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Identidade, modernidade e pós-modernidade

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp,


1991.

Definição

“O que é modernidade? Como uma primeira aproximação, digamos


simplesmente o seguinte: ‘modernidade’ refere-se a estilo, costume de vida ou
organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que
ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência. Isto
associa a modernidade a um período de tempo e a uma localização geográfica
inicial, mas por enquanto deixa suas características principais guardadas em
segurança numa caixa preta.” (GIDDENS, 1991, p. 8)

“[...] não basta meramente inventar novos termos, como pós-modernidade e o


resto. Ao invés disso, temos que olhar novamente para a natureza da própria
modernidade a qual, por certas razões bem específicas, tem sido
insuficientemente abrangida, até agora, pelas ciências sociais. Em vez de
estarmos entrando num período de pós-modernidade, estamos alcançando um
período em que as conseqüências da modernidade estão se tornando mais
radicalizadas e universalizadas do que antes.” (GIDDENS, 1991, p. 9)

Giddens opta por utilizar o termo modernidade, e recusa a expressão pós-


modernidade,ele atribui a uma nova era que surgirá o termo ordem pós-
moderna.

A modernidade, como qualquer um que vive no final do século XX pode ver, é


um fenômeno de dois gumes. O desenvolvimento das instituições sociais
modernas e sua difusão em escala mundial criaram oportunidades bem
maiores para os seres humanos gozarem de uma existência segura e
gratificante que qualquer tipo de sistema pré -moderno. Mas a modernidade
tem também um lado sombrio,que se tornou muito aparente no século atual.
(GIDDENS, 1991, p. 12-13)
Modernidade e Sociologia

“A sociologia é um campo muito amplo e diverso, e quaisquer generalizações


sobre ela são questionáveis. Mas podemos destacar três concepções
amplamente defendidas, derivadas em parte do prolongado impacto da teoria
social clássica na sociologia, que inibem uma análise satisfatória das
instituições modernas. A primeira diz respeito ao diagnóstico institucional da
modernidade; a segunda tem a ver com o foco principal da análise
sociológica, a "sociedade"; a terceira se relaciona às conexões entre
conhecimento sociológico e as características da modernidade às quais se
refere este conhecimento. (GIDDENS, 1991, p. 15-16)

A concepção de modernidade nos clássicos

l. As tradições teóricas mais proeminentes na sociologia, incluindo as que


derivam dos escritos de Marx, Durkheim e Weber, têm tido a tendência de
cuidar de uma única e mais importante dinâmica de transformação ao
interpretar a natureza da modernidade. Para autores influenciados por Marx, a
força transformadora principal que modela o mundo moderno é o capitalismo.
Com o declínio do feudalismo, a produção agrária baseada no domínio feudal
local é substituída pela produção para mercados de escopo nacional e
internacional, em t ermos dos quais não apenas uma variedade indefinida de
bens materiais mas também a força de trabalho humano tornam-se mercadoria.
A ordem social emergente da modernidade é capitalista tanto em seu sistema
econômico como em suas outras instituições. O caráter móvel, inquieto da
modernidade é explicado como um resultado do ciclo investimento-lucro -
investimento que, combinado com a tendência geral da taxa de lucro a declinar,
ocasiona uma disposição constante para o sistema se expandir.

Este ponto de vista foi criticado tanto por Durkheim como por Weber, que
ajudaram a iniciar as interpretações rivais que influenciaram fortemente a
análise sociológica ulterior. Na tradição de Saint-Simon, Durkheim rastreou a
natureza das instituições modernas primariamente até o impacto do
industrialismo.
Para Durkheim, a competição capitalista não é o elemento central da ordem
industrial emergente, e algumas das características sobre as quais Marx
pusera grande ênfase, ele via como marginais e transitórias. O caráter de
rápida transformação da vida social moderna não deriva essencialmente do
capitalismo, mas do impulso energizante de uma complexa divisão de trabalho,
aproveitando a produção para as necessidades humanas através da
exploração industrial da natureza. Vivemos numa ordem que não é capitalista,
mas industrial. (GIDDENS, 1991, p. 16)

Weber falava de "capitalismo" ao invés da existência de uma ordem industrial,


mas quanto a alguns pontos-chave, sua concepção está mais perto de
Durkheim do que de Marx. O "Capitalismo racional" como Weber o caracteriza,
compreende os mecanismos econômicos especificados por Marx, incluindo a
transformação do salário em mercadoria. Ainda assim, "capitalismo" neste uso
significa simplesmente algo diverso do mesmo termo como ele aparece nos
escritos de Marx. A "racionalização", conforme expressa na tecnologia e na
organização das atividades humanas, na forma da burocracia, é a tônica.
(GIDDENS, 1991, p. 17)

2. O conceito de "sociedade" ocupa uma posição focal no discurso sociológico.


"Sociedade" é obviamente u ma noção ambígua, referindo-se tanto à
"associação social" de um modo genérico quanto a um sistema específico de
relações sociais. Preocupo-me aqui apenas com o segundo destes usos, que
certamente figura de uma maneira básica em cada uma das perspectivas
sociológicas dominantes. Embora os autores marxistas possam às vezes
favorecer o termo "formação social" em relação à "sociedade", a conotação de
"sistema fechado" é análoga. (GIDDENS, 1991, p. 17)

3. Em várias formas de pensamento, sob outros aspectos divergentes, a


sociologia tem sido compreendida como geradora de conhecimento sobre a
vida social moderna, conhecimento este que pode ser usado no interesse da
previsão e do controle. Duas versões deste tema são proeminentes.Uma é a
concepção de que a sociologia proporciona informação sobre a vida social que
pode nos dar uma espécie de controle sobre as instituições sociais
semelhantes àquela proporcionada pelas ciências físicas no domínio da
natureza. (GIDDENS, 1991, p. 19)

O dinamismo da modernidade
O dinamismo da modernidade deriva da separação do tempo e do espaço e de
sua recombinação em formas que permitem o "zoneamento" tempo-espacial
preciso da vida social; do desencaixe dos sistemas sociais (um fenômeno
intimamente vinculado aos fatores envolvidos na separação tempo-espaço); e
da ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais à luz das contínuas
entradas (inputs) de conhecimento afetando as ações de indivíduos e grupos.
Devo analisar isto mais detalhadamente (incluindo um exame inicial da
natureza da confiança), a começar pela ordenação do tempo e do espaço.
(GIDDENS, 1991, p. 21)

Modernidade ou pós-modernidade?

"Pós-modernidade" é usado freqüentemente como se fosse sinônimo de pós-


modernismo, sociedade pós-industrial etc. Embora a idéia de sociedade pós-
industrial, como desenvolvida por Daniel Bell, pelo menos,seja bem explicada,
os outros dois conceitos mencionados acima certamente não o são. Devo aqui
traçar uma distinção entre eles. Pós-modernismo, se é que significa alguma
coisa, é mais apropriado para se referir a estilos ou movimentos no interior da
literatura, artes plásticas e arquitetura. Diz respeito a aspectos da reflexão
estética sobre a natureza da modernidade. Embora às vezes apenas um tanto
vagamente designado, o modernismo é ou foi uma perspectiva distinguível
nestas várias áreas e pode-se dizer que tem sido deslocado por outras
correntes de uma variedade pós-moderna. (Uma obra separada poderia ser
escrita sobre esta questão, que não devo analisar aqui.)A pós-modernidade se
refere a algo diferente, ao menos como eu defino a noção. Se estamos nos
encaminhando para uma fase de pós-modernidade, isto significa que a
trajetória do desenvolvimento social está nos tirando das instituições da
modernidade rumo a um novo e diferente tipo de ordem social. O pós-
modernismo, se ele existe de forma válida, pode exprimir uma consciência de
tal transição mas não mostra que ela existe. (GIDDENS, 1991, p. 45)

Ao que se refere comumente a pós-modernidade? Afora o sentido geral de se


estar vivendo um período de nítida disparidade do passado, o termo com
freqüência tem um ou mais dos seguintes significados: descobrimos que nada
pode ser conhecido com alguma certeza, desde que todos os "fundamentos"
preexistentes da epistemologia se revelaram sem credibilidade; que a "história"
é destituída de teleologia e conseqüentemente nenhuma versão de "progresso"
pode ser plausivelmente defendida; e que uma nova agenda social e política
surgiu com a crescente proeminência de preocupações ecológicas e talvez de
novos movimentos sociais em geral. Dificilmente alguém hoje em dia parece
identificar a pós-modernidade com o que ela tão amplamente já chegou a
significar — a substituição do capitalismo pelo socialismo. O deslocamento
desta transição para longe do centro do palco, na verdade, é um dos principais
fatores que estimularam as discussões correntes sobre a possível dissolução
da modernidade, dada a concepção totalizante da história de Marx. (GIDDENS,
1991, p. 45-46)

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,


2002.

“A ‘modernidade’ pode ser entendida como aproximadamente equivalente ao


‘mundo industrializado’ desde que se reconheça que o industrialismo não é
sua única dimensão institucional. Ele se refere às relações sociais implicadas
no uso generalizado da força material e do maquinário nos processos de
produção. Como tal, é um dos eixos institucionais da modernidade. Uma
segunda dimensão é o capitalismo, sistema de produção de mercadorias que
envolve tanto mercados competitivos de produtos quanto a mercantilização da
força de trabalho. Cada uma dessas dimensões pode ser analiticamente
distinguida das instituições de vigilância, base do crescimento maciço da força
organizacional associado com o surgimento da vida social moderna [...].A
modernidade inaugura uma era de ‘guerra total’ em que a capacidade
destrutiva potencial dos armamentos, assinalada acima de tudo pela existência
de armas nucleares, tornou-se enorme.” (GIDDENS, 2002, p. 21)
dimensões
institucionais da
modernidade

industrialismo capitalismo

sistema de produção de
se refere às relações sociais
mercadorias que envolve
implicadas no uso
tanto mercados competitivos
generalizado da força
de produtos quanto a
material e do maquinário
mercantilização da força de
nos processos de produção.
trabalho.

“A modernidade produz certas formas sociais distintas, das quais a mais


importante é o estado-nação [...]. Como entidade sociopolítica, o estado-nação
contrasta de modo fundamental com a maioria dos tipos de ordem tradicional.
Desenvolve-se apenas como parte de um sistema mais amplo de estados-
nações (que hoje se tornou de caráter global), tem formas muito específicas de
territorialidade e capacidade de vigilância, e monopoliza o controle efetivo
sobre os meios da violência [...] os Estados modernos são sistemas
reflexivamente monitorados que [...] seguem políticas e planos coordenados
numa escala geopolítica. Como tais, são um exemplo maior de uma
característica mais geral da modernidade: a ascensão da organização. O
que distingue as organizações modernas não é tanto seu tamanho, ou seu
caráter burocrático, quanto o monitoramento reflexivo que elas permitem e
implicam. Dizer modernidade é dizer não só organizações mas organização –
controle regular das relações sociais dentro de distâncias espaciais e temporais
indeterminadas. (GIDDENS, 2002, p. 21-22)

Em vários aspectos fundamentais, as instituições modernas apresentam certas


descontinuidades com as culturas e modos de vida pré-modernos. Uma das
características mais óbvias que separa a era moderna de qualquer período
anterior é o seu extremo dinamismo. O mundo moderno é um ‘mundo em
disparada’: não só o ritmo da mudança social é muito mais rápido que em
qualquer sistema anterior; também a amplitude e a profundidade com que ela
afeta práticas sociais e modos de comportamento preexistentes são maiores.
(GIDDENS, 2002, p. 22)

O que explica o caráter peculiarmente dinâmico da vida social moderna? Três


elementos, ou conjuntos de elementos,principais estão envolvidos – e cada um
deles é essencial para os argumentos desenvolvidos aqui. O primeiro é o que
eu chamo de separação de tempo e espaço. Todas as culturas, é claro,
tiveram ou têm de lidar com o tempo, de alguma forma ou de outra, e também
modos de situar-se espacialmente [...]. Grandes culturas pré-modernas
desenvolveram métodos mais formais para o calculo do tempo e para o
ordenamento do espaço – como calendários e mapas simples [...]. A separação
de tempo e espaço envolveu acima de tudo o desenvolvimento de uma
dimensão ‘vazia’ de tempo, a alavanca principal que também separou o espaço
do lugar. A invenção e difusão do relógio mecânico é em geral vista –
acertadamente - como a primeira expressão desse processo [...]. O mapa
global, onde não há privilégio de lugar (uma projeção universal), é o símbolo
correlato do relógio no ‘esvaziamento’ do espaço. (GIDDENS, 2002, p. 22-23)

“O processo de esvaziamento do tempo e do espaço é crucial para a sgunda


principal influência sobre este dinamismo da modernidade: o desencaixe das
instituições sociais [...] [é o] ‘deslocamento’ das relações sociais dos contextos
locais e sua rearticulação através de partes indeterminadas no espaço-tempo
[...] é a chave para a imensa aceleração no distanciamento entre tempo e
espaço trazido pela modernidade. (GIDDENS, 2002, p. 23-24)

“Mecanismos de desencaixe são de dois tipos, que chamo de ‘fichas


simbólicas’ e ‘sistemas especializados’. Tomados em conjunto, refiro-me a eles
como sistemas abstratos. Fichas simbólicas são meios de troca que têm
um valor padrão, sendo assim, intercambiáveis numa pluralidade de
contextos. O primeiro exemplo,o mais importante, é o dinheiro. Embora todas
as formas maiores de sistema social pré-moderno tenham desenvolvido a troca
monetária de uma forma ou de outra, a economia monetária se torna muito
mais refinada e abstrata com o surgimento e amadurecimento da modernidade.
O dinheiro põe entre parentes o tempo (porque é um meio de crédito) e
também o espaço (pois o valor padronizado permite transações entre uma
infinidade de indivíduos que nunca se encontraram fisicamente). Os sistemas
especializados põem entre parênteses o tempo e o espaço dispondo de
modos de conhecimento técnico que têm validade independente dos
praticantes e dos clientes que fazem uso deles. Tais sistemas penetram em
virtualmente todos os aspectos da vida social nas condições da modernidade –
em relação aos alimentos que comemos, aos remédios que tomamos, aos
prédios que habitamos, às formas de transporte que usamos e muitos outros
fenômenos. Os sistemas especializados não se limitam a áreas tecnológicas;
estendem-se às próprias relações sociais e às intimidades do eu. O médico, o
analista e o terapeuta são tão importantes para os sistemas especializados da
modernidade quanto o cientista, o técnico ou o engenheiro. (GIDDENS, 2002,
p. 24)

“Os dois tipos de sistema especializado dependem essencialmente da


confiança que [...] pressupõe um salto para o compromisso, uma realidade de
‘fé’ que é irredutível. Está relacionada especificamente à ausência no tempo e
no espaço, e também à ignorância.” (GIDDENS, 2002, p. 24-25) O autor cita
que não precisamos confiar em alguém que está constantemente em nossas
vistas, sendo monitorado, por exemplo em ocupações monótonas,
desagradáveis e mal pagas são geralmente posições de ‘baixa confiança’, já as
de ‘alta confiança’ supõem desempenho sem a gerência e supervisão. Do
mesmo modo, não há necessidade de confiança quando um sistema técnico é
bem conhecido por um individuo particular. Em relação aos sistemas
especializados, a confiança põe entre parênteses o conhecimento técnico
limitado que a maioria das pessoas possui sobre a informação codificada que
afeta suas vidas.”

“Podemos tomar a decisão de confiar, um fenômeno que é comum por causa


do terceiro elemento da modernidade [...] sua reflexividade [...]. Mas a fé que a
confiança implica também tende a resistir a esse processo calculista de
decisão [...]. Confiança e segurança, risco e perigo, existem em conjunções
historicamente únicas nas condições de modernidade. Os mecanismos de
desencaixe, por exemplo, garantem amplas arenas de segurança relativa na
atividade social diária.” (GIDDENS, 2002, p. 25) Ex: enquanto as pessoas que
vivem em países industrializados estão protegidas de alguns dos perigos das
forças das natureza, enfrentados pelos pré-modernos, por outro lado, novos
riscos e perigos são criados pelos próprios mecanismo de desencaixe, como as
comidas com ingredientes artificiais que podem ser características tóxicas,
diferente das comidas mais tradicionais, sem estes ingredientes
ultraprocessados e artificiais, além disso também os perigos ambientais ainda
podem afetar e ameaçar ecossistemas de toda Terra.

“A modernidade é essencialmente uma ordem pós-tradicional. A transformação


do tempo e do espaço, em conjunto com os mecanismos de desencaixe, afasta
a vida social da influência de práticas e preceitos preestabelecidos. Esse é o
contexto da consumada reflexividade que é terceira maior influência sobre o
dinamismo das instituições modernas.” (GIDDENS, 2002, p. 25)

A reflexividade da modernidade “[...] se refere a suscetibilidade da maioria


dos aspectos da atividade social, e das relações materiais com a natureza, à
revisão intensa à luz de novo conhecimento ou informação. Tal informação ou
conhecimento [...] é [...] constitutivo das instituições modernas [...]. Mas a
reflexividade da modernidade de fato solapa a certeza do conhecimento,
mesmo nos domínios centrais da ciência natural. A ciência depende não da
acumulação indutiva de demonstrações, mas do princípio metodológico da
dúvida.
3 Elementos que explicam o
caráter dinâmino da vida social
moderna
separação
de tempo e desencaixe reflexividade
espaço institucional

A separação de sistemas o uso regularizado de


tempo e espaço abstratos conhecimento sobre
envolveu acima de
as circunstâncias da
tudo o
vida social como
desenvolvimento de fichas sistemas elemento constitutivo
uma dimensão simbólicas especializados de sua organização e
‘vazia’ de tempo, a
transformação.
alavanca principal
que também separou meios de troca modos de
o espaço do lugar. que têm um conhecimento
Ex: calendário, valor padrão. técnico que têm
Ex: dinheiro. validade
relógio e mapa.
independente dos
praticantes e dos
clientes que fazem
uso deles.
Ex:alimentos,
remédios, prédios,
transporte

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