é uma operação
de afirmação ou de consagração de regras novas com base no Direito existente. A clareza da
distinção é apenas aparente. Na prática, as duas operações estarão muitas vezes intimamente
imbricadas, quanto mais não seja para reforçar a coerência lógica do corpo de regras inscritas
numa mesma convenção; será contudo necessário recorrer ao juiz para distinguir, no interior de
um texto de codificação, as regras costumeiras e as regras novas. O debate sobre estes dois

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conceitos teria podido continuar a ser doutrinal. Porém tornou-se rapidamente político, o que
não é surpreendente: a distinção codificação – desenvolvimento do Direito tem uma incidência
direta sobre a oponibilidade das normas contidas nas convenções de codificação. De há quinze
anos a esta parte, desenvolvem-se cada vez mais táticas diplomáticas ofensivas ou defensivas
sobre este assunto: assim, o recurso à fórmula da “declaração” para dar crédito à ideia de que
as regras apresentadas num texto se inscrevem num processo consuetudinário e se prestam
portanto, desde logo, à “codificação”.
243
2.º Vantagens e inconvenientes da codificação: existe hoje uma conjunção muito
forte de forças políticas a favor dos trabalhos de codificação. Para os Estados “contestatários”,
a codificação é a ocasião de fazerem uma “triagem” entre as normas que respondem às suas
próprias aspirações e as que são rejeitadas porque, originadas pela prática dos Estados
ocidentais, lhes parecem responder às necessidades exclusivas destes Estados; para os outros,
a codificação surge como a “última oportunidade” das regras antigas, uma defesa eficaz contra
uma contestação durável. Convém dissociar o curto e o médio prazos de preferência a tentar
distinguir as vantagens técnicas e políticas da codificação.

a) No curto prazo, é o texto de codificação que é preciso tomar em


consideração. A este respeito foram emitidas dúvidas sobre a oportunidade
de uma “cristalização” do costume, que faz desaparecer a sua flexibilidade
e a sua maleabilidade. Inversamente, sublinhar-se-á que a codificação tende
a remediar a incerteza que pesa sobre a existência e o conteúdo das regras
consuetudinárias, e luta contra a dispersão das regras que se aplicam à
mesma matéria; pode mesmo favorecer, em bases mais justas, um
relançamento da elaboração das regras consuetudinárias. Não convém
exagerar nem as vantagens, nem os inconvenientes da codificação na
medida em que se transforma num instrumento escrito. Do mesmo modo,
deve ter-se em consideração a natureza jurídica do instrumento de
codificação, que condiciona a sua oponibilidade internacional, bem como a
participação reservada ou entusiasta dos Estados neste instrumento
(número de ratificações, importância das reservas).
b) No médio prazo, as segundas intenções que dominaram o processo de
codificação têm ainda maior importância, pois a difusão das normas
dependerá da sua confirmação pela prática estatal e do apoio que lhes for
dado doutrinalmente. O compromisso inicial pode ser de novo posto em
causa, à medida que se vai esbatendo a recordação das considerações
diplomáticas na base do «package deal» e que os Estados «particularmente
interessados» não estão já artificialmente colocados em pé de igualdade
com os outros Estados. Existem convenções “nadas-mortas” como existem
leis “nadas-mortas” em Direito Interno. Por isso é importante prever
processos de controlo da aplicação de tais convenções: quer a organização
internacional confie esta tarefa ao órgão preparatório, quer a própria
convenção utilize as estruturas e órgãos da organização para este fim (papel
do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas em matéria de
conciliação, por exemplo).

As técnicas da codificação: somente devem ser tomadas em consideração aqui aquelas que
são aplicadas por sujeitos de Direito Internacional, competentes para estabelecer normas
internacionais. Os procedimentos variam em função do quadro institucional em que se inscreve

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o processo de codificação: não é indiferente que a obra se desenrole num contexto diplomático
clássico ou sob os auspícios de uma organização internacional, nem que tenha sido considerada
uma abordagem universal e regional. A descrição torna-se por vezes muito complexa tendo em
conta a sobreposição e a complementaridade das diligências regionais e universais, como foi o
caso da revisão do Direito do mar nos anos 70. O ponto de partida dos processos de codificação
pode resultar de iniciativas estatais, de sugestões de órgãos internacionais e mesmo de
organizações não governamentais: esta última hipótese é importante para as codificações de
Direito privado e de Direito Humanitário; mas só consideraremos o processo de codificação a 244
partir do momento em que os Estados aceitaram participar no projeto. Mesmo limitando-nos às
ilustrações fornecidas pelas Nações Unidas é notável a diversidade de soluções:

1.º A escolha de um tema de codificação resulta de uma decisão da Assembleia


Geral, competente em virtude do artigo 13.º. Ela será muitas vezes, mas não necessariamente,
guiada nesta escolha pelas propostas de um órgão técnico subsidiário, a Comissão de Direito
Internacional.

2.º A Assembleia Geral pode então decidir confiar a preparação de um projeto de


texto seja a um órgão permanente, seja um órgão temporário. Após esta primeira opção, ela
deve ainda escolher entre a fórmula de órgão “técnico” e a de órgão “político” composto por
representantes de Estados. Considerações técnicas e considerações políticas interferirão nesta
escolha: os métodos de trabalho da Comissão de Direito Internacional garantem um rigor
cientifico muito maior mas apresentam o inconveniente da lentidão; serão postos em causa
também pelo conservadorismo inerente aos trabalhos de peritos. Em questões inéditas ou
controversas será portanto dada preferência à fórmula das comissões intergovernamentais. O
esquema habitual da Comissão de Direito Internacional começa por designar um relator especial,
encarregado de estudar a questão com a assistência do Secretário da Organização das Nações
Unidas ou de outras organizações internacionais e depois de propor um método de trabalho e
uma série de anteprojetos. Após discussões aprofundadas, escalonadas ao longo de vários anos
e complicadas pela mudança de relatores, a Comissão de Direito Internacional adota
colegialmente um anteprojeto (denominado «projeto de artigos») submetido à IV Comissão da
Assembleia Geral. Na prática opera-se uma série de idas e vindas sobre diversas partes do texto,
antes que o conjunto seja proposto à assembleia. Num ou noutro estádio da preparação, pode
ser solicitado aos Estados que apresentem as suas observações por escrito, além das suas
tomadas de posição nos órgãos intergovernamentais. Assim solicitados, os serviços jurídicos dos
Ministérios dos Negócios Estrangeiros respondem de maneira muito desigual, tanto quantitativa
como qualitativamente, o que não deixa de ser perigoso. Os Comités especiais criados pela
Assembleia seguem as regras processuais habituais dos órgãos subsidiários intergovernamentais;
a tecnicidade do trabalho de codificação leva-os por vezes a criar uma ou várias subcomissões
mais especializadas (jurídica, económica, técnica). Como para a Comissão de Direito
Internacional estabelece-se um “vaivém” entre o Comité e uma Comissão permanente da
Assembleia Geral: a escolha da Comissão solicitada não é neutra (o espírito da codificação difere
conforme se trata da Comissão jurídica ou de uma Comissão política). As esperanças depositadas
na rapidez das deliberações diplomáticas são por vezes frustradas: seja porque a qualidade
técnica do texto fica fortemente enfraquecida pelos compromissos visados, seja porque a
comissão se dissolve por ter fracassado.

3.º Solicitada a pronunciar-se sobre um ou vários projetos, a Assembleia deve


decidir qual o andamento a dar-lhes. Pode limitar-se a chamar a atenção dos Estados para o
conteúdo do texto, através de resolução: o processo de codificação acaba por ser um simples

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«modelo de regras» cujo alcance jurídico depende dos comportamentos dos Estados para o
conteúdo do texto, através de resolução: o processo de codificação acaba por ser um simples
«modelo de regras» cujo alcance jurídico depende dos comportamentos dos Estados. Ela própria
pode também adotar este texto, após emendas se o desejar, sob forma de uma convenção à
qual os Estados serão convidados a aderir ou sob forma de resoluções “solenes”. A maior parte
das vezes, a Assembleia decidirá provocar a reunião de uma conferência diplomática
encarregada de adotar o texto da convenção de codificação.
245
4.º A obra da Conferência, teoricamente autónoma em relação à Organização das
Nações Unidas será mais ou menos guiada pelas iniciativas anteriores da Assembleia visto a
composição dos dois órgãos ser muito próxima.

3.º - A aplicação do costume

A – Ordem jurídica internacional e aplicação das normas consuetudinárias

Lugar respetivo do costume e do tratado no Direito Internacional contemporâneo :


1.º Desde a sua origem o papel do costume é notável. A história do Direito
Internacional revela que este Direito nasceu no momento em que apareceram as primeiras
regras consuetudinárias no domínio das relações diplomáticas, da guerra e da navegação
marítima. Paralelamente a intensificação das relações entre Estados, o domínio do costume
amplificava-se e estendia-se a outras matérias fundamentais das relações internacionais como
a arbitragem, a responsabilidade internacional e a conclusão dos tratados. O próprio princípio
pacta sunt servanda é em geral considerado como de origem consuetudinária. Foi o costume
que regulou as condições da sua própria formação e as do Direito dos tratados. Era portanto
legítimo considerar as regras consuetudinárias como verdadeiras regras «constitucionais» da
comunidade internacional. A analogia era tanto mais justificada quanto é certo que durante
muito tempo as regras consuetudinárias eram as únicas a poder aspirar à universalidade. Este
predomínio do costume foi favorecido e prolongado pelo aparecimento tardio das primeiras
instituições internacionais além do Estado. A prática dos tratados multilaterais – denominados
“coletivos da época – mais convenientes do que os tratados bilaterais na elaboração do Direito
escrito, só se impôs progressivamente a partir do século XIX. De resto, os primeiros tratados
verdadeiramente multilaterais tinham por única ambição constatar as regras consuetudinárias
existentes.

2.º O desenvolvimento das normas convencionais inicia-se verdadeiramente com


as Convenções de Haia de 899 e 1907. A tendência para uma regressão contínua do lugar e do
papel do costume acelerou-se bruscamente após a Segunda Guerra Mundial: o processo
consuetudinário tradicional, em virtude da sua lentidão, tornou-se pouco compatível com as
necessidades de uma interdependência internacional em rápido crescimento. O recurso
intensivo ao processo convencional impôs-se para consolidar, modificar ou substituir os antigos
regimes costumeiros. Terá a proliferação de tratados multilaterais constituído o dobre a finados
do costume?

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3.º Na ordem internacional, diversamente da evolução verificada nos direitos


nacionais, o recuo do costume não é um movimento irreversível, nem do ponto de vista
quantitativo, nem do ponto de vista qualitativo; seria certamente exagerado sustentar que caíu
em desuso o artigo 38.º, n.º1, alínea b) do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, segundo
o qual o costume é uma fonte direta, primária e autónoma do Direito positivo. O costume
conserva ao mesmo tempo um papel latente de “reservatório” paras as outras fontes de Direito
e mesmo, paradoxalmente, de catalizar para um relançamento periódico da elaboração do
Direito convencional. Este fenómeno é sobretudo sensível nos domínios mais controversos do 246

Direito Internacional, nos quais as necessidades da prática suscitam compromissos pacientes


impossíveis de obter pelo processo mais violento do acordo diplomático sobre o texto de um
tratado. Mais imprevisto ainda, verificou-se que o processo consuetudinário pode prevalecer
sobre o processo convencional no seu próprio terreno, o da velocidade de elaboração do Direito.
Por fim, o costume, paradoxalmente, pode mesmo ser mais exato e mais completo do que o
Direito convencional. O próprio sucesso do processo convencional multilateral e dos modos
inéditos de elaboração do Direito – através de resoluções designadamente de organizações
internacionais – autoriza um relançamento do processo consuetudinário. Confirmada por uma
convenção de codificação, a regra consuetudinária impor-se-á enquanto tal aos Estados não
partes na convenção; par amais, a prova da sua existência já não terá que ser procurada na
prática estadual e poderá ser diretamente deduzida do texto convencional. Finalmente, pelo seu
alcance jurídico, o processo consuetudinário parece o substituto ideal dos processos
declaratórios do costume “selvagem”: todas as controvérsias se apaziguem uma vez
demonstrado que o conteúdo de uma resolução está doravante integrado numa regra
consuetudinária.

As relações entre normas consuetudinárias:


1.º Em caso de conflito entre normas costumeiras sucessivas com identidade de
partes: é necessário, segundo parece, fazer aplicação dos princípios gerais de Direito. A norma
consuetudinária mais recente deveria prevalecer sobre a mais antiga, a norma especial sobre a
norma geral. Todavia seria necessário excetuar o caso em que à norma consuetudinária seria
reconhecido o valor de norma de ius cogens. O aparecimento de uma nova norma contrária é
teoricamente possível visto a Convenção de Viena admitir a hipótese de uma sucessão de regras
de ius cogens: na prática, a situação seria bastante confusa enquanto o processo não estivesse
concluído: a nova norma nascente não seria oponível aos Estados que sustentassem a norma
anterior; seria mesmo ilícita e o Estado que pretendesse aplica-la comprometeria a sua
responsabilidade internacional.

2.º O conflito entre uma norma universal e uma norma regional só pode surgir se a
norma universal não tiver valor de ius cogens. Impõe-se portanto limitar-se à hipótese da
incompatibilidade entre normas consuetudinárias não “imperativas”. Aqui o princípio de
anterioridade não fornece a solução de Direito comum. A questão deve ser encarada em termos
de oponibilidade de norma universal e da norma regional ou local aos Estados em litígio. Na
ausência de uma hierarquia de normas consuetudinárias, parece lógico fazer prevalecer a norma
regional se o conflito impõe dois Estados regidos pela norma regional – esta é a lex specialis – e
em contrapartida, fazer aplicação da norma universal no caso contrário – porque somente esta
última é oponível ao conjunto das partes em litígio.

As relações entre normas consuetudinárias e outras normas de Direito Internacional :


uma regra costumeira pode entrar em conflito com um ato jurídico unilateral estatal, uma

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recomendação de um organização internacional, um ato interestatal concertado, uma decisão


de organização internacional, uma norma convencional. As soluções a considerar diferem
conforme a norma consuetudinária é anterior ou posterior à outra norma.

1.º Norma costumeira e ato jurídico unilateral estatal: o ato unilateral é inoponível
aos outros sujeitos de Direito e é mesmo ilícito, se a regra consuetudinária for oponível ao
Estado em causa; a regra consuetudinária, anterior ou posterior, prevalece.
247
2.º Norma consuetudinária e recomendação: uma norma consuetudinária posterior,
contrária à recomendação, acarreta desuso desta e portanto prevalece sobre ela. A situação é
mais complexa quando a recomendação é mais recente do que o costume. Nas relações entre o
Estado que invoca a recomendação e os que tiram vantagem do costume – quer tenham voltado
contra a recomendação quer sejam terceiros em relação à organização – a recomendação é
inoponível e é o costume que prevalece porque constitui o único denominador comum. Pode
parecer mais surpreendente chegar à mesma conclusão quando o litígio opõe dois Estados que
votaram a favor da referida recomendação: mas sabemos que os Estados não estão
comprometidos – sob reserva de boa fé – apenas por este voto; eles podem continuar a invocar
o costume contrário. O Estado que aplica o costume contrário à resolução não pode portanto
ver comprometer a sua responsabilidade internacional. Disto não deveria concluir-se que,
inversamente, o Estado que concede a preferência à resolução comete um ato ilícito e
compromete a sua responsabilidade. Não é este o caso, pelo menos nas relações entre Estados
que votaram a favor da resolução.

3.º A fortiori as soluções precedentes impõe-se em caso de incompatibilidade entre


uma norma consuetudinária e um ato concertado não convencional, visto este último não ser –
juridicamente – oponível às partes. Salvo talvez se se demonstrar que este ato concertado
tornou inoponível às partes o costume anterior, aqui ainda em virtude do princípio da boa fé.

4.º O conflito entre uma norma consuetudinária e uma decisão de organização


internacional ou uma convenção só deve ser considerado a propósito de um litígio opondo
Estados membros da organização ou partes na convenção; os outros sujeitos de Direito estão
vinculados unicamente pelo costume e só podem ser-lhes opostos atos jurídicos compatíveis
com este costume. Nos limites da hipótese adotada, é suficiente fazer aplicação do princípio
geral segundo o qual a norma obrigatória mais recente prevalece sobre a mais antiga: se o
costume for anterior, deve ser afastada; se for posterior, prevalecerá sobre a decisão ou a
convenção. Todavia, se não houver dúvida de que as partes num tratado podem postergar a
aplicação de uma regra consuetudinária geral não imperativa nas suas relações inter se, a sua
intenção neste sentido deve ser expressa.

5.º A contradição eventual entre uma regra consuetudinária e um princípio geral de


direito stricto sensu resolve-se necessariamente pela aplicação da regra consuetudinária: como
vimos o Tribunal Internacional de Justiça recusa-se a indagar se existe um princípio geral de
Direito quando já está provado que uma norma consuetudinária é oponível aos Estados em
litigio.

B – Ordem jurídica interna e normas consuetudinárias

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O costume Internacional92: o costume tem, em Direito Internacional, um papel bem maior do


que aquele que tem no domínio do Direito Interno. A ausência de uma autoridade central, a
nível mundial, explica-o, em parte. Mas, mais do que isso, explica-o o próprio contributo decisivo
– fundador – do costume para o nascimento e para o desenvolvimento do Direito Internacional.
Ainda hoje há matérias importantíssimas que continuam reguladas principalmente ou quase só
por costume, com a responsabilidade internacional e as imunidades dos Estados. Assim como
há inelutáveis fatores de efetividade a que estão sujeitas a interpretação e aplicação das normas
criadas por atis internacionais (donde, verdadeiros costumes secundum, praeter e contra 248

tractum). O caminho para a institucionalização não impede a formação de normas


consuetudinárias. Não tem sido tanto ela quanto a “aceleração da história” que tem vindo a
reduzir, sem eliminar, esse papel. De resto, o costume internacional não resulta só da prática
dos Estados (e de outros sujeitos) nas suas relações bilaterais ou multilaterais. Resulta também
da prática que se desenvolva no interior das organizações internacionais (por parte dos
respetivos órgãos ou por eles em relação com os Estados-membros) – o que confirma o que
acabamos de referir. Uma grande parte do Direito interno das organizações internacionais, é,
ele próprio, produto de costume. Um caso paradigmático de costume nestas circunstâncias a
que vale a pena aludir, desse já, é o respeitante ao direito de veto dos membros permanentes
do Conselho de Segurança- De harmonia com o artigo 27.º, n.º3 da Carta das Nações Unidas, as
deliberações do Conselho de Segurança em questões não processuais são tomadas com os votos
afirmativos de nove membros (o Conselho tem quinze), incluindo os votos de todos os membros
permanentes. À letra, isto significa que tanto o voto contrário como a abstenção equivaleriam a
veto. E, no entanto, desde há muito que se verifica não ser tomada a abstenção (nem a ausência)
neste sentido; e não custa apreender as consequências – de maior maleabilidade – que tal tem
produzido nos delicados mecanismos de funcionamento do Conselho e nas relações
internacionais. De todas as classificações de espécies de costume que a doutrina tem proposto
a mais importante vem a ser a que, olhando ao seu âmbito ou aos destinatários, contrapõe
costume geral ou universal e costume particular, em correspondência com a distinção entre
Direito Internacional Universal e Direito Internacional regional. De um lado, pois, costume que
obriga todos ou a grande maioria dos Estados (ou dos sujeitos de Direito Internacional); de outro
lado, costume nascido e aplicável apenas em certo continente ou em certo conjunto de Estados
com afinidades políticas, culturais ou outras. Mas pode adicionar-se um terceiro termo: o
costume local, quase sempre (embora não necessariamente) bilateral, relativo a uma área
geográfica circunscrita, como foi o costume consagrador do Direito de passagem de autoridades
civis portuguesas entre Damão e os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli (no antigo Estado da Índia)
ou como são determinados costumes locais na Europa. Muito discutida é a questão de saber
qual o fundamento do costume. É tudo visto, uma questão que se reconduz à questão de saber
qual o fundamento do Direito Internacional. A posição mais antiga, ligada à doutrina da
soberania, tendia a reconduzir o costume ainda à vontade. O costume seria, na célebre
expressão de Grócio, um pacto tácito: não manifestada a sua vontade em contrário, os Estados
ou os sujeitos de Direito Internacional em geral estariam adstritos a cumprir os deveres
decorrentes de normas consuetudinárias. No século XX, esta doutrina ainda teve afloramento
na escola de Direito Internacional soviética, em reivindicações de países do chamado Terceiro
Mundo e, curiosamente, no artigo 4.º da Constituição Portuguesa de 1933. Mas as doutrinas
voluntaristas estão ultrapassadas e nem sequer fornecem uma base segura para a compreensão
de costumes locais ou bilaterais. O fundamento do costume internacional não pode ser diverso
do de todo o Direito internacional, insistimos. Como qualquer outra manifestação do fenómeno

92
Miranda, Jorge; Curso de Direito Internacional

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consuetudinário, o costume internacional decompõe-se num elemento material – o uso – e num


elemento psicológico – a convicção de obrigatoriedade. O uso exige tempo e repetição de
comportamentos (por ação e por omissão) de diversa natureza: atos diplomáticos, atos de
execução de tratados, leis e atos políticos ou de governo dos Estados, atos no âmbito de
organizações internacionais. Não é possível fixar critérios rígidos de apuramento, embora pareça
mais fácil a observação de atos bilaterais ou multilaterais do que a de atos unilaterais dos
Estados. A convicção de obrigatoriedade reporta-se, claro está, não a qualquer psicologia
coletiva, mas à interpretação funcional e normativa da vontade manifestada por sujeitos de 249
Direito Internacional ou pelos seus órgãos; e depreende-se, antes de mais, da consideração
objetiva dos atos praticados ou deixados de praticar por esses sujeitos (entre os quais o
reconhecimento, o protesto e a notificação). O Tribunal Internacional de Justiça Internacional
consagrou a necessidade da opinio iuris designadamente no Acórdão sobre a Plataforma
Continental do Mar do Norte (1969), mas tem revelado – tal como a doutrina – algumas
oscilações quanto a este ponto. As normas jurídicas de origem consuetudinária e as de origem
convencional possuem o mesmo valor jurídico e, por conseguinte, deve admitir-se, à partida, a
possibilidade de recíproca modificação ou revogação. Em concreto, será muito difícil ou até
impossível verificar-se a revogação de um costume universal por um tratado. Em contrapartida,
as nomras consuetudinárias encontram-se, também elas, subordinadas ao ius cogens e com este
não se confundem, mesmo as de costume universal, visto que:

1.º o ius cogens não pode ser modificado ou afetado por normas consuetudinárias;
2.º o costume postula sempre a prática, o ius cogens impõe-se ainda quando não
haja nenhuma prática, seja no sentido do seu cumprimento, seja noutro sentido.

Importância do Costume no Direito Internacional Contemporâneo 93 : não obstante o


dinamismo da vida internacional tenha dado maior relevância prática aos tratados, o costume
continua a ser a mais importante fonte do Direito Internacional. Ele conseguiu adaptar-se muito
bem às exigências da Comunidade Internacional dos nossos dias, designadamente à aceleração
histórica da época e que vivemos, confirmando a natureza eminentemente evolutiva desta fonte
de Direito. Concretamente, suavizou-se bastante o requisito da antiguidade da prática, o que
tem permitido a formação de novos e diversos costumes em pouco tempo. Por outro lado, se
no Direito Internacional anterior a este século a norma consuetudinária era gerada por poucos
Estados, hoje ela, sobretudo se criada pelo costume geral, é o produto da adesão de muitos
Estados de diferente civilização, cultura e nível de desenvolvimento económico, o que a torna
mais rica de conteúdo. Para a manutenção do caráter vivo do costume como fonte de Direito
muito tem contribuído a jurisprudência Internacional. Como acertadamente observa Jiménez de
Arechaga, se o Tribunal Internacional de Justiça na década de 50 e na primeira metade da década
de 60 se debruçou primordialmente sobre casos relacionados com a interpretação e a aplicação
de tratados, ele, posteriormente, tem tido que julgar litígios ou emitir pareceres em que
sobretudo tem estado em causa a aplicação do costume internacional. Assim aconteceu, de
modo particular, no importante caso relativo Às atividades militares e para-militares na
Nicarágua e contra ela, julgado em 17 julho 1986, onde o Tribunal aplicou regras
consuetudinárias, não obstante elas já estivessem acolhidas na Carta das Nações Unidas. Por
outro lado, apesar do lavor da codificação, de que se falará oportunamente, o Direito
costumeiro continua a reger um conjunto importante de matérias que constituem, por assim
dizer, o núcleo fundamental do Direito Internacional. Ou seja, ele ocupa um lugar de destaque

93
Quadros, Fausto; Direito Internacional Público

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no conteúdo daquilo que atrás chamámos Direito Constitucional Internacional. Daí, aliás, a
tendência legítima para que os tratados codificadores se apliquem a todos os sujeitos do Direito
Internacional independentemente da sua adesão ao tratado.

Noção. Fundamento da obrigatoriedade do costume: o artigo 38.º do Estatuto menciona


na alínea b) do n.º1, entre as fontes do Direito Internacional, «o Costume Internacional como
prova de uma prática geral aceite como sendo de Direito». Desde logo vemos, portanto, que os
elementos do costume em Direito Internacional são os mesmos que já encontrámos ao estudar 250
as fontes do Direito interno: o elemento material, ou seja o uso, e o elemento psicológico, que
consiste na convicção da obrigatoriedade desse uso, e que é designado tradicionalmente pelas
expressões opinio iuris ou opinio iuris vel necessitatis. Tal como no Direito interno, também a
doutrina do Direito Internacional tem discutido o problema de saber qual o fundamento da
obrigatoriedade do costume. E as conceções que a este respeito têm sido sustentadas ligam-se
Às duas grandes posições doutrinárias, ou seja, o voluntarismo e o antivoluntarismo. Assim, a
doutrina tradicional, que remonta a Grócio, vê no costume um pacto tácito. Esta conceção foi
no século passado retomada e ampliada pela doutrina voluntarista, e é, aliás, consequência
necessária dos pressupostos voluntaristas. Embora hoje se encontre em decadência, esta
solução, que pretende encontrar no costume os mesmos elementos que caracterizam o tratado
internacional, e particularmente faze-lo assentar na soberania do Estado, teve grande
acolhimento na doutrina internacionalista soviética anterior à era da Perestroika, como se pode
ver pelo pensamento do Professor Tukkin. A esta doutrina opõe-se a conceção objetivista, e
antivoluntarista, segundo a qual o costume é uma forma espontânea de criação do Direito pela
prática, em relação à qual falham todas as tentativas para reconduzir à vontade do Estado. É
esta segunda doutrina a única que nos parece satisfatória, como aliás resulta das críticas que
atrás fizemos às conceções voluntaristas. A conceção voluntarista, desenhada para explicar o
Direito Internacional Convencional, tentou abranger também o costume internacional. Mas este
é, sem dúvida, o seu ponto mais fraco. Na verdade, a conceção voluntarista do costume é
desmentida pela realidade e pela prática internacional, já que se não exige a intervenção de
todos os Estados na formação do costume. O costume internacional impõe-se como Direito
Comum, quando a convicção da sua obrigatoriedade existir na grande maioria dos Estados; mas,
embora não seja naturalmente possível dizer-se qual a maioria numérica necessária, sempre se
reconhece que o Direito Internacional Comum, de base consuetudinária, se impõe a todos os
Estados, quer tenham ou não participado na sua elaboração. E isto é particularmente nítido
quanto aos novos Estados, que vão encontrando sucessivamente para a Comunidade
Internacional, e que ficam vinculados, independentemente de aceitação, ao Direito
Internacional Comum, sem prejuízo de se ter de reconhecer que muitos deles têm
desempenhado um pape ativo na alteração de muitas das regras já constantes do costume
internacional. Aliás, o costume internacional não impõe apenas deveres a estes novos Estados:
também lhes reconhece direitos. E os autores que sustentem a teoria voluntarista do costume
aceitariam a sua consequência necessária, de que os novos Estados não beneficiam dos direitos
que o Direito Internacional reconhece a todos os Estados e não poderiam, por exemplo, navegar
livremente no alto mar? Na verdade, o princípio da liberdade dos mares, que é decerto um dos
mais antigos princípios consuetudinários do Direito Internacional Comum, pode servir de bom
exemplo para a demonstração do infundado da tese voluntarista: pois esse costume não se
baseia na prática de todos os Estados, já que historicamente derivou de um entendimento entre
apenas os Estados com larga capacidade de navegação marítima. Mas, impõe-se, sem dúvida,
aos novos Estados, independentemente da sua aceitação. Vemos, assim, que a conceção que
reduz o costume a um pacto tácito é uma mera consequência dos pressupostos voluntaristas, e

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deve ser rejeitada como explicação dos costumes gerais. Quando muito, poderá valer em
relação a costumes locais, entre poucos, ou mesmo entre dois Estados, mas então o seu valor
explicativo é nenhum. Em resumo, ao rejeitar a explicação voluntarista do costume só cabe
reafirmar que o fundamento da obrigatoriedade do costume é o mesmo fundamento da
obrigatoriedade do Direito Internacional em geral. E, se tivermos conseguido uma solução
satisfatória para este problema, de que tratámos atrás, dela resultará também a explicação do
fundameno da obrigatoriedade do costume. Notemos finalmente que a fórmula do artigo 38.º
do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça é particularmente infeliz, já que parece 251
distinguir entre o costume, por um lado, e a norma jurídica, por outro, sendo aquele uma mera
prova da existência desta. Ora a Teoria Geral do Direito não põe já em dúvida que o costume,
interno ou internacional, não é a prova de uma norma jurídica, mas é o próprio modo de
formação da norma, que não existe independentemente do uso e da opinio iuris. Teria sido mais
uma razão a indicar aos autores daquele Estatuto a convivência em definirem o costume como
fonte do direito Internacional.

Secção II – Os Princípios Gerais de Direito

1.º - A natureza jurídica dos princípios gerais de Direito

Uma fonte direta e autónoma: retomando os termos do artigo 38-III do Estatuto do Tribunal
Penal de Justiça Internacional, o artigo 38.º, n.º1, alínea c, do Estatuto do Tribunal Internacional
de Justiça dispõe que o Tribunal aplica «os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações
civilizadas».

1.º A redação dos princípios gerais de direito a outras fontes de Direito Internacional:
a) O caráter diretamente aplicável foi posto em questão pelos autores
voluntários. Sem negar o valor jurídico destes princípios, eles pretendem
que só na sequência de uma autorização convencional expressa, que deve
intervir em cada caso, podem aplicar-se nas relações internacionais. Assim,
quando o artigo 38.º, n.º1, alínea c) do Estatuto do Tribunal Internacional
de Justiça prescreve ao Tribunal que recorra aos princípios gerais de Direito,
esta prescrição só se dirige a este Tribunal e somente a este. Outras
jurisdições ou tribunais arbitrais podem também, e individualmente,
receber tal autorização. Mas, enquanto nenhum acordo estiver concluído a
este respeito, os princípios gerais de Direito não se impõem nem aos Estados,
nem aos juízes, nem aos árbitros, pois não constituem uma fonte primária
de Direito Internacional da qual podem nascer diretamente regras positivas.
Eles têm caráter obrigatório, em cada caso, não pela sua própria força, mas
por intermédio da convenção de autorização. Foi a própria noção de
princípios gerais de Direito que motivou esta tomada de posição. Estes são,
com efeito, as primeiras propostas obtidas por um lento trabalho de indução,
das regras particulares da ordem jurídica. Pela via dedutiva, podem, depois,
ser aplicados a situações concretas que não são expressamente reguladas
pelo Direito positivo. Existiria portanto uma total incompatibilidade entre o

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caráter diretamente obrigatório destes princípios e o conceito de um Direito


consensual. Contudo, a sua utilização como fonte direta de Direito
Internacional resulta de uma prática antiga e constante. Estes princípios
foram assim explicitamente reconhecidos como uma fonte direta de Direito
Internacional, independentemente de qualquer autorização convencional.
b) Certos autores recusam-se a ver nos princípios gerais de Direitos uma
“terceira” fonte, distinta do costume ou da convenção. Era esta a opinião de
Georges Scelle, que os confundia completamente com os costumes gerais e 252
os integrava no Direito consuetudinário. Esta foi também a opinião soviética
dominante, tal como foi formulada por G. Tunkin. Estas posições explicam-
se, mas assentam numa confusão: o que visam na realidade estes autores
são os princípios gerais de Direito Internacional, isto é as regras gerais
deduzidas do espirito dos costumes e das convenções em vigor; por isso
mesmo estas regras dependem efetivamente do Direito consuetudinário;
mas devem distinguir-se claramente dos princípios gerais de Direito.

2.º Os princípios gerais de Direito, fonte autónoma de Direito Internacional: a


negação de uma existência independente dos princípios gerais de Direito colide com a letra do
artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça que, visando expressamente estes
princípios ao lado e para além das outras fontes – as convenções e os costumes -, consagra sem
ambiguidade a sua autonomia respetiva. Mas, se não são de origem nem costumeira nem
convencional, de onde derivam eles?

a) Para determinar a proveniência exata destes princípios, é necessário


voltarmos para os trabalhos preparatórios do artigo 38.º do Estatuto do
Tribunal Penal de Justiça Internacional. Em 1920, os redatores dessa
disposição fizeram questão em não ficar aquém dos redatores do artigo 7.º,
alínea 2 da Convenção XII de Haia que atribuía ao Tribunal Internacional de
Presas o poder de decidir, se fosse caso disso, «de acordo com os princípios
gerais de justiça e da equidade». Fórmula incondicional que acabava por
habilitar os juízes a «fazerem o direito», conforme a própria expressão do
seu relator. É para evitar a consagração de qualquer poder «criador» ou
«normativo» desta natureza que o artigo 38.º exige que que se trate de
princípios gerais já «reconhecidos pelas nações civilizadas». Segundo as
explicações fornecidas pelos membros da Comissão de Juristas, trata-se
essencialmente dos princípios de Direito Interno, vigentes in foro domestico.
O poder concedido ao juiz não passa de um poder de verificação de
princípios estabelecidos, já existentes nas ordens jurídicas nacionais. Esta
interpretação é atualmente admitida pela opinião dominante, que adota
portanto a interpretação restritiva da noção de princípios gerais de Direito.
b) É certo que uma interpretação mais lata da noção beneficiou e continua a
beneficiar do apoio de uma doutrina eminente. J. Basdevant achava legítimo
considerar como um princípio geralmente adotado por sistemas de Direito
Internacional particular, ou por regras ou práticas nacionais referentes Às
relações internacionais, mesmo que não tenha ainda sido incorporado, por
um processo consuetudinário, no Direito Internacional geral. Com efeito
seria concebível ir procurar estes princípios a certos direitos regionais não
os encerrando no quadro dos precedentes nacionais.

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c) Certos autores vão mais longe e consideram que os princípios de Direito


podem derivar tanto da ordem internacional como das ordens internas
(Rousseau). Segundo o professor Rousseau, esta interpretação do artigo
38.º., n.º1, alínea c), é gramaticalmente correta, visto que esta disposição
emprega o termo «direito» sem epíteto. O inconveniente desta solução é
que proíbe reconhecer a especificidade dos princípios gerais de direito como
fonte, na medida em que as regras de origem internacional se confundirão
com o costume ou a convenção. 253

Uma fonte primária e supletiva: para muitos autores, a utilidade do artigo 38.º, n.º1, alínea
c), e o recurso aos princípios gerais de direito reduz-se a colmatar algumas lacunas do Direito
consuetudinário e convencional ou a evitar os impasses de uma aparente lacuna jurídica. Estes
princípios constituiriam assim uma fonte não somente supletiva mas também subsidiária do
Direito Internacional. Segundo a opinião dominante, o artigo 38.º, n.º1, alínea c), é uma
consequência necessária das limitações da função jurisdicional internacional. Diversamente do
juiz interno, que pode e deve decidir mesmo em caso de silêncio da lei, o juiz internacional não
poderia fazê-lo sem habilitação expressa dos sujeitos do Direito Internacional. Na ausência de
uma resposta convencional ou consuetudinária ao litígio que lhe é submetido, o juiz ou o árbitro
deveria pronunciar o non liquet, reconhecer que lhe é impossível cumprir a sua missão. O
recurso aos princípios gerais de Direito autorizá-lo a decidir, sem sair do Direito positivo. Para
outros autores, que recusam a ideia de lacunas do Direito – porque se resolveriam numa
competência discricionária dos Estados (princípio da independência) – o artigo 38.º, n.º1, alínea
c), teria por função reduzir o campo de aplicação desta competência discricionária, para além
do que é oponível aos Estados em causa com base nas regras convencionais ou consuetudinárias.
Não deveria, aliás, deduzir-se da tese precedente que os princípios gerais de Direito são
suscetíveis de resolver todos os problemas suscitados pela ausência de regras consuetudinárias
e convencionais. Nada na natureza destes princípios permite tal conclusão. Que se trate de uma
fonte supletiva é indiscutível. O juiz internacional como os agentes estatais, invocam em
primeiro lugar, podendo-o, regras consuetudinárias e convencionais em apoio das suas
demonstrações. Esta era também a opinião do comité de Juristas encarregado de elaborar o
projeto do Estatuto do Tribunal Penal de Justiça Internacional. Solução razoável pois as regras
consuetudinárias e convencionais têm uma existência mais fácil de estabelecer e um conteúdo
menos aleatório. A ordem estabelecida pela enumeração do artigo 38.º do Estatuto e portanto
uma ordem sucessiva «de tomada em consideração«. Tratar-se-á então de uma fonte subsidiária
ou secundária? Será necessário reconhecer uma hierarquia entre as fontes visadas no artigo
38.º? Se numerosos autores sustentaram esta tese, foi porque tinham em mente a aplicação
dos princípios gerais de Direito pelo juiz ou pelo árbitro internacional com uma autorização
convencional. Mas vimos mais atrás que esta visão estreita das coisas não corresponde à
realidade: os tribunais internacionais aplicam sem hesitar os princípios gerais mesmo na
ausência de uma habilitação – o fenómeno é evidente no que respeita ao Tribunal de Justiça das
Comunidades Europeias, que não se contenta com as hipóteses de responsabilidade contratual
evocadas pelo artigo 215.º do Tratado de Roma na busca dos princípios gerais comuns aos
direitos dos Estados Membros, e os sujeitos de Direito Internacional invocam-nos fora de
qualquer contencioso. Em segundo lugar, admitir com Guggenheim que «a introdução dos
princípios gerais de direito, como fonte particular de direito das gentes, tem uma razão jurídico-
politica. Trata-se de estender o poder do juiz internacional restringindo o poder discricionário
dos sujeitos de Direito, poder baseado no princípio do Direito consuetudinário que reconhece a
independência dos Estados». Equivale a reconhecer a mesma eficácia tanto a um princípio geral

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de Direito como a um princípio consuetudinário. Não existe assim subordinação do primeiro ao


segundo.

2.º - A aplicação dos princípios gerais de Direito

254
Princípios comuns às ordens jurídicas nacionais:
1.º Só podem ser transpostos para a ordem jurídica internacional os princípios
comuns aos diferentes sistemas jurídicos nacionais. É necessário e suficiente que um princípio
interno na maior parte dos sistemas jurídicos, não em todos. Serão portanto afastados os
princípios próprios a este ou àquele país, assim como os que são aplicados apenas por «cetos
sistemas de Direito Interno». Será necessário recusar a priori certos sistemas jurídicos por não
corresponderem à ideia de «nações civilizadas», conforme a letra do artigo 38.º do Estatuto?
Esta fórmula, além de muito envelhecida, para não dizer obsoleta, é supérflua no caso do
Tribunal Internacional de Justiça. A composição deste Tribunal, baseada na «representação das
grandes formas de civilização e dos principais sistemas jurídicos do muno», é em si uma garantia:
pode-se admitir que a generalidade de um princípio de Direito interno está suficientemente
estabelecida se for considerada como tal por estes juízes.

2.º Se se pudesse admitir que, no quadro universal, a generalidade é suficiente, ser-


se-ia tentado a pensar que, tratando-se de relações num círculo restrito de Estados, a
unanimidade tende a impor-se. Este raciocínio, apoiado na analogia com a jurisprudência sobre
os costumes regionais, nem sempre se verificou.

Princípios transponíveis para a ordem jurídica internacional: nem todos os princípios


comuns aos sistemas jurídicos nacionais são aplicáveis na ordem internacional. Impõe-se para
mais que sejam transponíveis. Neste sentido, só podem sê-lo aqueles que sejam compatíveis
com as características fundamentais da ordem internacional; o que obriga o juiz ou o árbitro
internacional a um exame para cada caso. Para Anzilotti, o método básico do raciocínio é a
analogia. Mas não se trata de uma analogia cega, é necessário ter constantemente em conta as
diferenças de estruturas entre o Direito interno e o Direito Internacional. A ideia de
transponibilidade pode ter uma outra incidência: quando vários princípios gerais de Direito
estão em concorrência para a solução de um problema, parece lógico dar preferência àquele
que está melhor adaptado à ordem jurídica internacional em detrimento do que beneficia da
maior generalidade nas ordens jurídicas internas.

Os princípios gerais de Direito consagrados pela jurisprudência internacional : é difícil


elaborar uma sua lista exaustiva, pois os tribunais internacionais, quando aplicam um princípio
geral de Direito, adquiriram o hábito de não esclarecerem se tal princípio é daqueles previstos
pelo artigo 38.º, n.º1, alínea c) do Estatuto. Do mesmo modo, se a jurisprudência do Tribunal de
Justiça das Comunidades Europeias é muitas vezes explicitada pelas conclusões do advogado
geral, dá origem a frequentes hesitações entre a natureza costumeira e a qualificação de
princípio geral de direito a uma determinada regra… Podemos, de maneira pragmática,
distinguir algumas grandes categorias:

a) Princípios relacionados com o conceito geral de Direito:


a. Abuso do direito e princípio da boa fé;

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b. Ninguém pode impor o seu próprio erro;


c. Qualquer violação de um compromisso envolve a obrigação de reparar
o prejuízo sofrido;
d. Princípios de segurança jurídica e do respeito da confiança legítima.
b) Princípios de caráter contratual transpostos para a matéria dos tratados:
a. Princípio do efeito útil;
b. Princípios relativos aos vícios do consentimento e à interpretação;
c. Força maior; 255
d. Prescrição liberatória, segundo a doutrina dominante.
c) Princípios relativos ao contencioso da responsabilidade:
a. Princípio da reparação integral do prejuízo;
b. Juros de mora;
c. Exigência de um elo causa-efeito entre o facto gerador da
responsabilidade e o prejuízo sofrido.
d) Princípios processuais contenciosos:
a. Força do caso julgado;
b. Ninguém pode ser juiz e parte em causa própria;
c. Igualdade entre as parte;
d. Respeito dos direitos da defesa.
e) Princípios do respeito dos direitos do indivíduo:
a. Proteção dos direitos fundamentais;
b. Proteção específica dos direitos dos agentes públicos.
f) Princípios incidindo sobre o regime dos atos jurídicos: além das implicações do
princípio da segurança jurídica, evocado mais atrás, pode-se salientar na
jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias o recurso a
princípios relativos ao efeito intertemporal dos atos jurídicos, ao recesso dos
atoas administrativos criadores de direitos, ao «equilíbrio dos interesses em
presença».

Uma renovação dos princípios gerais de Direito?


1.º Nas matérias clássicas do Direito Internacional geral, envolvendo sobretudo as
relações interestatais, o lugar dos princípios gerais é pouco significativo e não pode deixar de
reduzir-se ainda mais: por um lado, em virtude da heterogeneidade crescente da sociedade
internacional pois na coexistência atual de Estados com regimes económicos e sociais
divergentes, de nível desigual de desenvolvimento, é mais difícil encontrar princípios comuns
aos Direitos nacionais com alcance universal. A reunificação ideológica do mundo pode todavia
inverter esta tendência. Por outro lado, como estes princípios constituem uma fonte transitória
e recessiva do Direito Internacional, a sua repetida aplicação transforma-os em normas
consuetudinárias. Os princípios não desaparecem, são mascarados por normas costumeiras
tendo o mesmo conteúdo.

2.º Em contrapartida, verificam-se novos apelos aos princípios gerais de Direito em


novos domínios das relações internacionais, em que os problemas têm de ser resolvidos sem
que se possam invocar precedentes internacionais. O recurso a princípios derivados dos Direitos
internos é tanto mais natural, quanto maior for nestes domínios a aproximação das situações
internacionais às que prevalecem no interior dos Estados. Observa-se isto, em especial, no
quadro das organizações internacionais. Os fatores de analogia multiplicam-se porque estas se
inspiram em parte nos modelos estatais no que respeita às modalidades de exercício das suas

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competências, aos seus meios de ação e às suas regras de funcionamento (regulamentos das
assembleias parlamentares, Direito da função pública, Direito dos contratos). Esta aproximação
pode também observar-se nas relações entre pessoas provadas e sujeitos de Direito
Internacional, quer se trate de Direitos individuais em matéria contenciosa quer do regime dos
contratos transnacionais.

256
Secção III – A Equidade

Equidade e ordem jurídica internacional: ao reconhecer ao Tribunal Internacional de Justiça


a «faculdade» de decidir ex aequo et bono, o n.º2 do artigo 38.º do seu Estatuto introduz a
questão da equidade. Aparentemente existe uma contradição fundamental entre as estruturas
da sociedade internacional, apoiadas na soberania do Estado, e um poder tão exorbitante
concedido ao juiz. No entanto os Estados não hesitam em fazer referência a isso nos
instrumentos mais solenes, tendo em vista a resolução pacífica dos seus conflitos. Será porque
a equidade não teria em Direito Internacional o mesmo alcance que em Direito interno, ou
porque ela só pode ser aplicada com o acordo das soberanias em presença? Para clarificar a
resposta a esta questão, é necessário dissociar as hipóteses em que a equidade é aplicada pela
vontade expressa das partes e aquelas em que o recurso à equidade é justificado por
considerações de boa fé nas relações entre os sujeitos de Direito ou de boa administração da
justiça, sem que seja exigido um consentimento expresso.

1.º - O recurso à equidade com o acordo das partes

As cláusulas de julgamento segundo a equidade: cláusulas especiais denominadas


cláusulas de julgamento segundo podem figurar nos compromissos pelos quais as partes
recorrem ao juiz ou árbitro, sobretudo naqueles relativos aos litígios de ordem territorial ou que
incidam sobre a responsabilidade. Mais frequentes no passado do que na época contemporânea,
nas relações interestatais, estas cláusulas são formuladas de modo diverso. Elas exigem aos
juízes que decidam quer «de acordo com os princípios do direito e da equidade», quer «ex aequo
et bono». Esta última fórmula é a utilizada pelo artigo 38.º, n.º2 do Estatuto do Tribunal
Internacional de Justiça. Embora certos autores considerem que estas cláusulas diversas não
têm o mesmo alcance, não parece que haja lugar para a distinção entre elas. A solicitação para
resolver conflitos recorrendo, se necessário, à equidade continua a ser, em contrapartida, uma
prática corrente nos contratos «internacionalizados», concluídos por Estados com sociedades
estrangeiras. Evidentemente, quando está autorizado a decidir segundo a equidade, o juiz
poderá pelo menos recorrer à equidade para preencher as lacunas do direito, resultantes de
uma ausência total de regras aplicáveis. Indo mais longe poderá o juiz ou o árbitro, com base na
equidade, afastar a aplicação do direito positivo e, decidindo contra legem, elaborar a solução
do litígio independentemente das regras em vigor? Numerosos autores recusa aderir a esta tese
e consideram que nenhuma cláusula pode atribuir ao juiz poderes tão extensos e que deturpam
completamente a função jurisdicional. A posição que adotaria o Tribunal Internacional de Justiça
– é necessário falar no condicional porque ainda nunca foi solicitado nestas condições – é difícil
de prever. É certo que o Tribunal exigirá uma habilitação muito clara, no que se refere às partes,

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senão mesmo a referência expressa ao artigo 38.º, n.º2 do seu Estatuo. Segundo o Tribunal
Penal de Justiça Internacional o poder «de natureza absolutamente excecional que as partes lhe
concederiam «de estabelecer um regulamento que abstraísse dos direitos reconhecidos por ele
e só envolvesse considerações de pura oportunidade… deveria resultar de um texto positivo e
claro que não se encontra no compromisso» 94 . Mas adquirida esta base, o Tribunal parecia
admitir uma total liberdade de juízo sem referência ao direito positivo – e mesmo, na
circunstância, contra a autoridade de caso julgado. Da mesma maneira, o Tribunal Internacional
de Justiça admitiu o princípio de uma solução ex aequo et bono no seu acórdão de 1966, 257
Sudoeste africado. A jurisprudência recente do Tribunal parece confirmar as indicações
anteriores: desde que a habilitação para decidir segundo a equidade não seja de uma evidência
solar, o Tribunal abster-se-á de proceder contra legem e mesmo de decidir praeter legem; se a
habilitação for indiscutível, o Tribunal «já não teria que aplicar estritamente regras jurídicas,
tendo por fim alcançar um regulamento adequado». Isto pode significar o exercício de um certo
poder discricionário e o recurso à «justiça distributiva». A fórmula adotada pelo Tribunal em
1982 mostra bem que aqui a equidade não é uma fonte de direito, mas um sistema de referência
de uma resolução jurisdicional dos conflitos internacionais. Quando a equidade substitui o
Direito, não parece nada lógico considera-la uma fonte de Direito Internacional. Não se tornará
então difícil distinguir a equidade e a noção de composição conciliadora? Mesmo admitindo-se
que o poder de decidir ex aequo et bono não e confunde com a ideia de decidir
«equitativamente», que vai mais além, é certo que a equidade «procede diretamente da ideia
de justiça», ao passo que a composição conciliadora pode fazer prevalecer considerações de
conveniência e de oportunidade.

A remissão do Direito convencional para a equidade: não fazendo da equidade o motor


da resolução de conflitos, os Estados preferem fazer dela um guia para a aplicação do Direito.
Basta-lhes remeter para a equidade ou para «princípios equitativos» na definição convencional
das normas ou instituições jurídicas. De simples «faculdade», o recurso à equidade torna-se uma
obrigação jurídica e a equidade identifica-se com a regra de Direito. Ela aplica-se agora
normalmente, de modo direto e não já a titulo supletivo. Mas o que ela ganha em
automaticidade, não o perderá no alcance jurídico? Com efeito, se é uma fonte de Direito, não
passa de uma fonte indireta e derivada. Este tipo de remissões convencionais é cada vez mais
frequente. A divisibilidade das cláusulas de um acordo é aceitável, quando algumas delas
incorrem em nulidade, na condição de que não seja «injusto continuar a executar o que subsiste
do tratado», segundo o artigo 44.º, n.º3, alínea c) CVDT. Será que a referência expressa a
«princípios equitativos» modifica de maneira sensível a solução jurisdicional ou amigável dos
conflitos? A resposta deve, de momento, ser procurada por analogia com as soluções obtidas as
hipóteses em que se faz apelo à equidade sem o acordo expresso das partes.

2.º - O recurso à equidade sem o acordo expresso das partes

Uma presunção de equidade? De uma maneira geral, a equidade é uma «qualidade do


direito» que impregna todas as regras do Direito Internacional. Nesta qualidade, ela impõe em
grande medida qualquer interpretação das normas internacionais. Por conseguinte e por
definição, não permite afastar a aplicação de regras de Direito. O Tribunal Internacional de

94
Disposição de 6 de dezembro 1930, Zonas francas, série A, n.º 24, p. 10

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Justiça confirmou este ponto de vista de maneira muito clara no caso da Plataforma Continental
do Mar do Norte: «Qualquer que seja o raciocínio jurídico do juiz, as suas decisões devem por
definição ser justas, portanto, nesse sentido, equitativas». Encontra-se outra ilustração disso no
comentário de um projeto de artigos da Comissão de Direito Internacional: «De facto, o princípio
da equidade é mais um fator de equilíbrio, um elemento corretivo destinado a preservar o
caráter racional do elo de ligação entre os bens móveis do Estado e o território. A equidade
permite interpretar da maneira mais judiciosa a noção de «bens… ligados à atividade do Estado
predecessor em relação ao território…» e dar-lhe um sentido aceitável. Deverá chegar-se até à 258
correção das regras de Direito quando a sua aplicação conduz a um resultado contrário ao
sentimento de justiça? Admitir que considerações de equidade podem levar a afastar as regras
de Direito seria contrário ao princípio elementar da segurança jurídica. Tais considerações
podem certamente inspirar reivindicações políticas que, por sua vez, podem estar na origem de
novas normas jurídicas, mas a equidade só pode substituir o Direito positivo se as partes em
litígio o consentirem.

Remissão do Direito consuetudinário ou de princípios gerais de Direito para a


equidade:
1.º Ilustrações da hipótese: no caso da Plataforma Continental do Mar do Norte, o
Tribunal Internacional de Justiça decidiu que, segundo uma regra consuetudinária cuja
existência verificou, a delimitação da plataforma continental entre Estados deve efetuar-se por
acordo segundo princípios equitativos. Pouco depois, sempre uma base consuetudinária,
considerava que as partes têm a obrigação mútua de encetar negociações de boa fé para
chegarem à solução equitativa das suas divergências relativas aos direitos de pesca respetivos.
Está assente em particular que, se o Direito Internacional comporta regras bastante exatas sobre
as condições de atribuição da responsabilidade internacional, não é explicito sobre a fixação do
montante da indemnização. Nestas condições, os juízes e os árbitros são frequentemente
levados a proceder a uma avaliação equitativa do montante das indemnizações devidas. O
Tribunal Internacional de Justiça aprovou esta atitude. Como na hipótese da remissão à
equidade pelo Direito Convencional existe aqui obrigação jurídica de recorrer à equidade; e a
equidade, identificando-se com a regra de direito, é uma fonte de Direito.

2.º Natureza jurídica desta equidade “complementar”: os pareceres encontram-se


divididos. Para uns, representa princípios de justiça que não devem confundir-se com o Direito.
Para outros, em tais circunstâncias, os princípios da equidade aplicáveis são verdadeiros
princípios de Direito. A segunda posição está mais de harmonia com as conclusões a que se
chegou a propósito da remissão convencional para a equidade. Ela é corroborada pela
jurisprudência recente do Tribunal Internacional de Justiça no caso da Plataforma Continental
Tunísia-Líbia: «A noção jurídica de equidade é um princípio geral diretamente aplicável
enquanto direito - … (O Tribunal) deve aplicar os princípios equitativos como parte integrante
do Direito Internacional e pesar cuidadosamente as diversas considerações que julgar
pertinentes, de maneira a conseguir um resultado equitativo». A equidade é portanto pelo
menos o fundamento formal de regras internacionais; por vezes é a própria substância destas
regras, em especial através dos «princípios equitativos» do Direito do mar contemporâneo.
Reencontra-se então a dualidade de natureza observada a propósito da norma convencional e
da norma consuetudinária. Todavia, será preciso ver-se na equidade uma fonte autónoma de
Direito? Não parece necessário chegar tão longe enquanto a equidade não constituir a própria
substância da norma internacional. Devendo o Direito positivo e a equidade completar-se
reciprocamente, podemos considerar a regra da equidade, não como uma regra acessória, um

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meio de interpretação das outras regras de Direito. Não é senão uma fonte derivada, indireta,
«segunda» do Direito Internacional. A equidade pode intervir «como princípio suplementar de
decisão nos casos em que o Direito positivo permanece silencioso». Esta solução tem o mérito
de limita a subjetividade do juiz e do árbitro que só podem procurar a equidade nos limites
razoáveis da regra geral e objetiva que aplicam.

259

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Capítulo II – Os modos de formação voluntários

Observações gerais: ao lado dos atos concertados convencionais, cujo lugar notável no Direito
Internacional contemporâneo já foi sublinhado, a prática e a jurisprudência internacional
reconhecem a existência de outras categorias de instrumentos jurídicos e a sua contribuição
para a formação do Direito Internacional. Atos jurídicos que se distinguem dos tratados seja pelo
260
seu caráter unilateral, seja pela sua autonomia em relação ao Direito dos Tratados. Apesar da
sua diversidade formal, os atos aqui estudados têm uma característica comum: trata-se sempre
de uma expressão de vontade num sujeito do Direito Internacional, tendente a criar efeitos de
Direito. Todavia, como são difíceis de relacionar com fontes formais tradicionais de Direito
Internacional, visto a sua «normatividade» ser muitas contestada, estes instrumento estão no
centro de uma controvérsia sobre o seu verdadeiro papel na elaboração do Direito. Apesar de
todas estas ambiguidades, é necessário estudá-los aqui na medida em que é contestada a sua
integração nas fontes do Direito Internacional. Convém igualmente manter a distinção entre
atos unilaterais e atos concertados, pois a sua oponibilidade aos sujeitos de Direito põe-se em
termos diferentes, o que não pode deixar de influir no seu papel na elaboração do Direito
Internacional.

Secção I – Os atos unilaterais

Definição de ato unilateral: por ato unilateral deve entender-se o ato imputável a um único
sujeito de Direito Internacional. O crescimento espetacular desta categoria de atos está
evidentemente relacionado com a multiplicação de sujeitos de Direito. Durante muito tempo
limitada aos atos unilaterais dos Estados, compreende agora a massa impressionante dos atos
provenientes de organizações internacionais. Num mundo de coexistência das soberanias
estatais, os atos das organizações relançam a controvérsia sobre o alcance jurídico e a
oponibilidade dos atos unilaterais aos Estados. A propósito dos atos estatais, os raciocínios que
se apoiam no princípio da soberania, não podem ser pura e simplesmente transpostos para o
caso dos atos das organizações internacionais: é preciso ter em conta a competência limitada
das organizações e o facto de que estes atos atingem os Estados ora como membros da
organização («atos autonormativos»), ora como sujeitos autónomos («autos
heteronormativos»); a oponibilidade dos atos unilaterais das organizações depende de um jogo
de elementos mais complexos do que na hipótese dos atos unilaterais.

1.º - Os atos unilaterais dos Estados

A – Noção

Consagração dos atos unilaterais estatais pelo Direito Internacional : embora o artigo
38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça não lhe faça menção, a exist~encia de atos

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pelos quais um Estado, agindo sozinho, exprime a sua vontade e que produzem efeitos em
Direito Internacional é indiscutível. Para que assim seja, é necessário – como para qualquer
outro ato jurídico – que sejam demonstradas a imputabilidade do ato a um Estado, atuando nos
limites da sua capacidade, e uma publicidade suficiente da vontade do Estado. Não é necessário,
pelo contrário, que se estabeleça qualquer aceitação do compromisso unilateral pelos outros
sujeitos de Direito. Os tribunais internacionais não se detêm na diversidade das manifestações
desta vontade, visto que a intenção estatal é – ou pelo menos parece – manifesta. Estes
admitem que os atos unilaterais podam emanar da autoridade legislativa ou do executivo, 261
dirigir-se aos Estados mas também à opinião pública nacional e tomar uma forma mais ou menos
solene.

Conceção restrita: os atos unilaterais autónomos:


1.º O conjunto da doutrina admite como atos unilaterais as manifestações
unilaterais de vontade, emitidas sem o menor vínculo com um tratado ou um costume. Tais atos
satisfazem a condição de autonomia visto que a sua validade não depende da sua
compatibilidade com outro ato jurídico, unilateral, bilateral ou multilateral.

2.º É regra esta categoria de atos unilaterais que uma classificação material é mais
fecunda. Podemos distinguir em geral os principais tipos seguintes:

1. A notificação: é sempre um «ato-condição», na medida em que


condiciona a validade de outros atos. (Os Estados procedem a
numerosas notificações sem terem sido solicitados por um tratado, nem
serem obrigados pelo Direito Consuetudinário, mas com a preocupação
de acelerar a oponibilidade das suas reivindicações aos outros Estados
– delimitação dos espaços marítimos por exemplo.);
2. O reconhecimento: ato pelo qual o Estado verifica a existência de certos
factos (aparecimento de um Estado, efetividade de um governo) ou de
certos atos jurídicos (nacionalidade concedida a um indivíduo por um
Estado, convenção concluída entre terceiros) e admite que lhe são
oponíveis. Explícito ou implícito, é sem dúvida o mais importante e o
mais frequente dos atos unilaterais;
3. O protesto: constitui uma vertente negativa do reconhecimento; trata-
se de um ato pelo qual o Estado reserva os seus próprios direitos face
às reivindicações de outro Estado ou contra uma regra em vias de
formação. Poderá assim impedir que uma regra consuetudinária lhe seja
oponível. Pelo contrário, uma falta de protestos inequívoca equivale a
reconhecer os direitos dos outros Estados ou a validade de uma situação
originariamente contestável;
4. A renúncia: tem um significado diferente; não são os atos ou os direitos
dos outros Estados que estão em causa, mas os do Estado que renuncia.
Em conformidade com o princípio segundo o qual «as limitações à
independência não se presumem», as renúncias devem ser expressas e
não se presumem;
5. Diversamente dos atos unilaterais precedentes, que incidem sobre
fatos ou atos existentes, a promessa (ou a garantia) dá origem a novos
direitos em proveito de terceiros.

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3.º A exigência de autonomia do ato unilateral, admitida pelos partidários da


conceção restrita, acaba por restringir sensivelmente o número dos atos unilaterais estatais.
Desde que nos coloquemos não tanto na perspetiva das fontes formais do Direito quanto na da
formação do Direito Internacional, a exigência de autonomia já não constitui um critério
necessário de delimitação dos atos unilaterais. Renunciar-se-á a esse critério tanto mais
facilmente quanto é certo ele não possuir o rigor desejável, visto que os autores que lhe são
favoráveis não estão de acordo entre si quanto à lista dos atos unilaterais que respondem à
exigência de autonomia. 262

Conceção lata: os atos unilaterais ligados a uma prescrição convencional ou


consuetudinária: como acabamos de dizer, nenhuma objeção séria pode contrapor-se a uma
definição lata da categoria dos atos unilaterais, se não se nos colocarmos no terreno das fontes
de Direito. Com efeito, os atos unilaterais estatais desempenham um papel decisivo para a
elaboração e a aplicação do Direito Convencional e Consuetudinário.

1.º A competência do Estado para realizar certos atos é-lhe muitas vezes conferida
por um acordo no qual é parte. Assim acontece na adesão ao tratado, na denúncia ou no recesso
regulamentados, e nas reservas a este tratado. Da mesma maneira, por declaração unilateral
baseada no artigo 36.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, os Estados podem
aceitar a jurisdição obrigatória do Tribunal. Esta aceitação permitir-lhes-á solicitar
unilateralmente o Tribunal Internacional de Justiça nos diferendos que os oponham a outros
Estados que tenham dado o mesmo acordo. Podem multiplicar-se os exemplos de tais
solicitações. A combinação de um tratado e de um ou vários atos unilaterais é uma solução
corrente. Ela contribuirá para completar o compromisso convencional evitando consagrar,
abertamente, as discriminações entre as partes. A convergência do ato convencional e do ato
unilateral pode também visar a confirmação do caráter objetivo e oponível a todos do tratado
em causa: a declaração substitui neste caso a adesão formal. Alem disso o ato unilateral
prolongará os efeitos no tempo do ato convencional. É um processo frequentemente utilizado
para os acordos de controlo dos armamentos estratégicos: este método permite conciliar a
vontade dos Estados de só tomarem compromissos experimentais e a curto prazo, e a sua
preocupação de não criarem soluções de continuidade quando a negociação do novo acordo se
arrasta muito. Um ato unilateral do Estado pode também dar «existência jurídica» ao conteúdo
de um tratado que não está em vigor, ou porque já o deixou de estar, ou por não o estar ainda.

2.º As relações entre o costume e os atos unilaterais são igualmente muito


numerosas. Os atos unilaterais podem fornecer precedentes constitutivos de regras
consuetudinários; são também a consequência de regras costumeiras habilitando os Estados a
exercer certas competências. É em virtude de um costume, ele próprio derivado do princípio da
soberania do Estado, que este pode – de maneira unilateral – regulamentar a outorga da
nacionalidade e distinguir entre os seus nacionais e os estrangeiros, ou determinar a largura do
seu mar territorial e delimitá-la. Na condição de respeitar os limites fixados pelas regas
costumeiras pertinentes, a decisão do Estado é oponível aos outros sujeitos de Direito.

3.º Cada vez com mais frequência, os atos unilaterais dos Estados incidem sobre o
conteúdo de resoluções de organizações internacionais. Quer façam uso de uma habilitação
fornecida por tais resoluções, quer se comprometam a respeitar as suas prescrições. Tais
compromissos unilaterais transformam uma recomendação em ato obrigatório se forem
expressos antecipadamente, e tornam uma recomendação oponível aos Estados que a
aceitarem após a sua adoção. Pouco importa, a este respeito, que se trate de um Estado membro

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ou de um Estado não membro pois não é já o Direito próprio da organização internacional que
está em causa.

B – Alcance Jurídico

263
Os atos autonormativos:
1.º Não há dúvidas de que os Estados podem impor a si próprios obrigações ou
exercer unilateralmente direitos nos limites admitidos pelo Direito Internacional geral. O
Tribunal Internacional de Justiça afirmou-o sem ambiguidades no caso dos Ensaios nucleares:
«É sabido que declarações revestindo a forma de atos unilaterais e relativas a situações de
Direito ou de facto podem criar obrigações jurídicas. Quando o autor da declaração pretende
vincular-se nestes termos, esta intenção confere à sua tomada de posição o caráter de um
compromisso jurídico, ficando doravante o Estado em causa obrigado a seguir uma linha de
conduta conforme à sua declaração. Um compromisso desta natureza, expresso publicamente
e com a intenção de se vincular, tem um efeito obrigatório, mesmo fora do quadro das
negociações internacionais».

2.º Se a jurisprudência do Tribunal é clara quanto ao princípio do efeito obrigatório


do ato unilateral válido, dá lugar a incertezas quanto ao regime jurídico desse mesmo ato. Quais
são os princípios a aplicar para a interpretação do conteúdo do compromisso unilateral?
Segundo o Tribunal Internacional de Justiça, no caso dos Ensaios nucleares, o alcance do
compromisso depende das circunstâncias e dos termos utilizados. A interpretação da vontade
do Estado deve ser prudente, porque «as limitações à independência não se presumem». Um
dos aspetos mais delicados da questão é saber se o compromisso é irreversível, se o Estado não
pode voltar atrás. Não existem normas ou atos jurídicos «perpétuos», mas a transformação dos
atos jurídico internacionais está rodeada por certas garantias. Do mesmo modo, para os atos
unilaterais, é necessário admitir uma «faculdade de arrependimento», mas o seu exercício não
pode ser deixado ao livre arbítrio do Estado: reconhecer aos Estados o direito discricionário de
se libertarem das obrigações resultantes dos seus próprios compromissos, seria menosprezar os
direitos conseguidos pelos outros Estados através destes compromissos e violar gravemente a
segurança jurídica. Temos de admitir que um Estado só pode desligar-se das obrigações
resultantes de atos unilaterais recorrendo aos processos habituais de resolução pacífica de
conflitos. Em última análise por-se-á o problema da obrigação de negociar de boa fé. Sustentou-
se durante muito tempo que as condições de validade e de licitude do ato estatal unilateral
apresentavam características inéditas em relação às aplicáveis aos tratados. Na realidade
existem numerosos aspetos comuns. O ato unilateral deve respeitar a hierarquia das normas,
quando ela existe (ius cogens, atos sucessivos com identidade de pates), assim como o princípio
de licitude do fim e do objeto do ato; também não deve incorrer em vícios de consentimento.
O que é mais específico nos tos unilaterais é a tendência contemporânea para «encobrir» os
pretensos vícios destes pela sua compatibilidade comas resoluções de organizações
internacionais. O problema fica então deslocado: conforme a adoção de tais resoluções tenha
ou não modificado a hierarquia das normas em vigor, assim os atos unilaterais poderão ser
julgados legítimos ou não. O problema merce ser posto mais para os atos heteronormativos do
que para os atos autonormativos.

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Os atos «heteronormativos»: nos atos da categoria precedente podem já observar-se atos


heteronormativos, na medida em que criam direitos em proveito de outros sujeitos de Direito.
Mas este caráter heteronormativo é muito mais acentuado quando, por um ato unilateral, o
Estado pretende impor obrigações a sujeitos autónomos. O princípio, evidentemente, é que os
atos unilaterais do Estado não são oponíveis aos outros Estados sem o consentimento destes,
não podendo existir entre entidades soberanas relações de subordinação; estas também não
são oponíveis, aliás, às organizações internacionais, mas este aspeto da questão não será
desenvolvido aqui. A regra geral tem, não obstante, dois limites. Por um lado, um Estado pode, 264

unilateralmente, impor obrigações aos outros Estados, sem que seja necessário o
reconhecimento expresso destes, quando, ao fazê-lo, se limitar a exercer competências
estabelecidas por regras convencionais ou consuetudinárias. Poder-se-ão aproximar desta
hipótese as situações em que um Estado, para justificar o seu comportamento unilateral, se
apoia em resoluções de organizações internacionais? Os tribunais nacionais serão reticentes em
admitir a oponibilidade do ato unilateral do Estado terceiro na sua ordem jurídica interna; mas
esta reticência nem sempre tem incidência porque muitas vezes recusam tirar daí
consequências práticas, concedendo ao Estado terceiro o privilégio da imunidade jurisdicional.
Por outro lado, pode suceder que um Estado esteja em condições de agir como representante
ou «mandatário» da comunidade internacional: a ilustração clássica desta situação é fornecida
pela gestão da navegação nos canais internacionais ou em certos estreitos. As disciplinas
impostas aos Estados terceiros com este fundamento pressupõem uma aceitação expressa ou
implícita da sua parte, muitas vezes difícil de obter.

1.º - Os atos unilaterais dos Estados

Observações gerais: os órgãos das organizações internacionais podem adotar «resoluções»,


«recomendações» e «decisões», emitir «pareceres consultivos», redigir «acórdãos» ou proferir
«sentenças». A característica comum destes atos é serem atos unilaterais das organizações
internacionais. Para além desta constatação, a incerteza terminológica e a ambiguidade
conceitual são a regra. Os estatutos das organizações nem sempre definem o alcance dos
diferentes atos adotados pelos seus órgãos ou atribuem-lhes um alcance variável. Quando
procedem a um esforço de classificação nem por isso excluem a adoção de outros atos jurídicos
que não sejam os enunciados na nomenclatura fundamental. Este laxismo terminológico é ainda
agravado pelo comportamento dos órgãos, na sua prática quotidiana. Assim, a Assembleia Geral
das Nações Unidas batiza algumas das suas resoluções, por exemplo, «declaração», «carta»,
«programa» sem procurar especificar a sua natureza. A falta de rigor na denominação de tais
atos é favorecida pelo facto de, muitas vezes, ser o mesmo processo de adoção que se aplica
aos diversos atos. Apesar da dificuldade das práticas e dos textos, e à custa de uma
arbitrariedade sobretudo pedagógica, é possível dar um sentido genérico às denominações mais
frequentes, distinguindo os atos dos órgãos não jurisdicionais daqueles dos órgãos jurisdicionais.
A partir da definição da «recomendação» proposta em 1956 por M. Virally: «resolução de um
órgão internacional dirigida a um ou vários destinatários (e implicando) um convite à adoção de
um determinado comportamento, ação ou abstenção», o termo «decisão» será reservado aos
atos unilaterais obrigatórios e o termo «resolução» englobará as duas categorias precedentes,
visando portanto qualquer ato emanado de um órgão coletivo de uma organização internacional.
A distinção é cómoda mas nem sempre é de fácil utilização. Com efeito, pressupõe, que o ato

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tenha os mesmos efeitos em todos os seus elementos e em relação a todos os seus destinatários,
o que não se verifica necessariamente. Além disso, esta distinção abstrai dos comportamentos
dos Estados, em especial da sua aceitação expressa da resolução, que modifica os seus efeitos.
Existem numerosos exemplos de resoluções aceites. As resoluções adotadas nestas condições
já não são simples recomendações, mas verdadeiros atos jurídicos, dando a organização um
conteúdo à vontade do Estado expressa previamente. As mesmas considerações valem se o
requerente de um parecer consultivo estiver de acordo a priori em aceitá-lo. Observar-se-á que
a resolução não coincide com a noção de ato unilateral não jurisdicional. Esta categoria de atos 265
é mais ampla, compreende igualmente o conjunto dos atos adotados pelos órgãos compostos
por agentes internacionais (Secretariados, Comissão Europeia). Para os atos dos órgãos
jurisdicionais, a distinção entre «acórdão» (ou «sentença») e «parecer consultivo» é comparável
mutatis mutandis, à existente entre decisão e recomendação. Se tivermos de deter-nos um
pouco mais nestas questões de terminologia, é porque elas têm uma incidência no alcance
jurídico dos atos unilaterais das organizações.

A – As Decisões

Definição: no sentido técnico, a decisão é um ato unilateral «com força obrigatória geral», isto
é, um ato emanado de uma manifestação de vontade de uma organização, imputável portanto
a esta, e que cria obrigações a cargo do seu ou dos seus destinatários. É efetivamente um ato
jurídico internacional. Somente um ato de um órgão internacional que tem tais efeitos merece
esta qualificação. Será, em princípio, o caso de uma decisão do Conselho de Segurança das
Nações Unidas adotada conforme o artigo 25.º da Carta, pois o termo «decisão» é aqui
entendido no seu sentido técnico. Em contrapartida, o ato adotado em virtude de outras
disposições da Carta e qualificado como decisão, pode ser na realidade uma recomendação: o
termo «decisão» é neste caso tomado no sentido corrente e visa um ato destinado a concluir
uma discussão ou uma deliberação. O Tribunal Internacional de Justiça reconhece, a propósito
do artigo 18.º da Carta, que elas «compreendem com efeito certas recomendações» 95 da
Assembleia. Noutros casos, não será admitida a hesitação. Segundo o artigo 189.º do Tratado
instituindo a Comunidade Europeia:

«Para o cumprimento da sua missão e nas condições previstas no presente Tratado,


o Parlamento Europeu conjuntamente com o Conselho, o Conselho e a Comissão deliberam
regulamentos e diretivas, tomam decisões e formulam recomendações ou pareceres.

«O regulamento tem um alcance genérico. É obrigatório em todos os elementos e


diretamente aplicável em qualquer Estado membro.

«A diretiva vincula qualquer Estado membro destinatário quanto aos resultados a


atingir, deixando embora às instâncias a competência simultaneamente quanto à forma e aos
meios.

«A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que ela


designa…».

95
Parecer de 1962, Certas despesas, Rec., 1962, p. 163.

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Mas mesmo nas situações aparentemente mais simples – decisões do Conselho de


Segurança em virtude dos artigos 24.º e 25.º, atos das Comunidades Europeias – surgiram
dificuldades para determinar se este ou aquele ato tinha de facto um caráter decisório. Da
jurisprudência do Tribunal de Justiça Internacional, como da do Tribunal do Luxemburgo, resulta
muito claramente que a denominação adotada por um órgão não é uma indicação decisiva e
que o Tribunal pode sempre requalificar um ato, fundamentando-se em critérios objetivos: «É
necessário analisar cuidadosamente o teor de uma resolução do Conselho de Segurança antes
de poder provar o seu efeito obrigatório. Considerando o caráter dos poderes derivados do 266
artigo 25.º, convém determinar um cada caso se estes poderes foram de facto exercidos, tendo
em conta os termos da resolução a interpretar, os debates que precederam a sua adoção, as
disposições da Carta invocadas e, em geral, todos os elementos que poderiam ajudar a
determinar as consequências jurídicas da resolução do Conselho de Segurança». Além disso,
certas resoluções, que são indiscutivelmente decisões, podem ter um caráter simplesmente
permissivo do Conselho de Segurança que «autoriza os Estados Membros (…) a utilizar todos os
meios necessários» para fazer respeitar as suas resoluções anteriores, legitimando assim o
recurso à força armada contra o Iraque que, na ausência de uma tal decisão, teria sido ilícita.
Como para os atos unilaterais, podem opor-se os atos autonormativos aos heteronormativos.
Os primeiros dirigem-se à própria organização ou aos Estados como elementos da organização
e submetidos ao seu Direito próprio; os segundos dirigem-se a sujeitos de Direito autónomos
face à organização (outras organizações, Estados Membros ou não membros). Certos atos
unilaterais das organizações são ao mesmo tempo auto e heteronormativos: é em especial o
caso da resolução pela qual o orçamento é adotado nas organizações financiadas por
contribuições estatais, e é a hipótese mais frequente para os atos das Comunidades Europeias.
Sob estas reservas, o exame dos efeitos de cada resolução permite, regra geral, avaliar os seus
efeitos «internos» e «externos» e deduzir a sua qualificação mais pertinente.

Os atos autonormativos: de maneira explícita ou implícita, todas as organizações


internacionais recebem os poderes de decisão necessários para atingir os objetivos fixados pela
sua carta constitutiva, garanti a continuidade do seu funcionamento e permitir a sua adaptação
às alterações de circunstâncias ou de situações internacionais. O direito de adotar atos
obrigatórios é vasto e mais firme quando se trata de assegurar à organização um bom
funcionamento interno e a eficácia dos seus processos, do que nas hipóteses em que se procura
uma participação efetiva da organização nas relações internacionais.

1.º As decisões ligadas ao funcionamento da organização: algumas apresentam um


alcance individual: nomeação dos agentes da organização e dos juízes dos tribunais
internacionais ligados às organizações, criação de órgãos subsidiários, medidas financeiras, etc.
Outras decisões constituem verdadeiros atos normativos de alcance geral: regulamentação
interna dos diferentes órgãos (artigos 21.º e 30.º da Carta das Nações Unidas para a Assembleia
Geral e o Conselho de Segurança), regulamentos financeiros, estatuto dos agentes, estatuto dos
órgãos subsidiários. Esta competência de auto regulamentação pode estender-se até um
verdadeiro direito de «autodeterminação» limitado. Excecionalmente, uma organização pode,
com efeito, emendar as regras básicas formuladas pela sua carta constitutiva, sem o acordo
individual dos Estados membros e com efeito obrigatório para estes. Um poder tão exorbitante
está, como é natural, solidamente enquadrado e são dadas garantias processuais aos Estados
membros: é o caso do alargamento do domínio de ação da Comunidade Europeia em virtude do
artigo 235.º do Tratado de Roma de 1957. Estas decisões são atos jurídicos internacionais e,
nessa qualidade, vinculam os órgãos que as adotaram. A jurisprudência internacional é muito
firme neste ponto. A distinção dos atos segundo o seu alcance individual ou geral é mais

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importante no Direito das organizações internacionais do que nas relações interestatais. Dirige
em parte a aplicação do princípio da hierarquia das fontes, princípio que encontra melhor
aplicação num quadro institucionalizado. Assim, os agentes das Nações Unidas estão
submetidos a um Estatuto, estabelecido pela Assembleia Geral, e ao Regulamento emanado –
em execução do primeiro – do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. A base da
pirâmide normativa é constituída por decisões individuais de aplicação. Como têm efeito
obrigatório para os órgãos da organização e para os Estados membros, as decisões são adotadas
segundo processos muitas vezes complexos destinados a fazer respeitar certos equilíbrios 267
políticos. A Carta das Nações fornece disso várias ilustrações. O artigo 97.º estabelece que o
Secretário Geral é «nomeado pela Assembleia Geral mediante recomendação do Conselho de
Segurança»; os juízes do Tribunal Internacional de Justiça são eleitos após escrutínios separados
da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança, por maioria absoluta de votos (artigo 4.º a
12.º do Estatuto anexo à Carta). A admissão de um Estado nas Nações Unidas realiza-se através
de uma decisão da Assembleia Geral por recomendação do Conselho de Segurança (artigo 4.º,
n.º1 Carta). Da mesma maneira, no âmbito das Comunidades Europeias, o Conselho de Ministros
só pode, em princípio, adotar um ato decisório sob proposta da Comissão. A «recomendação»
do Conselho de Segurança, a «proposta» da Comissão, não são em si próprias atos criadores de
normas, mas – como atos-condições – não são desprovidos de efeitos jurídicos; a sua falta
constitui um vício de processo suficiente para obter a anulação ou a inoponibilidade do ato
unilateral da organização.

2.º As decisões que regem as atividades «externas» da organização: uma


organização internacional pode comprometer-se, por atos unilaterais, a adotar certos
comportamentos face a Estados, a outras organizações ou mesmo, a pessoas privadas, na
execução da sua própria política. Assim, sucede em certos compromissos unilaterais das
atividades das organizações, e no anúncio da política seguida pela organização a respeito dos
Estados ou nos compromissos tomados a respeito dos indivíduos. Assumirá a organização um
verdadeiro compromisso, quando ela pode, respeitando certos procedimentos, adotar um ato
contrário? Como os atos estatais unilaterais, que também não é impossível ignorar, as referidas
decisões são verdadeiros atos jurídicos: com efeito, determinam a legalidade ou a oponibilidade
das medidas de aplicação da organização enquanto uma nova decisão contrária não tiver
substituído a antiga pelo processo previsto pelo tratado constitutivo ou por decisões gerais
sobre o funcionamento da organização.

Os atos heteronormativos das Nações Unidas: as organizações da «família das Nações


Unidas» podem também criar diretamente obrigações a cargo dos Estados membros, mas
excecionalmente a cargo de outras organizações ou dos indivíduos. Elas dispõem assim dos
meios mais eficazes para exercer as suas funções de unificação ou de integração.

1.º Campo de aplicação: certas decisões têm um alcance individual. É o caso, em


primeiro lugar, das sentenças dos tribunais internacionais. Em virtude da autoridade do caso
julgado, estas sentenças são incontestáveis atos jurídicos. Trata-se, em segundo lugar, das
decisões da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança: decisões de admissão da Organização
das Nações Unidas (ou numa instituição especializada), da constatação de uma situação ou de
uma medida de sanção (artigo 25.º Carta). No caso da Namíbia, considerava uma solução geral:
«Ela (a Assembleia) não resolveu assim factos mas descreveu uma situação jurídica. Seria, com
efeito, inexato supor que, pelo facto de possuir em princípio o poder de fazer recomendações, a
Assembleia Geral esteja impedida de adotar, em casos determinados dependendo da sua
competência, resoluções tendo o caráter de decisões ou procedendo de uma intenção de

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execução». Este dictum chama a atenção para certas particularidades do regime das decisões
unilaterais da Organização das Nações Unidas. A sua oponibilidade aos Estados destinatários e
mesmo a sua validade estão condicionadas, em primeiro lugar, pela extensão das competências
reconhecidas ao órgão que adota estas decisões; depende também de uma eventual aceitação
dos Estados destinatários. O poder de decidir, atribuído pela Carta ao Conselho de Segurança
no exercício da sua função de manutenção e de restabelecimento da paz, é prenhe de
consequências mais o seu uso foi, durante muito tempo, excecional. É a primeira vez, na História
da humanidade, que um órgão político, à escala universal, tem o direito de impor os seus pontos 268
de vista a Estados soberanos no domínio mais importante das relações internacionais. Quando
exerce este poder de natureza «executiva», surge de facto como uma «autoridade pública
internacional»: o poder de decisão que o artigo 25.º da Carta reconhece ao Conselho de
Segurança não se limita ao exercício das competências previstas pelo capítulo VII da Carta, mas
a todas as medidas julgadas oportunas para a manutenção da paz. Embora a Assembleia Geral
não tenha, em princípio, competência para adotar decisões empenhativas para os Estados
membros. As organizações podem também usar o seu poder regulamentar para adotar decisões
de alcance geral que interessem os Estados. Um tal poder é atentatório para as soberanias
nacionais; não devemos, portanto, surpreender-nos se fica a maior parte das vezes encerrado
em limites estreitos e se aplica apenas a problemas técnicos As instituições especializadas são
os seus principais beneficiários. Pode-se aproximar desta hipótese a competência de auto
emenda da sua Carta de que dispõem certas organizações. A maior parte das vezes, «a decisão»
da organização não será, todavia, senão uma mera etapa, necessária mas não suficiente, para
obter a revisão do tratado constitutivo; é portanto quando muito um ato-condição num
processo complexo de alteração de um tratado.

2.º Aplicação das decisões das organizações: os progressos realizados com a


atribuição às organizações internacionais de um poder de decisão «autoritário» não têm, a
maior parte das vezes, o necessário prolongamento para o estado de controlo do respeito dos
atos obrigatórios destas organizações. A sua aplicação depende ainda, no essencial, da
cooperação interestatal e das intervenções dos órgãos administrativos e jurisdicionais nacionais.
Na ordem internacional, a aplicação das decisões das organizações internacionais depende em
primeiro lugar da validade e do alcance intrínseco das resoluções: estas questões são reguladas
quer pelo Direito interno da organização (quanto à oponibilidade aos Estados membros) quer
pelo Direito Internacional Geral (os Estados não membros da organização podem
excecionalmente ser atingidos pelas suas decisões). Estas decisões em princípio só interessam
os Estados não membros em dois casos: quando as aceitaram ou quando estabelecem situações
«objetivas» e portanto oponíveis a todos. Por isso a afirmação perentória do Tribunal
Internacional de Justiça, segundo a qual a declaração de uma situação ilegal do Conselho de
Segurança das Nações Unidas é oponível aos Estados não membros, foi fortemente contestada.
A aplicação das decisões pode estar comprometida em caso de conflito entre estas decisões e
normas consuetudinários ou convencionais.96 Se for uma norma consuetudinária a ser invocada
em oposição a uma decisão é necessário saber se o costume é anterior ou posterior à decisão.
Se é posterior, ela prevalece e a decisão já não é oponível (sob reserva de que pode ser difícil
apresentar a prova do aparecimento de um costume contrário aos desejos das organizações).
Se o costume for anterior, e a decisão não puder ser considerada como a expressão de um

96
Sobre o conflito normas convencionais/decisões das organizações ver Extinção e Suspensão dos
Tratados, Extinção e Suspensão do Tratado pela vontade das partes, Vontade posterior das
partes, Vontade Tácita

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costume novo, a decisão é oponível entre Estados membros da organização, mas inoponível nas
relações com os Estados terceiros. Por consequência, em termos de responsabilidade, o Estado
membro que aplica a decisão não pode ver a sua responsabilidade comprometida nas relações
com outro Estado membro; ao passo que a sua responsabilidade estaria comprometida pela
mesma atitude nas suas relações com um Estado não membro. A aplicação das sentenças dos
tribunais internacionais é facilitada pelo princípio da autoridade do caso julgado. Mas, face à má
vontade de um Estado, as técnicas institucionalizadas correm o risco de ter uma eficácia limitada.
Na ordem jurídica interna, os tribunais nacionais mostram-se embaraçados quando lhes é 269
solicitado que apliquem decisões das organizações internacionais. À sua jurisprudência falta
coerência. Com bastante frequência os tribunais internos evitarão pronunciar-se diretamente
sobre o valor jurídico destes atos: sem negar abertamente o seu alcance obrigatório, eles
encontrarão subterfúgios processuais para não terem de os toma em consideração. Os tribunais
nacionais mostram menos reserva quando as constituições locais incorporam os princípios das
convenções internacionais com base nas quais certas organizações apoiam a sua prática: assim
sucede com a jurisprudência dos tribunais alemães e austríacos em matéria de direitos do
homem, que faz referência Às «decisões» da Comissão e do Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem.

B – As Recomendações

Definição: a recomendação é um ato que emana, em princípio, de um órgão


intergovernamental e que propõe aos seus destinatários um determinado comportamento.
Esta definição aplica-se igualmente ao «parecer» de um órgão internacional. Contudo,
considera-se por vezes que os pareceres constituem o aspeto mais elementar da atividade das
organizações internacionais que, formulando-os, se limitariam a exprimir uma opinião. A prática
das organizações é demasiado flexível para confirmar tal opinião. O domínio da recomendação
é tão diversificado como as finalidades reconhecidas às organizações internacionais
contemporâneas. Os destinatários destas recomendações são em primeiro lugar os Estados,
membros ou não membros da organização, e os órgãos de uma mesma organização; são
também outras organizações internacionais quando existe um princípio de hierarquia entre elas
(coordenação das suas atividades); podem ser por vezes particulares ou empresas. Esta
diversidade de utilização da recomendação explica que o seu alcance jurídico possa variar e que,
mesmo quando não tem força obrigatória, a sua contribuição para a elaboração do Direito
mantém-se importante.

Alcance jurídico da recomendação: a falta de força obrigatória: a recomendação é um


ato jurídico desprovido de efeitos obrigatórios. O sentido jurídico do termo coincide com o seu
sentido corrente. Os seus destinatários não são obrigados a submeterem-se-lhe e não cometem
infração no caso de não a respeitarem.

1.º Em relação aos Estados, membros ou não da organização, o poder de


recomendação está inteiramente adequado à função de coordenação: qualquer recomendação
só se torna obrigatória após aceitação expressa ou tácita. Por conseguinte, diga o que disser
uma parte da doutrina, a adoção de uma recomendação por um órgão de uma organização não
poderia ser considerada uma intervenção nos assuntos dependentes essencialmente da
competência nacional dos Estados. A proteção concedida a este respeito pelo artigo 2.º, n.º7 da

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Carta das Nações Unidas, pressupõe uma violação jurídica às soberanias nacionais; convém não
estender o seu campo de aplicação aos inconvenientes políticos de uma tomada de posição da
organização. Não obrigatórias de um ponto de vista jurídico, as recomendações podem ser
politicamente muito coercivas. São inegáveis meios de pressão políticos. Com efeito, a oposição
de um Estado a uma recomendação sustentada por um grupo mais ou menos vasto de Estados,
obriga-o manter-se na defensiva, a explicar a sua posição sobretudo se o órgão internacional
procedeu a uma qualificação da situação - «ocupação», «ameaça para a paz», «agressão» - que
se impõe a órgãos subsidiários. Estas considerações são particularmente prementes quando as 270
recomendações são acompanhadas de meios de pressão psicológicos (solenidade da adoção,
formulação decalcada na dos tratados, etc.); ou se comportam um mecanismo de controlo
tendo por objeto permitir apreciar os progressos efetuados na aplicação dos princípios que
formulam ou salientar as insuficiências na sua aplicação. Nas Nações Unidas, tais processos são
frequentemente utilizados nos domínios dos direitos do homem, da descolonização, do
desenvolvimento e do desarmamento. Em última instância, acabam num mecanismo de
adaptação comparável às conferências de revisão dos tratados. Ao criar tais órgãos de controlo,
a Assembleia Geral pode parecer contornar a proteção oferecida às soberanias nacionais pelo
artigo 2.º, n.º2 Carta das Nações Unidas: os Estados membros não podem contestar a existência
e os poderes reconhecidos estes órgãos, exercendo a Assembleia uma competência
estabelecida pela Carta. O Tribunal Internacional de Justiça afastou a objeção baseada neste
alcance jurídico indireto das recomendações nos termos seguintes:

«As funções da Assembleia Geral para as quais pode criar órgãos subsidiários
compreendem, por exemplo, os inquéritos, a observação e o controlo, mas a maneira como estes
órgãos subsidiários são utilizados depende do consentimento do Estado ou dos Estados
interessados»97.

Por vezes, sustentou-se que uma recomendação era oponível a um Estado tendo,
pelo seu voto, contribuído para a sua adoção, invocando o princípio da boa fé. Não está excluído
que o princípio encontre aplicação; mas a boa fé não é violada só pelo facto de um Estado não
aplicar uma recomendação que votou. Falando de «recomendação», a Carta constitutiva da
organização implica que o seu conteúdo não é obrigatório. Muito legitimamente, os Estados
regulam a sua conduta em função desta consideração: frequentemente um Estado vota a favor
de uma recomendação porque tem consciência que o seu voto não o empenha: sustentar o
contrário conduziria a uma grave paralisia do funcionamento das organizações internacionais.

2.º Impõem-se as mesmas soluções nas relações entre organizações


independentes, entre órgãos iguais de uma mesma organização e a fortiori para as
recomendações de um órgão inferior a um órgão superior. Antes de 1955, quando a Assembleia
Geral das Nações Unidas, exasperada pelo bloqueio dos pedidos de admissão perante um
Conselho de Segurança paralisado pelo veto, lhe dirigia recomendações, era exatamente com a
finalidade de fazer publicamente pressão sobre este órgão, mas unicamente do ponto de vista
político. Esta prática generalizou-se a propósito das operações de manutenção da paz de 1956
e em matéria de descolonização. A jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça confirmou
a sua legitimidade. Mas as qualificações dadas por um órgão a uma situação ou a um
comportamento dos Estados não se impõem a outro órgão se a Carta não o prevê. Observa-se
frequentemente uma «diferença» entre a posição da Assembleia Geral e a do Conselho de
Segurança. Do mesmo modo os pareceres consultivos das jurisdições internacionais ou os

97
Parecer de 1962, Certas despesas, Rec., 1962, p. 165.

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pareceres das assembleias parlamentares não têm força vinculante para os órgãos destinatários.
Só sucede diversamente com base numa exceção expressa ou num compromisso de cooperação
entre organizações teoricamente independentes.

Valor normativo das recomendações: a falta de força obrigatória das recomendações não
significa que não tenham qualquer alcance. Se fosse esse o caso, seria difícil explicar a
obstinação dos debates que conduziram à sua adoção. O seu impacto político é muitas vezes
fundamental e mesmo o seu valor jurídico não é de desprezar. É difícil formular uma maneira 271
geral e abstrata o alcance das recomendações.

1.º Qualquer Estado membro é obrigado, pelo menos, a examinar a recomendação


de boa fé. Esta representa, com efeito, a opinião da maioria dos membros da organização na
qual o Estado escolheu livremente entrar e cujas finalidades aceitou. A carta constitutiva recorda
frequentemente este dever e faz dele uma verdadeira obrigação jurídica (artigo 2.º, n.º5 e 6 e
artigo 56.º Carta Organização das Nações Unidas, por exemplo). Um exemplo testemunha de
maneira notável a importância, pelo menos política, que os estados atribuem às recomendações:
a Assembleia Geral das Nações Unidas, a 10 de Novembro de 1975 numa resolução (3379), tinha
assimilado o sionismo ao racismo e à discriminação racial. Esta posição, muito controversa, foi
«declarada nula» por uma nova resolução (44/86), com data de 16 de dezembro de 1991, na
sequência dos esforços de Israel e dos Estados Unidos.

2.º Na medida em que a validade material e formal de uma recomendação não é


contestável, qualquer Estado membro tem o direito de fazer a sua aplicação. A sua
responsabilidade internacional não pode definir-se se atuar e conformidade com a resolução, o
seu comportamento não pode ser julgado ilícito, nas suas relações com outros Estados membros,
visto que não faz mais do que respeitar a Carta constitutiva da organização. Esta «verdade
lapalissiana» obriga a constatar que a recomendação:

 tem, pelo menos, valor permissivo;


 e cria uma situação jurídica nova quando os princípios formulados pela
recomendação não coincidem com as normas que regiam até então as
relações interestatais.

O quadro jurídico pode, com efeito, tornar-se muito complexo. Os outros Estados
membros permanecem livres de não dar seguimento a esta recomendação, e não estão
vinculados senão pelas normas anteriormente aceites. O eventual conflito das regras antigas e
novas não pode ser resolvido nem em virtude do princípio da hierarquia das fontes – vito que a
recomendação é, por hipótese, válida – nem com base no princípio «lex posterior», visto que a
norma mais recente não é obrigatória. Mesmo o princípio da boa fé é de uma utilidade muito
limitada: é inoponível aos Estados que votaram contra a recomendação; quando muito proibirá
a um Estado que votou a favor da recomendação que censure um outro Estado por aplica-la. A
consequência essencial da adoção de uma recomendação será portanto autorizar os Estados
que a respeitam a pôr de parte a aplicação de uma norma anterior contanto que não violem os
direitos adquiridos pelos outros Estados. Os Estados que a recusem poderão continuar a aplicar
a norma anterior. Esta situação é concebível, ainda que incómoda, quando se trata de princípios
que regem as relações interestatais; mas constitui um verdadeiro impasse quando está em causa

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o funcionamento de uma organização internacional, porquanto é difícil ver como poderiam


coexistir várias «regras do jogo» no âmbito de uma mesma organização. 98

3.º A adoção de recomendações apresentar outro interesse importante: trazem


uma contribuição cada vez mais sensível à formação de novas regras costumeiras. Para serem
um elemento formador do costume, as recomendações devem traduzir uma opinio iuris e serem
seguidas por uma prática conforme. Não exprimindo necessariamente uma real opinio iuris a
sua função limita-se muitas vezes ao papel de «fermento» do processo costumeiro. Em primeiro 272
lugar, a função das recomendações depende da intenção expressa pelo órgão que as adota.
Poderá tirar-se indicação útil da qualificação dada a uma resolução e da afirmação de que o seu
conteúdo confirma o Direito positivo? A Assembleia Geral das Nações Unidas manifesta uma
especial preferência pela votação de «declarações» de princípios gerais depois da adoção em
1948 da Declaração Universal dos Direitos do homem. Diferem a natureza jurídica e o alcance
de tais «declarações» das resoluções que as contêm? A questão não levanta dificuldades quando
tais declarações são puramente «confirmativas» do Direito consuetudinário. Os princípios assim
expressos são obrigatórios enquanto regras costumeiras, e a sua inclusão numa recomendação
constitui uma simples chamada de atenção que, juridicamente, nada traz de novo. Pouco
importa, neste caso, o valor próprio instrumento. Quando, pelo contrário, as declarações
acrescentam algo ao conteúdo do Direito positivo, importa determinar se os princípios
formulados beneficiam de um alcance superior ao de uma recomendação. Regra geral, os
tribunais internos recusarão aplicar estas recomendações enquanto tais. O papel das
recomendações depende, em segundo lugar, das circunstâncias e das modalidades da sua
adoção: autoridade jurídica e política do órgão que as adota, maioria alcançada por votação,
importância dos Estados que exprimem «reservas» nesta ocasião, existência ou não de
mecanismos de controlo da aplicação destas recomendações. Por esta razão, os princípios
formulados nos pareceres consultivos do Tribunal Internacional de Justiça veem mais fácil e mais
rapidamente ser-lhes reconhecido o valor de normas de Direito positivo do que as resoluções
de um órgão intergovernamental. Proferidos pelo principal órgão jurisdicional das Nações
Unidas na conclusão de um processo contraditório muito próximo do processo contencioso,
presume-se que traduzam o estado do Direito, mesmo quando os órgãos que interrogaram o
Tribunal não levam isso em conta. As instituições internacionais aceitam tão facilmente as
tomadas de posição do Tribunal Internacional de Justiça como interpretam diversamente uma
mesma «sequência» de recomendações internacionais contraditórias ou ambíguas. Finalmente
pode esperar-se que a contribuição das recomendações seja mais acentuada nos domínios
«inexplorados», onde se trata de estabelecer alguns princípios diretores destinados sobretudo
a impedir o aparecimento de uma prática estatal baseada no egoísmo das soberanias, do que
nos domínios em que preexistem regras consuetudinárias. A dificuldade está então em
conseguir concretizar estes princípios básicos: tal é o ensinamento atual do Direito do espaço
extratmosférico e do Direito do fundo dos oceanos.

98
Assim, a Assembleia Geral poderia, apoiando-se na resolução 377 (V) denominada Acheson,
recomendar o recurso à força em condições não previstas na Carta. Como conciliar as obrigações
preexistentes, definidas pela Carta, e as normas recomendadas? «Na verdade, as recomendações não
possuem qualquer força obrigatória, mas neste caso somos colocados perante a hipótese em que um
Estado põe voluntariamente em aplicação a resolução. Poderá dizer-se que esta aplicação espontânea é
irregular por entrar em conflito com obrigações anteriores? Isso seria desencorajar as boas vontades e
comprometer a realização dos objetivos da Carta. Se as resoluções não possuem força obrigatória, são,
no entanto, adotadas com o fim de serem executadas».

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Efeitos jurídicos excecionais de algumas recomendações:


1.º Em virtude dos princípios já evocados, deve reconhecer reconhecer-se força
obrigatória a três categorias de resoluções:

- as que foram aceites antecipadamente pelos Estados têm, com efeito, força
obrigatória para estes Estados;

- sucede o mesmo para as resoluções que se limitam à «recitação» de Direito 273


costumeiro, sob reserva de que não é o próprio ato jurídico cujo valor se modifica, mas o alcance
do seu conteúdo material que beneficia do mesmo valor obrigatório que a norma costumeira.

Aplica-se um raciocínio semelhante aos pareceres consultivos que exprimem regras


costumeiras. Em vez de terem um valor simplesmente «doutrinal», terão o alcance de uma
«constatação» do Direito:

- numa organização, as recomendações de um órgão hierarquicamente superior


impõem-se aos órgãos subsidiários deste.

2.º Certas recomendações beneficiam de efeitos jurídicos reforçados embora


permanecendo, em si mesmas, atos não obrigatórios. Os meios de pressão indiretos aplicados
para este fim diferem conforme a aplicação deve ser obtida dos Estados ou dos órgãos de
organizações internacionais, e conforme o problema se põe num contexto de simples
cooperação ou numa organização integrada. Tratando-se de Estados, o exemplo clássico é
fornecido pelos atos das organizações competentes para adotar projetos de convenções sob a
forma de recomendações: «Cada um dos Estados membros compromete-se a submeter, no
prazo de um ano a partir do encerramento da sessão da conferência, a recomendação à ou às
autoridades que têm competência na matéria, tendo em vista transferência em lei ou tomar
medidas de outra ordem» (artigo 39.º da Organização Internacional do Trabalho). Aí se detêm a
obrigação jurídica; as autoridades nacionais conservam plena liberdade de decisão sobre a
oportunidade de transformar a recomendação em normas internas. Pode também acontecer,
mas é excecional, que a organização beneficie de uma espécie de «privilégio do precedente»: a
sua recomendação impõe-se aos Estados membros enquanto não tiver sido considerada
irregular pela jurisdição internacional competente. As técnicas mais utilizadas continuam a ser
os processos de controlo a posteriori apoiados na obrigação para os Estados de fornecerem
relatórios periódicos, de responderem a questionários ou de explicarem as suas demoras
perante órgãos políticos ou peritos. As organizações internacionais demonstram a mesma
vontade de autonomia que os Estados nas suas relações mútuas; e no interior de uma
organização, cada órgão defende ciosamente as suas prerrogativas perante os outros órgãos,
utilizando como prova as garantias oferecidas pela carta constitutiva. Por isso é necessário
dispor de prescrições expressas que reforcem o alcance habitual das recomendações e
pareceres. «Levar em consideração» as resoluções transmitidas por uma organização a outra
pode ser um compromisso convencional. Por fim é necessário lembrar que o alcance das
recomendações já não é pouco quando elas podem ser analisadas como atos-condições.

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Secção II – Os atos concertados não convencionais

Noção: na vida internacional, os Estados negoceiam frequentemente instrumentos que não são
tratados mas não são por isso menos destinados a reger as suas relações mútuas e, em todo o
caso, a orientar a sua conduta. Resultantes, como os tratados, de uma concertação entre
sujeitos de Direito Internacional, estes atos não estão submetidos ao Direito dos tratados e, em
274
especial, à regra fundamental que o sustém, o princípio pacta sunt servanda. Nem por isso
deixam de desempenhar um papel político extremamente importante, o que não é contestado
por ninguém, e, a despeito de controvérsias doutrinais particularmente vivas sobre este ponto
desde os anos 70, têm efeitos jurídicos. Se durante muito tempo a doutrina latina não prestou
qualquer atenção ao fenómeno, o mesmo não acontece na literatura anglossaxónica. Os autores
ingleses e americanos recorrem há muito tempo à noção de gentlemen’s agreements. Um
gentlemen’s agreement foi definido como «um acordo entre dirigentes políticos que não vincula
os Estados que representam no plano do Direito, mas cujo respeito se impõe aos seus signatários
como uma questão de honra ou de boa fé». Indiscutivelmente, estes instrumentos apresentam
um certo parentesco com os atos concertados não convencionais. Todavia, se nos ativermos à
definição proposta, não poderiam ser assimilados queles: por um lado, esta definição considera
resolvida a questão fundamental que estes instrumentos controversos põem, cominando-lhes a
excomunhão jurídica; por outro – e é um aspeto desta tomada de posição geral –, tratando-se
de compromissos de homem para homem, não vinculam sujeitos de Direito Internacional e, por
este facto, permanecem, por definição, fora da esfera do Direito Internacional. Pode-se, de resto,
experimentar algumas dificuldades para admitir o bom fundamento desta definição: ela assenta
no postulado de uma espécie de desdobramento funcional em proveito dos autores do
gentlemen’s agreement que, se bem que investidos de responsabilidade estatais, poderiam agir
a título pessoal nas relações internacionais. Na realidade, os instrumentos que a doutrina
anglossaxónica designa por gentlemen’s agreements ou non-binding agreements não são mais
do que atos concertados não convencionais, que podemos definir como instrumentos
resultantes de uma negociação entre pessoas habilitadas a comprometer o Estado e chamadas
a enquadrar as suas relações, sem por isso terem um efeito obrigatório.

Diferentes categorias de atos concertados não convencionais: a análise dos atos


concertados não convencionais é tanto mais difícil quanto é certo que, adotados nas
circunstâncias mais diversas, revestem formas heterogéneas e recebem denominações variadas:
comunicados comuns, declarações, cartas, códigos de conduta, combinações, memorandos,
atos finais, protocolos, até mesmo acordos…(os mesmos termos são frequentemente utilizados
para os Tratados). Para tentar pôr um pouco de ordem numa matéria difícil de apreender, a
doutrina propôs classificações baseadas em critérios variados. Alguns autores fundamentam-se
em critérios formais e elaboram uma classificação em função dos intitulados ou do modo da sua
elaboração. Neste último caso, poder-se-á distinguir, em especial, os atos concertados não
convencionais elaborados no quadro das organizações internacionais dos adotados no
seguimento de negociações elaborados no quadro das organizações internacionais dos
adotados no seguimento de negociações diplomáticas “clássicas”, bilaterais ou multilaterais.
Sucede também que estas duas abordagens sejam combinadas de maneira empírica. Assim, M.
Virally deduz quatro categorias de «textos incertos»: os comunicados conjuntos, as declarações
conjuntas, os textos concertado no âmbito de um órgão internacional e os acordos informais.
Outros esforçam-se por propor uma classificação material baseada no alcance dos textos
propostos ou no seu conteúdo. Assim, M. Eisemann divide os gentlemen’s agreements em

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acordos informais políticos, interpretativos e normativos. Pode-se igualmente admitir a


transposição para os atos concertados não convencionais da classificação frequentemente
utilizada no que respeita aos atos unilaterais dos Estados, e distinguir os atos autónomos dos
que estão ligados a uma prescrição convencional; os primeiros têm vocação para orientar a
conduta dos sujeitos de Direito, independentemente de qualquer obrigação assumida por um
tratado; os segundos não podem isolar-se dela. Nesta última categoria figuram, por exemplo, as
declarações conjuntas pelas quais Estados que empreendem negociar o texto de um tratado,
indicam os princípios que os guiarão no decurso da negociação ou os textos interpretando ou 275
aplicando um acordo preexistente cuja aplicação dá lugar a algumas dificuldades. Estes
argumentos podem ser cómodos. Contudo, não têm qualquer alcance em Direito (salvo na
medida em que têm por objetivo distinguir os instrumentos «jurídicos» dos textos «políticos»,
mas esta distinção é arriscada. Qualquer que possa ser o interesse intelectual destas
classificações, elas não poderiam ocultar a unidade da noção de ato concertado não
convencional do ponto de vista jurídico (não mais do que as tentativas de classificação dos
tratados têm consequências importantes no que respeita ao regime jurídico de base que lhes é
aplicável).

Fronteiras mal definidas: apesar desta unidade e de uma definição que não suscita incertezas
especiais, nem sempre é fácil distinguir os atos concertados não convencionais das outras
categorias de instrumentos jurídicos internacionais. Nenhum problema se põe, a priori, na
distinção dos atos concertados não convencionais e dos atos unilaterais dos Estados: uns são o
resultado de uma negociação e não tê efeito obrigatório, os outros emanam de um só sujeito
de Direito que eles assumem. Pela sua natureza, trata-se portanto de instrumentos claramente
distintos. Contudo, pode notar-se que, da mesma maneira que certos tratados se assemelham
a «atos unilaterais coletivos» face a terceiros, certos atos concertados não convencionais
pretendem produzir efeitos a respeito de terceiros. Põe-se o problema do efeito dos atos
concertados não convencionais a respeito de terceiros; podemos resolvê-lo por analogia com as
regras relativas ao efeito dos tratados para os Estados terceiros. Mas é sobretudo em relação as
resoluções das organizações internacionais por um lado, aos tratados por outro, que se põe o
problema da especificidade dos atos concertados não convencionais.

1.º Atos concertados não convencionais e resoluções de organizações


internacionais: um aspeto particular distingue os atos concertados não convencionais do
conjunto de resoluções das organizações internacionais: estas são atos unilaterais imputáveis à
Organização que os adota, enquanto sujeito de Direito Internacional; aqueles emanam de dois
ou mais sujeitos de Direito (além disso, os atos concertados não convencionais diferem das
decisões das organizações internacionais pelo facto de, por definição, não terem efeito
obrigatório). Todavia, a distinção e menos clara do que parece à primeira vista. As incertezas
podem depender da natureza jurídica, difícil de determinar, do autor do ato ou das pessoas às
quais este deve ser imputado. No que respeita ao primeiro ponto, podemos com efeito
interrogar-nos sobre as características que permitem realmente distinguir uma organização
internacional de uma conferência diplomática desenrolando-se num longo período, como a
Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que durou perto de dez anos,
produziu um aparelho institucional complexo e adotou «resoluções», que parecem dever ser
imputadas à própria Conferência (mesmo que algumas se assemelhem a acordos unilaterais).
Por outro lado, é frequente que conferências diplomáticas sejam convocadas por uma
organização internacional e se assemelhem a órgãos subsidiários provisórios do órgão que as
convocou. Seja omo for, a resposta dada a estas questões apresenta mais interesse intelectual

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do que incidência concreta, ao passo que o alcance jurídico dos atos concertados não
convencionais está muito próximo do das recomendações das organizações internacionais.

2º. Atos concertados não convencionais e tratados: não acontece o mesmo o que
respeita aos tratados. Em presença de um determinado texto, é, com efeito, extremamente
importante determinar se este é um tratado ou um ato concertado não convencional, sendo as
consequências jurídicas muito diferentes conforme a hipótese adotada, visto que, por definição,
o tratado é obrigatório, enquanto o ato concertado não convencional não o é. Ora esta distinção 276
é muitas vezes difícil. Não poderíamos encontrar o critério para isso na denominação do ato –
não se segue qualquer prática constante a este respeito –, nem tão pouco na sua forma: o Direito
dos Tratados é extremamente pouco formalista. Como recordou o Tribunal Internacional de
Justiça, não existem «regras de Direito Internacional proibindo que um comunicado conjunto
constitua um acordo internacional». No mesmo caso, o Tribunal esclareceu que a questão de
saber se tal instrumento constitui ou não um Tratado «depende essencialmente da natureza do
ato ou da transação a que le se refere» e que é preciso «levar em conta antes de mais os termos
empregados e as circunstâncias em que o consentimento foi elaborado». Esta diretiva, que se
assemelha à que se aplica, nas resoluções das organizações internacionais, para fazer uma
distinção entre as recomendações e as decisões não resolve, contudo, todos os problemas. Em
certos casos, não é permitida a dúvida: verifica-se isso quando o próprio instrumento em causa
específica, que exprime a «vontade política» dos seus autores e não é «um tratado ou acordo
internacional». Mas, regra geral, as fórmulas utilizadas são muito mais fluídas e o intérprete
deve demonstrar mais espírito subtil do que espírito geométrico.

Ausência de força obrigatória nos atos concertados não convencionais : os tratados são
obrigatórios, os atos concertados não convencionais não o são. Isto é um elemento da própria
definição de uns e de outros. Este princípio simples, não deve ser interpretado de maneira
simplista: o tratado é obrigatório enquanto fonte; mas pode conter normas incertas, cuja
aplicação depende em grande parte da apreciação dos seus destinatários, enquanto atos
concertados não convencionais podem conter «normas» muito rigorosas; tal é o caso, por
exemplo, dos gentlemen’s agreements relativos à repartição geográfica dos postos nas
organizações internacionais ou das Diretivas relativas às transferências de artigos nucleares. O
conjunto destas normas incertas em virtude do seu conteúdo, que da sua inclusão numa fonte
não suscetível de criar obrigações jurídicas (atos concertados não convencionais e
recomendações das organizações internacionais), constitui o que se designa por soft law,
expressão cuja tradução é difícil (Direito «brando»?, «fluído»?, «flexível»?, «imaturo»?). A
ausência de força obrigatória dos atos concertados não convencionais tem importantes
consequências jurídicas o seu desrespeito não compromete a responsabilidade internacional
dos seus autores e não pode ser objeto de um recurso jurisdicional. Não se tratando de Direito
dos Tratados, tanto internacional como internos: não têm vocação para serem inscritos junto
do Secretariado das Nações Unidas. Apesar destas características, ou talvez por causa delas, os
atos concertados não convencionais são muito largamente utilizados nas relações internacionais
e parecem mesmo exercer uma atração crescente sobre os Estados. Esta atração explica-se pela
flexibilidade destes instrumentos, bem adaptados às condições variáveis da vida internacional –
muito especialmente em matéria económica – e, em certos casos pelo menos, pela preocupação
dos responsáveis da política externa de escapar aos constrangimentos constitucionais em
matéria de tratados. A multiplicação das cimeiras no decurso dos últimos vinte anos explica
também esta proliferação. Além disso, a experiência mostra que estes instrumentos não são, de
facto, nem menos respeitados, nem menos coercivos do que os Tratados em boa e devida forma:
muitas vezes adotados após longas negociações e de maneira solene, exercem uma pressão

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muito grande sobre os seus destinatários (que são em geral os seus autores); basta pensar, a
este respeito, no papel que desempenharam e continuam a despenhar, por exemplo, o Ato final
do Congresso de Viena e a Declaração sobre a neutralidade perpétua da Suíça (1815). Esta
pressão é ainda acrescida quando o ato concertado prevê processos especais de publicidade ou
de exame periódico. Tal era o caso do protocolo de encerramento da Conferência de Ialta que
tinha previsto encontros periódicos dos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos três Estados
signatários (Estados Unidos, Reino Unido e U.R.S.S.).
277
Regime jurídico dos atos concertados não convencionais: do caráter não obrigatório dos
atos concertados não convencionais, uma parte da doutrina deduz o seu caráter não jurídico:
tratar-se-ia de compromissos puramente morais e políticos, sem alcance jurídico, e que,
portanto, não seriam redigidos pelo Direito Internacional. Esta tese assenta numa assimilação
abusiva entre o «jurídico» e o «obrigatório», e não pode ser aceite. A questão é atualmente
objeto de debates doutrinais e é significativo a este respeito que, chamado a examinar a questão
dos «textos internacionais com um alcance jurídico nas relações atuais entre os seus autores e
textos que dele são desprovidos», o Instituto de Direito Internacional tenha tido de renunciar a
adotar uma resolução de fundo. Para numerosos autores, «a verdadeira questão e saber se as
disposições de um texto internacional são suscetíveis ou não de serem legitimamente invocadas
perante um tribunal internacional e tomadas em consideração por este último» (M. Virally). Isto
traduz um conceito extremamente restritivo da própria noção de Direito (todos os sistemas
jurídicos conhecem a existência de normas que não são da competência dos tribunais – as
obrigações naturais do Ius Romanum) e, singularmente, o Direito Internacional, no qual «a
existência de obrigações cuja execução não pode ser, em última instância, objeto de um
processo judiciário, sempre constitui mais a regra do que a exceção». Não poderíamos encontrar
a confirmação destas análises no artigo 2.º, n.º1, alínea a) da Convenção de Viena que define o
tratado como «um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito
Internacional…»: esta disposição vale apenas para os fins de aplicação da própria Convenção e,
como estabelecem os trabalhos preparatórios, o sentido da fórmula «é acentuar positivamente
a submissão dos tratados a este direito e não excluir qualquer instrumento do campo do Direito
das gentes». Na realidade, como as recomendações das organizações internacionais, os atos
concertados não convencionais, sem serem obrigatórios, estão submetidos ao Direito
Internacional e têm um alcance jurídico que não é de pouca monta.

 Sem estarem vinculados pelas suas disposições, os Estados estão-no pelo


princípio da boa fé; e o seu desrespeito não compromete, ipso facto, a
responsabilidade do autor da falta, mas o ato consertado não convencional
pôde criar expectativas, que podem autorizar o seu ou os seus parceiros a
recorrer ao princípio de estoppel;
 Mesmo os autores mais reservados a respeito da submissão destes
instrumentos ao Direito Internacional admitem que a sua conclusão impede
os Estados signatários de invocarem a exceção de competência nacional no
domínio no qual intervieram e que um pedido de execução emanado de um
Estado parceiro não constitui uma ingerência ilícita nos assuntos dos
Estados; também não pode ser considerado um ato hostil;
 Sobretudo, como as recomendações das organizações internacionais, os
atos concertados não convencionais têm um valor permissivo no sentido de
neutralizarem a aplicação das disposições que contêm, podem pelo menos
respeitar o que foi concertado e os seus parceiros não podem censura-los,

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mesmo se esta execução vai contra certas regras preexistentes do Direito


Internacional.
 Além disso, como os Tratados ou as resoluções das organizações
internacionais, os atos concertados não convencionais podem contribuir
par aa formação de regras costumeiras.

Em certos casos, o respeito das normas contidas num ato concertado não
convencional pode impor-se aos Estados; mas não é o próprio ato que é obrigatório; têm este 278
caráter porque este se limita a reassumir regras costumeiras preexistentes. Além disso, como as
resoluções ou convenções que não entraram em vigor, o conteúdo de um ato concertado não
convencional pode ter força obrigatória para os Estados que o tenham aceite seja por um ato
unilateral, seja por um tratado.

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Capítulo III – Os meios de determinação das regras de Direito

Meios auxiliares: segundo o artigo 38.º,n.º1, alínea d) do Estatuto do Tribunal Internacional


de Justiça, o Tribunal aplica:

«sem prejuízo do disposto no artigo 59.º, as decisões judiciais e a doutrina dos publicistas
mais altamente qualificados das várias nações, como meio auxiliar para a determinação das 279
regras de direito».

A redação desta parte do artigo 38.º não é muito satisfatória, pois os termos «aplica» e
«auxiliar» poderiam levar a crer que o Estatuto visa uma fonte de Direito Internacional. A
doutrina é unânime em admitir que nem a jurisprudência, nem a doutrina podem criar regras
de Direito. Elas podem apenas provar a sua existência. O Tribunal «aplica» regras de Direito,
sevindo-se da jurisprudência e da doutrina para as descobrir: são meios de determinação das
regras consuetudinárias e convencionais ou dos princípios gerais de Direito. Que significa nesse
caso a alusão ao papel subsidiário da jurisprudência e da doutrina? Parece que o artigo 38.º
subentende que existem outros meios suscetíveis de servir – até de servir melhor – o mesmo
fim. Pode pensar-se hoje em dia, por exemplo, nas recomendações de organizações
internacionais às quais ainda é impossível reconhecer valor obrigatório. Se bem que mais
importante em Direito Internacional do que em Direito interno, o papel da doutrina e da
jurisprudência admite que os Estados e as organizações internacionais queiram manter um
domínio completo das regras que se lhes impõem.

1.º - A Doutrina

Definição: o termo «doutrina» tem duas aceções ligadas entre si, das quais somente a segunda
é aqui tomada em consideração. Designa-se por vezes a posição dos atores internacionais sobre
problemas políticos. É neste primeiro sentido que se fala das doutrinas Monroe, Hallstein,
Brejnev. Pouco importa que estas doutrinas tenham implicações ou um objeto jurídico
(reconhecimento, soberania): a sua razão de ser é política e não pretendem exprimir o Direito
Internacional as, quando muito, uma «política jurídica externa». Por doutrina, entende-se
também – e é o que visa o artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça – as
posições dos autores, das sociedades eruditas ou dos órgãos chamados a formular opiniões
jurídicas sem comprometer os sujeitos de Direito (Estado, organização internacional) dos quais
derivam. Na prática, o peso das opiniões individuais varia de maneira sensível conforme elas se
exprimem num quadro pedagógico, de livre discussão académica, ou se inserem num processo
internacional (diplomático, normativo ou contencioso). Todavia, se a distinção é incontestável,
os seus limites são por vezes difíceis de precisar.

A doutrina propriamente ditas: pode parecer surpreendente que os autores do Estatuto do


Tribunal Penal de Justiça Internacional, e depois do Tribunal Internacional de Justiça, tenham
julgado oportuno fazer uma referência expressa à contribuição da doutrina. Era prestar
homenagem ao papel importante que ela desempenhara no passado, quando a prática
diplomática permanecia confidencial, para constatar, classificar e explicar os precedentes de um
Direito ainda essencialmente consuetudinário ou para sistematizar uma jurisprudência

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internacional dispersa (predominância absoluta da arbitragem no século XIX). Esta contribuição


só podia reduzir-se com o desenvolvimento dos reportórios de prática nacional, os trabalhos
efetuados sob os auspícios de organizações internacionais e as violações à liberdade de
pensamento dos Estados autoritários. O artigo 38.º, n.º1, alínea d) do Estatuto está
historicamente «situado». Se não pretende conceder qualquer preferência a uma determinada
corrente de pensamento, ele assenta implicitamente em dois postulados: um pensamento
independente, um largo consenso sobre o sistema de Direito. A evolução da sociedade
internacional no século XX repõe em questão a oportunidade desta disposição, viciada de 280
«eurocentrismo» para uns, ameaçada pelo propagandismo para outros. Deduz-se que a rápida
evolução do Direito Internacional e a repugnância frequente dos Estados em exprimirem
claramente opiniões jurídicas que poderiam criar precedentes incómodos para eles, deixam à
doutrina um papel de algum relevo em especial quando os litígios interestatais são submetidos
Às jurisdições internacionais: por formação profissional, os juízes e árbitros são mais sensíveis
do que os Estados às vantagens de uma formulação científica do Direito positivo. Levando em
conta o papel das jurisdições internacionais e dos Estados na elaboração do Direito
contemporâneo, é legítimo distinguir os dois contributos possíveis da doutrina: ajudar a
determinação do Direito e exercer uma influência sobre a evolução do Direito Internacional. O
declínio do papel da doutrina é mais acentuado no segundo aspeto do que no primeiro. O artigo
38.º supracitado não faz alusão a indivíduos, «os publicistas mais quantificados de diferentes
nações»; não podemos pôr de parte todavia a contribuição das «sociedades eruditas»,
organizações não governamentais que apresentam a vantagem de autorizar comparações mais
amplas das práticas nacionais e um debate científico menos subjetivo.

As consultas jurídicas: Os sujeitos de Direito Internacional têm, desde sempre, experimentado


a necessidade de uma avaliação jurídica. Eles fazem apelo neste aspeto a jurisconsultos ou a
colégios de peritos. As soluções adotadas são muito diversas, consoante a amplitude desejada
do confronto dos pontes de vista, a independência e a autoridade reconhecidas aos colégios de
peritos ou o grau de confidencialidade dos seus trabalhos. Embora sejam tomadas certas
precauções para evitar que a opinião destes «consultores» comprometa os sujeitos de Direito,
a autoridade destes observadores da prática internacional – menos exterior aos dados
diplomáticos do que a doutrina – é tal que são muitas vezes submetidos a uma obrigação de
reserva muito vasta. O que ganham em autoridade é muitas vezes perdido em liberdade de
expressão. Para apoiar os serviços jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, as grandes
potências pensaram há muito tempo em recorrer a membros eminentes da comunidade
cientifica nacional ou aos magistrados das mais elevadas instituições. Este tipo de colaboração
pode ser permanente ou ocasional (participação de juristas, que não são diplomatas
profissionais, nas delegações nacionais das diversas conferências ou organizações internacionais:
a fronteira entre o «consultor» e o representante do Estado pode tornar-se muito estreita). As
organizações internacionais criaram, ao longo dos anos, numerosos órgãos consultivos
compostos por peritos juristas: na Organização das Nações Unidas, a Comissão de Direito
Internacional é um exemplo de entre outros. O desdobramento funcional de certos
jurisconsultos nacionais – consultores e agentes – pode observar-se, também, nos serviços
jurídicos das organizações internacional: ora agindo como agentes da organização, ora servindo
de consultores aos governos, sem que mude a forma exterior das suas intervenções. Estes
serviços dão igualmente um contributo interessante aos trabalhos dos órgãos de codificações
pelas suas compilações das práticas nacionais e convencionais.

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2.º - A Jurisprudência

Definição: a jurisprudência é constituída pelo conjunto das decisões jurisdicionais («judiciais»


diz o artigo 38.º do Estatuto) ou arbitrais, tanto nacionais como internacionais. Considerado
isoladamente, um acórdão ou um parecer de um tribunal internacional constitui um precedente
ou um meio de determinação do Direito: não é «a jurisprudência». A jurisprudência dos
281
Tribunais universais, Tribunal Penal de Justiça Internacional e mais tarde Tribunal Internacional
de Justiça, é a primeira implicitamente visada pelo artigo 38.º. Atesta-o a referência ao artigo
59.º, relativo à autoridade do caso julgado dos acórdãos do Tribunal. Confirma-o a prática, que
reconhece uma autoridade especial a esta jurisprudência. Na sua falta, o Tribunal Internacional
de Justiça remete, naturalmente, para a jurisprudência arbitral, muito mais excecionalmente
para as jurisprudências nacionais.

Papel da jurisprudência:
1.º A referência, no artigo 38.º do Estatuto, à função da jurisprudência como meio de
determinação do Direito, corresponde a uma realidade. A autoridade assim reconhecida à
jurisprudência internacional explica-se pelas garantias oferecidas pelo processo jurisdicional e a
própria composição dos tribunais internacionais. Esta autoridade pode no entanto ser atenuada
quando é dada uma certa publicidade aos desacordos entre juízes ou árbitros; a este respeito,
ma opinião individual pode ser tão lamentável como uma opinião dissidente. A opinião
individual é a de um juiz que aceita o dispositivo de um acórdão mas não a sua exposição dos
motivos; este tipo de opinião permite-lhe, ao mesmo tempo, justificar o seu desacordo e dar a
conhecer os motivos sobre os quais pretende basear a sua aceitação do dispositivo. A opinião
dissidente é a de um juiz minoritário que indica não apenas a sua oposição ao dispositivo do
acórdão, mas também os motivos nos quais baseia a sua oposição. Em conformidade com a
prática seguida pelos tribunais anglossaxónicos, são admitidas a formulação das opiniões
individuais e dissidentes dos juízes do Tribunal Internacional de Justiça: as primeiras pelo artigo
57.º do Estatuto, as segundas pelo seu Regulamento.

2.º Poder-se-á sustentar, como G. Scelle, que a jurisprudência é uma verdadeira fonte
de Direito? G. Scelle parte da ideia de que a noção de ato jurisdicional é una, porque é a mesma
em todos os sistemas de Direito. Ora na quase totalidade das ordens jurídicas nacionais, admite-
se que o ato jurisdicional é normativo; deve verificar-se o mesmo em Direito Internacional. Em
direito estrito, esta opinião só é aceitável para a criação de normas individuais: um acórdão
apenas tem alcance normativo direto para as partes (autoridade relativa do caso julgado, artigo
59.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça). Em contrapartida, não pode extrapolar-
se a solução anglossaxónica da autoridade normativa geral da jurisprudência: esta baseia-se no
princípio stare decisis (autoridade do precedente jurisdicional), que não foi transposto para o
Direito Internacional. Na prática, é verdade que nos aproximamos das condições de
continuidade jurisprudencial característica da tradição anglossaxónica. O Tribunal Internacional
de Justiça não hesita em invocar, na motivação dos seus acórdãos e pareceres, a sua
«jurisprudência constante. Teve mesmo ocasião de admitir que, apesar do princípio do efeito
relativo do aso julgado, uma demonstração e uma conclusão jurídicas da sua parte poderiam ser
diretamente aplicadas nas relações entre Estados terceiros:

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«É evidente que qualquer decisão sobre a situação do Ato de 1928, pela qual o Tribunal
declararia que este é ou já não é uma convenção em vigor, poderia influenciar as relações entre
outro Estados que não a Grécia e a Turquia»99.

Com efeito, é claro, que, se uma opinião do Tribunal se baseia em fatores objetivos, não
podem admitir-se pela sua parte conclusões contraditórias. As exigências de coerência, de
continuidade, de segurança jurídica, são mais imperativas para a jurisprudência do que para a
doutrina. É na medida em que estas exigências são respeitadas que a jurisprudência é previsível 282
e tem portanto uma certa autoridade junto dos Estados. Além disso, como vimoso acima, é
necessário reconhecer às jurisdições internacionais um papel na criação de normas gerais de
interpretação dos tratados, na aplicação da equidade, assim como na elaboração das regras
consuetudinárias. Todos estes argumentos não bastam para fazer da jurisprudência uma fonte
de Direito Internacional. Somente os acórdãos têm esta qualidade e ainda com uma
oponibilidade restrita aos Estados partes no contencioso.

99
T.I.J., 1978, Plataforma Continetal do Mar Egeu, Rec., 1978, p. 17.

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As Relações Internacionais100

1.º - Organizações Universais com competências gerais 283

A – Do Pacto da Sociedade das Nações à Carta das Nações Unidas

O precedente da Sociedade das Nações: as soluções que serão conservadas pelos autores
da Carta das Nações Unidas, para a resolução pacífica dos conflitos não poderiam ignorar as
lições da experiência da Sociedade das Nações. É ainda hoje necessário estudar o mecanismos
de entre-as-duas-guerras para compreender como se tentou corrigir as lacunas e as
insuficiências. Com efeito, se a Sociedade das Nações viu malograda a sua ambição principal,
evitar conflitos armados, a responsabilidade deste insucesso não pertence – no essencial – às
técnicas de resolução pacífica instituídas pelo Pacto. A maior parte delas estavam alicerçadas
em dados fundamentais que são sempre observados: coexistência de Estados soberanos e
justaposição de Estados de desigual poder.

1.º As grandes linhas do sistema do Pacto – os dois principais órgãos da Sociedade


das Nações, a Assembleia e o Conselho, eram igual e concorrentemente competentes, pelo
menos em teoria.

a) O Conselho – em matéria de resolução pacífica dos conflitos (artigos 12.º a


15.º), a sua competência é prioritária em virtude do artigo 15.º do Pacto. A grande inovação do
Pacto é autorizar a intervenção obrigatória do Conselho a pedido de uma só parte num conflito.
A sua ação é entretanto travada pelo facto de não poder intervir nos processos “que dependam
da competência exclusiva do Estado” e pelo facto de não poder emitir senão recomendações.

b) A Assembleia – em conformidade com os artigos 11.º a 15.º, a Assembleia e


ao Conselho. Contudo, para que os Estados não possam entrar em guerra, é suficiente que o
relatório da Assembleia tenha sido aprovado por unanimidade dos Estados membros
representados no Conselho e a maioria dos outros membros da Sociedade das Nações.

2.º A Prática – não obstante os grandes insucessos, alguns dos quais produzidos em
situações que, politica e juridicamente, não se prestavam a uma resolução pacífica, o balanço
da Sociedade das Nações não é inteiramente negativo.

Repartição de competências no seio das Nações Unidas:


1.º Sob o ponto de vista orgânico, a Carta mantém a dupla intervenção obrigatória
do órgão plenário – A Assembleia Geral – e do órgão restrito – o Conselho de Segurança. Era

100
Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação Calouste
Gulbenkian, 4.ª Edição 1992.

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difícil renunciar a um compromisso lógico e engenhoso que permitisse associar efetivamente


todos os Estados membros à resolução dos conflitos, qualquer que fosse o seu peso político e
as suas dimensões materiais. Contudo, em lugar de os colocar sobre um pé de aparente
igualdade como o fazia o Pacto, ela consagra e organiza a primazia do órgão restrito. A procura
de eficácia não é a única razão desta primazia. Os autores da Carta desejaram institucionalizar a
preponderância das grandes potências: eles partilham a convicção geral de que uma das causas
essenciais do fracasso da Sociedade das Nações residiu na recusa de atribuir aos grandes Estados
responsabilidades à medida da sua potência relativa. Pelo contrário, é unicamente a 284
preocupação de eficácia que explica que as competências particulares, ignoradas pelo Pacto,
tenham sido conferidas pela Carta ao Secretário-Geral das Nações Unidas, órgão individual e
independente dos governos. Na prática, o bloqueio frequente dos órgãos deliberativos
acentuou o alcance desta atribuição de competências.

2.º Do ponto de vista material, a mesma questão colocou-se e 1945 como em 1919:
todos os conflitos são suscetíveis de ser levados a órgãos internacionais tendo em vista a sua
resolução pacífica? No seu conjunto a Carta confirma as soluções do Pacto.

a) A Assembleia e o Conselho estão habilitados a examinar tanto os conflitos


quanto as situações. A Carta abstém-se de definir estas noções, o que abre o caminho a
divergências de apreciação cujas consequências podem ser desagradáveis. Em doutrina,
entende-se geralmente por conflito «uma contestação na qual não podemos fazer abstração da
individualidade das partes em causa» (critério subjetivo). Pelo contrário, a situação é uma noção
objetiva enquanto «circunstância» destacável do comportamento dos Estados que nela estão
implicados e suscetível de ser considerada independentemente deste comportamento. A
distinção entre conflito e situação está consagrada em numerosas disposições da Carta de onde
se extraem consequências em matéria de interpelação dos órgãos, alcance das suas
competências, processos de decisão. Podemos lamentá-la na medida em que esta solução
complique a ação dos órgãos nas circunstâncias onde é frequentemente difícil distinguir com
clareza os dois fenómenos: se uma situação não cria necessariamente um conflito, todo o
conflito cria naturalmente uma situação perigosa para a paz. O alargamento das possibilidades
de intervenção preventiva, desejado pela resolução 43/51, deveria atenuar os inconvenientes
desta situação;

b) Em princípio, são da competência da Organização das Nações Unidas somente


os conflitos graves, o mesmo será dizer aqueles «cujo prolongamento é suscetível de por em
perigo a manutenção da paz e da segurança internacional» (artigo 33.º da Carta). Hoje em dia
como então, esta condição não é entendida em sentido restrito. Se é sensato não encher a
ordem do dia dos órgãos principais como conflitos menores, sem incidência direta sobre
terceiros Estados, seria da mesma forma inoportuno limitar as ocasiões que se oferecem à
Organização para exercer a sua missão de pacificação dos conflitos internacionais ou de, a
pretexto de incidente menores chamar a atenção dos Estados para o respeito de certos
princípios fundamentais;

c) Uma outra condição de aceitabilidade é também tradicional mas foi


formulada em termos mais latos que no Pacto: o conflito deve ser «internacional», o que
significa que ele não se deve reportar a uma questão que releve da «competência exclusiva» de
cada Estado;

d) O conflito suscetível de ser levado diante da Organização das Nações Unidas


pode não opor necessariamente Estados membros. A Carta, tal como o Pacto, esforça-se pelo

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contrário em facilitar o acesso dos Estados não membros aos órgãos de regulamentação da
Organização já que é evidente que a paz é indivisível.

Exercício de competências:
1.º As funções dos órgãos competentes da O.N.U. são idênticas às dos órgãos da
S.d.N.. Uns como outros exercem a sua missão pela via do inquérito, da mediação e da
conciliação.
285
2.º Os poderes dos órgãos são idênticos no Pacto e na Carta desde que se trate da
resolução pacífica de conflitos. Os órgãos não podem adotar senão recomendações, atos
jurídicos sem efeito obrigatório para as partes de um conflito. Pelo contrário, se o conflito é
suficientemente grave para ser considerado uma ameaça para a paz ou por constituir uma
rutura da paz, a missão de certos órgãos amplia-se. A este respeito, as soluções do Pacto e da
Carta diferem: o Conselho da S.d.N. não podia agir senão pela via de recomendações para
estabelecer ou manter a paz; o Conselho de Segurança poderá adotar decisões, atos obrigatórios.

3.º Uma última diferença entre os dois sistemas é de assinalar aqui, que se reporta
ao processo de decisão. O Pacto consagrava o princípio do voto por unanimidade. Porque lhe
atribuiu uma parte da responsabilidade do insucesso da S.d.N. os autores da Carta procuraram
um mecanismo mais complexo e mais flexível. A regra da maioria impôs-se no seio da
Assembleia Geral (maioria de dois terços, na matéria); no Conselho de Segurança, uma maioria
igualmente reforçada (9 votos sobre 15) deve ser conjugada com a unanimidade dos membros
permanentes.

B – Acionamento dos processos de resolução pelos órgãos das Nações Unidas

I – Conselho de Segurança

Prerrogativas do Conselho de Segurança: elas são justificadas pelo artigo 24.º, n.º1 da Carta.
Se bem que o seu texto vise a manutenção da paz e não a resolução de conflitos, poderemos
considerar tendo em vista a prática, que estas duas missões são demasiado interdependentes
para não autorizarem uma interpretação lata do campo de aplicação do artigo 24.º. Outras
disposições da Carta objetivam os meios e modalidades desta preeminência, garantida
particularmente pela ausência de subordinação hierárquica do Conselho à Assembleia Geral e
pela aplicação na matéria de limitações de competência da Assembleia em virtude dos artigos
11.º e 12.º (artigo 35.º, n.º3). Na medida em que estas disposições digam respeito à manutenção
da paz, elas podem igualmente ser aplicadas em matéria de resolução pacífica; pois o Conselho
de Segurança não dissocia os seus poderes a título de uma ou de outras competências – ao
ponto de evitar fazer referência nas suas resoluções aos diferentes capítulos que respeitam a
estas duas competências teoricamente distintas, o capítulo VI para a resolução pacífica e o
capítulo VII para a manutenção da paz.

Interpelação do Conselho:

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1.º O direito de interpelação é largamente atribuído pela Carta, tendo em vista


evitar processo dilatórios.

a) Todo o Estado membro, parte ou não parte num conflito, implicado ou não
numa «situação», pode «solicitar a atenção» do Conselho sobre qualquer
conflito ou qualquer situação (Artigo 35.º, n.º1). Tendo o seu fundamento a
Carta, a competência do Conselho impõe-se a todos os Estados membros,
incluídas as partes no conflito: uma iniciativa unilateral por uma parte é 286
sempre possível. A ausência de acordo preliminar das partes dá a ação do
Conselho o caráter de um intervenção oficiosa. Não sendo a iniciativa uma
obrigação para as partes, o direito de terceiros Estados a tomá-la –
verdadeira actio populis – encontra todo a sua justificação. A Carta
regulamenta duas outras formas de iniciativa emanando das partes. A
primeira afasta-se da ideia de iniciativa facultativa, que constitui o direito
comum. Se as partes não conseguiram resolver o seu conflito por recurso
aos meios enunciados no artigo 33.º, elas estão na obrigação de submeter
este conflito ao Conselho (artigo 37.º). A segunda consiste na iniciativa do
Conselho «se todas as partes num conflito assim o solicitarem» (artigo 38.º,
que não se aplica às «situações»).
b) Um Estado não membro da O.N.U. pode igualmente pedir a intervenção do
Conselho de Segurança mas em condições mais estritas: deve tratar-se de
um conflito, o Estado em causa deve ser parte neste conflito e ele deve
aceitar preliminarmente as obrigações de resolução pacífica previstas na
Carta (artigo 35.º, n.º2). Ao contrário do que previa o artigo 17.º, n.º1 do
Pacto, o Estado não membro beneficia por direito no acompanhamento do
processo, de uma situação idêntica à de um Estado membro.
c) O direito de iniciativa reconhecido a alguns órgãos da O.N.U. permite suprir
a eventual omissão dos Estados. Em virtude do artigo 11.º, n.º3, a
Assembleia Geral poderá assim solicitar a atenção do Conselho de
Segurança para uma «situação». A inovação mai interessante reside no
artigo 99.º eu autoriza o Secretário-Geral a encarregar o Conselho de um
«processo» que engloba por sua vez a ideia de conflito e de situação.

2.º Efeito da interpelação: uma vez solicitado, o Conselho de Segurança é livre de


aceitar ou de recusar o exame do conflito ou da situação. Um primeiro debate terá lugar sobre
a inscrição da questão na ordem do dia do Conselho, o que implica somente que o Conselho
aceite abrir a discussão. Não existe aqui senão uma questão de processo, suscetível de um voto
maioritário sem direito a veto dos membros permanentes. A abertura da discussão não
prejudica nem a aceitabilidade da iniciativa, nem a fortiori uma solução de fundo. Contudo os
Estados não hesitam em argumentar contra a inscrição de um assunto na ordem do dia. É que
tal passo pode ter uma certa ressonância política. Daí em diante, o assunto será subtraído ao
segredo das negociações diplomáticas e será objeto de debates públicos.

Modalidades de intervenção do Conselho de Segurança: o Conselho pode fazer apelo ao


conjunto dos meios não jurisdicionais de resolução pacífica dos conflitos oferecidos pelo Direito
internacional geral. Em princípio procede pela via de recomendações, porém parece adquirido
que ele tem direito de impor às partes o recurso a uma forma de resolução por uma decisão: no
parecer consultivo de 21 de junho de 1971, o Tribunal Internacional de Justiça considerou que

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a redação do artigo 25.º da Carta não impedia reconhecer valor decisório às resoluções do
Conselho de Segurança que não se inscreviam no quadro do capítulo VII da Carta.

1.º Exercício direto dos seus poderes de resolução de conflitos: quando examina um
processo, o Conselho tem primeiro que tudo o direito de abrir ou de fazer proceder sob sua
autoridade a um inquérito. Mesmo sem habilitação especial, o Conselho pode sempre decidir
conhecer a materialidade dos factos. O Conselho pode, ainda, ir mais longe com base no artigo
34.º, e proceder a um inquérito especial: procura também determinar se o prolongamento de 287
um conflito ou de uma situação «parece ameaçar a manutenção da paz e da segurança
internacionais». O objeto do inquérito é mais ambicioso visto que se dirige a conclusões de
fundo relativas à qualificação jurídica dos factos; estas conclusões podem constituir a primeira
etapa para uma tomada de posição sobre a manutenção da paz. Logo que é interpelado em
virtude dos artigos 37.º e 38.º, o Conselho pode recomendar os termos de uma resolução. Assim
fazendo, ele exerce a função de mediador e de conciliador. Já se tem defendido que o Conselho
podia desempenhar o papel de árbitro. Não se pode admitir esta análise senão quando o
Conselho adotasse uma decisão obrigatória para as partes no conflito. Uma tal eventualidade
não é talvez interdita pela letra do Capítulo VI, porém ela nunca se verificou. Regra geral, o
Conselho não age por si próprio porque a sua estrutura não se presta para tal, mas por
intermédio de uma comissão intergovernamental ou de personalidades das quais ele avaliza os
resultados.

2.º Convite dirigido às partes para recorrerem a uma determinada forma de


resolução:

a) Em dois casos de intervenção oficiosa, o Conselho pode fazer


recomendações relativas aos meios de resolução pacífica de um litigio.
De acordo com o artigo 33.º, n.º2, se o julgar necessário, convida as
partes a escolher entre os meios tradicionais de resolução, enunciados
no n.º1. O artigo 36.º, n.º1, permite-lhe ser mais preciso e recomendar
um certo procedimento ou «método de ajustamento» que
eventualmente julgue adequado.
b) O Conselho de Segurança pode igualmente convidar as partes no
conflito a recorrerem aos bons ofícios de um outro órgão, em particular
do Secretário Geral das Nações Unidas, ou aos processos oferecidos por
outras organizações internacionais.
c) Cada vez mais o Conselho de Segurança tem a tendência para criar
órgãos subsidiários que lhe estão diretamente subordinados e cuja
missão é a de o assistir na sua tarefa. Na maior parte dos casos são
órgãos ad hoc. A sua composição (órgão individual ou colegial,
composto de representantes de Estados, de personalidades
independentes ou de peritos) e as suas competências são determinadas
livremente pelo Conselho – dentro dos limites dos seus próprios
poderes – em função das circunstâncias e das exigências específicas de
cada caso. O órgão subsidiário é por vezes encarregue de observar e de
supervisionar a aplicação de uma solução já adotada. Teoricamente, a
criação das forças de manutenção da paz não provém da resolução
pacífica dos conflitos, contrariamente à das missões de observação. Na
prática a distinção é muito delicada, tanto mais que uma das missões
das Forças é a de preceder a observações.

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Se bem que a sua competência para criar estes órgãos seja fixada por
uma disposição (artigo 29.º da Carta) que pertence a uma secção do Capítulo V intitulado
“Processo”, admitimos que se trate em geral de uma questão de fundo, submetida por esta
razão ao vetos dos membros permanentes do Conselho.

II – Assembleia Geral
288

Oscilações das competências da Assembleia: como órgão plenário, a Assembleia é mais um


fórum, uma tribuna política, que uma instância de resolução. Pode temer-se que ela não
apresente a neutralidade necessária ao exercício de uma função de resolução pacífica. Mas o
reparo poderia ser endereçado a todos os órgãos políticos e não é pertinente senão quando se
trata de evitar que um conflito venha a ser uma ameaça para a paz. A sua intervenção tem sido
julgada útil porque ela garante uma igualdade entre Estados que não assegura o processo de
voto no Conselho de Segurança e porque ela pode tomar posição por maioria. A Carta
reconhece-lhe competências concorrentes com as do Conselho. A prática demonstrou a
necessidade de contornar algumas limitações iniciais. Mas as grandes potências permanecem
muito atentas a toda a tentativa que coloque em causa ainda que indiretamente as
competências próprias do Conselho.

1.º Competências da Assembleia segundo a Carta: o artigo 10.º da Carta atribui-lhe uma
competência a todos os títulos geral. Os artigos 11.º, 12.º e 14.º definem várias hipóteses que
interessam à resolução de conflitos. A Assembleia pode discuti e fazer recomendações sobre
todas as “questões” que interessem à manutenção da paz (artigo 11.º, n.º2); a sua competência
é confirmada pelo artigo 35.º. A sua interpelação é relativamente fácil visto que pode ser um
ato de um Estado membro, de um Estado não membro ou do Conselho de Segurança. Ela pode
solicitar a atenção do Conselho de Segurança sobre as situações perigosas para a paz (artigo 11.º,
n.º3). Ela pode enfim – e sobretudo – recomendar as «medidas próprias para assegurar o
ajustamento pacífico de toda a situação» (artigo 14.º). A fim de remediar os inconvenientes de
um paralelismo obsoleto de competências da Assembleia e do Conselho perante conflitos mais
graves, e como garantia da preponderância deste último, a Carta impõe duas limitações à
Assembleia. Segundo o artigo 12.º, a Assembleia Geral não tem o direito de fazer
recomendações sobre os «assuntos» - conflitos ou situações, incluídos os discutidos a propósito
do artigo 14.º - que examinará o Conselho de Segurança. Quando muito ela está no direito de
«discutir»; esta «reserva à reserva» pode parecer irrisória: qual é a utilidade de um debate que
não pode ser senão transmitida: com efeito, a Assembleia está capacitada para fazer
recomendações quando o Conselho lho solicite expressamente para tomar posição, ou quando
eliminou o assunto da sua ordem do dia. Em segundo lugar, cada vez que o exame de um caso
provoca uma ação coerciva regida pelo Capítulo VII da Carta, a Assembleia Geral deve reenvia-
lo ao Conselho, seja antes ou seja depois da discussão (artigo 11.º, n.º2 in fine). O monopólio do
Conselho em matéria coerciva implica, em princípio, a incompetência da Assembleia para
recomendar uma tal «ação».

2.º A prática, marcada pelos avanços e recuos da competência da Assembleia, é menos


restritiva do que sugere o texto da Carta. Face à ameaça permanente do bloqueio da atividade
do Conselho pelo voto dos seus membros permanentes, a Assembleia tem rapidamente
procurado obter meios para paliar a ineficácia do processo previsto pela Carta. Foi preciso

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esperar pela famosa resolução 277 (V) de novembro de 1950, «União para a Manutenção da
Paz» mas denominada frequentemente como «resolução Dean Acheson» pelo nome do seu
promotor, o Secretário de Estado americano da época, para que a ultrapassagem da letra e do
espirito da Carta fosse realizada. Se bem que a sua «constitucionalidade» permaneça muito
contestada, existe uma prática suficiente para que possamos ver nela o fundamento de algumas
iniciativas da Assembleia em matéria de resolução de conflito. Certamente, em princípio para
que a resolução seja posta em prática é necessário pelo menos uma ameaça contra a paz. Mas
a Assembleia permite-se fazer dela uso sem necessidade de qualificar a situação que denuncia; 289
evitando designar os Estados implicados, ela contenta-se a recomendar medidas políticas
totalmente compatíveis com a ideia da solução pacífica de conflitos. Por outro lado, a
Assembleia nunca até aqui recomendou o emprego de medidas coletivas semelhante às
enumeradas no artigo 41.º da Carta em matéria de manutenção da paz. A concorrência com o
Conselho permanece no quadro dos meios de resolução pacífica.

Modalidades de exercício de competências da Assembleia Geral: tal como o Conselho de


Segurança, a Assembleia Geral pode fazer apelo a toda a gama de técnicas de resolução pacífica
de conflitos. Mas ela padece de uma incapacidade muito marcada, a sua composição: o número
elevado de Estados membros, o muito amplo leque da sua potência real, a dependência de
muitos dentre eles face às grandes potências e as divergências de interesses interditam este
órgão de pôr diretamente em prática algumas formas de resolução tais como a conciliação e a
mediação. Também a Assembleia prefere solicitar o Conselho de Segurança que recomende o
emprego de meios pacíficos de resolução ou de os pôr em prática, ou convidar as próprias partes
no litígio a eles recorrerem.

1.º No quadro da resolução de Acheson, mas também sobre outras bases, a Assembleia
associa-se voluntariamente ao Conselho tendo em vista a resolução de certos casos, quando ela
não tende a associá-lo às suas próprias iniciativas.

2.º Assim que ela recomenda aos Estados o recurso aos meios pacíficos, para além das
exortações diretas, a Assembleia reforça a sua pressão utilizando os órgãos existentes ou
criando novos órgãos subsidiários, sobretudo para fins de inquérito.

III – Secretário Geral da O.N.U.

As suas funções diplomáticas:


1.º Segundo o artigo 99.º da Carta, o «Secretário-Geral pode solicitar a atenção do
Conselho de Segurança para qualquer assunto que, em sua opinião, possa ameaçar a
manutenção da paz e da segurança internacionais». Em virtude desta disposição, o Secretário-
Geral pode ativar a intervenção do Conselho de Segurança nos casos em que nenhum governo
tome a iniciativa de o solicitar. O artigo 99.º tem por objetivo remediar esta necessidade. Sobre
este ponto, os autores da Carta colheram a lição da experiência da Sociedade das Nações cujo
Secretário-Geral, agente puramente administrativo, não dispondo de uma competência
semelhante, tinha permanecido impotente face à inércia voluntária e calculada dos Estados
membros. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas está pelo contrário em posição
de dar o alarme e de exercer o papel de um autoridade internacional permanente, pelo menos
moral, por sua própria iniciativa. A função de iniciativa reconhecida ao Chefe do Secretariado da

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Organização responde a uma necessidade de eficácia verificada em numerosas organizações


internacionais.

2.º O Secretário-Geral exerce por vezes as funções diplomáticas não por seu próprio
arbítrio, mas com base num mandato que lhe é confiado pela Assembleia ou pelo Conselho de
Segurança, hipótese prevista no artigo 98.º da Carta.

3.º Mesmo sem habilitação ou texto, o Secretário-Geral está numa posição estratégica
290
na Organização das Nações Unidas que o autoriza a desempenhar muitas vezes de maneira
discreta senão mesmo confidencial, um papel importante para resolver certos conflitos. Em
princípio, ele pode acionar todas as formas de resolução pacífica: negociações, bons ofícios,
mediação, conciliação.

2.º - Definição do Estado segundo o Direito Internacional

Identificação do Estado: o Estado é um fenómeno histórico, sociológico e político considerado


pelo Direito. A sua definição ambiciona essencialmente isolar este fenómeno e esta instituição
jurídica de outras entidades que desempenham um papel nas relações internacionais: o Estado
deve permanecer um sujeito de direito suficientemente poderoso e “raro” para pretender
conservar um lugar privilegiado na condução das relações internacionais. Este fim é alcançado
na medida em que o Estado é o único sujeito de direito que beneficia de um atributo
fundamental, a soberania ou a independência. Os Estados guiados por esta preocupação de
preeminência em relação aos outros sujeitos de Direito Internacional, não se contentarão com
uma definição baseada em critérios objetivos. Introduzirão nesta definição elementos mais
subjetivos, autorizando-os a manter um certo controlo no aparecimento dos Estados, por uma
espécie de direito de cooptação. «O Estado é normalmente definido como uma coletividade que
se compõe de um território e de uma população submetidos a um poder político organizado»101
e «caracteriza-se pela soberania». Nesta qualidade, não está subordinado a qualquer outro
membro da comunidade internacional; em contrapartida está diretamente submetido ao Direito
Internacional, o que lhe oferece uma certa proteção jurídica. Esta definição de Estado tem um
caráter um tanto tautológico. Se há necessidade de uma definição de Estado, é para saber se tal
coletividade humana pode invocar em seu proveito o princípio da soberania. A definição supõe
o problema resolvido. Ela revela-se mais útil para distingui os Estados de outras entidades
concorrentes do que para demonstrar a sua existência.

Secção I – Os elementos constitutivo do Estado

I – Uma População

101
Parecer n.º1, 29 novembro 1991, R.G.D.I.P.

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Relações entre Estados e população: um Estado é, antes de mais, uma coletividade humana.
Não pode existir sem população. O que é a população de um Estado? Existem critérios sobre a
sua composição?

1.º Em sentido lato, compreende todos os habitantes que vivem e trabalham no seu
território. É um dado geográfico e demográfico, ao mesmo tempo demasiado lato e demasiado
estreito sob um ponto de vista jurídico. Demasiado lato porque inclui os estrangeiros
domiciliados no Estado ou que aí possuem a sua principal residência, e não renunciaram à sua 291
nacionalidade de origem; esta escolha não justifica de facto a sua inclusão num dos elementos
constitutivos do Estado. Mas é também uma conceção demasiado restritiva na medida em que
descura os nacionais instalados no estrangeiro que escolheram continuar a participar na vida
política do seu Estado de origem.

2.º Enquanto elementos constitutivo, a população e entendida sobretudo como a massa


dos indivíduos ligados de maneira estável ao Estado por um vínculo jurídico, o vínculo da
nacionalidade. É o conjunto dos nacionais. A nacionalidade cria uma fidelidade pessoal do
indivíduo para com o seu Estado nacional; ela fundamenta a competência pessoal do Estado,
competência que o autoriza a exercer certos poderes sobre os seus nacionais onde quer que se
encontrem.

3.º Por população do Estado, designa-se por vezes também a coletividade dos seus
naturais. Ora este termo, utilizado em contextos muito variados pelos tratados, não é
interpretado de maneira uniforme. Os termos “natural” e “nacional” ora são considerados
sinónimos. Ora o termo “natural” tem um sentido mais lato do que a noção de “nacional” e visa
pessoas assimiladas aos nacionais.

População, nação e povo: somente o primeiro termo é pertinente, no que respeita aos
elementos constitutivos do Estado. Assim, nenhuma regra de Direito Internacional impõe que a
cada Estado corresponda uma “nação” e uma só. O Direito Internacional não proíbe de modo
nenhum que um Estado englobe várias “nações”, cujos membros terão todos a mesma
nacionalidade. Todavia, a noção de população não basta para englobar todas as realidades
tomadas em conta pelo direito e pela política internacional. Muitas vezes pareceu oportuno
privilegiar, além da simples realidade estatística e jurídica que é a população, um facto
sociológico e político simbolizado pela nação ou pelo povo, expressões de uma certa
homogeneidade da população. O que é uma nação? O desacordo é total sobre os seus critérios..
Segundo a conceção subjetiva, para que haja nação, é necessário e suficiente que os indivíduos
que a compõem possuam vontade de viver juntos. Para os partidários da conceção objetiva, a
existência de nação assenta em fatores reais: comunidade histórica, homogeneidade racial,
linguística, cultural, etc.; alguns chegarão mesmo a pretender que é legítimo integrar um Estado,
se necessário contra a sua vontade, todos os indivíduos que fazem parte, em virtude destes
“critérios”, de uma mesma nação. A acuidade do desacordo está ao nível das implicações
políticas que se quis dar ao conceito de nação. No século XIX nasceu o princípio das
nacionalidades, segundo o qual todos os indivíduos que pertencem a uma mesma nação têm o
direito – mas não a obrigação – de viver no interior de um Estado, que lhes seja próprio. O Estado
coincide então com uma nação e é um “Estado nacional”. Não sendo admitido enquanto
princípio geral pelo Direito Internacional, o princípio das nacionalidades dominou vários regimes
convencionais dos séculos XIX e XX (tratados de paz, reconhecimento coletivo de novos Estados,
proteção de minorias). O seu avatar contemporâneo é o princípio do direito de
autodeterminação dos povos, consagrado pelo Direito positivo no seu alcance anti-colonial. Mas

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não se trata senão de uma consagração parcial do princípio das nacionalidades: o Direito
Internacional atual não comporta ainda o reconhecimento da legitimidade da secessão. Em que
medida esta noção de autodeterminação joga em benefício da população concreta, isto é, da
nação ou do povo? O princípio do direito de autodeterminação dos povos está no ponto de
encontro de duas noções fundamentais: o princípio das nacionalidades e a ideia democrática.
Derivado do primeiro, implica que as cessões e as ligações territoriais não podem realizar-se sem
a vontade livremente expressa das respetivas populações; ligado à segunda, implica o direito de
a população de cada Estado escolher livremente o seu regime político e a sua organização 292
constitucional. Para os povos já constituídos em Estados, o princípio confunde-se com o da
autonomia constitucional e política do Estado: isto é, a possibilidade de escolher o seu regime
político e o direito de designar os seus governantes sem ingerência estrangeira. Os únicos limites
impostos incidem no respeito de certos direitos do homem (proibição do racismo e do apartheid)
e, progressivamente, da ideia de democracia.

II – Um Território

Relações entre o Estado e o Território: do mesmo modo que pode dizer-se «não há Estado
sem população», deve dizer-se «não há Estado sem território». O princípio está firmemente
estabelecido pelo costume internacional. O Estado desaparece com a perda total do seu
território. O Direito Internacional interessa-se apenas pelas relações entre certos dados
geográficos e a soberania pelas quais se define o território estatal. A importância concedida ao
território como elemento constitutivo do Estado permite reconhecer uma forte
interdependência entre o território Estatal e os outros elementos constitutivos, população e
governo. Não é necessário que o território tenha uma dimensão importante para que possa
estabelecer-se um Estado. Conhecem-se “micro-Estados” desde sempre e a sua existência não
é contestada.

1.º Território e População: entre os dois conceitos, a relação é direta e necessária; não
há território estatal sem população. A população estatal moderna e uma população sedentária,
estabilizada no interior das fronteiras do território do Estado. A ideia de um Estado nómada é
“aberrante” e todos os governos confrontados com os problemas do nomadismo
transfronteiriço praticam políticas, por vezes, brutais, de sedentarização dos grupos nómadas.
No mesmo sentido, a presença de um indivíduo num território estatal constitui, senão uma
prova da nacionalidade, pelo menos um vínculo ao Estado que representa um indício +útil em
caso de contestação da nacionalidade real.

2.º Território e Governo: o vínculo entre estas duas noções também é necessário, pois
não pode imaginar-se um Estado sem poder estável. As condições modernas de exercício do
poder político e administrativo exigem o domínio de um território, por muito reduzido que seja.
A posse de um território impõe-se portanto como condição prévia para a existência de um
“governo”. Inversamente, o território é o espaço no qual o Estado exerce o conjunto dos poderes
reconhecidos às entidades soberanas pelo Direito Internacional. Este laço muito forte
estabelecido entre a plenitude das funções governamentais e o território estatal obriga a
qualificar diversamente os espaços em que as autoridades do território estatal obriga a qualificar
diversamente os espaços em que as autoridades do Estado não exercem competências plenas e
exclusivas: fala-se então de zonas ou de espaços “sob jurisdição” doo Estado. É necessário mas

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suficiente que o Governo disponha de um mínimo de base territorial para que exista Estado. Isso
pressupõe antes de mais que a integridade territorial é um princípio fundamental do Direito
Internacional contemporâneo – dado que só se admitiram as modificações territoriais por meios
pacíficos. (O princípio da integridade territorial, enunciado no artigo 2.º, n.º 4, da Carta nas
Nações Unidas é evocado em inúmeros documentos internacionais). Podemos daqui deduzir
consequentemente que a qualidade de estado não se perde pelo simples facto da diminuição
do território. Não só as modificações de fronteiras permanecem possíveis mas a identidade do
antigo Estado não é atingida pelas flutuações da sua consistência geográfica. 293

Natureza jurídica do território: as opiniões dividem-se quanto à melhor fórmula jurídica que
permita consagrar a associação estreita do Estado e do território. Foram quatro as teorias
principais propostas pela doutrina, mas somente as duas últimas são suscetíveis de serem
consideradas hoje em dia:

1.º No interesse do Estado, as duas primeiras teorias esforçam-se por criar a união mais
estreita possível entre o Estado e o seu território:

a) teoria do território-sujeito: aproxima-se da conceção organicista do Estado, o


território é considerado como uma componente própria do Estado-pessoa. É designado quer
como a “qualidade do Estado”, quer como o “corpo do Estado”, quer como “um elemento da
natureza do Estado”, quer como “a essência do Estado”; aqui o Estado é uma “corporação
territorial”. Uma tal valorização jurídica do território, que o assimila a um titular de direitos e
obrigações, é inaceitável. Ela favorece a multiplicação das ficções jurídicas é contestada pelo
Direito positivo. Logicamente, tem como consequência que a identidade do Estado deve mudar
com cada mutação territorial. Acabamos de ver que isso não sucede;

b) teoria do território-objeto: é um progresso doutrinal, pois dissocia o Estado


do seu território; mas é para criar logo entre eles o laço mais íntimo, a relação de propriedade.
Presume-se que o Estado exerça sobre o seu território um direito real semelhante ao que possui
um proprietário sobre o que lhe pertence. Esta teoria remonta à época da monarquia absoluta,
em que prevalecia uma conceção patrimonial do estado (reunião de privilégios nas mão do
monarca). Apesar do desaparecimento da conceção patrimonial, a teoria que daí resultaram não
caiu em desuso e conta ainda na época contemporânea, com numerosos partidários. Na verdade,
a teoria do território-objeto está construída sobre uma ideia errónea do poder de Estado, poder
que se exerce diretamente sobre homens ou atividades e não sobre coisas.

2.º As duas últimas teorias, se associadas, justificam rigorosamente a realidade jurídica,


sem sacrificar os interesses legítimos do Estado:

a) teoria do território-limite: sustentada por Michoud e Duguit propõe


considerar o território como o limite do poder do Estado; mais realista do as precedentes, reflete
a associação estreita entre território e governo. Ela mostra-se insuficiente na medida em que
não traduz na sua plenitude a importância jurídica que o território apresenta para a própria
existência do Estado;

b) teoria do território-título de competência: diz, com efeito, que o território é


mais do que um limite; constitui um título jurídico essencial da competência do Estado.
Formulada em 1905 por Radnitzky, a teoria é hoje a mais geralmente aceite pela doutrina. Ela é
perfeitamente compatível com todos os aspetos do domínio territorial do Estado. A sua
aceitação não exclui, mas pelo contrário exige, que se retenha paralelamente a teoria do

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território-limite. Porque, se o território confere ao Estado um direito de agir, é então necessário


limitar o seu poder de governar o seu próprio território.

Consistência do território estatal: a consistência do território resulta da ideia de que o


território é o espaço em que se aplica o poder do Estado. Onde o Estado exerce o conjunto das
competências deduzidas da soberania, existe o território estatal.

1.º Os diferentes componentes do território: todo o espaço respondendo à condição


294
que acabamos de evocar está incluído no território stricto sensu. Trata-se, em primeiro lugar, do
conjunto do território terrestre, inclusive as vias de água. Dever-se-ão juntar ainda certos
espaços marítimos e o conjunto do espaço aéreo. Em contrapartida, os espaços em que o estado
exerce apenas os “direitos de soberania” ou uma “jurisdição funcional” não estão incorporados
no território estatal. As regras aplicáveis a estas zonas nem por isso deixam de ser consideradas
como servindo para determinar o “estatuto territorial” do Estado costeiro.

2.º Será necessário que o território estatal seja contínuo? Embora o seja regra geral –
sob reserva das possessões insulares –, o Direito Internacional não o exige. As circunstâncias
históricas favoreceram por vezes a manutenção de enclaves em territórios estrangeiros ou a
criação de Estados sem unidade geográfica. O território de um Estado terceiro pode constituir
uma solução de continuidade entre os elementos do território terrestre ou marítimo de um
Estado.

3.º A delimitação do território estatal é certamente útil para revenir conflitos entre
Estados limítrofes. Não é juridicamente necessária e muitas vezes realiza-se tardiamente. A falta
de delimitação ou o seu caráter impreciso não constitui uma objeção ao reconhecimento da
existência do Estado.

III – Um Governo

Relações entre Estado e governo:


1.º Um aparelho político é tão necessário à existência do Estado como uma população
e um território. Como pessoa jurídica, o Estado tem necessidade de órgãos para o
representarem e exprimirem a sua vontade. Titular de poderes, só poderá exercê-los por
intermédio de órgãos compostos de indivíduos. Um território sem governo, na aceção moderna
da palavra, não pode ser um Estado no sentido do Direito Internacional. O Direito Internacional
confirma esta necessidade de um governo, em chegar ao ponto de ditar aos Estados as
modalidades da sua representação governamental. A noção de governo estatal é portanto
entendida num sentido lato, sem relação estrita com as qualificações de Direito interno.

2.º Existe uma segunda relação entre o governo e o Estado, que incide não
propriamente na existência do Estado mas nas suas competências. Se o Estado dispõe de um
governo, é para responder à sua missão fundamental de satisfazer as necessidades da população
submetida à sua autoridade. A ideia de governo está diretamente relacionada com a conceção
funcional do Estado. Ela confere, assim, um título particular de competências estatais, as
relativas às organizações e à defesa dos serviços públicos do estado sem as quais ficaria privado
dos instrumentos indispensáveis ao exercício dos seus deveres.

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Exigência da efetividade governamental: a efetividade significa aqui a capacidade real de


exercer todas as funções estatais, inclusive a manutenção da ordem e da segurança internas, e
a execução dos compromissos externos. Apesar dos avatares da prática, esta exigência é uma
condição jurídica da existência do Estado. Certamente, a maior parte das vezes, presume-se que
a condição se verifica. Nas circunstâncias normais, pôr em dúvida a efetividade do poder político
local ou mesmo pretender verificar a sua existência, seria considerado incompatível com o
princípio da não ingerência nos assuntos internos dos Estados. É já mais surpreendente verificar
que a mesma reserva pudica se aplica a situações em que um Estado é dilacerado por uma 295

guerra civil. Nas hipóteses precedentes, em que se trata de Estados há muito admitidos na
comunidade internacional, poder-se-á julgar que as perturbações que os afetam não põem em
causa a sua existência: os outros Estados postulam que a sua inaptidão é meramente temporária.
Mais surpreendente ainda é a atitude observada a respeito de entidades que acedem à
soberania: quantos novos Estados não entraram nas Nações Unidas sem que se tenha verificado
a condição formulada pelo artigo 4.º, n.º1 da Carta. «Podem tornar-se membros das Nações
Unidas todos os outros Estados pacíficos que aceitarem as obrigações contidas na presente Carta
e, segundo parecer da Organização, forem capazes de cumprir tais obrigações e dispostos a fazê-
lo»? É, não obstante, nesta fase inicial da existência do Estado que este exame deve efetuar-se
e por vezes isso verifica-se. Os candidatos à soberania estão bem conscientes disso a julgar pelas
iniciativas dos movimentos de libertação nacional, iniciativas orientadas de acordo com a prova
da efetividade do seu controlo político e administrativo num determinado território ou numa
determinada população, em formas tão simbólicas quanto possível, mesmo caricaturais. Na
prática, só se procedeu à verificação de efetividade governamental nas situações em que uma
intervenção militar externa desempenhou um papel significativo na independência do novo
Estado: encontram-se então reunidas as condições políticas para que as grandes potências,
usando o seu veto, exijam um exame mais sério.

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