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RÔMULO VIEIRA TELLES

CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE CLÍNICA (Teoria, Técnica e Prática)

2009

SUMÁRIO

Apresentação ................................................................................... 07
Introdução ....................................................................................... 08
Prefácio ........................................................................................... 14

Capítulo 1 - PRINCÍPIOS GERAIS DA PSICANÁLISE ............................... 15

Capítulo 2 – TIPOS PSICANALÍTICOS DE PERSONALIDADE ..................... 17


Estrutura da Personalidade ................................................................ 18
Tipologia Traçada por Freud ............................................................... 19
A Teoria da Técnica Psicanalítica ......................................................... 19

Capítulo 3 – OS MÈTODOS DE EXPLORAÇÃO DO INCONSCIENTE ............. 21

Capítulo 4 – REAÇÕES TRANSFERENCIAIS ........................................... 23


Contra-Transferência ........................................................................ 24
Aliança Terapêutica .......................................................................... 24

Capítulo 5 – AS RESISTÊNCIAS ................................................. 26


O Paciente Está Silencioso ................................................................ 27
O Paciente „Não Está com Vontade de Falar‟ ......................................... 27
Afetos Indicando a Resistência ........................................................... 27

Capítulo 6 – PROCEDIMENTO ANALÍTICO ..................................... 29


a) Confrontação ............................................................................... 29
b) Esclarecimento ............................................................................. 29
c) Interpretação ............................................................................... 29
d) Elaboração ................................................................................... 30

Capítulo 7 – OS MÉTODOS DE EXPLORAÇÃO DO INCONSCIENTE ............. 31


1) O Método Associativo .................................................................... 31
2) Sentido ....................................................................................... 39
3) O Método Simbólico ...................................................................... 65

Capítulo 8 – SEXOPATOLOGIAS (Perversões Sexuais) E NEUROSES ......... 72


Perversões Sexuais ........................................................................... 72
As Neuroses .................................................................................... 74

Capítulo 9 – A TÉCNICA E A PRÁTICA DA PSICANÁLISE CLÍNICA 77


(Primeiros Passos à Técnica Psicanalítica) ............................................
Primeiro Procedimento – Confrontação ................................................ 77
Segundo Procedimento – Esclarecimento ............................................. 78
Terceiro Procedimento – Interpretação ................................................ 78
Quarto Procedimento – Elaboração ..................................................... 79

Capítulo 10 – ALIANÇA DE TRABALHO ................................................. 80

Capítulo 11 – ABRANGÊNCIA DA PSICANÁLISE ..................................... 82


Análise de Experiência ....................................................................... 83

Capítulo 12 – RESISTÊNCIA ............................................................... 85


O Reconhecimento das Transferências ................................................. 86
O Paciente Está Silencioso... .............................................................. 86
Resistências ..................................................................................... 87
O Paciente Está Entediado ................................................................. 89
Atuação .......................................................................................... 89
O Paciente Tem um Segredo .............................................................. 89
Fatores Destacados por Freud ............................................................ 89

Capítulo 13 – A TEORIA DA RESISTÊNCIA ............................................ 90


As Resistências ................................................................................ 91

Capítulo 14 – O PERIGO E A EVOLUÇÃO PSICOTRAUMATOSUGESTIVA 92


.....
Medo do Abandono ........................................................................... 92
Medo da Aniquilação Física ................................................................. 92
Medo de Não Se Sentir Amado ........................................................... 92
Medo da Castração ........................................................................... 93
Medo da Perda da Auto-estima ........................................................... 93
Repetição ........................................................................................ 94
Resistência e Regressão .................................................................... 94
Classificação das Resistências ............................................................ 95
Elementos da Fase Anal ..................................................................... 95
Depressão e Resistências Orais .......................................................... 95
Repressão e Isolamento no Processo Analítico ...................................... 96
Atuação e Resistências de Caráter ...................................................... 96
Resistência Transferencial .................................................................. 97
A Categoria dos Diagnósticos ............................................................. 97

Capítulo 15 – NEUROSES TRANSFERENCIAIS PREDOMINANTES .............. 98


As Histerias ..................................................................................... 98
Neuroses Obsessivas ......................................................................... 98
Depressões Neuróticas ...................................................................... 98
Neuroses de Caráter ......................................................................... 98
Dicotomia entre Resistências Egodistônicas e Egossintônicas .................. 99

Capítulo 16 – ALGUMAS DOENÇAS REVERSÍVEIS PELA CLÍNICA 102


PSICANALÍTICA ................................................................................
Técnica para Análises Resistenciais ..................................................... 102
Dinâmica da Situação de Tratamento .................................................. 103
Forças que são Favoráveis ao Psicanalista, aos Processos e aos 103
Procedimentos Psicanalíticos ..............................................................

Capítulo 17 – COMO O PSICANALISTA ESCUTA? ................................... 105


O Esclarecimento da Resistência ......................................................... 106
Procedimentos Gerais na Análise das Resistências ................................. 107
O Paciente Determina o Assunto da Sessão .......................................... 108
Resistências Secundárias ................................................................... 108
Perda das Funções do Ego ................................................................. 108
Transferência ................................................................................... 109
Definição Prática .............................................................................. 109
Quadro Clínico: Características Gerais ................................................. 109
Elementos de Transferência ............................................................... 110
Aliança de Trabalho .......................................................................... 115

Capítulo 18 – VISÃO DA LITERATURA EM RELAÇÃO À ALIANÇA ............... 116


O Relacionamento Real Entre Paciente e Analista .................................. 116
Problemas na Visão do Psicanalista ..................................................... 116
Os Problemas São Inversamente Proporcionais à Capacidade de Quem os 117
Administra .......................................................................................

Capítulo 19 – CLASSIFICAÇÃO GERAL DAS REAÇÕES E 119


TRANSFERÊNCIAS
Tipos de Reações Transferenciais ........................................................ 119
A Técnica de Analisar a Transferência .................................................. 124
O Que a Técnica Psicanalítica Deve Abranger ........................................ 124
Análise de Transferência .................................................................... 125
Os Níveis de Intensidade ................................................................... 126
Algumas Modificações e Elaborações ................................................... 126
Novas Compreensões Internas ........................................................... 127
Afetos Internos ................................................................................ 127
Repetições ....................................................................................... 128
Semelhanças ................................................................................... 128
Simbolismo ...................................................................................... 128
Associações-chave ............................................................................ 129
Medidas Técnicas ao Analisar a Transferência ....................................... 129
Silêncio e Paciência ........................................................................... 129
O Uso da Evidência ........................................................................... 130
Esclarecimento da Transferência ......................................................... 130
Procurando o Desencadeador da Transferência ..................................... 131
A Interpretação da Transferência ........................................................ 131
Busca da Origem dos Antecedentes da Figura ....................................... 131
Investigação das Fantasias Transferenciais .......................................... 132
Elaboração das Interpretações Transferenciais ...................................... 132
Considerações Teóricas ..................................................................... 132
Procedimentos Técnicos: a Busca e a Reconstrução ............................... 132
Problemas Especiais ao Analisar as Reações Transferenciais ................... 133

Capítulo 20 – O QUE A PSICANÁLISE EXIGE DOS PSICANALISTAS .......... 135


Compreensão do Inconsciente ............................................................ 135
A Comunicação com o Paciente .......................................................... 136

Capítulo 21 – O PSICANALISTA .......................................................... 141


Componentes Básicos da Psicanálise ................................................... 142

Capítulo 22 – A HOMOSSEXUALIDADE E AS PSICOTERAPIAS .................. 144


As Psicoterapias da Homossexualidade ................................................ 153
A Noutética ...................................................................................... 155

CONCLUSÃO .................................................................................... 157

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 159

ANEXOS .......................................................................................... 161


Anexo 1 – Posturas Terapêuticas na Prática Clínica, por Nahman Armony . 161
Anexo 2 – Uma nota sobre o Inconsciente na Psicanálise (1912) ............. 183
Anexo 3 – Construções em Análise (1937) ........................................... 186
Anexo 4 – Legislação Pertinente - Psicólogos e Psicanalistas – 192

CBO 2515-50 (Classificação Brasileira de Ocupações) do Ministério do


Trabalho e Emprego ..........................................................................
Anexo 5 – Certificado e Histórico Escolar (Modelo) ................................ 201

APRESENTAÇÃO

Sinto-me honrado em apresentar o livro Curso de Formação em Psicanálise


Clinica – Teoria, Técnica e Prática. Ele é destinado ao público em geral, mas em
especial os amantes da Psicanálise. A Teoria Clínica Psicanalítica visa a abrir a visão
de aplicabilidade dos conceitos psicanalíticos, especialmente do funcionamento e
importância do inconsciente em outras áreas de ação que não o tratamento analítico
propriamente dito.

O autor deste livro, Dr. Rômulo Vieira Telles, tem experiência na aplicação
prática da Psicanálise, tanto na orientação psicanalítica daqueles que o procuram,
como na formação de centenas de psicanalistas pelo Brasil.

Como resultado, o leitor sairá da leitura deste livro muito bem informado.
Contudo, adverte o autor, é pouco provável que essa leitura lhe traga uma revelação
psicanalítica entendida essa expressão não como alguma experiência do caráter
místico, mas sim como um desses momentos privilegiados em que o encontro com o
inconsciente faz ruir de surpresa o edifício de nossas certezas e de nossos hábitos,
pois a teoria psicanalítica não pode ser o meio para tal encontro.
Como toda teoria, ela protege tanto melhor de toda surpresa e de todo o risco,
quanto mais a conhece a fundo, até os seus últimos recônditos. Compete ao leitor
desfrutar do privilégio de ter em suas mãos este precioso livro tão bem escrito pelo Dr.
Rômulo.

O Dr. Rômulo coloca agora à disposição dos leitores esta preciosidade fruto,
de anos de dedicação ao ensino na formação de muitos psicanalistas que estão
atuando no Brasil.

Nós, os psicanalistas, agradecemos ao Dr.Rômulo por sua prontidão em


escrever este livro. Certamente foi muito bem avaliado pelo autor, pelo seu
conhecimento clínico e científico da matéria em causa. Fica agora por conta do leitor
aproveitar o máximo desta obra que todos nós esperamos.

Sinto-me privilegiado em apresentar esta obra ao leitor e amante da


Psicanálise.

Dr. Ilson Caetano Ferreira

Psicanalista Clínico.

INTRODUÇÃO

Poderíamos iniciar esta introdução com uma pergunta: por que Freud? Antes,
porém, de justificar nossa preferência, gostaríamos de, em mínimas considerações,
dizer alguma coisa sobre alguns dos principais teóricos da psicanálise.

O Prof. Jader dos Reis Sampaio, da Universidade Federal de Minas Gerais,


escreveu um belo trabalho e publicado no site da Universidade de São Paulo - USP
sobre a vida, obra e a importância do psiquiatra e psicanalista inglês Wilfred R. Bion,
mais conhecido como Bion.

“Bion desenvolveu pesquisas sobre a formação de fenômenos de grupo, entre


outros assuntos. Iniciou seus trabalhos no exército inglês e deu prosseguimento aos
mesmos em grupos do Instituto Tavistock, constituídos de pessoas com formações
diversas. Muitos dos conceitos desenvolvidos em sua pesquisa se tornaram relevantes
para a compreensão de grupos de trabalho e dos fenômenos emocionais subjacentes
a eles, influenciando gerações futuras de pesquisadores em diferentes áreas do
conhecimento, como já havia sido mostrado por Maria Tereza Leme Fleury e
pesquisadores associados”.
“Do ponto de vista teórico, suas principais influências são a psicanálise
freudiana com destaque para os trabalhos de Freud e seus interlocutores sobre a
psicologia das massas: a teoria das três pulsões do Dr. Hadfield (da clínica Tavistock),
e as contribuições kleinianas. Do ponto de vista empírico, suas principais fontes são os
grupos terapêuticos que desenvolveu em diversas instituições”.

Uma extraordinária dama, mais conhecida como Madame Klein, Melanie Klein,
nasceu em l882 e faleceu em l960. Estudo, Pesquisa e Transmissão da Psicanálise
Kleiniana, editado por um psicanalista sempre em formação, nos faz conhecer
Madame Klein, que não era psicanalista, mas, graças à sua capacidade de
observação, pesquisa e organização do pensamento, criou a psicanálise denominada
psicanálise kleiniana (kleinismo), que não é uma simples corrente psicanalítica. É
muito mais do que isto, pois é reconhecidamente uma das mais importantes escolas,
comparável ao lacanismo. Assim como os lacanianos, os kleinianos também são
freudianos. A característica é que todos se reconhecem na psicanálise enquanto o que
se afasta de Freud não é mais psicanálise. Os que praticam a psicanálise tem, em
comum, conceitos como o inconsciente, a transferência, um certo tipo de tratamento.
Se não se trata mais de psicanálise, então se trata de psicologia, psicoterapia etc.

“Esta mulher, que reconheceu inteiramente a contribuição de Freud, inclusive a


pulsão de morte, esteve na origem tanto do fundamento analítico da prática dos
tratamentos com crianças quanto de uma corrente da psicanálise, em que a clínica do
narcisismo chegou ao seu auge”. Klein modificou inteiramente a doutrina e a clínica
freudianas, cunhando novos conceitos e instaurando uma prática original da análise,
da qual decorreu um tipo de formação didática diferente da do freudismo clássico.

Outra importante escola psicanalítica é a de Sandor Ferenczi (1873-1933),


médico psiquiatra, psicanalista húngaro, originário de uma família de judeus poloneses
imigrantes, e o clínico mais talentoso da história do freudismo. Estava ligado a Freud,
desde 1906, sendo o discípulo favorito e um dos seus raros amigos. Com E. Jones e
K. Abraham, é um dos maiores colaboradores para o desenvolvimento da psicanálise
na Áustria.

O sucesso das idéias freudianas na Hungria permitiu que Ferenczi abrisse uma
clínica e, até mesmo, durante a curta duração do governo Bela Kun, possibilitou que
ensinasse psicanálise na Universidadede de Budapest. Porém, a partir de 1923,
começam a surgir divergências entre Freud e Ferenczi, alimentadas pela
complexidade dos vínculos afetivos existentes entre eles.

Foi no plano técnico que Ferenczi desenvolveu suas contribuições mais


originais. A fim de evitar que uma parte demasiado grande da energia psíquica
encontrasse satisfações substitutivas, o que iria entravar o tratamento, ele propôs uma
“técnica ativa” que proibiria tais satisfações, mas que também poderia incitar a
enfrentar as situações patológicas. Diante das dificuldades ligadas a essa técnica,
que, amiúde, reforçava as resistências, ele modificou por completo sua técnica, que irá
se assemelhar a uma forma de relaxação. Finalmente, chega a conceber uma espécie
de análise mútua, destinada a impedir que os desejos inconscientes do analista
interfiram no tratamento. Hoje, suas soluções quase não são retomadas, mas suas
perguntas constituem a prova de uma consciência aguda de sua responsabilidade
como terapeuta.

No plano teórico, as pesquisas de Ferenczi objetivam a constituição de uma


nova ciência, a bioanálise, que é uma extensão da teoria psicanalítica à área da
biologia, ou à psicanálise das origens, segundo a qual a existência intra-uterina seria a
repetição de formas anteriores de vida, cuja origem é marinha. O nascimento é a
perda do estado originário, ao qual todos os seres vivos aspiram retornar.

Assim como os lacanianos os annafreudianos também são freudianos. Anna


Freud (1895-1982), psicanalista britânica, de origem austríaca, foi a caçula dos seis
filhos de Sigmund e Martha Freud. Presidente do Instituto de Formação Psicanalítica
de Viena refugiou-se com o pai em Londres, em 1938, onde fundou, em 1951, a
Clínica Hampstead, centro de tratamento, formação e pesquisas em psicoterapia
infantil. Suas concepções irão se opor às de M. Klein, em particular do lado da
exploração do complexo de Édipo. Anna Freud temia a deterioração das relações da
criança com seus pais, se fossem analisados seus sentimentos negativos a respeito
deles.

A divisão entre o kleinismo e o annafreudismo, que se superpõe à divisão entre


psicose e neurose, passa pela questão da psicanálise de crianças. Foi a corrente
kleiniana e pós-kleiniana, com efeito, que estendeu o tratamento psicanalítico,
centrado na neurose e no complexo de Édipo, a crianças pequenas, aos “borderlines”
e à relação arcaica com a mãe, enquanto os annafreudianos concebiam o tratamento
das psicoses a partes das neuroses, introduzindo nele uma dimensão social e
profilática que está ausente da doutrina kleiniana, a qual só leva em conta a realidade
psíquica ou o imaginário do sujeito.

Jacques Lacan nasceu em l901. Seriam precisos apenas 25 anos para que
começassem a despontar no palco do mundo os efeitos do seu nascimento. Após
1920, Freud introduziu o que irá chamar de segunda tópica: uma tese que torna o “eu”
(ego), uma instância reguladora entre “isso” (id – fontes das pulsões), o supereu
(superego – agente das exigências morais) e a realidade (lugar onde se exerce a
atividade). Pode surgir, no neurótico, um reforço do eu, para “harmonizar” essas
correntes, como uma finalidade de tratamento. Ora, Lacan faz sua entrada no meio
psicanalítico com uma tese completamente diferente: o eu, escreveu ele, constrói-se à
imagem do semelhante e primeiramente da imagem que me é devolvida pelo espelho
– este sou eu.

O investimento libidinal desta forma primordial “boa”, porque supre a carência


de meu ser, será a matriz das futuras identificações. Assim, instala-se o
desconhecimento em minha intimidade e, ao querer forçá-la, o que irei encontrar será
um outro; uma tensão ciumenta com esse intruso que, por seu desejo, constitui meus
objetos, ao mesmo tempo em que os esconde de mim, pelo próprio movimento pelo
qual ele me esconde de mim mesmo. É como outro que sou levado a conhecer o
mundo: sendo, desta forma, normalmente constituinte da organização do “jê” (eu
inconsciente, Isso, Id), uma dimensão paranóica. O olhar do outro devolve a imagem
do que eu sou. O bebê olha pra a mãe buscando a aprovação do Outro simbólico.
O artigo “O Estádio do espelho como formadora da função do „jê‟” (eu) foi
apresentado, em l936, ao Congresso Internacional de Psicanálise, sem encontrar
outro eco senão o toque de campainha de E. Jones, interrompendo uma comunicação
demasiado longa. Sua reapresentação em Paris, em 1947, não suscitou maior
entusiasmo.

O termo “Estádio do espelho” teria sido inventado por Henry Wallon. Lacan,
entretanto, o apresentou com uma outra forma. Ele inicia com um mito e apóia-se na
idéia de que o ser humano é um ser prematuro no nascimento com uma
incoordenação motora constitutiva. A idéia é que o bebê só conseguirá encontrar uma
solução para tal estado de desamparo por intermédio de uma “precipitação” pela qual
ele “antecipará” o amadurecimento de seu próprio corpo, graças ao fato de que ele se
projeta na imagem do outro (figura materna) que se encontra como que por milagre
diante dele. Essa precipitação na imagem do outro é que leva o bebê a sair da sua
prematuração neonatal. O movimento de precipitação, neste outro, leva o bebê a uma
alienação. O bebê tem (é obrigado) que se “alienar” para que se constitua um sujeito.

O “falo” (falus, falta) da mãe é completado com o nascimento do filho. A mãe


deseja ter um filho (dá-lhe um nome), engravida. Reconhece que seu filho é um ser
humano e este chora porque está com fome e lhe dá o “objeto seio” para a satisfação
da oralidade (leite/alimento e a catexia da libido oral), passando o bebê da natureza
(instinto-animal) para a cultura (pulsão-homem). Estabelece uma “linguagem” com o
“simbólico” mãe. Este passa por um processo de “alienação” para se construir como
sujeito com o fim da fase oral (canibalesca, de 0 a 1,5 anos). O bebê antes do “Estádio
Espelho” ( 6 a 18 meses) não se vê como um corpo unificado, sente-se como um
corpo fragmentado. Sua mãe/seio faz parte dele e ela (mãe, “boca de jacaré”) sente
como se ele (filho/falo) fosse parte dela.

Com o princípio prazer/desprazer verificamos que a energia é maior no


desprazer: o bebê busca o prazer através do seio materno (leite e libido oral). Porém
só quando o bebê perde o objeto do seu desejo (mãe/seio) é que ele verifica que sua
mãe não faz parte do seu corpo e não é completa (completude).

Melanie Klein fala ainda sobre alienação que tem o sentido de que o bebê não
tem uma unificação, e ele se constitui como sujeito devido ao resultado do efeito que
esse outro (mãe) tem no bebê. Nessas condições o bebê (eu, sujeito), é senão a
imagem do outro. É no outro e pelo outro que aquilo que quero me é revelado. Meu
desejo é o desejo do outro. Não sei nada de meu desejo, a não ser o que o outro me
revela. De modo que o objeto de meu desejo é o objeto do desejo do outro. O desejo
é, acima de tudo, uma seqüela dessa constituição do eu no outro. O “sujeito”, que
define a alienação constitutiva do ser, no encontro com o espelho, verifica o “rapto”
que esse outro opera nele. É no espelho que a criança vê seu corpo unificado,
deixando de ser fragmentado. No espelho a criança vê que ele existe e não é o outro
(mãe), existindo duas pessoas distintas. Neste momento identifica a “falta”, a
separação da mãe e não é a constituição do “sujeito falante”.

Sigmund Freud (1856-1939) foi médico neurologista judeu-austríaco, criador da


psicanálise. Nasceu em Freiberg, Morávia (hoje Pribor), quando pertencia ao Império
Austríaco. Interessou-se pela histeria e, tendo como método a hipnose, estudou
pessoas que apresentavam esse quadro clínico. Mais tarde, com interesse pelo
inconsciente e pulsões, entre outros, foi influenciado por Charcot e Leibniz,
abandonando a hipnose em favor da associação livre e da interpretação dos sonhos.
Estes elementos tornaram-se as bases da psicanálise. Freud, além de ter sido um
grande cientista e escritor (Prêmio Goethe, 1930), possui o mérito, assim como Darwin
e Copérnico, de ter realizado uma revolução no âmbito humano: a idéia de que somos
movidos pelo inconsciente.

Freud, suas teorias e sua forma de tratamento com seus pacientes foram
controversos na Viena do século XIX, e continuam a ser muito debatidos hoje. Suas
idéias são frequentemente discutidas e analisadas como obras de literatura e cultura
geral em adição ao contínuo debate ao redor delas no uso como tratamento científico.

Freud inovou em dois campos. Desenvolveu, simultaneamente, uma teoria da


mente e da conduta humana, e uma técnica terapêutica para ajudar pessoas
comprometidas psiquicamente. Alguns de seus seguidores afirmam estar influenciados
por um, mas não pelo outro campo. Provavelmente a contribuição mais significativa
que Freud teve para o pensamento moderno é a de tentar dar ao conceito de
inconsciente um status científico (não compartilhado por várias áreas da ciência e da
psicologia). Seus conceitos de inconsciente, desejos inconscientes e repressão foram
revolucionários: propõem u‟a mente dividida em camadas ou níveis, dominada, em
certa medida, por vontades primitivas que estão escondidas sob a consciência e que
se manifestam nos lapsos e nos sonhos.

Como parte de sua teoria, Freud postula também a existência de um pré-


consciente e o inconsciente (o termo subconsciente é utilizado popularmente, mas não
é parte da terminologia psicanalítica). A repressão em si tem grande importância no
conhecimento do inconsciente. De acordo com Freud, as pessoas experimentam
repetidamente pensamentos e sentimentos dolorosos que não podem suportar.

Freud criou uma vasta terminologia: associação livre, auto-erotismo complexo,


complexo de castração, de Édipo e de Electra, contratransferência da condensação,
fixação, histeria, id, ego, superego, inconsciente, narcisismo, neurose, pré-consciente,
princípio do prazer, psicologia analítica, psicossomatismo, repressão e trauma.

Freud procurou uma explicação para a forma de operar do inconsciente,


propondo uma estrutura particular. No primeiro tópico de sua teoria ele estava
preocupado em estudar o que levava à formação dos sintomas psicossomáticos
(principalmente a histeria e, para isso, apenas os conceitos de inconsciente, pré-
consciente e consciente eram suficientes). Quando sua preocupação se virou para a
forma como se dava o processo da repressão, passou a adotar os conceitos de id,
ego, e superego.

O id representa os processos primitivos do pensamento e constitui, segundo


Freud, o reservatório das pulsões. Dessa forma toda energia envolvida na atividade
humana seria advinda do id. Inicialmente, considerou que todas as pulsões seriam ou
de origem sexual, ou que atuariam no sentido de auto-preservação. Posteriormente,
introduziu o conceito das pulsões de morte que atuariam no sentido contrário ao das
pulsões de agregação e preservação da vida. O id é responsável pelas demandas
mais primitivas e perversas.

O ego permanece entre ambos, alternando necessidades primitivas e nossas


crenças éticas e morais. É a instância na qual se inclui a consciência. Um eu saudável
proporciona a habilidade para adaptar-se à realidade e interagir com o mundo exterior
de uma maneira que seja cômoda para o id e o superego.

O superego é a parte que contra-age ao id, e representa os pensamentos


morais e éticos internalizados.

Finalmente, Freud também acreditava que a libido amadurecia nos indivíduos


por meio da troca de seu objeto (ou objetivo). Argumentava que os humanos nascem
“polimorficamente perversos”, no sentido de que uma grande variedade de objetos
pode ser uma fonte de prazer, sem ter a pretensão de se chegar à finalidade última.
De acordo com a área na qual a libido está mais concentrada: a etapa oral
(exemplificada pelo prazer dos bebês ao chamar a chupeta, que não tem nenhuma
função vital, mas apenas de proporcionar prazer); a etapa anal (exemplificada pelo
prazer das crianças ao controlar sua defecação); e logo a etapa fálica (que é
demonstrada pela manipulação dos órgãos genitais).

Até então percebe-se que a libido é voltada para o próprio ego, ou seja, a
criança sente prazer consigo mesma. O primeiro investimento objetal da libido,
segundo Freud, ocorre no progenitor do sexo oposto. Esta fase caracterizada pelo
investimento libidinal em um dos progenitores chama-se complexo de Édipo. A criança
passa então a amar a mãe e a experienciar um sentimento antagônico de amor e ódio
com relação ao pai. Ela percebe que tanto o amor vivido com a mãe como o ódio
vivido com o pai são proibidos. O complexo de Édipo é então finalizado com o
surgimento do superego, com a desistência da criança com relação à mãe e com a
identificação do menino com o pai.

Por que Freud? Porque de todos os pensadores que nos últimos duzentos
anos modelaram a nossa compressão da natureza humana, sem dúvida Freud se
encontra ao lado de Platão, Newton, Darwin e Karl Marx.

Mas o que dá a Freud tal importância? Simplesmente pelo fato de ele ter
dissociado a psicologia humana do senso religioso comum, que era a teologia cristã,
tendo-a trazido para o ponto de convergência da natureza humana. É lógico que Freud
sofreu a influência do movimento empírico da sua época em que se buscava a razão
do processo do conhecimento, afastando, assim, o estigma religioso.

No entanto, ainda encontramos hoje publicações psicológicas e até


psicanalíticas abrangendo o ponto religioso, obras como Psicanálise e Judaísmo,
Psicanálise e Espiritismo, dentre outras do gênero.
A importância de Freud é que modificou a perspectiva religiosa que existia
desde então. O todo da vida humana torna-se mais importante do que o sentido da
alma. A psicanálise deixa o “homem nu” perante si mesmo.

Concluindo, agradeço a todos que me inspiraram nesse trabalho e que é fruto


de muita leitura, seminários, conferências, anotações de aulas, pesquisas,
congressos, etc., e sem dúvida alguma, o resultado de uma exaustiva compilação do
que há de melhor dos ícones transmissores do conhecimento e da escuta
psicanalítica. Destaco, entre muitos o Dr. Ralph R. Greenson, muitíssimo citado nesse
trabalho, devido ao seu grande conhecimento desta ciência, de sua técnica e a prática
da psicanálise.

PREFÁCIO

Este trabalho vem sendo desenvolvido ao longo de muitos anos, exatamente quando
iniciamos nossa formação em psicanálise clínica, em 1978, no CADEP – Centro Acadêmico
de Estudos e Debates em Psicanálise Clínica , passando pela Academia Brasileira de
Psicanálise Clínica e iniciando especialização em Teoria e Clínica Psicanalítica na
Universidade Gama Filho, além de participação em dezenas de congressos, seminários e
conferências no Brasil e no exterior. Portanto, o mérito não é nosso, mas os créditos
pertencem àqueles que de forma direta ou indiretamente contribuíram para transmitir-nos
saber psicanalítico.

Elegemos este trabalho como o “livro texto” do nosso Curso de Formação em


Psicanálise Clínica , obedecendo rigorosamente à legislação pertinente que está inserida
neste trabalho para conhecimento dos psicanalistas clínicos em formação. Assim , estes
poderão conhecer um grande e variado leque de oportunidades que a legislação garante ao
psicanalista.

Quem adquirir este Curso e desejar realmente fazer sua formação em Psicanálise,
deverá formalizar entrar em contanto conosco para saber das condições exigidas, o longo
caminho a ser percorrido e receber em seu computador as disciplinas específicas
complementares e necessárias à formação, além de vários textos de Freud para serem
interpretados. Ao término deverá apresentar uma monografia, em conformidade com as
exigências da ABNT e suas congêneres internacionais.

Não se preocupe o leitor quando, ao manusear este livro, deparar-se com repetições
de determinados assuntos e temas. São repetições propositais, com abordagens
diferenciadas, que visam a melhorar o aprendizado de assuntos importantíssimos que os
futuros psicanalistas jamais poderão esquecer no exercício de sua prática clínica.

Por fim faz-se necessário advertir que este material deve ser utilizado apenas como
parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus
respectivos autores.

Rio de Janeiro, setembro de 2009.


Rômulo Vieira Telles

Psicanalista Clínico.

Mestre pela Academia Brasileira de Psicanálise Clinica, Pós-Graduado em


Docência do Ensino Superior, Doutor em Psicologia Pastoral , Doutor Honoris
Causa pela Universidad de Los Pueblos de Europa, PhD of Theology pelo The
International Theological Seminary of London, United Kingdom e Diretor da
Escola de Psicanálise Clínica do Rio de Janeiro.

Capítulo 1

PRINCÍOS GERAIS DA PSICANÁLISE

A palavra “Psicanálise” é usada para designar três coisas e poderemos muito


naturalmente perguntar como será isso possível, uma vez que as três coisas são de
natureza bem diferente. “Psicanálise” significa um método especial de tratamento
concebido por Sigmund Freud, de Viena, para a cura de certa classe de desarranjos
nervosos. Este sentido restrito foi aquele em que, pela primeira vez, foi usada a
expressão. Significa também uma técnica especial de investigação das camadas
profundas da mente. Finalmente, esta palavra é empregada para descrever a
extensão de conhecimento que se adquiriu pelo exercício deste método e, neste
sentido, é praticamente sinônimo de “ciência do inconsciente” (Ernest Jones).

A atividade psicanalítica não se subordina ao Conselho Federal de Medicina,


nem ao Conselho Federal de Psicologia, mas atua de forma interdisciplinar com a
Medicina e a Psicologia na promoção do bem estar da saúde humana. O Conselho
Federal de Medicina estabelece procedimentos para a classe médica, e o Conselho
Federal de Psicologia, para psicólogos.

Poderíamos dizer ainda que “a Psicanálise é um processo de investigação


sobre o funcionamento do inconsciente cujos resultados são terapêuticos”. A
Psicanálise baseia-se na suposição de que os significados das experiências vividas
pelos seres humanos permanecem, em grande parte, desconhecidas por eles
próprios.

Estes significados inconscientes exercem um papel muito importante sobre os


sentimentos e sobre o comportamento humano, gerando sofrimentos ou distúrbios que
variam de um simples desajustamento ocasional até graves distúrbios da
personalidade e do contato com a realidade, inibição de diversas funções psíquicas ou
dificuldades diversas no relacionamento pessoal e emocional.

O tratamento psicanalítico, na medida em que traz estes significados


inconscientes à tona, permitindo que eles sejam analisados pelo paciente junto com o
analista, abre um campo novo de perspectivas para o indivíduo ajudando-o a lidar
melhor consigo próprio e com as realidades da vida.

A análise implica em um relacionamento íntimo durante o qual o paciente


revive com o analista seus conflitos inconscientes na experiência do dia-a-dia, nas
fantasias e nos sonhos. Por esse motivo, a análise demanda tempo, continuidade e
precisa se dar em um ambiente de acolhimento, isenção, respeito confiabilidade,
ambiente cujas regras e limites o analista aprende durante o longo período de sua
formação analítica.

Mas a análise não é apenas um método de conhecer a mente. Ela é, também,


uma teoria geral sobre o comportamento humano que influenciou, como nenhuma
outra disciplina do século XX, as ciências humanas em geral. A Medicina , a
Psicologia, a Pedagogia, a Antropologia, a Sociologia, a História, a Filosofia, a
Lingüística, as artes e a cultura, de um modo geral, foram ficaram profundamente
marcadas pelos seus postulados.

A teoria psicanalítica interessa-se tanto pelo funcionamento mental normal


como pelo psicológico. Mesmo sendo os pacientes da Psicanálise mentalmente
enfermos, as teorias se referem tanto ao normal quanto ao anormal.

A Psicanálise nos apresenta o determinismo psíquico e o fenômeno psíquico.


Determinismo psíquico é o princípio que na mente humana afirma que nada acontece
por acaso ou de modo aleatório. Cada evento psíquico é determinado por outros que
os precederam. Sempre existe uma razão para todos. Os fenômenos psíquicos e os
fenômenos mentais necessitam de um elo entre eles. Nenhum deles é acidental.
Sempre existirá também uma razão que justifique sua existência.

Na Psicanálise não existem “casualidades”. Cada evento pode parecer


independente, mas o é apenas na aparência. Por ter sentido em especial, ele
acontece porque foi causado por um desejo ou uma intenção da pessoa envolvida.
Como há um elo entre um evento e outro, não existem casualidades na vida mental.
Tudo tem uma explicação.

Damos nomes às manifestações comuns do sono. Dá-se o nome de sonhos


quando a imagem, em cada sonho, mantém uma relação coerente e significativa com
o restante da vida psíquica daquele que sonha, sendo conseqüências de outros
eventos psíquicos. Freud descobriu que o sonho segue o mesmo princípio do
determinismo psíquico. Descobriu também que cada sonho com sua imagem distinta
mantém íntima ligação com a vida mental da pessoa.

Durante vários anos Freud desenvolveu uma técnica chamada Psicanálise,


pela simples razão de ter sido capaz, com a sua ajuda, de entender e descobrir os
processos psíquicos de uma pessoa quer sã ou enferma. E isto foi de extrema
importância.

O sonho oferece importante material para análise. Freud descobriu através da


técnica psicanalítica que por detrás de todo sonho existem pensamentos e desejos
inconscientes ativos. Pode, assim, demonstrar que quando se produzem sonhos,
estes são provocados por atividades mentais inconscientes para a pessoa que sonha
e assim permaneceriam a não ser que seja utilizada a técnica psicanalítica.

Acrescentou ainda que o instinto, quando em ação, produz um estado de


tensão ou excitação psíquica. Esta tensão leva o individuo para a ação ou atividade.
Esta atividade no individuo é, de um modo geral, geneticamente determinada, mas
pode ser consideravelmente alterada pela experiência individual, e levará à cessação
da excitação ou tensão ou, ainda, à gratificação.

Indicando uma característica da ação do impulso, diríamos que há uma


seqüência que é característica da ação do impulso, por exemplo: necessidade,
atividade motora, gratificação. Essa seqüência trabalha diretamente com elementos de
experiência subjetiva. Sobre os impulsos, há dois exemplos: a) impulso sexual –
refere-se ao que, grosso modo, falamos relativo ao sexo. Este impulso dá origem ao
componente erótico das atividades mentais; b) mpulso agressivo – refere-se à
agressividade. Este impulso dá origem ao componente destrutivo. Freud definiu o
impulso como um estímulo da mente, proveniente do corpo.

Capítulo 2

TIPOS PSICANALÍTICOS DE PERSONALIDADE

As fases do desenvolvimento psicossexual da criança são três:

Fase Oral – os órgãos sexuais principais são a boca, os lábios e a língua. Esta
fase ocorre no primeiro ano e meio de vida, aproximadamente.

Fase Anal – no ano e meio seguinte as sensações de prazer/desprazer se


associam com a retenção e expulsão das fezes. O ânus se constitui no lugar mais
importante de tensões e gratificações sexuais da criança.

Fase Fálica – os órgãos genitais passam a ser o objeto de interesse principal


da criança, tanto para a menina como para o menino. Para as meninas o órgão de
satisfação sexual é o clitóris e, para os meninos, o pênis. Isto acontece no final do
terceiro ano de vida. Esta fase entra na puberdade.

Vamos nos referir mais objetivamente a esses tipos psicanalíticos de


personalidade:

Personalidade Oral – esta reflete as experiências infantis durante o estágio


oral da libido. As tendências caracterológicas para a prepotência, domínio sobre os
outros, voracidade, cobiça e inveja estão radicadas no impulso primitivo da criança
para incorporar oralmente a mãe (objeto total) ou o seio materno (objeto parcial). O
otimismo é considerado um produto psicogênico de uma amamentação abundante e
sem restrições.

Personalidade Anal – reflete as experiências infantis durante a aprendizagem


do controle da defecação. As tendências caracterológicas para a vaidade,
desconfiança, ambição e generosidade sem amor estão associados ao prazer da
evacuação. As tendências para a meticulosidade, parcimônia, amor à ordem e ao
método, obstinação e avareza estão radicadas na retenção das fezes. Sendo um
prazer ambivalente (evacuar pode significar, para a criança, expelir um mau objeto
interno ou oferecer à mãe um mau objeto interno que pode envenená-la ou destruí-la).
Tais tendências caracterológicas podem combinar-se no tipo de personalidade anal.
Quando excessivamente acentuada, a personalidade anal pode resultar em uma
fixação infantil, em virtude de a criança não ter sido capaz de conciliar os prazeres
anais com as exigências sociais (por exemplo, o treino de toillete, a disciplina da
higiene pessoal).

Personalidade Fálica – reflete as experiências marcadas pelo interesse e


sentimentos associados ao pênis (para a mulher, o símbolo equivalente). As
tendências caracterológicas para a ostentação generosa ou benemerente, o
narcisismo, a camaradagem, a afiliação e atividades lúdicas (jogos, competições
esportivas etc.) estão associadas à primazia fálica.

São estes os três padrões básicos de personalidades originados nos estágios


pré-genitais do desenvolvimento psicossexual. A fase culminante do desenvolvimento
sexual em que a pessoa estabelece relações verdadeiramente afetivas com o parceiro
sexual corresponde, na caracterologia adulta, à personalidade genital, à síntese dos
impulsos psicossexuais medidos não só pela potência fisiológica, mas também pela
capacidade de amor em termos adultos. É o padrão equilibrado e maturo da
personalidade adulta.

Estrutura da Personalidade

 Id
 Ego
 Superego

Id – Segundo o conceito freudiano de estrutura da personalidade, o id é o


componente arcaico e inconsciente de energias mentais (psiqué) que dinamiza o
comportamento humano. Do id promanam os impulsos cegos e impessoais devotados
à gratificação do instinto sexual (libido), estreitamente vinculado às necessidades
primárias das pessoas (comer e não ter fome). Temos, pois, que o id é o verdadeiro
inconsciente ou a parte mais profunda da psiqué. Ignora o mundo exterior, com quem
não está em contato, e o objeto único de seus interesses é o corpo, sendo suas
relações com ele dominadas unicamente pelo princípio do prazer.
Freud descreveu, ainda, a hegemonia total dos instintos do prazer nas fases
primitivas do desenvolvimento mental, como decorrência direta do fato de as duas
atividades básicas da criança pequena – mamar e defecar – terem provocado a
sexualização (libidinização) da boca e do ânus, zonas erógenas. Ulteriormente, Freud
ampliaria, com algumas modificações, esta sua primeira teoria (Para além do Princípio
do Prazer) e a libido deixaria de identificar-se exclusivamente com o instinto sexual e o
princípio do prazer, para ser eros – o instinto da vida e da auto-preservação, no qual o
componente sexual estava logicamente incluído.

Ego – Segundo o conceito psicanalítico da estrutura da personalidade,


enunciado por Sigmund Freud, o ego constitui o componente intermediário das
energias mentais (entre o id – inconsciente – e o superego – ego ideal ou
consciência). O ego exerce o controle das experiências conscientes e regula entre a
pessoa e o meio ocupando, portanto, a posição de um centro de referência para todas
as atividades psicológicas e qualidades egocêntricas. É através do ego que
aprendemos tudo sobre a realidade externa e orientamos nosso comportamento no
sentido de evitar os estados dolorosos, as ansiedades e as punições.

Superego – Na estrutura teórica da personalidade descrita por Freud, o


superego é a mais recente formação ou componente do sistema de energias mentais
e foi correlacionado com o declínio e dissolução do Complexo de Édipo. A noção do
superego foi inspirada nos estudos de introjeção de Sandor Ferenczi (a progressiva
introjeção pela criança dos eventos em seu meio vital) e suas relações com o
desenvolvimento de uma instituição moral a partir do ego.

O superego é o representante de uma natureza superior que no eu (Freud)


atua no sentido de evitar punições por transgressões morais ou fomentar ideais
moralmente aceitos. Ele pode reprimir e criticar as idéias, impulsos e sentimentos
inconscientes que afetam o comportamento moral e judicativo da personalidade
(atividade a que se dá, usualmente, o nome de consciência, que pode apoiar a
realização de uma natureza superior ou ideal). Assim, os três componentes básicos do
sistema encontram-se permanentemente empenhados numa interação que é uma
batalha constante: o id em busca de sua satisfação irracional, o ego procurando
ajustar as exigências e impulsos do id ao mundo da realidade, e o superego tentando
reprimir ou apoiar o impulso que for moral e socialmente reprovável ou louvável.

Escreveu Freud: “O superego não é apenas o depositário das anteriores


opções objetais; representa também uma enérgica formação de reação contra essas
opções. Sua relação abrange a proibição: você não deve ser como tal (consciência)”.

São duas as características inconscientes da atividade do superego:

a) Lei de Talião – é a punição por uma maldade ou um crime aplicado ao


malfeitor, fazendo-o sofrer o mesmo dano a quem ele o infringiu. É o célebre “olho por
olho” e “dente por dente”. Em sentido psicanalítico, são as punições inconscientes que
o superego impõe ao individuo, por suas ações que foram reprovadas pelo superego,
mas que foram praticadas, produzindo um conceito de justiça, comum na criança
pequena.
b) Falta de Discriminação entre Desejo e Ação – na investigação
psicanalítica é lugar comum que o superego ameaça castigar tão severamente tanto o
desejo ou impulso como a ação praticada.

Tipologia Traçada por Freud

Freud traçou uma tipologia como causa da carreira criminosa. É a psicopatologia da


vida cotidiana: são fenômenos da vida mental como os enganos, erros, omissões e
lapsos da escrita e de linguagem. Estes fenômenos são comumente conhecidos por
acidentes.

Antes de Freud os descobrir eram conhecidos como ocorrências intencionais


que seriam conscientes por parte do individuo. Freud descobriu tratar-se de ações
propositais e intencionais do individuo cuja intenção era inconsciente.

É necessário esclarecer a interpretação do significado inconsciente do lapso. O


lapso esconde um desejo que o superego reprovou. O ego, portanto, reprimiu por
longo tempo este comportamento ou desejo para o psicanalista por meio de
associações que são feitas com a vida do indivíduo.

A Teoria da Técnica Psicanalítica

A terapia psicanalítica é uma terapia causal; ela procura desfazer as causas da


neurose. É seu objetivo solucionar os conflitos neuróticos do paciente, incluindo a
neurose infantil que serve de núcleo à adulta. Solucionar os conflitos neuróticos
significa juntar ao ego consciente aquelas parcelas do id, superego e ego inconsciente
que ficaram excluídas dos processos de amadurecimento da parte restante saudável
da personalidade total.

Segundo Freud, o psicanalista aborda os elementos inconscientes através de


seus derivativos. Todos os componentes reprimidos do id e do ego produzem
derivativos – “meio-irmãos”. Não estão conscientes e, mesmo assim, estão muito bem
organizados de acordo com o processo secundário e acessíveis ao ego consciente.

O principal procedimento que o psicanalista exige do paciente é a associação


livre. Charles Ricroft inicia afirmando que “a tradução equivocada de Brill da “Freier
Einfall”, de Freud, versão que, no entanto, se tornou termo aceito em inglês. Einfall
significa “irrupção”, idéia repentina, e não “associação”; o conceito refere-se a idéias
que nos ocorrem espontaneamente, sem esforço. Quando utilizada como termo
técnico, associação livre descreve o modo de pensar incentivado no paciente pela
recomendação do analista de que deve obedecer à “regra básica”, isto é, comunicar
seus pensamentos sem reserva e não tentar concentrar-se enquanto assim procede. A
técnica da associação livre apóia-se em três suposições:

a) que todas as conseqüências de pensamento tendem a conduzir ao que é


significante;
b) que as necessidades terapêuticas do paciente e o conhecimento de que está
em tratamento conduzirão seus associados no sentido do que é significante, exceto na
medida em que a resistência operar;

c) que a resistência é minimizada pelo relaxamento e maximizada pela


concentração. Foi a adoção, por Freud, da técnica da associação livre que lhe permitiu
abandonar a hipnose.

A resistência manifesta-se durante as sessões por falhas na capacidade de o


paciente associar livremente. Algumas descrições da técnica analítica fazem-na
depender inteiramente da associação livre e do resultante do surgimento do “material”
patogênico pertinente; isso, porém, constitui um exagero de simplificação, uma vez
que:

a) o analista faz interpretações e as elocuções seguintes do paciente são


associações à intervenção daquele, e não livres;

b) as intervenções do analista obrigam o paciente a examinar atentamente


suas associações livres em identificação com o analista, isto é, o paciente faz duas
coisas simultaneamente, ou em rápida oscilação: associação livre e reflexão. Uma
formulação alternativa é que o paciente oscila entre ser o sujeito e o objeto de sua
experiência, em determinado momento, deixando os pensamentos fluírem e, no
seguinte, examinando-os.

Capítulo 3

OS MÉTODOS DE EXPLORAÇÃO DO INCONSCIENTE

São dois os métodos de exploração do inconsciente: o associativo e o


simbólico. O associativo visa a um duplo resultado: o desrecalcamento e a
interpretação.

Solicita-se ao paciente que use o máximo de sua capacidade, que tente deixar
as coisas surgirem em sua mente e verbalizá-las sem se importar com a lógica e a
ordem. Mesmo que lhe pareça não terem importância ou até mesmo serem
aparentemente vergonhosas ou indelicadas a serviço do ego e os derivados, do ego
inconsciente, do id e do superego tendem a vir à superfície.

Sabemos que o paciente deseja recuperar-se porque está sofrendo de uma


neurose, mas, existem forças dentro dele que são opostas à mudança
pretendida, forças que defendem a mudança e o statu quo. Estas forças que se
opõem ao processo de tratamento são conhecidas por resistências, termo que
quando utilizado como termo técnico, é a oposição que se verifica existir durante
o tratamento psicanalítico, contra o processo de tornar conscientes os processos
inconscientes. Diz-se que os pacientes se encontram em estado de resistência
caso se oponham às interpretações do analista, e que têm resistências fracas ou
fortes conforme achem fácil ou difícil permitir que seus analistas os
compreendam. A resistência é uma manifestação de defesa; uma possível
exceção é a „resistência do inconsciente‟ à compulsão e à repetição (Charles
Ricroft. Dicionário Crítico de Psicanálise).

Portanto, uma das características da Psicanálise é que se pede ao paciente


que inclua suas associações quando narra seus sonhos ou outras experiências. A livre
associação tem prioridade sobre todos os outros meios de produção de material na
situação analítica. É preciso estar atento para que a associação livre não seja usada
erradamente para ajudar a resistência. O analista tem por tarefa analisar tais
resistências para restabelecer o uso adequado da associação livre.

A associação livre é o método mais importante para a produção do material na


Psicanálise. É utilizada em momentos pré-estabelecidos naqueles tipos de
psicoterapia que buscam certa dose de volta do reprimido, as assim chamadas
„psicoterapias orientadas psicanaliticamente‟. Não é empregada nas terapias anti-
analíticas, de apoio ou de encobrimento do reprimido.

O que acabamos de dizer sobre o método associativo, nos permitirá examinar


brevemente o método simbólico. Voltaremos à esse mesmo tema, posteriormente.

Nunca se deve perder de vista: Freud muitas vezes repetiu que o método
simbólico desempenha em Psicanálise um papel absolutamente secundário. É de
admirar que apesar dos protestos reiterados do mestre de Viena, o público, mesmo
científico, vê na Psicanálise muitas vezes apenas uma chaves dos sonhos.

Relembremos que a simbolização, no sentido estrito freudiano, não deve ser


confundida com a dramatização. Na dramatização, há passagem de uma idéia
abstrata para uma imagem. Na simbolização, há passagem de uma imagem para
outra imagem, além disso, o símbolo tem um valor coletivo.

O exame da validez do método simbólico comporta duas fases. É preciso, em


primeiro lugar, procurar saber como se estabelece uma lista de símbolos. Em segundo
lugar, é preciso fixar quais são os critérios que justificam a interpretação simbólica
num determinado caso.

Objetar-se-á talvez que invertemos a lógica dos problemas. É preciso, primeiro


estabelecer a validez da interpretação simbólica num certo número de casos concretos
e só em seguida se poderá generalizar.

Esta objeção repousa numa grave confusão, que importa dissipar. Uma
relação de causalidade pode ser conseguida de duas maneiras muito diferentes. No
primeiro caso, a reação de causalidade tem um valor inteligível e impõe-se
diretamente à razão. Basta comparar a marca deixada por um pé humano nu sobre a
areia úmida e a forma desse pé para apreender intuitivamente a relação de
causalidade, mesmo se se dispõe apenas de um único espécime de marca. Vimos
que, em condições favoráveis, o método associativo conduz a uma certeza desse
gênero.
Num segundo caso, a relação de causalidade não é compreensível
diretamente, sua existência só pode ser demonstrada estatisticamente. Assim é que
os médicos gregos reconheceram que a orquite podia ser uma complicação da
cachumba. Ela não acompanha sempre a cachumba, nem apenas a cachumba, mas
sua freqüência nos homens em geral. O redator do Primeiro Livro das Epidemias, da
coleção hipocrática, não fala explicitamente no princípio lógico da comparação das
freqüências, não deixando esse princípio porém de ser o fundamento de sua asserção.
Aqui a causalidade é apreendida graças à lei dos grandes números, mas poder-se-ia
percebe-la com certeza com um único exemplo.

Capítulo 4

REAÇÕES TRANSFERENCIAIS

A transferência é a vivência de sentimentos, impulsos, atitudes, fantasias e


defesas dirigidas a uma pessoa no presente, sendo que essa vivência não se coaduna
com a pessoa e constitui uma repetição, um deslocamento de reações surgidas em
relação a pessoas importantes na infância primitiva.

A transferência pode ser positiva ou negativa.

Transferência positiva – A transferência positiva implica as diferentes formas


de anseios sexuais, tais como o gostar, o amar e o respeitar o analista.

Transferência Negativa – A transferência negativa implica algumas variações


da agressividade sob a forma de raiva, aversão, ódio ou desprezo pelo analista. Deve
ter-se sempre em consideração que todas as reações transferenciais são
essencialmente ambivalentes. Clinicamente, o que aparece é apenas a superfície.[1]

As pessoas que se recusam a regredir da realidade são riscos indesejados


para a Psicanálise. Freud dividiu as neuroses em dois grupos, baseado no fato de o
paciente conseguir ou não desenvolver e manter um conjunto relativamente coerente
de reações transferenciais e, mesmo assim, agir na análise e no mundo externo. Os
pacientes com uma “neurose de transferência” conseguiam fazê-lo, ao passo que os
pacientes sujeitos a uma “neurose narcísica” não o conseguiam.

A teoria da transferência é uma das mais importantes contribuições de Freud à


ciência e também o pilar do trabalho psicanalítico. Ela precisa ser entendida como um
falso enlace, que tem, em princípio, dois objetivos, ambos inconscientes:

a) satisfazer as necessidades propriamente inconscientes, confundindo a


pessoa do psicanalista com as pessoas que faltaram ou faltam na vida do paciente;

b) evitar a subida do mundo inconsciente ao consciente, funcionando, desse


modo, como resistência, como dissimulação, com o fim de direcionar as energias
mentais para um lado que abarque a manifestação do universo inconsciente.
Não importando o caso, a transferência poderá ser encarada como uma
fraqueza de caráter, como “safadeza” do paciente, porém algo inevitável às pessoas
mais sérias. É sempre um problema da personalidade no que diz respeito às
neuroses, carências etc. As pessoas que sufocam as manifestações transferenciais
conseguem plasmar mais uma carência, fortalecendo assim o patrimônio neurótico.

Contra-transferência

Podemos definir contra-transferência, como as atitudes, sentimentos e fantasias que o


psicanalista experimenta, muitas das quais provêm, aparentemente de modo
irracional, de suas próprias necessidades e conflitos psíquicos e não de circunstâncias
reais de suas relações com o paciente.

A contra-transferência pode ser, como deduzimos da definição, conseqüência


de carência do psicanalista em si. Nesse caso é “uma resposta emocional do
psicanalista aos estímulos que provêm do paciente, como resultado da influência do
analisado sobre os sentimentos do profissional” (Etcheroyen).

Se na transferência temos que estar atentos para interpretá-la, de igual


maneira precisamos estar atentos aos nossos sentimentos e sempre dispostos a auto-
interpretação, sob pena de ficarmos vendidos no relacionamento e impedidos de
trabalhar em benefício do paciente.

Como abordaremos no item relativo à aliança terapêutica que deve ser uma
evolução da transferência, a própria transferência racional, de certa forma postulamos
o mesmo para a contra-transferência. Neste caso, quando interpretamos, quando
identificamos os motivos dessa afetividade etc., transformamos esse sentimento
intenso no correspondente a aliança terapêutica que chamamos descendente. A
aliança terapêutica descendente, que vem do psicanalista, é igualmente um importante
instrumento do processo, porque liga o psicanalista ao paciente, sem interdependência
em nível de sentimento.

Aliança Terapêutica

Este delicado assunto, por muitos é confundido com transferência. A transferência


ocupa uma parte definida do universo psicanalítico. Nem tudo o que ocorre na
situação analítica é transferência. Devemos, contudo, reconhecer que a linha divisória
entre aliança terapêutica e transferência é muito tênue.

Como defini-la? Segundo Zetzel, aliança terapêutica é uma espécie de


transferência racional. A transferência racional se caracteriza sobretudo por não ter o
aspecto de neurose que é a neurose de transferência. A diferença está na intensidade,
racionalidade, consciência de que os afetos que surgem não são frutos de paixão,
mas, sim, do relacionamento. Por outro lado, a transferência se reveste de
irracionalidade, envolvimento afetivo que não permite ao paciente distinguir os níveis
de sentimento.
Podemos situar melhor a aliança terapêutica em relação à transferência, do
seguinte modo: a aliança terapêutica é favorável, colaboradora do processo, enquanto
a transferência, embora fundamental para a cura – em princípio opera negativamente
– tende a atrapalhar. Aparece como embaraço que deve ser interpretado e, se
persistir, o tratamento será inviabilizado.

A experiência nos tem ensinado que a aliança terapêutica não necessita de


interpretação, nem teríamos de fazê-lo. Precisamos confessar, entretanto, que a
diferença entre a neurose de transferência e a aliança não é absoluta. É mais uma
diferença de compreensão do paciente do que de sentimentos. Em suma, o que o
paciente sente, em ambos os casos, é a mesma coisa. Mas a posição pessoal do
paciente difere.

Uma outra situação importante é que, na transferência, a luta do psicanalista é


para interpretá-la, afastá-la, dando lugar à possibilidade da instalação da dinâmica
interpretativa. Na aliança terapêutica ocorre exatamente o contrário: o psicanalista a
reforça. Ele precisa da manutenção desse clima para sustentar a confiabilidade.
Finalizando, diremos que o ideal da transferência é que se transforme ou evolua para
aliança terapêutica. Uma coisa não se encontrará ao mesmo tempo em um paciente.
Outra coisa se discute: pode existir aliança terapêutica sem o processo inicial da
transferência?

Capítulo 5

AS RESISTÊNCIAS

Álvaro Cabral define resistência em Psicanálise como a oposição a qualquer tentativa


de revelação de um conteúdo inconsciente. A maior ou menor intensidade da luta
travada pelo paciente contra o analista que o ameaça pôr a descoberto esse conteúdo
oculto constitui sempre uma medida de força repressora, isto, é da resistência. Álvaro
Cabral fala, ainda, sobre resistência inconsciente:

em psicoterapia, é a retenção intencional de informações por parte de um


paciente, causada pela vergonha, medo de rejeição, temor de perder a
consideração do analista, etc. Aceita-se que, subentendida na resistência
consciente, haja sempre motivos inconscientes.

A terapia psicanalítica se caracteriza pela análise sistemática e completa de


resistências. É trabalho do analista descobrir como o paciente resiste, a que está ele
resistindo e por que ele age assim. A causa imediata de uma resistência é sempre
evitar algum afeto doloroso como a ansiedade, culpa ou vergonha. Por trás deste
motivo encontraremos um impulso instintual que disparou o afeto doloroso. No final
das contas, descobrir-se-á que é o medo de um estado traumático que a resistência
está tentando evitar.

Ralph R. Greenson em seu livro A Técnica e a Prática da Psicanálise, de uma


forma empírica e prática, define resistência como oposição. Mais explicitamente,
“resistência são todas aquelas forças” dentro do paciente que se opõem aos
procedimentos e processos da análise, que impedem a associação livre, que
bloqueiam as tentativas para recordar, obter e assimilar a compreensão interna
(insight), que agem contra o ego racional do paciente e contra seu desejo de mudar;
todas as forças devem ser consideradas resistências (Freud, 1900, p. 517).

A resistência pode ser:

a) consciente;

b) pré-consciente;

c) inconsciente.

Elas podem ser expressas por meio de emoções, atitudes, idéias, impulsos,
pensamentos, fantasias ou ações. A resistência, em essência, é uma força opositora
no paciente, agindo contra os procedimentos e processos analíticos.

Já em 1912 Freud havia reconhecido a importância da resistência ao afirmar:

A resistência acompanha o tratamento em todos os seus passos. Toda e


qualquer associação, todo o ato da pessoa em tratamento deve contar com a
resistência e ela representa um compromisso entre as forças que estão lutando
pela recuperação e as forças opositoras (Freud, 1912a, p. 103).

Em relação à neurose do paciente, as resistências favorecem uma função


defensiva. As resistências defendem a neurose e se opõem ao ego racional do
paciente e à situação analítica. Visto que todos os aspectos da vida mental podem
auxiliar uma função defensiva, todos eles podem ajudar os objetivos da resistência.

Para analisar uma resistência temos de conhecê-la. Ela aparece de formas


variadas, complexas e sutis, em combinações ou em formas misturadas, e os
exemplos individuais e isoladas não constituem a regra.

O Paciente Está Silencioso

É a forma mais comum de comportamento que encontramos na prática psicanalítica.


Significa que o paciente não está disposto, consciente ou inconscientemente, a
transmitir seus pensamentos ou emoções ao analista. Ele pode estar cônscio de sua
má vontade ou pode perceber apenas que não há nada em sua mente. Apesar do
silêncio, algumas vezes o paciente pode revelar, involuntariamente, o motivo do seu
silêncio, pela postura, movimentos ou expressão facial. Virando a cabeça para não ser
visto, cobrindo os olhos com as mãos, contorcendo-se no divã, enrubescendo – tudo
isso pode indicar embaraço.

O silêncio, contudo, pode também indicar outros significados, como uma


repetição de um fato passado no qual o silêncio desempenhou um papel importante.
Pode descrever a sua reação à cena primária. Nessa situação o silêncio não é apenas
uma resistência, mas também o conteúdo de parte de uma recordação. Existem
muitos problemas complexos ao redor do tema silêncio. De modo geral e por objetivos
bem práticos, o silêncio é uma resistência à análise e tem que ser manejado como tal.

O Paciente ‘Não Está com Vontade de Falar’

Esta é uma variação da situação anterior. Ele não está totalmente silencioso, mas
está cônscio de que não está com vontade de falar. O estado de „não sentir vontade
de falar‟ tem uma ou mais causas. O trabalho do analista consiste em fazer o paciente
trabalhar a respeito destas causas. É, basicamente, tarefa semelhante à investigação
de “alguma coisa” inconsciente que provoca o “nada” inconsciente na mente do
paciente silencioso.

Afetos Indicando a Resistência

Do ponto do ponto de vista das emoções do paciente, a indicação mais típica de


resistência será notada quando o paciente se comunica verbalmente, mas existe uma
ausência de afeto. Suas observações são secas, insípidas, monótonas e apáticas.
Tem-se a impressão de que o paciente está alheio e desligado do que está relatando.
Isto é particularmente importante quando a ausência de afeto diz respeito a fatos que
deveriam estar cheios de profunda emoção do que ele está relatando.

Em geral a inexistência da emoção é um sinal bem impressionante de


resistência. Há uma qualidade bizarra no que o paciente diz quando a ideação e a
emoção estão de acordo.

Capítulo 6

PROCEDIMENTO ANALÍTICO

O procedimento analítico mais importante é a interpretação. Todos os outros


procedimentos estão a ela subordinados, na teoria e na prática.

Todos os procedimentos analíticos ou são medidas que levam a uma


interpretação ou medidas que tornam eficiente uma interpretação (E. Kibring, 1954;
Gill, 1954; Meninger, 1958).

O termo “analisar” é uma expressão compacta que abrange as técnicas que


aumentam a compreensão interna (insight). Em geral, inclui quatro procedimentos
diferentes:

a) Confrontação;

b) Esclarecimento;

c) Interpretação;

d) Elaboração.
a) Confrontação

É o primeiro passo a ser dado para a análise de um fenômeno psíquico. O


fenômeno em questão tem que se ter tornado evidente, tem que ter ficado explícito ao
ego consciente do paciente, e resume-se em interpretar o motivo que possa ter um
paciente para evitar um determinado assunto. O analista deve, primeiro, fazer com que
o paciente enfrente o fato de estar evitando alguma coisa.

b) Esclarecimento

Somos levados ao esclarecimento, que é o próximo passo, pela confrontação


que é o primeiro passo. Estes dois procedimentos se confundem, mas é importante
separá-los porque há circunstâncias em que cada um deles pode causar problemas
díspares. Os detalhes importantes precisam ser desenterrados para esclarecer todos
os fenômenos psíquicos.

c) Interpretação

É o terceiro passo da análise. É este processo que distingue a Psicanálise de


todas as outras psicoterapias porque, em Psicanálise, a interpretação é o instrumento
decisivo e fundamental. Todos os demais preparam para a interpretação e, interpretar
significa tornar consciente um fenômeno inconsciente.

Mais objetivamente, significa tornar conscientes o significado, a fonte, a


história, o modo ou a causa inconsciente de um determinado fato psíquico. É muito
comum um esclarecimento levar à interpretação que conduz novamente a um
esclarecimento posterior (Kris, 1951).

d) Elaboração (working through)

É o quarto procedimento na análise. Abrange um conjunto complexo de


procedimentos e processos que ocorrem depois que há uma compreensão interna
(insight). O trabalho analítico que possibilita que uma compreensão interna provoque
uma mudança é o trabalho da elaboração (Greenson, 1965b).

Além de ampliar e aprofundar a análise das resistências, as reconstruções


também têm uma importância especial. A elaboração põe em movimento uma
variedade de processos circulares nos quais a compreensão interna (insight), a
memória e a mudança de comportamento se influenciam reciprocamente (Kris, 1956a,
1956b).

Capítulo 7
OS MÉTODOS DE EXPLORAÇÃO DO INCONSCIENTE

Roland Dalbiez apresenta dois métodos de exploração do inconsciente:

1) O Método Associativo

O método associativo visa a um duplo resultado:

a) o desrecalcamento;

b) a interpretação.

Quando comparamos a exposição que dele fazem os diversos psicanalistas,


verificamos que alguns insistem exclusivamente no desrecalcamento e outros na
interpretação. Nenhum desses dois aspectos do método deve ser desprezado
em detrimento do outro. A interpretação só não basta. Isto é claro quando há
inconsciência das causas. Embora seja um sintoma dependente de uma
lembrança esquecida da infância a reconstrução do conteúdo dessa lembrança
por meio da inferência causal é um processo absolutamente original. Assim
como a sensação é caracterizada pela referência intuitiva à existência atual do
seu objeto, a lembrança implica no que se poderia chamar a referência intuitiva à
existência passada de seu objeto. Pode parecer paradoxal falar de intuição do
passado, mas se reflete acerca do problema das certezas existenciais. Quer se
refiram ao presente ou ao passado, ter-se-á a noção de que elas formam um
mundo à parte. As existências presentes se verificam e não se demonstram ou,
se se demonstram, é somente na condição de apoiar-se numa premissa
essencial, a qual foi por sua vez é verificada e não demonstrada. Este caráter de
verificação do presente no próprio fato de sua existência é transmitido pela
sensação à lembrança. Por isso um abismo separa o rememorado reconstruído.
A lembrança que tenho de um eclipse que vi, e o conhecimento que me fornece
o cálculo astronômico de um eclipse que se realizou dois mil antes de meu
nascimento são impossíveis de mensuração. É de admirar que se desconheça
tal evidência. Ninguém a teria retido, se não estivesse ligada à discussão entre o
realismo e o idealismo. A noção de tempo sempre foi uma pedra de toque para
os sistemas idealistas. Lembremos especialmente que a aceitação da
irredutibilidade da lembrança conduz a uma concepção realista da memória e do
inconsciente. É precisamente esse realismo que alguns filósofos criticam na
Psicanálise. Queremos simplesmente relembrar o fundamento filosófico das
asserções repetidas por Freud sobre a insuficiência da interpretação e a
necessidade do desrecalcamento. “O que nós sabemos do inconsciente” –
escreve o psiquiatra vienense – absolutamente não coincide com o que dele
sabe o doente; quando lhe comunicamos o que sabemos, ele não substitui seu
inconsciente pelo conhecimento assim adquirido, mas coloca-o ao lado do que
permanece mais ou menos inalterado (Roland Dalbiez).
A primeira condição de exploração do inconsciente é, pois, a realização do
desrecalcamento ou, se preferirmos, da libertação funcional. As funções psíquicas
superiores controlam normalmente as funções inferiores. Trata-se de fazer cessar
momentaneamente esse controle, de modo a obter a emersão no campo da
consciência do psiquismo inferior.

O vocabulário de Pavlov permite definir essa operação com uma precisão


perfeita. A provocação artificial da inibição interna do psiquismo superior acarreta
necessariamente a desinibição externa do psiquismo inferior.

Para obter a inibição interna do psiquismo superior podem empregar-se três


processos:

a) Agentes farmacodinâmicos (somente médicos habilitados na forma da


lei poderão utilizá-los);

b) A hipnose;

c) Suspensão temporária da inibição interna do psiquismo superior que


consiste em suspender voluntariamente o exercício da autocrítica e da
autocondução.

O primeiro processo realiza-se através de agentes farmacodinâmicos e


somente o médico poderá aplicá-lo. Um psicanalista, sem a devida formação médica,
não poderá fazê-lo.

O segundo processo, a hipnose, permite desencadear a inibição interna


através das funções psíquicas superiores. É provocada pela repetição monótona de
excitações fracas. A doutrina de Pavlov nos é de grande ajuda para compreender os
fatos. Mesmo que a inibição interna seja desencadeada por um tóxico ou por uma
estimulação repetida ótica, acústica ou táctil, o fenômeno fundamentalmente
permanece o mesmo e varia só o agente externo que o suscita.

Cabe a Pierre Janet o mérito imperecível de ter sido o primeiro a mostrar ao


mundo científico o valor da hipnose para a exploração do psiquismo inconsciente. Esta
parte da obra do grande psicólogo francês parecia comprometida em conseqüência da
crítica de Babinski e das negações radicais de Dupré.

Durante alguns anos a hipnose foi considerada – na França pelo menos –


como fenômeno inautêntico. Pierre Janet escrevia:

Há vinte anos, expunha-me ao desprezo ao dizer que a sugestão hipnótica não


era tudo e hoje vou tornar-me risível dizendo que ela é alguma coisa. Pouco
importa. Esta posição modesta parece-me mais interessante, para chegar à
descoberta de algumas verdades e, se meu estudo não é lido hoje, o será um
dia, quando a moda tiver mudado e trouxer os tratamentos pela sugestão
hipnótica, como trouxe à popularidade os chapéus de nossas mães.
A predição de Janet começa a realizar-se. Psiquiatras como D. Hollander, na
Bélgica, e Nathan, na França, admitem, em certos casos, o recurso à hipnose. Eis
uma antiga observação de Janet que mostra bem qual é o papel que pode exercer o
hipnotismo na exploração do inconsciente.

Entre outros sintomas histéricos, Maria apresentava uma cegueira absoluta e


contínua do olho esquerdo. No estado de vigília, pretendia que isto era assim
desde o nascimento. Janet a hipnotizou e soube que na idade de seis anos
Maria havia sido forçada, apesar de seus gritos e protestos, a deitar com uma
criança de sua idade que tinha um eczema em todo o lado da face esquerda.
(Janet, A. P., p. 439-440)

O terceiro processo para realizar a inibição interna do psiquismo superior


consiste em suspender voluntariamente o exercício da autocrítica e da auto-condução.
É característico da Psicanálise. Vê-se imediatamente em que a técnica de Freud difere
das técnicas farmacodinâmicas e hipnóticas, sendo, no entanto, estreitamente
aparentada com elas.

A inibição do psiquismo superior realizada voluntariamente é, em geral, mais


fraca que a exploração psicanalítica que se realiza no estado de vigília. Esta asserção
é inexata. O estado mental do paciente analisado varia de uma a outra sessão e
mesmo no curso de uma mesma sessão ele oscila do nível do pensamento lógico a
um nível muito vizinho do da hipnose ou do sonho. Kretschmer descreveu muito bem o
estado de inibição psíquica realizado pela suspensão voluntária da autocrítica e da
auto-condução.

Tanto mais complexo é o relaxamento psíquico, quanto mais a associação livre,


no estado de repouso passivo, se aproxima do modo de pensar, que caracteriza
o sonho e a hipnose. A ligação mercê de proposições começa a desagregar-se,
a expressão verbal das idéias cede visivelmente às imagens reais, à
contemplação direta e intuitiva das cenas e figuras vivas que surgem
interiormente. Ao mesmo tempo em que não percebe o caráter absolutamente
passivo de suas experiências internas, o paciente perde noção do tempo: sente
como atuais lembranças relacionadas com o passado e desejos relativos ao
futuro. Pode-se dizer, uma vez esse grau alcançado, que o paciente se encontra
no limite extremo do pensamento desperto. À medida que o desafogo, que o
relaxamento psíquico se acentua, a consciência se torna mais perturbada e mais
crepuscular; o paciente, que já perdeu a noção do tempo, perde também a
noção de espaço; deixa-se insinuar entre grupos de imagens cenicamente
ordenadas, de elementos fantásticos cada vez mais numerosos” (Kretschmer,
M.P.M., pp. 202-203).

Reproduzir essa descrição tão viva é importante pois muitos autores


desconhecem completamente o papel capital da inibição interna voluntária do
psiquismo superior, no curso da exploração analítica. Von Monakow Mourgue e
Mourgue dizem, por exemplo, que Freud se apóia sobre “conversas com uma certa
categoria de doentes”.
Algumas páginas adiante, tornam a dizer ainda que as emoções
desencadeadas pelos símbolos de acontecimentos penosos passados podem ser
postos em evidencia “como Freud mostrou no curso da conversa”. A expressão
“conversa” para designar a exploração analítica é muito mal selecionada, tende a
transviar completamente todos os que na sua experiência pessoal não permitem
verificar a diferença manifesta que separa o pensamento da vigília do que resulta da
suspensão voluntária da autocrítica e da auto-condução A aproximação entre a
inibição psicanalítica permite ter-se uma idéia exata da natureza desta última.

A emersão do psiquismo inconsciente é ainda favorecida de uma outra maneira


no curso da análise pela dissolução das resistências. As reações de afastamento de
certas lembranças, voluntárias no inicio, acabam por automatizar-se. As lembranças
em questão são então bloqueadas por uma inibição externa. Esta não pode ser
levantada pela simples suspensão da autocrítica e auto-condução. Só pode ser mercê
da interpretação. Esta faz penetrar o recalcado no campo da consciência, perdendo
seu automatismo e desagregando-se. Torna-se assim possível a libertação do
recalcado.

Vê-se que o desrecalcamento comporta uma dupla desinibição externa: a


primeira que é uma conseqüência imediata da inibição interna voluntária do psiquismo
superior, a segunda que é um resultado da dissolução dos recalques automáticos
mercê de sua interpretação e de sua penetração no campo da consciência.

Deve ser notado que um analisado se encontra em níveis psíquicos diferentes


quando compreende uma interpretação e quando se entrega às suas associações.
Isso pode verificar-se quando se analisam os próprios sonhos sozinhos, e fracassa-se,
muitas vezes, porque se procura ao mesmo tempo associar e interpretar. Essas duas
operações só podem ser sucessivas.

O que acaba de ser explicado sobre dissolução das resistências pela


interpretação mostra que há causalidade recíproca entre o desrecalcamento e a
interpretação. Um mínimo de desrecalcamento realizado voluntariamente permitirá
obter um material associativo no qual a interpretação discernirá e dissolverá
resistências automáticas, cujo desaparecimento permitirá um desrecalcamento mais
completo. Eis por que dizíamos ao início que os dois processos desrecalcamento e
interpretação não devem ser separados.

Falando do desrecalcamento e interpretação, fomos levados a mencionar a


interpretação. É chegado o momento de estudá-la. A interpretação é fundada, sobre a
noção de expressão psíquica, noção que precisamos agora justificar. Para isso
partiremos da idéia de sinal. Um sinal é uma realidade cujo conhecimento conduz a
uma outra realidade distinta da primeira (em vez de “sinal” pode-se dizer “índice”.). Eis
um guarda-caça que examina pegadas no chão de uma floresta. A realidade que se
manifesta aos seus sentidos é uma forma geométrica impressa na terra úmida. Disso
o guarda conclui uma outra realidade: a passagem recente de um veado galheiro. A
pegada pode, pois, ser considerada sob um duplo aspecto: ela é um efeito e um sinal,
dizemos um efeito-sinal. Enquanto sinal, seu conhecimento condiciona ao contrário a
passagem do veado.
Um sinal desse gênero é um sinal natural; não temos necessidade de estudar
aqui os sinais artificiais ou convencionais. Entre os sinais naturais é preciso, além dos
efeitos-sinais, dar um lugar às causas-sinais. Diz-se, por exemplo, que uma nuvem
negra é um sinal de chuva. Mas a Psicanálise, por assim dizer, não se preocupa com
as causas-sinais.

Os efeitos-sinais podem ser classificados de vários modos. Recorrendo


apenas àqueles que são utilizados no conhecimento do ser humano. Estes estão
divididos em quatro grupos.

No primeiro grupo o sinal e o significado são todos os dois orgânicos. É o


caso da maioria dos sinais estudados em semiologia médica, aos quais se dá
habitualmente o nome de sintoma objetivo. O sinal de Babinski, por exemplo, é o
sintoma de uma perturbação da via piramidal.

No segundo grupo, o sinal é de ordem orgânica, mas o significado é de ordem


psíquica. A expressão das emoções entra nesse grupo. Assim é que, no rilhar dos
dentes, se vê um sinal de cólera.

No terceiro grupo, o sinal é de ordem psíquica e o significado é de ordem


orgânica. É o caso das dores características de certas lesões. Uma generalização
natural da noção de sintoma objetivo conduz a qualificar os sinais do terceiro grupo de
sintomas subjetivos.

No quarto grupo, o sinal e o significado são ambos de ordem psíquica. Por


estranho que possa parecer, os sinais deste grupo foram quase completamente
desprezados ou desconhecidos até Freud. Para separá-los nitidamente de todos os
outros, nós os designamos pela denominação de expressão psíquica.

O princípio filosófico sobre o qual repousa a noção de expressão psíquica é o


de homogeneidade entre causa e efeito. Pode-se formulá-lo de diferentes maneiras: “o
efeito não poderá ser superior à causa” ou, ainda, “toda perfeição do efeito deve
preexistir, ao menos virtualmente, na sua causa.” O bom-senso popular dirá que
“ninguém pode dar o que não possui.” Todas estas fórmulas equivalentes, no fundo,
traduzem uma exigência absoluta da razão. O princípio da homogeneidade entre o
efeito e a causa obriga-nos a afirmar que é impossível uma realidade psíquica ter por
causa total uma realidade não psíquica.

Objetar-se-á talvez que há casos em que o psíquico é o efeito do orgânico e


será citada como exemplo a sensação, na qual uma realidade material é, ao mesmo
tempo, causa e objeto do conhecimento sensório. O condicionamento da sensação por
uma realidade material não poderia, na verdade, ser contestado, mas daí concluir que
essa realidade material é a causa total, vai uma grande distância. A experiência por si
só não pode evidentemente cortar uma questão desse gênero. A exigência racional de
homogeneidade permanece, pois, intacta e conduz a ver na sensação o efeito de uma
dupla causalidade: a do objeto e a do sujeito. Ao objeto a sensação deve seu
conteúdo; ao sujeito, seu caráter psíquico.
Se uma sensação é dolorosa podemos considerá-la como um sinal do terceiro
grupo e ver nela o sintoma subjetivo de uma lesão orgânica. Mas a lesão não sendo
causa total da sensação, esta requer uma causa psíquica. Está-se, pois também
autorizado a considerar a sensação dolorosa como um sinal do quarto grupo. Este
ponto de vista é cientificamente estéril, pois conduz a ver na sensação o efeito-sinal
psíquico de uma “faculdade”, mas de um estado anterior. Desta vez não estamos mais
no terreno da metafísica, mas no da ciência. Eis um exemplo que faz compreender
perfeitamente o alcance da distinção que acabamos de indicar.

Uma doente de Minkowski sonha que alguém lhe faz “uma injeção na gengiva
e ela tem a convicção de que é seu irmão. No dia seguinte ou no outro apresenta um
abscesso dentário” O abscesso dentário explica perfeitamente o aparecimento no
sonho da imagem de uma injeção. Mas de nenhum modo explica a atribuição dessa
injeção ao irmão. Minkowski nos informa que “o conflito com esse irmão atravessa a
vida da paciente como um traço vermelho”. Seria, pois, absolutamente insuficiente
considerar esse sonho como apenas um sinal do terceiro grupo.

Quando decidimos perscrutá-lo como sinal do quarto grupo, aparece como


revelador de um complexo importante. Refletindo a respeito, percebe-se que o mesmo
se deve passar em todos os sonhos cenestéticos. Uma vez que eles não se reduzem
a puras sensações, a parte imaginativa que contém não pode ter por causa o estado
do organismo. Deve, pois, ser efeito de estados psíquicos anteriores.

Havelock Ellis viu isso muito bem. Ele distingue sonhos presentativos e sonhos
representativos. Ele dá ao “presentativo" o sentido de ligado a uma excitação sensível
no presente imediato, enquanto representativo tem o sentido de ligado por associação
à vida desperta do passado” (Le monde des rèves, p. 31). Estabelecidas essas
definições, enuncia sua conclusão:

Um sonho absolutamente presentativo é uma coisa impossível. Se nossos


sentidos recebem uma impressão externa ou interna, e se nós reconhecemos e
aceitamos uma impressão externa ou interna, e se nós reconhecemos e
aceitamos esta impressão por aquilo que nós aceitaríamos e reconheceríamos
estando acordados, então não podemos dizer que sonhamos (op. cit., p. 32-
33).

As considerações nos parecem justificar completamente a noção de expressão


psíquica. Colocando-se de lado a sensação que, considerada como expressão
psíquica só apresenta interesse metafísico, todos os estados psíquicos são, ao menos
parcialmente, efeito dos estados psíquicos anteriores, dos quais eles permitem
retroceder por via de inferência causal, o que é a própria definição de sinal. Todos os
estados psíquicos são, pois, sinais do quarto grupo, expressões psíquicas, e podem
ser estudados sob este aspecto.

Então se é levado a perguntar por que a noção de “expressão psíquica” foi tão
desprezada até Freud. As únicas utilizações feitas antes dele, nesse setor, são os
exames e os testes. Nestes dois tipos de provas há, inevitavelmente, uma expressão
material pela palavra ou pela escrita. Mas ela aqui não nos interessa e podemos
abstraí-la. Esta expressão material atesta a existência de certo conteúdo psíquico. É
desse conteúdo psíquico que nos devemos ocupar.

No caso do exame, se a palavra for tomada numa acepção estreita, o


conteúdo psíquico é inferido a partir das palavras. Pronunciadas ou escritas são
consideradas como um espécime, uma amostra do saber global do candidato. Pode-
se dizer que é disso o sinal. Os conhecimentos manifestados pelo candidato na
ocasião do exame são a expressão psíquica de sua aquisição intelectual, enquanto o
exame, no sentido estrito da palavra, visa a fazer conhecer as aquisições do
candidato; o texto tem por fim determinar suas aptidões. Podemos dizer, aliás, que
todo problema é um teste.

A resposta dada pelo examinando ao problema que se lhe propõe é a


expressão psíquica de suas capacidades mentais. Os exames e testes permitem
explorar as aquisições e as aptidões cognitivas.

Existem igualmente testes destinados a permitir a apreciação da emotividade.


Não se pode contestar que os exames e os testes sejam fundados sobre a expressão
psíquica. Mas o uso que deles se faz é limitado. Os exames só revelam as aquisições
cognitivas. Quanto aos testes, eles fazem conhecer apenas aptidões gerais, sejam
cognitivas, sejam afetivas. Os dois tipos de provas não permitem estudar a evolução
de um psiquismo individual. Antes de Freud ninguém se preocupou em determinar
métodos que permitissem filiar um estado psíquico aos estados psíquicos anteriores
que o causaram. De onde provém essa lacuna?

No que tange ao pensamento lógico, seu aspecto de verdade, de


conformidade com o real, mascara quase totalmente o aspecto de expressão psíquica.
É muito natural que em psicologia normal o estudo da função cognitiva eclipse o da
função expressiva. A menos que se delimite seu papel respectivo, com a mais rigorosa
precisão filosófica, arrisca-se muito ao considerar, por exemplo, uma descoberta como
efeito sinal das preocupações anteriores do examinando, de desconhecer o que há
nela de mais importante, a saber, seu aspecto de verdade nova.

O logicismo é indispensável em psicologia normal, ao querer libertar-se dele


cai-se imediatamente no absurdo. É muito difícil, à primeira vista, conciliar a regulação
pelo objeto, o aspecto de verdade com a regulação pelo indivíduo, o aspecto de
expressividade psíquica. Parece negar-se a primeira desde que se insiste na segunda.

Como compreender que, sendo o conteúdo do conhecimento verdadeiro


totalmente determinado pelo objeto, o conhecimento verdadeiro possa, contudo ainda
ser considerado como expressão psíquica? Isto só é possível na condição de fazer
intervir alguma distinção metafísica sutil, dizendo, por exemplo, que a “especificação”
do conhecimento verdadeiro é regulada pelo objeto e seu “exercício” pelos interesses
afetivos do individuo. Mas é sabido que a maioria dos psicólogos modernos faz praça
de não serem metafísicos. Verdade e expressividade psíquica conciliam-se,
entretanto, perfeitamente. Disso se terá uma noção mais concreta, examinando os
casos das lembranças de cobertura ou lembranças diafragmas.
Uma cliente do Dr. Allendy contou-lhe um dia que jantara num restaurante.
Havia tapetes vermelhos, notara nas mesas copos de groselha ou de framboesa,
estava nesse dia de muito mau humor etc. Admirado pela importância que o vermelho
representava nas associações de sua paciente, o psicanalista perguntou-lhe se não
estava regrada nesse dia. A paciente respondeu-lhe que estava nesse dia preocupada
com uma menstruação difícil (Allendy, P., p. 56; Allendy, P., pp. 97-98).

A lembrança dessa mulher podia, pois, ser considerada sob dois pontos de
vistas. Do ponto de vista do objeto, é um conhecimento verdadeiro do passado; do
ponto de vista do indivíduo, é uma expressão de suas preocupações íntimas. O mau
humor devido à menstruação difícil não criou uma pseudo-lembrança de frutas
vermelhas e de tapetes vermelhos que não teriam existido, mas ele criou uma fixação
e uma conservação da lembrança dos objetos vermelhos, entre as numerosas
minúcias que se podem observar num restaurante.

William James desenvolveu um tema análogo quando descreveu as seleções


realizadas pelo pensamento. Imaginava vários americanos fazendo a mesma viagem
pela Europa. Todos relatarão lembranças exatas mais diferentes, cada qual só terá
notado o que lhe interessa (James, Précis de Psychologie, p. 223).

De um modo geral os pragmatistas anglo-saxões insistiram muito sobre o


condicionamento das operações cognitivas pelas necessidades e pelos estados
afetivos do indivíduo, mas nunca o fizeram de modo a comprometer a objetividade do
conhecimento e abalar a noção de verdade. O resultado dessas inabilidades foi o de
suscitar nos outros psicólogos uma relação intelectualista tal que a noção de
expressão psíquica foi mais ou menos silenciada. Na realidade o intelectualismo e o
pragmatismo só vêem um lado da questão.

Como dizíamos mais acima, verdade e expressividade psíquicas conciliam-se


perfeitamente. Uma tese de matemática é um sistema de proposições verdadeiras,
mas é também o efeito da curiosidade intelectual ou de ambição de seu autor. É de
presumir, aliás, que a Psicanálise tirasse pouco fruto dessa investigação.

Explica-se que o valor da expressividade psíquica do conhecimento verdadeiro


tenha sido negligenciado. Podemos concluir pela aparente antinomia do pragmatismo
e do intelectualismo. É mais estranho que tenha sido desconhecida no que concerne
aos produtos psíquicos derreísticos: sonhos, alucinações, sintomas neuróticos. Aqui a
regulação pelo objeto está fora de causa por definição.

Ninguém pretenderá que as imagens oníricas constituam um conhecimento


correto do real. A verdade, estando ausente, não pode mais mascarar a
expressividade psíquica. Por que então não foi ela antes de Freud mais destacada
pelos psicólogos? Pode-se atribuir a duas causas essa deficiência do idealismo. A
filosofia idealista que se propõe reduzir o ser ao conhecer, não pode evidentemente
aceitar que se tratem os estados psíquicos como coisas entre as quais se exercem
relações reais e inconscientes de causalidade. A noção de expressão psíquica
pressupõe um mínimo de realismo. O ponto de vista logicista, sendo evidentemente
insustentável em psicopatologia, o interesse dirigiu-se para o organismo.
O livro de Meunier e Masselon, Les rèves et leur interprétation, é um bom
exemplo do estado de espírito dos psiquiatras anteriores a Freud ou que não sofreram
sua influencia. Esta obra é de 1910, posterior, por conseguinte, à Traumdeutung. A
Psicanálise não é aí mencionada uma única vez. Os dois autores a ignoram ou não lhe
deram valor. Seu livro pode, pois, ser considerado como uma espécie típica da
psiquiatra pré-freudiana.

A formação médica orientava Meunier e Masselon num caminho excelente,


fazendo-os escolher como instrumento de trabalho a noção de sintoma. Esse conceito
os obrigava a compreender a noção de sinal num sentido nitidamente objetivo e
realista. Para eles o sonho é um efeito e um sinal. Infelizmente não souberam
distinguir o realismo do organicismo, por isso procuraram as causas do sonho nas
excitações internas ou externas.

Na terminologia que adotamos, diríamos que eles só consideram o sonho como


um sinal do terceiro grupo; sabem, entretanto, que os fatores psíquicos têm um papel
capital na etiologia do sonho e ocasionalmente o afirmam (Meunier e Masselon, Les
rèves et leur interprétation, p. 183-186, p. 199-201). Mas não tiram partido dessa
verificação. A noção de expressão psíquica faz-lhe evidentemente falta. Daí sua
interpretação dos sonhos consistir unicamente em descobrir suas causas orgânicas. A
insuficiência nesse ponto de vista é manifesta.

A oscilação entre a psicologia da consciência e o organicismo não é devida


somente à influência da filosofia idealista. Os psicólogos anteriores a Freud não
dispunham de técnica para a descoberta das relações inconscientes de causalidade
entre fatos psíquicos. Esta lacuna metodológica é, aliás, ligada ao desconhecimento
da expressão psíquica. Se a importância teórica desse conceito tivesse sido
reconhecida, imediatamente teria se preocupado em descobrir processos que
permitem determinar quais são os estados psíquicos anteriores expressos pelos
estados atuais. Se a insuficiência doutrinária e a insuficiente metodologia são distintas,
elas não são, contudo, separáveis.

Ensaiamos mostrar a legitimidade da noção de expressão psíquica e explicar


por que este conceito tão importante tinha sido pouco explorado antes de Freud.
Precisamos agora examinar se Freud e seus discípulos conseguiram apresentar uma
elucidação filosófica satisfatória desta noção de expressão psíquica, sobre a qual
repousa a própria possibilidade de todas as suas interpretações. Os psicanalistas
utilizam, sobretudo, os dois conceitos de sentido e símbolo, que serão discutidos
adiante.

2) Sentido

Por que se diz que uma palavra tem um sentido? Porque sua enunciação é o
efeito-sinal de uma idéia. A palavra é um sinal do segundo grupo, porque é de ordem
material e seu significado é de ordem psíquica. Não se pode parar aí. A linguagem não
é uma série de átomos sonoros significando átomos conceituais. As relações têm, no
pensamento racional, um papel extremamente importante. Pode-se desconhecê-lo e
este foi o erro dos empiristas clássicos. Mas pode-se também sobreestimá-lo e este é
o erro de um bom número de psicólogos contemporâneos.

De nossa parte, não vemos mais razão para sacrificar o ser à relação como
para sacrificar a relação ao ser. Assim, pensamos que o sentido da linguagem possui
duas gradações: a palavra exprime o conceito e as relações entre as palavras
exprimem as relações entre os conceitos.

Fixadas estas definições, é particularmente legítimo comparar o sonho à


linguagem. É preciso somente acrescentar que o sonho é uma linguagem psíquica
natural e individual, como foi anteriormente dito. O sonho é uma linguagem porque tem
por fim não o conhecer, mas o exprimir. O sonho é uma linguagem psíquica, porque
não é uma emissão sonora, mas uma produção mental. O sonho é uma linguagem
natural porque a relação de causalidade que o faz derivar dos estados psíquicos que
exprime não tem necessidade de ser conhecida para existir, pois é intrinsecamente
inconsciente.

O sonho é uma linguagem psíquica natural e individual porque, contrariamente


ao que se passa na expressão somática natural das emoções, a relação do sonho
com o seu abstrato, embora obedeça a certas leis gerais, varia de um indivíduo para
outro.

Freud muitas vezes comparou o sonho à linguagem ou à escrita. Diz ele


frequentemente que o sonho é um “sistema de expressão”. Infelizmente em nenhuma
parte elucida esta noção que, no entanto, tem disso a maior precisão. Por este motivo
a expressão psíquica tinha sido quase que completamente desconhecida por seus
predecessores. Quando o psiquiatra vienense diz que o sonho e os sintomas
neuróticos têm um “sentido”, a palavra “sentido” reveste sob a pena de Freud uma
acepção radicalmente nova. Coisa estranha: Freud não parece perceber-se disso.

Acabamos de explicar com que corretivos poder-se-ia dizer que o sonho tem
um “sentido”, como a linguagem a possui. Infelizmente a palavra “sentido” não serve
somente para designar a propriedade que tem a linguagem de exprimir o pensamento;
serve também para designar a propriedade que o pensamento tem de conhecer o real,
de atingir a verdade, o que é absolutamente diferente. Quando se diz a alguém: “O
que você afirma não tem sentido” não se pretende fazer-lhe uma critica lingüística,
mas uma critica lógica, não se visa a relação de sua linguagem com o seu
pensamento, mas a relação de seu pensamento com o real.

A palavra “sentido” tem, pois, duas acepções diferentes. Ora nem uma nem
outra é aplicável sem corretivo ao sonho ou, de um modo mais geral, aos produtos
derreísticos. A acepção lógica da palavra “sentido” não é aplicável ao sonho que,
propriamente dito, não é conhecimento; a acepção lingüística da palavra “sentido” não
lhe convém melhor, pois o sonho não é algo material. Na realidade, quando Freud
declara que o sonho tem um “sentido” dá a essa palavra uma terceira acepção,
ignorada até por ele. Deve-se recriminá-lo de não ter sido capaz de destrinçar
claramente o alcance de sua inovação.
Freud oscila perpetuamente da acepção lógica para a acepção lingüística e isto
se compreende pois a expressão psíquica é intermediária entre o pensamento e a
linguagem. Por isso sua obra dá a muitos espíritos uma prejudicial impressão de
confusão. Introduzindo uma idéia nova, Freud deveria ter criado um vocábulo novo
para designá-la, ou ao menos servir-se de uma combinação pouco usada de palavras.
É o que fizemos usando a expressão psíquica.

Se a palavra “sentido” reveste uma acepção nova, quando se fala do “sentido


dos sonhos” ou dos produtos derreísticos, o mesmo se deve dizer da palavra
“símbolo”. No rigor psicanalítico, só há um simbolismo, o coletivo. Mas a maioria dos
autores alarga o sentido freudiano da palavra e não falam de um simbolismo
individual. Na discussão que se segue, tomaremos a palavra símbolo no sentido
amplo, visando tanto os símbolos individuais como os símbolos coletivos.

Para apreciar se Freud tem ou não razão de falar em simbolismo dos sonhos,
precisamos partir de exemplos de símbolos aceitos por todos. A linguagem corrente
não hesita em fazer do branco o símbolo da inocência e do preto o símbolo do mal
moral. Vê-se logo que a idéia de uma relação causal direta entre o símbolo e o
simbolizado não é essencial ao simbolismo. Toda semelhança exige uma causa. É
evidente que se o símbolo e o simbolizado não têm relação causal direta, eles
possuem ao menos uma relação causal indireta.

A brancura material não é efeito da inocência moral, como a inocência moral


não é efeito da brancura material. Isto basta para cavar um abismo entre a noção do
símbolo e a de sintoma ou, como preferimos dizer, de efeito-sinal. O sintoma prova a
existência de sua causa, o símbolo não prova a existência do simbolizado. A distinção
que acabamos de estabelecer não é pessoal.

O Vocabulário de Filosofia dá como sentido a) da palavra “sinal”: “Percepção


atual justificando, de uma maneira mais ou menos segura, uma asserção relativa a
qualquer outra coisa (e não só suscetível de evocar uma representação pela ação da
lembrança ou da associação de idéias)”. “A freqüência do pulso é sinal de febre”.

Esta definição mostra bem que certa relação causal é mais ou menos
claramente implícita no sentido primitivo, o sentido forte da palavra “sinal”. Ademais, é
absolutamente característico que o primeiro “símbolo”, seu sentido A é assim definido.
“O que representa outra coisa em virtude de uma correspondência analógica”.
(Lalande, Vocabulaire de Philosophie, artigo “signe”, tomo II, p.768).

A palavra “analogia” designa aqui uma semelhança de relações. O que a


inocência é para a alma corresponde ao que a brancura é para o corpo. Podemos
dizer que a relação do sinal com o significado é fundada sobre a causalidade,
enquanto a relação do símbolo com o simbolizado é fundada sobre a semelhança.

Decorre daí que o conceito de símbolo implica um aspecto de arbitrariedade


que exclui o conceito de efeito-sinal. Importa aqui evitar mal-entendidos. De nenhum
modo pretendemos afirmar que a relação de semelhança seja subjetiva. Queremos
simplesmente dizer que ela se pode degradar ao infinito. Entre duas realidades
quaisquer, pode-se sempre descobrir um aspecto de semelhança, não fosse o que
atribuiu a uma e outra a palavra realidade. Um ser tem, pois, uma infinidade de
símbolos possíveis, ao passo que só pode haver um número limitado de efeitos e de
causas.

A semelhança não é arbitrária e os graus de semelhança também não se


situam numa ordem arbitrária, mas seu número é ilimitado. Uma realidade qualquer
podendo ser simbolizada de uma infinidade de maneiras, a noção de simbolismo
apresenta uma indeterminação tal que seria praticamente inutilizável, se não
interviesse uma escolha. Mas como deixaria de ser consciente essa escolha?

No sentido que a palavra “simbolismo” assume fora da Psicanálise, parece


implicar essencialmente uma comparação consciente. A existência de um simbolismo
natural, comum a todos os povos, coaduna-se perfeitamente com o que acabamos de
dizer. É natural que as semelhanças as mais nítidas entre as diversas realidades
sejam notadas por todos os homens. Essas semelhanças são utilizadas na linguagem
de um modo plenamente consciente.

Há um último caráter do simbolismo, tal como ele é geralmente concebido fora


da Psicanálise sobre o qual precisamos agora insistir. A relação simbólica liga os
objetos das representações e não as próprias representações. Retomemos um
exemplo para expor a noção freudiana de simbolismo. Minerva saindo do crânio de
Júpiter é o símbolo da origem divina da sabedoria. “A relação simbólica, no sentido
não freudiano, vai do objeto do pensamento “nascimento de Minerva” que é o símbolo,
ao objeto do pensamento origem divina da sabedoria”, que é o simbolizado. O
simbolismo no sentido ordinário, é capital notar, não suscita a questão da gênese das
idéias.

Dito isto, esperamos que se concorde sem dificuldades que Freud modificou
completamente o sentido usual da palavra “símbolo”. O simbolismo psicanalítico
constitui a contraposição do simbolismo ordinário. A respeito dos três pontos que
acabamos de considerar, a oposição entre a acepção corrente e acepção freudiana da
palavra “símbolo” é flagrante.

Em primeiro lugar, enquanto o símbolo ordinário não implica qualquer relação


direta de causalidade com seu simbolizado, o símbolo freudiano é
essencialmente, por definição, um efeito de seu simbolizado. Jung viu
perfeitamente a falta cometida por Freud ao aplicar aos sonhos e aos sintomas
neuróticos o termo de símbolo, enquanto na sua doutrina eles exercem
simplesmente o papel de índices ou de sintomas do processo de retaguarda e
de nenhum modo o de verdadeiro símbolo; por este último se deve entender, na
verdade, um meio de expressar uma intuição para a qual não se podem
encontrar outras ou melhores expressões. (C.G. Jung, Essais de Psychologie
Analytique).

A crítica de Jung toca ao vivo a questão. Se a interpretação psicanalítica dos


sonhos levantou tantas oposições foi em grande parte virtude da confusão criada pelo
emprego da apalavra símbolo no sentido de indicar ou de efeito-sinal. Os autores que,
como Meunier e Masselon, consideraram o sonho como um sintoma não hesitaram em
aceitar seu ponto de vista. Dir-se-á que é porque eles admitem para o sonho uma
etiologia orgânica. Não negamos que esta razão tenha seu valor. Mas julgamos que se
Freud tivesse evitado cuidadosamente a palavra símbolo e apresentado o sonho como
um sintoma psíquico de estados psíquicos profundos teria sido mais bem
compreendido e muito menos criticado.

Em segundo lugar, enquanto as relações simbólicas ordinárias, pelo fato de


não serem fundadas na causalidade, apresentam uma indeterminação infinita que só
pode ser solucionada por uma comparação consciente, as relações simbólicas
freudianas, fundadas na causalidade, são determinadas por este simples fato e não
requerem qualquer comparação consciente.

Quando Freud descreve o trabalho do sonho, permanece plenamente fiel ao


seu ponto de vista casualista e, então, ele é verdadeiramente ele mesmo. Mas quando
empreende explicar o simbolismo produz-se em seu espírito uma confusão prejudicial
entre o sentido vulgar da palavra e o sentido novo, que se lhe quer atribuir. Esta
flutuação do pensamento é manifesta no texto seguinte: “Estamos – escreve o
psicólogo vienense - em presença do fato de que o sonhador tem à sua disposição o
modo de expressão simbólica que não conhece e não reconhece desperto. Isto é
capaz de vos deixar tão admirados, como saber que vossa criada compreende o
sânscrito, quando sabeis que ela nasceu numa aldeia da Boêmia e nunca estudou
essa língua”.

Não é fácil compreendermos esse fato com as nossas concepções


psicológicas. Podemos dizer somente que no sonhador o conhecimento do simbolismo
é inconsciente, que faz parte de sua vida psíquica inconsciente. Essa explicação,
porém, não nos leva longe.

Até o presente tínhamos apenas necessidade de admitir tendências


inconscientes, isto é, tendências momentaneamente ignoradas por um período mais
ou menos longo. Desta vez trata-se de mais alguma coisa: de conhecimentos
inconscientes, de relações inconscientes entre certas idéias, de comparações
inconscientes, de comparações inconscientes entre diversos objetos, comparações em
conseqüência das quais um dos objetos se vem instalar de modo permanente um
lugar de outro. Essas comparações não são feitas cada vez, à medida da necessidade
causal, elas estão inteiramente prontas e para sempre. Disso temos a prova no fato de
que elas são idênticas nas pessoas as mais diferentes, apesar das diferenças de
língua.

Vê-se em que embaraços Freud se encontra pelo hábito da aplicação


desajustada da palavra simbolismo para o trabalho do sonho. Chega a falar de
“comparações inconscientes”. Tomada ao pé da letra, a expressão é contraditória.
Poder-se-iam destacar várias fórmulas infelizes nessas linhas.

Em terceiro lugar, enquanto o simbolismo ordinário liga os objetos


representados, o simbolismo psicanalítico liga as próprias representações. Para quem
não é discípulo de Freud, Minerva saindo do crânio de Júpiter é o símbolo da origem
divina da sabedoria. O psicanalista só estuda produtos psíquicos derreístas sem
objeto. Considera as representações como coisas derivando umas das outras segundo
uma estrita relação causal. Sistematicamente ele fará da representação derivada o
símbolo e da representação primitiva o simbolizado. Não se duvida que o abstrato seja
condicionado pelo concreto, que o conceito não dependa da imagem e que o inteligível
não seja derivado do sensível.

O psicanalista estabelecerá, pois, para começar, que a origem divina da


sabedoria é o símbolo de Minerva, eis o que foi entendido. Mas a saída de Minerva da
cabeça de Júpiter de que coisa é símbolo psicanalítico? Evidentemente das
representações anteriores que a condicionam, das quais ela é efeito-sinal, índice. A
idéia do nascimento craniano não é uma idéia primitiva, um dado além do qual não se
pode ascender; depende indubitavelmente da idéia do nascimento pela vulva. Esse
exemplo mostra com uma clareza ofuscante a oposição que existe entre a acepção
ordinária e a acepção psicanalítica da palavra “símbolo”.

É evidente que Freud errou gravemente aplicando aos sonhos e aos outros
produtos derreístas o qualificativo de símbolos. Isto quer dizer que a pesquisa
psicanalítica é ilegítima e sem finalidade? De nenhum modo. O próprio exemplo do
nascimento de Minerva basta para prová-lo. É absolutamente legítimo interrogar quais
são as representações anteriores que condicionaram a representação da saída de
Minerva do crânio de Júpiter e ninguém poderá contestar que a representação do
nascimento craniano não derive da do nascimento vulvar.

Se a admissão da validez do conceito de expressão psíquica conduz a pensar


que é legítimo procurar interpretar causalmente os produtos derreísticos, pelo contrário
ela não fornece qualquer critério para a legitimidade da interpretação. Que os
elementos do sonho e os sintomas neuróticos dependam de uma infra-estrutura
psíquica, eis o que consideramos de ora em diante como certo. Mas esta dependência
se exerce somente de um elemento manifesto para um elemento latente.

As relações dos elementos manifestos entre si são devidas apenas ao puro


acaso? Ou, ao contrário, as relações dos elementos manifestos são expressivas de
um tematismo complexo subjacente? A noção de expressão psíquica não no-lo
ensina. A questão só pode ser resolvida indutivamente, examinando o resultado de um
número suficiente de interpretações reconhecidas como certas.

O problema que se levanta agora diante de nós é, pois, o dos critérios da


interpretação concreta. Esse problema foi muito desprezado pelos psicanalistas e
compreende-se facilmente por que a lógica e a metodologia são posteriores à ciência.
O ser humano raciocina a principio instintivamente, se é que se pode usar essa
expressão. Só mais tarde reflete sobre o mecanismo do raciocínio. Isso é
absolutamente marcante em matemática.

A maioria dos matemáticos é inteiramente incapaz de analisar logicamente os


processos de que se servem. Todos aceitam a validez do raciocínio por recorrência.
Apesar disso, os lógicos ainda discutem sobre sua exata natureza. O mesmo sucede
em Psicanálise. Interpreta-se fiado em certos critérios que permanecem implícitos,
mas sobre os quais tudo repousa. Vamos procurar explicá-los.

O postulado fundamental sobre o qual se apóia a interpretação psicanalítica


em nada recorre, repitamo-lo mais uma vez, às noções de conhecimento e de
verdade. Consiste em afirmar que num mesmo indivíduo o fluxo psíquico não é para
mudança que representa um mínimo de estabilidade e de identidade. Assim
formulado, este postulado é uma evidência para quem quer que aceite a possibilidade
da ciência. É apenas a aplicação à psicologia da noção de causalidade no sentido
meyersoniano da palavra.

O exemplo seguinte ajudará a melhor compreender a distinção radical que há


entre a estabilidade psíquica e o julgamento consciente, que o indivíduo pode ter
sobre ela. Trata-se de um sonho pessoal, analisado no mesmo dia. As associações
foram anotadas à medida que se produziram. Daremos aqui apenas um fragmento,
não visando oferecer uma interpretação completa, mas ilustrar o princípio de
constância psíquica inconsciente.

Sonho – “Vejo numa árvore um texugo, que é mais amarelo do que o habitual
nesses animais. Ele desce da árvore. Depois há uma história de peixe, que ele vai
procurar para comer”.

Associações – [“Vejo numa árvore um texugo”] – “Essas palavras me fazem


pensar na prosperidade de minha avó. Ela vira várias vezes texugos. Penso em
seguida na propriedade de uma de minhas tias, e havia queixas relativas aos buracos,
que os texugos faziam. Pensei em caçá-los, protegido pela noite. Desisti, talvez a
contragosto”.

[“Numa árvore”] – “Não creio que os texugos subam em árvores. Em meus


livros de infância, li histórias de glutões trepados nas árvores. Há alguma semelhança
entre essas duas espécies de animais”.

[“Mais amarelo”] – “Os texugos são pardos. O único animal amarelo é a


raposa”.

“Ele desce da árvore”] – “não me lembro de ter tido medo durante o sonho, ou
de haver atirado; isto é muito curioso dado meu amor à caça”.

“Há uma história de peixe”] – “O texugo se nutre de raízes, parece-me, muitas


vezes de pequenos animais, há pouca probabilidade que se alimente de peixes”.
Talvez tenha lido há alguns dias alguma coisa sobre esse animal, mas onde e
quando?

O curso dessas associações emite os três julgamentos seguintes que


exprimem minha opinião consciente.

1. “O texugo e o glutão não são vizinhos na sistemática.” – Admirei-me muito


de ver o texugo evocar o glutão e imediatamente reagi por um julgamento
contra essa associação, que me parecia aproximar indevidamente dois
animais que julgo muito afastados na classificação zoológica.

2. “O texugo não é amarelo, é cinzento” – No estado de vigília não consigo


explicar-me por que o texugo de meu sonho era amarelo. Sei perfeitamente
que a cor do texugo é cinzenta.

3. “É pouco provável que o texugo coma peixe.” – Ainda aqui as imagens de


meu sonho me parecem bizarras. Certamente no estado de vigília não teria
afirmado que o texugo come peixe.

As associações que acabo de referir e as reflexões que me haviam inspirado


foram feitas pela manhã. De tarde, pouco satisfeito com os resultados de meu
trabalho, empreendi uma segunda análise. As associações de início nada me
trouxeram de interessante. Chegando à palavra “peixe”, tive as seguintes associações:
“O texugo me faz pensar em mel. Mel selvagem. As colméias na propriedade de minha
tia. Será que os texugos roubam as colméias? O Sphinx átropos que ontem olhei,
junto com meu filho”.

As associações sobre o mel me deixam hesitante sobre a verdade do quarto


julgamento: “O texugo se alimenta de mel”.Tomo em minha biblioteca o volume
intitulado “Os Carniceiros” faz parte da Enciclopédia de História Natural do Dr. Chenu.
Essa coleção me havia sido presenteada em minha infância, por um dos meus tios.
Ela fizera as minhas delícias, longas horas passei folheando-a. Na época em que o
sonho se passou (noite de 3 para 4 de junho de 1930) há muito havia tomado outra
direção, depois viera a guerra com suas preocupações angustiantes. Durante quinze
anos, estou certo, e talvez durante vinte anos, mal abrira o grande volume da
Enciclopédia de História Natural. Reconheci imediatamente a gravura representando o
texugo. Na página 233, li que o texugo comia peixe e na página 234 que ele comia
mel. Encorajado por essa dupla verificação, prossegui em minhas pesquisas. Li na
página 231 que o texugo na sua infância tinha uma penugem amarela. Chegando à
página 239, percebi que o texugo e o glutão eram vizinhos imediatos na classificação
seguida pelo Dr. Chenu.

O contrate entre a estabilidade das ligações oníricas ou associativas, de um


lado, a falsidade ou incerteza dos julgamentos consciente, de outro, é absolutamente
marcante. Meu inconsciente associativo aproxima o texugo do glutão; meu julgamento
consciente apressa-se em protestar e em declarar que esses dois animais não são
vizinhos na sistemática; é o consciente que está errado. Meu inconsciente onírico me
apresenta um texugo amarelo; ao nível do consciente repilo essa imagem: feita a
verificação, é o inconsciente que tem razão. Meu inconsciente onírico faz do texugo
comedor de peixe, mas meu consciente fica em dúvida a esse respeito: meu ceticismo
se mostra mal baseado. Meu inconsciente associativo põe em relação o texugo e o
mel; meu consciente acredita prudentemente adotar uma atitude puramente
interrogativa; e apenas consegue pela quarta vez mostrar sua inferioridade.

A estabilidade das ligações psíquicas é independente não só da verdade do


julgamento consciente do indivíduo sobre as ditas ligações, mas ainda de sua
sinceridade. Tomemos o caso de um paciente que procura enganar o psicanalista,
criando inteiramente um sonho artificial, que apresenta como um real. Se para estudar
o pseudo-sonho, o psicanalista se colocasse do ponto de vista indicial ou causal
(notemos de passagem que todo progresso da polícia científica consiste em substituir
cada vez mais a prova indicial à prova testemunhal). Os produtos psíquicos que lhe
são apresentados não o interessam como testemunhas verdadeiras ou falsas dos
acontecimentos exteriores, mas como efeitos-sinais de estados psíquicos passados.
Mesmo que o conjunto de imagens tenha sido sonhado pelo paciente ou por ele
criado, no estado de vigília, com um fim qualquer, o caso é psicanaliticamente o
mesmo. Este conjunto de imagens emana do psiquismo do paciente e, por
conseguinte, o exprime.

O psicanalista americano Brill tratava de um médico de mais ou menos trinta


anos, celibatário, apresentando desordens psiconeuróticas muito profundas. Este
doente pretendia não sonhar; Brill sustentava que ele esquecia seus sonhos. Um dia
ele relatou ao analista o seguinte sonho: “Estava em vias de dar à luz uma criança e
sofria muito. Meu amigo X. agia como parceiro e se servia do fórceps como um
açougueiro e não como médico”. O paciente explicou que seu amigo X. era um
homem de negócios e não um médico. Brill pediu-lhe suas associações sobre esse
personagem. O doente respondeu que ele era um excelente amigo, mas que há algum
tempo se haviam separado. Brill quis saber por quê. Seu cliente disse-lhe que não
apreciava certas pessoas com quem X tinha relações e pôs-se a dar pormenores
sobre sua amizade com X. Brill, após tê-lo escutado, fez-lhe a observação de que ele
parecia ter ciúmes de X. O doente reconheceu que X era precisamente dessa opinião.
Brill disse-lhe então que o ciúme só era justificado quando se tratava de uma pessoa
do sexo oposto e sublinhou o fato de que o paciente teria ciúmes de X porque ele
falava com outros homens. O analisado pôs-se a rir. “Fique sabendo que eu sempre
pensei – disse ele – que suas histórias de sonhos eram tolices. Agora estou
absolutamente certo. O Sr. me pediu um sonho e eu inventei um. Nunca sonhei coisa
parecida. Apenas contei-lhe um como zombaria”.

Brill ficou algum tempo surpreso, mas o pseudo-sonho não deixara de revelar-
lhe o que há muito tempo procurava. Tal produção psíquica só podia ser fabricada por
um homossexual e, na verdade, desde o início do tratamento, Brill suspeitava que seu
cliente fosse um invertido. Convidou-o, pois, a continuar suas associações. O doente
protestou afirmando que seu sonho era pura invenção. Brill insistiu, o analisado se
zangou. Finalmente Brill decidiu atacá-lo de frente. “V. é um homossexual e está
apaixonado por X; somente um homem que se identifica com uma mulher é capaz de
imaginar que dá à luz uma criança”. O doente saiu furioso, mas voltou algum tempo
depois para informar que o seu diagnóstico era perfeitamente exato, mas que lhe tinha
sido muito penoso reconhecer que era homossexual (Brill, Fundamental Conceptions
of Psychoanalysis, p. 195-197).

A afirmação de uma relativa estabilidade psíquica inconsciente, por


incontestável que seja, mais levanta problemas do que os resolve. Tratando-se de
uma estabilidade absoluta, o problema da interpretação seria imediatamente resolvido.
Mas trata-se de uma estabilidade absolutamente relativa. Como determinar com
precisão o grau de constância das ligações psíquicas? Duas respostas foram dadas a
essa questão.

Para opô-las francamente uma à outra, é necessário reportar-se à divisão


clássica das associações: por semelhança, por contraste e por contigüidade. Os
autores de tendências empiristas procuram reduzir a semelhança e a contigüidade,
mas sua redução é geralmente tida como falha. Invertendo seu ponto de vista poder-
se-ia dizer que a contigüidade constitui uma semelhança extrínseca. Haveria assim
duas espécies de semelhanças. O verde e o azul apresentam uma semelhança
intrínseca, um e outro são cores. Seja agora um quadrado verde: o quadrado e o
verde só tendo em comum ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, sua
semelhança se cinge em possuir o mesmo ponto de referência espaço-temporal, é
puramente extrínseca.

É fácil ver que, propriamente dito, não assimilamos a contigüidade à


semelhança. Quando se fala de semelhança na linguagem corrente, sempre se visa à
lembrança intrínseca. Evidentemente se pode dar à palavra semelhança o sentido
abstrato comum, tanto à semelhança intrínseca e à semelhança extrínseca, mas o que
se ganharia com isso? Absolutamente nada, pois a oposição entre a semelhança
intrínseca e a semelhança extrínseca não deixaria de subsistir. Distinguiremos, pois
dois tipos irredutíveis de associações: a associação extrínseca ou, por contigüidade, e
associação intrínseca, por semelhança. Isto fixado, podemos dizer que Freud e seus
discípulos aceitam a estabilidade mais ou menos absoluta das associações por
contigüidade.

Quando uma imagem onírica evoca uma série de outras imagens, eles
consideram que o simples fato da evocação basta para provar que as imagens
evocadas pelo trabalho associativo entretêm uma relação de causalidade, que pode
ser direta ou indireta, com as imagens a analisar. Diremos que eles consideram o
critério de evocação ou critério extrínseco como suficiente, isoladamente. Tal é a
primeira resposta à questão que examinamos, acerca da constância das ligações
psíquicas. Esta maneira de resolver o problema deixa o flanco aberto a graves
objeções.

Em primeiro lugar, parece postular uma reversibilidade que, absolutamente,


não é evidente. No momento da elaboração do sonho, o conteúdo latente evocou o
conteúdo manifesto. Que provas temos que no curso da análise o conteúdo manifesto
evocará o conteúdo latente? Não é paradoxal pretender chegar às camadas mais
profundas do recalcado que, durante as sessões analíticas se manifestem no campo
da consciência sob seu aspecto autêntico? Se se responde que esse resultado é
obtido graças à transferência e à dissolução das resistências, é claro que um novo
critério é necessário para discernir o fracasso do sucesso.

Não se trata de reversibilidade propriamente dita, quando se diz que o sonho


manifesto e o material associativo que ele evoca são, um e outro, produtos dos
complexos inconscientes, que permitem interferir, dado que a causa procurada não é
mais diretamente evocada, mas concluída, e se torna indispensável um critério diverso
do critério da evocação.
Em segundo lugar, mesmo se a dificuldade precedente não existisse, não
deixaria de ser possível que outras causas intercorrentes pudessem entrar em jogo e
perturbar a estabilidade das ligações psíquicas. Sua intervenção deve poder ser
discernida. Um critério fora do critério de evocação é, pois, necessário, caso se queria
evitar cair numa petição de princípio.

As críticas que acabamos de formular – e que são clássicas nos escritos dos
contraditores da Psicanálise – conduzem a propor uma segunda resposta ao problema
da constância das ligações psíquicas. O critério extrínseco ou de evocação sendo
insuficiente, é necessário recorrer ao critério intrínseco ou de semelhança. Os
psicanalistas desprezam muitas vezes mencioná-lo ou, se o indicam, não destacam
sua importância capital. “As associações – escreve, por exemplo, Saussure – trazem
freqüentemente acontecimentos recentes que têm tanta analogia com a imagem
onírica como sendo a hipótese mais provável aquela que liga os dois fatos por um laço
de causalidade”. O critério de semelhança é empregado, fora da Psicanálise,
passando pela Lingüística e nas quais se propõe filiar um índice à sua causa.

Pode-se apresentar da seguinte maneira sua validez: a causalidade implica


necessariamente um mínimo de semelhança entre o efeito e a causa. Isto é uma
conseqüência imediata do princípio da razão suficiente. Quanto à recíproca, ela deve,
para ser correta, formular-se assim: a semelhança implica numa relação de
causalidade seja direta ou indireta. Consideremos dois seres semelhantes: E1 e E2.
Temos três hipóteses a escolher para explicar sua semelhança: 1ª – E1 é causa de E2
(causalidade direta); 2ª - E2 é causa de E1 (causalidade indireta). Em certos casos,
esta causa está situada num grau de afastamento tal que merece ser qualificada de
metafísica. A existência da causalidade indireta torna o emprego do critério de
semelhança passível de uma objeção em aparência muito séria. Coloca-se o problema
no abstrato parece que, quando se filia um ser E1 a um outro ser E2 por uma relação
direta de causalidade, pode-se sempre sustentar que permanece possível a hipótese
de uma causa comum. Mas se considerarmos um acontecimento traumático e a
imagem onírica que o reproduz mais ou menos deformado, é evidente que a hipótese
de uma causa comum ao trauma e ao sonho não tem sentido. Fica, pois perfeitamente
valido o critério de semelhança.

O ponto de vista freudiano que considera o critério de evocação como


suficiente e o ponto de vista crítico, que só é considerado reforçado pelo critério de
semelhança, têm cada qual suas vantagens e suas conveniências. Visando a um
resultado terapêutico, Freud tem, certamente, razão de agir como o faz. Saussure
mostrou muito bem que o psicanalista cientista e o psicanalista terapeuta buscam fins
diferentes. Não se deverá exagerar essa oposição a ponto de crer que a verdade ou a
falsidade de uma interpretação estejam em relação com sua eficácia curativa.

Uma interpretação falsa pode produzir um efeito sugestivo, mas não um efeito
catártico. Só a interpretação verdadeira pode ter uma ação psicanalítica, mas importa
notar que ela deve sua eficácia ao fato de ser verdadeira e não ao de ter sido
demonstrada. Uma interpretação correta, cuja exatidão o doente sente intuitivamente,
pode trazer-lhe um alívio considerável. Contudo, para o lógico que olha as coisas de
fora, o critério terapêutico é inaceitável e é preciso reconhecer que seu emprego
abusivo levou a Psicanálise a um impasse científico.

As interpretações freudianas deixam cética a maioria dos espíritos que exigem


o rigor lógico. Portanto a segunda solução deve ser adotada quando se quer
apresentar resultados demonstrativos. Quando se visa um fim puramente científico, é
preciso limitar o conceito de expressão psíquica à associação intrínseca. Importa não
esquecer que assim procedendo, elimina-se certamente um bom número de ligações
autênticas entre elementos psíquicos. Toda a doutrina dos reflexos condicionados
mostra a importância das associações extrínsecas.

Uma solução perfeitamente satisfatória é impossível. Há uma verdadeira


antinomia entre a terapêutica e a ciência. Quando não se quer correr o risco de negar
a menor ligação psíquica existente, em represália, se correrá o de aceitar uma
multidão de inexistentes. Ou, ao contrário, não se quererá arriscar aceitar ligações
psíquicas inexistentes, ao preço de desconhecer um bom número de ligações
psíquicas existentes. No presente trabalho nos colocaremos evidentemente no ponto
de vista crítico.

É desagradável só chegar ao demonstrativo eliminando ligações psíquicas


reais. Parece que há meio de salvar um certo número, recorrendo ao que chamaremos
o critério de freqüência. Quando uma associação extrínseca se repete muitas vezes no
curso de uma análise, fortalecem-se as presunções em seu favor. Notemos que o
critério de freqüência não é autônomo, mas complementar. A freqüência não é distinta
e separável da evocação como o é a semelhança; ela é apenas uma modalidade de
evocação.

Uma interpretação em geral não se baseia numa única evocação, mesmo


repetida, nem sobre uma única semelhança. Ela se apóia na maioria das vezes sobre
a convergência num mesmo sentido de todo um conjunto de índices. Ainda aqui, trata-
se de um critério complementar e não de um critério autônomo. Por isso a
convergência não é uma relação primária como a evocação e a semelhança, mas uma
modalidade de um conjunto de evocações e de semelhanças. Sob esta reserva temos
o direito de falar de um critério de convergência. Ele é muito aparentado ao critério de
freqüência, mas, tal como o definimos, distingue-se por maior complexidade. Aliás, é
difícil precisar, no domínio dos fatos psíquicos, o papel do um ou do múltiplo.

É cômodo falar de elementos e de relações, mas é preciso confessar que essa


separação tem algo de artificial. Uma convergência verdadeira constitui uma totalidade
quase-orgânica; interpretá-la de uma maneira puramente quantitativa seria
desconhecê-la.

Os dois critérios autônomos de evocação e de semelhança e os dois critérios


complementares da freqüência e da convergência permitem estabelecer relações de
causalidade entre uma imagem onírica e uma lembrança, por exemplo. Mas se a
dúvida surge não mais acerca da relação, mas quanto à própria causa, e temendo que
se trate apenas de uma falsa lembrança, será necessário apoiar-se sobre o
testemunho de uma terceira pessoa ou de recorrer a documentos, fotografias, etc.
Como não se recorre em tais casos ao psiquismo do analisado, mas a fontes
exteriores, seria muito natural falar aqui em critério externo; no entanto esta expressão
correria o risco de ser confundida com a de critério extrínseco que empregamos para
designar o critério de evocação. Por isso nos serviremos da expressão critério de
verificação. A verificação foi ainda mais que a semelhança desprezada pelos
psicanalistas.

Freud fala dela repetidas vezes. Mas a maioria de seus discípulos


desembaraça-se com algumas linhas da descrição das verificações que tiveram
ocasião de fazer. O critério de verificação deve, ao contrário, ser pesquisado
sistematicamente caso se queira apresentar a Psicanálise de modo científico.

Os cinco critérios que acabamos de estudar permitem, se forem utilizados com


todo rigor, eliminar completamente a acusação de arbitrárias muitas vezes lançadas
contra as interpretações psicanalíticas. As dificuldades suscitadas a propósito da
reversibilidade ou da ação de causas intercorrentes, especialmente da sugestão,
podem ser inteiramente resolvidas. Suponhamos que a sugestão perturbe as
evocações, que ela conduza um paciente a evocar a propósito de uma imagem onírica
uma lembrança exata, mas sem relação etiológica com ela: a ausência de semelhança
suficientemente estreita entre os elementos em questão obrigará o analista
verdadeiramente crítico a suspender seu julgamento. Suponhamos que a sugestão
crie uma falsa lembrança muito semelhante à imagem onírica, de modo a poder ser
sua causa, o recurso sistemático ao critério de verificação, desde que haja a menor
suspeita, permitirá ainda evitar o erro.

Suponhamos enfim que o produto psíquico a analisar seja ele mesmo efeito de
sugestão. É claro que os nossos critérios permitem filiar à sua causa sugestiva à
imagem ao estudar. Não atinge a verdade de interpretação o fato de o material
submetido à investigação psicanalítica ser ou não devido à sugestão. O trabalho
analítico é tão objetivo, no caso de ascender de um sintoma neurótico ao traumatismo
psíquico da infância como no de partir da realização de uma sugestão pós-hipnótica
para a lembrança esquecida da dita sugestão.

A correta filiação do presente ao passado é obra verídica, quer este passado


seja devido à natureza ou ao artifício. Quando se faz questão de trabalhar apenas com
materiais indenes de qualquer sugestão proveniente do analista, basta apenas
escolher sintomas ou sonhos anteriores ao início da análise.

Quanto aos sonhos que se produzem no curso de uma Psicanálise de longa


duração é incontestável que podem estar mais ou menos sob a dependência da
sugestão. Mas importa saber exatamente o que é a sugestão. Pode-se dar-lhe a
seguinte definição: realização inconsciente e involuntária do conteúdo de uma
representação. Por exemplo, um soldado fica paralisado porque no momento do
choque emotivo produzido pela explosão da bomba, teve a idéia de que iria ficar
paralisado.

É importante notar que só há sugestão quando o próprio conteúdo da


representação é realizado. Afastando-nos dessa definição, fazemos entrar na
sugestão todos os casos de influência do inconsciente. Ora, é evidente que seria um
abuso manifesto considerar a generalização de um reflexo condicionado um caso de
sugestão. Definida desta maneira clara e limitativa, a sugestão constitui apenas um
caso particular de influência do inconsciente, caso no qual entram certos fenômenos
que se produzem no curso de um tratamento psicanalítico.

Se, por exemplo, um doente lê durante a cura que muitas vezes o analisado
sonha com o analista e se na noite seguinte tem um sonho desse gênero, ninguém
contestará que interveio a sugestão. Mas, o aparecimento espontâneo do analista nos
sonhos do paciente, que ignora completamente a teoria psicanalítica, se demonstra
uma repercussão psíquica indiscutível. Não é, porém, uma sugestão no sentido exato
da palavra, pois de outro modo se deveria computar como devidos à sugestão todos
os sonhos em que figuram pessoas, que por uma ou outra razão nos interessam.

No fundo, os sonhos de transferência não são mais artificiais que os sonhos


feitos durante a vida comum; eles podem fornecer resultados válidos, se nos apoiamos
nos critérios indicados. O hábito deplorável dos freudianos, seguindo, aliás, a trilha de
seu próprio mestre, de identificar transferência positiva, realiza as condições as mais
favoráveis para a entrada em cena da sugestão, mas de nenhum modo com ela se
identifica.

Pode haver sugestão sem transferência: a transferência do pêndulo de


Chevreul é o caso típico de sugestão, e aí a transferência não exerce qualquer papel.
Reciprocamente, pode haver transferência sem sugestão. Basta refletir na definição
de sugestão: realização inconsciente e involuntária do conteúdo de uma
representação, para compreender-se por que Freud pretende que só os materiais do
sonho possam ser sugeridos, mas que o trabalho do sonho não o possa ser.

Retomemos o exemplo do soldado que ficou paralisado porque num momento


acreditou que assim ia suceder. O fato somático da paralisia é o conteúdo manifesto
do sintoma, a idéia de paralisia é o seu conteúdo latente, a passagem do psíquico
para o somático é o trabalho de formação do sintoma. Este trabalho de formação
considerado em si mesmo não é artificial ou fingido. É evidente que a pura ficção é
algo inconcebível e impossível. Sempre e por toda parte o fictício traz consigo um
mínimo intangível de natural. No caso atual esse mínimo de natural é o poder motor
das imagens, a influência do psiquismo sobre o organismo. Seria um círculo vicioso
declarar que o poder do psiquismo sobre o organismo é sugerido: a sugestão só é
possível graças à sua existência.

Vemos agora que auto-sugestão de um sintoma pitiático é apenas um caso


particular extremamente simplificado, da influência do inconsciente. Se o “trabalho de
sugestão”, que transforma a idéia de uma desordem somática nessa mesma
desordem somática, não poderia sem absurdo lógico ser considerada puramente
artificial, com mais forte razão o mesmo sucede com o trabalho de elaboração, muito
mais complexo que, com os materiais latentes do sonho, constrói o sonho manifesto.
Os conhecimentos conscientes adquiridos pelo paciente sobre os mecanismos
inconscientes que nele funcionam nunca poderão embaraçar totalmente a
inconsciência dos ditos mecanismos. O psiquismo é natureza antes de ser
consciência.

Para bem apreender o papel exato dos cinco critérios, seria útil examinar com
pormenores a maneira pela qual eles entram em jogo nos dois casos fundamentais,
que sempre separamos: a inconsciência das causas (sempre acompanhada pela das
relações) e a inconsciência limitada às relações. Para simplificar a exposição,
suporemos um efeito único derivando de uma única causa.

No primeiro caso, partimos de uma imagem I. Nosso fim será desencavar a


lembrança do L, da qual depende, e estabelecer a relação de causalidade entre I e L.
Essa procura é um processo real, dinâmico que se opera no psiquismo do paciente. É
devido à inibição voluntária da autocrítica e da auto-condução, à dissolução da
resistência à transferência. Ela leva ao aparecimento de uma lembrança esquecida no
campo da consciência do analisado. Este aparecimento é realizado, o mais das vezes,
graças à associação. Vemos, pois, entrar em jogo o critério de evocação. Pode ser
contestada a historicidade da lembrança, o critério de evocação pelo testemunho de
outras pessoas. Pela utilização de fotografias, de documentos etc. se decidirá a
questão. Trata-se agora, estando a lembrança recuperada e verificada, de estabelecer
seu papel etiológico. O critério de evocação nos fornece uma primeira indicação nesse
sentido; ele deverá ser completado pelo recurso ao critério de semelhança, sobre o
qual repousa, em suma, a certeza da interpretação.

O caso esquemático que examinamos não se presta à utilização dos critérios


de freqüência e de convergência. No máximo se poderia falar de convergência entre o
resultado do critério de evocação e do critério de semelhança.

Acabamos de colocar-nos na hipótese mais favorável, a de um


desrecalcamento realizado. O mais das vezes o desrecalcamento é inverificável. É
preciso então reconhecer que não há demonstração científica. A lembrança é sujeita a
muitas causas de erros, de modo a poder-se confiar nela na falta de qualquer
confirmação. Os desrecalcamentos sem verificação são numerosíssimos na literatura
psicanalítica.

Pode ser encontrado o caso inverso. O desrecalcamento fracassa e, ao


contrário, a verificação se realiza. O doente não recupera a lembrança do traumatismo
causal, mas o analista é informado de sua existência pelos pais. O estabelecimento da
relação de causalidade não se poderá apoiar evidentemente no critério de evocação,
nem nos critérios complementares de freqüência ou de convergência. Ainda aqui é o
critério de semelhança que justificará a interpretação. Uma demonstração
verdadeiramente científica por vezes será atingida, mas a ausência de
desrecalcamento, pelo contrário, prejudicará muito provavelmente o efeito terapêutico.
O sucesso científico será compensado por um fracasso médico ou, ao menos, por um
meio-fracasso.

O desrecalcamento e a verificação podem, um e outro, fracassar. Em tais


casos fica-se reduzido a uma interpretação por pura inferência. No caso esquemático
que examinamos de um sintoma único derivado de uma causa única, dever-se-á ficar
limitado a emitir uma hipótese causal muito indeterminada apoiando-se sobre o critério
de semelhança. Se, em vez de um sintoma único, dispõe-se de uma série de sintomas
que apresentam um elemento comum, a probabilidade de uma causa semelhante a
esse elemento comum será mais ponderável. Nesse caso o critério de convergência
vem apoiar o critério de semelhança.

Vê-se que o critério de semelhança é suscetível de ser empregado de duas


maneiras: ou bem se conhece a causa presumida e o dito critério serve apenas para
julgar o valor da relação de causalidade, ou bem não se conhece diretamente a causa
e, então, o critério de semelhança permite ao mesmo tempo ter uma representação
aproximativa da causa e da relação da causalidade.

As quatro combinações que acabamos de considerar: desrecalcamento e


verificação, desrecalcamento sem verificação, verificação sem desrecalcamento,
ausência de desrecalcamento e de verificação esgotam o primeiro caso fundamental,
o da inconsciência das causas. É inútil considerar à parte o segundo caso
fundamental, o da inconsciência das relações, porque, quando há inconsciência das
causas, há sempre, ao mesmo tempo, inconsciência das relações. O segundo caso
fundamental é apenas uma simplificação do primeiro.

É fácil concluir das considerações precedentes que o papel de cada um dos


cinco critérios é muito diferente. A evocação fornece ao mesmo tempo o fato causal e
a relação de causalidade. A verificação só pode servir para estabelecer o fato causal,
mas nada nos ensina sobre a relação de causalidade. A freqüência e convergência
têm apenas o papel de reforçar a probabilidade de relação da causalidade.

Antes de mostrar com exemplos a aplicação dos critérios de interpretação,


precisamos responder a uma dificuldade que se apresenta muito naturalmente ao
espírito. Os critérios não se distinguem adequadamente uns dos outros. Retomemos a
imagem onírica do texugo amarelo, estudada mais acima. A evocação não deu
resultado. Pelo contrário a verificação mostrou que o sonhador havia lido, anos antes,
que o texugo na infância tem pelo amarelo.

Caso se considere a imagem do texugo amarelo como uma totalidade, tendo


uma unidade própria, dir-se-á que a atribuição da origem desta representação onírica
da obra do Dr. Chenu apóia-se sobre o critério de semelhança ou critério intrínseco.
Mas nada nos impede de separar a forma do texugo de sua cor, e isto é tanto mais
legítimo quanto o texugo, amarelo na sua penugem pós-natal, torna-se cinzento na
idade adulta. E entre a forma do texugo e a cor amarela, há apenas uma associação
extrínseca, uma conjunção espaço-temporal. Deste ponto de vista a presença do livro
do Dr. Chenu e no sonho da conjunção da forma do texugo e cor amarela é apenas a
repetição de uma ligação extrínseca. É devida, pois, ao critério de evocação e ao
critério de freqüência. As considerações desenvolvidas mais acima sobre a distinção
entre o critério de evocação e o critério de semelhança estão em xeque.

Para aprender o vício dessa objeção, basta ter presente que o critério de
evocação só intervém quando um elemento manifesto evoca um elemento latente.
Para que assim seja no caso atual, seria preciso ou que a forma do texugo, figurando
isolada no conteúdo manifesto, evoque sua cor amarela pertencente ao conteúdo
latente ou que a cor amarela, figurando isolada no conteúdo manifesto, evoque a
forma do texugo, pertencente ao conteúdo latente. Quando se filia a forma do texugo
no conteúdo manifesto à sua forma no conteúdo latente e sua cor amarela no
conteúdo manifesto à sua cor amarela no conteúdo latente, em vez de relacionar a
imagem manifesta total do texugo amarelo à imagem latente total do texugo amarelo,
levanta-se o problema do caráter mais ou menos arbitrário da decomposição em
elementos psíquicos de uma representação global. Mas isto de nenhum modo atinge a
distinção do critério de evocação e do critério de semelhança.

Vamos agora aplicar as regras metodológicas que acabamos de estabelecer a


uma série de exemplos inéditos. Começaremos por uma observação
excepcionalmente simples.

Mme. X, uma mulher jovem, de uns trinta anos, em conseqüência de uma


conversa comigo sobre Psicanálise e em particular sobre a interpretação dos sonhos,
empreendeu analisar sozinha algumas de suas produções oníricas ou oniróides. Mal
acordava, entregava-se ao fio das associações espontâneas, num estado que ela
mesma qualifica de “meio-sono” ou de “meia-sonolência” ou de “meio-sonho”. Em
seguida redigia seus resultados e os comunicava a mim. Encorajada pelos sucessos
das duas primeiras análises de sonho, empreendeu investigar um primeiro “sonho
acordado” e, depois, um segundo. Eis o que ela me escreveu a esse respeito: “Outro
„sonho acordado‟. A palavra é talvez aqui imprópria. Acontece-me às vezes sonhar
com altura (janela, escada etc.) ou quando vejo alguém inclinar-se num lugar elevado,
de ter a visão, ou antes, a impressão da queda de um corpo (algumas vezes com os
braços cruzados). Isto me dá um calafrio e me deixa gelada... Devaneando a esse
respeito, uma dessas manhãs, revi uma cena que estava completamente esquecida,
da época em que tinha seis ou sete anos. Na praça X em Z, onde brincávamos todos
os dias, olhava uma tarde um operário, no alto de uma escada, arranjar um bico de
gás do coreto da música ou de um poste de iluminação, não me lembro bem. A
escada escorregou e com terror vi o homem cair, com os braços cruzados e
permanecer imóvel no solo. O povo correu e carregou-o na escada como uma padiola.
Há correlação entre essas duas cenas e os meus “sonhos”? Esta cena saíra
inteiramente de minha memória. No meio-despertar, ela se apresentara claramente ao
meu espírito. Revi a cena e agora, desperta, recordo-a muito bem. Ficara gelada de
terror com a queda desse homem que julgava morto”.

Uma verificação se impunha. Escrevi a Mme. X, para pedir-lhe que


interrogasse as pessoas que haviam assistido ao acidente, precisando-lhe que devia
usar perguntas não sugestivas. A carta continha todas as explicações desejadas sobre
as perguntas sugestivas e o modo de evitá-las. Alguns dias depois, recebi a seguinte
resposta: “Comecei por me desesperar, ao tentar a reconstrução pedida. Minha mãe
(aliás, ela não se lembra de nada) nunca ia à praça X, era a criada alemã que nos
levava a passear. Só meu irmão Estevão poderia lembrar-se. Quanto ao meu irmão
Luís, ele tinha quatro ou cinco anos. Em todo caso perguntei-lhe se se lembrava da
Praça X e pedi-lhe que me contasse as recordações que ele guardava desse lugar.
Imediatamente ele me disse: “Os pára-quedas, V. se lembra que V. fazia pára-quedas,
eu ficava maravilhado”. E V. se lembra daquele homem que arrumava alguma coisa no
alto do coreto; ele caiu da escada e foi carregado para a farmácia ao lado da praça.
Interrompi aí suas recordações, tive desejo de abraçá-lo, fizera precisar que o homem
estava “em cima do coreto”, pois não sabia se era coreto ou poste de iluminação e
agora me lembro muito bem da farmácia ao lado da praça. Na verdade eu esquecera
tudo isso e foi o meio-sonho que fez surgir tudo isso a propósito da impressão já
citada.”.

A auto-análise de Mme. X esclarece vivamente a maioria dos pontos que


foram tratados a propósito do método associativo. Todos os resultados obtidos por
Mme. X resultaram de um estado intermediário entre a vigília e o sono. Já assinalei
que numerosos psicanalistas tinham a tendência a desprezar o desrecalcamento em
proveito da interpretação, para opor com maior clareza a catarse de Breuer à
Psicanálise de Freud. Segundo minha opinião, ele erram redondamente. A provocação
artificial dos fenômenos de hiperamnésia permanece um dos pilares do edifício
psicanalítico. Ainda mais, a própria interpretação só é possível caso se dispuser de um
material associativo. Mas a preponderância da associação sobre o julgamento supõe
evidentemente que as funções psíquicas as mais elevadas, cujo pleno exercício
caracteriza o estado de vigília, estão em estado de inibição.

Uma outra jovem senhora, que igualmente realizou para mim auto-análises,
confirmou-me as impressões de Mme. X; ela também só podia obter associações
interessantes no momento do despertar. Entre os pacientes que eu mesmo analisei,
vários me assinalaram espontaneamente ter tido consciência de encontrar-se num
estado especial distinto do estado de vigília. Um deles era obrigado a fazer esforço
para continuar a falar, um outro apenas se apercebia de minha presença ao passo que
eu me transformava num personagem semi-onírico. Esse último caso suscita um
problema prático muito sério.

Evidentemente a experimentação psicológica não deve ser levada até ao ponto


de tornar-se prejudicial ao examinado, que aceita submeter-se a isso. Importa aqui
levar em conta a diversidade dos temperamentos e dos caracteres. Diversas vezes foi
assinalada a contra-indicação do tratamento psicanalítico para os esquizofrênicos. Na
experimentação psicanalítica convém ser particularmente prudente e reservado em
face de indivíduos de tendências esquizóides e desconfiar dos perigos da cultura do
sonho acordado.

A inibição do psiquismo superior permite a emersão no inconsciente


propriamente dito, das camadas profundas inacessíveis à evocação voluntária. Isto é
absolutamente nítido no caso de Mme. X. A lembrança do acidente estava, ela insiste
várias vezes, “completamente esquecida”, “inteiramente fora de sua memória”. Não
pertencia mais, pois, ao domínio do pré-consciente, ao campo virtual da consciência.

A distinção entre o desrecalcamento e a interpretação ressalta de maneira


evidente a auto-observação de Mme. X. A recuperação da lembrança deixa-a na
incerteza sobre o papel etiológico do acontecimento rememorado, tanto na observação
que acabo de referir, como na que pretendia em sua carta: “Haverá correlação entre
essas duas cenas e meus sonhos?” Por evidente que possa ser uma interpretação o
conhecimento dos termos é distinto da relação que eles têm entre si. Em Mme. X ,
esta distinção vai até a separação. O desrecalcamento mesmo o mais feliz não
consegue ocupar o lugar da interpretação.

A reversibilidade entre o trabalho de elaboração e o trabalho de análise foi


perfeito no caso que nos ocupa. O trabalho de elaboração consistira apenas na
substituição da lembrança propriamente dita do acidente por uma imagem livre, não
reconhecida como traço de um acontecimento passado e um tanto esquematizada. No
curso da auto-análise esta imagem evocou imediatamente a lembrança precisa e
reconhecida da cena traumática, sem interposição de qualquer representação
intermediária. Esse pormenor interessante me foi dado verbalmente por Mme. X numa
conversa ulterior. Quer dizer que o critério de evocação funcionou de modo
inteiramente satisfatório.

Seja qual for a confiança que se empreste ao critério de evocação, é preciso


reconhecer que a interpretação que nós estudamos repousa antes de tudo sobre o
critério de semelhança. Suponhamos que a cena do acidente não tivesse sido
conhecida pelo testemunho do irmão de Mme. X e que ela mesma não tivesse
conseguido recuperar a lembrança. A interpretação, contudo, se teria imposto.

Os critérios complementares de freqüência das evocações e de convergência


dos índices não intervêm nas observações de Mme. X. O papel perturbador da
sugestão foi nulo. Não se pode pretender que o produto psíquico analisado por Mme.
X tenha sido sugerido por mim: ele existia anteriormente às nossas relações. Pode-se
dizer que este sintoma era o resultado de uma auto-sugestão? Seria empregar a
palavra “sugestão” no sentido intoleravelmente extensivo, que rejeitamos mais acima e
que o torna um sinônimo de influência do inconsciente. Para que houvesse sugestão
teria sido preciso que a idéia tornada inconsciente de que ela ia ter um calafrio tivesse
determinado esse calafrio em Mme. X. Tal apresentação dos fatos seria arbitrária. O
fenômeno analisado por Mme. X é, em suma, um reflexo condicionado generalizado.
Por nenhum título é um produto da sugestão. A evocação da cena traumática foi
influenciada pela sugestão? Poder-se-ia pretender isso sem cair no absurdo. Mme. X.
em conseqüência dos resultados obtidos em suas auto-análises tinha a esperança de
mais uma vez ser feliz. Esta confiança pode facilitar a recuperação da lembrança
traumática. Mas aí pára o papel da sugestão. De nenhum modo ele foi perturbador.

No período de transição entre o método catártico e a Psicanálise propriamente


dita, Freud sugeria aos seus pacientes encontrar a lembrança traumática. Mais tarde
verificou que isso absolutamente não era útil. As imagens oníricas evocam
associativamente suas causas tanto nos indivíduos que não crêem que isso se realize,
como nos que crêem. Por ocasião de sua primeira auto-análise de sonhos, Mme. X
era mais ou menos cética relativamente ao método associativo. Havia, pois, nela
senão uma sugestão de insucesso, ao menos ausência de sugestão de sucesso.
Apesar disso ela obteve um resultado satisfatório. Julgo em conseqüência que se é
impossível estar seguro de que a sugestão não exerceu papel algum na recuperação
de sua lembrança traumática, tem-se, ao menos, o direito de pensar que este papel foi
absolutamente secundário. Quanto à própria lembrança traumática, a verificação que
foi feita põe fora de dúvida sua historicidade. O irmão de Mme. X nunca esquecera o
acidente a que assistira, e a questão que lhe foi feita fora formulada de modo a não
influenciar a resposta.

Para concluir a discussão do caso de Mme. X direi que julgo que a


interpretação está certa. Bem entendido, não se trata aqui de uma certeza
matemática, mas daquela que se pode pretender no estabelecimento de um fato
concreto.

Após este exemplo de uma simplicidade esquemática, vamos passar a uma


análise um pouco mais complexa. Marcelo é um estudante de Medicina que pretende
especializar-se em Psiquiatria. Tendo assistido a uma conferência que fiz sobre os
métodos de exploração do inconsciente, contou-me um sonho que tivera três ou
quatro vezes, por volta dos na idade de mais ou menos dez anos. Este sonho lhe
chamara muito a atenção, anotara-o em seu diário, mas nunca pudera explicá-lo.
Propus-lhe analisá-lo, o que aceitou com açodamento. Para dar uma idéia mais
concreta do trabalho de interpretação, vou reproduzir integralmente as associações do
paciente, tais como foram anotadas à medida de sua produção. Esta anotação
absolutamente não equivale a uma estenografia, mas quase. Eu escrevo muito
depressa, resumidamente posso dizer que praticamente nada de importante me
escapa.

Sonho – “Parece-me uma noite escura. Penetro pelos W. Cs. que estão no
fundo do jardim, não me lembro se são W. Cs. de fossa séptica. Desço pelos buracos
do W. C. Encontro-me diante de uma porta de vidro vermelho ou talvez verde, vejo um
gramado, cercado de uma orla verde escura, formada de ervas que se inclinam para
uma erva central, não excêntrica. A grande erva central se inclina para o meu lado”.

Peço ao paciente para repetir o sonho. Esta segunda narrativa fornece-me as


seguintes precisões:

“Era uma grande porta com traves em losango, numa espécie de vestíbulo,
com quadrados em losangos vermelhos e verdes. Não era um jardim, mas antes um
gramado. Ervas ou plantas com flores, sim, de preferência plantas com flores. Uma
muito comprida, muito alta, que me espia, todas as outras viradas para a grande”.

Associações – [Noite escura] – “Impressão do pátio através do qual se


chegava a esse jardim, muito estreito, muitas vezes tive uma impressão de opressão,
era o medo de ver que predominava em mim. Impressão de visão de estrelas. Esse
pátio. Sobretudo a impressão de noite, um muro estreito, o céu estrelado, a lua que se
via através de um bordo. O pátio de terra batida, um pequeno jardim que levava à
casa através de uma escada. Havia igualmente uma cozinha no prolongamento, uma
espécie de prolongamento da casa no pátio. Várias vezes fiquei fechado num
caramanchão, que havia ao lado dos W. Cs. Este lugar era muito escuro, mesmo
durante o dia. Havia um grande bordo neste pátio, em que muitas vezes subi. Havia
um galinheiro com o teto inclinado, acima num pequeno telheiro, uma espécie de
intervalo triangular passando por cima dos W. Cs. Fizemos muitas sujeiras com ácido
prússico e caroço de ameixas. Muitos dias de chuva passamos aí”.
(Penetro pelos W. Cs.) – “Muitas vezes eu olhei pela abertura. Havia uma
trave inclinada. Pretendia subir encima dela. Tinha medo. História de pessoas que se
haviam afogado em latrinas. Impressão de terror. Assoalho oscilante. Uma vez o
assoalho afundara. Havia dois W. Cs. um ao lado do outro. Quando um afundou, só o
outro era utilizado. O esvaziamento era muito difícil, não havia bomba a vapor. Tinha a
impressão de que se podiam fazer coisas muito bonitas sobre essa trave a meia-
altura, que sustentava o assoalho dos W. Cs. Muitas vezes projetei durante o
brinquedo de esconder colocar-me entre a trave e o assoalho. A cobertura me causa
muita impressão. Afundara uma vez que fora usado. Esses W. Cs. eram idênticos aos
da casa de minha avó. Tinham comunicação com um galinheiro, uma espécie de
nicho, onde eram colocadas as galinhas para chocar. Eu confundo os dois W. Cs.;
eles eram muito parecidos. As paredes destas instalações sanitárias eram de pedra
friável que se destacavam e faziam muito barulho ao se destacarem, caindo através
do assoalho”.

[Encontro-me diante de uma porta] – “Esta porta me faz lembrar duas outras
portas. A porta que se comunicava com o pátio de nossa casa e o interior, igualmente
com cruzetas, com quatro vidros transparentes; várias vezes trabalhei com fotografias
lá dentro. Em meu sonho, a porta tinha três batentes, dois móveis e um fixo, de
madeira envernizada. Tenho uma vaga lembrança da porta da casa da Sra. L., de
vidro transparente, em losangos, não vidro opaco, e losangos transparentes, caneluras
transparentes. Uma outra porta parece-me idêntica e que tinha igualmente três
batentes e uma parte superior mais semelhante à daquela com que sonhei. Lembro-
me de uma porta semelhante em B., numa visita que fiz com minha avó em casa da
Sra. B., diante de uma grande cortina de pérolas de madeira, um grande
encadeamento; fazia muito barulho quando batia. Uma porta com dois lados fixos num
corredor sombrio e a luz que passava através entrava no interior por uma janela de
face.”

[Abro a porta] – “Nada via através da porta antes de abri-la, ela era opaca.
Quando a abria uma onda de luz penetrava, numa rajada de ar fresco. Uma espécie
de impressão. Tenho a impressão de entrar em pleno campo. Música, como um
murmúrio. O vento fazia as plantas ondularem. Um murmúrio doce. A porta tinha uma
maçaneta oval de porcelana, ela rangia como uma porta que havia em minha casa. A
maçaneta tinha uma mola que era idêntica às outras, oscilava sobre um prego que a
fixava ao seu eixo e, quando usada, sacudia. A porta era difícil de abrir, era presa em
cima, fazia um barulho de vidro, quando era aberta, como um vitral que se agita”.

[Vejo um gramado] – “Diante da porta, havia uma grande alameda arenosa,


feia, de pedrinhas. Um gramado com uma elevação de mais ou menos cinqüenta
centímetros. A cercania era formada de plantas verdes muito escuras, quase
estranhas como hera, como em casa da Sra. L. A hera fazia todo o contorno,
penetrava no gramado e cobria-o totalmente, como um montículo. O gramado da casa
da Sra. L. era redondo, o do sonho, oval. Em casa da Sra. L ele tinha quatro metros de
diâmetro, no sonho, era imenso. Entretanto o jardim era cercado de muros estreitos,
muros fechados. O gramado era muito chato quando era olhado por comparação, um
pequeno gramado sem importância, verde, coisa pequena, um grande círculo de
plantas”.
[Um grande círculo de plantas] – [Em que pensa V.?] – “Penso que, se fosse
artista, gostaria de pintar um jardim. Em livros de história vi desenhos de Le Nore: um
grande jardim desenhado como nas rosáceas. Meu primo G. V. desenhava rosáceas e
as coloria, ornamentação, plantas muito moles, cardos. Houve concurso de desenhos,
desenhos de plantas, fúcsias, muito bonitas, no jardim de minha avó plantas
compridas com folhas em espiral, monocotiledôneas, deitadas, não, antes hirtas,
inclinadas. Havia também iúcas que me faziam muito medo porque picavam.
Admirava-me muito dessas flores trepadas num cabo de vassoura. As pessoas me
diziam que elas floresciam a cada sete anos. Havia dois grandes gramados, um
reservado à erva, onde se enterravam os cães mortos, um outro, circular, que era
cercado de gramíneas com folhas, muito altas. Esse canto era escuro. Havia uma
grande árvore que sombreava tudo, uma pequena vereda que fazia toda a volta. Uma
iúca no meio, roseiras cercadas de azevinho, uma iúca ao lado, depois um flox. Nesse
gramado havia um grande ramo de flores, cravos, depois um bucho que fazia a volta,
como espigas numa planta cheia de folhas. O canteiro era muito bem tratado por
minha avó que gostava muito dele. Havia uma outra grande árvore, mas esse
gramado não era grande”.

[A erva central] – “Muito grande, quase nua, muito longa, com um ramo de
flores encima, uma espécie de bola, algumas folhas embaixo, lisa como uma espécie
de “coucou” ou de jacinto, parece-me maior do que eu, e as outras tinham trinta
centímetros; aliás, tinha a impressão de ser saudado por essas plantas, muito
lisonjeado por ver a grande planta inclinar-se diante de mim, enquanto as pequenas se
inclinavam diante da grande. Entretanto, quando ia ver as plantas, ela não se movia,
gostaria que ela me olhasse. Penso que gostaria de ter sido aquelas plantas, porque
tinha a impressão de que ali se estava muito bem, que era quente, agradável, tudo
calmo e, ao mesmo tempo, amplo e eu me sentia perdido, apertado apesar de tudo.
Via-me especialmente na vereda da frente, queria ficar ali, ser uma planta do meio.
Vejo o canteiro abaulado, mais alto para o lado da grande flor do lado que eu queria
estar. A vereda era muito larga, e estreitava-se na direção da planta maior; entretanto
o meu lugar era quadrado. A grama em torno era... havia plantas muito chatas, muito
baixas, Parece-me que à direita elas eram baixas e à esquerda eram curvas, não, à
direita mais curvas, lianas que caíam de um muro carcomido, sujo, reboco, pedras
amontoadas a um canto”.

[A erva central] – “Ela tinha o ar de reinar sobre as outras. Invejava meu irmão
como invejava essa planta que me parecia dominar como dominava ela as demais
plantas. Ele era muito forte, mas destro. Contudo eu lhe obedecia. Julgava-o belo,
grande, superior a mim. Nas disputas de corrida de salto ele era também superior a
mim. Era meu irmão mais velho, minhas irmãs lhe obedeciam, e quando não lhe
obedeciam ele batia nelas. Não, não vejo mais nada”.

[A grande erva inclinava-se de meu lado] – “Com uma espécie de respeito ela
estava curvada, como submissa. Quando andava pelo caminhozinho do lado, em que
ela se encontrava, gostaria que ela se virasse para mim, ficava decepcionado, como
quando acreditava que se curvaria diante de mim por respeito. Eu chegara pela frente,
não, eu fiquei e teria vontade de voltar, não voltei, fiquei no caminhozinho do lado,
não, não sei bem. Vejo bem a explicação, vejo que invejava meu irmão, eu queria ser
admirado e como não o era isso me decepcionava”.

Timbrei em respeitar as incorreções gramaticais das associações do sonhador.


Muitas vezes suas frases são inacabadas ou não são construídas. Do ponto de vista
lógico seu pensamento é muito desordenado: as descrições dos diversos jardins reais
e do jardim onírico se misturam de tal modo que ficam irreconhecíveis.

Podemos distinguir três partes no sonho; a descida nos W. Cs, a saída dos W.
Cs, a cena da grande erva.

Não proporei interpretação para a descida nos W. Cs, penso que o material
recolhido não permite fazê-la com suficiente certeza. O que é indubitável é a mistura
de atração e de repulsa, a ambivalência da criança, de dez anos em face dos W. Cs.
Pode-se falar de complexo anal sem forçar os fatos. Mas sobre as origens deste
complexo, as associações nada nos informam. Sei perfeitamente que um freudiano
ortodoxo proporia interpretar a descida nos W. Cs como fantasia de volta ao seio
materno, mas meu fim é demonstrar o que se pode tirar desse sonho, aplicando-lhe o
método associativo com espírito estritamente crítico. Da descida aos W. Cs e das
associações relativas a essa imagem, quero concluir apenas a existência no sonhador
de uma curiosidade mais ou menos intensa e contrariada pelas impressões de medo
em face da função de defecação.

Também interpretei melhor a saída dos W. Cs. Um crente do freudianismo não


deixaria ainda aqui de apoiar-se na simbólica geral para afirmar que a saída dos W. Cs
significa nascimento. Aproximando essa saída da descida que a precedeu, ele diria
que se trata de um sonho de volta ao seio materno seguida de renascimento e
acrescentaria que o sonhador em sua infância deveria ter admitido a teoria do
nascimento pelo ânus. Tudo isso, sendo indemonstrável pelo material associativo de
que dispomos, deve ser afastado.

Quanto à cena da grande erva, creio que é racional aceitar a interpretação


descoberta pelo próprio sonhador. A princípio, poder-se-ia crer que ela repousa
unicamente no critério de evocação, pois entre a grande erva e o irmão a semelhança
é evidentemente longínqua. Portanto, na segunda narração do sonho, há uma frase
muito significativa: “Uma erva muito comprida, muito alta, que me olha.” Se nas
imagens do próprio sonho a erva olha, no sentido estrito da palavra, o analisado pode-
se considerar como certo que ela é o substituto de um ser humano, nada nos levando
a supor que seja o de um animal. Se eu tivesse podido verificar esse pormenor no
diário do sonhador, eu o teria feito, infelizmente, ela o havia deixado em casa de seus
pais, numa outra cidade. Pode-se ainda acrescentar que se as pequenas ervas se
inclinam diante da grande e se a grande erva se inclina diante do analisado, a origem
desses movimentos, muito insólitos nos vegetais, só se pode explicar aceitando que
eles representam seres humanos. Os estados afetivos do paciente durante o sonho
confirmam essa interpretação: ele está satisfeito de ver a grande planta inclinar-se
diante dele, e ele gostaria que ela se voltasse para o seu lado quando mudasse de
lugar.
As plantas do sonho possuem vários caracteres que só convêm aos seres
humanos. Pode-se dizer que sua interpretação se apóia nos critérios de semelhança e
de convergência. O ponto decisivo é evidentemente a identificação da grande erva
com o irmão mais velho. Ela combina perfeitamente com os índices que acabamos de
apurar. Demais, as características da grande planta constituem uma excelente
representação figurada do irmão mais velho. “Ela tinha o ar de reinar sobre as outras.
Invejava meu irmão como invejava essa planta, que me parecia dominar, como
dominava ela as pequenas plantas” etc.

É preciso notar que a evocação do irmão pela grande planta foi absolutamente
espontânea. De nenhum modo intervim durante as associações, só fiz dar às palavras
indutoras, que reproduzem as imagens oníricas e uma vez disse: “ Em que V. pensa?”.
É, pois, plausível aceitar que a ligação entre a grande erva e o irmão preexistia no
psiquismo do sonhador. Resta examinar se a sugestão não poderia ter intervindo entre
o sonho e a sessão de análise. O analisado não sabia grande coisa das doutrinas de
Freud e é bem provável que a principal fonte de seus conhecimentos em matéria
psicanalítica fosse a minha conferência sobre os métodos de exploração do
inconsciente.

Em seguida à minha conferência, tivemos uma conversa no curso da qual eu


lhe contei o sonho do cachorrinho branco da doente de Ferenczi. Devem estar
lembrados que neste sonho o cachorrinho branco representava a cunhada da
analisada. É legitimo indagar se este exemplo de representação de uma pessoa por
um animal não poderia ter orientado o espírito de meu examinado para a
representação de uma pessoa por uma planta. A evocação teria sido mais ou menos
influenciada pela sugestão. É claro que a interpretação deste sonho nos leva ao fim
das contas ao critério de semelhança. O comportamento onírico das plantas é um
comportamento humano, elas são, pois, o substituto de pessoas humanas. Tal é o
argumento fundamental sobre o qual repousa toda a interpretação.

À guisa de conclusão diremos que a análise deste sonho nos conduz por duas
primeiras partes à verificação de um complexo anal. A terceira parte se interpreta de
modo mais plausível fazendo da grande erva o substituto do irmão mais velho, mas a
prova estrita da exatidão dessa interpretação não foi obtida.

Passemos a um outro exemplo. Encontrei-me um dia com um dos meus


antigos camaradas da Marinha. A conversa tomou rapidamente um sentido íntimo.
Quando soube que me ocupava de Psicanálise, confiou-me que se encontrava numa
situação muito difícil. Uma mulher, que chamaremos Luísa, atravessava uma grave
crise sexual e o havia tomado para confidente. Sentia-se mal preparado para tal papel
e o julgava perigoso. Na intenção de pesquisar suas disposições profundas, perguntei-
lhe se ele havia sonhado na noite precedente. Começou me dizendo que o sonho que
tivera não tinha qualquer relação com a questão que o preocupava. Fiz-lhe notar que o
problema da interpretação me concernia e ele me contou o sonho que se segue.

Sonho – “Estou com um religioso e tomo uma espécie de compromisso de


consagrar-me ao tratamento dos leprosos.”.
Associações – [Religioso] – “Um capuchinho que conheci, o P. Anselmo.
Idéias de austeridade. Um padre que outrora me guiou em todas as minhas
dificuldades, o Padre Estêvão”.

[Compromisso] – “Aceitei uma atitude marcadamente amiga em face da


senhora que atravessa a crise moral.”.

[Leproso] – “Rémy de Gourmont que, dizia-se, era leproso. Um romance desse


autor, Um Coração Virginal”.

Fiz notar ao sonhador que na pena dos moralistas cristãos a lepra é um


símbolo clássico da falta sexual. Meu camarada respondeu-lhe que não havia pensado
nisso, mas que era muito plausível. Propus-lhe então considerar que seu sonho seria o
desejo de descarregar noutro seu papel de conselheiro, a intenção de adotar em face
da jovem senhora em questão uma atitude mais reservada, menos sentimental. A
segunda interpretação pareceu-lhe mais plausível.

Segunda narração do sonho – “Estava em contato com um religioso, que


aparecia vestido de um burel castanho, como o dos capuchinhos. Tinha contratado
com ele uma espécie de compromisso que me obrigava a tratar de leprosos. Creio que
essa obrigação me parecia penosa, mas que julgava não me poder furtar a isso”.

Esta segunda narração não difere essencialmente da primeira, introduz a mais


no conteúdo onírico a descrição da roupa do religioso e a indicação dos sentimentos
experimentados pelo sonhador. Pode-se supor que esses dois complementos
passaram das associações e da interpretação do sonho para a lembrança do próprio
sonho. Contra esta hipótese pode-se fazer valer que as notas do oficial de Marinha
foram redigidas logo no dia seguinte, enquanto as minhas, das quais extraí a primeira
narração do sonho só o foram três dias após a análise. Ver-se-á mais adiante que há
interesse para a interpretação saber-se se o monge onírico estava vestido de burel
castanho como um capuchinho.

Após ter relembrado suas associações – em perfeito acordo, aliás, com a


minha redação – meu correspondente acrescentava a propósito do meu comentário
sobre o simbolismo da lepra. Chamou-me a atenção um outro pormenor não menos
significativo. A lepra é uma doença que contamina quem dela cuida. Simbolismo muito
claro, como não pensou V. nisso? Mas eis o alcance moral de meu sonho
singularmente comprometido. Parece-me antes simbolizar o pensamento, por
finalidade a um compromisso, aprovado por um homem de caráter sagrado, de cuidar
de um mal que tem toda a probabilidade de contrair também.

Evoco a esse propósito um fato que francamente pôde inspirar-me esse


pensamento: o padre Pedro declarou que eu desempenhava junto a Luísa um papel
indispensável, no qual ninguém podia substituir-me. Seguramente mais tarde eu
concebi este pensamento: como ele não previu o perigo que esse papel representava
para mim? Eis que me parece a própria raiz do sonho exteriorizada. Note que descobri
o pensamento simbolizado de maneira mais ou menos incontestável. Há nesse sonho,
em sua origem, temor, ou desejo,ou necessidade de desculpa? Nada me parece
permitir destrinçar essas hipóteses.

Eis agora o post-scriptum acrescentado no dia subseqüente. “Vejo que me


esqueci de um pormenor. A primeira imagem que evoquei a propósito do religioso de
meu sonho (antes mesmo do padre Anselmo) foi a do monge de Taís, tal como o vi
representado no teatro Toulon. O papel do personagem que quer salvar a pecadora
Taís e sucumbe a seus encantos oferece uma relação bem manifesta com o risco em
que me encontro. Isto parece tão fundamental (note que a imagem do autor é a única
que se assemelha fisicamente ao religioso do meu sonho: vestido como ele de um
burel, e até, parece-me, comprido como ele, mas nesse último ponto não estou seguro
de poder precisar completamente a imagem de meu sonho) – que se é levado a
procurar nesse lado a meada de meu sonho. Não se teria operado uma espécie de
fusão entre esta imagem do monge de Taís e o pensamento do padre Pedro,
atribuindo-me o papel de terapeuta?”

Pode-se objetar a essa análise que eu sugestionara meu antigo colega,


primeiramente afirmando que o sonho conduz às preocupações íntimas do
examinando, em seguida propondo ver na lepra um símbolo da falta sexual. Esta
dupla objetação nos obriga a não nos apoiarmos no critério de evocação, mas não
poderá ter valor contra o critério de semelhança, a menos que as diversas lembranças
encontradas sejam falsas. Admitir isso seria ultrapassar os limites da influência
normalmente atribuída à sugestão.

Aliás, a intervenção do padre Pedro junto de meu camarada, para encorajá-lo


no papel de salvador, é um fato estabelecido e o núcleo da interpretação. O oficial
sonha que assume perante o religioso o compromisso de cuidar de leprosos. De outra
parte, alguns dias antes, o padre Pedro o animara a ocupar-se de Luísa. É plausível
supor que a conversa com o padre Pedro é da mesma origem da conversa onírica
com o religioso. Ademais, o compromisso de cuidar dos leprosos, em si mesmo
absurdo e inexplicável, compreende-se perfeitamente caso se admita o simbolismo da
lepra, simbolismo ao qual o sonhador não pensara, mas que perfeitamente conhecia,
como pude convencer-me.

Enfim, a vestimenta do religioso, se se admite a exatidão da lembrança onírica,


filia-se facilmente ao monge de Taís e portanto ao perigo sexual. A interpretação se
apóia, pois, nos critérios de semelhança e de convergência e até para o ponto
fundamental, a conversa com o padre Pedro, sobre o critério de verificação. Ainda aqui
creio que se pode sem exagero concluir que a interpretação está, senão demonstrada,
ao menos seriamente fundamentada.

Até aqui os exemplos que demos foram tomados de casos, em que não houve
Psicanálise seguida e regular, seja terapêutica, seja didática, mas somente uma ou
várias sessões com o fim de pesquisa. Agora será preciso que mostremos com uma
longa série de sessões que é possível obter interpretações que escapam a acusações
arbitrárias. Se a transferência é, em certo sentido, aliás, muito limitado, um fenômeno
que se pode qualificar de artificial, a interpretação dos sonhos de transferência pode,
contudo, ser logicamente válida. Ensaiemos mostrá-lo com um exemplo.
Emília é uma mocinha que se apaixonou perdidamente por um funcionário
colonial, que chamaremos Gastão, no período em que ele estava na França. Casado e
com filhos, divertira-se flertando com a mocinha, deixando-a esperançosa com a idéia
que se divorciaria para desposá-la. Ele voltou para o seu posto na África, não tornou a
falar em divórcio e Emília caiu num estado de depressão nervosa, com insônia e
emagrecimento. Após ter assim passado alguns meses, ela decidiu recorrer à
Psicanálise para tentar resolver este caso de amor sem futuro. Uma transferência
ambivalente se manifestou desde o início do tratamento. Emília submeteu-se à análise
com grande resistência. Na trigésima primeira sessão, ela trouxe o seguinte sonho,
excepcionalmente anotado por escrito.

Sonho – “Num corredor em casa de amigos. A amiga com quem falo,


interrompe-se para saudar um visitante que ela me apresenta (falta etiqueta que me
abala). Ele é pequeno, atarracado, de bigodes pretos. Tivemos uma conversa
interessante e longa. Depois esta moça (sua aparição não é explicada) que tem
direitos sobre ele (ela o conheceu antes de mim e melhor que eu) leva-nos a passear.
Eles conversam todo o tempo juntos. De tempos em tempos ele procura muito
gentilmente associar-me à conversa. Presto-me de má vontade a isso. Quero afastar-
me e deixá-los sós, visto que demonstram tanto prazer em estar juntos. Mas cada vez
que vou me afastar, ele me chama gentilmente. Passeio interminável, ele conversa
com todas as pessoas e sempre com o mesmo bom humor, o que me choca. Ele é
muito falador e faz amizades em toda parte. Visitamos ruínas. Conheço-as muito bem,
muito melhor que a outra moça e poderia dar explicações pormenorizadas. Mas
guardarei para mim as coisas muito belas, muito preciosas que sei. Ela fica
inteiramente livre de contar-lhe as pobrezas que lhe parecem agradar tanto. Punha-me
ao lado dela, mas várias vezes ele mudou de lugar para colocar-se no meio, portanto
perto das duas. Por que ele não me deixa ir embora de uma vez? Sofro muito em vê-
los! Que ele me deixe em paz!”.

“Estamos agora num navio a caminho da África. Estou de pé num longo


corredor, esperando penosamente que ele passe diante de mim, para que possa vê-lo
sem mostrar que o estou procurando. Ele conversa com todos. Todas as coisas dos
outros o interessam. Ele também é muito bom para mim. Ele quer sempre arrancar-me
a mim mesma, ao meu retraimento altivo e me pôr em contato com os outros. Mas
prefiro ficar só, mesmo se não devo vê-lo por causa disso. Olho a paisagem. Uma vez
ele vem para mim e me diz: “Por que V. fica sozinha? Venha comigo”. Recuso, porque
com ele não estaria só. Estou triste. Penso que matar-me seria bom para castigá-lo.
Então ele saberá como eu o amava e não irá mais conversar com as moças a bordo.
Uma outra vez, passando diante de mim, ele me olha com grande ternura e me diz:
“Gosto de V. mais do que V. pensa.” Isto me enche de felicidade.

“Não quero mais morrer. Julgo-o bom, oh! Tão bom! E me é indiferente que ele
converse com as outras moças. É muito tarde. Todo mundo foi dormir. Não todos; o
corredor em que estou está cheio de pessoas indiferentes. Eu ficaria toda a noite
saboreando a minha felicidade. Neste momento ele se dirige para mim, olha-me muito
tempo, conversa comigo, depois, num dado instante, sem que isso absolutamente se
impusesse, ele me beija nos lábios, longamente. Impressão estranha, agradável, mas
estranha, muito inesperada. De novo ele recomeça. Chamam-no. Ele vai embora.
Acotovelo-me na balaustrada pensando em Gastão, que amo bruscamente, com
paixão, com doçura, depois que o traí. Mas espero o outro. Era a felicidade intensa de
estar no mesmo navio para ir para o mesmo destino: a África”.

Este sonho de transferência, absolutamente clássico, é muito fácil de


interpretar. A amiga à qual a sonhadora se refere, faz-lhe pensar numa amiga muito
íntima. Quanto ao personagem masculino que desempenha um papel capital no
sonho, suscitara em Emília a princípio, a lembrança de um visitante em trânsito,
depois ela declara que teme caminhar numa falsa pista, pois a aparência física poderia
dirigi-la para o analista, que é pequeno, atarracado e usa bigodes pretos. Convidada a
dizer por que essa pista lhe parece falsa, ela dá duas razões: primeiro a terminação do
sonho não lhe parece “conforme a verdade que está dentro dela”, em seguida ela
lembra ao psicanalista que alguns dias antes, discutindo suas resistências, ele lhe
dissera não poder, devido ao tempo que lhe consagrava, ocupar-se de uma outra
paciente em estado muito mais grave. Esta afirmação a ferira; dera-lhe uma
importância extrema, aliás, em todos os domínios é exclusiva e ciumenta, tem a
certeza de que isso determinou o sonho.

O analista respondeu-lhe que a identificação da jovem com a qual ela passeia


no sonho, e da doente, que ele teve de deixar de lado por causa dela, parece-lhe
perfeitamente judiciosa, mas ele não vê em que isso se oponha a que o homem do
sonho represente. Emília objeta que certas particularidades do personagem onírico
não convêm ao psicanalista: o homem do sonho faz amizade com todos, enquanto ela
pensa que o analista deve ter poucos amigos no sentido exato da palavra; o homem
do sonho é muito bom e suave para com ela, enquanto o analista é duro e frio. A isso
replica o analista que essas particularidades são realizações de desejos: ela o
representa tal como desejaria que ele o fosse.

A interpretação deste sonho no plano da transferência repousa sobre as


seguintes bases: 1ª - O personagem onírico evoca no espírito de Emília, o
psicanalista. Ela rejeita esta interpretação, mas nós sabemos que o critério de
evocação repousa sobre a estabilidade das ligações psíquicas inconscientes e não
sobre o julgamento consciente. 2ª – Nos sonhos precedentes, o personagem principal
muitas vezes representou o analista; pode-se, pois, em virtude do critério de
freqüência esperar encontrá-lo aqui. 3ª – Os caracteres físicos do homem do sonho
(pequeno, atarracado, bigodes pretos) cabem perfeitamente ao analista (critério de
semelhança). 4ª – A identificação do jovem do sonho e da doente desprezada conduz
igualmente a fazer do herói do sonho um substituto do analista (critério de
convergência). É absolutamente característico da paralógica afetiva da resistência que
Emília tenha visto nisso uma objeção à identificação do homem do sonho e do
analista. 5ª – A evolução subseqüente da transferência constitui sem dúvida o
elemento mais comprovante. Este sonho, se realmente fosse um sonho de
transferência, permitiria prever que Emília não tardaria a destacar-se de Gastão
graças a uma violenta transferência positiva para o analista. Foi na verdade o que se
produziu. 6ª – À luz desses fatos posteriores do sonho, certos de que seus
pormenores adquirem toda sua significação e, reciprocamente, vêm reforçar a prova
por convergência. Se a cena de amor se passa a caminho da África, é que o desejo de
reunir-se a Gastão se descarrega na transferência. A ambivalência do fim do sonho
em que Emília está dividida entre Gastão e o personagem onírico dá testemunho no
mesmo sentido.

Examinemos agora que papel pôde a sugestão exercer aqui. Pode-se supor,
caso se atribua uma grande eficácia à sugestão, que o conteúdo latente, o amor de
transferência de Emília para o psicanalista, é devido em parte à sugestão. Pode-se
supor que o conteúdo manifesto, a saber, que a aparição no sonho de um personagem
semelhante ao analista, depende igualmente, numa certa medida, da sugestão. Mas
por mais extensas que sejam as concessões feitas à hipótese sugestiva, elas não
poderiam destruir nem o valor do sonho como elemento de diagnóstico e de
prognóstico, nem o caráter natural e inconsciente do trabalho do sonho.

Qualquer que tenha podido ser a influência da sugestão na cura de Emília, é


indubitável que este sonho permita verificar que ela se desprendia de Gastão. Isso já
se deixava adivinhar nos sonhos anteriores, em razão das resistências da doente:
eram o único meio de seguir a evolução de seus sentimentos. Vê-se neste exemplo
que, como dissemos anteriormente, a verdade da interpretação psicanalítica é
independente do caráter natural ou artificial do produto estudado.

É preciso ir mais longe: este sonho permite prever que Emília continuaria a
destacar-se de Gastão de um modo cada vez mais completo e foi o que sucedeu.
Levando até os últimos limites a hipótese de um papel exercido pela sugestão objetar-
se-á que este destacamento mais acentuado foi devido a novas sugestões posteriores
ao sonho, o que embota o valor deste último como valor prognóstico. A isso pode
responder-se que o sonho indicava com toda certeza uma tendência a
desprendimento mais completo e que toda tendência pode ser ou favorecida ou
contrariada por causas diversas.

Um prognóstico nunca é infalível, em psicologia como em qualquer outro


terreno. Tudo o que se pode pedir a uma previsão é indicar a marcha geral de um
processo evolutivo na hipótese de uma estabilidade aproximativa das condições
ambientais.

O trabalho de elaboração do sonho de Emília apresenta caracteres que


impedem atribuí-lo inteiramente à sugestão. A jovem na verdade ignorava as leis dos
sonhos com prólogo, que seu psiquismo onírico aplica rigorosamente. Freud notou que
muitos dos sonhos se dividem em duas partes: o sonho prólogo e o sonho principal.
“Parece, muitas vezes – escreve ele – que os mesmos elementos, elaborados a partir
de pontos de vista diversos, estejam representados nos dois sonhos. É o caso das
séries de sonhos que se desenrolam no decorrer de uma noite e terminam por uma
polução: a necessidade somática exprime-se de uma maneira progressiva e cada vez
mais clara”.

O sonho de Emília compreende duas partes distintas: a primeira se desenrola


em terra, é o prólogo; a segunda se passa no mar, é o sonho principal O sonho
prólogo exprime sob uma forma discreta e esbatida o impulso erótico que o sonho
principal manifesta de uma maneira clara e incontestável. No sonho prólogo, o analista
conversa com Emília, chama-a gentilmente cada vez que ela está preparada para
partir, várias vezes se coloca entre ela e sua rival, para ficar igualmente perto das
duas. Sua atitude não ultrapassa o plano de benevolência e de equidade. No sonho
principal, as coisas vão mudar. A rival desapareceu e não se trata mais dela. A
sonhadora está a caminho da África, região onde mora o homem que ela ama. O
analista lhe diz a principio: “Por que V. fica sozinha? Venha comigo.” Ela pensa em
matar-se, para mostrar-lhe quando o ama. Então ele a olha com ternura e diz: “Gosto
de V. mais do que V. pensa”. Enfim ele a beija longamente na boca.

A sucessão dessas diversas cenas não ilustra tipicamente a lei enunciada por
Freud: “A necessidade somática se exprime de um modo progressivo e sempre mais
claro”. Ora, esta lei não tinha sido exposta a Emília nas sessões precedentes de
análise; tudo permite crer que ela a ignorasse. Estamos, pois com o direito de pensar
que o dualismo estrutural do sonho de transferência e o desenrolar progressivo das
cenas que o compõem são naturais e não produto artificial.

No caso que acabamos de estudar a interpretação eclipsa quase totalmente o


desrecalcamento. Nas sessões seguidas se a transferência exerce um grande papel,
seria errôneo crer que ela ocupe toda a cena. Pode-se dizer que ao trabalho de
desrecalcamento cabe a última palavra. Por isso a transferência deve ser liquidada
antes do fim da cura, pela redução às suas raízes históricas, as mais longínquas. Eis
dois exemplos característicos de desrecalcamento tomados a uma análise didática
que, aliás, teve uma real influência sobre o caráter analisado.

Após dez meses de análise, a propósito do tema de temor inspirado pela


injustiça paterna, o paciente encontrou a seguinte lembrança: “Estou junto com meu
irmão gêmeo, mais ou menos na idade de dois anos. Revejo muito a platibanda diante
das latadas de pessegueiros abrigados por um alpendre. Meu irmão fica de gatinhas
para morder um grande tomate. Meu pai chega e nos bate com tal violência que minha
mãe grita: “Estás maluco, tu os matas”. Minha avó chega pela frente do telheiro,
segurando a cabeça com as duas mãos, aflita por ver a violência de meu pai”.

Esta recordação saíra completamente da memória do paciente, voltando


quarenta anos após o sucedido. A mãe do analisado por ele interrogada confirmou o
fato, mas retificando por pormenor: tratava-se não de um tomate, mas de um enorme
morango. Este erro se explica facilmente pela semelhança da cor, ainda mais que os
canteiros de tomate e os morangos eram separados por um caminho de cinqüenta
centímetros de largura, mais ou menos.

Eis a segunda recordação do mesmo paciente, igualmente encontrada no


curso da análise: “Na época das vindimas, tinha exatamente dois anos. Tínhamos uma
irmã pela qual meu pai tinha adoração. Ela tinha dois anos mais que nós. Estávamos
todos no terraço da casa. À esquerda havia um grande rochedo com blocos muito
grandes. Meu pai me segurava em seus braços. Meu pai me preferia ao meu irmão
gêmeo. Não gostava muito de suas carícias, pois sua barba me espetava. Minha irmã
conseguiu escalar uma das pedras do rochedo e caiu. Meu pai ficou atordoado, ao ver
minha irmã cair, jogou-me longe para correr em socorro de minha irmã. O terraço
descia numa escarpa, coberta de ervas, muito íngreme até uma plantação de
coníferas. Rolei nessa erva até um abeto. Minha mãe veio socorrer-me. Revejo minha
irmã que tinha uma ferida na testa”.

A exatidão desta lembrança é atestada pela cicatriz em estrela que a irmã tem
na testa. O acidente, além disso, foi confirmado pela mãe.

Outras lembranças, recuperadas pelo paciente não foram confirmadas por sua
mãe. Em particular, algumas das lembranças relativas à curiosidade sexual infantil não
o foram. Um adversário da Psicanálise concluiria disso que se trata de pseudo-
lembranças devidas à sugestão da dogmática freudiana. Um partidário de Freud
responderia que a mãe, imbuída de rigorismo moral – o que, aliás, é exato – recalcou
as histórias em questão. Este desrecalcamento não se podendo demonstrar, o leitor
nos dispensará de comunicar-lhe nossa opinião.

3) O Método Simbólico

O longo estudo que acabamos de fazer do método associativo nos permitirá


examinar de forma mais breve o método simbólico. Nunca se deve perder de vista
que, como Freud muitas vezes repetiu, o método simbólico desempenha em
Psicanálise um papel absolutamente secundário. É de admirar que, apesar dos
protestos reiterados do mestre de Viena, o público, mesmo científico, vê na
Psicanálise apenas uma chave dos sonhos.

Relembremos que a simbolização, no sentido estrito freudiano não deve ser


confundida com a dramatização. Na dramatização há passagem de uma idéia abstrata
para uma imagem. Na simbolização há passagem de uma imagem para outra imagem.
Além do mais, o símbolo tem um valor coletivo.

O exame da validez do método simbólico comporta duas fases. É preciso em


primeiro lugar procurar saber como se estabelece uma lista de símbolos. Em segundo
lugar é preciso fixar quais são os critérios que justificam a interpretação simbólica num
dado caso.

Objetar-se-á talvez que invertemos a ordem lógica dos problemas; É preciso,


primeiramente, estabelecer a validez da interpretação simbólica num certo número de
casos concretos e só em seguida poderemos generalizar.

Esta objeção repousa numa grave confusão que importa dissipar. Uma relação
de causalidade pode ser conseguida de duas maneiras muito diferentes. Num primeiro
caso, a relação de causalidade tem um valor inteligível e impõe-se diretamente à
razão. Basta comparar a marca deixada por um pé humano nu sobre a areia úmida e a
forma desse pé para aprender intuitivamente a relação de causalidade, mesmo que se
dispuser apenas de um único espécime de marca.
Vimos que, em condições favoráveis, o método associativo conduz a uma
certeza desse gênero. Num segundo caso, a relação de causalidade não é
compreensível diretamente; sua existência só pode ser demonstrada estatisticamente.
Assim é que os médicos gregos reconheceram que a orquite podia ser uma
complicação da cachimba. Ela não acompanha sempre a caxumba, nem apenas a
caxumba, mas sua freqüência nos homens atingidos por esta moléstia era superior à
sua freqüência nos homens em geral. O redator do primeiro livro das Epidemias da
coleção hipocrática não fala explicitamente no principio lógico da comparação das
freqüências, não deixando esse principio, porém de ser o fundamento de sua
asserção. Aqui a causalidade é aprendida graças à lei dos grandes números, e não se
poderia percebê-la com certeza com um único exemplo.

O mesmo sucede para os símbolos oníricos. Sua lista só pode ser


estabelecida pelo estudo de um grande número de casos. Os símbolos sinestésicos
não sexuais não levantaram dificuldades. Os autores que afirmaram sua existência
não publicaram estatísticos afirmando sua asserção. Delage, por exemplo, escreve:
“Em muitos casos, o sonho determinado pela impressão sinestésica não tem, com
esta, qualquer semelhança ou apenas uma tão longínqua, que só reconhece a relação
de causalidade pela constância da relação de sucessão”.

Meunier e Masselon após terem citado um certo número de exemplos no curso


de sua obra, escrevem em sua conclusão: “A visão do vermelho – seja imóvel, seja em
movimento, seja diferente, seja aterrador – encontra-se nas fases pré-meningíticas
nas afecções inflamatórias do olho e na aura dos epiléticos”. Resultados desse gênero
foram admitidos sem discussão, mas quando Freud julgou notar que o tic-tac de um
relógio ou de um pêndulo “pode ser considerado como uma representação simbólica
do batimento do clitóris, no momento da excitação sexual”, não se lhe quis dar crédito.
É, portanto, ilógico, quando se aceita que as sensações proprioceptivas de todas as
partes do corpo têm símbolos oníricos relativamente fixos, fazendo exceção apenas
para as sensações genitais.

Só há um meio de cortar a discussão: é de recorrer ao método estatístico. Se


as imagens de tic-tac de relógios ou pêndulos são mais freqüentes nos sonhos
femininos acompanhados de excitação clitoriana que nos sonhos femininos em geral,
forçoso será reconhecer que essas imagens são um símbolo sexual típico. O mesmo
processo é evidentemente aplicável à verificação de todos os outros símbolos.
Infelizmente os psicanalistas – ao menos ao que eu saiba – não publicaram
estatísticas justificando a lista freudiana dos símbolos oníricos.

A simbólica freudiana pode ser confirmada indiretamente pelo estudo da


lingüística, dos mitos e do folclore. O argumento lingüístico foi muitas vezes usado
pelos psicanalistas. Repousa numa dupla base. A primeira é a inconsciência dos
processos lingüísticos. Como há muito tempo mostrou Victor Henry em suas
Antinomias Lingüísticas, a evolução de uma língua se opera sem a intervenção da
consciência ou da vontade racionada das pessoas que falam. A segunda base é a
semelhança nítida entre as relações semânticas das palavras designando os órgãos
genitais e as relações simbólicas freudianas. Ora a mesma palavra designa
conjuntamente os órgãos genitais e os objetos que apresentam com eles uma
semelhança geométrica, ora a mesma raiz serve para formar as palavras que
designam os órgãos genitais e os objetos que se lhes assemelham. Consultemos o
exemplo de Monier-Williams A Sanskrit English Dictionary, e verificamos que a palavra
danda significa primeiramente o bastão e, em seguida, o pênis. Assim também a
palavra vetasa que significa primeiramente a vareta, se aplica metaforicamente ao
pênis. A palavra yoni significa o receptáculo. A palavra koça tem por primeiro sentido o
recipiente, por segundo sentido, o órgão genital feminino.

O exame da evolução dos ideogramas que eles iniciaram por cópias muito
vizinhas da realidade e que, por esterilização progressiva, chegam a símbolos seriam
irreconhecíveis, caso se ignorasse sua história. Encontra-se uma elaboração desse
gênero na escrita assíria. Como ela se manifesta para todos os sinais e não é
absolutamente particular aos que designam os objetos sexuais, é claro que não é
devida a um crescente pudor. Ela certamente se explica pela substituição da argila
pela pedra, mas até agora os assiriólogos não chegaram a descobrir as leis da
evolução da escrita cuneiforme. É o caso de relembrar que para o próprio Freud o
simbolismo é um “fator de deformação dos sonhos independentemente da censura”.

Nós nos limitaremos a um só exemplo. A apalavra zikaru que significa macho


é representada, a principio, por um pênis ejaculando. Esse desenho fálico evolui e
chega a dois sinais cuja semelhança com os órgãos masculinos é nula[2].

Formas assírias, século VII


Forma sumeriana,

início do III milenário

É-nos impossível desenvolver como mereceria o argumento lingüístico em


favor da simbólica freudiana; seria preciso para isso um volume inteiro Este assunto,
aliás, de um modo mais ou menos fragmentário, tem sido tratado pelos psicanalistas.
Infelizmente seus escritos são redigidos de tal modo que produzem um efeito repulsivo
intenso sobre os espíritos que têm o gosto da sociedade intelectual. Contêm,
entretanto, materiais preciosos. Desejamos que os psicanalistas versados em
lingüística – e, sobretudo, dotados de um senso crítico incorruptível – estabeleçam de
um modo definitivo a junção entre a ciência da linguagem e a psicologia profunda do
inconsciente.

Até aqui só falamos de provas de observações da simbólica freudiana.


Igualmente foi tentado demonstrá-la pela experimentação. Do ponto de vista de
ontológico, fazemos expressas reservas sobre as explicações que vamos relatar. Em
1912, Schorotter sugeriu a pacientes hipnotizados sonhar certos fatos sexuais, sob a
forma dissimulada. Por vezes a imagem sexual penetrava sem alteração no conteúdo
manifesto do sonho, em outros casos ela se manifestava sob forma simbólica
absolutamente típica. “Por exemplo, uma sugestão lesbiana provocara a imagem de
uma amiga tendo na mão uma valise usada, sobre a qual estava colada uma etiqueta:
“Só para senhoras”. Nunca se disse algo à sonhadora sobre o simbolismo do sonho e
sua interpretação.” Raffenstein publicou em 1923 resultados idênticos de experiência.
Eis dois exemplos:

Sugestão de sonho – “Fellatio com seu antigo patrão, Sr. X”.

Sonho – “Estou sentada na cozinha, bate a campainha, o patrão me chama.


Vou ao quarto. Ele me convida para sentar. Vejo muitas bananas numa mesa. O
patrão me convida a comer. Tomo uma e tiro a casca. Pareceu-me bom”.

Não menos típico é o segundo exemplo.

Sugestão de sonho – “Coito com o pai”.

Sonho – “Sonhei que meu pai me havia dado uma grande mala, uma mala de
cabine. Ao mesmo tempo me deu uma chave, uma chave muito grande. Parecia a
chave do portão de uma casa. Durante essa fase tive um sentimento de angústia, ao
mesmo tempo admirei-me de a chave ser tão grande, isso não podia estar certo. Em
seguida abri a mala. Então uma serpente pulou dela para minha boca. Dei um grito e
perdi os sentidos.” É claro que Raffenstein escolheu uma paciente ignorando
inteiramente a Psicanálise.

Para evitar o emprego da hipnose e, sobretudo, a sugestão de sonho numa


forma desfigurada do tema proposto, Bethelheim e Hartmann utilizaram uma técnica
diferente, cujos resultados publicaram em 1924. Escolheram doentes com a síndrome
de Korsakoff, e fizeram-lhes decorar trechos de prosa, de conteúdo grosseiramente
sexual e, após intervalos diferentes, pediram-lhes para repetir. As deformações
verificadas na reprodução eram ora deslocamentos associativos, ora – especialmente
para o material sexual – simbolizações típicas.

Fragmento de prosa – “Uma menina vai passear sozinha no campo. Surge um


rapaz; atira-se sobre ela, derruba-a; a menina se defende sem sucesso, o rapaz
levanta sua saia e introduz seu pênis em ereção na vagina dela. Após o coito, ele a
deixa chorando e foge”.

Reprodução por um doente – “Duas meninas subiam uma escada, dois


rapazes vieram depois e também subiram também a mesma escada. Em seguida eles
casaram com as meninas, porque uma estava grávida, a outra voltou para casa”. É
sabido que a ascensão por uma escada é um símbolo freudiano para o coito. Uma
segunda doente substituiu a reprodução da frase ensinada. “Introduz seu pênis em
ereção na vagina” por “introduz a faca na bainha”. A tradução portuguesa não dá uma
idéia exata deste exemplo, pois a palavra Sheide foi empregada para designar bainha
e vagina. Alguns dias após a doente, de novo interrogada sobre essa história
respondeu: “ela o espetou com uma faca” e mais tarde ainda: “eles se atiraram sobre
ela”. Uma terceira doente, ao repetir a história ensinada, substituiu as palavras “pênis
em ereção” por “cigarro”.

Em 1924 Nachmansohn ainda publicou sonhos simbólicos experimentais. Fez


as mesmas experiências que Raffenstein e obteve os mesmos resultados.
Às provas da simbólica freudiana pela observação e pela experimentação,
pode-se acrescentar um argumento a priori. Se existem semelhanças reais de ordem
geométrica ou mecânica entre os órgãos sexuais e diversos objetos naturais ou
artificiais, essas semelhanças devem traduzir-se pela formação de conceitos abstratos
comuns, bem como de associações por semelhança, conceitos e associações que se
encontrarão nos povos os mais diversos. Não insistiremos sobre esse ponto já que isto
foi tratado anteriormente. Se há uma ordem da natureza e um espírito humano, há um
simbolismo coletivo.

Estabelecer uma lista de símbolos oníricos não basta, é preciso, quando nos
encontramos em face de uma imagem de sonho suscetível de revestir um sentido
simbólico, mostrar que assim é na verdade. Esse problema concreto é muito próximo
do que tratamos ao examinarmos os critérios de interpretação associativa. Para
resolvê-lo, distinguiremos dois casos.

No primeiro caso, a lista dos símbolos típicos fornece apenas ao psicanalista


uma hipótese de trabalho, o paciente fornece as associações e essas o levam à
solução. É claro que nesta hipótese não se pode falar de método simbólico autônomo.

No segundo caso, ao contrário, quando Freud muitas vezes insistiu, o paciente


não fornece associações ou as fornece insuficientes. A interpretação repousa então
em primeira aproximação sobre a lista de símbolos típicos e definitivamente sobre o
tematismo dos fatos e circunstancias na falta do tematismo das associações. É
evidente que este caso é extremamente desfavorável do ponto de vista de
administração da prova.

No primeiro caso, os cinco critérios que nós formulamos podem ser utilizados
exatamente como na interpretação associativa clássica.

No segundo caso, quando os critérios de evocação e de freqüência das


evocações estão fora de causa por hipótese, poder-se-á apenas apoiar-se nos
critérios de semelhança, de convergência e de verificação, aplicados a um material
extra-associativo.

Vamos tentar ilustrar esses princípios metodológicos por dois exemplos


inéditos. Eis um fragmento de sonho contendo um símbolo freudiano típico, cuja
interpretação foi obtida pelo método associativo.

Uma mulher casada traz, na nona sessão de Psicanálise, um sonho, cujo


início é só o que nos interessa. A seqüência do sonho, muito importante para o
conhecimento dos complexos da analisada que não se liga ao problema do
simbolismo, não é aqui reproduzida.

Fragmento do sonho – “Estamos não sei quem e eu, numa quermesse


qualquer. Queríamos ir ao buffet. Em lugar de chá propuseram-nos leite de cabra.
Fomos ver ordenhar as cabras e havia tanto leite que escorria pelo chão”.
[Vê nisso um incidente da véspera relacionado com o sonho?] – Não. [Não
esteve ontem domingo na confeitaria?] Sim, certamente. [Tomou leite lá?] – Não,
chocolate, isso não tem relação.

[Quermesse] – Festa qualquer, vaga lembrança com esta moça, ah! sim!

- “[Acabe] Não, não era etc.”.

Interrompo aqui a seqüência das associações que giram em torno da última


parte do sonho, não reproduzida aqui. No curso da sessão, a propósito de um tema
desagradável, o analista, tendo dito à paciente que era preciso atirar-se à água com
coragem, esta exclamou “Senhor!”, sentou-se no divã como que movida por uma mola
e vestiu seu casaco dizendo: “Não há nada a fazer”. O analista insistiu para que ela
não fosse embora antes do fim da hora. Ela recusou deitar-se. Ele lhe disse para
sentar-se, ela se sentou e permaneceu silenciosa. Diante desta resistência, ele lhe
propôs retomar a um sonho anterior, ela aceitou e a hora terminou.

Na décima sessão, a paciente falou de outra coisa. Na undécima sessão, o fim


do sonho não reproduzido voltou à baila. No momento de sair, ela manifestou sinais
nítidos de choque emotivo. Na décima segunda sessão, persistiu sua resistência. Na
décima terceira sessão trouxe um sonho em que o analista lhe dizia: “Deixo cair muito
pouca coisa.” Na segunda narração do sonho, acrescentou que ela dizia ao analista:
“É bom que isto tenha sucedido.” As associações relativas a essas palavras levaram-
na a confessar que dissimulara alguma coisa a propósito do sonho da nona sessão.
Chora. Finalmente, se decide a contar que, se quisera sair no decorrer daquela
sessão, foi porque naquele momento surgira em seu espírito uma associação entre o
leite que escorria pelo chão e o seguinte incidente que se passara na véspera entre
ela e seu marido. O casal não queria filhos, o marido saíra antes de ejacular e ela vira
o esperma cair no chão.

A interpretação estabelecida pelo critério de evocação e pelo critério de


semelhança não é discutível. O método associativo conduziu ao resultado que a
simbólica geral permitiu prever. É sabido que a teta da vaca ou da cabra é um símbolo
freudiano típico do pênis. A única objeção que se pode fazer é de que a sonhadora
tinha já algumas noções de Psicanálise. Mas essa objeção em nada embaça a certeza
da interpretação. O que se poderia concluir no máximo é que o sonho teria algo de
artificial.

Suponhamos que a própria sonhadora não tenha associado a imagem do leite


espalhado no chão com a lembrança do coito interrompido e que o analista tenha
sabido do marido de sua doente as circunstancias nas quais ela fizera esse sonho; a
interpretação teria sido tão certa, mas teria sido devida ao método simbólico apenas.

Eis agora um sonho a propósito do qual não foram fornecidas associações


segundo a técnica clássica, mas que foi contado espontaneamente no curso de uma
conversa por uma mocinha, inteiramente ignorante de Psicanálise. Ela se apaixonara
por um rapaz que não parecia prestar-lhe atenção. Algum tempo depois, sua família
propôs-lhe um projeto de casamento com um outro rapaz. Antes de aceitar uma
entrevista, ela pediu a um amigo da família para ter um entendimento com o rapaz que
amava. Ele pediu para refletir e finalmente fez transmitir uma resposta negativa. A
mocinha caiu num estado de depressão típico. Foi nessas condições que recebeu uma
visita de um outro amigo de sua família, muito a par da Psicanálise. Ele lhe pediu
notícias de sua saúde. Ela se queixou de diversos sintomas, especialmente de
desordens do sono, de pesadelos e ela mesma assinalou que, na primeira noite após
ter recebido a má notícia, tivera o seguinte sonho: “Encontro-me à beira de um rio.
Vejo no mato uma espécie de congro ou enguia. O animal parece ter a cabeça
cortada, ele se encaminha para a água e desaparece debaixo do capim como uma
serpente.”.

Faço a propósito deste sonho uma pequena experiência: Conto-o a um


psicanalista meu amigo, omitindo todas as circunstancias, e peço-lhe para dizer-me de
acordo com o conteúdo manifesto do sonho e a simbólica geral: 1º - qual era o sexo
do paciente que sonhara?; 2º - qual era o sentido geral do sonho? Ele me respondeu
textualmente: “É uma mulher que castra um homem”.

Deixemos de lado o jargão psicanalítico e suas violentas imagens. Não


falemos de castração, mas somente de fracasso sexual. Ninguém contestará, eu
suponho: 1º - que o pênis do homem exerce um papel capital no casamento; 2º - que
há uma semelhança objetiva entre o congro, a enguia e a serpente, de um lado, e o
pênis de outro, sendo estas quatro realidades cilíndricas, de matéria viva, perfuradas
por um canal central; 3º - que, por conseguinte, a decapitação do congro, da enguia ou
da serpente pode constituir uma representação pictórica, brutal mas muito expressiva,
do fracasso sexual. Isto aceito, é indubitável que o sonho da mocinha foi
desencadeado pela violenta emoção sentida ao receber a notícia do insucesso de seu
projeto de casamento. No caso de se repelir a interpretação psicanalítica, se é
obrigado a negar que o sonho tenha sido suscitado pela decepção, pois é impossível
pretender que o sonho é uma reação à má notícia, mas que seu conteúdo manifesto
não tem relação com a dita notícia. O conteúdo poderia ter sido diferente, ele não
poderia ter sido um qualquer. As circunstâncias precisas nas quais o sonho se
produziu nos levam a aceitar a interpretação sugerida pela simbólica geral.

Apresso-me, aliás, em acrescentar que a interpretação deste sonho é muito


menos certa do que a do sonho precedente. Entre o esperma espalhado no assoalho
e o leite de cabra escorrendo no chão, a semelhança é tão estreita que a hipótese de
uma pura coincidência é inadmissível. Entre o fracasso do projeto de casamento e a
decapitação do congro, a semelhança é muito mais frouxa. Vê-se assim a dificuldade
que há em dar pelo método puramente simbólico interpretações verdadeiramente
demonstrativas. Só se chega a isso em casos verdadeiramente excepcionais. Mesmo
nos casos favoráveis como o do sonho que examinamos só se chega a uma
probabilidade em face da qual eu penso ser uma atitude cética[3].
Capítulo 8

SEXOPATOLOGIAS (Perversões sexuais)

e NEUROPSES

Sexopatologias são comportamentos na esfera sexual que se desviam do


normal, mas poderiam não ser necessariamente patológicos. O termo para anomalias
patológicas (quer sejam socialmente condenáveis ou não) é perversão e, por vezes,
inversão. Alguns autores preferem a terminologia sexopatologia.

Perversões sexuais

Fetichismo - O objeto do amor deixa de ser a pessoa, transferindo-se para


um objeto inanimado ou simplesmente uma coisa. Só nisso encontra prazer sexual.

Exibicionismo - É o desejo incontrolável de expor na presença do sexo


feminino, o órgão genital; normalmente se masturbam em presença de outrem. A
mulher encontra prazer sádico em usar roupas sumárias (mini-saias, decotes ousados,
etc. para provocar o macho).
Exibicionista Verbal - É o que faz propaganda ou alarde do tamanho do seu
órgão genital.

Necrofilia - É a compulsão (desejo incontrolável) de ter relações sexuais com


cadáveres devido a uma atração irresistível, principalmente com mulheres
recentemente sepultadas, não importando a idade. O necrófilo não consegue resistir
nem dominar tão asqueroso impulso.

Masoquismo - Anomalia caracterizada pelo desejo de ser maltratada (a)


como prévia condição de gratificação sexual. A flagelação estimulante pode ser
infligida por si próprio (a) ou pelo parceiro(a), levando ao orgasmo (prazer atingido). A
dor constitui a única condição de satisfação sexual.

Sadismo - É a prática que consiste em maltratar e até agredir fisicamente a(o)


parceira(o), chegando até, em alguns casos, a requintes de perversidade. Somente
assim o sádico encontra compensação sexual (orgasmo).

Sadomasoquismo - É a tendência para o sadismo e o masoquismo


simultaneamente.

Infantilismo - É a preferência para a prática sexual com parceiros de menos


idade.

Gerontofilia - É a preferência incontrolável para a prática sexual com


parceiros de muito mais idade.

Ninfomania – É a paixão intensa, de caráter mórbido. A mulher não se


satisfaz sexualmente com um só homem. Chega a sangrar os órgãos genitais, e não
encontra prazer satisfatório e final.

Narcisismo – É o prazer com a admiração do seu próprio corpo ou imagem.


O impulso sexual não se transfere para outras pessoas.

Homossexualismo – O homossexual é aquele ou aquela que tem os


impulsos sexuais voltados para as pessoas do mesmo sexo.

Pedofilia – É a atração sexual que o adulto tem por crianças. Deseja ter
relações sexuais com elas, e as violenta compulsivamente.

Pedolatria – É o indivíduo que só encontra estímulo na concentração de seus


impulsos sexuais em pés femininos, principalmente quando são anatomicamente
perfeitos.

Onanismo – Ou masturbação. Podendo referir-se também ao coito


interrompido. É a atitude de a pessoa friccionar o seu membro sexual, a fim de
alcançar determinada satisfação. Tanto o homem como a mulher pode ser vítima da
masturbação ou onanismo. Traz desgaste mental e físico, pela canalização excessiva
de suas energias; debilita mentalmente, trazendo impotência em raciocinar, vergonha
após o ato, e dependência,nas suas manifestações de extremas e fora de controle.

Complexo de Édipo - Sigmund Freud observou, através das recordações


neuróticas e das interpretações de sonhos que a criança, em determinada idade,
passa a estar sexualmente interessada, de modo regular, no genitor do sexo oposto
(se menina, chama-se Complexo de Electra), desenvolvendo-se o sentimento de
rivalidade e o desejo de afastar o genitor do mesmo sexo. Freud conclui estar em
presença de um fenômeno universal que ocorre entre os 3 e 5 anos de idade, e
acreditou, por algum tempo, que todas as neuroses podiam originar-se em
experiências ocorridas em período anterior àquele.

O mito do herói grego que perpetra parricídio (assassinato do pai) e vive em


relações incestuosas com a mãe, crime de tão horríveis conseqüências que Édipo
desejou expiar provocando a própria cegueira, parecia provar a tese freudiana de que
os impulsos incestuosos presentes em todas as crianças, de modo velado e
desfigurado; desta forma o código secreto do mito (aquilo que Jung chamara de
mitologema) corroborava os estudos de Freud, que assim escrevia na Interpretação de
Sonhos: “O destino do rei Édipo comove-nos ainda hoje também porque poderia ter
sido o nosso, porque um oráculo fez recair sobre nós, antes do nascimento, a própria
maldição que sobre ele tombara. Talvez estivéssemos todos destinados a dirigir os
nossos primeiros impulsos sexuais para a nossa própria mãe, e nossos primeiros
impulsos de ódio e resistência para o nosso pai”.

O aspecto problemático do complexo de Édipo teria, para Freud, as seguintes


causas: o menino, por exemplo, aprende em breve que o interesse sexual pela mãe
não é tabu, mas, ao mesmo tempo, passa a considerar o pai um rival e sente
hostilidade em relação a ele. Mas também ama o pai e isso ocasiona que sentimentos
de ódio constituam uma fonte de desgosto e aflição. Além disso, por causa de seus
sentimentos hostis para com o pai e sentimentos sexuais em relação à mãe, a criança
espera ser punida e a punição que se enquadra é o crime de castração.

Algo semelhante se passa com a menina (complexo de Electra), que coloca o


pai no centro do interesse erótico, mas, no caso dela, o medo de castração
desempenha papel reduzido, visto que não possui pênis, que possa ser amputado.
Esse remoto interesse sexual em relação aos pais, pensou Freud, era a fonte de
fantasias neuróticas dos adultos relativas à sedução na infância. As fantasias eram
manifestações de um desejo de gratificação dos interesses edipais sem culpa.

Na realidade Freud verificou haver mais implicações na história das neuroses


do que do complexo de Édipo. Havia provas crescentes de que algumas condições
tinham inicio em idade ainda mais recuada, o que levou ao estudo daquilo que Freud
designou por “estágios pré-genitais da libido”. O complexo de Édipo e as neuroses
adultas dele resultantes tinham explicação exclusivamente sexual (daí, o
pansexualismo freudiano, ou seja, a tese de que toda neurose tem por etiologia
problemas sexuais mal resolvidos ou simplesmente reprimidos).
Adler, o primeiro desviacionista, não rejeitou a idéia de que os impulsos
sexuais pudessem estar na raiz da neurose, mas disse que, na pessoa em busca de
um sentimento de superioridade, o ato sexual é um dos que estão envolvidos e nada
mais significa senão a luta de duas pessoas para exercer domínio uma sobre a outra.
O complexo de Édipo é uma tentativa da criança pequena para subjugar a mãe e lutar
vitoriosamente com o pai. A dedicação erótica é um expediente para manter-se
agarrada aos pais por uma questão de insegurança (complexo de inferioridade).

Jung distanciou-se de Freud ao formular uma teoria da libido em que o fato


sexual será apenas uma forma da libido primordial – uma energia psíquica que atribuiu
o significado de uma força vital. O complexo de Édipo é encarado como um símbolo
dos laços infantis com os pais, é certo, mas negando Jung que a sexualidade fosse
fator de importância decisiva na infância. Considerou esse período dominado pelos
fatores de nutrição e crescimento. A mãe seria o primeiro objeto de amor, mas o
interesse da criança por ela não é sexual: a mãe representa, sim, a fornecedora de
alimento, o ser nutriente. Por outras palavras, a primeira dedicação da criança não se
relaciona com o sexo, mas com a auto-preservação.

A mais recente interpretação do complexo de Édipo foi formulada por Erich


Fromm: o esforço da criança para libertar-se de sua dependência infantil e tornar-se
um indivíduo. O aspecto sexual pode ser importante, mas não é, em qualquer caso, a
causa da luta de Édipo com o pai. A verdadeira causa, que o mito procurou descrever
(Édipo não mata o pai por rivalidade pela mãe e, sim, porque ela estava lhe impedindo
a passagem numa estrada, desconhecendo nessa altura que Laio fosse seu pai), a
luta do indivíduo numa sociedade patriarcal e autoritária que deseja moldar-lhe a vida
de acordo com os desejos dela.”

As Neuroses

Esse termo, que data da segunda metade do século XVIII, significa


originalmente uma doença dos nervos. Depois, no século XIX, foi utilizado para
descrever “distúrbios funcionais”, isto é, doenças que se acreditava serem devidas a
distúrbios funcionais do sistema nervoso que não se faziam acompanhar por
mudanças estruturais. Desde que Freud descobriu que uma das neuroses, a histeria,
constituía um distúrbio da personalidade e não dos nervos, o termo foi empregado
para descrever exatamente os distúrbios mentais que não são doenças do sistema
nervoso. A teoria clássica distingue os seguintes tipos de neuroses:

Psiconeuroses – Devidas a causas passadas e explicáveis apenas em


função da personalidade e história da vida do paciente (anamnese). Existem três tipos
de psiconeurose: histeria de conversão, histeria de angústia (fobia) e neurose
obsessiva.
Neuroses Atuais - Devidas a causas atuais e explicáveis em função dos
hábitos do paciente. Em seus primeiros trabalhos, Freud fazia distinção entre
psiconeuroses e neuroses atuais. As primeiras devem-se a conflitos psicológicos e
acontecimentos passados, sendo as últimas as conseqüências fisiologias de distúrbios
atuais no funcionamento sexual. Distinguiu posteriormente duas formas de neuroses
atuais: a neurastenia, resultado de excessos sexuais, e as neuroses de angústia,
resultado de estimulação sexual não-aliviada (Freud, 1894).

Neuroses Traumáticas – Devidas a choques. São doenças psiquiátricas


cujos sintomas se desenvolvem logo após alguma experiência traumática, inesperada,
chocante. Não são explicáveis como resultado físico de dano ao cérebro ou a qualquer
outra parte do corpo. Incluem ações estereotipadas ou “acessos”, nos quais partes do
evento traumático são repetidas, e/ou sonhos estereotipados, que repetem a
experiência. Difere das outras neuroses porque seus sintomas, inclusive os sonhos
traumáticos, não são acessíveis à interpretação. Não possuem significado consciente.
As neuroses traumáticas curam-se espontaneamente, tornam-se crônicas ou
transformam-se em psiconeurose. A última hipótese só tem probabilidade de ocorrer
se os sintomas se mostrarem vantajosos; por exemplo, concederam ao paciente
direito a uma pensão, no caso de um militar, pois incapacita para o serviço ativo.

Neuroses Narcísicas – São neuroses nas quais o paciente é incapaz de


formar transferência.

Neuroses de Caráter – Neuroses nas quais os “sintomas” são traços de


caráter ou caracterológicos.

Neuroses de Órgão ou Organeuroses – Termo raramente utilizado para


designar doença psicossomática.

Neuroses de Transferências ou Transferenciais – É ou uma neurose em


que o paciente é capaz de transferência, ou o interesse obsessivo pelo analista que o
paciente desenvolve durante o curso do tratamento psicanalítico.

Neurose de Angústia – Uma neurose de angústia ou de ansiedade é qualquer


neurose em que a ansiedade é o sintoma principal, ou uma das neuroses atuais.

Hipomania – Termo psiquiátrico para designar o estado de pessoas que


apresentam, em forma branda, a exaltação e a aceleração psicomotora da mania. A
diferenciação entre hipomania e a vitalidade exuberante e infatigável depende de se
demonstrar que o paciente utiliza defesas maníacas contra a depressão.

Histeria - Termo psiquiátrico para designar doenças caracterizadas – a) pela


presença de sintomas físicos; b) pela ausência de sinais físicos ou de qualquer prova
de patologia clínica; c) por um comportamento que sugere que os sintomas
desempenham alguma função psicológica.

A noção de histeria deriva dos antigos gregos que aplicavam o termo apenas
a doenças de mulheres, explicadas como devidas ao mau funcionamento do útero
(hysteron). Segundo determinada teoria, o útero constituía um órgão móvel, capaz de
movimentar-se pelo corpo e pressionar outros órgãos; de acordo com outra teoria, a
abstinência sexual conduziria à “inanição do útero” ou a retenção de espíritos animais
não utilizados, que saíam para fora do útero, provocando a perturbação de outros
órgãos. Um dos efeitos da Psicanálise foi demolir as teorias uterinas da causa da
histeria, enquanto retinha a idéia de que, de certa maneira, ela se vincula à
sexualidade. (Para a história do conceito v. Veith, 1965).

A teoria clássica distingue entre duas formas de histeria: a histeria de


conversão que corresponde ao conceito médico tradicional, e a histeria de angústia,
hoje mais comumente conhecida como fobia. A histeria ocupa lugar importante na
história da Psicanálise, já que esta começou com a publicação dos Estudos sobre a
Histeria (1895), de Freud e Breuer, livro em que os sintomas histéricos são explicados
como resultado de lembranças reprimidas e da conversão de idéias em sintomas
físicos.

Embora esses conceitos sobrevivam na teoria psicanalítica, nenhum analista


contemporâneo sustentaria que lhe fornecem uma explicação adequada da histeria.
Um fato curioso, para o qual Wisdom chamou a atenção, é que Freud jamais formulou
definitivamente seus pontos de vista sobre a histeria, e que é extremamente difícil
descobrir qual seja a teoria clássica dessa doença. Existe, contudo, tendência a supor
que o ponto de fixação histérico ocorre durante a fase edipiana e seus mecanismos de
defesa característicos da repressão e a dissociação.

Melanie Klein também silenciou sobre o tema da histeria, e o único adepto da


teoria dos objetos a interessar-se por ela foi Fairbairn, que denominou uma de suas
técnicas defensivas de “histéricas” e sustentou que as origens da histeria residem na
posição esquizóide. Segundo Veith, a histeria é doença quase extinta, que só ocorre
entre “as pessoas sem instrução, dos extratos sociais inferiores” [4].
Capítulo 9

A TÉCNICA E A PRÁTICA DA PSICANÁLISE CLÍNICA

(Primeiros Passos à Técnica Psicanalítica)

Fomos orientador de uma Dissertação de Mestrado em Psicanálise Clínica do


Dr. Mario Roberto Carabajal Lopes. O trabalho, apresentado à Escola Superior de
Psicanálise Clínica do Rio de Janeiro, hoje Escola de Psicanálise Clínica do Rio de
Janeiro mereceu especial apreciação por sua forma didática quanto ao tema
abordado. Em face do exposto, passamos a inserir aqui seu trabalho, cujos originais
encontram-se em nossos arquivos, com sua autorização. Vamos rever algumas coisas
já ditas anteriormente:

Primeiro Procedimento – Confrontação

Devemos tornar evidente o fenômeno “Confrontação”. Fazer com que o


paciente sinta estar “evitando” determinados assuntos. Fundamentalmente, estes
assuntos evitados são as resistências inibidoras de expansões psicomaturacionais às
quais devemos identificar no âmago de nossos pacientes, trabalhando isoladamente
uma a uma.

Vale destacar que estas resistências encontram-se próximas às pausas


durante a exposição livre de assuntos por parte do paciente. O psicanalista deve estar
atento e anotar, em ordem seqüencial, os grandes temas, anteriores e posteriores à
pausa e também o ponto exato do tema em que antecede uma inspiração profunda.
Tanto a pausa quanto a inspiração ou ainda uma movimentação (troca de
posição no divã) e também o engolir desarmônico da saliva, mesmo uma “tossidinha”
ou um fungar, uma movimentação dos pés, estalar de dedos, um contrair forte das
pálpebras seguida de inspiração profunda, um enrijecimento de um grupo muscular ou
vários. Todas essas manifestações exteriorizadas evidenciam necessidade de um
aprofundamento do ponto em questão. Por isso a necessidade de anotação dos
pontos, principalmente, que antecedem tais manifestações.

Devemos anotar em seqüência os grandes temas que antecedem a


raciocínios interrompidos por manifestações em movimentos do paciente no divã,
sejam parciais ou globais. Ainda, de inspirações, tosses e tudo quanto o psicanalista
suponha serem estratégias de fuga ao tema, mesmo que inconscientes para o
paciente, abordando, isoladamente, a qualquer tempo, uma a uma. O paciente saberá
antes de nós, pela confrontação, os assuntos a serem evitados, resistências, as quais,
no segundo procedimento, haveremos de evidenciar. A confrontação é a exposição
pelo psicanalista ao paciente, dos temas que antecederam as fugas, confrontando-o
com seus medos interiores.

Segundo Procedimento – Esclarecimento

Tudo que tenha influenciado positiva ou negativamente um ser, na infância,


irá manifestar-se na vida adulta.

Os sentimentos e conceitos da infância poderão tornar-se resistências quando


adultos. Um pai de cabelos grisalhos que pisa sobre os pobres e bajula os ricos
poderá criar resistência na vida adulta do filho, contra todos os homens com cabelos
grisalhos.

Cada resistência deverá ser isolada e confrontada. Devemos levar o paciente


a uma condição de consciência externa de suas inibições. Oferecer-lhe a consciência
daquilo que até então se encontrava inconsciente, ainda que constitutiva de sua mais
íntima realidade.

O psicanalista deve colocar o paciente totalmente à vontade para tratar dos


assuntos que evidenciou evitar. Sobretudo, o psicanalista deve ter plena consciência
que todo ser, mesmo em silencio, está a pensar, respeitando assim as elaborações
silenciosas do paciente. Devemos anotar os temas e pontos que julgamos
desencadear elaborações silenciosas, buscando esclarecer, reforçar e evidenciar tais
elaborações.

As elaborações mentais em silencio no divã, tem um ponto desencadeador, e


este ponto encontra-se no último elo de assunto abordado pelo paciente antes do
silêncio. Devemos anotar sempre, confrontar e esclarecer, sendo que este
esclarecimento pode ocorrer em momento e sessões posteriores que tiveram suas
manifestações anotadas pelo psicanalista.
Terceiro Procedimento – Interpretação

É este procedimento que distingue a Psicanálise de todas as outras


psicoterapias (...). Ralph Greenson vê a interpretação em Psicanálise como o
instrumento decisivo e fundamental (...). Vamos além do que é observado
instantaneamente e conferimos um sentido e causalidade a um fenômeno psicológico
(...).

Esclarecimentos e interpretações interagem reciprocamente. Interpretações


retornam-nos a esclarecimentos que nos desafiam em suas interpretações que nos
levam a novos esclarecimentos. Os instrumentos de interpretação do psicanalista,
além de sua profunda formação, sustentada em fundamentos, observações e
pesquisas do Dr. Sigmund Freud encontram-se em seu retorno superconsciente,
inconsciente, todavia conseqüente de consecução ativa reativa.

Utiliza-se, ainda, da empatia natural existente entre o psicanalista e o


paciente, consciente das resistências sempre presentes durante a Psicanálise.
Sucessivamente, interpretações e esclarecimentos ocorrem durante a Psicanálise,
competindo ao analista lançar mão de toda a sua bagagem formativa e de pesquisas
para, cientificamente, fundamentar e esclarecer os fenômenos elaborados
inconscientemente pelos pacientes. O retorno ao paciente é de vital importância.

Quarto Procedimento – Elaboração

A elaboração (...) possibilita que uma compreensão interna (insight) provoque


uma mudança (...), ocorre depois de uma compreensão interna.

A elaboração, segundo Ralph Greenson, é o fenômeno que mais tempo ocupa


na terapia psicanalítica. Ocorrendo, quase em sua totalidade, fora da sessão,
utilizando-se dos elementos desencadeados pelo procedimento anterior de
interpretação.

Dificilmente a compreensão interna provoca mudanças rápidas de


comportamento. Se ocorrer, provavelmente não se sustenta como comportamento
padrão linear à normalidade. Ocorrem desvios instáveis em busca da estabilidade
média reativa ocorrem.
O paciente poderá ser arrastado por níveis outros de estímulos, advindos dos
meios externos. Meios estes, novos, por sua súbita mudança, podendo, pela falta de
respostas compatíveis, sustentáveis e equilibradoras serem devolvido aos meios e
padrões anteriores, mais leves, havendo estes sido “teoricamente” e por “elaboração”
interna, já ultrapassados. Necessitam, contudo, do elemento “reforço” à
sustentabilidade e harmonia “equicopartícipe” interacional.

A freqüência média entre o comportamento de paciente e os naturais, agora


novos meios de suas participações, com constância de mensagens, de forma
equilibrada, produtiva, harmônica e sincrônica; alegre e feliz; descontraída e
evolutivamente atraente, evidenciam-nos a correta orientação, e nossa bem sucedida
utilização dos quatro procedimentos básicos, elementares e facilitadores da
Psicanálise.

Reforçamos, contudo, que um único procedimento dos quatro supracitados, o


primeiro, “confrontação” pode gerar, em uma primeira sessão, elementos para muitas
sessões, dependendo, sobretudo, do poder de observação do psicanalista, anotando
os temas e pontos em que o paciente evidencia resistências. Logo, um a um serão
“esclarecidos”, “interpretados” e “elaborados” isolada e separadamente.

Durante os procedimentos, novos, sucessivos e intermináveis temas de


resistências hão de surgir, levando a novas observações, anotações, confrontações,
esclarecimentos, interpretações e reforços.

A sincera e honesta intervenção psicanalítica, imbuída dos sublimes ideais em


“medicar psicanaliticamente” o paciente, norteará o curso da Psicanálise.
Capítulo 10

ALIANÇA DE TRABALHO

“A aliança se forma entre o ego racional do paciente e o ego analisador do


analista” (Sterba, 1934, citado por Ralph Greenson.)

A aliança de trabalho é favorecida pelo ambiente de trabalho, pela presença do


analista, o divã e fundamentalmente pela necessidade e busca pessoal do paciente
em ser ajudado, em querer descobrir e livrar-se de elementos que acredita
bloquearem sua evolução, seja esta material, física, espiritual, social. Enfim, quer e
busca ser ajudado, vendo no psicanalista, o psicoterapeuta que, pelo “status”
conceitual pessoal de “Psicanálise” irá curá-lo.

Se um paciente tem problemas de ordem cardíaca, procurará e depositará


em um cardiologista a confiança necessária à cura que necessita. Aplica-se o mesmo
procedimento para o dermatologista, o pneumatologista, o educador físico
(cinesiologista), o nutricionista, o fisioterapeuta, o ginecologista e a infinita gama de
especialidades da saúde.

O que se espera de cada especialista também se espera do psicanalista. É


necessária uma série de exames e anamnese pormenorizada, fazendo com que o
paciente se sinta à vontade, entregando-se totalmente aos cuidados e orientações
especializadas de quem buscou. A aliança forma-se nos primeiros contatos entre o
paciente e o psicanalista. “Numa diagnose, a primeira coisa que sucede é a
abordagem médica, tradicional para determinar a forma de tratamento”.

Não devemos e nem podemos desconsiderar o conjunto de elementos físicos


que constituem o ritual das primeiras sessões. Verificar a pressão e o estado geral do
paciente, através de exames neurológicos de simples rotina, como freqüência
cardíaca, observação geral postural (cifose, lordose e escoliose), solicitar exames
específicos vinculados aos seus hábitos insalutares, como: se fumante, pelo “BK”. Se
alcoólatra (...), se viciado (...), se homossexual (...), se diabético (...), enfim, verificar,
em uma primeira sessão, tudo quanto diga respeito ao histórico biofísico, social,
hereditário e mesmo genealógico do paciente.

Estes procedimentos múltiplos determinam uma boa e objetiva aliança entre


paciente e psicanalista, a qual, outra não é, senão o estado geral de sua saúde. Neste
contexto, encontram-se frustrações, resistências, medos, depressões e uma infinidade
de elementos constitutivos de sua realidade inconsciente.
As primeiras sessões conduzem paciente e psicanalista a uma série de
pontos que necessariamente auto-exigem rastreamento. O paciente, na primeira
sessão, deverá receber, por parte do psicanalista, toda atenção de quem julga
merecer seus “indecifráveis problemas”.

É comum o paciente não saber por que procurou o psicanalista. É comum o


paciente não conseguir falar quase nada em uma sessão. É comum, nas primeiras
sessões, o paciente não querer nem mesmo relaxar no divã. Alguns levam muito
tempo para se entregar totalmente.

Ele tem medo de ser “desmascarado”. Vê o psicanalista como o único ser


capaz de descobrir tudo sobre ele, ainda que este “tudo” não represente erros.
Todavia, receia ser invadido, dominado. Estas são as bases das “resistências”.

A aliança entre paciente e psicanalista só terá sucesso se demonstrarmos ao paciente


que estamos do seu lado, que somos aliados de seu ego e dispostos em unirmo-nos
também ao seu id, para facilitar sua contínua e ordenada obtenção de prazer.

A aliança depende do entendimento do paciente que ela (ser, id e ego)


dependem diretamente das avaliações do superego e, nós, seu psicoterapeuta, vamos
esforçar o seu id e ego, para conquistarmos a confiança de seu superego,
possibilitando mais harmonia e desenvolvimento pessoal e social.

Por nossa consciência de “psicodeterminantes” de comportamentos e


formulação de novos conceitos, e também de reformulação da própria personalidade,
devemos estar atentos a que não façamos projeções sugestivas constantes aos
pacientes para que não se arraiguem em seu interior idéias obsessivas de querer nos
agradar em detrimento a auto-programação.

A sugestão é, contudo, elemento constitutivo da Psicanálise, tanto como a


“manipulação positiva” e a “ab-reação”. “A manipulação é atividade evocativa realizada
pelo analista sem o conhecimento do paciente e a ab-reação ou catarse engloba a
descarga de emoções e impulsos bloqueados.” (Bresser e Freud (1893-95, citado por
Ralph Greenson).
Capítulo 11

ABRANGÊNCIA DA PSICANÁLISE

Todos os psicanalistas concordam com a terapia psicanalítica para tratar:

Histeria de Angústia – caracterizada sobretudo por medo mórbido sem


fundamento e crises de aflição, correspondendo, ao conjunto acentuado de
apreensões, dúvidas e medos vagos.

Histeria de Conversão – evolução máxima da ansiedade: paralisias, perda de


sensibilidade, perda de visão.

Neurose Obsessiva – neurose caracterizada por idéias obsessivas, dúvidas e


reações compulsivas.
Depressões Psiconeuróticas – caracterizadas por desespero, desesperança
e sentimento de incapacidade.

Neuroses de Caráter – tanto os excessos de exigências éticas, científicas e


sociais, quanto a total ausência de honestidade, dignidade e lealdade.

Doenças Psicossomáticas – manifestações somáticas (do corpo) resultantes


dos fenômenos psíquicos.

A Psicanálise é recomendada ainda no tratamento de:

Esquizofrenia – divisão da mente ou da personalidade que se caracteriza por


fantasias, alucinações, ilusões, regressões e perda de contato com os outros.

Psicose Maníaco-depressiva – psicose caracterizada por desequilíbrios


mentais (ciclotimía), com períodos de excessiva exaltação ou profunda depressão.

Neuroses de Impulso – transtorno psicogênico com desajuste funcional da


personalidade que cria dificuldade para o ajustamento social, dividindo-se em primário
(natural) e secundário (adquirido). É resultante de estímulo persistente de natureza
fisiológica, “determinando” reflexos de ajustamento.

Perversões – atos decorrentes da alteração de ações básicas de uma


pessoa, destacando-se as de caráter sexual, como o sadismo, masoquismo, necrofilia.
Todas são de origem patológica.

Vícios – desarmonia com os meios por hábitos insalutares, podendo ser


aprendidos.

Delinqüências – distúrbios comportamentais malévolos. O primeiro passo é o


desrespeito aos pais ainda na infância.

Os casos fronteiriços podem ser tratados a partir da utilização da técnica


psicanalítica, ao lado de: neuroses traumáticas, nosofobias, psicoses orgânicas,
parafasias, paralogias, paramnésia, paranóias, pseudodemências, pseudoamnésias,
pseudopressentimentos. A Psicanálise dispõe de recursos clinoterapêuticos para tratar
as mais complexas anomalias psicosugestivas, psicotraumáticas e psicogênicas
humanas, patologias delimitadas entre a psicogênese e a psicossomática.

Análise de Experiência

A análise de experiência, assim denominada por Freud em 1913, refere-se à


situação real capaz de inicializar o processo psicanalítico. É denominada tanto de
“sessão preliminar demarcadora”, como “consulta preliminar demarcadora” ou
“anamnese psicoparadigmaximizativa”.

Preliminarmente, a primeira sessão objetiva demarcar limites, conceitos-


experimentais: paradigmaximizar o mundo conceitual e experimental do paciente, bem
como sondar os seus principais traumas, responsáveis pelos níveis tensionais de
aceitação e rejeição “axio-catéxicos”, campos onde a cliniocoterapia psicanalítica
evoluirá em sessões seguintes.

Denominamos “sessão ou consulta” por ser dependente, para o seu sucesso,


do ambiente psicanalítico. “Preliminar” por ser constitutiva de uma série, mesmo por
ser a primeira. “Demarcadora”, por delimitar campos patológicos de possibilidade
diagnóstica. Podemos, também, simplesmente tratar este primeiro contato, por
“consulta avaliativa”.

Antes da primeira “consulta avaliativa” o paciente já deverá estar informado


da “práxis” psicanalítica. Isto acontecerá pelos mesmos meios que o levaram ao
consultório ou clínica psicanalítica.

Acredita-se que o paciente, por procurar a Psicanálise e não outras


especialidades, tenha a cosmovisão macroconceitual de Psicanálise. Esta cosmovisão
macroconceitual encontra-se no âmago do ser:

 Os totalmente leigos, sabem simplesmente ser o psicanalista um “médico de


cabeça”;
 Os mais cultos, sem profundo conhecimento, sabem que a Psicanálise trata o
ser a partir de relatos de problemas pessoais. Estes sabem da existência de
um “divã” onde “a pessoa se deita” e relata ao psicanalista suas angústias,
medos, traumas, frustrações e também seus prazeres, sonhos e ideais;
 Os que mais lêem e pesquisam sabem exatamente como se processa a
clinicoterapia psicanalítica. São pessoas que telefonam marcando suas
consultas e, com facilidade, entregam-se às associações livres, sabedoras que
dali o psicanalista detectará resistências, chistes e transferências, levando-os,
paciente e analista, aos mais leves e mais profundos pontos irradiadores de
distúrbios psicopatológicos com repercussões, tanto de ordem vegetativa,
quanto neurológica;
 Os psicanalistas contudo, sobretudo àqueles que pesquisam com profundidade
e buscam aperfeiçoarem-se cada vez mais, fazendo um mestrado e doutorado,
pós-doutorado e também livre docência sabem estar a Psicanálise em ordem
direta com a vida cosmobiopsicosociocinesiolótica do ser.
 Os mestres conhecem a lei da sincronicidade inter-humana; alguns, já se
depararam com a possibilidade de deslocamento sugestivo criativo com
transferência libinocinergética.
 Os pós-doutorados compreendem perfeitamente o equilíbrio e o desequilíbrio
seccional eletroquímico humano, têm pleno conhecimento e domínio do
deslocamento das energias libinocinergéticas.
 Os livre-docentes detêm-se, sobretudo, no todo, na busca do conjunto e dos
elos e desporalizações axionais e catéxicas, responsáveis pelas saturações
psiconeuro-redutoras e psiconeuro-expansionais – principais agentes do
pânico e da depressão. Estes fenômenos têm com múltiplos reflexos internos,
repercutindo no comportamento, no relacionamento e na convivência humana,
sejam estas objetais, pessoais ou mesmo sistêmicas, capazes de reversão e
equilíbrio na Psicanálise, com o auxilio da Psicanálise clínica instrumental, a
partir do deslocamento técnico das energias libinocinergéticas (...).

Em qualquer um dos casos o paciente, na presença do psicanalista,


assumirá a condição de analisado, ainda que em “sessão preliminar demarcatória”.
Capítulo 12

RESISTÊNCIA

A resistência constitui, ao lado da “transferência”, a base da Psicanálise


clínica. A Psicanálise é viabilizada pela análise das associações livres, cujos
conteúdos “carregados” de resistências e com potencialidades de “mobilidade”
transferencial, oferecem ao especialista em clínica psicanalítica, a partir da análise de
ambas, os instrumentos a “constipação psicoterapêutica” de elementos
“traumatopsicosugestivos”.

A Psicanálise, também pela análise das associações livres, ainda apoiada


nas resistências e transferências, amplia os horizontes internos dos pacientes que
“limitados”, “inconscientes” e, sobretudo, “carentes” de respostas aos seus sofrimentos
e desajustes sociais, desarmonias familiares, perturbações econômicas e toda a
ordem de “problemas psicossomáticos” até a “psicogênese”, estejam dispostos a
entregarem-se a uma clínico-terapia psicoterapêutica psico-estabilizadora, psico-
confrontadora, psico-libertadora, psico-reprogramativa, psico-projetiva e psico-
criadora. Deve a Psicanálise sustentar as bases internas do ser. É um tratamento com
força de antibiótico e com poder de cura e rejuvenescimento, capaz de tirar um jovem
das drogas e fazer um idoso nadar, sorrir. Tudo isto, a partir da libertação do ser, das
amarras internas.

A Psicanálise, por trabalhar nas bases dos conceitos, traumas, atrações,


valores e pensamentos reprimidos, torna-se um método de indispensável preparação
do paciente para os desafios que no seu decorrer, inevitavelmente surgirão, resultando
em evolução psicomaturacional.

Os desafios aos quais nos referimos são os questionamentos, confrontações


e tentativas de esclarecimento por parte do psicanalista sobre o que forma os códigos
catexiais – universos interiores do paciente.
As resistências encontram-se exatamente nas bases destes pontos para os
quais o psicanalista busca resposta e tenta esclarecer.

Segundo Ralph Greenson, nossa fonte principal de pesquisas:

Resistência quer dizer oposição. Todas aquelas forças dentro do paciente que
se opõem aos procedimentos e processos da análise (...) que impedem a
associação livre, que bloqueiam as tentativas do paciente para recordar, obter e
assimilar a compreensão interna, que agem contra o ego racional do paciente e
contra seu desejo de mudança (...). (Freud, citado por Ralph Greenson)

E ainda:

A resistência pode ser consciente, pré-consciente ou inconsciente e pode ser


expressa por meio de emoções, atitudes, idéias impulsos, pensamentos,
fantasias ou ações (...), em essência, uma força opositora no paciente, agindo
contra o progresso da análise, contra o analista e contra os procedimentos e
processos analíticos.

Vemos tal força opositora, como a necessidade de o paciente manter sua


individualidade, manter-se senhor de si mesmo. Continuar no domínio pleno do
comando de sua vida. A resistência não é algo ruim, funciona como uma defesa
sobre campos da consciência que, se aflorarem podem colocar em risco a vida
do paciente. Por esta razão, somente um psicanalista pode trabalhar tais
energias.

Resistências, podemos dizer, são medos inconscientes da confrontação com


verdades, com possibilidade de reformulação de conceitos e até mesmo de ter,
se derrubada a resistência, de mudar o próprio curso da vida (...). As
resistências, tanto podem se demonstrar por suas evidencias, entraves, onde
utilizaremos de uma linha terapêutica curativa, saneadora, como aflorar
potencialidades latentes, inerentes a todos os seres, desde que estimulados, de
onde entraremos com uma Psicanálise de delimitação paradigmaximizadora de
tais potenciais, objetivando sobretudo, oferecer ao nosso paciente, as bases
sólido-conceituais a sua evolução ou expansão psicomaturacional, com
repercussões nos campos sociais e econômicos.

O Reconhecimento das Transferências

“Antes que possamos analisar uma resistência devemos estar aptos a


reconhecê-la”. Nossa consciência acusa que para uma melhor demonstração teórica
do conceito concreto de “resistência”, devemos oferecer diversas e múltiplas citações
de Ralph Greenson.
Sugerimos aos pesquisadores lerem todas as citações a seguir, retomando-as uma a
uma, até que o conceito de resistência fique bem identificado. Não há porque se auto-
cobrar um entendimento na primeira, segunda ou terceira citações. Acreditamos que
ao término da leitura, os colegas terão como evidentes os conceitos gerais das
“resistências”.

(...) as resistências aparecem numa variedade de maneiras complexas e sutis,


em combinações ou formas misturadas e que os exemplos individuais e isolados
não constituem a regra (...).

(...) um paciente pode descrever animadamente alguma atividade agressiva


durante uma sessão com o objetivo de bloquear a narração de uma experiência
que poderia demonstrar que ele está enfrentando (...).

O Paciente Está Silencioso...

“É a forma de resistência mais nítida e freqüente que encontramos na prática


da Psicanálise”.

“(...) é nosso dever analisar os motivos desse silêncio (...)”.

“(...) o que pode estar criando o nada em sua mente? (...)”.

“(...) parece que você transformou alguma coisa em nada, o que seria”?

Todo o ser, mesmo em silencio, está a pensar, a elaborar situações, ler


ambientes, observar gestos e movimentos, identificar sons, lembrar e recordar,
projetar e planejar.

“(...) Algumas vezes, apesar do silêncio, o paciente pode revelar,


involuntariamente, o motivo ou mesmo o conteúdo do seu silêncio, pela sua postura,
movimentos ou expressão facial (...)”. Virando a cabeça para não ser visto, cobrindo
os olhos com as mãos, contorcendo-se no divã, enrubescendo (...), tudo isso pode
indicar embaraço (...).

Resistências

“(...) o silêncio é uma resistência à análise e tem que ser manejado como tal
(...)”.
Devemos aqui bem interpretar Ralph Greenson, quando diz ser o silencia uma
resistência. O silêncio, como toda resistência, é um elemento importantíssimo para a
análise. A partir das resistências, o psicanalista colherá o conteúdo latente (enquanto
silêncio manifesto), todavia elaborado em silêncio e, se permitida sua elaboração pelo
psicanalista, colherá os resultados dessas elaborações para o aprofundamento
interpretativo e esclarecedor da Psicanálise.

O paciente não está com vontade de falar...

O fato de o paciente não querer falar, demanda vontade. É a vontade de


manter reprimidos os pensamentos, sua propriedade. Não quer dividir com o
psicanalista suas economias. Reserva-se ao máximo...

(...) Nossa tarefa é a mesma: investigar por que ou o que é que o paciente
não está com vontade de falar (...). O estado de não sentir vontade de falar, tem uma
causa ou causas e nosso trabalho consiste em fazer o paciente trabalhar nessas
causas (...). É, basicamente, tarefa semelhante à investigação do – alguma coisa –
inconsciente que provoca o – nada – consciente na mente do pacientes silencioso.

Afetos indicando resistência...

A comunicação verbal com ausência de afeto demonstra tipicamente uma


resistência.

(...) Suas observações são secas, insípidas, monótonas e apáticas (...). Tem-
se a impressão de que o paciente está alheio e desligado do que ele está relatando.
Isto é particularmente importante quando a ausência de afeto diz respeito a fatos que
deveriam estar cheios de profunda emoção. Em geral, a inconveniência da emoção é
um sinal bem impressionante de resistência. Há uma qualidade bizarra no que o
paciente diz quando a ideação e a emoção não estão de acordo (...).

Ralph Greenson, após suas palavras da citação supra, relata brevemente um


exemplo de “afetos indicando resistência”.

Ilustra Greenson com o episódio de um paciente que mesmo relatando haver vivido
sua maior experiência sexual, mantinha um mesmo tom de voz, sem passar nenhuma
emoção. Greenson, ao questionar o aspecto felicidade de seu paciente, comprovou
que tal experiência havia sido frustrante, já que o paciente confessou haver se tratado
de uma despedida, o que justificava seu relato com total ausência de emoção.

A postura do paciente...

(...) Muitas vezes, os pacientes vão demonstrar a presença da resistência pela


posição que assumem no divã. Rigidez, contração muscular, o corpo encolhido como
proteção contra uma ameaça. Tudo isso pode indicar defesas. Acima de tudo,
qualquer posição inalterada, que é mantida durante toda uma sessão ou sessão após
sessão, é sempre um sinal de resistências, a sua postura muda um pouco durante a
sessão. Movimentos excessivos também indicam que alguma coisa está sendo
descarregada em movimentos e não em palavras.

A discrepância entre a postura e o conteúdo verbal também é um sinal de


resistência. O paciente que fala com suavidade sobre algum fato mas que se contorce
e se mexe, está contando apenas um fragmento de uma história. Seus movimentos
parecem estar contando a outra parte da narrativa. Mãos apertadas, braços cruzados,
apertados contra o peito, tornozelos encostados, são indicações de desejos (...). Tudo
isto foi referenciado por Ralph Greenson, bem demonstram as resistências manifestas
em gestos.

Importante é sentirmos a necessidade de explicar – quando Greenson refere-


se a “encontrar-se o paciente relatando fragmentos de uma história”, contando o
restante com os gestos, contrações e, o que faltou ser citado, inspirações profundas,
“tossidelas”, “fungações”, “estalar de dedos”...

Fixação no tempo...

(...) Em geral, quando um paciente está falando com relativa liberdade, haverá
oscilações entre o passado e o presente em suas produções verbais. Quando um
paciente fala, firme e inalteradamente, sobre o passado sem entremear qualquer coisa
sobre o presente ou se, ao contrário, um paciente fala continuadamente sobre o
presente sem mergulhar ocasionalmente no passado, há alguma resistência em ação.
Prender-se a um determinado período de tempo é uma fuga, semelhante à
inalterabilidade no total emocional, postura (...).

Devemos executar a “fixação no tempo”, quando o paciente mergulha em


pensamentos constitutivos de teorias, filosofias e ciências em geral, pois, a narração
científica, fundamentada teórica e filosoficamente, encontra variações próprias, de
altíssimas especificidades e, por vezes, se o paciente for um pesquisador, poderá
aproveitar o momento psicanalítico ideal, inclusive para incursões profundas em suas
buscas científicas. A fixação, nesse momento, dá lugar ao aprofundamento de elos e
embasamentos teóricos, exigindo, em muitos casos, da fixação no tempo, para não
desviar a linha científica de raciocínio.

Trivialidades ou acontecimentos externos...

“(...) Quando um paciente fala sobre fatos superficiais, insignificantes,


relativamente sem sentido, por bastante tempo, está evitando alguma coisa que é
subjetivamente importante”.

Sobretudo, devemos estar atentos a estas “trivialidades”, pois, em seu bojo,


encontram-se “recados inteligentes” como refere Edgar Hudson, filósofo brasileiro, aos
elos inter-humanos que ocorrem de forma inconsciente, todavia conseqüentes. Em
todo o conteúdo de associações livres, há elementos a serem considerados pelo
psicanalista. Não há um só assunto ou tema, em que não possa efetuar elos,
paralelos, todos da maior importância para os objetivos da Psicanálise. Devemos estar
atentos para que as oportunidades não passem como “ventos”. Anotar sempre tudo
quanto é livremente exposto pelos pacientes...

O Paciente está Entediado

Segundo Ralph Greenson (p. 73 F ) quando um paciente está entediado,


significa estar reagindo contra alguma fantasia. Quando o tédio é do analista, ele está
bloqueando fantasias em relação ao paciente. A este tipo de bloqueio do analista,
Ralph Greenson chama de contratransferência.

Atuação

Quando existem repetições seguidas de atuações em gestos, substituindo


palavras, devemos também, segundo Greenson (73-F), identificar como resistências.
Logo, necessitamos aprofundar tais pontos obscuros.

O Paciente Tem Um Segredo

Quando os segredos são conscientes por parte do paciente, está ele a “evitar”
algo. Cabe ao psicanalista respeitar a reserva do paciente. Se, no entanto, os
segredos forem inconscientes, podem criar reservas na personalidade do paciente,
interferindo inclusive em seu comportamento. Para estes comportamentos, devemos
utilizar um dos passos de aprofundamento investigatório psicanalítico, confrontando e
esclarecendo tais pontos (...).

Fatores Destacados por Freud

1º - Influência dos traumas:

Dos acidentes físicos, doenças em geral, perdas econômicas, lutos, entre


outros elementos constitutivos da vida sócio-conjuntural, física e social e, mesmo
natural, surgem traumas. Estes traumas que se arraigam no âmago do ser, em
profundezas extremas, formam as psicopatologias. Estas podem ser removidas pela
Psicanálise através de “cirurgia psicotraumatosugestiva”.

2º - A força constitucional dos instintos:

Esta força encontra-se na atualidade, em franca pesquisa. Temos investigado


cientificamente esta relação instintual dos seres, com vistas a diagnosticamos uma
reação química inter-humana. Logo, diante da possibilidade de haver reações naturais
entre os seres, devemos colocar-nos totalmente à vontade em confrontar tudo quanto,
naturalmente, ocorrer durante as sessões.

O psicanalista, mais do que o paciente, deve entregar-se às “reações livres”,


espontâneas e naturais, provocadas pela “associação livre” dos pacientes.
Obviamente o psicanalista deverá conter muitas “reações livres”, objetivando ofertar
mais e mais espaço à associação livre do paciente.

Capítulo 13

A TEORIA DA RESISTÊNCIA

Segundo Fernichel, citado por Ralph Greenson (p. 83-F), devemos diferenciar
o fato:

 a que o paciente está resistindo?


 como ele o faz?
 o que ele está bloqueando?
 por que ele age assim?

(...) O próprio mecanismo de defesa é, por definição, sempre inconsciente,


mas o paciente pode estar cônscio de uma ou outra manifestação secundária do
processo (...) (p. 83-F).

Segundo Ralph Greenson, o conceito de resistência é formado de três instancias:


 um perigo;
 uma força impulsora para proteger o ego (irracional);
 uma força empurrando para aceitar um risco (ego pré-adaptativo)

Há relatividade nos termos “resistência” e “defesa”.

O comportamento defensivo sempre criará uma fonte de descarga para aquilo


que está sendo protegido. Fernichel, citado por Greenson, afirma que todo
comportamento tem defensivos e impulsivos. Esta impulsividade, pelo que podemos
observar, são reações de descargas para desviar a atenção do objeto, do ser, da coisa
ou mesmo do conceito e, ainda, do comportamento que queremos preservar. O
trabalho do psicanalista exige muita atenção e preparo para detectar estas armadilhas
defensivas.

Observe-se que estas “defesas” objetivam preservar o ser. Todavia, sob


análise, o psicanalista desempenhará o papel da “parede de retorno”, desbloqueando
pensamentos e lembranças, interpretando-as em conjunto com o paciente e,
sobretudo, permitido ao paciente reorganizar seus valores internos.

Há evidente tendência à dependência dos pacientes em relação ao psicanalista, após


o início do rearranjo dos valores armazenados em níveis inconscientes.

Tente imaginar uma bibliotecária que se propõe organizar uma biblioteca onde
diversos alunos não repõem os livros nos seus devidos lugares. Pior ainda é que em
muitas situações psicanalíticas, a reorganização assemelha-se a uma biblioteca
(mente) cujos livros, depois de usados, foram colocados aleatoriamente nas
prateleiras.

O psicanalista, tal como a bibliotecária, primeiramente fará um levantamento


de todos os livros, assuntos e autores para, só então, propor-se arranja-los
corretamente. Uma vez retirados os livros dos lugares, o elemento tempo é
imprescindível para a reorganização da biblioteca. Da mesma forma, a mente
investigada na Psicanálise, deverá sofrer impactos e uma momentânea
desorganização. Gradativamente, o paciente respirará os frutos da boa Psicanálise, da
“faxina mental” a que está sendo submetido.

As Resistências

Ao contrário das “defesas”, segundo Anna Freud, citada por Ralph Greenson,
as “resistências” não são apenas obstáculos ao tratamento, mas também importantes
fontes de informação sobre as funções do ego em geral. São as “defesas” que vêm à
tona durante o tratamento, como resistência, realizando importantes funções para o
paciente em sua vida externa. Estas defesas também se repetem nas reações
transferenciais.
Greenson cita Anna Freud e Fernichel para bem relacionar os motivos e
mecanismos de defesa com os motivos e mecanismos de resistência, segue: (...) Ao
falar de motivo de defesa, estamos nos referindo àquilo que fez uma defesa ser
ativada, A causa imediata é sempre a fuga de alguma emoção dolorosa como a
ansiedade, a culpa ou a vergonha. A causa mais longínqua é o impulso instintual
subjacente que instigou a ansiedade, culpa ou vergonha.

A causa fundamental é a situação traumática, um estado em que o ego fica


subjugado e desamparado porque está inundado de ansiedade que não pode
controlar, dominar ou refrear um estado de pânico. Esse é o estado que o paciente
procura evitar criando as defesas ao menor sinal de perigo (...).
Capítulo 14

O PERIGO E A EVOLUÇÃO PSICOTRAUMATOSUGESTIVA

(...) As situações de perigo que podem despertar um estado traumático,


passam por uma seqüência de desenvolvimento e mudança com as diferentes fases
de maturação (...) (p. 87-F).

Medo do Abandono

Encontra-se na fase de amamentação, enquanto esta durar, estendendo-se


desdobradamente enquanto houver dependência, seja de alimentos, econômica e
mesmo conceitual, moral e interpretativa das implicações e eventos comportamentos,
sociais e conjunturais.

Medo da Aniquilação Física

Esta é uma evolução psicotraumatosugestiva da primeira, mas se forma após


um certo grau de evolução psicomaturacional, encontrando-se dependente da
conquista e superação da fase de devaneio (5º estágio). É necessária para a
manifestação deste medo que a consciência se encontre em formação (6º estágio) e é
indispensável, para ser vivenciado, que nos encontremos no princípio da fase de
consciência consciente, após a formação da terceira grande rede sináptica de auto-
condução.

Medo de Não se Sentir Amado


Este também é um estágio conseqüente do primeiro, e se manifesta
concomitantemente às primeiras experiências rejeitivas amorosas. A rejeição se
manifesta pela necessidade de individualismo e defesa contra o domínio pleno e total
daquele ser que pensa estar sendo rejeitado. Todavia, ele próprio é quem impõe
barreiras a serem superadas por quem acredita amar. Estas barreiras são
paradigminimizativas à acomodação limitatória de quem se busca auxiliar. No entanto,
isto se dá de forma inconsciente, ainda que sempre conseqüente. Nesse momento,
tanto limitamos a trajetória de seres que se encontram sob o nosso raio de ação,
quanto sofremos os efeitos experimentais avançados reativos equivalentes a nossa
própria força e exigências.

Por ser inconsciente, ganhamos impulso contrário, sentimo-nos rejeitados, de


onde, nesse momento, confrontamo-nos com a necessidade imperativa de aproximar-
nos o suficiente desse mesmo ser, até atingirmos ou encontrar-nos dentro de seus
limites paradigmáticos, deixando-nos dominar e ser conduzidos, ou afastar-nos
dependendo totalmente do seu raio de abrangência. Afastando-nos, abandonamos
levando a impressão de havermos sido abandonados. Permanecendo, entregamo-nos
ao domínio alo-experimental. Não abandonamos e sentimo-nos governados.
Dependendo da força do pólo atrativo, estes sentimentos não se manifestam
acomodando o ser, de onde experimentará uma sensação de segurança.

Medo da Castração

É um desdobramento do primeiro, podendo chegar a níveis extremos de


incompreensões, medos e. por extensão, levam a iminências de traumas, ocasionados
por possibilidades de perdas. Uma possibilidade sempre eminente de perigo é
ocasionada pela possibilidade de perda. De acordo com a fase psicomaturacional do
ser, os valores mais desenvolvidos e do momento concreto, vivencial e experimental
sairá o elemento a que o ser teorizará perder. Tudo, sempre, dependente dos níveis
de rejeição na fase de amamentação. Obviamente, nesse sentido chegaríamos à
possibilidade de castração por parte do menino, na fase em que o seu pênis se torna
um de seus instrumentos de prazer.

Na menina e na mulher este medo manifesta-se como na fase de


amamentação, o medo de não dispor de alimentos, de faltar-lhe o próprio ar, luz, água
(evoluções inconscientes de alimentos). Falta de ar e uma série de incontáveis
desdobramentos surgem e manifestam-se como reações físicas, psicossomatológicas,
podendo alcançar o “status” de patologias leves, crônicas e mesmo fatais. A ameaça
da perda do alimento na fase de amamentação poderá desdobrar-se de tal forma na
vida futura do ser que tudo o que abordamos e levantamos nesse tocante pode não
representar um por cento das possibilidades reais de seus desdobramentos e
manifestações como reflexas da insegurança, medo e iminência de perigos.
Medo da Perda de Auto-estima

Como desdobramento do medo de perda de alimentação na fase de


amamentação, desta vez, manifesta-se como a possibilidade de deixar de gostar e
respeitar a si próprio, suas produções, pensamentos e ideais. A auto-imagem,
diretamente responsável pelos níveis de auto-estima, é o elemento básico e
desencadeador desse medo, já que, em instâncias desdobramentais o ser julga-se
não merecedor de nada que no mundo exista, já que inconscientemente não teve o
direito ao elemento fundamental de que necessitava, ainda que isto ocorra nos níveis
inconscientes conseqüentes.

As adversidades impostas pela complexidade social, pelos juízos de valores e


interesses forçam o ser a caminhar em sua mais elevada possibilidade interativa.
Logo, qualquer erro, por menor que seja, na condução de seus projetos, sonhos e
ideais, pode retardar e até mesmo delimitar sua trajetória.

Evitar o sofrimento constitui-se no motivo principal para a resistência e para a


defesa. Masoquismo, autodestruição e necessidade de sofrimento, constituem-se nos
três principais elementos que caracterizam as manifestações de agressividade
voltadas para o self, eu.

Repetição

“Do ponto de vista técnico, a compulsão à repetição pode ser mais bem
manejada terapeuticamente identificando-a como uma tentativa de domínio atrasado
de uma situação traumática antiga” (p. 88-F).

É simples a interpretação de repetição, do ponto de vista de Ralph Greenson,


todavia, para a compreensão efetiva, dependemos de sua conceituação.

Para a correta e objetiva interpretação de repetição, vejamos Anna Freud


segundo Greenson que, em citação anterior, finaliza dizendo-nos que as defesas
também se repetem em situações transferenciais. Este é o ponto básico de partida,
em nosso ver, ao entendimento do que vem a ser “repetição”. As “defesas”
constituem-se em obstáculos durante a Psicanálise. Logo, uma defesa “repetitiva”
mascara informações transferindo-a até mesmo, sem, contudo, demonstrar a efetiva
situação carente de esclarecimentos. Muitas vezes, geradora de conflitos múltiplos,
das mais infinitas ordens, sobretudo, nestes casos, é comum, estão a encobrir
problemas existenciais: conflitos internos de incompreensões relacionadas com a
existência humana.

Resistência e Regressão
Regressão caracteriza-se pelo retorno a uma forma mental mais primitiva e
antiga. (Freud, por Ralph Greenson, p.88-F).

(...) A pessoa tem a tendência de retornar àqueles pontos de bloqueio que


foram pontos de fixação em outros tempos (...) (p.88-F).

Fixação e regressão se completam reciprocamente. Greenson utiliza-se da


seguinte analogia para um melhor entendimento da relação “fixação/regressão”:(...)
um exército tentando avançar pelo território inimigo. Esse exército vai deixar o maior
número possível de tropas de ocupação naqueles lugares em que encontrou as
maiores dificuldades ou a máxima segurança e satisfação. Contudo, ao agir assim, o
avanço do exército fica enfraquecido e, caso encontre dificuldades em seu caminho,
vai voltar àqueles pontos onde deixou as tropas de ocupação mais fortes (...) (p. 89-F).

Greenson atribui às disposições inatas as causas das fixações, sendo:

Fatores constitucionais (convenções dos meios);

Experiências que formam uma seqüência que se completa;

A fixação e a regressão são independentes (A. Freud por Greenson, p.89-


f);

Fixação é um conceito de desenvolvimento, enquanto a regressão é um


processo definitivo;

(...) as fixações são causadas fundamentalmente pelas gratificações


excessivas, e a regressão é ativada por sofrimento ou perigo excessivo (...) (p. 89-
F);

A regressão patológica se caracteriza por sua motivação a partir da fuga do


sofrimento e do perigo.

Classificação das Resistências

Freud, citado por Greenson (p. 91-92 – F) enumera as seguintes:

Resistência da repressão; resistência das defesas do ego.

Resistência da transferência, transferência como substitutivo da


recordação, baseando-se em um deslocamento de objetos passados para o
presente. Freud também a classificou como derivada do ego.
Vantagem da doença ou ganho secundário. Freud as classificou como
resistências do ego.

Compulsão, repetição e adesividade da libido, estas, por exigirem


elaboração. Para Freud, eram resistências do id.

Resistências surgidas da culpa inconsciente e da necessidade de punição.


Estas, para Freud, eram resistências originadas no superego.

(...) O estímulo evocativo que ativa a manobra de resistência pode se originar


em qualquer uma das estruturas psíquicas – ego, id ou superego (...) (p. 93-F)

Elementos da Fase Anal

A seguir, relacionamos alguns elementos típicos observados por Greenson,


como constitutivos e identificadores da fase anal:

 malvadeza;
 provocação;
 teimosia;
 vergonha;
 sadomasoquismo;
 retenção e retraimento;
 ambivalência acentuada;
 recriminações obsessivas.

Existem, contudo, resistências heterogêneas ou “díspares”.

Depressão e Resistências Orais

São os principais elementos identificadores:

 passividade;
 introjeção;
 identificações;
 fantasias de suicídio;
 vício em drogas;
 anorexia e bulimia;
 choro;
 fantasias de ser salvo.

Repressão e Isolamento no Processo Analítico

(...) A repressão entra na situação analítica quando o paciente “esquece” seu


sonho ou a hora da sessão ou sua mente se esvazia, esquecendo-se de experiências
decisivas ou as pessoas chaves do seu passado ficam encobertas (...) (p.98-F).

(...) A resistência do isolamento aparece no quadro clínico quando os


pacientes desagregam as emoções despertadas por uma experiência do seu conteúdo
ideacional. Eles podem descrever um acontecimento com muitos detalhes verbais,
mas estão propensos a não mencionar nem demonstrar qualquer emoção. Tais
pacientes, muitas vezes, isolam o trabalho analítico do resto de suas vidas. A
compreensão interna conseguida na análise não é levada para as suas vidas diárias.
Os pacientes que utilizam o mecanismo do isolamento em sua resistência à análise,
geralmente conservam a lembrança de acontecimentos traumáticos, mas a ligação
emocional está perdida ou deslocada. Na análise vão usar mal os seus processos de
raciocínio para evitar suas emoções (...) (p. 98-f).

Para aqueles que buscam estudar isoladamente os tipos de defesa, Ralph


Greenson recomenda-nos a leitura e pesquisa em Anna Freud (1936, pp. 45-48) ainda
em Fernichel, (1945, cap. IX).

Atuação e Resistências de Caráter

São dois tipos especiais de resistências destacadas por Greenson:

Atuação - (...) representação de um fato passado, mas no presente, que é


uma versão ligeiramente distorcida do passado, mas que parece coesa, racional e
egossintônica para o paciente. Todos os pacientes entram em alguma atuação durante
a análise. Nos pacientes inibidos isto pode ser um sinal positivo. Alguns, contudo, são
propensos a atuações prolongadas e repetidas, o que dificulta ou então impossibilita a
análise (...) (p. 99-F)

(...) A analisabilidade depende, em parte, da capacidade do ego em conter


suficientemente os estímulos de modo que o paciente possa expressar seus impulsos
em palavras e sentimentos. Os pacientes que tenderem a descarregar seus impulsos
neuróticos através da ação constituem um problema especial para a análise (...) (. 99-
f)

Resistência de Caráter - Maneira habitual de o organismo lidar com o externo


e interno (...). É a posição e atitudes invariavelmente organizadas e integradas do ego
em relação às exigências que lhe são feitas. O caráter consiste, fundamentalmente,
em hábitos e atitudes. Algumas delas são predominantemente defensivas, outras são
essencialmente instintuais. Algumas são compromissos. A limpeza, como traço de
caráter, é facilmente compreendida como uma defesa, como uma reação formativa
contra a sujeira que traz prazer (...) (p.99-F).

Resistência Transferencial

Basicamente, a resistência transferencial abrange dois conjuntos diferentes de


resistências, sendo:

 aquelas desenvolvidas por pacientes porque eles têm reações transferenciais;


 aquelas desenvolvidas por pacientes para evitar reações transferenciais.

(...) Todo o conceito de transferência está relacionado com a resistência e, no


entanto, as reações transferenciais não devem ser entendidas apenas como
resistências (...) (p;99-F).

A Categoria dos Diagnósticos

(...) A maioria dos pacientes apresentam uma mistura de diferentes patologias,


juntamente com o diagnóstico central que lhes demos. (...) vemos regressões e
progressões temporárias que complicam o quadro clínico e o tipo de resistências (...).

São comuns as implicações citadas acima em pacientes com “distúrbio de


caráter neurótico oral-depressivo”, segundo Ralph Grensson-Fonte. Destaco um
elemento importante, necessário e fundamental à boa análise. O ódio que se encontra
no interior de nossos pacientes deve ser cuidadosamente isolado, podendo ser
transferido para objetos externos. Destaco ainda esta importante orientação, por
encontrar em Ralph Greenson (p.101 do livro-fonte) esta mesma conduta em sua
vasta experiência em Psicanálise.
Capítulo 15

NEUROSES TRANSFERENCIAIS PREDOMINANTES

As principais neuroses transferenciais observadas por Freud e confirmadas


por Ralph Greenson, são:

As Histerias

 Repressão e formações reativas isoladas;


 Regressão às características fálicas;
 Emocionalidade, somatizações, conversões e genitalizações;
 Identificações com objetos amorosos perdidos e objetos criadores de culpa.
Neuroses Obsessivas

 Isolamento, anulação, projeções e formações reativas maciças;

 Regressão à analisabilidade com formações reativas de traços de caráter:


ordem, limpeza e avareza transformando-se em resistências importantes;

 Intelectualizações como resistência aos sentimentos;


 Pensamento mágico, onipotência de pensamentos, ruminação;
 Internalização de hostilidade e de reações sádicas do superego.

Depressões Neuróticas

 Introjeções, identificações, atuação, impulsividade e defesas encobridoras;


 Instintualidade oral e fálica regressivamente distorcida;
 Emocionalidade, comportamento e atitudes contrafóbicos, vícios e
masoquismo.

Neuroses de Caráter

 Depressivo: uma forma de psicose marcada pelo sentimento de inferioridade e


infelicidade;
 Obsessivo: reação neurótica que tanto pode manifestar-se em pensamentos
não desejados que aparecem com persistência e dominam a pessoa
(obsessão), como pela irresistível necessidade de repetir atos estereotipados e
ritualísticos (compulsões), ou a manifestação de ambos;
 Histérico: um tipo de manifestação neurótica caracterizada por perturbações
da consciência em relação aos desejos afetivos;
 Sugestibilidade exagerada: comportamento dirigido por aceitação tácita de
idéias, ordens e sentimentos de outras pessoas;
 Crises nervosas: momentos de alta ação. Por elevação da freqüência cíclica
cerebral, motivada por lembranças, quanto por reação a estímulos externos. A
“alta ação” pode ocorrer sem que notemos variações comportamentais,
reservando ao enfermo: reações conversivas, sono, paralisia; catalepsia e
anestesia.
Para Freud, particularmente, a manifestação histérica resulta de conflitos
insolúveis entre ego e id. As tendências reprimidas do id, que foram excluídas da vida
consciente, retornam do subconsciente por meio da conversão (p 135 –DIP).

Dicotomia Entre Resistências Egodistônicas e Egossintônicas

Egodistônicas - (...) As resistências parecem remotas. Inadequadas e


estranhas ao ego racional do paciente. Como conseqüência, tais resistências são
relativamente fáceis de serem identificadas e manejadas. O paciente, num instante,
vai estabelecer uma aliança de trabalho com o analista em sua tentativa de analisar a
resistência especial (...) (p. 102-F).

Egossintônicas - (...) Geralmente estas resistências estão bem enraizadas.


São padrões de comportamento habituais do paciente, são traços de caráter, algumas
vezes de valor social.

Pertencem a esta categoria:

 formações reativas, oposição reativa, insustentável contra tudo e todos;


 atuação, negação de participar de atividades conjuntas. Ainda, receio
acentuado em perder prestígio como resultado de más atuações;
 resistências caracteriológicas, resistência aos dispositivos congenitais
integradores do “esqueleto mental” dos seres;
 atitudes contrafóbicas, oposição a tudo que encerre medo;
 defesas encobridoras, sutilezas e desvios de atenções a assuntos secundários,
em prejuízo do tema principal, de real necessidade, cuidados, aprofundamento
e decisões;

Neste momento, sinto a necessidade de esclarecer um ponto chave, ou


importante, quanto às defesas encobridoras:

 toda a defesa, sabemos, encobre, protege algo. Logo, os seres convivem com
múltiplos problemas, sendo que alguns necessitam, para sua equação, contar
com fatores outros, que somados, formarão os elos à feliz e ideal resolução;
 até que se formem os elos necessários, muitos problemas, são armazenados
em níveis profundos de memória. Tão profundos são que, às vezes, os elos
que os ligam com a consciência se perdem. Centenas de outros problemas
cujas soluções acreditamos possuir são depositadas sob as bases do problema
maior não solucionado;
 tamanha é nossa necessidade de encobrir o problema sem solução
momentânea, que construímos um verdadeiro castelo sobre ele, tudo na
expectativa inconsciente de encobri-lo, e às vezes conceitual, à sua definitiva
solução;
 tudo quanto é construído sob as bases do problema latente adormecido,
corresponde aos ideais humanos e sua equivalência substituirá os níveis de
tensões irradiados por tal problema;
 muitas fortunas são formadas sob bases de tensões inequacionáveis. Todavia,
após a equivalência tensional, a solução pode emergir facilmente;
 A Psicanálise preocupa-se em substituir as bases tensionais, oferecendo o
mais próximo, e também o mais sólido elo a sustentar os ideais que
impulsionam o existir daqueles que dela lançam mão para evoluir verto-
horizontalmente;
 as defesas encobridoras portanto, desempenham um papel natural e até
mesmo fundamental ao evoluir individual;
 é necessário contudo, para a saudável e harmônica “reprogramação”, que
contemos com psicanalistas bem formados, dedicados e sobretudo
responsáveis. Um tijolo retirado de uma estrutura em ruínas, poderá ocasionar
a destruição total daquilo que de bom reste “no ser”;
 desmitificar e também desmistificar, sem dúvida, está contido na clinica
psicanalítica, contudo, de forma lenta e gradual, só retirando das bases de
sustentação do ser aquilo que, seguramente, esteja convencido haver sido
completamente isolado e exaustivamente trabalhada sua reformulação
conceitual. Daí a Psicanálise demandar tempo. Este tempo é necessário para
substituir conceitos, medos, traumas e crenças, na memória do paciente,
arraigados há mais de vinte, trinta e até sessenta ou mesmo oitenta anos.

(...) Tais resistências são, portanto, difíceis de serem identificadas pelo


analista e pelo paciente e é mais difícil estabelecer uma aliança de trabalho em
relação a elas (...) (p. 102-Fonte).

Nas primeiras sessões o psicanalista deve direcionar esforços a isolar e tratar


as resistências egodistônicas, adiando, ainda que identificadas, as resistências
egossintônicas.

Antes de continuarmos, observemos as resistências de caráter duplo, raro,


todavia, não impossíveis de ocorrência.

Origem de uma criação traumatopsicosugestiva: uma jovem de quinze anos


com problemas alérgicos procura o pediatra. Diante do mesmo, examinada, tem seu
diagnóstico proferido: psicosugestão traumática (...). Em seu colchão existem alguns
bichinhos (...); são bichinhos muito pequenininhos (...), são tão pequenininhos que não
é possível enxergá-los (...). Estes bichinhos moram dentro do seu colchão (...); são
muitos, milhares, milhões de bichinhos que moram dentro do seu colchão (...). À noite,
quando você dorme, eles entram em você (...), eles invadem seu corpo (...). (Ocorrido
em Boa Vista , RR, em 26 de abril de 2000). Reservo-me não citar o nome do médico
e hospital.

Situações como esta são determinantes para a “psicotraumatosugestão” e


acompanharão esta jovem pelo resto de sua vida. A alergia da jovem deve perdurar
para o resto de sua vida a partir dessa consulta. A dependência química, naquele
momento, foi sacramentada para toda a sua existência.
Esta moça, a partir deste momento, sofrerá uma série de abalos psíquicos
agravantes, tanto de sua alergia quanto de distúrbios biofisiológicos, sejam
esfincteriais, sejam dispnéias, sejam de insônia, entre uma infinidade de fobias.

Os “milhões de bichinhos” que a visitam todas as notes, por


psicotraumatosugestão, manifestar-se-ão em febres. O hipotálamo, por sugestão,
tenderá em elevar sua linha reguladora de temperatura corpórea, objetivando
combater os bichinhos (vírus e bactérias) que se propõem invadir suas defesas.

Esta indefesa paciente, durante sua consulta, perguntou à médica pediatra se


poderia praticar exercícios físicos (musculação). A médica disse sim, todavia, sem
nenhum aprofundamento histórico investigatório (anamnese), prescreveu uma série de
medicamentos para ser administrado antes dos exercícios.

Neste momento, aproveitando a distração da doutora ao atender o celular


(outro erro grave que não deveria ocorrer durante uma consulta), aproveitei para
perguntar a jovem se ela gostava e praticava regularmente algum esporte, obtendo
resposta positiva. Com a demora da doutora ao celular perguntei à jovem se ela se
sentia mal durante a prática de exercícios físicos. Ela prontamente me respondeu
sentir-se bem, sem nenhum transtorno. Logo, concluí ser prematura a prescrição dos
medicamentos pela médica. Obviamente, diante da “leximaniose” e outros quadros
não fomentaremos a prática de exercícios físicos. Todavia não podemos criar uma
“psicotraumatosugestão” de tamanhas proporções, com repercussões múltiplas, de
forma tão inconsciente.

Não houve por parte da médica nenhuma maldade ao criar o quadro de terror
que deverá transformar-se em pesadelos noturnos, acompanhados de sudorese, mal-
estar, elevados pela fobia ali iniciante, base para implicações futuras em distúrbios do
pânico e histerias.

Uma pessoa alérgica conta com um sistema imunológico perfeito, como um


imenso radar capaz de acusar distúrbios em uma fase precoce, servindo de base a
uma medicina preventiva (...).
Capítulo 16

ALGUMAS DOENÇAS REVERSÍVEIS

PELA CLÍNICA PSICANALÍTICA

A seguir enumeraremos algumas enfermidades reversíveis pela clínica


psicanalítica. Algumas são irreversíveis, contudo, psicanaliticamente analisáveis,
elevando a capacidade psico-existencial dos pacientes portadores.

Clastomania, claustromania, cleptomania, complexo de inferioridade,


compulsão, DDD (Dependency-Debility-Dread), delírio, demonomania regressiva
psicanalítica, (depressão, hipomania, melancolia), disfemia, distúrbios emocionais.

Heteromania, Psicanálise/falências, separações, hipocondria, megalomania,


monoideísmo, ódio, ocultivos, pedofilia, luto, inadaptação, instinto de morte, zoopatia.

Doenças crônico-degenerativas: Psicanálise/contra-psicocrônico-


degenerativos (câncer, tuberculose...), acompanhamento em hospitais, com
Psicanálise integrada à clínica física restauradora.

Doenças psicocíclicas: Depressão/Pânico/Insônia/Sonambulismo, epilepsia (grand e


petit mal), esquecimentos, esquizofrenia (simples e ebefrênica). Esquizóides, fadiga,
grafomania e graforréia. Hipomania, hiperangia, hiperprosexia, hipertimia histerial,
idiolabia, ilusão, introjeção, introversão, narcolepsia, negativismo, neologismos,
psicose maníaco depressiva, tédio (...).

Drogas: Psicanálise “contra-dependências” quimio-tóxico-sugestivas.

Anti-depressivos: tabagistas, alcoólatras (dipsomania), coffea arábica,


carmellia sinense, barbitúricos.
Alucinógenos: sativa (maconha) /DET, DMT, Psilocibin.

Depressivo: ópio, morfina, codeína, heroína.

Alucinantes e alucinógenos fortes: cocaína anfetamina, mescalina, LSD (...).

Técnica para Análises Resistenciais

(...) para se analisar uma resistência, o paciente, primeiro, deve estar sabendo
que há uma resistência em ação. A resistência tem que ser demonstrável e o paciente
tem que se defrontar com ela. Em seguida, a variedade especial ou o detalhe preciso
da resistência tem que ser muito bem enfocados. A confrontação e o esclarecimento
são adjuntos necessários à interpretação (...) (p. 106-F).

Abrangendo essencialmente a repetição e elaboração de interpretações, a


elaboração leva o paciente a uma compreensão interna (insight) inicial de um
fenômeno especial para uma mudança duradoura de comportamento e também
reativa do paciente. Além da eficácia da interpretação, necessitamos de uma também
boa e eficaz elaboração.

Dinâmica da Situação de Tratamento

(...) A situação de tratamento mobiliza tendências conflitantes dentro do


paciente. Antes de tentarmos analisar as resistências do paciente seria útil examinar o
alinhamento das forças no interior do paciente.

Forças que são Favoráveis

ao Psicanalista, aos Processos e aos Procedimentos Psicanalíticos

 A desgraça neurótica do paciente que o impede de trabalhar na análise, por


mais doloroso que seja;
 O ego racional consciente do paciente que não perde de vista os objetivos de
longo alcance e tem uma noção da base lógica da terapia;
 O id, o reprimido e seus derivativos; todas aquelas forças dentro do paciente à
procura de descarga e com tendência para aparecer nas produções do
paciente;
 A aliança de trabalho que capacita o paciente a cooperar com o psicanalista
apesar da coexistência de sentimentos transferenciais opostos;
 A transferência positiva desinstitualizada que permite ao paciente
supervalorizar a competência do analista;
 O superego racional que impede o paciente de cumprir seus deveres e
compromissos;
 A curiosidade e o desejo de se conhecer que motivam o paciente para se
explorar e se revelar;
 O desejo de progresso profissional e outros tipos de ambição;
 Fatores irracionais, como sentimentos competitivos em relação a outros
pacientes, valorizar o próprio dinheiro, a necessidade de reparação e
confissão, tudo isso constituem aliados inseguros e provisórios do psicanalista.

(...) Todas as forças enumeradas acima influenciam o paciente a trabalhar na


situação analítica. Elas variam em valor e eficiência e mudam no decorrer do
tratamento... (p.107-F). (...). As forças que, dentro do paciente, se opõem aos
processos e procedimentos analíticos, podem ser examinadas da seguinte maneira:

 As manobras defensivas do ego inconsciente que fornecem os modelos para


as operações de resistência;
 O medo da mudança e a busca de segurança que impelem o ego infantil de se
agarrar aos padrões neuróticos familiares;
 O superego irracional que exige sofrimento a fim de expiar uma culpa
inconsciente;
 A transferência hostil que motiva o paciente a derrotar o psicanalista;
 A transferência romântica e sexual que leva à inveja e à frustração e,
finalmente, a uma transferência hostil;
 Os impulsos sádicos e masoquistas que levam o paciente a criar uma
variedade de prazeres dolorosos;
 A impulsividade e as tendências à atuação que impelem o paciente na direção
de gratificações rápidas e, ao mesmo tempo, lutam contra a compreensão
interna;
 Os ganhos secundários da doença neurótica que tentam o paciente a ficar
preso à sua neurose.

(...) Estas são as forças que a situação analítica mobiliza no paciente. Quando
se ouve um paciente, convém trazer em mente esta divisão bem simplificada de
forças. (p. 108-Fonte).
Capítulo 17

COMO O PSICANALISTA ESCUTA?

O analista escuta com três objetivos em mente:

 Traduzir as produções do paciente para seus antecedentes inconscientes. Os


pensamentos, fantasias, sentimentos, comportamentos e impulsos dos
pacientes devem ser pesquisados até os seus predecessores inconscientes;
 Os elementos inconscientes devem ser sintetizados em introvisões inteligíveis.
Os fragmentos da história passada e presente, conscientes e inconscientes,
devem ser relacionados entre si de maneira a dar uma idéia de continuidade e
coerência à vida do paciente.
 As introvisões obtidas devem poder ser comunicáveis ao paciente. À medida
que se escuta é preciso verificar que material – tudo aquilo que veio à tona –
será utilizado construtivamente pelo paciente.

(...) O analista escuta com atenção flutuante uniforme. Não se faz uma
tentativa consciente para se lembrar. O analista vai se lembrar dos dados importantes
se ele presta atenção e se o paciente não está despertando as reações transferenciais
do próprio analista. A atenção não-seletiva, não-direcionada governará nossas
próprias tendências especiais e permitirá que o analista acompanhe a conduta do
paciente. Dessa atenção flutuante uniforme o analista pode oscilar e fazer misturas
com o que veio de suas associações livres, empatia, intuição introspecção, raciocínio
solucionador, conhecimento teórico (...) (p. 108-109-F).

O psicanalista deve evitar quaisquer interferências que afetem as oscilações


enumeradas acima.

Anotar tudo quanto o paciente diga é negativo à boa análise. Contudo, são
importantes as anotações, desde que não prejudiquem o fluxo da atenção flutuante do
psicanalista.

A interação clínico/paciente deve ser moderada, controlada, contra-resistida. É


necessário deixar que se evidenciem as resistências e conflitos internos ao paciente.

Resistências simples de ser identificadas são todas aquelas que,


acompanhadas de “não” do paciente, diante a confrontação de um dado de sua
associação livre.

Um paciente cujo pai faleceu de infarto tem ele medo de morrer (tanatofobia)
do mesmo mal do pai, com freqüentes sufocações, sudorese e oscilações na pressão
arterial. No momento em que o psicanalista “confronta”, isto é, faz esta associação, é
comum, o paciente dizer: “não, o que eu sinto não tem nada a ver com a morte do meu
pai”. Exatamente aí está uma resistência a ser trabalhada, aprofundada, esclarecida,
interpretadas e sofrer elaboração.

(...) O analista deve fornecer compreensão e entendimento com objetivos


terapêuticos. Ele escuta para obter introvisão (...) (p. 109-F).
Faz-se necessário reforçarmos a existência de resistências óbvias como a
citada acima. Todavia, devemos ter em mente que resistências outras, sutis,
complexas, vagas (egossintônicas), estão a interagir, tanto no paciente quanto no
psicanalista.

Atenção e respiração profunda são necessidades básicas do psicanalista.

Para se deixar elevar e mesmo evidenciar uma resistência, o psicanalista deve ser
capaz de açular, resistir e suportar. Estes elementos são pré-requisitos indispensáveis
ao bom psicanalista.

Uma jovem de vinte anos, após quarenta e cinco minutos de sessão, sempre
chorando e soluçando, com sérios transtornos oriundos de incompreensões,
desafetos, drogas... Nos últimos cinco minutos, sem saber onde encontrar o ponto
inicial a ser trabalhado, com um mínimo de possibilidade para saber a origem de
tamanha lamúria, coloquei-lhe o seguinte problema: estamos em um navio que está
afundando e você só pode salvar uma pessoa. Quem você salvaria? Perguntou-me: -
“qualquer pessoa, mesmo sem ser da família?” Reforcei - o tempo está se esgotando,
quem você salvaria? – Minha mãe! – Continuei: - sobrou um lugar, quem mais você irá
salvar? Respondeu-me a jovem sem pestanejar: - Obi. Indaguei: - quem é Obi? – “Um
amigo que conheci quando eu tinha onze anos”. Pedi que me falasse sobre ele.
Atendendo-me: “Eu o conheci no enterro de seu pai. Ele chorava muito. Hoje ele tem
vinte e sete anos. É uma pessoa muito problemática. Tem muito problema interior”.

Nesse momento, encerrei a sessão, pois, uma senhora de setenta anos


aguardava na sala de espera. Pude, contudo, encontrar um forte elo que deverá
nortear as próximas sessões. Obi pode ser real ou fantasia, todavia, é a maneira que a
minha jovem paciente encontrou para falar de si própria. Sendo Obi real, suas
impressões marcaram profundamente a jovem; possivelmente, ela o tenha invejado,
ainda que inconscientemente. Em uma situação como a que foi por ela colocada, Obi
deveria ter o universo girando ao seu redor. Criança, onze anos, no enterro do pai.
Tanto ela pode tê-lo invejado pelo universo que o cercava, como por estar ele livre do
seu pai, já que ela, pelo menos na atualidade, sofre muito com as trocas hostis entre o
pai e a mãe, o que pode acontecer desde sua remota infância. Certamente, estando
todas refutadas, Obi é o que de concreto possuo para investigar as origens de tanta
tristeza da jovem.

O Esclarecimento da Resistência

Após evidenciarmos e participarmos ao nosso paciente a existência de uma


resistência (como o “não” do paciente após levantarmos a possibilidade de seu
profundo mal-estar relacionado com a morte por infarto de seu pai) evidenciam-se três
caminhos para o decurso da análise, sendo:
 Por que o paciente está evitando?
 O que o paciente está evitando?
 Como o paciente está evitando?

As duas primeiras perguntas, segundo Greenson (p.116 do livro-fonte) “podem,


juntas, ser consideradas como motivo para a resistência”. A pergunta: "como o
paciente está evitando, refere-se ao modo ou meios de resistência”.

Desta forma, em ambos os casos, prossegue pelo esclarecimento do assunto


examinado, aumentando o enfoque no processo psíquico que estamos analisando.
Devemos isolar o motivo ou modo especial da resistência manifesta. “Os detalhes
importantes teriam que ser desenterrados e cuidadosamente separados do assunto
externo” (p. 116-F).

Greenson, objetivamente orienta-nos a perguntar: - qual afeto doloroso ela


está tentando evitar? Ainda: - quais impulsos instintuais ou lembranças traumáticas
provocam o afeto doloroso?”

Greenson (p.116 do mesmo livro-fonte) alerta-nos que devemos estar


conscientes que o motivo imediato da defesa e da resistência é evitar o sofrimento
(afetos dolorosos).

Ralph Greenson orienta-nos a utilizarmos de uma linguagem segundo o


estado emocional e, sobretudo, comportamental do paciente.

(...) Se o paciente parece estar vivenciando um afeto como se fosse uma


criança (...): “Você parece assustado”. Porque essa é uma palavra infantil. Jamais
diria: “Você parece apreensivo” porque não seria um modo de falar adequado, essa é
uma palavra adulta. Além disso, “assustado” é evocativo, desperta cenas e
associações ao passo que “apreensivo” é banal (...) (p. 117-F).

(...) Se a forma de resistência é bizarra e “descaracterizada” para o paciente,


ela é, geralmente, uma ação sintomática, mais facilmente acessível ao ego racional do
paciente (...) (p. 129-F).

Procedimentos Gerais na Análise das Resistências

Entre os elementos motivadores à criação de “resistências de resistência”,


Greenson destaca dois pontos fundamentais:

 Que o paciente pensa que para ser bom paciente, ou melhor, pensando
erroneamente que um bom paciente não tem resistência, fala o tempo todo,
ainda que de banalidades;
 O paciente tem, nestes casos, medo de se encontrar com novas resistências,
tendo que enfrentar novos esclarecimentos.

(...) Se examinarmos a situação de resistência do paciente, ela está


estruturada da seguinte maneira: uma nova compreensão interna provoca dor,
ressentimento e ansiedade (...) (p.139-F).

Descobrir os segredos inconscientes dos pacientes é uma de nossas tarefas


em Psicanálise.

O psicanalista, para o bem do próprio paciente e da boa análise, deve ser


exigente em relação aos segredos. Nenhuma exceção deverá ser feita ou concedida
para segredos do paciente. Um segredo pode tornar-se o véu ou cortina atrás dos
quais tantos outros irão esconder-se.

Greenson (p. 142) exemplifica a impossibilidade de se aceitar segredos, assim


como Freud também recomendará: imagina se a polícia aceitar a criação de uma
cidade como paraíso criminal. Ali todos os criminosos, dos mais leves aos mais
pesados, se alojariam. Assim, funciona com os segredos. Um pequeno segredo
poderá encobrir grandes e patológicos raciocínios e conceitos...

O Paciente Determina o Assunto da Sessão (p. 161-F)

Deixar o paciente escolher o assunto da sessão, significa:

Deixar o paciente começar cada sessão com um conteúdo manifesto que o


está preocupando e não forçar seus interesses sobre ele. Se o material da sessão
anterior parecia muito importante para você, você deve deixar de lado seu
interesse e acompanhá-lo enquanto estiver trabalhando produtivamente.

Os candidatos à formação psicanalítica, muitas vezes, forçam a entrada do


material de suas sessões de supervisão no trabalho que estão fazendo com os
seus pacientes, quando isso não é importante.

O paciente escolhe o material com que vai começar a sessão, mas nós
selecionamos do seu material aquilo que achamos ser ou que deveria ser sua
preocupação real. Por exemplo: o paciente nos fala de seus prazeres sexuais, mas
nós selecionamos seu embaraço ao falar de sexo. Escolhemos aquilo que
achamos que está realmente preocupando o paciente, embora ele possa estar
inconscientemente desligado disso. Pode fazer-se uma analogia com sonho e
dizer que o paciente escolhe o conteúdo manifesto e nós agarramos o material
latente significante.

Resistências Secundárias
A técnica psicanalítica diferencia-se de todos os demais métodos pelo fato de
analisar as resistências. Contudo, Greenson aconselha a não analisarmos todas as
resistências.

(...) Pode-se lidar com as resistências pequenas e secundárias simplesmente


ficando em silêncio e deixando que o paciente supere sua própria resistência. Ou
então, pode-se fazer alguma observação para facilitar. Por exemplo: o paciente está
quieto ou hesitante e você diz: “Sim?” ou “O quê”? e o paciente então começa a falar.
Não precisamos, necessariamente voltar, voltar atrás e analisar o significado, o
objetivo ou o conteúdo de cada resistência. Isto é verdadeiro enquanto o paciente
parece superar sozinho a resistência e se consegue comunicar de maneira
significativa (...) (Ralph Greenson, p. 161-F).

Perda das Funções do Ego

(p. 162-163 – Fonte)

(...) um paciente pode começar a falar de maneira incompreensível, numa


verdadeira salada de palavras ou falar como um bebê. Aqui também devemos ser
pacientes, sem medo, e firmes. Finalmente, temos que interromper e dizer a ele:-
“agora, vamos dar uma olhada no que aconteceu – você estava falando como uma
criancinha”. Intervindo desta maneira, o analista funciona como lembrete e como
modelo para o paciente diante de seu ego racional temporariamente perdido. Usando
um tom firme ele mostra que não está com medo, o que tranqüiliza o paciente (...); em
algumas situações, os pacientes ficaram apavorados, com medo de perder todo o
controle e de que se possam tornar violentamente agressivos ou sexuais.

Diante da verificação dos temores reais dos pacientes, Greenson adotou a


seguinte postura: Não se preocupe, não vou deixar que você se machuque ou
machuque a mim...

Transferência (p. 167 - Fonte)

(...) As reações transferenciais oferecem ao analista uma oportunidade


inestimável para investigar o passado inacessível e o inconsciente (Freud, 1912a, p.
108, citado por Greenson, p. 167-F). A transferência também desperta resistência que
se transforma no maior obstáculo ao nosso trabalho. Toda a definição de técnica
psicanalítica deve incluir, como elemento fundamental, a análise da transferência.
Toda escola psicanalítica divergente pode ser descrita por alguma aberração na
maneira pela qual se lida com a situação transferencial.

As relações transferenciais ocorrem em todos os pacientes que fazem


psicoterapia. A Psicanálise se diferencia das demais terapias pela maneira pela qual
incentiva o desenvolvimento das reações transferenciais e também por tentar
sistematicamente analisar fenômenos transferenciais (...).

Definição Prática (p. 167-F)

(...) A característica principal é a vivência de sentimentos – em relação a uma


pessoa – que não está endereçada àquela pessoa e que, na verdade, se direciona a
outra. Fundamentalmente, uma pessoa no presente é reativada como se fosse uma
pessoa do passado (...). (...) A repetição pode ser uma cópia exata do passado, uma
replica, uma recordação ou pode ser uma edição nova, uma versão modificada, uma
representação distorcida do passado. Se uma modificação do passado transpira no
comportamento transferencial, então é, em geral, em direção à satisfação do desejo
(...) (p.169-F).

Quadro Clínico: Características Gerais

Greenson (p.171 a 180 do livro fonte) define cinco características gerais dos
quadros clínicos, sendo:

1. Inadequação;
2. Intensidade;
3. Ambivalência:
4. Inconstância:
5. Tenacidade.

Passemos a analisar os conceitos estratificadamente oferecidos por


Greenson:

1. Inadequação – Se o paciente ficar aborrecido porque o analista


interrompeu suas associações para atender ao telefone, não se deve
considerar este aborrecimento como sendo uma reação transferencial.

2. Intensidade – O paciente fica furioso quando o analista não


reconhece seu erro, mas, ao contrário interpreta que o paciente,
inconscientemente, por pensar estar sendo chato, tem a expectativa de
que o analista durma enquanto ele fala.

3. Ambivalência – A figura do analista é dividida num objeto bom e


num objeto mau, cada um deles tendo uma vida independente na vida
do paciente. Quando os pacientes reagem desta maneira – são eles
sempre os pacientes mais regredidos – conseguem perceber a
ambivalência que sentem pelo objeto unitário; isso demonstra que
houve um progresso enorme.

4. Inconstância – Os sentimentos transferenciais são, em geral,


inconstantes, irregulares e excêntricos, principalmente no começo da
análise. Glover (1955) citado por Greenson (p. 177-F) chamou, com
muita felicidade, tais reações de “reações transferenciais flutuantes”.

5. Tenacidade – O fato de possuir uma natureza contraditória


constitui uma característica impressionante das reações transferenciais (...);
Enquanto as reações esporádicas costumam aparecer no início da análise, as
reações rígidas e prolongadas têm mais probabilidade de surgir nas fases mais
avançadas, embora não haja regra absoluta para isso (...). Os pacientes
adotarão uma série crônica de sentimentos e atitudes em relação ao analista
que custarão a se render à interpretação. Essas reações tenazes exigem um
longo período de análise, algumas vezes vários anos.

Elementos de Transferência

Ralph Greenson relaciona a transferência com os seguintes elementos:

1. Transferência e relações objetais;

2. Transferência e funções do ego;

3. Transferência e repetição;

4. Transferência e regressão;

5. Transferência e resistência;

6. Neurose de transferência.

1. Transferência e relações objetais (p. 190-F). (...) Uma reação


transferencial – em pessoas neuróticas – é um relacionamento envolvendo três
pessoas ao todo – um indivíduo, um objeto passado e um objeto presente (Searles,
segundo Greenson).

(...) Na situação analítica, dessa reação geralmente participam o paciente,


alguma pessoa significativa do passado e o analista.

(...) Os psicóticos perderam suas representações objetais internas e lutam


para preencher a sensação de um vazio terrível e através da criação de objetos novos
(...) introjetam e projetam em suas tentativas de construir ou reconstruir seus
relacionamentos objetais perdidos (...).

(...) O relacionamento dessas pessoas com o analista estará repleto de fusões


do eu (self) e imagens objetais (...) (Greenson p. 192-F).

2. Transferência e funções do ego. Nesta situação, o paciente abandona,


temporariamente, algumas de suas funções que testam a realidade.

(...) O deslocamento se refere à baldeação de sentimentos, fantasias (...) de


um objeto ou representação objetal no passado para um objeto ou representação
objetal no presente.

(...) Introjeção é a incorporação de alguma coisa de um objeto externo na


representação do eu (self) (...). Durante o tratamento pode haver projeção e introjeção,
mas estas ocorrem como um acréscimo ao deslocamento (...).

3. Transferência e repetição. (...) Uma das principais características das


reações transferenciais é sua repetitividade, sua resistência à mudança, sua
tenacidade (...).

(...) A transferência é uma revivência do passado reprimido (...), do passado


censurado (...).

4. Transferência e regressão. A situação analítica dá ao paciente neurótico a


oportunidade para repetir, através da regressão, todas as suas fases anteriores de
relacionamentos objetais. Os fenômenos transferenciais são tão valiosos porque
iluminam, juntamente com as relações objetais, as fases de desenvolvimento das
diferentes estruturas psíquicas. Podem observar-se no comportamento e nas fantasias
transferenciais as formas primitivas de funcionamento do ego, id e superego.

Existem dois pontos gerais que devemos ter em mente quanto à regressão na
transferência. No paciente neurótico em tratamento vemos regressões temporárias e
progressões temporárias. O paciente analisável pode regredir e sair dessa regressão.
Os fenômenos regressivos são, em geral, circunscritos e não-generalizados. Por
exemplo, podemos ver uma regressão no id manifestada por impulsos sádico-anais
em relação às figuras com autoridade. Ao mesmo tempo, os impulsos instintuais por
um objeto amoroso podem estar agindo num nível mais elevado, e determinadas
funções do ego podem estar bem evoluídas.

Isto nos leva à segunda generalização. Os fenômenos regressivos são


irregulares e, assim, cada fragmento clínico do comportamento transferencial deve ser
estudado com muito cuidado. A explanação de Anna Freud sobre a regressão ilumina
e esclarece muitos desses problemas.

Quanto às relações objetais, a situação transferencial dá ao paciente uma


oportunidade para reexperienciar todas as variedades e misturas de amor e ódio,
edipianas e pré-edipianas. Vêm à tona os sentimentos ambivalentes e pré-
ambivalentes em relação aos objetos. Podemos ver essas transições entre o
desamparo miserável e a ânsia pela intimidade simbiótica e a desconfiança objetivada.
A dependência pode se alternar com a malvadeza e a revolta.

O que parece ser auto-suficiência pode ser uma resistência contra a revelação
de uma dependência subjacente. O desejo de ser amado pode provocar benefícios
terapêuticos superficiais, ao passo que pode encobrir um medo profundamente
enraizado de perda objetal. Em geral, a natureza regressiva das relações
transferenciais se manifesta pela inadequação, pela ambivalência e pelo predomínio
relativo das tendências agressivas.

A regressão das funções do ego que ocorre nas reações transferenciais pode
ser demonstrada de várias maneiras. A própria definição de transferência o mostra. O
deslocamento denota que no presente está sendo parcialmente confundido com um
objeto do passado. Fica temporariamente perdida a função discriminatória do ego, o
teste da realidade. Aparecerão mecanismos mentais primitivos como a projeção, a
introjeção, a divisão e negações.

A perda da noção de tempo em relação às relações objetais também se


assemelha aos aspectos regressivos que observamos no ato de sonhar. A tendência
para a atuação das relações transferenciais indica uma perda do equilíbrio impulso-
controle. Uma tendência maior para as reações somatizadas como manifestação
transferencial também é sinal de uma regressão nas funções do ego. Outro sinal de
regressão é a externalização de partes do eu (ego), i.e., id e superego.

O id também participa da regressão de diversas maneiras. Os anseios e zonas


libidinais do passado envolvem-se com a pessoa do psicanalista e vão dar outro tom
ao quadro transferencial. Quanto mais regressiva ficar a transferência, maior será a
predominância das tendências agressivas e hostis. Melanie Klein foi uma das
primeiras a salientar este aspecto clínico. E Edith Jacobson explica esse fato
baseando-se numa regressão violenta e faz suposições sobre uma fase intermediária
com uma energia instintual primordial e indiferenciada.

Os aspectos regressivos da transferência também influenciam o superego. E o


indício mais comum desse fato é o aumento da severidade nas reações do superego
do paciente que são deslocadas para o psicanalista. No início há, em geral, um
predomínio das reações de vergonha.

Observamos, também, regressões para uma época em que as funções do


superego eram executadas externamente. O paciente não sente mais culpa; pelo
contrário, só tem medo de ser descoberto. Quanto mais o paciente regride, maior a
probabilidade de o analista ser vivenciado como possuidor de atitudes críticas, sádicas
e hostis em relação ao paciente. Isto se deve aos deslocamentos dos objetos
passados complementados pela projeção da hostilidade do próprio paciente no
psicanalista.

Antes de encerrar esta breve explicação sobre regressão devemos salientar,


ainda uma vez, que o cenário e procedimentos analíticos desempenham um
importante papel para aumentar ao máximo o aparecimento dos aspectos regressivos
dos fenômenos transferenciais.

5.Transferência e Resistência. A transferência e a resistência estão ligadas


entre si de muitas maneiras. A expressão “resistência transferencial” é geralmente
empregada na literatura psicanalítica como uma expressão abreviada para o
relacionamento complexo e estreito entre os fenômenos transferenciais e as funções
da resistência. Todavia, a resistência transferencial pode significar coisas diferentes e
é aconselhável esclarecer esse termo antes de passarmos ao material clínico.

Já discorremos sobre a formulação básica de Freud em que os fenômenos


transferenciais são as fontes das maiores resistências, bem como o instrumento mais
poderoso para a terapia psicanalítica. As reações transferenciais são uma repetição do
passado, uma revivência sem memória. Neste sentido, todos os fenômenos
transferenciais têm um valor resistencial. Por outro lado, as reações ao analista
fornecem as vias de acesso mais importantes ao passado inacessível do paciente.

A transferência é um desvio no caminho para a recordação (memória) e para a


compreensão interna. A transferência não só oferece realmente as chaves para aquilo
que foi repelido mas, também, fornece o motivo e o incentivo para o trabalho da
análise. É uma aliada em que não se pode confiar porque têm altos e baixos e
também provoca “melhoras transferenciais” superficiais que são decepcionantes.

Determinadas variedades de reações transferenciais criam resistências porque


contêm impulsos agressivos e libidinais que são assustadores e dolorosos. As reações
transferenciais hostis e sexuais tendem, de maneira especial, a ser a fonte de
resistências importantes. É muito comum aparecerem juntos os componentes
agressivos e eróticos. Por exemplo, uma paciente começa a ter desejos sexuais pelo
seu analista e fica, então, furiosa pela não reciprocidade do analista, o que é sentido
por ela como uma rejeição. Ou então, o paciente é incapaz de trabalhar na situação
analítica devido ao temor da humilhação de ter que expor fantasias primitivas ou
infantis.
Pode acontecer de a própria reação transferencial deixar o paciente
incapacitado de trabalhar. Por exemplo, um paciente pode regredir para um estágio de
relacionamento objetal dependente e extremamente passivo. O paciente talvez não se
aperceba desse fato, mas vai atuá-lo nas sessões analíticas. Isso pode parecer uma
suposta estupidez ou uma inércia feliz. O paciente pode estar revivenciando algum
aspecto primitivo do relacionamento mãe-criança. Num estado desses, o paciente não
pode realizar o trabalho analítico a não ser que o analista consiga restabelecer um ego
racional e uma aliança de trabalho.

A situação torna-se mais complicada quando determinadas reações


transferenciais ficam muito aderentes ao paciente a fim de esconder outros tipos de
sentimentos transferenciais. Existem pacientes que mantêm obstinadamente uma
fachada de cooperação real com o analista com o objetivo de esconder suas fantasias
irracionais. Algumas vezes, um paciente pode fragmentar certos sentimentos e
deslocá-los para outros a fim de continuar não percebendo a própria ambivalência em
relação ao analista. É muito comum meus pacientes demonstrarem enorme hostilidade
em relação a outros psicanalistas quando alegam ter grande admiração por mim. A
análise mostrará que os dois tipos de sentimento, na verdade, dizem respeito a mim.

As resistências mais difíceis de ser superadas são as assim chamadas


reações de “transferência de caráter.” Em situações desse tipo, os traços gerais de
caráter e atitudes que têm uma função defensiva, serão demonstrados não só ao
analista, mas às pessoas da vida cotidiana. Tais traços estão de tal forma enraizados
na estrutura de caráter do paciente e estão racionalizados de forma tão primorosa que
se tornam difíceis de ser analisados.

Resumindo: A transferência e a resistência estão ligadas entre si de muitas


maneiras. O termo resistência transferencial explica muito bem este fato clínico. Em
geral, os fenômenos transferenciais são uma resistência à recordação apesar de,
indiretamente, se encaminharem nessa direção. As reações transferenciais podem
fazer com que um paciente fique incapacitado de trabalhar analiticamente devido à
natureza da reação.

Algumas reações transferenciais podem ser utilizadas como resistência à


revelação de outras reações transferenciais. A análise das resistências transferenciais
é o “pão de cada dia”, o trabalho constante da terapia psicanlalítica. Gasta-se mais
tempo na análise das resistências transferenciais do que em qualquer outro aspecto
do trabalho terapêutico.

6. Neurose de Transferência. Freud utilizou o termo neurose de


transferência de duas maneiras diferentes. Por um lado, ele usou o termo para
designar um grupo de neuroses caracterizado pela aptidão do paciente em criar e
manter uma série de reações transferenciais relativamente coerente, multiforme e
acessível. As neuroses de histeria, as fóbicas e as compulsivas obsessivas ficavam
assim diferenciadas das neuroses narcísicas e das psicoses. Neste último grupo, os
pacientes só conseguiram desenvolver reações transferenciais esporádicas e
fragmentadas e, dessa forma, não eram tratáveis pela psicanálise clássica. Freud
também usou o termo neurose transferencial para descrever uma ocorrência usual nas
reações transferenciais de um paciente em tratamento psicanalítico.

No decorrer de uma análise, pode notar-se que os interesses do paciente se


vão concentrando cada vez mais na pessoa do analista. Freud salientou como a
compulsão à repetição no paciente neurótico se torna não só inofensiva, mas útil
aceitando-se essa compulsão à repetição “na transferência como um pátio de recreio
em que se é permitido expandir-se com liberdade quase total e onde se espera que
nos seja mostrado tudo aquilo que está escondido na mente do paciente sob a forma
de instintos patogênicos”.

Se a situação transferencial é manejada adequadamente, “nós, normalmente,


conseguimos dar um significado transferencial novo a todos os sintomas da doença e
substituir sua neurose habitual por uma „neurose de transferência‟, da qual o paciente
pode ser curado através do trabalho terapêutico”. A neurose transferencial assume
todos os aspectos da doença do paciente, mas é uma doença artificial e é acessível à
nossa intervenção em todos os pontos. É uma nova edição de uma doença antiga.

Nas primeiras fases do tratamento psicanalítico, geralmente observamos


reações transitórias esporádicas, que Glover denominou de reações transferenciais
“flutuantes”. Se essas reações transferenciais iniciais forem adequadamente
manejadas, o paciente desenvolverá reações transferenciais mais prolongadas.
Clinicamente, podemos notar o desenvolvimento da neurose de transferência pelo
aumento de intensidade e duração da preocupação do paciente pela pessoa do
analista e pelos processos e procedimentos analíticos. O analista e a análise se
tornam a principal preocupação da vida do paciente.

Além de os sintomas do paciente e de as exigências instintuais girarem em


torno do analista todos os conflitos neuróticos antigos são remobilizados e concentram
a mistura de amor e ódio assim como defesas contra essas emoções. Se
predominarem as defesas, algum tipo de ansiedade ou culpa aparecerá em primeiro
plano. Estas reações podem ser intensas, explosivas, sutis ou crônicas. De qualquer
forma, assim que se formou a neurose de transferência, tais constelações de
sentimentos serão onipresentes.

Na neurose de transferência o paciente repete com o analista suas neuroses


passadas. Com um manejo e interpretação adequados temos a esperança de ajudar o
paciente a reviver e finalmente recordar ou reconstruir sua neurose infantil. O conceito
da neurose de transferência inclui mais coisas além da neurose infantil, porque o
paciente também reviverá as edições posteriores como as variações da sua neurose
infantil.

Aliança de Trabalho (p. 212-F)


(...) O núcleo seguro da aliança de trabalho é formado pela motivação do
paciente para superar sua doença, sua sensação de desamparo, sua disposição
racional e consciente em cooperar e sua aptidão para seguir as instruções e
compreensões do analista (...). A aliança real se forma basicamente entre o ego
racional do paciente e o ego analisador do analista (...).
Capítulo 18

VISÃO DA LITERATURA EM RELAÇÃO À ALIANÇA

Freud (1913, p. 139-140, citado por Greenson, p.214) afirma:

O primeiro objetivo do tratamento continua sendo fazer com que ele (o


paciente) se prenda a ele (rapport) e à pessoa do médico. Para garanti-lo nada
é preciso fazer a não ser dar tempo ao paciente. Se alguém mostra um
interesse sério por ele, supera cuidadosamente as resistências que brotam no
início e evita cometer determinados erros, ele, por si mesmo, criará este
apego... Certamente é possível desperdiçar este primeiro êxito se, desde o
início, for adotado qualquer ponto de vista que não seja o da compreensão
compassiva.

(...) Um racionalismo prolongado em análise é um pseudo-racionalismo: o


paciente está se agarrando inconscientemente ao racionalismo por uma série de
motivos neuróticos inconscientes (...) (p. 223-F).

O Relacionamento Real Entre Paciente e Analista

(...) O termo “real” na frase “relacionamento real” pode significar realista,


voltado para a realidade ou não-distorcido, se comparado com o termo “transferência”
que conota irreal distorcido e inadequado (...) (p. 240-F).
O paciente utiliza a aliança de trabalho a fim de entender o ponto de vista do
analista, mas suas respostas transferenciais tomam a dianteira se aparecem.
No analista a aliança de trabalho toma a dianteira sobre todas as outras
respostas diretas ao paciente” (p. 240-241-F).

Problemas na Visão Psicanalítica

Flexibilidade em Psicanálise - Ser flexível, não corresponde ao conceito


“curvar-se”, mas, em se tratando de Psicanálise clínica, à capacidade de “acumular”,
“resistir” e “suportar”, sem curvar-se. “Ser grande”, maior que os problemas que
chegam ao nosso divã, conscientes que problemas não existem, existe sim, maior ou
menor capacidade de solução. Os problemas nessa ótica serão inversamente
proporcionais à capacidade de soluções de quem os enfrenta.

Problemas Grandes – Em caso de problemas significativos temos duas


variáveis a considerar:

1. O gerador do problema é grande e necessita de grandes tensões para


conseguir seu nível ideal. Se foi capaz de gerá-lo também será capaz de
desfazê-lo; o gerador do problema é pequeno, o que permite o problema se
agigantar.

2. Os problemas são direta e inversamente proporcionais a quem os


gera:

Diretamente porque existem a partir de nosso próprio atrito


com os meios, sendo que atrito não corresponde somente a choque,
mas a qualquer interação.

Inversamente porque diante de “problemas grandes” não


encontramos homens pequenos, encontramos sim, menor
organização, preparo e objetivos – menor capacidade de soluções
e, isto sim, torna o problema grande. Os mesmos problemas que
pela falta de capacidade de soluções se agigantam, são pequenos e
efêmeros se diante de homens com maior capacidade de solução.

Problemas não existem, existe, sim, maior ou menor


capacidade de solução.

Maior problema – menor é a capacidade de solução, a


„tomada de decisão‟ de quem o administra.

Menor problema – maior é a capacidade de solução „tomada


de decisão‟ de quem o administra.
Em um hotel, durante o café da manhã, uma jovem estudante de pós-
graduação coloca para os dois colegas que com ela dividem a mesa, ter um “imenso
problema”, pois não sabia como, após o café, retornar ao seu apartamento para
escovar os dentes e terminar de arrumar-se um para um seminário. Nervosa, trêmula,
não conseguia nem mesmo tomar o café, preocupada – um grande problema, sem
solução para ela. Chegou até mesmo a dizer que interromperia o café para “tentar”
fazer alguma coisa. O colega que se encontrava à mesa, calmamente, fez um sinal
para o garçom, pediu o “telefone sem fio”, solicitou a ele colocá-lo em contato com a
recepção e informou o ocorrido (o que para ele não era um problema). Após dar o
número do apartamento da jovem, disse estar no restaurante, pedindo-lhes trazerem a
chave à mesa em que se encontravam. Ainda à mesa, durante o café, a jovem
recebeu a chave. Sua felicidade e expressão de alívio demonstravam sua expectativa,
confirmando haver ultrapassado um “problema”.

Os Problemas São Inversamente Proporcionais

à Capacidade de Quem os Administra

Denominamos “problema” aquilo para o qual não temos solução ou, ainda,
sabendo existir solução, existem complexidades, particularidades, implicações e
ramificações. Não se encontram definidos e claros todos os “trechos” a serem trilhados
até a equação efetiva da questão.

No relacionamento real entre paciente e psicanalista devem ser observadas as


distâncias conceituais, fundamentalmente em questões políticas e sociais.

A franqueza do psicanalista é fundamentalmente em questões políticas e


sociais. A franqueza do psicanalista é fundamental à boa análise. Este deve colocar de
forma clara ao paciente suas impressões pessoais sobre assuntos dos quais discorde
dele e, ao mesmo tempo, seja de interesse do paciente, por questões econômicas e
políticas, manter-se contrário ao analista. Particularmente acredito ser possível, em
contextos de divergências sócio-políticas e econômicas, o psicanalista utilizar-se dos
princípios elementares à condição clínica terapêutica ou seja “acumular", “resistir”,
“suportar”.

 Acumular - O psicanalista deve ter, como uma de suas principais condições e


pré-requisitos para a análise, a capacidade de acumular. Esta capacidade,
literalmente, consiste em reter informações, ainda que, algumas, contrárias ao
seu ponto de vista. Deve, contudo, valer-se dessa divergência, para confrontar
os pontos que sustentam o psicanalisado, oferecendo ao mesmo, pelo
aprofundamento e confrontação, maior fundamentação e argumentação à
defesa dos ideais que o mantém e ao seu statu quo.
 Resistir – Deve o psicanalista resistir às pressões do meio analítico,
consciente que ele próprio e sua condição privilegiada são os geradores de
tudo quanto emergir do interior do ser. Portanto, pode o clínico psicanalista
resistir à vontade e impulsos pessoais. Respirar um pouco mais fundo e dar
tempo ao paciente quando em frente a questões políticas, econômicas e
sociais, permitindo-lhe experimentar o rearranjo psico-reativo natural, sendo
este, direta e inversamente inter-reativo com suas vivências e experiências de
ensaio-erro e acerto. O psicanalista pode, isto sim, diante de tal problemática,
buscar no interior do paciente os elos em tempos passados e presente, onde
houve sucesso e retorno favoráveis, sem conflitos obviamente e distorções de
valores básicos e essenciais à existência e ao evoluir humano.
 Suportar – Muito próximo de “acumular” e “resistir” o suportar é necessário
para que sejamos insistentes em manter o paciente em seu campo psico-
experimental vivencial. O psicanalista não pode desconsiderar o campo
vivencial experimental do paciente. Nenhuma inferência, sejam sugestões ou
quaisquer recomendações, deve ser ministrada aos pacientes, sem a profunda
investigação do paradigma real, concreto, vivencial e experimental em que se
encontra o paciente. Por isso deve o psicanalista “suportar”. Suportar a si
mesmo, caso não tenha material suficiente para, com segurança e
responsabilidade, retornar ao paciente.

Dentre uma infinidade de observâncias técnicas e práticas em Psicanálise,


devemos destacar o “achismo”: o psicanalista nunca deve utilizar-se desta
terminologia. O “acho” deve, entre tantas outras variáveis, ser substituído por...
“cientificamente” – “em Psicanálise...” – “dou por” – “tenho como – “vejo” – “é válido” –
“observo” – “concluo” – “pressuponho” – “relaciono” – “é possível”, expressões que
indicam maior de certeza científica.

Capítulo 19
CLASSIFICAÇÃO GERAL DAS REAÇÕES E TRANSFERÊNCIAS

“Não há maneira de classificar os fenômenos transferenciais que levem em


conta todas as diferentes variedades”. Por mais que se procure separar as numerosas
formas clínicas de transferência, acaba-se sempre ou com uma classificação não-
sistemática, com a omissão de muitíssimos modelos clínicos importantes ou então
podemos abranger a variedade clinicamente importante (...) (p. 248-F).

Tipos de Reações Transferenciais

Ralph Greenson faz referência e nós sistematizamos didaticamente,


orientados pelo Ph.D. Rômulo Vieira Telles, o que é predominante, o que é
clinicamente importante por um período de tempo determinado, durante uma análise
(p. 248 a 284).

Antes de entrarmos nas reações transferenciais propriamente ditas devemos


conclamar todos os pesquisadores e clínicos da Psicanálise para que tenham em
mente sempre o espírito de solidariedade, de amor e de compaixão por todos quantos
os procuram. Somente o psicanalista motivado por emoções sinceras de auxílio ao
próximo, de amor à humanidade e de ideais sublimes em busca da saúde e equilíbrio
de seus pacientes poderá efetivamente remover as angústias, medos e tensões
depositadas no âmago do ser, bem como, passar a segurança àqueles que dependem
de drogas e outros tantos que sofrem das mais variadas perturbações, esquizofrenias
e neuroses, todas, sempre com profundas e dolorosas repercussões psicossomáticas.

Com o amor conseguimos curas que sem ele tornam-se crônicas e incuráveis.

São nove os tipos de reações transferenciais predominantes na análise:

1. Transferência positiva;
2. Transferência negativa;
3. Transferência objetal;
4. Transferência libidinal;
5. Transferência estrutural;
6. Transferência identificativa;
7. Transferência gratificativa;
8. Transferência defensiva;
9. Transferências generalizadas.
1 – Transferência Positiva – Freud reconheceu muito cedo serem os
fenômenos transferenciais ambivalentes por natureza. No entanto, o rótulo de
transferência positiva e negativa continuou a ser sua forma favorita de nomenclatura.
Ainda que com toda a ambigüidade e erros que este tipo de classificação acarreta,
continuou sendo a designação mais freqüente utilizada entre os psicanalistas
praticantes (p. 248-249-F). A transferência positiva descreve aquelas que são
formadas fundamentalmente de amor, reconhecendo-se suas múltiplas formas,
antecedentes e derivativos.

As esperadas paixões e transferências amorosas em suas variadas formas


devem ser tratadas pelo analista de forma madura, ou seja, que ele seja capaz de
acumular, resistir e suportar seus próprios impulsos. Não deve, em momento algum,
incentivar tais sentimentos. Diante das confissões e paixões, amor e desejos deve o
psicanalista manter o silêncio, preservar sua condição de clínico, sobretudo consciente
que qualquer passo em direção a atender às buscas e anseios do paciente acarretará
um bloqueio total das possibilidades de análise. Se cobrado pelos pacientes quanto a
um posicionamento sentimental deve ser capaz de retornar ao paciente dizendo ser o
seu papel entender, interpretar e permitir a elevação e expansão psicomaturacional de
seus impulsos.

Quando questionado por pacientes do sexo feminino, um tanto sofisticadas,


tais como: “Doutor, quando é que vou apaixonar-me por você?”, deve haver uma
resposta objetiva: tudo o que o paciente deve fazer é seguir a regra da associação
livre, deixar os pensamentos e sentimentos fluir livremente sem censura e relatar com
o máximo de precisão possível os pensamentos e sentimentos.

Não existe um padrão individual para aquilo que um paciente deve sentir, já
que cada indivíduo é diferente. Não há jeito de saber quais sentimentos vivenciarão os
pacientes, em especial, num determinado momento, em suas reações ao analista.

Quaisquer sentimentos em relação ao analista são desdobramentos de


necessidades primitivas recalcadas, não satisfeitas e, pela situação especial durante a
análise, não é raro isto vir a ocorrer sem, contudo, constituir-se em uma regra geral.
Ocorrendo, vamos identificar suas reais necessidades para a expansão
psicomaturacional evolutiva que busca alcançar.

À paciente sofisticada o analista deve dizer: Eu, consciente, farei a minha


parte para que sua evolução seja leve e possível de ser visualizada. Você deve seguir
a “associação livre”, relatando tudo quanto se passar em sua mente, por mais
complexo e difícil que possa parecer. O objetivo é você caminhar livremente, sem
deixar que barreiras se agigantem em sua trajetória evolucional, mesmo que uma
dessas barreiras sejam seus “sentimentos pelo analista”. Da mesma forma seus
sentimentos pelos pais e irmãos, ex-namorados e outras situações amorosas não
podem e não devem refrear sua escalada psicomaturacional.

O analista deve esclarecer ao paciente que qualquer ser é digno de


sentimentos, de paixão e amor, desde que venhamos a aproximar-nos dele. Assim
também sou merecedor de seus sentimentos. Todavia, devemos estar conscientes
que quaisquer objetos, uma vez por nós tocados, traduzimos suas impressões em
valores também especiais.

Uma pedrinha recolhida por nós passa a ser diferente das outras e, por ela,
interiorizamos sentimentos, os quais são qualificados e dimensionados em energia
libidinal, assumindo valor catéxico.

Sentimentos transformam-se em impulsos potenciais, depositados em


memória codificada mesencefálica e neo-cortical. Sob a eletroquímica
neuroencefálica, a partir de impulsos, advindos dos meios externos, são acionados os
neurotranscodificadores e motoneurônios, propiciando a reunião e elevação de todos
os estímulos armazenados que se relacionem com o evento “objeto/estimulo” – sejam
pessoas, objetos ou conceitos validados e mesmo refutados – desencadeando reação
psico-neuro-motoras que, sob a seleção da parede de retorno, chegarão aos níveis
mais superficiais de consciência reativa ou, por força da própria parede de retorno,
quando superior à força de tensão, ofertada pelo extensor, onde os estímulos se
agrupam para tentarem passar a parede de retorno até chegarem a atingir a
consciência supramilesimal de presente. Por força do limiar paradigmático já
desenvolvido os estímulos podem ser devolvidos aos níveis codificados de potenciais
reservados.

Só ultrapassam a parede de retorno os estímulos cujo potencial integrado por


todos de mesmo conjunto e peso catéxico consigam ultrapassar as impressões
depositadas como máximas na parede de retorno.

A parede de retorno é constituída por projeções paradigmaximitizadas de


todos os estímulos recebidos e interiorizados catexialmente pelos seres. Logo,
quaisquer novos estímulos dependem de limiares superiores aos anteriores para, só
então, conquistarem lugar como referencial na parede de retorno. Caso contrário, de
acordo com seu limiar axiológico, não ultrapassará as paredes que levam aos
inúmeros níveis de armazenamento. Muitos são nossos contatos com inúmeras
pessoas, objetos e conceitos. Quando suplantados os anteriores, encontramo-nos
frente a possibilidades de criação de novos referenciais. Um objeto pode assumir a
frente como referencial a outros até observados e validados. Não refutaremos o
anterior, continuará compondo o conjunto, porém não mais como extremo, retornando
a níveis mais profundos de armazenamento. Os últimos, mais fortes e sempre mais
perfeitos mantêm-se nos níveis mais superficiais de consciência. Daí a paixão o amor
e os profundos sentimentos pelo analista.

Os pacientes e clientes querem e buscam referenciais, esclarecimentos,


direcionamentos. Os pacientes e clientes de Psicanálise, precedentemente, acreditam
que o seu psicanalista é perfeito, alguém que pode auxiliá-lo na auto-realização. Ele é
alguém que evidenciará caminhos, que os tirará dos problemas.

Pelas razões supra, e pela fisiologia detalhadamente exposta, o analista vem a formar
sozinho a parede de retorno total do ser, conquistada ao longo de uma existência. A
partir dele conceitos serão validados ou refutados. Ela passa a ser o referencial de
verdade, de real e irreal, de mentira, de medo, de bem- estar, de certo e errado, de
possibilidades concretas...

É o psicanalista o responsável pela programação, reprogramação,


dimensionamento e redimensionamento tanto da vida sentimental, quanto da análise
interacional, física e mesmo econômica e científica do ser analisado.

Por encontrar-se em linha direta com as necessidades máximas do ser, o


psicanalista é, por força axiológica catexial, a própria parede de retorno, ocupando o
papel mesmo de consciência do ser.

Verificamos que o ser sob análise está vulnerável às interpretações e


tendências do seu psicanalista. Utilizamos “seu” exatamente porque, para o paciente,
o psicanalista pertencer-lhe, assim como sua própria consciência.

A auto-imagem do paciente é forçosamente espelhada pelo analista. O


paciente ou cliente tem o psicanalista como algo único, personalizado, bastante
exclusivo, tal como a pedrinha que, uma vez colhida, passa a ser especial. O
sentimento do paciente pelo psicanalista é o mesmo do psicanalista por ele, com a
diferença de aquele não ser psicanalista, pesquisador e estudioso do comportamento
humano. Daí, naquele se traduz como amor e para o psicanalista ser somente um
sentimento a ser esclarecido e corretamente direcionado. .

Sobre as demais transferências não se faz necessário o aprofundamento que


se faz em relação à transferência positiva.

As bases fisiológicas são todas as mesmas. Diferem, contudo, no tipo de


codificação catéxica, variando, inclusive, como positivas e negativas, de acordo com o
conjunto experimental.

2 – Transferência Negativa - O termo transferência negativa é empregado


por Ralph Greenson, para designar sentimentos de transferências que se baseiam no
ódio em qualquer de suas modalidades, seus antecedentes e seus derivativos.

“A análise do ódio transferencial é tão importante quanto a do amor


transferencial” (p. 261-F). “A transferência negativa pode manifestar-se como uma
resistência contra a transferência positiva”.

3 – Transferência Objetal – Entendida como as reações transferenciais que


ocorrem de acordo com as relações objetais, são manifestadas quando rotulamos e
relacionamos o fenômeno com os objetos da infância primitiva ao qual esse fenômeno
deve sua origem. Dessa forma, podemos falar de uma transferência paterna, de uma
transferência materna, podemos falar de uma transferência para o irmão (...). Na
medida em que o reprimido se torna acessível à consciência, mudam, contudo, as
necessidades e mudará também a natureza da reação transferencial.

4 – Transferências Libidinais – Os sentimentos traduzidos em transferências


determinarão a fase libidinal em que se encontra esse paciente.
 Oral – Os sentimentos do paciente, amor ou ódio, confiança ou desconfiança
determinarão se isto é sentido principalmente como uma transferência materna
oral positiva ou negativa.
 Anal - Pode, contudo, demonstrar a fase anal, reagindo às observações do
analista como intrusões dolorosas. Nessa fase o isolamento tem tudo para ser
o mecanismo de defesa predominante.
 Fálica:- Essa fase, quando revivenciada em relação ao analista e à situação
analítica, provoca experiências dramáticas. São traços dessa fase: o amor
incestuoso e ansiedade de castração e também a rivalidade invejosa e os
desejos de morte, além do desejo de ter um bebê ou um pênis. Compreendem-
se, ainda, nesta fase o retorno das fantasias de masturbação edipianas e os
sentimentos associados com culpa.

O método supra para classificar transferências, para uma maior aplicabilidade,


deve ser aprofundado. Para tanto é indicada a leitura de Freud (195d), Abraham
(1924), Fernichel (l945a), Erikson (1950) e A. Freud (1965). Preocupamo-nos tão
somente em apresentar extratificadamente a possibilidade da análise a partir desse
prisma, evidenciados por Ralph Greenson (p. 267-F).

5 – Transferência Estrutural – A transferência estrutural pode se dar de


forma que o assuma, no âmago do paciente, o id, o ego ou o superego. Quando,
estruturalmente, o analista assume a função do superego, é sentido basicamente
como crítico, hostil e negativo. Quando, estruturalmente, o analista assume a função
do id, o paciente desloca e projeta no analista suas próprias tendências instintuais.
Nesse momento, por exemplo, ele pode achar que o analista quer que ele se
masturbe, seja agressivo, promíscuo; o analista é sentido como um sedutor, um
provocador, um tentador. Isto pode levar o paciente a atuar como se estivesse
meramente se submetendo à vontade do analista. Ou então, pode provocar um
comportamento pseudo-sexual ou pseudo-agressivo que, na realidade, é uma
tentativa oculta de obedecer e agradar ao analista. Este padrão de comportamento
tem a possibilidade de complicar-se porque o comportamento pode ser pseudo-
instintual conscientemente e, mesmo assim, esconder impulsos instintuais reais.

O analista pode assumir as funções do ego do paciente. Caracteriza-se essa


transferência estrutural quando temos do paciente a confirmação do teste: o que é que
meu analista faria agora? Como reagiria nessa situação? O processo de usar o
analista como um ego auxiliar é muito importante nos pacientes que têm dificuldade
com o teste da realidade, principalmente os casos fronteiriços. É útil para todos os
pacientes em situação de crise.

6 – Transferência Identificativa – Esta forma de transferência se dá quando


o paciente assume parte das posturas e questionamentos do analista. Ocorre
inclusive, de o paciente antecipar os questionamentos com o propósito de antecipar-se
ao psicanalista. Essa identificação pode ocorrer não só em gestos e palavras, como
também, no vestuário, na proposta analítica de tudo e todos que os rodeie...

7 – Transferência Gratificativa – As fases libidinais transformadas em


desejos em relação ao analista, podem resultar em expectativas de gratificação por
parte do analista. A persistência do paciente nisto tocante levará a análise a duas
perspectivas: a) seus fins por não receber o paciente a gratificação esperada; b) o
psicanalista interromper a análise, conscientizando o paciente que a gratificação física
e concreta não é o objeto da análise. O analista poderá, contudo, continuar a análise
utilizando-se desse deslocamento transferencial para exigir cada vez mais do paciente
em relação ao esclarecimento profundo de seu universo interior, vigiando, para não
gratificar sob hipótese alguma sua transferência gratificativa, sob a ameaça de ter sua
proposta analítica invadida pela apropriação do paciente, perdendo a identidade de
clínico, para dar lugar a uma identidade usurpadora, aproveitadora e, sobretudo,
abusiva da condição sempre receptiva em que se encontram todos os pacientes.

Perde o psicanalista se vir a gratificar o paciente, perde o paciente por não


mais crer na clínica psicanalítica. Perde toda a classe psicanalítica, pelos efeitos
multiplicadores e devastadores da difusão negativa a partir de um gesto imaturo e,
podemos mesmo dizer, irresponsável.

8 – Transferência Defensiva – Uma das formas de transferência defensiva


mais comum se dá quando o paciente persiste em manter um pensamento racional em
relação ao analista. O pensamento racional esconde ou acoberta os pensamentos
tidos como: instintuais, emocionais irracionais.

9 – Transferências Generalizadas – O que distingue esta forma de


transferência das outras é que as reações ao analista são as habituais,
representativas e típicas do paciente com as pessoas em geral. Os pacientes que
reagem ao analista com transferência generalizada terão sentimentos, atitudes,
impulsos, expectativas, desejos, medos e defesas que foram moldados em seu caráter
e que se tornaram sua apresentação externa para o mundo em geral:

a) Atuação das Reações Transferenciais – Colocamos a “atuação e


nenhuma resistência se manifestará”. A atuação ocorre numa variedade enorme de
circunstâncias e não só como uma reação transferencial (...). A ação é uma repetição
do passado ligeiramente disfarçada, mas o paciente não é capaz de relembrar a
recordação ou recordações passadas (...); é uma defesa contra a memória (...); os
pacientes atuam suas reações transferenciais em vez de comunicá-las com palavras e
sentimentos (...) (p. 287-F).

b) Atuação Dentro do Ambiente Psicanalítico – Sob atuação dentro do


ambiente analítico, o paciente comporta-se com arrogância, critica o analista, recusa-
se a falar, esquece seus sonhos – ele atua sobre seus sentimentos em vez de contá-
los, reencená-os em vez de recordá-los.

c) Atuação Fora da Análise – Sob atuação fora do ambiente analítico, o


paciente remonta concretamente seus desejos frustrados para com o analista. Se uma
jovem paciente deseja, o analista poderá buscar fora do ambiente de análise alguém
com as mesmas características.
A Técnica de Analisar a Transferência

(...) A interpretação de uma reação transferencial é o passo técnico


fundamental para lidar com os fenômenos transferenciais: mas, para interpretar
a transferência com eficiência, existe uma variedade de passos preliminares
necessários (Ralph Greenson, p. 298-F).

(...) como a técnica psicanalítica clássica tem por objetivo facilitar o


desenvolvimento máximo de todas as variedades e intensidades das reações
transferenciais e, como os fenômenos transferenciais surgem espontaneamente no
paciente, nossa técnica deve incluir a espera não-intrusiva e paciente (...). O uso
criterioso da espera em silêncio é uma das ferramentas mais importantes para facilitar
o desenvolvimento da transferência (...). O silêncio, no analista, pode ajudar o paciente
a desenvolver e sentir uma intensidade maior das suas reações transferenciais (...) (p.
299-F).

(...) A sugestão também tem seu lugar no manejo da transferência. Pedimos


aos nossos pacientes que associem livremente e que deixem seus sentimentos fluir
espontaneamente. Dessa maneira sugerimos que seus sentimentos são manejáveis e
admissíveis. Nosso silêncio também pode sugerir ao paciente que esperamos que ele
suporte determinados sentimentos por mais dolorosos que sejam e que isso vai levar a
um final proveitoso (...) (p. 299-F).

O Que a Técnica Psicanalítica Deve Abranger

Como protegemos a evolução natural da transferência do paciente? Quando


podemos permitir que a transferência se desenvolva espontaneamente e em que
condições é previsto intervir? Quando se torna necessário intervir, quais as medidas
técnicas exigidas para a análise da reação transferencial? Como é que facilitamos o
desenvolvimento da aliança de trabalho?

Proteção de Transferência - esse ponto trata especificamente da necessidade


de se manter um bom e satisfatório grau de confiabilidade do paciente em relação ao
analista, possibilitando assim o desenvolvimento, variações e intensidades nas
relações transferenciais, “respeitando sua própria e única história individual e suas
necessidades” (p. 301-F).

O Psicanalista Como Um Espelho - Freud (1912b) recomendou que o


psicanalista deve ser como um espelho para seu paciente (p.301-F). Deve o
psicanalista refletir ao paciente tudo quanto o mesmo manifeste, sobretudo,
inconscientemente, permitido ao mesmo ter uma visão externa de si mesmo, ainda
que esta visão seja conceitual. A introvisão, desta forma, ganha um reflexo externo, o
que até então era limitado e encerrava-se no próprio ser.
A Regra da Abstinência - Freud fez uma recomendação importante: “o
tratamento deveria ser realizado, o máximo possível, com o paciente num estado de
abstinência”. Ele afirmou com muita clareza: “o tratamento analítico deve ser
conduzido, até onde for possível sob privação – num estado de abstinência”. Os
sintomas que levaram o paciente ao tratamento são, em parte, constituídos por
instintivos reprimidos em busca de satisfação. Estes impulsos instintuais voltar-se-ão
para o analista e para a situação analítica enquanto o analista evitar, com firmeza, a
oferta de gratificações substitutivas para o paciente. A frustração prolongada induzirá o
paciente a regredir de tal forma que sua neurose inteira será revivenciada na
transferência (...) (p. 306-F).

Ralph Greenson chama a nossa atenção quanto a má interpretação da regra


de abstinência, dizendo que esta chegou a ser entendida como se o paciente não
pudesse receber, ou melhor, estava proibido de usufruir qualquer gratificação instintual
durante a análise. Na verdade Freud estava tentando evitar que o paciente fizesse
uma fuga prematura para a saúde, efetuando uma assim chamada “cura
transferencial”.

Análise de Transferência

A explanação anterior, diz Ralph Greenson, sobre transferência e resistência,


deixou bem claro até que ponto podem estar intimamente ligados estes fenômenos.
Algumas reações transferenciais provocam resistências, algumas reações
transferenciais parecem resistências, algumas ajudam como resistências contra outras
formas de transferências, algumas ajudam como resistências contra outras formas de
transferências e algumas resistências ajudam a reprimir reações transferenciais.

O ponto técnico importante é: sempre que uma reação transferencial de


qualquer tipo se opõe ao trabalho analítico, quando sua função predominante é
resistência ou quando ela auxilia um objetivo obstrutivo importante ainda que não
predominantemente. Neste caso, conclui Ralph Greenson a transferência, tem que ser
analisada.

Mas esta regra deve ser modificada de acordo com nossos conhecimentos
sobre a aliança do trabalho. Só analisamos a resistência transferencial quando um ego
racional, uma aliança de trabalho está presente. Se a resistência à transferência é
importante, mas não demonstrável, nosso primeiro trabalho consiste em nos
assegurarmos que ela se torne demonstrável. Em outras palavras, antes de analisar
devemos ter certeza da presença de um ego racional, de uma aliança de trabalho.
Para agir assim, a técnica utilizada é exatamente a mesma que foi descrita para lidar
com outras resistências.

Habitualmente o silêncio do analista é suficiente para fazer sobressair a


resistência transferencial. Se isto não acontece, a confrontação, muitas vezes, fará o
paciente perceber a resistência transferencial, por exemplo, em intervenções como:
“Você parece estar com medo de me falar abertamente sobre isto ou aquilo”, ou “Você
parece estar evitando os sentimentos que tem a meu respeito”.

Se estes dois métodos não forem eficientes, pode-se tentar intensificar a


resistência transferencial fazendo perguntas sobre aquele setor que o paciente está
tentando evitar.

Os Níveis de Intensidade

Outra regra útil relacionada com a pergunta “Quando é que devemos intervir
na situação transferencial?” – é a seguinte: o analista permitirá que a reação
transferencial evolua até atingir um nível ideal de intensidade. Mas é necessário definir
o que queremos dizer com este termo “nível ideal de intensidade”. Isto não se refere a
uma quantidade delimitada, mas depende do estado do ego do paciente e o que o
analista está tentando alcançar num determinado momento. Basicamente, queremos
que a experiência transferencial seja emocionalmente significativa para o paciente,
mas não que ele seja oprimido por ela. O objetivo é gerar impacto e não trauma.

Em geral, o analista prefere deixar que os sentimentos transferenciais do


paciente se desenvolvam espontaneamente e que se tornem mais fortes, a não ser
que alguma resistência interfira no trabalho analítico ou com a evolução futura destes
sentimentos. Se não há resistência presente, o analista vai esperar antes de intervir
até que a intensidade dos sentimentos transferenciais tenha atingido um ponto que
torna genuína e viva a reação transferencial para o paciente. Sabemos que uma
experiência dessas traz consigo uma sensação de convicção incomparável no
processo do que será analisado. A intensidade mais branda das reações
transferenciais pode levar à negação, ao isolamento, à intelectualização e outras
resistências defensivas.

Algumas Modificações e Elaborações

Algumas vezes pode ser uma experiência significativa para o paciente mostrar
o mais leve traço de um sentimento transferencial. Este será o caso quando, ao lado
de uma reação transferencial moderadamente forte, pudermos detectar um vestígio de
outra, de tonalidade oposta.

Existem ocasiões em que se mostra ao paciente a ausência prolongada de


reações transferenciais especiais. Essa também pode ser uma experiência
significativa se a ausência de sentimento é evidente e surpreendente para o paciente.
É evidente, então, que há resistência transferencial em ação, que requer análise como
descrevemos anteriormente. É importante controlar a intervenção por um tempo
suficientemente longo para que a confrontação produza um impacto e seja sentida
como convincente pelo paciente.

Algumas vezes, a intensidade ótima não é uma quantidade de sentimento


transferencial moderadamente forte, mas uma quantidade extremamente alta. É
provável que isso aconteça já no final de uma análise quando o paciente já vivenciou
repetidamente reações transferenciais de intensidade moderada, mas não vivenciou a
intensidade máxima que provém do auge da neurose infantil. O analista, diz Ralph
Greenson, deve perceber quando é necessário deixar que as reações transferenciais
moderadamente intensas aumentem de intensidade, mesmo a ponto de parecer atingir
proporções esmagadoras a fim de permitir que o paciente sinta a força enorme dos
sentimentos infantis.

Novas Compreensões Internas

Uma compreensão interna nova pode vir à tona enquanto estamos tentando
analisar uma resistência transferencial ou só depois que foi alcançada uma
intensidade ótima.

Os problemas do esclarecimento e interpretação dos fenômenos


transferenciais não são fundamentalmente diferentes do esclarecimento e
interpretação de quaisquer outras produções do paciente.

Ponderações essenciais são o estado da aliança de trabalho do paciente e a


clareza do material do qual devemos fazer a interpretação ou esclarecimento. O
estado do ego racional do paciente será determinado pela natureza e quantidade das
resistências. A clareza do material transferencial a ser analisado vai depender de uma
variedade de fatores. Um dos elementos mais importantes será a intensidade e
complexidade dos afetos ou impulsos em relação ao analista. (p. 322-F).

Afetos Internos

O momento de transformar a transferência em objetivo da interpretação surge


quando a reação transferencial contém os afetos mais fortes se comparados com o
resto do material do paciente. Quando ouvimos as produções de um paciente
devemos decidir qual objetivo ou situação tem ao seu dispor a maior dose de afeto.
Vamos sempre interpretar o aspecto transferencial se o mesmo parece uma dose
razoável de afeto. Na sessão analítica, os afetos são indícios mais seguros do que os
afetos nos sonhos. A ausência de afetos onde seria de esperar a sua presença
também indica que há algum trabalho analítico a ser feito. O mesmo é válido para
afetos inadequados.

Repetições

O paciente observa tudo por um só prisma, tanto pode ser otimista, fatalista,
negativista, positivista, cientista, místico, crente, casuísta, causualista, casualista,
espiritualista. Este paciente mantém uma linha única de entendimento. Mudam os
personagens e situações, contudo a visão causa e efeito é somente um segundo sua
concepção repetitiva.

Semelhanças

Um paciente complacente e dócil descreve, numa sessão analítica, como se


havia descontrolado com um amigo. Estavam andando de carro por quase uma hora e
o paciente tentou fazer o amigo entrar na conversa, mas o amigo continuou quieto,
dava apenas uns grunhidos e se recusava a participar. Mas que egoísmo, que falta de
consideração, que frieza! E foi continuando a desabafar sua raiva. Quando se
acalmou, Ralph Greenson lhe mostra que, como analista, também passava quase uma
hora com ele e raramente contribuía para a conversa, exceto com um ou outro
grunhido.

O paciente reage com uma risada rápida e fica em silêncio. Depois de uma
pausa longa, sorri e diz resignadamente: “Bem, nessa você me pegou”. E acrescenta
com um riso engasgado: “Juntos por quase uma hora, nada de conversa, apenas
grunhidos, recusando-se a participar – certo, você realmente parece que acertou em
alguma coisa (...)”, e Greenson lhe responde: “Você foi capaz de demonstrar uma
raiva de verdade pelo seu amigo mas parece incapaz de ficar com raiva de mim pelo
mesmo motivo”. O paciente então parou de sorrir e começou a trabalhar. (p. 326-F).

Simbolismo

Existem momentos em que o paciente utiliza-se de símbolos para relatar ao


psicanalista determinados episódios de sua vida que, em palavras, é incapaz de
expressar. Uma jovem, por exemplo, em uma sessão, fala livremente de pensamentos
que se formam em sua mente. Relata encontrar-se em uma praia, com pescadores,
logo se afasta dali e chega a uma colina e, numa estrada, pega uma carona... A
condutora do veículo diz ser viciada e pede-lhe ajuda...

A jovem fala dela mesma, cria, contudo, um veículo simbólico para pedir ajuda
ao psicanalista. Não admite ser viciada, mas no simbolismo confessa. Em outro
momento, essa mesma jovem vê um lago, depois, lá no fundo, encontra os Alpes e
uma grande ponte de tabuas falhas ligando grandes penhascos. É uma forma
simbólica de admitir estar entrando ou aprofundando seus sentidos em níveis de
profunda inconsciência para dizer-nos do medo que sente em relação à vida e à
insegurança que sente em relação aos caminhos, aos meios e às diversas instâncias e
possibilidades que a vida oferece.

As tábuas falhas representam sua família, um sustentáculo incapaz de


oferecer-lhe a segurança que necessita. Os grandes penhascos representam as
possibilidades de vir a mergulhar nas drogas caso não receba o devido auxílio, rápido,
preciso e eficaz. Sente encontrar-se sobre uma falsa realidade que a qualquer
momento pode desmoronar. Isto também representa a situação de seus pais, já que
bem conhecemos suas realidades em relatos de sessões anteriores.

Associações-chave

Às vezes é uma única associação que nos fornece a pista mais importante
para saber se devemos interpretar a transferência, e qual aspecto dessa transferência
é preciso escolher para ir em frente.

Determinadas associações têm prioridade sobre outras, mesmo sobre um


número enorme de outras associações porque estas parecem abrir caminho para
novas e importantes áreas de investigações.

Tais associações-chave caracterizam-se por ser mais espontâneas,


imprevistas e surpreendentes do que outras associações. Algumas vezes elas se
encadeiam de maneira impressionante com as associações do analista, uma
ocorrência que indica que essa associação é potencialmente significativa.

Medidas Técnicas ao Analisar a Transferência

Para analisar os fenômenos transferenciais devemos levar a cabo as mesmas


medidas técnicas que são essenciais na análise de qualquer fenômeno psíquico; o
material deve ser demonstrado, esclarecido, interpretado e elaborado. Além destes
procedimentos básicos, algumas outras medidas técnicas se fazem necessárias
devido a peculiaridades específicas dos fenômenos transferenciais. A seguir
apresentamos uma descrição geral do procedimento para analisar a transferência.

Antes de passarmos à investigação dos sentimentos transferenciais, é preciso


que o paciente perceba que o assunto em discussão é exatamente a sua reação ao
analista. Isto pode ser óbvio ao paciente, mas, na verdade, ele próprio pode perceber
que isso acontece sem qualquer ajuda do analista. Por outro lado, surgem situações
em que é muito difícil para o paciente detectar seus sentimentos transferenciais.

Como primeiro passo para analisar a transferência, é imprescindível que o


paciente passe por uma confrontação quanto às suas reações transferenciais,
conscientizando-se das mesmas.

Se, por qualquer motivo, o paciente não percebe as reações transferenciais


que desejamos investigar, temos que demonstrá-las a ele. Nesse ponto, existem
muitas medidas técnicas que nos podem ajudar (p. 330-F).

Silêncio e Paciência

Muitas vezes, se esperarmos que os sentimentos transferenciais aumentem


de intensidade, um paciente vai perceber espontaneamente uma reação
transferencial. Em geral, esse aumento se torna possível simplesmente deixando que
o paciente continue com suas produções sem intervenção do analista.

Em toda a análise existem ocasiões em que se torna necessário que o próprio


paciente se conscientize de suas reações transferenciais. Nestas ocasiões seria
errado o analista demonstrá-las para o paciente. Isso é particularmente evidente
quando a intensidade já não é mais de um iniciante e quando há o risco de que esteja
tirando alguma gratificação passiva ao deixar de participar totalmente do trabalho
analítico.

Algumas vezes a simples confrontação do paciente em sua luta para exprimir


seus sentimentos transferenciais pode ajudar a superar temporariamente a resistência.
Nossa atitude tolerante e a verbalização ajudam o paciente a perceber que sua luta é
inadequada e desnecessária. Em outras ocasiões, a confrontação constitui apenas o
primeiro passo para analisar a resistência. Teríamos, então, de passar pelas fases de
esclarecimento e interpretação. O problema decisivo é se num determinado ponto da
seqüência dos fatos o procedimento indicado será o de superar a resistência ou
analisá-la.

Se a reação transferencial que desejo demonstrar ao paciente é uma


resistência transferencial eu, então, faço com que ele se confronte com o fato. Ou eu
mostro ao paciente que ele parece estar evitando algum sentimento ou atitude em
relação a mim ou, se tenho uma noção mais exata dos sentimentos específicos que
ele está procurando evitar, mostro quais são esses sentimentos ao paciente.

Em outras palavras, fazemos o paciente se defrontar tanto com a resistência


como com os sentimentos que estão provocando a resistência, começando sempre
pelo lado da resistência. Assim, eu poderia dizer ao paciente: “Você parece estar
lutando com sentimentos de amor (ou ódio ou sexo), a meu respeito”. Talvez, “Você
parece ter dificuldade para expressar o seu amor (ou ódio ou sexo)”. Observe, mais
uma vez, a linguagem e o tom de voz. Além disso, Ralph Greenson sempre
acrescenta a frase “a meu respeito” ou “em relação a mim”. Greenson justifica por não
querer que o paciente evite o fato de que os sentimentos em questão visam a mim, à
pessoa, não “a análise” ou a qualquer outro conceito mais impessoal (p. 331-332-F).

O Uso da Evidência

Só se utiliza uma evidência para convencer um paciente de que está tendo


uma reação transferencial no caso em que este viesse a achar que o analista tem
poderes mágicos. Utilizo esta abordagem principalmente no começo da análise como
uma forma de mostrar ao paciente como o analista trabalha para superar suas idéias
mágicas sobre o analista e para ajudá-lo a estabelecer uma aliança de trabalho. O uso
da evidência, segundo Ralph Greenson, é um apelo à inteligência do paciente (p. 332-
F).

Esclarecimento da Transferência

Uma vez que o paciente reconheceu que está envolvido numa reação
transferencial, estamos prontos, portanto, para o procedimento técnico seguinte, ou
seja, o esclarecimento técnico da transferência. Desejamos, agora, que o paciente
torne mais aguçado, esclareça mais, aprofunde mais e preencha o quadro
transferencial.

Buscamos a origem histórica dos fenômenos transferenciais. Os detalhes


levam aos afetos, impulsos e fantasias do paciente. Pedimos ao paciente que, com o
máximo de sua capacidade, filtre, ornamente e elabore seus sentimentos. Pedimos-lhe
também que inclua as associações que poderiam surgir enquanto está buscando
elaboração.

Procurando o Desencadeador da Transferência


Outro método valioso para esclarecer uma reação transferencial determinada
consiste em descobrir que característica ou detalhe de comportamento, no analista,
funcionou como estímulo desencadeador ou estopim. É muito comum os pacientes
perceberam espontaneamente que um determinado traço ou atividade do analista
despertou uma reação especial. Em outras ocasiões, este desencadeador
transferencial não só permanece desconhecido para o paciente como terá resistências
muito fortes para identificá-lo.

Algumas vezes o comportamento do analista fará aparecer no paciente uma


reação que não só é um fenômeno transferencial porque é uma reação adequada.
Finalmente, deve compreender-se que, algumas vezes, nós, analistas, podemos ser
inibidos demais para investigar com o paciente quais das nossas idiossincrasias
pessoais pode ter servido de estímulo transferencial.

A Interpretação da Transferência

O método psicanalítico se distingue de todas as outras formas de psicoterapia.


A interpretação é o instrumento decisivo e fundamental da técnica psicanalítica. Todos
os outros procedimentos técnicos utilizados em Psicanálise são as bases para tornar
possível a interpretação. Mais do que isso, qualquer outro artifício pode,
eventualmente, tornar-se o assunto da análise e seus efeitos sobre o paciente devem
ser interpretados.

Dentro da estrutura da Psicanálise, interpretar significa tornar consciente um


fenômeno psíquico inconsciente. O objetivo fundamental de todas as interpretações é
permitir que o paciente compreenda o significado de um determinado fenômeno
psíquico inconsciente. Interpretamos a transferência desvendando a história
inconsciente, os antecedentes, origens, objetivos e interconexões de uma determinada
reação transferencial.

Busca da Origem dos Antecedentes da Figura

É comum, segundo Ralph Greenson, a utilização das seguintes formas de


questionamentos à descoberta dos antecedentes da figura: “Quando foi que você se
sentiu assim no passado? Ou ainda: Em relação a quem você se sentiu assim no
passado?”.
Investigação das Fantasias Transferenciais

É preciso, algumas vezes, fazer com que o paciente enfoque diretamente suas
fantasias, particularmente quando os afetos, impulsos ou objetos transferenciais
parecem vagos, inacessíveis ou improdutivos.

Elaboração das Interpretações Transferenciais

No máximo, uma única interpretação transferencial constitui apenas uma


explicação parcial. É preciso elaboração de cada uma das interpretações para
chegarmos a uma compreensão completa e à mudança permanente no
comportamento do paciente.

Considerações Teóricas

O processo da elaboração trata fundamentalmente da repetição e elaboração


das compreensões internas (insights) obtidas através da interpretação. A repetição é
necessária particularmente ao tentar analisar e superar as resistências transferenciais.
Isso se deve à relutância do ego em abandonar as velhas defesas e arriscar
abordagens novas: o ego precisa de tempo para dominar as ansiedades antigas e
para confiar em suas novas capacidades adaptativas.

Na experiência clínica é muito comum não conseguirmos mudança alguma ou


uma mudança mínima, quando interpretamos, pela primeira vez, o significado de uma
determinada resistência transferencial. Todo o trabalho que vem após a compreensão
nova e provoca uma mudança na atitude ou no comportamento pode ser considerado
como o processo de elaboração.

Procedimentos Técnicos:

A Busca e a Reconstrução

O material precedente é um exemplo típico de como se interpretam e se


trabalham (parcialmente) as reações transferenciais de um paciente. Uma
interpretação eficaz e completa não pode ser alcançada numa única intervenção, mas
exige repetição e trabalho minucioso:

 O psicanalista deve estar atento com o que está acontecendo na situação


transferencial depois que tiver feito uma interpretação transferencial nova ou
diferente. Isso não significa, necessariamente, que ele vá continuar com sua
interpretação para o paciente;

 Ele pode agir assim se o paciente mostrar que está trabalhando positivamente
com aquela interpretação;
 O psicanalista pode sair em busca de outra variação da transferência se o
material do paciente parece tomar esse rumo;
 Ele pode perguntar ao paciente qual é sua opinião sobre as últimas
interpretações. (Isto, se ele, analista, não vê conexões ou derivativos palpáveis
no material do paciente).

O psicanalista pode esperar tranqüila e calmamente que o paciente trabalhe


com a nova interpretação à sua própria maneira dentro do seu ritmo. De
qualquer forma, o analista ficará particularmente atento a todas as mudanças e
evoluções, assim como às ausências de mudanças que vêm após uma
interpretação transferencial nova ou original. (p. 359-F).

A reconstrução é um trabalho preliminar e, se estiver correto, levará a novas


recordações, novos comportamentos e a mudanças na auto-imagem. (p.360-F).

O objetivo da interpretação é tornar consciente algum fato psíquico


inconsciente para que possamos entender melhor o significado de uma determinada
parcela do comportamento. (p.361-F).

Problemas Especiais ao Analisar as Reações Transferenciais

“Uma explosão emocional aguda pode levar o paciente a embarcar em


alguma atuação (atem out) perigosa de sentimentos transferenciais” (p. 363-F).

Em situações especiais de explosão emocional, outras técnicas se farão


necessárias que não a abordagem puramente psicanalítica como a concebemos. Isto
acontece pela ausência temporária de um ego racional.

Nos últimos vinte anos, muitas mudanças têm ocorrido na perspectiva


analítica. O tipo de paciente que procura o tratamento é uma delas.

Após a Segunda Guerra Mundial, a Psicanálise clínica ganhou forte projeção


no mundo inteiro devido às “psicotraumatosugestões” sofridas pelos combatentes
diante do convívio diário com a possibilidade de morte e também pelas fortes
impressões emocionais vividas naquele momento.
A Psicanálise, na atualidade, não se detém mais neste perfil de paciente,
dividindo o divã com pacientes com outras ordens de patologias.

Os pacientes na atualidade são, em sua maioria, seres que querem se


encontrar cem por cento. Não buscam meias verdades. Resistem aos tratamentos
químicos, com administração de tranqüilizantes e psicotrópicos gerais. Querem
simplesmente ser “normais”, não sentindo quaisquer emoções que os desestabilizem.
Querem negar a própria ordem natural de agressões psicotraumatosugestivas.

Os pacientes da atualidade, em sua maioria, não gostam de se tratarem


analiticamente, e o fazem por estarem cansados de suas próprias vidas, querem
respostas imediatas e contundentes. Todavia, se assim procedermos, eles se
assustam, passam a ver a pessoa do psicanalista como um adversário – um destruidor
de sonhos, sendo que estes “sonhos” são ilusões, sem bases concretas e nenhum
ingrediente de estabilidade. São falsas verdades, meias verdades e verdades
incompletas que infelizmente os têm sustentado por longos e ininterruptos anos,
arraigando-se, assim, em níveis muito profundos, paradigmáticos, como se verdades
plenas fossem, evitando o desenlace psico-evolutivo.

Não vamos chegar ao nível máximo na busca da verdade como consta na


filosofia de Edgar Hudson, onde: “O que não é plenamente verdadeiro, não é meia
verdade. O que não é plenamente verdadeiro é plenamente falso”.

Necessitamos construir calma e equilibradamente nossa trajetória, sobretudo, com “fé


nas pequenas coisas”, pois, como bem consta da filosofia de Celso Derivi: “A fé nas
pequenas coisas é como grãos de areia, com ela removemos montanhas e
construímos nosso próprio caminho, e nem nos damos conta”.

Indiscutivelmente aspiramos unir estas duas perspectivas, onde removeremos


montanhas fundamentados em uma verdade “insofismável”, criadora, eterna,
integrando o ser com a sincronicidade e ordem exata e geral do universo. Para isso é
necessária a análise profunda de todo o movimento energético catéxico dos pacientes.
Quais são os seus conjuntos de verdades conceituais? O que devemos validar,
confirmar como verdades e o que estimularemos à refutação?

Os pontos acima enumerados são de vital importância e observância


enquanto delimitamos o paradigma psicoexistencial de nossos pacientes.

Em um passado próximo não tratávamos pacientes esquizofrênicos,


direcionando a técnica psicanalítica somente àqueles com psiconeuroses
diagnosticáveis em consultas preliminares. A tendência é o confronto com realidades
contrárias.

“De vez em quando, pude ver pacientes esquizofrênicos que eram analisáveis,
e psiconeuróticos que não o eram” afirma Ralph Greenson (p. 377-F).

Na moderna Psicanálise não delimitamos reações transferenciais quanto a


impossibilidade de cura através da clínica psicanalítica, pois incorporamos à
Psicanálise, alguns conceitos modernos, sistematicamente observados e com efeitos e
clinicamente aprovados. É o caso do que se tem como mais recente em Psicanálise
clinica que é a perspectiva da “transferência” e do “deslocamento”, efeitos de pontos
tensionais catexicamente alojados em nossos pacientes, através da Psicanálise
Clínica Instrumental, quase uma especialização dentro da própria Psicanálise, o que
deve ser utilizado por psicanalistas especialistas nesta área.

Os casos que até um passado próximo eram tidos como intratáveis, passam a
sê-lo com a abertura de um parêntese na Psicanálise, pelo clínico, e a intervenção
psicoterapêutica instrumental para, só então, retomar o método clássico analítico.

“Em muitos casos, modificações e desvios da Psicanálise podem realmente


ser necessários para resolver as necessidades do paciente”. (Gill, 1954, por R.
Greenson, p.400-F).

Capítulo 20

O QUE A PSICANÁLISE EXIGE DO PSICANALISTA

A fim de praticar a Psicanálise terapêutica o psicanalista deve ser capaz de


realizar certos procedimentos técnicos com o paciente e com ele próprio. Para
executar adequadamente estes procedimentos o psicanalista deve utilizar
determinados processos psicológicos que ocorrem dentro de si, analista.
O que vai acontecendo dentro de sua própria mente acaba sendo o
instrumento mais importante de que dispõe o psicanalista para compreender a mente
de outro ser humano. Como resultado, a aptidão de um psicanalista está diretamente
ligada a sua própria mente inconsciente e à proporção em que esse inconsciente se
torna acessível para ser utilizado pelo seu ego consciente.

Exige-se realmente do analista uma inteligência e nível cultural elevados,


porém, mais importante ainda, é uma mente inconsciente compreensível e disponível.

A exigência para que todos os psicanalistas tenham feito terapia psicanalítica


antes de ter permissão de tratar psicanaliticamente um paciente não visa apenas a dar
ao analista uma convicção pessoal da validade dos fatores inconscientes e
dessensibilizá-lo nas áreas em que seus próprios problemas poderiam distorcer seu
julgamento.

O objetivo fundamental da análise pessoal do analista é por ao alcance do seu


ego consciente os impulsos inconscientes, defesas, fantasias e conflitos importantes
da sua própria vida infantil e seus derivativos posteriores. Alguns desses conflitos
estarão solucionados, outros se terão modificado para formas mais adaptativas, outros
permanecerão inalterados, mas acessíveis.

O fundamental para o psicanalista praticante é que seus conflitos


inconscientes sejam controláveis e acessíveis para serem usados em seu trabalho
com pacientes.

O grau de solução desses conflitos vai, sem dúvida alguma, influenciar a


aptidão que o psicanalista será capaz de usar. Sua capacidade para alcançar
satisfação instintual sem conflito aumentará a capacidade do seu ego para neutralizar
determinadas funções, intensificar as funções autônomas do ego e a adaptatividade. O
mesmo é válido para os conflitos intra-sistêmicos (p. 406-F).

Compreensão do Inconsciente

A aptidão mais importante que o psicanalista deve possuir é sua habilidade


para traduzir os pensamentos, sentimentos, fantasias e impulsos conscientes do
paciente para seus antecedentes inconscientes (do próprio paciente). Deve ser capaz
de sentir o que há por trás dos vários assuntos de que está falando seu paciente nas
sucessivas sessões analíticas.

Escutar a melodia óbvia, mas também ouvir temas secretos (inconscientes) na


“mão esquerda”, o contraponto. O psicanalista deve reparar nos quadros
fragmentados que o paciente pinta e ser capaz de traduzi-los para a sua forma
inconsciente e original.
A Comunicação com o Paciente

O psicanalista pode se comunicar com o paciente obedecendo a vários


critérios, dentre os quais destacamos:

1 – Intuição heurística – pensamentos que se formulam em níveis sub-


conscientes, aflorando repentinamente à consciência. Surgem como se do nada.
Muitos chamam estes pensamentos de “clarividência”, “vozes do além”, entre uma
infinidade de criações imaginativas. Na realidade, os pensamentos “heurísticos”
formulam-se a partir de fragmentos múltiplos armazenados ao longo da vida, aflorando
à consciência repentinamente diante de elementos e estímulos que correspondam aos
elos à continuidade, expansão ou conclusão daqueles já armazenados.

Um copo d‟água serve sempre como exemplo para uma infinidade de


situações e tentativas de visualização de processos conceituais e de expressões
psicocinergéticas. Neste exemplo, também será válido:

Imagine-se cada gotinha que se armazena em um copo vazio, enchendo-o


gota a gota. Estas gotas seriam os fragmentos múltiplos a que nos referimos.
Em dado momento, este copo estará cheio e, assim, se derramará. Este
transbordar seria, representativamente, a passagem dos níveis sub-
conscientes para a consciência. Só se manifestará após um limiar mínimo
como suporte a vencer a parede de retorno. Até então, nada conseguirá pinçar
aqueles fragmentos tão profundamente armazenados. Obviamente, se
penetrarmos no copo, conseguiremos tocar a água. Da mesma forma, se
aprofundarmos a introvisão de algum ponto a partir consciente, formando os
devidos elos sucessórios à ligação em profundidades maiores de consciência,
conseguiremos um bom nível de “regressão”. O copo representa as “cápsulas
neurodificadoras" humanas, capazes de armazenar até dois bilhões e
duzentos milhões de imagens e palavras. Conseguem associar pensamentos
e imagens de uma mesma natureza. Conseguem regular a freqüência, tanto
de armazenagem quanto de impulsos. Interagem entre si para rearranjarem
tais potenciais, possibilitando uma infinita capacidade aos seres. Nenhum
segundo ou, ainda, nenhum mícron de milésimo de segundo, consegue ser
igual a outro em toda uma existência. Dessa forma, conseguimos nos
especializar conscientemente em determinadas áreas do conhecimento e, sob
a lei da vontade e da razão, mantemo-nos em determinadas freqüências para
atender alguns chamados dos meios. Todavia, “como um navio sem âncoras,
não conseguimos parar, nos acomodar”.

A lembrança e referência a um navio sem âncoras, devo a Geraldo Antunes


Maciel, professor da Universidade do Amazonas.
2 – Empatia – é um meio de o psicanalista ter acesso às sutilezas e
complexidades de seus pacientes.

(...) Adquirir compreensão através da empatia depende da capacidade do


analista para se identificar, introjetar, ter um contato epidérmico, íntimo, contato pré-
verbal com o paciente (...) (p. 441-F).

(...) A empatia é uma forma de compreender outro ser humano através de uma
identificação parcial e temporária (R. Greenson, p. 425-F)

Da semente das pequenas compreensões, podem surgir grandes mudanças


(p. 441-F).

(...) “A fé nas pequenas coisas são como grãos de areia: com ela removemos
montanhas e construímos nosso próprio caminho, e nem nos damos conta”. (Derivi,
1987, por MC, p. 8, 1992).

Nesta modalidade de comunicação, a empatia, o psicanalista pode entregar-


se totalmente às figuras e experiências do paciente, concentrando-se e assumindo
para si as lembranças descritas pelo mesmo durante as sessões ou num dado
momento de uma mesma sessão. Dessa forma, o psicanalista terá uma visão interna
do contexto em que vive o paciente, com as possibilidades reativas a partir do ponto
de vista do seu paciente. Deixa a posição externa, cômoda, poderíamos dizer, para
assumir integralmente, transferencialmente as situações de tensões e medos de seus
pacientes e também suas potencialidades e possibilidades.

Na forma psicanalítica descrita acima, o psicanalista poderá, de maneira mais


comprometida, ofertar ao paciente, um material mais rico em detalhes, por deixar-se
envolver emocionalmente. Contudo, este procedimento deve ser conscientemente
administrado pelo psicanalista, sempre convicto de estar emprestando, naquele
momento, tudo o que dispõe à análise do material trazido pelo paciente, sem permitir o
deslocamento de tais emoções ao campo de registros de situação real. Para conseguir
tal dicotomia, o psicanalista deve, sempre ao término de uma sessão, ou parte da
sessão, desviar, por alguns segundos, totalmente a atenção anteriormente dedicada
ao paciente.

Nada impede o psicanalista comentar com o paciente sua “introvisão”


enquanto vivenciando a “análise incorporativa”, criando um ego duplo, seu e de seu
paciente no decorrer desta forma de analisar. O melhor, em nosso ver, é o psicanalista
retornar a uma visão externa do paciente para, só então, esclarecer os fatos
observados na forma interna.

3 – Conhecimento teórico – Demonstrando familiaridade com a teoria


psicanalítica, o psicanalista lança mão de todo o seu conhecimento teórico, científico e
cultural, de onde demonstrará efetivo domínio sobre alguns aspectos expostos pelos
pacientes. Sempre que o psicanalista se utiliza dessa forma de análise, ele deve estar
consciente que provocará no paciente uma inibição, já que o mesmo se sentirá, por
força de sua condição, intimidado, sem condições de discutir com o psicanalista, visto
que aquele é o médico, o clínico, ele é quem sabe, é a última palavra.

Ainda que não queiramos tal visão por parte dos pacientes, devemos estar
conscientes que eles não estão em nosso divã por nossos olhos ou outra razão que
não a sua própria busca pessoal de respostas aos problemas que se os afligem.
Assim, podemos fazer algumas observações tecnicamente bem fundamentadas, mas
nunca inverter os papéis com o paciente.

Quem está ali pagando para programar-se é o paciente. Não podemos fazer
exposições longas ou mesmo médias. Devemos acumular, resistir e suportar a
vontade de transformar a análise em um bate-papo, superficialmente gerado e
superficialmente conduzido. Devemos permitir ao paciente a associação livre,
descomprometida e liberta. Com a total exteriorização das emoções, poderemos estar
ajudando efetivamente os pacientes. É útil lembrá-los de que nos pensamentos onde
aparentemente não existam elementos de análise podem esconder-se grandes elos
com as buscas de uma evolução contínua e crescente.

Devemos introduzir eventualmente novos conceitos, todavia, sem


esquecermos que o paciente construiu, assim como nós, uma estrutura conceitual e
psicológica. Não podemos simplesmente pisar sobre o universo interior do paciente, e
marcharmos como um exército invasor, conquistador de territórios, sob o prisma da
demarcação pela força e imposição. Cabe sempre ao analista, antes de invadir,
permitir-se ser invadido; antes de dominar; permitir-se ser dominado, antes de se fazer
ouvir; permitir ao paciente a minuciosa e complexa elaboração e às vezes até mesmo,
a reconstrução de conceitos e perspectivas objetais sistêmicas.

Som e aroma também compõem os elos de comunicação entre o psicanalista


e o paciente. Se o psicanalista, por exemplo, após construir parte do universo interior
do paciente, associar músicas à perspectiva regressiva, poderá, com mais facilidade,
dispor de ligações psico-sócio-analisado. Da mesma forma, o aroma. Um paciente que
faz referência a um determinado perfume, em determinada época, poderá, em uma
perspectiva da programação de uma sessão regressiva, ter um maior rendimento se o
psicanalista tiver sensibilidade para construir todo o conjunto de elementos
axiológicos, externos que facilitam o acesso ao conjunto interno, catéxico. Deve haver
uma empatia entre o ambiente e a proposta do psicanalista.

Os psicanalistas que se utilizam de um planejamento das sessões têm mais


conquistas, com maior acesso aos campos psicocatexiais de seus pacientes. Uma
sessão previamente programada, a partir de elementos ofertados, ainda que em
fagulhas, pelo paciente em sessões anteriores, deverá conduzir, com mais segurança
e facilidade as associações dos analisados. Todavia, em nada será prejudicada a
análise pelo não planejamento. O planejamento é válido quando o psicanalista quer
penetrar em um momento da vida do paciente com mais profundidade e eficácia.

Em sessões de regressão, hipnose e cirurgias psicotraumatosugestivas são


indiscutíveis os efeitos de uma sessão elaborada e muito bem planejada, com a
utilização de tudo quanto o psicanalista disponha para, com leveza, conduzir, segura e
eficazmente seu paciente.

Os níveis e temas que a abordagem psicanalítica consegue alcançar devem


ser entendidos como uma forma também de comunicação, e isto acontece por não
poder o psicanalista manifestar tudo quanto pensa e lhe ocorre e também conclui, sem
um estudo prévio e detalhado dos efeitos dessa interação sob as bases psico-
estruturais e neuro-tensionais dos pacientes.

Logo, ainda que não sejam formas de comunicação com o paciente, podem
sim, determinar o estado médio de estabilidade do paciente. Dessa forma, sempre que
for difícil a abordagem de determinados temas, em níveis e escalonamentos de
estímulos, de euforia e apatia, devemos estar conscientes que estes necessitam de
uma maior elaboração antes de sua confrontação e esclarecimento.

As bases e limiares de nossos pacientes devem ser reforçadas e mesmo


preparadas a quaisquer novos conceitos e esclarecimentos. Deve ser previsto um
tempo de maturação entre a exposição descomprometida, todavia com efeitos sobre
as bases emocionais dos pacientes e o esclarecimento por parte do psicanalista.

Ainda que observemos, por exemplo, uma jovem senhora que, separada do
marido há três anos, não consiga livrar-se de suas lembranças devido a um relógio
que carrega como uma “algema” em um de seus braços, presente dado pelo ex-
marido, no passado, no dia dos namorados, devemos, nesse momento, acumular,
resistir e suportarmos a vontade de comunicar ao paciente que parte significativa de
suas lembranças estão relacionadas àquele relógio.

Se o fizermos, devemos estar também conscientes que esta paciente deverá


negar tal observação do psicanalista e afastar-se por algum tempo das sessões. Seu
ego presente está de certa forma tão ligado ao prazer do id passado que, dificilmente
a jovem paciente aceitaria calada tamanho chamado à quebra da falsa estabilidade
que a mantém ligada ao ex-marido. Ela quer, sim, se livrar das lembranças do ex-
marido, todavia, não consegue libertar-se dos objetos que compõem os elos daquela
fase de sua vida. Distraidamente, acaricia o relógio durante as sessões, o que
evidencia um pensamento inconsciente com exteriorização tácita ao culto das
impressões do Antigo companheiro.

4 – Comunicação visual e instrumental – Existem outras centenas de


formas de comunicação com o paciente. A própria forma como o psicanalista se veste
traduz em si mesmo uma forma de comunicação. Os instrumentos que se encontram
ao alcance da visão do paciente também traduzem uma interação comunicativa. Se,
por exemplo, o psicanalista mantiver sob uma mesa, alguns pêndulos, o paciente
sente a iminência de, em algum momento, aqueles instrumentos serem utilizados
para, de alguma forma, proporcionar-lhe algum estímulo, o que projeta a perspectiva
da hipnose, regressão, etc.

Se o psicanalista mantém sob essa mesma mesa alguns aparelhos como o


utilizado para verificar a pressão arterial ou um estetoscópio, o paciente sentir-se-á
mais seguro, convicto de que o psicanalista detém bases sólidas de intervenção
clínica ambulatorial, se durante as sessões ele necessitar. Isto repercutirá na própria
condução ou libertação das emoções por parte dos pacientes.

Somos favoráveis à introdução nos cursos de formação da disciplina de


“Procedimentos Ambulatoriais de Urgências e Instrumental à Formação em
Psicanálise”. Dessa forma, garantiremos aos psicanalistas as bases para
eventualidades no tocante a situações múltiplas enquanto da análise.

Seguidamente, pacientes chegam a meu consultório demonstrando


sintomatologias que podemos relacionar com a freqüência tanto cardíaca quanto de
pressão arterial, como manifestações hipotalâmico-reflexivas, dentre uma infinidade de
possibilidades. O domínio de tais procedimentos garante uma performance do
psicanalista em relação às expectativas de seus pacientes. Sobretudo, permite ao
psicanalista dispor do que até aqui se tem como mais simples ao complemento da
anamnese de diagnósticos biofisiológicos básicos.

A comunicação laboratorial, em nosso ver, também é parte importante da


análise. A análise dos dados quantitativos neurobiofisiológicos de um paciente pode
representar o diagnóstico a partir de possibilidade facilmente observáveis em dados
laboratoriais. Não há razão ou impedimento que justifique o psicanalista de deixar de
lançar mãos dessa ferramenta valiosa na avaliação preliminar e também sistêmica de
seus pacientes. Esta é uma forma técnica e científica de comunicação. O paciente
sente-se efetivamente sendo totalmente analisado, desde as suas estruturas
biofisiológicas às bases psicossomáticas. Nesta mesma ordem, colocamos a
necessidade da solicitação por parte do psicanalista, do que chamamos de “ele
histórico”, o que conseguiremos através da solicitação de estudos genealógicos de
nosso paciente.

Os estudos genealógicos oferecem-nos uma comunicação concreta com as


bases hereditárias genéticas do paciente. Dessa forma, manteremos contato com um
ser cuja perspectiva de vida não iniciou em seu nascimento, mas, sob bases genéticas
hereditariamente herdadas. Ainda não dispomos de um exame genético genealógico
ou patológico genealógico, o que nos facilitaria, em muito, a práxis psicanalítica.
Capítulo 21

O PSICANALISTA

O psicanalista deve deixar que os seus sentimentos transferenciais atinjam


sua intensidade ideal sem intervir. “Para isto ele deve possuir a capacidade para
suportar a situação de estresse, ansiedade ou depressão, em silêncio e com
paciência”. (R. Greenson, p. 438-F).

Os impulsos instintuais impelem o homem a procurar descarga e gratificação.


À medida que o ego se desenvolve, a busca de segurança se transforma num outro
objetivo fundamental. Todas as motivações posteriores são atribuíveis à procura de
gratificação ou segurança ou às combinações das duas.

Três são os componentes principais do trabalho do psicanalista:

 O analista como coletor e transmissor de compreensão e entendimento;


 O analista como alvo da neurose de transferência;
 O analista como a pessoa que trata dos doentes sofredoras.

O analista deve compreender seu paciente para adquirir compreensão quanto


ao seu comportamento, fantasias e pensamentos.

A tarefa do analista é transmitir o significa oculto, contido no material


apresentado pelo paciente, confrontando-o e esclarecendo-o.

“O desejo de compreender outro ser humano de maneira tão íntima, o desejo


de conseguir compreensão interna, implica uma propensão para penetrar nas
entranhas de outra pessoa” (Sharp, 1930, por R. Greenson, p. 441-F).

O analista pode investigar as áreas desconhecidas do paciente a fim de


superar as suas próprias ansiedades. Dessa forma, o psicanalista poderá, sempre
com muita experiência cumulativamente adquirida, pelos diferentes estágios e
patologias de seus pacientes, somando-se as suas próprias dúvidas pessoais, ter mais
facilidade em transmitir segurança aos seus pacientes ou clientes.

Não podemos esquecer que um dos deveres do psicanalista é o de se


comportar para o paciente como uma tela vazia, relativamente não-reagente, de tal
forma que este possa projetar para aquela tela as imagens não solucionadas e
reprimidas do passado.

Alguns psicanalistas, devido ao fato de terem se educado em se manter como


telas vazias, para facilitar a transferência dos pacientes, demonstram uma grande
tendência e propensão ao isolamento, retraimento e não envolvimento. Ocorrem
dificuldades no trabalho analítico, quando os psicanalistas ultrapassam os limites da
normalidade assertiva, sendo incapazes de mudar sua atitude e técnica no momento
em que a situação analítica o exigir.

Na atualidade, nossas pesquisas já conseguiram demonstrar eficiência na


própria perspectiva em relação à utilização de instrumentos técnico-terapêuticos para
determinadas situações em que é necessária maior interatividade do psicanalista em
relação ao paciente. A esta ramificação da Psicanálise, de procedimentos especiais à
canalização e redistribuição das energias libidinais, chamamos de Psicanálise
Instrumental, utilizada somente por mestres, PhDs e livres docentes em Psicanálise
Clínica.

Na Psicanálise clássica, a capacidade para reprimir firmemente a busca do


paciente por gratificações sintomáticas é crucial para o desenvolvimento da neurose
de transferência. Na Psicanálise Instrumental há uma preocupação em canalizar e
redistribuir tais energias (libinocinergética). Concomitantemente, o psicanalista
transfere as energias canalizadas para os seres de interesse do paciente e mesmo
para ideais e objetivos do mesmo.

Faz-se necessário, para a utilização do método supra, a condição de mestre


ou PhD em Psicanálise Clínica , com curso específico para o domínio das técnicas
clinicas que envolvem este procedimento, bem como, a familiarização com a postura
ética e formal para esta abordagem. Para este procedimento não basta uma aliança
de trabalho entre o psicanalista e o paciente. Faz-se necessária uma preparação
teórica do paciente e a assinatura de um termo aditivo à Psicanálise Instrumental.

Componentes Básicos da Psicanálise

Apresentamos dois componente básicos do trabalho de um analista:

 Funcionar como coletor e transmissor de compreensão interna (insight).


 Comportar-se de maneira a se transformar numa tela relativamente vazia para
a neurose de transferência do paciente.

Como o enunciado dos dois pontos fala por si mesmo, não sentimos a
necessidade de aprofundar tais conceitos elementares e básicos, de fácil interpretação
e aplicabilidade na situação psicanalítica.

O psicanalista, não é o clínico ideal para o tratamento de situações de


emergência nem é aconselhável como “pronto-socorro” psiquiátrico. “Todavia,
encontrando-se o psicanalista diante a situações de emergência, é necessário fazer
alguma psicoterapia não-analítica (...)” (Ralph Greenson, p.448-F).

Após uma intervenção de urgência o analista deve sempre avaliar o ego


racional do paciente, estudando a possibilidade de administração ou retorno ao
método puramente psicanalítico. É importante evidenciar a perspectiva sempre
presente de o paciente, dependendo do método utilizado na situação emergencial,
colocar-se inconsciente e deliberadamente naquela mesma condição, exigindo do
psicanalista, intervenções e procedimentos semelhantes. Isto ocorre, sobretudo,
quando o paciente sente gratificação na práxis-equilibradora, capaz de resgatar seu
ego racional. Poder deixar-se levar àqueles estados primitivos de deliberação de
emoções, pode comprovar, experimentalmente, ser o psicanalista capaz de
reconstruir-lhe o equilíbrio.

Com base na perspectiva de retornos consecutivos do paciente a estados


neuróticos, por confiança no psicanalista, faz-se necessário retornar a práxis-
psicanalítica, sempre, com a maior urgência, evitando o que chamamos de
linearização neurótica. Neste estado o paciente se mantém por muito tempo sob o
domínio de um ego-racional, o que pode deixá-lo definitivamente à margem da razão
propiciada por um erro-racional, capaz de entender, se fazer entender, aprofundar
buscas e esclarecimentos, confrontar conceitos e atrever-se caminhar sob a régia luz
em busca da verdade.
Capítulo 22

A HOMOSSEXUALIDADE E AS PSICOTERAPIAS
É preciso de início estender-se sobre o sentido exato da palavra
homossexualidade. Para que haja inversão estrita, três caracteres são requeridos:

1. Atração erótica para o mesmo sexo, cujo critério essencial é a ereção


psicógena em face do objeto homossexual;
2. Ausência total de atração erótica para o sexo oposto, reconhecível porque a
ereção psicógena e a uretrorréia ex libidine em face do objeto heterossexual
são completamente desconhecidas pelo paciente;
3. Positivo aborrecimento pelo outro sexo (horror feminae).

“Os casos de inversão perfeitamente típicos são raros e pode-se mesmo


perguntar se é possível fornecer prova da inexcitabilidade heterossexual absoluta num
dado indivíduo. “Os homossexuais julgam-se a si mesmos de modo muito tendencioso
e suas afirmações devem ser passadas no crivo de uma crítica atenta. Mesmo quando
são sinceros, não devemos nos fiar cegamente em suas asserções, pois eles não
realizam a natureza exata de seus sentimentos em face da mulher” (Kraft Ebing e Moll,
P. S., p. 765).

Constitui apenas uma prevenção maior e não uma prova absoluta da carência
da excitabilidade heterossexual. Outros índices tirados do comportamento total do
paciente podem, por sua convergência, provar a existência de uma excitabilidade
heterossexual indubitável, mas muito fraca para desencadear reações francamente
genitais.

Kraft Ebing propôs, há muito tempo, uma classificação célebre das diferentes
variedades de homossexualidade. O primeiro grau compreende os casos de
hermafroditismo psicossexual, em que a atração erótica se dirige para o outro sexo. O
segundo grau é a homossexualidade estrita ou uranismo, caracterizada pela inclinação
exclusiva para o mesmo sexo. No terceiro grau, a inversão de inclinação erótica
acompanha-se de inversão caracterológica. No quarto grau, há não só inversão erótica
e inversão caracterológica, mas ainda inversão morfológica. Essa classificação é
certamente muito lógica, mas infelizmente corresponde mal à complexidade dos fatos.

Existem homens que apresentam a efeminação caracterológica e cujo instinto


é perfeitamente heterossexual. A mesma observação tem valor para a efeminação
morfológica. Parece, pois, preferível só considerar ao menos como ponto de partida,
as descobertas do instinto e limitar-se a opor dois casos: aquele em que o instinto se
dirige para os dois sexos e aquele em que se dirige exclusivamente para os indivíduos
do mesmo sexo do paciente. No primeiro caso, falaremos de bissexualidade, no
segundo de homossexualidade estrita que, é encontrado em nossas igrejas, muito
raramente até entre clérigos: pastores, padres e outros chamados líderes espirituais.

A sexopatologia inversiva coloca, de modo particularmente agudo, o problema


das relações entre causas psíquicas e causas somáticas. Já dissemos que exceção
única entre as anomalias do objeto, a homossexualidade pode, sem absurdo, ser
considerada como inata em seu elemento específico e regulador ou, se prefere, em
sua paradiferenciação. Este ponto importante já foi assinalado mais ou menos
claramente por diversos autores, especialmente Moll. Mas esse sexólogo não leva a
fundo sua análise.

A paradiferenciação inata pode manifestar-se seja precoce seja tardiamente.


Importa nunca esquecer que uma paradiferenciação tardia não é necessariamente
adquirida. É evidente, ao contrário, que se a paradiferenciação é inata, ela é de
etiologia somática e que se é adquirida, é de etiologia psíquica.

A inversão é uma hipótese concebível. Nisso se resume tudo o que


pretendemos afirmar por ora. Esta hipótese se realiza na verdade? Se ela se realiza,
quais são os sinais que permitem estabelecer o diagnóstico diferencial? Tais são as
duas questões a que vamos nos esforçar em responder. Antes de entrarmos na
discussão, queremos formular uma advertência cuja importância prática é capital: não
se tem o direito de concluir da ineidade ao fatualismo. “É manifesto, escreve Moll, que
muitas vezes predisposições congênitas não se desenvolvem, se bem que tenham
sido transmitidas intensamente ao individuo”.

Em muitos casos de “perversão” sexual, precisamos levar em conta que a


predisposição é talvez congênita, mas só vem a desenvolver-se em condições que lhe
são favoráveis. Apliquemos esse principio à homossexualidade, por exemplo.
Suponhamos o caso de um determinado indivíduo masculino, no qual a predisposição
à reação em presença dos encantos do mesmo sexo exista por herança; pode-se
supor que essa predisposição se desenvolva se as condições são desfavoráveis para
o individuo e que elas não se desenvolvam no caso contrário (Kraft Ebing e Moll, P.S.,
p. 708).

Para abordar de modo verdadeiramente biológico o exame da hipótese de


inversão inata, seria preciso ter resolvido anteriormente o problema do determinismo
do sexo. Ora, pode-se dizer, sem excesso de pessimismo, que sobre essa questão
fundamental os biologistas debatem-se num verdadeiro caos. Nos paises de língua
inglesa, em que pesquisas de genética tomaram um imenso desenvolvimento, dá-se a
maior importância às explicações cromossômicas. Na França, ao contrário, onde a
genética é menos cultivada do que a endocrinologia, costuma-se levar em conta
apenas as ações hormonais.

Não esqueçamos de mencionar que o papel do metabolismo é sublinhado com


vigor por certos autores. Encontramo-nos, portanto em face de teorias genéticas, de
teorias metabólicas e de teorias hormonais (Goldschmidt, D.S.I., p. 118-119).

A desordem e a discordância foram ainda aumentadas pelo fato de que, nas


faculdades de ciências, os estudos têm sido limitados aos invertebrados e vertebrados
inferiores, enquanto que nas faculdades de medicina o interesse tem sido dirigido, na
maioria das vezes, para os vertebrados superiores. Dessa septação das pesquisas
nasceu a idéia de que não há solução geral para o problema do determinismo do sexo.
Muito raros são os biólogos que sentiram que os trabalhos modernos sobre a questão
sofrem de um vício fundamental: a falta de coordenação. Isto, entretanto, salta aos
olhos de quem quer que se decida a atacar como metodologista esse capítulo
primordial da Biologia.

No momento atual, as explicações biológicas da homossexualidade apóiam-


se, sobretudo em dados da endocrinologia. Marañon pode ser considerado como
principal representante dessa escola. Vamos, pois, expor e discutir o sistema desse
autor.

A primeira coisa a notar é o alcance limitado que o próprio Marañon atribui à


sua doutrina. Ela declara expressamente que devemos atribuir um papel primordial à
cooperação de fatores psicológicos na patogenia da homossexualidade. Se, segundo
ele, a diferenciação heterossexual normal “parecer ser um fenômeno instintivo,
vegetativo (ao qual presidiria o gênio obscuro da espécie), de natureza principalmente
hormonal, ligado à diferenciação evolutiva da glândula germinal, pelo contrário, a
homossexualidade deveria ser explicada por uma hipótese mais complicada. Ela
derivaria de uma causa orgânica negativa, responsável pela indiferenciação e de uma
causa psíquica positiva responsável pela paradiferenciação”.

O pensamento de Marañon é muito confuso, mas não acreditamos falseá-lo


apresentando-o desse modo. Eis, aliás, alguns traços. Em primeiro lugar, escreve o
ilustre clínico espanhol: “pode suceder que, por indiferenciação anatômica gônada, a
orientação específica da libido não se realiza, e que fique no estado indiferenciado,
absolutamente análogo ao que vemos apresentar a sexualidade nas crianças”. E, a
partir desse momento, devemos repetir que a sexualidade dos invertidos, na maioria
dos casos, assemelha-se menos à sexualidade feminina – como acreditam os
cientistas – que a esta sexualidade infantil, com sua tendência polimorfa e a
indeterminação de seu objeto, tão bem descrita por Freud. Esta passagem é formal
sobre o papel negativo do componente orgânico.

Marañon expõe deste modo o papel do componente psíquico. A esse


retardamento da diferenciação da libido – que consideramos essencial na gênese da
homossexualidade (um exemplo a mais da significação cronológica que tem, para nós,
a interssexualidade em geral) – acrescentam-se os mesmos fatores psicológicos
normais que condicionam o reflexo erótico, mas que, então agem em sentido contrário.
As confissões de muitos homossexuais ou invertidos inteligentes, me ensinaram que,
efetivamente, um elemento essencial na gênese da inversão foi essa associação –
talvez puramente acidental – do protótipo viril a suas primeiras experiências amorosas.
Nesse caso, o reflexo erótico fica constantemente influenciado pelos acidentes físicos
ou psíquicos da virilidade; assim se engendra a homossexualidade, da mesma
maneira como o observa muito justamente Lipschutz, que engendra o fetichismo.

É evidentemente pouco provável que isso aconteça – repetimos ainda uma


vez – fora dos casos de bissexualidade orgânica acentuada. Nossa explicação nisso
difere da maioria dos psiquiatras, que incriminam somente as influências psicógenas.
Para mim, serão, ora os fatores constitucionais que predominarão, ora os fatores
psíquicos. Mas, é preciso aceitar, em todos os casos, a cooperação de uns e de
outros.
Se o mecanismo de formação da homossexualidade é o mesmo do fetichismo,
este protótipo das anomalias adquiridas é claro que aos olhos de Marañon o elemento
paradiferenciador da inversão é sempre adquirido e psicógeno. “Em razão do que
acabamos de expor – continua Marañon – não poderíamos aceitar a divisão clássica
dos homossexuais em congênitos e adquiridos. Para nós todos são ao mesmo tempo
congênitos e adquiridos” (Marañon, E.S., p 153).

Vê-se que Marañon se limita a aplicar a inversão masculina. Como veremos


um pouco mais adiante, ele explica de outra forma a inversão feminina. Ele delineia
um esquema geral, absolutamente análogo ao que propusemos mais acima para as
sexopatologias de objeto. Parece, pois inútil discutir seu sistema. Cremos, entretanto,
necessário examiná-lo, pois não faltam autores que se apóiam nos argumentos de
Marañon para chegar a conclusões muito mais radicais que as suas.

A autoridade do endocrinologista espanhol é muitas vezes invocada em apoio


a uma interpretação exclusivamente biológica da homossexualidade. Isto provém de
que as provas sobre as quais ele se apóia têm um alcance geral e levam logicamente
além da conclusão conciliadora e que a prudência fez Marañon se deter. Convém,
pois, passá-las pela crítica.

A idéia fundamental da teoria de Marañon é que masculino e feminino não são


finalizações de uma bifurcação, mas se situam um atrás do outro num caminho de
“sentido único”. Nossa concepção particular da evolução da sexualidade faz com que
a consideremos em seu conjunto como um valor biológico constante, equivalente a um
e outro sexo, desenvolvendo-se em todo ser humano no mesmo sentido: “masculino e
feminino não são valores formalmente opostos, mas graus sucessivos do
desenvolvimento de uma função única, a sexualidade que, entre a infância e a velhice,
idades em que é extinta, acende-se durante o período intermediário da vida com
diferença puramente quantitativas cronológicas de um sexo para o outro”.

Afirma ainda Marañon que “o estudo da sexualidade morfológica, indica


claramente que a mulher ficou parada num estado de hipoevolução em relação ao
homem - verdadeira forma terminal da sexualidade – num estado intermediário com
lógica impiedosa”.

Reiteramos apenas aquelas que se relacionam diretamente com o nosso


assunto. Como energia diferenciada, a libido é, pode-se dizer, uma força de sentido
viril. O mesmo diremos do orgasmo. Devemos estar lembrados que, para Freud, “a
libido é, de modo constante e regular, de essência masculina, quer apareça no homem
ou na mulher e sem consideração de seu objeto, homem ou mulher” (Hesbardm T. S.,
p. 148).

Mas há uma diferença essencial entre Freud e Marañon. Quando o mestre de


Viena sustenta que a libido é de essência masculina, isto é para ele uma especulação
puramente teórica, e ele evita concluir, como faz expressamente o clínico espanhol,
que “o orgasmo não indispensável, embotado e tardio da mulher é, segundo tudo leva
a crer, um caráter de natureza virilóide, interssexual”. Marañon não considera na
verdade como caracteres típicos da sexualidade feminina senão a atração pelo
homem e a sensibilidade difusa às carícias, mas não o pleno relaxamento orgástico.
Isto é, para falar claro, aos seus olhos a semi-frigidez feminina é normal.

Uma outra conseqüência da teoria apresenta uma diferença essencial


proveniente de que ela ocupa um lugar intermediário entre o adolescente e o macho
adulto. O homem, na verdade, como etapa sexual terminal só pode inverter-se no
sentido regressivo. Na mulher há dois tipos de inversão possíveis: um regressivo para
a puerilidade e outro para a virilidade”.

As provas que se podem trazer em favor da teoria de Marañon sobre


homossexualidade são tiradas algumas das observações feitas no homem, outras de
experiências feitas nos animais. Eis como se podem resumir as provas fornecidas pela
clínica humana.

Em primeiro lugar, é certo que a libido é condicionada “por um fenômeno


químico hormonal, a saber: a increção testicular no homem e a increção ovariana na
mulher”. Portanto, somos levados a supor que, quando um indivíduo sente um impulso
homossexual, este é devido, no homem, à influência da increção de essência
feminina; na mulher, à influência de uma increção de uma essência viril.

Em segundo lugar, Steihach acreditou encontrar nos testículos dos invertidos


células lembrando as células luteínicas do ovário. Seus resultados não foram
confirmados. Mas Marañon, insistindo sobre a idéia de que os critérios morfológicos da
histologia não permitem cortar definitivamente um problema de ordem química, espera
que este fracasso seja apenas provisório.

Em terceiro lugar, “diferentes autores procuram combater a homossexualidade


substituindo os testículos dos invertidos pelos de um homem normal ou enxertando um
testículo de macaco, segundo técnica de Voronoff. Houve resultados felizes, posto que
ainda sujeitos à crítica”.

Em quarto lugar, “num grande número de homossexuais, pode-se descobrir,


ao mesmo tempo, que à inversão do instinto corresponde uma inversão paralela
significativa dos caracteres somáticos”. Este último argumento é aquele sobre o qual
mais insiste Marañon. Passa em revista uma série de caracteres e após ter afirmado
que “ao menos os dois terços dos invertidos apresentam sinais físicos de inter-
sexualidade”, que se produzem no momento da puberdade e escapam à investigação,
de sorte que definitivamente, “o número de homossexuais com sinais morfológicos
aproxima-se de cem por cento”.

As experiências de Pézard sobre a sexualidade dos galináceos são


consideradas por certos autores como uma das mais sólidas demonstrações da teoria
endócrina da homossexualidade. Como são muito conhecidas, daremos delas apenas
um resumo. A castração pré-puberal do frango provoca a regressão da crista, mas não
modifica nem a plumagem, nem os esporões. “Isto sugere a hipótese de que a crista é
um caráter macho, enquanto que a plumagem e os esporões são caracteres neutros”.
(Hesnard, T.X., p. 145-146).
A oforectomia da franga desencadeia o aparecimento de esporões e da muda anual
seguinte, a plumagem reveste os característicos machos na forma e na cor. Isto
confirma plenamente a hipótese de que os esporões e a plumagem são, na realidade,
caracteres neutros e não caracteres masculinos. São potencialmente comuns aos dois
sexos e não se desenvolvem na fêmea, porque estão bloqueados pela ação
impedidora ou frenadora do ovário.

Esta noção de “forma neutra” ou “específica” de patrimônio comum aos dois


sexos, é de uma importância capital. Examinaremos mais adiante em que medida se
adapta às idéias de Marañon sobre o “sentido único” no qual se efetuaria a evolução
da sexualidade. As experiências de castração são completadas pela experiência de
enxerto. O enxerto testicular no galo castrado, o enxerto ovariano na galinha castrada
fazem reaparecer o estado dos caracteres secundários anteriores à castração. Mais
interessantes ainda para a solução do problema que nos ocupa são as experiências
de inversão sexual experimental. No animal castrado, Pézard introduz por enxerto a
glândula do sexo oposto. O galo assim feminizado torna-se morfologicamente
semelhante à galinha, bem como a galinha masculinizada toma as aparências
exteriores do galo.

Há, entretanto, uma restrição que jamais poderá ser esquecida: o galo
feminizado e a galinha masculinizada não são aptos à cópula. Ao mesmo tempo, na
verdade, que os condutos sexuais permanecem infantis, como nos capões, os
resíduos dos vestígios que marcam os condutos do sexo oposto não se despertam
pela nova condição hormônica. Isso tem como importante a seqüência que o individuo,
embora amadurecendo os gametas de seu novo sexo – espermatozóides e óvulos –
permanece incapaz de expulsá-lo e de exercer papel reprodutor. São indivíduos que
na aparência têm tudo do outro sexo, mas que não podem realizar sua sexualidade,
por falta de meios, isto é, nada adquiriram daquilo que é o essencial não do
comportamento sexual em geral, mas do comportamento erótico em particular.

Numa última série de experiências Pézard castra um individuo jovem, depois


enxerta ao mesmo tempo a glândula de seu antigo sexo e a do sexo oposto, e obtém,
assim, hermafroditas com caracteres sexuais misturados.

A noção do “sentido único”, que é o ponto mais original da doutrina de


Marañon repousa em bases sólidas? Não o cremos. Parece-nos, na verdade,
impossível não tirar da existência da “forma neutra”, tão solidamente estabelecida
pelas experiências de Pézard, a conclusão de que o masculino e o feminino
representam os acabamentos de uma bifurcação, a partir precisamente dessa “forma
neutra”. Pézard considera essa “forma neutra” como o “patrimônio herdado em comum
pelo macho e pela fêmea da mesma espécie e sobre o qual se edifica na puberdade
sob o controle das glândulas sexuais, o organismo definitivo macho e fêmea”.
Marañon sentiu perfeitamente tudo o que a noção de “forma específica” tem de
perturbador para sua doutrina e procurou desembaraçar-se dela.

Tendler e Gross, de um lado, Lipschutz de outro, haviam sustentado que


“quando se suprimem os testículos num macho, observa-se, não a inversão feminóide,
mas uma forma intermediária assexuada”. Marañon protesta contra essa afirmação e,
em nome de clínica, declara que não se tem direito de aplicar ao homem dados
recolhidos nas espécies inferiores. Examinando de perto esta resposta percebe-se que
ele peca triplamente contra as regras gerais do método científico.

Em primeiro lugar, é contrário ao princípio de economia multiplicar as soluções


de detalhe, onde uma solução geral é possível. A sexualidade é um fato biológico de
um alcance absolutamente geral e, se é legítimo supor que a sexualidade humana tem
qualquer coisa de específico em seu determinismo, é impossível delimitar o alcance
exato deste elemento especifico sem confrontá-lo com uma hipótese explicativa de
conjunto. Ora, o ponto de vista da biologia geral é tratado de um modo extremamente
fraco por Marañon. Basta compará-lo com a obra de Goldschmidt O Determinismo do
Sexo e a Intersexualidade, para dar-se conta disso. Goldschmidt procurou precisar nos
diversos degraus da escala animal a parte respectiva dos fatores genéticos,
metabólicos e hormonais. A amplitude desta maneira de agir contrasta com a maneira
pela qual Marañon retrai o problema.

Em segundo lugar, os resultados da clínica derivam da observação, os da


biologia da experimentação. Ora, é uma regra elementar da metodologia que a
experimentação tem, para administração da prova, um valor incontestavelmente
superior ao da observação. As leis de Mendel que, entretanto, se aplicam ao homem,
nunca teriam podido ser descobertas apenas pela observação dos fatos humanos. A
maneira pela qual se transmitem pela herança certas anomalias, tais como a hemofilia,
por exemplo, permaneceu um enigma indecifrável para a medicina até o dia em que o
mendelismo veio dar-lhe uma solução. Ora, essa solução decorrente – é preciso
nunca esquecer – é de experiência muito simples de cruzamento de ervilhas verdes e
amarelas.

Em terceiro lugar, se verdadeiramente os resultados da clínica estivessem em


oposição aos da Biologia geral, poder-se-ia compreender a atitude de Marañon. Mas
quando se procura descobrir por que razão ele considera tal ou tal caráter feminóide
em vez de neutro, percebe-se com admiração que ele não dá qualquer prova e se
contenta com a simples verificação de que o caráter em questão existe, em regra
geral, somente na mulher. Isto se chama fazer falar a clínica quando ela se cala, pois
é verdadeiramente abusivo invocar o patrocínio da clinica em favor da petição de
principio erigida em sistema. Um caráter que, em regra geral, existia na mulher e não
no homem, é um caráter feminino no sentido puramente superficial e descritivo da
história natural, tal como ela era concebida antes da introdução do método
experimental nas ciências da vida.

É impossível, no momento atual, apegar-se a classificações tão rudimentares.


O problema dos caracteres neutros coloca-se de maneira inelutável e, uma vez que é
impossível, por motivos deontológicos, fazer experiências de castração e de enxerto
de glândula sexual homóloga ou heteróloga em seres humanos, forçoso nos é concluir
que sabemos muito mal o que, na espécie humana, é caráter sexual
secundário/verdadeiro e o que é caráter neutro.

A questão se complica ainda pelo fato da introdução, devida a Champy, da


noção de caráter ambossexual. Champy designa sob esse nome “os fenômenos de
desenvolvimento ou de comportamento, morfológicos ou funcionais, ligados à
presença das glândulas genitais ou à maturidade, e que são comuns a ambos os
sexos.” (Tusques, Les Caracteres Ambosexuelles et L‟albosexualité des Hormones
Sexuelles, p. 4).

Pézard já se apercebera que a crista regride tanto na galinha castrada como


no capão, mas, preocupado especialmente pelos caracteres sexuais diferenciais, não
estudara em si o fenômeno ambossexual. Champy retomou o exame da questão e
precisou o que, na morfologia e na fisiologia da crista, devia ser atribuído à
sexualidade diferencial e o que cabe à ambossexualidade. Não esqueçamos de
acrescentar que no determinismo dos caracteres sexuais, deve-se sempre equilibrar
os dados da genética com os da endocrinologia. Julgamos, por conseguinte, que a
teoria de Marañon sobre o “sentido único” da evolução sexual é um ponto de vista
teórico com bases experimentais suficientes.

Não podemos também aceitar as conseqüências da noção de “sentido único”.


A afirmação do caráter normal da semi-frigidez na mulher é um caráter inaceitável.
Todos os ginecologistas estão de acordo em reconhecer que o orgasmo feminino é
lento e que seu desencadeamento é difícil. Esses caracteres negativos têm seu
reverso positivo: a satisfação orgástica, quando se realiza na mulher, tem um caráter
de plenitude que lhe é próprio e que não se encontra no orgasmo masculino.

Para refutar completamente que o orgasmo feminino é um caráter virilóide


seria preciso mostrar pormenorizadamente o aspecto complementar das reações
fisiológicas e psicológicas de cada sexo no curso do coito. Mas isso ultrapassaria os
limites do presente trabalho.

A oposição que Marañon estabeleceu entre as duas formas de


homossexualidade feminina reduz-se à distinção puramente clínica entre a
indiferenciação ou bissexualidade, de um lado, e a paradiferenciação ou
homossexualidade verdadeira de outro lado. Esta classificação é superponível à que
propusemos mais acima para a homossexualidade masculina. Pretender que a
homossexualidade feminina verdadeira é algo “progressivo” é cair no puro verbalismo.

A noção de intersexualidade é tão mal precisada em Marañon como a de


“sentido único”. O clínico espanhol escreve que Goldschmidt foi o primeiro a agrupar
todas as formas da sexualidade confusa sob o nome de intersexualidade. Essa
fórmula é absolutamente inadequada ao pensamento de Goldschmidt. Enquanto
Marañon toma o nome de “intersexualidade” num sentido vago e puramente descritivo,
Goldschmidt o emprega num sentido extremamente mais preciso e etiológico.

O biólogo alemão distingue três casos de sexualidade mais ou menos mista: o


monecismo, o ginadromorfismo e a intersexualidade. O monecismo é “a presença
normal e funcional dos dois sexos num mesmo indivíduo, seja simultaneamente, como
nos cestódios e certos moluscos”. O ginandromorfismo é a anomalia do individuo “que
se apresenta exteriormente como um mosaico dos dois sexos. A maioria dos
ginandromorfos, que se encontram sobretudo nos insetos, é mais ou menos
exatamente bipartida, sendo uma metade feminina, a outra metade masculina.
“Pode-se igualmente observar as combinações as mais diversas, até um
imbricamento muito complicado das partes masculinas e femininas”. O
ginandromorfismo “é um fenômeno puramente genético, de origem muito simples.
Toda desordem citológica, cuja conseqüência é a formação de dois núcleos diferentes
no que concerne aos cromossomos X, produz ginandromorfos.

Este fenômeno pode ser estudado em detalhe em dois casos. O primeiro é o


bicho da seda. A anomalia genética dos cruzamentos mostra que a diferença sexual
dos dois núcleos é o resultado de uma dupla fecundação. É capital notar que esta
interpretação genética pode ser verificada diretamente pelo exame citológico. O
segundo caso é o da drosófila. A análise genética mostra que se perdeu um dos dois
X no curso de uma divisão celular. Mas falta ainda sua demonstração citológica no
presente momento.

Assinalemos, para prevenir a possibilidade de uma confusão séria, que


Pézard empregou a palavra “ginandromorfismo” para designar um fenômeno diferente.
Pézard castrou um galo e enxertou nele um ovário. Uma parte do corpo recebeu então
a plumagem. As penas do galo permaneceram masculinas até a muda seguinte, mas
na parte de plumagem nova, os folículos começaram logo a regenerar penas de
caráter feminino, sob a influência dos hormônios do ovário enxertado. Se havia penas
em via de crescimento, no momento da operação, elas conservavam a forma e a cor
masculina em sua extremidade, ao passo que na sua base, de crescimento posterior,
apresentava caracteres femininos. É claro que não se deve dar o mesmo nome a esse
mosaico de origem hormonal e ao mosaico de origem genética estudado por
Goldschmidt, sob o nome de ginandromorfismo.

A intersexualidade é a anomalia do indivíduo “que começou seu


desenvolvimento com seu sexo genotípico e que o termina com o sexo oposto”. Em
oposição ao caso dinandromorfo todas as células do intersexuado têm o mesmo
equipamento cromossômico, o do sexo genotípico. Um interesexuado depende da
oposição do tempo no ponto em que se faz a mudança de sexo, que Goldschmidt
chama “ponto de viragem”. Todos os graus de sexualidade e a transformação
completa do sexo nas duas direções puderam ser realizadas à vontade e segundo
regras inteiramente dependentes da intervenção do pesquisador, nas experiências de
Goldschmidt com a borboleta Lymantri díspar (Goldschmidt, D.S.I., p. 50-52).

Cremos ter dito o suficiente para que se perceba a acepção deploravelmente


imprecisa que a palavra “intersexualidade” reveste em Marañon. Ele bloqueia nesta
rubrica todos os fenômenos de sexualidade confusa, quando a análise de seus
mecanismos permite diferencia-los claramente. Assim é que ele inclui na
intersexualidade a ginecomastia e a hipospadia (Marañon, E.S., p. 100-114), ao passo
que Goldschmidt chegou à conclusão de que esses fenômenos não resultam dos
mecanismos da intersexualidade zigótica (Goldschmidt, D.S.I, p. 181).

A confusão na qual se debate Marañon tem sua origem no vício fundamental


do método: o médico espanhol limitou-se à observação de fatos humanos e desprezou
os resultados experimentais da biologia geral.
As considerações precedentes permitem-nos não nos determos na discussão
dos argumentos de Marañon em favor de sua concepção hormonal da
homossexualidade. O primeiro argumento, tirado do condicionamento da libido pela
increção gonodal é uma simples indicação e dele nada se pode concluir de decisivo.

O segundo argumento, que consiste em esperar que os resultados achados


por Steinach (sobre a existência nos testículos dos invertidos de células especiais)
serão revalorizados por descobertas ulteriores, apenas merece a resposta
desdenhosa de Moll. “Enquanto se espera, todo este edifício está nas nuvens”.

O terceiro argumento que se apóia sobre os resultados da terapêutica da


homossexualidade pelo enxerto testicular é, segundo a confissão do próprio Marañon,
absolutamente sujeito à crítica no estado atual das pesquisas.

O quarto argumento, fundado sobre a presença de sinais físicos de


intersexualidade nos homossexuais, é o verdadeiro fundamento da tese de Marañon.

Após o que foi dito acima não é difícil mostrar sua pouca solidez. Para que os
sinais em questão tenham um valor comprovador, seria preciso que sua natureza
fosse realmente elucidada. Ora, vimos que na hora atual é o mais das vezes
impossível saber se um caráter somático dado é neutro, ambossexual ou feminóide.
Além disso, a palavra “intersexualidade” tem um sentido absolutamente preciso,
derivando de pesquisas experimentais minuciosas. Ela se aplica limitativamente a
fenômenos bem determinados e não deve ser empregada no sentido vago, como o faz
Marañon. Não é ser severo em demasia concluir que a demonstração do clínico
espanhol deve ser inteiramente retomada em seus fundamentos, caso se queria dar-
lhe valor.

A utilização das experiências de Pézard em favor da interpretação puramente


biológica da homossexualidade não nos reterá mais tempo. Basta notar que, como diz
muito justamente Hesnard, “estas belas experiências produziram fatos de
transformação sexual corporal e parcialmente funcional; mazelas nunca puderam
produzir um só fato de perversão erótica verdadeira (Bernard, I., Homosexualité et
Endócrinas, em L`Évolution Psychiatrique, nova série, vol. 3, fascículo l, p. 46).

Quando Pézard fala de inversão sexual experimental, a palavra “inversão” não


designa em seus escritos a homossexualidade, com sua discordância entre a
sexualidade somática e a orientação do instinto para o objeto, mas a mudança de sexo
com concordância entre a morfologia e a instintividade. Deve-se fazer a mesma
observação a respeito das experiências mais decisivas ainda que Harms e de Ponse
nos sapos.

Se a existência da homossexualidade por paradiferenciação inata não pode


ser demonstrada pela biologia geral, não se pode para afirmá-la, apoiar-se na
psicoclínica. Nesse terreno, a prova aparece não menos difícil de obter. Distinguimos
mais acima duas questões: existe na verdade a homossexualidade inata? Supondo-se
que ela existe, quais são os sinais que permitem estabelecer seu diagnóstico
diferencial? Uma vez que o problema deva ser resolvido pela psicoclínica, as duas
questões se reduzem a uma só: existem sinais que só se possam explicar por uma
anomalia inata?

Há certos sinais que orientam para a hipótese de uma paradiferenciação


adquirida e psicógena. Moll desenvolveu muito bem este ponto de vista. Ele faz notar
que, na hipótese que nós chamamos uma paradiferenciação inata, o objeto erótico do
homossexual deveria ser o mesmo que o da mulher, isto é, o homem adulto.

As Psicoterapias da Homossexualidade

A sugestão com ou sem hipnologia, embora esteja um pouco abandonada em


nossos dias, sabe-se que ainda funciona. Ela foi empregada por diversos autores,
especialmente por Schrenck Notzing. É bem provável que após ter sido
superestimado, este processo é, na hora atual, injustamente subestimado. É
impossível, segundo Pavlov, manter condenação pronunciada contra a hipnose por
Vavinski e Duprém.

A terapêutica de associação de Moll é, como sugestão, um método sintético e


construtivo. Consiste em pegar o ponto de junção entre a anomalia e o impulso, de
modo a reforçar progressivamente este último, manobrando cuidadosamente nas
transições. Este método foi aplicado por Moll frequentemente e com sucessos em
casos de inversão. “Conheço casos inumeráveis, escreve ele, em que a
homossexualidade regrediu completamente e desapareceu, tendo o paciente se
submetido inteiramente, durante muito tempo, às condições impostas pelo tratamento
de associação. Pude seguir uma parte desses homossexuais (invertidos) durante dez
ou vinte anos, e mesmo trinta anos após o desaparecimento da homossexualidade, e
não há dúvida para mim que eles permaneceram normais”.

A Psicanálise também foi aplicada ao tratamento da homossexualidade. Freud


é tão reservado sobre o valor terapêutico de seu método quanto ao seu valor
explicativo. Escreve Freud

A experiência mostrou que nunca é fácil curar a inversão genital ou


homossexualidade. Ao contrário, certifiquei-me que só se obtinham curas em
condições particularmente favoráveis e, mesmo então, o sucesso consistia
essencialmente em se ter podido abrir, para a pessoa entravada pela
homossexualidade o caminho barrado que conduz ao outro sexo, isto é, restabelecer
sua plena função bissexual. Pertence, portanto, ao paciente decidir se quer abandonar
o outro caminho condenado pela sociedade e, em alguns casos, ele consegue. É
preciso que se diga que a sexualidade normal repousa também sobre uma restrição
da escolha do objeto e que, em geral, a empresa de transformar um homossexual
plenamente desenvolvido num heterossexual, oferece poucas probabilidades de
sucesso, como aconteceria com o ensaio inverso que, bem claro, por razões práticas,
nunca foi tentado.
É importante, subjetivamente, induzi-lo à “cura da própria imagem negativa”
como relata David A. Seamanda (Cura para os Traumas Emocionais, Betânia, 1984, p.
74). Ele fala da necessidade de levar o indivíduo a ter a sensação de ser alguém, e
descreve os três componentes básicos de uma imagem própria equilibrada e sadia: O
primeiro, é o sentido de aceitação. A sensação de que se é amado. O segundo
componente é o senso de valor próprio. O terceiro é o senso de competência. É o
conceito emocional que afirma: “sou capaz de fazer ou de deixar de praticar atos
indignos de um homem, e humilhantes”.

Normalmente, o homossexual tem sua imagem projetada na mãe, se


masculino, ou no pai, se feminino. Não obstante fatores orgânicos prevalecem, na
maioria absoluta das vezes, como resultados de traumas interiorizados e adquiridos na
infância. Portanto, levá-lo a saber que é amado é uma maneira de fazê-lo sentir-se
valorizado e respeitado. Daí desenvolverá uma motivação natural para abandonar o
homossexualismo, da mesma forma que o alcoólico abandona a bebia.

Uma outra técnica psicoterapêutica é o desvio do impulso sexual. É baseado


também na necessidade de desviar seu impulso sexual para atividades artísticas ou
científicas. Dar trabalho (terapia ocupacional) que satisfaça a pessoa e isolá-la
textualmente do seu meio social em que se desenvolveu seu desvio sexual.

O que dificulta o ajuntamento do homossexual, não é tanto o fato de ser


homossexual, mas de ter atitudes neuróticas. Quando o homossexual é histérico, não
existe nele o “ar angelical” que lembra a mulher, mas, uma agressividade bem
perceptível contra tipos de pessoas parecidas com aquelas que estiverem presentes
em seus conflitos infantis. Uma vez que as dificuldades do homossexual surgem em
conexão com a incapacidade de se relacionar adequadamente com os outros, torna-se
importante que se crie uma atmosfera de aceitação (compreensão), e não de críticas e
sansões ao individuo.

O homossexual tem tido relações de amizades inadequadas com os adultos


de seu meio ambiente. Um dos principais fatores que o ajudarão a se recuperar desse
desvio sexual é a formação de um conceito do papel esclarecedor baseado no seu
novo relacionamento com o terapeuta. Quando o homossexual começa a se relacionar
com o seu “conselheiro”, ele pode formar gradualmente atitudes corretas em relação
ao seu papel sexual. O tratamento do homossexual, geralmente é um processo longo,
visto que leva muitos meses para que ele desenvolva esse tipo de relacionamento
com o terapeuta.

A Noutética
O papel do terapeuta é auxiliar o homossexual a compreender a dinâmica de
seu distúrbio. Juntos, podem discutir as condições do estado da pessoa e de seu
ambiente familiar, que lhe causaram este comportamento distorcido. Quando o
homossexual começa a perceber as forças que o levaram a enfraquecer, perdem as
forças até uma total descondensação de seus impulsos anormais. Para complementar
uma inteira compreensão das dinâmicas do desenvolvimento de sua personalidade, o
homossexual precisa ser assistido no sentido de restabelecer atitudes saudáveis com
relação ao sexo e ao casamento. Não tenho a menor dúvida de que, uma discussão
aberta e muito bem colocada a respeito das funções do corpo criado por Deus para a
prática das relações heterossexuais muito auxiliarão o indivíduo.

Alguns terapeutas alcançaram excelentes resultados, usando a terapia grupal


como um acessório suplementar ao aconselhamento ou sessões também
denominadas de psicodinâmica. Estas sessões grupais, embora condenadas por Jay
E. Adams em seu livro O Conselheiro Capaz (procedimento não analítico), cremos,
convictamente, que este procedimento em grupo ajuda o homossexual a focalizar seu
relacionamento interpessoal e social.

Considerando que o homossexual é uma pessoa que encontra dificuldades em


se relacionar com o sexo oposto, a oportunidade de reintegrá-lo na interação social
numa sessão de terapia mista é muito valiosa. Nestas sessões, o homossexual pode
ganhar confiança em sua habilidade e de se entrosar com membros do sexo oposto.
Quando são formadas a auto-confiança e concepções de seu papel real, os impulsos
homossexuais de outro começam a perder a força. Adams, fala-nos da confrontação
noutética (procedimento não analítico), metodologia pela qual, pessoalmente tenho
grande simpatia e confesso alguns resultados, não só no tratamento de
homossexuais, mas, também de alcoólicos.

Ele apresenta a técnica da confrontação noutética, definindo a palavra


nouthétesis como um termo que contém mais de um elemento fundamental.

As traduções tradicionais vacilam entre as palavras “admoestar”, e “exortar”,


embora nenhum vocábulo em português comunique o pleno sentido da palavra
nouthétesis. Mas, a confrontação noutética consiste de pelo menos três elementos
básicos. Ela sempre envolve um problema e pressupõe um obstáculo que tem que ser
vencido; ou seja, algo vai mal na vida daquele que é confrontado. Cremer dizia: “algum
grau de oposição foi achado, e o que se quer é subjugá-lo ou removê-lo, não pela
punição, mas procurando influenciar o nous (mente)”.

A noutétese, que é um procedimento não analítico, repito, pressupõe,


especificamente, a necessidade de que se verifique mudança na pessoa confrontada,
a qual pode opor ou não alguma resistência. A idéia de alguma coisa errada, algum
problema, alguma dificuldade, alguma necessidade que precise ser reconhecida e
tratada é uma idéia fundamental. Em suma, a confrontação noutética põe em relevo
uma condição no cliente que faz Deus querer que passe por uma transformação.

Daí, o propósito básico da confrontação noutética, que é o de efetuar


mudança de conduta e de personalidade. Finalmente, a palavra é frequentemente
empregada em conjunção com didásko (que significa “ensinar”). A palavra didásko não
inclui coisa alguma que diga respeito ao ouvinte, mas se refere exclusivamente ao
instrutor ou conselheiro. A palavra nouthétesis (aportuguesada para noutétese)
focaliza aquele que faz a confrontação e aquele que a sofre.

O segundo elemento inerente ao conceito de confrontação noutética é que os


problemas (ou as psicopatologias) são resolvidos nouteticamente por meios verbais.
Diz Trunch:

É o treinamento mediante a palavra – mediante a palavra de encorajamento,


quando isso basta, mas também pela palavra de admoestação, de reprovação, de
censura, quando esta se faz necessária; em contraste com o treinamento por meio de
atos de disciplina, que é a paidéia. O traço distintivo da nouthesía é o treinamento via
oral.

Assim, ao conceito de noutétese deve-se acrescentar a dimensão adicional da


confrontação verbal pessoa-a-pessoa. A noutétese pressupõe uma confrontação de
aconselhamento, cujo objetivo é realizar mudança de comportamento e de caráter no
indivíduo.

Os métodos comuns de aconselhamento (procedimento não analítico, repito),


recomendam longas e freqüentes incursões retrospectivas rumo às confusões dos
porquês e para-quês na conduta humana. Em vez disso, a técnica de orientação
noutética aplica-se intensamente à discussão de o que. Todo o porquê que um
consultante precisa saber pode ser claramente demonstrado pelo o que. O que foi
feito? O que precisa ser feito para corrigi-lo? O que deverá constituir as futuras
reações e respostas? Na confrontação da orientação noutética, a ênfase cai em “o
que”, em lugar de em “por quê?”, visto que já se sabe o “por que” antes de iniciar-se o
aconselhamento.

O terceiro elemento presente na noutétese, tem em vista o propósito ou


motivo subjacente à atividade noutética. O que sempre se tem em mente é que a
correção verbal visa a beneficiar o interessado. Tem-se a impressão de que nunca se
perde esse motivo beneficente, e de que ele é muitas vezes o motivo por excelência.
Assim, pois, o terceiro elemento presente, implica em mudar aquilo que, em sua vida,
fere o consultante. A meta deve ser a de enfrentar diretamente os obstáculos e vencê-
los verbalmente, não com o fim de puni-lo mas, sim, de ajuda-lo.
CONCLUSÃO

Concluir corresponde encerrar. Abstrair o máximo de uma idéia ou conceito.


Dessa forma, assim entendo, concluímos nossa dissertação, com o que de mais
significativo tentamos repassar àqueles que para o nosso privilégio honraram-nos com
a sua leitura.

O psicanalista, fundamentado no amor puro e infinito, deve introjetar-se no


mundo dos pacientes. Imediatamente, utilizando-se da devida técnica, voltar a uma
visão externa do problema do paciente. Assim, poderá emitir o reflexo como se
espelho fosse para que se desnudem as sombras interiores que obstruem o caminhar
contínuo psicomaturacional dos pacientes. Nenhum psicanalista terá sucesso se não
for capaz de lançar mão de suas próprias reações inconscientes quando em uma
análise, sob uma atenção sempre flutuante.

Através das transferências dos pacientes, o psicanalista deve ter o poder de


acumular, resistir e suportar as tensões despejadas pelos pacientes sobre ele.
Gradativamente, o psicanalista dará retorno, uma-a-uma aos pacientes. Deverá dosar
este retorno, a fim de não sobrecarregar as bases e limiares de suporte dos pacientes.

O psicanalista assume, em determinado momento da análise, a partir de uma


aliança de confiança de trabalho entre ele e o seu paciente, as funções do ego de
seus analisados.

Os pacientes que, emocionalmente, durante a análise, perdem seu ego


racional, deverão gozar de uma atenção toda especial por parte do analista, de onde
são válidos os procedimentos não-analíticos em momentos de liberações emocionais
supra resistenciais pelos pacientes. Isto, até que recuperem o ego-racional,
demonstrando aptidão de respostas em limites socialmente aceitos de normalidade
para, só então, poderem deixar a situação analítica.

Nenhum ser, por mais frágil e aparentemente perturbado, está à margem das
reações impostas pelos seus meios de convívio. Os meios de nossas interações são
os pólos irradiadores de todas as nossas dúvidas e convicções.

Tanto o jovem psicanalista quanto o mais experiente sofrem os reflexos


neuróticos de seus pacientes. Logo, é aconselhável que se submetam periodicamente,
a cada três ou cinco anos, a visão externa de um colega psicanalista para uma
retomada de suas bases e alicerces que sustentam emocionalmente.

A confrontação dos pontos inconscientes manifestos durante a análise de


seus pacientes, são os principais pontos a serem aprofundados e esclarecidos para
iluminar a trajetória dos analisados.

Na atualidade, não há patologias que não possam ser associadas ao


tratamento psicanalítico. Desde o menino de sete anos que se joga no chão na escola,
ao criminoso que friamente mata para roubar ou o neurótico compulsivo com
personalidade limítrofe podem receber da Psicanálise o impulso necessário à
retomada ao caminho central na escalada evolutiva psicomaturacional humana.

Algumas mães que no passado julgavam-se intratáveis pela Psicanálise, na


atualidade demonstram possibilidades de serem analisadas, com o respectivo retorno
e benefício a partir da tomada de consciência.

A Psicanálise assume, desde a Segunda Grande Guerra, um lugar de


destaque na área de saúde clínica, voltando-se para uma postura psico-médica-
clínica, com reversões de quadros clinicamente intratáveis por outros ramos da
medicina.

A técnica e a prática da Psicanálise debruçam-se sobre os ombros da


experiência, tolerância, preparação científica e cultural do psicanalista, sem
desconsiderar, sua bagagem e suportes de conhecimentos ambulatoriais, elementares
ao exercício de quaisquer atividades ligadas diretamente ao diagnóstico e cura de
enfermidade biopsicofísicas e mesmo social.

A imortalidade das bases genéticas liga as gerações sucessoriamente,


garantindo assim, uma cadeia eterna entre os seres, desde um remoto passado, ao
futuro infinito. Dessa premissa, a genealogia ganha espaço como exame
complementar à avaliação psicanalítica.

Todo o ser, direta ou indiretamente, está sob análise, ainda que não técnica e
profissional, mas nos próprios meios onde interage. Ora desempenha o papel do
psicanalista, ouvindo e buscando interpretar seus interlocutores, como assume o papel
de analisado, depositando suas tensões sob ombros “em sua totalidade”
despreparados para suportar tais tensões. E pelo medo ou pela falta de preparo
formativo e técnico, jogam, muitas vezes, seus “confessores” em uma perspectiva sem
retorno, podendo, até mesmo, precipitarem acontecimentos irreversíveis de ordens
máximas existenciais.

Entre os aspectos axiológicos (valores dos meios externos) e catéxicos


(valores interiorizados daquilo que fora axiológico) o psicanalista trabalha as mais
variadas ordens de “problemas” que, inversamente, representam o preparo do próprio
ser que os administra.

Todo o medo e desequilíbrio têm uma origem sólida na construção


psicomaturacional do ser. As drogas e dependências psicotrópicas, mesmo as de
ordem terapêutica, têm retorno de sustentação “zero” à efetiva normalidade e
equilíbrio dos seres. A Psicanálise consegue o equilíbrio total do ser, a partir da
reconstrução de suas bases internas conceituais.

A maior técnica e prática que pode um psicanalista receber encontra-se em


sua própria análise por um psicanalista clínico com didática, experiente e
comprometido com a evolução verto-horizontal da Psicanálise Clínica.

Ficam aqui os registros de nossos esforços em contribuir à difusão teórica e


pressupostos científicos à utilização técnica da prática clínica em Psicanálise.

Esperamos que, todos aproveitem o que até aqui conseguimos


paradigminimizar deste ramo.

Que todos os nossos companheiros, psicanalistas clínicos, usufruam das


novas tendências das especialidades. Aos futuros doutores e àqueles que já atuam
clinicamente, nossos respeitos e votos de muito êxito em seus consultórios, clínicas,
hospitais e sobretudo em seus avanços e pesquisas.

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THUREAU-DANGIN, François. Recherche sur L‟origine de L‟écriture Cuneiforme.


ANEXOS

Anexo 1

Posturas Terapêuticas na Prática Clínica

Tempo Psicanalítico X(I): 19-31, 1987


Nahman Armony

Dedico este trabalho à Graça

"A ontogenia repete resumidamente filogenia”.

"A compreensão dos documentos de Freud está ligada

a nossa própria experiência analítica”. (Samuel D. Lipton)

Ao percorrer a história da psicanálise eu o fiz abraçado à minha experiência


vital. Portanto, aquilo que aqui estiver escrito terá a ver com situações vividas e
elaboradas por mim. As lacunas e falhas resultantes desde posicionamento se
compensam por uma maior densidade, inteireza, sutileza e força expressiva na
apresentação das noções e das situações. Os acontecimentos vistos de dentro e
sentidos no seu próprio interior revelam qualidades impossíveis de serem captadas
mediante uma simples observação externa. A identificação e a empatia são formas
de conhecimento que nos colocam na intimidade nuclear do objeto, diferentemente
da simples percepção e do raciocínio lógico que nos mantêm no seu exterior. Da
mesma forma que, em Biologia, a ontogenia repete resumidamente a filogenia, na
minha evolução repeti o desenvolvimento da psicanálise. Estou, pois, falando
concomitantemente de duas evoluções: a minha e a da psicanálise. A
pessoalidade desta formulação é proposital. O conhecimento psicanalítico deve
passar pela personalidade do terapeuta, o que não o impede de ser objetivo.

Por que e para que a expressão "postura terapêutica"? O que pretendo


abranger e significar? Não se cogita de pensar sobre a maneira particular que cada
terapeuta tem de se relacionar com seus clientes. Isto pertence à ordem do
idiossincrásico e será deixado nas sombras da subjetividade. Penso, sim, em
posturas que emanam de desenvolvimento e elaborações técnicas e teóricas e que,
portanto, apresentam uma certa generalidade. Mas, então, por que falar de postura?
Será que as recomendações encontradas nos artigos sobre técnica, de Freud, já
não incluem a postura terapêutica a ser adotada? Quando se prescreve neutralidade,
abstinência, incognição, reserva, atenção flutuante etc., não decorre daí uma postura?
Para uma mesma técnica caberia mais de uma postura?

Reportemo-nos a Kanzer e Blum (1967): "A atitude (dependente) com que


o paciente se apresenta para o tratamento encontra uma disposição complementar
na função diatrófica (Spitz, 1956), isto é, nas intenções de curar que reproduzem 'as
atitudes acalentadoras que emanam da mãe verdadeira durante o desenvolvimento
primitivo da criança'." (p. 164). E mais adiante: "Gitelson acredita que a função
diatrófica é suficientemente inerente à técnica clássica, usada com flexibilidade, para
tornar desnecessárias modificações específicas." (p. 165). Segundo Gitelson,
portanto, a introdução e valorização de temas pré-edípicos na teoria e técnica
psicanalítica não requerem nenhuma modificação explícita desta última. Porém, algo
se introduz e, portanto algo tem que mudar. Esta mudança se nos apresenta não
como uma mudança de comportamento, mas como urna modificação ou um acréscimo
nos propósitos e intenções. Modifica-se então a postura. A postura-espelho,
inicialmente indistinguível da técnica psicanalítica clássica, evolui para uma outra
postura: a postura-continente. Tenho a impressão de ter pinçado de modo
aparentemente arbitrário um momento de um continuum que vai da postura-espelho,
passa pela postura-continente e segue adiante. Temos aqui evidenciada a
importância da experiência própria, a qual, enquanto não validada consensualmente,
permanece subjetiva. É um risco que temos de correr. O ponto "continente" foi
selecionado por atender às necessidades terapêuticas de um certo tipo de cliente: o
"borderline". O paciente neurótico pode ser atendido dentro dos limites da postura-
espelho. Esta tem a vantagem ou desvantagem de ser a mais limpa, a mais higiênica, a
mais ascética das atitudes, aquela que menos envolve e perturba o terapeuta.
Porém, as situações "borderline" exigem uma participação afetiva maior do
terapeuta, uma sensibilidade aumentada para as necessidades não-verbalizadas do
cliente, o que pode ser conseguido mais facilmente quando nos colocamos em uma
postura-continente. Como já foi dito, tanto a postura-espelho quanto a continente estão
cobertas pela técnica analítica clássica. Esta técnica tem como seu principal
instrumento a interpretação. Por isto mesmo podemos denominar a conduta do
terapeuta, dentro das duas posturas já assinaladas, como um comportamento
ínterpretativo. Não há, porém, como ignorar, desde o início da psicanálise, a
experiência de uma outra perspectiva: a vivencial. Esta permanece grande parte do
tempo em segundo plano, atrelada ao comportamento interpretativo. Aos
poucos, contudo, ganha um extraordinário desenvolvimento, especialmente no
trato com psicóticos, adolescentes e crianças, a ponto de, em certas situações,
sobrepujar e substituir o comportamento interpretativo, constituindo-se em uma
entidade de direito próprio: o comportamento co-vivencial. Veremos, no decorrer deste
trabalho, mais apuradamente, as suas características. Por enquanto adiantarei que o
comportamento co-vivencial compartilha com o comportamento interpretativo, a
postura-continente e admite roais duas: a postura-simbionte e a postura-dialogai
Como veremos, a primeira é particularmente adequada para o trato com as situações
psicóticas, enquanto a segunda tem o seu uso preferencial nas relações terapêuticas
com adolescentes.

O Comportamento Interpretativo

1. A Postura-espelho

Esta denominação deriva-se de uma frase de Freud (1912) que se tornou


famosa: "O médico deve ser opaco aos seus pacientes e, como um espelho, não
mostrar-lhes nada, exceto o que lhe é mostrado" (p. 157). Esta posição, olhada de
certo ponto de vista, levaria o terapeuta a adotar uma atitude onipotente, negando
os seus sentimentos e fantasias e tornando-o um "devolutor de material", pouco
cuidadoso, sem maior compreensão ou sutileza. Poderíamos então, talvez, inspirados
em Birman (1984), tomar esta frase como um eco de um período em que "... o
psicanalista funcionaria como alguém inteiramente analisado, que realizou um
processo analítico do qual nada restou de insólito e de não representável. O
psicanalista seria, portanto, a própria imagem da razão absoluta recuperada...". (p.
16). "... O terapeuta era portador de um código absoluto, dotado de uma concepção
racional do processo interpretativo, que lhe caberia aplicar para o desvendamento
do sentido estruturado nos sintomas. Mesmo com a descoberta da atividade
fantasmática, que relativizou a teoria traumática da neurose,... não se transformou
imediatamente este modelo da prática psicanalítica". (p.32). Se este modelo pertence
ao passado, porque falar dele? Birman dá-nos a resposta: "Por mais que possam
nos espantar as linhas mestras sublinhadas no esboço da sua caricatura, sem
dúvida, se observarmos o nosso campo psicanalítico poderemos assinalar como
este modelo não é tão estranho como possa parecer à primeira vista. Este modelo é
muito mais presente e difundido do que possa inicialmente parecer". (ibid., p.!7).
Voltemos agora à frase de Freud sobre o espelho. Uma leitura onipotente deste
trecho pode ter a ver com uma certa ambigüidade de Freud. É possível que nos
textos sobre técnica tenham penetrado fragmentos de uma atitude pretérita. Ou que
estivesse ainda em curso de um processo de transformação. Sabemos quão difícil é
superar o passado. De qualquer forma, o uso inadequado, onipotente, da postura-
espelho pode ser compreendido, na atualidade, primeiro, peia tendência que tem
os analistas de repetir resumidamente a história da psicanálise e, segundo, pela
necessidade defensiva que permanece em alguns. Ã frase acima presta-se
admiravelmente bem para racionalização de uma atitude defensiva em que o
terapeuta se coloca em uma posição onipotente-intocável. As palavras do cliente
batem na superfície espelhada do analista e voltam como se fossem "boomerangs".
O terapeuta não permite que elas o penetrem, não se deixa tocar em sua intimidade.
A devolução tende a ser imediata. Esta atitude defensiva encontra um reforço em um
outro parágrafo de Freud (1912): "Não posso aconselhar insistentemente demais os
meus colegas a tomarem como modelo, durante o tratamento psicanalítico, o cirurgião,
que põe de lado todos os sentimentos, até mesmo a solidariedade humana, e
concentra suas forças mentais no objetivo único de realizar a operação tão
competentemente quanto possível... A justificativa para exigir esta frieza emocional
no analista é que ela cria condições mais vantajosas para ambas às partes: para o
médico, uma proteção desejável para sua própria vida emocional e, para o
paciente, o maior auxílio que lhe podemos hoje dar" (p. 153). Aí estão todos os
ingredientes para uma mistura defensiva: pedaço de pau ou pedra de gelo
raciocinante, superfície lisa, polida, brilhante e impenetrável, máscara rígida, nua, sem
expressão, que nada deixa perceber de si, insensibilidade, impenetrabilidade,
incógnito. Resultado: um terapeuta que se considera possuidor de um código infalível,
que não empatiza nem se identifica; um terapeuta com uma atitude intelectual que
se defende das perturbações nele introduzidas pelo cliente, devolvendo
indiscriminadamente o material apresentado; um terapeuta que interpreta em excesso
ou, reativamente, pouco ou nada fala. Em contrapartida temos um cliente afogado em
suas próprias produções por não ter encontrado um escoadouro na compreensão de
outro ser humano; ele então se cala, guarda para si o potencialmente derivei para não
ser esmagado e fragmentado pelo inaudível. Nessa pantomima, o passo seguinte é
um terapeuta desgostoso, interpretando as "resistências" do cliente, ou não as
interpretando, mas delas se lamentando. Reação terapêutica negativa? Entramos
em um beco sem saída, em uma armadilha produzida pelo mau uso da postura-
espelho. A saída, nós a encontramos no próprio Freud. Não só no que ele próprio
escreveu e que modula as citações anteriores, como também no conhecimento de
quem foi o homem Freud, trazido pelo testemunho escrito de clientes seus. Vejamos o
que Freud (1912) nos diz: "... o médico deve colocar-se em posição de fazer uso de
tudo o que lhe é dito para fins de interpretação e identificar o material inconsciente
oculto, sem substituir sua própria censura pela seleção de que o paciente abriu mão.
Para melhor formulá-lo ele deve voltar seu próprio inconsciente, como um órgão
receptor, na direção do inconsciente transmissor do paciente... Mas se o médico
quiser estar em posição de utilizar seu inconsciente desse modo, como instrumento
de análise, deve ele próprio preencher determinada condição psicológica em alto grau.
Ele não pode tolerar quaisquer resistências em si próprio que ocultem de sua
consciência o que foi percebido pelo inconsciente". (p. 154). Ora, temos aqui um
terapeuta não mais impenetrável; ao contrário, deverá estar permeável às produções
do cliente até o ponto de se deixar tocar no mais íntimo de si mesmo: seu
inconsciente. Ainda mais: deverá ser suficientemente sensível para transformar as
obscuras sensações inconscientes em um pensamento articulado e então separar o
que a ele pertence e o que é território do analisando. Atingida esta meta poderá
cuidar de apenas interpretar o inconsciente do analisando, sem revelar o seu
próprio. O momento da interpretação é o momento privilegiado do funcionamento em
espelho.

Para que todo esse processo ocorra precisamos de um terapeuta sensível.


Como então explicar a recomendação de frieza? Esta noção também deve ser
modulada: o pleno desenvolvimento das fantasias e afetos do terapeuta perturbaria de
tal forma a sua serenidade que ele não poderia mais exercer uma ação terapêutica.
Porém, uma inibição completa de tais fantasias e afetos o impediria de compreender
o que se passa com o cliente. Deve-se, pois, permitir que eles ganhem suficiente
corpo para que o analista tenha notícias do que está acontecendo consigo. A
sensibilidade é, portanto, necessária, mas o desenvolvimento dos afetos e fantasias
decorrentes deverá ser limitado a uma sinalização. Este modelo é antigo em Freud.
Aparece no Projeto (1895) em referência à dor e às relações entre processo primário e
secundário; na Interpretação dos Sonhos (1900), quando coloca a necessidade da
inibição do desprazer para que a idéia possa ser investida. Vejamos a frase
correspondente: "Por conseguinte, o pensamento tem de visar a libertar-se cada vez
mais da regulação exclusiva pelo princípio do desprazer e a restringir o
desenvolvimento do afeto na atividade do pensamento ao mínimo exigido para agir
como sinal" (p.641). Reaparece em "Inibições, sintomas e ansiedade" (1926) como
ansiedade-sinal evocada pelo ego diante de uma perspectiva de perigo, (p. 187).
Também sobre o incógnito há algo a ser dito: como Lipton (1977) nos mostrou, esta
recomendação refere-se exclusivamente ao momento do trabalho analítico. Fora
destas ocasiões, Freud se comportava simplesmente como o homem que era. Existem
alguns fatos bastante divulgados, tais como a refeição oferecida ao "Homem dos
Ratos"; a ajuda pecuniária que Freud prestou ao "Homem dos Lobos", a interrupção de
uma sessão para brindar um "insight" obtido; o presente de suas obras oferecido a um
analisando etc. Mesmo no momento da terapia, Freud fazia comentários a respeito de
si próprio. "Freud me contou - diz-nos o Homem dos Lobos - que acabava de receber a
noticia que seu filho menor havia machucado urna perna enquanto esquiava, mas que
felizmente a lesão era leve e não havia perigo de dano permanente. Freud continuou
dizendo que de seus três filhos o menor era o mais semelhante a ele por seu caráter e
temperamento. Mais adiante Freud voltou a falar de seu filho menor em relação com
outra coisa. Nessa ocasião contou-me que também seu filho menor tinha querido ser
pintor, mas que depois havia abandonado a idéia para dedicar-se à arquitetura".
(Gardiner, 1971, p. 169). Blanton (1975) traz-nos também o seu testemunho: "Falei de
dinheiro e de meus problemas financeiros, dizendo que tenho vinte mil dólares. -
Quando eu tinha a sua idade não tinha tanto". (p.7).

"Eu solicitei um dia a Freud - conta-nos Kardiner (1978) - que falasse como se
via como analista. 'Estou contente que você tenha-me proposto esta questão; para
falar francamente, os problemas terapêuticos não mais me interessam. Eu sou
atualmente uma pessoa muito impaciente. Eu sofro de uma série de handicaps
que me impedem de ser um grande analista. Entre outras, eu sou
demasiadamente um pai. Em segundo lugar ocupo-me de questões teóricas; nas
ocasiões que se me apresentam para trabalhar eu trato mais de desenvolver minha
teoria que de questões de terapia. Em terceiro lugar eu não tenho paciência de ficar
com uma pessoa por longo tempo. Eu me canso dela e prefiro expandir a minha
influência'." (p. 103). O incógnito fica assim confinado ao exato instante da
interpretação, quando o inconsciente do terapeuta não se deve revelar, e não mais.
Finalmente, mais duas citações: "A única coisa que posso dizer é que em minha
análise com Freud eu me sentia mais na situação de colaborador que de paciente;
sentia-me como o companheiro mais jovem de um explorador experimentado que
embarca no estudo de um território novo e recém descoberto". (Gardiner , 1971, p.
164). "Em todos os momentos parecia estar próximo do que eu estava dizendo. Eu
sentia que ele estava interessado, que estava recebendo o que eu lhe dava. Não havia
esse distanciamento frio que, segundo eu imaginava, era a atitude que um analista
deveria ter". (Blanton,975. p.3). (Trata-se da primeira sessão de Blanton com Freud).

Depois de tudo isto, podemos fazer um pequeno resumo da postura-espelho


assinalando os seus pontos essenciais: o terapeuta permite que o seu inconsciente
seja alcançado pelas produções do cliente, evitando colocar barreiras defensivas,
mediante a adoção da "atenção flutuante". Com isto deflagram-se no terapeuta
sentimentos, afetos, emoções e fantasias, os quais deverão ficar no limite de
indicadores; estes serão usados para a compreensão do cliente, esta compreensão se
traduzirá em uma ação terapêutica referida à vida psíquica do paciente; é apenas
neste momento e com esta intenção que o terapeuta procurará ser frio e
espelhante. A postura especular é aquela que, dentro do comportamento
interpretativo, possibilita o menor envolvimento emocional do terapeuta. Mesmo
deixando-se tocar em seu inconsciente, mesmo permitindo o afloramento de afetos e
fantasias, estas situações podem ser logo resolvidas, já que o cliente neurótico não
necessita vitalmente de um continente para depositar suas produções psíquicas.
Fica assim o terapeuta rapidamente liberado das alterações emocionais que a
relação pode provocar, pois não lhe é necessário "carregar" consigo por mais tempo
aquilo que pertence ao cliente. Esta situação só é possível diante do ego bem
constituído do neurótico, que, por isso mesmo, é capaz de realizar um "splitting":
observar-se a si mesmo, fazendo uma crítica racional e objetiva de suas fantasias, de
seus sentimentos bem como das ações deles resultantes. Não necessita, pois, do
analista como um ego auxiliar. Pode-se assim estabelecer uma "relação de tarefa"
diferentemente do "borderline" e do psicótico que necessitam de uma "relação de
depositação". A aliança terapêutica pode ser mantida mesmo nos momentos mais
conturbados da relação. O cliente tem permanentemente a possibilidade de enxergar
o papel simbiótico-social do analista por mais intensos que sejam os seus
sentimentos transferenciais. A capacidade de suportar a frustração, a solidão, a
ausência e as diferenças está de tal forma elaborada que os aspectos simbióticos da
relação não ganham proeminência, permanecendo na obscuridade: o neurótico não
necessita de uma principalidade e permanência maior na relação de depositação.
Por isto tudo o terapeuta não se vê solicitado a sair da postura especular.

Doolittle (1918), uma analisanda de Freud, reproduz uma fala de seu analista:
"É preciso que eu lhe diga (você foi franca comigo e eu serei com você), eu não gosto
de ser a mãe na transferência. Isto sempre me surpreende e choca um pouco". (p.
65). Esta fala, articulada com aquela anterior, reportada por Kardiner, onde Freud se
declara "demasiadamente um pai", são sugestivas de um elo entre a personalidade
do criador da psicanálise e a postura-espelho. Confrontada com a postura-continente,
evocadora de uma função materna, a postura especular se nos apresenta ligada à
função paterna. A postura-continente não foi desenvolvida por Freud, mas por alguns
de seus discípulos que valorizaram as situações pré-edípicas, aprofundando a sua
compreensão.

2. A Postura-continente

Muito antes da postura-continente poder reconhecer-se como tal, surgem na


literatura psicanalitica elementos teóricos que a ela conduzem. Estes elementos
acumulam-se inadvertidamente na psicanálise e, se fôssemos percorrer toda a
cadeia ideativa desta noção, certamente nos perderíamos nos inícios da
psicanálise. O momento arbitrário escolhido para introduzir-me na história da
postura-continente é aquele em que Melanie Klein cunha a noção de "identificação
projetiva". Em resumo, a identificação projetiva é o mecanismo, através do qual uma
pessoa fantasia inconscientemente colocar no interior de outra partes más e/ou boas
destacadas do próprio eu, com a finalidade de agredir, controlar, presentear. (Klein,
1946). Todavia, nem este conceito, nem o seu correlato "contra-identificação
projetiva" introduziram na teoria kleiniana a idéia de um "continente". Segal (1967),
ao resumir a técnica kleiniana, mostra-se mais realista que o próprio rei: "A técnica
kleiniana baseia-se rígida e psicanaliticamente nos conceitos psicanaliticos
freudianos... O papel do analista limita-se à interpretação do material do paciente, e
toda crítica, conselho, encorajamento. tranquiilização e coisas semelhantes são
rigorosamente evitadas. As interpretações centralizam-se na situação transferência,
acolhendo imparcialmente as manifestações de transferência positiva e negativa, à
medida que aparecem...Poder-se-ia dizer, em conseqüência disso, que não há lugar
para o termo 'técnica kleiniana‟?". Segai (op.cit.) responde: "Ela (M. Klein) enxergou
aspectos do material que não haviam sido vistos antes e, ao interpretar esses
aspectos, descobriu mais naturalmente o que não poderia ter sido conseguido de
outra maneira e que, por sua vez, impôs novas interpretações, raramente ou nunca
utilizadas na técnica clássica". (p. 35-36). Nem uma palavra sobre uma nova atitude
do analista, que decorreria naturalmente das noções de identificação
projetiva/contra-identifícação projetiva. Poder-se-ia até pensar em uma formação
reativa. Como a teoria kleiniana conduz inelutavelmente à postura-continente, esta
tem de ser veemente negada, para evitar que a parte da comunidade psicanalitica
mais conservadora encontre brechas por onde atacar. Bion (1962) retoma a noção
de identificação projetiva, e introduz o conceito de "continente": "Melanie Klein
descreveu um aspecto da identificação projetiva relativo à modificação dos temores
infantis. A criança projeta parte da psique, isto é, de seus sentimentos maus, dentro
do seio bom. Daí, são, no devido tempo, removidos e reintrojetados. À permanência
deles no seio bom faz com que pareçam modificados de tal maneira que a psiquê da
criança tolera bem o objeto reintrojetado. Da teoria acima, para uso como modelo,
abstraio a idéia do continente em que se projeta o objeto e a do objeto projetado
dentro do continente. A este último designarei de conteúdo". (p. 108). Mais adiante
Bion usa os seus próprios termos para descrever a mesma interação: "Na situação
em que a criança projeta o elemento-beta, ou seja, o medo de estar morrendo, e
o continente o recebe de modo tal que o 'desintoxica', isto é, modifica-o, já a criança
pode recebê-lo de volta dentro de sua personalidade, sob forma tolerável. A operação
assemelha-se àquela que a função-alfa realiza. A criança precisa da mãe para
atuar como a função-alfa". (p. 145). Bion acrescenta que para exercer esta
função de continente a mãe deve estar em um estado psicológico especial, ao
qual ele deu o nome de "devaneio": "... o devaneio é o estado da mente para
receber quaisquer 'objetos‟ do objeto amado e é capaz, portanto, de receber as
identificações projetivas da criança, quer ela as sinta como boas ou más. Em suma, o
devaneio é um fator da função-alfa da mãe". (p. 52). Até aqui as citações referem-se
à relação mãe-filho. Bion, porém, fala-nos também da relação analista-analisando:
"Houve sinais de confusão que aprendi a associar com a identificação projetiva.
Admiti, portanto, que eu era o depositário de parte de sua personalidade, tal como
sua sanidade ou a parte não-psicótica de sua personalidade". (p. 36). E mais adiante:
"Cumpre ao psicanalista, todavia, intervir com as interpretações, e isto implica em
exercício de julgamento. O estado de devaneio conducente à função-alfa, ao
surgimento do fato selecionado, e a invenção do modelo, junto com o equipamento
restrito a algumas teorias essenciais, assegura como pouco provável a interrupção
súbita da observação que Darwin tinha em mente. As interpretações ocorrem, ao
analista, com um mínimo de interferência sobre a observação". (p. 104). Temos
pois o cenário todo montado para a aparição da idéia de postura-continente no palco
psicanalítico. No entanto, não será Bion quem levantará o pano. Ao contrário, o
que ele explicita é o seguinte: "Não me afastei do procedimento psicanalítico que
usualmente emprego nos neuróticos, tendo sempre o cuidado de tornar ambos os
aspectos, positivo e negativo, da transferência". (1954, p. 39).

Quem formula a idéia básica da postura-continente é Bleger (1972): "Temos que


constituir-nos em depositários fiéis da parte psicótica e atuar como pais tolerantes;
damos tempo para crescer e não sobrecarregamos com problemas demasiado
prematuros para o ego do paciente". (p. 88). O analista, além de seu papel tradicional
de interpretante, ganha urna nova função: a de depositário dos conteúdos do cliente.
As interpretações não clivadas, em não desmistificando a transferência, permitem
o amadurecimento e o desenvolvimento das fantasias do cliente com os seus afetos
concomitantes, em um nível primitivo, o que poderia não acontecer caso a
interpretação fosse clivada, isto é, revelasse o terapeuta em sua função simbólica.
Uma outra forma pela qual Bleger manifesta esta mesma idéia de continente (ou
depositário, como ele a denomina), nós a encontramos em um artigo denominado
"Schizophrenia, autism and symbiosis" (Bleger, 1974): "O esquizofrênico pode ser
considerado uma pessoa que teve durante o seu desenvolvimento, e ainda mantém,
uma simbiose patológica com o mundo externo. A simbiose é patológica porque
alimenta submissão e dependência que empobrecem a personalidade... O problema
técnico é construir uma simbiose diferente da patológica na qual está assentada a
personalidade e que pode ser diferente se for uma simbiose para o paciente e não
para o terapeuta". (p.21). Ora, o que é esta simbiose de mão única senão uma relação
de depositação, onde o terapeuta é o continente?

Podemos tomar como protótipo da postura-continente a situação modelo de


Bion: uma mãe tranqüila, em estado de devaneio, que acolhe sem medo e sem
ansiedade o terror do bebê tranqiiilizando-o; o bebê deposita o seu terror na mãe e,
em recebendo-o de volta atenuado, pode tolerá-lo; isto lhe permite exercer as
funções de pensamento. Um símile desta situação na prática psicanalítica, que
podemos tomar como um protótipo clinico, é o paciente que vem às primeiras
entrevistas extremamente ansioso, falando sem parar, não dando espaço para o
terapeuta intervir, despejando os seus conteúdos psíquicos. O terapeuta, na postura-
continente, ouve-o tranquilamente, sem se assustar ou ficar ansioso. O cliente sente
então que os seus conteúdos psíquicos encontraram guarida: um lugar que recolhe
os fragmentos dispersos do discurso, do comportamento e dos sentimentos,
mantendo-os unidos. Isto o tranqüiliza. A postura-continente possibilita o
aparecimento e o gradativo desenvolvimento das emoções, sentimentos e afetos,
até então sentidos como proibidos, e por isso mesmo inibidos. A emoção incipiente
precisa ser acolhida e tratada como um broto delicado e precioso que necessita de
cuidados adequados para crescer. Se a emoção for prematuramente desenvolvida
através da interpretação, o paciente a recolherá e terá um medo multiplicado de
deixá-la reaparecer. A postura-continente é particularmente adequada para a relação
terapêutica com "borderlines". Para uma melhor compreensão deste elo, será
necessário expor algumas das características do "borderline". Este tipo de
organização de personalidade contém em si, em proporções visíveis, elementos
neuróticos e elementos psicóticos. No entanto, o seu ponto de equilíbrio não se
encontra nem no pólo neurótico nem no pólo psicótico, mas entre ambos. E por isso
que podemos falar do "borderline" como uma estrutura própria. Seu aspecto neurótico
pode ser reconhecido na existência de um eu observador, na capacidade de testar a
realidade, no reconhecimento e aceitação (peculiar) das normas culturais e das
hierarquias sociais; seu aspecto psicótico encontra-se nos distúrbios de identidade,
na onipotência, na impulsividade e na impossibilidade de evitar que intensos afetos,
emoções e fantasias, derivados do inconsciente, o invadam e se transformem em atos
transgressores. Estas características respondem bem a uma ação terapêutica que tem
como base a postura-continente: focalizaremos as questões de
identificação/identidade e a questão da transgressão.
A postura continente responde suficientemente bem às necessidades de
identificação do "borderline". Sabemos que esse tipo de paciente teve problemas em
seu processo de identificação e por isso mesmo apresenta distúrbios na área da
identidade. A postura-continente, facilitando o estabelecimento de uma simbiose,
cria um estado que permite a identificação. Freud (1923) escreve em "O ego e o id":
"A princípio, na fase oral primitiva do indivíduo, a catexia do objeto e a identificação
são, sem dúvida, indistinguíveis uma da outra". (p. 43). Em "Psicologia de grupo e
análise do ego" (1921) o mesmo é dito em outras palavras: "... a identificação constitui
a forma mais primitiva e original do laço emocional". (p. 135). Mesmo depois de
alcançado o estágio objetal, o processo de identificação continua sendo, em essência,
uma perda de limites entre o eu e o outro. É na situação simbiótica que ocorre esta
perda de limites. A postura-continente possibilita ao cliente realizar esta simbiose,
sem que o terapeuta tenha de participar ativamente dela (simbiose de mão única);
seu comportamento continua sendo interpretativo. Já com psicóticos torna-se
necessário que o terapeuta viva intensamente a simbiose (simbiose de mão dupla);
deverá então adotar a postura simbionte e o comportamento co-vivencial, como
veremos mais adiante. Na situação de perda de limites entre o eu e o outro, o
paciente está se identificando com o terapeuta; ao recuperar as suas fronteiras,
diferenciando-se do terapeuta, alguma coisa aconteceu, algo acrescentou-se. Este
processo, inúmeras vezes repetido, age sobre os distúrbios de identidade do
"borderline", atenuando-os.

Quanto à questão da transgressão, recorrerei a trechos de uma magnífica


introdução escrita por Khan (1975) para o livro Da pediatria à psicanálise, de
Winnicott, a qual usarei como um intróito para a exposição de minha experiência
clínica. Khan cita o conceito de "tendência anti-social" de Winnicott por achá-lo com
importantes repercussões na clínica: "... desejo discutir mais pormenorizadamente
o conceito de Winnicott sobre tendência anti-social e suas implicações para a técnica
psicanalítica, porque constitui a ponte entre trabalho clínico com "borderlines‟ e o que
poderíamos chamar de pessoas normais que buscam auxílio terapêutico por não
estarem bem consigo mesmo e/ou por saberem que a vida não lhes está correndo
bem em termos do potencial e das capacidades que dispõem". (p. 33). Das citações
de Khan a respeito de Winnicott, selecionei duas: "A tendência anti-social possui
sempre duas direções. ...Seguindo a primeira direção, a criança busca alguma
coisa em algum lugar e, quando não a encontra, procura em outro lugar se
conserva a esperança. Seguindo a segunda direção, a criança busca a
quantidade de estabilidade ambiental que poderá suportar a tensão resultante de
um comportamento impulsivo... E especialmente devido à segunda destas direções
que a criança provoca reações ambientais totais, como se buscasse um sistema
cada vez mais amplo, um círculo que teria tido como seu primeiro exemplo os
braços ou o corpo da mãe". (Winnicott, 1956. p. 504-505). "No momento de
esperança, a criança percebe uma nova situação que contém elementos de
confiabilidade. Experimenta um impulso que poderia ser chamado impulso de busca
de objeto. Reconhece que a crueldade está a um passo de se tornar uma
característica, e então provoca o meio ambiente em um esforço para torná-lo alerta
ao perigo, e fazer com que ele se organize para tolerar o distúrbio. Se a situação se
mantém, o meio ambiente deve ser repetidamente testado em termos de sua
capacidade de suportar a agressão, de impedir ou reparar a destruição, de tolerar o
distúrbio, de reconhecer o elemento positivo da tendência anti-social, de fornecer e
preservar o objeto que deve ser buscado como alvo". (ibidem, p. 510). Khan
arremata estabelecendo uma conexão entre teoria e clínica: "o que caracteriza os
sintomas neuróticos é que eles contêm o conflito. O comportamento anti-social, ao
contrário, procura objetivar e exteriorizar elementos alheios ao ego existentes na
personalidade. Por esses motivos, o neurótico é a sua testemunha exclusiva, ao
passo que a pessoa que pode experimentar o que a faz sofrer apenas através de
atuação está sempre procurando testemunhas. Isto cria problemas muito
específicos em termos de processo e situações analíticos. A privacidade da
situação analítica e o processo da transferência se adaptam à necessidade que tem
o neurótico de comunicar o que ele observa em si mesmo. Já a tendência anti -
social, com sua miríade de expressões comportamentais sutis, faz uma demanda
para que o analista seja capaz de aumentar o alcance, o espaço e o escopo da
situação e do processo analítico, a fim de que inclua todas aquelas experiências
cruciais que ocorrerão, por causa da sua lógica inerente, fora da situação analítica.
Só tolerar este fato é que despertará nos pacientes a confiança de que podem
começar – e começarão – a testar a situação analítica e o relacionamento em formas
simbólicas. Os desejos reprimidos se prestam demais a processos simbólicos,
enquanto a privação das necessidades busca efetivação antes de o processo
simbólico começar a agir". (p.38-39). Se estabelecermos um paralelismo entre o ato
anti-social da criança e a transgressão do enquadre terapêutico do "borderline",
teremos uma compreensão profunda dos dinamismos em jogo na relação cliente-
terapeuta. O cliente procura respeitar a aliança terapêutica, mantendo-se dentro do
enquadre, mas vê-se de tal forma invadido por afetos, fantasias, emoções
derivadas do inconsciente, que não lhe resta outra alternativa senão transgredi -
lo. A maneira de o terapeuta lidar com a transgressão deverá ser extremamente
cuidadosa. A postura-continente facilita recebê-la de um modo mais apropriado. A
transgressão deverá ser aceita e tolerada como um sinal de que o cliente, sentindo -
se mal-cuidado, rejeitado, abandonado, desamado, busca conseguir a atenção, o
reconhecimento, a legitimação, o amor do terapeuta. Porém este deverá ter
sempre em mente quão básica e fundamental é a aceitação dos limites que a terapia
e inevitavelmente a vida impõem às pessoas. Portanto, a tolerância à transgressão
deverá ser de tal natureza que, satisfazendo vivencialmente a ânsia de aceitação
amorosa do "borderline", o encaminhe na direção da aceitação plena da
diferenciação, frustração e limitação.

Não sei se f icou bem caracterizada a p ostura-cont inente. Talvez


uma imagem ajude a compor melhor esta f igura: o terapeuta é como se
f osse um caldeirão q ue cozinha, ao f ogo da relação, o mater ial
recebido, só devolvendo -o quando suf icientemente cozido. O ponto
ótimo dest e cozimento lhe é inf orm ado at ravés da contratransf erência
que, na postura-cont inente, está apurada e dir igida não só para os
aspectos edípicos da relação, como tam bém para os pr é -edípicos,
incluindo-se aí as sit uações as mais prim itivas. Por isso mesmo é
necessária uma f lexibili dade maior do ter apeuta; ainda por esse motivo
sua mobilização emocional é mais intensa e alcança núcleos mais
primit ivos da sua própria personalidade. A partir destas condições o
terapeuta poder -se-á organizar em torno da int er venção inter pretativa
(ou à volta da exper iência sendo vivida, como veremos mais adiante no
comportamento co - vivencial). Em qualquer destas circunstâncias não
existe a int enção de viver plenamente uma relação f antasmática e real
com o cliente, o que só irá ocorrer na postura -simbiont e.

A relação de cont inência assemelha -se à postura-espelho


quando mantém a int erpretação como o pólo de sua atividade. Rompe
radicalmente com a postura -espelho/comportamento interpret ativo
quando er ige como o seu guia or ient ador a exper iência vivida. Inaugura-
se aí uma técnica revolucionár ia em psicanálise: o comportamento co -
vivencial.

O comportamento co-vivencial

1. A Postura-continente

Farei aqui uma breve recapitulação clarificadora. Fizemos uma viagem pelas
terras da psicanálise dirigindo o nosso olhar para as posturas que o terapeuta adota
em relação ao seu paciente. Falamos das posturas-espelho e continente, as quais se
passam dentro de um comportamento interpretativo, e vamos em seguida examinar
aquelas posturas que ocorrem dentro de um comportamento co-vivencial: a postura-
simbionte, a dialogal e ainda a própria continente, que já havíamos visto dentro do
outro comportamento. A postura-espelho confunde-se com a técnica analítica básica,
aquela que foi desenvolvida por Freud para atender a pacientes neuróticos
(neuroses transferenciais). Vimos que o espelhamento refere-se unicamente ao
momento da interpretação quando se torna importante evitar a interferência indevida
dos conteúdos inconscientes do terapeuta. Falei do mau uso da postura-espelho, que
se presta, aliás, como qualquer outra postura, a ser usada defensivamente.

A postura-espelho liga-se à função pai e, por isso mesmo, suas interpretações


são realizadas de tal maneira que facultam ao paciente sair das situações
regressivas. A postura-continente liga-se à função mãe e suas interpretações
facilitam a regressão, o que permitirá que lhe sejam revelados conteúdos,
dinamismos e mecanismos pré-edípicos primitivos. Vimos que a postura-espelho e a
postura-continente estruturam-se em tomo da intervenção interpretattva/obtenção de
"insight". As situações vivenciais são usadas para se poder desvendar os conteúdos,
mecanismos e dinamismos inconscientes do paciente. A postura-espelho tem o seu
ponto de convergência na relação triangular, enquanto a postura-continente centraliza-
se na relação diádica. Postura-espelho e postura-continente pertencem ao
comportamento interpretativo. Porém, a postura-continente pode ser considerada o
local de transição do comportamento interpretativo para o comportamento co-
vivencial. A situação continente fez emergir fatos e efeitos de tamanha importância
clínica que, embora ignorados ou até combatidos pela teoria da técnica da época,
tiveram de ser reconhecidos, e acabaram por ser operacionalizados no modo de
comportamento co-vivencial. Aos poucos realizou-se a passagem do comportamento
interpretativo, que em sua formulação explícita desconsidera a importância
terapêutica maior do aspecto vivente da relação, para um comportamento co-
vivencial, o qual se ocupa basicamente com as possibilidades evolutivas existentes no
viver situações terapêuticas. Grosso modo, referimos a adequação da postura-
espelho às neuroses e da postura-continente a "borderlines", deixando claro, porém,
não se tratar de uma divisão rígida, já que em um mesmo tratamento pode tornar-se
necessário alternar as posturas. Sigamos adiante. A postura-continente pode,
portanto, ser usada dentro do modo co-vivencial do comportamento terapêutico. Mas
o que é isto de comportamento co-vivencial? Afinai de contas, não se vive a relação
analítica? E, em vivendo-a, não se têm vivências? Como então falar de
comportamento co-vivencial em análise? Não inclui toda a análise um
comportamento co-vivencial? É claro que sim. Só que este aspecto da relação é
desconsiderado no modo interpretativo do comportamento terapêutico. Tentemos
caracterizar a perspectiva embutida no comportamento interpretativo: o paciente
procura fazer associações livres; a sua produção verbal e não-verbal é encarada
como um material cujo significado oculto pode ser captado por um terapeuta em
estado de atenção flutuante. Ao realizar a "gestalt" deste material o analista
apresenta-o ao cliente sob a forma de uma interpretação verbal na esperança de que
ele obtenha "insight" e amplie o seu campo de consciência.

Aproveitamos o momento para contrastar o comportamento interpretativo com o


comportamento co-vivencial. Tentemos, provisoriamente, delinear este último; vive-se
uma relação afetiva sobre a qual se fala. As produções tanto do cliente quando do
terapeuta são encaradas como resultantes da relação. Através do viver a relação e
dela falar, obtém-se uma ampliação da experiência com um aumento do sentimento de
segurança e confiança básica.

Estas duas perspectivas já aparecem embrionariamente nos primórdios da


psicanálise, mais exatamente no período pré-psicanalítico. Breuer enfatizava a
catarse como agente curativo, enquanto Freud dava relevo à reiteração da idéia na
corrente associativa. Uma pertence à ordem da vivência e a outra à da interpretação.
Elas, no entanto, não se excluem; ao contrário, são complementares. Trata-se
apenas de uma questão de ênfase. Breuer considerava a ab-reação fundamental
para a unificação do psiquismo, tendo a palavra a função de possibilitá-la, enquanto
que para Freud a palavra era o fator "princeps" da integração psíquica. A posição de
Breuer, porém, não caracteriza um comportamento co-vivenciaL Isto porque não existe
uma co-vivência, uma co-participação do terapeuta. Enquanto o cliente realizava a sua
catarse, o terapeuta ficava como observador - atento, interessado, sensível, é
verdade, mas de qualquer forma apenas um observador, sem interagir com a realidade
fantasmática que desfilava diante de si.

Freud, apesar de seu comprometimento com a interpretação, aponta, como


não podia deixar de ser, para aspectos vivenciais da terapia analítica, sem que eles
componham aquilo que chamei de comportamento co-vivenciaL Já na situação
fundamental da psicanálise, o dado vivencial mostra-se necessário. O momento
correto da interpretação ("timing") exige uma sensibilidade especial do analista para
perceber que a ligação transferencial está propícia e que o material está próximo do
consciente. (Freud, 1910. p. 211). Sabemos hoje que o "insight" que
verdadeiramente funciona é aquele não-intelectualizado (Freud, 1913 A , p. 184) e
que, portanto, se acompanha de uma carga afetiva. A vivência está, pois, valorizada,
mas tem um papel secundário em relação à conscientização, servindo de veículo
para esta. Freud (1913 B, p. 343) fala-nos também de uma atitude de "carinhoso
interesse e simpatia" para estabelecer uma "transferência aproveitável", "um rapport".
(1913 B, p. 343). Trata-se aqui do estabelecimento de condições básicas para que a
terapia analítica possa ocorrer. Funciona como um pano de fundo que mantém o
"rapport", necessário à produção de associações livres e à recepção das
interpretações com os ouvidos da sensibilidade. Não se enquadra, portanto, dentro
da noção de comportamento co-vivencial. Transferência e contratransferência são
também fenômenos vivenciais., respectivamente, do cliente e do terapeuta. Não se
trata, porém, daquilo que convencionei chamar de comportamento co-vivencial, pois
neste há uma interpretação espacial terapeuta/paciente, enquanto a conotação
teórico-prática que os termos acima trazem é de paciente e terapeuta separados por
um espaço interpretativo.

Talvez aqui seja o melhor momento para introduzir a contribuição de


Ferenczi. Ele foi um pesquisador ousado, inquieto, sensível e perspicaz que percorreu
variadas sendas na tentativa de descobrir meios para ajudar o seu paciente. Jamais
desistiu de encontrar maneiras, modos e métodos para dar prosseguimento ao
tratamento, desde que o paciente assim o desejasse. "Eu tenho uma espécie de
crença fanática na eficácia da psicologia profunda, e isto levou-me a atribuir os
ocasionais fracassos não tanto à 'incurabilidade' do paciente, mas sim à nossa própria
falta de perícia, uma suposição que necessariamente leva-me a tentar alterar a técnica
nos casos severos...". (Ferenczi, 1931, p.128). Através desta sua busca incessante,
tornou-se Ferenczi o introdutor e precursor de muitas técnicas terapêuticas,
resultando uma rota de evolução que, de certa maneira, reproduz a percorrida neste
trabalho. Ele se apresenta como analista clássico entre 1909 e 1926. Mas já em
1924 publica um livro em co-autoria com Rank (The developmental aims of
psychoanalysis), onde chama a atenção para a necessidade de se "dar muito mais
atenção às formas muito primitivas de relação como, por exemplo, entre uma mãe e
seu filho" (Ferenczi, in Balint, 1967, p.23) se desejarmos compreender os
fenômenos contratransferenciais. Em 1931, Ferenczi descreve uma situação na qual
o analista se comporta como mãe diante de um paciente que age como uma criança
pequena. "O comportamento do analista é, deste modo, um pouco como o de uma
mãe afetuosa que não irá dormir até que tenha conversado com o filho sobre todas as
suas preocupações atuais – grandes ou pequenas – seus medos, suas más
intenções, e seus escrúpulos de consciência, relaxando-o para que possa descansar.
Desta maneira podemos induzir o paciente a regredir a todas as primitivas fases do
amor passivo, quando, justamente como uma verdadeira criança a ponto de
dormir, ele murmurará coisas que nos darão 'insight' do seu mundo de sonhos".
(Ferenczi, 1931. p. 137). Em outro artigo Ferenczi continua a desenvolver o seu
pensamento nesta mesma direção: "O paciente, entrando em transe, é uma criança
mesmo, a qual não reage mais a explanações intelectuais; talvez responda somente
ao afeto materno; faltando este afeto o paciente sente-se sozinho e abandonado na
sua maior necessidade, e, portanto na mesma situação intolerável que o levou
uma vez a uma divisão de sua mente e eventualmente à sua doença; assim, não
é de admirar que o paciente não possa mais que repetir no agora da situação
analítica, exatamente a mesma formação de sintoma que surgiu no momento do inicio
de sua doença". (Ferenczi, 1933, p. 160). Esta situação regredida, se por um
lado permite um trabalho profícuo, por outro levará o paciente a fazer demandas
excessivas que não poderão ser atendidas: "No entanto, mesmo em análise, esta
relação delicada não pode ser eterna. L'appettit vient en mangeant. O paciente,
que se transformou numa criança, vai cada vez mais adiante com suas reivindicações
e assim tende a adiar mais o advento da situação de reconciliação, a fim de evitar
ser deixado só, isto é, para escapar ao sentimento de não ser amado... Quanto
mais profunda e satisfatória for a situação de transferência, maior será,
naturalmente, o efeito traumático do momento quando finalmente o analista é
compelido a colocar um término à sua licença irrestrita". (Ferenczi, 1931, p. 137).
Quando colocar os limites? "Pacientes adultos, também, devem ter liberdade na
análise para se comportarem como crianças desobedientes (isto é, descontroladas);
porém, se o adulto cai no erro, o qual às vezes nos atribui, quero dizer, se ele
renuncia ao seu papel no jogo e passa a atuar a sua realidade infantil em
termos de comportamento adulto, torna-se necessário mostrar-lhe o mal que faz à
terapia mudar as regras do jogo. Precisamos lidar com esta situação, ainda que
muitas vezes seja um árduo trabalho, de maneira a confinar a espécie e extensão de
seu comportamento dentro dos limites do comportamento de uma criança".
(Ferenczi, 1931, p. 132). Diante da situação de frustrações imposta pelo terapeuta
o cliente poderá apresentar reações extremadas. "Palavras ditas com
tranqüilidade e tato, talvez reforçadas por uma pressão encorajadora na mão, ou,
se isto não for suficiente, por um amigável carinho na cabeça, ajudam a mitigar a
reação a um ponto em que o paciente se toma novamente acessível". (Ferenczi,
1931, p. 138). Temos aí todo um roteiro de comportamento terapêutico que nos
lembra a postura continente. Ferenczi apontou também para as dificuldades
pessoais do terapeuta, as quais, ocultas do paciente, dão origem ao que ele chamou
de "hipocrisia profissional". É extraordinário como a renúncia à 'hipocrisia profissional'
– uma hipocrisia vista até agora como inevitável – ao invés de ferir o paciente,
conduz a uma melhora de sua condição". (Ferenczi, 1931, p. 132). Porém, diante de
certo tipo de agressividade, recomenda outra conduta: "... é melhor admitir
honestamente que achamos a conduta do paciente desagradável, porém que
sentimos ser nosso dever controlarmo-nos, já que sabemos que ele não se daria o
aborrecimento de ser inadequado, se não houvesse alguma razão". (Ferenczi,
1931, p.133). A mesma sinceridade é preconizada no que diz respeito aos erros
do terapeuta: ". . . a admissão dos erros do analista produz confiança no seu
paciente". (Ferenczi, 1933, p.159). Vemos, portanto, Ferenczi encaminhando-se na
direção do comportamento co-vivencial. "Devo-lhes lembrar que estes pacientes
não reagem a frases teatrais, porém somente a uma simpatia real e sincera ...
eles mostram um extraordinário, quase clarividente, conhecimento a respeito dos
pensamentos e emoções que passam pela mente do analista. Tentar enganar o
paciente a este respeito, parece ser quase impossível, e se alguém o tenta, colherá
apenas más conseqüências". (Ferenczi, 1933, p. 161). Tal qual Beethoven que, no
espaço de uma vida, conduziu a música do classicismo ao romantismo, chegando
em seus últimos quartetos às portas do modernismo, Ferenczi percorreu todo o
caminho que, iniciando-se na postura-espelho, passou pela postura-continente e
chegou à beira do comportamento co-vivencial.
Franz Alexander é um autor que se aproxima do comportamento co-vivencial.
Na "experiência emocional corretiva" (Alexander, 1946) o cliente deve reviver com o
terapeuta situações primitivas, e este deve comportar-se de modo diferente das figuras
significativas do passado, a fim de que, através de novas experiências, possa o
paciente corrigir as suas distorções. "... Se bem que seja necessário que o terapeuta
mantenha em todo momento uma atitude objetiva e de ajuda, esta atitude encerra a
possibilidade de uma grande diversidade de respostas em relação ao paciente. As
reações espontâneas às atitudes deste não são com freqüência desejáveis para a
terapia, pois podem repetir a impaciência do genitor ou a solicitude que originaram a
neurose, e não podem, em conseqüência, constituir a experiência corretiva necessária
para a cura". (Atexander, 1946, p. 84-85). Alexander, portanto, preconiza a
assunção deliberada de papéis, o que, na verdade, retira o terapeuta de uma
verdadeira participação, de uma autêntica co-vivência com o cliente. A este respeito
Greenson faz uma crítica pertinente: "O deliberado assumir de papéis e atitudes é
antianalítico porque cria uma situação não-analisável. Há um elemento de perfídia
enganadora e decepção que desemboca numa desconfiança realista do terapeuta".
(1967, p, 50). Veremos mais adiante como no comportamento co-vivencial as
emoções do analista são genuínas. É como nos diz Searles: "... em minha
experiência o terapeuta não expressa nestas atuações afetos que são meramente
uma espécie de representação, deliberadamente assumida e empregada como uma
manobra técnica indicada para o momento. Em minha experiência, os afetos são
autênticos, espontâneos e por vezes quase engolfantes de tão intensos". (1965, p.
345/6).

Em 1940 Mme. Sechehaye apresentou um caso de recuperação de uma


esquizofrênica, no Seminário Psicanalítico de Lausanne, através de um método
que ela denominou de "realização simbólica". Consiste em viver com o cliente as
situações terapêuticas que se apresentam através de gestos e objetos simbólicos. É
famoso o episódio da maçã. Renée, a cliente esquizofrênica, recusava-se a comer
inclusive maçãs, que até então constituíam parte importante de sua alimentação.
Percebendo o esforço de Mme Sechehaye para ajudá-la, Renée respondeu à
oferenda de maçãs que ela lhe fazia da seguinte maneira: "Sim, mas estas são as
maçãs que são vendidas, maçãs das pessoas grandes, e eu desejo as maçãs da
mamãe, como estas" - e ela apontou para os seios de Sechehaye. - "Estas maçãs a
mamãe só as dá quando se tem fome". - continuou Renée. Mme. Sechehaye
compreendeu a mensagem; ela sabia que a mãe da paciente tivera dificuldades em
amamentá-la. Cortou então um pedaço de maçã e a ofereceu a Renée, dizendo: "É
hora de beber o leite bom das maçãs da mamãe; mamãe vai te dar".
(Sechehaye, 1947, p. 33). Então Renée apoiou-se sobre a espádua da analista,
colocou a maçã sobre o seu peito e comeu de olhos fechados, cheia de compulsão,
com uma intensa felicidade. Outro exemplo: "Renée tinha uma mancha de tinta
vermelha na mão. Ela exclamou: 'Eu cometi um crime!'. Então abrimos a sua mão, e
soprando-a dissemos: 'Veja! o crime foi embora!' A culpabilidade se dissipou, e a
agitação foi quase inteiramente suprimida". (Sechehaye, 1947, p. 71). Sem dúvida,
Mme. Sechehaye desempenhou nestes dois episódios o papel de Mãe-Boa-
Onipotente-Adequada, aquela que atende aos apelos angustiados de um ser
desamparado e necessitado. Trata-se, porém, de um desempenho realizado com
alma, convicção e veracidade. Seus sentimentos matemos foram, efetivamente,
mobilizados. O simbólico é vivido por Renée muito concretamente, não da maneira
'como se‟ mas 'sendo'. E certamente Mme. Sechehaye deve ter vivido estas ocasiões
de forma plena, de maneira que o simbólico para ela era acompanhado de
sentimentos vivos, um simbólico para ela também quase concreto. Sem dúvida,
estamos aqui no comportamento co-vivencial.

Muitos outros terapeutas contribuíram para que o comportamento co-vivencial


tivesse o seu lugar na psicanálise, mas demoraríamos demais em fazer uma
resenha, e já temos a base indispensável para falar de três nomes que avultam na
implantação definitiva do comportamento co-vivenciai. Refiro-me a Balint, Winnicott e
Searles. Voltemos a caracterizar o comportamento co-vivencial, agora já com uma
bagagem histórica. O comportamento co-vivencial deve ser distinguido de aspectos
vivenciais que são focalizados mesmo na modalidade interpretativa da psicanálise.
Deve ser diferenciado do 'timing', do afeto que acompanha a reação à interpretação,
da catarse e da ab-reação, das vivências transferenciais e contratransferenciais. Em
todos estes casos a sessão estrutura-se em torno da intervenção interpretativa. No
comportamento co-vivencial a estruturação realiza-se em tomo da interação
vivência! terapeuta-cliente. Ambos vivem a relação nos seus aspectos reais e
fantasmáticos, cuidando, falando e preocupando-se com ela. É neste viver,
preocupar, cuidar e falar que a relação se enriquece e progride – e aí está o seu
efeito terapêutico. Mas então, em que difere a relação terapêutica de uma relação
comum? Nesta não existe, também, nos casos mais afortunados, uma abertura
mútua, um progresso, um desenvolvimento de duas personalidades? Sem dúvida que
sim. A diferenciação estaria principalmente no objetivo terapêutico específico da
relação (Armony, 1978-A, p. 29-30), que se centraliza no cliente, na formação
especializada do analista.

Como se chegou a este comportamento co-vivencial? Que problemas e


situações obrigaram analistas a uma tão radical mudança de comportamento?
Voltemos por uns instantes à situação continente, agora para, em acentuando
certos aspectos desta postura, desvendar, pelo seu exagero, os fatores que
conduzem a díada psicanalítica a um impasse. Na postura-continente, o terapeuta
agiria como o grande receptáculo dos conteúdos do cliente, colocando-se como
se fosse de uma amplidão incomensurável, onde tudo cabe, aquele que tudo
agüenta, por mais forte, estranho ou terrível que seja. Não há uma intenção de
troca igualitária de experiências. A troca que existe é a de compreensão.
desintoxicação e tranquiilização por parte do terapeuta e de revelação, emoção e
intensidade do lado do cliente. O terapeuta não desvela sua humanidade. O
desenvolvimento de identificações tem um alcance limitado dentro desta postura;
somente ocorrem as identificações complementares, ou homólogo-onipotentes, já
que o terapeuta se mantém em um locus idealizado: é a Mãe-Benevolente-Onipotente
que tudo pode e tudo agüenta. A situação terapêutica é nitidamente assimétrica.
Pode-se, facilmente, prever os inconvenientes desta situação; ela facilita a
permanência do cliente em uma posição infantil regredida, a manutenção da
idealização do terapeuta e a eternizaçâo da dependência-transferência. Idealização
e regressão que, em um tratamento analítico adequado, são fenômenos produtivos
e transitórios, podem sofrer uma transformação "maligna" (Balint, 1968),
dependendo da interação de três fatores: personalidade do cliente, técnica
empregada e personalidade do terapeuta. Quanto mais o cliente tiver um certo
montante de dificuldades na área de identificação/identidade, quanto mais a postura-
continente for usada de forma rígida e quanto mais o terapeuta tiver uma tendência
para usar a idealização e a não revelação de si mesmo como defesa, mais
facilmente a relação terá destinos espúrios: ou o rompimento abrupto, ou a
eternizaçâo da situação pseudoterapêutica, ou a "falsa cura" através da identificação
com a figura onipotente do terapeuta. Os perigos do uso de uma técnica analítica
"rígida" foram expostos por Balint (1968). Para evitá-los, preconiza a criação de um
ambiente terapêutico que permita ao paciente regredir o quanto necessite, e, em
regredindo, utilizar o terapeuta como objeto primário indestrutível, aquele com quem
poderá viver uma relação primitiva, na qual as comunicações não se realizam
através das palavras, mas através dos atos e atitudes. Há, porém, que tomar
cuidado com a regressão maligna. Diz Balint: "O problema real não está no gratificar
ou frustrar o paciente regredido; a questão coloca-se na maneira pela qual a resposta
do analista à regressão influenciará a relação paciente-analista e, portanto, o curso
posterior do tratamento. Se as respostas do analista satisfazem as expectativas do
paciente, criando a impressão no paciente de que o analista é competente,
bordejando, porém, a onisciência e a onipotência, esta resposta será considerada
arriscada e inconveniente; seria como incrementar a desigualdade entre paciente
e analista, o que pode levar à criação de um estado de dependência por
exacerbação no paciente da falha básica". (Balint., 1968, p. 168). "Tenho dois objetivos
em mente quando escolho minha resposta. De um lado tento prevenir o
desenvolvimento de relações indesejáveis, tais como as que ocorrem entre alguém
inferiorizado ou frustrado por uma autoridade severa ou superior, que conhece melhor
o que é certo, ou entre alguém fraco e que necessita de um suporte carinhoso, e
uma autoridade generosa e benigna – tudo levando para um reforço da
desigualdade entre sujeito e seu necessitado objeto. Por outro lado, eu tento
estabelecer uma relação na qual nenhum de nós seria todo-poderoso, na qual
ambos admitem as suas limitações na esperança de que por este caminho uma
colaboração frutífera possa estabelecer-se entre duas pessoas que não são
fundamentalmente diferentes em importância, peso e poder." (Balint, 1968, p. 171).

Um terapeuta espontâneo, que não se policie no sentido de guardar o


incógnito ou de "manter a pose", deixará surgir na sua conduta aquilo que lhe é
peculiar e que o caracteriza como indivíduo e como humano; além disso, aparecerão
eventualmente dificuldades, falhas, hesitações, incertezas, insegurança, pois é
também deste material que é constituído o homem. Isto permitirá ao cliente
identificar-se com uma figura humana completa, possibilitando um crescimento mais
equilibrado e realístico. No entanto, em certas fases da terapia o cliente poderá
necessitar da ilusão de um terapeuta onipotente. Aqui podemos recorrer a
Winnicott. Ele nos fala de uma adaptação ativa às necessidades do cliente, realizada
por um terapeuta suficientemente bom. "O comportamento do analista, representado
pelo que chamei de 'setting‟, por ser suficientemente bom no que diz respeito à
adaptação à necessidade, vai sendo gradualmente percebido pelo paciente como
algo que faz nascer a esperança de que o 'self verdadeiro possa finalmente ser capaz
de assumir os riscos que o início da experiência de viver implica". (Winnicotí, 1955, p.
486). Enquanto o cliente necessitar de um terapeuta idealizado, este espontânea
e automaticamente cuidar-se-á o suficiente para manter a ilusão; logo, porém,
que a necessidade de idealização se reduz, o terapeuta afrouxará naturalmente a
vigilância sobre si mesmo, o que, inevitavelmente, o levará a se humanizar, a
cometer erros, gafes, atos falhos etc. O que eu gostaria de colocar neste momento
em discussão é a possibilidade de o analista aceitar ser usado, desde o início, como
figura idealizada, onipotente no plano paratáxico (realidade fantasmática), sem
deixar de se comportar, em referência ao plano sintáxico (realidade objetiva) (Armony,
1978-B), como o ser humano que é. A força da necessidade de idealização é tal que
as evidências mais gritantes da realidade são ignoradas pelo cliente. A idealização só
não ocorrerá se, à força desta necessidade imperiosa, o terapeuta opuser, por medo,
defesa ou convicção dogmática, uma força contrária, uma força advinda de um desejo
também imperioso de não ser usado como figura onipotente sequer no plano
fantasmático. Mas, descartando-se esta hipótese, realizar-se-á uma idealização que
será fantasmática, funcional e, portanto terapêutica; a ancoragem na realidade
objetiva facilita a necessária desidealização progressiva. Esta só não se realizará se
ao desejo de idealização do cliente acrescentar-se o desejo do terapeuta de manter-se
onipotente aos olhos de seu paciente. Não podendo elaborar este desejo, a díada
imobilizar-se-á no dinamismo onipotência/impotência. O desejo do Terapeuta-Mãe é
sempre imperativo e, aliado ao desejo do paciente de ter um Protetor idealizado
Onipotente, dificultará a manifestação das forças de crescimento, mesmo quando
esta hora for chegada.

Façamos uma ligeira recapitulação esclarecedora. Foram exagerados certos


aspectos da postura-continente a fim de ressaltar sua relação com certas
conseqüências clínicas indesejáveis. Minha intenção foi, porém, não apenas apontar
para o mau uso desta postura, como também, em destacando certas características,
tornar claro que, mesmo adequadamente usada, a postura-continente produz uma
relação analista-analisando que certos pacientes, em geral os "borderlines", tipo
narcísico, não conseguem usar produtivamente. Balint (1968) preconiza, com pacientes
difíceis, o estabelecimento de uma relação mais igualitária. Dá como exemplo um
caso clinico no qual verbalizou a sua empatia com os desejos de proteção
onipotente do cliente, falou de sua própria não-onipotência e dos malefícios de uma
relação onipotência/impotência. (p. 170/171). Winnicott (1955) fala-nos de uma
adaptação ativa às necessidades do cliente regredido e da utilização dos fracassos
do terapeuta pelo cliente, afirmando que "as falhas devem ocorrer e que, na verdade,
não se tenta fornecer uma adaptação perfeita". (p. 487). Eu mesmo sugeri acima
que o analista tivesse em mente dois planos da relação: o paratáxico e o sintáxico,
permitindo-se então uma conduta espontânea que por si mesmo poderia,
eventualmente, reduzir a assimetria da relação, podendo o cliente usá-la no
processo de desidealização do analista. Outros terapeutas tentaram, em minha
opinião, lidar com o problema da assimetria revelando verbalmente a sua
contratransferência, possibilitando assim uma vivência de maior igualdade e
permitindo uma identificação homóloga mais adequada. Não obstante, o passo
decisivo é dado quando passamos do comportamento interpretativo ao
comportamento co-vivencial. Balint e Winnicott realizaram esta passagem, mantendo
a postura-continente. A postura-continente/comportamento co-vivencial pode ser
considerada como uma transição para o comportamento co-vívencial, por assim dizer
máximo, o que se dará na postura-simbionte. Em que difere a postura-continente no
comportamento interpretativo, da postura-continente no comportamento co-vivencial?
Na postura-continente/comportamento interpretativo o terapeuta preocupa-se mais
com as interpretações do que com o seu funcionamento como continente. Ele
simplesmente se coloca como continente que lá está, e, a partir desta posição,
estrutura a sessão em torno da intervenção interpretativa. É verdade que a
continência exige cuidados e flexibilidade, mas não é o que está no primeiro plano das
cogitações do terapeuta; sua prioridade é entender para poder formular urna
interpretação que facilite o "insight" do paciente. Para entender, interpretar e facilitar o
"insight" necessita da postura-continente; então ela será adotada. Já na postura-
continente/comportamento co-vivencial ocorre uma mudança de perspectiva. Winnicott
cuida de manter um ambiente suficientemente bom para o desenvolvimento do cliente.
"No trabalho que estou descrevendo o setting toma-se mais importante que a
interpretação. A ênfase passa de um fenômeno para o outro". (Winnicott, 1955, p.
486). Balint (1968), também dá o mesmo passo decisivo. Para ele existem dois
agentes terapêuticos – a interpretação e a relação de objeto (p. 173). "... em certos
períodos do tratamento, criar e manter uma relação adequada de trabalho,
particularmente com um paciente em regressão, é talvez mais importante do que dar
interpretações corretas". (Balint, 1968, p. 160). "No meu esforço para superar
estas dificuldades dos últimos anos, tenho experimentado uma técnica que permite
ao paciente experimentar uma relação de duas pessoas a qual não pode, não
necessita e talvez não deva ser expressa em palavras, porém, por vezes, meramente
por aquilo que costumeiramente denominamos de 'acting-out' na situação analítica".
(Balint, 1968, p. 174). Estamos pois dentro de um comportamento co-vivencial; não
porém de um co-vivencial máximo, pois a postura é ainda a continente; o analista
deve funcionar durante estes períodos como um provedor de tempo e ambiente.
Isto não significa que ele tem a obrigação de compensar as primitivas privações do
paciente dando-lhe mais cuidados, amor, afeição do que os pais originalmente lhe
deram (mesmo se tentar, quase certamente falhará). O que o analista deve prover -
e, se possível, somente durante as sessões regulares – é suficiente período de tempo
livre de tentações, estímulos e demandas extrínsecas, incluindo-se aquelas que se
originam dele próprio (o analista)". (Balint, 1968, p. 179-180).

2. A Postura-simbionte

A intenção já expressa e realizada por Mme. Sechehaye, de possibilitar ao


paciente experiências que combatam as falhas oriundas de relações mãe-filho
primitivas inadequadas aparece em sua máxima intensidade no trabalho teórico-
prático de Harold Searles, consubstanciada na expressão "simbiose terapêutica".
Passamos aqui da postura-continente à postura-simbionte. "Pelo feto de o paciente
esquizofrênico não ter experimentado, em sua infância, o estabelecimento e a
posterior emersão de uma sadia relação simbiótica com sua mãe, tal como cada ser
humano necessita para a formação de um núcleo sadio na estrutura de sua
personalidade, na evolução da relação transferencial com o seu terapeuta ele poderá
eventualmente conseguir estabelecer este modo de relação". (Seartes, 1965, p. 338-
9). Por isto mesmo o terapeuta deverá permitir-lhe ter "uma verdadeira espécie de
relação amorosa mãe-filho, a qual oferece ao paciente seu único caminho de salvação
de sua doença". (Searles, 1965, p. 379). O terapeuta não se impõe tal
comportamento, mas vive, espontaneamente, com todo o seu ser, uma verdadeira
simbiose. "Não é demais dizer que, em resposta à transferência do paciente
esquizofrênico, o terapeuta não só se comporta como os adultos significativos da
infância do paciente, mas experimenta muito intimamente, dentro de si próprio,
ativada pela transferência do paciente, a verdadeira espécie de profundos e
intensos sentimentos conflitivos que estavam em jogo, embora reprimidos, nos
adultos do passado, assim como experimenta, através dos mecanismos de projeção e
introjeção na relação entre ele próprio e o paciente, as intensas e conflituosas
emoções que formaram a base seminal da psicose na criança, anos antes". (Searles,
1965, p. 522). Então, a simbiose terapêutica refere-se a "uma forma de relação que
tem a mesma qualidade daquela que embebe a relação mãe-filho na infância normal e
na mais precoce meninice. Qualquer assim chamada individuação que ocorra no
paciente e que não se funde numa fase relativamente clara de simbiose terapêutica
é uma pseudo-individuação, e somente um arremedo de sanidade..." (Searles, 1976,
p. 401).

Winnicott, Balint e Searles são terapeutas representativos do comportamento


co-vivencial. Os dois primeiros empenham-se em manter um setting adequado para o
desenvolvimento do cliente; o campo de atuação preferencial na minha opinião,
seriam os "borderlines", especialmente na modalidade narcísica. Searles necessita
de uma conduta terapêutica mais radical pára tratar de seus pacientes psicóticos;
realiza então a simbiose terapêutica. Aqui já não se trata de um manejo adequado
do "setting" em uma situação regredida, nem de tolerância com relações primitivas.
Trata-se de o terapeuta participar com os seus fantasmas e com o seu eu real-objetivo
da relação. A distancia terapeuta-cliente praticamente desaparece. Ambos estão
igualmente envolvidos numa relação fantasmático-real. "... e eu sugiro que uma
segunda e igualmente saudável fonte de sentimento partilhado pelo terapeuta é o
gradual desenvolvimento da relação real, a qual tem o seu próprio curso relacionado
e paralelo, porém não inteiramente abrangido pelo gradual desenvolvimento da
relação transferencial através dos anos de trabalho conjunto". (Searles, 1965, p.
378). Evidentemente o terapeuta continua sendo o guardião dos objetivos
terapêuticos da relação. Ainda uma observação antes de partirmos para mais uma
revisão esclarecedora do comportamento co-vivencial: todos os três autores
concordam que, em uma mesma terapia, possam e devam ocorrer mudanças na
postura e no comportamento, segundo as necessidades do cliente.

A impossibilidade de obter resultados com o comportamento interpretativo


induziu alguns analistas a buscar técnicas alternativas. Estas dialeticamente
proporcionaram e apoiaram pesquisas referentes às fases primitivas do
desenvolvimento do ser humano. Como resultado destas investigações pode-se,
simplificadamente, estabelecer a seguinte equação "neurose está para conflito
assim como psicose está para falha". Portanto, com "borderlines" e psicóticos o
terapeuta orienta-se no sentido de lidar, não só com conflitos, mas também,
prioritariamente, ou exclusivamente, com falhas. As falhas do desenvolvimento
provocam distúrbios na área da identificação/identidade. O comportamento co -
vivenciaL fornecendo um clima simbiótico primitivo para a díada, viabiliza as
identificações primárias, dando a oportunidade de serem incorporados ao psiquismo
vários aspectos da relação terapêutica, atenuando-se, destarte, a sensação de
dispersão e inconsistência que o paciente tem. Os imagos perturbadores,
incrustados no mais fundo do psiquismo do cliente, incapazes de lhe proporcionar
serenidade e conforto, sofrem uma transformação benigna, proporcionando ou
aumentando o sentimento de segurança e confiança básica; novas pautas de relação
interpessoal são internalizadas; capacidades psíquicas potenciais inativas atualizam-se
e passam a exercer os seus efeitos; experiências fundamentais e estruturadoras que
até então não tinham sido convenientemente vividas são experimentadas com o
terapeuta.

Acredito que um bom contingente daquilo que se chama, um tanto


vagamente, de pacientes difíceis é constituído pelos "borderlines" – variedade
narcísica. Estes pacientes estruturam o seu eu em torno de uma imagem grandiosa e
onipotente de si mesmos. Nestas condições não podem suportar a desigualdade
decorrente do comportamento interpretativo. Ela ameaça destruir a auto-imagem
onipotente pondo em perigo os próprios fundamentos de sua personalidade. O
comportamento co-vivencial facilita ao terapeuta reduzir acentuadamente a assimetria
da relação, permitindo-lhe mais facilmente lidar com estes pacientes difíceis.

3. A Postura-dialogal

Só recentemente ideei e iniciei a elaboração da postura-dialogal,


acrescentando-a às anteriores. Esta concepção deriva-se diretamente de meu
trabalho com adolescentes, mas desde já percebo que tem influenciado minhas
relações com outras categorias de clientes; isto me leva a crer que, futuramente, esta
postura terá, para mim, um alcance maior. Em Kusnetzoff (1975) é onde encontro
considerações concordes à minha própria experiência. Suas primeiras tentativas de
tratar os adolescentes mediante o comportamento interpretativo resultaram em
fracasso. "... tive de modificar minha abordagem técnica... O paciente reagia
'paroxisticamente', atuando a interpretação como um espinho irritativo". (1975, p. 40).
A insistência em usar o comportamento interpretativo resulta, nesses casos, "ou
na deserção do tratamento ou em uma 'adesão masoquista' a essa 'técnica de
resolução de conflito'. A melhora poderia ser conceptualizada, nesse caso, como
uma 'domesticacão'". (Kusnetzoff, 1975, p. 40-41). Kusnetzoff não exclui a
interpretação do arsenal terapêutico, mas alerta para o fato de a análise do
adolescente oferecer "escassos momentos de aproveitável relacionamento, propícios
para a ação interpretativa". (Kusnetzoff, 1975, p. 34). Decidiu, então, experimentar
outras formas de aproximação do paciente. Dentre elas, a que nos interessa, é a
"resposta direta dialogada", pois ela se conforma ao que chamamos de postura-
dialogal. Em relação à resposta direta dialogada, escreve Kusnetzoff: "... percebi que
uma conduta terapêutica – resposta direta – que se aproxima o mais possível da
forma predominante de comunicação que o paciente expressa, evita a colisão de dois
códigos contrapostos e que o paciente adolescente, em geral, não pode decodificar
desde o começo". (Kusnetzoff, 1975, p.43). Na minha opinião, o adolescente,
trazendo dentro de si o sentimento de estar subjugado pelo poder familiar, reage à
assimetria evidente do comportamento interpretativo. "A interpretação das
resistências, como se poderia propor, não resolve o problema. Ao contrário, submerge
o adolescente e o terapeuta em uma escalada simétrica de mútuas agressões".
(Kusnetzoff, 1975, p. 43).

Na postura-dialogal o terapeuta simplesmente conversa sobre o assunto trazido


pelo adolescente, qualquer que este seja. Em meio ao "bate-papo" sempre surge a
oportunidade de inserir uma intervenção terapêutica verba!, a qual deverá passar
desapercebida, isto é, não deverá parecer uma interpretação, mas uma continuação
natural da conversa em curso. (Com isto evita-se a "resistência à autoridade", que
surge quando o adolescente desconfia estar o terapeuta pontificando. E preciso
tomar cuidado com o tom de voz, o qual não deve trair a importância particular da
enunciação. Desta forma dribla-se a. susceptibilidade do.adolescente (púbere) a
tudo aquilo que lembre, mesmo vagamente, uma posição de autoridade. O terapeuta
pode então ser sentido como um representante benigno da sociedade, aquele que
aceita o seu crescimento, a sua independência e a sua liberdade, em oposição aos
pais e ao ambiente circundante, onde são projetados os seus desejos de
dependência, onde limites sociais necessários colocam empecilhos à sua afirmação
e realização e onde encontra, muitas vezes, de fato, incompreensão, inveja e
resistência ao seu crescimento, afirmação, potência e liberdade. Esta figura benigna
na qual o terapeuta pode converter-se virá preencher outra necessidade fundamental
do adolescente: a de realização de novas identificações. A participação do terapeuta
nos interesses do adolescente, além de fornecer uma base para a necessária
identificação, valoriza-o, dando legitimidade ao que gosta, pensa e faz,
reafirmando a sua individualidade. Nessa época de libertação dos pais externos e das
figuras parentais internalizadas, o terapeuta, por sua peculiar posição intermediária,
tem uma função importante. Vejamo-la: até então, diante de situações tormentosas, a
tendência do futuro adolescente era, endogamicamente, buscar os pais, tanto os
externos quanto os internalizados. Com a adolescência exacerba-se o processo de
libertar-se dos pais. Neste momento, a figura exogâmica do terapeuta pode ser de
grande auxilio. O terapeuta, em que pese a transferência, é algo novo na vida do
adolescente, algo externo aos pais, o representante de uma sociedade mais ampla,
e que o compreende e apóia nos seus esforços pela libertação, auto-afirmação e
participação na vida comunitária adulta, assim como também compreende e aceita os
seus períodos de dependência e regressão sem deles abusar.

O terapeuta dialogai funciona como uma base segura para futuros


empreendimentos, como uma plataforma móvel capaz de fantasmaticamente penetrar
nos diversos segmentos da sociedade, à qual "O adolescente conduz e sobre a qual
se apóia Logo que puder, ele deixará o veículo para seguir o seu caminho com os
próprios pés.

Maio 1985

Referências

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Anexo 2

Uma Nota Sobre o Inconsciente na Psicanálise (1912) [7]

Esta é uma resenha do texto de igual título, de Freud, contido na Edição


Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XII,
Imago Editora, 1974. Ela não visa substituir a leitura do texto original – que é
aconselhada -, mas apenas facilitá-la. Os trechos entre [...] e em itálico são de nossa
autoria.

[Neste texto, escrito em inglês, a pedido da Sociedade Britânica de Pesquisas


Psíquicas, Freud mais uma vez faz a distinção entre os usos que do termo
inconsciente, nos sentidos descritivo, dinâmico e sistêmico. Ele inicia o artigo
afirmando que vai expor os sentidos que o termo inconsciente veio a ter na psicanálise,
e somente nela].

Uma idéia pode estar presente à consciência num determinado momento e


ausente no momento seguinte. [Imagine-se, por exemplo, a lembrança de um sonho,
que é logo esquecido]. Poder-se-ia dizer que, nesse intervalo, ela não foi uma
realidade psicológica mas esteve presente apenas corno uma disposição física. Isso,
no entanto, incorre no erro de igualar o que é psicológico [apenas] com o que é
consciente.

Nós chamamos de consciente o que está presente na mente e de que nos


damos conta. Quanto às idéias latentes, chamamo-las inconscientes e delas não nos
damos conta, embora possamos nos convencer da existência delas pelos seus efeitos.
O experimento da sugestão pós-hipnótica não só nos convence disso como nos
permite tirar outras conclusões:

• o que emerge na consciência é somente a ordem. Nenhuma


lembrança existe das idéias associadas, da influência do médico, do estado
hipnótico, etc.

• não só essa idéia assoma à mente, mas torna-se ativa, [e produz efeitos].

• no entanto, o que se tornou ativa foi a ordem do médico, não a idéia


inconsciente. Ela, ao mesmo tempo, foi inconsciente e ativa.

A sugestão pós-hipnótica é um fenômeno experimental, mas a clínica


mostra que na histeria também ocorrem idéias que são inconscientes, mas ativas:
todos os sintomas dela procedem de tais idéias. É um dos fatos mais característico da
mente histérica que ela seja dominada por tais idéias.
Esta é uma visão dinâmica do inconsciente.

Ou seja, uma visão que o considera como dotado de forças.

Se a mulher histérica vomita, o faz graças à idéia de estar grávida, embora ela
não se dê contas disso. Se apresenta os arrancos e movimentos de seu ataque,
também não tem conhecimento do que representam. A análise, não obstante,
demonstra que estavam reproduzindo algum acidente dramático de sua vida.

Em outras formas de neuroses acontece a mesma coisa. As neuroses


mostram que não é por serem fracas que as idéias latentes deixam de penetrar na
consciência. Delas pode-se ter provas tão sólidas quanto as que a consciência fornece
a respeito das idéias conscientes.

Podemos, então, distinguir dois tipos de idéias latentes: as que penetram facilmente na
consciência e que são pré-conscientes e outras que não o fazem e que são
inconscientes. O termo inconsciente, que até aqui se usara simplesmente num sentido
descritivo, para abarcar tudo aquilo que era latente, na mente, adquire agora um sentido
dinâmico, referindo-se a idéias que não têm acesso à consciência, apesar de suas
forças.

Duas objeções poderiam ser levantadas a esse pensamento:

não seria a consciência que se divide em outras, como o sugerem os


casos de dupla ou múltipla personalidade?

não estaremos aplicando à psicologia normal, conclusões, tiradas da


patologia [e só validas naquele campo]?

Com relação à primeira, deve-se dizer que não se pode dar ao termo consciência uma
extensão tão grande que inclua uma consciência da qual seu possuidor não se dê
conta; quanto à segunda, pode-se responder com outros fenômenos mais bem
conhecidos e que ocorrem em pessoas normais, graças á força das idéias que os
sustenta: o lapsus linguae, os erros de memória, de fala, os esquecimentos, etc. [Ou
seja, os atos falhos, de modo geral].

Precisamos levar em conta relações funcionais e dinâmicas entre ações


psíquicas que descrevemos:

atividade pré-consciente: que passa facilmente à consciência.

atividade inconsciente: que não pode passar a ela, sem um certo esforço.

Não sabemos se essas ações são idênticas ou diversas desde o início, mas
podemos nos perguntar por que se tornam diferentes no decorrer da ação. As idéias
inconscientes podem se tornar conscientes mediante certos esforços, mas então se
tem a sensação de repulsão e produzimos no sujeito os mais evidentes sinais de
resistência. Assim, chegamos à idéia de que há objeções às idéias inconscientes,
mas não às pré-conscientes. A repulsão é provocada pela essência de tais idéias.

Todo ato psíquico começa no inconsciente e caminha no sentido da


consciência, na dependência de enfrentar resistências ou não. A diferença entre a
atividade pré-consciente e inconsciente não é primária e só aparece quando a repulsão
se manifesta. [Isto é: o pré-consciente e o inconsciente, em si mesmos, não são
diferentes, em natureza. É a repulsão que os distingue]. Uma analogia grosseira [mas
elucidativa] pode ser feita com o processo fotográfico, no qual um processo negativo
precede a outro, positivo.

Mas a barreira entre inconsciente e pré-consciente não é a descoberta mais


importante da teoria psicanalítica. Há, além dela, os sonhos. Neles, uma seqüência de
pensamentos ativada durante o dia retém parte de sua atividade. Durante a noite,
essa seqüência de pensamentos encontra vinculações com tendências reprimidas
infantis.

Três coisas acontecem, então:

os pensamentos sofrem uma deformação;

os pensamentos ocupam a consciência, quando não deviam;

uma parte do inconsciente surge na consciência.

Aprendemos, assim, a fazer diferenças entre pensamentos latentes do


sonho e sonho manifesto e pudemos fazer idéia das modificações que sofreram. Os
pensamentos latentes são pré-conscientes e podem, mesmo, ter sido conscientes
em algum momento. Por sua contaminação com as tendências inconscientes, se
degradam e assumem as leis de funcionamento daquela instância da mente.

Por elas podemos aprender que as idéias inconscientes funcionam segundo


peculiaridades diferentes daquelas das idéias conscientes.

A inconsciência pareceu-nos, a princípio, apenas uma característica


enigmática de um ato psíquico. Atualmente ela tem mais significado: é sinal de que o
ato pertence a uma instancia psíquica definida, chamada "O Inconsciente" [que, no
sentido dinâmico, Freud propõe que seja grafado Ics.J. Este é o terceiro sentido do
termo.

Anexo 3

Construções em Análise (1937) [7]

[Esse texto foi publicado pela primeira vez em dezembro de 1937,


reconceituando a antiga noção de interpretação. Enquanto a interpretação se dirige a
um fragmento de comportamento, a um impulso, a um símbolo, a construção (ou
reconstrução) visa reconstituir todo um período da vida. Freud fez isso com o
Homem dos Lobos, com Leonardo da Vinci, com a jovem homossexual etc.].

A técnica analítica já recebeu a crítica de que trata o paciente segundo o


famoso princípio do 'Heads I win, tails you lose' [Cara, eu ganho, coroa, você perde].
Isso equivale a dizer que se a pessoa concorda conosco, então a interpretação está
certa, mas se nos contradiz, isso constitui sinal de resistência. Desse modo,
estaríamos sempre com a razão. Como é verdade que um 'não' dos pacientes não é
suficiente para que abandonemos uma interpretação, uma idéia como essa foi logo
acolhida [com satisfação] pelos opositores da análise. [Para desfazer mal-entendidos]
fornecemos a seguir uma descrição de como avaliamos o 'sim' ou o 'não‟.

A análise visa conseguir que o paciente abandone as repressões e as


substitua por reações maduras e para isso ele deve recordar certas experiências e
impulsos que já se esquecera. Seus sintomas e inibições são conseqüências de tais
repressões e constituem um substituto para as coisas esquecidas.
Que tipo de material o paciente põe à nossa disposição, para que o levemos à
recuperação das lembranças perdidas?

Fornece fragmentos dessas lembranças em sonhos e nas 'associações


livres';

 produz idéias nas quais podemos descobrir alusões às experiências


reprimidas;
 [exibe] derivados dos impulsos reprimidos;
 [mostra] material reprimido [que] pode ser encontrado em ações
desempenhadas tanto dentro quanto fora da situação analítica.

A relação de transferência que se estabelece com o analista favorece o retorno


dessas conexões emocionais.

Estamos à procura de um quadro dos anos esquecidos do paciente que seja


completo e digno de confiança. A pessoa que está sendo analisada tem de ser
induzida a recordar o que foi experimentado e reprimido. O dinamismo desse
processo é tão interessante que a tarefa do analista deve vir em segundo plano. Qual
é a sua tarefa? É a de completar o que foi esquecido a partir dos traços que [esse
material] tenha deixado atrás de si ou, mais corretamente, construí-lo. O vínculo entre o
papel do analista e o do paciente é constituído pela ocasião e modo como aquele
transmite aos analisandos suas construções, bem como as explicações com que as
faz acompanhar. Seu trabalho de construção assemelha-se à escavação, feita por um
arqueólogo. Os dois processos são de fato idênticos, mas o analista trabalha em
melhores condições e tem mais material à sua disposição para ajudá-lo, já que aquilo
com que está tratando não é algo destruído, mas algo vivo. Mas assim como o
arqueólogo ergue as paredes do prédio a partir dos alicerces que permaneceram,
determina o número e posição das colunas pelas depressões no chão e reconstrói
as decorações e pinturas a partir dos restos encontrados nos escombros, também o
analista extrai suas inferências de fragmentos de lembranças, de associações e dos
comportamentos do sujeito da análise. Ambos reconstroem a partir de restos.

Um dos problemas com que se defronta o arqueólogo é a determinação da


idade de seus achados. Se um objeto aparece [soterrado] em determinado nível
[geológico], resta decidir se ele pertence a esse nível ou se foi carrregado para ele devido
a alguma ocorrência subseqüente. [Um terremoto, por exemplo, ou uma erupção
vulcânica]. É de imagina-se que dúvidas [análogas] surgem no caso das construções
analíticas.

O analista dispõe de [um] material que não tem [um] correspondente nas
escavações: as repetições, na transferência, de reações que datam da tenra infância.
O escavador lida com objetos destruídos, dos quais grandes partes se perderam.
Pode ser que nenhum esforço leve a uma descoberta e [que] os restos que
permaneceram não possam mais ser unidos. O único recurso que se acha
franqueável a ele é o da reconstrução que, com freqüência, só pode atingir [um] certo
grau de probabilidade. Mas, com o objeto psíquico é diferente. Aqui, os elementos
essenciais estão preservados. Mesmo as coisas que parecem esquecidas estão
presentes e simplesmente foram enterradas e tornadas inacessíveis ao indivíduo.
Nenhuma material psíquico é vítima de destruição total. Depende do trabalho
analítico obtermos sucesso em trazer à luz o que está oculto. Há apenas dois
fatos que pesam contra a vantagem que é desfrutada pela análise. A saber:

(1) - os objetos psíquicos são mais complicados do que os objetos do


escavador, e

(2) - possuímos um conhecimento insuficiente do que esperamos encontrar,


uma vez que sua estrutura contém tanta coisa que ainda é misteriosa.

Para o arqueólogo, a reconstrução é o objetivo e o final de seus esforços;


para o analista a construção constitui apenas um trabalho preliminar.

II

A construção não é, porém, preliminar no sentido de que a totalidade dela


deve vir antes que o trabalho seguinte possa começar, tal como, por exemplo, é o
caso com a construção de casas, onde todas as paredes devem estar erguidas e
todas as janelas inseridas antes que a decoração interna das peças possa ser
empreendida. Todo analista sabe que ambos os trabalhos são executados lado a
lado. O analista completa um fragmento da construção e o comunica ao sujeito da
análise; constrói então um outro fragmento a partir de novo material, lida com este
da mesma maneira e prossegue, de modo alternado, até o fim. Se nas descrições da
técnica analítica se fala tão pouco sobre construções, isso se deve ao fato de que se
fala de interpretações. Mas acho que construção é a descrição mais apropriada.
Interpretação aplica-se a algo que se faz a um elemento isolado, tal como uma
associação ou uma parapraxia. Deve-se falar de construção quando se põe diante o
sujeito um fragmento esquecido de sua história primitiva, aproximadamente da
seguinte maneira: 'Até os onze anos de idade, você se considerava o único e ilimitado
possuidor de sua mãe; apareceu então um outro bebê e lhe trouxe uma séria
desilusão. Sua mãe abandonou você por algum tempo e, mesmo após o
reaparecimento dela, nunca mais se dedicou exclusivamente a você. Seus
sentimentos para com ela se tornaram ambivalentes, seu pai adquiriu nova
importância para você...', e assim por diante.

Nesse artigo nossa atenção se volta exclusivamente para o trabalho preliminar


desempenhado pelas construções. No início já surge a questão de saber que garantia
de estarmos certos. É impossível dar uma resposta a essa questão em todos os
casos. Contudo mesmo antes de debatê-la, podemos dizer que nenhum dano é
causado se cometermos um equívoco. Ocorre, é claro, um desperdício de tempo e
aquele [analista] que não faça mais do que apresentar ao paciente combinações falsas,
não criará boa impressão nele nem conseguirá levar o tratamento muito longe. O que
ocorre em tal caso é o paciente permanecer intocado pelo que foi dito e não reagir
nem com um „sim' nem com um 'não'. Se, porém, [a análise não] se desenvolve mais,
podemos concluir que cometemos um equívoco, e admitiremos isso para o paciente
em alguma oportunidade apropriada. Essa oportunidade surgirá quando vier à luz um
novo material que nos permita fazer uma construção melhor. O perigo de
desencaminharmos um paciente persuadindo-o a aceitar coisa em que nós próprios
acreditamos, [e não ele], foi enormemente exagerado. Um analista teria de se
comportar muito incorretamente antes que tal infortúnio ocorresse.

Devemos observar as reações do paciente ao lhe oferecermos nossas


construções. E verdade que não aceitamos o 'não' de uma pessoa em análise por seu
valor nominal nem permitimos que seu 'sim‟ seja aceito [sem maiores considerações].

O 'sim' do paciente de modo algum deixa de ser ambíguo. Pode


significar que ele reconhece a correção da construção que lhe foi
apresentada, mas pode também ser 'hipócrita', uma vez que pode convir à sua
resistência fazer uso de um assentimento de uma verdade que não foi
descoberta. O 'sim' não possui valor, a menos que o paciente, após ele,
produza lembranças que a complementem e a ampliem. Apenas em tal caso
consideramos que o 'sim' refere-se completamente ao assunto em debate.

O 'não' provindo de uma pessoa em análise é igualmente ambíguo e,


na verdade, de menor valor ainda. Em alguns raros casos ele mostra ser a
expressão de uma discordância legítima; muito mais frequentemente
expressa uma resistência que pode ter sido evocada pelo tema geral da
construção que lhe foi apresentada ou por algum outro fator da situação
analítica. O 'não', portanto, não constitui prova de incorreção de uma
construção. Uma vez que toda construção é incompleta, pois abrange apenas
um pequeno fragmento dos eventos esquecidos, o paciente não está de fato
discutindo o que lhe foi dito, mas baseando sua contradição na parte que
ainda não foi revelada. Via de regra, não dará seu assentimento até que te-
nha sabido de toda a verdade. A única interpretação segura de seu 'não' é
que ele aponta para a qualidade de não ser completo. A construção não lhe
disse tudo.

Portanto, as falas do paciente, depois que lhe foi oferecida uma construção,
fornecem muito poucas provas de acertos ou erros. [Contudo, há outras] formas
indiretas de confirmação. Uma delas é uma forma de expressão utilizada com muito
pequena variação pelas mais diferentes pessoas: „Nunca pensei nisso'. Isso pode ser
traduzido por: 'Sim, o senhor está certo'. Infelizmente, essa fórmula se verifica com [maior]
freqüência depois de interpretações isoladas do que depois de uma construção.
Confirmação igualmente valiosa é aquela em que o paciente responde com uma
associação que contém algo semelhante ou análogo ao conteúdo da construção. Em
vez de extrair um exemplo disso de uma análise, prefiro fornecer um relato de uma
pequena experiência extra-analítica que apresenta uma situação semelhante. Certo
dia, um de meus colegas que me escolhera como consultor em sua clínica médica,
trouxe sua jovem esposa para me ver, pois ela estava causando problemas para ele.
Recusava-se a ter relações sexuais com ele e o que ele esperava de mim era que
expusesse a ela as conseqüências de seu comportamento. Ingressei no assunto e
expliquei-lhe que sua recusa provavelmente teria resultados desafortunados para a
saúde de seu marido, ou o deixaria exposto a tentações que poderiam conduzir ao
rompimento de seu matrimônio. Nesse ponto, ele subitamente me interrompeu com a
observação: 'O inglês que você diagnostico» como sofrendo de um tumor cerebral
morreu também. A princípio, a observação pareceu incompreensível; o 'também' em
sua frase era um mistério, pois não faláramos de ninguém que tivesse morrido. Pouco
depois, porém, compreendi. Evidentemente o homem estava querendo dizer 'Sim,
você certamente tem toda a razão. Seu diagnóstico foi confirmado no caso do outro
paciente também.' Era um paralelo às confirmações que, na análise, obtemos a partir
das associações. Não nego que, postos de lado, havia outros pensamentos que
tinham sua parte na determinação da observação dele.

Confirmações oriundas de associações proporcionam uma base valiosa para


julgar se a construção tem probabilidade de ser verdadeira. Ê notável quando uma
confirmação desse tipo se insinua numa negação direta, por meio de uma
parapraxia. No passado publiquei um belo exemplo disso. O nome 'Jauner' (familiar
em Viena) surgira nos sonhos de um de meus pacientes sem que uma explicação
suficiente aparecesse em suas associações. Apresentei a interpretação de que,
quando dizia 'Jauner', provavelmente queria dizer 'Gauner' [velhaco] ao que ele
replicou: „ISSO me parece "jewagt" demais [em vez de "gewagt" (ousado, exagerado)].
Ou então, outra vez, quando sugeri a um paciente que ele considerava determinados
honorários muito altos, ele pretendeu negar, com as palavras 'Dez dólares não são nada
para mim', mas, em vez de dólares, inseriu uma moeda de menor valor e disse 'dez
xelins'.

Nas reações terapêuticas negativas – tais como sentimento de culpa,


necessidade masoquista de sofrer ou repugnância por receber auxílio
do analista - o comportamento do paciente torna fácil chegarmos à decisão que
estamos procurando. Se a construção é errada, não há mudança no paciente, mas se
é correta ele reage com um agravamento de seus sintomas.

Em resumo, não há justificativa para que subestimamos a importância da


atitude assumida pelos que estão em análise para com nossas construções.
Prestamos atenção [a ela] e dela tiramos valiosas informações. Mas as reações do
paciente costumam ser ambíguas e nem sempre dão oportunidade para um
julgamento definitivo. Só o transcurso da análise nos capacita a decidir se nossas
construções são corretas ou não. Não devemos pretender que uma construção seja
algo mais do que uma conjectura que aguarda exame e não reivindicamos certeza
para ela, não exigimos uma concordância direta do paciente nem discutimos com ele,
caso a negue.

III
Mal vale a pena ser descrito [de que maneira] essa conjectura nossa se
transforma em convicção do paciente. Apenas um ponto exige explicação: o
caminho que parte da construção do analista deveria terminar na recordação do
paciente, mas nem sempre ele conduz tão longe. Em vez disso, se a análise foi
corretamente efetuada, produzimos nele uma convicção da verdade da construção,
a qual alcança o mesmo resultado terapêutico que uma lembrança.

Para concluir: em certas análises a comunicação de uma construção


apropriada evoca nos pacientes um fenômeno surpreendente e, a princípio,
incompreensível: ocorrem vivas recordações, que eles próprios descrevem como
'ultra claras'. Mas o que eles recordam não é o evento que era o tema da construção,
mas pormenores relativos a ele. Por exemplo, recordam com nitidez os rostos das
pessoas envolvidas ou as salas em que algo da espécie poderia ter acontecido ou os
móveis dessas salas. Isso ocorre tanto em sonhos como em estados de vigília
semelhantes a fantasias, depois que a construção foi apresentada. Essas
recordações não conduzem a nada mais e parece plausível considerá-las como
produto de uma conciliação. O „impulso ascendente' do reprimido se esforça por
conduzir os traços de memória para a consciência, mas a resistência os desloca para
objetos adjacentes de menor significação.

Se uma crença em sua presença concreta se tivesse somado à sua clareza,


essas recordações poderiam ser descritas como alucinações. A importância dessa
analogia pareceu maior quando observei que alucinações verdadeiras ocorriam
ocasionalmente no caso de outros pacientes não psicóticos. Talvez seja uma
característica geral das alucinações que algo que tenha sido experimentado na
infância e depois esquecido retorne deformado e deslocado, devido às forças que se
opõem ao seu retorno. Pode ser que os próprios delírios em que as alucinações são
incorporadas não sejam independentes do retorno do reprimido. No mecanismo de
um delírio, via de regra, acentuamos apenas dois fatores: (1) – o afastamento do
mundo real e suas forças motivadoras e (2) – a influência exercida pela realização de
desejo. Mas não pode ser que o impulso ascendente do reprimido explore o ato de
afastamento da realidade e force seu conteúdo à consciência, enquanto as
resistências e a realização de desejo partilhem da responsabilidade pela deformação
e pelo deslocamento? Esse é, afinal, o mecanismo dos sonhos, o qual, desde
tempos imemoriais, a intuição igualou à loucura.

Essa visão não é nova. A essência [nova] dela é que tanto há método na
loucura, mas também um fragmento de verdade histórica, sendo plausível supor que
a crença que se liga aos delírios derive sua força de fontes infantis desse tipo. Tudo o
que posso produzir em apoio dessa teoria são reminiscências, não impressões
novas. Valeria a pena fazer uma tentativa de estudar o distúrbio em apreço com
base nas hipóteses aqui apresentadas e efetuar seu tratamento segundo essas
linhas. Com isso abandonar-se-ia o vão esforço de convencer o paciente do erro de
seu delírio e reconhecer-se-ia seu núcleo de verdade. Isso permitiria um campo
sobre o qual o trabalho terapêutico poderia desenvolver-se, trabalho que consistiria
em libertar o fragmento de verdade histórica de suas deformações e ligações com o
presente e em conduzi-lo de volta para o passado a que pertence. Essa trans-
posição do passado para o presente ou para uma expectativa de futuro é uma
ocorrência tão habitual nos neuróticos como nos psicóticos. Quando um neurótico é
levado a esperar a ocorrência de algum acontecimento terrível, por um estado de
ansiedade, ele está sob a influência de uma lembrança reprimida; de algo de
terrificante que realmente aconteceu na ocasião da [repressão]. Acredito que
adquiriríamos um valioso conhecimento a partir de um trabalho desse tipo com
psicóticos, mesmo que não conduzisse a qualquer sucesso terapêutico.

Estou ciente de que é pouco útil tratar um assunto tão importante da


maneira apressada que empreguei aqui. Contudo, não pude resistir à sedução da
analogia [com o arqueólogo]. Os delírios parecem-me ser os equivalentes das
construções que fazemos num tratamento analítico, embora seja verdade que nas
psicoses elas não podem fazer mais do que substituir o fragmento de realidade que
está sendo rejeitado. É tarefa de cada investigação revelar as conexões existentes
entre o material da rejeição atual e o da repressão original. Tal como nossa
construção só é eficaz porque recupera um fragmento de experiência perdida, assim
também o delírio deve seu poder convincente ao elemento de verdade histórica que
ele insere no lugar da realidade rejeitada. Dessa maneira, uma proposição que
originalmente fiz apenas quanto a histeria se aplicaria também aos delírios, a saber,
que aqueles que lhes são sujeitos, estão sofrendo de suas próprias reminiscências.
Nunca pretendi, através dessa breve fórmula, discutir a complexidade da causa da
doença ou excluir o funcionamento de outros fatores.

Se compararmos a humanidade com um indivíduo humano, descobriremos


que também ela desenvolveu delírios que são inacessíveis à lógica e contradizem a
realidade. Se, apesar disso, esses delírios são capazes de exercer poder sobre os
homens, a explicação é a mesma que no caso do indivíduo isolado. Eles devem seu
poder ao elemento de verdade histórica que trouxeram à tona a partir da repressão
do passado esquecido.

Anexo 4

MINISTÉRIO DO TRABALHO EM EMPREGO

LEGISLAÇÃO PERTINENTE

CBO nº 2515-50
CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES

2515 – Psicólogos e psicanalistas

2515-05 – Psicólogo educacional - Psicólogo da educação, Psicólogo

Escolar

2515-10 – Psicólogo clínico - Psicólogo acupunturista, Psicólogo da saúde,


Psicoterapeuta, Terapeuta

2515-15 – Psicólogo do esporte - Psicólogo desportivo

2515-20 – Psicólogo hospitalar

2515-25 – Psicólogo jurídico - Psicólogo criminal, Psicólogo forense

2515-30 – Psicólogo social

2515-35 – Psicólogo do trânsito

2515-40 – Psicólogo do trabalho - Psicólogo organizacional

2515 45 – Neuropsicólogo

2515-50 – Psicanalista - Analista (psicanálise)

Descrição sumária

Estudam, pesquisam e avaliam o desenvolvimento emocional e os processos


mentais e sociais de indivíduos, grupos e instituições, com a finalidade de análise,
tratamento, orientação e educação; diagnosticam e avaliam distúrbios emocionais e
mentais e de adaptação social, elucidando conflitos e questões e acompanhando
o(s) paciente(s) durante o processo de tratamento ou cura; investigam os fatores
inconscientes do comportamento individual e grupai, tornando-os conscientes;
desenvolvem pesquisas experimentais, teóricas e clínicas e coordenam equipes e
atividades de área e afins.

Famílias afins

2035 - PESQUISADORES DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS


2392 - PROFESSORES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

2515 - Psicólogos e psicanalistas

Condições gerais de exercício

Os profissionais dessa família ocupacional atuam, principalmente, em


atividades ligadas a saúde, serviços sociais e pessoais e educação. Podem trabalhar
como autônomos e/ou com carteira assinada, individualmente ou em equipes. É
comum os psicólogos clínico, hospitalar, social e neuropsicólogos trabalharem com
supervisão. Têm como local de trabalho ambientes fechados ou, no caso dos
neuropsicólogos e psicólogos jurídicos, pode ser a céu aberto. Os psicólogos clínicos,
sociais e os psicanalistas, eventualmente, trabalham em horários irregulares. Alguns
deles trabalham sob pressão, em posições desconfortáveis durante longos períodos,
confinados (psicólogos clínicos e sociais) e expostos a radiação (neuropsicólogo) e
ruídos intensos. A ocupação psicanalista não é uma especialização, é uma formação,
que segue princípios, processos e procedimentos definidos pelas instituições
reconhecidas internacionalmente, podendo o psicanalista ter diferentes
formações,como: psicólogo, psiquiatra, médico, filósofo etc.

Formação e experiência

Para os trabalhadores dessa família é exigido o nível superior completo e


experiência profissional que varia segundo a formação. Para os psicólogos, de um
modo geral, pede-se de um a quatro anos, como é o caso do psicólogo clínico. Para o
psicanalista é necessário, no mínimo, cinco anos de experiência. Os cursos de
qualificação também variam de cursos básicos de duzentas a quatrocentas horas-aula,
como no caso do psicólogo hospitalar, mais de quatrocentas horas-aula para os
psicólogos jurídicos, psicanalistas e neuropsicólogos, até cursos de especialização
para os psicólogos clínicos e sociais. A formação desses profissionais é um conjunto
de atividades desenvolvidas por eles, mas os procedimentos são diferentes quanto a
aspectos formais relacionados às instituições que os formam.

2515 – Psicólogos e psicanalistas

Áreas de Atividades
A - AVALIAR COMPORTAMENTOS INDIVIDUAL, GRUPAL E INSTITUCIONAL

B - ANALISAR - TRATAR INDIVÍDUOS, GRUPOS E INSTITUIÇÕES

C - ORIENTAR INDIVÍDUOS, GRUPOS E INSTITUIÇÕES

D - ACOMPANHAR INDIVÍDUOS, GRUPOS E {[NSTITUIÇÕES

E - EDUCAR INDIVÍDUOS, GRUPOS E INSTITUIÇÕES

F - DESENVOLVER PESQUISAS EXPERIMENTAIS, TEÓRICAS E CLÍNICAS

G - COORDENAR EQUIPES E ATIVIDADES DE ÁREA E AFINS

H
H - PARTICIPAR DE ATIVIDADES PARA CONSENSO E DIVULGAÇÃO
PROFISSIONAL

I - REALIZAR TAREFAS ADMINISTRATIVAS

2515 – Psicólogos e psicanalistas

Competências pessoais

1 Manter sigilo

2 Cultivar a ética

3 Demonstrar ciência sobre código de ética profissional

4 Demonstrar ciência sobre legislação pertinente

5 Trabalhar em equipe

6 Manter imparcialidade e neutralidade

7 Demonstrar bom senso

8 Respeitar os limites de atuação

9 Ser psico-analisado

10 Ser psico-terapeutizado

11 Demonstrar continência (Acolhedor)


12 Demonstrar interesse pela pessoa/ser humano

13 Ouvir ativamente (saber ouvir)

14 Manter-se atualizado

15 Contornar situações adversas

16 Respeitar valores e crenças dos clientes

17 Demonstrar capacidade de observação

18 Demonstrar habilidade de questionar

19 Amar a verdade

20 Manter o setting analítico

21 Demonstrar autonomia de pensamento

22 Demonstrar espírito crítico

23 Respeitar os limites do cliente

24 Tomar decisões em situações de pressão

2515 – Psicólogos e psicanalistas

Recursos de trabalho

* Caixa lúdica

* Testes

* Computador

* Questionários

* Inventários

* Material gráfico

* Escolas
* Softwares específicos

* Divã

* Material lúdico

2516

Psicólogos e psicanalistas

Títulos

2515-05 Psicólogo educacional - Psicólogo da educação, Psicólogo


escolar

2515-10 Psicólogo clínico - Psicólogo acupunturista, Psicólogo da saúde,


Psicoterapeuta, Terapeuta

2515-15 Psicólogo do esporte - Psicólogo desportivo

2515-20 Psicólogo hospitalar

2515-25 Psicólogo jurídico - Psicólogo criminal, Psicólogo forense

2515-30 Psicólogo social

2515-35 Psicólogo do trânsito

2515-40 Psicólogo do trabalho - Psicólogo organizacional

2515-45 Neuropsicólogo

2515-50 Psicanalista - Analista (psicanálise)

Descrição sumária

Estudam, pesquisam e avaliam o desenvolvimento emocional e os processos


mentais e sociais de indivíduos, grupos e instituições, com a finalidade de análise,
tratamento, orientação e educação; diagnosticam e avaliam distúrbios emocionais e
mentais e de adaptação social, elucidando conflitos e questões e acompanhando o(s)
paciente(s) durante o processo de tratamento ou cura; investigam os fatores
inconscientes do comportamento individual e grupai, tomando-os conscientes;
desenvolvem pesquisas experimentais, teóricas e clínicas e coordenam equipes e
atividades de área e afins.
Formação e experiência

Para os trabalhadores dessa família é exigido o nível superior completo e


experiência profissional que varia segundo a formação. Para os psicólogos, de um modo
geral, pede-se de um a quatro anos, como é o caso do psicólogo clínico. Para o
psicanalista é necessário, no mínimo, cinco anos de experiência. Os cursos de
qualificação também variam de cursos básicos de duzentas a quatrocentas horas-aula,
como no caso do psicólogo hospitalar, mais de quatrocentas horas-aula para os
psicólogos jurídicos, psicanalistas e neuropsicólogos, até cursos de especialização
para os psicólogos clínicos e sociais. A formação desses profissionais é um conjunto de
atividades desenvolvidas por eles, mas os procedimentos são diferentes quanto a
aspectos formais relacionados às instituições que os formam.

Condições gerais de exercício

Os profissionais dessa família ocupacional atuam, principalmente, em atividades


ligadas a saúde, serviços sociais e pessoais e educação. Podem trabalhar como
autônomos e/ou com carteira assinada, individualmente ou em equipes. É comum os
psicólogos clínico, hospitalar, social e neuropsicólogos trabalharem com supervisão.
Têm como local de trabalho ambientes fechados ou, no caso dos neuropsicólogos e
psicólogos jurídicos, pode ser a céu aberto. Os psicólogos clínicos, sociais e os
psicanalistas, eventualmente, trabalham em horários irregulares. Alguns deles trabalham
sob pressão, em posições desconfortáveis durante longos períodos, confinados
(psicólogos clínicos e sociais) e expostos a radiação (neuropsicólogo) e ruídos intensos.
A ocupação psicanalista não é uma especialização, é uma formação, que segue
princípios, processos e procedimentos definidos pelas instituições reconhecidas
internacionalmente, podendo o psicanalista ter diferentes formações.como: psicólogo,
psiquiatra, médico, filósofo etc.

Consulte

2035 - Pesquisadores das ciências sociais e humanas

2392 - Professores de educação especial

Código internacional CIUO 88:

2445 - Psicólogos

2451 - Autores, periodistas y otros escritores

2515
A – AVALIAR COMPORTAMENTOS INDIVIDUAL, GRUPAL E INSTITUCIONAL

Triar casos

Entrevistar pessoas

Levantar dados pertinentes

Ler processos e prontuários

Observar pessoas e situações

Escutar pessoas ativamente;

Investigar pessoas, situações e problemas

Escolher o instrumento de avaliação

Aplicar instrumentos de avaliação

Mensurar resultados de instrumentos de avaliação

Analisar resultados de instrumentos de avaliação

Sistematizar informações

Elaborar diagnósticos

Elaborar pareceres, laudos e perícias

Responder a quesitos técnicos judiciais

Selecionar recursos humanos

Devolver resultados (devolutiva)

 Recrutar recursos humanos para instituições

B – ANALISAR – TRATAR INDIVÍDUOS, GRUPOS E INSTITUIÇÔES

Propiciar espaço para acolhimento de vivências emocionais (Setting)

Oferecer suporte emocional A Tornar consciente o inconsciente


Propiciar criação de vínculo paciente-terapeuta

Interpretar conflitos e questões

Elucidar conflitos e questões A Promover integração psíquica

Promover desenvolvimento das relações interpessoais

Promover desenvolvimento da percepção interna (Insight)

Realizar trabalhos de estimulação psicomotora, psicológica e


neuropsicológica

Mediar grupos, família e instituições para solução de conflitos

Reabilitar aspectos cognitivos

Reabilitar aspectos psicomotores

Reabilitar aspectos comportamentais

Reabilitar aspectos corporais

Facilitar grupos

Dar alta

C – ORIENTAR INDIVÍDUOS, GRUPOS E INSTITUIÇÕES

Propor alternativas de solução de problemas

Esclarecer as repercussões psicológicas decorrentes dos procedimentos


médico-hospitalares

Informar sobre desenvolvimento do psiquismo humano

Dar orientação para mudança de comportamento

Aconselhar pessoas, grupos e famílias

Orientar sobre vocações (Orientação vocacional)

Orientar grupos profissionais

Orientar sobre plano de carreira


Orientar grupos específicos (Pais, adolescentes etc.)

Orientar sobre programas de saúde pública

Orientar as implementação de programas de prevenção na saúde pública

Assessorar instituições

 Propor intervenções (Encaminhamento)

D - ACOMPANHAR INDIVÍDUOS, GRUPOS E INSTITUIÇÕES

Acompanhar impactos de intervenções

Acompanhar o desenvolvimento e a evolução de intervenções

Acompanhar a evolução do caso

Acompanhar o desenvolvimento de profissionais em formação e


especialização

Acompanhar resultados de projetos

Visitar instituições e equipamentos sociais

Visitar domicílios

Acompanhar visitas multidisciplinares

Participar de audiências

Acompanhar plantões técnicos

Acompanhar plantões de visita do tribunal de justiça

Acompanhar egressos de tratamento

E - EDUCAR INDIVÍDUOS, GRUPOS E INSTITUIÇÕES

Estudar casos em grupo


Apresentar estudos de caso

Ministrar aulas

Supervisionar profissionais da área e áreas afins

Supervisionar estágios da área e áreas afins

Realizar trabalhos para desenvolvimento de competências e habilidades


profissionais

Formar psicanalistas

Formar especialistas da área

Treinar profissionais da área e afins

Desenvolver cursos para grupos específicos

Confeccionar manuais educativos

Reeducar pessoas para inserção social e familiar

Desenvolver processos de recrutamento e seleção

Desenvolver cursos para profissionais de outras áreas

Propiciar recursos para o desenvolvimento de aspectos cognitivos

Desenvolver projetos educativos

Acompanhar resultados de cursos, treinamentos

2515

F - DESENVOLVER PESQUISAS EXPERIMENTAIS, TEÓRICAS E CLÍNICAS

Investigar o psiquismo humano

Investigar o comportamento individual, grupai e institucional

Investigar comportamento animal

Definir problema e objetivos


Pesquisar bibliografia

Definir metodologias de ação

Estabelecer parâmetros de pesquisa

Construir instrumentos de pesquisa

Padronizar testes

Coletar dados

Organizar dados

Compilar dados

Fazer leitura de dados

Integrar grupos de estudos de caso

G - COORDENAR EQUIPES E ATIVIDADES DE ÁREA E AFINS

Planejar as atividades da equipe

Programar atividades gerais

Programar atividades da equipe

Distribuir tarefas à equipe

Trabalhar a dinâmica da equipe

Monitorar atividades de equipes

Preparar reuniões

Coordenar reuniões

Coordenar grupos de estudo

Organizar eventos

Identificar recursos da comunidade


Avaliar propostas e projetos

Avaliar a execução das ações

H - PARTICIPAR DE ATIVIDADES PARA CONSENSO E DIVULGAÇÃO


PROFISSIONAL

Participar de palestras, debates, entrevistas,seminários, simpósios

Participar de reuniões científicas (Congressos, etc.)

Publicar artigos, ensaios, livros científicos

Participar de comissões técnicas

Participar de conselhos municipais, estaduais e federais » Participar de


entidades de classe

Participar de eventos junto aos meios de comunicação

Divulgar práticas do psicólogo e psicanalista

Fornecer subsídios a estratégias e políticas organizacionais

Fornecer subsídios à formulação de políticas públicas

Fornecer subsídios à elaboração de legislação

Buscar parcerias

L - REALIZAR TAREFAS ADMINISTRATIVAS

Redigir pareceres

Redigir relatórios

Agendar atendimentos

Convocar pessoas

Receber pessoas
Z - DEMONSTRAR COMPETÊNCIAS PESSOAIS

Manter sigilo

 Cultivar a ética
 Demonstrar ciência sobre código de ética profissional
 Demonstrar ciência sobre legislação pertinente
 Trabalhar em equipe
 Manter imparcialidade e neutralidade
 Demonstrar bom senso
 Respeitar os limites de atuação
 Ser psico-analisado
 Ser psico-terapeutizado
 Demonstrar continência (Acolhedor)
 Demonstrar interesse pela pessoa/ser humano
 Ouvir ativamente (saber ouvir)
 Manter-se atualizado
 Contornar situações adversas
 Respeitar valores e crenças dos clientes
 Demonstrar capacidade de observação
 Demonstrar habilidade de questionar

Amar a verdade

Manter o setting analítico

Demonstrar autonomia de pensamento

Demonstrar espírito crítico

 Respeitar os limites do cliente

Tomar decisões em situações de pressão

2515

Recursos de Trabalho:

Caixa lúdica; Computador; Divã; Escolas; Inventários; Material gráfico; Material


lúdico; Questionários; Softwares específicos; Testes

Participantes da Descrição
Especialistas
Bellkiss Wilma Romano

Cândida Helena Pires de Camargo

Carmen C. Mion

Carmen Mion

Dulce Ortiz Sampaio

Eva Wongtschowski

Francine Krempel Contato Palaveri

João Ricardo Lebert Cozac

Lenira Ribeiro de Albuquerque

Marcelo Moreira Newmann

Maria Alice Fontes Novaes

Marilsa de Sá Rodrigues Tadeucci

Mário Wilxon Xavier de Souza

Mayra Miranda Abdo

Patrícia Pazinato

Paulo Emílio Alves dos Santos

Plinio Luiz Montagna

Rosely Aparecida Pereira

Zulmara Por Brasil

Instituições

Cramia

Daimler Crysler do Brasil Ltda.

Departamento Nacional de Trânsito - Denatran

Hospital das Clínicas - Instituto de Psiquiatria

Hospital Israelita Albert Eistein - Hiae


Instituto do Coração - Hospital das Clínicas

Instituto do Coração - Incor

Secretaria Social

Tribunal de Justiça

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Instituição conveniada responsável

FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - Fipe – USP.


[1]
Para que ocorram as reações transferenciais na situação analítica, o paciente deve
estar disposto e capacitado para correr o risco de alguma regressão temporária em
relação às funções do ego e das relações objetais. O paciente deve ter um ego capaz
de regredir temporariamente às reações transferenciais, mas tal regressão deve ser
parcial e reversível, de modo que o paciente possa ser tratado analiticamente e, ainda
assim, viver no mundo real.

[2]
Segundo François Thureau-Dangin, Recherches sur l‟origene de l'écriture
cuneiforme (1ª parte, p. 5-7, n. 26.).
[3]
DALBIEZ, Roland. O Método Psicanalítico e a Doutrina de Freud, Trad. de José
Leme Lopes, Tomo II – Discussão – . Rio de Janeiro, Agir, 1947, p. 89-139.
[4]
RICROFT, Charles. Dicionário Crítico de Psicanálise. Rio de Janeiro, Imago.

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