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CORDIOLI - Cap.

10 - TERAPIA FOCAL: PSICOTERAPIA BREVE PSICODINÂMICA

A psicoterapia breve psicodinâmica (PBP) tem sua origem na psicanálise freudiana. A


terapia focal baseia-se nos conceitos de experiência emocional corretiva e efeito carambola,
possuindo características técnicas específicas que a distinguem das outras PBP.

Atualmente as PBs são dividas em duas grandes linhas:

 As de abordagem psicodinâmica, com origem nos primeiros atendimentos psicanalíticos


do início do séc. XX. (PBP);

 As de abordagem cognitiva e comportamental, origandas das teorias de aprendizagem de


Skinner (PBC)

Foram identificadas sete características mais comumente enfatizadas na PBPs do


que nas PBCs:

1. Afeto;

2. Resistência;

3. Identificação dos padrões consistentes de relacionamento, sentimentos e


comportamentos;

4. Experiência passada;

5. Experiência interpessoal;

6. Relacionamento terapêutico;

7. Desejos, sonhos ou fantasias;

Alguns conceitos básicos em relação à PBP:

 Importância dos fatos da vida atual, em relação aos da infância do paciente;

 Importância em fixar-se uma data para o término do tratamento , a fim de criar a


possibilidade de trabalhar as questões ligadas à separação;

 Importância para o nível de motivação do paciente para mudança , elemento


considerado essencial para o tratamento.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS

Experiência Emocional Corretiva: Representa a possibilidade de o paciente


experimentar situações traumáticas do passado penosamente reprimidas, revivendo-as na
relação com o terapeuta. A idéia é que uma nova experiência emocional possa ocorrer na
relação terapêutica. A capacidade de mudanças de conexões entre os neurônios (plasticidade
neuronal) durante toda a vida é básica para a sobrevivência do ser humano. Esse fato permite
a aprendizagem em todas as etapas da vida e indica a possibilidade de reestruturação e
modificação de comportamentos e atitudes por meio das vivências de EEC. O conceito de
EEC é melhor compreendido como o estabelecimento de novas conexões sinápticas e a
formação de novos circuitos neuronais por meio de experiências de aprendizagem.

Efeito Carambola: É resultante das experiências de reaprendizagem emocional,


promovendo novas conexões neuronais mais satisfatórias em relação à problemática do
paciente e levando a constantes modificações na plasticidade das sinapses. Vivenciar uma
EEC dá um novo significado às experiências passadas. Surge outra interpretação, e formam-
se trajetos para as percepções e comportamentos. Novas redes de conexões neuronais são
estabelecidas, e mapas corticais são remodelados, o que resulta em novas representações
internas do self. Isso leva à possibilidade de formatação biológica do domínio psicológico e à
reestruturação emocional interna pela modificação dos circuitos de memória, tanto explícita
quanto implícita.

O efeito carambola provoca mudanças no script usado habitualmente pelo paciente,


isto é, na maneira como ele se percebe e reage diante da vida. As repetidas interações
corretivas criam um novo set cognitivo e afetivo e possibilitam a reestruturação da imagem
interna da pessoa como um todo, transformando a forma como ela vê o mundo e sua relação
com outros indivíduos. Proporcionando repetidamente EECs mediante interações menos
patológicas como o paciente, o terapeuta age como uma espécie de coach (treinador), em um
progressivo treinamento. Seu papel será o de servir de catalisador no processo de mudanças
do paciente. Com base nos estudos neurocientíficos que comprovam as modificações
cerebrais resultantes dos processo de aprendizagem do ser humano, infere-se que a EEC
ajuda a estabelecer novas conexões neuronais, mais satisfatórias em relação à problemática
original do paciente.

TÉCNICA

As abordagens de PBP apresentam as seguintes características técnicas:

 Terapeutas mais ativos, que estimulam o desenvolvimento da aliança terapêutica e


transferência positiva;

 Focalização em conflitos específicos ou temas definidos previamente no início da


terapia;

 Manutenção do foco de tratamento e objetivos definidos;

 Atenção dirigida para as experiências atuais do paciente, inclusive para os sintomas;

 Ênfase na situação transferencial da dimensão do “aqui e agora” que não


necessariamente é correlacionada ao passado;

Em PBP utilizam-se táticas psicanalíticas específicas, tais como associação livre,


resistência, transferência e insight. A neurose de transferência não deveria ser utilizada e nem
estimulada, e a transferência, em especial a negativa, deveria ser interpretada no contexto da
relação terapêutica e imediatamente remetida ao foco, servindo como um elemento a mais para
que o paciente possa perceber a vinculação de seu sintoma ou problema atual com algum
conflito inconsciente que foi identificado.

As defesas adaptativas são interpretadas em PBP com a finalidade de fortalecimento,


sendo que confrontação e clarificação são táticas utilizadas em relação às defesas mal-
adaptadas, de forma que o paciente possa identificá-las e, posteriormente, abrir mão delas ou
substituí-las por outras mais saudáveis. Os silêncios devem ser ativamente desencorajados e
interpretados como resistência, bem como outra s manifestações como atrasos, faltas,
tentativas de inundar o tratamento com múltiplos assuntos, etc.

No caso da Terapia Focal (um dos tipos de PBP), essa designação identifica uma
abordagem baseada no tripé que indica as ênfases em determinadas táticas terapêuticas
específicas:

 Foco
 Atividade/Planejamento

 EEC/efeito carambola

Essas táticas terapêuticas da TF se contrapõem ao tripé básico da téncinca psicanalítica


tradicional:

 Associação Livre

 Regra de Abstinência

 Neurose de Transferência

As táticas ou intervenções que são utilizadas especificamente na TF e a diferenciam das


demais abordagens psicoterapêuticas, permitindo alcançar objetivos terapêuticos em prazo
bem mais curto, são as seguintes:

 EEC, atividade, planejamento e foco;

 Abordagem psicodinâmica na compreensão do problema;

 Flexibilidade e efeito carambola;

EXPERIÊNCIA EMOCIONAL CORRETICA (EEC), ATIVIDADE, PLANEJAMENTO E FOCO.

Para uma melhor compreensão dos conflitos psicodinâmicos, é importante que o


terapeuta faça uma adequada avaliação das dificuldades do paciente e da gênese de seus
problemas. Assim, ele poderá aumentar a probabilidade de propiciar durante a terapia,
vivências de EEC, criando possibilidades de que o paciente experimente em um contexto
relacional diferente e seguro, as relações conturbadas que originaram seus conflitos. O
terapeuta adota deliberadamente uma postura diferente da atitude da pessoa significativa do
passado do paciente, permitindo-lhe reformular internamente seus conflitos ao reestruturar sua
vivência da ansiedade diante de situações emocionais antes insuportáveis.

A oportunidade de enfrentar aquelas vivências emocionais penosas no tempo


presente, sob circunstâncias favoráveis, é que permite ao paciente tratá-las de forma diferente
do que fazia anteriormente. Para a ocorrência de EEC na relação terapêutica, é preciso que
essa experiência esteja apoiada em um aliança terapêutica bem estabelecida.Geralmente, só
quando a aliança terapêutica se desenvolve é que se torna possível ao paciente reviver a
lembrança traumática em um contexto de segurança.

ATIVIDADE E PLANEJAMENTO

A maior atividade e participação do terapeuta no processo dão-se desde o início, pois


é preciso planejar o tratamento e estabelecer, por meio de um processo diagnóstico, o foco
central que será seguido durante a TF e as possibilidades de EEC. Dessa forma, a TF segue o
modelo médico, valorizando o diagnóstico e o planejamento terapêutico.

Como a TF não é indicada para todo tipo de paciente, torna-se fundamental uma boa
avaliação inicial do quadro apresentado, sendo que a indicação terapêutica precisa
necessariamente estar baseada no diagnóstico nosológico do caso e na avaliação da
estrutura de personalidade do paciente.

Ao enfatizar a realidade objetiva e procurar soluções mais adaptativas dos


problemas no prazo mais breve possível, buscando mudanças legítimas nas vidas das
pessoas, e não somente a eliminação de sintomas, o apoio ou autoconhecimento, na TF,
desde a primeira consulta, parte-se da queixa, conflito ou dificuldade específica que levou o
paciente a procurar ajuda, estabelecendo-se, por meio da anamnese e do exame psíquico, as
hipóteses diagnósticas tanto nosológicas como psicodinâmicas.

FOCO

Focalizar significa adotar uma postura semelhante à de um fotógrafo que procura


ressaltar um objeto ou uma pessoa que vai ser fotografada em relação a um fundo, que deverá
ser menos nítido. Mesmo que o foco seja circunscrito e o objetivo do tratamento inclua a
eliminação de sintomas, este não se limita à cura sintomática, pois uma determinada área pode
conduzir a alterações em outras áreas do comportamento do paciente. Busca-se com a
resolução do conflito focal atingir o desenvolvimento positivo da personalidade do paciente por
meio do efeito carambola.

No início do tratamento, a colaboração do paciente deve ser assegurada, explicando-


se com clareza ao paciente o foco estabelecido. É essencial que o paciente possa sair da
entrevista com a sensação de que foi entendido e de que será cuidada da forma que necessita.
O processo terapêutico estende-se para o cotidiano do paciente: “o grau no qual deveríamos
nos apoiar no efeito terapêutico das experiências de vida do paciente depende da natureza do
caso e da fase do tratamento. Em geral, a parte da terapia que pode dar-se fora das sessões
será tanto maior quanto menos grave seja o caso”, e a repercussão das experiências
extrapsíquicas pode ser igual ou ainda maior do que as intraterapêuticas

ABORDAGEM PSICODINÂMICA PARA A COMPREENSÃO DOS PROBLEMAS DO


PACIENTE.

O triângulo do conflito, conhecido também como triângulo psicanalítico, derivou-se da


teoria estrutural de Freud e era, geralmente, interpretado sob o referencial do conflito inerente
às três instâncias da 2º tópica freudiana.

O triângulo da pessoa é um esquema representativo de padrões de respostas mal-


adaptadas do paciente, originadas nas relações passada e que continuam a ser repetidas tanto
nas relações de seu cotidiano como na relação com o terapeuta.

Da articulação desses dois triângulos será possível planejar as EEC.

Triângulo do Conflito

(Comportamentos Mal adaptados) (Afetos Inibidores) Triângulo da Pessoa

Defesas Ansiedade Terapeuta P. Presente

Impulsos P. Passado

No triângulo do conflito, o pólo dos impulsos/sentimentos originalmente era identificado


com os impulsos do id, o pólo das defesas, equiparado ás barreiras erigidas pelo ego, e o pólo
da ansiedade, com o superego. Entretanto, no esquema proposto por Vaillant, a análise do
triângulo do conflito não se limita mais à posição dual freudiana (impulsos sexuais e agressivos
como motivação básica do comportamento humano).
É adotada uma posição mais abrangente, sob a ótica da teorias das emoções, que
abarca uma gama variada de reações emocionais classificadas em dois grandes grupos:
afetos ativadores e afetos inibidores. O pólo dos impulsos /sentimentos passa então a ser
identificado com os afetos ativadores/motivadores, que representam os afetos normalmente
despertados na vida diária e que motivam as ações humanas, e o pólo da ansiedade identifica
o grupo dos afetos inibidores, que correspondem às respostas naturais, responsáveis pelas
formas adaptativas de comportamento e que fazem parte da herança biológica do ser humano
para reagir ao estresse e evitar situações aversivas.

Em condições adversas, em que há dificuldade para a expressão adaptada dos


desejos e/ou necessidades, os afetos inibidores, em vez de funcionarem como uma espécie de
sinal de alerta, tornam-se aversivos e auto-atacantes, causando conflito, porque levam a uma
ação desequilibrada dos afetos ativadores/motivadores e geram sintomas e/ou
comportamentos mal adaptados que podem ser identificados no pólo de defesa. Ou seja,
qualquer comportamento desadaptado (ou sintoma que seja problemático ou estranho) pode,
então, ser considerada uma forma de comportamento defensivo.

Para o esquema dos triângulos, os mecanismos do tratamento sempre que possíveis


são descritos em termos de comportamentos observáveis, para auxiliar o processo de
reestruturação do paciente. Como o afeto ativador/motivador a ser evitado no pólo dos
impulsos/sentimentos geralmente não é percebido conscientemente pelo paciente, torna-se
mais fácil para o terapeuta começar pela identificação das defesas, que podem ser observadas
mais claramente pelos sintomas e problemas de adaptação apresentados.

O tratamento deve focalizar a reestruturação da experiência afetiva, que será resultante


da reorganização do modo como o paciente vê, experimenta e se recorda do mundo. Como o
sentimento do self se origina no contexto interpessoal, ele só pode ser modificado no mesmo
contexto, o qual a reestruturação da relação do self/outros ocorre em três etapas:

 Reconhecimento das representações mal-adaptadas a respeito do self/outros e


dos comportamentos daí decorrentes;

 Identificação das respostas recebidas no relacionamento interpessoal;

 Abandono das representações inadequadas e substituição por percepções mais


adaptativas que possam levar a relacionamentos receptivos com os outros e
consigo mesmo;

FLEXIBILIDADE E EFEITO CARAMBOLA

A Psicoterapia baseada em princípios psicodinâmicos deve buscar uma adaptação


mais satisfatória do paciente ao seu meio ambiente pelo desenvolvimento harmonioso de suas
capacidades e possibilidades; Na TF, mesmo mantendo uma perspectiva psicodinâmica na
compreensão do foco, diversas técnicas de diferentes abordagens terapêuticas são utilizadas
de forma integrada ao se lidar com o paciente.

Além das táticas baseadas na técnica psicanalítica, muitas vezes não empregadas
intervenções modificadas de outras abordagens, principalmente as cognitivo-comportamentais,
para suscitar oportunidades de paciente vivenciar EEC e, assim, obter resultado terapêutico em
prazo mais curto. É possível também a integração com a psicofarmacoterapia. É essa
psicoterapia integrada que vem recebendo dos meios científicos o reconhecimento como
método mais completo para o tratamento dos distúrbios mentais.
Questionamentos socráticos e decálogo das distorções cognitivas são táticas
amplamente utilizadas na TF. Aspectos cognitivos de psicoeducação a respeito dos
mecanismos da doença são trabalhados antes mesmo de se poder iniciar a psicoterapia
propriamente dita do transtorno do pânico, por exemplo.

Na TF, o princípio da flexibilidade fica bem claro, tanto em relação à questão da


duração do tratamento, que geralmente é limitada, podendo-se ou não marcar de antemão um
período específico para o término do tratamento ou determinar a alta do paciente na ocasião
considerada adequada, como também em relação à freqüência das consultas, que, geralmente,
não ultrapassa uma vez por semana. Na perspectiva de alta originam-se quatro conflitso
vásicos no paciente:

 Independência x Dependência;

 Atividade x Passividade;

 Auto-estima adequada x perda de auto-estima;

 Luto não resolvido ou postergado;

EFEITO CARAMBOLA

A meta da TF não é atingir todos os aspectos de mudanças estruturais do paciente.


Para ajudar de modo eficaz um paciente, é necessário que sejam vivenciadas EECs
intraterapeuticas suficientes para que, em um processo de feedback positivo, possa haver
continuidade no seu crescimento em outros relacionamentos em sua vida, por meio do
mecanismo do efeito carambola.

O efeito carambola representa uma importante característica da TF, pois os benefícios


desse método não ficam circunscritos a uma determinada área da vida do paciente. Com a
resolução do conflito focal, podem ocorrer modificações em diversas outros setores, como
resultado da reformulação do aspecto específico focalizado e trabalho durante a terapia. A
questão da alta é crucial, pois representa um momento em que paciente e terapeuta podem
avaliar se o processo atingiu seus objetivos de uma forma que deixe ambos com a sensação
de bem-estar, de tarefa cumprida.

INDICAÇÕES E CONTRA-INDICAÇÕES

A escolha do tipo de psicoterapia mais adequado não deverá ser ditada somente pela
sintomatologia, síndrome ou quadro clínico, mas sim, pela estrutura da personalidade e
condição egóica do paciente, uma vez que um dos requisitos essenciais para o sucesso da
TF será a disponibilidade de recursos internos do paciente, que possam vir a ser estimulados
pelas EEC. A motivação do paciente para a mudança serve como um critério essencial na
indicação de tratamento com TF. Assim, o paciente com melhores condições de se beneficiar
com essa abordagem seria aquele que apresentasse as seguintes condições:

 Queixa circunscrita ou possibilidade de identificação de um foco ativo e


psicologicamente atual;

 Bom nível de funcionamento egóico (AGF maior que 50);

 Alto nível de motivação para mudança;

 Capacidade de rapidamente estabelecer um vínculo com o terapeuta e uma


aliança terapêutica;
 Capacidade para insight;

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