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Revista Estudos Feministas

ISSN: 0104-026X
ref@cfh.ufsc.br
Universidade Federal de Santa Catarina
Brasil

Franchi Gallina, Justina


Reseña de "Judith Butler: introducción a su lectura" de María Luisa Femenías
Revista Estudos Feministas, vol. 14, núm. 2, maio-setembro, 2006, pp. 566-558
Universidade Federal de Santa Catarina
Santa Catarina, Brasil

Available in: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=38114218

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Pós-feminismo através de Judith Butler

Judith Butler: introducción a su Femenías adverte a dificuldade de leitura


dos textos de Butler que são, ao mesmo tempo,
lectura. muito difundidos e pouco compreendidos – dada
a densidade e falta de acessibilidade a um texto
FEMENÍAS, María Luisa. filosófico ‘duro’. Nesse livro a autora detém-se
Buenos Aires: Catálogos, 2003. 208 p. principalmente sobre três eixos da obra da norte-
americana: a herança do pensamento filosófico
hegeliano-existencialista e sua referência à
Simone de Beauvoir, a crítica psicanalítica e
foucaultiana em relação à constituição do sujeito
Judith Butler: introducción a su lectura é
e a interpretação original que a autora faz da
uma obra densa, argumentativa e bastante
tragédia Antígona, de Sófocles.
crítica. Densa e argumentativa porque María Luisa
O capítulo segundo faz menção à Simone
Femenías1 expõe o pensamento de Butler e vai
de Beauvoir que, de acordo com Femenías, não
buscar nas fontes teórico-filosóficas da autora a
foi compreendida por Butler em sua vinculação
utilização e a pertinência de determinados
fenomenológica e existencialista. Alega que o
termos. Crítica, pois há um interesse contínuo de
grande equívoco de Butler é pensar que Beauvoir
Femenías em apontar os possíveis equívocos e
seria uma leitora e seguidora acrítica da
interpretações ‘incorretas’ de Butler acerca de
fenomenologia e metafísica sartreana.2 Femenías
alguns conceitos filosóficos.
questiona Butler quando esta diz que a francesa
Inicialmente Femenías traça uma breve
incita as mulheres a buscarem a condição de
trajetória acadêmica da autora, destacando que
sujeito de uma maneira existencialista, ou seja,
seu interesse repousa sobre as orientações
lhes propõe que se tornem sujeitos masculinos.3
filosóficas que influencia(ra)m a norte-americana.
Femenías advoga, por sua vez, que Beauvoir
O primeiro capítulo dedica-se à parte militante
pensa em um sujeito universal que abrange tanto
de Judith Butler, ressaltando sua compreensão do
homens quanto mulheres. Contudo, a crítica mais
feminismo enquanto crítica filosófica e como
contundente que Butler faz a Beauvoir é a da
movimento social que possui incoerências dentro
crença na existência de uma metafísica da
de seus próprios pressupostos. Femenías esboça
substância, ou seja, que há um sujeito prévio a
um panorama geral de duas vertentes do
toda escolha de gênero possível (um proto-sujeito).
movimento feminista, uma denominada pós-
A diferença fundamental entre ambas é que,
moderna (definida como uma crítica às estruturas
enquanto Beauvoir trabalha com a idéia de
profundas da sociedade e a certos binarismos
dimorfismo sexual, Butler acredita que não só a
restritivos do pensamento) e outra designada
anatomia não dita mais o gênero como também
feminismo ilustrado (fundamentado na busca da
a anatomia não põe limite algum ao gênero (a
‘verdadeira’ universalidade). Butler pretende
anatomia já não é o destino). No entanto, Butler
identificar-se com um modelo mais polêmico e
ressalva que, ao apontar a natureza do corpo
ousado que a vertente pós-moderna, o qual
somente como superfície de uma invenção
muitos/as denominam pós-feminismo. Em sua
cultural, Beauvoir abriu portas para uma
análise crítica, sustenta que nas duas vertentes
interpretação radical de gênero – que não
alguns binarismos ainda são mantidos sem serem
chegou a explorar.
questionados. Assim, posiciona-se contra o
Sexo e gênero são intercambiáveis para
feminismo ilustrado, assume genealogicamente
Butler, pois ambos estão imbricados nas marcas
os preceitos de autores/as que trabalham com o
dos constructos sociais. Dizer que o gênero existe
giro lingüístico, tanto da escola inglesa (Austin,
é pensar e aceitar as normas culturais que
Searle) quanto da francesa (Derrida, Deleuze), e
governam a interpretação dos próprios corpos.
adota algumas posturas da fenomenologia
Nesse sentido, expõe que Beauvoir possui uma
existencialista (Sartre, Merleau-Ponty). Butler
concepção biologicista do gênero que não a
aponta a falsa estabilidade da categoria mulher
deixa trabalhar com outras possibilidades além
e propõe buscar um modo de interrogação da
de homem e mulher. Para Butler, o sistema sexual
constituição do sujeito que não requeira uma
binário impõe modelos dados de existência
identificação normativa com o ‘sexo’ binário.
corporal (gerados pela metafísica da substância)

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e manter essa divisão só tem significado porque em formação. Para ela, nenhum indivíduo torna-
há interesse cultural nisso. se sujeito se não foi antes sujeitado ou passou
Muitos/as teóricos/as criticam-na pois pelo processo de subjetivação. A autora sente-
defendem que o sexo é um feito primitivo que se contemplada com a noção de sujeito
não se transforma pelo voluntarismo performativo, inovador,4 desenvolvida por Kristeva, o qual
como parece sustentar a autora. É que para transgride, através do discurso, as normas vigentes
Butler, na busca pela constituição do eu, e propõe práticas que nos permitem pensar em
inventam-se uma identidade e uma coerência mudanças reais. A partir dessa idéia, Butler
que não são senão ficcionais. Assim surgem os abandona o entendimento de sujeito com uma
gêneros paródicos. Cada re-escritura, cada identidade fixa, coerente e contínua. Trabalha
paródia implica uma abertura para uma com a perspectiva de identificação, vinculada
liberdade de constituição de um sujeito. Cada à fantasia. Essa variabilidade performativa (as
interpretação origina uma diferença. identificações do eu realizam desejos e operam
Sexo e gênero não são características performativamente segundo a ordem da fantasia)
descritivas nem prescritivas e tampouco possuem pressupõe o exercício da liberdade e é capaz
uma estabilidade natural. Então não há identidade de gerar inúmeras possibilidades de
de gênero anterior as suas performances. Só o que identificações de gênero.
há é o disciplinamento do desejo que direciona a A identidade é, para Butler, um ideal
‘lógica’ de uma atração binária dos ‘opostos’. Se normativo, um conjunto de características que
for desarticulado o caráter natural do binarismo estabelecem uma continuidade através do
sexual, os sexos/gêneros podem manifestar-se tempo, a partir de práticas regulatórias que
performativamente pois o corpo já não será mais marcam a divisão sexo/gênero, a coerência
um dado biológico irredutível e sim um aporte interna dos sujeitos e a auto-identidade da
subsidiário. pessoa. “La identidad es outra ficción de la
Para Butler, a representação política e metafísica de la sustancia, un efecto artificial más
lingüística já apresenta duas opções (homem e que se viste de naturalidad” (p. 84).
mulher), nas quais os sujeitos devem conformar- No derradeiro capítulo do livro, no qual
se. Somente os sujeitos construídos/conformados Femenías discute a interpretação butleriana da
de acordo com as normas seriam representados clássica tragédia Antígona, de Sófocles, a autora
politicamente. Por isso as mulheres não devem propõe-se a revisar a relação entre parentesco-
pleitear o ingresso na categoria de sujeito (já que, família e Estado, questionando o seguinte: pode
como Foucault, acredita que o poder cria os haver Estado sem o suporte das mediações das
sujeitos que o vêm representar) e sim transgredir relações familiares? E pode haver parentesco sem
os critérios dessa regulação política e de Estado? Butler se contrapõe às interpretações que
representação. No entanto, reconhece a Lévi-Strauss, Irigaray e Lacan fizeram do texto e
necessidade estratégica de manter a categoria sugere uma releitura de Hegel, afirmando que
mulheres, por imperativo da política feminista. as relações entre irmãos não é livre de desejo,
No terceiro capítulo, Femenías pondera que sendo constituída por desejo de reconhecimento
Butler defende que a noção moderna de sujeito do outro.
está tão vinculada à noção de dualismo sexual Seguir a linha cartográfica da leitura de
que só se pode falar significativamente em nome Butler proposta por Femenías não exime o/a leitor/
de sujeito masculino. A autora segue a linha a de consultar seus originais, como adverte a
foucaultiana ao manter que o discurso é autora. Entretanto, não se pode negar que esse
constitutivo, produtivo e performativo na medida é um trabalho de fôlego e dedicação, pois, além
em que o corpo recebe uma insígnia de sexuado de Femenías ter lido as obras de Butler, revisitou
em um determinado momento histórico, de modo igualmente muitas das obras citadas por ela e
a sustentar os modos institucionalizados do discutiu a pertinência da utilização de
controle, principalmente através do controle do determinados conceitos e interpretações em seus
desejo. A saída para não ficarmos presos/as nessa textos. No entanto, parece-me que em alguns
lógica é proliferar as mais diversas paródias em momentos a autora perde-se tentando mostrar
relação ao sexo/gênero/sujeito/desejo, o que sua erudição filosófica, ‘esquecendo’ seu foco
resultaria em corpos dinâmicos e instáveis, que de trabalho.
seriam o produto de uma fantasia – entendida Femenías conclui o livro dizendo considerar
por Butler como liberdade. a obra da filósofa norte-americana em constante
Butler trabalha com a idéia de sujeito como gestação, o que obriga que se chegue somente
uma categoria lingüística, como uma estrutura a conclusões provisórias. Entre seus apontamentos

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está o de que a proposta política e multicultural positiva de las condiciones y de los performativos
de Butler exige uma reelaboração – que acredita implicados” (p. 133).
ser possível dentro de pouco tempo, pois ressalva Notas
que a autora está sempre dialogando e, mais 1
Doutora em Filosofia, é professora e pesquisadora do
recentemente, o tem feito com as chamadas
Departamento de Filosofia da Universidade Nacional de
‘novas esquerdas’.
La Plata, Argentina.
Femenías não corrobora com a supressão 2
Segundo Femenías, Beauvoir segue mais os preceitos
do dado biológico da categoria mulheres (o que, fenomenológicos expostos por Merleau-Ponty e não por
segundo ela e muitas/os outras/os autoras/es, Sartre.
cairia em um feminismo sem mulheres) e critica 3
Dentro do pensamento existencialista somente os
a posição ‘estreita’ e ‘revisável’ de Butler, para a homens podem atingir o status de sujeito pleno e
qual só parece existir possibilidade de conquistar a transcendência. As mulheres, por sua vez,
transformação na ordem social a partir de um já nascem dentro de um modelo limitado de prescrição
campo que não esteja ligado às categorias que as impede de constituírem-se enquanto sujeitos,
homem e mulher. Queer é o exemplo de ruptura, sendo consideradas sempre o outro do sujeito universal
ressignificação e transformação política que nos masculino.
traz a norte-americana. A política queer refere-
4
Esse sujeito inovador seria quase o sujeito transgressor
se a uma corrente de pensamento para a pensado por Butler, não fosse a restrição de Kristeva
somente às práticas poéticas como possibilidades
compreensão da diversidade de sexualidades e
transgressoras do discurso, ignorando sua dimensão
expressões culturais que tem na resistência a um
política.
enquadramento identitário seu foco de estudo.
“Esto obedece, según Butler, la ruptura de la
Justina Franchi Gallina
lógica del domínio y la reapropriación em clave
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