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SOLA

SCRIPTURA

A Doutrina
R e f o r m a d a das E s c r i t u r a s

PAULO ANGLADA

i
KNOX
SOLA
SCRIPTURA
A Doutrina
R e f o r m a d a das E s c r i t u r a s

II Edição Atualizada

PAUL O A N G L A D A
Sola Scriptura: A Doutrina Reformada das Escrituras
de Paulo Roberto Batista Anglada C 2013
Knox Publicações. Todos os direitos reservados.

Ia edição (1998): Editora Os Puritanos


2- edição (2013): Knox Publicações

Revisão
Anna Layse Davis
Layse Anglada

Editoração e Capa
Paulus Anglada

Anglada. Paulo Roberto Batista


A589s Sola Scriptura - A Doutrina Reformada das Escrituras / Paulo
Roberto Batista Anglada-Ananindeua: Knox Publicações, 2013.
240p.; 14x21xlcm.

ISBN: 978-85-61184-08-7

I. Teologia Sistemática. 2. Bibliologia. 3. Escrituras Sagradas.


CDD 21ed. 220

KNOX PUBLICAÇÕES
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w w w. k nox pu b 1ic a c o e s .c o m . br
A minlia querida esposa,
Layse,

filhos,
Karis <£• Lucas, Paulus &Lídia e Anua Layse & Ma/lorv,

e netos,
Jonathan, Jim, Maggie, Annie, Emma,
Lidi, ElIa e Calvin
PREFÁCIO

Talvez a Igreja de Cristo esteja atravessando um dos seus


mais difíceis períodos da história, no que diz respeito à acolhida
do seu padrão de fé e prática: As Sagradas Escrituras. No seio
do que se conhece como igreja evangélica, fruto da Reforma do
Século XVI. nunca se citou tanto a Bíblia como atualmente; nunca
se falou tanto da Bíblia quanto se fala hoje; nunca se divulgou
tanto a Bíblia como nos dias atuais. Paradoxalmente, nas igre­
jas filhas da Reforma, nunca se desrespeitou tanto a Palavra de
Deus como atualmente; nunca ela foi colocada meramente como
fonte secundária de informação como quanto é colocada hoje em
dia; nunca ela teve porções inteiras consideradas desatualizadas,
ou pertinentes apenas aos leitores originais, como atualmente;
nunca ela foi alvo de tanto questionamento, quanto aos autores
dos livros e aos períodos nos quais foi escrita, quanto nos dias de
hoje. Essas são situações encontradas não no segmento liberal/
racionalista, mas dentro da própria Igreja Evangélica, das deno­
minações que se auto-intitulam conservadoras na fé e prática e
que se propõem a ser as mais fervorosas e cheias do Espírito
Santo de Deus.
E nesse sentido que Sola Scripíura-A Doutrina Reformada
das Escrituras vem atender uma necessidade de reafirmação dos
princípios e ensinamentos fundamentais ao desenvolvimento de
uma igreja sadia em doutrina e que honre, realmente, o nome de
Cristo. O Rev. Paulo Anglada vai às próprias Escrituras como sua
8 soi a scRirn m

fonte principal, e à história, com o seu testemunho incontestável.


Delas extrai a relevância e suficiência da Palavra de Deus, relem­
brando essa questão à igreja dos nossos dias. Em nosso esque­
cimento dessa doutrina, vemos a igreja se afundando em um
evangelho humanista, diluído, horizontalizado e que contribui
para confundir a mensagem cristalina do evangelho, que deveria
estar sendo proclamada.
Sabemos que as seitas apresentam uma multiplicidade de
padrões, nos quais se fundamentam. Livros e escritos paralelos
são apresentados como se a sua autoridade fosse equivalente ou
até acima da Bíblia. A cena comum é a apresentação de novas
revelações, geralmente de caráter escatológico e de característi­
cas fluidas, contraditórias e totalmente duvidosas. Aqui, a sufici­
ência das Escrituras é uma doutrina desprezada.
No meio eclesiástico liberal, já nos acostumamos a iden­
tificar o ataque constante à veracidade das Escrituras. Vamos
com mais de dois séculos de contestação sistemática à Palavra
de Deus, como se a fé cristã verdadeira fosse capaz de subsistir
sem o seu alicerce principal. Nesse campo, que forneceu bastante
munição ao inimigo e que alimentou as bases do pensamento
intelectual não-cristão sobre a Bíblia, a suficiência das Escrituras
é também uma doutrina desprezada.
E também sabido que no campo evangélico neopentecos-
tal e. às vezes, até no campo tradicional pentecostal, temos uma
situação problemática no que diz respeito à relevância da Palavra
de Deus. Ela é frequentemente superada pelas supostas “novas
revelações” que passam a ser determinantes das doutrinas e do
caminhar do Povo de Deus. Aqui, também, a doutrina da sufici­
ência das Escrituras é, na prática, desprezada.
Mas partem exatamente de dentro do campo evangélico
as perturbações e os últimos ataques à Bíblia como regra iner-
rante de fé e prática. Em anos recentes, muitos ditos intelectuais
e eruditos têm questionado a doutrina que coloca a Bíblia como
um livro inspirado, livre de erro. Por exemplo: um famoso semi-
PREFACIO 9

nário teológico norte-americano foi fundado em 1947, no campo


conservador, sobre princípios corretos. Sua “Declaração de Fé1'
original especificava: “Os livros do VT e NT..., nos originais,
são inspirados plenariamente e livres de erro, no todo e em suas
partes...”. Entretanto, em 1968, um dos seus líderes começou a
questionar a inerrância da Bíblia, fazendo distinção entre trechos
“revelativos” e trechos “não revelativos” das Escrituras. Ele foi
seguido, nesta posição, pelo próximo presidente, e por vários
outros professores, todos considerados evangélicos, resultando
no enfraquecimento geral do posicionamento de vários profes­
sores daquele seminário sobre a integridade das Escrituras.1
Logicamente, não há critério coerente ou autoritativo para esta­
belecimento desta distinção entre o que seria “não revelativo”
nas Escrituras - pontos abertos ao questionamento mais amplo
- e as porções “revelativas” - essas, sim, de validade espiritual.
Esse pensamento, que se faz presente não só naquele exemplo,
mas em tantos outros segmentos da igreja, subtrai da Igreja o seu
padrão, derruba um dos pilares da Reforma e retroage a Igreja
à uma condição medieval de dependência dos especialistas que
nos dirão quais as partes que devemos crer realmente e quais as
que podemos descartar como mera invenção humana. E nesse
contexto que se faz presente a necessidade de relembrarmos os
pilares da nossa fé reformada, como o faz o Rev. Paulo Anglada.
Não há inovação na mensagem deste livro, mas uma extrema
necessidade de que o brado de Sola Scripíura seja reavivado ao
longo da história da igreja. E essa história que mostra Deus derra­
mando grandes bênçãos sempre que os fiéis desprenderam-se
de suas tradições e ensinamentos humanos e se voltaram para
a palavra escrita inspirada por Deus. Desde os tempos de Josué
(1:7.8) que Deus admoesta os seus a que se prendam aos regis­
tros inspirados. Ali lemos:1

1 Harold Lindsell, The Battle for lhe fíihle (G. Rapids: Zondervan. 1976).
106-21. Este livro traz um excelente tratamento sobre a diluição do conceito da sufici­
ência e integridade das Escrituras, no seio dos evangélicos norte-americanos.
10 SOIA SCRIPTURA

“Tão-somente esforça-te e tem mui bom ânimo, cuidando


de fazer conforme toda a lei que meu servo Moisés te ordenou;
não te desvies dela, nem para a direita nem para a esquerda, a
fim de que sejas bem sucedido por onde quer que andares. Não
se aparte da tua boca o livro desta lei. antes medita nele dia e
noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme tudo quanto
nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e
serás bem sucedido”.
A Reforma do Século XVI fez exatamente isso e. na sobe­
rana providência de Deus, nela temos um grande reavivamento
gerado pela descoberta das Escrituras, e pelo seguimento de seus
ensinamentos e verdades práticas. E, na realidade, um erro achar­
mos que a Reforma marea a aparição de várias doutrinas nunca
dantes formuladas. A Palavra de Deus, cujas doutrinas estavam
soterradas sob o entulho da tradição, é que foi resgatada. Já disse­
mos que uma característica comum das seitas é a apresentação
de supostas verdades que nunca haviam sido compreendidas, até
a aparição ou revelação destas a algum líder. Estas “verdades”
passam a ser determinantes da interpretação das demais e ponto
central dos ensinamentos empreendidos. A Reforma coloca-se em
completa oposição a esta característica. Nenhum dos reformado­
res declarou ter “descoberto” qualquer verdade oculta. Eles tão
somente apresentavam, em toda singeleza, os ensinamentos das
Escrituras. Seus comentários e controvérsias versaram sempre
sobre a clara exposição da Palavra de Deus.
Martin Lloyd-Jones nos indica “que a maior lição que a
Reforma Protestante tem a nos ensinar é justamente que o segredo
do sucesso, na esfera da Igreja e das coisas do Espírito, é olhar
para trás”.2 Lutero e Calvino, diz ele, “foram descobrindo que
estiveram redeseobrindo o que Agostinho já tinha descoberto e
que eles tinham esquecido”.
Na ocasião da Reforma, a tradição da igreja já havia se incor­
porado aos padrões determinantes de comportamento e doutrina

D. Martin Lloyd-Jones, Rememorando a Reforma (São Paulo: PIS. I0% ), N.


PREFACIO 11

e, na realidade, já havia superado as prescrições das Escrituras.


A Bíblia era conservada longe e afastada da compreensão dos
devotos. Era considerada um livro só para os entendidos, obscuro
e até perigoso para a massa. Os reformadores redescobriram e
levantaram bem alto o único padrão de fé e prática: a Palavra de
Deus, e por este padrão, aferiram tanto as autoridades como as
práticas religiosas em vigor.
A um mundo que está sem padrão e à própria igreja evan­
gélica, que está voltando a enterrar o seu padrão em meio a um
entulho místico pseudo-espiritual, a mensagem da Reforma
continua necessária. Esse livro traz o brado de Sola Scriptura,
com veemência e clareza, como antídoto ao veneno contempo­
râneo do subjetivismo e existencialismo do homem sem Deus,
que teima em se infiltrar nos ensinamentos da Igreja Cristã. Pode
parecer estranho, entretanto, que sendo ele dedicado à exaltação
da importância e suficiência das Escrituras, o livro utilize como
ponto de partida e de fechamento, credos e confissões históricas.
Não seriam, esses, documentos que desviam os nossos olhos das
Escrituras? A resposta é um sólido NÃO! A própria Confissão de
Fé de Westminster em seu Capítulo 1°, apresentando a mensagem
inequívoca da Reforma do Século XVI, cada vez mais válida aos
nossos dias, descreve a Bíblia como sendo a única regra infa­
lível de fé e de prática". Essa é a mensagem deste livro, ao qual
damos a nossa mais entusiástica acolhida.
Solano Portela, 1998.
CONTEÚDO

PREFÁCIO 7
INTRODUÇÃO 17
Assunto do Livro 18
Apresentação do Assunto 18
Importância de uma Sà Bibliologia 19
CAPÍTULO 1: SÍMBOLOS DE FÉ 21
Inevitabilidade dos Símbolos de Fé 22
Propósitos dos Símbolos de Fé 23
Bases Bíblicas para os Símbolos de Fé 27
Autoridade dos Símbolos de Fé 29
CAPÍTULO 2: DOUTRINA DA REVELAÇÃO 31
Divisão do Assunto 32
Revelação Natural 32
Louca Cegueira Humana 34
Insuficiência da Revelação Natural 35
Revelação Especial 36
Revelação Escrita 37
Necessidade das Escrituras 38
CAPÍTULO 3: CÂNON DAS ESCRITURAS 41
O Canon Protestante do Antigo Testamento 42
O Canon Católico-Romano do Antigo Testamento 46
O Canon do Novo Testamento 50
14 SOLA SCRIPTU RA

CAPÍTULO 4: INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS 61


Definição da Doutrina 63
Evidências Indiretas da Inspiração 63
Evidências Diretas da Inspiração 66
Natureza da Inspiração 68
Extensão da Inspiração 71
Conclusão 73
CAPÍTULO 5: AUTORIDADE DAS ESCRITURAS 75
Definição 76
Evidências Bíblicas 76
Natureza da Autoridade das Escrituras 78
Testemunho da Igreja 85
Testemunho do Espírito sobre a Autoridade das Escrituras 86
Conclusão 87
CAPÍTULO 6: SUEICIÊNCIA DAS ESCRITURAS 91
Regra Completa de Fé e Prática 92
Implicação Lógica 94
Iluminação do Espírito 98
Princípios, Ensinos Gerais e Exemplos 100
Conclusão 102
CAPÍTULO 7: CLAREZA DAS ESCRITURAS 103
Nem Tudo ê Igualmente Claro ou Evidente 104
O Essencial é Claro pela Iluminação do Espírito I06
Conclusão 11I
CAPÍTULO 8: PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS 113
Definição da Doutrina I 14
Evidências Bíblicas da Doutrina 114
Relação com a Crítica Textual do NT 116
Evidências da Preservação do NT na História
e Qualidade do Texto I 19
Natureza e Extensão da Preservação 124
CONTEÚDO 15

CAPÍTULO 9: TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS 127


Razões para a Tradução das Escrituras 128
Evidências Históricas 130
Traduções Reformadas e Modernas das Escrituras 135
Princípios Saudáveis para a Tradução das Escrituras 140
CAPÍTULO 10: INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 147
Necessidade de Interpretação das Escrituras 150
Correntes de Interpretação das Escrituras 153
O Método Gramático-Histórico 158
CAPÍTULO 11:
AUTORIDADE SUPREMA DAS ESCRITURAS 173
Tendência Geral 173
Aspectos Importantes da Doutrina 174
Conclusão 177
CAPÍTULO 12: OBJEÇÕES E RESPOSTAS 179
Erros de Transmissão 180
Erros Científicos 180
Erros Históricos 182
Contradições Internas 183
Outras Objeções 185
Conclusão 186
CAPÍTULO 13: RESUMO E APLICAÇÕES 187
Da Doutrina da Revelação 187
Do Canon das Escrituras 187
Da Inspiração das Escrituras 188
Da Autoridade das Escrituras 188
Da Suficiência das Escrituras 189
Da Clareza das Escrituras 189
Da Preservação das Escrituras 190
Da Tradução das Escrituras 190
Da Interpretação das Escrituras 181
16 SOI A St RiriUKA

CAPÍTULO 14: PRATICANTES DA PALAVRA PU


Introdução PU
O Sentido Bíblico de Obras 144
Acolhendo a Palavra 145
Praticando a Palavra 146
A Religião da Palavra 144
Conclusão 201
APÊNDICE 1: PRINCIPAIS SÍMBOLOS DE FÉ 203
Credos Antigos 204
Confissões e Catecismos Luteranos 20S
Símbolos de Fé Calvinistas 204
Outras Confissões de Fe Protestantes 2 16
A Primeira Confissão de Fé do Novo Mundo 21X
APÊNDICE 2: A CONFISSÃO DA GUANABARA 214
BIBLIOGRAFIA 227
INTRODUÇÃO

Na sua segunda carta a Timóteo, o apóstolo Paulo o alerta,


dizendo: “Sabe, porém, isto: nos últimos dias sobrevirão tempos
difíceis” (3:1). Uma das características marcantes desses dias,
esclarece o apóstolo no início do capítulo seguinte, seria a aver­
são à verdade e a afeição ao erro:
Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus que há dejulgar vivos e mortos...:
prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende,
exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que
não suportarão a sã doutrina : pelo contrário, cercar-se-ào de mestres,
segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvi­
dos; e se recusarão a dar ouvidos a verdade, entregando-se ás fábulas
(4:1-4).

Parece que as igrejas evangélicas no Brasil estão vivendo


dias assim: difíceis. Tão difíceis que se pode questionar se o
termo evangélico ainda tem algum sentido; se ele ainda se presta
para identificar uma corrente teológica distinta na Igreja Cristã.
Quando consideramos a diversidade doutrinária, litúrgica e
prática que, em geral, caracteriza o evangelicalismo brasileiro,
não é descabido questionar se alguma denominação evangélica
no Brasil ainda pode, como instituição, ser considerada herdeira
legítima da doutrina, culto e práticas reformadas.
Pode haver muitas razões para essa situação. Entretanto,
sem dúvida, o relaxamento para com a autoridade e suficiência
das Escrituras é uma delas. Na prática, as igrejas evangélicas,
18 SOLA SCRIPTURA

em geral, não têm professado uma teologia precisa, sistemática,


confessional e histórica. Mesmo denominações mais tradicionais
parecem estar se distanciando progressivamente das doutrinas,
culto e práticas reformadas pelas quais muitos, no passado,
chegaram a sacrificar a própria vida.

ASSUNTO DO LIVRO
O título deste livro, Sola Scriptura: A Doutrina Reformada
das Escrituras, indica o seu escopo: trata-se de uma exposição da
doutrina protestante histórica sobre as Escrituras Sagradas. E um
estudo teológico confessional do primeiro capítulo da Confissão
de Fé de Westminster.1
Estes estudos foram originalmente proferidos na Igreja
Presbiteriana Central do Pará. no primeiro semestre de 1995, com
o propósito de resgatar as doutrinas reformadas relacionadas às
Escrituras, expondo-as de modo acessível à igreja. Sua base é a
Confissão de Fé de Westminster, contudo, outros símbolos de fé
e obras representativas da teologia reformada foram pesquisados
e são frequentemente citados.
Não se trata de um trabalho acadêmico, escrito para eruditos,
nem demasiadamente superficial, que não contribua para a amplia­
ção do horizonte intelectual dos leitores. Trata-se de uma obra para
crentes desejosos de conhecer melhor o fundamento da sua fé, e de
alcançar uma compreensão teológica mais sistemática e profunda
da doutrina protestante histórica acerca das Escrituras.

APRESENTAÇÃO DO ASSUNTO
O primeiro capítulo desta obra é introdutório. Trata da
natureza dos símbolos de fé, lidando com questões tais como:
necessidade, propósitos, bases bíblicas e autoridade dos símbo­
los confessionais.1

1 "Confissão dc Fé do Westminster”. em Símbolos de Fé: Contendo a Confissão


de Fé, Cateeismo Maior, Breve Catecismo (São Paulo: Cultura Cristã. 1991), 17-105.
INTRODUÇÃO 19

Os dez capítulos seguintes (2-11) constituem o corpo prin­


cipal do livro. Neles são abordados assuntos importantes rela­
cionados à doutrina das Escrituras: a doutrina da revelação, da
inspiração, da autoridade, da suficiência, da clareza e da preser­
vação das Escrituras. Nesses capítulos também são discutidas
questões igualmente relevantes, tais como o cânon, a tradução e
a interpretação da Bíblia.
No capítulo doze são consideradas as principais objeções
levantadas contra a doutrina reformada das Escrituras: alegações
de existência de erros de transcrição, científicos, históricos e
contradições internas supostamente encontradas na Bíblia.
O penúltimo capítulo resume os assuntos estudados e extrai
deles algumas aplicações de ordem prática. E o último capítulo
é uma exortação à prática da Palavra de Deus, baseada em Tiago
1:21-27.
O Apêndice 1 é um resumo da história e conteúdo dos prin­
cipais símbolos de fé: credos antigos, confissões e catecismos
luteranos e calvinistas, e outras confissões de fé protestantes. No
Apêndice 2, encontra-se o texto da Confissão de Fé dos Mártires
da Guanabara - a primeira confissão de fé escrita nas Américas.

IMPORTÂNCIA DE UMA SÃ BIBLIOLOGIA


Conforme ressalta Bickel:
O Cristianismo fundamenta-se na revelação... Nosso conhecimento de
Deus abrange aquilo que lhe aprouve revelar-nos a respeito da sua Pessoa...
Consequentemente, a questão básica que determina o nosso relacionamento
com Deus é a submissão, seja à sua revelação ou à nossa imaginação.2

A conhecida reforma religiosa empreendida nos dias do Rei


Josias, descrita nos capítulos vinte e dois e vinte e três de Segundo
Reis, ilustra de modo vivido a importância das Escrituras na

2 Bruce Bickel. "Prefácio”, em Sola Scriptura: ,\uma Época sem


Fundamentos, o Resgate do Alicerce Bíblico, ed. Don Kistler (São Paulo: Editora
Cultura Cristã. 2000). 9.
20 SOI A S( RH ' H IRA

restauração da verdadeira te. Tudo começou com a redeseoherla


do Livro da Lei - esquecido no templo - pelo sumo sacerdote
Hilquias (22:3-10); com a sua interpretação e anúncio fiel, pela
profetiza Llulda (22:13-20); e com o quebrantamento e disposição
de Josias em submeter-se seriamente aos seus ensinos (22:2).
A reforma religiosa do século XVI não foi diferente. A
profunda reforma teológica, eclesiástica e prática que deu origem
às igrejas protestantes foi precedida pela redescoberta da Palavra
de Deus, por uma reforma hermenêutica, e pela pregação fiel das
verdades nela encontradas.
Contudo, uma igreja reformada precisa estar continuamente
em processo de reforma. Não pela conformação com este século,
através da incorporação das últimas novidades que o mundo
oferece, mas pela conformação contínua à Palavra, levando
cativas as nossas mentes, fé e práticas eclesiásticas e pessoais à
obediência de Cristo.
Que Deus nos faça compreender a urgência dessa necessi­
dade. Queira Ele promover uma verdadeira reforma religiosa em
nosso país. Que Ele levante alguns Hilquias, Huldas e Josias para
redescobrirem, interpretarem fielmente, proclamarem e obede­
cerem a Palavra de Deus. Que o Soberano Deus suscite novos
Husses, Zwinglios, Luteros, Calvinos e Knoxes para reforma­
rem nossas doutrinas, nosso culto e nossas práticas eclesiásticas,
conduzindo-nos de volta à sua Santa Palavra. Essa é a única
esperança para o caos doutrinário, litúrgico e eclesiástico que
caracteriza o evangelicalismo brasileiro.
CAPÍTULO 1
SÍMBOLOS DE FÉ

Em virtude da natureza confessional deste livro e da aparente


aversão de considerável parte do evangelicalismo brasileiro aos
símbolos de fé, convém inieiá-lo com alguns esclarecimentos
relacionados à necessidade, propósitos, base bíblica e autoridade
dos símbolos de fé.
Símbolos de fé são resumos sistemáticos (ou didáticos) das
verdades fundamentais do Cristianismo. São declarações formais
autorizadas da fé cristã. Há quatro tipos principais de símbolos
de fé: credos, confissões de fé, catecismos e cânones.
Os credos1são declarações de fé resumidas. Os mais conhe­
cidos foram produzidos pela igreja antiga, antes da divisão da
Igreja Cristã nos seus dois principais ramos: ocidental e orien­
tal. Exemplos: Credo Apostólico, Credo Niceno e Credo de
Atanásio.
As confissões12 distinguem-se dos credos em extensão, por
serem mais detalhadas, e quanto à época em que foram escri­

1 Do latim credo, “creio em".


2 O termo grego correspondente, ógoXoyía, e o verbo correlato, ógoXoyéw,
são frequentemente empregados no NT. Ver 1 Timóteo 6:12.13; Hebreus 3:1; 4:14;
10:23 (substantivo); Mateus 10:32; João 1:20; 9:22; Romanos 10:9.10; Hebreus
13:15; 1 João 2:23; 4:2.3; 2 João 7 e Apocalipse 3:5 (verbo).
11 SOI A SCRIPTURA

tas: em geral, sào produto da Reforma ou de igrejas herdei­


ras da Reforma. Exemplos: Antiga Confissão de Fé Escocesa,
Confissão de Fé Belga e Confissão de Fé de Westminster.
Um credo ou confissão de fé pode ser pessoal. Comumente,
entretanto, esses termos são empregados para designar credos
e confissões que, embora possam ter sido escritos por uma só
pessoa, adquiriram representatividade, tendo sido adotados por
igrejas, movimentos ou denominações.
Catecismos3 também são resumos da fé cristã. São,
contudo, estruturados em forma de perguntas e respostas, com
um propósito mais didático, a fim de servirem de ferramenta
para a instrução da igreja. Eles podem ser maiores ou breves,
dependendo do tamanho. Exemplos: Catecismos de Lutero,
Catecismo de Heidelberg e os Catecismos de Westminster.4
Cânones são decisões oficiais de concílios que estabele­
cem a posição da igreja ou de um de seus ramos, movimentos
ou denominações, quanto a doutrinas específicas. Exemplo: os
Cânones de Dort.

INEVITABILIDADE DOS SÍMBOLOS DE FÉ


Os símbolos de fé são inevitáveis. As Escrituras não foram
escritas de modo temático ou sistemático. As verdades divinas
foram registradas, não por assunto, mas na proporção em que
foram sendo progressivamente reveladas. Elas abordam os mais
diversos temas teológicos e práticos no seu contexto histórico e
de acordo com as necessidades circunstanciais.

3 I3o grego Kxnrixéo): ensinar, instruir.


4 Uma relação e breves comentários sobre os principais catecismos reformados
são encontrados em Douglas F. Kelly, "l he Westminster Shortcr Catechism”, em To
Glorifx and Enjoy God: A Commemoration ofthe 350th Anniversary qfthe Westminster
Assembly, eds. John L. Carson e David W. 1lall (Edinburgh e Carlisle, PA: The Banner
ofTruth Trust, 1994), 105-06.
CAPITULO I: SÍMBOLOS DE FE 23

Entretanto, o processo de interpretação e compreensão das


Escrituras como um todo naturalmente conduz à sistematização
da revelação bíblica. Consciente ou inconscientemente, a mente
humana sistematiza essas verdades tematicamente procurando
formar um todo consistente. Assim, inevitavelmente, cada pessoa
tem um credo e revela-o ao orar, ao anunciar o evangelho e na
sua própria vida diária.
Revelamos um resumo ordenado da nossa fé objetiva (o
nosso credo) sempre que, por exemplo, nos dirigimos a Deus em
oração, e o adoramos pela excelência da sua pessoa, atributos e
obra; quando confessamos os nossos pecados; ao suplicarmos a
sua graça; ao intercedermos por outras pessoas; agradecermos
por suas bênçãos materiais e espirituais, especialmente pela obra
realizada por Cristo na cruz e pelo seu Espírito em nosso cora­
ção; ou nos consagramos à santidade e ao seu serviço.
A questão, portanto, não está na necessidade ou não de
credos e confissões de fé, mas na escolha, consciente ou incons­
ciente, entre chegarmos sozinhos ao nosso próprio credo ou
considerarmos a que conclusões o corpo de Cristo tem chegado
no decurso da história. Nas palavras de Alexander Hodge:
A questão real não está, como frequentemente insinuado, entre a Palavra
de Deus e o credo humano, mas entre a fé testada e provada pelo corpo
coletivo do povo de Deus, e o julgamento pessoal e a sabedoria não
assistida daqueles que repudiam os credos.'

Devido à natureza progressiva e não sistemática da revelação bíblica e


à característica sistemática peculiar da mente humana, a existência dos
símbolos de fé é, portanto, inevitável.

PROPÓSITOS DOS SÍMBOLOS DE FÉ


Além de inevitáveis, os símbolos de fé têm se revelado úteis
e necessários, pelo menos aos seguintes propósitos:5

5 A. A. I lodge. The Confession o f Faith (F.dinburgh e Carlisle, PA: 1'he Banner


ofTruth Trust. 1992), 2.
24 SOLA SCRIPTURA

Propósito Teológico ou Doutrinário


Eles têm servido para registrar os diversos estágios do
progresso da igreja como um todo. e dos seus diferentes ramos
em particular, quanto à interpretação e compreensão das doutri­
nas bíblicas. A história do Cristianismo demonstra que tanto a
revelação como a compreensão das verdades reveladas, por parte
da igreja, são progressivas. A Igreja Cristã tem chegado a conclu­
sões doutrinárias paulatinamente, no decurso dos séculos.
Nos quatro primeiros séculos, lbram definidas especial­
mente questões teológicas propriamente ditas (sobre a Trindade)
e cristológicas (sobre a pessoa de Cristo). Posteriormente, no
quinto século, as doutrinas antropológicas do pecado e da graça de
Deus foram discutidas (especialmente por Agostinho e Pelágio) e
definidas. A soterologia só foi devidamente discernida e definida
durante a Reforma Protestante do século XVI. A eclesiologia foi
mais debatida nos séculos XVII e XVIII. E assim por diante.
Os credos e confissões têm servido, portanto, ao propó­
sito de registrar para a posteridade o progresso da compreensão
bíblica e das formulações teológicas no decurso dos séculos.

Propósito Apologético
Os símbolos de fé também têm sido empregados para
distinguir e defender a verdade contra os falsos ensinos e here­
sias. Desde o início, a igreja se viu obrigada a definir e registrar,
de modo ordenado, a legítima interpretação da verdade cristã,
em oposição aos falsos mestres, os quais, em todas as épocas,
insistem em corromper o significado das Escrituras. Não se
pode negar a tendência da natureza humana corrompida de
corromper a verdade de Deus (Rm 1:18ss). É sabido que toda
heresia reivindica base bíblica.
Pois bem. os símbolos de fé têm servido para definir, defen­
der e preservar a fé ortodoxa (a sã doutrina) das perversões dos
falsos mestres. Na condição de declarações oficiais da fé cristã,
os credos, confissões, catecismos e cânones são importantes
CAPÍTULO 1: SÍMBOLOS DE FÉ 25

instrumentos da igreja - como coluna e baluarte da verdade -


contra o erro. Logan observa corretamente que “kos teólogos de
Westminster foram convocados para criar um modelo de esta­
bilidade e certeza teológica no contexto de considerável caos
político e teológico”.6

Propósito Didático
Outro propósito dos símbolos de fé consiste em auxiliar na
instrução da igreja. Credos, confissões e especialmente catecis­
mos sempre foram empregados como instrumentos de ensino das
verdades bíblicas - principalmente às crianças. Esses símbolos
de fé, por representarem o ensino oficial da igreja e o fazerem de
forma resumida, organizada e sistemática, são preciosos mate­
riais didáticos para a instrução do povo de Deus.
É interessante observar que a pregação baseada exclusi­
vamente em textos esparsos - como acontece com frequência
hoje - tem falhado em produzir uma compreensão mais madura,
sólida e profunda como a que caracterizou a igreja quando ela
lançou mão do ensino sistemático das doutrinas bíblicas. A
prática do sermão expositivo sequencial e do ensino sistemático
dos símbolos de fé pelas igrejas reformadas e puritanas, sem
dúvida, produziu crentes com compreensão mais profunda e
abrangente das doutrinas bíblicas. Eles não apenas conheciam
verdades isoladas, mas sabiam como relacioná-las umas com as
outras e como aplicá-las, nas proporções devidas, às diversas
circunstâncias da vida.

Propósito Eclesiástico
O último - mas não menos importante - propósito dos
símbolos de fé é proporcionar uma base doutrinária, litúrgica e
prática para a comunhão eclesiástica. União, como costumava

6 Samuel T. Logan .Ir., "The Context and Work ofthe Assembly”. em To Glorify
and Enjov God: A Commemnralion qf the 350tli Anniversary of lhe Westminster
Assembly. eds. John L. Carson e David W. Hall (Edinburgh e Carlisle, PA: The Banner
ofTruth Trust. 1994), 32.
26 SOI A SCRIPTURA

enfatizar Spurgeon, não pode se dar em detrimento da verdade.


Ele escreveu: “Buscar união em detrimento da verdade é traição
ao Senhor Jesus”.7 De fato, é muito difícil haver união externa
quando não há unidade de fé. É complicado, por exemplo, pasto­
res e igrejas trabalharem juntos quando diferem radicalmente em
suas concepções teológicas, litúrgicas, eclesiásticas, etc.
Exatamente por isso, sempre foi requerido pelas denomi­
nações tradicionais que os seus oficiais (ministros da Palavra,
presbíteros e diáconos) subscrevessem uma confissão de fé.
Isso os compromete, moralmente pelo menos, com a substância
do sistema doutrinário aí exposto. Essa prática também garante
uma concordância substancial no ensino e práticas eclesiásticas
dos pastores unidos por uma subscrição confessional.8
Subentende-se, por exemplo, que a fé e prática de todo
pastor presbiteriano seja a mesma. Teoricamente, pelo menos,
um pastor presbiteriano, ao aceitar o convite de uma igreja para
pastoreá-la, pode estar certo de que não deverá haver substan­
cial discordância doutrinária, litúrgica, etc. entre ele e a igreja,
visto que o seu conselho subscreve a mesma confissão de fé.
Isso deveria também dar tranquilidade aos membros de uma
igreja, pois sabem que não lhes serão impostas doutrinas ou
práticas substancialmente diferentes das que estão registra­
das nos seus símbolos de fé. Os credos e confissões de fé são,
portanto, uma garantia de que a fé, culto e práticas da igreja não
serão mudadas ao bel-prazer do subjetivismo, pragmatismo ou
idiossincrasias de pastores ou concílios.
Comentando sobre a “influência unificadora dos Padrões de
Westminster”, Adams lembra que o propósito unificador desses
símbolos de fé “era parte da intenção original ao se convocar
a Assembléia. Os comissionados sabiam isso desde o princípio

7 C. II. Spurgeon, "A Fragment upon the Down-Grade Controversy”, Sword


and Tmwel (november 1887).
8 O mesmo se aplica aos princípios de governo, litúrgicos e disciplinares.
CAPÍTULO 1: SÍMBOLOS DE FÉ 27

e tentaram produzir um documento que alcançasse esse fim,


gastando longas e árduas horas nessa tarefa”.9
Uma igreja sem confissão é semelhante a um partido sem
ideologia, a uma sociedade sem estatuto, ou a um país sem cons­
tituição. Não há coerência, nem unidade, nem estabilidade, nem
fidelidade, nem disciplina.

BASES BÍBLICAS PARA OS SÍMBOLOS DE FÉ


Os símbolos de fé são inevitáveis e necessários. Contudo, o
pragmatismo não pode ser determinante com relação às nossas
práticas religiosas. É imprescindível considerarmos se a formu­
lação e uso deles se justificam biblicamente.
Comentando sobre o uso de catecismos para a instrução
cristã dos filhos, Douglas Kelly escreve que “o locus c/assicus da
responsabilidade dos pais para a educação espiritual dos filhos é
Deuteronômio 6:7”, e explica que “embora esse verso não espe­
cifique uma instrução em forma de pergunta e resposta, os versos
25 a 30 do mesmo capítulo fazem isso...”101
O Novo Testamento reconhece a existência de um corpo
definido de doutrinas bíblicas por parte dos apóstolos, e indica,
pelo menos implicitamente, a necessidade desse padrão doutri­
nário e de sua confissão pública. Eis alguns textos que fundamen­
tam essa afirmação:
Portanto, todo aquele que me confessar" diante dos homens.
também eu o confessarei12 diante do meu Pai que está nos céus
(Mt 10:32-33).

9 Jay L. Adams, “The Influente o f Westminster”, em To Glorifj' and Enjoy


God: A Commemoraíion ofthe 350th Anniversaiy of lhe Westminster Asscmhly. eds.
John L. Carson e David W. Hall (Hdinburgh e Carlisle, PA: The BannerofTruth Trust.
1994), 254.
10 Kelly, “The Westminster Shorter Catechism”, 103.
11 'OqoAoyriaei, no original.
12 0|ioAoyf|a(ú, no original.
28 SOLA SCRIPTURA

Estando sempre preparados pa ra responder 13 a todo aquele que vos


pedir razão da esperança que há em vós (1 Pe 3:15).
Se com a tua boca confessares 14 a Jesus como Senhor, e em teu
coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás
salvo. Porque com o coração se crê para a justiça, e com a boca se
confessa a respeito da salvação (Rm 10:9-10).
Combate o bom combate da fé. Toma posse da vida eterna, para a qual
também foste chamado, e de e\ve fizeste a boa confissão '' perante muitas
testemunhas (1 Tm 6:12).
Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que
penetrou os céus, conservemos firmes a nossa c o n f is s ã o (Hb 4:14).
Cf. 3:1.
Nào é provável que os termos confissão (ópoXoyía) e
confessar (òpoXoyéio), empregados nestes versículos, já deno­
tassem uma confissão de fé no sentido técnico (de um resumo
sistemático elaborado de doutrinas), como seriam posterior­
mente empregados pelas igrejas protestantes. Entretanto, sem
dúvida, esses termos já apontam para uma confissão pública da
fé em Cristo, indicando não apenas a sua necessidade, como a
sua prática na igreja primitiva.
Os discípulos de Cristo deviam confessar (como de fato
faziam) a sua fé perante os homens; e há muitas passagens no
Novo Testamento que indicam um corpo de doutrinas funda­
mentais reconhecido, confiado e transmitido pelos apóstolos e
discípulos de Cristo. Termos diferentes são empregados, tais
como forma de doutrina, tradições, o evangelho que recebestes,
o padrão das sãs palavras, o ensino segundo a piedade, o que te
fo i confiado, o bom depósito, etc. Esse corpo doutrinário reco­
nhecível e identificável podia ainda não ter forma escrita definida
oficial. Mas é inegável a sua existência, pelo menos em forma
oral. Eis alguns textos bíblicos que confirmam isso:134

13 No original npo? àTToÀoyiar - para a confissão.


14 OpoXoyijartJ.
Q|ioXáyriaaç rf|i' KaXrji' ógoAoyiar, no original.
16
KpaTiõgei' rijç ógoAoyíaç, no original.
CAPÍTULO 1: SÍMBOLOS DE FÉ 29

Mas graças a Deus porque, outrora escravos do pecado, contudo


viestes a obedecer de coração à fo r m a de doutrina a que fostes
entregues (Rm 6:17).
De lato, eu vos louvo porque em tudo vos lembrais de mim. e retendes
as tradições assim como vo-las entreguei (1 Co 11:2).
Nós vos ordenamos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos
aparteis de todo irmão que ande desordenadamente, e não segundo a
tradição que de nós recebestes (2 Ts 3:6).
Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evan­
gelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. Assim como
já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além
daquele que recebestes, seja anátema (G1 1:8-9).
Se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras
de nosso Senhor Jesus Cristo, e com o ensino segundo a piedade, é
enfatuado. nada entende... E tu. ó Timóteo, guarda o que tefo i confiado.
evitando os falatórios inúteis e profanos... (1 Tm 6:3,20).
Mantém o padrão das sãs palavras que de mim ouviste com lé e com
o amor que está em Cristo Jesus. Guarda o bom depósito, mediante o
Espírito Santo que habita em nós (2 Tm 1:13-14).
Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação
do Espírito e fé na verdade (2 Ts 2:13b).1

AUTORIDADE DOS SÍMBOLOS DE FÉ


Embora as igrejas protestantes em geral adotem credos,
confissões, catecismos e cânones como símbolos de fé, reconhe­
cendo a sua múltipla utilidade e necessidade, nenhuma, entre­
tanto, reconhece nesses símbolos uma autoridade inerente. As
igrejas reformadas e herdeiras da Reforma admitem exclusiva­
mente as Escrituras como inerentemente autoritativas em matéria
religiosa. As Escrituras - e somente elas - sào a nossa única regra
autoritativa dc fé c prática.
A autoridade dos credos, confissões e catecismos sustenta-se
cxclusivamente na proporção em que expressam o ensino bíblico.
Para os protestantes, as Escrituras são como estrelas que emitem*

17 Conferir ainda 2 João 10.


30 SOLA SCRIPTURA

luz própria, enquanto os símbolos de fé sào planetas e satélites


que apenas refletem a luz que recebem. Nas palavras de Philip
Sehaff, um dos maiores estudiosos dos credos e confissões de fé
cristãs:IS“A autoridade dos símbolos (de fé), como a de todas as
composições humanas, é limitada. Não coordena com a Bíblia,
mas sempre se subordina a ela. que é a única regra infalível de fé
e prática cristãs'’.1819
Por conseguinte, as confissões de fé reformadas não reivin­
dicam inerrância. Pelo contrário, algumas reconhecem explici-
tamente que, como qualquer produto humano, não estão livres
de erros.

18 Autor de The ( reais qf Christenchu. em três volumes.


C itado por M. A. Noll, em Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã.
vol. I. p. 340.
CAPÍTULO 2
DOUTRINA DA REVELAÇÃO

Ainda que a lu z da natureza e a s obra s da criação e da providência manifestem


de tal modo a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens fiquem
inescusáveis, todavia não são suficientes para dar aquele conhecimento de
Deus e da sua vontade, necessário à salvação; por isso foi o Senhor servido, em
diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela
sua vontade; e depois, para m elhor preservação e propagação da \erdade,
para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da
carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever
toda. Isto torna a Escritura Sagrada indispensável, tendo cessado aqueles anti­
gos modos de Deus revelar a sua vontade ao seu povo (parágrafo I).

O primeiro capítulo da Confissão de Fé de Westminster


começa tratando da doutrina das Escrituras. Isto é apropriado.
Não porque a doutrina das Escrituras seja mais importante do
que outras doutrinas, como a pessoa e obra de Deus (a teolo­
gia propriamente dita) e de Cristo (a cristologia), mas porque
a doutrina das Escrituras é a base e a fonte de todas as demais
doutrinas. Essa ordem “reflete a convicção dos teólogos de
Westminster de que toda teologia que sabemos de Deus é base­
ada naquilo que o próprio Deus revelou-nos nas Escrituras .■1

1 Ler Salmo 19:1-4; Romanos 1:19-22: 1 Coríntios 1:21 e Romanos 10:13-


14.17.
2 Derek Thomas, A I isõo Puritana das Escrituras: Luta Análise do Capitulo
de Abertura da Confissão de Fe de Westminster (São Paulo: Editora Os Puritanos,
1998). 12.
32 SOI A SCRIPTURA

Com o princípio reformado resumido na expressão latina


sola Scriptura, os reformadores rejeitaram a autoridade das tradi­
ções eclesiásticas e das supostas novas revelações do Espírito.
Mais importante: eles restabeleceram as Escrituras como única
regra de fé e prática, como única fonte autoritativa em matéria de
doutrina, culto e práticas eclesiásticas.

DIVISÃO DO ASSUNTO
As seguintes doutrinas são abordadas neste capítulo da
Confissão de Fé:
Doutrina da Revelação (parágrafo I)
O Canon e a Inspiração das Escrituras (parágrafos II e III)
Autoridade das Escrituras (parágrafos IV e V)
Suficiência das Escrituras (parágrafo VI)
Clareza das Escrituras (parágrafo VII)
Preservação e Tradução das Escrituras (parágrafo VIII)
Interpretação das Escrituras (parágrafo IX)
O Juiz Supremo das Controvérsias Religiosas (parágrafo X)

REVELAÇÃO NATURAL
A Confissão de Fé de Westminster começa professando a
doutrina da revelação natural: Deus se revela por meio das obras
que foram criadas e da própria consciência do homem, na qual
está impregnado um padrão moral, ainda que imperfeito por
causa da queda.
Biblicamente falando, o universo físico é uma pregação.
O cosmo proclama os atributos de Deus. O maerocosmo (as
estrelas, os planetas, os satélites, com sua imensidão, grandeza
e leis), o cosmo (a terra, os mares, as montanhas, os vegetais,
os animais, o homem), e o microcosmo (os microorganismos,
a constituição dos elementos, etc.) revelam muitas verdades a
respeito da pessoa e da obra de Deus. O Autor de tal obra tem de
ser infinitamente sábio e poderoso.
CAPITULO 2: DOUTRINA DA REVELAÇAO 33

O próprio ser humano, como criatura dc Deus, independente­


mente do aprendizado, já nasce com uma consciência - uma
versão da lei de Deus impregnada no seu ser - que o habilita a
discernir entre o bem e o mal, e com um instinto que o induz à
adoração da divindade. Este é o ensino bíblico do Antigo e do
Novo Testamento:
Os céus proclamam a glória dc Deus e o firmamento anuncia as obras
das suas mãos. Um dia discursa a outro dia. e uma noite revela conheci­
mento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se
ouve nenhum som: no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e
as suas palavras até aos confins do mundo (SI 19:1-4).

Porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles,


porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus,
assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, clara­
mente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos
por meio das coisas que foram criadas (Rm 1:19-20).

Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza,
de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si
mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada nos seus corações,
testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos,
mutuamente acusando-se ou defendendo-se (Rm 2:14-15).

Ao estudar a criação, o homem deveria procurar ver Deus


nela, pois é obra dele, e revela os seus atributos. As ciências
podem até mesmo ser consideradas como departamentos da
teologia, especializações que estudam a criação e a providência.
O estudo da química, da física, da matemática, da biologia, da
geografia, da política, da antropologia, da história, etc., deve ter
por fim último a glória de Deus. Não é sem razão que muitos
dos primeiros cientistas dignos do nome eram cristãos sinceros,
como Isaac Newton e Michael Faraday.
Ao estudarmos qualquer esfera da criação, deveriamos
descobrir nela as mãos de Deus e as mãos do diabo. Por um lado,
observa-se nela impressionante e substancial lógica, ordem,
harmonia, sabedoria e poder. Por outro lado, pode-se também
perceber na natureza os traços da corrupção, da desordem, do
34 SOIA SCRIPTURA

conflito e da degeneraçào decorrentes da queda. Nào obstante, a


educação do nosso século, especialmente no nosso país, embora,
em geral, reivindique ser cristã, na realidade tornou-se materia­
lista. Em que instituições educacionais essas disciplinas são estu­
dadas com essa perspectiva e com esse propósito?

LOUCA CEGUEIRA HUMANA


Se o homem não houvesse caído, a revelação natural seria
suficiente para que ele compreendesse as verdades com relação a
Deus, à criação, ao próprio homem, etc., de modo a submeter-se
a Deus e a adorá-lo, rendendo-lhe a graça, o louvor e a honra que
lhe são devidas.
Mesmo caído, a revelação natural ainda é suficiente para
tomá-lo indesculpável, pois o homem natural deturpa a revela­
ção natural. Ele não dá ouvidos à pregação da natureza que o
convida a glorificar a Deus. Ele não se submete à proclamação
proferida pelo cosmo, nem reconhece a origem divina das leis
que regem o universo. O homem natural também não se submete
às leis encravadas na sua própria consciência, transgredindo-as
constante e deliberadamente. Recusando-se rebeldemente a
reconhecer a soberania do Criador e a adorá-lo, o homem natural
pretere adorar a criatura.
Tais homens são, por isso, indesculpáveis; porquanto, tendo conheci­
mento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças;
antes, se tomaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-
lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tomaram-se loucos,
e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem
de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis... pois
eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a
criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém!
(Rm 1:20b-23, 25).

Esse diagnóstico é igualmente verdadeiro, quer aplicado à


filosofia dos sofistas, dos epicureus e dos gnósticos da Grécia
Antiga, quer aplicado ao humanismo renascentista ou à ciência
materialista moderna. Onde, insisto, nas escolas e universidades
CAPITULO 2: DOUTRINA DA REVELAÇÃO 35

de nosso país, a criação é estudada pela perspectiva das Escrituras


e com o propósito de glorificar a Deus?
O homem natural confunde o Criador com a criação (e crê
no panteísmo), isola o Criador da criação (e prega o deísmo),
rejeita o Criador (e professa o materialismo), ou dá-se por satis­
feito com a criação (dando origem ao naturalismo). Na sua louca
cegueira, o homem natural rebelde vai além: ele prefere atribuir
os traços de corrupção, desordem e conflito percebidos na cria­
ção ao Criador, e explicar a substancial lógica, ordem, harmonia,
sabedoria e poder nela percebidos às forças cegas da natureza, à
evolução, à seleção natural, ou mesmo a mutações genéticas.
Por isso o homem é indesculpável. Por estas razões, é
justamente culpado: por se recusar a andar conforme o grau da
revelação que recebe, seja da natureza, seja da consciência, e
se entregar rebelde e arrogantemente a todo tipo de impiedade.
“Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis
de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas
também aprovam os que assim procedem" (Rm 1:32).

INSUFICIÊNCIA DA REVELAÇÃO NATURAL


A revelação natural é, portanto, suficiente para condenar,
mas não para salvar. Devido ao estado decaído do homem, a
revelação natural não é nem clara nem suficiente para que as
verdades necessárias à sua salvação sejam compreendidas.
A religião natural ensina que a revelação da natureza é sufi­
ciente para a salvação do homem. Para os que assim pensam, a
mente humana desassistida pode compreender tudo o que é neces­
sário para a salvação. Contudo, tal ensino contradiz frontalmente a
revelação bíblica. De acordo com as Escrituras, “o homem natural
não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura: e
não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente"
(1 Co 2 :14). Segundo as Escrituras, “aprouve a Deus salvar aos
que crèem, pela loucura da pregação" (1 Co 1:21). É por isso que
o apóstolo Paulo exclama: “Todo aquele que invocar o nome do
36 SOLA SCRIPTURA

Senhor será salvo. Como, porém, invocarão aquele em quem não


creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como
ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm 10:13-14). Qual a conclu­
são? ‘‘Logo, a fé vem pela pregação (pelo ouvir) e a pregação (o
ouvir), pela palavra de Cristo” (Rm 10:17).
Deus se revela na criação, sim. Essa revelação é suficiente
para tomar a raça humana indesculpável. Entretanto, por causa
da queda, não é suficiente para a salvação de ninguém.

REVELAÇÃO ESPECIAL
Não sendo a revelação natural suficiente para salvar o
homem, por causa da cegueira produzida pela queda, aprouve a
Deus revelar-se diretamente à igreja.
Consequentemente, ele preparou um povo, Israel, na antiga
aliança, e a igreja, na nova aliança, para revelar-lhe diretamente o
conhecimento necessário à salvação. De modo direto e sobrena­
tural. por meio do seu Espírito, através de revelação direta, teofa-
nias, anjos, sonhos, visões, pela inspiração de pessoas escolhidas
e pelo seu próprio Filho, Deus comunicou progressivamente à
igreja, no curso dos séculos, as verdades necessárias à salvação,
as quais, de outro modo, seriam inacessíveis ao homem.
Assim, Deus revelou-se a Noé, a Abraão, a Moisés, aos
profetas, a Davi. a Salomão, aos seus apóstolos e, especial­
mente, revelou-se em Cristo. E a isso que o autor da Epístola aos
Hebreus se refere, quando afirma que: “havendo Deus, outrora,
falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profe­
tas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu
herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo”
(Hb 1:1-2). Cristo é a revelação final de Deus.
E dessa revelação que o apóstolo Paulo fala. na sua carta
endereçada aos gálatas: “Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o
evangelho por mim anunciado não é segundo o homem; porque
eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante
revelação de Jesus Cristo” (G1 1:11-12).
CAPÍTULO 2: DOUTRINA DA REVELAÇÃO 37

À igreja de Deus, portanto, foram confiados os oráculos de


Deus: a revelação especial, inspirada, clara, precisa, autoritativa
e suficiente para ensinar ao homem o que ele deve conhecer e
crer, e o que dele é requerido, com vistas à sua própria salvação
e à glória de Deus.

REVELAÇÃO ESCRITA
Tendo em vista a insuficiência da revelação natural e a abso­
luta necessidade da revelação especial, aprouve a Deus ordenar
que essa revelação fosse toda escrita, a fim de que pudesse ser
preservada e permanecesse disponível, para a consecução dos
seus propósitos eternos. Deus conhece perfeitamente a natureza
humana corrompida. Ele conhece também a malícia de Satanás,
bem como a perversão do mundo. Ele sabe que revelar a sua
vontade à igreja não seria suficiente, pois ela seria fatalmente
corrompida e deturpada. Basta observar as tradições religiosas,
mesmo as ditas cristãs - como tendem inexoravelmente ao erro!
Por isso. Deus fez com que todas as verdades necessárias à
salvação, à santificação, ao culto, ao serviço e à vida do homem,
fossem escritas e preservadas, para que pudessem ser conheci­
das, cridas e obedecidas. Com esses propósitos, o próprio Deus,
por meio do seu Espírito, inspirou os autores bíblicos, a fim de
que pudessem registrar a revelação especial sem erro algum.
Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repre­
ensão. para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o
homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa
obra (2 Tm 3:16).

Temos, assim, tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem


em atendê-la, como a uma candeia que brilha em lugar tenebroso, até
que o dia clareie e a estrela da alva nasça em vossos corações; sabendo,
primeiramente, isto: que nenhuma profecia da Escritura provém de
particular elucidação: porque nunca jamais qualquer profecia foi dada
por vontade humana; entretanto, homens santos falaram da parte de
Deus. movidos pelo Espírito Santo (2 Pe 1:19-21).
38 SOLA SCRIPTURA

De acordo com o primeiro parágrafo da Confissão de Fé de


Westminster, portanto, a revelação escrita é expressão da graça
de Deus com vistas à preservação da integridade da verdadeira
religião e à salvação, edificação e conforto do seu povo.

NECESSIDADE DAS ESCRITURAS


Smith explica a necessidade das Escrituras da seguinte
maneira:
A revelação de Deus aconteceu por meio do processo histórico. O centro
dessa revelação veio na Pessoa de Cristo, sua encarnação, sua vida, sua
morte e sua ascensão; esses eventos ocorreram uma única vez. Eles não
se repetem. Eles se tornaram uma parte da história humana, e devem
ser transmitidos à humanidade. Nisso vemos a necessidade de confiar o
registro e o significado dessa revelação à forma escrita. Somente assim
ela pode tomar-se a revelação para toda a humanidade...

A Escritura é para nós a revelação especial de Deus. Não há outro prin­


cipiam cognoscentli extemum para nós. '

Sendo, portanto, a Palavra escrita o meio escolhido por


Deus para revelar a sua vontade ao homem, ela não pode ser
dispensada, igualada, acrescentada nem suplantada. Nem o
Espírito agiria em detrimento ou à parte dela, mas com e por
ela. E neste sentido que as Escrituras são necessárias.e indis­
pensáveis para a comunicação das verdades imprescindíveis à
salvação. A Igreja Romana tem a tradição oral. Os reformado­
res radicais “possuíam” a palavra interior. Outras denominações
modernas “dispõem” de novas revelações do “Espírito”. Para os
teólogos racionalistas, a Bíblia representa apenas “a consciência
religiosa” e “a reflexão da igreja”.34A fé reformada, entretanto, se
fundamenta inteiramente nas Escrituras.

3 Morton H. Smith, Systenuitic Theology, vol. 1 (Greenville, SC: Greenville


Seminary Press. 1994), 69, 70.
4 Herman Bavinck, Rcformecl Dogmatics. vol. 1. Pmlegomena, ed. John Bolt,
trad. John Vriend (Grand Rapids: Baker Academic. 2003). 468.
CAPITULO 2: DOUTRINA DA REVELAÇAO 39

Bavinck resume a visão reformada acerca da necessidade


das Escrituras, em contraste com as posições católico-romana,
mística e racionalista, como segue:
No Catolicismo Romano, a igreja, vivendo pelo Espírito Santo, é auto-
suficiente. A Bíblia, estritamente falando, não é necessária; a Escritura
precisa da igreja para a sua autoridade e interpretação. A tradição do
misticismo espiritualista, também, não precisa realmente da Escritura.
Comunhão, por meio de práticas ascéticas e contemplação, eram capa­
zes de colocar o crente em união com Deus. O mesmo fenômeno -
palavra interna acima da palavra externa - levou à crítica racionalista
à autoridade e necessidade da Escrituras. Mesmo se as Escrituras se
perdessem, a verdade ético-religiosa do Cristianismo sobrevivería...

Os protestantes reconhecem que a palavra externa apenas é insuficiente;


ela precisa do testemunho interno do Espírito Santo. Para a vida cons­
ciente da igreja, entretanto, a Escritura é essencial, indispensável para o
estabelecimento da verdade cristã do evangelho... Nesta era da história
da salvação, a Escritura é o nosso único guia seguro para o ensino apos­
tólico e o preserva para as gerações.'

' Bavinck, Reformed Dogmatics, 450.


CAPÍTULO 3
CANON DAS ESCRITURAS

Sob o nome de Escrituras Sagradas, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se


agora todos os liv ro s do Velho e do Novo Testamento, todos dados por in sp i­
ração de Deus para serem a regra de fé e prática, que são os seguintes:

O Antigo Testamento: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio,


Josué, Juizes, Rute, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, I Crônicas, 2 Crônicas,
Esdras, Neemias, Ester, ló, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cantares, Isaías,
lerem ias, Lamentações, Ezequiel, Daniel, Oséias, loel, Amós, Obadias, lonas,
Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias.

O Novo Testamento: Mateus, Marcos, Lucas, loão, Atos, Romanos, 1 Coríntios,


2 Coríntios, C álatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, I Tessalonicenses,
2 Tessalonicenses, 1 Timóteo, 2 Timóteo, Tito, Filem on, Hebreus, Tiago, 1
Pedro, 2 Pedro, 1 João, 2 loão, 3 João, Judas, Apocalipse.

Os liv ro s geralmente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina,


não fazem parte do Canon da Escritura; não são, portanto, de autoridade na
Igreja de Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou empregados
senão como escritos humanos (parágrafos II e III).

O ensino desses parágrafos da Confissão de Fé de Westminster


diz respeito especialmente ao cânon das Escrituras. Neles não
são indicados os critérios empregados para o reconhecimento do
cânon Bíblico. São apenas relacionados os sessenta e seis livros
aceitos como canônicos, ou seja, como inspirados por Deus, que
compõem a Bíblia protestante. Quanto aos livros apócrifos, que
foram incluídos na Bíblia católico-romana, são explicitamente

i Ler Romanos 3:2.


42 SOLA SCRI PT URA

considerados nào inspirados e, portanto, nào autoritativos, nào


devendo ser entendidos senão como escritos humanos.
A palavra cânon é mera transi iteração do termo grego Kavióv,
que significa vara reta, régua, regra. Aplicado às Escrituras, o
termo designa os livros que se conformam à regra da inspira­
ção e autoridade divinas. Atanásio (séc. IV) parece ter sido o
primeiro a usar a palavra nesse sentido.2 São chamados de canô­
nicos, portanto, os livros que foram inspirados por Deus, os quais
compõem as Escrituras Sagradas - o cânon bíblico.
Quais são os livros canônicos, ou seja, inspirados? Como
eles se dividem? Há alguma regra pela qual se pôde averiguar
a canonicidade de um livro? Como explicar a diferença entre os
cânones hebraico, católico-romano e protestante? São essas as
perguntas que precisam ser respondidas com relação ao presente
assunto.

O CÂNON PROTESTANTE
DO ANTIGO TESTAMENTO

Origem
O cânon protestante do Antigo Testamento (composto pelos
trinta e nove livros relacionados acima) é exatamente igual ao
cânon hebraico massorético. O cânon massorético é a Bíblia
hebraica em sua forma definitiva, vocalizada e acentuada pelos
massoretas. A ordem dos livros na Bíblia protestante, entretanto,
segue a da Vulgata e da Septuaginta.

Os Massoretas
Os massoretas eram judeus estudiosos que se dedicavam
à tarefa de guardar a tradição oral (massora) da vocalização e
acentuação correta do texto. A medida que um sistema de voca­
lização foi sendo desenvolvido, entre 500 e 950 A D, o texto

2 A. Bcntzen, Introdução ao Antigo Testamento. vol. 1 (São Paulo: ASTE,


1968), 29.
CAPITULO 3: CANON DAS ESCRITURAS 43

eonsonantal que receberam dos soferint foi sendo por eles


euidadosamente vocalizado e acentuado. Além dos pontos vocá-
lieos e dos acentos, os massoretas acrescentavam também ao
texto as massoras marginais, maiores e finais, calculadas pelos
soferim. Essas massoras (tradições) eram estatísticas colocadas
ao lado das linhas, ao fim das páginas e ao final dos livros, indi­
cando quantas vezes uma determinada palavra aparecia no livro,
o número de palavras e letras. Elas indicavam até a palavra e
letra central do livro.34

O Canon Massorético
Embora o conteúdo do cânon protestante seja o mesmo do
cânon hebraico, a divisão e a ordem dos livros são diferentes. Eis
a divisão e ordem do cânon hebraico:
O Pentateuco (Torá): Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e
Deuteronômio.

Os Profetas (N eviim ):
Anteriores: Josué, Juizes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis.
Posteriores: Isaias, Jeremias, Ezequiel e Profetas Menores.

Os Escritos (K êtuvim ):
Poesia e Sabedoria: Salmos, Provérbios e Jó.
Rolos ou Megilloth (lidos no ano litúrgico): Cantares (na
páscoa), Rute (no pentecostes), Lamentações (no quinto mês),
Eclesiastes (na festa dos tabernáculos) e Ester (na festa de
purim).
Históricos: Daniel. Esdras, Neemias e 1 e 2 Crônicas.

3 Ordem dos escribas que se originou com Esdras. e que se estendeu até 200 A D.
cuja função era preservar puro o texto bíblico.
4 As massoras funcionavam mais ou menos como os modernos dígitos veri­
ficadores usados por programas de computadores para evitar erros em informações
importantes como número de contas bancárias, CPF, CGC, etc.
44 SOI A SCRIPTURA

O Canon Consonantal
A divisão e a ordem dos livros no cânon hebraico consonan­
tal, anterior ao massorético, era a mesma. O número de livros,
entretanto, era diferente. O conteúdo era o mesmo, mas agrupado
de modo a formar apenas vinte e quatro livros. Os livros de 1 e
2 Samuel, 1 e 2 Reis e 1 e 2 Crônicas eram unidos, formando
apenas um livro cada (o que implica em três livros a menos em
relação ao nosso cânon). Os doze profetas menores eram agru­
pados em um só livro (menos onze livros). Esdras e Neemias
formavam um só livro: o Livro de Esdras (menos um livro).

Testemunhas Antigas do Cânon Hebraico Protestante


A referência mais antiga ao cânon hebraico é do historiador
judeu Josefo (37-95 AD). Em Contra Apionem ele escreve: “Não
temos dezenas de milhares de livros, em desarmonia e conflitos,
mas somente vinte e dois, contendo o registro de toda a história,
os quais, conforme se crê, com justiça, são divinos”.5 Depois
de referir-se aos cinco livros de Moisés, aos treze livros dos
profetas, e aos demais escritos (os quais “incluem hinos a Deus e
conselhos pelos quais os homens podem pautar suas vidas”), ele
continua afirmando:
Desde Artaxerxes (sucessor de Xerxes) até nossos dias, tudo tem sido
registrado, mas não tem sido considerado digno de tanto crédito quanto
aquilo que precedeu a essa época, visto que a sucessão dos profetas
cessou. Mas a fé que depositamos em nossos próprios escritos é perce­
bida através de nossa conduta; pois, apesar de ter-se passado tanto
tempo, ninguém jamais ousou acrescentar coisa alguma a eles, nem tirar
deles coisa alguma, nem alterar neles qualquer coisa que seja.6

Josefo é suficientemente claro. Como historiador judeu, ele


é fonte fidedigna. Eram apenas vinte e dois os livros do cânon

5 Ele menciona vinte e dois. ao invés de vinte e quatro, porque com certeza,
originalmente, Rute era agrupado com Juizes e Lamentações com Jeremias.
6 Capítulo primeiro.
CAPITULO 3: CANON DAS ESCRITURAS 45

hebraico agrupados nas três divisões do cânon massorético. E


desde a época de Malaquias (Artaxerxes, 464-424 AC) até a sua
época, nada se lhe havia sido acrescentado. Outros livros foram
escritos, mas não eram considerados canônicos, com a autori­
dade divina dos vinte e dois livros mencionados.
Além de Josefo, Mileto, Bispo de Sardes, diz ter viajado
para o Oriente, no ano 170 AD, com o propósito de investigar a
ordem e o número dos livros do Antigo Testamento; Orígenes, o
erudito do Egito, que morreu em 254 AD; Tertuliano (160-250
AD), pai latino contemporâneo de Orígenes; e Jerônimo (340-420
AD), entre outros, confirmam o cânon hebraico de vinte e dois
ou vinte e quatro livros (dependendo do agrupamento ou não de
Rute e Lamentações).
E interessante observar que o próprio Jerônimo, tradutor
da Vulgata latina, que daria origem ao cânon católico-romano,
embora considerasse os livros apócrifos úteis para a edificação,
não os tinha como canônicos. Apesar de ter traduzido outros
livros não canônicos, ele escreveu que “deveríam ser colocados
entre os apócrifos,” afirmando que “não fazem parte do cânon”.
Referindo-se ao livro de Sabedoria de Salomão e ao livro de
Eclesiástico, ele diz: “Da mesma maneira pela qual a igreja lê
Judite e Tobias e Macabeus (no culto público), mas não os recebe
entre as Escrituras canônicas, assim também sejam estes dois
livros úteis para a edificação do povo, mas não para receber as
doutrinas da igreja”.7
Vale salientar ainda que a versão siríaca Peshita, que
bem pode ter sido feita no século II ou III,8 ou até mesmo no

7 Gleason L. Archer Jr, Merece Confiança o Antigo Testamento? (São Paulo:


Vida Nova, 1979), 76.
8 R. L. Uarris, Inspiration and Canonicity o f the Bible: An Histórical and
Exegetical Study (Grand Rapids: Zondervan. 1957), 216; Wilbur N. Pickering. The
Identity o f the New Testament Text (Nashville: Thomas Nelson Publishers, 1980),
93-96; e Archer Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento?, 51.
46 SOIA SCRIPTURA

século I,° nos manuscritos mais antigos, não contém nenhum dos
apócrifos.

O Testemunho de Jesus e dos Apóstolos


Embora as evidências já mencionadas sejam importan­
tes, a principal testemunha do cânon protestante do Antigo
Testamento é o Novo Testamento. Jesus e os apóstolos não ques­
tionaram o cânon hebraico da época (época de Josefo, convém
lembrar). Eles o citaram cerca de seiscentas vezes, de modo
autoritativo, incluindo praticamente todos os livros do cânon
hebraico. Entretanto, não citam nenhuma vez os livros apócri­
fos.910 Pode-se concluir, portanto, que Jesus e os apóstolos deram
o seu imprimatur ao cânon hebraico e, consequentemente, ao
cânon protestante.

O CÂNON CATÓLICO-ROMANO
DO ANTIGO TESTAMENTO

Origem
O cânon católico-romano, composto pelos trinta e nove
livros encontrados no cânon protestante, acrescido das adições
a Daniel e Ester, e dos livros de Baruque, Carta de Jeremias,
1-2 Macabeus, Judite, Tobias, Eclesiástico e Sabedoria - 3 e
4 Esdras e a Oração de Manassés são acrescentadas depois do
NT - origina-se da Vulgata latina, que por sua vez, provém da
Septuaginta.

9 “É provável que certas porções do Antigo Testamento siríaco. em primeiro


lugar o Pentateuco. tenham sido introduzidos naquele reino nos meados do primeiro
século de nossa era". R. A. H. Gunner, “Texto e Versões do Antigo Testamento. Versão
Siríaca”, em O Novo Dicionário da Biblia, 3 ed. rev.. ed. J. D. Douglas, trad. João
Bentes (São Paulo: Vida Nova, 2006), 1327.
10 Com exceção de Enoque 1:9, aludido em Judas 14-16: contudo, não citado
autoritativamente, e sim como qualquer outro autor; assim como Paulo cita Arato em
Atos 17:28 e Menander em 1 Coríntios 15:33.
CAPITULO 3: CANON DAS ESCRITURAS 47

A Septuaginta
A Septuaginta é uma tradução dos livros judaicos para
o grego, feita possivelmente durante o reinado de Ptolomeu
Filadelfo (285-245 AC) ou até meados do século 1 AC, para a
biblioteca de Alexandria, no Egito." Os tradutores não se limi­
taram a traduzir os livros considerados canônicos pelos judeus.
Eles traduziram os demais livros judaicos disponíveis. E, a julgar
pelos manuscritos existentes, deram um arranjo tópico à biblio­
teca judaica, na seguinte ordem:
Livros da Lei: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.
Livros de História: Josué, Juizes, Rute, 1-2 Samuel, 1-2 Reis
(chamados 1-2-3-4 reinados), 1-2 Crônicas, 1-2 Esdras (o primeiro
apócrifo), Neemias, Tobias. Judite e Ester.

Livros de Poesia e Sabedoria: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes,


Cantares, Sabedoria de Salomão, Sabedoria de Siraque (ou
Eclesiástico).

Livros Proféticos: Profetas Menores; Profetas Maiores: Isaías,


Jeremias, Baruque, Lamentações, Epístola de Jeremias, Ezequiel. e
Daniel (incluindo as histórias de Susana, Bel e o Dragão e o cântico
dos Três Varões).

Alguns desses livros foram escritos posterionnente, em


grego, possivelmente por judeus alexandrinos, e foram incluídos
na biblioteca judaica de Alexandria, tais como Primeiro e Segundo
Esdras, adições a Ester, Sabedoria, e a Epístola de Jeremias. Nem
sempre todos esses livros estão presentes nos manuscritos antigos
da Septuaginta. O Códice Vaticano (B) omite Primeiro e Segundo
Macabeus (canônicos para a Igreja Católica) e inclui Primeiro
Esdras (não canônico para a Igreja Católica). O Códice Sinaítico
(N) omite Baruque (canônico para Roma), mas inclui o quarto livro
dos Macabeus (não canônico para Roma). O Códice Alexandrino1

11 A biblioteca de Alexandria, segundo alguns, chegou a possuir cerca de duzen­


tos mil volumes.
48 SOLA SCRIPTURA

(A) inclui o Primeiro Livro de Esdras e o Terceiro e Quarto Livros


dos Macabeus (apócrifos para Roma).
O que se pode concluir daí é que, quando a Septuaginta
foi copiada, alguns livros nào canônicos para os judeus foram
também copiados. Isso poderia ter ocorrido por ignorância quanto
aos livros verdadeiramente canônicos. Pessoas não afeiçoadas ao
judaísmo ou mesmo desinteressadas em distinguir livros canô­
nicos dos nào canônicos tinham por igual valor todos os livros,
fossem eles originalmente recebidos como sagrados pelos judeus
ou não. Mesmo aqueles que não tinham os demais livros judaicos
como canônicos certamente também copiavam estes livros, não
por considerá-los sagrados, mas apenas para serem lidos. Por que
não copiar livros tão antigos e interessantes?
Mesmo pessoas bem intencionadas podem ter sido levadas
a rejeitar alguns dos livros canônicos, ou a aceitar como canôni­
cos alguns que não o fossem, por ignorância ou má interpretação
da história do cânon. Convém lembrar que, embora o testemu­
nho do Espírito Santo seja a principal regra de canonicidade por
parte da igreja como um todo, mesmo assim, o crente ainda tem
uma natureza pecaminosa que não o livra totalmente de incidir
em erro, inclusive quanto ao assunto da canonicidade. Isto acon­
tece especialmente em épocas de transição, como foi o caso de
Agostinho, que defendeu os livros apócrifos, embora de modo
dúbio, e depois o de Lutero, o qual colocou em dúvida a canoni­
cidade da carta de Tiago.

A Vulgata
Como já foi mencionado, ao traduzir a Vulgata, Jerônimo
também incluiu alguns livros apócrifos. Nào o fez, contudo, por
considerá-los canônicos, mas apenas por considerá-los úteis,
como fontes de informação sobre a história do povo judeu.
Na Idade Média, a versão francamente usada pela igreja foi a
Vulgata latina. A partir dela e da Septuaginta também foram feitas
outras traduções. Ora. multiplicando-se o erro, e afastando-se cada
CAPÍTULO 3: CÂNON DAS ESCRITURAS 49

vez mais a igreja da verdade (como aconteceu crescentemente nesse


período), tomou-se mais e mais difícil distinguir entre os livros que
deveríam ser considerados canônicos ou não. Esses livros nunca
foram completamente aceitos, mesmo nessa época. Mas, por se
encontrarem incluídos nessas versões, a igreja (que se encontrava,
de modo geral, em época de trevas) não teve discernimento espiri­
tual para distinguir entre livros apócrifos e canônicos.
Por fim, no Concilio de Trento, em 1546, (também em
reação contra os protestantes, que reconheceram apenas o cânon
hebraico), a igreja de Roma declarou canônicos os livros apócri­
fos relacionados acima, bem como autoritativas as tradições orais:
“O Sínodo... recebe e venera todos os livros, tanto do Antigo
como do Novo Testamento... assim como as tradições orais”. A
seguir são relacionados todos os livros considerados canônicos,
incluindo os apócrifos. Concluindo, o decreto adverte:
Se qualquer pessoa não aceitar como sagrado e canônico os livros
mencionados em todas as suas partes, do modo como eles têm sido
lidos nas igrejas católicas, e como se encontram na antiga Vulgata
latina, e deliberadamente rejeitar as tradições antes mencionadas, seja
anátema.i:

A igreja grega seguiu mais ou menos os passos da igreja


ocidental. Houve sempre dúvida na aceitação dos apócrifos, mas,
no Concilio de Trulano, em 692, foram todos aceitos (quatorze).
Ainda assim, como sempre houve reservas quanto à plena acei­
tação de muitos deles, a igreja grega, em 1672, acabou redu­
zindo para quatro o número dos apócrifos aceitos: Sabedoria,
Eclesiástico, Tobias e Judite.1'

Conclusão
Por ironia da história, a Vulgata de Jerônimo, o qual não
considerava canônicos os livros apócrifos,12134 veio a ser a prin-

12 Harris, Inspiration and Canonicity ofthe Bible, 192.


13 Archer Jr, Merece Confiança o Antigo Testamento3, 80.
14 Jerônimo foi o primeiro a usar o termo apócrifo.
50 SOLA SCRIPTURA

cipal responsável pela inclusão destes mesmos livros no cânon


católico-romano.
A obra dos reformadores foi maior do que se pode pensar
à primeira vista. Eles não apenas redescobriram as doutrinas
básicas do evangelho - como a doutrina da salvação pela graça
mediante a fé - e reformaram o culto. Eles redescobriram também
o cânon. Graças a eles e ao testemunho do Espírito Santo, a igreja
protestante reconhece como canônicos, com relação ao Antigo
Testamento, os mesmos livros que Jesus e os apóstolos, e os
judeus de um modo geral sempre reconheceram.
Alguns dos apócrifos são realmente úteis como fontes
de informação a respeito de uma época importante da história
do povo de Deus: o período inter-testamentário. Os protes­
tantes reconhecem o valor histórico deles. Seguindo a prática
dos primeiros cristãos, as edições modernas protestantes da
Septuaginta normalmente incluem os apócrifos, e até algumas
Bíblias protestantes antigas os incluíam, no final, apenas como
livros históricos.
Contudo, as igrejas reformadas excluíram totalmente os
apócrifos das suas edições da Bíblia, e, “induziram a Sociedade
Bíblica Britânica e Estrangeira, sob pressão do puritanismo esco­
cês, a declarar que não editaria Bíblias que tivessem os apócrifos,
e a não colaborar com outras sociedades que incluíssem esses
livros em suas edições”.15 Melhor assim, tendo em vista o que
aconteceu com a Vulgata! Melhor editá-los separadamente.

O CANON DO NOVO TESTAMENTO


Por motivos óbvios, os judeus não aceitam os livros do
Novo Testamento como canônicos. Visto que não reconhece­
ram a Jesus como o Messias, não poderíam aceitar os livros do
Novo Testamento como inspirados. Felizmente, entretanto, não
precisamos falar de um cânon protestante e de um cânon católi­

15
Bentzen, Introdução ao Antigo Testamento, 49
CAPÍTULO 3: CANON DAS ESCRITURAS 51

co-romano do NT, visto que todos os ramos do Cristianismo -


incluindo a igreja oriental - aceitam exatamente os mesmos vinte
e sete livros, como os temos em nossa Bíblia.
É claro, entretanto, que não se poderia esperar que todos
os vinte e sete livros do Novo Testamento viessem a ser imediata
e simultaneamente reconhecidos como inspirados, por todas as
igrejas, logo que foram escritos. Algum tempo seria necessário
para que os quatro Evangelhos, o livro de Atos, as epístolas e
o livro de Apocalipse alcançassem todas as igrejas. Afinal, ao
término do primeiro século e no início do segundo, a igreja já
havia se espalhado por três continentes: Europa, Asia e norte da
África. Além disso, é provável que haja um intervalo de quase
cinquenta anos entre a data em que o primeiro e o último livro do
Novo Testamento foram escritos.16 Por fim, deve-se considerar
ainda que, embora todos os livros canônicos sejam inspirados,
nem todos têm a mesma importância ou volume. E natural espe­
rar que cartas pequenas como Judas, e as duas últimas cartas de
João, fossem bem menos mencionadas do que os Evangelhos,
Atos, Romanos, etc.
Também é preciso observar que havia outros livros cristãos
antigos: evangelhos, cartas, atos, apocalipses, etc. Alguns desses
livros foram escritos por crentes piedosos do primeiro e segundo
séculos; outros eram indevidamente atribuídos aos apóstolos ou
aos seus contemporâneos. Algum tempo, é claro, seria necessário
para que a igreja inteira, de posse já de todos os livros canônicos,
bem como de muitos outros não canônicos, viesse a avaliar a
autoria, testemunho externo e interno, e discernir, pela ação do
Espírito Santo, quais livros realmente pertenciam ao cânon. Isso
tudo, entretanto, ocorreu de modo surpreendentemente rápido,
de maneira que antes que cem anos se passassem, praticamente
todos os livros do Novo Testamento já eram conhecidos, reveren­
ciados e tidos como autoritativos pela Igreja, conforme atestam

1(1 A Epístola aos Gálatas foi escrita por volta de 48 a 50 e o Livro de Apocalipse
entre 81 a 96.
52 SOLA SCRIPTURA

as evidências históricas existentes. Bavinck está historicamente


correto, ao escrever:
Irineu, Tertuliano e outros, a Peshita e o fragmento de Muratori, todos
estabelecem além de qualquer dúvida que na segunda metade do
segundo século a maioria dos escritos do NT tinha autoridade canônica e
desfrutava de status equivalente ao dos livros do Antigo Testamento.17

Critérios de Canonicidade dos Livros do Novo Testamento


A principal questão teológica com relação ao cânon do Novo
Testamento diz respeito ao critério ou critérios que determinaram
a canonicidade dos livros do NT. Por que os vinte e sete livros,
e apenas estes, incluídos em nossas Bíblias são aceitos como
canônicos? A resposta a essa pergunta encontra-se, em última
instância, na doutrina da inspiração. São canônicos os livros que
foram inspirados por Deus. “Para que um livro seja canônico
ele deve ser inspirado, e a tarefa da igreja no estabelecimento
dos limites do cânon era de decidir se os escritores eram ou não
inspirados”.18 Mas como foi reconhecida a inspiração dos livros
do NT? Quais os critérios que levaram a igreja a aceitar todos os
vinte e sete livros, e apenas estes, como inspirados e consequen­
temente canônicos?
1) O Testemunho Interno do Espírito Santo
O critério essencial para o reconhecimento do cânon do
Novo Testamento é o mesmo que levou ao reconhecimento do
Antigo Testamento: o testemunho interno do Espírito Santo na
igreja como um todo. “Apesar de todas as evidências da auto­
ridade das Escrituras, o homem precisa da preparação interior
do Espírito para convencê-lo da sua confiabilidade”.19 É certo,
como já foi mencionado, que crentes individuais podem falhar
em identificar ou não certos livros como canônicos - especial­

17 Bavinck, Reformai Dogmatics, 400.


18 Thomas, A Visão Puritana cias Escrituras, 16
19 Ibid., 18.
CAPÍTULO 3: CANON DAS ESCRITURAS 53

mente em épocas de transição, como nos primeiros séculos da


igreja na nova dispensaçào e durante o período da Reforma. Não
obstante, o testemunho da igreja como corpo (não como institui­
ção ou indivíduos isoladamente) é o principal critério de verifica­
ção da canonicidade das Escrituras.
Isso não significa dizer que foi a igreja que determinou
o cânon. “O cânon não foi formado por nenhum decreto de
concílios.”20 Quem determinou o cânon foi o Espírito Santo
que o inspirou. A igreja apenas o reconheceu, o discerniu, pela
iluminação do próprio Espírito, que habita nos seus membros
individuais. Isso implica em afirmar, como faz Bavinck, que “a
canonicidade dos livros bíblicos está enraizada na sua existência.
Eles têm autoridade em si mesmos... é o Espírito do Senhor quem
guiou os autores ao escrevê-los e a igreja ao reconhecê-los”.21
William Whitaker, professor de Teologia na Universidade de
Cambridge, no livro Disputation on Holy Scripture, publicado
em 1588, e frequentemente citado na Assembléia de Westminster,
resume o papel da igreja como corpo e dos crentes individuais
com relação ao reconhecimento do cânon, como segue: “A auto­
ridade da igreja pode, a princípio, mover-nos a reconhecermos as
Escrituras: mas depois, quando nós mesmos lemos as Escrituras,
e as compreendemos, concebemos uma fé verdadeira...”22 - isto
é, somos convencidos pelo Espírito da sua veracidade e identi­
dade.23
As evidências históricas desse reconhecimento do cânon do
Novo Testamento pela igreja são abundantes.

20 Bavinck, Reformed Dogmatics, 400.


21 Ibid.,401.
22 Citado em Wayne Spear, "The Westminster Confession of Faith and Holy Scripture".
em To GloriJ}' and Enjoy God: A Commemoration of the 350th Anniverscuy oj tlie Westminster
Assembly, eds. John L. Carson e David W. Hall (Edinburgh e Carlisle, PA: The Banner o f
TruthTrust. 1994), 91.
23 Para breves refutações da tese romana da determinação do cânon pela Igreja,
ver Godfrey, "O Que Entendemos por Sola Scriptura", em Sola Scriptura, 28-31: e R.
C. Sproul, “O Estabelecimento da Escritura", em Sola Scriptura, 65-87.
54 SOIA SCRIPTURA

Logo no final do primeiro século e início do segundo


(até 120 AD), boa parte dos livros do Novo Testamento já era
conhecida, citada e inclusive reverenciada como autoritativa
nos primeiros escritos cristãos que chegaram até nós. É o caso
da carta de Clemente de Roma aos Coríntios, escrita por volta
do ano 95; das cartas de Inácio de Antioquia da Síria, bispo que
morreu martirizado em Roma entre 98 e 117; da epístola aos
Filipenses, de Policarpo, discípulo de João que morreu marti­
rizado, escrita pouco antes do martírio de Inácio; etc. Apenas
a segunda e terceira carta de João e a carta de Judas não são
mencionadas nesses escritos mais antigos - obviamente por falta
de oportunidade, visto serem muito pequenas.
Na metade do segundo e no terceiro século, quando já existe
maior abundância de escritos preservados,24 todos os livros do
Novo Testamento são citados, e reconhecidos como autoritati-
vos, embora a canonicidade de alguns livros seja colocada em
dúvida ou rejeitada por um ou outro autor antigo. Orígenes de
Alexandria (185-250) e Eusébio de Cesaréia (265-340), seguindo
Orígenes, por exemplo, parecem lançar dúvidas sobre Hebreus,
2 Pedro, 2 e 3 João, Tiago e Judas. Nesse período, o assunto da
canonicidade dos livros foi debatido e defendido, tendo em vista
as posições heréticas, como as de Marcião e outros representan­
tes do gnosticismo. Em 367, Atanásio apresenta uma lista dos
livros canônicos do Novo Testamento, incluindo todos os vinte
e sete livros, e apenas estes. Finalmente, em 397, no Concilio de
Cartago, a igreja reconheceu oficialmente todos os vinte e sete
livros, e somente estes, como canônicos. Essa decisão foi ratifi­
cada pelo Concilio de Hipona, em 419.
2) Origem Apostólica
Pelo lado humano, a origem apostólica foi, quase certa­
mente, o critério mais importante considerado pela igreja para

24 Tais como os de Justino Mártir (165). Irineu (170), Clemente de Alexandria e


Tertuliano de Cartago (200).
CAPÍTULO 3: CÂNON DAS ESCRITURAS 55

o reconhecimento da canonicidade do Novo Testamento. Assim


como os profetas (no sentido lato) do Antigo Testamento eram a
voz autorizada de Deus para o povo - e de algum modo, todos
os livros do AT têm origem profética - assim também a origem
apostólica autenticava um livro como autoritativo, e consequente­
mente, como canônico. Os apóstolos eram as testemunhas autori­
zadas, escolhidas por Jesus, para o estabelecimento da igreja que
surgia. Para os pais da igreja, esse foi o critério mais importante.
Fosse possível provar que um determinado livro era de origem
apostólica, isso seria suficiente para ser reconhecido como canô­
nico. Por outro lado, havendo dúvida quanto à origem apostólica,
fatalmente haveria relutância - como realmente houve - para a
aceitação da canonicidade de um livro.
O fato é que todos os livros aceitos como canônicos eram de
autoria apostólica, ou tidos como de origem apostólica. Marcos
está ligado a Pedro (foi até chamado de Evangelho de Pedro),
Lucas e Atos provinham da autoridade de Paulo; e Hebreus era
também considerado de Paulo; Tiago e Judas, dos apóstolos que
tinham esse nome.
3) O Conteúdo dos Livros
O conteúdo dos livros também foi um critério importante
para o reconhecimento da canonicidade dos livros do NT. Livro
algum, em desacordo com o padrão doutrinário e moral, ensi­
nado por Jesus e os apóstolos, seria recebido como autoritativo.
Foi assim que vários escritos heréticos foram repudiados pela
igreja. Foi com base nessa regra, também, que muitos livros
apócrifos foram rejeitados, visto que se encontravam em franco
desacordo com o caráter, simplicidade, doutrina e ética dos livros
canônicos.
4) As Evidências Internas do NT
Embora os critérios acima tenham sido decisivos, as evidên­
cias internas do próprio NT, quanto à inspiração e autoridade de
alguns desses livros, revestem-se de especial importância. E claro
56 SOIA SCRIPTURA

que nâo se deve esperar encontrar uma lista completa do cânon


do Novo Testamento dentro do próprio Novo Testamento. Nào
é assim que Deus age. O lado humano da revelação (o instru­
mento) nào é anulado pelo divino. Isso nào ocorre com relação à
inspiração (as Escrituras não são “pneumagrafadas”), com rela­
ção à preservação (as Escrituras nào são “pneumapreservadas”),
e também não acontece com relação ao cânon (as Escrituras nào
são “pneumacanonizadas”). O elemento fé permeia toda a Bíblia,
e “fé é a convicção de fatos que se não veem” (Hb 11:1).
Isto, entretanto, não significa, de modo algum, que os
autores dos livros do Novo Testamento e seus primeiros leitores
não tivessem consciência da inspiração desses livros. Algumas
pessoas assim afirmam, dizendo que os livros do NT foram
inicialmente escritos e recebidos como livros comuns, sem
pretensão de inspiração ou canonicidade, por parte dos seus auto­
res e leitores. Contudo, tal afirmação não corresponde aos fatos.
Há, no próprio Novo Testamento, evidências claras da inspiração,
autoridade e consequente canonicidade desses livros. O apóstolo
Paulo nào escreve como alguém que aconselha, exorta ou ensina
de si mesmo, mas com autoridade divina, extraordinária. De onde
provém a autoridade de Paulo, ao exortar os Gálatas: “Ainda
que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho
que vá além do que vos tenho pregado, seja anátema”? (1:8).
Ele explica logo a seguir, quando afirma: “O evangelho por mim
anunciado nào é segundo o homem; porque eu não o recebi, nem
o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus
Cristo” (G1 1:11,12).
Que os livros do Novo Testamento nào tinham caráter mera­
mente circunstancial, específico e momentâneo é evidente nas
exortações no sentido de que fossem lidos publicamente (o que
só se fazia com as Escrituras), e em outras igrejas (1 Ts 5:27; Cl
4:16). Paulo afirma que os tessalonicenses receberam as suas pala­
vras como palavra de Deus; e ele confirma que realmente são:
Outra razão ainda temos nós para, incessantemente, dar graças a Deus:
é que, tendo vós recebido a palav ra que de nós ouvistes, que é de Deus,
CAPÍTULO 3: CÂNON DAS ESCRITUR AS 57

acolhestes não como palavra de homem, e sim, como, em verdade é, a


palavra de Deus. a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós,
os que credes (1 Ts 2:13).

O apóstolo Pedro também coloca os escritos de Paulo em pé


de igualdade com as Escrituras, reconhecendo autoridade igual à
do Antigo Testamento:
E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, como igualmente
o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe
foi dada. ao talar acerca destes assuntos, como de fato costuma fazer
em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de enten­
der, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as
demais Escrituras, para a própria destruição deles (2 Pe 3:15-16).

Em 1 Timóteo 5:18, o texto de Lucas 10:7 é chamado de


Escritura, juntamente com Deuteronômio 25:4: “Pois a Escritura
declara: Não amordaces o boi, quando pisa o grão (Dt 25:4). E
ainda: O trabalhador é digno do seu salário” (Ec 10:7).

Os Livros Disputados
Como já mencionado, alguns pais da igreja tiveram dúvi­
das quanto à canonicidade de alguns livros do NT. Enquanto a
maioria dos livros praticamente nunca teve a sua canonicidade
disputada pela igreja, outros sofreram alguma resistência, embora
parcial, para serem aceitos como canônicos. Os principais foram:
Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas e Apocalipse.
Não é difícil compreender as razões dessa relutância, pois
cada um desses livros apresenta uma ou outra característica que,
de certo modo, justificava o zelo por parte da igreja em averi­
guar mais cuidadosamente a canonicidade deles. Afinal, existiam
outros livros cristãos, de conteúdo fiel e ortodoxo, que poderíam
ser confundidos, se não houvesse zelo por parte da igreja; a
exemplo do que ocorreu com os apócrifos do Antigo Testamento,
pela Igreja Católica.
Não é muito difícil compreender os motivos que levaram
os referidos livros a terem a sua canonicidade disputada. No easo
58 SOLA SCRIPTURA

de Hebreus, o problema estava na autoria e estilo. A tradição dizia


ser de Paulo, mas não há o nome do autor, como é costume de
Paulo. O estilo também não é exatamente o mesmo, embora haja
muita semelhança. Com relação a Tiago, a aparente discrepân­
cia doutrinária com as demais cartas e a possibilidade de haver
sido escrita por outro Tiago certamente dificultaram o reconheci­
mento da sua canonicidade. A segunda carta de Pedro, além de,
por razões desconhecidas, provavelmente haver tido circulação
limitada, apresenta alguma diferença de vocabulário e estilo, o
que, segundo Jerônimo, foi a causa de alguns pais duvidarem da
genuinidade da epístola.25 Quanto a Judas e 2 e 3 João, o próprio
tamanho, importância relativamente menor, e a natureza mais
pessoal das duas últimas, certamente dificultaram a circulação e
o reconhecimento delas no cânon —no caso de Judas, a questão
da origem apostólica também pesou. Já o livro de Apocalipse,
o qual teve aceitação generalizada no segundo século, teve sua
canonicidade posteriormente disputada, provavelmente pela
dúvida lançada por Dionísio de Alexandria, seguido por Eusébio
de Cesaréia, quanto à origem apostólica do livro, devido ao que
consideravam diferenças de estilo entre ele e o Evangelho de
João - o que o levou a atribuir o livro a algum outro João.
E claro que essas dificuldades são todas aparentes. Estilo
não pode ser determinante para a identificação de autoria, pois
a natureza do assunto pode acarretar mudança de estilo. Além
disso, era comum o uso de amanuenses (copistas particulares).
Tamanho também não pode ser considerado critério de avaliação:
assuntos relativamente menos importantes tornam-se importan­
tíssimos em determinadas circunstâncias - a história da Igreja
tem comprovado isso. Quantas vezes as cartas de Judas e 2 e 3
João têm sido de valor inestimável para pessoas e igrejas espe­
cíficas! A “discrepância” doutrinária de Tiago tem sido suficien­
temente explicada; é apenas aparente: Paulo enfatiza a salvação

M. C. Tenney, Nuestm Nnevo Testamento: Una Perspectiva Historico


Analítica (Chicago: Editoral Moody. 1973), 477.
CAPÍTULO 3: CÂNON DAS ESCRITURAS 59

pela graça mediante a té, enquanto Tiago ressalta a evidência da


mesma salvação pela graça por meio de obras de té. A relutância
por parte de alguns, no terceiro ou quarto séculos, em reconhe­
cer a canonicidade desses livros não deve, de modo algum, ser
encarada como necessariamente depreciativa. Pelo contrário, por
mais que tenham sido submetidos a teste, até mesmo pelos refor­
madores, esses livros foram aprovados pela história, e encontra­
ram lugar seguro e imbatível no cânon do Novo Testamento.

Conclusão
Sejam quais forem os critérios que mais influenciaram os
pais da igreja no reconhecimento dos livros do Novo Testamento,
e apesar da relutância de alguns em aceitar todos os vinte e sete
livros, e não obstante o grande número de livros apócrifos que
surgiram nos primeiros séculos, o verdadeiro cânon teria que
prevalecer. E prevaleceu. Inspirados que eram, tinham poder espi­
ritual inerente. E esse poder manifestou-se de tal modo que todos
os ramos do Cristianismo alcançaram unanimidade espantosa, de
modo que desde pelo menos Atanásio, o primeiro a apresentar uma
lista completa do cânon do NT, até os nossos dias, não tem havido
nenhuma objeção realmente séria, nos três principais ramos do
Cristianismo, quanto à canonicidade do Novo Testamento.
Como bem observa Bavinck:
Em Cristo, a revelação de Deus foi completada. Do mesmo modo, a
mensagem da salvação está contida completamente na Escritura. Ela
constitui uma unidade... Ela termina onde começa... Ela começa com
a criação dos céus e da terra e termina com a recriação dos céus e da
terra.

26 Bavinck, Reformed Dogmaíics, 491.


CAPÍTULO 4
INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS

Sob o nome de Escrituras Sagradas, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se


agora todos os liv ro s do Velho e do Novo Testamento, todos dados por inspira­
ção de Deus para serem a regra de fé e prática, que são os seguintes: Gênesis...
Apocalipse.

Os liv ro s geralmente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina,


não fazem parte do Canon da Escritura; não são, portanto, de autoridade na
Igreja de Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou empregados
senão como escritos humanos (parágrafos II e III).

Além de identificar o eânon, esses parágrafos da Confissão


de Fé de Westminster professam também a doutrina da inspiração
das Escrituras. Trata-se de uma das doutrinas fundamentais da fé
cristã; “um artigo de fé da una e santa Igreja Cristã universal... A
inspiração é um dogma, como o dogma da Trindade, da encar­
nação, etc... uma confissão de fé”.12 Uma doutrina tão importante
que pode ser considerada a base de todas as demais. Colocá-la
em dúvida significa duvidar da autoria divina das Escrituras.
E, ao se fazer isso, a Bíblia é equiparada aos demais livros de
autoria meramente humana. Colocar em dúvida a inspiração de
qualquer texto bíblico é lançar fora a Bíblia toda, é abdicar da
sua autoridade e inerrância, é rejeitá-la como regra infalível de
fé e prática.

1 Ler 2 Timóteo 3 :16 e 2 Pedro 1:20-21.


2 Bavinck, ReformedDogmotics, 435. 436.
62
SOIA SCRIPTURA

É verdade que, nos últimos dois séculos, os ventos da alta


crítica, do racionalismo e do liberalismo têm soprado violenta­
mente contra essa coluna da fé cristã, com o intuito deliberado
de demoli-la. É verdade que em boa parte - talvez até na maioria
- dos seminários teológicos da Europa e dos Estados Unidos essa
viga mestra da verdade evangélica já foi derrubada. A situação
atual das igrejas protestantes nesses países ilustra as implicações
dessa postura com relação à doutrina da inspiração da Bíblia.
A batalha contra a Bíblia, ressalta Bavinck, não é apenas
de natuieza intelectual ou acadêmica, “é, em primeiro lugar, a
revelação da hostilidade do coração humano... crer é pelejar".’
Por outro lado, basta uma leitura superficial da história dessa
doutrina para se constatar que, desde o início, e no decorrer dos
séculos, a igreja se manteve firme na convicção de que a Bíblia
é a Palavra de Deus inspirada e, portanto, infalível".34 Era assim
que os judeus consideravam a Lei, os Profetas e os Escritos; era
desse modo que o próprio Senhor Jesus via as Escrituras. Era
essa a doutrina dos apóstolos. Reverência semelhante demons­
tram abundantemente os pais da igreja em seus escritos.5 Essa
foi também, sem dúvida, a posição dos reformadores, cujos dois
grandes princípios doutrinários foram a justificação pela graça
mediante a íé e a suprema autoridade das Escrituras.6. É essa
também a doutrina esposada pelos puritanos e pelas confissões de
fé protestantes ortodoxas. Ao sustentarmos a doutrina da inspira­
ção verbal das Escrituras, podemos ter a segurança de estar em
excelente companhia.

3 Bavinck. Reformei/ Dogmaties. 440,441.


Luis Berkhot, Intnxhtcion a Ia Teologia Sistemática (Cirand Rapids: E\ an­
gelical Literature League, [1973]). 159.

Tais como C leniente de Roma. Inácio de Antioquia, Policarpo, Irineu. Justino


o Mártir. Clemente de Alexandria. Tertuliano. Hipólito. Agostinho e muitos outros. Ver
Bavinck. Refonned Dogmaties, 402-05.
6 Ibid.. 414-15.
CAPITULO 4: INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS 63

DEFINIÇÃO DA DOUTRINA
O que queremos dizer quando nos referimos à inspiração
das Escrituras? - Que as Escrituras são de origem divina; que,
embora a Bíblia tenha sido escrita por cerca de quarenta pessoas,
essas pessoas a escreveram movidas e dirigidas pelo Espírito
Santo, de tal modo que tudo o que foi registrado por elas nas
Escrituras constitui-se em revelação autoritativa de Deus. Não
somente as idéias gerais ou fatos revelados foram registrados,
mas as próprias palavras empregadas foram escolhidas pelo
Espírito Santo, pela livre instrumentalidade dos escritores. “O
que os teólogos [de Westminster] queriam dizer com inspiração”,
resume Derek Thomas, “é que homens escreveram precisamente
o que Deus queria”.78Desse modo, a Bíblia se distingue de todos
os demais escritos humanos, pois cada palavra sua é a própria
Palavra de Deus; e, portanto, infalível e inerrante. A definição de
Warfield abaixo é representativa da doutrina reformada:
Inspiração é aquela influência extraordinária e sobrenatural (ou. passi­
vamente, o seu resultado) exercida pelo Espírito Santo sobre os autores
dos livros Sagrados, pela qual as palavras deles são também as palavras
de Deus, e, portanto, perfeitamente infalíveis?

Convém observar que a inspiração distingue-se da revela­


ção especialmente quanto ao propósito: enquanto o propósito da
revelação é comunicar as verdades que aprouve a Deus trans­
mitir, o propósito da inspiração é assegurar a infalibilidade do
registro daquilo que foi revelado.

EVIDÊNCIAS INDIRETAS DA INSPIRAÇÃO

Sua Extraordinária Unidade


A singularidade da unidade das Escrituras é incontestável,
especialmente quando se considera a sua diversidade. São nada

7 Thomas. A \isào Puritana das Escrituras, 15.


8 B. B. Warfield, The Works o f Benjamin B. Waifield, vol 1. Revelador and
Inspiration (Dallas: Ages, 2003), 256.
64 SOLA SCRIPTURA

menos que quarenta autores, das mais variadas classes, culturas e


posições sociais, dentre os quais pastores, pescadores, legislado­
res, reis, médico, sacerdotes, governadores e fariseus, muitos dos
quais nunca viram um ao outro face a face. Esses autores também
viveram em épocas muito diversas, abrangendo mais de dezesseis
séculos. Os tipos de escritos também sào extremamente variados,
incluindo livros históricos, biográficos, proféticos, éticos, e poéti­
cos. tratando de assuntos bem diversificados, abrangendo desde
a criação do mundo até a consumação dos séculos. Não obstante
tudo isso, a Bíblia é essencialmente um livro. Trata de uma mesma
história: a história da redenção; converge para uma mesma pessoa:
Cristo; e, por mais que se busque, não se encontra qualquer real
contradição ou incoerência, que não possa ser razoavelmente
explicada, entre todos os seus ensinos, relatos e exortações. Não
sào esses fatos fortes evidências da sua inspiração divina?

A Excelência da Sua Mensagem


A profundidade do conteúdo das Escrituras é tão sobrenatu­
ral e contrário aos pensamentos do homem que também se cons­
titui forte evidência da sua origem divina. Como escreveu Ryle:
[A Bíblia] ousadamente trata de assuntos que vão além do conheci­
mento humano, quando um homem é deixado por conta própria. Trata
de coisas que são misteriosas e invisíveis: a alma, o mundo vindouro
e a eternidade, profundidades estas que nenhum homem pode sondar.
Todos os que têm procurado escrever a respeito destas coisas, sem
possuir iluminação proveniente da Bíblia, fizeram pouco mais do que
mostrar sua própria ignorância... Quão obscuros estavam os pontos de
vista de Sócrates, Platão, Cícero e Sêneca! Um bem versado aluno de
Escola Dominical de nossos dias conhece mais verdades espirituais do
que todos aqueles sábios juntos?

Somente a Bíblia fornece explicação razoável a respeito da


origem, estado e propósito do homem e do mundo em que vive.
O homem não poderia inventar um Deus Triúno, santo, justo.9

9 J. C. Ryle, A Inspiração das Escrituras (São Paulo: Publicações Evangélicas


Selecionadas, s/d), 1-2.
C A P IT U L O 4: IN S P IR A Ç Ã O D A S E S C R IT U R A S 65

soberano, independente, onipotente, onisciente, onipresente,


longânime, misericordioso e amoroso como o Deus que a Bíblia
revela. O homem não concebería a si próprio como totalmente
corrompido e plenamente culpado por causa do pecado, como a
Bíblia o descreve. Nem tão pouco concebería um meio de salvação
como o que a Bíblia apresenta: através da eleição e predestinação
divinas, segundo o eterno propósito de Deus, exclusivamente por
sua graça, mediante a té no sacrifício vicário de Cristo em uma
cruz, e regeneração do Espírito Santo. Tal mensagem é inconce­
bível ao homem natural; é loucura para os que se perdem (1 Co
1:18). Comparar a Bíblia com os demais escritos religiosos, tais
como o Alcorão ou o Livro dos Mórmons é como comparar o sol
com uma vela. Parece até que Deus permitiu a existência de tais
supostas “revelações,” a fim de provar a imensurável superiori­
dade de sua própria Palavra e comprovar a sua inspiração.10

A Experiência Incontestável do Seu Poder


As Escrituras reivindicam ser o instrumento de uma obra
sobrenatural, capaz de ser efetuada no coração de qualquer ser
humano. Ela afirma ser o poder de Deus para a salvação de todo
aquele que nela crê. Assevera que a sua mensagem pode vivificar
mortos espirituais, regenerando-os e transformando-os em novas
criaturas em Cristo Jesus. Ela assegura ainda que tais pessoas
são resgatadas não apenas da culpa como também do domínio
do pecado, as quais demonstram essa realidade, ao passarem a
oferecer os seus membros não como instrumentos de iniquidade,
como outrora, mas como instrumentos de justiça.
E possível constatar tais asseverações? Em caso positivo,
tal livro só pode ser de origem divina, isto é, inspirado por Deus.
Qual é a resposta? Basta olhar para a vida do apóstolo Paulo,
do apóstolo Pedro, de Agostinho, de John Bunyan, de John
Newton, de Whitefield, de Wesley e de milhares e milhares, os
quais, como o endemoninhado gadareno, foram tão radicalmente

10 Ryle, A Inspiração das Escrituras, 4.


66 SOLA SCR1PTURA

transformados pela instrumentalidade desse livro, sendo por ele


trazidos à sobriedade, que tomaram-se irreconhecíveis, quando
comparados ao que outrora haviam sido.
O mais espantoso é que a Bíblia tem operado tal transforma­
ção em seres humanos independentemente de cor, raça, época,
condição social, inteligência, sexo ou idade. Ricos e pobres,
homens e mulheres, crianças e pessoas idosas, pessoas de pouca
inteligência e verdadeiros gigantes intelectuais —todos têm sido
objetos do poder transformador de Deus através das Escrituras.

EVIDÊNCIAS DIRETAS DA INSPIRAÇÃO


A doutrina da inspiração das Escrituras não se fundamenta
apenas em evidências indiretas. Há também evidências diretas
(internas) suficientes e incontestáveis.

Ensino de Jesus
Não pode haver dúvida razoável quanto à reverência do
próprio Senhor Jesus com relação às Escrituras. Em Mateus
5:17,18, referindo-se aos livros do Antigo Testamento, ele afirma
que nem um / ou til passará da Lei, até que tudo se cumpra (cf.
também Lc 16:17). Em João 10:35, ele declara que a “Escritura
não pode falhar” (ver Lc 24:44). Em Mateus 5:17, ele afirma que
não veio “para revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revo­
ltar, vim para cumprir”. Várias vezes, Jesus apela para a autori­
dade das Escrituras, dizendo “está escrito” (Mt 4:4ss; 11:10; Lc
10:26; Jo 6:45; 8:47) e atribui às Escrituras, autoria divina (Mt
15:4; 22:43; Mc 12:26,36). Conforme observa Bavinck:
Jesus e os apóstolos nunca adotam uma postura crítica para com o
conteúdo do AT, mas o aceitam totalmente e sem reservas. Eles aceitam
incondicionalmente as Escrituras do AT como verdadeira e divina em
todas as suas partes, não apenas nos seus pronunciamentos ético-religio-
sos. ou em passagens nas quais o próprio Deus fala, mas também nos
seus componentes históricos... para Jesus e os apóstolos o AT é funda­
mento da doutrina, a lonte de solução, e o fim de todo argumento."1

11 Bavinck, RcfonmdDogmatics, 395.


C A P Í T U L O 4 : IN S P I R A Ç Ã O D A S E S C R I T U R A S 67

Fórmulas proféticas
Os próprios profetas do Antigo Testamento tinham consci­
ência de que recebiam revelações divinas e de que o próprio Deus
falava por intermédio deles (Êx 4:12,15; Dt 18:18; 2 Sm 23:1-2;
1 Re 22:26; Os 1:2; He 2:1; Zc 1:9; 13; etc.)- Eles reivindicam
falar palavras de Deus. É por isso que frequentemente introdu­
zem suas profecias com as expressões: “Assim diz o Senhor”,
ouvi a palavra do Senhor”, ou palavra que “veio da parte do
Senhor Muitas vezes, o que eles falam é explieitamente atri­
buído ao próprio Deus (Js 24:2; Is 1:1-2; 8:1.11; Jr 1:2,4,11 Ez
1:3; 2:1; J1 1:1; Am 2:1; etc.).
Citações do Antigo Testamento
Várias passagens do Antigo Testamento sào citadas, sendo
atribuídas a Deus ou ao Espírito Santo. Exemplo: “Assim diz o
Espírito Santo...” (Hb 3:7ss).';’
Referências Explícitas
Os apóstolos Paulo e Pedro ensinam explicitamente a doutrina
da Inspiração das Escrituras nas duas passagens consideradas
clássicas sobre o assunto. Em 2 Timóteo 3:16, Paulo assevera, de
modo claro, que “toda a Escritura é inspirada por Deus”. A forma
da palavra grega aqui usada, Gç ó t t u ç u o t o ç apesar de poder ser
usada passivamente (inspirada) e ativamente (inspiradora), aqui
ela deve ser entendida no primeiro sentido: inspirada,12134

12 Ver Isaías 1:10; 7:7 e Jeremias 27:1.


13 Ver também Hebreus 4:3, 5:6. 10:15.16.
Bavinck oferece as seguintes razões para o significado passivo de
rt oTmeucTToç, aqui: “(1) verbos objetivos compostos com 9eóç, muito freqüentemente
embora nem sempre - tem significado passivo, como no caso de BeoyuoxTToç, 6c
ixiicxiKTo^, 0cokit |to ç , 0eoTTegT7Toç, etc; (2) o significado passivo é apoiado por 2
1’etlro 1:21; (j) sempre que a palavra ocorre no NT ela tem significado passivo; (4)
ela e unanimemente entendida nesse sentido por todos os pais e autores gregos e lati­
nos (Bavinck. Rcformed Dognuitics. 425). Argumento mais completo é desenvolvido
em B. B. Warfield. "God-Inspired Scripture”, Preshyterian and Rcformed Review 11
(January 1900): 89-130. O artigo de Warfield também é encontrado como o capítulo 7
68 SOLA SCRIPTURA

E Pedro, em 2 Pedro 1:20,21, explica que “nenhuma profe­


cia da Escritura provém de particular elucidação; porque nunca
jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entre­
tanto, homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo
Espírito Santo".

NATUREZA DA INSPIRAÇÃO
Qual é a real natureza da inspiração? Como se relacionam os
autores Primário e secundários das Escrituras? Como se explica
a ação do Espírito Santo, pela qual foram inspirados os autores
bíblicos? Bavinck está certo ao afirmar que, “a visão correta de
inspiração depende... de colocar o autor primário e os autores
secundários em relação correta, um para com os outros".15

Inspiração Mecânica.
Ao se afirmar que toda Escritura é inspirada por Deus, não
se quer dizer com isso que cada palavra foi ditada pelo Espírito
Santo, de modo a anular a mente e a personalidade daqueles
que a registraram. Os autores bíblicos não escreveram meca­
nicamente. As Escrituras não foram psicografadas, ou melhor,
“pneumagrafadas".
Talvez, em alguns casos, os autores nem tivessem consci­
ência de que estavam escrevendo inspirados pelo Espírito Santo.
Em outros, os autores bíblicos não foram muito mais do que
copistas, visto que apenas transcreveram as palavras de Deus,
como acontece, por exemplo, em Gênesis 22:15-18; Êxodo
20:1-17; e Isaías 43.
Não obstante, os diversos livros da Bíblia revelam clara­
mente as características culturais, intelectuais, estilísticas e
circunstanciais dos seus vários autores. Paulo não escreve como

de B. B. Warfield, The Works ofBenjamin B. W wfield vol 1. Revelation andInspiration


(Reimpresso por Baker Book House. 2003).
15 Bavinck, Reformed Dogmatics. 428.
C A P IT U L O 4: I N S P I R A Ç Ã O D A S E S C R I T U R A S 69

João ou Pedro. Lucas faz uso de pesquisas para escrever o seu


Evangelho e o livro de Atos. Cada autor escreveu na sua própria
língua: hebraico, grego, aramaico. Os autores bíblicos, embora
secundários, não foram instrumentos passivos nas mãos de Deus.
A superintendência do Espírito não eliminou de modo algum as
suas características e peculiaridades individuais.

Inspiração Dinâmica
O extremo oposto do conceito de inspiração mecânica é o
que se convencionou chamar de inspiração dinâmica. Trata-se
de um conceito racionalista que influenciou o método histórico-
crítico de interpretação, e que reduz a inspiração a mera ilumi­
nação. Segundo esse conceito, os autores bíblicos foram apenas
homens iluminados. A excelência dos seus escritos deve ser
atribuída à influência santificadora no caráter, mente e palavras
deles, devido à comunhão profunda com Deus ou pela convivên­
cia com Jesus, e não a uma ação sobrenatural e ímpar do Espírito
Santo. “Bannerman descreve essa visão como a iluminação da
consciência racional ou espiritual de um homem, de modo que da
plenitude do seu próprio entendimento e sentimento ele pode falar
ou escrever o produto da sua própria vida e crença religiosa”.16
Tal concepção reduz as Escrituras à mesma categoria dos
livros judaico-cristàos ordinários, distinguindo-se desses mera­
mente quanto ao grau de iluminação. Tal doutrina despoja a
Bíblia do seu caráter sobrenatural e autoritativo. Torna-a falível e
admite a possibilidade de erros no seu conteúdo.

Inspiração Orgânica
E esta a concepção bíblica e reformada quanto à natureza da
inspiração, conforme podemos apreender do ensino da própria
Escritura e dos símbolos de fé reformados. O Espírito Santo, o
autor primário das Escrituras, dirigiu, guiou e supervisionou os
autores secundários, a fim de garantir que tudo quanto escre­

16
C ita d o e m S m ith , Systematic TheoIog\\ 86.
70 SOLA SCRIPTURA

vessem como canônico fosse isento de erro e correspondesse


perfeitamente à revelação de Deus. Para isso, porém, utilizou
as características, no que diz respeito ao caráter, temperamento,
dons, cultura, educação, vocabulário, estilo, etc., peculiares a
cada um deles. Nas palavras do apóstolo Pedro, homens santos
falaram da parte de Deus movidos (GeÓTrueixjToç) pelo Espírito
Santo. Isto é, dirigidos, guiados, orientados, supervisionados
pelo Espírito Santo.
Conforme esclarece Smith:
Deus age sobre os escritores de um modo orgânico. Ele os usa nas suas
próprias personalidades individuais. Ele os criou, os preparou, os moveu
a escrever, reprimiu sua pecaminosidade, e os guiou de um modo orgâ­
nico na escolha das próprias palavras que escreveram. Algumas vezes,
inspiração pode ter envolvido o ditado mecânico. Frequentemente ela
envolveu o reavivamento da memória (Jo 14:26), a seleção das fontes
apropriadas (Lc 1:1-4), ou a expressão das suas próprias experiências de
pecado e perdão (SI 32; 51).17

Bavinck observa que a doutrina da inspiração orgânica está


em harmonia com as relações de Deus com o homem. “Deus nunca
coage ninguém. Ele trata os seres humanos, não como blocos de
madeira, mas como seres inteligentes e morais... Na regeneração e
conversão ele não sufoca e destrói os poderes e dons das pessoas,
mas os restaura e fortalece, ao purificá-los do pecado.18
A doutrina da inspiração orgânica explica-se do mesmo
modo que outras doutrinas bíblicas,19 através da sobrenatural
harmonia entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana.
Nas palavras de Boettner:
A obra do Espírito Santo na inspiração não deve ser considerada mais
misteriosa do que sua obra nas demais esferas da graça e da providên­
cia. O primeiro exercício da fé salvadora na regeneração da alma, por

17 Smith. Systematic Theolog}',


18 Bavinck, Refonned Dogmatics, 432.
19 Tais como os decretos de Deus. a eleição, a predestinação, a redenção e a perse­
verança dos santos.
( A P IT U L O 4: I N S P IR A Ç Ã O D A S E S C R I T U R A S 71

exemplo, é, ao mesmo tempo, uma obra induzida pelo Espírito Santo e


um ato livremente escolhido da pessoa.2"

EXTENSÃO DA INSPIRAÇÃO
A extensão da inspiração das Escrituras diz respeito ao
conteúdo da Palavra de Deus. Modemamente, a questão tem
sido colocada nestes termos: as Escrituras contêm ou são a
Palavra de Deus?

Inspiração Parcial
Aqueles que respondem que as Escrituras contêm a Palavra
de Deus defendem a doutrina da inspiração parcial das Escrituras.
Afirmam que nem todo o conteúdo do cânon é inspirado. Essa
c a posição dos teólogos liberais, influenciados pelo deísmo e
pelo racionalismo dos séculos XVIII e XIX. Contudo, não se
pode atribuir esse erro apenas aos modernos teólogos liberais.
Marcião, no segundo século de nossa era, e todos os que rejeita­
ram o cânon incorreram em erro semelhante.
O mais grave é que, atribuindo a si próprios o direito de
delimitar as porções inspiradas nas Escrituras, os defensores
da inspiração parcial, se colocam como juizes sobre a Palavra
de Deus. Contudo, a fragilidade de tais juizes se evidencia na
hora de determinarem que partes das Escrituras são inspiradas.
Para uns, só as porções doutrinárias. Para outros, só o Novo
1estamento. Outros, só reconhecem a inspiração das palavras de
Jesus. Ao mesmo tempo, há os que rejeitam passagens sobrenatu­
rais. Existem alguns, ainda, que chegam a aceitar como inspirado
somente o Sermão do Monte.
Conforme observou Gerhard Maier, de Tübingen: depois de
cerca de duzentos anos de pesquisas, a escola histórico-crítica
obviamente não conseguiu definir, afinal, qual seria o suposto

211 Loraine Boettner, Studies in Thcologv (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and


kefonned Publishing Company, 1978), 25.
72 SOLA SCRIPTURA

cânon dentro do cânon.2' Berkhof nào deve estar muito distante


da verdade ao afirmar que “aceitar quaisquer das formas de inspi­
ração parcial das Escrituras é, praticamente, ficar sem Bíblia”."

Inspiração Mental
A doutrina da inspiração mental das Escrituras é uma tenta­
tiva de conciliar a doutrina da inspiração com a suposta falibili­
dade das Escrituras. E uma vã tentativa de conciliar incredulidade
e fé. Para os que pensam assim, a afirmativa bíblica de que toda
Escritura foi inspirada por Deus significa apenas que os pensa­
mentos foram inspirados, não o registro desses pensamentos.
Desse modo, é possível continuar a afirmar que toda a Escritura
é inspirada por Deus - os pensamentos por detrás do texto - e ao
mesmo tempo admitir a existência de erros no seu registro.
Atitude similar adotam os que querem conciliar o criacio-
nismo bíblico com o evolucionismo “científico,” ensinando o
evolucionismo bíblico, através do qual Deus teria criado formas
preliminares de vida, as quais teriam posteriormente evoluído,
conforme a teoria evolucionista. E, sem dúvida, desesperadora a
situação daqueles que, por incredulidade, rejeitam a doutrina da
inspiração verbal das Escrituras, e tentam inutilmente construir
outra rocha na qual possam sustentar-se.

Inspiração Verbal
A doutrina da inspiração verbal das Escrituras equivale à
expressão inspiração plenária, usada pelos teólogos reformados
de Princeton, como Charles e Alexander Hodge, os quais afir­
mam com isso que as Escrituras são plena ou completamente21

21 Dc acordo com Fm o Ronald Mueller. "O Método Histórico-Crítico: Uma


Avaliação”, cm Entendes o One Lês? Um Guia para Entender a Bíblia com o Auxílio
da Exegese e da Hermenêutica, ed. Gordon D. Fec e Douglas Stuart. 237-318 (São
Paulo: Vida Nova, 1986), 262.
22 Berkhof, Introducion a Ia Teologia Sistemática, 171.
C A P I T U L O 4: I N S P I R A Ç Ã O D A S E S C R I T U R A S 73

inspiradas, e, portanto, livres de erro.223 O termo verbal passou


a ser usado, explica Harris, para preservar o mesmo sentido, e
evitar deturpações daqueles que querem usar o termo plenária
significando apenas que “todas as partes da Bíblia, de Gênesis
a Apocalipse, foram de algum modo produzidas por Deus,
sem que, contudo, sejam necessariamente de origem divina”.24
Quando declaramos crer na inspiração verbal das Escrituras, não
há margem para dúvida: cremos que cada palavra das Escrituras
foi igual e plenamente inspirada por Deus, sendo, portanto, um
registro fidedigno da revelação divina.
Que Jesus se fundamenta na inspiração verbal das Escrituras
fica evidente, especialmente em Mateus 5:17-18, quando ele
afirma, referindo-se aos livros do Antigo Testamento, que nem
um / ou til passará da Lei, até que tudo se cumpra. A atitude
de Jesus para com as Escrituras é semelhante em João 10:34 e
35. onde Ele baseia a sua argumentação em apenas duas pala­
vras do Antigo Testamento: Sois deuses, e conclui afirmando que
“as Escrituras não podem falhar”. O mesmo ocorre em Mateus
22:43-45. onde Jesus fundamenta toda a sua exegese e argumen­
tação em uma só palavra do Salmo 110:1: Senhor.
O apóstolo Paulo também demonstra, na sua prática exegé-
tica, a mesma confiança na doutrina da inspiração verbal das
Escrituras. Em Gálatas 3:16, seguindo o mesmo princípio exegé-
tico de Jesus, ele também fundamenta a sua argumentação em
uma só palavra, ou melhor, no número (singular) de uma palavra:
descendente e não descendentes.

CONCLUSÃO
As Escrituras têm natureza divino-humana: são a Palavra de
Deus escrita em linguagem humana, por pessoas em pleno uso de

22 Ver o capítulo 4, "'Lhe Holy Scripture: The Canon and Inspiration”. de A. A.


I lodge. Evangelical Theolog\: A Course o f Popular Lectures (Edinburgh e Carlisle, PA:
The Banner ofTruth Trust, 1976).
24 Harris, Inspiration and Canonicity o f lhe Bthle. 19-20.
74 SOLA SCRIPTURA

suas faculdades. Entretanto, elas foram, de tal modo, influencia­


das pelo Espírito Santo, que tudo o que registraram como canô­
nico foi preservado do erro, constituindo-se revelação infalível e
inerrante de Deus ao homem.
Em função disso, não podemos nos aproximar das Escrituras
como se elas fossem mero produto do espírito humano, provenien­
tes simplesmente de particular elucidação ou discernimento (2 Pe
1:20-21). Também não podemos nos aproximar dela, como se
tosse um livro “pneumagrafado”, sem considerar devidamente o
seu contexto histórico. Precisamos também rejeitar qualquer idéia
de inspiração parcial ou mental das Escrituras. Toda a Escritura -
e cada palavra dela - foi inspirada pelo Espírito Santo.
CAPÍTULO 5
AUTORIDADE DAS ESCRITURAS

A a u to rid a d e da E s c rit u r a Sa g ra d a , ra z ã o p e la q u a l d e v e s e r c rid a


e o b e d e c id a , nã o d e p e n d e d o t e s te m u n h o de q u a lq u e r h o m e m o u
ig re ja , m a s d e p e n d e s o m e n te de D e u s (a m e sm a v e rd a d e ) q u e é o se u
A u t o r; te m , p o rta n to , de s e r re c e b id a , p o rq u e é a P a la v ra de D e u s .

P e lo te s te m u n h o da Ig re ja p o d e m o s s e r m o v id o s e in c ita d o s a u m a lto
e re v e re n te a p re ç o p e la E s c rit u r a Sa g ra d a ; a s u p re m a e x c e lê n c ia do
se u c o n te ú d o , a e fic á c ia da su a d o u trin a , a m a je sta d e d o se u e s t ilo ,
a h a rm o n ia de to d a s a s s u a s p a rte s, o e sc o p o d o se u to d o (q u e é d a r
a D e u s toda a g ló ria ), a p le n a re v e la ç ã o q u e fa z d o ú n ic o m e io de
s a lv a r-s e o h o m e m , as su a s m u it a s o u tra s e x c e lê n c ia s in c o m p a rá v e is
e c o m p le ta p e rfe iç ã o são a rg u m e n to s p e lo s q u a is a b u n d a n te m e n te se
e v id e n c ia s e r ela a P a la v ra de D e u s ; c o n tu d o , a n o s sa p le n a p e rs u a ­
sã o e c e rte za da su a in f a lív e l v e rd a d e e d iv in a a u to rid a d e p ro v é m da
o p e ra ç ã o in te rn a do E s p ír it o S a n to q ue, p e la P a la v ra e c o m a P a la v ra ,
te stific a em n o s s o s c o ra ç õ e s (parágrafos IV e V).

Esta foi outra doutrina fundamental da Reforma do século


XVI. Em contraposição à doutrina católico-romana de uma tradi­
ção oral apostólica, a qual, na prática, havia se igualado à autori­
dade das Escrituras, e de supostas novas revelações espirituais,
reivindicadas pelos assim chamados reformadores radicais, os
reformadores sustentaram a doutrina da autoridade suprema das
Escrituras. Sola Scriptura foi, portanto, a resposta reformada à
autoridade da tradição e da igreja e de supostas novas revelações
do Espírito.

i Ler Mateus 4 :1-10 e Gálatas 1:8.


76 SOLA SCRIPTURA

DEFINIÇÃO
Como escreve Bavinck: “autoridade é o fundamento da
estrutura inteira da sociedade humana... Nós vivemos sob auto­
ridade em todas as áreas da vida. Na família, na sociedade, e no
Estado, nascemos e somos criados debaixo de autoridade”.2 Na
esfera da religião e da teologia, explica Bavinck:
Autoridade não é menos, mas muito mais necessária... Aqui, ela é uma
necessidade vital. Sem autoridade e té, religião e teologia não podem
existir por um momento sequer. Entretanto, a autoridade em questão
aqui possui um caráter completamente único. Pela própria natureza do
caso, ela tem que ser uma autoridade divina... pois religião não é uma
relação de um inferior para com o seu superior, mas de uma criatura
para com o seu Criador...3

O que, portanto, significa a doutrina da autoridade das


Escrituras? Significa que, por serem divinamente inspiradas,
elas são inerrantes, verídicas em todas as suas afirmativas, não
contendo erro algum, histórico ou doutrinário, o que as toma infa­
líveis e, portanto, autoritativas em todo o seu conteúdo. Segundo
essa doutrina, as Escrituras são a fonte suprema de autoridade
que estabelece definitivamente qualquer assunto nelas tratado; a
única regra infalível de fé e de prática.

EVIDÊNCIAS BÍBLICAS

Atestado de Jesus
Jesus atesta a autoridade das Escrituras do Antigo
Testamento: (1) Pelo modo como ele próprio a usa para dirimir
qualquer controvérsia: “Está escrito”4 (Exemplos: Mt 4:4,6,7.10

* Bavinck, Refonned Dogmatics, 463.


3 Ibid.,464.
4 O termo empregado, yéypatrrai, está no tempo perfeito, indicando uma ação
realizada no passado, cujos resultados permanecem no presente: foi escrito e perma­
nece válido, falando com autoridade.
C A P I T U L O 5: A U T O R ID A D E D A S E S C R I T U R A S 77

etc.); (2) Ao advertir contra erros decorrentes do desconheci­


mento das Escrituras: “Errais não conhecendo as Escrituras” (Mt
22:29); e (3) Ao afirmar explicitamente a sua autoridade, dizendo:
“A Escritura não pode falhar” (Jo 10:35).

Autoridade Apostólica
O apóstolo Paulo afirma a autoridade do Novo Testamento
ao agradecer a Deus pelos tessalonicenses terem recebido as suas
palavras “não como palavra de homens, e sim, como, em verdade
é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficaz­
mente em vós, os que credes” (1 Ts 2:13).
O apóstolo Pedro, por sua vez, reconhece que os escritos
de Paulo tinham a mesma autoridade das demais Escrituras, ao
escrever:
O nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe
foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como, de fato, costuma fazer
em todas as suas epístolas, nas quais há certas cousas difíceis de enten­
der, que os ignorantes e instáveis deturpam, como tombem deturpam as
demais Escrituras (2 Pe 3:15.16).

Que autoridade tinha o apóstolo Paulo para exortar os gála-


tas no sentido de rejeitarem qualquer evangelho que fosse além
do Evangelho que ele lhes havia anunciado, ainda que viesse
a ser pregado por anjos? E porque ele sabia que o Evangelho
por ele anunciado não era segundo homem; porque não o havia
aprendido de homem algum, mas mediante revelação de Jesus
Cristo (G1 1:8-12).
A autoridade dos escritos dos demais autores do Novo
Testamento, igualmente, provém do fato de não serem fábulas
engenhosamente inventadas, nem produto de particular eluci­
dação (2 Pe 1:16-21). Sua autoridade provém da autoridade do
Espírito Santo, que os inspirou.
Passagens como essas demonstram suficientemente a auto­
ridade ímpar, suprema e incomparável das Escrituras.
78 SOLA SCRIPTURA

NATUREZA DA AUTORIDADE
DAS ESCRITURAS
A autoridade da Escritura é inerente. Ela não depende
de homem ou mesmo do testemunho da igreja. “Para os
Reformadores, a Escritura era auto-autenticada”.5 As Escrituras
são autoritativas porque são a Palavra de Deus. A sua autoridade
resulta, portanto, da doutrina da inspiração.
A história da Igreja expõe três outras fontes de autoridade,
as quais sempre tendem a usurpar a autoridade das Escrituras:
a tradição, degenerada em tradicionalismo, geralmente resul­
tando no clericalismo; a emoção, degenerada em emocionalismo,
frequentemente produzindo misticismo; e a razão, degenerada
em racionalismo, originando o materialismo. Sempre que um
desses elementos é indevidamente valorizado, a autoridade das
Escrituras é questionada, diminuída ou mesmo suplantada.

A Tradição Degenerada em Tradicionalismo


Este foi um dos grandes problemas enfrentados pelo Senhor
Jesus: a religião judaica havia se tornado incrivelmente tradicio­
nalista. Havendo cessado a revelação, os judeus, já no terceiro
século antes de Cristo, produziram uma infinidade de tradições
ou interpretações da Lei, conhecidas como Mishnah. Essas tradi­
ções foram cuidadosamente guardadas pelos escribas e fariseus
por séculos, até serem registradas no século 1V e V AD, passando
a ser conhecidas pelo nome de Tahnude, a interpretação judaica
oficial do AT até hoje.
Muitas dessas tradições judaicas eram. na verdade, distorções
do ensino do AT. Entretanto, elas tornaram-se tão autoritativas
que suplantaram a autoridade da Palavra de Deus. Jesus acusou
severamente os escribas e fariseus da sua época, dizendo:
Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens.
Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos

' Bavinck. ReformedDogmatic.s, 449.


C A P I T U L O 5: A U T O R ID A D E D A S E S C R I T U R A S 79

homens. E disse-lhes. ainda: Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus


para guardardes a vossa própria tradição... invalidando a palavra de
Deus pela vossa própria tradição, que vós mesmos transmitistes... (Mc
7:7-9.13).

O apóstolo Paulo também denunciou essa tendência. Eis um


exemplo apenas. Escrevendo aos colossenses, ele advertiu:
Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs suti­
lezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do
mundo e não segundo Cristo... Se morrestes com Cristo para os rudi­
mentos do mundo, por que, como se vivésseis no mundo, vos sujeitais
a ordenanças: não manuseies isto. não proves aquilo, não toques aquilo
outro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? (Cl 2:8. 20-22).

Os reformadores se depararam com o mesmo problema:


as tradições contidas nos livros apócrifos e pseudepígrafos nos
escritos dos pais da igreja, nas decisões conciliares e nas bulas
papais também degeneraram em tradicionalismo. As tradições
eclesiásticas adquiriram autoridade que não possuíam, usurpando
a autoridade bíblica.
Os parágrafos IV e V do primeiro capítulo da Confissão
dc Fé de Westminster devem ser compreendidos especialmente
nesse contexto. Trata-se de uma reação reformada à posição da
Igreja Católica. Para a igreja de Roma, a autoridade das Escrituras
depende da autoridade da igreja. Para ela, é a igreja quem confere
autoridade às Escrituras, e a sua interpretação só é autorizada
quando por ela referendada. E a igreja (o clero) quem determina
o sentido autoritativo das Escrituras. Daí o clericalismo - o
desmesurado poder do clero.
Isso não quer dizer que a tradição eclesiástica seja necessa­
riamente negativa. Se a tradição reflete, de fato, o ensino bíblico,
estando de acordo com ele, e não for considerada normativa
ou autoritativa - a não ser que reflita realmente o ensino das
Escrituras - a tradição não é negativa. “A Reforma... não rejeitou
toda tradição como tal; ela foi reforma, não revolução". Ela não
tentou criar tudo, a partir do zero, “mas tentou purificar tudo do
80 SOLA SCRIPTURA

erro e do abuso de acordo com a regra da Palavra de Deus".67Os


próprios reformadores produziram, registraram e empregaram
os símbolos de fé - os quais também são tradições eclesiásticas.
Na concepção reformada, contudo, como já foi explicado, esses
símbolos não têm autoridade própria, sendo normativos apenas
na medida em que refletem fielmente a autoridade das Escrituras.
Conforme bem observa Armstrong:
Quando confissões e credos são vistos em seu lugar apropriado,
quando os escritos dos pais da igreja estão relacionados com a
Escritura como último tribunal de apelação, quando a igreja e seu
ministério público são responsáveis somente perante a Escritura,
então tudo isso tem um lugar adequado. Seu peso, como fontes
secundárias, é importante.

O problema, portanto, não está na tradição, mas na sua


degeneração, no tradicionalismo, que atribui à tradição autori­
dade inerente. O tradicionalismo atribui autoridade ãs tradições,
pelo simples fato de serem antigas ou geralmente admitidas, e
não por serem bíblicas. Essa tendência acaba por usurpar a auto­
ridade das Escrituras. Conforme Bavinck:
A diferença entre Roma e a Reforma com relação as suas respecti­
vas visões de tradição consiste nisto: Roma queria uma tradição que
corresse por uma via independente e paralela, ao lado da Escritura, ou
melhor, a Escritura ao lado da tradição. A Reforma reconhece apenas
uma tradição que esteja fundamentada e flua das Escrituras.8

A autoridade da Palavra de Deus é, portanto, para os protes­


tantes, uma questão de fé no testemunho da própria Escritura.
Logo, é impossível para o homem natural aceitar a autoridade
das Escrituras nas mesmas bases que o homem espiritual a aceita,
visto que as coisas do Espírito de Deus são discernidas espiritual­
mente, ou seja, pela ação do próprio Espírito Santo (1 Co 2:14).

6 Bavinck, Reformei!Dogmatics, 493.


7 John H. Armstrong, “A Autoridade da Escritura”, em Sola Scriptura, 123.
8 Bavinck. Reformei! Dogmatics, 493.
C A P I T U L O 5: A U T O R ID A D E D A S E S C R IT U R A S 81

A Emoção Degenerada em Emocionalismo


Outra fonte de autoridade que ameaça a autoridade das
Escrituras é a emoção, quando degenerada em emocionalismo.
Isso inevitavelmente conduz ao misticismo. Frequentemente,
valor exagerado é conferido à intuição, ao sentimento, ao
convencimento subjetivo. Quando isso ocorre, facilmente esse
sentimento de convicção subjetivo, pessoal, interno, é explicado
misticamente em termos de iluminação espiritual, de revelação
divina direta, por meio do Espírito, pela instrumentalidade de
anjos, sonhos, visões, arrebatamentos, etc.
Não é que Deus não se tenha revelado por esses meios. Ele
de fato o fez. Foi pela instrumentalidade desses meios que a reve­
lação especial foi comunicada à igreja e registrada pela inspiração
do Espírito Santo. O que se está afirmando é que o misticismo
copia, forja essas formas reais de revelação do passado, para
reivindicar autoridade que na verdade não é divina, mas humana
- quando não diabólica.
A tendência não é, de modo algum, nova. As palavras do
Senhor, através do profeta Jeremias, advertem contra esse perigo:
Assim diz o Senhor dos Exércitos: Não deis ouvidos às palavras dos
profetas que entre vós profetizam, e vos enchem de vãs esperanças:
falam as visões do seu coração, não o que vem da boca do Senhor... Até
quando sucederá isso no coração dos profetas que proclamam mentiras,
que proclamam só o engano do próprio coração... O profeta que tem
sonho conte-o como apenas sonho: mas aquele em quem está a minha
palavra, fale a minha palavra com verdade. Que tem a palha com o
trigo? - diz o Senhor (Jr 23:16,26,28).

Séculos depois, o apóstolo Paulo teve que enfrentar o


mesmo problema. Ele foi instrumento de revelações espirituais
verdadeiras, inspirado que foi para escrever suas cartas canôni­
cas. Ele sabia muito bem o que eram sonhos, visões, revelações e
arrebatamentos. Mas advertiu os colossenses, dizendo:
Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e
culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado, sem motivo algum,
na sua mente carnal (Cl 2:18).
82 SOIA SCRIPTURA

Tanto Jesus como os apóstolos advertem repetidamente con­


tra os falsos profetas, os quais ensinam como se fossem apóstolos
de Cristo, mas que não passam de enganadores e enganados.
Pois bem. sempre que isso ocorre, a autoridade das Escrituras
é ameaçada. O misticismo, como degeneraçào das emoções - não
se pode esquecer que as emoções também foram corrompidas
pelo pecado - tende sempre a competir com a autoridade das
Escrituras e a usurpá-la, chegando mesmo a suplantá-la.
Os reformadores também foram obrigados a enfrentar esse
problema. Em sua época também haviam grupos místicos, por
eles chamados de entusiastas,9 os quais reivindicavam autori­
dade espiritual subjetiva, luz interior, revelações adicionais que
suplantavam ou mesmo negavam a autoridade das Escrituras.
De fato, essa tem sido uma das características mais comuns
das seitas modernas, tais como o mormonismo, as testemunhas
de Jeová, e o adventismo do sétimo dia. Entre os movimentos
pentecostais e carismáticos também não tem sido incomum a
emoção degenerar em emocionalismo, produzindo um misti­
cismo usurpador da autoridade das Escrituras.

A Razão Degenerada em Racionalismo


Ênfase exagerada na razão também tende a usurpar a auto­
ridade das Escrituras. Devido a sua natureza pecaminosa, o
homem tem sempre resistido a submeter sua razão à autoridade
da Palavra de Deus. A tendência é sempre tê-la (a razão), como
fonte suprema de autoridade. Tal resistência é consequência da
queda. Na verdade, esta foi a causa também da queda, tanto
de Satanás, como de nossos primeiros pais. Ambos caíram por
darem mais crédito às suas próprias conclusões do que à palavra
de Deus. Desde então, essa soberba mental, essa altivez intelec­
tual tem tendido sempre a minar a autoridade da palavra de Deus,
oral (antes de completado o cânon) ou escrita.

9 Bcrkhof. Intmchicion a Ia Teologia Sistemática, 207.


C A P Í T U L O 5: A U T O R ID A D E D A S E S C R IT U R A S 83

Por que o ser humano, tendo conhecimento de Deus, não o


glorifica como Deus. nem lhe é grato? O apóstolo Paulo explica:
porque “se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscu-
recendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios,
tornaram-se loucos... pois eles mudaram a verdade de Deus em
mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador...”
(Rm 1:21-22,25).
Essa tem sido, decisivamente, a causa de inúmeras heresias
e erros surgidos no curso da história da Igreja. O erro de Marcião,
o gnosticismo, o arianismo, o docetismo, o unitarianismo, e
mesmo o arminianismo são todos erros provocados pela difi­
culdade do homem em submeter a sua razão à revelação bíblica
- todos preferiram uma explicação racional, lógica, ao invés da
explicação bíblica, que lhes parecia inaceitável.
Devido a essa tendência, Marcião concebeu dois deuses, um
do Antigo e outro do Novo Testamento. Por essa razão, também
o gnosticismo fez distinção moral entre a matéria e o espírito.
Já o arianismo originou-se da dificuldade de Ario em aceitar a
eternidade de Cristo. Do mesmo modo, o docetismo surgiu da
resistência intelectual de alguns em aceitar um Cristo verdadeira­
mente divino-humano. O unitarianismo, por sua vez. resultou da
objeção em aceitar a doutrina bíblica da Trindade. Enquanto que
o arminianismo surgiu da dificuldade de Armínio e seus seguido­
res em conciliar a doutrina da soberania de Deus com a doutrina
da responsabilidade humana, rejeitando a primeira.
A tendência de a razão usurpar a autoridade das Escrituras
tem sido especialmente forte nos últimos dois séculos. O desen­
volvimento científico e tecnológico dos últimos anos fomentou
a soberba intelectual do homem. Consequentemente, passou-se
a acreditar apenas no que pudesse ser comprovado pela razão e
pela ciência.
Dessa forma, a razão tem usurpado a autoridade das
Escrituras. A ciência tornou-se a autoridade suprema, a única
regra de fé e prática. Desde o século XIX, a igreja tem leito
84 SOLA SCRIPTURA

concessões e mais concessões à ciência, distorcendo ou contra­


dizendo as Escrituras na tentativa da harmonizá-la com a razão e
com hipóteses e “fatos” científicos. O relato bíblico da criação foi
desacreditado pela teoria da evolução; os milagres relatados nas
Escrituras foram rejeitados como mitos; e muitos que estudam a
Bíblia passaram a assumir uma postura crítica, não mais submissa
aos seus ensinos. Foi assim que surgiu o método de interpretação
histórico-crítico em substituição ao método histórico-gramatical.
Agora, é a suprema razão humana quem determina o que é escri-
turístico ou mera tradição posterior, o que é milagre ou mito, o
que é verdadeiro ou falso nas Escrituras.
Movidos pela incredulidade, ou por temor excessivo da
“ciência,” nos últimos séculos, os liberais têm feito conces­
sões indevidas à razão, corroendo profundamente a autori­
dade das Escrituras. Estes têm como autoridade suprema, não
as Escrituras, nem a igreja, mas a “ciência”. A autoridade das
Escrituras quanto às questões históricas tem sido rejeitada pela
dificuldade que sentem em harmonizar algumas das suas asse-
verações com supostas descobertas científicas modernas. Não
são poucos os que, por essas razões, limitam a autoridade das
Escrituras aos seus ensinos e princípios religiosos, negando sua
autoridade histórico-científica.
Contudo, ao negar-se a autoridade histórica das Escrituras,
a sua autoridade espiritual ou religiosa fica inevitavelmente
comprometida. Como aceitar, por exemplo, a doutrina da união
do crente com Cristo, exposta por Paulo em Romanos 5, a qual
é estabelecida com base na nossa união anterior com Adão, se
negarmos a autoridade histórica do relato da criação e de Adão?
Antes que se atribua tanta autoridade à ciência, convém
considerar a sua história. Basta fazer isso, para se verificar a sua
falibilidade e mutabilidade. A grande maioria dos “fatos” cientí­
ficos de dois séculos atrás, hoje, é rejeitada pela própria ciência!
Além disso, com que frequência meras teorias e hipóteses são
tomadas como fatos científicos comprovados!
C A P Í T U L O 5: A U T O R ID A D E D A S E S C R I T U R A S 85

TESTEMUNHO DA IGREJA
Embora a autoridade das Escrituras não se fundamente ou
decorra da autoridade da igreja, a excelência das Escrituras é
demonstrada pelo testemunho da igreja. Isso é legítimo. Cabe à
igreja demonstrar e ensinar as evidências abundantes da autoridade
divina da Palavra de Deus. Cabe a ela anunciar a excelência do seu
conteúdo, a eficácia das suas doutrinas, sua extraordinária unidade
e harmonia de todas as suas partes. Embora a igreja não seja o
fundamento da fé, a fé reformada reconhece que “o testemunho da
igreja é um incentivo para a fé”.10O suficiente já foi dito sobre esse
assunto no estudo anterior sobre a doutrina da inspiração.
Contudo, podemos mencionar ainda o cumprimento das
profecias bíblicas e a veracidade das Escrituras (ausência de
erros) como duas outras fortes evidências a favor da sua autori­
dade divina.

Profecias Cumpridas
Deve-se ressaltar que aquilo que os profetas anteciparam,
movidos pelo Espírito Santo, foi cumprido detalhadamente. O
Senhor Deus muitas vezes se antecipou em revelar fatos impor­
tantes, na história do povo de Israel e das nações circunvizinhas.
Quantas profecias encontramos no Antigo Testamento, especial­
mente acerca de Jesus! Aquelas que ainda não foram cumpridas
é porque terão sua realização no futuro. As centenas que já foram
cumpridas, entretanto, são a garantia da realização das demais.

A Veracidade das Escrituras


É sem dúvida suipreendente que um livro com as caracterís­
ticas das Escrituras, que trata de assuntos tão variados e profundos,
não contenha erros. Por mais que a Bíblia seja investigada e estu­
dada, como de fato tem sido, não apenas pelos que a reverenciam,
como também pelos milhares que a odeiam - estes em busca de

10 Bavinck. Refonned Dogmatics, 449.


86
SOLA SCRIPTURA

erros, com o intuito de desacreditá-la —ainda assim, a sua autori­


dade permanece inabalada. Na verdade, as descobertas arcjueoló-
gicas e históricas dos últimos séculos só têm confirmado centenas
de fatos bíblicos anteriormente considerados não históricos.
Assim como a criação proclama a glória de Deus, as
Esciituias também anunciam a sua autoria divina. Assim como
os atributos eternos de Deus se revelam por meio das coisas que
foiam ci íadas, assim também são manifestos pela excelência do
conteúdo das Escrituras. Não obstante, do mesmo modo como
os homens iejeitam a revelação da natureza, também rejeitam as
evidências da autoridade divina das Escrituras.

TESTEM UNHO DO ESPÍRITO


SOBRE A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS
Embora essas e muitas outras evidências demonstrem clara­
mente a autoridade divina das Escrituras como documento legí­
timo, singular, de unidade extraordinária, conteúdo excelente,
doutiinas eficazes, profecias cumpridas e registro inerrante, ainda
assim, a fé reformada professa que esses argumentos não são a
base da sua fé quanto à autoridade das Escrituras.
O testemunho da igreja com relação à excelência das
Escrituras pode se constituir no meio pelo qual o crente é persu­
adido da sua autoridade, mas não na base ou fundamento da
sua persuasão. A persuasão do crente quanto à autoridade das
Escrituras se dá pelo testemunho interno do Espírito Santo. Se
alguém crê de lato na autoridade final das Escrituras como regra
de fé e prática, o faz como resultado da ação eficaz do Espírito
Santo. Nas palavras da Confissão de Fé Belga:
Recebemos esses livros, somente esses, como santos e confirmação da
nossa fé, acreditando sem qualquer dúvida em todas as coisas contidas
neles, não porque a igreja recebe-os e aprova-os como tais, mas espe­
cialmente porque o Espírito Santo testemunha em nosso coração que
eles procedem de Deus."1

11 Citado em Armstrong, "A Autoridade da Escritura”, 107.


( A P Í T U L O 5: A U T O R I D A D E D A S E S C R I T U R A S 87

Essa persuasão não significa uma revelação adicional do


Espírito. Significa, sim, que a ação do Espírito Santo em uma
pessoa, iluminando seu coração e sua mente em trevas, regene-
rando-a e fazendo-a nova criatura, dissipa as trevas espirituais da
sua mente, remove a obscuridade do seu coração, permitindo que
ela reconheça a autoridade divina das Escrituras.
O apóstolo Paulo aborda esse assunto. Escrevendo aos corín-
tios, ele explica que “o homem natural não aceita as cousas do
Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-
las porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2:14). Isto
significa que o homem natural, em estado de pecado, perdeu a
sua capacidade original de compreender as coisas espirituais. Ele
não pode, portanto, reconhecer a autoridade das Escrituras. Ele
não tem capacidade natural para isso. Na sua Segunda Carta aos
Coríntios o apóstolo Paulo é ainda mais claro em sua explicação:
Se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que
está encoberto, nos quais o deus deste século cegou os entendimentos
dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da
glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus... Porque Deus. que disse:
Das trevas resplandecerá a luz. ele mesmo resplandeceu em nosso cora­
ção, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na lace de
Cristo (2 Co 4:3-4,6).

O que ele afirma aqui é que o homem natural, o incrédulo,


está cego, como resultado da obra do diabo, que ocasionou a sua
queda. Nesse estado, ele se encontra como um deficiente visual
que não consegue perceber nem mesmo a luz do sol. Pode-se
compreender melhor o testemunho interno do Espíiito com essa
ilustração. Esse testemunho do Espírito não é uma nova reve­
lação, mas a sua ação, através da qual ele abre os olhos de um
cego, permitindo-lhe reconhecer a luz do sol que lá estava, mas
que não podia ser vista por causa da cegueira espiritual humana
decorrente da queda.

CONCLUSÃO
Em última instância, a questão da autoridade é uma questão
de fé. Os reformados aceitam a autoridade das Escrituras porque
88 SOLA SCRIPTURA

creem na sua origem divina. Creem que ela é a Palavra de Deus


inspirada. Esse é um dos pressupostos fundamentais da fé refor­
mada. Por outro lado, os que têm na ciência a sua autoridade,
também o fazem por uma questão de fé. Na verdade, as evidên­
cias a favor da autoridade ou infalibilidade das Escrituras são
maiores do que as evidências em favor da autoridade ou infalibi­
lidade da ciência. Para comprovar essa asseveração, basta folhear
qualquer livro científico empregado pelas gerações passadas.
Não será necessário ler muitas páginas para que constate a sua
evidente falibilidade.
A real antítese nesta questão se encontra entre a autoridade
das Escrituras e a autoridade do homem. Trata-se sempre de uma
opção de fé: fé nas Escrituras ou fé no homem, nas tradições
humanas, nas emoções humanas, na razão humana. A questão
essencial, portanto, é a seguinte: quem tem a última palavra?
Deus, falando através das Escrituras, ou o homem, por meio de
suas tradições, sentimentos e razão? Esta é a real questão que nos
confronta a todos: reconhecermos e nos submetermos à autori­
dade das Escrituras, ou aceitarmos e nos submetermos à autori­
dade humana.
Cada um deve considerar cuidadosamente à qual autoridade
se tem submetido. E deve fazê-lo com a devida seriedade. Cabe,
aqui. uma advertência final de Jesus, no Evangelho de João:
Se alguém ouvir as minhas palavras e não as guardar, eu não o julgo;
porque não vim para julgar o mundo, e, sim. para salvá-lo. Quem me
rejeita e não recebe as minhas palavras tem quem o julgue; a própria
palavra que tenho proferido, essa o julgará no último dia (12:47-48).

Não é tarefa primordial da igreja e dos ministros da Palavra


defender as Escrituras, mas pregá-la, demonstrando a sua extraor­
dinária unidade, anunciando o seu excelente conteúdo e procla­
mando as suas eficazes doutrinas. Como observou Spurgeon,
"nós não precisamos defender um leão quando ele está sendo
atacado. Tudo o que você precisa fazer é abrir o portão e deixá-lo
( A P ÍT U L O 5: A U T O R ID A D E D A S E S C R I T U R A S 89

livre”.*12A essência do ministério da Palavra e da tareia da igreja


é abrir o portão das Escrituras, proclamando-a, confiados na sua
autoridade e crendo no seu poder. Compete-nos compreendê-la
e ensiná-la com verdade e graça. O resto, ela mesma o fará. Ou,
melhor, o Espírito Santo fará por meio dela.1'

12 Citado em D. M. Lloyd-Jones, Authority (Edinburgh e Carlisle, PA: The


Banner of'Truth Trust, 1984), 41.
12 Mais sobre a doutrina reformada da autoridade da Escritura, na língua portu­
guesa, em Armstrong, “A Autoridade da Escritura". 89-127.
CAPÍTULO 6
SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS

Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória


Dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado
na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada
se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem
por tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima
iluminação do Esp írito de Deus para a salvadora compreensão das coisas reve­
ladas na Palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e
ao governo da Igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm de
ser ordenadas pela lu z da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras
da Palavra, que sempre devem ser observadas (parágrafo VI).

Em dias como os nossos, nos quais o evangelicalismo


moderno parece manifestar uma crescente incredulidade nas
Escrituras como regra suficiente de fé e prática, é imperativo
considerar o ensino da fé reformada com relação a esta doutrina.
Com a redescoberta da doutrina da suficiência das Escrituras,
os reformadores libertaram o povo de Deus de doutrinas e práti­
cas impostas às suas consciências por autoridade meramente
humana.12
O que segue é uma breve exposição do ensino do parágrafo
VI da Confissão de Fé de Westminster.

1 Ler João 20:30-31 e 2 Timóteo 3:16-17.


2 Spear, "The Westminster Confession o f Faith and Holy Scripture”, 93.
92
SOLA SCRIPTURA

REGRA COMPLETA DE FÉ E PRÁTICA


A fé reformada professa que as Escrituras Sagradas cons­
tituem-se numa regra completa de fé e prática; um manual
completo de doutrina, práticas eclesiásticas e vida cristã.

Não Exaustivas
Isso não significa que as Escrituras sejam exaustivas. As
Escrituras não contem toda a vontade de Deus. O conhecimento
a itspeito de Deus e da sua obra são ilimitados. Muitas coisas
a respeito do ser de Deus, dos seus atributos, da criação, do
homem e dos propósitos eternos de Deus não foram reveladas.
As próprias Escrituras afirmam que “as coisas encobertas perten­
cem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem,
a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas
as palavras desta lei" (Dt 29:29).
E evidente que as Escrituras não contêm todas as informa­
ções a respeito da criação, da natureza, do universo, ou mesmo da
história. As Escrituras não são um livro de ciências ou de história.
Os milhares e milhares de livros escritos no decurso dos séculos
estão longe de exaurir o conhecimento da criação. Quanto mais a
ciência e a pesquisa se desenvolvem, mais se manifestam as suas
limitações e a superficialidade do seu conhecimento.
Nas Escrituras também não nos são fornecidas todas as
informações concernentes à vida e ao ministério de Jesus na
terra. Na realidade, elas não registram quase nada sobre os
primeiros tiinta anos da sua vida. O apóstolo João encerra o seu
Evangelho testificando quanto á veracidade do seu conteúdo,
mas reconhecendo:
Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus tez. Se todas elas fossem
relatadas uma por uma. creio eu que nem no mundo inteiro caberíam os
livros que seriam escritos (Jo 21:25)93

3 Cf. João 20:30; 1 Corintios 11:2, 23 e 2 Tessalonicenses 2:5, 15; 3:6, 10.
C A P Í T U L O 6: S U F IC IÊ N C I A D A S E S C R I T U R A S 93

Além disso, ao que parece, “nem tudo o que foi dito ou


escrito pelos profetas, por Jesus e pelos apóstolos está incluído
nas Escrituras. Muitos escritos proféticos e apostólicos se perde­
ram (Nm 21:14; Js 10:13; 1Re 4:33; 1 Cr 29:29; 2 Cr 9:29; 12:15;
1 Co 5:9; Cl 4:16; Fp 3:1)”.456
A doutrina da suficiência das Escrituras também nào apre-
aoa desprezo ao oficio ministerial. Reconhecemos, como William
Whitakcr, que “a igreja é intérprete das Escrituras... e o dom da
interpretação reside somente na igreja.'"''

Porém Suficientes
Significa, sim, que nas Escrituras encontra-se registrado - ou
dela pode ser logicamente inferido - tudo o que aprouve a Deus
revelar à igreja em matéria de té e prática; tudo o que o homem
deve crer e o que Deus dele requer. Nelas, o homem encontia
tudo o que deve saber e tudo o que deve fazer a fim de que venha
a ser salvo, viva de modo agradável a Deus, o sirva e o adore. A
Bíblia é adequada para governar cada área da nossa vida 3
As palavras do apóstolo João, ainda que referindo-se espe­
cificamente ao seu Evangelho, elucidam o sentido da doutrina da
suficiência das Escrituras:
Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que
não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que
creiais que Jesus é o Cristo, o f ilho de Deus, e para que. crendo, tenhais
vida em seu nome (Jo 20:30-31).

João não registrou tudo o que Jesus fez. mas o que registrou
é suficiente para o propósito de Deus com esse livro: levar as
pessoas a crer na divindade de C risto e a alcançar a vida eterna.
Escrevendo a Timóteo, o apóstolo Paulo afirma que nos últi­
mos dias sobreviríam tempos difíceis, marcados por toda sorte de

4 Bavinck. RcJonncJ Dogmatics, 488.


5 Citado em Godfrey. “O Que Entendemos por Sola Scriptura”, 18.
6 Thomas, A Visão Puritana das Escrituras. 21.
94 SOLA SCRIPTURA

pecado, insensatez, erro, engano e apostasias (2 Tm 3:1-9). Qual


é o seu conselho a Timóteo? Perseverar nas Escrituras. Apegar-se
firmemente a elas. Por quê? Eis suas razoes:
Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreen­
são. para a correção, para a educação na justiça, a ími de que o homem
de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra
(2 Tm 3:16-17).

De acordo com essa passagem, as Escrituras sào suficientes


para tornar o homem perfeito e perfeitamente capacitado diante
de Deus. E nesse sentido que as Escrituras sào completas e sufi­
cientes?

IMPLICAÇÃO LÓGICA
A implicação lógica e bíblica dessa importante doutrina
reformada é óbvia. Se as Escrituras sào suficientes, nada mais
precisa lhes ser acrescentado - nem por novas revelações do
Espírito, nem por tradição humana.

Novas Revelações do Espírito


O Antigo Testamento previa uma nova dispensaçào, com
novas revelações do Espírito. O profeta Joel, por exemplo,
profetizou:
E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne;
vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e
vossos jovens terão visões; até sobre os servos e sobre as servas derra­
marei o meu Espírito naqueles dias (J1 2:28-29).

E assim ocorreu. O derramamento do Espírito Santo, no


segundo capítulo de Atos, cumpriu essa promessa. Quando Jesus
subiu aos céus e inaugurou a nova dispensaçào, novas revelações
do Espírito foram comunicadas à igreja, o que resultou no cânon7

7 Ver também Deutcronômio 32:46-7 e Miquéias 8:8.


C A P Í T U L O 6: S U F IC IÊ N C I A D A S E S C R IT U R A S 95

inspirado do Novo Testamento, a exemplo do que oeorrera na


antiga aliança.
O mesmo, entretanto, não ocorre no Novo Testamento. O
NT não promete outras revelações do Espírito antes da segunda
vinda de Cristo. Depois desta dispensação, segue-se a sua vinda.
A conclusão lógica, portanto, é que até a segunda vinda de Jesus,
nenhuma revelação adicional é necessária. Não se trata, entre­
tanto, apenas de conclusão lógica. O último livro do NT, o Livro
de Apocalipse, conclui com uma advertência bem conhecida:
"Eu. a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro,
testifico: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe
acrescentará os flagelos escritos neste livro'’ (Ap 22:18).
Pelo menos três outras advertências também precisam ser
lembradas nesse contexto:
Primeiro, a advertência do apóstolo Paulo aos gálatas -
embora escrevendo em uma época em que o cânon ainda esti­
vesse em formação: “Ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo
do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos
pregado, seja anátema” (G1 1:8).
Segundo, a advertência do apóstolo João, com relação aos
falsos profetas - quando o cânon também ainda se encontrava em
formação: “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes,
provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos talsos
profetas têm saído pelo inundo fora” (1 Jo 4:1).
Terceiro, a advertência de Jesus com relação aos talsos
profetas: “Muitos, naquele dia. hão de dizer-me: ‘Senhor, Senhor!
Porventura, não temos nós profetizado em teu nome...' Então lhes
direi explicitamente: Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os
que praticais a iniquidade” (Mt 7:22-23).
Passagens bíblicas como essas, quando relacionadas com o
final do livro de Apocalipse, parecem ser suficientes para que se
rejeite supostas novas revelações espirituais, após a formação do
cânon do Novo Testamento.
96 SOIA SCR1PTURA

Tradições Humanas
Com relação às tradições humanas como acréscimo às reve­
lações bíblicas, o suficiente talvez já tenha sido dito, quando se
tratou da doutrina da autoridade das Escrituras. Resta apenas
lembrar que esse tem sido um dos principais erros da Igreja
Católico-Romana. A grande maioria dos seus desvios doutriná­
rios, práticos e litúrgicos procede desse erro fundamental: acres­
cer tradições humanas às revelações das Escrituras. O sacerdócio,
o papado, a adoração à Maria, o sacrifício da missa, o purgatório,
a oração pelos mortos, a infalibilidade papal, a prática de indul­
gência, o celibato obrigatório e o ritualismo romano são apenas
alguns exemplos de doutrinas e práticas fundamentadas em tradi­
ções religiosas.
Não se trata de uma crítica protestante infundada. Essa é
a doutrina oficial da Igreja Católica. O Concilio de Trento, um
dos seus concílios mais autoritativos, legitima o uso das tradições
orais como base de doutrina e prática, nos seguintes termos:
E. vendo claramente que esta verdade e disciplina estão contidas nos
livros escritos, e nas tradições não escritas, as quais, recebidas pelos após­
tolos da boca do próprio Cristo, ou dos próprios apóstolos ditadas pelo
Espírito Santo, nos foram transmitidas como que de mão em mão.8

A Confissão de Fé Tridentina (Católica) afirma: “Eu firme­


mente admito e abraço as tradições apostólicas e eclesiásticas, e
todas as outras observâncias e constituições da igreja...”9
Os teólogos católico-romanos10 reconhecem três tipos de
tradições: tradições divinas, as quais, alegam, foram ensinadas
por Cristo e transmitidas oralmente de geração em geração; as
tradições apostólicas, provenientes da boca dos apóstolos; e as

8 Sessão iv.
9 Artigo II.
10 Tais como Belarmino (1542-1621). Citado em Loraine Boettner, Ronum
Catholicism (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Refonned Publishimi Company,
1980), 79.
CAPÍTULO 6: SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS 97

tradições eclesiásticas, consistindo de decisões conciliares e


decretos papais considerados infalíveis, acumulados no decurso
dos séculos.
Contudo, a fragilidade da tradição católica é evidente por
diversas ra/.ões. Primeiro, pela impossibilidade em se demons­
trar a procedência divina ou mesmo apostólica dessas tradições
orais. Segundo, por causa da incoerência dessas tradições entre
si mesmas. Os Pais da Igreja constantemente se contradizem.
É difícil tomar dois deles que não discordem entre si. Terceiro,
porque muitas das tradições, sejam elas supostamente divinas,
apostólicas ou eclesiásticas, contradizem as próprias Escrituras.
Além disso, por que, havendo Deus se revelado de forma
escrita no Antigo e no Novo Testamento e valorizado tanto
as Escrituras, haveria de deixar essa revelação insuficiente,
parcial e incompleta? Por que deixaria parte da sua revelação
para ser transmitida oralmente, sujeita a todo tipo de corrupção,
deturpações e distorções? Se a tradição oral fosse uma forma
eficiente de preservar a revelação divina, qual a razão de ser das
Escrituras?"

Conclusão
Outras razões deveríam refrear o homem no sentido de
conceber qualquer acréscimo à revelação das Escrituras.
A primeira é antropológica: a nossa natureza pecaminosa,
a corrupção do coração, da mente e dos sentimentos humanos.
Não se pode esquecer que o coração humano é enganoso, que
sua mente é pervertida e seus sentimentos falhos. Deus mesmo,
através do profeta Jeremias, alerta: “Enganoso é o coração, mais
do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o
conhecerá?” (Jr 17:9).1

11 Para uma refutação dos argumentos históricos da Igreja Católica contrários


à doutrina da suficiência das Escrituras, ver James White, "Sola Scriptwa e a Igreja
Primitiva", em Sola Scriptura. 35-63.
98 SOLA SCRIPTURA

A segunda é angelical, ou melhor, diabólica: a existência


de Satanás, do Maligno, a astúcia do diabo e de seus demônios,
que podem se travestir de anjo de luz na tentativa de enganar até
mesmo os eleitos de Deus.
Nada, portando, pode ser acrescido às Escrituras. Se as
novas revelações do Espírito ou as tradições humanas ensinam o
que já é ensinado nas Escrituras, sào desnecessárias; se vão além,
devem ser rejeitadas.

ILUMINAÇÃO DO ESPÍRITO
A doutrina da suficiência das Escrituras pressupõe a neces­
sidade da iluminação do Espírito. Entretanto, é preciso distinguir
conceitos, para que não haja confusão quanto à natureza de obras
distintas do Espírito Santo. Revelação é a comunicação de novas
verdades de Deus ao homem. Inspiração é a ação do Espírito
pela qual é garantida a inerrância do registro dessa revelação. E
Iluminação é a ação do Espírito que consiste em abrir os olhos
espirituais para que se possa compreender as Escrituras.
Segundo o ensino bíblico, a mente humana está em trevas
por causa do pecado. O homem natural está espiritualmente cego.
E o que o apóstolo Paulo declara explicitamente em 2 Coríntios:
Mas, se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem
que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou os entendimen­
tos dos incrédulos, para que lhes nào resplandeça a luz do evangelho da
glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus (4:3-4)

Por isso, o homem natural - não regenerado - não pode


compreender as Escrituras. Ele não tem essa habilidade natural.
Ele a tinha, mas a perdeu na queda: “Ora, o homem natural não
aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e
não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente”
(1 Co 2:14).
Não importa o quão inteligente ou erudito seja. Não importa
quanta sabedoria humana tenha. Por mais elevados que sejam
(. APÍTULO 6: SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS 99

os seus dons naturais e a sua qualificação intelectual, o homem


natural é ignorante das coisas espirituais e não pode entender as
Escrituras. A sabedoria deste século, afirma o apóstolo Paulo, em
ultima instância, se reduz a nada. Se os sábios segundo o mundo
tossem realmente sábios, “jamais teriam crucificado o Senhor da
glória” (1 Co 2:7-8).
Mas aquilo que a inteligência e a educação não podem
fazer, o Espírito Santo faz. Ele, e somente ele. pode iluminar a
mente e o coração de uma pessoa, dissipando as trevas espiri­
tuais: “Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz,
cie mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do
conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo” (2 Co 4:6).
Há uma iluminação inicial, uma operação básica e funda­
mental do Espírito. Ele age no coração do homem natural, permi­
tindo que este compreenda as verdades bíblicas fundamentais.
Assim, o homem chega a compreender a sua miséria espiritual e
a causa dessa miséria: a sua pecaminosidade natural decorrente
da queda. É essa iluminação que lhe permite compreender a graça
de Deus para com ele na obra de Cristo, na cruz, em seu favor.
O resultado dessa iluminação espiritual básica é a conversão, a
regeneração, a justificação, o novo nascimento.
Isso não significa, entretanto, que as trevas tenham sido, de
imediato, totalmente dissipadas. Essa obra do Espírito é contínua
e progressiva. À medida que o tempo passa e que o crente lança
mão dos meios de graça à sua disposição, a sua mente é mais e
mais iluminada para compreender as Escrituras. A medida que
o homem convertido ora, é instruído e edificado pela pregação,
estuda diligentemente as Escrituras, lê bons livros, e se submete
ao seu ensino, ele avança na compreensão do sentido e signifi­
cado da Bíblia.
A fé reformada reconhece, portanto, que nem tudo o que
está revelado nas Escrituras é compreendido e discernido por
todos os crentes. O conhecimento das Escrituras é progressivo,
e se dá mediante a obra iluminadora do Espírito Santo. Porém,
100 SOLA SCRIPTURA

nào se pode confundir a obra iluminadora do Espírito com novas


revelações do Espírito, como ocoiTe com frequência.

PRINCÍPIOS, ENSINOS GERAIS E EXEMPLOS


Ao afirmar que as Escrituras são suficientes, a Confissão de
Fé de Westminster não quer dizer que elas fornecem respostas
específicas e detalhadas a todas as questões. Quer dizer, sim, que
elas contêm princípios, ensinos gerais e exemplos, de modo que
tudo o que precisamos conhecer, crer e fazer para sermos salvos
e vivermos de modo agradável a Deus pode ser logicamente infe­
rido delas. Isso se aplica à doutrina e à prática. Aplica-se à vida
pessoal e à igreja em geral. Contudo, é preciso cuidado para que
essas aplicações específicas sejam adequadamente inferidas dos
ensinos gerais, princípios e exemplos bíblicos.

Na Vida Pessoal
O que acaba de ser dito aplica-se ao casamento, ao trabalho,
à alimentação, ao vestuário, à educação de filhos, etc. Há deta­
lhes com relação a todas essas áreas da vida individual que não
são explicitamente encontrados nas Escrituras. Porém, os princí­
pios gerais, sim. Exemplo: um jovem crente não vai encontrar na
Bíblia resposta específica sobre quem deve escolher para esposa
ou marido (nome, cor, altura, tipo físico, nacionalidade, nível
social, etc.). Entretanto, os princípios gerais se encontram lá, e
devem ser observados.
O mesmo se aplica às demais áreas mencionadas (trabalho,
alimentação, vestuário, criação de filhos, etc.). Não são neces­
sárias novas revelações do Espírito para que se definam essas
coisas. A aplicação dos princípios gerais e exemplos bíblicos às
circunstâncias específicas da vida diária podem definir perfeita-
mente essas questões.
O Espírito Santo produz paz no coração daqueles que
obedecem a sua vontade. Ele convence o homem da veracidade
da Palavra de Deus. Ele ilumina a mente do crente, habilitando-o
CAPITULO 6: SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS 101

a compreender mais profundamente as Escrituras. Apesar disso,


não se deve explicar essas atividades “ordinárias" em termos de
novas revelações do Espírito.

Na Vida da Igreja
Há detalhes com relação à forma de governo, princípios
de disciplina, circunstâncias de culto, pregação e mesmo de
doutrina, que não são explicitamente encontrados nas Escrituras.
Entretanto, os princípios gerais e exemplos com base nos quais
essas questões deverão ser estabelecidas estão ensinados ali.
E nesse princípio, por exemplo, que se legitima a prega­
ção. O que é pregação? E a exposição dos princípios, doutrinas,
práticas, promessas e exortações diretamente encontrados nas
Escrituras ou legitimamente inferidos dos seus ensinos gerais e
exemplos. As Escrituras não determinam um esboço homilético
específico, não delimitam o tempo da pregação, etc. As Escrituras
não são um manual homilético completo. Mas a pregação, para
ser fidedigna, tem que ser prudente e legitimamente inferida dos
seus ensinos e exemplos, tanto na forma quanto no conteúdo, por
meio de oração e exegese apropriada.
Cabe lembrar ainda que algumas práticas, tanto com relação
à vida pessoal quanto com relação à vida da igreja são contex-
tuais, dependem da época, do país e da cultura, e não podem ser
diretamente aplicadas à outra época e contexto. A Confissão de
Fé reconhece que é preciso prudência e bom senso cristãos para
se agir de conformidade com a luz da natureza e as regras gerais
da Palavra.
Há questões relacionadas, por exemplo, ao vestuário
(tais como o uso de túnica/paletó. calça comprida, véu, corte
de cabelo), às saudações (a paz do Senhor, o ósculo santo), às
manifestações de alegria (palmas, dança), à postura na oração
(mãos para cima, rosto prostrado no chão), etc., que dependem
do contexto histórico e social. E é a prudência e sobriedade cris­
tãs, fundamentadas nos princípios bíblicos, que determinarão a
102 SOLA SCRIPTURA

sua aplicação às diversas épocas e contextos. Alguns exigem o


cabelo comprido para as mulheres (mas não admitem a barba
para os homens). Exigem o uso de paletó e gravata e proíbem
a calça comprida para as mulheres (por que não a túnica para
ambos?). Outros exigem uma forma específica de saudação: a
“paz do Senhor” (por que não o ósculo santo?). Outros reivindi­
cam as palmas e a dança como manifestações de alegria espiri­
tual (no nosso contexto!).
O que foi dito não implica, de modo algum, que qualquer
veste, saudação ou manifestação de alegria sejam legítimas. As
Escrituras requerem simplicidade, decência, sobriedade, sensa­
tez, prudência em todas essas coisas. Em todas essas práticas, há
relativa liberdade quanto aos detalhes, desde que conformados
ao ensino e princípios bíblicos, e à prudência cristã.

CONCLUSÃO
A fé reformada ensina que as Escrituras constituem-se em
regra completa de fé e prática. Elas não são exaustivas, mas
são suficientes. Consequentemente, nada precisa ser acrescido
às Escrituras, nem por novas revelações do Espírito, nem por
tradições humanas. Reconhece, entretanto, que a iluminação do
Espírito é necessária para a compreensão da Bíblia, mas isso não
deve ser confundido com novas revelações. Admite, finalmente,
que a Escritura não fornece detalhes sobre tudo, mas fornece os
princípios, ensinos gerais e exemplos, com base nos quais se
pode, lógica e prudentemente, inferir todos os detalhes necessá­
rios à fé, ao culto e à vida cristã.
CAPÍTULO 7
CLAREZA DAS ESCRITURAS

Na Escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do mesmo
modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser obedecidas,
cridas e observadas para a salvação, em uma ou outra passagem da Escritura
são tão claramente expostas e aplicadas, que não só os doutos, mas ainda os
indoutos, no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente
compreensão delas (parágrafo VII).

A principal doutrina expressa neste parágrafo da Confissão


de Fé de Westminster diz respeito à clareza ou perspicuidade
das Escrituras. O pano de fundo dessa doutrina reformada é, por
um lado, a Igreja Romana e, por outro, os entusiastas radicais
da época.
A Igreja Católica enfatiza a obscuridade das Escrituras.
Para ela, as Escrituras são enigmáticas, o seu sentido é nebu­
loso. A Bíblia não é um livro apropriado para leigos, os quais não
estariam habilitados a entendê-la. Sua interpretação, portanto, é
prerrogativa oficial da igreja (do clero), a única que pode deter­
minar o seu sentido correto - uma solução eclesiástiea.
Os entusiastas radicais, por sua vez, também pensavam de
modo semelhante. Eles enfatizavam o caráter misterioso das
Escrituras. A diferença é que eles solucionavam essa suposta
ininteligibilidade das Escrituras de modo místico, pela ilumina­
ção interior do Espírito, independentemente das Escrituras.

i Ler Salmo 19:7-8 e 119:15,130.


104 SOLA SCRIPTURA

Em contraposição a essas posições, os reformadores procla­


maram a doutrina da clareza das Escrituras, afirmando a sua
inteligibilidade intrínseca. Para eles, o conteúdo das Escrituras
é essencial e intrinsecamente claro. Tanto o caminho da salva­
ção, como as doutrinas c práticas fundamentais estão suficiente e
claramente explicados nas Escrituras, de modo que todo homem
que se empenhe em descobri-lo. com a ajuda do Espírito, poderá
fazê-lo, mesmo sem a intermediação da igreja.
Os reformadores reconheciam os perigos advindos de conce­
der aos crentes em geral a liberdade para interpretar as Escrituras.
Contudo, como escreve Bavinck, “mesmo uma liberdade que
não pode ser obtida e desfrutada sem o perigo de licenciosidade e
capricho, ainda é preferível à tirania que suprime a liberdade. Na
criação da humanidade, o próprio Deus também escolheu isso,
ao invés de sujeição forçada”.2 Em oposição a Roma, ressalta
Bavinck. “as igreja da Reforma, na realidade, não têm uma arma
mais poderosa do que a Escritura... O ensino da perspicuidade da
Escritura é um dos mais fortes baluartes da Reforma”'
Entretanto, como se pode perceber por esta definição, a
doutrina da clareza das Escrituras precisa ser qualificada. 0 que,
de fato, quer expressar a fé reformada ao afirmá-la? Isso pode ser
mais bem compreendido negativa e positivamente.

NEM TUDO É IGUALMENTE


CLARO OU EVIDENTE
A fé reformada não afirma que todo o conteúdo das
Escrituras é óbvio para qualquer pessoa que vier a lê-la, pelas
seguintes razões:

A Natureza do Seu Conteúdo


Os assuntos tratados nas Escrituras são de tal natureza,
que é de se esperar que nelas haja mistérios que ultrapassem a*3

' Bavinck. Reformai Dogmatics, 479.


3 Ibid.,478.
CAPÍTULO 7: CLAREZA DAS ESCRITURAS 105

compreensão humana natural. O “objeto” último das Escrituras


é o conhecimento da pessoa e da obra de Deus, um ser eterno
e infinito, “o único que possui imortalidade, que habita em luz
inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de
ver” (1 Tm 6:16).

A Corrupção do Homem
Além disso, os seres humanos, para quem as Escrituras
são dirigidas, não são apenas finitos e limitados. São também
pecadores. A queda corrompeu tanto o coração como a mente
humana. Não se pode negar que nem mesmo as Escrituras inspi­
radas podem eliminar completamente o abismo existente entre
um ser infinito, ilimitado, eterno esanto, de suas criaturas finitas,
limitadas, temporais epecadoras.
O homem natural, como já foi visto, encontra-se totalmente
incapacitado para compreender as Escrituras à parte da ação
iluminadora do Espírito Santo no seu coração e mente.4 Mesmo
o homem regenerado precisa contínua e progressivamente dessa
ação iluminadora do Espírito Santo para compreender as verda­
des bíblicas.

As Características Humanas das Escrituras


As Escrituras foram inspiradas por Deus, mas foram escri­
tas por homens. Elas têm origem divina, mas forma humana - de
outro modo. não nos seriam inteligíveis. Elas revelam, de modo
inerrante, a vontade de Deus, mas o fazem através de linguagem
humana, em contextos e circunstâncias históricas específicas.
Desse fato, logicamente, podem resultar dificuldades
adicionais para a compreensão das Escrituras: dificuldades rela­
cionadas à língua (gramática, vocabulário, formas literárias, etc.)
e dificuldades relacionadas ao contexto histórico, geográfico,
social, político, filosófico e religioso em que foram escritas.

4 I Coríntios 2:14 e 2 Coríntios 4:3-4.


106 SOLA SCRIPTURA

As Próprias Escrituras Admitem


Certa Dificuldade para o seu Entendimento
O apóstolo Pedro, por exemplo, reconhece nos escritos do
apóstolo Paulo “certas coisas difíceis de entender, que os igno­
rantes e instáveis deturpam, como deturpam também as demais
Escrituras” (2 Pe 3:16). O eunuco etíope que vinha lendo as
Escrituras também não estava compreendendo o sentido de Isaias
53, sendo necessário que Filipe, dirigido pelo Espírito - convém
ressaltar - o auxiliasse (At 8:29ss).

Requisitos para a Clareza das Escrituras


Reconhece-se, portanto, que a clareza das Escrituras não é
automática, inevitável, mas depende de duas coisas inseparáveis:
Primeiro, da ação iluminadora do Espírito, o seu autor
primário, no coração e mente dos leitores. Logo, quanto mais
se ora pedindo compreensão, discernimento e iluminação espiri­
tual a Deus, e há submissão à sua palavra, mais claras se tomam
as Escrituras. Se ainda não houve essa ação iluminadora inicial
do Espírito no coração de uma pessoa, deve-se reconhecer que
mesmo as verdades básicas e fundamentais da Palavra de Deus
lhes são obscuras e ininteligíveis.
Segundo, a clareza das Escrituras depende de diligên­
cia, do estudo, lançando-se mão de todo conhecimento teórico
(hermenêutico) e prático (exegético) na elucidação dos proble­
mas linguísticos e históricos envolvidos. A clareza das Escrituras
também - embora não somente - será proporcional a isso. A
própria Bíblia define um ministro do Evangelho como alguém
que se consagra à oração e ao ministério da palavra (At 6:4) e que
se aíádiga na palavra (1 Tm 5:17).

O ESSENCIAL É CLARO
PELA ILUMINAÇÃO DO ESPÍRITO
Os intérpretes reformados reconhecem, portanto, que
há passagens mais difíceis de serem compreendidas, e que as
CAPITULO 7: CLAREZA DAS ESCRITURAS 107

Escrituras não são igualmente claras para todos. Apesar disso,


afirmam que a mensagem bíblica geral pode ser compreendida
por pessoas sem maiores instruções. A substância da revelação
bíblica é acessível ao homem à parte da igreja, e independente­
mente do seu nível cultural. Tudo o que é necessário para a salva­
ção e para uma vida de obediência é inteligível para qualquer
pessoa, desde que iluminada pelo Espírito Santo. Em outras pala­
vras, isso significa dizer que as Escrituras têm clareza intrínseca.
Elas têm em si mesmas uma fonte de iluminação que garante a
inteligibilidade da sua mensagem.56
Bavinck explica como segue a doutrina reformada da clareza
das Escrituras:
Ela significa apenas que a verdade, cujo conhecimento é necessário a
todos para a salvação, embora não seja explicita com igual clareza em
cada página da Escritura, é, entretanto, apresentada por toda a Escritura
em uma forma tão simples e inteligível, que uma pessoa interessada
na salvação da sua alma pode facilmente, pela leitura e estudo pessoal,
aprender a conhecer essa verdade a partir da Escritura, sem a assistência
e direção da igreja e do sacerdote/'

Entre as razões pelas quais a fé reformada professa a doutrina


da clareza substancial das Escrituras, estão as seguintes:
Primeiro, as próprias Escrituras professam ser uma revela­
ção da vontade de Deus. Embora haja mistérios na pessoa, na
vontade e na obra de Deus, as Escrituras não têm o propósito
de ocultar, mas de revelar. Seu objetivo é manifestar a vontade
divina. Ela “foi escrita com expresso propósito de comunicar fé,
paciência, consolação, ensino, etc. (Jo 20:31; Rm 15:4; 2 Tm
3:16; 1 Jo E is)”7

5 II. W. Rossouw, "Calvin's Henneneutics o f Holy Scripture”, em Calvinus


Refonnaíur. 153.
6 Bavinck, R eform aiD ogm aíics, 477.
7 Ibid.
108 SOLA SCRIPTUR.A

Segundo, visto que as Escrituras sào obra de Deus, ainda


que por meio de homens, não falta poder em Deus para conse­
guir fazer o que se propõe: revelar as verdades divinas ao homem
por meio de uma palavra escrita. Trata-se, sem dúvida, de uma
tarefa estupenda, imensa, sobrenatural. Contudo, não há impos­
síveis para Deus. '"Isto é impossível aos homens, mas para Deus
tudo é possível” (Mt 19:26). O Deus que as próprias Escrituras
revelam “é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo
quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera
em nós” (Ef 3:20).
Terceiro, as Escrituras sào dirigidas a crentes, indistinta-
mente, e não apenas a eruditos ou a oficiais da igreja, e todas as
pessoas, indistintamente, sào exortadas a consultá-las. Os judeus
da antiga dispensaçào foram instados tanto a ler as Escrituras,
como a ensiná-las aos seus filhos: “Estas palavras que, hoje, te
ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e
delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e
ao deitar-te, e ao levantar-te” (Dt 6:4-9). Os profetas se dirigiam
ao povo em geral (Is 5:3-4; 40:1-2; Jr 2:4; 4:1; 10:1; Ez 3:1; etc.).
A grande maioria das cartas do Novo Testamento (Romanos, 1 e
2 Coríntios. Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, Tiago, 1 e
2 Pedro, 1 João, e Judas) foi destinada aos crentes, de um modo
geral. Elas destinavam-se a serem lidas por todos, e não apenas
pelos líderes. Jesus não condena o exame das Escrituras. Em
João 5:39, talvez até ordene (traduzindo-se o verbo examinar,
èpeuuâTC, no imperativo):8 “Examinai as Escrituras, porque
julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de
mim”. A atitude dos judeus bereanos, de examinar as Escrituras,
foi louvada pelo apóstolo Paulo: “Ora. estes de Beréia eram mais
nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda
a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as
cousas eram, de fato, assim” (At 17:11).

8 A tradução no modo indicativo (examinais) não tira a força do argumento.


CAPITULO 7: CLAREZA DAS ESCRITURAS 109

Quarto. as Escrituras ensinam explicitamente a sua própria


perspicuidade:
Porque este mandamento que, hoje, te ordeno não é demasiado difícil,
nem está longe de ti (Dt 30:11).

O testemunho do Senhor é fiel e dá sabedoria aos símplices... o manda­


mento do Senhor é puro e ilumina os olhos (SI 19:7.8).

Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para os meus cami­
nhos... A revelação das tuas palavras esclarece, e dá entendimento aos
simples (SI 119:105. 130).

O mandamento é lâmpada, e a instrução, luz; e as repreensões da disci­


plina são o caminho da vida (Pv 6:23).

Temos, assim, tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem


em atendê-la, como a uma candeia que brilha em lugar tenebroso, até que
o dia clareie e a estrela da alva nasça em vossos corações (2 Pe 1:19).

Desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tomar-te sábio


para a salvação pela fé em Cristo Jesus (2 Tm 3:15).

O que a Igreja de Roma tem tido dificuldade para compre­


ender é que, apesar das reconhecidas barreiras linguísticas e
históricas, o maior empecilho para a compreensão das Escrituras
não é linguístico ou cultural, mas espiritual. O maior impedi­
mento exegético não está na gramática ou na compreensão do
contexto histórico, mas na natureza pecaminosa do homem. A
dificuldade maior não se encontra no livro, mas no coração do
leitor.1' O pré-requisito básico e indispensável para a compreen­
são das Escrituras, portanto, não é erudição, mas regeneração,
novo nascimento.
Em adição ao que já foi dito até aqui, é necessário ressaltar
que a ação iluminadora do Espírito Santo no coração do homem
não ocorre à parte da Palavra, mas com a Palavra e pela Palavra. E
por meio da Escritura, ao alcançar os ouvidos, que o Espírito age9

9 A propósito, algumas missões modernas parece que também tendem a incorrer


em erro similar: pensar que a maior barreira missionária ou evangelística é lingüística
e contextual.
1 10 SOLA SCRIPTURA

na mente, no coração e na vontade: “A fé vem pela pregação (pelo


ouvir), e a pregação (o ouvir), pela palavra de Cristo" (Rm 10:17).
E pela Palavra de Deus que o Espírito convence do pecado.
E por meio da Escritura que o Espírito ilumina o coração. É por
instrumentalidade da Bíblia que ele liberta do pecado, regera,
santifica, dirige, ensina, consola, corrige, repreende, etc. Enfim, é
pela Escritura que o Espírito Santo faz o homem de Deus perfeito
e perfeitamente habilitado para toda boa obra. A Escritura, como
Calvino afirma, é “a escola do Espírito Santo”.101É com relação a
essas verdades que os reformadores se opunham aos entusiastas
radicais: eles separavam o Espírito da Palavra. Aí reside, igual­
mente, um dos principais problemas dos entusiastas modernos.
Finalmente, é necessário reconhecer que a fé é indispensá­
vel para a compreensão das Escrituras. “De fato, sem fé, é impos­
sível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se
aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador
dos que o buscam” (Hb 11:6). Calvino ensina que a Palavra de
Deus só pode ser compreendida quando é crida.11 Ele afirma que
a fé são os olhos pelos quais podemos contemplar as verdades de
Deus nas Escrituras.
Não se entenda, contudo, por fé, nem um vago e cego senti­
mento de confiança, nem uma mera compreensão ou consenti­
mento intelectual. Entenda-se, sim, a disposição ou estado no
qual o homem, por um lado, reconhece humildemente a sua
absoluta miséria espiritual e, por outro, confia-se à misericórdia
e graça de Deus como seu único refúgio e esperança.12 Qualquer
outro sentimento ou conceito que não se expresse assim não é fé,
e é inútil no que diz respeito à compreensão das Escrituras.

111 .1. Calvino. Institución de Ia Religión Cristiana (Rijswijk: Fundacion Editorial


de Literatura Reformada, 1967). III. 21.3.
11 Lamberto Floor, "The 1lermeneutics o f Calvin”, em Calvinus Refonnator:
His Contribution to Theology, Clmrch and Society (Potehefstroom, South África:
Potchefstroom University forChristian Higher Education. 19X2), 187.
12 Rossouvv, Calvin 's Hermeneulics ofUolv Scriptwv, 164.
CAPITULO 7: CLAREZA DAS ESCRITURAS

CONCLUSÃO
Resumindo, os herdeiros da reforma professam crer na
clareza intrínseca e substancial da Bíblia. Nào que todo o seu
conteúdo seja igualmente claro, nem que seja claro para todos.
Há dificuldades provenientes da natureza do seu conteúdo, da
corrupção do homem, e das próprias características literárias e
históricas das Escrituras. As próprias Escrituras admitem que há
nelas “coisas difíceis de entender”. Apesar disso, todos os que
sincera e diligentemente procurarem, por meio delas, o caminho
da salvação e instruções para viverem de modo agradável a Deus
encontrarão o suficiente para tal. E isso, sem que seja imprescin­
dível a intermediação da igreja, ainda que tal pessoa não tenha
erudição; desde que, é claro, seja iluminada pelo Espírito Santo.
Como escreveu Gregório, as Escrituras são um rio, “no qual o
elefante pode nadar e o cordeiro andar”.13
As implicações dessa doutrina são de extrema importância:
Primeiro, não somente é legítimo ou permitido, mas dese­
jável e mesmo necessário que cada crente tenha acesso, por si
mesmo, ás Escrituras; que ele possa lê-las, estudá-las, ensiná-las
a seus filhos e comunicar a sua mensagem a outros.
Segundo, um crente piedoso, ainda que sem maiores quali­
ficações acadêmicas, pode compreender melhor o sentido e o
significado de passagens da Bíblia que são obscuras para pessoas
de maior erudição. Admite-se, contudo, que o estudo diligente
da língua e contexto histórico das Escrituras auxilia considera­
velmente na compreensão de passagens mais difíceis. Quando
esses dois fatores essenciais (piedade e erudição) se juntam, o
resultado inevitável será uma compreensão mais perfeita, mais
abrangente e profunda da Palavra de Deus.
Terceiro, já que a Escritura é intrinsecamente clara, ela se
auto-interpreta (as Escrituras interpretam as próprias Escrituras).

13 Spear, “The Westminster Confession o f Faith and Itoly Scripture”, 95.


SOIA SCRIPTURA

O que implica que textos mais obscuros podem e devem ser


entendidos à luz de textos mais claros.
Erram, portanto, os partidários do método histórico-crítico,
que superenfatizam as técnicas, métodos ou modelos hermenêu­
ticos em detrimento da açào iluminadora soberana do Espírito
Santo, o Intérprete por excelência das Escrituras. Essa falha pode
ser ilustrada por um doente que toma os remédios disponíveis,
mas nâo ora a Deus suplicando pelo seu restabelecimento.
Erram também os místicos, que superenfatizam a ação ilumi­
nadora do Espírito, em detrimento da responsabilidade humana,
que implica na necessidade de estudo diligente das Escrituras,
empregando os meios ordinários disponíveis. Esta outra falta
pode ser ilustrada por um doente que ora a Deus pedindo seu
restabelecimento, sem, contudo, tomar os remédios necessários
disponíveis.
Erraremos nós, na medida em que negligenciarmos, quer o
estudo das Escrituras, quer a súplica pela ação iluminadora do
Espírito Santo. Orare et laborare são palavras empregadas por
Calvino para expressar os requisitos necessário ao bom enten­
dimento das Escrituras. Lutero emprega uma figura: um barco
com dois remos - o remo da oração e o remo do estudo. Com
um só dos remos da figura de Lutero, navegaremos em círculo,
perderemos o rumo e correremos o risco de não chegarmos a
lugar algum.
CAPÍTULO 8
PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS

O Velho Testamento em Hebraico (língua nativa do antigo povo de Deus) e


o Novo Testamento em Grego (a língua mais geralmente conhecida entre as
nações no tempo em que toi escrito), sendo inspirados imediatamente por
Deus, e pelo seu singular cuidado e providência conservados puros em todos
os séculos, são, por isso, autênticos, e assim em todas as controvérsias re li­
giosas a Igreja deve apelar para eles como para um supremo tribunal; mas,
não sendo essas línguas conhecidas por todo o povo de Deus, que tem direito
e interesse nas Escrituras, e que deve, no temor de Deus, lê-las e estudá-las,
esses liv ro s têm de ser traduzidos nas línguas vulgares de todas as nações
aonde chegarem, a fim de que a Palavra de Deus, permanecendo nelas abun­
dantemente, adorem a Deus de modo aceitável e possuam a esperança pela
paciência e conforto das Escrituras (parágrafo VIII).

Há dois ensinos principais nesse parágrafo da Confissão de


Fé. A doutrina da preservação do texto original das Escrituras
e a questão da necessidade da sua tradução em outros idiomas.
Trataremos primeiramente da doutrina da preservação.2
A doutrina da preservação das Escrituras é tão importante
quanto a doutrina da inspiração, pois dela também dependem a
autoridade e a inerrância da Palavra de Deus. De que adiantaria,
afinal, os textos bíblicos originais terem sido verbalmente inspi­
rados pelo Espírito Santo, assegurando assim o registro inerrante1

1 Este capítulo encontra-se também em Paulo R. B. Anglada, Estudos em


Manuscritologia do Novo Testamento (Belém: Editora Clássicos Evangélicos,
1994), 57-68.
- Ler Deuteronòmio 4:2: Jeremias 1:12; Salmo 119:160 e 1 Pedro 1:23-25.
1 14 SOIA SC RI PT URA

da revelação divina, se não fossem igualmente preservados,


para garantir que a revelação registrada continuasse acessível no
decurso dos séculos?
Entretanto, apesar da evidente importância desta doutrina,
nem mesmo os teólogos protestantes, em sua maioria, têm dado
a ela o tratamento e a atenção que merece. É possível que a razão
esteja na dificuldade que muitos demonstram em conciliá-la com
os presentes resultados do estudo da crítica textual. O problema
é o seguinte: como sustentar a doutrina da preservação das
Escrituras, se as teorias desenvolvidas pelos eruditos da crítica
textual não conseguem levá-los a uma conclusão quanto à iden­
tidade do texto grego original do Novo Testamento, embora haja
milhares de manuscritos disponíveis?

DEFINIÇÃO DA DOUTRINA
O que professa a doutrina da preservação das Escrituras?
Que o texto bíblico, revelado e inspirado por Deus para garantir o
seu fiel registro nas Escrituras, tem sido cuidadosamente por Ele
preservado no decorrer dos séculos, de modo a garantir que aquilo
que foi revelado e inspirado continue disponível a todas as gerações
subsequentes. Essa doutrina é sustentada pela Confissão de Fé de
Westminster, ao afirmar que “o Velho Testamento em hebraico... e
o Novo Testamento em grego..., sendo inspirados imediatamente
por Deus e, pelo seu singular cuidado e providência, consentidos
puros cm todos os séculos; são por isso autênticos".

EVIDÊNCIAS BÍBLICAS DA DOUTRINA


Existem evidências bíblicas bastante razoáveis para a
doutrina da preservação das Escrituras. Elas se encontram, por
exemplo, nos imperativos no sentido de se guardar ou preservar
a Palavra de Deus:
Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela.
para que guardeis os mandamentos do Senhor vosso Deus. que eu vos
mando (Dt 4:2; cf. v. 12:32).
CAPÍTULO 8: PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS 115

Toda palavra de Deus é pura... nada acrescentes às suas palavras, para


que não te repreenda e sejas achado mentiroso (Pv 30:5,6).

F.u. a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro, testi­
fico: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará
os flagelos escritos neste livro; e, se alguém tirar qualquer coisa das
palavras do livro desta profecia. Deus tirará a sua parte da árvore da
vida. da cidade santa, e das coisas que se acham escritas neste livro
(Ap 22:18-19).

Há também declarações nas quais o Senhor Deus afirma o


cuidado que ele tem para com a sua Palavra, tais como a que
encontramos em Jeremias 1:12; “Disse-me o Senhor:... eu velo
(cuido) sobre a minha palavra para a cumprir”.
Há, especialmente, afirmativas bíblicas diretas sobre a
imutabilidade e eternidade da Palavra de Deus, como as relacio­
nadas a seguir:
As obras de suas mãos são verdade e justiça; fiéis todos os seus precei­
tos. Estáveis são eles para todo o sempre... (SI 111:7,8).

Para sempre, ó Senhor, está firmada a tua palavra no céu (SI 119:89).

As tuas palavras são em tudo verdade desde o princípio, e cada um dos


teus justos juízos dura para sempre (SI 119:160; cf. v. 152).

Seca-se a erva, e cai a sua flor. mas a palavra de nosso Deus pennanece
etemamente (Is 40:8).

Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão (Mt


24:35).

É mais fácil passar o céu e a terra do que cair um til sequer da Lei
(Lc 16:17).

Fostes regenerados, não de semente corruptível, mas de incorruptível,


mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente. Pois toda a
carne é como a erva; e toda a sua glória como a flor da erva; seca-se a
erva, e cai a sua flor; a palavra do Senhor, porém, pennanece etema­
mente (1 Pe 1:23-25).
116 SOIA SCRIPTURA

Admite-se que nem todas essas passagens se referem à


Palavra escrita de Deus: as Escrituras. Admite-se, também que
algumas delas se referem mais especificamente ao cuidado divino
com relação ao cumprimento das suas palavras. Não obstante, o
que é válido para a Palavra falada de Deus, é necessariamente
válido para a sua Palavra escrita. Além disso, se Deus manifesta
tanto cuidado com o cumprimento da sua Palavra (escrita ou
oral), não manifestaria cuidado semelhante no sentido de preser­
var fisicamente o registro escrito inspirado da sua promessa?

RELAÇÃO COM A CRÍTICA TEXTUAL DO NT


Embora o ensino bíblico sobre a doutrina da preservação seja
inquestionável, infelizmente o mesmo não pode ser dito quanto
à averiguação prática da doutrina no que diz respeito ao texto
do Novo Testamento. Considerando-se as edições presentemente
em uso do texto grego do Novo Testamento, bem como a dúvida
generalizada demonstrada não apenas por teólogos e comentaris­
tas, como também por eruditos da crítica textual quanto às diver­
sas variantes (leituras diferentes) encontradas nos manuscritos,
somos obrigados a concluir que a doutrina da preservação das
Escrituras está longe de ser verificada na prática.
Os problemas relacionados à transmissão e consequente
preservação do texto do Antigo e do Novo Testamento-decorrem
do fato de os originais escritos pelos próprios autores - os autó­
grafos - não mais existirem. É provável que antes do final do
segundo século esses autógrafos já houvessem sido destruídos
pelo tempo e pelo uso.
Entretanto, há cerca de 5.000 manuscritos gregos (81 papi­
ros, 266 unciais, 2.754 cursivos e 2.135 lecionários);3 cerca
de 11.000 manuscritos de versões (1.000 das ítalas, 8.000 da
vulgata, 400 das siríacas, 1.250 da armênia, 100 das cópticas,
6 da gótica, 3 da geórgica, etc.); e citações de dezenas de pais

3 Bruce M. Metzger, The Text ojthe New Testament: Its Transmission, Comtplion,
andRestoration (New York e Oxford: Oxford University Press. 1968), 32-33.
CAPÍTULO 8: PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS 117

da igreja (gregos, latinos c sírios) do Novo Testamento. Esses


manuscritos apresentam desde parte de apenas dois versículos até
o Novo Testamento inteiro, provenientes do segundo ao décimo
sexto século da nossa era. Acontece que esses manuscritos, por
serem tão numerosos, diferem entre si em maior ou menor grau.
O problema em estabelecer o texto original do Novo
Testamento, a partir de tantas fontes (testemunhas), reside,
portanto, não na falta de manuscritos, como acontece com os
clássicos, mas no método ou teoria utilizada no estudo desses
manuscritos.
Os especialistas na ciência que estuda estes manuscritos, a
crítica textual,4 formam duas correntes de pensamento confli­
tantes. A corrente mais antiga, responsável pelo texto grego
geralmente em uso até o final do século passado, aceita o texto
encontrado na grande maioria dos manuscritos mais recentes, do
século quinto ao século dezesseis, os quais, apesar de serem a
grande maioria (cerca de 90%), não apresentam grande varia­
ção no texto. A corrente mais recente segue o texto preparado
por dois eruditos ingleses, Brooke Foss Westcott e Fenton John
Anthony Hort, publicado em 1881,5 baseado na minoria dos
manuscritos provenientes do século quarto - especialmente dois
manuscritos, conhecidos como Códice Sinaítico (N) e Códice
Vaticano ( B) - os quais diferem consideravelmente não apenas da
grande maioria dos manuscritos, como também uns dos outros. A
seguinte citação de Pickering nos fornece uma idéia da duvidosa
qualidade desses unciais:
Hosker, depois de preencher quatrocentas e cinquenta páginas com uma
discussão detalhada e cuidadosa sobre os erros do códice B e outras 400
sobre as idiossincrasias do códice N\ afirma que somente nos evange-

4 Um nome mais apropriado seria "manuscritologia" (a ciência que estuda os


manuscritos), por não ter conotação crítica (desnecessária e imprópria para ser empre­
gada com relação à Palavra de Deus).
5 B. F. Westcott e F. J. A. Flort. The New Testament in íhe Original Greek.
Introduetion and Appendix (New York: Harper & Brothers, 1882).
I 18 SOLA SCRIPTURA

Ihos esses dois manuscritos diferem bem mais de 3.000 vezes, e que este
número não inclui erros menores tais como ortografia, nem variantes
entre certos sinônimos.6

O texto grego representado na maioria dos manuscritos,


conhecido como texto majoritário, bizantino, tradicional ou
eclesiástico, foi o texto empregado em todas as traduções da
Bíblia até o início do século XX. Ele foi - e ainda continua a
ser - defendido por uma minoria de eruditos no assunto, tais
como J. W. Burgon, F. H. A. Scrivener, T. R. Birks e E. Miller.
Estes rejeitaram a teoria de Westcott e Elort, por ocasião do
seu surgimento; e, na atualidade, Edward Mills, van Bruguen
Zane Hodges, Wilbur Pickering e outros, os quais continuam
a rejeitá-la, preferindo o texto majoritário. Apesar disso, a
teoria de Westcott e Hort tem prevalecido nas últimas décadas,
sendo divulgada pelas Sociedades Bíblicas Unidas (United
Bible Societies - UBS), no mundo inteiro, através de um texto
preparado por cinco pessoas (Kurt Aland, Matthew Black, Cario
Martini, Bruce Metzger e Allen Wikgren)7 e por ela publicado,
baseado no texto de Nestle, o qual por sua vez é baseado no de
Westcott-Hort.
Para que se tenha uma idéia da insegurança do texto a
que esta teoria conduz, os mesmos eruditos que trabalharam na
segunda edição do texto da UBS, introduziram cerca de quinhen­
tas mudanças na terceira edição, num período de apenas três
anos. Como conciliara doutrina da inspiração verbal e da preser­
vação do texto do Novo Testamento com o texto produzido pela
moderna crítica textual? Não é sem razão que um bom número
dos críticos textuais atuais tenha desistido definitivamente de
alcançar o texto original do Novo Testamento.8

6 Pickering, The Identity qf the New Testament Text, 51.


7 K. Aland. M. Black, C. Martini, B. M. Metzger, e A. Wikgren, eds. The
Greek New Testament. 3 ed. (New York: United Bible Societies, 1975).
8 Ibid. 18-19.
CAPÍTULO 8: PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS 119

EVIDÊNCIAS DA PRESERVAÇÃO DO NT
NA HISTÓRIA E QUALIDADE DO TEXTO

Na História dos Manuscritos


O texto majoritário ou eclesiástico, como o próprio nome
indica, foi o texto manuscrito recebido, reconhecido, usado e
preservado pela igreja até o surgimento da imprensa, no século
XVI. Este é um fato histórico incontestável. É somente quanto aos
três primeiros séculos da história do texto do Novo Testamento
que se pode alegar nào haver evidência inquestionável para a afir­
mativa acima, visto que os manuscritos descobertos nesse período
apresentam textos essencialmente diferentes do texto majoritário.
Como explicar isso? Não era de se esperar que os manuscri­
tos que representam a fiel tradição fossem os únicos existentes.
Paralelamente a essa transmissão fiel, houve também, especial­
mente nos primeiros séculos, uma transmissão descuidada, repre­
sentada por manuscritos com muitos erros não intencionais, ou
até mesmo intencionais, de copistas e hereges, como Marcião, os
quais produziram cópias corrompidas do texto original. Afinal,
não é apenas Deus quem está interessado no texto das Escrituras;
o diabo também está. Enquanto Deus vela sobre a sua Palavra
para cumpri-la, o diabo taz, e continuará a fazer de tudo para
destruí-la ou corrompê-la, como a história tem demonstrado. As
palavras de Orígenes de Alexandria, no terceiro século, confir­
mam essa interpretação da história:
Nestes dias, como é evidente, há uma grande diversidade entre os vários
manuscritos, quer pela negligência de certos copistas, quer pela perversa
audácia demonstrada por alguns em corrigir o texto, quer pela falta de
outros, os quais, considerando-se corretores, aumentam ou reduzem o
texto, conforme bem desejam.4

Os manuscritos que têm sido descobertos no Egito nos últi­


mos dois séculos, provenientes dos primeiros séculos, fornecem

4 Pickering, The Identity ofthe New Testament Text, 42.


120
SOLA SCRIPTURA

nirfòr ^ r ClaS e serem exen,P'ares desses textos corrom-


P cios Os eruditos que estudaram detalhadamente os papiros
Chester Beatty (p«, p» e p - , e o papiro Bodmer II <p' >)do
séculos II e III. por exemplo, chegaram à conclusão que embora
estejam entre os manuscritos mais antigos já encontrados, eles
de Ct0S d° C1T0S- ° P“ por “ emplo, apresenta uma média
de dois erros por versículo, sendo que quase metade dos erros
deixa o texto sem sentido. Já os códices Sinaítico (X) e Vaticano
(B), altamente valorizados por Westcott e I lort e seus seguidores
somente nos evangelhos apresentam, como já foi d is c e rn a de'
lres mii discrepancias.10
Porem, por que razões praticamente só têm sido descobertos
ntanusentos cotrompidos desse período inicial da história do texto
o Novo Testamento? Uma das prováveis razões diz respeito á
I t cedenua deles, sao todos provenientes do Egito. Em limares
mais remotos do centro nos quais o Evangelho florescia, e onde a
idelidacle das copias podería ser verificada com mais facilidade
(A sm Menor, Grécia, Roma e Palestina), tais como no Egito
esses textos corrompidos multiplicavam-se, nos primeiros sécu-
, S ' a,e lemb™ que Ongenes era do Egito. Entretanto, com o
decorrer dos séculos, e a inevitável multiplicação da transmis­
são cuidadosa do texto do Novo Testamento, as cópias erráticas
oram desaparecendo, pois seria impossível defendê-las diante da
predominância numérica do texto mais acurado. Visto que, na Ás,a
Mcnoi. na Grécia e em Roma, as condições climáticas não pode­
ríam conservar os papiros, os quais, com o uso. rapidamente se
-tragavam, praticamente só foram preservados papiros e códices
do Egito, a maioria dos quais são representantes corrompidos em
maior ou menor grau. do texto original. Além do mais. convém
f m mente na° apenas os cristãos fiéis foram perseguidos
nestes primeiros séculos da história cristã: suas Bíblias também o
toiam e, com isso, boa parte das cópias fielmente transcritas dos
escritos apostólicos foi destruída. Por fim. há ainda outra expli­

Pickenng, The Identity ofihe New Testciment Text, 123-26


CAPITULO 8: PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS 121

cação para a existência de poucos manuscritos representantes do


texto majoritário provenientes dos primeiros séculos: é que no
século IX, com o desuso dos caracteres unciais, esses manuscritos
foram transliterados para os caracteres cursivos, com a provável
destruição dos unciais transcritos."
De qualquer maneira, o fato é que, a partir do século V.
quando cresce o número de manuscritos preservados, um fato
desponta na manuscritologia do Novo Testamento: a existência
de uma surpreendente maioria de manuscritos que apresentam
um texto surpreendentemente uniforme, o qual foi recebido pela
igreja como cópia fidedigna do texto original, e por ela foi usado,
transmitido e preservado cuidadosamente até o surgimento do
primeiro texto grego impresso do Novo Testamento.

Na História do Texto Impresso


Os primeiros textos gregos impressos do Novo Testamento
foram concluídos quase que simultaneamente pelo Cardeal
Ximenes (em 1514) e por Erasmo de Roterdã (em 1516). Ambos
eram "a comum continuação da tradição escrita”. 12 Eles preser­
vavam em essência, agora não mais manuscrito, mas impresso, o
texto majoritário ou eclesiástico, o qual continuaria a ser ampla­
mente adotado pela igreja, inclusive pelos reformadores, como
cópia autêntica do texto original.
Assim começou o primeiro dos três períodos em que se pode
dividir a história do texto impresso do Novo Testamento. Este
primeiro período, conhecido como não crítico, caracterizou-se
pelo estabelecimento e padronização do texto encontrado na
grande maioria dos manuscritos - o texto majoritário - culmi­
nando com as edições publicadas pelos irmãos Elzevir em 1678. O
texto publicado pelos irmãos Elzevir ficou conhecido pela expres-

}. van Bruggen. The Ancient Tc.xt o f the New Testament (Winnipeg: Premicr
Printing. 1976), 26.

G. R. Gregory, Canon and Text o f the New Testament (Edinburgh: T & T


Clark, 1907). 440.
122 SOIA SCRIPTURA

são Textus Receptus (Texto Recebido). Esse estágio da história do


texto impresso é marcado pela aceitação incondicional dessa forma
de texto e pelo seu uso generalizado por parte da igreja, havendo
pouquíssima diferença entre as diversas edições publicadas.
O segundo período (pré-critico), que pode ter seu início
demarcado com a edição de John Fell, de 1675, estende-se até
1831. quando Lachmann publica um texto que se afasta consi­
deravelmente do Textus Receptus. Este período se caracterizou
pelo acúmulo de evidências textuais por parte dos críticos, bem
como pela elaboração de teorias que viríam a ser aceitas e desen­
volvidas no período seguinte, e que culminariam com a rejeição
do texto recebido. Entretanto, o texto francamente aceito pela
igreja, mesmo nessa etapa de transição, continuou a ser o Textus
Receptus, pois as evidências textuais acumuladas contrárias a
ele não chegaram a ser aplicadas ao texto, e quando o foram,
mesmo que em parte, esses textos foram rejeitados firmemente
pelo consenso da igreja.1'
E somente no terceiro período (crítico) da história do texto
do Novo Testamento, que começa com Lachmann (1831) e se
estende até os nossos dias, que começaram realmente a surgir os
textos ecléticos, baseados na minoria dos manuscritos que discor­
dam bastante entre si e também da grande massa dos manuscri­
tos que apresentam o texto majoritário. Entretanto, mesmo nesse
período, foi somente a partir do texto publicado por Westcott e
Hort, que o texto recebido passou a ser abandonado de modo mais
generalizado. Ainda assim, o texto majoritário não foi totalmente
abandonado, visto que houveram, na época, eruditos de reputação,
já mencionados, os quais rejeitaram a teoria de Westcott e Hort
e continuaram a defender o texto majoritário como sendo a fiel
transcrição do texto original do Novo Testamento. Tendo aparen­
temente perdido a batalha, nos últimos cem anos, o texto majori­
tário passou a ser considerado um texto secundário, mais distante13

13 F. G. Kenyon. Hanübook to the Textual Criticism o f the New Testument


(Grand Rapids: William B. Eerdmans, 1951), 273.
CAPÍTULO 8: PRESKRVAÇÃO DAS ESCRITURAS 123

do texto original do que os textos encontrados nos manuscritos


provenientes dos primeiros séculos, mencionados na seção ante­
rior. Mesmo sem uma investigação mais acurada da questão - em
virtude da sua tecnicidade - a grande maioria dos teólogos, comen­
taristas e estudiosos da Bíblia, inclusive ortodoxos, nos últimos
cem anos, passou a aceitar a teoria de Westeott e Hort como tato, e
a usar os textos disponíveis - no presente, os textos de Nestle e da
UBS - com base na autoridade dos eruditos da área.1415
Apesar disso, ao que tudo indica, os últimos anos parecem
estar conduzindo a uma redescoberta do texto majoritário.1''
Livros, artigos e até mesmo novas edições do texto majoritário
foram recentemente publicados por estudiosos de inquestioná­
vel erudição - tais como Jacob van Bruggen, Wilbur Pickering
e Zane Hodges - rejeitando novamente a teoria de Westeott e
Hort e seus seguidores, e defendendo o texto majoritário com
argumentos bastante plausíveis. Como resultado, não têm sido
poucos os que têm reconhecido no texto majoritário o único texto
que pode reivindicar haver sido preservado por Deus, através da
igreja, no decorrer dos séculos.

No Consenso e Qualidade dos


Manuscritos e Textos Impressos
Outra evidência da preservação do texto original do Novo
Testamento pode ser verificada no consenso e na qualidade dos
manuscritos que apresentam o texto majoritário.

14 Para uma avaliação critica da teoria de Westeott e I Iort. ver Paulo R. B.


Anglada. “A Teoria de Westcot e I Iort e o Texto Grego do Novo Testamento: Um Ensaio
em Manuscritologia Bíblica", Fides Reformulei 1.2 (julho-dezembro. 1996), 15-30.
15 A rigor, os termos Textus Receptus e Texto Majoritário não designam a mesma
forma textual. Enquanto o primeiro refere-se à forma empírica da tradição majoritária
na época (nem sempre representando realmente a maioria); o segundo designa, de fato.
a maioria dos manuscritos preserv ados do Novo Testamento (com base na comparação
efetiva da grande massa de manuscritos atualmente disponíveis). Mais informações
sobre o Texto Majoritário do NT, encontra-se em Paulo R. B. Anglada, “Introdução
ao Texto Majoritário: Pressuposições Teológicas, Teorias Históricas e Metodologias",
Revista Sistemática Fc/uatoriul 1:1 (fevereiro, 2009): 51-72.
124 SOLA SCRIPTURA

Por consenso, refiro-me não apenas ao número de manus­


critos, mas também à catolicidade (diferentes áreas geográficas);
variedade de manuscritos (papiros, unciais, citações patrísticas,
leeionários, versões, cursivos); e continuidade (consenso histó­
rico, ou seja. manuscritos de diversos séculos). O texto majori­
tário ou “bizantino" é encontrado em milhares de manuscritos
dos tipos mais variados, provenientes dos locais mais diversos,
e praticamente de todos os séculos da história da Igreja. O fato é
que a não aceitação do texto majoritário como a fiel transmissão
do texto original implica na rejeição da doutrina da preservação
do Novo Testamento. Pois, que outro texto do Novo Testamento
teria o testemunho da história de haver sido preservado?
Quanto à qualidade, refiro-me à harmonia, gramática, estilo,
e inclusive à qualidade de letras e impressões. É reconhecido
que o texto majoritário é um texto “lúcido" e “completo”.16 É
de se esperar que assim o fosse, visto que o texto originalmente
inspirado do Novo Testamento certamente não foi um texto sem
sentido ou incompleto.

NATUREZA E EXTENSÃO DA PRESERVAÇÃO

A Natureza da Preserv ação do NT


Deve-se entender a preservação das Escrituras como uma
atividade divino-humana. Como nas demais obras da provi­
dência, Deus age, às vezes diretamente, outras vezes indireta­
mente, segundo seus propósitos eternos, a fim de garantir que a
sua vontade soberana seja cumprida. Não é diferente no que diz
respeito à preservação das Escrituras. Deus permitiu a introdu­
ção de erros no processo de copiá-las, o que resultou em cópias
corrompidas.17 Ele. entretanto, cuidou, no decorrer dos séculos.

16 Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Crcek Xew Testament


(London e New York: United Bible Societies. 1975). xx.
17 Algo semelhante se verifica com relação ao cânon. A Igreja de Roma produ­
ziu um cânon corrompido, com acréscimos no AT. Contudo, o cânon verdadeiro foi
preservado e identificado pela verdadeira igreja de Cristo.
CAPÍTULO 8: PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS 125

para que a sua Palavra inspirada, fosse preservada por meio de


uma transmissão cuidadosa, através de homens que a copiaram
com reverência e fidelidade e depois a imprimiram com igual
cuidado, a fim de que o texto original continuasse sempre dispo­
nível, em todas as épocas.
É claro que Deus não usou os copistas mecanicamente. As
Escrituras não foram psicocopiadas, ou melhor, pneumacopia-
das. Contudo, não se pode pensar que Deus, depois de revelar
sua vontade e inspirá-la a fim de que seu registro tosse garantido,
a deixaria entregue à própria sorte, sujeita à total corrupção, de
modo que os erros viessem a predominar e o que toi original­
mente escrito viesse a se perder, não mais havendo possibilidade
de determinar o conteúdo do texto original, a partir dos manus­
critos que foram preserv ados.

A Extensão da Preservação do NT
A maneira como alguns tratam a questão da preservação
das Escrituras parece transparecer que se dão por satisfeitos com
uma preservação limitada ao primeiro século. Isto é. se preo­
cupam apenas com o registro da revelação - a inspiração - não
se preocupando muito com a preservação do que foi escrito no
decorrer dos séculos.
Outros parecem crer em uma preservação variada, isto é.
que as diferentes variações que o texto teria sofrido, nas diversas
épocas de sua história, seriam igualmente inspiradas. Isto equi­
vale a crer na inspiração das variantes. Não faz muita diferença
qual das leituras usar, qual das leituras estava no texto original­
mente inspirado, desde que essa leitura seja encontrada em algum
manuscrito antigo!
Outros, ainda, parecem dar-se por satisfeitos com o que
poderiamos chamar de preservação dinâmica, isto é, apenas o
sentido geral do que foi inspirado, não se importando com as
palavras em si. Desde que o sentido tenha preservado, não há
problema quanto às palavras. Os estudiosos ortodoxos dificil­
126
SOLA SCRIPTURA

mente afirmariam sustentar alguma dessas posições. Contudo,


muitos dentre eles, na prática, parecem assumir uma ou outra
dessas idéias.
Contudo, tanto com base nos textos bíblicos, como nas
evidências já fornecidas — e por consequência inevitável da
doutrina da inspiração —este autor não crê que a preservação das
Escrituras tenha se limitado apenas à época da sua inspiração,
ou que todas as leituras sejam inspiradas, ou ainda que apenas o
sentido do que foi inspirado foi preservado. Crê, sim, na preser­
vação verbal eplenária das Escrituras. Tudo o que foi inspirado,
palavra por palavra, tem sido preservado por Deus, através da
igreja, nas Escrituras, no decurso dos séculos.
E possível, entretanto, que por algum tempo, devido ao
próprio erro ou negligência da igreja, as Escrituras ou o seu
texto original não se encontre disponível - como aconteceu
na época anterior ao rei Josias, quando o livro da lei ficou, por
anos, perdido dentro do próprio templo. Contudo, não se pode
inferir disso que as Escrituras ou o seu texto não tenham sido
preservados por Deus. As Escrituras estavam lá, perfeitamente
preservadas, embora abandonadas; assim como o texto original
do Novo Testamento continua preservado no texto majoritário,
embora, nos últimos anos, tenha sido desprezado por boa parte
da erudição moderna.
CAPÍTULO 9
TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS

O V e lh o T e s ta m e n to e m H e b ra ic o ( lín g u a n a tiv a d o a n tig o p o v o de


D e u s) e o N o v o Te sta m e n to em G re g o (a lín g u a m a is g e ra lm e n te
c o n h e c id a e n tre as nações no te m p o em q u e f o i e s c rit o ) , se n d o
in s p ir a d o s im e d ia ta m e n te p o r D e u s , e p e lo s e u s in g u la r c u id a d o e
p ro v id ê n c ia c o n s e rv a d o s p u ro s e m to d o s o s s é c u lo s , sã o , p o r is s o ,
a u tê n tic o s , e a s s im e m to d a s as c o n t ro v é rs ia s r e lig io s a s a Ig re ja d e v e
a p e la r p a ra e le s c o m o p a ra u m s u p re m o t r ib u n a l; m a s, n ã o se n d o
e s sa s lín g u a s c o n h e c id a s p o r to d o o p o v o de D e u s , q u e te m d ir e it o
e in t e re s s e n a s E s c r it u r a s , e q u e d e ve , n o t e m o r de D e u s , lê - la s e
e s tu d á -la s , e s s e s liv r o s tê m de s e r t r a d u z id o s n a s lín g u a s v u lg a re s de
to d a s a s n a ç õ e s a o n d e c h e g a re m , a f im de q u e a P a la v ra de D e u s ,
p e rm a n e c e n d o n e la s a b u n d a n te m e n te , a d o re m a D e u s de m o d o a c e i­
tá v e l e p o s s u a m a e sp e ra n ç a p e la p a c iê n c ia e c o n fo rto d a s E s c r it u r a s

(parágrafo VIII).

Podemos começar a considerar a questão da necessidade


de tradução das Escrituras para outros idiomas ressaltando um
aspecto da doutrina da inspiração12 ensinado no início desse pará­
grafo: a fé reformada não professa a inspiração das traduções,
mas dos textos originais em hebraico e aramaico do Antigo
Testamento e em grego do Novo Testamento. Tudo o que toi dito
sobre a doutrina da inspiração das Escrituras refere-se, portanto,
aos textos originais e não às diferentes traduções.

1 Ler Mateus 28:18-20; João 5:39; Colossenses 3:16 e Romanos 15:4.


2 Ver capítulo 4.
128 SOLA SCRIPTURA

Devemos admitir que as traduções são deficientes, que apre­


sentam problemas. As vezes, não há palavras em uma língua
capazes de traduzir adequadamente uma palavra escrita em outra.
Outras vezes é possível traduzir uma mesma expressão de diferentes
maneiras. O certo é que é impossível talar de uma tradução perfeita.
As traduções variam quanto ao grau de fidelidade ao texto original.
Isso não significa, entretanto, que as Escrituras não possam
ou não devam ser traduzidas para outros idiomas. Esse era o pensa­
mento da Igreja de Roma. Para ela. os leigos jamais poderíam
compreender as Escrituras, e seria perigoso tomá-las disponíveis
nas línguas nativas dos povos.' O parágrafo VIII da Confissão de
Fé de Westminster expressa fielmente a posição e prática dos refor­
madores quanto à necessidade de se traduzir as Escrituras para as
diversas línguas.

RAZÕES PARAA
TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS
Por que isso deveria ser feito? Por que é não somente legí­
timo como necessário traduzir as Escrituras? Eis algumas razões:
Mandamento Divino
Deus ordena ensinar as Escrituras a todos os povos. E o
que se lê na grande comissão: “Ide, portanto, fazei discípulos
de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho,
e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que
vos tenho ordenado" (Mt 28:19-20). E em Atos 1:8: ”e sereis
minhas testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia
e Samaria, e até aos confins da terra”.
Babel
Por causa da evidente diversidade de línguas e dialetos
existentes, em decorrência da soberba humana (Gn 11: 1-9).3

3 Uma exceção interessante a essa regra é a tradução de Douay-Rheims da


Vulgata para o inglês, como tentativa do papado de reconquistar a Inglaterra (cf. Spear.
"The Westminster Contêssion o f Faith and 1loly Scripture", %).
CAPITULO 9: TRADUÇAO DAS ESCRITURAS 129

Milhares de línguas e dialetos são falados em todo o inundo.


Como ensinar ao mundo a vontade de Deus, transmitindo-lhes a
sua palavra, sem traduzi-la? Diante dessa diversidade linguística,
o mandamento divino de ensinar a sua vontade a todos os povos
implica na necessidade da tradução das Escrituras.
Natureza Histórica das Escrituras
Conforme escreveu Berkouwer:
As Escrituras não vieram a nós em uma linguagem supra-histórica ou
supra-humana. capaz de como que abraçar e penetrar todas as épocas e
todas as divergências da linguagem. Pelo contrário, as Escrituras v ieram
a nós em línguas humanas concretas e localizadas, limitadas com rela­
ção à sua inteligibilidade.4

Em outras palavras, aprouve a Deus fazer registrar as verda­


des divinas em forma humana, por meio das Escrituras, em idio­
mas específicos, e não por meio de uma linguagem espiritual,
sobrenatural, capaz de ser entendida por todos. Para tal, elas
precisam ser traduzidas.
Limitação Humana
Na condição de criatura finita e limitada, o homem, ordi­
nariamente, não tem a capacidade natural de entender outras
línguas. Ele pode aprendê-las, é claro, mas somente com consi­
derável esforço, e dificilmente adquire o mesmo domínio que
possui da sua própria língua. Obviamente, seria infinitamente
mais difícil ensinar cada pessoa a dominar o hebraico e o grego,
para ler as Escrituras nas línguas originais, do que traduzir as
Escrituras para os diversos idiomas.
Essa capacidade também poderia ser sobrenaturalmente
conferida ao homem, como ocorreu por ocasião do derramamento
do Espírito (em Atos 2:5ss). Naquele momento, Deus interveio
de modo que diversas pessoas, procedentes de diferentes países,

4 G. C. Berkouwer. Studies in Dogmatics: Hoíy Scripture (Grand Rapids:


Eerdman, 1975). 213.
130 SOLA SCRIPTURA

fossem capazes de entender em suas próprias línguas a procla­


mação *‘das grandezas de Deus” pelos discípulos. Contudo, não
aprouve a Deus agir ordinariamente dessa maneira.

Inferência da Doutrina da C lareza das Escrituras


Se professamos crer na clareza intrínseca substancial das
Escrituras; se professamos crer que a intermediação da igreja
não é indispensável para uma compreensão suficiente das
Escrituras, mesmo por parte de pessoas iletradas, desde que o
Espírito Santo ilumine o coração delas para tal; se professamos
crer que, embora as Escrituras apresentem dificuldades decor­
rentes da sua natureza histórica, o problema maior para a sua
compreensão está no homem e não na língua; então, só podemos
concluir que há uma real necessidade de tradução das Escrituras
em linguagem acessível, na convicção de que o Espírito Santo
poderá iluminar seus leitores, habilitando-os a compreender a
substância do seu ensino.

Conclusão
O mandamento divino de ensinar a sua vontade a todos
os povos, a diversidade linguística, a natureza histórica das
Escrituras, a limitação do homem, e a doutrina da clareza das
Escrituras tornam evidente a necessidade da tradução da Bíblia
para os idiomas modernos.

EVIDÊNCIAS HISTÓRICAS
A fé reformada não apenas afirma essa necessidade, mas a
história a demonstra. Trata-se de uma prática antiga. Tão logo as
pessoas a quem se destinavam as Escrituras passaram a não mais
compreendê-la na língua original, esta passou a ser traduzida.

As Primeiras Traduções do Antigo Testamento


As primeiras traduções do Antigo Testamento foram
os targuns, paráfrases explicativas das Escrituras feitas em
aramaico, dialeto mais facilmente entendido pelo povo judeu,
CAPITULO 9: TRADUÇAO DAS ESCRITURAS 131

depois do exílio. Ainda existem exemplares de targuns de


diversos trechos do AT. O mais antigo deles preservado é do
Pentateuco, e data do século primeiro da nossa era.5 É bem
provável que os Targuns tenham se originado de práticas como
a que é descrita em Neemias 8:8, após o retorno dos exilados do
cativeiro. Aí. lemos que os sacerdotes e levitas “leram no livro,
na Lei de Deus, claramente, dando explicações, de maneira que
entendessem o que se lia".
A tradução antiga mais conhecida do Antigo Testamento
é a Septuaginta (LXX). Traduzida provavelmente na primeira
metade do séc. 111 AC. no Egito, essa versão grega foi largamente
empregada por judeus helenizados (de fala grega) espalhados
pelo mundo e depois pelos primeiros cristãos (tanto judeus hele­
nizados como gregos). Muitas citações do Antigo Testamento
encontradas no Novo provêm da Septuaginta e não do texto
hebraico do AT.

Traduções Antigas das Escrituras


O Novo Testamento, escrito originalmente em grego, podia
ser compreendido em vários países, por ser essa a língua franca,
comumente empregada na época. Nos primeiros séculos do
Cristianismo, o uso da língua grega (o dialeto koinê) continuava
a ser preponderante no império romano. Entretanto, à medida que
o Evangelho foi alcançando povos de outras línguas, ou nações
em que o grego caiu em desuso, novas traduções das Escrituras
foram surgindo.
Assim, foram feitas inúmeras traduções antigas: latinas, a
língua que crescia em importância no ocidente, sendo que a prin­
cipal foi a Vulgata, feita por Jerônimo no final do séc. IV AD; sirí-
acas, língua semítica, tais como as versões Peshita, Filoxêniana/
Harcleana, e Palestinense, entre os séc. 11 e VI; cópticas, língua1

1 rata-se do Targum Palestinense do Pentateuco. encontrado no Códice


Neofiti I do Vaticano. Bruce M. Metzger. "Ancient Versions". em The Interpretei s
Dictionary ojlhe Bihle, vol. 4 (Nashville: Abington Press, 1962), 750.
132 SOLA SCRIPTURA

falada no Egito, nos séc. 111 e IV; góticas, pelo próprio inventor
do alfabeto gótico. Bispo Ulfilas, o apóstolo dos góticos; armê­
nias, também pelo inventor do alfabeto, Mesrop, e pelo Patriarca
Sahak. no séc. V; geórgica, língua falada na região entre o Mar
Negro e o Mar Cáspio; etíope (séc. V.); arábicas (muitas versões,
provavelmente a partir do séc. VI ou VII). etc.6789

Traduções da Reforma
Uma das principais consequências da Reforma Protestante
do Século XVI foi o surgimento de traduções das Escrituras. A
Igreja Católica havia se dado por satisfeita com a versão latina de
Jerônimo e não estimulava a sua tradução para outros idiomas,
por considerar as Escrituras um livro obscuro e não apropriado
para ser lido por leigos. Os reformadores, entretanto, não poupa­
ram esforços no sentido de verter as Escrituras para os idiomas
dos seus respectivos países. Alguns, como Tyndale, foram até
martirizados em consequência dessa determinação.
Lutero traduziu as Escrituras para o alemão. Tyndale
(1525)' e outros para o inglês, culminando com a revisão que
resultou na Versão King James, a Versão Autorizada de 1611,
traduzida por mais de cinquenta teólogos.s A Bíblia Holandesa
foi traduzida por decisão do Sínodo de Dort em 1618, havendo
quem afirme ser esta Lio fruto mais maduro da obra de tradução
da Reforma na Europa”.1'

b Mais informações sobre versões antigas das Escrituras podem ser encontradas
em Metzer. “Ancient Versions”, 749-760; The Early Versions ofThe Xew Testument:
Their Origin, Transmission andLimitation, do mesmo autor; e “Medieval and Modem
(Non-English) Versions", em The Jnterpreters Dictionary ofthe fíible, vol 4. 771-72,
também de Metzger.
7 A versão de Tyndale foi a primeira tradução inglesa feita diretamente dos
textos originais. Outras versões inglesas antigas são: The Cloverdale Bible (1535).
Matthews Bible (1537), The Great Bible (1539;. The Geneva Bible (1560) e The
Bishops Bible (1568).
8 A primeira versão inglesa completa foi a de John Wycliff, produzida em 1382.
9 J. van Bruggen. The Future qf The Bible (Nashville: Thomas Nelson, 1978). 51.
CAPITULO 9: TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS 133

Traduções Portuguesas
Muitas outras traduções se seguiram. A primeira versão
das Escrituras para a nossa língua foi feita pelo português João
Ferreira de Almeida, nascido em Torre de Tavares, em Portugal,
em 1628. Ele se converteu ao Evangelho na Batávia, capital da ilha
de Java, como fruto da Missão Portuguesa da Igreja Reformada
da Holanda. Almeida fez sua pública profissão de fé em 1642 e,
posteriormente, tornou-se pastor reformado, sendo ordenado em
16 de outubro de 1654. Ele serviu como missionário em vários
países onde se falava a língua portuguesa, inclusive no Ceilão
(atual Sri Lanka), no sul da índia.
A tradução de Almeida do Novo Testamento foi concluída em
1670, sendo a décima terceira tradução do NT em língua moderna
depois da Reforma. O texto grego empregado foi a segunda edição
do Textus Receptus, preparada pelos irmãos Elzevir, publicada
em 1633. A primeira edição do Novo Testamento em português
foi publicada em 1681, em Amsterdã, por ordem da Companhia
da Índia Orientai com o conhecimento da Classe de Amsterdã.
Uma segunda edição do NT revisada por Almeida foi publi­
cada em 1693, na Batávia, pelo editor João de Vries. Ferreira
de Almeida não concluiu a tradução do AT. Quando morreu, em
1691, estava traduzindo o livro de Ezequiel. A Bíblia toda em
Português só foi publicada em 1753. Sucessivas revisões foram
efetuadas na versão de Almeida ao longo dos anos. Algumas das
mais importantes foram as de 1712 (3a), 1773 (4a), 1875 (para ser
impressa pela primeira vez no Brasil, em 1879), 1894, 1942 (pela
Casa Publicadora Batista, adaptando o NT aos textos gregos de
Nestle e Westcott-Hort).10
Outra tradução portuguesa conhecida é a versão do clérigo
católico-romano Antônio Pereira de Figueiredo. O Novo Testa­

10 Entre outras traduções de Almeida estão a Liturgia da Igreja Reformada e o


Catecismo de Heidelhetg. Mais detalhes sobrea versão deAlmeida. em B. P. Bittencourt,
() Sovo Testamento: t ànon-Lingua-Texto (São Paulo: ASTE, 1965). 207-17.
134 SOLA SCRIPTURA

mento, traduzido do latim, foi publicado em 1779. O Antigo


Testamento foi publicado em 1803, e a Bíblia completa em 1819.
Em 1864, foi publicada pela primeira vez no Brasil. O português
da tradução de Figueiredo é tido como superior ao da tradução de
Almeida. Mas a tradução de Almeida é considerada melhor do que
a tradução de Figueiredo.

Traduções Modernas
De 1881 em diante, muitas revisões e novas traduções têm
surgido, nos principais idiomas. O que ocorre com a Bíblia em
Inglês é representativo e influencia bastante as outras línguas. Eis
algumas das principais versões inglesas, e suas tendências:

Data Versão Publicador / Características


Pro\ íncia de Canterbury (Inglaterra)
1885 Revised Version (RV) Objetivo: retirar os arcaísmos e adaptar o
NT aos textos críticos
American Standard Version América
1901
(ASV) Similar à RV, pequenas diferenças localizadas
Revised Standard 1ersion International Council of Religious Education
1952
(RSV) Texto eclético e tradução mais liv re
Igreja da Escócia e Igreja da Inglaterra
1970 New English Bible (NI,B) Texto eclético e linguagem idiomática mais
liv re ainda
New American Standard Bible Lockman Foundation
1971
(NASB) Rev isào da ASV, mais literal que a RSV
American Bible Socicty
Today English Bible (TEV)
1976 Texto eclético, tradução livre e linguagem
(Good News Bible)
popular
N.York Bible Soeiety International Cristian
New International l ersion Reformed Chureh
1978
(NI V) Tradutores Ortodoxos. Texto eclético.
Tradução menos livre
Thomas Nelson Publishers
New Ring James Version
1982 Rev isão da King James para atualizar a
(NKJV)
linguagem
Crossway Bibles - Good News Publishers
2001 English Standard Version Rev isão da RVS (de 1971). Texto eclético.
2007 (ES V) Essencialmente literal, com atualização da
linguagem
CAPÍTULO 9: TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS 135

A Bíblia em português também experimentou várias revi­


sões e novas traduções têm surgido nos últimos anos. A tabela,
a seguir, lista algumas principais versões portuguesas, indicando
suas tendências e publicadoras:

D a ta V e rs ã o O b se rv a ç ã o

1932 Padre Matos Soares Católico-romana


1934 Humberto Holdcn Católico-romana
British and Foreign Bible Society/American
Bible Society
1917 Tradução Brasileira
3(4) brasileiros e 3 estrangeiros. Não
vingou.
Sociedades Bíblicas Unidas e SBB ( F' e 2a
1956- Edição Revista e Atualizada
edições)
1993 de João Ferreira de Almeida
Texto progressivamente eclético
Edição Corrigida e Revisada Sociedade Bíblica Trinitariana
1994
de João Ferreira de Almeida Baseada no Textus Receptus
Sociedade Bíblica do Brasil
1973/
Biblia na Linguagem de Hoje Texto eclético e tradução livre (equivalência
1987
dinâmica)
Versão brasileira da New International
Nova Versão Internacional
2000 Version
(N1V)
Texto eclético

TRADUÇÕES REFORMADAS
E MODERNAS DAS ESCRITURAS
As traduções das Escrituras feitas durante a Reforma
Protestante do século XVI apresentavam características comuns.
As traduções modernas (de 1881 até hoje), de modo geral, cami­
nham em direção oposta. As principais tendências ou caracte­
rísticas que esses dois grupos de tradução apresentam são as
seguintes:

Com Relação ao Texto Original


As traduções reformadas tinham como base o texto hebraico
e o texto grego eclesiásticos (padrões) - textos que vinham sendo
adotados pela igreja cristã em geral e que representavam o texto
136 SOLA SCRIPTURA

expresso pela grande maioria dos manuscritos existentes." No


caso do Novo Testamento, baseavam-se no Textus Receptus.
As traduções modernas afastam-se cada vez mais dos textos
originais padrões empregados pelas traduções reformadas. O
problema é especialmente grave com relação ao Novo Testamento.
As versões modernas em geral adotam textos ecléticos, baseados
em uma minoria de manuscritos bastante divergentes do texto
padrão bem como divergentes entre si mesmos. Como os critérios
de escolha do texto são bastante subjetivos, não há consistência
entre as traduções modernas com relação ao texto.

Características Metodológicas
As versões reformadas buscavam uma tradução mais lite­
ral e com o mínimo de intervenção humana possível. Quando a
tradução literal não era possível, as modificações eram indicadas
em notas marginais, como acontece na Versão Holandesa; ou
mesmo no texto, mudando-se o tipo para indicar acréscimos de
palavras necessárias para dar sentido ao texto, como ocorre na
Versão Autorizada (conhecida como King James Version).
Outra característica metodológica das traduções reforma­
das era a interdependência entre as versões. As versões que iam
sendo feitas para outras línguas não eram totalmente novas, mas
levavam em consideração as boas versões anteriores.
A metodologia ou mesmo a filosofia de tradução das versões
modernas caminha em direção oposta à metodologia de tradução
dos reformadores. A precisão não é mais a meta ou fator deter­
minante nas traduções. A ênfase não recai mais na fidelidade
ao texto original, mas na inteligibilidade dos leitores. O impor­
tante não é o que traduzir, mas para quem traduzir. As traduções
tomam-se cada vez mais livres, interpretativas, idiomáticas e1

11 Não se quer dizer eom isso. como já foi mencionado, que os termos Textus
Receptus e texto majoritário sejam equivalentes, e, sim, que os textos gregos empre­
gados pelos reformadores eram a melhor expressão do texto majoritário na época (ver
capítulo sobre a preservação das Escrituras).
CAPITULO 9: TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS 137

contextualizadas. O objetivo não é mais apenas traduzir o texto,


mas transformá-lo, reestruturá-lo, aplicando e adaptando a idéia
por trás dele ao contexto cultural, peculiaridades e preferências
dos leitores.
Trata-se da teoria da equivalência dinâmica, desenvolvida
por Eugene Nida,i; das Sociedades Bíblicas Unidas (por muitos
anos. a pessoa mais influente na área da tradução das Escrituras).
Essa teoria vem sendo colocada em prática em todo o mundo
através da Today English Version (a Bíblia na Linguagem de
Hoje), também conhecida como Good News Bible. O método
vem sendo defendido, promovido e divulgado pelas sociedades
bíblicas em dezenas de países.1'
Não nos é possível descrever e avaliar pormenorizadamente
este método aqui.12134 Basta-nos dizer o seguinte:
A teoria baseia-se na tese de que todas as línguas têm
dois níveis de estrutura gramatical: um superficial e outro mais
profundo: e que todas as formas gramaticais superficiais podem
ser reduzidas a quatro categorias semânticas (de significado)
universais mais profundas: objetos (coisas ou seres), eventos
(ações, processos e acontecimentos), abstrações (qualidades,
quantidades e graus) e relações (conexões significativas entre

12 Sua teoria encontra-se exposta em Eugene Nida. Toward a Science <>f


Transia!mg: IVirli Special Refetvnce to Principies atui Procedures Involved in Rible
Translating (Leiden: E. J. Brill-UBS. 1964. 2003). A prática dessa teoria em Eugene
Nida e Charles laber. The Theory andPractice ofTramlation (Leiden: E. J. Brill-UBS,
1974). Ambos foram publicados sob os auspícios da United Bible Society.
13 Exercendo funções como a de secretário executivo e coordenador mundial
de traduções da UBS. os próprios editores da UBS admitem, com relação a Eugene
Nida. que “nas suas mãos tem estado a tradução das Escrituras Sagradas para quase
todos os idiomas do mundo, cuja cifra ate esta data. passa de 1.660 línguas". Contra­
capa de Eugene Nida. Dius Abla a Todos (México: UBS. 1979).
14 A teoria da equivalência dinâmica de Nida é descrita e avaliada de modo
resumido e apropriado pelo Dr. Jacob van Bruggen, professor de exegese do Novo
Testamento no Reformed Theological College em Kampen. na Holanda, no seu livro
The Future ofthe Rible, 67-96 e 151-69.
138 SOLA SCRIPTURA

as très categorias anteriores). Segundo essa teoria, qualquer


discurso, por mais complexo que seja, pode e deve ser reduzido
a um número de afirmativas simples, e depois reconstruído em
outra língua.
Trata-se, contudo: (1) de uma teoria desenvolvida mais a
partir de teorias de comunicação, da antropologia cultural e da
sociologia moderna, do que a partir de fundamentos linguís­
ticos; (2) não se coaduna com a doutrina da inspiração verbal
das Escrituras; (3) não dá o devido lugar à ação iluminadora do
Espírito Santo, necessária à compreensão das Escrituras; (4)
desconsidera que a maior dificuldade para a compreensão da
Bíblia não é gramatical ou linguística, mas antropológica e espi­
ritual (o problema maior não se encontra no livro, nem na mensa­
gem, mas no coração humano); o homem não rejeita a mensagem
do Evangelho por ser difícil de ser compreendida, mas porque
seu coração corrompido ama o pecado; (5) não respeita a estru­
tura do texto e o estilo do autor (forma gramatical e estilo têm
sentido específico; senão, o que seria dos poetas!).
Resultado: a tradução feita com base nesse método simpli­
fica a linguagem, mas empobrece a tradução. Os leitores enten­
dem mais claramente a interpretação e a reconstrução do tradutor,
e não a mensagem original do texto. Eles compreendem o que o
tradutor quer que compreendam, não necessariamente o que o
autor quis que compreendessem. Ao invés de tornar a mensagem
original mais clara para o leitor, esse método distancia o leitor da
mensagem original. Entre o texto original e a tradução popular
na linguagem de hoje, há um véu mais denso do que o existente
entre o texto original e as versões mais antigas.

Especialização e Seleção
A ênfase nas peculiaridades dos leitores em detrimento
da fidelidade ao texto original tem sido de tal ordem que as
Sociedades Bíblicas Unidas estão atualmente priorizando a
diversificação das traduções. Ou seja. traduções especializadas de
CAPITULO 9: TRADUÇAO DAS ESCRITURAS 139

seleções bíblieas para grupos específicos. Exemplo: traduções de


trechos específicos dirigidas para jovens, estudantes, pessoas em
férias, pessoas hospitalizadas, prisioneiros, imigrantes, membros
das forças armadas, etc. Os dados estatísticos da própria UBS15
indicam essa tendência:
Em 1962 - 1 Bíblia para 3,5 seleções

Em 1969 - 1 Bíblia para 18,5 seleções

Em 1974 - 1 Bíblia para 33 seleções

Qualificação dos Tradutores


As traduções reformadas foram feitas por pessoas de
inquestionável reputação, ortodoxia, conhecimento teológico e
preparo linguístico. Homens como Lutero, Tyndale e os tradu­
tores da King James e da Versão Geral do Estado (holandesa).
Hoje, o requisito enfatizado é apenas a capacitação linguística.
Piedade, ortodoxia e conhecimento teológico são tidos como
qualificações secundárias ou irrelevantes na tarefa de tradução
das Escrituras.16

Institucionalização e Monopólio
As traduções reformadas foram produto da igreja, não de
instituições. Tão logo as igrejas reformadas se organizaram, as
traduções foram realizadas por membros da igreja, por incentivo,
determinação e/ou supervisão da igreja, ou por concílios repre­
sentativos da igreja, como ocorreu com a Versão Autorizada e a
Versão Holandesa.

5 Citado em van Baiggen, The Future ofthe Bihle, 30.


16 Algumas sociedades bíblicas ainda exigem que os seus tradutores professem
a doutrina da inspiração das Escrituras. E o caso da New York Bihle Society International
(publicadora da New International Version-NW) e a Trinitarian Bihle Society, na
Inglaterra (que ainda publica e promove a King James e o Te.xtus Reeeptus). Esta última
foi fundada em 1831 por membros da British and Foreign Bible Society, em reação à
aceitação de unitarianos como membros dessa sociedade.
140 SOLA SCRIPTURA

Atualmente, entretanto, a tarefa de tradução das Escrituras


não mais é realizada sob os auspícios e supervisão da igreja, mas
por livre iniciativa de entidades para-eclesiásticas, as sociedades
bíblicas, que não têm profissão de fé definida, e não podem exer­
cer a disciplina eclesiástica. Isso se torna mais sério quando a
grande maioria das sociedades bíblicas se une, formando como
que um monopólio bíblico, inclusive com direitos autorais sobre
suas versões das Escrituras.
Convém ressaltar que não era esse o propósito original das
sociedades bíblicas.17 No princípio, a sua função era distribuir
as Escrituras. Depois passaram a publicá-la, posteriormente a
traduzi-la, e, atualmente, a interpretá-la e aplicá-la.

Resultado
As versões reformadas eram traduções respeitadas, confiá­
veis e duradouras (foram amplamente empregadas, e por sécu­
los, utilizadas). Tornaram-se versões padrões e oficialmente
empregadas. A King James, por exemplo, reinou absoluta no
mundo de fala inglesa desde o início da sua publicação em 1611,
até o final do século passado, e ainda hoje é amplamente usada.
O mesmo dificilmente pode ser dito com relação à maioria das
versões modernas.

PRINCÍPIOS SAUDÁVEIS PARA


A TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS
Na opinião deste autor, a Reforma Protestante do século
XVI também tem muito a nos ensinar com relação à tarefa de
tradução das Escrituras. Seus princípios são saudáveis, e mere­
cem ser enfatizados e praticados. Ei-los:

17 Sociedades bíblicas tais como a Consteinsche Bibelgesellscliaji, primeira a ser


fundada (em 1710), a British ancIForeign Society (fundada em 1804), a Netherlands Bible
Society (fundada em 1814). e a American Bible Society (1816) começaram todas com o
propósito de divulgar as Escrituras e não de traduzi-las e muito menos interpretá-las.
CAPÍTULO 9: TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS 141

Auspícios e Supervisão da Igreja


A tradução das Escrituras deve ser feita sob os auspícios
e supervisão da igreja. É uma tarefa para ser levada a eleito
por pessoas que se encontram sob autoridade eclesiástica, e não
como iniciativa pessoal ou de grupos para-eclesiásticos. Esse é
um empreendimento difícil hoje, dada a proliferação de deno­
minações e o afastamento das doutrinas centrais do Evangelho,
ou a ênfase exagerada em doutrinas secundárias. Na melhor
das hipóteses, pode-se esperar por revisões ou traduções sob o
patrocínio de uma denominação ou grupo reduzido de denomi­
nações.

Qualificações dos Tradutores


Os tradutores das Escrituras devem apresentar algumas
qualificações indispensáveis para a tarefa. Como Lutero escre­
veu, “nem todo mundo tem habilidade para traduzir... Um cora­
ção crente, correto, piedoso, honesto, sincero, temente a Deus,
treinado, educado e experiente é requerido” para a tarefa.18
No mínimo, deve ser exigido deles o que os apóstolos
exigiram na escolha de diáconos em Atos 6:3, e nesta ordem
de importância: homens de boa reputação (moral), cheios do
Espírito (espiritualidade e ortodoxia doutrinária), e de sabedoria
(capacitação teológica e linguística) específica para a tarefa.
Certamente, não seria demais exigir dos tradutores da
Palavra de Deus algumas das qualificações requeridas para a
ordenação de ministros da Palavra, em 1 Timóteo 3:1-7, tais
como: ser irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante,
sóbrio, modesto, não dado ao vinho, não violento, governe bem
sua própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o
respeito, não seja neófito, e tenha bom testemunho dos de fora.

18 Martin Luther, An Open Letter on Translation (Project Wittenberg.


http://\vxv\v.iclnet.org/pub/resources/textÁvittenbergAvitten berg-luther.html)
142 SOL 4 SCRIPTURA

Precisão
A tradução das Escrituras tem que ser precisa. Deve ser
confiável. Deve refletir ao máximo possível a autoridade do texto
original. Para isso. precisa apresentar as seguintes qualidades:
/. Fidelidade ao Texto Original
O texto representado na grande maioria dos manuscritos,
também evidenciado em documentos antigos, e empregado
pela igreja cristã de um modo geral, por dezenove séculos, não
pode ser abandonado com base em teorias subjetivas por causa
de uns poucos manuscritos não representativos. A igreja não
pode se deixar influenciar tão facilmente pelas teorias seculares.
Isso implica, especialmente, na rejeição dos modernos textos
ecléticos, artificialmente construídos, com base na maioria dos
votos de um comitê que atribui valor exagerado a alguns poucos
manuscritos discrepantes. Contudo, não implica na sacralização
do Textus Receptus, como se o texto representado nessas edições
não pudesse ser melhorado com o estudo do enorme acúmulo de
evidências encontradas desde então.
Fidelidade aos textos originais significa fidelidade ao texto
massorético hebraico e aramaico do Antigo Testamento e ao texto
majoritário do Novo Testamento.19
2. Fidelidade à Forma do Texto e ao Estilo do Autor
Não se deve sacrificar o conteúdo em função da inteligibi­
lidade. Não é legítimo reestruturar o texto a ser traduzido, alte­
rando sua forma original, estrutura ou mesmo o estilo do autor,
sem necessidade.
Profecias, cânticos, cartas, narrativas, parábolas, bem como
parágrafos, sentenças, formas gramaticais, etc., não devem ser
alteradas desnecessariamente. A tradução das Escrituras deve ser
tão literal quanto possível. A intervenção do tradutor deve ser
somente a necessária, nem mais, nem menos.

19
Ver o capítulo sobre a doutrina da preservação das Escrituras.
CAPÍTULO 9: TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS 143

Termos técnicos bíblicos que encerram profundas implica­


ções teológicas nào devem ser menosprezados. Certamente, a
familiarização com as Escrituras e a iluminação do Espírito ensi­
nará aos leitores o sentido de termos tais como eleição, predes­
tinação, redenção, expiação, remissão, justificação, adoção,
aliança, graça, santificação, glorificação, etc. Falando sobre a sua
prática de tradução, Lutero escreve:
Eu não trabalhei ignorando a ordem exata das palavras no original.
Pelo contrário, com grande cuidado, eu e meus auxiliares trabalhamos,
mantendo literalmente o original, sem a menor variação, sempre que a
passagem parecia crucial.20

Não é função do tradutor tornar o texto mais claro do que era


para os leitores originais. Se o tradutor determina qual o sentido
de um texto na tradução, quando o próprio original permite
outras interpretações, ele se coloca na posição da Igreja Católica,
que atribui a si mesma um direito que não possui: o de definir o
sentido do texto das Escrituras.
3. Clareza
Quando dizemos que não se deve enfatizar a clareza da
versão em detrimento do sentido original do texto, isso nào signi­
fica que estejamos defendendo uma tradução complicada, difícil,
arcaica. A tradução deve ser a mais clara possível.
Não se justifica insistir no uso de palavras arcaicas, que já
mudaram de sentido ou caíram em desuso, se há palavras que
expressam melhor o sentido original.
Não se pode traduzir uma palavra no original sempre pela
mesma palavra na tradução. Há línguas que empregam pala­
vras diferentes para uma mesma palavra no original. Exemplo:
a palavra para carne no grego (aápdç) é empregada, como no
português, com sentidos variados: carnalidade, corpo humano,
carne comestível. Entretanto, o inglês dispõe de palavras dife­

20
Luther. An Open Letteron Tramlation.
144 SOLA SCRIPTURA

rentes: uma para carnal idade e corpo humano (flesh) e outra para
carne comestível (meai).
Expressões idiomáticas normalmente não podem ser tradu­
zidas literalmente, pois adquiriram um sentido próprio, frequente­
mente comunicado por uma expressão diferente em outra língua.
Estruturas sintáticas e formas gramaticais que não têm
correspondente similar em outro idioma têm que ser alteradas e
adaptadas à língua em que se está traduzindo.
Este autor repudia, portanto, a ênfase na clareza em detri­
mento da precisão, mas também rejeita o tradicionalismo ou
arcaísmo em detrimento da clareza. O fato de uma palavra ou
expressão sempre ter sido utilizada não significa que seja a
melhor. Por outro lado, ela não deve ser substituída, a não ser
que outra expresse mais precisamente o sentido original.
Contudo, deve-se ter em mente que mesmo o texto original
não foi escrito de modo igualmente claro ou em linguagem igual­
mente popular. Há livros do Novo Testamento escritos em grego
bem elementar, enquanto outros são escritos quase que em grego
clássico. Será que isso não deve ser levado em consideração?
Por mais fiel e clara que seja a tradução das Escrituras, é preciso
reconhecer que se o Espírito Santo não iluminar a mente e o
coração do leitor, ela continuará ininteligível, por mais simples e
clara que seja a tradução.21
4. Inteireza
Na medida do possível, as Escrituras devem ser traduzidas e
publicadas na sua totalidade. O propósito, a meta, o alvo é tradu­
zir todo o conselho de Deus e não apenas partes selecionadas.
A Bíblia tem vários autores secundários, mas um só autor
primário. As Escrituras não são uma mera coleção de livros,
elas são um livro só. Quem poderá determinar qual porção das
Escrituras é necessária para determinada pessoa ou classe de

21
Cf. Lucas 24:45: Atos 16:14; 1 Coríntios 2:6-16 e 2 Coríntios 4:3-6.
145
CAPÍTULO 9: TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS

pessoas? Além disso, como compreender uma das suas partes sem
as demais, se as Escrituras interpretam as próprias Escrituras? As
Escrituras devem ser traduzidas e publicadas por inteiro, e não em
partes selecionadas, especialmente traduzidas para determinados
urupos de pessoas. Sem dúvida, é melhor traduzir uma pequena
parte do que nada. Entretanto, isso se justifica pela necessidade,
não por filosofia de tradução.
5. Historícidade ou Continuidade
Finalmente, uma tradução das Escrituras não deve desconsi­
derar as traduções anteriores. Rejeitar todas as demais traduções
e arrogar-se a tarefa de produzir uma nova versão das Escrituras,
independente das anteriores, indica, no mínimo, imprudência.
Qualquer nova tradução da Bíblia, embora deva basear-se nos
textos originais, deve tomar a forma de uma revisão das tradu­
ções consagradas pela história da igreja nos seus melhores perí­
odos. Uma versão que demonstre apreço pelas antigas traduções
reformadas certamente será bem mais fiel do que uma tradução
independente.
CAPÍTULO 10
INTERPRETAÇÃO DAS
ESCRITURAS

A regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma Escritura; portanto,


quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer testo da
Escritura (sentido que não é m últiplo, mas único), esse texto perde ser estudado e
compreendido por outros textos que falem mais claramente (parágrafo IX).

O assunto tratado neste parágrafo diz respeito à hermenêu­


tica sagrada. Trata-se do princípio reformado fundamental de
interpretação bíblica, segundo o qual, a regra infalível de inter­
pretação das Escrituras é que a Escritura se auto-inteipreta, eluci­
dando, assim, suas passagens mais difíceis.
O que a Confissão de Westminster quer dizer com essa afir­
mativa é que o sentido de uma passagem obscura não pode ser
autoritativ amente determinado nem por tradição, nem por deci­
são eclesiástica, nem por argumento filosófico, nem por intuição
espiritual, e, sim. unicamente, por outras partes das Escrituras
que expliquem e esclareçam o seu sentido.
Neste parágrafo, a Confissão de Westminster também
rejeita o método alegórico fantasioso de interpretação medieval,
segundo o qual as passagens das Escrituras teriam quatro senti-1

1 Ler 1 Coríntios 2:14: 2 Coríntios 4:4-6; e 2 Coríntios 3:14-17. Para um trata­


mento mais aprofundado do assunto, ver Paulo Anulada. Introdução a Hermenêutica
Reformada: Correntes Históricas. Pressuposições. Princípios e Métodos Linguísticos
(Ananindeua: Knox Publicações. 2006).
148 SOLA SCRIPTURA

dos: um sentido literal, e três sentidos espirituais: moral, alegórico


e analógico. O sentido literal seria o registro do que aconteceu (o
fato); o sentido moral conteria uma exortação quanto à conduta (o
que fazer); o sentido alegórico ensinaria uma doutrina a ser crida
(o que crer); e o sentido analógico apontaria para uma promessa
a ser cumprida (o que esperar). Assim, uma referência bíblica
sobre a água, por exemplo, teria um sentido literal (a água), um
sentido moral (exortação a uma vida pura), um sentido alegórico
(o sacramento do batismo), e um sentido analógico (a água da
vida na Nova Jerusalém).23
Esse método pode fornecer esplêndidas interpretações, mas
rouba o real significado do texto, desviando a atenção do leitor
do seu verdadeiro sentido - aquele que o Espírito Santo tencio­
nou comunicar.
O caráter fantasioso desse método de interpretação fica
manifesto na conhecida interpretação alegórica de Agostinho'
da parábola do bom samaritano (em Lucas 10:30-37). Segundo
ele, o homem atacado pelos ladrões simbolizava Adão (a huma­
nidade); Jerusalém, os céus; Jerico, o mundo; os ladrões, o diabo
e suas hostes; o sacerdote, a lei; o /evita, os profetas; o bom
samaritano, Cristo; o animal sobre o qual foi colocado o homem
ferido, o corpo de Cristo (que suporta o Adão caído); a estala-
gem, a igreja; as duas moedas, o Pai e o Filho; e a promessa do
bom samaritano de voltais a segunda vinda de Cristo.4
Embora pareça uma magnífica interpretação, a subjetividade
desse método pode ser percebida nas diferentes interpretações
alegóricas que já foram atribuídas às duas moedas mencionadas
nessa parábola: o Pai e o Filho, o Antigo e o Novo Testamento,

2 F. F. Bruce, The History ofNcw Testament Stuc/y, 28.


3 Cuja teoria de interpretação bíblica foi melhor do que sua prática, muitas vezes
alegórica.
4 David L. Larsen. Telling lhe Olcí Old Stoty: The Ari o f Narrative Preaching
(Wheaton. Illinois: Crossway Books. 1995), 150.
CAPÍTULO 10: INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 149

os dois mandamentos do amor (a Deus e ao próximo), fé e obras,


virtude e conhecimento, o corpo e o sangue de Cristo, etc.
A Confissão de Westminster representa o repúdio da
Reforma a esse método de interpretação quádrupla medieval. Ao
invés disso, os reformadores, tais como Lutero e Calvino, ensi­
navam que cada passagem das Escrituras tem um só sentido, que
é literal - a não ser que o próprio contexto ou outras passagens
das Escrituras requeiram claramente uma interpretação figurada
ou metafórica.
Os reformadores reconheciam a natureza divino-humana das
Escrituras, e enfatizavam o papel do Espírito Santo no processo de
interpretação da sua mensagem. Para eles, o impedimento maior
para a compreensão da Bíblia estava na cegueira espiritual do
homem, em função da queda, e não nas Escrituras.' Conforme
entendiam, nenhuma pessoa poderia interpretar corretamente a
Bíblia sem a ação iluminadora do Espírito Santo falando atra­
vés da própria Palavra. Por outro lado, reconhecendo a natureza
histórica das Escrituras, eles defendiam a sua interpretação literal,
enfatizando também a importância da gramática e da história.
Lutero escreveu: “Nós devemos nos ater ao sentido simples,
puro e natural das palavras, como requerido pela gramática e pelo
uso do idioma criado por Deus entre os homens”.56 E Calvino
chegou a afirmar que a interpretação alegórica era satânica, por
desviar o homem da verdade das Escrituras. Afirmou também
que “é uma audácia próxima do sacrilégio usar as Escrituras a
nosso bel-prazer e brincar com elas como com uma bola de tênis,
como muitos antes de nós o fizeram”.7

5 Lamberto Floor enfatiza com propriedade esse aspecto da interpretação bíblica


de Calvino, no artigo "The Hcrmeneutics o f Calvin". 181-191.
6 Escrevendo Sobre a Escravidão da Vontade (Citado por Bruce, The Histoty of
New Testament Stndv. 31).
7 Bemard Ramm, Protestam BibliealInterpretation: A TextbookofHcrmeneutics,
3 ed. rev. (Grand Rapids: Baker Book House, 1973), 58.
150 SOLA SCRIPTURA

NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO
DAS ESCRITURAS
A Confissão de Fé de Westminster e os reformadores reco­
nheciam. portanto, a necessidade da interpretação da Bíblia com
vistas à elucidação da sua mensagem. Essa necessidade decorre
do fato de que ler não implica necessariamente em entender.
Como já foi considerado, as Escrituras são substancialmente,
mas não completamente claras. As verdades básicas necessárias
à salvação, serviço e vida cristã são evidentes em uma ou outra
passagem bíblica, mas nem todas as passagens das Escrituras são
igualmente claras. Daí, a necessidade de interpretação consciente
da Palavra de Deus. Como explica Ramm, a interpretação é
necessária “quando algo obstrui a sua compreensão espontânea”.
Nesse caso, existe um vazio entre o texto a ser compreendido e
o leitor, que “necessita da formulação de normas para preencher
esse vazio”.8
Por ser um livro divino-humano - inspirado por Deus, mas
escrito por homens - a fé reformada admite que existem dificulda­
des de ordem espiritual e de ordem humana para a compreensão
das Escrituras. O apóstolo Pedro reconhece essa dificuldade com
relação a algumas porções dos escritos do apóstolo Paulo, dizendo
que “há nelas coisas difíceis de entender...” (2 Pe 3:16). Isso signi­
fica que a compreensão da Escritura Sagrada nem sempre é auto­
mática e espontânea. E, sim, por um lado, o resultado da ação
iluminadora do Espírito Santo, e, por outro, do estudo diligente da
língua e do contexto histórico em que ela foi escrita.
O aspecto espiritual envolvido na interpretação da Bíblia é
verificado claramente em muitas passagens, tais como 1 Coríntios
2:14 e 2 Coríntios 4:4-6 (já consideradas). Entretanto, há outras.
Em 2 Coríntios 3:14-15, o apóstolo Paulo explica que os judeus
tinham como que um véu embotando seus olhos espirituais, de

s Bemard L. Ramm. “Interpretación Bíblica”, em Dicionário de Ia Teologia


Prática: Hermenêutica, ed. Rodolf G. Tumbull (Grand Rapids: Subcomisión Literatura
Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1976), 6.
CAPÍTULO 10: INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 151

modo que não podiam compreender o significado do que liam,


por causa da incredulidade.
Mas os sentidos deles se embotaram.9 Pois até ao dia de hoje, quando
fazem a leitura da antiga aliança, o mesmo véu permanece, não lhes
sendo revelado que, em Cristo, é removido. Mas até hoje, quando é lido
Moisés, o véu está posto sobre o coração deles.

Como esse véu pode ser retirado? Pela conversão, responde


o apóstolo no verso seguinte: “Quando, porém, algum deles se
converte ao Senhor, o véu lhe é retirado”.
Na Carta aos Efésios, o apóstolo Paulo ensina a mesma
coisa com relação aos gentios:
Não mais andeis como também andam os gentios, na vaidade dos seus
próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento,10 alheios à vida
de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu
coração. (Ef4:17,18).

O crente também necessita da ação iluminadora contínua do


Espírito Santo para progredir na compreensão das Escrituras. Seu
coração não está embotado, como o dos judeus descrentes; nem
seu entendimento está obscurecido, como dos gentios incrédulos.
No entanto, ainda há muito a compreender. Com esse propósito,
o apóstolo Paulo orava insistentemente pelas igrejas, a fim de que
Deus lhes iluminasse o entendimento, para compreenderem mais
profundamente a natureza do Evangelho e a suprema riqueza da
sua graça. Eis dois exemplos, da sua carta aos Efésios:
Não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas
orações, para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória,
vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conheci­
mento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é
a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança
nos santos, e qual a suprema grandeza do seu poder para eom os que
cremos... (Ef 1:16-19).

9 Tradução da expressão grega: èTíwpcóOri tci uoijpuTa aímla*.


10 Tradução de: èaKOTcopé'oi TÍj òuraoía.
152 SOIA SCRIPTURj K

Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai... para que, segundo
a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder,
mediante o seu Espírito no homem interior; e. assim, habite Cristo no
vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e alicerçados em amor,
a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura,
e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de
Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda
a plenitude de Deus (Ef 3:14-19).

Passagens bíblicas como essas revelam o papel do


Espírito Santo e da fé na compreensão das verdades espirituais.
Interpretação e compreensão das Escrituras não é tanto uma
questão de habilidades naturais ou técnicas. E mais um dom do
Espírito," que pode ser alcançado por meio da oração. Não é
essa a promessa de Jesus, em João 16:13: “Quando vier, porém,
o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade”?
Contudo, as Escrituras deixam claro por ensino direto e por
inúmeros exemplos que o coração do homem não é confiável.
E, antes, mais enganoso do que todas as coisas e desesperada­
mente corrupto (Jr 17:9). Além do mais, não existe somente o
Espírito da verdade; há também o espírito do erro (1 Jo 4:6). O
pai da mentira está sempre pronto a enganar, se possível for. até
os eleitos. Logo, o caráter espiritual envolvido na interpretação
da Bíblia não elimina, de modo algum, o lado humano, também
necessário para a sua correta interpretação e compreensão. Não
se pode esquecer que é através da Palavra que o Espírito Santo
ilumina a mente e o coração.
Por haver sido escrita em idiomas humanos, em contextos
históricos, sociais, políticos e religiosos específicos, o conheci­
mento da língua e do contexto histórico também é necessário
para uma melhor interpretação e compreensão das Escrituras.
Por essa razão, o ministro da Palavra é, por definição, aquele que
se afadiga na Palavra (1 Tm 5:17). Portanto, com o propósito1

11 Conferir 1 Reis 3:9 e Daniel 2:21.


CAPÍTULO 10: INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 153

de se garantir uma interpretação correta das Escrituras, alguns


princípios, normas e práticas foram buscados, descobertos e
sistematizados pela igreja. A esses princípios e normas chama-se
hermenêutica; à sua prática, exegese.

CORRENTES DE INTERPRETAÇÃO
DAS ESCRITURAS
Observando-se as diferentes ênfases, tendências, princípios
e práticas de interpretação das Escrituras adotados no curso da
história da igreja, é possível perceber três correntes principais:

Corrente Espiritualista
Muitos grupos na história da interpretação se caracteriza­
ram por superenfatizar o caráter espiritual e místico da Bíblia,
em detrimento do seu caráter humano. Esses grupos se distin­
guem especialmente pela insatisfação generalizada que expres­
sam com o sentido natural, literal, das Escrituras. A passagem
explorada pelos partidários dessa corrente é 2 Coríntios 3:6:
"A letra mata, mas o Espírito vivifíca”. O seu maior perigo é o
subjetivismo, que conduz ao misticismo. Entre estes, podem ser
incluídos:
A Hermenêutica Alegórica
Trata-se de um dos métodos de interpretação mais antigos.
Fortemente influenciados pelo platonismo e pelo alegorismo
judaico, os defensores desse método de interpretação atribuem
vários sentidos ao texto das Escrituras, enfatizando o sentido
chamado de alegórico. Clemente de Alexandria (t215)1213 e
Orígenes (t254)'-' são os dois principais nomes da escola alegó­
rica de Alexandria no Egito.

12 Clemente identificava cinco sentidos para um dado texto das Escrituras: (1)
sentido histórico; (2) doutrinário; (3) profético; (4) filosófico e (5) místico.
13 Com seus três níveis de sentidos: (11 literal, ao nível do coipo; (2) o moral, ao
nível da alma; e (3) o alegórico, ao nível do espírito.
154 SOLA SCRIPTURA

A Hermenêutica Intuitiva
Os defensores da interpretação intuitiva ou devocional,
também chamados de impressionistas,14 identificam a mensa­
gem do texto com os pensamentos que lhe vêm à mente ao lê-lo.
Aqui, podem ser incluídos também os místicos, tais como os
assim chamados reformadores radicais, com sua ênfase na ilumi­
nação interior. Uma versão moderna do método de interpretação
intuitiva pode ser verificada na prática de abrir as Escrituras
ao acaso para pregar, ou encontrar uma mensagem para uma
ocasião específica, sem o devido estudo do texto e consideração
do contexto.
A Hermenêutica Existencialista
Algumas escolas contemporâneas de interpretação das
Escrituras superenfatizam o conhecimento subjetivo em detri­
mento do seu sentido gramatical e histórico. Para tais intérpre­
tes, o importante não é a intenção do autor, nem o que o texto
falou aos leitores originais, mas o que fala a nós, hoje, no nosso
contexto: esse, para eles, é o sentido do texto. O texto em si não
é tão importante, mas o que está por trás dele. Não interessa tanto
o que o texto diz, mas o que ele quer dizer. Consequentemente,
as Escrituras só são realmente interpretadas, se elas forem lidas
existencialmente e experimentadas. As Escrituras não são obje­
tivamente a Palavra de Deus, elas se tomam Palavra de Deus,
quando nos falam subjetivamente.
Essa corrente de interpretação bíblica costuma rejeitar
o sobrenatural e subjetivar o conceito de Palavra de Deus. Ela
esvazia a mensagem bíblica, abrindo espaço para todo tipo de
“eisegese".15

14 Ralph P. Martin, "Approaches to New Testament Exegesis”, em New


Testament Interpretation: Essqys on Principies and Method, 220.
I? Com o prefixo grego d ç , para (dentiv), ao invés de èic, de (dentro).
CAPÍTULO 10: INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 155

Corrente Racionalista
No extremo oposto da corrente espiritualista, encontra-se a
corrente aqui chamada de racionalista, que enfatiza demasiada­
mente o caráter humano das Escrituras. Esta corrente caracteri­
za-se pela aversão ao caráter sobrenatural da Bíblia. A sua ênfase
é no método, na técnica, nos aspectos literários ou históricos
das Escrituras, em detrimento do seu caráter divino, espiritual e
sobrenatural. Entre estes, pode-se incluir:
Os Saduceus
Os saduceus, com o seu repúdio à doutrina da ressurreição
e descrença na existência de seres angelicais, podem ser conside­
rados precursores dessa corrente de interpretação das Escrituras.
Pouco se sabe sobre a origem desse partido judaico, mas eles
parecem haver adotado uma posição secular-pragmática de
interpretação das Escrituras.16 Ao negarem verdades básicas da
Escritura, os saduceus podem ser considerados como os moder­
nistas ou liberais da época.17
O Humanismo Renascentista
Os humanistas renascentistas com seu interesse meramente
literário e acadêmico nas Escrituras e sua ênfase na moral também
podem ser incluídos nesta corrente de interpretação bíblica.
Alguns se dedicaram ao estudo das Escrituras, outros chegaram
a editar textos bíblicos na língua original. Entretanto, o interesse
deles era meramente acadêmico, linguístico, literário e histórico.
Eles estavam interessados na Bíblia mais por sua antiguidade do
que por ser a Palavra de Deus.
A Escola Crítica
A escola mais característica e influente da corrente raciona­
lista de interpretação bíblica é a escola crítica dos séculos XIX e

16 S. Taylor, “Saduceus”, em Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja


Cristã, vol. 3. p. 332.
17 B. J. van der Walt, Anatomy o f Reformaiion (Potchefstroom: Potchefstroom
University for Christian Higher Education, 1981). 10 e 26.
156 SOLA SCRIPTURA

XX, com o seu método histórico-crítico. Essa nova postura para


com as Escrituras - crítica, ao invés de gramatical - deu origem
ao liberalismo teológico que tem assolado a igreja desde então.
Trata-se de uma hermenêutica racionalista. A razão e o intelecto
passaram a ser determinantes, sendo rejeitado como erro, fábula
ou mito tudo o que não possa ser explicado ou harmonizado com
a razão. Os membros dessa corrente rejeitam as doutrinas refor­
madas a cerca da Bíblia, tais como a inspiração, autoridade, iner-
rância e preservação das Escrituras. Eles enfatizam a moralidade
e descartam o sobrenatural. Entre estes estão Bultmann, com o
seu programa de desmitologização das Escrituras, Hamack, com
a sua humanizaçào de Jesus, e muitos outros.
O criticismo histórico, com sua pretensão de avaliar a
historicidade das narrativas bíblicas; a crítica da forma, com
suas especulações sobre as tradições que teriam dado origem às
fontes empregadas pelos autores do Novo Testamento; a crítica
das fontes, com suas teorias das fontes escritas empregadas nos
Evangelhos, são alguns dos resultados do método histórico-crí­
tico de interpretação bíblica.

Corrente Reformada
A corrente reformada de interpretação das Escrituras posi-
ciona-se entre essas duas correntes extremas. Ela se caracteriza
pelo equilíbrio decorrente de reconhecer o caráter divino-humano
da Escritura Sagrada. Ela reconhece a necessidade da iluminação
do Espírito falando através da própria Palavra, ao mesmo tempo
em que admite a legitimidade da interpretação gramatical e histó­
rica da Bíblia. A interpretação reformada rejeita, por um lado,
a alegorização bíblica, e, por outro, repudia uma postura crítica
com relação aos escritos sagrados.
O método de interpretação adotado e praticado pela corrente
reformada ou protestante histórica é conhecido pelo nome
gramático-histórico; “o método de interpretação honrado pelo
tempo,” no dizer de Martyn Lloyd-Jones. Trata-se de um método
fundamentado em pressuposições bíblicas quanto à própria natu­
CAPÍTULO 10: INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 157

reza das Escrituras, que emprega princípios gerais e métodos


linguísticos e históricos coerentes com o caráter divino-humano
da Palavra de Deus.
Precursores
Os reformadores estabeleceram estes princípios de interpre­
tação considerando o próprio ensino bíblico e a prática apostó­
lica. As bases da interpretação reformada encontram-se também
na escola síria de Antioquia, entre os quais destacam-se Luciano,
Theodoro de Mopsuéstia e João Crisóstomo. Eles rejeitaram
tanto o literalismo judaico, como o alegorismo de Alexandria;
defendiam uma interpretação literal e histórica da Bíblia; criam
na realidade dos eventos descritos no AT, defendiam a unidade
das Escrituras e admitiam a progressividade da revelação.18
Principais Representantes
O método gramático-histórico de interpretação bíblica toi
desenvolvido e praticado pelos reformadores (Lutero, Calvino
e demais reformadores alemães, suíços, franceses e ingleses) e
adotados pelos protestantes ortodoxos em geral desde então, tais
como os puritanos (no séc. XVII); pelos líderes evangélicos do
século XVIII, na Europa e América do Norte, tais como George
Whitefield e Jonathan Edwards; por J. C. Ryle e Charles Spurgeon
na Inglaterra, e Charles e Alexander Hodges no Seminário de
Princeton. nos EUA, no século XIX; e pelos intérpretes e prega­
dores de tradição realmente reformada até os nossos dias.
Os manuais de hermenêutica de Davidson, Patrick, Imer,
Terry, Berkhof, Berkeley, Mickelsen e Ramm pertencem todos
a essa escola de interpretação bíblica; bem como os grandes
comentários bíblicos de Keil & Delitzsch, Meyer, Matthew
Henry, Lange, Alford, Ellicot, Lightíoot, Hodge, Broadus e
muitos outros.

18 Ramm, Pmtestant Biblical Interpretarion, 48-50.


158 SOLA SCRIPTURA

O MÉTODO GRAM ÁTICO-HISTÓRICO


Em que consiste o método gramático-histórico de interpre­
tação bíblica, conforme concebido pela escola síria, desenvolvido
e aplicado pelos reformadores, e aperfeiçoado pelos legítimos
herdeiros da Reforma? É um método de interpretação fundamen­
tado em pressupostos teológicos confessionais, que emprega prin­
cípios gerais definidos decorrentes desses pressupostos, levando
em consideração a natureza divino-humana das Escrituras.

Pressuposições Teológicas
A hermenêutica reformada tem sido depreciada pela herme­
nêutica racionalista por ser confessional, isto é, por ser funda­
mentada em pressuposições teológicas. E é verdade. A corrente
reformada de interpretação das Escrituras de fato parte de pres­
supostos teológicos fundamentais e confessionais na sua prática
exegética. Para os reformados, “o emprego do método gramá­
tico-histórico é ditado não somente pelo bom senso, mas pela
doutrina da inspiração...”19 Contudo, isso não é razão para que a
hermenêutica reformada seja depreciada - muito pelo contrário!
- pelas seguintes razões:
Primeiro, porque interpretação sem pressuposição é pura
ficção. E virtualmente impossível interpretar qualquer livro, prin­
cipalmente as Escrituras, sem que se parta de pressuposições de
caráter religioso, filosófico ou mesmo ideológico. É evidente que
mesmo os liberais interpretam a Bíblia partindo das suas pres­
suposições racionalistas, segundo as quais ela não passa de um
livro humano, devendo, portanto, ser estudada como tal. Exigir
uma hermenêutica sem pressuposição é defender uma interpreta­
ção que parta da mais absoluta ignorância.2"

19 J. I. Packer, “L/hennéneutique et 1'Aotorité de la Bible", Hokhmct: Reme de


Rêf/exion Théologique, 8 (1978): 10.
■° Para um estudo mais aprofundado sobre o lugar das pressuposições na
interpretação das Escrituras, ver Graham N. Stanton. “Presuppositions in the New
Testament Criticism , em New Testament Interpretation: Essavs on Principies and
Method, 60-71.
CAPÍTULO 10: INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 159

Segundo, porque a interpretação fundamentada em pres­


suposições não é negativa em si mesma. Será negativa, se não
permitir que as suas pressuposições sejam julgadas e avaliadas
pelo próprio texto que se propõe a interpretar. É preciso distin­
guir entre pressuposição e preconceito ou prevenção. Os precon­
ceitos, decorrentes das próprias idiossincrasias ou preferências
pessoais do intérprete, são uma coisa, e representam um perigo
real na interpretação bíblica. Pressuposições, porém, são pontos
de partida filosóficos, ideológicos ou religiosos reconhecidos e
admitidos. O que precisa ser enfatizado é que a própria Bíblia
deve ser o juiz das pressuposições, e não o contrário. O que se
deve avaliar é a legitimidade das pressuposições, de acordo com
as evidências das próprias Escrituras.
Terceiro, porque as pressuposições da hermenêutica refor­
mada são formulações teológicas bíblicas, e representam a
interpretação histórica sobre a natureza das Escrituras. As pres­
suposições da hermenêutica reformada não são produto da razão,
da tradição, da emoção ou da revelação natural. São, na reali­
dade, o ensino das próprias Escrituras a seu respeito, conforme
entendido historicamente pelas igrejas da Reforma e protestantes
em geral.
Para os intérpretes reformados, portanto, as pressuposições
teológicas são não apenas permitidas, mas necessárias e impres­
cindíveis. Para eles. o problema não se encontra na legitimidade
das pressuposições reformadas, mas na incredulidade daqueles
que não se deixam convencer pela própria revelação bíblica com
relação à sua natureza divina. A mais fundamental de todas as
pressuposições relacionadas às Escrituras se elas são ou não a
Palavra de Deus - é, em última instância, matéria de fé ou incre­
dulidade e não de averiguação científica ou filosófica. E somente
o Espírito Santo pode convencer plenamente o intérprete acerca
dessa verdade fundamental.
Que pressuposições teológicas são essas que estão sendo
mencionadas? São todas as doutrinas a respeito das Escrituras,
já referidas nesse parágrafo da Confissão de Fé de Westminster,
160 SOLA SCRIPTURA

e ensinadas e defendidas pelos reformadores e seus legítimos


herdeiros desde entào. São as doutrinas da necessidade, do
cânon, da inspiração, da autoridade, da suficiência, da clareza e
da preservação das Escrituras.
Quando um intérprete reformado se aproxima da Bíblia, ele,
de fato, parte dessas pressuposições teológicas fundamentais.
Assim, ele está prévia e plenamente convencido de que o livro a
que se propõe interpretar, embora escrito em linguagem humana,
em contextos históricos específicos, por pessoas em pleno uso
das suas faculdades intelectuais, etc., é igualmente a Palavra de
Deus verbalmente inspirada e preservada pelo Espírito Santo.
Está plenamente convencido de que, em decorrência disso, a
Bíblia é necessária, em virtude da insuficiência da revelação
natural; é autoritativa, como supremo tribunal de fé e prática;
inerrante, em todo o seu conteúdo; suficiente, nada precisando
lhe ser acrescido; e substancial e intrinsecamente clara.21
Como unanimemente reconhecido nos compêndios refor­
mados de hermenêutica sagrada, "a inspiração divina da Bíblia
é o fundamento da hermenêutica e da exegese protestante
históricas”22, e “qualquer teoria de interpretação que a rejeite
é essencialmente deficiente...”2’ Os princípios hermenêuticos
da Reforma, como a auto-interpretação da Bíblia e a analogia
da fé também decorrem da doutrina reformada da clareza das
Escrituras. “Devido à essa perspicuidade, a Escritura também...
interpreta a si mesma; os textos obscuros são explicados pelos
claros, e as idéias fundamentais como um todo servem para clari­
ficar as partes. Essa era a ‘interpretação de acordo com a analogia
da fé', a qual foi também advogada pelos reformadores”.24

21 A relação entre a doutrina reformada da inerrância das Escrituras e a exegese


bíblica é investigada em R. T. France, “L' lnerrance et 1’Exégèse du Nouveau Iestament
Hokhma: Revue cie Réflexion Théologique 8 (1978): 25-39.
22 Ramm. Protestam Bíblica! Interpretation, 93.
22 Luis Berkhof, Principias cie Inlerpretación Biblica (Grand Rapids: Editorial
TELL. s/d), 46.
24 Bavinck. Reformed Dogmalies. 480.
CAPÍTULO 10: INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 161

Princípios Gerais de Interpretação


Dessas pressuposições teológicas fundamentais derivam-se,
natural e logicamente, uma série de princípios que devem nortear
a interpretação da Escritura. Esses princípios são da maior
importância, e ajudam o intérprete a compreender o sentido do
texto sagrado e a ser preservado de interpretações subjetivas ou
racional istas.
A Escritura Interpreta a Si Mesma
Num certo sentido, todos esses princípios são decorrentes de
um só princípio geral ensinado pelos reformadores e professado
pela Confissão de Westminster - no parágrafo que está sendo
considerado - segundo o qual as Escrituras se auto-interpretam
(Scriptura, Scripturae interpres). Isso significa que as Escrituras
são sua própria intérprete. Desse princípio fundamental, decor­
rem outros mais específicos:
O Princípio da Analogia da Fé
As Escrituras devem ser interpretadas de acordo com a analo­
gia da fé.2'' Isto é, devem ser interpretadas à luz do seu ensino
claro, geral e uniforme. Colocado negativamente, este princípio
significa que as Escrituras não podem contradizer a si mesmas.
Se a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada, se ela tem um mesmo
autor primário - o Espírito Santo - então ela se constitui em um
todo orgânico, harmônico e precisa ser interpretada como uma
unidade. Em outras palavras, as Escrituras devem ser interpre­
tadas de conformidade com o seu contexto teológico geral. Para
isso, a teologia sistemática representa um importante auxílio.
Em harmonia com a corrente reformada de interpretação,
Martyn Lloyd-Jones enfatiza a importância da teologia sistemá­
tica na interpretação e pregação. Ele chega a afirmar que, para
ele, "não há nada mais importante para um pregador, do que ter

*' (> termo latino empregado é analogia fidei.


162 SOIA SCRIPTURA

uma teologia sistemática, do que conhecê-la e ser bem versado


nela”. A razão, ele explica logo a seguir:
Cada mensagem, que brota de um texto em particular ou de uma afir­
mativa das Escrituras, deve ser sempre uma parte ou aspecto desse
corpo total de verdade. Não é nunca algo isolado, nunca algo separado
ou à parte. A doutrina em um determinado texto, devemos lembrar, é
uma parte deste grande todo - a Verdade ou a Fé... Toda a nossa prepa­
ração de um sermão deveria ser controlada por este pano de fundo da
teologia sistemática... E errado uma pessoa impor violentamente seu
sistema sobre um texto em particular; mas. ao mesmo tempo, é vital que
sua interpretação de um texto em particular seja checada e controlada
por este sistema, este corpo de doutrina e de verdade que é encontrado
na Bíblia.26

É importante considerar também que a revelação bíblica


é progressiva. O propósito de Deus é eterno e imutável, mas a
revelação e a execução desse propósito são temporais e progres­
sivas. Logo, embora o Novo Testamento esteja em harmonia com
o Antigo Testamento, ele apresenta uma revelação mais clara das
verdades divinas.
Quando se diz que o Novo Testamento está implícito no
Antigo e o Antigo explicado no Novo, ou que o Novo Testamento
está latente no Antigo e o Antigo está patente no Novo, quer-se
evitar dois extremos na interpretação das Escrituras. Primeiro,
que se superestime a revelação do Antigo Testamento (legalismo).
Segundo, que se subestime essa revelação (antinomianismo). O
Antigo e o Novo Testamento revelam o mesmo Deus, proclamam
o mesmo Evangelho, apresentam o mesmo Messias e são instru­
mentos do mesmo Espírito para operar uma mesma salvação.*I

26 I). Martyn Lloyd-Jones. Pivaching and Preaehers (London: Hodder


and Stoughton. 1685). 66. O modelo de interpretação de Lloyd-Jones é investigado
em Keun-Doo Jung, An Evaluation of lhe Principies and Melhods o f lhe Prcaching
ofD. AI. Lloyd-Jones (tese de doutorado em teologia. Potchefstroom, África do Sul:
Potchefstroom University for Christian 1ligher Education. 1986), 49-105; e em L. Floor.
Op Soek na die Regte Slenlel: Die Metodologie van Skreifinterpretasie mel Besondcre
Ierwysing na die Hermenentiese AIodei van D. Al. Lloyd-Jones (Potchefstroom:
Wesvalia Boekhandel. 1985).
' \l'l 11 'IX) 10: INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 163

\mhos apresentam "o plano da graça de Deus em Jesus Cristo


p.iia a redenção dos pecadores".2 Há. portanto, uma continuidade
l>iopressiva. Exemplos: circuncisào->batismo, páscoa—>ceia; o
rnsmo de Jesus no sermão do monte em relação à lei.
Importância do Contexto
As Escrituras devem ser interpretadas de acordo com o seu
contexto específico. Não há nada mais perigoso do que interpretar
uma passagem bíblica fora do seu contexto. Quantos ensinos errô­
neos resultam da desconsideração a esse princípio hermenêutico
básico. Mesmo que uma determinada interpretação seja aprovada
no teste anterior, isto é, esteja de acordo com a fé cristã, ainda
assim, pode não ser esse o significado exato do texto em questão.
E extremamente importante, portanto, que se verifique o
contexto imediato em que se encontra a passagem, ou seja, o
que é dito imediatamente antes e depois - o assunto que está
sendo tratado na seção específica em que o texto se encontra. É
importante também considerar o próprio contexto do livro em
que a seção se encontra: o seu tema geral, seu propósito, autor,
destinatários, etc.
Interpretação de Textos Obscuros
Textos mais obscuros devem ser interpretados à luz de textos
mais claros. Se, mesmo tendo-se levado em conta o princípio
tia analogia da fé, e se dado a devida consideração ao contexto,
o sentido de uma determinada passagem das Escrituras não for
daro, deve-se recorrer a outras partes dela, aonde o assunto é
tratado de modo mais claro ou detalhado. Para isso, atenção
especial deve ser dada a passagens paralelas, especialmente nos
Evangelhos; escritos que tratam do assunto de modo mais siste­
mático, como Romanos sobre a doutrina da salvação, 1 Coríntios
12-14 sobre os dons espirituais, 1 Coríntios 15 sobre a doutrina
da ressurreição, e Gálatas sobre a relação entre lei e graça; outros

Berkhof. Princípios de Inlerpretación Bihlica. 61.


164 SOLA SCRIPTURA

livros escritos pelo mesmo autor, especialmente os que tratam do


mesmo assunto e/ou foram escritos na mesma época ou circuns­
tâncias, como Efésios e Colossenses; e livros mais adiantados
na história da revelação, como os livros do Novo Testamento
em relação aos do Antigo, ou as Cartas Pastorais em relação aos
Evangelhos e ao Livro de Atos.
Interpretação Literal ou Figurada
A não ser que as próprias Escrituras indiquem claramente
outro gênero literário ou tipo de linguagem, toda passagem
bíblica deve ser interpretada em sentido literal. Já nos referimos
ao perigo das interpretações alegóricas. Portanto, o estudioso da
Bíblia deve ter especial cuidado com a interpretação de deter­
minados gêneros literários, tais como parábolas, profecias, tipos
(símbolos), figuras de linguagem e milagres.
1. As parábolas são empregadas com o propósito de ensi­
nar uma lição por meio de experiências ou fatos comuns da vida
diária. No caso das parábolas bíblicas, o propósito não é apenas
ensinar, mas levar seus ouvintes e leitores ao arrependimento e à
fé. As parábolas de Jesus “podem ser comparadas a flechas diri­
gidas ao coração humano, o núcleo do seu ser, o âmbito da sua
vontade e de suas ações”.28 Na realidade, as parábolas de Jesus
têm duplo propósito: revelar (para alguns) e esconder (de outros),
conforme ele mesmo explica em Mateus 13:11-17, Marcos
4:10-12 e Lucas 8:8-10.
A diferença principal entre uma parábola e uma alegoria é
que a primeira se propõe a ilustrar apenas uma ou algumas verda­
des centrais. Algumas parábolas, conforme a própria interpretação
de Jesus, se assemelham a alegorias, como é o caso da parábola do
semeador (Mt 13:18-23) e da parábola do joio (em Mt 13:36-43).
No entanto, deve-se ter cuidado para não alegorizar indevida­
mente cada detalhe de uma parábola, encontrando ensinos em

28 David H. Wallaee. “Interpretación de Parábolas”, em Dicionário de Ia


Teologia Prática: Hermeneutica, 25.
CAPITULO 10: INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 165

minúcias que sào meros componentes retóricos da história e não


se propõem a transmitir nenhuma lição em especial.
A própria parábola pode indicar o seu objetivo (normal­
mente no início ou no final), como é o caso da parábola do juiz
iníquo (Lc 18:1-8), onde logo no primeiro versículo é dito que
o propósito da parábola é demonstrar “o dever de orar sempre e
nunca esmorecer".
2. As profecias têm sentido comum, literal e histórico,
a não ser que o contexto ou o seu cumprimento indiquem um
sentido simbólico. Às vezes, uma profecia tem múltiplo cumpri­
mento (perspectiva profética), em geral histórico e escatológico.
Frequentemente, profecias referentes à restauração de Israel
como nação apontam também para a restauração de todas as
coisas na consumação dos séculos. O mesmo pode ser dito com
relação aos juízos divinos e às profecias messiânicas.
Quanto à lorma, as profecias podem ser expressas em
linguagem literal, simbólica, ou mesmo por meio de ações ou
representações. A profecia de Ágabo com relação à prisão de
Paulo, em Atos 21:10-11, é um exemplo de representação profé­
tica no Novo Testamento.
E também necessário ter em mente que profecia não é só
predição antecipada da história, mas a proclamação da revelação
de Deus. Elas servem não apenas para revelar (descobrir) o futuro,
mas também para explicar o passado e elucidar o presente.29
3. Tipos. Deus se revela nas Escrituras não apenas por pala­
vras, mas por pessoas, coisas e fatos tipológicos. Muitas pessoas,
utensílios e acontecimentos históricos, especialmente no Antigo
Testamento, têm caráter simbólico. Ou seja, apontam ou sina­
lizam para outra pessoa, coisa ou evento futuro. Contudo, uma

Berkhof, Princípios de Interpretación fíihlica, 179. Mais sobre interpretação


de profecias pode ser encontrado em Ramm, Pmte.sfant Biblical Interpretarion. 241 -75;
e em William Sandford LaSur, “Interpretación de Profecias”, em Dicionário de Ia
Teologia Prática: Hermenêutica, 60-74.
166 SOLA SCRIPTURA

pessoa, objeto ou evento só deve ser interpretado simbolica­


mente quando houver indicação bíblica para isso. Os sacrifícios
do Antigo Testamento, por exemplo, são explicitamente ligados
ao sacrifício de Cristo (especialmente na epístola aos Hebreus).
Deve-se distinguir tipologia de alegoria e parábola. Pois,
enquanto nestas, o contexto histórico é de menor importância,
“na tipologia... a história e o significado literal são levados seria­
mente em conta”.30 Na tipologia, “uma pessoa, coisa ou evento
que teve existência real e significado próprio, simboliza, ou
representa, ou antecipa a alguém ou algo de maior transcendên­
cia em época futura”.31
4. Não é incomum os escritores bíblicos fazerem uso de
linguagem figurada, tais como metáforas, símiles, eufemismos,
lítotes, ironias, hipérboles, etc. Essas figuras de linguagem devem
ser cuidadosamente identificadas, para que se interprete correta­
mente o texto. Absurdos podem resultar da interpretação literal
de uma figura de linguagem. Seguem alguns exemplos de figuras
comuns nas Escrituras:
Metáforas. Quando uma palavra é utilizada para referir-se
a outra. Exemplos: ‘Pão da vida', ‘porta das ovelhas’, ‘acaute-
lai-vos dos cães...’ (Fp 3:2). Duas classes especiais de metáfo­
ras bíblicas são a linguagem antropomórfiea e antropopática
(quando forma, membros, ou sentimentos e paixões humanas são
atribuídos a Deus).
Símiles. São empregadas para tornar mais vivida uma descri­
ção, por meio de comparações. Há muitos exemplos de símiles
no livro de Cantares e no livro de Apocalipse. Exemplo: “A sua
cabeça e cabelos eram brancos como a alva lã, como neve; os
olhos, como chama de fogo; os pés, semelhantes ao bronze
polido...” (Ap 1:14-15).

30 Robert B. Laurin, “Interpretación Tipológica dei Antigo Testamento”, em


Dicionário de Ia Teologia Prática: Hermenêutica. 75.
31 lbid.,75.
CAPITULO 10: INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 167

Eufemismos. É o emprego de palavras menos fortes para


suavizar o discurso. Exemplo (sobre a morte de Estêvão): “Então,
ajoelhando-se, clamou em alta voz: Senhor, não lhes imputes este
pecado! Com estas palavras, adormeceu” (At 7:60).
Litotes. E um recurso literário pelo qual se faz uma afirma­
tiva, pela negação do contrário. Exemplo: “Pois não me envergo­
nho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de
todo aquele que crê...” (Rm 1:16).
Ironia. Trata-se de uma repreensão por meio de uma aparente
aprovação. Exemplo: “Já estais fartos, já estais ricos; chegastes a
reinar sem nós...” (1 Co 4:8).
Hipérbole. E um exagero de retórica empregado para dar
ênfase. Usamos essa figura constantemente, quando afirmamos
que já pensamos ou fizemos uma coisa mais cie mil vezes. Um
exemplo bíblico encontra-se em João 21:25, onde o apóstolo
afirma que se fossem relatadas todas as coisas que Jesus fez,
“nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos”.
5. Milagres. Mais do que uma demonstração de compaixão,
em geral, os milagres são sinais da divindade de Jesus ou da auto­
ridade profética ou apostólica. Muito dificilmente um milagre
deve ser interpretado figurativamente, como desejam alguns. A
hermenêutica existencial, por exemplo, interpreta o milagre da
multiplicação dos pães como uma figura, segundo a qual, “Jesus
teria extraído das multidões um latente espírito de misericórdia, de
modo que todos seguiram o exemplo do menino, e contribuíram
com o que tinham, e todos puderam ser alimentados” .32 Nada,
entretanto, no relato bíblico, justifica sua interpretação figurada.
O Lugar cia Experiência Pessoal
A experiência pessoal deve ser interpretada à luz das
Escrituras e não o contrário. Esse é um dos grandes perigos na

32 Walter A. Henrichsen, Princípios de Interpretação Bíblica (São Paulo:


Editora Mundo Cristão, 1980), 38-39.
168 SOLA SCRIPTURA

interpretação da Bíblia. O intérprete bíblico precisa ter especial


cuidado para condicionar a sua experiência às Escrituras, e não
determinar o ensino das Escrituras em função da sua experiên­
cia pessoal. Se assim fizer, estará colocando a sua experiência
falível, em virtude da queda, como juiz supremo, e os resultados
serão inevitavelmente desastrosos. As experiências têm valor,
mas desde que submissas à autoridade da Palavra de Deus.
Referencial para Avaliação da Interpretação
A fé reformada nega qualquer autoridade que venha a se
igualar ou comparar com as Escrituras. A tradição não pode ser
regra de fé e prática. Entretanto, isso não quer dizer que se deva
desprezar a história da igreja. Os escritos dos Pais da Igreja e
dos fiéis intérpretes das Escrituras no decorrer da história são
especialmente importantes na avaliação da nossa interpretação.
Referindo-se a isso. Spurgeon disse: “Parece estranho que certos
homens, que falam tanto do que o Espírito Santo lhes revela,
considerem tão pouco o que Ele revelou a outros"."

Princípios Linguísticos de Interpretação


Como implementar, na prática, os princípios gerais de inter­
pretação que acabaram de ser mencionados? Por meio de prin­
cípios gramaticais (linguísticos) e históricos. Como já ioi dito,
uma das principais características da interpretação reformada é a
ênfase na língua (na sua sintaxe, gramática e vocabulário). Como
interpretar a mensagem do texto sem compreender o que está
escrito? Para interpretar de modo preciso um texto das Escrituras
é importante, portanto, considerar os seguintes aspectos:
Sintáticos
Deve-se procurar compreender a estrutura do texto, a sua
ligação com o contexto anterior. Para isso, as conjunções são3

33 Charles Spurgeon. Lectwes to My Students, vol. 4 (Albany. Oregon: Ages.


19%). 10.
CAPÍTULO 10: INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 169

muito importantes, pois funcionam como conexões lógicas,


explicando a relação do texto com o seu contexto anterior.
Também é importante identificar parênteses, digressões e
anacolutos, para se acompanhar o raciocínio do autor e compre­
ender corretamente o significado de uma passagem. Os parênte­
ses são empregados para fornecer breves detalhes relacionados
ao assunto (exemplos: At 1:15). Nem sempre os parênteses são
indicados no texto. As digressões são parênteses longos, onde o
curso normal do pensamento é interrompido, para ser retomado
adiante (exemplos: 2 Coríntios 2:14-7:4, onde Paulo defende o
seu ministério; e Hebreus 5:11-6:20, onde o autor exorta seus
leitores à maturidade na fé). Já os anacolutos, são desvios brus­
cos e sem retorno à linha de argumentação, normal mente motiva­
dos por forte emoção. Eles são comuns nos escritos do apóstolo
Paulo. A carta aos Gálatas, a Segunda Carta aos Coríntios e o
Livro de Apocalipse contêm vários anacolutos.
Gramaticais
A gramática grega é rica, dispondo de muitas formas grama­
ticais e flexòes para expressar relatos, descrições e argumenta­
ções lógicas. E de suma importância que se observe os tempos,
modos e vozes dos verbos. É importante que se atente para o
uso dos casos, das preposições e dos pronomes; e se analise a
concordância dos adjetivos, artigos, pronomes, etc. O intérprete
deve considerar igualmente o uso dos particípios, especialmente
em sua relação para com o verbo principal da frase.
Semânticos
E evidente que para se interpretar um texto é necessário
entender o sentido das palavras empregadas. No caso do grego
coinê, uma língua antiga, para que se compreenda o sentido dos
vocábulos, é preciso estudá-los etimologicamente, especialmente
vocábulos compostos e os que aparecem apenas uma vez no
Novo Testamento.34 E necessário também investigar os possíveis

34
Conhecidas como cmaE Xeycónerag.
170 SOLA SCRIPTURA

sentidos da palavra no NT e demais escritos antigos, e dar aten­


ção especial aos sinônimos.'' Léxicos e dicionários especializa­
dos ajudam nessa tarefa.

Princípios Históricos de Interpretação


As Escrituras, como já mencionado, foram escritas em
circunstâncias históricas específicas, por pessoas com persona­
lidades e formações distintas, para leitores imediatos determi­
nados. Logo, a compreensão de uma passagem bíblica depende
também do conhecimento das circunstâncias a ela relacionadas.
Havendo, portanto, dificuldade para a compreensão de uma
passagem bíblica, é necessário investigar as circunstâncias histó­
ricas, geográficas, políticas, sociais, econômicas e religiosas rela­
cionadas ao autor, aos leitores e às pessoas envolvidas.
Para isso, deve-se recorrer especialmente às próprias
Escrituras (fonte interna). Muitas questões históricas podem ser
respondidas por outras passagens bíblicas. Havendo necessidade,
outras fontes externas podem ser consultadas, tais como obras
arqueológicas e históricas sobre o Antigo Testamento, sobre o
período intertestamentário e sobre o Novo Testamento. Os escri­
tos de Josefo, Filo e Heródoto, por exemplo, lançam luz sobre
muitas circunstâncias históricas das Escrituras. Os dicionários
bíblico-teológicos, os compêndios de introdução ao Antigo.e ao
Novo Testamento, e os comentários bíblicos fornecem esse tipo
de informação de modo mais prático, resumido e acessível.’’6

A Meta da Interpretação Reformada das Escrituras


Para concluirmos este assunto, uma palavra precisa ser dita
sobre o propósito ou meta da interpretação das Escrituras.

3> Exemplos: amor (àyomTi. <jx\ía, èpoç), novo (kouuóç, véoç), pecado (ápap-
Tta, àatfjfia, àrogía, TrapánTojpa), etc.
36 Questões históricas introdutórias, tais como: pano de fundo. data. destinatários,
integridade e, especialmente, autoria, são discutidas resumidamente em Donald Guthrie,
"Questions o f Introduction”, em New Testament lnterpivtation: Essays on Principies
andMethod, ed. 1. H. Marshall (Exeter: The Patemoster Press. 1979): 105-16.
CAPITULO 10: INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS 171

A hermenêutica reformada não se dá por satisfeita com a mera


compreensão intelectual de uma passagem bíblica. Os esforços
da corrente reformada de interpretação, no sentido de compreen­
der intelectualmente as Escrituras, baseiam-se na convicção de
que a mente é a porta de entrada para o coração e a vontade. Para
Lutero, Calvino, Jonathan Edwards, Richard Baxter, Spurgeon,
Ryle, Lloyd-Jones e muitos outros, o alvo da interpretação das
Escrituras é o coração e a vontade (o sentimento religioso e a
obediência a Deus). Contudo, para todos eles, isso só é alcançado
indiretamente, pela compreensão da Escritura Sagrada.
Segundo Jonathan Edwards, por exemplo, “a verdadeira reli­
gião consiste, em grande parte, de santas afeições”. Entretanto,
segundo ele, estas afeições santas “são suscitadas pela mente
sendo iluminada, reta e espiritualmente, para entender ou apre­
ender as coisas divinas”. Para ele, o propósito da interpretação é
alcançar estas santas afeições através da iluminação apropriada
da mente.’7 Escrevendo sobre a hermenêutica de Lloyd-Jones,
Jung observa que para ele:
A apreensão intelectual da verdade é absolutamente essencial e o enten­
dimento mental é vital. Mas uma compreensão satisfatória, para ele, é
mais do que um assentimento intelectual à verdade... Quando alguém
realmente compreende a verdade do texto, então deveria haver uma
afeição correspondente para com ela.'s

Amor a Deus e obediência à sua vontade, por intermédio da


compreensão das verdades bíblicas são, portanto, os propósitos
da interpretação reformada das Escrituras.
Quando o intérprete reformado se aproxima das Escrituras
para estudá-las, busca compreender o que está escrito, com vistas
a discernir a verdade (doutrina, mensagem, lição) do texto. Para

77 Citado em Keun-Doo Jung, A Study o f lhe Authority o f Scripture with


Rcference to The Westminster Confession o f Faith (tese de mestrado em teologia,
Potehefstroom, África do Sul: Potchefstroom University forChristian I ligher Education,
1981), 65.
vx Ibid., 64.
172 SOLA SCRIPTURA

isso, ele suplica a iluminação do Espírito e lança mão dos instru­


mentos hermenêuticos que dispõe. Entretanto, ele faz isso de
modo que o coração seja alcançado e a vontade movida. O alvo
da interpretação reformada das Escrituras é conhecer a Deus e a
sua vontade revelada; é amá-lo de todo o coração e com toda a
força; e obedecê-lo, adorá-lo e servi-lo. determinando viver de
modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado.
Possa Deus abençoar-nos a todos nesse sentido. Que o seu
Espírito, ilumine o nosso coração para compreendermos a sua
Palavra. Que Ele a use como lenha para aquecer o nosso coração
com santas afeições e mover a nossa vontade com santas deter­
minações.
CAPÍTULO 11
AUTORIDADE SUPREMA
DAS ESCRITURAS

O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser deter­
minadas, e por quem serão examinados todos os decretos de cuncílios, todas
as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões
particulares, o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode
ser outro senão o Esp írito Santo falando nas Escrituras (parágrafo X).

O décimo e último parágrafo do primeiro capítulo da


Confissão de Fé de Westminster pode ser considerado como
conclusão do ensino do capítulo sobre a doutrina das Escrituras.
Tudo o que foi dito nos parágrafos anteriores conduz à inevitável
conclusão de que a Bíblia é o juiz supremo de todas as contro­
vérsias religiosas. Este parágrafo ensina, portanto, a doutrina da
autoridade suprema da Escritura Sagrada.

TENDÊNCIA GERAL
O ensino da Confissão de Westminster sobre o assunto
continua importante e atual. Hoje, como no passado, nos depa­
ramos com a mesma tendência geral de limitar a autoridade das
Escrituras. E isso ocorre de duas maneiras:
Fontes Suplementares de Autoridade
Por um lado, observa-se a tendência de limitar a autoridade
das Escrituras, admitindo-se fontes adicionais ou suplementares1

1 Ler 2 Pedro 3:16-17 e 2 Timóteo 1:20-2:1.


174 SOLA SCRIPTURA

de autoridade, tais como a tradição (pela Igreja de Roma) e por


novas revelações do Espírito (pelos antigos entusiastas e pelos
carismáticos modernos). O suficiente sobre essas tendências já
foi dito quando estudamos outros parágrafos deste capítulo da
Confissão de Fé.

Redução da Autoridade das Escrituras


Por outro lado, há, como no passado, a tendência de se
limitara autoridade das Escrituras, negando-a, subjetivando-a ou
reduzindo o seu escopo. E o que fazem hoje a teologia liberal, a
neo-ortodoxia e o neo-evangelicalismo, com relação a três dos
principais aspectos da doutrina da autoridade da Bíblia Sagrada.
Essas três concepções de “autoridade” das Escrituras preci­
sam ser entendidas. Elas estão sendo bastante divulgadas em
nossos dias. e são, em certo sentido, até mais perigosas do que as
duas tendências anteriormente mencionadas, posto que mais sutis.
Isso pode ser melhor entendido, considerando-se os três
principais aspectos da doutrina da autoridade das Escrituras.

ASPECTOS IMPORTANTES DA DOUTRINA


Há três importantes aspectos na doutrina da autoridade das
Escrituras: sua origem (ou base), sua certeza (ou convicção), e
seu escopo (ou abrangência).

Origem ou Base da Autoridade das Escrituras


A origem ou base da autoridade da Escritura, como já foi
considerado,2 encontra-se na sua autoria divina. As Escrituras
são autoritativas por serem de origem divina: o Espírito Santo é o
seu autor primário. Para os reformadores, a Bíblia é autoritativa
porque é a Palavra de Deus inspirada. Por essa razão ela é infalí­
vel, inerrante, clara, suficiente, etc.

2 Ensinada mais especificamente no parágrafo IV do capítulo 1 da Confissão


de Fé de Westminster.
CAPITULO 11: AUTORIDADE SUPREMA DAS ESCRITURAS 175

A teologia liberal racionalista nega a própria base da autori­


dade da Escritura. negando a sua origem divina. Para a teologia
liberal, as Escrituras sâo produto do espírito humano, expres­
sando verdades divinas conforme discernidas pelos seus autores,
bem como erros e falhas características do homem. Sua autori­
dade. portanto, nào é divina nem inerente, mas humana, devendo
ser determinada pelo julgamento da razão crítica. Segundo
os teólogos liberais: “Verdade divina nào é encontrada em um
livro antigo, mas na obra contínua do Espírito na comunidade,
conforme discernida pelo julgamento crítico racional”.' De
acordo com a teologia liberal,
Nós estamos em uma nova situação histórica, com uma nova consciên­
cia da nossa autonomia e responsabilidade para repensar as coisas por
nós mesmos. Não podemos mais apelar à inquestionável autoridade de
um livro inspirado.34*

O capítulo primeiro da Confissão de Fé de Westminster


representa um antídoto contra a teologia liberal. Ele “é um teste­
munho de que a Bíblia é mais do que um simples registro de
revelações passadas de Deus através dos séculos; ela é em si
mesma uma revelação de Deus”.''

Certeza da Autoridade das Escrituras


A certeza ou convicção da autoridade das Escrituras6
provém do testemunho interno do Espírito Santo. A excelência
do seu conteúdo, a eficácia da sua doutrina e a sua extraordiná­
ria unidade são algumas das características que demonstram a
sua autoridade divina. Contudo, professamos que “a nossa plena
persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade

3 C. Pinnock (citado cm Jung, A Study ofthe Authority ofScripture, 45).


4 G. D. Kaufrnan (Ibid.).
' Thomas, A Visão Puritana das Escrituras, 14.
6 Ensinada mais especificamente no parágrafo V do cap. I da Confissão de Fé
de Westminster.
176 SOIA SCRIPTURA

provém da operação interna do Espírito Santo que, pela Palavra


e com a Palavra, testifica em nossos corações”.7
Essa declaração da Confissão de Westminster diz respeito à
certeza do crente com relação à plena autoridade das Escrituras,
e não à própria autoridade inerente da Bíblia. A convicção de um
crente de que as Escrituras são autoritativas é subjetiva. Mas a auto­
ridade das Escrituras é objetiva. Esteja-se ou não convencido da sua
autoridade, a Bíblia é e continua objetivamente autoritativa.
A neo-ortodoxia existencialista parece confundir esses aspec­
tos e defende a subjetividade da própria autoridade bíblica. Para
os neo-ortodoxos, a revelação bíblica só é verdade divina quando
fala ao nosso coração. Como dizem, “as Escrituras não são, mas
se tornam a Palavra de Deus” quando existencializadas.

Escopo da Autoridade das Escrituras


Essas posições da teologia liberal e da neo-ortodoxia com
relação à origem e à certeza da autoridade das Escrituras são
muito sérias. Contudo, mais séria ainda é a questão relacionada
ao escopo das Escrituras.
Uma nova posição tem surgido entre eruditos evangélicos,
inclusive reformados de renome, tais como G. C. Berkouvver,
conhecida como neo-evangélica ou neo-reformada. Esses evan­
gélicos limitam o escopo da autoridade da Bíblia ao seu propó­
sito salvífico. Na concepção deles, a autoridade das Escrituras se
limita à revelação de assuntos diretamente relacionados à salva­
ção, a assuntos religiosos.
A concepção neo-evangélica faz diferença entre o conteúdo
salvífico das Escrituras e o seu contexto salvífico, reivindicando
autoridade e inerrância apenas do conteúdo. Trata-se de uma
tentativa de conciliar a doutrina da autoridade das Escrituras com
supostos erros históricos ou científicos.

7 Confissão de Fé de Westminster. I:v.


CAPÍTULO 11: AUTORIDADE SUPREMA DAS ESCRITURAS 177

Essa concepção não reflete nem se coaduna com a posição


reformada e protestante histórica. Para a fé reformada histórica, o
escopo da autoridade das Escrituras é todo o seu cânon. E verdade
que a Bíblia não se propõe a ser um compêndio científico ou
um livro histórico. No entanto, todas as afirmativas contidas nas
Escrituras, sejam elas de caráter teológico, prático, histórico ou
científico, são inerrantes e autoritativas.8
Os principais problemas relacionados a essa concepção
quanto à autoridade das Escrituras, são estes: Primeiro, como
distinguir o conteúdo sal vífico da Bíblia do seu contexto salví­
fico? É impossível. As Escrituras são a Palavra de Deus revelada
na história. Segundo, como delimitar o que está ou não direta­
mente relacionado ao conteúdo salvífico, se o propósito da obra
da redenção não é meramente salvar o homem, mas restaurar o
cosmo? Que porções das Escrituras ficariam de fora do escopo
da salvação? Como Ridderbos argumenta, “a Bíblia não é apenas
o livro da conversão, mas também o livro da história e o livro
da criação...'”9 Que áreas da vida humana ficariam de fora da
obra da redenção? A arte, a ciência, a história, a ética, a moral?
Quem delimitaria as fronteiras entre o que está ou não incluído
no conteúdo salvífico? Admitir o conceito neo-evangélico de
autoridade das Escrituras é cair na cilada liberal do cânon dentro
do cânon, é elevar o intelecto humano à posição de juiz supremo
de fé e prática.

CONCLUSÃO
A fé reformada admite que o propósito especial das
Escrituras não é histórico, moral ou científico, mas salvífico,
e que é nelas que deve ser determinada toda controvérsia reli­

8 Unia demonstração da posição reformada e protestante histórica da inerrân-


cia das Escrituras é encontrada em John H. Gerstner, “A Doutrina da Igreja sobre a
Inspiração Bíblica”, em O Alicerce da Autoridade Bíblica, 25-68.
9 Herman Ridderbos, Studies in Scripture and its Authority (Grand Rapids:
William B. Eerdmans, 1978), 24.
178 SOLA SCRIPTURA

giosa. Contudo, ela não limita a sua autoridade de forma alguma:


nem por adições, nem por reduções de qualquer espécie. Ela se
contenta com a revelação bíblica, e não admite nenhuma outra
fonte adicional ou suplementar, seja a velha tradição católico-
romana, sejam as novas revelações carismáticas. Por outro lado,
a fé reformada não abre mão de nada da revelação que lhe foi
entregue. Ela não nega a sua autoridade divina; não confunde
a subjetividade da certeza da autoridade com a objetividade da
sua autoridade intrínseca; nem limita a autoridade da Bíblia ao
seu propósito ou conteúdo salvífico. Os reformados recorrem às
Escrituras como Juiz Supremo em matéria de fé e prática, subme­
tendo-se plenamente à sua autoridade.
Essa doutrina é importante para a solução de discordâncias
doutrinárias, litúrgicas e com relação a práticas eclesiásticas. O
seu significado prático é resumido por Spear, como segue:
Isto significa que quando há discordância, os crentes não devem depen­
der primariamente de decisões anteriores de sínodos e concílios, mas
permanecer orando pela ajuda do Espírito Santo, e estudando juntos as
Escrituras. () veredicto é dado pelo Espírito, quando as pessoas chegam
a compartilhar uma fé comum, baseada nas Escrituras."’

10 Spear. "The Westminster Confcssion o f Faith and I foly Scripture”, 98.


CAPÍTULO 12
OBJEÇÕES E RESPOSTAS

A doutrina reformada das Escrituras tem encontrado forte


oposição, especialmente nos últimos séculos, com o surgimento
do racionalismo, da alta crítica, do liberalismo, da neo-ortodoxia
e, mais recentemente, do neo-evangelicalismo.
Qual a razão para essa crescente oposição? O motivo
alegado é quase sempre a suposta existência de erros e contra­
dições internas ou externas, demonstradas por descobertas histó­
ricas ou científicas recentes. Entretanto, seriam mesmo estas
as razões? É interessante observar que muitas das dificuldades
levantadas já eram conhecidas há séculos por Agostinho, Lutero,
Calvino e outros, os quais nem por isso foram levados a duvi­
dar da inspiração, da autoridade ou da inerrância dos escritos
sagrados. A real razão, portanto, para a negação das doutrinas
históricas ortodoxas com relação às Escrituras parece estar, sim,
nas céticas pressuposições filosóficas naturalistas, racionalistas e
existencialistas que influenciaram algumas das modernas escolas
de pensamento teológico.1
Referindo-se ao assunto, Packer parece detectar outras
razões, ao observar que "o problema, sem dúvida, é que estes

1 Como tem sido observado por alguns defensores da inerrância das Escrituras,
tais como James Montgomery Boice, "O Pregador e a Palavra de Deus”, em O Alicerce
da Autoridade Bíblica, 156.
180 SOLA SCRIPTURA

teólogos têm sido por demais ativos em aparentar grandeza diante


dos filósofos nos círculos universitários secularizados, onde tào
grande parte do seu trabalho se realiza e se discute... a teologia
assumiu o aspecto de uma brincadeira intelectual divorciada da
vida real...'’2
Convém, entretanto, analisar algumas das objeções mais
comumente levantadas contra a inspiração, autoridade e conse­
quente inerrância da Bíblia.

ERROS DE TRANSMISSÃO
Uma das objeções levantadas - talvez a mais sincera, e com
relação à qual a ortodoxia não tem dado uma resposta realmente
satisfatória - tem a ver com a preservação das Escrituras. De
que adianta falar em inspiração verbal e inerrância da Bíblia, se
o texto original não teria sido preservado, mas sim corrompido
no decorrer dos anos, com milhares de erros introduzidos pelos
copistas, a tal ponto que nos é virtualmente impossível determi­
nar com segurança as palavras originais?
Não é necessário nos determos para analisar essa objeção,
visto que a questão já foi tratada quando do estudo da doutrina
da preserv ação. Aqui, basta lembrar que o problema não está no
texto, mas nas teorias modernas da crítica textual que rejeitaram
o texto preservado nos milhares de manuscritos que apresen­
tam o texto majoritário. Não há nada de errado, portanto, com a
doutrina da inspiração ou da preservação das Escrituras. Há sim,
com a metodologia crítica atualmente empregada no estudo dos
manuscritos bíblicos.

ERROS CIENTÍFICOS
Fala-se muito a respeito dos erros científicos que as
Escrituras apresentariam. Afirma-se que os fatos e relatos escri-

2 J. I. Packer, “Confrontando os Conceitos dos Nossos Dias Acerca das


Escrituras", em O Alicerce da Autoridade Bíblica, 73.
CAPÍTULO 12: OBJEÇÕES E RESPOSTAS 181

turísticos não resistem a uma investigação científica; que muitos


fatos científicos comprovados negam os relatos bíblicos. E que é,
portanto, impossível harmonizar a Bíblia com a Ciência.
Contudo, antes que alguém atribua à Ciência uma autori­
dade exagerada, e se apresse a fazer dela sua regra de fé e prática,
e juiz supremo de todas as coisas, convém avaliar os fatos. Em
1861, a Academia Francesa de Ciência publicou uma lista de
51 “fatos científicos” que iriam de encontro com as afirmativas
bíblicas. Hoje, cento e cinquenta e dois anos depois, a Bíblia
permanece autoritativa; enquanto nenhum dos 51 “fatos cientí­
ficos” publicados ainda é inteiramente sustentado pela Ciência!
A verdade é que os “fatos científicos” são tão mutáveis que os
livros acadêmicos precisam ser constantemente reescritos. Uma
geração não pode lançar mão dos “fatos científicos” de gerações
anteriores indiscriminadamente, nem usar os livros de seus avós.
É fato que teses científicas de mestrado ou doutorado baseiam-se
mais em artigos do que em livros, visto que estes, quando publi­
cados, já podem estar parcialmente ultrapassados.
Será que alguém acredita que a Ciência já alcançou o seu
ápice, sua forma final, infalível?! Quanto mais o homem avança
em seus conhecimentos, mais descobre seus erros, o quão pouco
sabe, e que está apenas começando. Os cientistas são como uma
criança brincando à beira da praia de um oceano tão grande que
não podem mensurar.
Além disso, é preciso distinguir teorias e hipóteses dqfatos cien­
tíficos. Se os “fatos científicos” são mutáveis, que dizer das teorias e
hipóteses! For outro lado, determinadas interpretações da Bíblia que
contradizem a Ciência também podem estar equivocadas.
De um modo ou de outro, a Bíblia, continua firme como
uma rocha batida pelas ondas da incredulidade, do ceticismo,
do racionalismo e da “ciência” materialista da nossa época.
É verdade que a Bíblia não é um livro científico. Ela não foi
escrita por uma perspectiva científica ou com propósito cientí­
fico. A Bíblia usa a linguagem do dia a dia para descrever os
182 SOLA SCRIPTURA

fatos, como eles aparecem; por exemplo: “os quatro cantos da


terra”, “as extremidades ou confins da terra”, “o sol se pôs e se
levantou”, etc. Isso não implica, porém, em erro científico. Nós
mesmos fazemos uso dessas expressões ainda hoje. Trata-se de
uma linguagem fenomenológica, segundo a qual, as coisas são
descritas pela sua aparência e não pela sua explicação científica.
O que querem os críticos? Que ao invés das Escrituras dizerem
(em Gn 24:63) “Saíra Isaque, a meditar no campo, ao cair da
tarde...,’ dissesse: “Saíra Isaque para meditar no campo quando
a revolução da terra sobre o seu eixo fez com que os raios do
luminário solar impingissem horizontal mente sobre a retina”?’
Convém observar que, ao descrever a majestade de Deus,
Isaias diz que ele está assentado “sobre a redondeza da terra”
(Is 40:22).34 E Jó afirma que “Deus faz pairar a terra sobre o
nada” (Jó 26:7), contrariando as idéias prevalecentes na época.
Uma coisa é dizer que a Bíblia contém afirmativas que não estão
em harmonia com várias teses científicas de nossos dias; ou que
as Escrituras não empregam uma linguagem científica. Outra,
bem diferente, é dizer que a Bíblia contém erros provados pela
Ciência. Tal afirmativa pressupõe a inerrância científica, impos­
sível de ser sustentada.
Convém lembrar, finalmente, da palavra de Deus a Daniel:
“Tu, porém, Daniel, encerra as palavras e sela o livro, até ao tempo
do fim; muitos o esquadrinharão, e o saber se multiplicará”.5
Sejamos pacientes, enquanto esquadrinhamos as Escrituras.
Esperemos que o saber se multiplique.

ERROS HISTÓRICOS
Fala-se, também, em erros históricos. Relatos bíblicos em
desacordo com a história secular. A história não menciona relatos

3 Exemplo de A. H. Strong, citado em Gerstner, A Doutrina da Igreja Sobre a


Inspiração Bíblica, 60.
4 Círculo, abóbada. Conferir o uso do termo em Jó 22:14; 26:10 e
Provérbios 8:27.
5 Daniel 12:4.
CAPÍTULO 12: OBJEÇÕES E RESPOSTAS 183

bíblicos importantes, tais como a marcha de Senaqueribe contra


Jerusalém e a matança de 185 mil assírios pelo anjo do Senhor.
Também não menciona a elevação de Ester à posição de rainha.
Entretanto, o conhecimento dos fatos históricos antigos
depende das fontes, que são limitadas. Mesmo essas tontes
são passíveis de erro. Logo, a nossa compreensão da história é
necessariamente limitada. Deve-se distinguir também as evidên­
cias históricas das interpretações dessas evidências. Algumas
aparentes contradições históricas podem muito bem decorrer de
más interpretações das fontes históricas, ou de más interpreta­
ções de relatos.
Não obstante, no último século, a arqueologia tem desco­
berto farto material anteriormente desconhecido, que tem corro­
borado fatos bíblicos outrora negados pela história secular.
Alguns exemplos: cidades antediluvianas, narrações do dilúvio
(placas descobertas em 1872 pelo Museu Britânico), menção da
cidade de Ur dos Caldeus, etc.6

CONTRADIÇÕES INTERNAS
A objeção mais séria levantada contra a inspiração e iner-
rância das Escrituras é a alegação de que há contradições inter­
nas nos seus relatos.

Discrepância entre os Relatos Bíblicos de um Assunto


Essas discrepâncias, contudo, são apenas aparentes, devido
à laconicidade dos textos, tradução deficiente, má interpretação
ou pressuposições de incredulidade. Corretamente interpretados,
os textos não apenas não se contradizem, mas em muitos casos se
completam. Eis alguns dos exemplos mais explorados:
Atos 9:7 e 22:9. Os companheiros de Paulo ouviram ou
não ouviram a voz de Jesus, por ocasião da sua conversão? O
original, em 22:9, diz “contudo não ouviram a voz/som ((Jxnvqv)

6 Ver Merril F. Unger, Arqueologia do Velho Testamento (São Paulo: Imprensa


Batista Regular, 1980).
184
SOLA SCRIPTURA

dc quem falava comigo . A nossa tradução já está interpretada,


eliminando a aparente contradição. Explicação provável: eles
ouviram o som (4>cuvf|v), mas não entenderam o seu sentido.
Mateus 8:5 e Lucas 7:3. O próprio centurião foi até Jesus
pedir-lhe que curasse seu servo, ou mandou anciãos? Resposta:
não há nenhum erro em se omitir detalhes de um relato. É comum
atribuir a alguém, palavras ou atos de seus intermediários. Ex:
“Nós vamos construir o nosso templo”. Na realidade, quem vai
construir são os operários.
Mateus 27.5 e Atos 1:18. Judas devolveu o dinheiro
aos sacerdotes ou adquiriu um campo? Resposta: os textos se
completam; depois que se suicidou, os sacerdotes compraram
com o dinheiro um campo para enterrá-lo.
Mateus 10:10 e Marcos 6:8. Os discípulos poderíam ou não
levai sandálias e bordão ? Resposta provável: era para levar apenas
um de cada. O contexto era que não levassem nada sobressalente
(alforje ou duas túnicas). Em Mateus 10:10, “duas” refere-se não
só a túnicas, mas a sandálias e bordão. É por isso que em Marcos
6:8 especifica-se só “um” bordão, e no verso 9 que fossem calça­
dos de sandálias, mas não levassem “duas’ túnicas. Ou seja. era
para partirem somente com a roupa do corpo: sandálias, túnica e
bordão. Nada de alforje, pois não levariam nada mais.

Discrepâncias e Liberdade nas Citações do AT pelo NT


Não há nenhum erro em mencionar o que outro disse ou
escreveu, apenas no sentido geral, não literal.
Além disso, muitas das variações se devem ao emprego
da Septuaginta. “Esta era virtualmente a única forma do Antigo
Testamento que existia nas mãos dos fiéis judeus fora da Palestina,
e certamente era a única disponível para os gentios convertidos à
fé judaica ou ao Cristianismo”.7Nada mais natural que essa versão
tosse empregada por autores do Novo Testamento. Isso não signi­

Gleason L. Archer, O Testemunho da Bíblia à sua Própria Inerrâneia" em


O Alieerce da Autoridade Bíblica, 114.
CAPÍTULO 12: OBJEÇÕES E RESPOSTAS 185

fica que haja erros no Antigo Testamento, assim como nós não
negamos a inerrância dos textos originais das Escrituras, por
fazermos uso de uma determinada versão. Seja qual for a versão
usada pelos autores do Novo Testamente, uma vez utilizada, as
suas citações são inspiradas e, consequentemente, canônicas.
Finalmente, visto que estavam sendo dirigidos pelo Espírito
Santo, os autores do Novo Testamento podiam legitimamente
aplicar um texto do Antigo Testamento em outro contexto ou
em outro sentido, ou até mesmo modificar o texto do Antigo
Testamento para adaptá-lo ao seu atual propósito.s

OUTRAS OBJEÇÕES
Outras objeções são ainda levantadas contra as doutrinas da
inspiração, autoridade e inerrância das Escrituras. Estas, contudo,
são ainda mais frágeis. Exemplos:
Objeções Teológicas. Exemplo: Tiago contradiz Romanos
(fé e obras). A diferença é apenas de ênfase: Tiago enfatiza que a
fé genuína é evidenciada por meio das obras.
Objeções Morais. Exemplo: Se a Bíblia é inspirada, como
é que ela registra poligamias, adultérios e escravidão? O lato da
Bíblia não ocultar esses acontecimentos é mais uma evidência
em seu favor.
Objeções Materialistas. Eventos contrários às leis da natu­
reza. tais como andar sobre o mar, transformar água em vinho,
multiplicar pães, fazer o sol parar, acalmar tempestades e ressus­
citar mortos. Os que levantam essas objeções revelam apenas sua
pressuposição materialista. O Deus que a Bíblia apresenta é o
Criador Onipotente de todas as coisas, o qual tem poder e autori-8

8 Para uma explicação mais detalhada sobre a maneira como o Novo Testamento
cita o Antigo, ver Roger Nicole, "Citas dei Antiguo Testamento en el Nuevo Testamento”,
em Dicionário dc Io Teologia Prático'. Hermenêutico, 27-34. Para uma análise porme­
norizada das citações do Antigo Testamento no Novo Testamento. \er G. K. Beale e D.
A. Carson, eds., Convnentarv on lhe New Testonient Use oj the Old Testoment (Grand
Rapids: Baker e Nottingham: Apollos, 2007; segunda impressão: 2008).
186 SOIA SCRIPTURA

dade absolutos sobre a sua criação. É evidente que o Criador não


está sujeito às leis naturais que regem as obras das suas mãos.

CONCLUSÃO
Não quero sugerir, com os exemplos mencionados, que
podemos explicar todas as dificuldades encontradas na Bíblia.
Volto a ressaltar que a doutrina reformada reivindica uma clareza
substancial, mas não total das Escrituras. O que afirmamos é
que as contradições são apenas aparentes, decorrentes do caráter
humano ou mesmo divino da Palavra de Deus. De fato, é mesmo
de se esperar que criaturas finitas, limitadas e pecaminosas como
nós tenham reais dificuldades em compreender e harmonizar toda
a revelação bíblica. Pode nos faltar informações ou compreensão
adequada do texto bíblico, mas isso não implica, de modo algum,
na falibilidade ou errância das Escrituras.
O certo é que a doutrina reformada das Escrituras é bíblica.
Para Jesus e os apóstolos, a autoridade das Escrituras era defini­
tiva, e as expressões “está escrito", “assim dizem as Escrituras",
etc., determinavam qualquer questão. Longe de fazer distinção
entre mito e fato, ou entre conteúdo salvífico e contexto salvífico,
Jesus aceitou como verdadeiros os fatos históricos ou científicos
considerados inaceitáveis pelos críticos modernos das Escrituras,
tais como a historicidade de nossos primeiros pais (Mt 19:4-5),
o dilúvio (Mt 24:38-39) e o fato de Jonas ter passado três dias
no ventre de um peixe (Mt 12:40). Como observa Archer, Jesus
“colocou a sua crucificação e ressurreição no mesmo plano
histórico'"' daquilo que aconteceu com Jonas.
As afirmativas de Jesus e dos apóstolos quanto à inerrân-
cia das Escrituras são explícitas e inequívocas: “A Escritura não
pode falhar" (Jo 10:35). “E não pensemos que a palavra de Deus
haja falhado" (Rm 9:6). “Seja Deus verdadeiro, e mentiroso todo
homem” (Rm 3:4).

Archer, O Testemunho ita Bíblia à sua Própria luerrância. 108.


CAPÍTULO 13
RESUMO E APLICAÇÕES

Este capítulo resume e aplica as principais verdades sobre a


doutrina reformada das Escrituras.

DA DOUTRINA DA REVELAÇÃO
Resumo: Deus se revela na criação, de modo que o homem
é indesculpável. Entretanto, essa revelação natural não é sufi­
ciente para salvá-lo. Por isso aprouve a Deus revelar-se de modo
especial à igreja e mandar escrever essa revelação.
Aplicações: (1) Visto que Deus se revela na natureza, deve­
mos contemplar e estudar a criação como obra das suas mãos,
de modo que possamos reconhecê-lo nela sem contundi-lo com
ela, e ser-lhe grato e glorificá-lo, cultuá-lo e servi-lo. (2) Visto
que as Escrituras são a única revelação salvífica, e que à igreja
foram confiados esses oráculos de Deus, sua função primordial
(da igreja) é preservar, proclamar, ensinar e vivenciar fielmente a
sua mensagem, como coluna e baluarte da verdade.

DO CANON DAS ESCRITURAS


Resumo: a igreja não estabelece o cânon das Escrituras, ela
apenas o reconhece pelo testemunho da história, pelas evidências
internas da própria Escritura e, especialmente, pelo testemunho
interno do Espírito Santo na igreja como um todo.
188 SOLA SCR1PTURA

Aplicação: o testemunho da história da igreja no reconhe­


cimento do cânon deve ser visto como resultado da ação do
Espírito Santo, devido à perversão do homem e investidas do
diabo. Dos períodos áureos da história da igreja, podemos extrair
importantes exemplos positivos. Dos seus períodos de deca­
dência e corrupção, podemos extrair importantes advertências.
Entretanto, é prerrogativa do Espírito Santo convencer o homem
acerca das evidências internas da origem divina das Escrituras.

DA INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS


Resumo: as Escrituras têm natureza divino-humana - elas
são a Palavra de Deus escrita em linguagem humana, por pessoas
em pleno uso de suas faculdades. Contudo, tais pessoas foram de
tal modo dirigidas pelo Espírito Santo que tudo o que registraram
nas Escrituras é livre de erro, constituindo-se em revelação infa­
lível e inerrante de Deus ao homem.
Aplicação: não devemos nos aproximar da Bíblia como se
ela fosse mero produto do espírito humano, proveniente de parti­
cular elucidação ou discernimento (2 Pd 1:20-21). Também não
devemos nos aproximar dela como se fosse um livro psicogra-
fado, sem considerar seu contexto histórico. É preciso também
rejeitar qualquer forma de inspiração parcial ou mental das
Escrituras. Toda Escritura, e cada palavra dela, foi inspirada pelo
Espírito Santo.

DA AUTORIDADE DAS ESCRITURAS


Resumo: a autoridade da Bíblia decorre da sua origem divina.
Ela é reconhecida pelo crente plenamente pelo testemunho interno
do Espírito Santo, e não pode ser limitada de forma alguma.
Aplicações: (1) Devemos ter cuidado com os grandes
usurpadores da autoridade das Escrituras: o tradicionalismo, o
emocionalismo e o racionalismo. (2) Não pensemos que alguém
possa ser plenamente persuadido da autoridade da Palavra de
Deus, a não ser pela ação iluminadora do Espírito Santo, o único
CAPÍTULO 13: RESUMO E APLICAÇÕES 189

que pode remover as trevas do coração. É impossível ao homem


natural reconhecer a autoridade da Bíblia. (3) Em última instân­
cia, a questão da autoridade das Escrituras é uma questão de fé.
A real antítese se encontra entre fé na autoridade da Bíblia ou té
na autoridade do homem (tradição, emoção ou razão). Quem tem
a última palavra: Deus, falando nas Escrituras, ou o homem, por
meio das suas tradições, sentimentos ou razão? (4) A té reíor-
mada repudia a teologia liberal racionalista, que nega a autoridade
das Escrituras; rejeita a neo-ortodoxia existencialista, que torna
subjetiva a autoridade da Bíblia; e se recusa a aceitar a posição
neo-evangélica, que limita a autoridade da Palavra de Deus ao
seu conteúdo salvífieo. As Escrituras não são somente o livro da
salvação humana, mas da redenção do cosmo. Por conseguinte,
todo o seu conteúdo é autoritativo.

DA SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS


Resumo: embora as Escrituras não sejam exaustivas, elas
são suficientes em matéria de fé e prática. Nelas o homem encon­
tra tudo o que deve crer e tudo o Deus requer dele para que seja
salvo, sirva-o, adore-o e viva de modo que lhe seja agradável.
Aplicações: (1) Damo-nos por satisfeitos com as Escrituras e
repudiamos as tradições humanas e supostas novas revelações do
Espírito. (2) Embora reconheçamos que a Bíblia não nos fornece
todos os detalhes que gostaríamos, declaramos que ela nos provê
princípios, ensinos gerais e exemplos, a partir dos quais pode­
mos inferir logicamente tudo o que precisamos em matéria de fé
para a condução da igreja (doutrina, governo, disciplina, liturgia,
pregação, etc.) e prática individual (incluindo casamento, trabalho,
alimentação, vestuário, educação de filhos, relacionamentos, etc.).

DA CLAREZA DAS ESCRITURAS


Resumo: a fé reformada professa que as Escrituras são
substancial e intrinsecamente claras. Tanto o caminho da salva­
ção, como as doutrinas e práticas fundamentais, estão suficiente
190 SOLA SCRIPTURA

e claramente explicadas na Palavra de Deus, de modo que todo


homem que se empenhar em descobri-lo, com a ajuda do Espírito,
poderá fazê-lo, mesmo sem a intermediação da igreja.
Aplicações: (1) Todos podem ler a Bíblia e compreender
substancialmente o seu ensino, se estudarem-na diligentemente.
(2) A ação iluminadora do Espírito, pela própria Palavra, é indis­
pensável para tal —tanto nos descrentes (inicial), como nos crentes
(contínua). Daí a necessidade fundamental de se recorrer a Deus
em oração e suplicar a iluminação do Espírito. (3) A fé também é
indispensável para a clareza das Escrituras. Como disse Calvino,
“a té são os olhos pelos quais podemos contemplar a verdade de
Deus nas Escrituras”.

DA PRESERVAÇÃO DAS ESCRITURAS


Resumo: o texto bíblico, revelado e inspirado por Deus para
garantir o seu fiel registro nas Escrituras, foi cuidadosamente
preserv ado por Ele no decorrer dos séculos, de modo a garantir
que aquilo que foi revelado e inspirado continuasse disponível a
todas as gerações subsequentes. A história do texto manuscrito e
impresso demonstra esse fato (no texto massorético do AT e no
texto majoritário do NT).
Aplicações: (1) Quão danosa tem sido a influência do racio-
nalismo dos últimos séculos sobre a igreja! Quão obstinada é a
determinação do diabo em corromper o texto das Escrituras! (2)
Precisamos ter cuidado, sobriedade e precaução, para não acei­
tarmos as teorias e hipóteses seculares, sem profundo estudo e
juízo crítico, a luz das doutrinas bíblicas. (3) Devemos lembrar
que a erudição não é o juiz supremo das Escrituras. Por outro
lado. quão importante é a erudição ortodoxa, para fazer frente
e refutar as teorias racionalistas provenientes da sabedoria do
mundo e. assim, promover a verdade!

DA TRADUÇÃO DAS ESCRITURAS


Resumo: embora não exista tradução perfeita - por conse­
guinte, não professamos a inerrância de nenhuma tradução, mas
CAPÍTULO 13: RESUMO E APLICAÇÕES 191

dos textos originais - defendemos que as Escrituras devem ser


traduzidas para as línguas dos povos, para que sua mensagem
possa ser conhecida e praticada, como desde cedo ocorreu, e
como fizeram os reformadores.
Aplicações: (1) Mais uma vez, é preciso cuidado com as
influências da erudição secular (teorias, filosofias e metodolo­
gias) sobre a igreja! Não podemos nos apressar a adotar e aplicar
suas supostas descobertas, como por exemplo, a teoria da equiva­
lência dinâmica, sem profundo juízo crítico. Todas essas teorias e
metodologias devem ser avaliadas à luz das doutrinas fundamen­
tais das Escrituras. (2) As melhores traduções sao as mais preci­
sas (as mais fiéis ao texto e ao sentido original) e não as mais
populares, simples ou idiomáticas. (3) As traduções reformadas
são mais precisas do que as traduções recentes. Seguem um texto
mais próximo do original e, em geral, foram feitas por pessoas de
inquestionável reputação, ortodoxia e conhecimento teológico. O
que não significa que devam ser canonizadas ou que não possam
ser melhoradas e atualizadas.

DA INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS


Resumo: devido à sua natureza divino-humana, reconhece­
mos que há dificuldades de ordem espiritual e humana para a
compreensão das Escrituras. A exemplo do apóstolo Pedro, nós
também admitimos que “há nelas coisas difíceis de entender"
(2 Pd 3:16). É, portanto, necessário interpretar a Bíblia correta­
mente. E, para isso, faz-se necessária a iluminação do Espírito
Santo, o intérprete por excelência das Escrituras, e o emprego de
princípios de interpretação apropriados.
Aplicações: (1) Devem ser rejeitadas as interpretações espi­
ritualistas subjetivas (alegóricas, intuitivas e existencialistas), que
enfatizam exageradamente o caráter espiritual das Escrituras em
detrimento do seu caráter humano. Devem ser rejeitadas também,
as inteipretações humanistas racionalistas (como o método histó-
rico-crítico), que superenfatizam o caráter humano das Escrituras,
192 SOIA SCRIPTURA

em detrimento do seu caráter espiritual. (2) Deve-se preferir a


corrente reformada de interpretação, caracterizada pelo equilíbrio
decorrente de reconhecer o caráter divino-humano dos escritos
sagrados, fundamentada em pressupostos teológicos ortodoxos, e
empregar princípios de interpretação coerentes com esses pressu­
postos. (3) Os principais princípios de interpretação que devemos
observar são: (a) as Escrituras se auto-interpretam; (b) elas devem
ser interpretadas de acordo com a analogia da fé; (c) devem ser
consideradas dentro do seu contexto específico; (d) passagens
obscuras devem ser entendidas à luz de passagens mais claras;
(e) todo texto bíblico deve ser interpretado literalmente, a não
ser que a própria Escritura, contexto ou gênero literário indique
claramente o contrário; (f) a experiência pessoal deve ser julgada
(avaliada) pelas Escrituras e não o contrário; e (g) a história da
igreja é um importante referencial para a verificação das inter­
pretações. (4) A compreensão das verdades bíblicas não é o alvo
final da nossa interpretação das Escrituras. É, sim, o meio pelo
qual cremos que os sentimentos podem ser alcançados, de modo
que venhamos a amar a Deus de todo o nosso coração; e a nossa
vontade possa ser movida para obedecê-lo, adorá-lo e servi-lo.
CAPÍTULO 14
PRATICANTES DA PALAVRA

Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei,


com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a
vossa alma. Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes,
enganando-vos a vós mesmos. Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não
praticante, assemelha-se ao homem que contempla, num espelho, o seu rosto
natural; pois a s i mesmo se contempla, e se retira, e para logo se esquece de
como era a sua aparência. Mas aquele que considera, atentamente, na lei
perfeita, le i da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas
operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar.

Se alguém supõe ser religioso, deixando de refrear a língua, antes, enganando


o próprio coração, a sua religião é vã. A religião pura e sem mácula, para com
o nosso Deus e Pai, é esta: v isita r os órfãos e as viúvas nas suas tributações, e
a s i mesmo guardar-se incontaminado do mundo (Tiago 1:21-27).

Este capítulo final é uma aplicação prática da doutrina


reformada das Escrituras; uma exposição do texto bíblico acima
transcrito.

INTRODUÇÃO
A carta de Tiago é a mais prática de todas as cartas do Novo
Testamento. Trata-se de um manual resumido de conduta cristã,
em certo sentido comparável ao livro de Provérbios no Antigo
Testamento. Seu autor, Tiago, o irmão de Jesus, segundo os pais
da igreja, era o líder da igreja de Jerusalém (At 15:13 e G1 2:9,
12), e tomou-se conhecido como o apóstolo das obras.
194 SOLA SCRIPTURA

A sua ênfase nas obras é de tal ordem que alguns têm


demonstrado dificuldade em conciliar seu ensino com a doutrina
reformada fundamental da salvação pela graça mediante a fé, tão
claramente ensinada pelo apóstolo Paulo. Contudo, não há contra­
dição alguma. O que Tiago ensina é que as obras - no sentido
mais amplo, indicando vida reta, íntegra e obediente a Deus - são
a manifestação externa da salvação pela graça mediante a fé.
O apóstolo Paulo não ensina nada diferente, pois embora
afirme que “pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem
de vós, é dom de Deus” e que não somos salvos por obras, “para
que ninguém se glorie,” ele também afirma, logo a seguir, que
“somos feitura dele (de Deus), criados em Cristo Jesus para boas
obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos
nelas” (Ef 2:8-10). A única diferença entre Paulo e Tiago é de
ênfase, de enfoque. Enquanto Paulo focaliza especialmente (mas
não apenas) o modo da salvação pela graça, Tiago ressalta as suas
evidências externas. Paulo descreve a justificação v ista pelo lado
de Deus - sem o auxílio de obra alguma; Tiago, pelo lado dos
homens - evidenciada pela existência de obras.
O propósito de Tiago, portanto, ao escrever esta carta, é
exortar seus leitores a viverem de modo coerente com a salvação
pela graça mediante a fé, pois a fé se consuma ou se demonstra
pelas obras (2:22). Logo, a fé sem obras é morta, isto é, não é
verdadeira fé. “Mostra-me,” diz ele, “essa tua fé sem as obras, e
eu. com as obras, te mostrarei a minha fé” (vv. 17-18)

O SENTIDO BÍBLICO DE OBRAS


Neste ponto, é importante definir o sentido do termo obra.
Na concepção bíblica, a palavra tem significado bem mais amplo
do que normalmente lhe é atribuído. O termo hoje é geralmente
empregado com a conotação limitada de obras de misericórdia
ou caridade, as obras sociais ou diaeonais. O sentido bíblico
(também nesta carta), sem dúvida inclui as obras de misericór­
dia, a diaconia. mas vai muito além. O termo se refere, especial­
CAPÍTULO 14: PRATICANTES DA PALAVRA 195

mente, à vida íntegra, reta, obediente e submissa à vontade de


Deus conforme revelada nas Escrituras: a obra de mortificar a
carne, de rejeitar o pecado, de amar, de cultuar e servir a Deus,
com integridade e fidelidade.
Para Tiago, perseverar firme nas provações, refrear a língua,
não fazer acepção de pessoas, ser humilde (em contraste com a
soberba), confiar em Deus (em contraste com a autoconfiança) e
ser paciente são tanto obras quanto ajudar um irmão necessitado
ou suprir a necessidade de um órfão ou de uma viúva carente.
Na verdade, à luz das Escrituras, a ação social ou o exer­
cício da misericórdia só é considerado boa obra, que agrada a
Deus, se resultar de um coração regenerado. As obras sociais ou
o exercício de misericórdia realizados por pessoas incrédulas,
blasfemas, soberbas, rebeldes ou ímpias não passam de “trapos
de imundícia”. À parte da graça de Deus, “não há quem faça o
bem, não há nem um sequer” (Rm 3:12). A genuína boa obra
provém de fé.

ACOLHENDO A PALAVRA
Com esses conceitos em mente, podemos extrair algumas
lições desta porção da revelação bíblica. A essência do texto está
em dois imperativos. O primeiro se encontra no verso 21: acolhei
(8éÇoCT0e), isto é: recebei, recebei favoravelmente, dai ouvidos,
abraçai, aprovai.
O que acolher? A palavra em vós implantada (ou plantada,
semeada)} Trata-se de uma figura, pela qual a palavra de Deus
é comparada a uma muda ou semente plantada em nós. Jesus
mesmo comparou a sua palavra a uma semente, na parábola do
semeador, em Mateus 13, para demonstrar que a mesma palavra1

1 O termo grego aqui empregado (epóuToç) ocorre esta única vez no NT. Mas
o substantivo (farreia é usado em Mateus 15:13 e significa planta. E o verbo <t>iTéu»
aparece diversas vezes (Mateus 15:13.21:33; etc.) com o sentido dcplantar uma árvore.
Paulo emprega a palavra no sentido figurado em 1 Coríntios 3:6-8. “Eu plantei, Apoio
regou; mas o crescimento veio de Deus”.
196 SOLA SCRIPTURA

pode produzir os mais diferentes resultados, dependendo do tipo


de solo em que for semeada ou plantada.
Como acolher? A resposta é dupla. Primeiro, despojan­
do-nos de toda impureza e acúmulo de maldade. A metáfora
aqui é outra: a nossa impureza moral é comparada a uma roupa
imunda (purTa p ía r), e a impiedade a uma crosta no caráter
(TTçpiaaeíai' Ka KÍa ç), das quais nos despimos (àrroGépeyoi).
Segundo, com mansidão (cv TTpauTqn); isto é, com humildade. A
Palavra de Deus não pode ser devidamente plantada num coração
orgulhoso e altivo. Nesse tipo de solo ela não frutifica como deve.
Por que acolher? Porque ela é poderosa para salvar as
vossas almas. Esta é a razão fundamental: a Palavra de Deus é
o único instrumento suficientemente poderoso para consumar a
salvação da nossa alma. A palavra aqui empregada deriva-se do
termo grego ôúvctpiç (poder), a mesma empregada pelo após­
tolo Paulo em Romanos 1:16, onde ele declara que está pronto
para anunciar a Palavra de Deus, também na capital do Império
Romano, porque está plenamente convencido de que o Evan­
gelho “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê,
primeiro do judeu e também do grego”.
Conclusão: a exortação de Tiago é no sentido de não rejei­
tarmos a Palavra de Deus, mas deixarmos que ela de fato penetre
na nossa mente e, como uma planta de Deus, se enraize no nosso
coração. Isso só pode ocorrer em solo preparado pelo Espírito
Santo, despido de impureza moral e da abundância de impiedade
que nos cobria, recebendo-a humildemente, de modo que ela
venha a alcançar o seu objetivo e salvar a nossa alma.

PRATICANDO A PALAVRA
A segunda exortação de Tiago encontra-se no verso 22:
tornai- vos praticantes.
No que implica esta exortação? Praticantes (uoir|Tai) signi-
fica fazedores, observadores, pessoas que colocam em prática a
CAPITULO 14: PRATICANTES DA PALAVRA 197

Palavra acolhida, em contraste com meros ouvintes (oncpoaTaí).


Tomai-vos implica em que anteriormente não era esse o proce­
dimento dos seus leitores, ou não estava sendo esse o procedi­
mento deles no momento. Se aplicada aos judeus2, a exortação
diz respeito à prática sincera da Palavra, e não hipócrita. Quer
aplicada aos judeus, quer aos gentios, sabemos que o procedi­
mento de todo homem no estado de pecado é determinado pelo
“curso deste mundo”, pelo “espírito que agora atua nos filhos da
desobediência”, pelas “inclinações da nossa carne” (Ef 2:2-3).
Praticantes do quê? Da palavra em vós implantada. Nada
mais. Não se trata de nenhuma outra coisa aqui. Não há exor­
tação aqui com relação a tradições ou a novas revelações, mas
à Palavra de Deus, mencionada no verso anterior, plantada no
coração pelo Espírito Santo por meio da sua leitura e pregação.
A solução é sempre esta, como temos visto no conselho de Paulo
a Timóteo: a perseverança nas sagradas letras e a prática das
Escrituras, as quais são suficientes “para o ensino, para a repre­
ensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que
o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para
toda boa obra” (2 Tm 3:14-17).
Por que praticá-la? Para não nos enganarmos (TrapaXoyi-
£ó|ievoi) a nós mesmos. Para não nos desviarmos com raciocí­
nios falazes. Se formos meros ouvintes da Palavra, e não nos
empenharmos de coração em praticá-la diariamente nos termos
em que somos exortados aqui, nós a esqueceremos - como um
homem que contempla a sua imagem no espelho e se retira,
logo esquecendo da sua própria aparência - e ela não frutifi­
cara. Tiago está aqui nos exortando a não apenas recebermos a
Palavra, mas a observarmos continuamente, como nossa imagem
em um espelho, nos lembrando o que devemos crer e o que Deus

2 A mesma palavra, àKpoaTíjç, é aplicada aos judeus em Romanos 2:13:


“Porque os simples ouvidores da lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam
a lei hão de ser justificados”.
198 SOIA SCR1PTURA

requer de nós. Não é suficiente receber, é preciso reter, observar,


cumprir, praticar. De outro modo, estaremos nos enganando a
nós mesmos.
Como praticara Palavra? Como tè-la por espelho constante?
Considerando-a atentamente: debruçando-nos com interesse e
seriedade sobre ela. Investigando-a diligentemente. O mesmo
termo aqui empregado (TrapaKÚJjaç) é usado em 1 Pedro 1:12,
onde Pedro afirma que aos profetas do AT “foi revelado que,
não para si mesmos, mas para vós outros, ministravam as coisas
que, agora, vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito
Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho, coisas essas
que anjos anelam p e r s e r u ta r A idéia é que até os anjos no céu
como que se inclinam, à semelhança de uma congregação atenta
e interessada em compreender o evangelho que os apóstolos esta­
vam pregando. Assim devemos proceder.
Nela permanecendo (ira pape iras). Na parábola do semea­
dor, Jesus compara o solo espinhoso com o coração daqueles que
recebem a Palav ra, mas nela não perseveram, permitindo que os
cuidados do mundo a sufoquem. Além de considerar atentamente
a Palavra, é preciso continuar sempre ao seu lado, perseverando
nela. Nunca nos cansarmos dela. Não abrirmos mão dela, nem
desejarmos nada para suplementá-la. A Palavra e nossa compre­
ensão dela não deverão estar sujeitas aos modismos das épocas.
As pessoas se cansam das coisas e as substituem por outras.
Entretanto, a Palavra não pode estar sujeita a essa volubilidade.
Não nos tornando ouvintes negligentes: lerdos, desinte­
ressados. A nossa palavra lesma vem da palavra aqui usada no
original (èiTi/VriCTpouTjç). Assim, podemos dizer que alguém que
se comporta como uma lesma jamais fará bom progresso espiri­
tual. Não podemos ser lentos, lerdos, descansados, preguiçosos,
desinteressados com relação à prática da Palavra de Deus.
Mas operosos praticantes (ttolq rq ç epyou). Diligentes,
prestos e determinados a observá-la, confiar nela, sermos dirigi­
dos por ela e praticarmos os seus ensinos.
CAPÍTULO 14: PRATICANTES DA PALAVRA 199

Com que propósito? Se assim o fizermos, seremos


bem-aventurados no que realizarmos. Isto é, seremos ielizes na
prática da Palavra. O ensino aqui encontra paralelo nas palavras
de Jesus: “O meu jugo é suave, e o meu fardo é leve”. A prática
da Palavra é uma fonte abundante de felicidade.
É pura perda de tempo buscar felicidade profunda e dura­
doura em qualquer outra coisa que não seja na prática sincera e
diligente da Palavra de Deus. Faríamos muito bem em atentar
para a constatação e a conclusão de Salomão no segundo capítulo
de Eclesiastes. Ele, como ninguém, empreendeu grandes reali­
zações, amontoou riquezas, proveu-se de cantores e cantoras,
de muitas mulheres e adquiriu imensa fama, sabedoria e poder.
Contudo, reconheceu: “E eis que tudo era vaidade e correr atrás
do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol... pois separado
deste (de Deus), quem pode comer, ou quem pode alegrar-se?”
(Ee 2:11,25). E chegou à seguinte conclusão: ‘“De tudo o que se
tem ouvido, a suma é: Teme a Deus, e guarda os seus mandamen­
tos” (Ec 12:13).
Possa Deus ajudar-nos a declarar sinceramente com
Davi: “Com efeito, os teus testemunhos são o meu prazer” (SI
119:24). “Agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu; dentro em
meu coração está a tua lei” (SI 40:8).

A RELIGIÃO DA PALAVRA
Pode-se dizer que, em certo sentido, nos versos 26 e 27,
encontramos o tema geral da carta de Tiago. Sua conclusão do
que acabou de dizer é a seguinte: na prática sincera e diligente
da Palavra de Deus, em nós implantada, consiste a verdadeira
religião.
Ele ilustra a religião pura com três exemplos práticos (não
poderia ser de outro modo): dominar a língua, acudir aos neces­
sitados e nào se deixar contaminar pelo mundo. A luz da analogia
da fé (com base no ensino geral das Escrituras), é evidente que
Tiago está apenas dando alguns exemplos práticos particulares,
200 SOLA SCR1PTURA

algumas marcas da verdadeira religião. A verdadeira religião vai


bem além disso.
A primeira marca da verdadeira religião mencionada por
Tiago está relacionada ao domínio próprio: dominar a língua
(XaAiuayüjyüJv), e implica em dominar o corpo, como ele mesmo
explica a seguir (3:1-12 e 4:11-12): “Se alguém não tropeça no
falar é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo”
(3:2). Ele compara a língua com os freios na boca dos cavalos,
com o pequeno leme de um grande navio, e com uma pequena
fagulha que produz um terrível incêndio. Dominar a língua
implica em mortificar a carne, dominar o corpo. Diz respeito à
maledicência, mas vai além: implica em colocar rédeas e freios
nos nossos instintos, desejos, temperamento e caráter. Domínio
próprio, portanto, é boa obra evangélica, tanto quanto o exercício
da misericórdia. E evidência de genuína religiosidade.
A segunda característica prática da verdadeira religião
mencionada é o exercício da misericórdia: visitar os órfãos e
viúvas nas suas tribulações. A palavra aqui traduzida por visi­
tar (çttlctkctttcoficti) significa bem mais do que visita social.
Significa supervisionar, examinar com o propósito de cuidar,
auxiliar, suprir as necessidades daqueles que se encontram em
real dificuldade, aperto e aflição.’ Os casos particulares aqui
mencionados (viúvas e órfãos) representam todos os nossos
próximos verdadeiramente necessitados, especialmente os da
família da fé e parentes. Na época, não havia pensão ou seguro
social de espécie alguma, e as viúvas e órfãos corriam o risco
de ficarem completamente desamparados, quando incapacita­
dos para o trabalho. Se tivessem filhos ou parentes crentes, essa
assistência deveria ser prestada por essas pessoas, como ensina
o apóstolo Paulo em 1 Timóteo 5:4,16: “Se alguma viúva tem3

3 Cf. Atos 6:3: “escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do
Espírito e de sabedoria”; Mebreus 2:6: “Que é o homem, que dele te lembres? Ou
o filho do homem, que o visites". Observar também a palavra derivada èmcjKOTTOç
(supervisor, bispo).
CAPÍTULO 14: PRATICANTES DA PALAVRA 201

filhos ou netos, que estes aprendam, primeiro a exercer piedade


para com a própria casa, e a recompensar a seus progenitores...
Se alguma crente tem viúvas em sua família, socorra-as, e não
fique sobrecarregada a igreja, para que esta possa socorrer as que
são verdadeiramente viúvas”. Se essas pessoas de fato não tives­
sem amparo, deveríam ser auxiliadas pela igreja. Porém com
critérios, e não indiscriminadamente (ver 1 Tm 5:5-10).
A terceira qualidade da verdadeira religião é a pureza de
vida, a santidade pessoal: aqui indicada pela expressão guar­
dar-se incontaminado do mundo. A palavra aqui traduzida por
incontaminado (doTriXov) significa sem mancha, sem mácula,4
limpos: limpos do mundo, sem manchas do mundo, imaculados
do mundo. Nós estamos no mundo, mas não somos do mundo.
A sujeira moral e espiritual está a nossa volta, nos cerca. Mas
uma das marcas práticas da verdadeira religião é nos guardarmos
limpos do mundo, isto é, moralmente puros e íntegros.

CONCLUSÃO
Esses exemplos práticos da verdadeira religião são frutos
da Palavra implantada, acolhida e praticada. Fé, sem obras, no
sentido bíblico geral, é hipocrisia; mas obras sem fé são trapos
de imundícia (Is 64:6).
Essas coisas andam necessariamente juntas. Obras de mise­
ricórdia realizadas por maledicentes ou impuros não têm o menor
valor diante de Deus; são-lhe abominações. Por outro lado, não
há nada mais incoerente do que professar a autoridade suprema
das Escrituras e ser um ouvinte negligente do seu ensino. Não há
nada mais inconsistente do que declarar crer na inspiração, preser­
vação, necessidade e suficiência da Escritura, e não se empenhar
em lê-la, investigá-la, entendê-la e praticá-la, com a graça de
Deus, para a promoção do seu reino e para a Sua glória.

4 A palavra é traduzida assim em 2 Pedro 3:14. "empenhai-vos por serdes


achados por ele em paz. sem mácula e irrepreensíveis”.
APÊNDICE 1
PRINCIPAIS SÍMBOLOS DE FÉ

Os símbolos de fé incluem: os credos antigos, escritos


especialmente nos primeiros séculos da era cristã; os decretos
conciliares e papais, promulgados especialmente pela Igreja
Romana; as confissões e catecismos da Igreja Ortodoxa Grega;
e confissões e catecismos protestantes (Luteranos, Calvinistas e
Independentes). Mencionaremos, aqui, apenas os credos antigos
e os símbolos de fé das igrejas protestantes. O diagrama, a seguir,
ilustra os ramos principais da Igreja Cristã:

I g r e ja P r im itiv a
(Universal)

Ig r e ja R o m a n a Ig r e ja G r e g a
(Ocidental) (Oriental Ortodoxa)

R e f o r m a P r o te s ta n te

I g r e ja s L u t e r a n a s I g r e ja s C a lv in is ta s

I g r e ja s In d e |> e n d e n te s
P r e s b ite r ia n a s R efo rm a d a s A n g lic a n a (Independentes.
(EscóciaEUA) 1 (Contin. Europeu) (Inglaterra) Batistas, etc.)

I g r e ja M e to d is ta I g r e ja s P e n te c o s ta is J
204 SOLA SCRIPTURs\

CREDOS ANTIGOS
Os símbolos de fé mais antigos sào os credos. Eles resumem
as verdades mais fundamentais do Cristianismo. Constituem-se, por
assim dizer, na herança comum da fé cristã, visto que os principais
ramos do Cristianismoos subscrevem.10 conteúdo deles é a doutrina
da Trindade, em especial, a pessoa divino-humana de Cristo.

Credo Apostólico
O Credo Apostólico, o mais conhecido dos credos, é atribu­
ído pela tradição aos doze apóstolos.12 Entretanto, os estudiosos
acreditam que ele foi desenvolvido a partir de pequenas confis­
sões batismais empregadas nas igrejas dos primeiros séculos.
Embora os seus artigos sejam de origem bem antiga, acredita-se
atualmente que o credo apostólico só alcançou sua forma defini­
tiva por volta do sexto século,3 quando são encontrados registros
do seu emprego na liturgia oficial da igreja ocidental. De um
modo ou de outro, parece evidente a sua conexão com outros
credos antigos menores, como os seguintes:
Creio em Deus Pai Todo-poderoso, e em Jesus Cristo, seu único Filho,
nosso Senhor. E no Espírito Santo, na santa Igreja, na ressurreição da
came.

Creio em Deus Pai Todo-poderoso. E em Jesus Cristo, seu único Filho


nosso Senhor, que nasceu do Espírito Santo e da virgem Maria: crucifi­
cado sob o poder de Pôncio Pilatos e sepultado; ressuscitou ao terceiro
dia; subiu ao céu, e está sentado à mão direita do Pai. de onde há de vir
e julgar os vivos e os mortos. E no Espírito Santo; na santa Igreja; na
remissão dos pecados: na ressurreição do corpo.4

1 Tanto a Igreja Católica Romana (ocidental), como a Igreja Ortodoxa Grega


(oriental), como as igrejas Protestantes.
2 Alguns chegaram a sugerir que cada apóstolo teria contribuído com um artigo.
3 Schaff, Creeds o f Christendom, vol. 1. p. 20. Citado em A. A. Hodge, Outlines
ofTheolog}’(Edinburgh e Carlisle, PA: The Banner o f Truth Trust, 1991). 115.
4 O primeiro desses credos provém, provavelmente, da primeira metade do
segundo século. O segundo, conhecido como Credo Romano Antigo. provém da
segunda metade do segundo século. Ver O. G. Oliver Jr„ “Credo dos Apóstolos”, em
Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, vol. 1, pp. 362-63.
APÊNDICE 1: PRINCIPAIS SÍMBOLOS DE FÉ 205

Eis o texto do Credo Apostólico:


Creio em Deus Pai. Todo-poderoso, Criador do Céu e da terra. Creio
em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido
por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o
poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; ressurgiu
dos mortos ao terceiro dia; subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus
Pai Todo-poderoso. donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja Universal; na comunhão dos
santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida
eterna. Amém."

O Credo Apostólico, assim como os Dez Mandamentos e a


Oração Dominical, foi anexado, pela Assembléia de Westminster,
ao Catecismo. “Não como se houvesse sido composto pelos
apóstolos, ou porque deva ser considerado Escritura canônica,
mas por ser um breve resumo da fé cristã, por estar de acordo
com a palavra de Deus, e por ser aceito desde a antiguidade pelas
igrejas de Cristo".56

5 Abaixo, o texto grego do Credo Apostólico (do Psalterium Aethelstani). Citado


em Frans Leonard Schalkwijk, Coinê: Pequena Gramática do Grego Neotestamentário,
7 ed. (Patrocínio, MG: CEIBEL, 1994), 109.

TTtcrreúo e is 0 c ò i' TTciTépa TTamoKpáTopa (Troirprir oupanou íca! yffS)-

Kcu e is XpioTÒi' lr|aoí)i\ Ttòr aírroü tòv gouoyetâi, tòu Kúpiou ppwt’.

Tot' yeuiTiOéiTa ók IIueúpaTOç 'A yíou ktA M apíaç rf|s TrapGéuou,

tòi’ èm TToitíou IIi Xcítoi’ OTaupcüOéiTa kol racféiTa.

rij Tpírri íjpépa àraoT ám a èic i'6Kptoi\

àuapáito eiç toíjç oúpanoí^.

Kal eis Ilueupa "Ayiot\


áyíar (Ka6oXi«T|i’) èKKÀr|aíai’,
dcfeaii’ ápopTuâr,
cjapteó? àváoTaow,

(Ctupn aioJiaoi'.) ’Apf|1'-


6 Hodge, Outlines ofTheology, 115.
206 SOLA SCRIPTURA

O Credo Niceno
O Credo Niceno deriva-se do credo de Nicéia (composto
pelo Concilio de Nicéia (325 AD). com pequenas modificações
efetuadas pelo Concilio de Calcedônia (451 AD) e pelo Concilio
de Toledo (Espanha, 589 AD). Esse credo expressa mais precisa­
mente a doutrina da Trindade, contra o arianismo.7 Segue o texto
do Credo de Nicéia, conforme aceito por católicos e protestantes:
Creio em um Deus, o Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da tema. e
de todas as coisas visíveis e invisíveis: e em um Senhor Jesus Cristo, o
unigênito Filho de Deus. gerado pelo Pai antes de todos os séculos. Deus
de Deus. Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado não
feito, de uma só substância com o Pai; pelo qual todas as coisas foram
feitas; o qual por nós homens e por nossa salvação, desceu dos céus.
foi feito carne pelo Espírito Santo da Virgem Maria, e foi feito homem;
e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos. Ele padeceu e
foi sepultado; e no terceiro dia ressuscitou conforme as Escrituras; e
subiu ao céu e assentou-se à mão direita do Pai. F. de novo há de vir
com glória para julgar os vivos e os mortos, cujo reino não terá fim. E
creio no Espírito Santo, Senhor e Vivifieador. que procede do Pai e do
Filho\ que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado e glorifieado.
que falou através dos profetas. Creio em uma Igreja, católica e apostó­
lica, reconheço um só batismo para remissão dos pecados; e aguardo a
ressurreição dos mortos e da vida do mundo vindouro.1’

O Credo de Atanásio
O Credo de Atanásio é outro credo antigo importante, subs­
crito pelos três principais ramos da Igreja Cristã. E geralmente
atribuído a Atanásio, Bispo de Alexandria (século IV), mas estu­
diosos do assunto conferem a ele data posterior (século V), sendo

7 Doutrina de Ario (primeira metade do século IV). segundo a qual Cristo não
é eterno, mas o primeiro e mais perfeito ser criado.
x F.sta frase (tradução do termo latino filioquc) foi adicionada pelo Concilio de
Toledo (da igreja ocidental).
** Traduzido de Schaft, Creeds oj Christeudom (citado em Hodge. Outlincs
ofTheology, 116-17) e Epifànio, Ancoratus e. 374 AD. 118. Citado em H. Bettenson.
Documentos da Igreja Cristã (São Paulo; ASTE. 1967). 56.
APÊNDICE I: PRINCIPAIS SÍMBOLOS DE FÉ 207

que sua forma final teria sido alcançada apenas no século VIII.
O texto grego mais antigo desse credo provém de um sermão de
Cesário, no início do século VI.
O Credo de Atanásio é um tanto longo (com 40 artigos),
mas convém ser transcrito aqui, por ser considerado “um majes­
toso e único monumento da fé imutável de toda a igreja quanto
aos grandes mistérios da divindade, da Trindade de pessoas em
um só Deus e da dualidade de naturezas de um único Cristo”.101
1. Todo aquele que quiser ser salvo, é necessário acima de tudo. que
sustente a íé universal.1! 2. A qual. a menos que cada um preserv e perfeita
e inviolável, certamente perecerá para sempre. 3. Mas a fé universal
é esta. que adoremos um único Deus em Trindade, e a Trindade em
unidade. 4. Não confundindo as pessoas, nem dividindo a substância. 5.
Porque a pessoa do Pai é uma, a do Filho é outra, e a do Espírito Santo,
outra. 6. Mas no Pai. no Filho e no Espírito Santo há uma mesma divin­
dade. igual em glória e co-eterna majestade. 7. O que o Pai é. o mesmo
é o Filho, e o Espírito Santo. 8. O Pai é não criado, o Filho é não criado,
o Espírito Santo é não criado. 9. O Pai é imenso, o Filho é imenso, o
Espírito Santo é imenso. 10. O Pai é eterno, o Filho é eterno, o Espírito
Santo é eterno. 11. Contudo, não há três eternos, mas um eterno. 12.
Portanto não há três (seres) não criados, nem três imensos, mas um não
criado e um imenso. 13. Do mesmo modo. o Pai é onipotente, o Filho
é onipotente, o Espírito Santo é onipotente. 14. Contudo, não há três
onipotentes, mas um só onipotente. 15. Assim, o Pai é Deus, o Filho é
Deus, o Espírito Santo ê Deus. 16. Contudo, não há três Deuses, mas
um só Deus. 17. Portanto o Pai é Senhor, o Filho é Senhor, e o Espírito
Santo é Senhor. 18. Contudo, não há três Senhores, mas um só Senhor.
19. Porque, assim como compelidos pela verdade cristã a confessar cada
pessoa separadamente como Deus e Senhor; assim também somos proi­
bidos pela religião universal de dizer que há trés Deuses ou Senhores.
20. O Pai não foi feito de ninguém, nem criado, nem gerado. 2 1 . 0
Filho procede do Pai somente, nem feito, nem criado, mas gerado. 22.
O Espírito Santo procede do Pai e do Filho, não feito, nem criado, nem
gerado, mas procedente. 23. Portanto, há um só Pai. não três Pais, um
Filho, não três Filhos, um Espírito Santo, não três Espíritos Santos. 24.

10 I Exige. The Confession ofFaith . 7.


11 O termo universal traduz a palavra católica, a qual também podería ser tradu­
zida por geral.
208 SOLA SCRIPTURA

E nessa Trindade nenhum é primeiro ou último, nenhum c maior ou


menor. 25. Mas todas as três pessoas co-etemas são co-iguais entre si;
de modo que em tudo o que foi dito acima, tanto a unidade em trindade,
como a trindade em unidade deve ser cultuada. 26. Logo, todo aquele
que quiser ser salvo deve pensar desse modo com relação à Trindade.
27. Mas também é necessário para a salvação eterna, que se creia fiel­
mente na encarnação do nosso Senhor Jesus Cristo. 28. E, portanto, fé
verdadeira, que creiamos e confessemos que nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo é tanto Deus como homem. 29. Ele é Deus eternamente
gerado da substância do Pai; homem nascido no tempo da substância da
sua mãe. 30. Perfeito Deus, perfeito homem, subsistindo de uma alma
racional e carne humana. 31. Igual ao Pai com relação à sua divindade,
menor do que o Pai com relação à sua humanidade. 32. O qual, embora
seja Deus e homem, não é dois, mas um só Cristo. 33. Mas um, não
pela conversão da sua divindade em carne, mas por sua divindade haver
assumido sua humanidade. 34. Um, não de modo algum pela confusão
de substância, mas pela unidade de pessoa. 35. Pois assim como uma
alma racional e carne constituem um só homem, assim Deus e homem
constituem um só Cristo. 36. O qual sofreu para nossa salvação, desceu
ao Hades, ressuscitou dos mortos ao terceiro dia. 37. Ascendeu ao céu,
sentou-se à direita de Deus Pai onipotente, de onde virá para julgar os
vivos e os mortos. 38. Em cuja vinda, todos os homens ressuscitarão
com seus corpos, e prestarão conta de suas obras. 39. E aqueles que
houverem feito o bem irão para a vida eterna; aqueles que houverem
feito o mal, para o fogo eterno. 40. Esta é a fé Católica, a qual a não ser
que um homem creia fiel e firmemente nela. não pode ser salvo.|:

CONFISSÕES E CATECISMOS LUTERANOS

Catecismos dc Lutero
São dois os catecismos de Lutero. O Catecismo Maior,
escrito em 1528, é dividido em três partes, e contém uma exposi­
ção dos Dez Mandamentos, do Credo Apostólico e ensinos sobre
os sacramentos. Foi escrito para uso de pregadores e mestres.1213
O Catecismo Breve, escrito em 1529, trata dos mesmos assuntos

12 Traduzido a partir do inglês, de Hodge, Oiitlines ofTheolog}\ 117-18.


13 Martinho Lutero, Catecismo Maior ou Doutrina Cristã Fundamental trad.
Zaqueu A. de Carvalho (São Paulo: s/ed„ 1965).
APÊNDICE 1: PRINCIPAIS SÍMBOLOS DE FÉ 209

(incluindo a oração do Pai Nosso), sendo que de forma resumida,


com vistas à instrução de crianças, adolescentes e neófitos.

Confissão de Augsburgo
A Confissão de Augsburgo foi preparada por Lutero e
Melanchthon e apresentada na dieta de Augsburgo em 1530. É a
mais antiga confissão de fé protestante e a única aceita por todas
as igrejas luteranas. Ela tem 28 artigos, divididos em duas partes:
os vinte e um primeiros são positivos, resumindo as doutrinas
luteranas; os sete últimos são negativos, condenando os princi­
pais erros do papado relacionados à ceia, à confissão e absolvição
de pecados, ao celibato, governo hierárquico, etc.

Fórmula da Concórdia
A Fórmula da Concórdia foi preparada em 1577 pelos prin­
cipais teólogos luteranos da época14 com o propósito de harmo­
nizar as posições teológicas divergentes quanto à natureza da
presença de Cristo na ceia do Senhor. O documento foi aceito
por 35 cidades e subscrito por cerca de oito mil pastores lutera­
nos. Seus doze artigos tratam do pecado original, da escravidão
da vontade, da justificação, das boas obras, da distinção entre a
Lei e o Evangelho, da necessidade da pregação da Lei, da ceia do
Senhor, da pessoa de Cristo, da descida de Cristo ao Hades, das
adiáforas,15 da predestinação, e de várias heresias.16

SÍMBOLOS DE FÉ CALVINISTAS
Os principais símbolos de fé das igrejas calvinistas ou
reformadas, abrangendo a Igreja Reformada do continente euro­
peu, Igreja Anglicana e Igreja Presbiteriana, são o Catecismo e
a Confissão de Fé de Genebra, a Confissão de Fé Gaulesa ou

14 Jacob Andreae, Martinho Chemnitz, David Chytraeus e Nikolaus Selnecker.


' Coisas secundárias (circunstanciais).
16 R- D. Deus. “Fórmula da Concórdia”, em Enciclopédia Histórico-Teológica
da Igreja Cristã, vol. 1, p. 32!.
210 SOLA SCRIPTURA

Francesa, a Confissão de Fé Escocesa, a Confissão Belga ou dos


Países Baixos, a Segunda Confissão Helvética, o Catecismo de
Heidelberg, os Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra, os
Cânones do Sínodo de Dort, e a Confissão de Fé e os Catecismos
de Westminster.

Catecismo e Confissão de Fé de Genebra


Durante o primeiro período de Calvino em Genebra, ele
preparou um catecismo e uma confissão de té, visando o aper­
feiçoamento da doutrina e prática da fé reformada na cidade.
Publicados em 1537. em francês, com o título Instrução e
Confissão de Fé Segundo o Uso da Igreja de Genebra, esses
símbolos de fé constituem-se na primeira exposição sistemática
da fé reformada nessa língua. O Catecismo, escrito primeiro,
sendo o maior e mais importante,17 tem cinquenta e oito seções,
que podem ser divididas em seis partes, tratando: (1) Do conheci­
mento de Deus e de nós mesmos: (2) Da lei de Deus, incluindo os
Dez Mandamentos; (3) Da fé, incluindo o Credo Apostólico; (4)
Da oração, incluindo o Pai Nosso; (5) Dos sacramentos; e (6) Da
autoridade e disciplina na igreja e na sociedade.1819O Catecismo
de Calvino de 1537 é mais do que um catecismo, é um manual
de instrução cristã. Ele toi substituído em 1542 por outro que
se tomou mais conhecido, o Catecismo de Genebra, igualmente
considerado “longo demais para ser memorizado por uma criança
ordinária".14Apesar disso, tanto com relação à forma, quanto ao
conteúdo, o Catecismo de Genebra “serviu de referência padrão"
para os catecismos calvinistas britânicos posteriores, como os

17 A confissão, preparada em seguida ao catecismo, é apenas um resumo ou


extrato deste. Cf. A. H. Freundt Jr, "Catecismo de Genebra”, em Enciclopédia Histórico-
Teolúgica da Igreja Cristã, vol. 1, p. 247.
18 O exemplar consultado do Catecismo de Calvino de 1537 foi publicado em
espanhol pela Fundación Editorial de Literatura Reformada, em 1966. com o título
Breve Instracción Cristiana.
19 Citado em Kelly, "The Westminster Shorter Catechism”, 105.
APÊNDICE I: PRINCIPAIS SÍMBOLOS DE FÉ 21

catecismos de Craig, James Usher, Herbert Palmer, John Bali,


Anthony Tuckney e muitos outros.20

Confissão de Fé Gaulesa ou Francesa


A Confissão de Fé Gaulesa ou Francesa foi preparada e
aprovada pelo primeiro sínodo nacional das igrejas reformadas
francesas, reunido em Paris, em 1559. Essa confissão foi revi­
sada e confirmada no sétimo sínodo nacional, em La Rochelle,
em 1571, e adotada como símbolo de fé do protestantismo fran­
cês por mais de quatro séculos. Em quarenta artigos, são tratados
em geral os mesmos assuntos contidos na Confissão Escocesa, e
está em harmonia com as demais confissões reformadas.21

Confissão de Fé Escocesa
A primeira Confissão de Fé Escocesa foi escrita por John
Knox e outros cinco Johns22*em apenas quatro dias. Aprovada
pelo Parlamento da Escócia em 1560, ela só pôde ser oficial­
mente adotada sete anos depois, após a deposição da rainha Maria
Stuart, que se recusou a ratificar a decisão do Parlamento. Essa
Confissão foi adotada como símbolo de fé da igreja Reformada
da Escócia por quase cem anos, até ser substituída, em 1647, pela
Confissão de Fé e Catecismos de Westminster.2'
A Confissão de Fé Escocesa é breve e em perfeito acordo
com os demais símbolos de fé reformados. Em seus vinte e
cinco capítulos, trata dos seguintes assuntos: Deus, a criação e o
homem, o pecado original, a revelação da promessa, a continui­
dade e preservação da igreja, a pessoa e a obra de Cristo, a fé e o
Espírito Santo, as boas obras, a perfeição da lei e a imperfeição

“° Kelly, "The Westminster Shorter Catechism" 106.


N. V I lope. Confissão Gaulesa , em Enciclopédia Histórico-Teo/ógica da
Igreja Crista, vol. 1, p. 332.
22 John Spottiswood, John Willock, John Row, John Douglas e John Winram.
R. Ryle, "Confissão Escocesa", em Enciclopédia Histétrico-Teo/ógica da
Igreja Crista, vol. 1. pp. 330-31.
212 SOLA SCRIPTURA

do homem, a igreja, a imortalidade da alma, a autoridade das


Escrituras, a autoridade dos concílios, os sacramentos, o magis­
trado civil, o juízo final e a ressurreição dos mortos.

Confissão Belga ou dos Países Baixos


A Confissão Belga ou dos Países Baixos foi escrita por
Guido de Brès em defesa da fé reformada de comunidades de
fala francesa dos Países Baixos, em 1561, em francês, e traduzida
no ano seguinte para o holandês. Guido de Brès foi condenado à
forca e martirizado no dia 31 de maio de 1567 por sua fidelidade
à fé reformada.2425A Confissão de Fé Belga, juntamente com o
Catecismo de Heidelberg e os Cânones de Dort, constituem-se
nos símbolos de té de toda a Igreja Reformada Holandesa e de
igrejas reformadas na América, na África do Sul. etc.2:1
A Confissão Belga tem 37 artigos, tratando da pessoa de
Deus e da sua obra, das Escrituras, da pessoa e obra de Cristo,
da pessoa e da obra do Espírito Santo, da criação, do homem, da
queda, da eleição, da promessa, da salvação pela graça de Deus
mediante a fé em Cristo, da igreja universal, do governo e disci­
plina eclesiástica, dos sacramentos como selos da promessa, da
autoridade civil, e do juízo e vida eterna.

Segunda Confissão Helvética


A Segunda Confissão Helvética é um dos símbolos da fé
reformada mais amplamente aceitos. Foi preparada por Bullinger,
sucessor de Calvino em Genebra, em 1564. e publicada em

24 As palavras de Guido de Brès. na manhã do seu martírio, merecem ser trans­


critas: "Fui condenado à morte hoje, por causa da doutrina do Filho de Deus. Louvado
seja por isso o nome do Senhor! Estou muito feliz. Nunca pensei que Deus me daria
esta honra. Noto que meu rosto se transforma pela graça que Deus faz aumentar mais e
mais em mim. Sou robustecido a cada momento que passa; e mais, meu coração salta de
alegria”. Prólodo de G. de Brès. Ovemos y Confesamos: Confesión de Fe de los Países
Bajos (Barcelona: Fundacion Editorial de Literatura Reformada, 1973, 1976), 22.
25 Cf. J. van Engen, "Confissão Belga”, em Enciclopédia Histórico-Teológica
da Igreja Cristã, vo!. 1. p. 330.
APÊNDICE 1: PRINCIPAIS SÍMBOLOS DE FÉ 213

alemão e latim em 1566, vindo a substituir a Primeira Confissão


Helvética.26 Foi adotada como confissão de fé oficial das igrejas
reformadas na Suíça e logo depois traduzida para várias línguas,
e adotada pelas igrejas reformadas escocesas (em 1566), húnga­
ras (em 1567), francesas (em 1571) e polonesas (em 1578).27
Trata-se de uma confissão detalhada, com trinta capítulos.

Catecismo de Heidelberg
O Catecismo de Heidelberg foi preparado por membros do
corpo docente da Faculdade de Teologia do Collegium Sapientiae,
em Heidelberg,28 a pedido do Eleitor Frederico III, o Piedoso.29
O catecismo, com prefácio de Frederico III, foi adotado pelo
sínodo em Heidelberg, em 1563, para ser usado como manual
de instrução nas escolas e servir de orientação para pregadores e
candidatos à profissão de fé. Posteriormente, foi endossado pelo
Sínodo de Doil e adotado como símbolo de fé das igrejas refor­
madas em vários países. Ele é composto de 129 perguntas, dividi­
das em três partes, de acordo com o livro de Romanos: a miséria
do homem (perguntas 1-11); a redenção do homem (perguntas
12-85); e a gratidão do homem (perguntas 86-129).

Os Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra


Os Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra foram
escritos inicialmente pelo Arcebispo Thomas Cranmer e pelo
Bispo Nicholas Ridley, com quarenta e dois artigos, e publi­
cados com autorização real em 1553, com o título Quarenta e
Dois Artigos de Religião. Revisados e reduzidos posteriormente

26 Preparada por Bullinger e outros teólogos calvinistas (Oswald Myconius,


Simon Grynaeus e Leo Jud) em 1536; adotada apenas pelas cidades de Basiléia e
Miihlhausen.
R. V. Schnucker, “C onfissões de Fé Helvéticas', em Enciclopédia Histórico-
Teológica da Igreja Cristã, vol. 1. p. 341.
28 Especialmente por Gaspar Olevianus e Zacarias Ursino.
"9 Príncipe do Palatinado. um estado da Alemanha antiga.
214 SOIA SCRIPTURA

a trinta e nove artigos, sob a direção de Matthew Parker, arce­


bispo de Canterbury, Os Trinta e Nove Artigos foram aprovados
pelo Parlamento e publicados em 1563, em latim, e em 1571,
em inglês, tornando-se o símbolo de fé das igrejas episcopais
da Inglaterra, Irlanda, Escócia, colônias inglesas e América. O
comentário a seguir serve para dar uma idéia geral deste padrão
doutrinário anglicano:
Os Trinta e Nove Artigos continuam sendo uma declaração franca da
Reforma do século XVI. São protestantes ao afirmarem a autoridade
final das Escrituras. Estão em harmonia com as convicções comuns da
Reforma a respeito da justificação pela graça mediante a fé em Cristo.
Pendem para o luteranismo ao permitirem crenças e práticas que não
contradizem as Escrituras. Contêm declarações que, tal como Zwinglio
em Zurique, dão ao Estado a autoridade para regulamentar a igreja. São
“católicas" no seu respeito às tradições e na sua crença de que as ceri­
mônias religiosas devem ser as mesmas em todos os lugares dentro de
um só Estado. São suficientemente ambíguas para criar controvérsias
para teólogos mil, mas suficientemente irresistíveis para fundamentar a
fé de milhões de pessoas.'"

Cânones do Sínodo de Dort


As resoluções do Sínodo de Dort, reunido no período de
1618-1619, na cidade de Dort. na Holanda, foram redigidas
em reposta às objeções arminianas. O sínodo de Dort'1 conde­
nou a declaração de fé conhecida como The Remonstrance (A
Representação), escrita por cerca de quarenta discípulos de Jacob
Arminius, e ratificou as doutrinas calvinistas questionadas. Os
Cânones do Sínodo de Dort foram aceitos por todas as igrejas
calvinistas como expressão fiel das doutrinas calvinistas questio­
nadas, e tornaram-se, juntamente com o Catecismo de Heidelberg301

30 M. A. Noll. “Os Trinta e Nove Artigos”, em Enciclopédia Histórico-


Teológica da Igreja Cristã, vol. 3, pp. 578-79.
31 Composto por pastores, presbíteros e professores de teologia das igrejas
reformadas da 1lolanda e de representantes de outros países como Inglaterra. Escócia.
Alemanha e Suíça.
APENDICE I: PRINCIPAIS SÍMBOLOS DE FE 215

e a Confissão Belga, em símbolos de fé da Igreja Reformada da


Holanda e das igrejas reformadas em outros países.'2

Confissão de Fé e Catecismos de Westminster


Estes símbolos de fé foram preparados pela Assembléia
de Westminster, convocada pelo Parlamento da Inglaterra em
12 de junho de 1643, por cento e vinte e um ministros (teólo­
gos), trinta representantes do Parlamento e oito representantes
da Escócia.3233 O propósito inicial da Assembléia era revisar Os
Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra, e reestruturar a sua
forma de governo. Entretanto, após quase seis anos de reunião,
a Assembléia produziu, entre outros documentos, a Confissão
de Fé e os Catecismos Maior e Breve de Westminster. Quanto
à forma de governo, estavam representadas as posições eras-
tiana, episcopal, independente e presbiteriana. A última, mais
forte e em maior número, prevaleceu. Quanto à doutrina, houve
virtual unanimidade a favor do calvinismo e rejeição do armi-
nianismo, do catolicismo romano e do sectarismo. Embora não
tenha obtido, por questões políticas, adoção duradoura por parte
da Igreja Anglicana, a Confissão e os Catecismos de Westminster
tornaram-se muito influentes, sendo adotados por igrejas pres­
biterianas, congregacionais e batistas (adaptada, na Confissão
Batista de 1689) em vários países.34

32 Para uma exposição mais pormenorizada das doutrinas calvinistas ratificadas


pelo Sínodo de Dort. ver Paulo Anglada. Calvinismo: As Antigas Doutrinas da Graça,
3. ed. (Ananindeua: Knox Publicações, 2009).
33 Acerca da participação dos escoceses na Assembléia de Westminster, ver I. H.
Murray, “Tire Scots at the Westminster Assembly: With Speeial Reference to the Dispute
on Church Government and its Aftermath". The Banner o/Tntth, 6-40 (1994): 371-72
34 Mais informações sobre a constituição da Assembléia de Westminster e sobre
a preparação da Confissão de Fé de Westminster e sua adoção pode ser encontrado
em Hodge, The Confession ofFaith , 14-24; Logan Jr„ “The Context and Work o f the
Assembly", 27-61; Keun-Doo Jung, A Stndy o f the Authority ofScripture, 15-26; e
Guilherme Kerr. A Assembléia de Westminster, 2 ed. (S. José dos Campos. São Paulo:
Editora Fiel, 1992).
216 SOI A SCRIPTURA

A Confissão de Fé de Westminster foi concluída em 1646,


e consta de trinta e três capítulos, tomando-se conhecida e admi­
rada por “sua minuciosidade, precisão, concisão e equilíbrio”.35
Ela é considerada por Philip SchatT“a declaração simbólica mais
completa e madura do sistema de doutrina calvinista”, e avaliada
por B. B. Warfield como “a mais completa, mais elaborada, mais
cuidadosamente guardada, mais perfeita e mais vital expressão
jamais formulada pela mão do homem, de tudo o que se encontra
no que chamamos de religião evangélica, e de tudo o que deve ser
salvaguardado, para a religião evangélica persistir no mundo”.36
O Catecismo Maior tem cento e noventa e seis perguntas
e respostas mais abrangentes, e “foi concebido principalmente
como um diretório para ministros no ensino da fé reformada”.3738
Ele é considerado “uma mina de ouro puro, teologicamente,
historicamente e espiritualmente”,3S onde são encontrados um
sumário maduro da fé calvinista, uma excelente exposição dos
dez mandamentos e uma importante formulação da eclesiologia
reformada.39 O Catecismo Menor tem cento e sete perguntas e
respostas curtas.

OUTRAS CONFISSÕES DE FÉ PROTESTANTES

Confissão Batista dc 1689


A Confissão Batista de 1689, também conhecida como
Confissão Londrina de 1689, trata-se de uma adaptação da
Confissão de Fé de Westminster, para conformá-la ás doutrinas
e práticas distintivamente batistas. Essa adaptação foi feita em
1677. e endossada em 1689 por cerca de cem representantes

' 5 J. M. Frame. “Confissão de Fé de Westminster". em Enciclopédia Uistórico-


Tcológica da Igreja Cristã, vol. 1, p. 331.
36 Citados em Adams. “The Infiuence o f Westminster", 250.
37 W. Robert Godfrey, "The Westminster Larger Cateehism". em To Glorify and
Enjoy God. 131
38 lbid., 129
39 lbid.. 131-41
APÊNDICE 1: PRINCIPAIS SÍMBOLOS DE FÉ 217

de congregações batistas da Inglaterra e do País de Gales. As


principais adaptações consistem no acréscimo do capítulo vinte
(O Evangelho e a Extensão de Sua Graça); a eliminação dos
capítulos trinta (Censuras Eclesiásticas) e trinta e um (Sínodos
e Concílios); e a eliminação, alteração ou inclusão de parágrafos
relacionados especialmente ao batismo e à forma de governo.40

Confissão Batista de New Hampshire


Publicada em 1833, pela Convenção Batista de New
Hampshire, nos EUA. E uma das confissões mais amplamente
adotadas e serviu de base ou inspirou muitas outras confissões
batistas, como as de 1853,4l*43de 19254:ede 1986.4' As igrejas batistas
no Brasil, em geral, adotaram a Confissão de New Hampshire em
1920, e a substituíram pela Declaração Doutrinária da Convenção
Batista Brasileira, elaborada por um grupo de trabalho da 67-
Assembléia da Convenção Batista Brasileira, em 1985.44
A Confissão de Nova Hampshire tem apenas dezesseis
artigos, nos quais, ensina doutrinas reformadas calvinistas, mas
também doutrinas e concepções distintamente batistas. Ela, por
exemplo, define “a igreja visível de Cristo" como “uma congre­
gação de crentes batizados, unidos por uma aliança"; afirma que
os “únicos ofícios apropriados" são “bispos ou pastores e diáco-
nos"; e ensina que o batismo “é a imersão do crente em água"
como “um belo e solene emblema" da “fé num Salvador crucifi­
cado, sepultado e ressurreto”.45

0 Esta confissão foi publicada em 1991. pela Editora Fiel, com o título Fé Para
Iloje: Confissão cie Fé Batista de 1689.
C om poucas alterações, editada pela American Baptist Publication Societ}’.
4’ A Declaração da Mensagem de Fé Batista, da Convensão Batista do Sul dos
Estados Unidos.
43 Iambém da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos.
44 Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira (Rio de Janeiro:
JUERP, 1987).
4> M. A. Noll. Confissão de Nova Hampshire". em Enciclopédia llistórico-
Teológica da Igreja Cristã, vol. 1, pp. 333-34.
218 SOIA SCR1PTURA

A PRIMEIRA CONFISSÃO
DE FÉ DO NOVO MUNDO
No dia 7 de março de 1557 ehegou à Guanabara (atual Rio
de Janeiro) um grupo de huguenotes (calvinistas franceses) com
o propósito de ajudar a estabelecer um refúgio para os calvinistas
perseguidos na França. Perseguidos também na Guanabara em
virtude de sua fé reformada, alguns conseguiram escapar; outros,
foram condenados à morte por Villegaignon, foram enforcados
e seus corpos atirados de um despenhadeiro, em 1558. Antes de
morrer, entretanto, foram obrigados a professar por escrito sua fé,
no prazo de doze horas, respondendo a uma série de perguntas
que lhes foram entregues. Eles assim o fizeram, e escreveram a
primeira confissão de fé na América (ver Apêndice 2), sabendo
que com ela estavam assinando a própria sentença de morte.46

46 O relato da história dos mártires huguenotes no Brasil, bem como a Confissão


de Fé que escreveram, encontra-se no livro A Tragédia da Guanabara: História dos
Protomartyrcs do Christianismo no Brasil, traduzido por Domingos Ribeiro, de um
capítulo intitulado On lhe Church o f lhe Believers in lhe Country o f Brazil, pari o f
Austral America: Its Affliction and Dispersion. do livro de Jean Crespin: / 'Histoire des
Martyres, originalmente publicado em 1564. Esse livro, por sua vez. é uma tradução
de um pequeno livro: Histoire des choses mémorables sunenues en le terre de Brésil.
partiede VAmérique australe, sons le governement de A . de Villegaignon, depuis I an
1558, publicado em 1561, cuja autoria é atribuída a Jean Lery. um dos huguenotes que
vieram para o Brasil em 1557, o qual também publicou outro livro sobre sua viagem ao
Brasil: Histoire d'an voyagefait en Ia terre du Brésil.
APÊNDICE 2
A CONFISSÃO DA GUANABARA'

“Segundo a doutrina de S. Pedro Apóstolo* em sua primeira


epístola, todos os cristãos devem estar sempre prontos para
dar razão da esperança que neles há, e isso com toda a doçura
e benignidade. Nós, abaixo assinados, Senhor de Villegaignon,
unanimemente (segundo a medida de graça que o Senhor nos tem
concedido) damos razão, a cada ponto, como nos haveis indicado
e ordenado, e começando no primeiro artigo:
I. Cremos em um só Deus, imortal e invisível, criador do
céu e da terra, e de todas as coisas, tanto visíveis como invisí­
veis. o qual é distinto em três pessoas: o Pai, o Filho e o Santo
Espírito, que não constituem senão uma mesma substância em
essência eterna e uma mesma vontade; o Pai, fonte e começo de
todo o bem; o Filho, eternamente gerado do Pai, o qual, cumprida
a plenitude do tempo, se manifestou em carne ao mundo, sendo
concebido do Santo Espírito, nascido da virgem Maria, feito sob
a lei para resgatar os que sob ela estavam, a fim de que recebés­
semos a adoção de próprios filhos; o Santo Espírito, procedente
do Pai e do Filho, mestre de toda a verdade, falando pela boca

1 O texto foi transcrito de Jean Crespin. A Tragédia da Guanabara: História dos


Pmtornartyres do Christianismo no Brasil. trad. Domingos Ribeiro (Rio de Janeiro:
Typo-Lith. Pimenta de Mello & C, 1c) 17). 65-71. O português um pouco antigo de
Domingos Ribeiro foi atualizado apenas com relação a algumas palavras.
()bserv ação: A teologia da Confissão de Fé da Guanabara é investigada por Fôlton
Nogueira da Silva, em “Principais doutrinas da Confissão de Fé da Guanabara (tese de
mestrado, São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 1998).
220 SOLA SCRIPTURA

dos profetas, sugerindo todas as coisas que foram ditas por nosso
Senhor Jesus Cristo aos apóstolos. Este é o único Consolador em
aflição, dando constância e perseverança em todo bem.
Cremos que é mister somente adorar e perfeitamente amar,
rogar e invocar a majestade de Deus em fé ou particularmente.
II. Adorando nosso Senhor Jesus Cristo, não separamos
uma natureza da outra, confessando as duas naturezas, a saber,
divina e humana, nele inseparáveis.
III. Cremos, quanto ao Filho de Deus e ao Santo Espírito,
o que a Palavra de Deus e a doutrina apostólica, e o símbolo,2
nos ensinam.
IV. Cremos que nosso Senhor Jesus Cristo virá julgar os
vivos e os mortos, em forma visível e humana como subiu ao céu,
executando tal juízo na forma em que nos predisse no capítulo
vinte e cinco de Mateus, tendo todo o poder de julgar, a ele dado
pelo Pai, sendo homem.
E, quanto ao que dizemos em nossas orações, que o Pai
aparecerá enfim na pessoa do Filho, entendemos por isso que o
poder do Pai, dado ao Filho, será manifestado no dito juízo, não
todavia, que queiramos confundir as pessoas, sabendo que elas
são realmente distintas uma da outra.
V. Cremos que no santíssimo sacramento da ceia, com as
figuras corporais do pão e do vinho, as almas fiéis são realmente
e de fato alimentadas com a própria substância do nosso Senhor
Jesus, como nossos corpos são alimentados de alimentos, e assim
não entendemos dizer que o pão e o vinho sejam transformados
ou transubstanciados no seu corpo e sangue, porque o pão conti­
nua em sua natureza e substância, semelhantemente o vinho, e
não há mudança ou alteração.
Distinguimos, todavia, este pão e vinho do outro pão que
é dedicado ao uso comum, sendo que este nos é um sinal sacra­

2 O Credo Apostólico.
APENDICE 2: A CONFISSÃO DA GUANABARA 221

mental, sob o qual a verdade é infalivelmente recebida. Ora, essa


recepção não se faz senão por meio da fé e nela não convém
imaginar nada de carnal, nem preparar os dentes para comer,
como santo Agostinho nos ensina, dizendo: “Porque preparas tu
os dentes e o ventre? Crê, e tu o comeste”.
O sinal, pois, nem nos dá a verdade, nem a coisa significada;
mas nosso Senhor Jesus Cristo, por seu poder, virtude e bondade,
alimenta e preserva nossas almas, e as faz participantes da sua
carne, e de seu sangue, e de todos os seus benefícios.
Vejamos a interpretação das palavras de Jesus Cristo: “Este
pão é meu corpo”. Tertuliano, no livro quarto contra Marcião,
explica estas palavras assim: “Este é o sinal e a figura do meu
corpo”.
S. Agostinho diz: “O Senhor não evitou dizer: - Este é o
meu corpo, quando dava apenas o sinal de seu corpo”.
Portanto (como é ordenado no primeiro cânon do Concilio
de Nicéia), neste santo sacramento não devemos imaginar nada
de carnal e nem nos distrair no pão e no vinho, que nos são neles
propostos por sinais, mas levantar nossos espíritos ao céu para
contemplar pela fé o Filho de Deus, nosso Senhor Jesus, sentado
à destra de Deus, seu Pai.
Neste sentido, podíamos juntar o artigo da Ascensão, com
muitas outras sentenças de Santo Agostinho, que omitimos,
temendo ser longas.
VI. Cremos que, se fosse necessário pôr água no vinho, os
evangelistas e São Paulo não teriam omitido uma coisa de tão
grande consequência.
E quanto ao que os doutores antigos têm observado
(fundamentando-se sobre o sangue misturado com água que saiu
do lado de Jesus Cristo, desde que tal observância não tem funda­
mento na Palavra de Deus, visto mesmo que depois da instituição
da Santa Ceia isso aconteceu), nós não a podemos hoje admitir
necessariamente.
SOIA SCR1PTURA

VII. Cremos que não há outra consagração senão a que se


faz pelo ministro, quando se celebra a ceia, recitando o ministro
ao povo, em linguagem conhecida, a instituição desta ceia literal­
mente, segundo a forma que nosso Senhor Jesus Cristo nos pres­
creveu, admoestando o povo quanto à morte e paixão do nosso
Senhor. E mesmo, como diz santo Agostinho, a consagração e a
palavra de fé que é pregada e recebida em fé. Pelo que, segue-se que
as palavras secretamente pronunciadas sobre os sinais não podem
ser a consagração como aparece da instituição que nosso Senhor
Jesus Cristo deixou aos seus apóstolos, dirigindo suas palavras aos
seus discípulos presentes, aos quais ordenou tomar e comer.
VIII. O santo sacramento da ceia não é alimento para o
corpo como para as almas (porque nós não imaginamos nada de
carnal, como declaramos no artigo quinto), recebendo-o por fé, a
qual não é carnal.
IX. Cremos que o batismo é sacramento de penitência, e
como uma entrada na igreja de Deus, para sermos incorporados
em Jesus Cristo. Representa-nos a remissão de nossos pecados
passados e futuros, a qual é adquirida plenamente só pela morte
de nosso Senhor Jesus.
De mais. a mortificação de nossa carne aí nos é representada,
e a lavagem, representada pela água lançada sobre a criança, é
sinal e selo do sangue de nosso Senhor Jesus, que é a verdadeira
purificação de nossas almas. A sua instituição nos é ensinada na
Palavra de Deus, a qual os santos apóstolos observ aram, usando
de água em nome do Pai. do Filho e do Santo Espírito. Quanto
aos exorcismos, abjurações de Satanás, crisma, saliva e sal, nós
os registramos como tradições dos homens, contentando-nos só
com a forma e instituição deixada por nosso Senhor Jesus.
X. Ouanto ao livre arbítrio, cremos que, se o primeiro
homem, criado à imagem de Deus, teve liberdade e vontade, tanto
para bem como para mal. só ele conheceu o que era livre arbítrio,
estando em sua integridade. Ora, ele nem apenas guardou este
dom de Deus, assim como dele foi privado por seu pecado, e
APÊNDICE 2: A CONFISSÃO DA GUANABARA 223

todos os que descendem dele. de sorte que nenhum da semente


de Adào tem uma centelha do bem.
Por esta causa, diz Sào Paulo, o homem natural não entende
as coisas que são de Deus. E Oséias clama aos filhos de Israel:
“Tua perdição é de ti, 6 Israel”. Ora, isto entendemos do homem
que não é regenerado pelo Santo Espírito.
Quanto ao homem cristão, batizado no sangue de Jesus Cristo,
o qual caminha em novidade de vida, nosso Senhor Jesus Cristo
restitui nele o livre arbítrio, e reforma a vontade para todas as boas
obras, não, todavia, em perfeição, porque a execução de boa vontade
não está em seu poder, mas vem de Deus, como amplamente este
santo apóstolo declara, no sétimo capítulo aos Romanos, dizendo:
“Tenho o querer, mas em mim não acho o realizar”.
O homem predestinado para a vida eterna, embora peque
por fragilidade humana, todavia não pode cair em impenitência.
A esse propósito, S. João diz que ele não peca, porque a
eleição permanece nele.
XI. Cremos que pertence só a Palavra de Deus perdoar os
pecados, da qual, como diz santo Ambrósio, o homem é apenas
o ministro; portanto, se ele condena ou absolve, não é ele, mas a
Palavra de Deus que ele anuncia.
Santo Agostinho neste lugar diz que não é pelo mérito dos
homens que os pecados são perdoados, mas pela virtude do Santo
Espírito. Porque o Senhor dissera aos seus apóstolos: “Recebei o
Santo Espírito”; depois acrescenta: “Se perdoardes a alguém os
seus pecados”, etc.
Cipriano diz que o servo não pode perdoar a ofensa contra
o Senhor.
XII. Quanto à imposição das mãos, essa serviu em seu
tempo, e não há necessidade de conservá-la agora, porque pela
imposição das mãos não se pode dar o Santo Espírito, porquanto
isto só a Deus pertence.
224 SOLA SCR1PTURA

No tocante à ordem eclesiástica, cremos no que S. Paulo dela


escreveu na primeira epístola a Timóteo, e em outros lugares.
XIII. A separação entre o homem e a mulher legitimamente
unidos por casamento não se pode fazer senão por causa de adul­
tério. como nosso Senhor ensina (Mateus 19:5). E não somente
se pode fazer a separação por essa causa, mas, também, bem
examinada a causa perante o magistrado, a parte não culpada, não
podendo conter-se, pode casar-se, como São Ambrósio diz sobre
o capítulo sete da Primeira Epístola aos Coríntios. O magistrado,
todavia, deve nisso proceder com madureza de conselho.
XIV. Sào Paulo, ensinando que o bispo deve ser marido de
uma só mulher, não diz que não lhe seja lícito tornar a casar, mas
o santo apóstolo condena a bigamia a que os homens daqueles
tempos eram muito afeitos; todavia, nisso deixamos o julgamento
aos mais versados nas Santas Escrituras, não se fundando a nossa
fé sobre esse ponto.
XV. Não é lícito votar a Deus, senão o que ele aprova. Ora,
é assim que os votos monásticos só tendem à corrupção do verda­
deiro serviço de Deus. E também grande temeridade e presunção
do homem fazer votos além da medida de sua vocação, visto que
a santa Escritura nos ensina que a continência é um dom espe­
cial (Mateus 15 e 1 Coríntios 7). Portanto, segue-se que os que
se impõem esta necessidade, renunciando ao matrimônio toda a
sua vida, não podem ser desculpados de extrema temeridade e
confiança excessiva e insolentes em si mesmos.
E por este meio tentam a Deus, visto que o dom da conti­
nência é, em alguns, apenas temporal, e o que o teve por algum
tempo não o terá pelo resto da vida. Por isso, pois, os monges,
padres e outros tais que se obrigam e prometem viver em casti­
dade, tentam contra Deus, por isso que não está neles cumprir o
que prometem. São Cipriano, no capítulo onze, diz assim: “Se
as virgens se dedicam de boa vontade a Cristo, perseverem em
castidade sem defeito; sendo assim fortes e constantes, esperem
o galardão preparado para a sua virgindade; se não querem ou
APÊNDICE 2: A CONFISSÃO DA GUANABARA 22S

não podem perseverar nos votos, é melhor que se casem do que


serem precipitadas no fogo da lascívia por seus prazeres e delí­
cias”. Quanto à passagem do apóstolo S. Paulo, é verdade que
as viúvas tomadas para servir à igreja, se submetiam a não mais
casar, enquanto estivessem sujeitas ao dito cargo, não que por
isso se lhes reputasse ou atribuísse alguma santidade, mas porque
não podiam bem desempenhar os seus deveres, sendo casadas;
e, querendo casar, renunciassem à vocação para a qual Deus as
tinha chamado, contudo que cumprissem as promessas feitas
na igreja, sem violar a promessa feita no batismo, na qual está
contido este ponto: “Que cada um deve servir a Deus na voca­
ção em que foi chamado”. As viúvas, pois, não faziam voto de
continência, senão no que o casamento não convinha ao ofício
para que se apresentavam, e não tinham outra consideração que
cumpri-lo. Não eram tão constrangidas que não lhes fosse antes
permitido casar do que se abrasar e cair em alguma infâmia ou
desonestidade.
E mais, para evitar tal inconveniência, o apóstolo São Paulo,
no capítulo citado, proíbe que sejam recebidas para fazer tais
votos sem que tenham a idade de sessenta anos, que ê uma idade
comumente fora da incontinência. Acrescenta que as eleitas só
devem ter sido casadas uma vez, a fim de que, por essa forma,
tenham já uma aprovação de continência.
XVI. Cremas que Jesus Cristo é o nosso único Mediador,
intercessor e advogado, pelo qual temos acesso ao Pai. e que,
justificados no seu sangue, seremos livres da morte, e por ele já
reconciliados teremos plena vitória contra a morte.
Quanto aos santos mortos, dizemos que desejam a nossa
salvação e o cumprimento do Reino de Deus, e que o número dos
eleitos se complete; todavia, não devemos nos dirigir a eles como
intercessores para obter alguma coisa, porque desobedeceriamos o
mandamento de Deus. Quanto a nós, ainda vivos, enquanto esta­
mos unidos como membros de um corpo, devemos orar uns pelos
outros, como nos ensinam muitas passagens das Santas Escrituras.
226 SOLA SCRtPTURA

XVII. Quanto aos mortos, Sào Paulo, na Primeira Epístola


aos Tessalonicenses, no capítulo quatro, nos proíbe entristecer-
nos por eles, porque isto convém aos pagãos, que não têm espe­
rança alguma de ressuscitar. O apóstolo não manda e nem ensina
orar por eles, o que não teria esquecido, se fosse conveniente.
S. Agostinho, sobre o Salmo 48, diz que os espíritos dos mortos
recebem conforme o que tiverem feito durante a vida; que, se
nada fizeram, estando vivos, nada recebem, estando mortos.
Esta é a resposta que ciamos aos artigos por vós enviados,
segundo a medida e porção da fé, que Deus nos deu. suplicando
que lhe praza fazer que em nós não seja morta, antes produza frutos
dignos de seus filhos, e assim, fazendo-nos crescer e perseverar
nela, lhe rendamos graças e louvores para sempre. Assim seja.
Jcan ílu Bourdel, Matlhicu Verneuil, Pierre Bourdon, André la Fnn
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O Rcv. Paulo Anglada é ministro
presbiteriano há mais de trinta anos. Ele é
casado com Layse Gueiros e tem três Filhos:
Karis Beatriz, Paulus Roberto e Anna Layse.
Sua formação teológica inclui: bacharelado
em Teologia pelo Seminário Presbiteriano
do Norte, mestrado em Teologia pela
Potchefstroom University for Christian
Higher Education e doutorado em
Ministério pelo Westminster Theological
Seminary in Califórnia.
O Rev. Anglada foi por vários anos pastor
efetivo da Igreja Presbiteriana Central do
Pará, professor de Novo Testamento e
Hermenêutica na Faculdade Teológica Batista
Equatorial e membro da Junta de Educação
Teológica do Supremo Concilio da IPB.
Atualmente ele é pastor emérito da Igreja
Presbiteriana Central do Pará, presidente da
Associação Reformada Palavra da Verdade e
professor de Novo Testamento, Teologia
Sistemática e Pregação no International
Reformed Theological College.
Entre as suas obras publicadas, estão os livros:
Calvinismo: As Antigas Doutrinas da Graça
(1996, 2000, 2009), Spurgeon e o
Evangelicalismo Moderno (1996), O Princípio
Regulador no Culto (1998), Refortna: Solução
Divina para a Crise (1999), Introdução à
Pregação Reformada: Uma Investigação
Histórica sobre o Modelo Bíblico-Reformado
de Pregação (2005), Introdução à
Hermenêutica Reformada: Correntes
Históricas, Pressuposições, Princípios e
Métodos Lingüísticos (2006), Soli Deo
Gloria: O Ser e Obras de Deus (2007),
Imago Dei: Antropologia Bíblico-Reformada
(2013), além de artigos em obras coletivas
e revistas teológicas Brasileiras.
Martin Lloyd-Jones nos indica "que a maior lição que a Reforma
Protestante tem a nos ensinar é justamente que o segredo do sucesso, na
esfera da Igreja e das coisas do Espírito, é olhar para trás". Lutero e
Calvino, diz ele, "foram descobrindo que estiveram redescobrindo o
que Agostinho já tinha descoberto e que e que já havia sido esquecido".
Por ocasião da Reforma, a tradição da igreja já havia se
incorporado aos padrões determinantes de comportamento e
doutrina e, na realidade, já havia superado as prescrições das
Escrituras. A Bíblia era conservada longe e afastada da compreensão
dos devotos. Era considerada um livro só para os entendidos, obscuro
e até perigoso para a massa. Os reformadores redescobriram e
levantaram bem alto o único padrão de fé e prática: a Palavra de Deus,
e por este padrão, aferiram tanto as autoridades como as práticas
religiosas em vigor.
A um mundo que está sem padrão, e à própria igreja evangélica,
que está voltando a enterrar o seu padrão em meio a um entulho místico
pseudo-espiritual, a mensagem da Reforma, sobre a suficiência e
integridade das Escrituras, continua necessária. Esse livro traz o brado de
Sola Scriptura, com veemência e clareza, como antídoto ao veneno
contemporâneo do subjetivismo e existencialismo do homem sem
Deus, que teima em se infiltrar nos ensinamentos da Igreja Cristã. A
própria Confissão de Fé de Westminster em seu Capítulo 1°, refletindo
os ensinamentos da Reforma do Século XVI, descreve a Bíblia como
sendo a "... única regra infalível de fé e de prática". Essa é a mensagem
deste livro e aquela que precisa ser pregada, com ousadia, à igreja
contemporânea.

ISBN 978-856118408-7
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