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O M O R F E M A DE G R A U : S U F I X O F L E X I O N A L OU D E R I V A C I O N A L ?

Antonio José Sandmann


1. Introdução :

Através da presente exposição propomo-nos a lançar algumas


luzes sobre a questão formulada no titulo acima: se o morfema
de grau, tanto o aumentativo como o diminutivo dos substantivos
ou o superlativo dos adjetivos - sem excluir o aumentativo e d^
minutivo, mais raro, dos adjetivos (bonito - boni tão - boniti-
nho). o superlativo, rarissimo, dos substantivos ( coisa - aoi-
síssima) , nem o diminutivo, da linguagem familiar, dos advér-
ou
bios (perto - pertinho) > verbos (dormindo - dormindinho), r¿
ro também - é um sufixo flexionai ou um sufixo derivacional , ou
em outra terminologia,se se enquadra entre os afixos(sufixos)ou
entre as flexoes (desinencias). Antes de mais nada diríamos, ari
tecipando o que mais tarde se pretende mostrar m e l h o r , que a su
fixação flexionai é a aposição de morfemas e lexemas ( raízes
ou radicais) para efeito de concordancia das palavras dentro do
sintagmas, enquanto sufixaçao derivacional é a adjunçao de mor-
femas a lexemas para a formação de novas palavras, diferentes,
e de outra série paradigmática ou subparadigmãtica.

2. 0 morfema de grau na gramaticologia portuguesa:


2.1 Para alcançar o que se pretende, poderíamos ver como
a matéria foi considerada dentro da gramaticologia portuguesa,
no que nos v e m o s , n a t u r a l m e n t e , na contigencia de considerar

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apenas alguns autores.
2.2 Eduardo Carlos P e r e i r a , em sua " G r a m á t i c a Expositiva"
(edições 12a., de 1921, e 92a., de 1954, págs. 60 e 79-80, res
pecti v a m e n t e ) , diz: "Estas oito categorias gramaticais classi-
ficam-se em dois g r u p o s , quanto a flexao, isto e, quanto a pro
priedade de variarem ou nao em sua d e s i n e n c i a para indicarem
os acidentes da idéia por elas expressada. Esses acidentes são
de grau, gênero, número, caso, m o d o , tempo e pessoa." Perdura
aqui ainda a doutrina gramatical clássica, baseada na filoso-
fia a r i s t o t è l i c a , de que os lexemas seriam substâncias que se
apresentam sob diversas formas acidentais, as flexoes. As "oi-
to categorias gramaticais" de que se fala, sao o que hoje cha-
e
mamos de classes de palavras» o nome categorias gramaticais se
reserva agora ao que então se chamavam os acidentes. Do expos-
to e do trato que o autor dá ã m a t é r i a em outras partes de sua
obra, c o n c l u i - s e que não fazia uma divisão clara entre sufixo
flexionai e sufixo d e r i v a c i o n a l , pois para ele a flexao ê "a
propriedade de (as p a l a v r a s ) v a r i a r e m em sua desinencia para
indicarem os acidentes" e "o estudo da flexao compreende tam-
bém os sufixos derivativos". E o que mais interessa ao presen-
te e s t u d o , isto é, a flexão de grau, esta se acha no mesmo rol
das d e s i n e n c i a s de g ê n e r o , n ú m e r o , caso, m o d o , tempo e pessoa,
e em outro rol estão os sufixos derivativos, também chamados
flexoes.
2.3 Said Ali e o segundo autor que e x a m i n a r e m o s sob o as-
pecto que nos interessa. E o faremos através da " G r a m á t i c a His
torica da Língua P o r t u g u e s a " e da " G r a m á t i c a Secundária da LÍn
gua P o r t u g u e s a " , Edições Melhoramentos, 1964. D i z - n o s Said

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Ali: "No exame das palavras verifica serem estas geralmente fo^
madas de duas partes: o radical, parte mais ou menos estável e
de significação p r ó p r i a , e a fixos, elementos variaveis, de sig-
nificação r e l a t i v a , isto Ó, de valor semantico somente na com-
binação com o radical". E adiante: "Os s u f i x o s , divididos em
p r e f i x o s , s u f i x o s , terminações e d e s i n e n c i a s , dao ao vocábulo a
diversidade de formas ("Gramática H i s t ó r i c a " , pãg. 53).
Afixos seriam todos os morfemas que, na economia da língua,
se juntam ao lexema para a formaçao de novos vocábulos. No en-
tanto, embora se depreenda da lição do autor sobre a forma-
ção das palavras ("Gramática S e c u n d á r i a " , pãg. 107 e s e g u i n t e s )
que os prefixos e sufixos sao os elementos com que se formam
novas palavras por derivação - e nesse processo inclui o au-
mentativo e diminutivo dos substantivos e a d j e t i v o s , mas dele
exclui o superlativo dos adjetivos - nao se obtém uma idéia
clara sobre o que sejam " t e r m i n a ç õ e s " e "desinencias". Quando
distingue o infinito pessoal do impessoal fala em infinito fle-
xionado e d e s i n e n c i a pessoal. Referindo-se ao plural e superla
tivo dos a d j e t i v o s , refere-se a um sufixo -es e -issimo. 0 no-
ne terminaçao é empregado tanto para os morfemas -aço, -aça
-az (aumentativos), -ote, -ola, -acho (diminutivos), para o mor
fema nominal ~a (feminino), como para os segmentos finais -es,
de simples, -em, de virgem, -um de comum, etc. T o d a v i a , ape-
sar dessa falta de precisão terminologica - percebe-se que fa-
zia falta uma designação como morfema, aplicável a todas as uni^
dades mínimas significativas - Said Ali d i s t i n g u í a claramente a
sufixaçao d e r i v a c i o n a l da f l e x i o n a i , incluindo n a q u e l a os au-
mentativos e diminutivos de substantivos e adjetivos e excluin-

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do da m e s m a o superlativo "intensivo" sintético dos adjetivos.
2.4 Mansur Guérios , em "Portugués Ginasial" (Editora Sarai^
va', lia. e d i ç ã o , 1964), obra que, o s t e n t a n d o embora o título
modesto de "ginasial", tem a mesma abrangência de tantas ou-
tras gramáticas ditas nao s e r i a d a s , apresenta a matéria em ana
lise de modo muito claro e d e n t r o , b a s i c a m e n t e , daquilo que
nos propomos a mostrar posteriormente. "Desinencia é a termina
çao de vocábulo ou de sufixo, que i n d i c a , nos substantivos e
a d j e t i v o s , o gênero e o n ú m e r o , e, nos v e r b o s , a p e s s o a , o nú-
m e r o , o tempo e o modo. Também se chama flexao "(pãg. 321). 0
morfema de grau não está incluído aí, pois, ã pãg. 206 e se-
g u i n t e s , onde se estuda a derivação por prefixo e s u f i x o , es-
tão incluídos os aumentativos e diminutivos dos substantivos,
e, às pags. 39, 40 e 41, quando desenvolve o grau do adjetivo,
admite grau aumentativo e d i m i n u t i v o nos adjetivos ( bonita
bonitinha - bonitona, alto - altinho - altãò* \ alude à possi-
bilidade de se formar o superlativo dos adjetivos por meio de
prefixos: arquivelho, extrafino, revelho, sobreagudo, super-
fi- no t u11rademocratico (veja-se o paralelismo entre superelegan
te - prefixação - e elegantissimo - aufixação - ), e dos adje-
tivos no grau superlativo diz t e x t u a l m e n t e : "superlativo abso-
luto sintético (uma só p a l a v r a , isto é, com os sufixos -is-
sino, -imo, -érrimo) -altissimo, facilimo, celeberrimo, etc."
Esta posição é exatamente a que Mattoso Câmara defende em "Es-
trutura da Língua P o r t u g u e s a " (Editora Vozes L i m i t a d a , 1970,
pag. 71 e ss.)» no cap. X "0 M e c a n i s m o da Flexão Portuguesa".
A n t e s , p o r é m , de analisarmos a doutrina deste autor, vejamos
ainda mais outras gramáticas para ver quão diferentes podem

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ser as afirmações a respeito do assunto.
2.5 Há uma gramática por aí, a " G r a m á t i c a M e t ó d i c a da Lín-
gua P o r t u g u e s a " , de Napoleao Mendes de A l m e i d a , cujo sucesso
só pode ser devido ao d e s p r e p a r o e a falta de formaçao lingüís
tica mais acurada de grande parte dos que se poem a ministrar
aulas de língua nacional aos nossos alunos. No presente estu-
do temos por base a 13a. e d i ç ã o , 1961, da E d i t o r a Saraiva.
Depois de tanto p r o g r e s s o alcançado na análise morfologica
de nosso idioma, lemos, na " M e t o d i c a " , afirmações como estas:
"Dos poucos exemplos acima (macaco - macacao - macaquinho, ho-
mem - homenzarrão - homenzinho, muro - muralha -murinho ) ,ve.mos
serem diversas as desinencias, terminações ou sufixos gra-
duais"- "Pois b e m , possuímos em nosso idioma diversas desinên
cias que, acrescentadas no radical dos s u b s t a n t i v o s , podem es-
pecificar o tamanho da coisa que eles d e s i g n a m " (pág. 117).
"Duas sao as flexoes de grau do adjetivo: a comparativa e a
superlativa. Dizendo: Pedro é e s t u d i o s o , atribuímos ao indiví-
duo Pedro uma q u a l i d a d e , expressa normalmente. Dizendo: Pedro
é mais e s t u d i o s o , reforçamos a qualidade, elevando-a a um mai
or grau; o adjetivo passa para o grau comparativo. Dizendo,
por último: Pedro é e s t u d i o s i s s i m o , reforç amos ainda mais a
qualidade, elevando-a ao último g r a u , ao grau m á x i m o , e o ad-
j e t i v o , então, está no grau s u p e r l a t i v o " (pãg. 134). Para Na-
poleao Mendes de A l m e i d a tudo e flexao, até c o m p a r a t i v o s , sem-
pre analíticos ou frãsicos, como: tao esperto como, mais esper
to que, menos esperto que; ou 0 superlativo relativo, sempre
e
analítico: o mais esperto'' ° superlativo absoluto analítico:
muito esperto. Bem sabemos que, para Hockett (vide o verbete

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flexão, do "Pequeno Dicionário de Linguistica M o d e r n a " , de Fran
cisco da Silva Borba, 1971), a flexão pode ser por afixo ou frã
sica. Exemplo daquela temos no inglês nearest e desta em most
difficult . Mas aqui temos uma d i f e r e n c i a ç ã o clara entre os dois
processos e em Napoleao nao se faz distinção.
0 estudo do gênero dos s u b s t a n t i v o s , para citar outro exem-
plo, recebeu simplesmente a denominaçao flexão generica , e de-
baixo deste título e estudado todo o capítulo da formaçao e in-
dicaçao do genero dos nomes substantivos em português: a) me-
diante desinencia: filho - filha, doutor - doutora; b) m e d i a n t e
sufixo: barão - baronesa, herói - heroína; c) m e d i a n t e aposiçao
do artigo: o artista - a artis ta; d ) mediante locução: a cobra
macho - a cobra fêmea, o jacaré macho - o jacaré fêmea ( o au-
tor prefere a cobra macha - a cobra fêmea, o jacré macho- o
jacaré fêmeo) ou o macho da cobra - a fêmea da cobra ; f) m e d i a n -
te h e t e r o n í m i a : homem - mulher, bode - cabra, etc. E poderíamos
multiplicar os exemplos em que sao b a r a l h a d o s os conceitos de
desiencia e sufixo ou do que c h a m a r í a m o s , para maior clareza,
sufixo flexionai e sufixo derivacional.
2.6 Ja em P o r t u g a l , segundo o "Compêndio de G r a m á t i c a Por-
tuguesa" (para o segundo ciclo do Ensino L i c e a l ) , de Jose Nu-
nes de Figueiredo e Antônio Gomes F e r r e i r a (Livraria Sã da Cos-
ta E d i t o r a , 3a. e d i ç ã o , 1968), temos uma distinção clara entre
ambos os conceitos. Reza a obra dos p r o f e s s o r e s - m e t o d õ l o g o s de
Coimbra e Lisboa: "A desinência é a letra ou letras que se jun-
tam ao tema, para exprimir diversas noções acrescentadas a i-
déia por ele s ignifi cad a : leitor - leitora(noção de feminino),
leitor - leitores (noção de numero). As d e s i n ê n c i a s , nos nomes,

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indicam o número e o gênero e, no v e r b o , o n ú m e r o e a pessoa"
(pãg. 88). E s t r a n h a m o s na d e f i n i ç ã o o " l e t r a ou letras", mas
apraz-nos ver que o m o r f e m a de grau foi e x c l u i d o . E s t e , confor
me os m e s m o s m e s t r e s , ê sufixo: "Chama-se aumentativo a forma
do s u b s t a n t i v o que indica aumento; esta forma obtém-se com o
acrescentamento dos s u f i x o s : - a ; 3 (ricaço, senhoraço)..."(pãg.
107). 0 mesmo é dito do m o r f e m a de d i m i n u t i v o dos substantivos
e do " s u p e r l a t i v o absoluto simples" dos a d j e t i v o s . Em resumo,
reservam eles o nome genérico de flexao aos m o r f e m a s de gêne-
ro, n ú m e r o e grau dos substantivos e a d j e t i v o s , e de n ú m e r o e
pessoa dos v e r b o s , sendo a flexão de grau um sufixo ( sufixo
der ivacion al), e as d e m a i s , desinencias (sufixos flexionais ou
desinencias).

2.7 Voltando ao Brasil e ate bem perto de nós, temos a


"Gramática Construtural da Língua P o r t u g u e s a " , de Eurico Back
e Geraldo Mattos (Editora F . T . D . , S.A., Ia. e d i ç ã o , 1972). Sem
nos aden t rarmo s m u i t o nos vários aspectos renovadores e váli-
dos da doutrina desses m e s t r e s paranaenses, reportamo-nos ao
capítulo 5? " C o n s t r u t u r a do V o c á b u l o " , analisando alguns itens
que interessam ao p r e s e n t e estudo.
Defrontamo-nos , inicialmente, com uma c l a s s i f i c a ç ã o dife-
rente dos m o r f e m a s . 0 que chamamos de sufixos derivacionais,
excetuando os de g r a u , constituem raízes substantivas, adjeti-
vas ou verbais, segundo se aponham a d i r e i t a do raio de men-
ção (lexema) para formar substantivos, adjetivos ou verbos:po-
bre - pobr + eza (pobre» raiz a d j e t i v a , passa a raio de menção
e -esa ê a raiz s u b s t a n t i v a , porque probresaé substantivo gr¿
ças ao m o r f e m a - e z a » sendo este e l e m e n t o , p o r t a n t o , o e i x o , o

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centro da palavra); Paraná - parana + enee (Paraná, raiz subs-
tantiva, passa a raio de menção e - e n s e e a raiz adjetiva);sna-
ve - suav +iza + r (suave, raiz a d j e t i v a , torna-se raio de men-
ção, -iza e a raiz verbal e -r, sufixo (desinencia). Os morfe-
m a s , p o r t a n t o , que podem ocupar o eixo (o sol ou c e n t r o ) do vo-
cábulo ou o raio de menção sao as raízes. Os demais raios são
os afixos. Estes se subdividem em p r e f i x o s , quando anteceden-
tes, e s u f i x o s , quando conseqüentes. Os afixos chamam-se também
flexoes e sao ditas flexoes facultativas (o p r e f i x o , também chji
mado raio de d e c l a r a ç a o , e o sufixo de g r a u ) ou obrigatórias
(o genero e o n ú m e r o tios a d j e t i v o s , e pessoa "em algumas formas
verbais") .

Os ocupantes do raio de m e n ç ã o nao sao todos os nossos tra-


dicionais prefixos g r e g o s , latinos e v e r n á c u l o s , mas tao só o
"zero"> morfema p o s i t i v o , como em "zero"+moral (adj.), por exem
pio, o Idez~I e seus a l o m o r f e s , m o r f e m a n e g a t i v o , como em i +
e a
moral* ° / ~ l ? m o r f e m a n e u t r o , de a + moral, p. ex.O morfema
de grau e sufixo de la. ordem porque precede o morfema de gêne
ro (sufixo de 2a. o r d e m ) , o qual é s e g u i d o , por sua v e z , do de
número (sufixo de 3a. o r d e m ) , e é facultativo porque sua ausên-
cia nao é s i g n i f i c a t i v a : não ha o m o r f e m a "zero" de grau. E ê
a este ponto que queríamos chegar no estudo do m o r f e m a de grau,
segundo a "Gramática Construtural". Tanto o morfema de
grau como os de g e n e r o , número e pessoa seriam sufixos porque
vêm após o eixo do vocábulo e porque com eles não se formariam
palavras novas como sucede com as raízes substantivas, adjeti-
vas e verbais: magno - magn+ituáe, gramática - gramatiqu + ice,
Lisboa - lisbo + eta, amarelo - amarei + ece + r. Em gramãtica-

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g ramati qui o e> embora tenhamos dois nomes substantivos, os m e s -
mes sao d i f e r e n t e s , têm sentido diferente, tem traços semânti_
cos d i f e r e n t e s , p e r t e n c e n d o , p o r t a n t o , a séries subparadigmáti^
cas diversas.
Como bem o b s e r v a r a m , no e n t a n t o , os autores da "Construtu-
ral", o morfema de grau é f a c u l t a t i v o ; sua a u s e n c i a nao é sig-
nificativa, como ê s i g n i f i c a t i v a a falta do -s no singular fa-
lava + "zere" (livro+s = p l u r a l ) , ou na la. e 3a. pessoas do
singular ƒ a l a v a * " z e r o " {falava+s = 2a. pessoa do s i n g u l a r ) do
preterito imperfeito do indicativo, ou ainda a ausencia do ~a
no m a s c u l i n o doutor + "zero"' )doutor+a = feminino). E aqui nos
parece que pouco d i v e r g e m as posiçoes assumidas por M a n s u r Gué^
rios ou M a t t o s o C â m a r a , por e x e m p l o , e pela " G r a m á t i c a Cons-
t r u t u r a l " . 0 sufixo d e r i v a c i o n a l e o sufixo flexionai daqueles
di s t i n g u e m - s e exatamente como se d i s t i n g u e m os o c u p a n t e s do
morfema de grau e os ocupantes dos morfemas de genero e numero
dos nomes e de p e s s o a dos verbos desta por serem facultativos
uns e o b r i g a t ó r i o s o u t r o s . O u , em outros termos, Mansur Gué-
rios e Mattoso C â m a r a nao poem o m o r f e m a de grau entre as de-
sinencias ou sufixos flexionais porque nao sao obrigatórios.
2.8 Se n ã o , vejamos o que diz M a t t o s o C â m a r a no livro e c¿
pítulo já c i t a d o s , ãs págs. 71 e ss. C i t a n d o o g r a m á t i c o lat^i
no Varrão (11 a.C. - 26 a.C.). diz M a t t o s o c â m a r a que o mestìo
"distinguia entre derivati o voluntaria, que cria novas pala-
vras, e a derivatio naturalis, para indicar m o d a l i d a d e s especí^
ficas de uma d e t e r m i n a d a palavra". A derivaçao é voluntária
por nao ser um sistema rígido, f e c h a d o . De saltar> por exem-
p l o , posso formar s a l t i t a r , o que nao se dá com pular e andar.

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V e j a - s e , para c o m p a r a ç a o , as formas verbais saltei, pulei e an-
det, das quais nao posso Cugir se quiser expressar a pessoa que
fala (la.pessoa do d i s c u r s o ) , o tempo passado e o aspecto incon
eluso. Por outro lado, de falar formo fala, de passar, passa-
gem de preterir, preterição, de esquecer, esquecimento, etc.
A esta formaçao livre de s u b s t a n t i v o s a partir de raízes ver-
bais compare-se a c o e r ê n c i a e a rigidez das formas da la. pes-
soa do singular do presente do i n d i c a t i v o dos mesmos verbos:
pretir-o, pass-o, esqueç-o, fal-o.
Os d i m i n u t i v o s e aumentativos dos s u b s t a n t i v o s e o superla-
tivo dos a d j e t i v o s , por sua v e z , nao sao de emprego obrigatório
da parte do f a l a n t e , p e r t e n c e n d o , em g e r a l , mais ã estilística
do que a g r a m á t i c a pelas conotações de apreço ou m e n o s p r e z o que
acrescentam. O b s e r v e - s e , por e x e m p l o , o emprego coloquial recen
te da terminação -érrimo (Macanérrimo, animadérrimo, elegan-
terrimo), alomorfe do sufixo de s u p e r l a t i v o dos a d j e t i v o s , an-
tes r e s e r v a d o só a certos adjetivos que tinham d e t e r m i n a d a ter-
minação em latim ( c é l e b r e - celebérrimo,acre-acérrimo) . A mes-
ma liberdade não hã com o sufixo flexional. 0 contexto da fra-
se dira se devemos usar o plural ou o feminino de um adjetivo
para faze-lo concordar com o s u b s t a n t i v o que d e t e r m i n a , ou se
o verbo está em d e t e r m i n a d o n ú m e r o e p e s s o a para se adaptar ao
sujeito da frase. Pela sufixação derivacional criam-se constan
temente novos t e r m o s , amplia-se o l é x i c o , pois que entre um vo-
cábulo derivado e os demais v o c á b u l o s similares d e r i v a d o s hã es
se tipos de "relações abertas": quadrinizar fadaptar aos quai
d r i n h o s ) , globalizar, globalizante, globalização, problematici-
dade, essencialidade, presenti ficar, objetificação são exem-

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pios colhidos de um recente artigo de crítica literária. Nao
há essa ampla possibilidade de formar vocábulos novos ou dar
novamente vida aos mesmos para as n e c e s s i d a d e s da expressão
com os sufixos flexionais. Estes sao series fechadas. Nao se
pode inovar. Nao se pode acrescentar, por e x e m p l o , uma desineti
cia nova ao vocábulo lobo ou ao verbo levar.

Concluímos a análise do p e n s a m e n t o de Mattoso Camara com


a seguinte citação (pãg. 73): "N'a realidade o que se tem com
os superlativos é uma derivaçao possível em muitos adjetivos,
como para os substantivos hã a possibilidade dos diminutivos e
para alguns (nao m u i t o s ) a dos aumentativos. Anote-se a propó-
sito que o conceito semantico de grau abrange tanto os super-
lativos como os aumentativos e diminutivos. Por isso, Otoniel
Motta considerou aumentativos e diminutivos uma " f l e x ã o " dos
-substantivos, pelo exemplo dos s u p e r l a t i v o s (Motta), porque
nao ousou considerar os superlativos uma d e r i v a ç a o , como são
muito logicamente considerados aumentativos e diminutivos por
toda gente. Em outros termos. A expressão de grau nao e um pro
cesso flexional no p o r t u g u é s , porque nao e um m e c a n i s m o obriga
tòrio e c o e r e n t e , e nao estabelece paradigmas exaustivos e de
termos exclusivos entre si."

3. Conclusão
Nossa conclusão primeira seria que pouco hã a acrescentar
sobre o a s s u n t o , pois o que se tinha a dizer foi dito a propó-
sito dos comentários sobre a doutrina dos vários autores. Res-
tar-nos-ia, então, mais p r o p r i a m e n t e , um resumo de tudo que se
disse. A s i s t e m á t i c a , a rigidez e a coerência do sufixo flexi£
nal de genero e n u m e r o dos n o m e s , e de n ú m e r o e pessoa, modo

UA
e tempo dos v e r b o s , impede-nos de incluir nele o sufixo de
grau. V e j a - s e , para ilustração, a situação do artigo e do adje
tivo nos sintagmas nominais seguintes: 0 heróico soldado, a
formosa donzela, os altos rédios, as delicadíssimas damas, ou
dos v e r b o s , nos sintagmas o r a c i o n a i s : quero que você estude, e
queria que você estudasse. Os a d j e t i v o s , subordinados aos subs_
tantivos que d e t e r m i n a m , e em Intima coesão com os m e s m o s , con
cordam com eles em genero e número. Os v e r b o s , por sua vez,
concordam todos com os seus sujeitos em número e pessoa e, a-
lem disso, os das orações subordinadas estão em correlaçao de
tempo e modo com os das p r i n c i p a i s , o que também é uma forma
de coesão. A esses fatos se compare o seguinte: Se alguém qui_
ser expressar, por e x e m p l o , o extremo grau de velhice de al-
guém ou de alguma coisa, terá inúmeros recursos a sua escolha:
poderá dizer, v. g. t muito velho, velhíssimo, ultravelho, re-
velho, extravelho (propaganda de conhaque/1, supervelho, arqui-
velho, muitíssimo velho, bastante velho, bastantissimo Velho,
tremendamente velho, extremamente velho, velho velho, velhi-
nho velhinho, velho a mais não poder, etc. sem esquecer que
Velho também admite o aumentativo velhaças (homem muito ve-
lho) ou Velhao, e os diminutivos, de matizes semânticos varia-
dos: velhote, velhusco, velhustro e velhinho (já citado).

De outra parte, se incluímos o sufixo de grau entre os su-


fixos d e r i v a c i o n a i s , ele nao deixa de ser um sufixo derivacio-
nal "sui generis", mormente o superlativo dos adjetivos. Expli
camos: Com os sufixos derivacionais p o d e m o s , em geral, formar
derivados que pertencem a outra classe de palavras: brasa
(subs t. )-brasi I (adj.) - Brasil (subst.)- brasileiro ( subst.

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e adj.) - brasileirismo (subst.) - abrasileirar (verbo) - abra-
sileiramento (subst). E mesmo que o derivado seja da mesma cla£
se de p a l a v r a s , ele tem sentido diferente, tem traços semânti-
ê a
cos muito distintos: caj u (a fruta) - cajueiro ( planta), hos-
pede ( a p e s s o a ) - hospedaria (a casa que recebe o hóspede).
Com o sufixo de g r a u , menos ainda com o s u p e r l a t i v o do que com
o aumentativo e diminutivo, as p o s s i b i l i d a d e s de d e r i v a r , de
"desviar", sao bem m e n o r e s . Fica-se sempre na mesma classe, in-
dicando o menor ou maior tamanho ou a p r e d i c a ç a o em menor ou
maior intensidade: sala - salinha, faca - facão, bonito- boni-
tinho - bonitao, belo - belíssimo, fácil - facilimo, escrever
escrevinhar, saltar - saltitar, cedo - cedinho.

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