Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
do texto promocional
Resumo
O objetivo desta comunicação é refletir sobre um tipo de texto: aquele de caráter promocional veiculado na
televisão. Com base na discussão sobre gênero, subgênero e formato, busca-se situar o texto promocional, de
divulgação de produtos, marcas, serviços e/ou na conscientização social, como um subgênero que assume, na
mídia televisão, diferentes formatos (de acordo com a função a que se propõe). Detalham-se diferentes formatos,
especificando um tipo de formato: o merchandising social, em suas articulações e estratégias no plano do
discurso.
Introdução
Televisão e publicidade sempre andaram juntas, pelo menos no Brasil, que assistiu ao surgimento e ao
predomínio da televisão comercial. Nessa condição, a televisão brasileira sempre precisou sustentar suas
emissões e garantir seu empreendimento e, por isso, a participação publicitária foi decisiva. Firmou-se entre
elas um acordo mútuo que garantiu à televisão o retorno financeiro do empreendimento feito, com a venda
de espaço aos anunciantes, e à publicidade um espaço maior de divulgação e uma ação mais direta junto
aos consumidores.
Nessa espécie de parceria, houve, de início, clareza de limites quanto aos espaços destinados aos
anunciantes, circunscritos aos tradicionais intervalos da programação. Com isso, a televisão pôde voltar-se
para a construção de uma grade que trouxesse aos telespectadores informação, educação e entretenimento,
pilares maiores da televisão brasileira.
Há muito tempo trabalhando com o discurso publicitário, em especial aquele produzido para a televisão,
tenho observado as estratégias empregadas e, nos últimos tempos, uma gradativa “inobservância” de
fronteiras. Determinados formatos publicitários, feitos para televisão, parecem migrar do tradicional espaço
comercial para a própria programação televisual, mostrando por vezes uma quase inexistência de limites
entre esses dois fazeres: não só a publicidade tem ultrapassado o espaço comercial, como a televisão tem
nitidamente incorporado à sua programação o jeito glamoroso, e nitidamente promocional, que sempre foi
marca obstinada da publicidade.
1
Subgêneros e formatos na perspectiva do texto promocional
Maria Lília Dias de Castro
Esse cruzamento parece evidenciar uma situação comum à comunicação atual que tem transformado a
comunicação publicitária em técnica de gestão e de organização das relações entre os homens (Delgado,
1997, p.23). Isso equivale a dizer que a mídia, de modo geral, para efetivar o contato mais direto com o
público, vem aprimorando a linguagem e refinando a ação intencionalmente manipuladora.
O objetivo desta comunicação é justamente direcionar o olhar para esse lugar de cruzamentos, essa
confluência de fazeres, cada vez mais presente na televisão comercial, centrando-se no exame das
peculiaridades desse discurso de natureza promocional que vem invadindo a televisão nos dias de hoje.
Mesmo que aparentemente separado da grade de programação, e pelo seu estatuto de função-meio, o
Com todo esse poder, a publicidade vem extrapolando limites e desenvolvendo formas e formatos cada vez
mais criativos, audaciosos e sofisticados com o objetivo de interferir nos hábitos de consumo do público. Por
isso também vem-se construindo em um campo fecundo para investigações sobre a eficácia de
determinados processos comunicativos midiáticos centrados na força das linguagens: afinal de contas, como
ela faz para dizer o que diz e agir sobre o consumidor.
Dentro desse quadro, a reflexão está assim construída: (1) uma discussão preliminar sobre o conceito e a
tentativa de uma formulação mais abrangente para o fenômeno da publicidade, tal qual ele hoje se
configura na televisão; (2) uma tentativa de caracterização da ação publicitária como um subgênero que
contamina os espaços televisuais; (3) uma reflexão sobre o formato merchandising social, explicitado em
um dos núcleos da novela América, da Rede Globo.
É um artigo de caráter conceptual-analítico, na medida em que não só procura articular as noções de gênero,
subgênero e formato, como busca reconhecer as regras e estratégias que o formato se impõe dentro da
novela.
O estudo do gênero, na perspectiva da tradição clássica, sempre se voltou para questões de dispositivos e
regras existentes na base de determinadas construções literárias, passando pela sua organização estrutural,
e até pelas noções de periodização histórica. Para os dias de hoje, e sobretudo para o entendimento do
campo não literário, o objetivo tem sido tanto a percepção dos princípios que norteiam as construções
discursivas (tipo de realidade envolvida, regras), como a determinação das suas funções, sua
Por isso o entendimento de Bakhtin parece ser adequado para iniciar a discussão, muito embora o foco do
autor russo tenha sido o campo da literatura, e a segmentação do gênero em categorias primárias e
secundárias. Na realidade, o importante do seu conceito é ser uma forma relativamente estável de
linguagem, dentro de uma determinada esfera da atividade humana para garantir a comunicação daquilo
que se propõe a oferecer, o que corresponde ao trabalho de correlação entre língua, ideologias e visões de
mundo.
2
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho de 2006)
Subgêneros e formatos na perspectiva do texto promocional
Maria Lília Dias de Castro
O fato de o conceito aplicar-se à atividade humana, em sua ação comunicativa, possibilita a aplicação ao
campo da mídia, pois envolve os condicionamentos da linguagem dentro de um determinado meio, sem
deixar de lado as contingências da realidade social ou as problemáticas da cultura de massa. É uma
perspectiva que acarreta, de um lado, a vinculação com o mundo e a realidade, e, de outro, a consideração
pela situação comunicacional, uma vez que toda esfera da atividade humana tem relação direta com a
Convém ressaltar ainda que, sendo inesgotável e naturalmente complexa, a atividade humana possibilita
uma gama variada e diferenciada de produções, o permite entender o gênero não apenas pela sua
amplitude, como também pela consideração de algo que está sempre renascendo e se renovando: “o gênero
sempre é e não é o mesmo, sempre é novo e velho ao mesmo tempo” (Bakhtin, 1997, p.106), e nisso
consiste a sua vida.
Assim, pensando nas formulações bakhtinianas e tentando aplicá-las ao campo da mídia, o gênero constitui-
se, dentro de uma determinada situação, como uma estratégia que viabiliza a comunicação do momento e
garante a comunicabilidade futura, manifestada através de uma maneira típica de organizar as idéias e de
empregar recursos de linguagem.
publicitária, Barthes identifica nesse discurso dois níveis: uma primeira mensagem que, em termos de
linguagem, traduz o real (mensagem da denotação) e uma segunda mensagem que, em publicidade, traduz
outro significado. Esse segundo plano (conotação) tem um só e mesmo significado que é mostrar, na
Ao contrário das mensagens conotadas que normalmente escondem seu verdadeiro sentido, na publicidade
esse valor é imediatamente percebido (Barthes dirá que a particularidade da publicidade é, do ponto de vista
comunicacional, seu caráter “franco”). Isso porque, quando há publicidade, imediatamente se percebe seu
caráter publicitário, seu segundo significado. Como a mensagem conotada não é sub-reptícia, deve-se
investigar então o papel da denotação que, na verdade, serve para naturalizar a conotação: “retira-lhe a sua
finalidade interesseira, a gratuidade da sua afirmação, a rigidez da sua cominação; o convite banal
(comprem) é substituído pelo espetáculo de um mundo onde é natural comprar.” (Barthes, 1987, p.168)
Também Martín-Barbero (1997, p.198) debruça-se sobre a questão do gênero, definindo-o não só como
uma unidade de “análise da cultura de massa”, mas também, na perspectiva da antropologia e da sociologia
da cultura, como um funcionamento das narrativas, um funcionamento diferencial e diferenciador, cultural e
socialmente discriminatório, que atravessa tanto as condições de produção quanto as do consumo. É assim
algo exterior a partir de onde o sentido é produzido e consumido, e capaz de regular a relação do indivíduo
com a sociedade.
3
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho de 2006)
Subgêneros e formatos na perspectiva do texto promocional
Maria Lília Dias de Castro
mensagem e, entre elas, a função do mercado como elemento mediador. Há não apenas uma relação
dialética estreita entre a escritura e a leitura, como uma mediação decisiva imposta pelo mercado, de onde
E é justamente a mediação do mercado que permite o reconhecimento desse discurso não mais com aquelas
Essas formulações preliminares associam a publicidade a (1) fenômeno que leva em conta as contingências
da realidade social e da cultura de massa; (2) estratégia de comunicabilidade dentro da mídia, que mobiliza
produtores e receptores em diferentes situações de vida; (3) funcionamento das narrativas que tem
mediação imposta pelo mercado; (4) discurso de natureza denotativa e conotativa.
Daí a tentativa de uma formulação de gênero que possa dar conta de forma mais abrangente do fenômeno
publicitário televisual, o que significa pensar em uma definição que inclui a natureza da produção; o seu
lugar social; a instância comunicativa, relativamente aos atores sociais implicados no processo; o tipo de
mundo que dá a conhecer; o regime de crenças que mobiliza; e a função da emissão.
Assim priorizando as dimensões semiótica e pragmática, o gênero pode ser entendido como um princípio
geral, organizador dos textos, responsável, na dimensão comunicativa, pelo estabelecimento de relações
entre o mundo e o discurso e pela determinação de um regime de crenças, sendo assim definidor de regras
e de estratégias, com a função precípua de garantir a comunicação entre as pessoas.
a) princípio geral
A noção de gênero remete inicialmente a um princípio constitutivo, a uma espécie de nível “arquitextual”,
pessoas.
A mesma idéia de abstração e de generalidade é compartilhada com outros autores que refletem e teorizam
Adam, falando do texto jornalístico, situa o gênero no âmbito do princípio geral: corresponde ao “hipotexto e
a seu nó definicional”. Gênero para ele é sempre da ordem do protótipo, enquanto os textos são realizações
desse princípio geral. Naturalmente essas novas realizações vão sempre apresentar uma filiação ao
protótipo, e uma diferença que é responsável pela evolução da própria categoria. (Adam, 1999)
Adam sublinha, então, dois princípios contraditórios sobre os quais os gêneros se configuram:
1
Proposta de Charaudeau formulada no curso “Língua, discurso e comunicação”, ministrado pelo professor em Paris,
Sorbonne Nouvelle, no período de 26/10/05 a 11/01/06.
4
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho de 2006)
Subgêneros e formatos na perspectiva do texto promocional
Maria Lília Dias de Castro
A idéia de princípio constitutivo está de certa forma presente na posição de Duarte quando, em perspectiva
semiótica, prioriza, no exame dos gêneros televisuais, os diferentes planos de realidade propostos,
reconhecendo para o gênero um nível de virtualidade, “uma macro-articulação de categorias semânticas
capazes de abrigar um conjunto amplo de produções televisivas que partilham umas poucas categorias
comuns” (Duarte, 2004, p.67). Assim a todo formato televisual (por exemplo, Jornal Nacional)
corresponderia um subgênero (jornalismo) mais amplo que, por sua vez, estaria abrigado na virtualidade
genérica (correspondência real com os fatos da realidade).
- dimensão comunicativa
O princípio geral sobredetermina as condições de produção e de recepção das mensagens, sendo, portanto,
Trabalhando especificamente com a noção de gênero televisual, Jost reconhece a necessidade de um tipo
de verdade que sustenta o enunciador e que está na base de uma emissão. Gênero assim é uma ferramenta
que permite ao telespectador identificar e interpretar o que ele vê e escuta na televisão. É uma perspectiva
“produtores que, para serializarem seus produtos e os fazerem circular, devem dotá-los de uma identidade
genérica; difusores que têm interesse em semantizar os objetos para torná-los desejáveis; mediadores que
aceitam ou não reutilizar essas categorias frente ao público; e espectadores para quem certamente a
categorização é uma idéia necessária a sua interpretação” (Jost, 2004, p.32). É uma construção com
determinadas peculiaridades, uma “moeda de troca que regula a circulação dos textos ou dos programas
audiovisuais do mundo midiático” (Jost, 2004, p.27).
Como a base da emissão de televisão é o “processo de atribuição enunciativa que se produz no enunciador”,
Jost centra sua reflexão na idéia da promessa: o enunciador lança a promessa de que um determinado
programa vai-se configurar de uma ou de outra forma, e nisso consiste a noção de gênero.
O princípio constitutivo é responsável pelo estabelecimento de relações com o mundo, isto é, pela
construção de um tipo de realidade que pode ser (1) de correspondência direta entre o real e o discurso
(meta-realidade), em que o discurso produzido busque, o mais possível, imprimir verdade, permitindo a
construção de um regime de crença da ordem da veracidade dos fatos (por exemplo, o documentário, a
entrevista); (2) de semelhança entre o real e o discurso (supra-realidade), que resulta na construção de um
discurso que parece verdadeiro, dando ao telespectador a noção de semelhança com os fatos do real
(telenovela, minissérie); e (3) de substituição / equivalência entre o real paralelo e o discurso (para-
5
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho de 2006)
Subgêneros e formatos na perspectiva do texto promocional
Maria Lília Dias de Castro
Nesse sentido, para trabalhar a publicidade é necessário examinar esse princípio constitutivo, sua dimensão
comunicativa, envolvendo a simulação de um tipo de mundo e de um tipo de crença, e suas formas de
manifestação.
A partir dessa base conceitual, é possível agora tentar entender o movimento publicitário, hoje fortemente
impregnado na televisão, que tem em vista a imposição de sentido dos produtos.
A publicidade tem como traço comum o dar a conhecer a um público determinado produtos e/ou idéias, com
a finalidade, sempre única, de fixar a atenção do receptor (telespectador para a tevê) sobre um determinado
produto, marca ou serviço, ou sobre uma ação social que se propõe a apresentar. Esse traço comum ou
receptores (público consumidor), em diferentes situações da realidade, está na base de toda a ação de
divulgação de um produto para sua ulterior aquisição.
No fundo é um movimento da ordem da publicização, que consiste na ação de tornar público algum fazer.
Mesmo não dicionarizado, o neologismo publicizar, e com ele publicização (termos hoje praticamente
consagrados na área), tem, na sua constituição, a raiz comum public, à qual se agrega o sufixo izar,
elemento lingüístico que exprime uma relação causal, factitiva, que resulta no entendimento de publicizar
como a ação de tornar público algum fazer.
“publicitariedade” que, semelhante à literariedade para a literatura, permite a qualquer pessoa, seja
passando na rua, seja lendo um jornal, seja assistindo a um programa televisivo, saber que está diante de
uma peça publicitária. Faz parte do domínio da prática social, e envolve o reconhecimento preliminar, por
parte de qualquer pessoa, desse tipo de discurso que regula a relação entre as pessoas.
Dessa forma, o princípio constitutivo se atualiza sob a forma de um subgênero promocional que assume
duas orientações: divulgação para a venda pontual de algum produto, marca ou serviço; ou veiculação de
ações de caráter social, que possam contribuir para a imagem positiva da emissora e, conseqüentemente,
para fortalecer a sua posição no mercado. O subgênero é da ordem macro-temática e compreende tanto a
posição assumida pelo enunciador e aquela projetada para e enunciatário, como as intencionalidades
buscadas na comunicação.
Nesse processo, existe sempre uma tensão entre o estabelecimento de algo novo e a preocupação com o
igual (permanente). Se a criação nova é meta permanente, a manutenção às regras do mercado é sempre
necessária e, por isso, a afirmação de que a publicidade é uma forma de comunicação que procura
“estabilizar a relação entre redundância e variedade na cultura cotidiana” (Luhmann, 2000, p.74), que tenta
trazer o novo sem abdicar do mesmo. Ela cria uma tensão constante entre aquilo que é inédito, diferente,
novo, e aquilo que dela se espera, o procedimento previsível. Isso ocorre tanto na mediação do
6
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho de 2006)
Subgêneros e formatos na perspectiva do texto promocional
Maria Lília Dias de Castro
conhecimento, em que se confrontam dados novos com dados já sabidos, banais; como na mediação
ser anunciado, vai ser buscada uma nova angulação, uma nova maneira de criar ilusão. O consumidor
precisa encontrar no mesmo produto uma outra motivação. Essa necessidade de renovação, de constante
mudança de forma e de objetos, tem o objetivo sempre preciso de fixar a atenção sobre um determinado
produto.
A característica da ação publicitária é operar no limite de duas ordens: uma meta-realidade, uma vez que os
produtos anunciados têm existência concreta e os telespectadores precisam aceitá-los e consumi-los; e uma
supra-realidade, na medida em que a proposição de um produto normalmente é revestida de valor simbólico
para estimular o consumo, e isso é sempre da ordem da fantasia e da imaginação. No fundo, ela se vale da
ficção, da fantasia e, sobretudo, do valor simbólico agregado ao produto para mascarar sua intenção
comercial.
O subgênero promocional se realiza basicamente sob duas ordens de formatos: divulgação de produtos,
marcas, serviços, com vistas à estimulação do consumo junto ao telespectador (peças publicitárias,
merchandising comercial); e difusão de idéias, valores, conceitos, visando primordialmente às mudanças
privilegiou-se apenas um: o merchandising social de um dos núcleos da novela América, da Rede Globo. O
objetivo é ver como se constrói o formato, suas regras e estratégias e os efeitos junto ao telespectador.
Merchandising é um formato do subgênero promocional, que tem como peculiaridade a sobreposição: ocorre
de antemão um caráter híbrido ao formato: tanto significa como peça publicitária (embora não o seja), como
adquire outro sentido quando inserido na narrativa da telenovela. Trata-se claramente de um caso de
heterogeneidade discursiva manifesta e provocada, cuja eficácia repousa sobre a capacidade que o discurso
televisual tem de homogeneizar essas duas textualidades diferentes.
justamente no instante em que este está descontraído, desatento e, em conseqüência, mais receptivo. A
ação é sutil, mas incisiva.
Naturalmente como o merchandising envolve anunciante e emissora de televisão, essa relação inicia muito
antes de a novela começar. No caso da Rede Globo, além das chamadas a uma nova novela ou das
constantes matérias em outras mídias, sobretudo a impressa, existe um boletim informativo publicitário (BIP)
que fornece as primeiras informações aos potenciais anunciantes.
Em América, novela recém finalizada, cuja finalidade foi abordar “a vida da classe média e do subúrbio
carioca e o mundo dos rodeios” (BIP, no.507, mar2005), o boletim sinalizou as principais direções que
7
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho de 2006)
Subgêneros e formatos na perspectiva do texto promocional
Maria Lília Dias de Castro
poderiam ser aproveitadas pelos eventuais anunciantes para desenvolverem ações de merchandising
integradas à trama. A matéria funciona como um convite ao anunciante externo para integrar, com seu
produto, a trama ficcional, levando em conta os altos índices de aceitação da emissora e da novela, e a forte
penetração da trama ficcional junto ao público.
O discurso do merchandising instala um jogo de mundo que interessa desvendar e, para isso, a perspectiva
semiótica se caracteriza como um caminho adequado para tal investigação. Ela possibilita a verificação das
escolhas estratégicas subjacentes que possibilitaram a colocação de imagens e signos, enfatizando os efeitos
do contexto e do universo que são freqüentes na comunicação.
Na construção deste artigo, que se constitui em recorte de uma pesquisa maior, foi analisado, dentro do
merchandising social, o tema da deficiência visual, explorado em um dos núcleos da trama. O mechandising
social define-se prioritariamente como uma ação de divulgação de um problema de natureza social, em um
universo cujos valores são compartilhados por todos, com vistas basicamente trazer esclarecimentos e a
contribuir para a mudança de comportamento público em relação àquela causa.
Na construção da trama, marcada pelo entrecruzamento de realidade e ficção, dois personagens, Jatobá2 e
Flor3, viveram o cotidiano do deficiente (supra-realidade), desde o convívio diário com a família, os amigos e
a sociedade até sua maneira de assumir e de lidar as limitações que a dificuldade lhes impõe. Cada um, a
seu turno, mostrou comportamentos diferentes: aquele que “tem vida independente” e que, por isso, sabe
buscar seu espaço na sociedade; e aquele que “vive isolado de todos”, que não sai e que “não sabe nada da
vida”.
Mesmo construídos no plano ficcional, seus comportamentos remetem ao mundo da realidade na reflexão
sobre o cotidiano do deficiente, evidenciando o fenômeno de eco que confere aos enunciados uma dinâmica
extra-textual.
Ao lado dos atores ficcionais, a novela recorreu a pessoas do mundo real (meta-realidade) para atuarem na
trama como elas mesmas, com a nítida intenção de conferir mais dramaticidade à trama. A própria autora4,
em entrevista, confirmou que “não há ficção que seja mais forte, mais dramática ou mais surpreendente que
a realidade”.
O entrecruzamento desses dois planos de mundo é uma estratégia que não apenas confere mais força ao
discurso (“a vida real não pára de nos surpreender”), como é responsável pelo efeito de homogeneização
(são duas práticas midiáticas que se ajustam no interior de uma mesma estratégia), capaz de sensibilizar o
telespectador. É sobretudo um fator de implicação que mobiliza o fazer interpretativo do público.
2 Jatobá (Marcos Frota) Deficiente visual. Personagem construído para mostrar que o cego pode ter uma vida
independente, e para ser porta-voz das reivindicações dos deficientes visuais. Antigo apaixonado de Vera, volta a sua vida
disposto a reconquistá-la. Homem sensível, inteligente, irônico e competente. Mora no subúrbio. Pratica esportes e se
prepara para as para-olimpíadas, com a ajuda de seu treinador, Stallone. Perdeu a visão quando já era adulto.
www.globo.com/america
3 Flor (Bruna Marquezine) Filha de Islene, Maria Flor nasceu cega. Como sua mãe não sabe lidar com sua deficiência, ela
a cerca de todos os cuidados, impedindo-a de ir à rua, por exemplo. Por conta disso, Flor vive isolada do mundo, não tem
amigos, não sabe nada da vida. Ela só sai de casa para ir ao médico. Até que ela conhece Jatobá e se torna amiga
também de Farinha. É através de Jatobá que ela conquista sua independência. www.globo.com/america
4 Entrevista de Gloria Perez veiculada no site www.globo.com/america
8
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho de 2006)
Subgêneros e formatos na perspectiva do texto promocional
Maria Lília Dias de Castro
A estratégia de cruzamento produziu efeitos muito expressivos como: (1) criação de um site para deficientes
visuais na Globo; (2) projeto de transformação do programa fictício, criado na novela, em realidade; (3)
depoimentos de deficientes, relatando as dificuldades que encontram e as ações de que se valem para
vencer essas barreiras, no site da novela; (4) homenagem à autora e aos atores na Câmara Municipal do Rio,
“pela atuação em prol da cidadania de pessoas portadoras de dificuldades” e na Assembléia Legislativa do
Rio de Janeiro, “pela abordagem dos problemas enfrentados pelos deficientes visuais”; (5) divulgação de
instituições que trabalham para a inserção dos cegos na sociedade; (6) links e telefones úteis; (7) instruções
para pais de deficientes sobre procedimentos de ação; (8) promoção de ações políticas e sociais, junto aos
órgãos públicos, relativas a, entre outras, projeto urbanístico da cidade para facilitar a locomoção dessas
pessoas pelas ruas ou autorização para o livre acesso de cães-guia em ônibus e restaurantes.
São efeitos que mostram o quanto a novela se mobilizou na tentativa de mudar a forma como a sociedade
encara a questão do deficiente visual.
Naturalmente o formato tem outras estratégias que, neste momento, estão sendo objeto de investigação
para serem agregados à pesquisa maior. Falta aprofundar, por exemplo, a discussão sobre as duas
textualidades que se cruzam, investigando, então, os efeitos figurativos modais do texto ficcional sobre a
evocação do fenômeno e mesmo os efeitos figurativos modais da evocação do tema sobre o texto ficcional.
Isso faz parte do momento seguinte do percurso.
Conclusão
O objetivo desta comunicação, dentro do projeto maior da pesquisa, foi inicialmente, tensionar os conceitos
de gênero, subgênero e formato, aplicados à ação publicitária, tentando delimitar conceitos e reconhecer
seus movimentos dentro da televisão.
Dessa forma, foi possível reconhecer que o formato merchandising social, convoca, através do jogo de
imagens/signos, a posição clara do autor e da emissora e exige do enunciatário uma ação responsiva, que
se traduza em mudança comportamental.
A idéia de levar o telespectador a mudar seu comportamento, a ter uma atitude mais responsiva com o
deficiente, deixa evidenciada a correlação entre língua, ideologias e visões de mundo, preconizada por
Bakhtin.
O resultado é um discurso mais consistente sobre o deficiente que naturaliza o efeito conotador, muito caro
à projeção da emissora como uma empresa voltada para os problemas que atingem a população. A escolha
do tema é definida pelo mercado que aponta aquelas questões que estão a merecer um olhar mais atento e
um posicionamento mais responsável e convergente.
Ao se identificar com um projeto social, a emissora garante aceitação na sociedade, ganha audiência e,
naturalmente, assegura seu crescimento econômico.
9
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho de 2006)
Subgêneros e formatos na perspectiva do texto promocional
Maria Lília Dias de Castro
De qualquer forma, a grande força da publicidade tem sido a mistura de realidade e ficção. Se, no formato
da peça, já é explorado o universo do imaginário, o mundo de sonhos que o produto agrega e os valores que
Na novela, por exemplo, em que tudo é construído em cima da fantasia, a fala publicitária se encaixa na
trama sem perder nunca sua relação com o real, tornando o discurso mais recheado de valores não é
apenas alguém que testemunha as vantagens do produto, é determinado personagem que, dentro da trama,
tem uma conduta de vida, expõe seus sentimentos e suas idéias, representa valores e, por isso, confere
outra dimensão de sentido quando faz menção ao produto. Por isso também o cuidado em utilizar
personagens que tenham mais afinidade com o telespectador, uma vez que o tom que eles emprestam ao
personagem ficcional reverte em credibilidade e, com certeza, em lucro para o anunciante.
10
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho de 2006)
Subgêneros e formatos na perspectiva do texto promocional
Maria Lília Dias de Castro
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes,
1997.
BARTHES, Roland. A mensagem publicitária. In : ______. A aventura semiológica. Lisboa : Edições 70, 1987.
BERTIN, Éric. Image et stratégie: la sémiotique au service des fabricants de sens. In : HÉNAULT, Anne org.
Questions de sémiotique. Paris: PUF, 2002. p.171-198.
BONHOMME, Marc. Topoï e argumentation publicitaire. In : ADAM, Jean Michel e BONHOMME, Marc.
Analyses du discours publicitaire. Toulouse : Seuil, 2000.
BRES, Jacques; HAILLET, Patrick Pierre; MELLET, Sylvie; NOLKE, Henning; ROSIER, Laurence. Dialogisme et
polyphonie. Bruxelles: De Boeck Duculot, 2005
CHAMMING’S, Louis; ESCANDE, Pauline. Pour une description des objets audiovisuels, Institut Nacional de
L’audiovisuel, Paris, 2004
FLOCH, Jean Marie. Sémiotique, marketing et communication. 4.ed. Paris : PUF, 2003.
JOST, François. Seis lições sobre televisão. Porto Alegre: Sulina, 2004.
LEGRUN, Gilles. Critères de typologisation des genres de la presse écrite. In : ADAM et alii. LEGRUN, Gilles.
La presse écrite des genres au mélange des genres. Lausanne: FLL, 2001.
LUHMANN, Niklas. La realidad de los médios de masa. México: Universidad Iberoamericana, 2000.
MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. 3.ed. São Paulo: Senac, 2000.
MARTÍN-BARBERO, Jesus. Das massas à massa. In: _______. Dos meios às mediações: comunicação,
cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
WOLTON, Dominique. Éloge du grand public: une théorie critique de la televisión. Paris: Flammarion, 1990.
11
UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho de 2006)