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Budismo Tibetano
Budismo Tibetano
Para ajudar nesta situação, um dos reis do Tibete Ocidental enviou alguns
estudantes muito corajosos à Índia para convidar um grande mestre
budista para retornar com eles ao Tibete. Tiveram que viajar a pé,
aprender as línguas e lidar com o clima. Muitos deles morreram ou na
viagem ou quando estavam na Índia. Mas, em todo o caso, eles
conseguiram convidar Atisha, este grande mestre da Índia, para voltar ao
Tibete. O que ele ensinou durante os muitos anos que esteve por lá foi
sobre o refúgio e karma. De fato, ele era conhecido como “o Lama do
refúgio e do karma.” Este foi o nome que os tibetanos lhe deram.
Não importa como nossa situação de vida possa ser, a prática budista
serve para trabalhar em nós mesmos, tentando nos melhorar para sermos
pessoas melhores. Não é algo que fazemos apenas em paralelo, como um
passatempo ou um esporte, por talvez uma meia hora por dia, ou uma vez
por semana após o trabalho em uma sessão curta quando já estamos bem
cansados. Preferencialmente, é algo prático que tentamos fazer todo o
tempo - sempre trabalhando em nós. Isto significa reconhecer nossas
deficiências e boas qualidades e aprender então métodos para
enfraquecer a força das primeiras e reforçar as últimas. O objetivo é
eventualmente livrar-nos de todas as deficiências e compreender
completamente todas as boas qualidades. Isto não é somente para nosso
próprio benefício, embora certamente nos beneficiemos disto em termos
de sermos mais felizes na vida. Isto é também para sermos mais eficazes
em ajudar os outros, e desse modo para o benefício dos outros também.
Isto é o que a prática budista significa. O que a torna distintamente
budista são os métodos envolvidos para atingir estes objetivos; e o
refúgio significa que nos voltamos para aqueles métodos e os adotamos
em nossas vidas.
Se este fosse o caso, tudo que teríamos que fazer é ter um nome budista
em tibetano, usar um fio vermelho, recitar algumas palavras mágicas de
um mantra, rezar bastante e de algum modo seríamos salvos.
Especialmente se estivermos recitando as orações e práticas em tibetano,
língua da qual não compreendemos uma palavra, aí pensar que tem um
poder místico ainda maior. Dzongsar Khyentse Rinpoche, um lama muito
extraordinário, esteve recentemente em Berlim, onde eu vivo. O que ele
disse foi realmente muito profundo. Ele disse que se os tibetanos
tivessem que recitar todas suas orações em alemão, transliterado em
letras tibetanas, e não fizessem absolutamente nenhuma ideia sobre
qualquer coisa que estivessem dizendo, ele gostaria de saber quantos
tibetanos praticariam realmente o budismo. Naturalmente, todos riram.
Mas se pensarmos sobre isso, realmente é muito profundo, não é? É muito
importante superar qualquer tendência que possamos ter de ver o
refúgio em termos de nos oferecer algum tipo de solução mágica e mística
para todos os nossos problemas e que tudo que necessitamos fazer é, em
certo sentido, render-nos a um poder maior.
Por exemplo, suponha que nosso objetivo na vida é ter uma família
maravilhosa, ter muitos filhos, supondo que tomarão conta de nós em
nossa velhice e seremos tão felizes e seguros. Bem, isso não funciona
sempre assim idealmente, funciona? Um outro exemplo é aspirar ser
famoso. Quanto mais famosos nos tornemos, mais as pessoas incomodam
a gente e tentam pegar nosso tempo. Podemos olhar para as estrelas de
cinema que não podem nem mesmo ir para a rua sem estar usando algum
tipo de disfarce porque as pessoas atacam-nas e querem rasgar partes de
sua roupa e coisas do gênero. É realmente um inferno ser um superstar.
Emoções Perturbadoras
Mas, como a maioria dos ocidentais não acredita em vidas futuras ou não
estão convencidos delas, podemos discutir este ponto mesmo somente
em termos desta vida. Olhando nossas próprias vidas agora, se
investigarmos profundamente, descobriremos que a fonte real de nossos
problemas emocionais é interna. Os fatores externos são somente as
circunstâncias que os provocam. De fato, são as emoções perturbadoras -
nossa raiva, apego, ganância e assim por diante, que roubam nossa paz
mental e felicidade. Elas é que estão impedindo que usemos as boas
qualidades que temos. Podemos tentar ajudar alguém e esta é uma boa
qualidade, mas então começamos a nos irritar com ele. Nós tentamos dar
bons conselhos, mas não aceitam ou discutem conosco e perdemos nossa
paciência. Estas emoções perturbadoras impedem que ajudemos
verdadeiramente alguém.
Mas, para ser mais precisos, devemos diferenciar dois tipos de medo, se
estamos falando sobre o medo de renascimentos horríveis no futuro ou
medo de uma velhice miserável ou medo de qualquer coisa. Há o medo
que faz com que não vejamos nenhuma saída e nos sintamos impotentes e
inúteis. Isso nos deixa bastante paralisados, não é? Eu penso que é um
tipo insalubre de medo, embora frequentemente o experimentemos. Mas
o tipo de medo que é discutido no contexto do refúgio tem um sabor
completamente diferente de medo, porque vemos que há uma maneira de
evitar os problemas. Consequentemente, não é impossível e nós não
somos de forma alguma impotentes. Mas, como eu disse anteriormente,
não é que haverá algum poder transcendental ou ser que irá nos salvar de
nossa situação temerária e tudo que temos que fazer é rezar bastante e
estaremos livres e salvos de nosso medo.
O ponto é que podemos, de certa forma, nos proteger. Que é que nos
permitirá evitar todos os problemas que enfrentamos na vida? O que
torna isso possível? No contexto maior, é o fato de que todas estas
emoções perturbadoras que causam problemas - nossa raiva, ganância,
apego, etc. - tudo brota da confusão sobre a realidade. Todas estas
emoções perturbadoras não são realmente uma característica inata da
mente. Podem ser removidas para sempre, de modo que nunca retornem.
A Jóia do Dharma indica que podem ser “verdadeiramente bloqueadas.”
Verdadeiras Paradas
Estamos tentando cada vez mais nos livrar deste lado perturbador e cada
vez mais compreender nossos potenciais para este lado positivo. Fazemos
isto porque tememos, de uma maneira saudável, que se continuarmos da
maneira que estamos agora, e mesmo se ganharmos uma quantidade
enorme de dinheiro, tivermos muitos amigos e formos muito famosos,
ainda assim teremos problemas. Isto é porque ainda seremos gananciosos
e inseguros. Ainda ficaremos irritados e assim por diante. Nós temos
medo disso, mas vemos que há uma maneira de evitar isso. É o mesmo
que ter medo de sermos queimados pelo fogo, mas vemos se formos
cuidadosos, podemos evitar nos machucar. Há um medo, mas é um medo
saudável. Não estamos falando sobre paranoia.
Budas são representados pelas estátuas e pelas pinturas. Certo, eles são
bonitos, mas vamos confundi-los com um ícone cristão ortodoxo? Que é
ele? Estamos praticando a adoração de um ídolo, como os muçulmanos
poderiam nos acusar? Que realmente está acontecendo aqui? Nós temos
que realmente curvar-nos perante uma estátua? Eu penso que há
problemas envolvidos se deixarmos nossa compreensão de um Buda
apenas neste nível. Há uma oportunidade para mal entendidos aqui.
Ainda que para algumas pessoas, obviamente, possa ser muito útil pensar
em um Buda dessa forma, não é a compreensão mais profunda. Neste
nível, é como se houvesse uma figura tipo-deus, representada por
estátuas e pinturas que nós adoramos.
O que eles têm em comum, o Dalai Lama e esses outros grandes mestres?
Eles livraram-se em graus variados da raiva, ganância, ódio, inveja e todos
estes tipos de coisas. Ganharam tremendas boas qualidades, tais como a
compreensão, compaixão, paciência, etc. Nós vemos os variados graus
que podem ser atingidos em termos desses vários lamas. Isto é, como
estou dizendo, um exemplo muito mais vivo (se é que temos contato com
eles) do que apenas pensar no Buda ou Milarepa e outros exemplos
históricos, com os quais é mais difícil relacionar-se. Podemos sentir que
são boas histórias, mas será que realmente acreditamos que havia alguém
assim? Lemos que Guru Rinpoche nasceu de uma flor de lótus; será que
realmente somos capazes de acreditar nisso? Talvez seja difícil
relacionar-se com isso. Mas, ao invés disso, podemos focar na ausência
destas qualidades negativas e na presença destas qualidades positivas,
como exemplificadas pelo Dalai Lama e estes grandes mestres, que são
como o Buda e a Sangha - aqui e agora. Notamos que somos capazes de
fazer isso também. Este é o Dharma, e vemos que estas verdadeiras
paradas e verdadeiros caminhos da mente são objetivos tangíveis. É
possível que possamos fazer isso, e isto nos dá uma direção segura,
estável e significativa que podemos pôr em nossas vidas.
Mas o ponto é que durante nossas vidas cotidianas, quando estas coisas
negativas e perturbadoras surgem e as notamos, o ideal a fazer é
aprender alguns métodos e tentar superá-las. Precisamos notar que se
estivermos irritados, devemos desenvolver a paciência. Quando alguém
está agindo de uma maneira horrível comigo, isto indica que é muito
infeliz. Há algo que o perturba. Melhor que ficar irritado com pessoas
assim é sentir um pouco de compaixão por elas.
Conclusão
A pergunta que todos devemos nos fazer é: “Como alguém que tomou
refúgio e que é um budista, estou realmente dando este sentido a minha
vida? O refúgio tem algum significado em minha vida à exceção apenas de
ter entrado para o clube?” Se tomar refúgio não fez uma diferença
significativa em nossa vida, isto é algo no qual precisamos realmente
trabalhar. Seguir em quaisquer outras práticas avançadas sem esta
fundação bem provavelmente não trará nenhum sucesso.
Todos Podem se Tornar um Buda
Dr. Alexander Berzin
O budismo afirma enfaticamente que todos nós podemos nos tornar budas, mas o
que significa se tornar um buda? Um buda é uma pessoa que eliminou todas as
suas falhas, corrigiu todos os seus defeitos e realizou todos os seus potenciais.
Todos eles começaram como nós: seres comuns que passam por dificuldades na
vida. Assim como nós, seus problemas repetiam-se descontroladamente por causa
de sua confusão em relação à realidade, de suas projeções irreais e de sua crença
obstinada nelas e, consequentemente, de suas emoções perturbadoras e
comportamentos compulsivos. Mas eles perceberam que suas projeções não
correspondiam à realidade e, motivados por uma forte determinação de se libertar
do sofrimento que sua inconsciência ingênua lhes causava, eventualmente pararam
de automaticamente acreditar nas fantasias que suas mentes projetavam. Por esse
motivo eles pararam de sentir emoções perturbadoras e de agir compulsivamente.
Durante todo esse processo, eles se esforçaram por fortalecer suas emoções
positivas, como amor e compaixão por todas as pessoas igualmente, e ajudaram os
outros o máximo possível. Eles desenvolveram um amor terno por todas as
pessoas, assim como o que uma mãe carinhosa sente por seu único filho.
Impulsionados pela energia desse amor e compaixão intensos e dirigidos a todos, e
pela decisão excepcional de ajudar a todos, sua compreensão da realidade tornou-
se cada vez mais forte. Eventualmente ficaram tão poderosos que suas mentes
pararam de projetar as aparências enganosas de que tudo e todos existem por si
mesmos, separados de todo o resto. Sem qualquer obstáculo, viram claramente
como tudo que existe está interligado e é interdependente.
Com essa realização, eles se iluminaram, se tornaram budas. Seus corpos, suas
habilidades de comunicação e suas mentes ficaram livres de todas as limitações.
Por saberem o efeito em cada pessoa de qualquer coisa que ensinassem, tornaram-
se capazes de ajudar todos os seres, tanto quanto fosse realisticamente possível.
Mas nem mesmo um buda é onipotente. Um buda pode exercer uma influência
positiva apenas naqueles que estão abertos e receptivos à sua orientação e que a
seguem corretamente.
E o Buda disse que todos podem alcançar o que ele alcançou. Todos podem se
tornar um buda. Isso é possível porque todos nós temos a matéria prima básica
que possibilita isso. Essa matéria prima é conhecida como “natureza búdica”.
Conclusão
Já que todos nós temos a matéria prima para nos tornarmos um buda, é
simplesmente uma questão de motivação e de trabalho duro constante até que nos
tornemos iluminados. O progresso nunca é linear: alguns dias serão melhores e
outros piores. O caminho para alcançar o estado de um buda é longo e não é fácil.
Mas quanto mais nos lembrarmos de nossos fatores de natureza búdica, mais
evitaremos o desânimo. Nós simplesmente precisamos nos lembrar de que não há
nada inerentemente errado conosco. Nós podemos superar todos os obstáculos
com uma boa motivação, forte o suficiente, e seguindo métodos realistas que
combinam habilmente compaixão e sabedoria.
Uma Vida Budista Plena: As
Principais Características
Dr. Alexander Berzin
Os Três Treinamentos
A prática budista básica envolve treinar-se em três áreas. Podemos treinar-nos
nelas a fim de superar nossos próprios problemas e sofrimentos, por causa do
interesse por nosso próprio bem estar. Ou podemos treinar-nos nelas com amor e
compaixão a fim de sermos de mais benefício aos outros.
Ética - a discussão dos valores humanos básicos, tais como a bondade e a generosidade
que não estão necessariamente relacionados a nenhuma religião e da qual qualquer um
pode se beneficiar,
Lógica e metafísica - uma apresentação detalhada de teoria de conjuntos, universais,
detalhes, qualidades, características e assim por diante, como trabalham juntos e como
nós os conhecemos,
Causa e efeito - uma análise detalhada da causalidade, o que é a realidade e como
nossas projeções distorcem a realidade.
Novamente, a filosofia budista não fica limitada necessariamente aos budistas, mas
é algo de que todos podem tirar beneficio.
A terceira divisão, religião budista, inclui a esfera real da prática budista e assim
abrange coisas como o karma, renascimento, práticas rituais, mantras e assim por
diante. É conseqüentemente específica para aqueles que estão seguindo o caminho
budista.
Nós podemos utilizar isto apenas em nossa vida comum nesta existência, ou isto
pode ser estendido aos problemas que possamos encontrar em vidas futuras. No
nível de um iniciante, devemos considerar estes treinamentos somente em termos
de nossa vida diária: Como podem nos ajudar? Que estamos fazendo que está
causando nossos problemas? Que podemos fazer para aliviá-los?
A Causa do Sofrimento
O segundo tipo de inconsciência que nós temos é com respeito à realidade. Porque
estamos confusos sobre a realidade, temos atitudes perturbadoras. Um exemplo
disso seria a auto-preocupação, onde nós estamos sempre pensando em mim, em
eu mesmo e eu. Pode ser muito crítico, pois pode espiralar em uma síndrome onde
sintamos que temos que ser perfeitos. Mesmo se nós agirmos construtivamente,
tentando ser perfeitos, pondo tudo em ordem - torna-se completamente
compulsivo. Embora possamos ter alguma felicidade temporária, muda
rapidamente ao descontentamento, porque ainda pensamos: “Eu não sou bom o
bastante,” e nos forçamos para sermos melhores.
Não nos afeta apenas mentalmente, mas fisicamente também. Por exemplo, se
estivermos sempre irritados, começamos também a ter pressão alta, e então uma
úlcera devido à preocupação, etc. Ou, se você for um maníaco por limpeza, é difícil
relaxar. Você está sempre tenso porque tudo tem que ser perfeito, mas nada
sempre é.
Nós usamos a consciência discriminativa para ver a diferença entre fantasia e realidade;
assim podemos ver a causa e o efeito dentro de nosso próprio comportamento. Quando
não temos consciência discriminativa, nosso comportamento e atitudes criam
infelicidade, ou um tipo de felicidade que nunca realmente nos satisfaz.
A fim de compreender corretamente o acima citado, nós necessitamos ter
boa concentração, de modo que possamos permanecer focados.
Para desenvolver boa concentração, nós necessitamos disciplina para que quando
nossa mente vaguear, possamos trazê-la de volta.
Queremos aplicar estes três treinamentos para ajudar-nos a tratar de nossos
problemas e melhorar a qualidade de nossas vidas.
Considere o exemplo de quando seu filho sai à noite e você está preocupado
realmente: “Eles vão regressar com segurança para casa?” Novamente, a fonte de
nossa ansiedade e infelicidade é esta atitude de que “de algum modo eu posso estar
no controle da segurança de meu filho,” que é naturalmente uma fantasia. Quando
eles voltam para casa com segurança você se sente feliz, você se sente aliviado;
mas a próxima vez que saem, outra vez você se preocupa. De modo que esse tipo
de sentimento de tranquilidade não dura, certo? E estamos sempre preocupados,
assim isso se perpetua. Transformamos isso em um hábito e nos preocupamos
sobre tudo e isso afeta nossa saúde. É um estado muito desagradável.
A verdadeira chave está em compreender que a causa de tudo isto é nossa própria
confusão. Nós pensamos que determinadas formas de agir trarão felicidade, ou que
uma atitude de que somos capazesde controlar tudo está correta, mas não é. Então
cortamos completamente este modo de pensar: “isto é absurdo!”, e ficamos focados
nisso.
Conclusão
Quando refletimos sobre os quatro fatos da vida, somos encorajados a ver que
nossos problemas e emoções negativas não são estáticos, mas podem ser
melhorados, e até mais que isso, eles podem ser removidos completamente. Uma
vez que tratamos das causas do sofrimento, o sofrimento párade existir, mas estas
causas não desaparecem por si sós.
Uma maneira incrível de vivermos nossas vidas está no contexto dos três
treinamentos em ética, concentração e consciência discriminativa. Eles trabalham
juntos simultaneamente para trazer-nos mais perto dessa coisa que estamos
procurando sempre: felicidade.
Assim, são princípios muito básicos que podemos aplicar em nossa vida diária,
tanto para situações pessoais como para interações sociais.
O Caminho Óctuplo
Quando treinamos nos três treinamentos, uma apresentação de como fazemos isto
é chamada “o caminho óctuplo.” Estes são simplesmente oito tipos de práticas que
treinamos e isto irá fazer com que os três aspectos desenvolvam-se.
Fala
A forma como falamos com os outros reflete nosso próprio estado de mente. Afeta
como os outros sentem e como nos consideram e tratam, em resposta.
Conseqüentemente, precisamos saber quais formas da fala são úteis e quais são
prejudiciais.
Fala incorreta
A fala incorreta é o tipo que causa infelicidade e problemas:
Mentir – dizer o que é mentira e enganar os outros. Se nos tornarmos conhecidos como
alguém que mente ou engana os outros com o que diz, ninguém mais irá acreditar em
nós, confiar ou até ouvir o que dizemos. Isto cria uma situação infeliz.
Fala desagregadora – dizer coisas más sobre pessoas para seus amigos ou parceiros
para tentar arruinar relacionamentos. Isto faz com que as pessoas suponham que
andamos falando delas também, e arruína nossos relacionamentos. (dizer ou falar pelas
costas existe, mas acho que como você usou também está certo.)
Fala rude – falar de uma maneira cruel ou gritando e xingando os outros. Quando
abusamos dos outros com nossas palavras, começarão então a falar conosco desta
forma também; e a menos que sejam masoquistas, eles não irão permanecer em torno
de alguém como nós que grita constantemente com eles.
Fala inútil – falar "bla bla bla" toda a hora, interrompendo os outros e falando bobagens
ou fofocas. O resultado é que ninguém nos leve a sério e as pessoas pensarão que
somos um saco para estar junto. Desperdiçamos nosso tempo e o dos outros também.
Fala correta
A fala construtiva é o que nos ajuda a evitar os quatro erros da fala mencionados
acima. O primeiro nível de disciplina é que, quando sentimos que vamos dizer algo
falso, gritar com alguém ou tagarelar, reconhecemos que isso é destrutivo e causa
infelicidade, e assim realmente tentamos não o fazer.
Isto não é de forma alguma fácil, pois você precisa se pegar no momento em que
sente vontade de fazê-lo, antes de compulsivamente dizê-lo. É como querer um
pedaço de bolo. Às vezes teremos a oportunidade de comer um segundo pedaço,
mas antes de impulsivamente pegar um, podemos pensar: "Mesmo querendo, não
preciso agir. Eu não preciso deste bolo; irá apenas me deixar mais gordo e eu
preciso perder algum peso.” É disso que estamos falando em termos de disciplina.
Cultivar a fala correta requer realmente um esforço muito consciente e uma forte
resolução de falar verdadeiramente, delicadamente, amavelmente, na hora certa,
na medida apropriada e somente o que é significativo:
Quanto a usar palavras fortes, às vezes você talvez precise dizer algo forte. Se seu
filho estiver brincando com fósforos ou um isqueiro ou algo assim, então você
precisa falar forte. Isso não seria visto realmente como fala rude, porque sua
motivação não é a raiva. Assim, a motivação é realmente fundamental.
Mentir pode também incluir mentir aos outros sobre nossos sentimentos ou sobre
nossas intenções com eles. Nós podemos ser muito agradáveis com alguém,
dizendo que amamos, mesmo enganando a nós mesmos, quando tudo que
queremos é seu dinheiro ou algo mais. De certa forma, isto é decepção.
Naturalmente, nós simplesmente não vamos dizer a essa pessoa: “Eu não o amo
realmente, eu apenas quero seu dinheiro,” pois isso seria um tanto inapropriado.
Mas nós precisamos examinar a nós mesmos, se estamos sendo honestos sobre
nossos sentimentos e intenções.
A fala divisiva poderia ser quando dizemos coisas que são tão odiosas que fazem
com que nossos próprios amigos nos deixem. Algumas pessoas apenas se queixam
toda hora ou são constantemente negativas, e leva todos para longe delas. Se
formos assim, quem irá querer estar conosco? Ou falar sem parar, assim a outra
pessoa não tem nem mesmo uma possibilidade de dizer qualquer coisa: isto afasta
as pessoas. Nós todos conhecemos pessoas assim e é improvável que as
encontraremos com muita frequência. É bom dizer coisas agradáveis sobre os
outros e sermos positivos tanto quanto possível.
A fala rude aparece quando abusamos não somente dos outros, mas também de
nós mesmos. Quando dizemos aos outros que eles são estúpidos ou horríveis, isso
naturalmente é cruel. Assim também é quando dirigimos isto para nós. Certamente
não nos faz mais felizes, assim é importante ter uma boa atitude para conosco e
como nós nos tratamos e falamos conosco em nossas mentes.
Comportamento Errado
Ir além do limite significa os três tipos de comportamento destrutivo:
Matar
Simplesmente, isto é tirar a vida de algum outro. Isto não refere-se apenas aos
seres humanos, mas inclui todos os tipos de animais, peixes, insetos e assim por
diante.
Eu penso que para a maioria de nós, parar de caçar e pescar não é tao difícil. Para
alguns, não matar insetos pode ser mais difícil. Há muitas maneiras de abordar isto
sem falar em vidas passadas e futuras, pensando: “Esta mosca era minha mãe em
uma vida precedente.” A ênfase principal é que se há algo que nos irrita, nós não
queremos que matá-lo seja nossa resposta inicial, instintiva. Isto constrói o hábito
de querer destruir qualquer coisa da qual não gostamos de maneira violenta, e vai
além da mosca que está zunindo em torno de seu rosto. Ao invés disso, precisamos
tentar encontrar métodos pacíficos para tratar de algo que é irritante. Assim, com
moscas ou mosquitos, quando eles aterrisam em uma parede, podemos pôr um
copo sobre eles, uma folha de papel embaixo e libertá-los lá fora. Em muitas,
muitas situações, nós podemos encontrar uma maneira muito mais pacífica, não-
violenta de lidar com o que não gostamos.
Se você viveu na Índia como eu, você aprende a viver com insetos. Simplesmente
não há nenhuma maneira de se livrar de todos os insetos na Índia. Eu costumava
imaginar uma campanha para agentes de viagem: “Se você gosta de insetos, você
amará a Índia!” Quando me mudei pela primeira vez para a Índia, meu quadro era
tal que eu de modo nenhum gostava de insetos, mas eu era um grande aficionado
de ficção científica. Eu imaginei que se eu viajasse a um planeta distante e a forma
de vida lá fosse no formato de insetos como este, seria bem terrível se quando eu
me encontrasse com eles, tudo que eu quisesse fazer fosse esmagá-los! Se você
começar a se colocar no lugar dos insetos, afinal de contas eles apenas estão
levando a sua vida, então você começa a respeitá-los como uma forma de vida.
Mas considere o caso dos gafanhotos que comem suas colheitas. Bastante tem a ver
com a motivação. Um exemplo é uma vida precedente de Buda, quando ele era o
navegador de um navio. Havia alguém a bordo que estava planejando matar todos
no navio, e o Buda viu que não havia nenhuma maneira de impedir este assassinato
em massa de forma pacífica; a única solução para impedi-lo seria matar este
potencial assassino. Assim, Buda matou esta pessoa, mas com a motivação da
compaixão, para poupar as vidas dos passageiros e para impedir a pessoa de gerar
uma quantidade enorme de karma negativo, ao invés de raiva ou medo. Mas Buda
reconheceu também que tinha matado alguém, e que não obstante a motivação
isso tinha sido um ato destrutivo, e assim ele decidiu: “Eu estou disposto a aceitar
as consequências cármicas disto para aliviar os outros."
Roubar
A maioria das pessoas são muito mais apegadas às suas vidas do que suas posses,
mas ainda assim, se você tirar as posses de alguém, isto causa grande infelicidade
de ambos os lados. Especialmente o ladrão que tem uma preocupação persistente:
“Será que vou ser pego?”
Bem, o que nós queremos fazer é evitar problemas para nós mesmos. Obviamente,
se você matar um peixe ou inseto, é um problema para eles. Mas nós também
temos um problema porque se nós estivermos muito perturbados com insetos, aí
estamos sempre preocupados com os mosquitos que invadem nosso espaço,
levantando no meio da noite para caçá-los. É um estado de mente inquieto. Se
geralmente usarmos métodos pacíficos para tratar destas coisas, nossas mentes
estarão mais calmas.
É a mesma coisa acontece com roubar, onde você tem que ser sorrateiro e se
preocupa se vai ser pego. Está baseado em um desejo muito forte, onde você
também não é paciente o bastante para fazer o trabalho necessário para começar a
ter algo, e assim você simplesmente rouba de algum outro.
Você poderia matar por apego ou ganância, talvez porque você realmente queira comer
um animal ou peixe. Se não houver absolutamente nada mais para comer, então isto é
uma coisa, mas se há alternativas, então é outra.
Você poderia roubar por raiva, porque quer ferir alguém, e assim você pega algo que
lhes pertence.
Causar dano com nosso comportamento sexual, incluindo estupro e violar os outros
Pressionar as pessoas, mesmo nosso próprio parceiro, para fazer sexo quando não
quiserem
Fazer sexo com o parceiro de outro ou se tivermos um parceiro, fazer sexo com algum
outro. Não importa quão cuidadosos sejamos, sempre conduz a problemas, não?
Assim, ao invés de tirar a vida dos outros, você ajuda ativamente a preservar a
vida. Uma aplicação mais ampla disto seria não destruir o meio ambiente, mas
cuidar dele, de modo que os animais e os peixes pudessem viver livremente.
Alimentar seus porcos, se você tiver, não para que engordem e você possa comê-
los, mas de modo que eles prosperem; isto que é preservar a vida. Alimentar seu
cão - isto é uma maneira de ajudar a preservar a vida! Isso inclui também coisas
como cuidar de pessoas doentes ou ajudar aqueles que se machucam.
Pense numa mosca ou abelha que entra zumbindo em seu quarto. Ela não quer
realmente estar lá. Ela quer sair, mas não sabe como, assim se você mata porque
ela cometeu o simples erro de voar para dentro de seu quarto, isto não é muito
legal, é? Você pode ajudá-la a sair abrindo uma janela e dizendo “sho” ou algo
assim; isto é ajudar a preservar a vida. E a abelha quer viver! Se um pássaro voasse
para dentro de seu quarto por acaso, você não pegaria uma arma para atirar nele,
pegaria? Mas entre a abelha e o pássaro a diferença é somente o tamanho,
aparência e o som que fazem. Se você não gosta de moscas entrando em seu quarto
não abra a janela, ou então ponha telas!
Quanto a não roubar, a ação correta está em proteger as posses de outra pessoa. Se
alguém emprestar-lhe algo, você tenta seu melhor para não danificar. Você tenta
ajudar outras pessoas a ter coisas legais.
Em vez de comportamento sexual impróprio, que inclui não somente sexo com
outras pessoas, mas também sexo com você mesmo, sexualmente precisamos ser
amáveis e gentis, não apenas como um cão na época do cio.
Outros Exemplos de Comportamento Correto e Incorreto
Se olharmos a extensão de nossa discussão, podemos ver que há muitos outros
aspectos envolvidos com estes três tipos de comportamento.
Por exemplo, uma extensão de não matar é parar de tratar fisicamente mal os
outros. Isto inclui não somente não bater nas pessoas, mas também não
sobrecarregá-las ou obrigá-las a fazer coisas que podem de alguma forma
prejudicá-las fisicamente. Podemos aplicar isto a nós mesmos também. Nós não
deveríamos maltratar a nós mesmos com trabalho em excesso nem comer mal ou
dormir muito pouco. Pensamos frequentemente no nosso comportamento com
relação aos outros, mas é importante aplicá-lo conosco também.
Quanto a roubar, não é somente pegar as posses de outros, mas também usar as
coisas de outras pessoas sem primeiramente pedir. Como apenas pegar o telefone
de alguém e fazer uma chamada cara ou pegarmos a comida de outra pessoa em
seu refrigerador sem ter permissão. Esgueirar-se em um cinema sem pagar ou, e -
as pessoas não gostam de ouvir esta - não pagar seus impostos! Isto é roubar.
Poderíamos discutir: “Bem, eu não quero pagar meus impostos porque vai para
financiar guerras e comprar armas.” Mas a realidade é que vai também para
construir estradas e construir hospitais, escolas e assim por diante. Se você quiser
tê-los, então, você necessita pagar algum imposto.
E fazer download sem licença ou software pirata ou videos, isto é roubar? Eu penso
que é, especialmente se falar explicitamente: “Não baixe isto sem pagar”, aí está
bem claro. Não há nenhuma maneira de dizer que não é roubar. O princípio
entretanto é criar limites. Existe um espectro, não existe, de ou fazer qualquer
coisa que você queira sem pensar sobre as consequências, e de não fazer nada. No
caso do roubo, podemos dizer: “Eu não vou roubar um banco ou roubar de uma
loja, mas fazer download sem pagar? Eu não posso realmente evitar isto neste
momento.” Pelo menos isto cria algum tipo de limite, mas ainda é importante
reconhecer que fazer download sem pagar é roubar. Há também uma grande
diferença entre fazer o download de material quando você tem o dinheiro para
pagar e quando você não tem. É mais sério quando você pode pagar e você não
paga apenas para ser barato ou por ser maldoso. Isto é algo que deveria ser
evitado.
Neste ponto sobre roubar, poderíamos olhar para nós mesmos, podemos parar de
desperdiçar dinheiro em coisas triviais. Fazer apostas, por exemplo, é empregar
mal nossas próprias posses. Nós também não deveríamos ser mesquinhos conosco,
quando podemos realmente pagar. Você tem o dinheiro para comer uma dieta
apropriada e para comprar boa comida, mas você é mesquinho e compra o
alimento mais barato, de pior qualidade. Isto é quase como roubar de você mesmo!
Forma de Vida
Isto tem a ver com as formas de vida, algumas são éticas e outras não.
Estas formas de ganhar a vida causam dano aos outros ou, como com a
pornografia, causam desejo e o desejo somente aumenta. Até se estivermos
envolvidos com um tipo regular de trabalho é importante sermos honestos e evitar
desonestidade:
Cobrar demais dos clientes, tentando conseguir tanto dinheiro deles quanto possível
Fraude, pegando dinheiro do negócio para seu próprio uso
Extorsão, ameaçando outros para conseguir dinheiro deles
Suborno
Exploração dos outros
Propaganda enganosa
Adulterar alimentos ou produtos a fim de fazer mais dinheiro.
Medicina
Trabalho social
Comércio justo
Fazer ou vender produtos e serviços que beneficiam os outros.
Conclusão
Quando olhamos os conselhos que o caminho óctuplo nos dá, não devemos vê-los como
um tipo de regulamento que nos constringe, mas sim vê-los como limites que nos livram
das ações negativas, que acabam somente por causar dano para nós e os outros.
Auto-disciplina ética
Concentração
Consciência discriminativa.
Implementamos fala, ação, comportamento e meios de vida corretos a fim
de desenvolver a auto-disciplina ética. Agora podemos observar o
treinamento da concentração, que envolve o esforço correto, a atenção
correta e a concentração correta.
Atenção plena é como a cola mental para continuar e não deixar algo de
lado, impedindo-nos de esquecer algo:
Esforço
Este é o primeiro fator do caminho óctuplo que usamos para nos ajudar a
desenvolver a concentração. Nos esforçamos em deixar de lado
pensamentos distrativos e estados emocionais que não são conducentes à
concentração, e tentamos desenvolver boas qualidades. Em geral, se
quisermos obter qualquer coisa em nossas vidas, necessitamos de
esforço. As coisas não vêm de absolutamente nada e ninguém disse que
era fácil. Mas, se desenvolvermos um pouco de força ao trabalhar com a
autodisciplina ética em termos de como nós agimos, falamos e tratamos
com os outros, isto nos dá energia para o esforço em trabalhar nos nossos
estados mentais e emocionais.
Esforço Incorreto
O esforço incorreto está dirigindo nossa energia a linhas de pensamento
prejudiciais e destrutivos, que distraem-nos e tornam difícil - senão
impossível - concentrar-se. Há três principais tipos de maneiras
destrutivas de pensar:
Pensar gananciosamente
Pensar com malicia
Pensar distorcidamente com antagonismo.
Pensar Gananciosamente
Pensar gananciosamente envolve pensar com inveja sobre o que os
outros conseguiram ou sobre os prazeres e as coisas materiais que eles
possuem. Você pensa: “Como posso ter isso para mim?” Isto surge do
apego. Nós somos incapazes de aguentar alguém que tem coisas que não
temos, seja sucesso, um parceiro bonito, um carro novo - na verdade
poderia ser qualquer coisa. Pensamos constantemente sobre isso, e é um
estado de mente muito perturbador. Isto impede totalmente nossa
concentração, não?
Esforço Correto
O esforço correto está guiando a nossa energia para longe de linhas
prejudiciais e destrutivas de pensamento, e para o desenvolvimento de
qualidades benéficas. Neste caso, falamos em termos do que são
chamadas as “quatro tentativas corretas” em Pali. Em Sânscrito e na
literatura tibetana são chamados “os quatro fatores para obter
desapego correto”, ou seja, para livrar-nos de nossas deficiências - os
chamados “quatro abandonos puros”:
Intenções para Correr Atrás de qualquer dos Cinco Tipos de Objetos Sensoriais
Desejáveis
Os cinco objetos sensoriais desejáveis são paisagens bonitas, sons,
fragrâncias, gostos e sensações físicas. Este obstáculo que pomos esforço
em superar é quando estamos tentando concentrar em algo, por exemplo,
nosso trabalho, mas nossa concentração fica distraída por pensamentos,
como: “Eu quero assistir um filme” ou “Eu quero ir à geladeira.” Aqui
estamos observando os prazeres sensoriais ou desejos, como querer
comer, ouvir música e assim por diante. Precisamos nos esforçar em não
ir atrás dessas coisas quando tais sentimentos surgem, para podermos
permanecer focados.
Pensamentos de Animosidade
Isto é pensar em ferir alguém. Se sempre pensarmos de uma maneira
maldosa: “Esta pessoa me feriu, eu não gosto dela, como posso me
vingar?” Este é um grande obstáculo à concentração. Precisamos nos
esforçar para evitar pensamentos prejudiciais - não somente sobre os
outros, mas sobre nós mesmos também.
Indecisão e Dúvidas
A última coisa que precisamos tentar pôr esforço em superar é a
indecisão e dúvidas. Que devo fazer? “O que devo almoçar? Talvez eu
devesse comer isto. Ou devo comer aquilo?” Não ser capazes de tomar
decisões desperdiça uma quantidade de tempo enorme. Não podemos nos
concentrar, e continuamos com as coisas como se estivéssemos sempre
cheios de dúvidas e indecisão, assim que precisamos nos esforçar para
resolver isto.
Atenção Plena
Esta atenção plena incorreta é do que precisamos nos livrar. Nós temos
que deixar para lá a ideia de que nosso cabelo é a coisa a mais importante,
ou que sempre temos que combinar as cores, e que isso nos trará a
felicidade. Nós paramos de nos apegar a isto e cultivamos atenção plena
correta, que é: “Meus cabelos e roupas não são realmente uma fonte de
felicidade. Pensar demasiado sobre isso desperdiça meu tempo e impede
que eu me concentre em algo mais significativo.”
Atenção plena é focar no que estamos fazendo e não distrair-se com todas
as coisas periféricas, sem importância.
Nós também temos que lembrar-nos que são seres humanos. Não
devemos apenas identificá-los no papel de mãe, pai, irmã, irmão ou qual
seja o tipo de relacionamento que você tenha com eles. Se apegarmo-nos
a eles em determinado papel, tendemos a reagir ao que fazem com todas
nossas projeções do que é uma mãe ou pai e toda a história e expectativas
e desapontamentos que tivemos com eles. É melhor relacionar-se com
eles como seres humanos. Se não prestarem atenção nisto e ainda
tratarem-nos como uma criança, não caímos no padrão de agir como uma.
Recordamos que são seres humanos e não jogamos o jogo; apesar de
tudo, precisamos de dois para dançar um tango.
Minha irmã mais velha visitou-me por uma semana recentemente. Ela ia
dormir razoavelmente cedo de noite e então, como se fosse minha mãe,
dizia: “Vá dormir agora.” Mas se reagíssemos como uma criança e
disséssemos: “Não, é muito cedo, eu não quero dormir, eu quero ficar
acordado, por que você está me dizendo para ir dormir?” então é
simplesmente jogar o mesmo jogo. E ambos ficamos tristes. Assim eu tive
que lembrar que ela estava me dando esse conselho porque se importa
comigo, não porque quer me irritar. Ela pensa que é melhor para mim ir
dormir cedo. Assim temos que tentar e ter uma visão muito mais realista
do que está acontecendo, melhor que apenas projetar nossas ideias.
Tudo isto está baseado em uma atitude de cuidado, onde você se importa
com o efeito de seu comportamento em si e nos outros. Se você realmente
não se importa em como age, isso não irá manter a atenção plena porque
não haverá nenhuma disciplina lá. Por que devemos nos importar?
Porque você é um ser humano. Sua mãe e pai são seres humanos. E todos
queremos ser felizes. Ninguém quer ser infeliz. A maneira que nos
comportamos e falamos com os outros afeta seus sentimentos, assim que
deveríamos nos importar em como agimos.
Conclusão
Visão
Visão incorreta
Visões incorretas são, por exemplo, afirmar e acreditar que nossas ações não têm
nenhuma dimensão ética, onde algumas podem ser destrutivas e outras
construtivas; e acreditar que não trazem resultados em termos do que
experimentamos. Isto é caracterizado pelo mentalidade de “não importa” que
muitas pessoas tem hoje. Não importa; nada importa. Não importa; se eu fizer ou
não fizer isto, não importa. Isto está incorreto. Importa se você fuma ou não. Se
você fuma, isso terá consequências negativas para a sua saúde.
Outro tipo de visão errada é acreditar que não existe maneira para melhorar a nós
mesmos e superar nossos defeitos, assim não faz sentido se importar com isso. Isto
é errado, porque as coisas não são estáticas ou fixas em cimento. Alguns acreditam
que não há nenhum sentido em tentar ser amáveis ou ajudar os outros, e que
deveríamos apenas tirar vantagem de todos e lucrar tanto quanto possível - e que
isso trará a felicidade. Isso está errado, porque não conduz à felicidade. Isso traz
conflito, ciúmes e preocupações com os outros roubando nossas coisas.
Uma vez que tenhamos discriminado entre o que é útil e o que é prejudicial, o que é
realidade e o que não é, nossa intenção ou pensamento motivante diz respeito a
como nossa discriminação afeta ou forma a maneira que falamos ou agimos, ou
nossa atitude sobre as coisas. Se discriminarmos incorretamente, um pensamento
motivante incorreto seguirá e, quando discriminarmos corretamente, um
pensamento motivante correto também seguirá.
Intenção Incorreta
Existem três áreas principais que a intenção ou pensamento motivante afetam:
Desejo Sensual
O pensamento motivante incorreto estaria baseado no desejo sensual - desejo e
apego a objetos dos sentidos, sejam estes coisas bonitas, música, boa comida,
roupas bonitas etc. Nosso pensamento motivante de pretender perseguir nossos
desejos estaria baseado incorretamente em discriminar que eles são a coisa mais
importante. Se tivermos discriminação correta, nós teremos equanimidade, que é
uma mente equilibrada livre de apego aos objetos dos sentidos.
Malicia
A segunda motivação ou intenção incorreta é a malicia; o desejo de ferir alguém ou
causar-lhe dano. Como quando alguém erra e você fica irritado e pensa que essa
pessoa é realmente má, e deve ser punida; isto é discriminação incorreta.
Nós fazemos a discriminação incorreta que as pessoas nunca cometem erros, o que
é absurdo. Podemos ficar tão irritados que queremos bater em alguém, sendo que
se tivéssemos a discriminação correta, desenvolveríamos a benevolência. Este é o
desejo de ajudar os outros e trazer-lhes a felicidade, e inclui força e perdão. Se
alguém comete um erro, você percebe que isto é natural e não sente rancor.
Crueldade
O terceiro tipo de intenção incorreta é uma mente que seja repleta de crueldade,
que tem vários aspectos:
Vandalismo – uma cruel falta de compaixão, onde desejamos que os outros sofram e
sejam infelizes. Por exemplo, discriminamos seguidores de uma outra equipe de futebol
pensando que são horríveis e que podemos lutar com eles simplesmente porque
gostam de uma outra equipe.
Ódio de si mesmo – uma falta cruel de amor próprio, onde sabotamos nossa própria
felicidade porque pensamos sermos má pessoa e não merecemos ser felizes. Nós
frequentemente fazemos isto, entrando em relacionamentos insalubres, prosseguindo
maus hábitos, comendo demais e assim por diante.
Prazer perverso – onde nós cruelmente nos alegramos quando vemos ou ouvimos o
sofrimento de outras pessoas. Você pensa que alguém é mau e que merece o sofrimento
que está experimentando, como quando um político que não gostamos perde uma
eleição. Aqui, incorretamente discriminamos que algumas pessoas são más e merecem
ser punidas e que as coisas andem mal para eles, enquanto que outras, particularmente
nós mesmos, deveriam ter tudo indo bem.
Intenção Correta
Conclusão
Tipos de Budismo
Dr. Alexander Berzin
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Theravada
Mahayana Tibetano
Conclusão
Breve História
Conclusão
Sri Lanka
O Sri Lanka tem sido um centro de aprendizado budista desde que o
budismo foi introduzido no país no século II A.C por Mahendra, filho do
imperador indiano Ashoka.
Theravada. Após 30 anos de guerra civil, o Sri Lanka está passando por
uma ascensão do nacionalismo budista, com algumas organizações, como
a Bodu Bala Sena (Força do Poder budista), promovendo revoltas
antimuçulmanas e ataques a líderes budistas moderados.
Myanmar (Birmânia)
Pesquisas históricas mostram que o budismo tem uma história de mais de
2000 anos na Birmânia, onde aproximadamente 85% da população se
identifica como budista.
Bangladesh
Obudismo era a religião predominante na região até o século XI. Hoje em
dia, menos de 1% da população é budista e está concentrada na área das
montanhas de Chittagong, perto da Birmânia.
Laos
O budismo chegou ao Laos durante o século VII e atualmente 90% da
população professa a crença budista misturada com o animismo.
Camboja
O budismo Theravada é a religião oficial do país desde o século XIII e 95%
da população ainda é budista.
Durante os anos 1970, o Khmer Rouge tentou, e quase conseguiu, destruir
o budismo; em 1979 quase todos os monges haviam sido assassinados ou
exilados, e todos os templos e bibliotecas destruídos.
Vietnam
O budismo chegou ao Vietnam há 2000 anos, primeiro através da Índia e
depois, principalmente, pela China. Entretanto, começou a perder seu
prestígio entre as classes dominantes no século XV.
Coreia do Sul
O budismo chegou à península coreana no século III, vindo da China. Na
Coreia do Sul ainda é relativamente forte, apesar do número crescente de
ataques de organizações Cristãs Fundamentalistas. Na última década,
presenciou-se a destruição e danificação de um grande número de
templos por incêndios iniciados por tais grupos. 23% da população é
budista.
Japão
O budismo chegou ao Japão no século V, vindo da Coreia, e desde então
teve um papel proeminente na sociedade e cultura japonesas. Desde o
século XIII existe a tradição de sacerdotes casados e nenhuma proibição
de álcool, e esses sacerdotes foram gradualmente substituindo os monges
celibatários. Historicamente, algumas tradições são extremamente
nacionalistas, acreditando que o Japão seja um paraíso budista. Na era
moderna, alguns cultos apocalípticos intitulam-se budistas, apesar de não
terem quase nada a ver com os ensinamentos do Buda Shakyamuni.
Cerca de 40% da população japonesa identifica-se como budista, sendo
que a maioria mistura crenças budistas com as da religião original do
país, o shintoísmo. Nascimentos e casamentos são celebrados conforme
os costumes do shintoísmo, enquanto as práticas funerárias são
realizadas por sacerdotes budistas.
Turquestão do Leste
A maioria dos monastérios dos Mongóis Calmucos que vivem no
Turquestão do Leste (Xinjiang) foram destruídos durante a Revolução
Cultural. Muitos já foram reconstruídos, mas existe uma falta de
professores ainda maior do que no Tibete. Os jovens monges sentem-se
muito desencorajados pela falta de estrutura para estudarem e acabam
deixando a região.
Mongólia Interior
A pior situação para os seguidores do budismo tibetano sob controle da
República Popular da China é na Mongólia Interior. A maior parte dos
monastérios da metade oeste foram destruídos durante a Revolução
Cultural. Na parte leste, que anteriormente fazia parte da Manchúria, eles
já haviam sido destruídos pelas tropas de Stalin no final da Segunda
Guerra Mundial, quando os russos ajudaram a libertar o norte da China
do controle dos japoneses. Dos 700 monastérios, só restaram 27.
Mongólia
Na Mongólia havia milhares de monastérios, mas foram parcial ou
totalmente destruídos em 1937 sob o comando de Stalin. Em 1946
reabriram um monastério em Ulaan Baatar e na década de 1970 abriram
uma faculdade para o treinamento de monges. Entretanto, o currículo de
cinco anos foi altamente resumido e foi dada uma forte ênfase ao estudo
do marxismo. Os monges foram autorizados a realizar apenas um
pequeno número de rituais para a população.
Desde a queda do comunismo em 1990, houve um forte renascimento do
budismo com a ajuda dos tibetanos em exílio. Muitos novos monges
foram mandados para a Índia para treinamento, e mais de 200
monastérios foram reconstruídos em escala moderada.
Tibetanos no Exílio
Entre as tradições tibetanas da Ásia Central, a mais forte está com a
comunidade de refugiados tibetanos que cerca Sua Santidade o Dalai
Lama — exilado na Índia desde a 1959, quando se deu a revolta popular
tibetana contra a ocupação militar chinesa.
Nepal
Apesar da maioria da população nepalesa ser hindu, a influência cultural
budista ainda é evidente no país onde nasceu o Buda. Grupos étnicos
como os Newars, Gurungs e Tamangs praticam o tradicional budismo
nepalês. Os budistas representam 9% da população.
Seguindo uma mistura de budismo com hinduísmo, o Nepal é a única
sociedade budista que mantém distinção de casta dentro dos
monastérios. Nos últimos 500 anos observou-se o surgimento de monges
casados, e uma casta hereditária que tornou-se guardiã de templos e líder
de rituais.
Rússia
Buriácia, Tuva e Calmúquia são tradicionalmente as três regiões que
seguem o budismo tibetano na Rússia. Todos os monastérios dessas áreas
foram totalmente destruídos por Stalin no final dos anos 1930, exceto
três deles na Buriácia, que só foram danificados. Na década de 1940 Stalin
reabriu dois monastérios simbólicos na Buriácia, sob rigorosa vigilância
da KGB; os monges não podiam usar suas vestes tradicionais e
colocavam-nas apenas como uniformes durante o dia para realizar
rituais.
Assim como existem bilhões de pessoas nesse planeta, também existem bilhões de
predisposições e inclinações diferentes. Do ponto de vista budista, é necessário uma vasta
gama de religiões para satisfazer as várias necessidades das diferentes pessoas. O Budismo
reconhece que todas as religiões compartilham o mesmo objetivo de trabalhar para o bem-
estar da humanidade. Com isso, budistas e cristãos estabeleceram programas de intercâmbio
para aprender uns com os outros, em um clima de cooperação e respeito mútuos.
Já que nem todos têm as mesmas inclinações e interesses, o Buda ensinou vários
métodos para diferentes pessoas. Tendo isso em mente, Sua Santidade o Dalai
Lama disse que é maravilhoso que existam tantas religiões diferentes no mundo.
Assim como uma comida não é atraente para todos, também uma religião ou um
grupo de crenças não irá satisfazer as necessidades de todos. Deste modo, é
extremamente benéfico que uma variedade de diferentes religiões estejam
disponíveis para serem escolhidas. Ele as acolhe e se alegra com isso.
Resumo
Livrar-nos da Confusão
Meditação
Também precisamos evitar o outro extremo, que é por muita ênfase nos
nossos lados positivos. “Nós somos completamente perfeitos. Nós somos
todos budas. Tudo é maravilhoso.” Isso é muito perigoso, pois pode
implicar que não precisamos desistir de nada, não precisamos parar
nenhuma negatividade, pois tudo que precisamos fazer é ver nossas
qualidades básicas boas. “Eu sou maravilhoso. Eu sou perfeito. Eu não
preciso parar meu comportamento negativo. Já sou um buda!”
Precisamos de equilíbrio. Se nos sentirmos muito para baixo, precisamos
nos lembrar de nossas habilidades de sobrepujar nossos defeitos e nos
tornar budas; se estivermos blasé demais, devemos dar ênfase aos nossos
lados negativos.
Assumindo a Responsabilidade
Recebendo Inspiração
O caminho budista não é fácil. Diz respeito a lidar com a feiúra da vida.
Precisamos de algum tipo de força para continuar; precisamos de fontes
estáveis da inspiração. Se nossa fonte de inspiração são professores
contando estórias de milagres fantásticos e coisas do gênero, sobre eles
mesmos ou sobre outros na história do budismo, não será uma fonte de
inspiração muito estável. Certamente pode ser muito emocionante, mas
temos que examinar como isto nos está afetando. Em muitas pessoas, isso
reforça um mundo de fantasia no qual estamos desejando ser salvos por
milagres. Imaginamos que algum grande mágico vai nos salvar com seus
poderes milagrosos ou que vamos de repente desenvolver a capacidade
de operar milagres. Temos que ser muito cautelosos a respeito destas
estórias fantásticas. Podem inspirar nossa fé e assim por diante, e isso
pode ser útil, mas não é uma base estável da inspiração. Precisamos de
uma base estável.
Sendo Práticos
Conclusão
Os leigos não tinham realmente muita oportunidade para estudar o budismo, mas
recitavam mantras e circum-ambulavam objetos sagrados. Sustentavam os
monastérios em termos materiais e talvez recebessem algumas iniciações de longa
vida, pediam aos monges para ir às suas casas para realizar alguns rituais e coisas
assim. Todos aceitavam o fato de que se a pessoa realmente quisesse estudar, ela
tinha que se dedicar em tempo integral e se tornar monge ou monja.
Aqui no ocidente não temos na verdade dessas coisas. A maioria de nós não
acredita em renascimento ou karma, ou se dizemos que acreditamos em karma,
freqüentemente confundimos o karma com destino, o que não está certo de
maneira algum. E quando pensamos em Buda o equacionamos com Deus e outras
figuras búdicas transformam-se em santos, a quem são oferecidas orações e velas
como se fossem ícones da igreja.
Certamente, a maioria de nós não quer tornar-se monge ou monja. De fato, as
pessoas no ocidente não parecem ter um grande respeito por ocidentais que se
tornam monges e monjas, o que realmente é uma pena.
Como leigos, esperamos ser capazes de ter um foco maior no estudo, na prática e
nos ensinamentos, mas a realidade é que não temos tempo. Temos trabalho ou
escola, famílias e vida social. Chegamos em casa depois do trabalho, talvez depois
de passar por um enorme trânsito e estamos cansados. Mesmo se quisermos
aprender, e talvez fossemos a uma palestra à noite, estamos tão cansados que
adormecemos. E talvez consigamos ter uma noite, quiçá no máximo duas noites
por semana, mas não mais que isso. Então, realmente, isso é um problema.
Inicialmente muitas pessoas são atraídas pelo budismo por razões não muito
conducentes ao progresso. Algumas pessoas pensam que está na moda, a última
onda. Claro que modas mudam todo o tempo, portanto esta não é uma razão
sustentável para buscar o budismo. Outras pessoas chegam ao budismo porque são
atraídas por coisas exóticas, talvez tenham lido que tibetanos fazem furos nas
testas das pessoas para abrir o terceiro olho e assim por diante.
Mas mesmo quando temos esses tipos de motivação no início, a motivação pode
mudar. Muitos de nós chegam apenas por curiosidade ou talvez uma conexão
kármica que nos impulsiona inconscientemente.
Aí, Aryadeva disse que precisamos ter bom senso. Precisamos ser capazes de ver o
que nos ensinamentos é razoável e o que não é. O exemplo tradicional que é dado
diz que se você ler em um texto que precisa vestir roupa quente, e em outro texto
que você precisa vestir roupa bem leve, use o bom senso. Compreenda que no
inverno você usa roupa quente e no verão você usa roupa leve.
O budismo tem como intenção nos ajudar a pensar por nós mesmos. Não temos a
mentalidade do exército no budismo na qual o professor nos diz o que fazer e nós
dizemos “Sim, senhor!” e não questionamos nada. Esta não é a maneira budista de
ser. Podemos ler sobre as qualificações de um professor espiritual e como eles
devem ensinar e agir, e se virmos eles irem contra isto, usamos o bom senso que
nos diz que há algo de errado aqui. E você pergunta e investiga o que está
acontecendo.
Mesmo se nós ocidentais não consigamos dar todo o tempo para a prática do
budismo ao nos tornar monges ou monjas, e mesmo se tivermos que lidar com as
realidades do trabalho, da escola, da família, do trânsito, e assim por diante, ainda
assim, se tivermos estes três pontos que os grandes mestres indianos e tibetanos
mencionaram, poderemos nos beneficiar muito com os ensinamentos de Buda.
De certa forma, a maneira que fazemos perguntas no ocidente não é tão útil para o
desenvolvimento pessoal. Esperamos fazer apenas uma pergunta e receber a
resposta e era isso. Este não é o método budista, que é deixar os estudantes
descobrirem por si sós, para que desenvolvam realmente suas próprias mentes.
Naturalmente isto é difícil em um mundo onde queremos uma resposta imediata
após ter digitado uma pergunta em um motor de busca, mas o estilo budista
tibetano tradicional é muito diferente.
Entretanto, os debates são muito enérgicos e divertidos. E quando alguém diz algo
errado então todos riem, é um grande exercício para começar a ultrapassar um
grande ego. Tanto debate acontece que todos terminam por dizer algo estúpido e
recebendo risos e ninguém se importa. No ocidente, se todos na aula começassem a
rir quando dissemos algo incorreto ou estúpido, reforçaria muito provavelmente a
baixo-estima. Parece, frequentemente, que muitos ocidentais sofrem de baixa auto-
estima, enquanto que parece muito raro para os tibetanos. Realmente, às vezes
parece que eles tem uma auto-estima um pouco elevada! Assim, para os tibetanos,
que são um povo de montanha orgulhoso que sempre pensa: “Eu estou correto,” os
debates com todos rindo realmente ajudam a trazê-los para baixo.
Deixando Nossa Bagagem Cultural para Trás
Não é útil pensar que é realmente difícil vir deste ou daquele contexto ou religião
ou cultura. O ponto principal é estar cientes de determinadas maneiras de pensar
que somente são limitadas culturalmente,vindo de uma cultura ou religião, e não
as projetar no budismo.
É sempre sábio manter nossos pés no chão quando tratarmos do budismo. Mesmo
quando algumas das figuras que você possa ver quando estuda o budismo tibetano
pareçam muito estranhas a nós, aquilo não significa que são ocultas e estranhas;
são simplesmente diferentes. Eu estava traduzindo uma vez para Serkong
Rinpoche, que explicava a aritmética tibetana, que é um bocado diferente da
maneira que fazemos no ocidente. Eu observei: “Uau, isto é realmente estranho,” e
ele me repreendeu, dizendo: "Não seja assim arrogante. Não é estranho; é
diferente. Chamá-la de estranha é somente um sinal de arrogância.”
Superando o Desânimo
Quando as coisas não vão bem, que esperamos? Nunca será um paraíso. Não há
nenhum jeito que nossa prática budista seja linear e somente fique cada vez
melhor até que vivamos felizes para sempre, como em um conto de fadas. Mesmo
após muitos, muitos anos, ficamos tristes sobre algumas coisas. O ponto principal
aqui é não ficar desanimados.
Não importa se você for um praticante leigo ou um monge ou monja, fato é que não
podemos esperar resultados imediatos, nem mesmo se praticássemos 24 horas por
dia. Nosso egoísmo e outros hábitos negativos são realmente fortes, mas podemos
ainda trabalhar neles pouco a pouco. Como o grande mestre indiano Shantideva
disse: “O tempo em que minhas emoções perturbadoras podiam me derrotar
acabou. Agora vou me livrar delas e não irei desistir.”
O Dalai Lama diz que não devemos ver em termos de prática em curto prazo, para
ver se fizemos progresso. Devemos olhar os últimos cinco anos, se estivermos
praticando por este período, para ver que, sim, dia após dia houve altos e baixos,
mas após todo esse tempo houve algum progresso na forma como tratamos nossos
problemas e tristezas e raiva e assim por diante? Se você for capaz de lidar com as
dificuldades da vida mais calmamente, teve algum progresso.
Mas este pequeno progresso não deve ser o bastante. Não devemos ficar
satisfeitos. Se pensarmos sobre a vasta natureza da mente, confiamos que é
possível começar a se livrar da sucata que causa todos nossos problemas. Temos
exemplos vivos deste, tais como o Dalai Lama, e muitos outros que podem nos
inspirar através de seus exemplos do que é possível alcançar. Iluminados ou não,
por que como podemos saber? Podemos apenas ver a maneira que tratam as
dificuldades da vida. Imagine o Dalai Lama, com os milhões de pessoas na China e
em outras partes que o consideram o pior bandido do mundo, no entanto isto não
o incomoda de forma alguma. Mas para a maioria de nós, se uma pessoa pensar
que somos terríveis, ficamos tão tristes que quase não conseguimos aguentar!
Mesmo se nunca nos encontrarmos com ele ou vimos o Dalai Lama pessoalmente,
podemos ler e assistir vídeos sobre ele. São inspiradores demais e é esta inspiração
que nos mantem indo quando os tempos são difíceis e experimentamos fases ruins
dentro dos altos e baixos da vida.
Transformação Interna sem Fantasia
Sendo Humildes
É uma linha tênue entre ser arrogante de um lado e, do outro, ser totalmente
desencorajado. É tão fácil pensar que não temos tempo ou habilidade e
simplesmente desistir. Estes dois extremos são importantes serem evitados e
apenas fazer o nosso melhor.
Conclusão
Mudou Muito?
Então você poderia dizer que nossa sociedade e cultura não compartilha
nenhuma, ou, pelo menos, não compartilha a maioria das pressuposições
fundamentais presentes no Budismo. E, portanto, o Budismo é realmente
estranho à nossa cultura. Mas podemos observar a transmissão do
Budismo na China como um exemplo, pois os chineses não acreditavam
em renascimento. Pensavam que as pessoas morriam e transformavam-se
em um tipo de espírito ou alma, e então adoravam esses antepassados.
Isso é muito diferente de renascimento, que seria dizer que os
antepassados já não estão mais por perto. Por isso, demorou bastante
para os chineses entenderem muitos destes conceitos fundamentais e
básicos do Budismo. Se enfrentamos agora um desafio similar, temos que
entender que não é nada novo.
Essa compreensão, de que não somos “especiais,” pode ser muito útil.
Pense nos adolescentes ou pessoas que têm um determinado problema,
sejam seus pais alcoólatras ou o que for. Essas pessoas frequentemente
pensam que são as únicos com esse problema, o que o torna realmente
enorme para eles. Se tomassem conhecimento de que existem muitas
outras pessoas com o mesmo problema, não se sentiriam sozinhas, e o
problema se enquadraria em um contexto maior. Isso lhes daria uma
perspectiva diferente, que idealmente as conduziria a desenvolver
compaixão por aqueles que têm um problema similar, ao invés de
pensarem somente em "eu, eu, eu".
O Excesso de Opções
O Budismo Moderno
No começo, muitas pessoas são atraídas pelo nível superficial, e por isso
cuidam da parte externa. O que eu quero dizer é que elas arranjaram um
cordão vermelho para enrolar em volta do pescoço ou pulso, ou ambos!
Utilizam um mala, um rosário de contas, e às vezes, usam-no enquanto
balbuciam algo. Têm um bom estoque de incensos e velas, e todas as
almofadas apropriadas para meditação, pinturas tibetanas e retratos, e
eventualmente começam até a usar algum tipo de roupa tibetana.
Sentam-se solenemente neste set quase hollywoodiano, mas não fazem
ideia do que fazer.
Eu me lembro quando fui pela primeira vez à Índia, em 1969. Era o auge
da era hippie e havia pouquíssimos ocidentais lá naquele tempo. Mas
muitos usavam túnicas e trajes típicos tibetanos, e me lembro de ter sido
bastante crítico nesse caso. Eu pensei que era um pouco ofensivo com os
tibetanos: esses ocidentais estavam apenas simulando e copiando. Então
perguntei ao monge tibetano com quem eu estava morando o que ele
achava dos ocidentais que caminhavam por lá vestindo roupas tibetanas.
Ele respondeu com um comentário muito útil: "Achamos que eles gostam
de roupas tibetanas." Não havia nenhum tipo de crítica ou julgamento
nesta resposta.
Transformação Pessoal
Valorizando os Ensinamentos
Ser budista, entretanto, não significa somente ser uma pessoa amável,
mas naturalmente temos que ser uma pessoa amável, isso é a base, e não
é de modo algum exclusividade dos ensinamentos do Buda. Você não
necessita nem mesmo ser religioso para saber que é importante ser uma
pessoa amável. Portanto, é claro que em nossa vida diária devemos tentar
ajudar aos outros. Se não pudermos ajudar, o mínimo que podemos fazer
é não ferir; este é o mínimo básico. Se quisermos dizer que essa é nossa
prática budista, muito bem. Mas temos que compreender que é uma
versão muito leve do Budismo.
Tudo isso é o que sua Santidade o Dalai Lama refere-se como sendo
“valores humanos básicos,” valores que não são baseados em nenhuma
filosofia ou religião em particular. Necessitamos aplicá-los não apenas
com desconhecidos, apesar de ser bem mais fácil porque os vemos apenas
por alguns minutos e não precisamos lidar com eles mais tarde. O
verdadeiro desafio é aplicar esses valores quando estamos com membros
de nossa família ou pessoas com as quais vivemos e trabalhamos. Não
devemos ignorar aqueles que estão mais próximos de nós.
Essa direção em nossa vida é algo que necessita ser internalizado muito
profundamente. Isso é o que realmente nos torna budistas. Somente ser
uma pessoa legal não o torna budista. É necessário que tenhamos total
convicção de que é possível conseguir o que estamos tentando atingir. Se
não pensarmos que é possível superar nossas deficiências e compreender
nossos potenciais positivos, por que tentar atingir uma fantasia?
Como budistas, isso faz parte de nosso trabalho. Esses pontos são muito
importantes e ajudam na direção que estamos indo, tornando-a estável.
Assim, começamos o dia reafirmando essa intenção. Terminamos o dia
com uma dedicação e uma revisão do que fizemos durante o dia, de como
nós agimos. Se nos irritamos ou algo do gênero, admitimos, nos
arrependemos e purificamos. E dedicamos todas as nossas ações
positivas para a realização dos objetivos positivos que temos. O grande
mestre tibetano, Tsongkhapa, disse que precisamos carregar nossa
intenção durante o dia inteiro, não apenas no início e no fim. Isto significa
que necessitamos nos lembrar dela durante o dia.
O mestre vietnamita contemporâneo Thich Nhat Hanh tem um método
encantador para isso. Ele tem um “sino da presença mental” que soa
durante horas aleatórias durante o dia. Todos param por alguns
momentos para trazer novamente sua intenção à mente. Um de meus
estudantes programou seu telefone para tocar várias vezes durante o dia.
Assim, há vários métodos que podemos usar para nos ajudar a recordar
nossa motivação, se não for algo que nos vier automaticamente.
No fim do dia, revemos o que fizemos. Não há motivo para sentir culpa se
não fomos capazes de viver de acordo com nossa boa intenção, porque
recordamos que a característica básica da vida é que ela tem altos e
baixos. O progresso nunca é linear. Não importa quão intensamente
tentamos, certos dias serão bons e alguns serão maus. Assim, quando
tivermos errado ou feito algo prejudicial, reconhecemos e decidimos
tentar nosso melhor para evitar repetir.
Todos estes altos e baixos irão acontecer até que nos tornemos seres
livres. Esse é um longo caminho. Até então, vamos ter ganância, raiva e
tudo mais. Isto é bastante sério! A atitude que é a mais útil em toda essa
situação é a "equanimidade". Quando estamos cansados, fazemos uma
pausa. E tudo bem, sem problemas. Quando queremos continuar,
continuamos. E tudo bem também, sem problemas. Temos que evitar os
dois extremos de sermos realmente duros conosco ou de tratar-nos como
um bebê. Simplesmente vamos adiante, não importa o que for. Chamamos
isso de "perseverança como uma armadura". Ela protege você em
qualquer situação.
Minha cozinha é o único cômodo na casa que não fica de frente para a rua,
assim, coloquei o meu colchão lá. Durmo no chão da cozinha o verão
inteiro. É tranquilo e confortável. E estou muito feliz e dou a vitória aos
outros. Essa é uma aplicação prática desse ensinamento. Não há
realmente nenhum problema em dormir na cozinha.
Essas são algumas das práticas diárias dos budistas no Ocidente. Como eu
disse, para obtermos resultados precisamos trabalhar duro, e não é
barato.
Algumas pessoas são mais intelectuais, algumas são mais emocionais e outras são devocionais.
Qualquer que seja a nossa propensão, se quisermos tirar o maior proveito possível das práticas
budistas, precisamos equilibrar todas as três abordagens.
Três Abordagens
1. intelectual
2. emocional
3. devocional.
Cada uma das três abordagens pode ser madura ou imatura, sob o ponto
de vista do Dharma.
Intelectual
Emocional
Devocional
Numa maneira madura ou imatura, talvez tenhamos cada uma das três
abordagens para com os nossos professores espirituais.
Principais Características da
Meditação
A prática da meditação é encontrada em várias tradições espirituais, não apenas no
budismo. Mas enquanto muitos aspectos da meditação estão presentes em todas as
tradições indianas, aqui vamos limitar nossa discussão ao modo como a meditação
é apresentada no budismo.
O Que É Meditação
Ouvindo os Ensinamentos
Hoje em dia, claro, podemos ler sobre vários ensinamentos – não precisamos
efetivamente ouvir alguém nos ensinar em pessoa – mas o princípio por traz disso
é bastante relevante. Antigamente, tudo precisava ser memorizado e o ouvinte
tinha que ter a certeza de que o que alguém estava recitando era preciso. A pessoa
recitando o ensinamento de memória poderia não se recordar corretamente.
Alguns erros poderiam ser introduzidos e isso poderia ser um problema.
Consciência Discriminativa
Ao ouvirmos os ensinamentos precisamos desenvolver o que chamamos
“consciência discriminativa que surge do ouvir” (thos-byung shes-rab). O termo
tibetano “sherab” (shes-rab, Skt. prajna) é frequentemente traduzido como
“sabedoria”, mas usar a palavra “sabedoria” é muito vago; não tem um significado
preciso. Se um grupo de pessoas ouve a palavra “sabedoria”, cada uma terá uma
ideia diferente sobre o que efetivamente significa, portanto a palavra “sabedoria”
não nos ajuda a entender o termo “sherab” com precisão. Por isso é que eu prefiro
traduzir “sherab” como “consciência discriminativa”.
Deixe-me ilustrar esse ponto. Vamos supor que estejamos estudando sobre karma
com um determinado professor. Para não nos confundirmos sobre o que estamos
aprendendo, precisamos isolar a explicação do professor das encontradas em os
outros sistemas que não o que o professor está ensinando. Por exemplo,
precisamos saber que estamos aprendendo a interpretação budista, e não a Hindu.
Dentro das explicações budistas, estamos estudando a que vem da tradição indiana
sanscrita, não da tradição Theravada pali. Dentro das tradições indianas sanscritas,
estamos estudando o ponto de vista Vaibhashika, não o ponto de vista Chittamatra.
E ainda, estamos aprendendo a explicação Gelug da apresentação Vaibhashika e
não a explicação Kagyu. Precisamos saber precisamente o contexto, porque
explicações diferentes de karma variam bastante dependendo do contexto
filosófico. Se tentarmos encaixar a explicação Gelug de um tópico do Dharma no
sistema Kagyu, ficaremos muito confusos. E se tentarmos misturar todas as
explicações em uma grande sopa, ficaremos ainda mais confusos.
Uma vez que tenhamos a consciência discriminativa que surge com o ouvir,
estamos prontos para o passo seguinte.
Se a ênfase for em “essas palavras”, então “Eu entendo que você disse essas
palavras” pode ter um significado diferente: “Eu entendi cada uma das palavras
que você falou. Posso não compreender totalmente o significado mais profundo
dessas palavras e frases – esse é um outro processo; mas eu entendi corretamente
que você disse essas palavras e essa frase e essa sentença”. Precisamos ter certeza
que ouvimos com precisão o que foi dito. Podemos verificar com outras pessoas
para nos certificar que elas ouviram as mesmas palavras que nós. Se houver uma
gravação, podemos ouvi-la. Se a voz do palestrante e a gravação forem claras,
teremos confiança de que ouvimos as palavras corretamente. Se não estiverem
muito claras, podemos verificar com outras pessoas para que elas nos ajudem, para
descobrir o que elas ouviram e comparar com o que nós ouvimos. Isso é muito
importante quando contamos com gravações dos ensinamentos. Portanto, usando
a consciência discriminativa que vem com o ouvir, estabelecemos que
compreendemos corretamente e decisivamente as palavras.
Você pode pensar em exemplos com algo que você comprou e que eventualmente
quebrou ou falhou; como, por exemplo, o carro novo que você comprou e um dia
quebrou, a flor que murchou ou a fruta que cresceu e depois apodreceu. Não há
exceções à regra. Não existem exemplos de algo que foi produzido ou
manufaturado que nunca quebrou e durou para sempre. Se foi criado – o que
significa que não existia antes – um dia vai acabar. Por quê? Porque algo novo só
pode surgir na dependência de prévias causas e condições. Mas imediatamente
após alguma coisa surgir, as causas e condições que suportaram o surgimento
inicial já mudaram. Elas mudaram porque também surgiram na dependência de
outros fatores causais. Por isso, não estão mais presentes para suportar o
surgimento contínuo desse item nos momentos subsequentes. Em outras palavras,
quando as causas e condições para o surgimento de algo não estão mais presentes,
qualquer coisa que tenha surgido na dependência desses fatores irá se desfazer.
Isso porque faltam os fatores que suportam sua existência contínua no mesmo
estado em que primeiro surgiu. Seu estado mudará porque será afetado por outras
causas e condições.
Focando em um Objeto
O primeiro tipo de meditação está relacionado ao foco em um objeto. Podemos
focar em qualquer tipo de objeto. O que estamos tentando desenvolver é
concentração em um objeto. Quer estejamos focando nas sensações do ar entrando
e saindo durante a respiração, na visualização de um Buda ou na natureza da
mente, tudo isso é focar em um objeto. Inclusive esses são os três objetos mais
comumente utilizados para desenvolvermos concentração.
Outro exemplo útil: Você tem uma amizade ou relacionamento com uma pessoa e
ela não te liga ou visita e você fica muito chateado. Nesse exemplo você precisa
entender e se convencer totalmente do fato de que “Não sou a única pessoa na vida
do meu amigo. Existem outras pessoas em sua vida além de mim. Portanto, não faz
o mínimo sentido esperar que ele dedique seu tempo exclusivamente a mim e a
mais ninguém”. Aqui você está desafiando uma projecção fantasiosa de algo
impossível: “Eu sou a única pessoa na vida do meu amigo”. E então, quando estiver
chateado porque seu amigo não está lhe dando atenção, você tenta focar nele com
esse discernimento: “Ele tem outras pessoas e outras coisas em sua vida além de
mim”.
Postura
Direcionando o Olhar
No que diz respeito aos olhos, algumas meditações são feitas com os olhos
fechados, algumas com os olhos abertos, algumas olhando para baixo,
algumas olhando para cima; depende da meditação. Em geral os tibetanos
desencorajam meditar com os olhos fechados. Além do fato de ser muito
mais fácil adormecer quando temos os olhos fechados, também tende a
criar um obstáculo mental em que você sente que para meditar precisa
fechar os olhos. Se você sente que é preciso ter os olhos fechados para
meditar, torna-se mais difícil integrar o que você desenvolve na
meditação com a vida real. Por exemplo, se estou falando com alguém e
para gerar um sentimento amoroso preciso fechar os olhos, isso é
estranho. Portanto, na tradição tibetana, mantemos os olhos
semiabertos,ligeiramente desfocados, olhando para o chão.
A Almofada
Para a maioria das pessoas a melhor hora para meditar é logo ao acordar
ou antes de dormir, pois estamos menos distraídos com as atividades
diárias. Algumas pessoas se sentem mais acordadas de manhã e outras à
noite. Você seconhece e a seu estilo de vida melhor do que ninguém,
então você é quem deve determinar qual o melhor horário para meditar.
O que nunca é recomendado é meditar quando estiver sonolento. Se
estiver com sono à noite, mas tentar meditar antes de ir para cama, pode
adormecer no meio da meditação, o que não ajuda em nada. E da mesma
forma de manhã cedo: se ainda estiver meio dormindo sua meditação não
será muito eficaz. Portanto, julgue por você mesmo o que funciona
melhor. Não tem problema tomar um café ou chá antes de meditar pela
manhã, mas os tibetanos não tem esse hábito.
Estabelecendo a Intenção
(2) Oferendas
O segundo passo é fazer oferendas, que também é uma forma de
demonstrar respeito.
(4) Regozijar-se
O quarto passo é regozijar-se nas coisas positivas que nós e os outros
fizemos, para que tenhamos uma atitude mais positiva em relação a nós
mesmos e aos outros.
Conclusão
Um ego que não é saudável, que identifica-se com um “eu” concreto e falso,
pode se inchar ou desenvolver baixa autoestima. Aproximar-se do budismo
com o ego inchado ou baixa autoestima, pode trazer muitos obstáculos à
prática. Entretanto, se aplicarmos os métodos apropriados do Dharma,
podemos superar esse problema e, com um ego saudável, praticar de forma
mais realista.
Existem vários sintomas que são típicos dessa síndrome. Por exemplo,
sermos rígidos e inflexíveis na nossa prática. Ou tornarmos muito longa a
nossa prática diária, de modo que ela se torna um peso sem alegria.
Precisamos de nos lembrar que um dos suportes para a perseverança
alegre é sabermos quando relaxar e fazer um intervalo – e não nos
sentirmos culpados por isso. Se fizermos demasiado esforço, acabaremos
por desenvolver aquilo a que os tibetanos chamam de “lung” (constrição
da energia nos nossos corpos), e isso é contraproducente. Outro sintoma
é sermos intolerantes a maneiras e estilos diferentes de prática. Para
evitarmos isto, precisamos de reconhecer que, com meios hábeis, Buda
ensinou muitos estilos diferentes para se ajustarem a diferentes pessoas.
Se os rejeitarmos e os difamarmos, estaremos abandonando o Dharma.
Conclusão
Existem muitos níveis de alunos e professores espirituais. Quando potenciais alunos imaginam
que eles, ou seus professores, estão em um nível de qualificação muito maior do que o real,
isso pode gerar muita confusão. O mesmo acontece quando os alunos vêem o professor como
um terapeuta. Quando, através da introspecção sincera e análise realista, esclarecemos o nível
em que cada um se encontra, podemos finalmente desenvolver uma relação saudável de
aluno-professor.
Conclusão
Em suma, assim como nem todos que ensinam em um centro budista são
autênticos mentores espirituais, nem todo que estudam no centro são
autênticos discípulos espirituais. Precisamos usar os temos mentor e
discípulo com precisão. Isso requer honestidade espiritual e não ter
pretensões.
Equívocos Comuns sobre o Budismo
Dr. Alexander Berzin
É um equívoco achar que o budismo diz que há algo errado em ser feliz.
Mas a forma comum de felicidade tem seus defeitos — ela nunca dura,
nunca é satisfatória e, quando acaba, queremos sempre mais. Se
ganharmos uma quantidade demasiada de algo que gostamos, como
nossa comida favorita, ficamos cansados e infelizes se tivermos que
comer mais. Portanto, o budismo nos ensina a lutar por uma felicidade
que não possui essas situações insatisfatórias. Isso não significa que o
objetivo principal é não sentirmos nada. Significa que existem diversos
tipos de felicidade, e a que normalmente experimentamos, apenas de não
ser infelicidade, não é a maior ou melhor felicidade que podemos
experimentar.
A vacuidade não tem nada a ver como isso. Nós projetamos na realidade
todo tipo de forma impossível de existência — como, por exemplo, uma
existência isolada e independente de qualquer coisa. Não temos
consciência de que todas as coisas estão inter-relacionadas e dependem
umas das outras para existir, de forma holística, orgânica. Nossa confusão
habitual sobre isso é a causa para que nossa mente faça as coisas
parecerem existir de uma forma que é impossível, como esse website que
parece existir assim, por si só, independente das dezenas de milhares de
horas de trabalho de mais de uma centena de pessoas. Essa forma
impossível de existência não corresponde a nada que seja real. A
vacuidade é a absoluta ausência de uma referência para nossas projeção
de formas impossíveis de existência. Nada existe por si só; mas isso não
significa que nada existe.
Equívocos sobre a Ética e os Votos
Achar Que a Ética Budista Está Baseada em Julgamentos Morais de Bom e Mau
Em termos de ética, acho que neste caso e em muitos casos, o equívoco
pode muitas vezes surgir por causa de termos de traduções. Muitas vezes,
projetamos conceitos não-budistas nos ensinamentos. Por exemplo,
usamos certos termos que têm uma conotação bíblica, como as palavras
virtuoso, não-virtuoso, mérito, e pecado. Palavras como essas projetam
nos ensinamentos sobre ética budista a ideia do julgamento moral e da
culpa: que algumas coisas são virtuosas, o que quer dizer boas e
apropriadas, e seremos boas pessoas se fizermos isso. E desenvolvemos
méritos, como um tipo de recompensa. Mas se agirmos de uma forma
não-virtuosa, de um modo “não sagrado”, somos maus e acumularemos
pecados, pelos quais sofreremos. Essa é claramente uma projeção da ética
bíblica sobre a ética budista.
O ponto é que, se você fizer um voto, você faz o voto completo. Você não
faz um voto parcial. Se não pudermos manter todos os detalhes do voto
ou de nenhum voto específico, como está especificado no texto, então não
façamos o voto. Não há obrigação de fazer o voto.
Achar Que o Karma Não Faz Sentido, Por Limitar a Existência a Apenas uma
Vida
Por não aceitarmos o renascimento e esses outros estados de existência,
achamos que o karma descreve meramente as consequências de nossas
ações que acontecerão nesta vida; isso causa muitos problemas. Essas
limitações geram muitas dúvidas a respeito dos ensinamentos sobre
karma. Afinal, existem grandes criminosos que parecem conseguir
escapar da punição de seus crimes. E coisas horríveis podem acontecer
em nossas vidas, como morrer de cancer, sem que nunca tenhamos feito
nada de extraordinariamente destrutivo. O karma não parece fazer
sentido algum se limitarmos nossa discussão e nossa visão a apenas esta
vida.
Equívocos sobre o Dharma
Extraindo as Partes Que Não Gostamos do Budismo
Tudo isso salienta um problema bem maior, um equívoco bem maior
sobre o Dharma, que é achar que podemos escolher entre os
ensinamentos apenas aqueles que gostamos, e podemos descartar ou
ignorar aquilo que temos dificuldade em aceitar: o assim chamado
budismo “higienizado”. Extraímos ou limpamos tudo o que é difícil.
Esses são alguns dos equívocos que podem surgir em termos de ética,
karma, e assim por diante. Tenho certeza de que há muitos, muitos mais.
Esses são apenas aqueles que me vieram à mente e nos quais eu estava
pensando hoje.
Todo Professor Que Vem para o Ocidente Precisa Estabelecer Seu Próprio
Centro de Dharma ou Organização
O que ainda é mais confuso é que cada professor que vem parece querer
estabelecer seu próprio centro de Dharma e sua própria organização, o
que é um grande erro, eu acho, pois isso se torna insustentável. Não se
pode sustentar quatrocentos diferentes tipos de budismo
indefinidamente no futuro, e fica muito confuso para os novos alunos. E
trata-se de um grande dreno financeiro e um peso dar suporte a todos
esses locais com seus altares e suas livrarias, pagando aluguel, e assim
por diante. No Tibete, embora muitos professores tenham vindo da Índia
e do Nepal e diferentes monastérios tenham sido estabelecidos,
eventualmente eles todos se reuniram e formaram grupos distintos. Não
os mesmos grupos que se tinha na Índia – não se tinha Kagyu ou Sakya na
Índia – mas grupos que então se tornaram sustentáveis, que reuniram
várias linhagens.
Achar Que Podemos Nos Iluminar Meditando Apenas Durante Nosso Tempo
Livre
É claro que a prática intensiva e em tempo integral do Dharma é
necessária para a liberação ou iluminação, e é um erro nos
superestimarmos pensando que podemos alcançar a liberação ou a
iluminação sem praticar em tempo integral, pensando “bem, eu posso
praticar apenas em meu tempo livre e vou me libertar e me iluminar”.
Isso é um equívoco. Mas também é um erro não sermos objetivos conosco
e com nossa capacidade de conseguir fazer uma prática intensiva agora.
Pois, o que pode acontecer é que se nos esforçarmos mas realmente não
formos capazes de fazer esse tipo de prática, podemos ficar muito
frustrados, ficamos com aquilo que os tibetanos chamam de lung, energia
frustrada e nervosa, e isso realmente nos desequilibra psicológica,
emocional e fisicamente.
Não Pensar de Forma Realista Que Levaremos Eons de Vidas para Alcançar a
Iluminação
Isso também envolve um pouco o fato de não acreditarmos no
renascimento, pois se não acreditarmos no renascimento, não estaremos
olhando com seriedade nossos objetivos de longo prazo, de muitos,
muitos eons de prática. Há o ensinamento que diz que é possível
atingirmos a iluminação nesta vida, mas isso não deve ser uma desculpa
para pensarmos, “bom, temos apenas esta vida, pois não há o
renascimento” e, assim, nos esforçarmos além do que somos capazes no
momento.
Como diriam meus amigos tibetanos, “se os ocidentais gostam disso, por
que não? Mal não faz…” Mas pensar que isso é absolutamente necessário
é um grande erro. Especialmente quando há um gasto tremendo, e o
dinheiro poderia ser usado de uma forma muito mais benéfica. Portanto,
quer seja em um centro do Dharma ou em nossa casa, não precisamos de
nada elaborado, ou com estilo tibetano, para praticar o Budismo
Tibetano. Contanto que o quarto onde meditamos esteja arrumado, limpo
e, assim, respeitando o que estamos fazendo, isso é o suficiente.
É um erro, portanto, não termos paciência com nós mesmos. Temos que
entender que a prática do Dharma tem altos e baixos, assim como os
samsara tem altos e baixos. No longo prazo, podemos esperar melhorias,
mas não vai ser tão fácil. É um erro perder a paciência quando tivermos
nossos baixos. Por outro lado, temos que evitar o extremo de ser
permissivos demais com nossos hábitos negativos e negligentes ou
preguiçosos em relação a trabalhar em nós mesmos. O caminho do meio,
aqui, é não nos mortificar quando sentirmos que ainda ficamos com raiva
mas, por outro lado, não dizer apenas “bem, estou sentindo raiva” ou
“estou de mau humor” sem tentar aplicar algum método do Dharma para
superar isso.
É muito interessante ver ao que recorremos quando estamos de mau
humor. Será que recorremos à meditação? Será que recorremos ao
refúgio? Ou será que comemos chocolate, recorremos ao sexo, à televisão,
ou à conversa com amigos? Ao que recorremos? Eu acho que isso revela
bem a nossa prática do Dharma – a forma como lidamos com nossos
episódios de mau humor.
Conclusão
O Caminho em Etapas
Karma e Renascimento
Amor e Compaixão
Concentração
Vazio (Vacuidade)
O Caminho em Etapas
Não somente eles precisam ser harmoniosos, mas cada um deles precisa
apoiar o outro. A nossa vida espiritual deveria nos dar forças para levar a
nossa vida mundana enquanto a nossa vida mundana deveria nos
fornecer os recursos para sermos capazes de praticar a nossa vida
espiritual. Tudo aquilo que aprendemos através desses estágios graduais
do lam-rim precisa ser aplicado ao nosso cotidiano.
Tornar-se uma Pessoa Melhor
O que é que estamos fazendo com a prática budista que está sendo
apresentada aqui? A prática budista em geral pode ser resumida em
poucas palavras. Em uma linguagem simples, estamos trabalhando em
nós mesmos para nos tornar pessoas melhores. Este termo “pessoas
melhores” pode soar como um julgamento, mas absolutamente nenhum
julgamento está implícito aqui. Esta não é a questão. Estamos apenas
tentando superar o comportamento destrutivo e as emoções negativas
que todos nós temos de vez em quando, como a raiva, a cobiça, o egoísmo,
e assim por diante.
Para nos tornarmos “pessoas melhores” temos primeiro que querer parar
de agir de formas destrutivas e causar dano aos outros. Para isso, temos
que exercitar certo autocontrole. Em um nível mais profundo, uma vez
que formos capazes de fazer isso, focaremos então na superação das
causas de nossas ações destrutivas: raiva, cobiça, apego, ciúme, ódio e
assim por diante. Para fazermos isso, precisamos entender como surgem
essas emoções negativas e como funcionam. Desta forma, desenvolvemos
certos tipos de entendimento que ajudam a diminuir ou eliminar essas
emoções perturbadoras.
Os métodos ensinados pelos Buda são muito úteis para esses tipos de
objetivos. Basicamente, temos uma razão por que queremos evitar o
comportamento destrutivo e as emoções negativas como raiva e egoísmo.
Provavelmente entendemos que, quando agimos sobre a influência delas,
isso não é agradável e causa problemas, para nós e os outros. Não
queremos esses problemas!
Indo além, pode ser que queiramos também evitar criar problemas e
confusão para nossa família, nossos entes amados, amigos e sociedade.
Tudo isso está contido dentro dos limites desta vida. Para ir ainda além,
poderíamos pensar em termos que englobam ainda mais que isso, como
querer evitar causar dificuldades para as próximas gerações, como o
aquecimento global.
Também podemos reconhecer que certas ideias que talvez tenhamos, que
definem e explicam as vidas futuras e a liberação, por exemplo, podem
estar totalmente incorretas, e que o budismo tampouco aceitaria essas
definições e explicações preconcebidas. Então, o que pensamos que
significa algo, ou se pensamos que outra coisa é ridícula, pode ser que o
Buda também achava isso ridículo, por se tratar de um entendimento
completamente errado. Por exemplo, a ideia que somos uma alma com
asas que voa para fora do corpo e depois entra em outro corpo é algo que
Buda também não aceitaria. Buda também rejeitaria a ideia que podemos
nos tornar Deus Todo-Poderoso.
Isso ilustra um pouco sobre como os métodos podem ser aplicados nos
níveis do Dharma-Light e Dharma Autêntico. Ambos são muito úteis à sua
maneira, mas a versão Dharma-Light é limitada. O Dharma Autêntico se
abre a um universo muito maior de possibilidades. Independente de qual
nível nós aplicarmos, o ponto principal é aplicá-lo ao cotidiano. Quando
estamos presos no tráfico ou esperando em uma longa fila, e ficamos com
raiva ou impacientes com as outras pessoas, podemos vê-los como se
fossem a nossa mãe. Podemos pensar ou em termos de uma vida passada
ou desta vida e isso ajudará a acalmar a nossa raiva, nos ajudando a
desenvolver paciência. Se a nossa mãe estivesse realmente à nossa frente
nesta fila, tenho certeza que não nos importaríamos absolutamente que
ela fosse servida antes de nós. Desta forma, podemos tentar aplicar esses
entendimentos. Não devemos apenas desenvolver esses estados mentais
quando estamos sentados em nossa almofada de meditação, mas
devemos fazê-lo em nosso cotidiano.
Conclusão
Há uma lista grande das terríveis situações que podem ser achadas na
apresentação padrão, mas não é necessário nomeá-la por inteiro, pois
podemos pensar em termos gerais. Por exemplo, pensamos no quão
afortunados somos por não vivermos em uma zona de guerras nem na
escassez, morrendo de fome e incapazes de alimentar nossos filhos.
Pensamos na boa sorte de não estarmos vivendo sob uma ditadura severa
em uma sociedade restritiva. É possível que seja mais fácil para pessoas
mais velhas se identificar com este aspecto aqui na Romênia. Quão
afortunado é que não sejamos deficiente mentais, físicos ou emocionais.
Obviamente, de um ponto de vista budista, também consideramos o quão
afortunado é que não sejamos uma barata a qual todos querem pisar e
matar.
Por causa daquilo que foi descrito mais acima, temos a meditação sobre a
morte, na qual podemos imaginar que hoje é o nosso último dia. Nós nos
perguntamos: estamos preparados para morrer a qualquer momento?
Será que eu teria arrependimentos sobre como levei a minha vida se eu
morresse hoje? A intenção com certeza não é ficar deprimido, mas
encorajar-nos a aproveitar esta preciosa vida humana e todas as
oportunidades que temos agora. Este é todo o propósito desta meditação.
Não se trata apenas do fato de eu estar envelhecendo a cada dia, mas do
fato de que estou me aproximando de minha morte. À medida que cada
dia acaba, é sempre um dia a menos de vida para nós. O tempo está se
esgotando e não temos ideia de quanto tempo nos sobra. Portanto,
realmente queremos aproveitar nossas vidas da melhor forma possível e
não apenas desperdiçar o nosso tempo. Morrer com um estado mental no
qual realizamos que realmente desperdiçamos nossas vidas e poderíamos
ter alcançado muito mais é realmente um estado mental terrível para se
morrer.
Poderíamos incluir prazer e dor nesta discussão, embora eles não sejam
exatamente a mesma coisa. Felicidade e infelicidade são experimentados
mentalmente, enquanto prazer e dor, pelo menos com as palavras que
temos para isso em inglês, são mais físicos. No que diz respeito à nossa
hardware humana, quando o sofrimento físico se torna forte demais,
ficamos inconscientes. Com a dor emocional, fazemos a experiência de um
choque e pode ser que o nosso corpo simplesmente pare de funcionar.
Então, podemos ver que este nosso hardware humano apenas consegue
fazer a experiência de certa parte do espectro da felicidade e infelicidade,
do prazer e da dor. Também estabelecemos que os animais podem
experimentar mais estímulos em diferentes espectros sensoriais, como a
visão e a audição. Portanto, é logicamente possível que possa haver
outros tipos de hardware capazes de experimentar mais nos espectros de
dor, prazer, felicidade e infelicidade. Por que não?
Não gosto muito do termo “refúgio”, que me parece levar a equívocos, por
soar muito passivo, como se o Buda fosse um salvador ao qual acudimos:
“Ó Buda, salve-me!” Tampouco somos animais sendo levados a um
refúgio na selva. Estamos falando sobre algo muito ativo e nada passivo.
Descrevo isso como “adotar um direcionamento seguro” para nossas
vidas; se formos nesta direção, então nos protegeremos de renascimentos
piores, de todos os renascimentos incontrolavelmente recorrentes, como
também da falta de capacidade de ajudar os outros da forma mais efetiva
que nos for possível.
Conclusão
Esta situação incrível na qual estamos hoje não durará para sempre, pois
nada dura. Não importa o quão ricos ou famosos somos, quantos amigos
temos, ou quão forte é o nosso corpo. Vamos morrer. Não somente não há
nada que possamos fazer para reverter isso, também não há maneira de
saber quando o nosso tempo acabará. Foi dito que se realmente
compreendermos a morte, será impossível termos uma vida comum.
Até mesmo com esta preciosa vida humana, há tantas coisas insatisfatórias, e todos
os nossos problemas emocionais ainda estarão ali. Ficamos com raiva e chateados.
S,omos avarentos. Temos grandes apegos, às pessoas e aos objetos. Somos
ingênuos sobre causa e efeito, e a realidade. Portanto, agimos de formas estúpidas,
como por exemplo, pensar que a forma como agimos e falamos não tem efeito
sobre os outros. Muitas vezes agimos como se as outras pessoas não realmente
existissem e tivessem sentimentos. Isso é completamente ingênuo, não é mesmo?
Todos esses problemas continuarão e teremos esses altos e baixos em qualquer
renascimento afortunado. Também chegará um momento no qual os
renascimentos e as situações deixarão de ser fortunados e melhores e se tornarão
lamentáveis e piores. Isso apenas continuará incessantemente. É disso que falamos
quando nos referimos a “existência ou renascimento incontrolavelmente
recorrentes”, sendo que a palavra em sânscrito para descrever isso é “samsara”.
Vemos que, para ser livres, precisamos nos livrar das causas de todos os nossos
problemas e sofrimento. Estamos totalmente dispostos não apenas a abandonar o
sofrimento, mas também as suas causas. Não estamos falando de deixar de comer
sorvete ou chocolate ou algo assim. Este seria um entendimento muito trivial da
renúncia. O que estamos determinados a fazer é livrar-nos de nossa raiva, de nossa
cobiça e do apego a tudo isso. No caso do chocolate, temos que deixar o nosso
apego a ele, que é baseado em um exagero de suas boas qualidades. Por exemplo,
nós pensamos: “Esta é a coisa mais maravilhosa e deliciosa do mundo, e ela me fará
feliz, permanentemente feliz!” Se o chocolate fosse realmente capaz de fazer isso,
então quanto mais comêssemos, mais felizes seríamos. No entanto, não importa
quão chocólatras nós formos, se fizermos isso, logo nos cansaremos e não vamos
querer ver chocolate nunca mais.
Isso é bem comum, não é? Não queremos dizer certas coisas para certas pessoas
com medo delas nos abandonarem. Não estamos falando de experiências
estranhas, mas de coisas que ocorrem o tempo inteiro.
Temos que examinar profundamente os tópicos da natureza búdica (os fatores que
permitem a libertação e a iluminação), a pureza natural da mente e assim por
diante. Será que as nossas emoções perturbadoras e a nossa confusão são partes
de nossa mente? Se são, isso quer dizer que estão nela a todos os momentos. Se não
são, então são temporárias e podem ser removidas de forma que nunca mais
tenham que retornar?
Chegar a acreditar no renascimento como um fato real pode ser um processo muito
longo. Posso compartilhar a minha própria experiência, pois trabalho com isso há
muitos anos. Tenho estudado o budismo por mais de 45 anos. Em certo momento,
com certeza atingi um entendimento intelectual, baseado na razão, em relação ao
fato de que o renascimento faz sentido. Mas o que realmente me convenceu a nível
emocional foi o meu relacionamento com o meu professor durante suas duas vidas.
Seu nome era Serkong Rinpoche e ele era um dos professores de Sua Santidade O
Dalai Lama. Eu fui muito afortunado de ser um discípulo muito próximo dele.
Fiquei com ele por nove anos, nos quais traduzi para ele e era como um secretário
pessoal. Eu organizei e o acompanhei em todas as suas viagens ao exterior,
trabalhando muito de perto com ele. Ele morreu em 1983 e renasceu, voltando a
ser achado pelo sistema tibetano dos tulkus.
Eu conheci o novo Serkong Rinpoche quando ele tinha apenas quatro anos de
idade. Quando entrei em seu quarto, seus serventes lhe perguntaram: “Você sabe
quem é ele?”. “Não seja estúpido, é claro que sei quem ele é.” - foi a sua resposta.
Desde o início, sendo uma criança de quatro anos, ele era extremamente próximo e
afetuoso comigo, bem mais do que com outras pessoas. Continuou assim à medida
que cresceu.
Várias vezes assistimos vídeos de sua vida prévia, e ele me dizia – e não costumava
falar besteiras comigo: ”Ah, eu me lembro de ter dito isso.” Além de toda a lógica e
do raciocínio, foi realmente esta experiência que me ajudou a ir além daquele
sentimento de: “bem, talvez, provavelmente...” Ela me deu certeza.
Essas coisas não são fáceis. Será que é mesmo possível atingir a libertação? Será
que a natureza da mente é realmente pura? Mesmo se entendermos racionalmente,
para entender emocionalmente temos que nos aprofundar muito. Entretanto,
lentamente podemos trabalhar com isso.
Podemos usar o exemplo do Papai Noel. Digamos que vemos alguém com uma
longa barba branca vestindo uma roupa vermelha, e esta pessoa se parece com
aquele que chamamos de “Papai Noel”. Pensamos que ele é Papai Noel, mas por
que? Bem, porque ele se parece com o Papai Noel. No entanto, a aparência do Papai
Noel não corresponde a nada real, porque não existe um Papai Noel. É disso que
fala a vacuidade, uma ausência de um real Papai Noel que corresponde à aparência
da pessoa. Isso não nega de forma alguma que há um homem ali e que ele se parece
com o Papai Noel. Apenas estamos esclarecendo que a forma como o homem
aparece para nós é enganosa. Ele se parece com Papai Noel, mas não é realmente o
Papai Noel, pois não existe tal coisa.
Nossas mentes funcionam desta forma o tempo todo. Projetamos todo o tipo de
bobagem, como, por exemplo, que fulana é a pessoa mais bonita, ou ciclano a
pessoa mais horrível, ou que somos um presente de Deus para o mundo, ou, ao
invés disso, que somos totalmente inúteis. Projetamos tais coisas como se elas
existissem desta forma, totalmente independentes de todo o resto, como se isso
fosse verdadeiro e imutável.
Fazer um voto é realmente muito importante. Por que? Pois quando fazemos um
voto de nunca voltar a fazer algo, isso nos liberta da indecisão. Por exemplo,
imaginem que estamos tentando deixar de consumir álcool ou cigarros. Cada vez
que estamos com pessoas que fumam ou bebem, ficamos indecisos se devemos
acompanhá-las ou dizer não. Mesmo se estivermos realmente tentando largar, a
cada vez que acontecer esta situação teremos que tomar uma decisão, e isso pode
ser desafiador, ou até mesmo estressante.
Se fizermos um voto, então será definitivo. Tomamos a decisão: “Eu não vou beber.
Eu não vou fumar.” Ou o que quer que seja. Então, realmente não importa se todos
à nossa volta estão bebendo, pois tomamos uma decisão. Ao invés de uma restrição
ou punição, fazer esses votos pode realmente nos dar muita força e nos libertar da
indecisão, especialmente no que diz respeito a coisas que são prejudiciais em
relação ao nosso objetivo de alcançar a libertação final.
Amor
Baseados nisto, somos capazes de desenvolver amor de forma igual por todos. Este
amor é definido como o desejo de que todos os seres sejam felizes e possuam as
causas da felicidade. Não tem nada a ver com amor romântico, que geralmente é
misturado com muito apego. Quando dizemos “eu te amo” geralmente isso quer
dizer “Eu preciso de você. Nunca me deixe. Não posso viver sem você.” Quando não
recebemos a atenção desejada de outra pessoa, ou elas dizem algo ruim, então isso
logo pode mudar e se tornar “eu não te amo mais.”
No budismo, o tipo de amor do qual estamos falando não tem absolutamente nada
a ver com as ações dos outros ou o que eles fazem conosco. Trata-se apenas do
desejo: que você seja feliz. É como se todos os outros fossem parte do meu corpo:
gostaríamos que todos os dedos dos nossos pés fossem felizes, não apenas alguns
deles. Não importa o que os nossos dedos fazem conosco.
Compaixão
Com amor, vamos então desenvolver a “compaixão”. Este é o desejo que os outros
sejam livres de sofrimento e das causas do sofrimento. Não se refere apenas ao
nível superficial do sofrimento, aos altos e baixos da vida, mas também aos tipos
mais profundos de sofrimento, como o renascimento incontrolavelmente
recorrente. Ter compaixão não significa que olhamos para os outros com
arrogância e sentimos pena deles, como se disséssemos: “Ai, coitadinho...”. A
compaixão budista é baseada no respeito e no entendimento que é possível para
todos serem livres do sofrimento e de suas causas. Não se trata apenas de um
desejo bacana ou palavras bonitas. Com compaixão, começamos a tomar
responsabilidade em relação a realmente gerar um estado livre de sofrimento. Há
muita coragem nisso.
A Resolução Excepcional
Generosidade
A primeira atitude que precisamos desenvolver é a generosidade, quando damos
aos outros não apenas bens materiais, mas também conselhos, ensinamentos, e
libertação do medo. Mesmo se não tivermos nada de material para oferecer,
cultivamos a atitude da disponibilidade de oferecer o que for necessário. Outro
presente que podemos oferecer é como tratamos os outros. Por termos
desenvolvido equanimidade, isso significa que os outros não terão nada a temer de
nós. Não ficaremos com raiva deles, não teremos apego a eles, nem vamos querer
obter nada deles. Não os ignoraremos nem os rejeitaremos quando fizerem algo de
que não gostamos. Além disso, vamos tentar ajuda-los de forma verdadeira e
sincera. Este é realmente um presente inacreditável que podemos dar a alguém. Se
desenvolvermos generosidade este é um presente tremendo.
Disciplina Ética
A próxima atitude de longo alcance que nós desenvolvemos é a autodisciplina
ética, na qual trabalhamos para não agir de forma destrutiva, mas da forma mais
construtiva que nos for possível. Temos a disciplina de estudar e meditar e
realmente ajudar aos outros. Não ficamos cansados demais na hora de ajudar
alguém, e não negligenciamos os outros somente porque não temos vontade de
ajudar.
Paciência
Paciência é a habilidade de suportar sofrimento e dificuldades, sem ficar com raiva
ou chateados. Trabalhar em nós mesmos e tentar ajudar os outros não é fácil, e
muitas pessoas não são nada fáceis de ajudar. Elas dificultam as coisas para nós e
precisamos de paciência para não ficarmos com raiva. Há muitos métodos para
desenvolver paciência, como com todas as outras atitudes de longo alcance.
Perseverança
A próxima atitude é perseverança, que significa que nós não desistimos, não
importa quão difíceis as coisas são. Neste sentido, esta atitude de longo alcance é
mais como um vigor corajoso. Não somente nós não desistimos, mas nos alegramos
em ajudar os outros, e ficamos realmente felizes de ter a oportunidade de ajudar.
Há muitas instruções sobre como desenvolver isso, e elas incluem saber quando
devemos relaxar e fazer uma pausa. Se nós nos forçarmos demais, não seremos
capazes de ajudar ninguém. Em relação a isso, há muitos métodos para superar
todos os diferentes tipos de preguiça que nos impedem de continuar trabalhando
em nós mesmos e ajudar os outros.
Estabilidade Mental
A seguir, temos práticas para desenvolver a estabilidade mental. Isso inclui mais do
que apenas concentração, mas também engloba estabilidade emocional. Nós
queremos ter um estado mental estável que não ficará sob a influência de
devaneios mentais, voando para objetos que são atraentes para nós, ou tornando-
se entediado e sonolento. Uma mente assim permanece focada no que quer que
queiramos ficar focados. Por exemplo, quando alguém está falando conosco, as
nossas mentes não divagam e ficam pensando em outras coisas. Também somos
estáveis no sentido de que não temos emoções desconcertantes que perturbam a
nossa estabilidade; não ficamos de mau humor. Isso significa que não somos
sensíveis ou insensíveis demais, mas equilibrados e estáveis.
A Consciência Discriminativa
Isso muitas vezes é traduzido como “sabedoria” e em sânscrito chama-
se prajnaparamita. Esta última atitude refere-se à habilidade de discriminar entre
como as coisas existem e o que é impossível. Trata-se de uma consciência muito
específica, então a palavra “sabedoria” é um pouco vaga demais. Estamos falando
especificamente da consciência que sabe o que é impossível, o que envolve um
entendimento da vacuidade (vazio). Nós discriminamos que certas coisas são
ridículas, impossíveis, e não nos referimos a nada.
Baseados no nível inicial, com o escopo intermediário nós entendemos que até
mesmo se tivermos renascimentos em estados melhores, ainda assim sofreremos.
Ainda encontraremos problemas, teremos que ficar doentes e morreremos, e
depois faremos tudo de novo. E de novo. Ao nos cansarmos disso, nós
compreendemos que não há nada de particularmente especial em todos esses
renascimentos incontrolavelmente recorrentes, e então temos como objetivo a
libertação de tudo isso.
A Importância do Renascimento
Sem o renascimento, não faz sentido a discussão sobre a mente não ter
início nem fim. Sem a existência de uma mente sem início nem fim, a
apresentação do karma cai por terra. Isso acontece porque muito
frequentemente as consequências cármicas das nossas ações não se
manifestam na mesma vida em que cometemos essas ações. Da mesma
forma, sem a apresentação cármica de causa e efeito ao longo de muitas
vidas, a discussão sobre a originação dependente e a vacuidade de causa e
efeito caem por terra.
Conclusão
Contanto que o budismo não seja reduzido a mero Dhama-Light e,
portanto, mais uma forma de terapia, o Dharma-Light é um passo
extremamente útil em direção ao Dharma Autêntico, completo e com
renascimento.
Os Quatro Pensamentos Que
Encaminham a Mente para o
Dharma
Preliminares
Gosto de iniciar as aulas com uma sequência de preliminares. São vários métodos
para nos ajudar a acalmar e entrar num estado mental adequado à meditação ou
para ouvir os ensinamentos. De modo a sermos capazes de penetrar
completamente em qualquer coisa, precisamos de nela entrar sem pressas e
adequadamente. Este é o propósito das preliminares.
Introdução
Esta noite pediram-me para falar sobre outro aspecto das preliminares, isto é, os
quatro pensamentos que encaminham a mente para o Dharma. Especificamente, os
quatro pensamentos são:
Se apreciarmos as oportunidades que agora temos com esta preciosa vida humana
e se tivermos consciência e admitirmos o fato de que esta vida não vai durar para
sempre e que vamos um dia morrer; se tivermos consciência de que o nosso
comportamento vai moldar a forma da nossa expêriencia nesta vida e também
depois de morremos, em vidas futuras; e se compreendermos que não importa o
que vamos experienciar no futuro, que terá de ser um grande número de
dificuldades e problemas, uma vez que essas experiências são produzidas por
ações sob confusão, então nós iremos encaminhar as nossas mentes para o
Dharma.
Qual é essa direção? É o Buda, o Dharma e a Sangha, as Três Jóias. Mas o que é que
isto quer dizer? Frequentemente olhamos para isto de uma forma muito básica.
Pensamos que o Dharma são os ensinamentos, que o Buda é aquele que na
realidade deu esses ensinamentos tanto verbalmente quanto em termos das suas
próprias realizações, e que a Sangha se refere a qualquer coisa, como a
congregação de um templo budista ou de um centro de Dharma. Isso não é o que a
Sangha significa. Estamos a falar de praticantes muito avançados que já
alcançaram a percepção simples da realidade e que já estão bem avançados no
caminho para se tornarem liberados ou iluminados. Mesmo se dissermos, “Estou
seguindo na direção dos ensinamentos de Dharma tal como o Buda os ensinou e
como os grandes praticantes os estão a realizar,” este tipo de compreensão básica
das Três Jóias não é uma base muito estável para se dar essa direção à nossa vida.
Qual é a base para estarmos convencidos de que essa é uma direção positiva?
Precisamos de uma compreensão do Buda, Dharma e Sangha ligeiramente mais
sofisticada. Quanto mais sofisticada for a nossa compreensão, mais firme será a
nossa direção. Isto significa que todo este tema do refúgio não é algo que se deva
trivializar. “Eu fiz isso no princípio quando vim ao centro pela primeira vez e agora
tenho uma corda vermelha para usar à volta do meu pescoço.” O refúgio é um tema
que precisamos de trabalhar e aprofundar enquanto formos avançando no
caminho. Quanto mais profunda esta direção for nas nossas vidas, mais estáveis
seremos no caminho espiritual.
A verdadeira direção é indicada pela Jóia do Dharma, que deve ser compreendida
dentro do contexto das quatro nobres verdades. Estas são os quatro fatos que
qualquer pessoa que enxerga a realidade – um ser altamente realizado – veria
como verdadeiro. Elas são chamadas "nobres" porque esse é o modo como algumas
pessoas traduzem a palavra sânscrita arya. Quando vemos a realidade
diretamente, percebemos esses quatro fatos. O primeiro fato são as dificuldades da
vida – o que é que elas são? Depois vemos as verdadeiras causas dessas
dificuldades. Depois disso, vemos a paragem das dificuldades da vida e das suas
causas. E depois, vemos que existe um caminho interno, ou seja, um modo de
entender, que vai resultar nessa compreensão da realidade com o remover das
causas principais dos problemas: a confusão. Quando nos livramos da causa dos
nossos problemas, a confusão, livramo-nos dos problemas.
Temos de saber duas coisas por forma a sermos capazes de encaminhar as nossas
mentes e energias para a liberação e a iluminação. Temos de saber o que a
liberação e a iluminação realmente significam. Elas não são apenas palavras
bonitas. E, segundo, precisamos da convicção de que é realmente possivel alcançá-
las. Se não estivermos convencidos de que é realmente possível obter a liberação e
a iluminação, porque é que haveríamos de querer trabalhar para as alcançar?
Como é que obtemos essa convicção? Quais são os passos que nos levarão a isso?
Não é nada fácil ganhar a convicção de que é possível remover as causas das nossas
dificuldades. Precisamos de persistir e trabalhar nisso. Temos de tentar perceber
do que se está falando. Podemos começar a trabalhar com isto de uma maneira
lógica. Agora, experienciamos a vida com confusão. Por exemplo, imaginamos que
somos a pessoa mais importante do mundo e o centro do universo. Com base nisso,
achamos que temos de ter sempre as nossas vontades satisfeitas e tornamo-nos
muito cobiçosos e agressivos. Nós somos os mais importantes, então todos têm que
nos dar atenção e gostar de nós. Se as pessoas não nos derem atenção e não
gostarem de nós, ficamos então muito zangados.
Podemos ser amáveis mas isso não significa que todos precisem de perceber isso!
Com a confusão, pensamos que toda a gente deveria reconhecer isso. Ou, por outro
lado, pensamos que se as pessoas não nos amam, ou não nos dão atenção, alguma
coisa deve estar errada connosco e não somos bons e então ficamos com a auto-
estima baixa. Em qualquer caso, sofremos. Temos angústia mental e isto tudo
advém da confusão de que somos o centro do universo e que tudo devia acontecer
da maneira como queremos que aconteça.
O Buda disse que é possível acabarmos com toda a miséria que experienciamos,
livrando-nos desta atitude de confusão que a causa. O que é que vai acabar com a
confusão? A compreensão. Se compreendessemos como nós e todos no mundo
existimos, não ficariamos confusos acerca disso. Não podemos ter a confusão e a
compreensão num mesmo momento mental. A compreensão é o exato oposto da
confusão. Uma vez que não podemos ter os dois ao mesmo tempo, qual é o que vai
ganhar? Se examinarmos a confusão, quanto mais atentamente o fizermos, tanto
mais veremos que ela, na verdade, não resiste à análise. Sou realmente o centro do
universo? Bem, não, porque todos os outros pensam que eles são o centro do
universo. Por outro lado, se examinarmos a compreensão, ela resiste. Ninguém é o
centro do universo. O que isso significa é que ninguém é mais importante do que
todos os outros. Ninguém é o centro de atenção de todos nem amado por todos.
Quanto mais examinarmos isto, mais veremos que isto faz sentido. Não só é
verdadeiro com base na lógica, mas também com base na experiência e de vermos
como a vida funciona.
Quais são as dificuldades e os problemas que nós enfrentamos? O Buda deu muitas
listas, mas a mais concisa das listas é uma de três. Nós podemos chamá-los os três
tipos de problemas. O primeiro é o sofrimento mais evidente: a dor e a infelicidade.
Inclui a dor física assim como a dor mental. Quase todas as pessoas conseguem
reconhecê-lo sem muita dificuldade. Ninguém gosta de ser infeliz, por isso quase
todas as pessoas gostariam de sair dele.
O que nos leva a pensar sobre a morte? O apreciar a vida e as oportunidades que
temos agora: esta preciosa vida humana. Assim, pensar na preciosa vida humana
que temos agora é o primeiro pensamento que encaminha a nossa mente para o
Dharma.
Sumário
Ao trabalharmos neste sentido inverso, podemos ver como cada atitude surge da
anterior. Podemos explicá-los indo de um a quatro, numa sequência lógica. Mas,
uma vez que a maioria de vocês já estudou isto, eu queria apresentá-los na ordem
inversa para mostrar como cada pensamento depende do anterior. Seguindo a
ordem progressiva, pensamos na nossa preciosa vida humana, que ela não vai
durar para sempre, e que o que acontece depois da morte, em vidas futuras,
depende do karma. Mesmo se nascermos numa situação favorável, há-de haver
muitos problemas. Ao compreendermos isto, quereremos sair deste sofrimento.
Para isso, precisaremos de ter a convicção que o Dharma ensina realmente o
caminho para sair dele. E que é realmente possível alcançar a liberação dos
problemas e a iluminação. Isso leva-nos a tomar uma direção segura e a
desenvolver a bodhichitta, com a qual nos dedicamos completamente para
alcançar a iluminação e sermos capazes de beneficiar a todos.
No sentido inverso, como já vimos, e de modo a darmos a direção segura e a
bodhichitta às nossas vidas, precisamos de ter a convicção de que é possível
livrarmo-nos do sofrimento e das suas causas. Para isso, precisamos de
compreender a natureza da confusão e como a compreensão elimina a confusão.
Para isso, precisamos de reconhecer as dificuldades da nossa vida, as dificuldades
do samsara: a recorrência de problemas e incertezas. Estas incertezas devem-se ao
karma. Para começarmos a pensar em termos de incerteza, precisamos primeiro
pensar nela ao nível mais óbvio da morte. Não nos preocuparíamos com a morte se
não pensássemos sobre a vida que agora temos com todas as suas oportunidades e
não a quiséssemos perder.
Perguntas e Respostas
Como é que a incerteza se encaixa nas preocupações mundanas e no pensar: “se eu
pudesse só ter isto ou aquilo, eu seria feliz”?
Isso depende daquilo que achamos que nos vai trazer felicidade. Pensarmos, “ se
conseguisse alcançar a iluminação, seria feliz” é diferente de pensar, “se
conseguisse ter o parceiro ideal seria feliz para sempre e nunca mais teria
sofrimento algum.” Se estamos à procura da eliminação total do sofrimento, de tal
modo que ele nunca mais volte, seja num chocolate, num parceiro, no sexo ou no
que quer que seja, então iremos ficar sempre frustrados. Contudo, se admitirmos
que o tipo de felicidade comum é aquilo que é, então podemos tê-la como aspiração
enquanto um objetivo provisório. Se tivermos um certo nível de felicidade,
podemos usá-lo como uma circunstância para chegarmos mais além no caminho. É
por isso que o escopo inicial do caminho gradual do lam-rim tem como meta um
renascimento afortunado. Precisamos de uma felicidade mundana geral como
circunstância para trabalharmos para a liberação e a iluminação. Isso tudo
depende de reconhecermos o tipo de felicidade comum como aquilo que
efetivamente é, sem o ampliar. Precisamos de ter os nossos pés no chão.
Conclusão
É muito útil trabalharmos com estes quatro pensamentos. Eles são chamados
preliminares no sentido em que eles nos conduzem a um estado mental adequado,
a fim de estarmos firmemente no caminho, assim como as preliminares antes das
aulas nos conduzem a um estado mental adequado a ouvir os ensinamentos. O que
significa ingressar no caminho do Dharma? Podemos falar sobre isso em termos
técnicos, mas não vamos falar acerca disso a esse nível. Estarmos no caminho
significa estarmos realmente convencidos daquilo que estamos a fazer e termos os
nossos corações completamente nisso. De outro modo, não estaremos muito
estáveis. Poderemos fazê-lo por uns tempos como um passatempo ou porque
outras pessoas estão a fazê-lo, mas não estamos realmente dentro dele.
Estarmos realmente no caminho requer uma mudança de postura. Requer uma
certa maneira de se ver a vida. Requer, na verdade, vermos a situação da nossa
vida e admitirmos que há problemas e dificuldades. É importante apreciar a nossa
preciosa vida humana e saber que ela não vai durar para sempre. A nossa vida tem
problemas e estes problemas surgem basicamente por causa da confusão e do
karma. Embora experienciemos felicidade nas nossas vidas, ela não é
verdadeiramente satisfatória porque ela é temporária e não podemos garantir que
vamos continuar de bom humor. Sermos felizes só às vezes não é suficientemente
bom.
Dedicação
Vamos acabar com uma dedicação. Possa qualquer compreensão, que possamos ter
adquirido, tornar-se mais e mais profunda de modo a que ela comece, lentamente,
a deixar uma impressão em nós e a adicionar aos nossos potenciais positivos, de
modo a que comecemos gradualmente a ver as coisas em termos destes quatro
pensamentos. Possamos gradualmente tornarmo-nos mais estáveis na nossa
direção segura na vida de modo a que possamos eventualmente obter a liberação e
a iluminação para o benefício de todos.
]
Karma e Renascimento
O karma se refere à compulsão que impulsiona nossos modos de agir, falar e
pensar, quando sob a influência de desequilíbrios emocionais, atitudes
egocêntricas e confusão básica em relação à vida. Nosso comportamento
compulsivo, seja cheio de raiva ou perfeccionismo obsessivo, acumula o hábito
de repetir esses padrões e nos leva à infelicidade ou insatisfação. Ele também
causa repetidos renascimentos em qualquer uma das variadas formas de vida
que apoiará a continuidade da repetição destes padrões. Eles vão continuar a
se repetir até conseguirmos quebrar o ciclo para sempre e obter a liberação.
O Que É Reencarnação?
Dr. Alexander Berzin
Entretanto, existem algumas coisas que não podem ser validadas pela
percepção direta. Precisamos nos basear em lógica, razão e inferência,
como no caso do magnetismo, cuja existência é inferida através do
comportamento de um imã e uma agulha de ferro. É muito difícil
provarmos o renascimento através da percepção direta. Entretanto,
existem muitos exemplos de pessoas que lembram de suas vidas passadas
e conseguem identificar objetos pessoais ou pessoas que conheciam na
vida anterior. Podemos inferir daí a existência do renascimento, mas
algumas pessoas podem ainda assim duvidar e achar que é um truque.
O Que Renasce?
Cada continuum é alguém e pode ser chamado de “eu”; não é que cada
continuum não seja é ninguém. Assim como o título de um filme - que se
refere a todo o filme e também a cada quadro dele, mas não pode ser
encontrado como algo concreto em cada quadro - da mesma forma “eu”
refere-se a um continuum mental individual e a cada momento dele, mas
também não pode ser encontrado como algo concreto em nenhum desses
momentos. Todavia, existe um “eu”, convencionalmente falando, um
“self”. O budismo não é um sistema niilista.
Conclusão
Introdução
Eu nasci nos Estados Unidos em uma família que não tinha absolutamente
nenhum interesse em nada que fosse asiático, mas eu me interessei muito
pela filosofia asiática em minha juventude. Comecei a fazer yoga aos 13
anos e estudei idiomas e filosofias asiáticos na universidade. Aos 24 anos
eu me mudei para a Índia para estudar com tibetanos e sempre tive a
sensação de que lá eu estava totalmente em casa. De fato, senti como se
toda a minha vida até aquele momento tivesse sido como uma esteira
rolante, levando-me até os tibetanos na Índia. Enquanto muitos
ocidentais que eu conhecia e vinham para a Índia tinham vários tipos de
problemas com vistos e burocracia, durante os meus 29 anos lá nunca
tive nenhuma dificuldade. Desde o início, sabia o que queria fazer:
traduzir, não somente dos idiomas, mas realmente trazer o budismo de
uma civilização para a outra.
Este tipo de vida não realmente faz sentido, quando você considera de
qual background e de qual cultura eu venho. Eu achava a ideia da
renascimento muito atraente, não porque realmente a entendia, mas
porque ela me ajudava a dar algum sentido à minha vida; sem dúvidas,
em uma vida prévia fui um tibetano ou alguém muito envolvido com o
budismo. Isso foi uma ajuda para me dar autoconfiança para continuar
nesta direção, ao invés de apenas pensar que eu estava completamente
louco!
O jovem Serkong Rinpoche, que agora tem 18 anos, me disse que naquele
momento ele apenas tinha vontade de ir embora com eles. Ele não tinha
mais interesse de ficar com seus pais e dizia que tinha que ir e encontrar
alguém que era muito importante para ele – A Sua Santidade O Dalai
Lama. Quando uma criança é reconhecida como uma renascimento de um
lama importante pelos tibetanos em áreas de cultura tibetana, isso é
considerado uma grande honra e os pais ficaram felizes pelo filho que se
foi. Serkong Rinpoche disse que nunca sentiu falta de seus pais. Quando
ele os deixou, ele nunca chorou e nunca quis voltar para casa. Isso
realmente é incomum para uma criança de quatro anos. E não foi assim
porque os pais dele o maltrataram ou algo assim. Eram pessoas
maravilhosas.
O Reencontro
Com o passar dos anos, à medida que ele foi crescendo, dei muitos
conselhos e orientação em relação a como ele deveria ser educado, mas
mantive um pouco de distância de propósito. Eu não queria que ele fosse
muito influenciado pelas minhas maneiras ou cultura ocidental e eu
queria que ele crescesse em uma atmosfera totalmente tibetana na qual
ele se sentisse totalmente em casa em um contexto tibetano monástico. E
assim ele fez.
Então, quando ele teve que ser educado em matérias modernas, eu fiz
com que um tibetano lhe ensinasse inglês, ciências e assim por diante,
como todos os outros tibetanos o fazem na Índia. Acho que essa
abordagem foi muito bem-sucedida, pois ele cresceu de forma confortável
em sua sociedade e posição.
Primeiro, a explicação budista não inclui nenhuma ideia de uma alma com
uma identidade definida, ou algo de sólido que vai de um corpo a outro.
Poderíamos pensar isso, porque há um Serkong Rinpoche em uma vida e
aqui está o Serking Rinpoche uma vida depois. Isso pode nos fazer chegar
à conclusão de que há uma entidade chamada “Serkong Rinpoche” que vai
de um corpo ao outro. Não é assim. Claro que no caso desses lamas
elevados, eles podem ser identificados em várias vidas, mas este não é o
caso com as pessoas comuns.
Continuidade Ininterrupta
Não há um “eu” separado de todo este processo que esteja fazendo com
que ele aconteça, ou controlando, ou fora de controle, ou observando
tudo. Apenas está acontecendo e continuando. Cada momento tem um
sabor único, em um momento há uma visão, no próximos um som, no
próximo um sentimento de raiva ou felicidade. Isso continua
incessantemente, até mesmo quando dormimos estamos experienciando
o sono, e até mesmo quando morremos, estamos fazendo a experiência da
morte.
A Continuação da Matéria/Energia e das Experiências
Aplicação no Cotidiano
Resumo
Uma melhor maneira é tentar moldar as nossas mentes todos os dias com
uma motivação apropriada e continuar no restante do dia com este tipo
de motivação. Se possível, isso significa servir os outros; e se não for o
caso, pelo menos não prejudicar os outros. Neste sentido, não há
diferença entre as profissões. Qualquer que seja o seu trabalho, você pode
ter uma motivação positiva. Se o nosso tempo for usado desta forma
durante dias, semanas, meses, anos – décadas, não apenas por cinco anos
– então as nossas vidas passam a ser significativas. No mínimo, estamos
fazendo alguma espécie de contribuição dirigida para o nosso estado
mental individual de felicidade. Mais cedo ou mais tarde, o nosso fim
chegará e neste dia não teremos arrependimentos; saberemos que
usamos o nosso tempo de forma construtiva. Eu penso que muitos de
vocês usam o tempo de uma forma apropriada, que faz sentido. Isso é
importante.
Contudo, as nossas vidas atuais não são eternas. Mas pensar que “a morte
é um inimigo” é completamente errôneo. A morte é parte de nossas vidas.
Claro, do ponto de vista budista, este corpo de certa maneira é um
inimigo. Para desenvolver um desejo genuíno de moksha – libertação –
precisamos este tipo de postura: que este nascimento, este corpo, que a
natureza destes é sofrimento e, portanto, queremos terminá-lo. Mas esta
postura pode criar muitos problemas. Se você considerar a morte como
um inimigo, então este corpo também será um inimigo, e a vida como um
todo será um inimigo. Isso é ir longe demais.
É claro que a morte significa não mais existir, pelo menos não neste
corpo. Teremos que nos separar de todas as coisas com as quais
desenvolvemos alguma conexão íntima nesta vida. Os animais não gostam
da morte. Naturalmente, o mesmo ocorre com os seres humanos. Mas nós
somos parte da natureza e, assim sendo, a morte é parte de nossas vidas.
É lógico que a vida tem um início e um fim – há o nascimento e há a
morte. Ou seja, não é algo incomum. Mas eu penso que nossas ideias
irrealistas em relação à morte nos causam ainda mais preocupação e
ansiedade.
Por conseguinte, precisamos ser realistas: a morte virá mais cedo ou mais
tarde. Se você desenvolver um tipo de postura ciente de que a morte virá
desde o início, então, quando a morte de fato chegar, você se sentirá
muito menos ansioso. Assim sendo, como praticantes budistas, é muito
importante nos lembrarmos disso diariamente.
Quando chegar o nosso último dia, teremos que aceitá-lo e não vê-lo como
algo estranho. Não há outro caminho. Neste momento, alguém que tem fé
em uma religião teísta deveria pensar: “esta vida foi criada por Deus,
assim sendo, o fim dela também faz parte do plano de Deus. Embora eu
não goste da morte, Deus a criou, e por isso ela deve ter algum sentido.”
Essas pessoas que realmente acreditam em um deus criador deveriam
seguir esta linha de raciocínio.
Ou seja, esses são os métodos para criar uma garantia para uma boa
próxima vida. E para os que não acreditam, como falei antes, é bom ser
realistas em relação ao fato da impermanência.
Quanto àqueles que de fato estão morrendo, é bom que em seu entorno
haja pessoas com algum conhecimento de como ajudar. Como mencionei
antes, com os moribundos que acreditam em um deus criador, você pode
fazer com que se lembrem de Deus. Uma fé focada em Deus tem pelo
menos alguns benefícios, também do ponto de vista budista. Com as
pessoas que não têm crença nem religião alguma, como eu mencionei
antes, é importante que sejam realistas e mantenham a calma.
Ter parentes chorando ao redor da pessoa que está morrendo pode ser
prejudicial para que estas pessoas possam manter as suas mentes calmas
– é apego demais. E também por demasiado apego aos parentes há a
possibilidade de desenvolver raiva e ver a morte como uma inimiga.
Assim sendo, é importante tentar manter o estado mental deles calmo.
Isso é importante.
Conclusão
A morte não é algo estranho. É algo que ocorre todos os dias, em todo o
mundo. A compreensão de que vamos indiscutivelmente morrer nos
encoraja a viver uma vida mais significativa. Quando vemos que morte
pode chegar a qualquer hora, é muito mais difícil nos envolvermos em
brigas e discussões sobre coisas pequenas. Ao invés disso, nos motivamos
a aproveitar ao máximo a vida, beneficiando os outros o quanto for
possível.
Evitando as Dez Formas de
Comportamento Destrutivo
Dr. Alexander Berzin
Se desejamos desenvolver relações mais saudáveis e satisfatórias com os outros, bem como,
incrementar nosso bem-estar, precisamos desenvolver nosso senso ético. Isso significa evitar
comportamento destrutivo e prejudicial e, ao invés disso, agir construtivamente de formas
úteis. Nos comportamos de maneira destrutiva quando estamos sob a influência de emoções
perturbadoras tais como a raiva e a ganância. Perdemos a paz de espírito e o auto-controle e
agimos compulsivamente por conta de hábitos negativos. Ferimos frequentemente os outros,
mas sem dúvida, acabamos por nos machucar. Agir destrutivamente é a causa de nossa
infelicidade em longo prazo. Por um lado, se exercitarmos o auto-controle baseado em
discriminar corretamente entre o que é prejudicial e o que é útil, e agirmos preferivelmente
com amor e compaixão, levaremos vidas mais felizes. Seremos amigos confiáveis para os
outros e para nós mesmos.
Conclusão
Quando entendemos o karma como a compulsão que nos leva a agir, falar e
pensar de forma incontrolável, percebemos seu papel como verdadeira fonte
de sofrimento e problemas. Agir compulsivamente nos traz infelicidade e
dificuldades recorrentes, além de fazer com que fique muito difícil ajudar os
outros. Para nos livrarmos da compulsividade do karma, e dos problemas que
ele gera, precisamos de autodisciplina ética. Só assim conseguiremos nos
abster de comportamentos destrutivos, do apego às fantasias que temos sobre
nós mesmos e da preocupação autocentrada.
Interessante o Buda ter usado o termo “arya”, pois esse é o nome do povo que
invadiu e conquistou a Índia cerca de 500 anos antes do Buda, trazendo consigo os
Vedas. Entretanto, os aryas a quem o Buda se refere não são esses conquistadores,
mas aqueles que viram o que é o verdadeiro sofrimento e suas causas, e os
venceram. Eles são os vitoriosos. Esse termo é muito comum na terminologia
budista.
O karma, portanto, não se refere às nossas ações propriamente ditas, mas, por ter
sido traduzido para o tibetano utilizando-se a palavra las, que significa “ações” na
linguagem coloquial, a maioria dos professores tibetanos, quando falam em inglês,
referem-se ao karma como ação. Isso pode criar muita confusão porque, se as
verdadeiras causas do sofrimento fossem as ações, tudo o que precisaríamos fazer
seria parar de fazer qualquer coisa e então estaríamos livres! Isso não faz o mínimo
sentido.
Karma, na verdade, refere-se à compulsão, à compulsão que nos leva a agir, falar e
pensar de uma forma misturada com confusão: confusão sobre como existimos,
como os outros existem e sobre a realidade. Por estarmos confusos a respeito de
quem somos e do que está acontecendo no mundo, agimos de forma muito
compulsiva. Essa compulsão pode ser negativa, como quando estamos sempre
gritando ou sendo cruéis com os outros, ou positiva, que é o caso do
perfeccionismo.
Considere o último caso. Você pode ser neurótico ou ter compulsão de fazer tudo
perfeitamente e pensar “Tenho que ser bom” ou “Tudo tem que estar limpo e
arrumado”. Esse comportamento compulsivo causa muito sofrimento, mesmo que
ser bom e manter tudo limpo e arrumado seja algo positivo. Portanto, com essa
discussão sobre karma, não estamos falando em parar de agir de forma positiva.
Estamos falando em nos livrar da compulsão neurótica por trás das nossas ações,
porque essa é a causa do sofrimento. Por trás do nosso perfeccionismo existe
confusão a respeito de como existimos. Pensamos que somos um “eu” sólido e que
esse “eu” tem que ser bom e perfeito. Por que? Para que mamãe e papai deem um
tapinha em “minhas” costas e digam que “eu” sou uma boa menina ou um bom
menino? Um de meus professores disse, “E aí o que vamos fazer? Abanar o rabo
como um cachorro?”
Karma no Contexto do Treinamento no Caminho Gradual do Lam-
Rim
O budismo descreve situações muito piores, mas não precisamos entrar nisso no
momento. A questão é que queremos evitar tudo isso e buscamos felicidade. Todo
mundo quer ser feliz; ninguém quer ser infeliz. Esse é um axioma básico do
budismo. E aqui estamos falando apenas da felicidade comum, que exploraremos
melhor quando chegarmos ao segundo escopo ou nível.
Outro exemplo: Digamos que eu tenha dito algo inocente mas que lhe magoou. Não
é que eu seja mau por ter dito isso. Eu realmente não sabia que lhe magoaria. Eu
não estava ciente do efeito que minhas palavras teriam; eu me confundi.
Essas são as emoções destrutivas mais comuns, que nos fazem perder a paz mental
e o auto controle, e vêm acompanhadas da compulsão para agirmos de formas
destrutivas. Algumas outras atitudes perturbadoras que nos levam a agir
compulsivamente de maneira negativa são:
Para evitarmos renascimentos em reinos piores, assim como situações piores nesta
vida, precisamos nos abster das ações negativas através da autodisciplina ética,
que desenvolvemos aos desfazermos nossa confusão sobre causas e efeitos
comportamentais. Compreendemos que se nos deixarmos controlar pelas emoções
negativas, nos tornamos compulsivos e agimos de forma destrutiva, o que
acarretará infelicidade e problemas para nós e para os outros.
Meditação de Fechamento
Passemos alguns minutos digerindo o que aprendemos, pensando sobre como tudo
isso se aplica à nossa própria experiência, fazendo o que chamamos de uma
“meditação analítica”. Eu prefiro chamar de “meditação do discernimento”.
“Discernir”, aqui, significa tentar perceber em nossas vidas um determinado ponto
que foi ensinado. Nesse caso, seria examinarmos nossa vida e tentarmos
reconhecer que, naquele momento que agimos de tal e tal maneira, agimos de
forma compulsiva. Havia muito apego e raiva por trás do nosso comportamento. E
qual foi o resultado? Sentimo-nos péssimos. Confirmamos esse ponto discernindo
em nossa própria experiência e, dessa forma, ficamos cada vez mais convencidos
de que é assim mesmo que funciona. Só começaremos a mudar nosso
comportamento se realmente acreditarmos ou estivermos convictos de que “é
assim que a vida funciona”.
Pense em uma situação em que você está sentado tentando trabalhar, fica
entediado e surge o impulso de olhar o Facebook, ou as notícias no seu
celular, ou mandar uma mensagem para um amigo. Nessa fase do
desenvolvimento espiritual, percebemos quando o impulso surge e
decidimos “Se eu agir com base nesse impulso não terminarei meu
trabalho, e isso me trará problemas. Portanto, não importa que tenha
vontade, simplesmente não farei isso”.
Felicidade Comum
O sofrimento da mudança refere-se à felicidade comum, que infelizmente
é cheia de problemas. Para começar, não dura — por isso chamamos
“sofrimento da mudança” — e nunca nos satisfaz, porque queremos
sempre mais. Se tivermos muita felicidade comum, e por muito tempo,
acabaremos entediados ou virará sofrimento. Por exemplo, tomar sol: é
muito bom por um tempo, mas você não vai querer ficar no sol quente
para sempre. Depois de um tempo, você tem que ir para a sombra. Pense
no caso de quando uma pessoa que você ama fica acariciando e apertando
sua mão. Se ela fizesse isso por três horas, sem parar, sua mão ficaria toda
dolorida! Portanto, é assim, a felicidade comum tem problemas.
Não precisamos provar nada. Pense nisso. O que será que estamos
tentando provar ao sermos tão perfeitos, tão bons, tão limpos, tão
produtivos? Esse é o segredo: não existe motivo para nos sentirmos
inseguros, e não há nada que tenhamos que provar. Apenas faça o que
tiver que ser feito! Seja útil aos outros.
Obviamente, não é tão fácil usar apenas de autodisciplina ética para dizer,
“Pare de se sentir inseguro”. É necessária uma compreensão de que a
insegurança está baseada na confusão a respeito de como existimos, e
essa confusão não está baseada em nada que corresponda à realidade.
Sobre o quê estamos inseguros? Um mito! Um mito de que se eu sou
produtivo e útil, logo, existo. Se não sou produtivo, deixo de existir? Isso
seria um tanto estranho, não seria? O que eu preciso provar sendo um
workaholic fanático? Se quiser ajudar os outros, ótimo, ajude-os, mas não
de forma compulsiva. Esse é o problema. Isso é o que temos que parar de
fazer. Esse é o segundo nível, ou o escopo intermediário da autodisciplina
ética. Usamos de autodisciplina para compreender que não há nada a ser
provado e, com essa compreensão, dissipamos a insegurança que está por
trás do nosso comportamento kármico compulsivo.
O Terceiro Nível: Superando a Falta de Conhecimento do Karma
Alheio
Bom, não é assim que as coisas existem. As coisas não existem isoladas de
todo o resto. Precisamos de disciplina para entender que apesar de
parecer assim, isso não corresponde à realidade. Aqui vai um exemplo
simples: Você fica em casa o dia todo com as crianças. Seu parceiro chega
em casa e não fala com você. Ele simplesmente entra no quarto, fecha a
porta e deita-se. Em nossa mente, colocamos o parceiro na caixa chamada
“pessoas que não me amam”. Aliás, também o jogamos na caixa de
“pessoas terríveis” e “pessoas que não são gentis”. Por trás disso está a
preocupação com o grande “eu”. Ele está na caixa das “pessoas terríveis”
porque “eu” — eu, eu, eu — quero falar com ele. Eu quero, eu quero, eu
quero! Quero alguma coisa dele. Por colocá-lo em uma caixa, não
conseguimos ver a interconexão entre tudo o que ele viveu antes de
chegar em casa e como ele agiu quando chegou. Ele pode ter tido um dia
difícil no trabalho, e tal e tal coisa pode ter acontecido no caminho para
casa, e assim por diante.
Se pensar, é claro que verá que não é assim! Estamos falando aqui de
como nossa mente faz as coisas parecerem. Ela faz com que a interação
com nosso parceiro pareça começar naquele lugar, naquele momento em
que entramos pela porta, como se nada tivesse acontecido antes. Tudo
aparece nas caixas com as quais categorizamos as coisas. É para
superarmos esse hábito profundamente arraigado, de colocar pessoas,
coisas e situações em caixas, que precisamos de disciplina. Precisamos
compreender que essa visão compartimentalizada do mundo não
corresponde à realidade.
O Mecanismo do Karma
Explicações sobre o Karma
A Forma Reveladora
Note que ser compulsivo não é a mesma coisa que ser impulsivo. Ser
impulsivo significa fazer o que vem à cabeça, sem pensar. Ser compulsivo
significa que você não tem controle sobre o que está fazendo ou dizendo,
ou como você está fazendo ou dizendo. Você segue certos padrões de
comportamento repetidamente, porque não consegue resistir, como
quando ficamos batendo com os dedos na mesa ou quando falamos com
agressividade, com uma voz fria.
Marcas no Continuum Mental: Potenciais e Tendências
Potenciais Kármicos
Potenciais kármicos que, conforme o ponto de vista, também são
chamados de “forças kármicas”, podem ser construtivos ou destrutivos.
Muitos tradutores chamam os potenciais construtivos de “mérito” e os
destrutivos de “pecado”, mas acho que esses termos emprestados de
religiões bíblicas são inapropriados e podem gerar confusão. Prefiro
chamá-los de “potenciais kármicos negativos” ou “forças kármicas
negativas” e “potenciais kármicos positivos” ou “forças kármicas
positivas”. Aqui vamos chamá-los apenas de “potenciais positivos” e
“potenciais negativos”.
Por exemplo, vamos supor que você grite com alguém. A ação de gritar,
em si, já sinaliza um potencial para gritar novamente no futuro. Uma vez
que a gritaria tenha terminado, podemos dizer que o potencial para gritar
ainda mais continua no seu continuum mental, e poderíamos descrevê-lo
como uma tendência que você teria de gritar com as pessoas.
Resultados Kármicos
A atenção plenaé a cola mental que não nos deixa esquecer que a ação
baseada em sentimentos negativos traz uma quantidade enorme de
infelicidade e sofrimento. Para conseguirmos manter a atenção plena,
precisamos de concentração, para de que a atenção permaneça nessa
compreensão. Para tal, precisamos de uma atitude cuidadora. Por nos
importarmos com o efeito de nosso comportamento, em nós mesmos e
nos outros, levamos a vida a sério. Importamo-nos com a forma como
agimos e, por isso, tomamos cuidado.
Também precisamos prestar atenção ao que sentimos vontade de fazer.
Temos que estar vigilantes para perceber quando sentimos vontade de
agir, falar ou pensar de forma destrutiva. E finalmente, precisamos de
atenção para, quando sentimos vontade de fazer alguma coisa, observar e
conseguir detectar, discernir e discriminar se é destrutivo. Não somos
ingênuos: sabemos que se agirmos de forma destrutiva teremos
problemas. Esses são os estágios envolvidos na aplicação da auto-
disciplina para nos abstermos de agir destrutivamente.
Mas, se percebo que “Estou infeliz, não gosto do que você está fazendo,
mas isso não é motivo de estardalhaço”, não foco em mim e no que eu
quero. Como resultado, não ativo meus potenciais e tendências kármicas
de gritar. Obviamente, para chegamos nesse nível, essa percepção tem
que ser bastante profunda e estar bastante entranhada.
É assim que nos livramos dos potenciais e tendências kármicas. Com uma
compreensão profunda e não-conceitual da vacuidade — não existe um
“eu’ sólido, e assim por diante — você começa a se livrar das emoções
destrutivas que acompanham os comportamentos destrutivos, e também
das atitudes perturbadoras que acompanham os comportamentos
construtivos. Isso porque as emoções e atitudes perturbadoras surgem do
apego a um “eu” sólido. Entretanto, no longo processo de obtermos essa
compreensão não-conceitual da inexistência de um “eu” sólido, nossas
atitudes e emoções destrutivas começam a perder força. Por isso,
começamos a desacelerar o processo de ativar o velho rescaldo kármico,
uma vez que ele é ativado pelas atitudes e emoções perturbadoras. Assim,
enfraquecemos a força da compulsão.
Conclusão
Existem muitos fatores e questões que podem nos levar a ter relações sexuais
com parceiros alheios. Os mais óbvios são a atração e o desejo sexual, além da
obsessão por sexo. Entretanto, se analisarmos mais profundamente,
descobriremos fatores adicionais, como a insatisfação e o tédio com a vida
sexual, problemas relacionados à expressão de afeto, à beleza e muitos
outros. Se tratarmos as causas subjacentes, podemos abster-nos de nossas
fantasias sexuais com parceiros alheios e evitar os problemas decorrentes
desse tipo de comportamento.
Nas bases bíblicas, há um conjunto de leis quanto à ética dado por uma
autoridade superior. Ser ético significa basicamente obedecer às leis. Se
obedecermos às leis, somos “bons” – somos “boas pessoas.” Seremos
recompensados no céu. Se não obedecermos a essas leis, somos “maus” e
seremos punidos depois da morte. E assim a ética é realmente uma
questão de obediência a esta autoridade superior. Andamos sempre a
procura de “o que devo fazer?” Há sempre esta idéia de “dever” – “eu
devia fazer isto, mas, como não estou a fazê-lo, sou “mau”, sou culpado.”
Tornamo-nos inseguros e incertos de nós próprios porque queremos
sempre saber “o que é que devo fazer?”
Na Grécia antiga, temos também um conjunto de leis, mas estas não são
mandamentos dados por uma autoridade divina. Os cidadãos fazem-nas.
Representantes dos cidadãos reunem-se numa legislatura e fazem leis
para o bem e o benefício da sociedade. Depois isto se torna novamente
uma questão de obediência. Precisamos seguir as leis. Assim, ao
obedecermos às leis, não só somos pessoas morais e boas; agora somos
também “bons cidadãos.” Se não seguirmos as leis, somos pessoas “ más”
e temos de pagar uma multa ou ir para a prisão.
Buda não deu mandamentos morais como na bíblia. Buda nunca disse,
“você deve fazer isto e, se não fizer, você é mau”. Mas ao invés, Buda disse,
“se você fizer isto, estará criando problemas para si mesmo. Se não quiser
esses problemas, pare de fazer isto”. Se continuarmos a fazer o que nos
vai trazer problemas, isso não nos torna “uma má pessoa”. Se pararmos
de fazê-lo, se nos refrearmos, isso não nos torna “uma boa pessoa”. Se
continuarmos a agir de uma maneira que cria problemas para nós, somos
tolos e isto é triste. Se pararmos de agir dessa maneira, somos sábios. É
assim.
A ética budista, então, é uma questão de escolha a respeito do que
fazemos. No treinamento budista, o nosso objetivo é desenvolver atitudes
construtivas, tal como a renúncia. Olhamos para os nossos problemas e
decidimos, “isto não é legal. Não quero mais saber disto”. Então, com a
renúncia, decidimos, com determinação, que temos de nos livrar destes
problemas. Mais especificamente, decidimos livrar-nos deles. Ninguém, a
não ser nós mesmos, pode fazer isto,. Por isso, temos de renunciar as
causas dos problemas dentro de nós. Resolvemos deixar de criar as
causas, de modo a que os problemas que vêm delas deixem de surgir.
Uma das coisas que temos de encarar é que a maioria de nós chega ao
budismo com uma base judeo-cristã. Assim, tendemos a pensar, “eu
deveria trabalhar para a iluminação, porque assim serei uma boa pessoa,
um bom discípulo, um bom budista. Se não trabalhar para me
transformar num Buda para ajudar a todos e se pensar apenas em
melhorar o meu samsara, então sou mau; um mau discípulo e um mau
budista.” Uma vez mais, a ênfase está no “dever.” Estamos a examinar o
que “devemos” fazer.
Mas temos de ser muito sensíveis sobre este ponto, porque o nosso
parceiro pode dizer, “Oh, tudo bem, você pode ter sexo com outra pessoa.
Eu não me importo”, mas, na verdade, a mulher ou o homem que está
dizendo isso talvez o faça simplesmente porque não nos quer perder. Se
não concordassem poderiam perder-nos e, assim, acham que é melhor
ficarem calados e dizerem que não se importam. Mas interiormente
podem estar muito magoados. É necessário ser-se extremamente sensível
a respeito dos nossos parceiros e ver se foram realmente sinceros ao
dizer que concordam.
Insatisfação
Se examinarmos mais a fundo, descobrimos que o que faz com que o sexo
com o parceiro de outra pessoa seja destrutivo é a insatisfação. Se já
tivermos um parceiro, é a nossa insatisfação subjacente em relação ao
nosso próprio parceiro que faz com que procuremos outro. Mesmo se não
tivermos um parceiro, somos levados a fazer sexo com o parceiro de
outra pessoa porque estamos insatisfeitos com a procura de um parceiro
entre aqueles com quem seria adequado termos tal relacionamento.
Talvez nem sequer tenhamos tentado.
Antes de mais, para que tal repertório seja apropriado, não pode incluir
formas de sexo que são convencionalmente destrutivas ao nosso parceiro
ou a nós. Se o nosso repertório inclui prender a outra pessoa em
correntes e tortura-la antes ou durante o sexo, tal comportamento sexual
sado-masoquista é inaceitável. Ou, se tivermos sexo desprotegido com
alguém de quem podemos apanhar uma doença sexualmente transmitida,
ou a quem possamos transmitir tal doença se estivermos infetados, isso
também seria destrutivo e inaceitável. Os nossos atos sexuais precisam
ser, ao nível convencional, formas razoáveis e saudáveis.
E o sexo não irá trazer a felicidade última, nem a nós nem a essa outra
pessoa. Assim, se pensarmos, “Oh, vou fazer sexo com esta outra pessoa e
isso irá resolver todos os problemas dela e fazê-la feliz” ou “irá resolver
todos os meus problemas e irá fazer-me feliz”, isso é um mito. É óbvio que
não é assim. Poderá talvez trazer, a nós e ao outro, um alívio temporário
de tensão, mas sejamos realísticos acerca disso. O alívio é apenas
temporário. Não é nada profundo. Não é nada de especial. Obviamente
não irá durar para sempre. Assim, não nos devemos iludir sobre isso.
Demonstrar Afeição
Relacionamentos Insatisfatórios
Se estivermos almejando a liberação, por exemplo, isso significa que
temos de permanecer numa situação em que nos sentimos
insatisfeitos ou muito infelizes? Como podemos saber quando é hora
de sairmos do relacionamento?
Agora, com alguns seres, isso é fácil. Eu posso demonstrar afeição ao meu
cão fazendo festinhas na cabeça dele ou dando-lhe um osso. Essas são
maneiras apropriadas de demonstrar afeição a um cão, que o cão pode
compreender e apreciar. Eu não pensaria em demonstrar afeição ao meu
cão da mesma maneira que faria a um ser humano, embora às vezes possa
querer abraçar o meu cão. Mas o meu cão não gosta de ser abraçado. Isso
seria uma maneira imprópria de demonstrar afeição a um cão. Os cães,
por outro lado, demonstram afeição uns aos outros, especialmente se
estiverem a ponto de fazer sexo, com o macho a morder a fêmea no
pescoço. Contudo, para um ser humano, isso seria uma forma imprópria
de demonstrar afeição ao seu cão ou a outro ser humano.
Bem, você sabe, esse problema não é limitado ao sexo. Por exemplo, as
crianças portam-se mal e, nesse momento, ficamos irritados e gritamos
com elas. Sabemos intelectualmente que isso não irá ajudar; que não é a
melhor maneira de resolver a situação. Mas a situação é tão forte que
ficamos instintivamente irritados e gritamos. O caso com fazer sexo com
alguém é a mesma coisa. Não há grande diferença em termos de lidar com
a emoção no momento.
Em ambos os casos, a única coisa que vai ajudar é se tivermos feito muita
prática de meditação previamente. Com a meditação, construímos um
hábito benéfico de estar atentos e cientes do que se está a passar, de
aplicar os oponentes e assim por diante. Com a familiaridade, os nossos
novos hábitos irão também surgir nesse momento em que surge o desejo
e seremos capazes de os aplicar.
[Meditação]
Eu também achei muito natural dar ao demônio o que ele quer. Mal
tenha o que quer ele vai-se embora. Mas como chegamos a isso?
Antes, estávamos tão identificados com o demônio dentro de nós
que não queríamos dar nada a ninguém. É realmente estranho.
Práticas meditativas como esta são muito úteis para lidarmos com o
descontentamento nas relações sexuais que nos podem levar a
compulsivamente procurar sempre mais, mais e mais. Esta compulsão é
um demônio, por isso alimentem o demônio!
Podemos fazer algo semelhante com o tipo de tensão que ocorre quando
vemos um desconhecido/a bonito/a, que nos excita, ou com a tensão de
estar com esta pessoa, se fizermos amizade com ela, ou até com a tensão
de termos um contato afetuoso com ela. Podemos simplesmente apreciar
o prazer emocionante – quer o descrevamos ou não em termos de um
rush hormonal – sem termos de destruí-lo através do comportamento
sexual impróprio.
Esse é um bom exemplo do que temos estado a falar. Assim, como você
vê, tais maneiras de se lidar com os impulsos para o comportamento
sexual impróprio são possíveis.
Conclusão
Acredito que esses sejam alguns dos pontos cruciais da ética sexual
Budista no que diz respeito a minimizar os problemas e a infelicidade que
nos causamos com nosso comportamento sexual. Precisamos examinar
com muita honestidade nossa motivação ao nos relacionarmos
sexualmente, tanto com nosso parceiro quanto com parceiros alheios,
caso tenhamos essa propensão. Também precisamos analisar mais de
perto o significado que o sexo tem para nós. Será que o estamos
idealizando, ou temos uma visão realista? Se estamos interessados em
nos liberar dos problemas - ou mesmo que nosso objetivo não sejam tão
elevados - precisamos evitar comportamentos sexuais motivados por
emoções perturbadoras e algumas fantasias sexuais. E é claro que
precisamos nos esforçar em não causar problemas para o outro através
de nosso comportamento sexual, apesar de ser muito difícil termos uma
garantida do efeito de nosso comportamento sobre a outra pessoa.
Lembrem-se, não há nada na ética Budista que diga, “você deve fazer
desta maneira e não daquela”. É tudo uma questão de querer parar de se
causar problemas e ter uma compreensão realista das causas e efeitos
comportamentais.
A Ética Sexual Budista: As Principais
Questões
Dr. Alexander Berzin
Os textos clássicos sobre ética sexual budista incluem uma ampla variedade de
condutas sexuais inadequadas. Motivados por emoções perturbadoras, como o
desejo obsessivo, desenvolvemos potenciais kármicos que no futuro
amadurecem como infelicidade. Aqui, analisamos se a inadequação de
determinadas condutas sexuais é simplesmente uma questão cultural ou esses
comportamentos inevitavelmente geram problemas. Qual será nossa margem
de manobra ao tentarmos enquadrar a ética sexual budista nos costumes da
sociedade ocidental moderna?
Podemos ver que estes dois sistemas éticos legalistas envolvem a culpa e
fazem com que a sintamos. Ou seja, ambos são baseados no julgamento.
Há certos atos que são julgados como moralmente “maus” e outros que
são julgados como moralmente “bons”. Se cometermos algo “mau”, somos
culpados. Quando transpomos para a sexualidade este tipo de abordagem
ética de julgamento, então verificamos que frequentemente sentimentos
de culpa acompanham o nosso comportamento sexual, mesmo que
ninguém nos agarre fazendo algo de “mal”. Isto acontece porque nos
transformamos em juízes e nos julgamos a nós próprios, mesmo que
ninguém nos esteja julgando.
Visto que para a maioria das pessoas a emoção perturbadora que torna o
ato sexual destrutivo é a ânsia obsessiva do desejo, vamos agora
examinar mais profundamente o que significa esse estado mental.
Durante todo este processo, o que está sempre acontecendo é que mais e
mais coisas vão sendo adicionadas à lista daquilo que é impróprio. Hoje
em dia, muitos de nós gostariamos que certas coisas fossem eliminadas
da lista, mas, em termos históricos, foram sempre adicionadas coisas. No
entanto, com isto, a questão que se coloca é se estas adições foram
culturalmente influenciadas e antigamente os atos mencionados não
eram considerados impróprios, ou se sempre foram considerados
impróprios, mas não explicitamente mencionados. Ou também pode ser o
caso em que as adições às listas foram feitas ad hoc, apenas quando
surgiam dificuldades sobre certas questões dentro da comunidade
budista. Afinal, foi assim que Buda gradualmente expandiu os votos
monásticos.
Ora, esta omissão não significa que, de acordo com estas duas tradições,
apenas haja mulheres impróprias para homens, e que não haja homens
impróprios para as mulheres. Significa apenas que os códigos éticos
foram escritos nestas duas tradições apenas sob o ponto de vista dos
homens. Contudo, as outras três tradições do vinaya especificam listas de
homens impróprios que correspondem às suas listas de mulheres
impróprias. Isto implica que a ética sexual é relativa consoante as pessoas
envolvidas – homens, mulheres e assim por diante – e que precisa de ser
especificada em termos de cada tipo de pessoa. Assim, com base nesta
evidência textual, acredito que seria muito razoável adicionar a qualquer
lista de parceiros sexuais impróprios aqueles que seriam impróprios sob
o ponto de vista das mulheres.
A Homossexualidade
Masturbação
Para nós, é difícil compreender a mentalidade que está por trás disto. Das
duas, uma: ou tudo isto é perfeitamente aceitável nestas sociedades e
todas as mulheres se sentem bem com seus maridos fazendo sexo com
outras mulheres, ou as mulheres casadas não se sentem bem com isso
mas ficam caladas acerca de tal. No mundo moderno, hoje em dia, não é
certamente esse o caso. E assim me parece que, uma vez mais, a lista de
comportamentos sexuais impróprios precisa de ser aumentada em vez de
ser diminuida, de maneira a incluir todas estas formas diferentes de
relacionamentos sexuais problemáticos, destrutivos e baseados na
obsessão.
É claro, se a nossa preferência sexual for uma que nos traga muita dor e
que venha a magoar a outra pessoa, ou se for qualquer tipo de prática
sado-masoquista – os textos relatam práticas sexuais em terra fria e
molhada, sobre rochas; mas o Ocidente é mais imaginativo com o sado-
masoquismo – então, não é obviamente uma forma sexual saudável; é
uma forma destrutiva. Mas, embora possamos ter uma maneira preferida
de praticar o ato sexual que não seja tão prejudicial como tal, nós
ocidentais, contudo, gostaríamos de alguma variedade na nossa vida
sexual. Isso não significa necessariamente uma variedade de parceiros,
mas uma variedade de maneiras de expressar nosso amor e afeição e ter
prazer com outra pessoa. Assim, me parece que precisamos de tomar isso
em consideração quando falamos sobre o que é destrutivo sob o ponto de
vista ocidental. Penso que precisamos de diferenciar entre o nosso
normal desejo cultural pela variedade e o desejo obsessivo de
experimentarmos tudo e qualquer coisa devido ao descontentamento e ao
fastio.
Thich Nhat Hanh, um atual mestre budista vietnamita, nos deu uma
recomendação muito interessante, e penso que útil, a respeito da ética
sexual budista nos dias de hoje. Ele disse que um parceiro impróprio seria
alguém com quem não estariamos dispostos a passar o resto das nossas
vidas, considerando que os nossos casamentos não são arranjados pelos
nossos pais, como ainda acontece com a maioria das pessoas na Ásia
tradicional, e considerando também que escolhemos os nossos próprios
maridos e mulheres, e que a maioria de nós tem relações sexuais antes do
casamento. Ou seja, se vamos ter relações sexuais com alguém, esse
alguém deveria ser uma pessoa com a qual estaríamos dispostos a passar
o resto da nossa vida se fosse necessário, digamos, se ela ficasse grávida e
assim por diante. E que seríamos felizes de o fazer e não apenas devido a
um sentimento de dever. Isso não significa que tenhamos de passar o
resto da nossa vida com esta pessoa. O exemplo da gravidez é meramente
um exemplo, porque há obviamente pessoas mais velhas e livres que já
não podem ter filhos mas que têm atividade sexual com parceiros. A
mesma recomendação seria aplicável neste caso.
Medo do Sexo
Mas aqui precisamos de fazer uma distinção: ter medo de matar e ter
medo do sexo não é a mesma coisa. Se, por exemplo, alguém estiver com
medo de matar, isso não implicaria que matar fosse mais saudável para
essa pessoa. Assim, penso que precisamos de fazer uma distinção entre o
medo obsessivo do desejo sexual biológico e o medo da compulsão sexual.
O medo do impulso biológico é que é doentio, penso eu.
Aborto
Agora ainda queria falar um pouco sobre outros tópicos relacionados com
o sexo: a contracepção e o aborto. Quando falamos sobre o aborto a partir
de um ponto de vista budista, o aborto estaria na categoria da ação
destrutiva de matar. Não há que negar isso; é terminar a vida de um outro
ser. No entanto, poderá haver várias motivações para terminar essa vida.
Se a motivação for a preocupação egoísta, como a de não querermos ter a
obrigação de tomar conta de um bebê ou a de não querermos perder a
nossa aparência física ou qualquer coisa assim, ela torna este ato num
pesado ato destrutivo de matar, porque tanto a motivação como o próprio
ato são destrutivos.
Contudo, isto é complicado, dado que não sabemos se a criança será feliz
ou não, nem fazemos ideia do quanto a criança poderia vir a ser capaz de
superar as suas dificuldades. Ademais, é muito difícil termos unicamente
a compaixão e o amor como motivação; eles podem estar facilmente
misturados com o desejo egoísta de evitarmos todos os problemas e
sofrimentos que teríamos como pais de uma criança tão deficiente.
Contracepção
Como Sua Santidade o Dalai Lama tem dito muitas vezes, se os cientistas
conseguirem provar que certas explanações budistas estão erradas, ele
não terá quaisquer problemas em as abandonar e em adotar a explanação
científica. Deste modo, precisamos de examinar com lógica a
apresentação budista tradicional de como e quando começa a vida. A
forma como decidirmos estas questões terá implicações éticas de vasto
alcance. Obviamente, se a consciência da futura criança já estiver no
esperma antes mesmo da concepção, então seria aborto qualquer forma
de contracepção. Mas, então, e no caso do óvulo não vir a fertilizar? E
mesmo se fertilizasse, poderia não se implantar na parede uterina. Será
que de algum modo a consciência já sabe o que irá acontecer antes de
entrar na boca do pai? Ou será que há uma espécie de mecanismo cármico
através do qual a consciência não entraria na boca do pai, a menos que
houvesse uma certeza cármica de que iria ocorrer uma concepção bem
sucedida? E a inseminação artificial, os bebês do tubo de ensaio e a
clonagem? Estes, com a teoria budista, são difíceis de explicar a menos
que os classifiquemos sob as categorias do nascimento através do calor e
da água.
Como Sua Santidade o Dalai Lama disse, estas questões sobre o aborto e a
contracepção requerem, antes da tomada de qualquer decisão, uma vasta
investigação adicional. Assim, quer usemos contraceptivos ou não,
voltamos à mesma questão de antes. Qual é a motivação? Estamos usando
a contracepção para darmos rédea solta à nossa obsessão pelo sexo?
Então, certamente, o nosso comportamento sexual é destrutivo. Mas,
nesse caso, é destrutivo por causa da obsessão e não por causa da
contracepção.
A Ilegalidade do Aborto
Aqui no México, o aborto é proibido por lei. Contudo, milhares e
milhares de abortos são feitos diariamente e várias dezenas de
milhar de mulheres morrem todos os anos por causa da má prática
durante o aborto. Assim, aqui, o aborto não é apenas uma questão
ética, é também uma questão legal. Como podemos lidar com isso?
Quebrar uma lei civil pode nos trazer sofrimento nesta vida se formos
apanhados, presos e punidos. Isto é chamado o “resultado artificial”. Mas
podemos não ser apanhados e, assim, não é certo que iremos experienciar
quaisquer problemas legais ou penais. E como qualquer ação, pode criar
um hábito que nos fará quebrar repetidamente uma lei em particular,
embora também não haja certeza quanto a isso. Podemos quebrar certa
lei apenas uma vez. Não obstante, quebrar uma lei civil não cria o tipo de
tendência e de hábito que amadurece em vidas futuras como experiência
de infelicidade.
Castidade
Qual é a sua opinião pessoal sobre os votos monásticos de
castidade? Manter a castidade não vai contra a natureza? Não
devíamos ter já ultrapassado isso como uma sociedade?
Quando decidimos ter contato sexual com alguém, isso gera karma.
Assim, na perspectiva budista, depois de termos tomado essa
decisão, que consequências surgem na corrente de eventos
cármicos? Quais são as vantagens do celibato?
Se decidirmos ter sexo com alguém e manter depois relações sexuais com
essa pessoa, estabelecemos uma ligação forte com ela que continuará em
vidas futuras. Mas o tipo de ligação e de relacionamento que seguirá
depende do tipo de relacionamento sexual que temos com essa pessoa,
das nossas próprias motivações e atitudes, da motivação e das atitudes
dos nossos parceiros e assim por diante. Muitos fatores irão afetá-lo.
E lá por sermos celibatários isso não significa que evitamos todo o tipo de
consequências cármicas no que diz respeito à sexualidade. Um celibatário
pode perder uma enorme quantidade de tempo e energia pensando em
sexo com grande desejo e apego. Tal celibatário pode pensar em fazer
sexo com alguém mas não realizar o ato. Isto não cria as mesmas
consequências cármicas que o ato físico, mas cria as consequências
cármicas do ato mental. Tudo depende do estado mental; do nível de
emoções e atitudes perturbantes que a pessoa tem, ou do nível de
liberdades que delas a pessoa tem.
Dedicação
Conclusão
Para o bebê, o afeto não está baseado em religião, leis ou pressão policial.
Ele surge naturalmente. Assim, embora a compaixão ensinada pelas
religiões seja boa, a verdadeira semente, a verdadeira base para a
compaixão é, porém, biológica. É a base do que eu chamo "ética secular."
A religião deveria simplesmente reforçar essa semente.
A compaixão, por outro lado, torna a mente aberta, calma. Com ela, vemos
a realidade e quais os métodos para acabar com o que ninguém quer e
criar o que todos querem. Este é um ponto importante e um grande
benefício da compaixão baseada na razão. Portanto, para promover
valores humanos baseados na biologia e apoiados pela razão, as mães e o
amor e afeto instintivos entre mães e filhos possuem um papel vital.
Passando de Renúncia à Compaixão
Dr. Alexander Berzin
Onde esse estado mental está focado - neste caso, no sofrimento e nas
suas causas,
Como a mente se relaciona com o objeto. O termo técnico é "como ela
capta o objeto." Aqui a maneira como nossa mente capta o objeto é com
o desejo de que ele vá embora. Nossa mente não está apenas focando e
prestando atenção ao sofrimento e às suas causas. A forma que nossa
mente está se relacionando com eles é "Vá embora!"
Na verdade, embora isto possa parecer ter muitos detalhes técnicos, eles
são extremamente úteis para nos aproximarmos do treinamento budista
ou qualquer tipo de formação espiritual com o objetivo de desenvolver o
amor ou a compaixão. Como você faz isso? Muitas vezes nós não sabemos
exatamente o que se entende por amor ou compaixão e por isso sentamos
apenas com uma mente em branco, sem saber o que fazer. Ou talvez nós
tenhamos nossas próprias idéias do que amor ou compaixão possa ser,
mas as nossas próprias idéias geralmente são vagas. Se nós estamos
tentando gerar algo vago, o melhor que podemos esperar é ter apenas um
sentimento vago. Uma vaga sensação de algo provavelmente não é o que
o budismo está nos instruindo a desenvolver.
No treinamento budista, embora estejamos trabalhando com o que
poderia ser chamado de "valores espirituais", estados mentais e assim
por diante, a abordagem é científica e precisa. É precisa porque sabemos
exatamente o que estamos tentando fazer com nossa mente e como fazê-
lo. Se tivermos precisão na forma como trabalhamos com as nossas
mentes, nossos corações e nossas emoções, nós podemos realmente
cultivá-las de uma forma positiva. Caso contrário, tudo fica muito vago.
Bem, se temos uma idéia precisa do que esses estados mentais precisam
conter para serem vistos como algo real, então podemos comparar o que
estamos experimentando agora com o que realmente está acontecendo.
Ao analisar o que estamos sentindo, podemos tentar desconstruir, ver
todas as peças que estão presentes e descobrir quais partes desse estado
mental são frágeis ou são deficientes. Assim saberemos o que precisamos
trabalhar a fim de atingir um estado mais preciso da mente. Analisar e
compreender os nossos sentimentos não é um processo que destrói os
sentimentos. É um processo que é também utilizado em psicoterapia para
nos ajudar a curar a nós mesmos e a sermos mais positivos em relação
aos outros, assim como a nós mesmos.
É por isso que a nossa convicção de que podemos nos livrar de nosso
problema para sempre deve estar baseada na razão. Entendemos como
podemos nos livrar do problema e estamos convencidos de que vai
funcionar. Isso nos dá esperança, e ter esperança nos dá força, e ter força
é muito importante para realmente fazermos alguma coisa para nos livrar
do problema. Isso é acreditar em um fato com base na razão.
Tenho certeza de que todos nós conhecemos exemplos disso, seja em nós
mesmos ou nos outros. Por exemplo, podemos estar em um terrível
relacionamento com alguém, em uma relação muito destrutiva, abusiva,
mas temos medo de sair dessa relação e terminá-la, porque a vida pode
ser pior sem essa pessoa. Mas com a crença confiante de que ao terminar
o relacionamento podemos nos livrar desse problema e tornar a nossa
vida melhor, livramos nossa mente do medo e da indecisão.
Não é tão difícil querer que a dor e a infelicidade nos deixem. Eu tenho
certeza que todos nós já experimentamos isso na cadeira do dentista. Na
verdade essa é uma questão muito interessante para ser investigada.
Quando estamos sentados na cadeira do dentista e estamos
experimentando a dor de ter um dente perfurado sem anestesia,
podemos renunciar a isso? Esse é o nosso estado mental? Qual é
realmente o nosso estado mental? O que estamos sentindo naquela
cadeira? Para a maioria de nós, eu acho que é medo e ansiedade. Tal como
acontece com a renúncia, vamos nos concentrar sobre a dor que sentimos
mas, em seguida, ao contrário da renúncia, nós geralmente vamos
exagerá-la e transformá-la em um monstro. Certamente não ficaremos
nem um pouco calmos.
Mas suponhamos que nós nos coloquemos nessa situação com renúncia.
Nós ainda poderíamos estar focados na dor da perfuração. Nós
gostaríamos que o sofrimento que vem dessa dor terminasse. Já estamos
fartos e estamos confiantes de que podemos nos livrar dele. Mas agora
temos uma complicação interessante aqui: podemos entender que é
possível livrar-nos dele simplesmente sendo pacientes e esperando que
ele vá embora. Nós não vamos ficar sentados na cadeira do dentista, com
ele perfurando nosso dente, pelo resto da nossa vida. A impermanência é
um fato e a perfuração vai acabar, nós apenas temos que suportar isso.
Com este pensamento, podemos ter calma e podemos estar confiantes de
que, se permanecermos calmos e não surtarmos na cadeira, o sofrimento
da dor da perfuração será concluído e terá um fim.
O que está por trás dessa forma de lidar com a doença? É a renúncia e a
compaixão. Eles renunciaram à tensão e a dor mental no que diz respeito
a si mesmos e a todos os que estão envolvidos na situação.Eles não estão
apenas fingindo ter renúncia. Esses Lamas não estão apenas dizendo
exteriormente: "está tudo bem, eu estou bem, não se preocupe " e
internamente não sentindo que está tudo bem. Se fosse esse o caso, eles
estariam sem essa crença confiante: o tipo de crença confiante que afasta
o medo e o desconforto por saber que, ao utilizar esta ou aquela força
opositora (antídoto), toda a tensão da situação pode se dissipar.
Naturalmente, quanto mais familiarizados estivermos com essas práticas
de renúncia e compaixão, como esses Lamas estão, a renúncia completa
com todos os fatores que a acompanham surgirá automaticamente. Não
será algo gerado artificialmente.
Vou dar um exemplo: estamos com um amigo que não vemos o tempo
todo. O amigo vai embora depois de nos visitar por um tempo curto e não
ficamos contentes. Queríamos que ele ficasse mais tempo. Bem, o que
esperávamos dessa visita que fez com que ficássemos descontentes? Será
que, de alguma forma, esperávamos que ao estar com essa pessoa
ficaríamos finalmente felizes e nos livraríamos de nossa solidão e
insegurança para sempre? Se ele ou ela ficassem cinco minutos a mais
ficaríamos satisfeitos?
Uma vez que tenhamos renunciado aos problemas que enfrentamos com
a nossa felicidade comum, como estender isso para a felicidade comum
dos outros? Obviamente, quando estamos focados nos problemas ligados
à felicidade comum de outras pessoas, estar com a mente clara é muito
importante. Certamente, não vamos ficar com inveja porque a outra
pessoa está feliz e nós não estamos, mesmo sabendo que essa felicidade
não vai satisfazê-la. Em vez disso, reconhecemos que essa pessoa está,
por exemplo, esperando muito do seu relacionamento com o amigo, ou
que vai sempre se frustrar e ficar insatisfeita, independente das coisas
agradáveis eles vivenciem juntos. Nós reconhecemos isso como sendo um
problema. Não é que não queiramos que ela seja feliz. O que nós estamos
focando é a infelicidade ou o problema que vem de sua forma de viver a
felicidade comum.
Podemos nos alegrar com a felicidade que outra pessoa está sentindo ao
diferenciarmos o que é a felicidade dos problemas que surgem dela. Nos
ensinamentos budistas o regozijo é muito enfatizado. Podemos nos
alegrar com a felicidade dela; no entanto, entendemos, de forma realista,
as deficiências da felicidade comum e temos compaixão para com os
problemas que podem surgir dessa felicidade. Todavia, mesmo que ela
seja uma felicidade comum, mundana, nós somos capazes de nos alegrar.
Sempre teremos que abandonar este tipo de corpo e a vida que estamos
vivendo para nos encaminhar a um novo renascimento e aprender tudo
de novo, fazer amigos e assim por diante. E é óbvio que há pouca garantia
de que vamos renascer como humanos em uma próxima vida. As chances
são de que não seremos humanos. Nós podemos renascer como uma
barata, ou como algo pior. Se temos renúncia, é porque já estamos fartos
disso.
Com a renúncia, por exemplo, olhamos para nós mesmos e para nossas
vidas reconhecendo e admitindo o sofrimento que está presente. Embora
isso seja triste, não nos deprimidos. Também não adotamos a atitude de
"tanto faz", que é realmente um sentimento de impotência e
desesperança. Em vez disso, com a renúncia estamos confiantes de que
podemos nos livrar do nosso sofrimento. Estamos determinados e
decididos que vamos fazer algo sobre essa situação intolerável. Sabemos
o que precisamos fazer e estamos confiantes do que podemos fazer para
nos livrarmos dele. Ao pensar assim, isso nos faria feliz, não é mesmo?
Ainda assim, tentar combinar esses dois estados mentais pode ser algo
muito delicado: alegria com renúncia ou compaixão. Será que eles
acontecem simultaneamente? Será que um fundamenta o outro? Será que
eles se alternam, como acontece com a prática de tonglen, quando
assumimos o sofrimento e oferecemos felicidade? Como poderíamos
realmente colocar os dois juntos em nossa vida diária,tendo uma
renúncia sincera, mas sem o estado mental negativo de sentir que tudo é
estúpido e inútil e acabar nos sentindo deprimidos? Parece-me que, com a
renúncia ou compaixão, juntamente com a alegria, estamos apenas
olhando para nós mesmos e para os outros sob dois aspectos distintos.
Mas acho que cada um de nós precisa analisar isso por si mesmo.
Não é muito fácil fazer essa diferenciação. Da mesma forma, não é muito
fácil nos livrar desse sentimento no que diz respeito à renúncia, que nos
faz sentir repulsa pelas pessoas e nos faz evitar de nos envolvermos com
alguém, pensando: "me deixe em paz. Eu só quero ir para a minha caverna
ou mosteiro e meditar". Mesmo que as nossas emoções perturbadoras
sejam tão fortes que prejudiquem gravemente a nossa capacidade de
ajudar os outros e precisemos meditar em isolamento, precisamos evitar
ter uma atitude negativa e sem compaixão conosco ou com os outros.
Desta forma, temos uma visão muito mais clara do “eu” dos outros e do
nosso próprio “eu”. O sofrimento e suas causas podem ser removidos de
nossos continuums mentais de forma a nunca mais voltarem, mas as
pessoas que estavam enfrentando esses sofrimentos nunca podem ser
removidas. Assim como continuums mentais não têm fim, as pessoas
imputadas neles, cada uma um "eu", também não têm fim.
É com base nesse amor que aquece o coração que nós temos o tipo de
amor cultivado no budismo: o desejo de que todos os seres sejam
igualmente felizes e que tenham as causas da felicidade. Com base nesse
amor por todos, desenvolvemos a compaixão: o desejo de que todos
estejam livres do sofrimento e das causas do sofrimento. Assim, podemos
ver que essa compaixão que suporta e está implícita é um conjunto de
muitas emoções positivas, como uma sensação de abertura e proximidade
com todas as pessoas, gratidão por sua bondade, pelo amor que aquece o
coração, afeição, e assim por diante. Todos estes sentimentos estão
contidos na compaixão.
Conseqüentemente, se a compaixão é um estado mental de renúncia
dirigida ao sofrimento dos outros, a base da compaixão deve igualmente
estar presente de alguma forma junto com renúncia. Isso significa que
primeiro precisamos ter equanimidade direcionada a nós mesmos - não
atração, repulsa ou indiferença. Em seguida, temos de perceber que não
ajuda nos concentrarmos nas coisas negativas que fizemos em vidas
passadas e nesta vida. Concomitantemente a vermos que os outros foram
nossas mães e que foram bons para nós, temos de nos concentrar nas
coisas positivas que fizemos para nós mesmos. O fato de que, neste
momento estamos aproveitando todas as circunstâncias benéficas de uma
vida humana preciosa é o resultado cármico de ações construtivas que
fizemos no passado. Ao fazer isso nós apreciamos a bondade que
demonstramos por nós mesmos e somos gratos por isso. Isto leva ao
amor que aquece o coração por nós mesmos e não ao ódio por nós
mesmos. Nós cuidamos sinceramente do nosso bem-estar e nos
sentiríamos péssimos se algo ruim nos acontecesse.
Por favor, não interpretem mal. Eu não estou encorajando uma atitude
dualista conosco, onde o "eu" que está sendo compassivo comigo é
diferente do "eu" por quem eu estou sentindo compaixão. "Ser gentil
conosco" é apenas uma figura de linguagem. Mas se queremos ser gentis
com nós mesmos e nos livrar do sofrimento e da infelicidade, precisamos
por exemplo, desenvolver a atitude de "eu não quero entrar em um
relacionamento doentio com essa pessoa, eu não quero ficar com raiva, eu
não quero ficar chateado, eu não quero me apegar". Desta forma,
trabalhamos com a determinação de nos livrarmos dos nossos problemas.
Essa é uma outra forma de equilibrar a sensação de que "tudo é
sofrimento” com um sentimento básico de felicidade calma e amorosa.
Resumo
Introdução
Temos vidas humanas preciosas com tempo livre e oportunidades que nos
permitem seguir o caminho budista. Contudo, essas liberdades e oportunidades
não vão durar para sempre. Por isso precisamos tirar todo o proveito das
oportunidades que temos.
A melhor maneira de tirar proveito da nossa preciosa vida humana é usá-la para
desenvolver o ideal de bodhichitta. O ideal de bodhichitta é uma mente e um
coração focados em nossa iluminação futura, que ainda não aconteceu, mas que no
futuro pode ser imputada em nosso continuum mental com base nos aspectos da
natureza búdica que nos permitirão alcançá-la. Esses fatores incluem nossas redes
de força positiva e consciência profunda (mérito e sabedoria), nossas diversas boas
qualidade e a pureza natural de nossa mente. Esse ideal de bodhichitta vem
acompanhado de duas intenções: atingir a iluminação o mais cedo possível e, com
isso, beneficiar todos os seres.
O Desenvolvimento da Equanimidade
Os ensinamentos de causa e efeito em sete partes têm seis passos que agem como
causas para o sétimo, o verdadeiro desenvolvimento do ideal de bodhichitta. Eles
começam com um estágio preliminar, que não esta incluído na contagem das sete
partes. É o desenvolvimento da equanimidade, com a qual superamos atração e
apego a determinados seres, aversão a outros e indiferença aos demais. O
propósito desse estágio preliminar é sermos igualmente abertos a todos.
A compreensão de que todos são iguais, que é necessária para sermos igualmente
abertos a todos, vem do entendimento de que o contínuo mental ou o fluxo mental
não tem começo nem fim. Consequentemente, em algum momento todos foram
nossos amigos, todos foram nossos inimigos, todos foram desconhecidos e seu
status está sempre mudando. Neste sentido, todos são iguais.
Nessa maneira de pensar, a mente sem começo é o ponto principal que precisamos
compreender. Essa é uma suposição básica no budismo. O renascimento diz
respeito à continuidade da experiência. Os contínuos mentais são continuidades de
experiência. Eles são individuais e não têm uma identidade inerente como um ser
humano, um animal, ao macho ou ao uma fêmea. A forma de vida e o gênero que
um continuum mental manifesta em um determinado renascimento são
dependentes de ações kármicas anteriores e de suas repercussões.
Uma vez que com equanimidade somos capazes de ver todos os seres como
contínuos mentais individuais e sem começo – o que não nega as suas formas nesta
vida – estamos prontos para dar o primeiro passo na meditação de causa e efeito
em 7 partes, ou seja, reconhecer que cada ser, a uma dada altura, foi a nossa mãe. A
linha de raciocínio é que assim como temos uma mãe nesta vida, também tivemos
uma mãe em cada vida em que nascemos de um útero ou de um ovo. Pela lógica
dos renascimentos sem princípio, e considerando-se o fato de que existe uma
quantidade limitada, porém incontável, de seres, todos foram nossas mães desde
tempos também sem princípio– e nós fomos mães deles. E eles também foram
nossos pais, nossos melhores amigos e assim por diante.
Ao vermos todos os seres como tendo sido nossa mãe, precisamos ter cuidado para
não vermos o “nossa mãe” como sendo a identidade inerente de todos os seres,
pois isso também pode ser um pouco problemático. Devemos tentar nunca perder
de vista a vacuidade, a ausência de identidades fixas e inerentes.
Reconhecer a todos como tendo sido nossa mãe muda radicalmente a maneira
como nos relacionamos com os outros. Aqui, estamos indo além da equanimidade
para com todos. Estamos vendo que tivemos – e ainda podemos ter – um
relacionamento muito próximo, afetuoso e amoroso com todos os seres.
Muitas pessoas que ensinam isso a ocidentais, dizem “tudo bem, se você tiver
problemas com a sua mãe, você pode pensar em seu pai, num amigo próximo ou
em qualquer pessoa que tenha lhe demonstrado uma grande bondade. Assim, não
ficará bloqueado ao tentar fazer esta meditação.” Acho essa abordagem útil. No
entanto, é muito importante, se tivermos problemas no nosso relacionamento com
a nossa mãe, lidar com eles em vez de ignorá-los. Se não conseguirmos ter um
relacionamento saudável com a nossa mãe, será muito difícil termos
relacionamentos afetuosos e saudáveis com qualquer outra pessoa. Iremos sempre
ter problemas. Por conseguinte, é muito importante olharmos para o nosso
relacionamento atual com a nossa mãe e tentarmos reconhecer a bondade dela,
não importa quão difícil esse relacionamento possa ter sido ou possa ser.
É claro, há exemplos do reino animal e dos insetos em que as mães comem os seus
bebês, mas ainda se submetem às dificuldades de dar à luz. E quer tenha sido a
nossa mãe biológica ou uma mãe hospedeira [mãe de gestação ou barriga de
aluguel], alguém nos carregou no seu ventre. Mesmo se tivéssemos sido
concebidos num tubo de ensaio, alguém cuidou dele e o manteve na temperatura
adequada. Se nossa mãe gostou de nos trazer no seu ventre ou não, isso é
irrelevante. Foi uma bondade incrível ter-nos carregado para todo o lado no seu
ventre e não nos ter abortado; não foi nada confortável para ela. Ela submeteu-se a
muita dor durante o nosso nascimento. Além disso, quando éramos bebês, alguém
teve de se levantar no meio da noite, dar-nos de comer e cuidar de nós; se assim
não fosse, não teríamos sobrevivido. Essas coisas são enfatizadas nos textos
clássicos.
Se tivermos tido dificuldades com a nossa mãe, podemos encontrar pistas sobre
como prosseguir nas meditações sobre o guru do lamrim do V Dalai Lama. Muitos
dos textos mais antigos dizem que é quase impossível encontrar-se um professor
espiritual que só tenha boas qualidades. Nenhum professor espiritual é ideal; todos
têm uma mistura de pontos fortes e fracos. O que queremos fazer na meditação
sobre o professor espiritual é focalizar nas boas qualidades e na bondade do
professor a fim de desenvolvermos um grande respeito, inspiração e apreciação.
Isto nos motivará a desenvolver essas boas qualidades e bondades.
O V Dalai Lama explicou que, nesse processo, não precisamos negar as limitações e
as falhas do professor. Isso seria ingenuidade. Reconhecemos as limitações, mas
por enquanto as colocamos de lado, porque se pensarmos sobre as falhas do
professor isso apenas nos levará a reclamações e a uma atitude negativa. Isso não
iria ser nada inspirador. É apenas através do foco nas qualidades positivas e na
bondade que ganhamos inspiração.
Então podemos fazer a mesma coisa com os nossos pais, outros familiares, amigos
e assim por diante. É muito útil para a meditação. É um antídoto especialmente
forte para a depressão que às vezes sentimos quando pensamos, “ninguém me
ama.” Deste modo, se pudermos ver a bondade das nossas mães nesta vida, isso
nos ajudará a reconhecer que todos os seres foram similarmente bondosos
conosco. Ninguém foi uma mãe ideal – claro, ela pode ter nos comido em alguma
vida passada, mas também nos demonstrou bondade.
Para fortalecer o desejo, podemos fazer uma adaptação adicional à meditação que
acabamos de esboçar, lembrando-nos da bondade maternal que recebemos. De
novo, percorremos períodos de cinco ou dez anos das nossas vidas e examinamos a
forma como retribuímos essa bondade às nossas mães. Fazemos o mesmo com
nosso pai, nossos amigos, familiares e assim por diante.
Eu acho que esta adaptação à meditação, que acabei de esboçar, é muito útil para
que ela realmente toque os nossos corações e realmente sintamos algo. Acho que é
muito importante. Vi muitos budistas ocidentais que fazem meditações de amor e
compaixão, e que até ajudavam os outros, mas que têm um relacionamento
péssimo com os pais e isso os paralisa. Acho que é realmente muito útil
trabalharmos nesse relacionamento e não o evitá-lo apenas porque é difícil.
Do mesmo modo, tentamos aplicá-las aos animais, insetos e assim por diante – e
não apenas teoricamente na nossa imaginação, mas quando os vemos realmente.
Ao fazermos isto, precisamos, por exemplo, tentar evitar o extremo que às vezes
vemos entre os tibetanos – isto é, que é mais fácil ser amável a um inseto do que a
um ser humano. Se houver uma formiga no meio do templo, todos procuram
certificar-se de que ela não irá se machucar. No entanto, muitas vezes não mostram
o mesmo tipo de preocupação e bondade com os seres humanos, por exemplo com
os indianos ou estrangeiros que visitam os seus templos e que gostariam de saber
algo sobre o que lá vêem. Temos que manter aqui uma perspectiva apropriada.
Alguns pessoas talvez digam que é mais fácil ajudar a uma formiga do que ajudar a
um ser humano, porque a formiga não nos responde com grosserias e nem nos
desafia, enquanto que as pessoas muitas vezes o fazem. Uma formiga nós podemos
apanhar e levar para fora, mas não podemos fazer o mesmo com as pessoas
quando elas nos irritam. Em todo o caso, o ponto é que muitas pessoas fazem estas
meditações de forma muito abstrata – “todos os seres sencientes” - e nunca as
aplicam a pessoas reais, “no mundo real.” Isto cria um grande problema na
obtenção de qualquer progresso ao longo do caminho.
Grande Amor
Quando reconhecemos a todos como tendo sido nossas mães, nos lembramos da
bondade do amor maternal e pensamos em retribuir essa bondade, naturalmente
sentimos o amor que aquece o coração, o amor que nos faz estimar o outro, nos
preocuparmos com seu bem estar e nos sentirmos tristes se algo de ruim lhe
acontecer.
Com base no amor que aquece o coração, passamos ao quarto passo, à meditação
sobre o grande amor. Amor é o desejo de que o outro seja feliz, geralmente alguém
de quem gostamos. Contudo, o grande amor é o desejo de que todos sejam felizes e
tenham as causas da felicidade. É realmente muito importante que se deseje as
duas coisas: a felicidade e as suas causas. Isso significa que precisamos ter a
compreensão de que a felicidade vem de causas, que não é um favor dos deuses ou
boa sorte – e a causa não é o eu.
Nesse passo já fica claro que nas meditações de bodhichitta estamos nos
esforçando para nos transformarmos em budas para ajudar a todos os seres, mas
sem exagerar o papel que podemos desempenhar nessa ajuda. Podemos mostrar o
caminho aos outros, mas eles próprios precisam acumular as causas para a
felicidade.
A Grande Compaixão
Vem então o quinto passo, a grande compaixão: o desejo de que todos sejam livres
do sofrimento e das causas do sofrimento. Isso também inclui a total compreensão
de que o sofrimento dos seres vem de causas, e que eles precisam eliminar essas
causas a fim de eliminar o seu sofrimento. Uma vez mais, é uma visão muito
realista. O grande amor e a grande compaixão não são apenas sentimentos
emocionais como, “tenho tanta pena que todos estejam sofrendo.” Pelo contrário,
são acompanhados da compreensão da causa e efeito comportamental.
Dizem que, se não tivermos pensado sobre o nosso próprio sofrimento e desejado
nos livrar dele, será difícil nos empatizarmos e sentirmos verdadeira compaixão
pelos outros. Temos de compreender que os outros realmente experienciam a dor
do sofrimento e que o seu sofrimento os machuca tanto quanto o nosso próprio
sofrimento nos machuca. Compreender isso depende de reconhecer que o nosso
próprio sofrimento dói. Caso contrário, não iremos levar o sofrimento dos outros a
sério. Lembrem-se que estamos desejando que as nossas mães, que foram tão
afetuosas conosco, sejam felizes e estejam livres do sofrimento. Começamos a
meditação com as nossas mães e assim por diante, de modo a que a meditação
realmente envolva sentimentos.
Uma vez que os textos dizem que a compaixão só se torna sincera se primeiro
desejarmos estar livres do nosso sofrimento e das suas causas, acho que podemos
dizer o mesmo a respeito do amor. Isto é particularmente relevante para os que
sofrem de baixa autoestima. A baixa autoestima é um fenômeno particularmente
ocidental, não é muito frequente entre os tibetanos ou mesmos entre os indianos.
Antes de podermos desejar sinceramente que os outros sejam felizes e tenham as
causas da felicidade, precisamos de desejar sinceramente sermos felizes e termos
as causas da felicidade. Se sentirmos que não merecemos ser felizes, por que algum
outro ser mereceria?
A Decisão Excepcional
O Ideal de Bodhichitta
Considerando que esses seis passos são uma causa, o sétimo é desenvolver o ideal
de bodhichitta como o seu efeito. Quando examinamos o modo como podemos
beneficiar os outros o máximo possível, percebemos que, com as nossas limitações
atuais e nossas emoções e atitudes perturbadoras, não somos capazes de ajudar
muito. Se eu for egoísta, impaciente, sentir-me atraído por determinadas pessoas e
irritar-me com outras, se for preguiçoso e estiver sempre cansado, se não
conseguir compreender bem os outros e não conseguir comunicar-me
corretamente, se tiver medo dos outros, medo de que “não gostem de mim” ou de
ser rejeitado, todas estas coisas irão me impedir de ajudar os outros seres tanto
quanto for possível. Portanto, por querer ser realmente útil, preciso realmente me
livrar dessas coisas. Preciso realmente me trabalhar e livrar-me dessas coisas, de
modo a que eu possa usar os talentos, habilidades e qualidades da minha natureza
búdica para beneficiar os outros. Devemos sempre manter isto em mente:“tanto
quanto for possível” – uma vez que não vamos nos transformar em deuses
omnipotentes. Seguindo essa linha de raciocínio, colocamos nossa mente e coraçõe
na nossa transformação em um buda, para ajudar a todos tanto quanto for
possível. Esse é o desenvolvimento do ideal de bodhichitta. Com ele, focamos em
nossa iluminação individual, que ainda não está acontecendo, com a total intenção
de atingi-la o mais rápido possível e ajudar os demais a fazerem o mesmo.
A Conduta do Bodhisattva
Isto significa que sempre que encontrarmos outros seres e vermos que eles têm
um problema, com não ter uma casa, por exemplo, não os devemos ver apenas
como “sem teto”. Quando os virmos, não devemos pensar em termos de eles serem
inerentemente pobres, preguiçosos ou quaisquer julgamentos de valor que
possamos projetar. Pelo contrário, compreendemos que apenas nesta vida, e neste
ponto particular desta vida, eles são assim. Contudo, os seus contínuos mentais não
têm início e, em algum ponto, eles foram nossas mães e tomaram conta de nós com
bondade. Eles carregaram-nos nos seus ventres, trocaram as nossas fraldas sujas e
assim por diante, então nos sintimos realmente gratos e realmente sentimos
vontade de retribuir essa bondade. Desejamos que eles sejam felizes e tenham as
causas da felicidade e que possam estar livres dos seus problemas e das causas dos
seus problemas. Tomamos a responsabilidade de tentar fazer algo a respeito disso.
O que precisamos fazer? Não é que precisemos ir para casa meditar a fim de
superar os nossos defeitos e não fazer nada para ajudar essas pessoas.
Naturalmente precisamos meditar mais, contudo, nossa motivação no momento,
deve ser de superar a nossa timidez, hesitação e avareza, e dar-lhes realmente algo,
pelo menos um sorriso – fazer pelo menos alguma coisa.
Ou seja, usamos a nossa decisão excepcional para mesmo agora nos movermos no
sentido de superar as nossas limitações tanto quanto conseguirmos, e de usarmos
as nossas potencialidades para ajudar tanto quanto for possível. Certamente,
quando formos para casa, precisaremos nos trabalhar mais, mas não nos
esqueçamos das pessoas sem teto e não fiquemos em casa só a meditar. Se a nossa
decisão for sincera ela vai nos manter atentos.
A motivação mais forte para nos trabalharmos surge quando encontramos outros
seres que precisam de ajuda. Vemos uma mulher idosa, sentada no chão frio no
inverno, pedindo esmola na estação do metrô e pensamos: e se ela fosse a minha
mãe? Se fosse a nossa mãe desta vida que estivesse sentada no chão frio a pedir
esmola, será que iriamos ignorá-la e simplesmente continuar andando? E o jovem
sem teto vendendo jornais no metrô, como nos sentiríamos se ele fosse nosso
filho? Esse rapaz tem pais. É muito importante. Na India, vemos leprosos e outras
pessoas deformadas e normalmente nunca pensamos que os leprosos têm famílias.
Eles têm famílias. Temos que os reconhecer como humanos.
Não é fácil decidir-se sobre qual a melhor maneira de se ajudar alguém. Vemos que
agora somos limitados. Não sabemos mesmo o que é melhor. Temos que nos
transformar em budas para sabermos, mas agora tentamos o nosso melhor,
conscientes de que às vezes iremos errar. Mas pelo menos tentamos.
Resumo
Mera Equanimidade
1. Uma vez que todos os seres limitados foram nossos pais, familiares e
amigos em inúmeras vidas, é incorreto sentir que alguns são próximos
e que outros são distantes, que este é um amigo mas aquele é um
inimigo, acolher uns e rejeitar outros. Precisamos pensar que, afinal de
contas, se eu tiver visto a minha mãe há dez minutos, dez anos ou dez
vidas, ela ainda é a minha mãe.
2. No entanto, é possível que do mesmo modo que estes seres me
ajudaram, também me fizeram mal algumas vezes. Contudo,
comparado ao número de vezes que me ajudaram e a quantidade de
ajuda que me deram, o mal que me fizeram é insignificante. Por
conseguinte, seria incorreto acolher uns como próximos e rejeitar
outros como distantes.
3. Vamos definitivamente morrer, mas a hora da nossa morte é
totalmente incerta. Suponhamos, por exemplo, que fomos sentenciados
a ser executados amanhã. Seria um absurdo desperdiçar o nosso
último dia ficando irritados e ferindo alguém. Se fizéssemos isso,
estaríamos desperdiçando a nossa oportunidade de fazer algo positivo
e significativo com o nosso último dia. Por exemplo, um oficial de alta
patente ficou furioso com uma determinada pessoa e resolveu puni-la
severamente no dia seguinte. Ele passou o dia inteiro planejando mas,
na manhã seguinte, morreu de repente, antes de tomar qualquer
medida. A sua raiva foi completamente absurda. O mesmo seria
verdade se a outra pessoa fosse condenada a morrer no dia seguinte.
Não faria sentido feri-la hoje.
As Cinco Decisões
Por outro lado, uma atitude de igualdade para com todos os seres, com a
qual desejamos que todos os seres limitados sejam felizes e estejam livres
dos seus problemas e sofrimentos é muito importante, tanto temporária
quanto definitivamente , e a partir de qualquer ponto de vista. É o
caminho principal trilhado por todos os budas e bodhisattvas para
obterem a sua realização.É a intenção e o desejo mais profundo de todos
os budas dos três tempos. Portanto, precisamos pensar que, não importa
o malefício ou o benefício que outro ser limitado me tenha feito, a partir
do ponto de vista dele, eu, do meu ponto de vista, não tenho alternativa.
Recuso-me a ficar irritado ou apegado. Recuso-me a considerar uns como
próximos e outros como distantes. Não pode haver nenhum outro modo
ou método de se lidar com as situações, exceto este. Estou completamente
decidido. No que diz respeito à minha forma de pensar e agir, terei a
mesma atitude com todos, já que todos querem ser felizes e não querem
nunca sofrer. É nisso que vou me esforçar ao máximo. Oh, meu mentor
espiritual, por favor inspira-me a fazer isto o melhor possível. Esses são
os pensamentos que precisamos ter quando recitamos o primeiro dos
cinco versos em O Guru Puja — Lama Chopaque estão associados a esta
prática:
Inspira-nos a aumentar a alegria e o conforto dos outros,
pensando que eles e nós não somos diferentes: ninguém deseja
nem o mais ligeiro sofrimento, nem nunca está satisfeito com a
felicidade que tem.
Assim, com este primeiro verso, rezamos para desenvolver uma atitude
equânime, de não ter sentimentos de proximidade ou de distância nos
nossos pensamentos e ações relacionadas com levar felicidade e eliminar
o sofrimento de todos igualmente. Tal atitude de igualdade preenche a
definição do tipo de equanimidade ou atitude equânime que estamos
considerando aqui. Tomamos a firme decisão de cultivar e atingir essa
atitude, da mesma maneira como quando vemos um produto maravilhoso
numa loja e decidimos comprá-lo.
Me livrarei do Autoapreço
Em seguida, pensamos sobre as desvantagens de ter uma atitude de
autoapreço. Por causa da preocupação egoísta da atitude de autoapreço,
agimos destrutivamente, cometemos as dez ações destrutivas e
consequentemente temos renascimentos infernais. Desde o estágio onde
estamos agora até o estágio de um arhat (ser liberado) que não atinge a
iluminação, o interesse egoísta nos faz perder toda a paz e felicidade.
Embora os bodhisattvas estejam perto da iluminação, alguns estão mais
perto do que outros. A diferença que existe entre eles vêm da quantidade
de autoapreço que ainda têm. Desde as disputas entre países até a
discórdia entre mestres espirituais e discípulos, dentro das famílias ou
entre amigos – tudo vêm do autoapreço. Por isso, precisamos pensar que
se não nos livrarmos da podridão do egoísmo e do autoapreço, nunca
chegaremos a vivenciar alguma felicidade. Assim, nunca devemos nos
deixar vencer pela onda do autoapreço. Oh, meu mentor espiritual,
inspira-me por favor a livrar-me de todo o interesse egoísta. Estes são os
pensamentos do segundo verso:
Sua Santidade o Dalai Lama, por exemplo, pensa sempre sobre o bem-
estar de todos em toda a parte, e todas as suas boas qualidades vêm da
sua estima pelos outros. O bodhisattva Togme Zangpo não pôde ser
prejudicado por Kama, o deus do desejo, que estava decidido a causar-lhe
interferência. Esse grande praticante tibetano era o tipo de pessoa que
chorava se um inseto voasse para dentro de uma chama. Ele interessava-
se sinceramente por todos os seres e por isso até os próprios espíritos e
os tais interferentes não conseguiam prejudicá-lo, embora querendo,
porque, como os próprios espíritos disseram: “ele só tem pensamentos de
nos beneficiar e estimar”.
Numa das vidas passadas do Buda, quando ele nasceu como um Indra, um
rei dos deuses, houve uma guerra entre os deuses e os semi-deuses. Os
semi-deuses estavam ganhando e então Indra fugiu na sua carroça. Ele
chegou a um ponto da estrada onde muitos pombos tinham se agrupado
e, temendo atropelar algum deles, parou a carroça. Vendo isto, os semi-
deuses pensaram que ele tinha parado para voltar para trás e atacá-los, e
então fugiram. Se analisarmos isso, veremos que eles fugiram devido à
atitude de Indra de estimar os outros. Portanto, precisamos pensar a
partir de muitos pontos de vista nas vantagens de estimarmos os demais
seres.
Deste modo, decidimos fazer com que nosso principal foco seja a prática
de estimar os outros.
As seis atitudes de longo alcance são estados mentais que levam à liberação e
à iluminação. Como antídotos para alguns de nossos maiores obstáculos
mentais – raiva, ganância, inveja, preguiça e assim por diante – as seis atitudes
funcionam em conjunto, permitindo-nos enfrentar tudo que acontece em
nossas vidas. Ao desenvolver essas atitudes, nós podemos lenta, mas
certamente, realizar o nosso potencial completo, trazendo o maior benefício
para nós mesmos e para os outros.
O Buda indicou seis estados mentais importantes que nós precisamos desenvolver
se quisermos alcançar qualquer objetivo positivo na vida. Normalmente eles são
traduzidos como “perfeições”, já que ao aperfeiçoá-los completamente como os
Budas, nós também podemos alcançar a liberação e a iluminação. Eu prefiro
chamá-los de “atitudes de longo alcance” de acordo com o seu nome em
sânscrito, paramita, porque com eles nós podemos alcançar a distante margem
oposta do oceano dos nossos problemas.
Esses seis estados mentais não são apenas uma bonita lista. Eles são estados
mentais que precisamos combinar e utilizar durante o nosso dia a dia. De acordo
com os três níveis de motivação encontrados no lam-rim (caminho gradual),
desenvolvê-los agora em nossa vida diária nos traz enormes benefícios:
1. Generosidade
Generosidade é a disposição de dar para os outros o que quer que seja necessário.
Seus benefícios são:
Ela nos dá um senso de auto-estima, já que nós temos algo a contribuir para os outros,
ajudando-nos a evitar ou sair de problemas de baixa auto-estima e depressão.
Ela nos ajuda a superar o apego, a avareza e a mesquinhez, os quais são estados
mentais de infelicidade que causam problemas recorrentes.
2. Autodisciplina Ética
Ela nos permite evitar todos os problemas que surgem por agirmos, falarmos ou
pensarmos de forma prejudicial. Ela cria uma base de confiança com os outros, que é a
base da verdadeira amizade.
3. Paciência
Ela nos permite evitar fazer escândalo quando as coisas vão mal ou quando nós ou
outros cometem erros.
Ela nos ajuda a superar a raiva, a impaciência e a intolerância, que são estados mentais
perturbadores. Nós podemos manter a calma face a dificuldades.
Ela nos permite ajudar os outros melhor, porque não ficamos com raiva quando eles
não seguem nosso conselho, cometem erros, agem ou falam irracionalmente ou nos
causam dificuldades.
4. Perseverança
Ela nos dá a força para terminar o que nós começamos, sem perder o ânimo.
Ela nos ajuda a superar sentimentos de inadequação e preguiça, quando nós nos
distraímos com coisas banais.
Ela nos permite ter sucesso em realizar as tarefas mais difíceis e nos impede de desistir
daqueles que são os mais difíceis de se ajudar.
5. Estabilidade Mental
Ela nos permite permanecer concentrados no que quer que estejamos fazendo,
evitando erros e acidentes
Ela nos permite nos concentrar no que os outros estão dizendo ou como estão agindo
para que possamos ver como melhor ajudá-los.
Ela nos permite ver com clareza e corretamente o que fazer e como agir em qualquer
situação, impedindo-nos de fazer algo de que nos arrependeremos mais tarde.
Ela nos permite avaliar as situações dos outros com precisão para que saibamos o que
dizer ou fazer para causar o maior benefício possível.
A Perfeição da Generosidade:
Danaparamita
Dr. Alexander Berzin
Quando somos crianças, muitas vezes nos dizem que devemos compartilhar
nossos brinquedos e balas, mas até mesmo como adultos, a generosidade não
é sempre algo que vem de forma natural ou fácil. Muitas vezes sentimos que,
se dermos nossos bens, não sobrará nada para desfrutarmos. No entanto,
Buda ensinou que a generosidade é uma prática incrível que não somente
beneficia os outros diretamente, mas nos traz grande alegria e satisfação. Este
artigo trata da generosidade como a primeira das seis atitudes ou perfeições
de amplo alcance.
Introdução
Generosidade
Autodisciplina ética
Paciência
Perseverança
Estabilidade mental (concentração)
Consciência discriminadora (sabedoria)
Treinamos em todas as seis, tanto na meditação quanto em nossas
atividades diárias. Da mesma forma que trabalhamos para criar
músculos, quanto mais nos engajarmos nesses estados mentais em
qualquer coisa que fizermos, mais fortes eles serão. Eventualmente, eles
se tornarão tão integrados em nossas vidas que serão naturalmente parte
de como nos relacionamos conosco e os outros a todos os momentos.
Generosidade
Praticar a generosidade não significa que temos que ser ricos; mesmo se
formos extremamente pobres e não tivermos nada a oferecer, ainda assim
podemos ter a disposição de dar. Caso contrário, como as pessoas pobres
seriam capazes de desenvolver a generosidade? Então, quando vemos um
belo por do sol, podemos ser generosos em nosso desejo de que todos os
outros possam desfrutar desta visão. Podemos fazer o mesmo com belas
paisagens, bom tempo, comida deliciosa e assim por diante. Tudo isso
conta como generosidade! Podemos ser generosos não apenas com as
coisas que temos, mas com coisas que não pertencem a ninguém. Na
meditação, podemos imaginar dar vários tipos de coisas maravilhosas aos
outros, mas se realmente tivermos algo que possa ajudar alguém e a
pessoa estiver precisando disso, então não apenas imaginamos que
estamos dando a coisa. Nós simplesmente damos!
Se eu ficar com tudo para mim mesmo, o que sobrará para eu dar para os
outros? – Provérbio Tibetano
Deveríamos ter cuidado para não nos tornarmos fanáticos. Quando
trabalhamos para ajudar os outros, precisamos comer e
dormir. Precisamos cuidar de nós mesmos também. Então, a generosidade
tem a ver com compartilhar o que temos. Bodhisattvas muito avançados
podem sacrificar suas vidas para ajudar os outros, mas em nosso estágio,
se formos realistas, não podemos fazer isso. Não podemos e não devemos
ainda, dar tudo ao ponto de passarmos fome. Mas deveríamos ainda
assim ter a disposição de oferecer nossos corpos para ajudar os outros, o
que pode ser na forma de ajudar a fazer trabalhos difíceis e tediosos, ou
até mesmos trabalhos físicos. Não devemos ficar com medo de sujar
nossas mãos!
Este tipo de generosidade se refere à ajuda aos outros seres quando estes
estão em um mau estado. Isso inclui salvar animais que estão prestes a
ser abatidos, e libertar aqueles que estão presos em currais e gaiolas.
Salvar moscas que estão se afogando em uma piscina e proteger pessoas e
animais do calor e do frio severos – tudo isso é oferecer proteção. Se há
um besouro em nosso apartamento, nós não apenas o jogamos pela
janela, justificando que ele não se machucará ao cair do quinto andar. Dar
proteção do medo seria leva-lo gentilmente para fora. Nunca o jogaríamos
na privada e puxaríamos a descarga, desejando-lhe boa sorte no caminho!
Podemos incluir aqui dar conforto aos outros quando estão com medo,
quer seja as nossas crianças ou talvez um animal que esteja sendo caçado.
Por exemplo, se um gato está torturando um rato, tentaremos proteger o
rato, tirando-o dali.
Há uma vasta gama de situações que indicam que estamos dando algo de
forma incorreta e precisamos evitá-las. Talvez estejamos dando com a
esperança que outros ficarão impressionados, ou talvez pensemos que
somos realmente religiosos e maravilhosos. É comum que ao dar aos
outros esperemos algo em retorno, mesmo se for simplesmente um
obrigado. No entanto, quando damos, é impróprio esperar qualquer coisa
em troca, nem mesmo um obrigado, muito menos um grande sucesso em
realmente melhorar aquela situação. Isso fica a critério do karma alheio.
Podemos oferecer ajuda, mas não devemos esperar sucesso nem gratidão
em troca.
Não façamos com que outras pessoas esperem por aquilo que temos para
dar, nem ofereçamos ajuda para somente dá-la amanhã. Novamente, é um
pouco como com as oferendas. Serkong Rinpoche era um dos professores
de Sua Santidade o Dalai Lama e tantas pessoas costumavam ir vê-lo. Ele
achava sem consideração e um pouco ridículo o fato que as pessoas
esperavam até estar diante dele para fazer prostrações elaboradas, e
disse: “Isso me faz perder meu tempo. Não tenho que vê-las fazendo as
prostrações. Elas não oferecem essas prostrações para o meu benefício.
Deveriam fazê-las antes de chegar a mim para poderem vir e me dizer de
forma direta aquilo que querem dizer.” É muito comum para os tibetanos
dar katas – echarpes cerimoniais – para os lamas, mas isso não deveria
ser feito para impressioná-los. Lembrem-se, as prostrações são para o
nosso benefício, não do professor.
Dar Pessoalmente
O que quer que decidamos dar, é importante que o façamos nós mesmos e
pessoalmente. Atisha tinha um assistente que queria fazer todas as
oferendas pelo professor, encher as tigelas de água e assim por diante.
Atisha disse: “É muito importante para mim fazer isso eu mesmo. Você
também comerá por mim?” Sempre que possível, deveríamos fazer tais
coisas nós mesmos e pessoalmente.
Dar o Dharma
Quando a Sua Santidade o Dalai Lama ensina a um grande público, ele faz
um pouco para cada nível das pessoas presentes. Na maior parte do
tempo, ele ensina em um nível muito avançado, dirigido para quaisquer
grandes lamas, geshes e khenpos que estiverem presentes. Como é mais
avançado que todos os outros, ele pode ensiná-los neste nível e depois
eles podem explicar tudo de uma forma menos complexa para seus
próprios alunos. Neste tipo de situação, a pessoa não ensina para o nível
mais baixo, pois há outros que podem cuidar deste nível. Ensina-se para o
nível mais elevado, para que os ensinamentos possam cascatear rumo aos
outros níveis, como se fosse igual a eles.
Praticar generosidade não requer que sejamos ricos nem que tenhamos
muitas posses. Independente de onde estivermos ou do que estivermos
fazendo, podemos começar a desenvolver uma mente generosa se
compartilharmos mentalmente tudo aquilo de que gostamos – o ar fresco
que respiramos, os lindos crepúsculos dos quais desfrutamos, as refeições
deliciosas que comemos. Desejar que outros também possam desfrutar de
tudo aquilo que fazemos é a base para o próximo passo, no qual
realmente damos aos próximos aquilo de que precisam.
Se pudermos, então será ótimo dar ajuda material, mas podemos também
ser generosos com a nossa energia e o nosso tempo. Quando damos com
alegria e com uma motivação pura, a generosidade se torna uma força
poderosa que assegura a nossa própria prosperidade e felicidade, e
também as dos outros.
A Perfeição Da Autodisciplina Ética:
Shilaparamita
Dr. Alexander Berzin
Introdução
Conclusão
“A paciência é uma virtude”, como diz o ditado. Isso quer dizer que apenas
temos que sorrir e aceitar tudo? A paciência no budismo é uma prática
poderosa que não quer dizer que temos que simplesmente tolerar as coisas,
mas que trabalhamos de forma ativa em nossa mente para termos certeza de
que ela não será vítima de emoções perturbadoras. A paciência nos dá a força
para trabalhar para o benefício, nosso e alheio, e é um dos fatores que nos
propulsa rumo à libertação e à iluminação.
Introdução
Suportar o Sofrimento
É como reclamar que o inverno é tão frio e escuro. Bem, o que é que
esperamos do inverno – que ele será adorável e quente e que poderemos
tomar banho de sol?! Da mesma forma que a natureza do fogo é quente, e
que queimaremos a nossa mão se colocarmos a nossa mão nas chamas, o
inverno será escuro e frio. Não faz sentido ter raiva.
Outro método que Shantideva sugere é ver certas pessoas como se fossem
loucas ou bebês. Se uma pessoa louca ou bêbada gritar conosco, seremos
ainda mais loucos que ela se gritarmos de volta, não é mesmo? Se o nosso
filho de dois anos gritar “eu te odeio!” quando desligamos a televisão e o
mandamos dormir, será que nós levamos isso a sério e ficamos com raiva
e chateados porque o nosso filho nos odeia? Não, porque se trata de um
bebê. Se pudermos ver outras pessoas que estão agindo de forma horrível
como bebês irritados ou pessoas loucas, realmente isso nos ajudará a não
ter raiva delas.
Conclusão
Nessas situações, parece natural ficar com raiva, o que nos faz crer que ao
destruir nosso inimigo finalmente teremos a paz mental pela qual
ansiamos. Infelizmente, mesmo se hoje destruirmos o nosso arqui-
inimigo, amanhã e depois de amanhã novos surgirão. Shantideva nos
aconselha a simplesmente cobrir nossos próprios pés com couro, ao invés
de tentar cobrir o planeta inteiro com couro. Em outras palavras, não há
sentido em tentar vencer todos os inimigos externos, o que todos nós
precisamos fazer é destruir nosso próprio inimigo interno – a raiva. O
couro aqui é uma referência para a paciência, o portal que nos leva a
suportar as dificuldades que outros criam em nossas vidas e que
enfrentaremos no caminho para a libertação.
A Perfeição da Perseverança:
Viryaparamita
Dr. Alexander Berzin
Tibetanos dizem que ser virtuoso é tão difícil quanto fazer um burro teimoso
subir uma ladeira, enquanto fazer coisas destrutivas é tão fácil quando deixar
pedras rolarem ladeira abaixo. Não importa o quão pacientes, generosos e
sábios nós somos, se não superarmos a preguiça, nunca seremos capazes de
beneficiar ninguém. Com coragem heroica e perseverança, nós somos como
guerreiros, prontos para enfrentar qualquer batalha interna ou externa em
nossa busca de alcançar a iluminação e beneficiar a todos os seres.
Introdução
A quarta das seis atitudes de amplo alcance (perfeições) é a perseverança. Ela é definida
como um estado mental que energeticamente está engajado em um comportamento
construtivo e se esforça para mantê-lo. Mas isso implica bem mais do que apenas
persistir com uma tarefa positiva; isso inclui a coragem heroica de não desistir e a
alegria de fazer algo construtivo.
Não se trata de ter uma postura de realmente trabalhar muito, embora detestemos nosso
trabalho, mas ainda assim o fazemos porque sentimos que é nosso dever, obrigação, ou
nos sentimos culpados, ou algo assim. Tampouco se trata de fazê-lo todos os dias de
forma mecânica como um viciado em trabalho. Não é aquilo que chamamos de
“entusiasmo a curto prazo”, quando estamos realmente animados para fazer algo,
investindo uma energia tremenda nisso, mas aí nos exaurimos e desistimos depois de
uma semana. Estamos falando aqui sobre esforço e entusiasmo sustentáveis, e por isso
também são chamados de perseverança. A razão pela qual é sustentável é porque
desfrutamos daquilo que estamos fazendo – de todo o trabalho positivo que estamos
fazendo. A perseverança, juntamente com a coragem heroica, é a melhor oponente para
a preguiça e a procrastinação.
Há três tipos de perseverança, sendo a primeira delas como uma armadura. Trata-se da
disponibilidade para continuar, continuar e continuar, independente do tempo que levará
ou quão difícil será. O que quer que aconteça, não ficaremos com preguiça nem
desmotivados. Se soubermos que o caminho do Dharma levará um tempo
realmente, realmente longo, e se estivermos dispostos a até mesmo ir aos infernos para
ajudar os outros, então é impossível ficar com preguiça ou desmotivados por qualquer
probleminha que aparecer. Temos uma postura como uma armadura que “nada,
absolutamente nada me abalará. ” Este tipo de coragem heroica nos protege de qualquer
dificuldade que enfrentarmos, pois já decidimos que, não importa quão difíceis forem as
condições ou quanto tempo levar, nós faremos o que tem que ser feito.
De certa forma, quanto mais acharmos que demorará para nos iluminarmos, mais rápido
ocorrerá; ao passo que, se quisermos que aconteça de forma fácil e imediata, bem, então
levará uma eternidade. Muitos grandes textos e professores disseram que se estivermos
buscando uma iluminação instantânea e fácil, então isso é basicamente um sinal de
nosso próprio egoísmo e preguiça. Queremos resultados, mas não temos vontade de
passar muito tempo ajudando aos outros. Queremos apenas a sobremesa deliciosa da
iluminação. Essencialmente, somos preguiçosos! Não queremos investir o trabalho duro
necessário. Queremos a iluminação em promoção, e quanto mais barato melhor. Mas
este tipo de barganha nunca pode funcionar.
Quando temos compaixão e a postura de que “trabalharei por três zilhões de eras para
desenvolver força positiva ajudando os outros”, o enorme escopo desta coragem heroica
nos ajuda a trazer a iluminação muito mais rápido.
Há três tipos de preguiça que podem interromper a nossa perseverança. Para praticar e
desenvolver perseverança, precisamos superar a preguiça.
Meu koan zen favorito é “A morte pode vir a qualquer momento. Relaxe.” É bom
refletir sobre esta afirmação. É verdade que a morte pode atacar a qualquer momento,
mas se formos ansiosos, nervosos e tensos demais em relação a isso, então nunca
realizaremos nada. Nós sentimos: “Tenho que fazer tudo hoje!” e nos tornamos
fanáticos, o que não nos ajuda. Sim, vamos morrer e isso pode ocorrer a qualquer
instante, mas se quisermos aproveitar esta vida, então temos que relaxar em relação a
esses fatos. Se sempre tivermos um intenso medo da morte, então sempre sentiremos
que nunca teremos tempo suficiente.
Isso não significa que não devemos parar para nos divertir e relaxar, pois às vezes
precisamos disso, para nos revitalizar. A questão é não nos apegarmos a isso e faze-lo
de forma exagerada por causa da preguiça. Podemos sempre fazer uma pausa, ir dar
uma caminhada, assistir a um programa de televisão – mas não precisamos nos apegar a
isso. Quando for suficiente, voltamos às coisas mais positivas que estávamos fazendo
antes.
Então, o ponto principal relativo a isso é não ficar apegados. Podemos fazer algo para
relaxar, e isso está bem. Mas apegar-nos a essa atividade e gastar todo o nosso esforço
nisso porque somos preguiçosos demais para fazer algo mais construtivo – isso é
simplesmente uma perda de tempo. Este tipo de preguiça realmente é um obstáculo para
nos alegrarmos fazendo coisas construtivas.
Para superar isso, temos que nos lembrar da natureza búdica – o fato que cada um de
nós tem várias qualidades e potenciais incríveis que podemos realizar. Se tantas pessoas
são capazes de trabalhar desde de manhã até a noite para fazer apenas um pouquinho de
dinheiro vendendo chiclete ou outra coisa qualquer, então com certeza somos capazes
de investir o tempo para alcançar algo de mais significativo. Se somos capazes de ficar
em pé em uma fila por horas e horas para comprar uma entrada para um show que dura
apenas 90 minutos, então nunca deveríamos pensar que somos incapazes de fazer algo
construtivo que leva ao objetivo eterno da iluminação.
2. Firmeza e Auto-orgulho
Precisamos de firmeza e estabilidade baseadas na autoconfiança e em um entendimento
da natureza búdica. Quando estivermos realmente convencidos sobre a existência da
natureza búdica – o potencial básico dentro de todos nós – então automaticamente
teremos uma incrível autoconfiança, seremos estáveis e constantes em nosso esforço.
Não importa quantos altos e baixos houver, perseveraremos com uma coragem heroica.
3. Deleite
O terceiro suporte é alegrar-nos naquilo que estamos fazendo. Trata-se de um
sentimento de satisfação e contentamento com aquilo que estamos fazendo com nossas
vidas. Trabalhar em nosso desenvolvimento pessoal e ajudar os outros é a coisa mais
satisfatória e que mais nos traz plenitude. Quando fazemos isso, naturalmente uma
grande alegria surge dentro de nós.
4. Soltar
O ultimo suporte é saber quando descansar. Não deveríamos nos exaurir ao ponto de
simplesmente cair, desistir, não conseguir enfrentar e voltar ao que estávamos fazendo.
Precisamos achar o caminho do meio entre nos esforçar demais ou tratar a nós mesmos
como bebês. Isto não quer dizer que a cada vez que nos sentimos um pouco cansados,
deveríamos deitar e tirar um cochilo!
Ainda assim, Trijang Rinpoche, o falecido tutor de sua Santidade o Dalai Lama, disse
que quando estivermos com um humor realmente ruim e negativo, e nenhum dor
métodos do Dharma estiver nos ajudando, então a melhor coisa é tirar um cochilo.
Quando acordarmos, o nosso humor terá mudado, pela simples natureza de tirar um
cochilo. Trata-se de um conselho muito prático.
Dois Fatores Adicionais para Desenvolver a Coragem Heroica
1. Aceitar Prontamente
O primeiro é aceitar prontamente o que precisamos praticar e aceitar o que precisamos
renunciar. Além disso, precisamos aceitar as dificuldades envolvidas. Tudo isso é
baseado no exame realista de cada ponto e nossa habilidade ao lidar com eles. Isso
inclui aceitar que realmente precisamos deste e daquele ato construtivo para ajudar os
outros e alcançar a iluminação. Aceitamos que há coisas que precisaremos parar de
fazer e que haverá dificuldades envolvidas nisso.
E aquelas coisas que temos que parar de fazer? Para começar, precisamos de tempo, e
pode vir a ser bastante difícil – cortar coisas apenas para criar tempo. Nós nos
examinamos honestamente e perguntamos: “Será que consigo fazer isso? ”. Aceitamos a
realidade daquilo que está envolvido e colocamos o nosso coração a serviço disso com
um entusiasmo alegre.
2. Tomar Controle
O segundo ponto de Shantideva para desenvolver a coragem heroica é que, uma vez que
tenhamos a atitude realista de aceitar aquilo do que falamos mais acima, tomamos
controle e realmente nos aplicamos. Com a força de vontade, não apenas nos deixamos
agir de nenhuma forma antiga – especialmente com preguiça. Assumimos o controle e
nos aplicamos no trabalho positivo que queremos realizar. Como diríamos em inglês:
“Nós colocamos o nosso coração nisso.”
Conclusão
Introdução
Conclusão
Se nos falta a sabedoria que sabe discriminar com precisão entre a realidade e
a fantasia, falta-nos a mais importante ferramenta para realizar os objetivos
mundanos e espirituais, nossos e dos outros. Em um estado de inconsciência e
confusão, apenas tentaremos adivinhar o que ajudará a nós mesmos e aos
outros, e muitas vezes erraremos. Com a consciência discriminativa de amplo
alcance – a perfeição da sabedoria – juntamente com compaixão e um ideal de
bodhichitta, podemos nos tornar um buda e conhecer plenamente os mais
efetivos e adequados métodos para beneficiar todos os seres existentes.
Conclusão
Só podemos ajudar os outros a levar uma vida mais positiva se eles estiverem
e receptivos a nós. Algumas pessoas que conhecemos são naturalmente
abertas e alguns de nós podemos ser naturalmente carismáticos. Mas além
desses casos, se somos generosos, damos conselhos de forma agradável,
mostramos claramente como colocá-los em prática e damos o exemplo de
como praticar o que dizemos, as pessoas se reunirão ao nosso redor e serão
receptivas à nossa influência positiva.
1. Ser Generoso
Para que as pessoas fiquem ainda mais abertas a nós, precisamos falar de
maneira gentil e agradável com elas. Ou seja, de forma que elas entendam,
usando o tipo de linguagem com a qual possam se identificar, e falar em
termos de seus interesses. Basicamente, precisamos fazer com que os
outros sintam-se confortáveis conosco. Perguntamos sobre sua saúde e
mostramos interesse no que está acontecendo em suas vidas. Se alguém
gosta de futebol, não dizemos “Isso é besteira, que perda de tempo!” Esse
um ponto importante, porque se dissermos isso, eles não ficarão
receptivos a nós. Eles sentirão que nos achamos superiores a eles. Não há
necessidade de entrar em detalhes sobre quem ganhou o jogo de hoje,
mas podemos conversar um pouco para que eles se sintam aceitos. Se
aspiramos a ajudar os outros, é importante ter interesse em todas as
pessoas e nas coisas pelas quais elas se interessam. Se não fizermos isso,
como é que podemos nos identificar com elas?
Uma vez que alguém esteja aberto e sinta-se aceito por nós, nossa
maneira agradável de falar pode se voltar para assuntos mais
significativos. Em momentos e circunstâncias apropriadas, podemos falar
sobre aspectos dos ensinamentos budistas que são relevantes e que
poderiam ser úteis para a pessoa. Precisamos nos assegurar de indicar
alguns dos benefícios que eles terão ao fazer isso.
É claro que ainda não somos budas e por isso é impossível sermos um
modelo perfeito para qualquer pessoa. Mesmo assim, fazemos o melhor
possível. Não ser hipócrita não significa fingir seguir os ensinamentos
quando estamos com alguém que tentamos ajudar, mas depois agir de
forma vergonhosa quando estamos sozinhos, ou com nossa família. Agir
de forma consistente com os objetivos do Dharma precisa ser algo que
fazemos em tempo integral e com sinceridade.
Conclusão
Aquietando a Mente
Algumas pessoas acham que meditar é parar de pensar. Ao invés de parar todos os
pensamentos, a meditação deve parar os pensamentos irrelevantes e
desnecessários, tais como como conjecturas envolvendo o futuro (O que será que
eu vou comer no jantar?), e pensamentos negativos ou inúteis (Você foi ruim
comigo ontem. Você é uma pessoa horrível.). Tudo isso pertence à categoria de
distrações mentais e pensamentos perturbadores.
Entretanto, ter uma mente quieta é apenas uma ferramenta; não é o objetivo final.
Quando temos uma mente mais quieta, clara e aberta podemos usá-la de forma
construtiva, tanto no nosso dia-a-dia quanto durante a meditação, e buscar uma
compreensão melhor de nossas vidas. Com uma mente livre de emoções
perturbadoras e pensamentos irrelevantes podemos pensar com muito mais
clareza sobre temas importantes como: O que tenho feito com minha vida? O que
está acontecendo com esse relacionamento importante? É saudável ou não?
Podemos ser analíticos — isso se chama introspeção. Para compreendermos essas
questões e sermos introspectivos de forma produtiva, precisamos de clareza.
Precisamos de uma mente calma e quieta, e a meditação é uma ferramenta que
pode nos proporcionar isso.
Agora, quando vamos fazer compras é claro que precisamos ser capaz de distinguir
entre uma maçã e uma laranja, ou entre uma fruta verde e uma madura. Nesses
casos do cotidiano, pensar em categorias não é um problema. Mas existem tipos de
categorias que são um problema. Um deles é aquilo que chamamos de
“preconceito”.
Um exemplo de preconceito é: “Eu sei que você sempre será ruim comigo. Você é
uma pessoa terrível porque no passado fez isso e aquilo. E agora eu predigo que,
não importa o que acontecer, você continuará a ser uma pessoa terrível.” Nós pré-
julgamos, estabelecendo que aquela pessoa é horrível e continuará a ser horrível
conosco – isso é um preconceito. Em nossos pensamentos, colocamos a pessoa na
categoria ou na caixinha chamada “pessoa horrível”. E é claro que, se pensarmos
desta forma e projetarmos em alguém o pensamento “Ele é mau; ele sempre é
terrível comigo.”, haverá um bloqueio entre nós e a pessoa. Nosso preconceito
afeta como nos relacionamos com ela. Ou seja, o preconceito é um estado mental
no qual categorizamos; colocamos as coisas em caixinhas mentais.
Uma das instruções mais comuns é meditar sem expectativas e sem qualquer
preocupação. Preconceitos relativos a uma sessão de meditação poderiam ser a
expectativa de que a sessão será maravilhosa, ou a preocupação de que nossas
pernas doerão, ou o pensamento: “eu não serei bem-sucedido”. Esses pensamentos
de expectativa e preocupação são preconceitos, não importa se os verbalizamos ou
não. Tais pensamentos colocam a meditação que está por vir dentro da caixinha
mental, ou da categoria, de “uma experiência fantástica” ou “uma experiência
dolorosa”. Uma abordagem não conceitual seria simplesmente aceitar o que quer
que aconteça e lidar com isso de acordo com as instruções da meditação, sem
julgar a situação.
Conclusão
Conclusão
A vacuidade significa uma total ausência de uma forma real de existência que
corresponda a algo que instintivamente projetamos. Projetamos compulsivamente
por causa de nosso hábito arraigado de acreditar que as fantasias de nossa
imaginação são realidade. “Perdedor”, por exemplo, é apenas uma palavra e um
conceito. Quando nós nos rotulamos com o conceito de “perdedor” e nos
designamos com a palavra “perdedor”, temos que entender que se trata apenas de
convenções. Pode ser verdade que tenhamos falhado muitas vezes em nossas
vidas, ou talvez não tenhamos de fato falhado, mas o nosso perfeccionismo faz com
que que nos sintamos fracassados, pois não somos suficientemente bons. Em todos
os casos, muito mais ocorreu em nossas vidas além de nossos sucessos e fracassos.
No entanto, ao nos rotularmos como perdedores, mentalmente nos colocamos na
caixinha chamada “perdedor” e acreditamos que realmente existimos como uma
pessoa dentro desta caixinha. Na verdade, imaginamos que há algo de
inerentemente errado ou ruim conosco que estabelece definitivamente o fato de
estarmos na tal caixinha. Estabelece que estamos na caixinha, pois ela tem poder
sobre nós, independentemente de qualquer coisa que tenhamos feito em nossas
vidas ou do que qualquer pessoa pense.
Esta forma de existência, de alguém que está preso na caixinha de perdedores e
merece estar ali, é uma total fantasia. Não corresponde a nada real. Ninguém existe
preso em uma caixinha. A nossa existência como perdedor surgiu meramente
como um conceito que aplicamos a nós mesmos. O conceito “perdedor” e a palavra
“ perdedor” são meras convenções. Pode ser que eles se apliquem de forma
adequada a alguém, por exemplo, quando a pessoa perde em um jogo de cartas.
Nesta situação, convencionalmente, a pessoa é uma perdedora. No entanto,
ninguém existe inerentemente como perdedor, para quem é impossível ganhar
porque trata-se de um verdadeiro perdedor.
Conclusão
Só porque nada existe de formas impossíveis isso não quer dizer que nada existe. A
vacuidade refuta meramente maneiras impossíveis de existir, tais como uma
existência inerente e autoestabelecida. Ela não refuta a existência de coisas como
“isso” ou “aquilo”, de acordo com as convenções das palavras e dos conceitos.
Aplicar o Vazio Quando Estiver
Preso no Tráfego
Dr. Alexander Berzin
Falta de Consciência
Vacuidade (vazio) é uma ausência; alguma coisa está ausente. O que está
totalmente ausente nesse caso é o objeto conceitualizado. O surgimento
de um idiota inerentemente existente não corresponde à realidade.
Apesar de existir uma pessoa dirigindo um carro, ela não existe
inerentemente como um idiota. Ninguém pode existir inerentemente
como um idiota, porque não existe tal coisa, não existem idiotas
inerentemente existentes. Portanto não existe um idiota inerentemente
existente no carro. Essa é a idéia geral. Entretanto, temos que refiná-la,
porque ainda não está muito precisa.
O terceiro critério é que esse rótulo não seja contraditório ao que percebe
uma mente que vê de forma válida a verdade mais profunda. Isso está se
referindo a uma mente que vê de forma válida como é que essa pessoa
existe como um idiota. Como é que ele é um idiota? Ele é um idiota apenas
convencionalmente, dependendo de onde e como dirige, ou será que nós
estamos simplesmente projetando que essa pessoa existe
intrinsecamente como um idiota? Se pensarmos que esta pessoa é
mesmo, intrinsecamente, um idiota, isso seria contraditório à percepção
de uma mente que vê como é que as coisas realmente existem.
Convencionalmente, essa pessoa está conduzindo como um idiota. Isso é
correto, isso é uma convenção válida, um rótulo válido, e uma verdade
superficial válida. O que acontece é que nós exageramos a forma como ele
existe como um idiota. Ele existe como um idiota apenas na dependência
de muitas coisas – especificamente de rótulos mentais, que iremos
discutir abaixo.
Essa coisa dentro do motorista, fazendo com que ele exista inerentemente
como um idiota faz-lhe existir dessa maneira independentemente de
qualquer outra coisa, apenas pelo seu próprio poder. Parece que se
examinássemos, seriamos capazes de encontrá-la e apontar para ela.
Porém, quando examinamos cuidadosamente, não conseguimos
encontrar nada no objecto que esteja fazendo dele aquilo que ele é. Se
começar a analisar esta pessoa que está no carro, você verá uma série de
átomos e campos energéticos e não vai encontrar nada sólido que possa
apontar como sendo aquilo que está fazendo dele um idiota. Se
analisarmos as ações dessa pessoa, em termos de microsegundos de
movimento, há o movimento de mover o dedo um milímetro nesta
direção e depois o próximo milímetro nesta direção e o próximo naquela
direção e, assim, o que está fazendo a pessoa ser um idiota? Você não
pode apontar para qualquer microsegundo de comportamento como
sendo aquele que está fazendo o idiota, pode? Dessa forma, você não
consegue encontrar nada no objeto que esteja ali por si só fazendo essa
pessoa existir como um idiota – embora ela esteja aparecendo como um
idiota.
Rotulamento Mental
Além disso, de uma forma mais básica, podemos dizer que a cognição de
haver uma pessoa dirigindo como um idiota depende do conceito "idiota".
Se não houvesse tal conceito, não poderíamos dizer que essa pessoa está
dirigindo como um idiota, não é? Isto leva-nos para o reino
do rotulamento mental .
Você pode pensar, “Sera que é possível dizer, de maneira objetiva, como
essa pessoa está dirigindo?” Essa é uma pergunta perfeita para
analisarmos. Esse é o problema: a fixação ao que está realmente se
passando. Ele está realmente dirigindo como um idiota ou não? Quando
entramos no campo do que ele realmente é, estamos no reino da
existência inerente. A pessoa está dirigindo como um idiota na
dependência do conceito "idiota", costumes ocidentais, e assim por
diante. O exagero é que ele realmente é um idiota. Isso é existência
inerente; isso é o que é impossível.
A Prasangika diz “não, não há nada encontrável na pessoa que faça dela
um rei”. É evidente que, convencionalmente, existem características
definidoras. Alguém que rege um país no sistema de monarquia é um rei.
Há uma característica definidora do que é um rei. Se nada tivesse uma
definição, seria impossível as coisas funcionarem – mas elas são apenas
convencionais. Não é que as características definidoras existam
realmente como algo encontrável dentro do objeto, pelo seu próprio
poder, fazendo com que uma pessoa seja uma nobre, por exemplo.
Se ficarmos por aqui e apenas dissermos "bem, ela está agitada e irritada
porque provavelmente algo desagradável aconteceu hoje, isso depende
de muitos fatores", então a nossa cognição é perfeitamente válida. Não
seria contraditória a uma mente que validamente vê o nível mais
profundo, como as coisas existem, como é que a nossa parceira existe ao
estar irritada.
Se nos parecer que nossa parceira não está irritada apenas por esta ou
aquela razão, e em vez disso pensamos, "Oh meu Deus, ela está irritada
outra vez. Ela é uma pessoa cheia de raiva, sempre irritada por isto ou
aquilo. Não aguento mais!" isso contradiz a percepção de uma mente que
validamente vê a verdade mais profunda. Ninguém existe
intrinsecamente desse modo.
É muito fácil dizer, "desde que tenhamos boas intenções, o que quer que
decidamos fazer está bem", mas há uma expressão em inglês: "a estrada
para o inferno é pavimentada com boas intenções". Além disso, nós temos
muitas intenções e motivações por trás de cada um dos cursos de ação
alternativos que possamos escolher, não apenas uma, por isso é muito
complexo.
Pode parecer que algo fizemos tenha prejudicado uma coisa, e por isso
somos culpados, como se o nosso ato existisse
inerentemente/intrinsecamente e por si só tenha criado um problema. É
assim que isso nos parece agora e acreditamos nisso e por isso sentimo-
nos culpados. Convencionalmente, podemos ter contribuído para o
problema mas, certamente, o que nós fizemos, por si só, independente de
tudo mais, não criou o problema. Havia muitas causas. Como o Buda disse,
um balde não é cheio pela primeira nem pela última gota de água; é
enchido pela coleção de todas as gotas. Há milhares e milhares de fatores
que causam um efeito e que são responsáveis pelo que acontece.
Responsabilidade e Culpa
Mas certamente não poderíamos dizer que a pessoa que construiu a mesa
ou que pôs o copo na beira foi responsável pela sujeira.
"Culpa" significa que há algo inerente em nós que faz com que sejamos
uma pessoa ruim e o que nós fizemos foi inerentemente mau. Fizemos
algo, identificamos o que fizemos como inerentemente mau e a nós
próprios como pessoas inerentemente más, e depois nos fixamos às
identificações e não as largamos. Com a compreensão da vacuidade,
entendemos que nada e ninguém existe como sendo inerentemente
“mau”, estabelecendo-se assim de forma independente, por si só. Quando
temos uma compreensão profunda disso, não sentimos mais culpa, mas
se compreendermos corretamente a vacuidade, também entenderemos
que somos responsáveis por nossas ações.
Conclusão
A Autotransformação Através do
Treinamento da Mente
Dr. Alexander Berzin
O Buda viu tudo isso. Ele percebeu em sua própria vida e na vida dos
outros. Viu que todos estão na mesma situação. Em um nível mais
grosseiro, todos temos dificuldade com o que são apenas ocorrências
normais da vida — nascer, crescer, ficar doente, envelhecer e morrer — e
também com os altos e baixos incontroláveis de nossos sentimentos. Mas
o Buda disse que os problemas que temos com essas ocorrências surgem
a partir de causas; eles não surgem do nada. Eles não vêm de uma super
força externa — quer a chamemos de “Deus” ou, de forma mais
impessoal, destino. Essa não é a verdadeira fonte de nossos problemas.
Mas o Buda disse que é possível acabar com essa situação, deixar de ter
esses problemas, de forma que eles nunca mais ocorram. Não estamos
condenados a sofrer para sempre. Não é como se a única solução fosse
nos drogar ou nos embriagar para fazer o sofrimento passar e sentirmos,
nem que por um momento, que escapamos de nossos problemas. E
também não é como se fosse apenas uma questão de mergulharmos em
um estado de meditação profunda onde não há pensamentos e isso fosse
resolver nossos problemas. Temos que nos livrar da confusão.
Precisamos substituir confusão por compreensão correta. Todos somos
iguais, todos queremos ser felizes e não queremos ser infelizes, e
ninguém tem mais direito à felicidade que o outro. E ainda, somos apenas
uma pessoa e “os outros” são infinitos. Se conseguirmos enxergar essa
realidade e agirmos de acordo com ela, à medida que nossa compreensão
for se aprofundando, nossos estados emocionais também vão lentamente
mudando.
Treinamento Mental
Essa pessoa tem uma péssima atitude conosco, mas por que age dessa
forma? Alguma coisa a incomoda. Tenho certeza que vocês têm uma
pessoa assim em suas vidas, que, por exemplo, está sempre reclamando.
Sempre que está com você, ela fica reclamando de alguma coisa. Só fala de
si, e estar com ela é um “saco”. Se analisarmos a situação, é óbvio que a
pessoa age dessa forma porque está extremamente infeliz. Uma maneira
produtiva de mudar nossa atitude seria pensar: “Se a pessoa ao menos
conseguisse ser feliz, ela pararia de reclamar o tempo todo e dificultar as
coisas pra mim.” A definição de amor, no budismo, é o desejo de que a
outra pessoa seja feliz e encontre as causas da felicidade. Portanto, ao
invés de simplesmente desejar que a pessoa vá embora e pare de nos
incomodar, cultivamos o desejo de que ela seja feliz, que o que quer que a
esteja incomodando vá embora, com isso ficaremos menos chateados.
Praticar essa mudança de atitude através da meditação é “treinamento
mental”.
Tenho que admitir que nunca fiz isso, mas sei de um mestre Zen ocidental
em Nova Iorque que faz seu alunos, se eles quiserem, ir para as ruas sem
nenhum dinheiro ou cartão de crédito ou débito e ser um sem-teto,
mendigar por uma semana, só para experimentar como é.
O próximo método, que é mudar as situações que você acha que não são
conducentes à sua prática e transformá-las em situações
que são conducentes, é a ideia principal presente nos textos tradicionais
de treinamento da mente, mais especificamente nos Os Oito Versos de
Treinamento da Mente por Langri Tangpa. Um verso do grande mestre
indiano, Shantideva, no texto Engajando no Comportamento do
Bodhisattva, indica esse tipo de abordagem. Ele escreve,
(VI.10) Se pode ser remediado, por que ficar de mau humor por
causa disso. Se não pode ser remediado, de que serve ficar de
mau humor?
Se você pode fazer alguma coisa para mudar a situação, para que serve
ficar chateado? Simplesmente mude-a. E se não há nada que possa fazer,
para que serve ficar chateado? Não vai ajudar em nada. Portanto, se
estiver em uma situação que parece muito prejudicial, muito difícil, como
uma crítica ou as coisas indo mal, e não conseguir mudar a situação, por
que se chatear? Simplesmente mude sua atitude em relação a ela.
(VI.107) Portanto, devo ficar muito feliz com esse inimigo que
surgiu como um tesouro em minha casa, sem que eu precisasse
me esforçar para isso, porque ele me ajuda a desenvolver o
comportamento de um bodhisattva.
Agora, você tem que ter muito cuidado para não adotar a pose de mártir,
“Eu sofrerei por você”, o que, em certo sentido, é um engrandecimento do
ego. Tenho de confessar que não sou muito bom nesse método. Para
executá-lo com sinceridade é necessário uma tremenda coragem, mas
recentemente eu tentei.
Mencionei que tive que fazer uma segunda cirurgia no maxilar, e tive que
ficar acordado durante a cirurgia. É realmente “maravilhoso”! Eles cortam
a gengiva de todo um lado da boca, descolam-na, pegam um aparelho que
parece uma serra elétrica e cortam um pedaço do osso, uma pontinha da
raiz do dente e o tecido envolta. A forma como isso é feito é quase
medieval. Na primeira cirurgia, eu realmente achei tudo o que eles
estavam fazendo muito, mas muito interessante. De fato não foi muito
doloroso, porque a anestesia foi muito boa, apesar de precisar de uma
nova dose na metade da cirurgia. Mas na segunda vez, a infecção era
muito maior e, quando você tem uma infecção, a novocaína não funciona
naquela área, portanto foi extremamente dolorosa.
Apesar de certamente não ter feito isso 100% correto, me ajudou muito a
lidar com a situação. Se você fizer da maneira correta, realmente vai
querer sentir a dor alheia e que ela aumente a sua dor. Honestamente
falando, é uma prática muito avançada, se fizermos com sinceridade. Você
pode dizer que faz, mas isso não significa nada. Realmente querer que
isso aconteça é algo muito diferente. Mas pelo menos a sensação de sugar
o sofrimento alheio e ser o suficiente para aliviá-lo— pelo menos nesse
nível, é possível.
Conclusão
A fonte da felicidade está dentro de nós. Quando nossa mente está tranquila,
nossa visão é positiva, mas realista, e nossos pensamentos em relação aos
outros são amorosos, sentimos uma felicidade que nos sustenta com força e
coragem independente das dificuldades que enfrentamos. Conforme disse o
Buda, se queremos ser felizes, precisamos domar nossa mente.
A Felicidade é um Sentimento
Embora haja muitos tipos de felicidade, aqui vamos focar nossa atenção
na felicidade comum. Para entender as suas fontes, primeiro precisamos
ficar claros em relação ao que significa “felicidade”. O que é esta felicidade
(bde-ba, sct. sukha) que todos nós queremos? De acordo com a análise
budista, a felicidade é um fator mental – em outras palavras, trata-se de
um tipo de atividade mental do qual temos consciência de um objeto de
uma certa forma. É uma seção de um fator mental mais vasto chamado
“sentimento” (tshor-ba, sct. vedana), que cobre um espectro que abrange
um amplo leque que vai de totalmente feliz a totalmente infeliz.
A Definição da Felicidade
Observem que estar felizes ou satisfeitos com algo não impede que
queiramos mais ou menos de algo, baseados na necessidade. Isso não nos
torna inativos de forma que nunca tentamos melhorar as coisas ou a nós
mesmos ou as situações em nossas vidas. Por exemplo, podemos aceitar,
ficar satisfeitos e, por conseguinte, felizes com o progresso que fizemos
na realização de um projeto ou na recuperação de uma cirurgia. Até
mesmo, baseados na necessidade, podemos ainda assim querer continuar
a progredir sem estarmos infelizes com aquilo que realizamos até então.
O mesmo se aplica com a quantidade de comida em nosso prato ou a
quantidade de dinheiro que temos no banco, se de fato for a realidade que
não temos suficiente e precisamos de mais. Sem exagerarmos os aspectos
negativos de não termos comida suficiente para comer ou dinheiro no
banco, nem negarmos os benefícios de ter mais, podemos nos esforçar
para conseguir obter mais comida ou dinheiro, sem ficar infelizes em
relação a isso. Se formos bem-sucedidos, tudo bem; se falharmos, tudo
bem também, vamos conseguir de alguma maneira. Continuaremos a
tentar. O mais importante é que continuamos a tentar obter mais sem as
divagações mentais ocasionadas pelas expectativas por sucesso ou pelas
preocupações em relação ao fracasso.
Ingenuidade
Aquietar a Mente
Desenvolver Amor
Conclusão
Quando as nossa mentes estão perturbadas pela raiva, por apego, egoísmo ou
cobiça, as nossas energias também ficam perturbadas. Nós nos sentimos
inquietos, nossas mentes não estão calmas, nossos pensamentos disparam.
Dizemos e fazemos coisas das quais nos arrependeremos mais tarde. Se
notarmos uma perturbação repentina em nossas mentes e energias, podemos
ter certeza que se trata do resultado de alguma emoção perturbadora. O
truque é percebê-la assim que ela aparece e aplicar algum estado mental
oposto, como amor e compaixão, para evitar os problemas que criaremos se
nos entregarmos à emoção problemática e agirmos de acordo com ela.
Uma emoção perturbadora é definida como um estado mental que, quando nós o
desenvolvemos, ele nos leva a perder a nossa paz mental e o nosso autocontrole.
Um exemplo claro disso é estar motivados a ser úteis e fazer coisas boas
para os outros, porque desejamos nos sentir amados e apreciados. Por
detrás disso, somos basicamente inseguros. Quanto mais continuamos
agindo com este tipo de motivação, ela nunca nos satisfaz, nunca
sentimos: “Okay, agora eu sou amado. Agora já é bastante, não preciso de
mais do que isso.” Nunca sentimos isso. Então, o nosso comportamento
apenas reforça e fortalece o hábito de sentir de forma compulsiva: “Tenho
que me sentir amado, tenho que me sentir importante e apreciado”.
Apenas damos mais e mais com a esperança de ser amados, mas sempre
nos sentimos frustrados. Estamos frustrados porque, até mesmo se
alguém nos agradece, nós pensamos: “Ele não está sendo sincero.” Este
tipo de coisa. E isso apenas piora cada vez mais, pois a síndrome se repete
e se repete e se repete. O nome disso é “samsara”. Trata-se, a propósito,
de uma situação problemática incontrolavelmente recorrente.
Então, quando estamos a ponto de dizer ou fazer algo, se nós nos sentimos
um pouco nervosos e não completamente relaxados, isso é um sinal de que
alguma emoção perturbadora está presente.
Emoções Não-Perturbadoras
O que seria uma emoção não-perturbadora? Bem, pode ser que pensemos
que “amor” é uma emoção não-perturbadora, ou “compaixão” ou
“paciência”. Mas quando analisamos essas palavras que temos em nossos
idiomas europeus, descobrimos que cada uma dessas emoções poderia
ter uma variante perturbadora e outra não-perturbadora. Então, temos
que ser um pouco cuidadosos. Se o amor é um tipo de sentimento no qual
sentimos “Eu te amo tanto, eu preciso de você, nunca me deixe!” então
este tipo de amor é realmente um estado mental perturbado. É
perturbado porque se a pessoa não nos ama ou não precisa de nós,
ficamos muito chateados. Ficamos com raiva e de repente a nossa emoção
muda: “eu não te amo mais”.
Por exemplo, pode ser que tenhamos este tipo de amor não-perturbador
por nossos filhos. Não realmente esperamos nada em troca. Bem,
obviamente alguns pais esperam. Mas geralmente, não importa o que a
criança faz, nós ainda a amamos. Queremos que ela seja feliz. No entanto,
muitas vezes, isto está mesclado com outro estado perturbador, que faz
com que queiramos fazer essas crianças felizes. Se fazemos algo com a
intenção de fazer nosso filho feliz, como levá-lo a um show de marionetes,
e isso não funciona, não faz com que ele fique feliz, pois prefere jogar com
um joguinho de computador, nós nos sentimos muito mal. Nós nos
sentimos mal porque queríamos ser a causa da felicidade de nosso filho, e
não queríamos que fosse o computador. Mas ainda assim chamamos o
sentimento que temos por ele de “amor”. “Eu quero que você seja feliz,
tentarei fazer você feliz, mas quero ser a pessoa mais importante de sua
vida que esteja fazendo isso.”
Raiva é uma forte aversão à algo ou alguém que não gostamos ou acreditamos
ser uma ameaça para nós. Sendo uma emoção perturbadora, ela destrói nossa
paz de espírito e auto-controle. Através das várias práticas para
desenvolvermos paciência, podemos evitar a raiva e ter uma vida mais feliz.
Problemas na Vida
Quase todos nós sentimos que temos algum problema em nossas vidas.
Queremos ser felizes. Não queremos ter nenhum problema, mas
constantemente temos que enfrentar muitos problemas diferentes. Às
vezes nos deprimimos; encontramos dificuldades ou nos sentimos
frustrado no trabalho, com nossa posição social, nossas condições de vida,
situação de nossa família. Temos o problema de não conseguirmos o que
queremos. Queremos ser bem sucedidos. Queremos que só coisas boas
aconteçam com nossa família e negócios, mas não é sempre assim. Então,
quando temos problemas, ficamos infelizes. Algumas vezes coisas que não
queremos acontecem, como ficar doente ou fraco quando envelhecemos,
perder a audição ou visão. É indiscutível que ninguém quer que isso
aconteça.
Podemos nos agarrar a uma identidade de ser pai, por exemplo: “Isso é
quem eu sou, eu sou o pai, devo ser respeitado em minha família. Meus
filhos devem demonstrar respeito e obediência a mim.” Se toda nossa
orientação de vida diz respeito a ser pai, é claro que isso nos trará
algumas dificuldades. Isso porque, se nossos filhos não respeitarem essa
posição, teremos um problema. No escritório, as pessoas não nos vêem
com um “pai” ou alguém que mereça esse tipo de respeito. De novo, isso
pode ser muito perturbador. O que acontece se em casa sou eu quem
mando, mas quando vou pro trabalho as pessoas me olham com ar de
superioridade, me tratam como se eu fosse inferior e eu é que preciso
mostrar respeito? Se nos agarrarmos muito à identidade de pai
merecedor de respeito podemos ser muito infelizes no trabalho, onde as
pessoas não nos tratam assim.
Por exemplo, se sentimos, “Eu sou um pai de família”, não é suficiente pra
gente sentir apenas que somos o pai na família, precisamos também
afirmar a autoridade. Temos que afirmar nosso poder sobre a família e
nos certificarmos que todos nos reverenciam, porque temos que provar
para todo mundo que ainda somos o pai. Não é o suficiente apenas
sabermos que somos. Se sentirmos que essa identidade está ameaçada,
podemos ficar muito na defensiva, ou nos tornarmos agressivos ou
ofensivos para provar alguma coisa. “Eu tenho que provar quem eu sou.
Eu tenho que provar que ainda sou viril e atraente”, e aí temos que sair e
nos casar novamente, ou ter um caso com uma mulher mais nova para
provar que é isso que somos, é assim que existimos.
Também posso achar que minha identidade é de uma pessoa sortuda: “Eu
devo sempre ter boa sorte e ganhar no mahjong”. Se essa for a minha
identidade, acho que se eu sempre ganhar no mahjong, ou em qualquer
outro tipo de jogo me sentirei seguro. Ou talvez deva sempre ir a um
adivinho ou jogar varetas no templo budista chinês para obter uma
resposta adequada, reafirmando que sou bem sucedido, que estou bem.
Sou inseguro demais em relação a minhas próprias habilidades nos
negócios para sentir que vou ter sucesso. Sempre preciso de mais sinais,
mais sinais dos deuses, mais sinais de quem quer que seja para me sentir
seguro, então compulsivamente sempre busco isso.
Repulsa e Hostilidade
Outro mecanismo que usamos pra tentar deixar uma identidade sólida
aparentemente segura é a repulsa, hostilidade e raiva: “Se eu conseguir
apenas afastar certas coisas que não gosto, que ameaçam minha
identidade, então me sentirei seguro”. Se eu basear minha identidade na
minha visão política ou na minha raça ou cultura: “Eu só preciso afastar
aqueles que têm uma visão diferente, cor de pele diferente, religião
diferente, para me sentir seguro”. Ou, se minha empregada está fazendo
as coisas um de um modo um pouco diferente de como eu quero que ela
faça, ou meus funcionários do escritório estão fazendo as coisas de um
modo um pouco diferente de como eu quero que eles façam, acho: “Eu só
preciso conseguir corrigi-los, mudar isso, e então me sentirei seguro. Eu
gosto dos meus papéis arrumados de uma certa maneira, mas aquela
outra pessoa no escritório os arranja de maneira diferente.” De alguma
forma sentimos que isso nos ameaça: “Eu só preciso conseguir que eles
arrumem da minha forma, para eu me sentir seguro”. Que diferença faz?
Dessa forma, dirigimos nossa hostilidade aos outros, num esforço de nos
livrarmos de tudo que nos ameaça.
Emoções Construtivas
Temos que ver que existe uma diferença entre certas emoções que são
muito positivas e construtivas – como amor, calor humano, afeto,
tolerância, paciência e bondade – e emoções negativas ou destrutivas
como o desejo, hostilidade, mente fechada, orgulho, arrogância, inveja e
assim por diante. Não existe uma palavra para emoção nas línguas Pali,
Sânscrito ou Tibetano. Podemos falar sobre as positivas ou negativas, mas
não existe uma palavra que agrupe todas como temos em inglês.
A raiva não traz nenhum tipo de benefício. Se a nossa raiva fica tão forte
ou frustrada que temos que extravasá-la de alguma forma e explodimos,
xingando ou maldizendo alguém, será que isso realmente nos faz sentir
melhor? Ver alguém magoado e chateado nos faz sentir melhor? Ou
ficamos com tanta raiva que sentimos que temos que esmurrar a parede.
Será que socar a parede realmente nos faz sentir melhor? Não, é óbvio
que não, machuca. Na verdade, a raiva não nos ajuda de maneira alguma.
Se ficamos presos num engarrafamento, e ficamos com tanta raiva que
começamos a buzinar, gritar e xingar todo mundo, isso traz algo de bom?
Nos faz sentir melhor? Os carros começam a andar mais rápido? Não, só
faz com que façamos papel de palhaço na frente de todo mundo, e ainda
vão dizer: “Que idiota é esse buzinando?” Isso certamente não vai ajudar a
situação.
Afinal, nossa qualidade de vida está em nossas mãos. Uma das principais
mensagens que o Buda nos passou é que podemos interferir na qualidade
de nossas vidas. Não estamos condenados a viver uma vida infeliz o
tempo todo. Podemos fazer algo a respeito.
Não importa quão sofisticado seja o método para lidar com a raiva, se não
tivermos uma forte motivação para aplicá-lo, não o faremos. E, se não
aplicarmos os métodos que aprendemos, qual o sentido? Portanto, o
primeiro passo é pensar sobre a nossa motivação.
Outro conselho de Shantideva diz: Se alguém nos bate com uma vara, de
quem ficamos com raiva? Ficamos com raiva da pessoa ou ficamos com
raiva da vara?” Se pensarmos logicamente, deveríamos ficar com raiva da
vara, porque foi ela que nos machucou! Mas isso é ridículo. Ninguém fica
com raiva de uma vara; ficamos com raiva da pessoa. Porque ficamos com
raiva da pessoa? Porque a vara foi manipulada pela pessoa. Da mesma
forma, se pensarmos além, a pessoa foi manipulada por suas emoções
perturbadoras. Portanto, se vamos ficar com raiva, deveríamos ficar com
raiva das emoções perturbadoras da pessoa. Foram elas que a fizeram
nos bater com uma vara.
E então pensamos: “De onde veio essa emoção perturbadora? Não veio do
nada. Eu devo ter feito alguma coisa que a acionou. Devo ter feito alguma
coisa que fez com que a outra pessoa ficasse com raiva de mim e então me
batesse com a vara. Da mesma forma, eu posso ter pedido a uma pessoa
que me fizesse um favor e quando ela se recusou eu fiquei com raiva. Me
machuquei por causa disso. Bom, se pensar bem, na verdade foi minha
culpa. Eu fui preguiçoso por não fazer eu mesmo. Pedi a outra pessoa que
fizesse pra mim e quando ela se recusou fiquei com raiva. Se eu não
tivesse sido tão preguiçoso, nunca teria pedido o favor a essa pessoa e
todo o problema nunca teria acontecido. Se vou ficar com raiva, deveria
ficar com raiva de mim mesmo por ser tão preguiçoso e idiota de pedir a
outra pessoa que me fizesse esse favor.”
Por exemplo, suponha que fomos assaltados na rua. Vamos pensar, “Se eu
não tivesse colocado o alvo, agindo negativamente e destrutivamente no
passado ou em vidas anteriores, o impulso de seguir por aquela rua
escura naquela hora quando havia uma assaltante esperando para me
assaltar e me bater não teria surgido em minha mente. Geralmente eu não
passo por ali, mas naquela noite eu pensei: eu vou seguir por aquela rua
escura. Geralmente eu vou pra casa bem mais cedo, mas naquela noite
surgiu o impulso de ficar um pouco mais com meus amigos. Além disso,
eu segui por aquela rua justo na hora que tinha um ladrão esperando
alguém passar. Porque esse impulso me veio a cabeça? Deve ser porque
no passado eu fiz alguma coisa que machucou essa pessoa e isso está
amadurecendo em termos de causa e efeito.”
Como vocês podem ver, podíamos ter vivenciado essa situação de muitas
maneiras diferentes. Ficarmos zangados ou chateados não teria ajudado
nada. Se pudermos olhar a situação em termos de: “ Isso está exaurindo
meu karma negativo. Essa dívida cármica amadureceu agora.
Maravilhoso, está terminado. Poderia ter sido muito pior”, é uma maneira
muito mais saudável de lidarmos com a ela.
Da mesma forma, tentaremos sentir compaixão por quem quer que nos
deixe chateados, com raiva ou nos envergonhe. Precisamos compreender
que, na verdade, são eles que estão se envergonhando, não são? Não
somos nós que estamos fazendo um papelão. Todo mundo vê que essa
pessoa está fazendo papel de idiota. Devemos sentir compaixão, ao invés
de raiva.
Isso não significa que se alguém tentar nos atacar, não vamos reagir.
Quando nosso filho está gritando, nós tentamos calá-lo. Queremos
impedi-lo de causar danos aos outros, a nós e a si próprio. A questão é
não fazê-lo com raiva. Se nosso filho está se comportando mal, nós não o
disciplinamos por raiva, mas para seu próprio bem. Queremos ajudá-lo a
não fazer papel de idiota, para que as pessoas não pensem mal dele.
Queremos disciplinar nosso filho, não por raiva, mas por nos
preocuparmos com seu bem estar.
Não perder a paciência é um desafio muito maior que uma luta de artes
marciais. Isso porque o desafio está em nossas mentes, nossos
sentimentos, não está só no corpo e no controle físico. Se alguém nos
critica, devemos tentar olhar essa crítica como uma chance ver onde nos
encontramos em nosso desenvolvimento, ao invés de ficarmos com raiva.
“Essa pessoa que está me criticando pode estar indicando coisas a meu
respeito com as quais eu posso aprender. ”Dessa forma, devemos tentar
tolerar a crítica e aprender a lidar com ela, mudando nossa atitude. Ficar
muito chateados pode acabar causando mais embaraço do que alguém
simplesmente nos criticando e gritando conosco.”
Conclusão
O Que É o Medo?
(1) Quando temos medo de não poder controlar ou lidar com uma
situação, o nosso medo pode ser acompanhado pelo não-apercebimento
da causa e efeito e do modo de existir das coisas. Os objetos
conceptualizados (zhen-yul, objeto implícito) a partir do nosso modo
amedrontado de prestar atenção a nós próprios e àquilo a que temos
medo são:
um “eu” que existe de uma forma sólida que, apenas por seu próprio
poder deveria ser capaz de controlar tudo, assim como controlar que a
nossa criança não se venha a magoar
uma coisa que existe solidamente, por si própria, sem ser influenciada
por qualquer outra coisa, que deviamos ser capazes de controlar
apenas através dos nossos próprios esforços, mas que somos incapazes
de o fazer devido a uma falha pessoal.
Estas são maneiras impossíveis de existir e maneiras impossíveis em que
a causa e efeito trabalham.
(2) Quando temos medo de não conseguir lidar com uma situação, o não-
apercebimento que acompanha esse medo pode ser sobre a natureza da
mente e sobre a impermanência. Temos medo de não conseguir controlar
as nossas emoções ou a perda de uma pessoa amada e não percebemos
que as nossas experiências de dor e de tristeza são meramente o surgir e
a cognição de aparências. São impermanentes e vão passar, assim como a
dor de um dentista a brocar os dentes.
(3) O nosso medo de sermos incapazes de lidar com uma situação pode
ser um medo de não podermos lidar com ela sózinhos. Pode também
envolver o medo de se estar sózinho e da solidão. Pensamos que podemos
encontrar alguém que possa aliviar a situação. Aqui, os objetos
conceptualizados são:
(4) Quando estamos com medo de alguém, por exemplo dos nossos
empregadores, é porque não estamos entendendo as suas naturezas
convencionais. Os nossos empregadores são seres humanos, com
sentimentos, assim como nós. Eles querem ser felizes e não querem ser
infelizes, querem ser apreciados e não querem ser rejeitados. Eles têm
vidas fora do escritório que afetam o modo como eles se sentem. Se nós
pudermos nos relacionar com os nossos empregadores em termos
humanos, mantendo-nos cientes das nossas respectivas posições, nós
teremos menos medo.
Sentirmo-nos Seguros
virarmo-nos para um ser omnipotente que nos proteja, uma vez que a
omnipotência é impossível
a necessidade de satisfazer esse ser ou fazer ofertas ou sacrifícios a fim
de receber proteção ou ajuda, mesmo se esse ser poderoso nos
pudesse ajudar de algum modo
tornarmo-nos, nós próprios, omnipotentes.
O que quer que seja que aconteça àqueles a quem amamos ou a nós
próprios é o amadurecer de uma enorme rede de forças kármicas
individuais, assim como forças históricas, sociais e economicas. Irão
acontecer acidentes e outras coisas que não queremos e nós não
podemos proteger aqueles que amamos, não obstante o quanto
cuidadosos nós possamos ser e quanto nós os aconselhamos a terem
cuidado. Tudo o que nós podemos fazer é tentar dar bons conselhos e
querer-lhes bem.
Conclusão
Quanto estamos tomados pelo medo, se nos lembrarmos desses métodos
de lidarmos com ele, conseguiremos nos acalmar e lidar de forma realista
com qualquer situação que pareça amedrontadora.
Apego: Lidando com Emoções
Perturbadoras
Dr. Alexander Berzin
Esses métodos são apenas provisórios. Eles não nos livram do desejo ou
do apego. Mas, temporariamente, eles suavizam essas emoções
perturbadoras quando elas surgem em certas situações. Para realmente
nos libertar delas, nós precisamos entender de verdade como uma pessoa
existe de fato e não transformar a pessoa numa “coisa”. Mas isso é muito
difícil e avançado. Por isso, primeiro aplicamos esses métodos
temporários e provisórios. Para isso, precisamos do processo de três
passos, de escutar, pensar e meditar.
O Axioma de Funcionalidade
Em seguida, examinamos como um determinado ensinamento
funcionaria para produzir o resultado esperado. Por exemplo, se
estivéssemos igualmente conscientes tanto do que está fora quanto
dentro do corpo da pessoa, esse entendimento faria com que não
exagerássemos um e ignorássemos o outro.
O Axioma de Dependência
Finalmente, nós examinamos do que depende o desenvolvimento desse
estado mental, desse entendimento, para que possamos tê-lo. Acima de
tudo, precisamos de autocontrole. Quando vemos a pessoa, precisamos
controlar o desejo compulsivo de tocar seu corpo. Precisamos do
autocontrole para dar um passo atrás por um momento e aplicar a análise
e introspecção. Esse autocontrole nos permitirá ver mais claramente e
com mais profundidade.
Meditação
Quando lemos sobre métodos como esses nos grandes textos budistas,
como “O Caminho do Bodhisattva” de Shantideva, precisamos reconhecer
e entender o contexto no qual Shantideva, por exemplo, discute esse
assunto. O contexto é de adquirir estabilidade mental e concentração.
Uma das maiores distrações na meditação é pensar constantemente em
alguém por quem temos desejo e apego. Essa é uma distração muito
grande. Então, para alcançar estabilidade mental e concentração,
especialmente nas práticas meditativas, precisamos aplicar esse método,
mesmo quando não estamos com a pessoa por quem sentimos essa
atração. Esse é o contexto no qual esses métodos são explicados no texto.
Mas esses métodos obviamente podem ser muito bem aplicados fora das
situações nas quais tentamos meditar e ganhar concentração. Eles podem
ser muito bem aplicados em nossos relacionamentos com os outros.
Assim, quando lemos sobre esses métodos para lidar com desejo e apego
nos textos, precisamos pensar em um contexto maior para usá-los, e não
apenas aplicá-los como forças contrárias à distração em meditações de
concentração.
Você poderia dizer, “Nós somos limitados. Não somos budas, então não
podemos ver ou saber todas as consequências de nossas ações e não
podemos ver a realidade de nós mesmos e dos outros. Então, será que
estamos destinados a sofrer e ser infeliz? Será que um dia poderemos nos
livrar da nossa falta de consciência e da nossa confusão?”
Todos nós temos todas essas habilidades, porque é assim que a mente
funciona. Naturalmente nós assimilamos toda a informação sensorial ao
nosso redor. Podemos não prestar atenção, podemos não nos interessar,
mas toda essa informação está lá. Estamos recebendo. E somos
perfeitamente capazes de perceber padrões. Podemos notar, por
exemplo, o que essas três pessoas são, que são mulheres, e então
podemos ver o padrão de como as coisas encaixam. Podemos juntar
informação em padrões e extrair um sentido delas. Podemos reconhecer
que minha mão direita não é minha mão esquerda e assim percebemos a
individualidade das coisas. Também temos a habilidade de nos relacionar
com coisas diferentes de formas diferentes. Sabemos como falar com um
bebê e com um adulto e não falamos com os dois da mesma forma. A não
ser que sejamos muito insensíveis, nós temos essa flexibilidade. Portanto,
todos os materiais básicos estão presentes.
Conclusão
Emoções Perturbadoras
Aqui, vamos focar no termo budista em sua tradução como “inveja”, já que essa é a
palavra que mais se assemelha à definição tradicional. O “ciúme”, nos
relacionamentos, já foi discutido na sessão “Budismo no Cotidiano”.
O Que É Inveja?
Apego, aqui, significa que estamos focados em uma certa área da vida no qual
outras pessoas conseguiram atingir mais sucesso que nós, e estamos exagerando
seus aspectos positivos. Em nossa mente, transformamos essa área em um dos
aspectos mais importantes da nossa vida e nela baseamos nossa auto-estima. Aqui,
está implícita uma desmesurada preocupação e apego ao “eu”. Consequentemente,
sentimos inveja porque estamos “apegados ao nosso ganho pessoal ou ao respeito
que recebemos” nessa área. Por exemplo, talvez estejamos fixados na quantidade
de dinheiro que temos, ou em nossa aparência física. A “inveja”, como um aspecto
da hostilidade, adiciona a este apego um elemento forte de ressentimento em
relação àquilo que os outros atingiram nessa área. Assim, a inveja é o oposto de
nos regozijarmos e de nos sentirmos felizes com as realizações das outras pessoas.
Além disso, a inveja, de acordo com a definição budista, cobre parte do sentido,
mas não todo, da palavra inglesa envy. O conceito na língua inglesa é um pouco
mais abrangente, adicionando o que o budismo chama de “cobiça” (brnab-sems). A
cobiça é “o desejo desmesurado por algo possuído por outra pessoa.” Dessa
maneira, a definição de inveja em inglês é “uma consciência que não só sente dor
ou ressentimento devido a um sucesso ou a uma vantagem possuída por uma outra
pessoa, mas também sente o desejo de possuir esse mesmo sucesso ou essa mesma
vantagem”. Em outras palavras, além da incapacidade de suportar realizações
alheias numa área da vida em que, como o budismo indica, nós exageramos a
importância, a inveja é o desejo de possuirmos essas mesmas realizações. Pode ser
que sejamos pobres ou limitados nessa área, ou pode ser que não: se calhar já
temos um nível de sucesso adequado, ou até mesmo acima da média. Se sentimos
inveja e queremos ainda mais é porque a nossa cobiça cresceu e se transformou em
ganância. Frequentemente, embora não necessariamente, a inveja implica o desejo
adicional de que os outros sejam privados do que alcançaram, de modo que a posse
seja nossa ao invés de ser deles. Neste caso a emoção contém um outro ingrediente
adicional, o rancor.
Inveja e Competitividade
O problema que o budismo está aqui a tratar é o sentimento de “eu” sou especial,
sentimento esse que está na base de todas as três emoções perturbadoras. Se, nós
pensamos e sentimos que “eu” sou o único que merece fazer algo específico, como
por exemplo alcançar uma posição superior na vida, e se sentimos inveja se outra
pessoa atinge o sucesso, tornamo-nos competitivos. Mesmo que já tenhamos
alcançado um sucesso moderado, nós temos que superar essa pessoa. A inveja é
um forte sentimento de “eu” e uma grande preocupação com nós mesmos. Não
vemos nem apreciamos os outros do mesmo modo que a nós: nos consideramos
especiais.
O remédio que o budismo oferece aos problemas e à infelicidade causada por esse
tipo de inveja, competitividade e arrogância é tratar a falácia que está por trás do
“eu” e do “você”. Precisamos perceber e olhar a todos como iguais. Todas as
pessoas têm as mesmas habilidades básicas, no sentido que todas tem a natureza
búdica – o potencial que permite alcançar da iluminação. Todas as pessoas tem o
mesmo desejo de ser feliz e ter sucesso, e de não ser infeliz e não fracassar. E toda
as pessoas tem o mesmo direito de ser feliz e atingir sucesso e o mesmo direito de
não ser infeliz e não fracassar. Nesse sentido, não há nada especial a “meu”
respeito. O budismo também ensina o amor – o desejo que todas as pessoas sejam
igualmente felizes.
Além disso, nosso sistema político democrático, com seu processo de campanha
eleitoral, pressupõe que haja competição – nos oferecem e nos vendem como
candidatos, anunciando o quão melhor somos para o cargo do que nossos rivais. A
campanha política, do modo como normalmente é praticada no ocidente, adiciona
a este processo um esforço intenso de encontrar todos os possíveis pontos fracos
nos candidatos rivais, até mesmo em termos das suas vidas privadas, exagerá-los
de forma desproporcional e anunciá-los de um modo extremo, de maneira a
desacreditar os oponentes. Muitas pessoas até vêem este tipo de comportamento,
baseado no ciúme e na competição, como algo justo e digno de elogio. Nesse caso,
traduzir o termo budista como “inveja” é mais apropriado do que traduzirmos
como “ciúme”, apesar da dinâmica emocional ser a mesma.
Até mesmo dizer que queremos concorrer a uma função é visto com suspeita, como
sinal de arrogância e de motivação não-altruísta. O único meio-termo possível,
talvez, seja que os representantes dos candidatos – e nunca os próprios – falem
com o público acerca das boas qualidades e realizações de seus candidatos, porém
sem as comparar às dos rivais e sem dizer coisas negativas a respeito deles. Isso,
no entanto, quase nunca é feito. Normalmente, são nomeados os candidatos mais
conhecidos, como os que vêm de família nobre ou lamas reincarnados, sem que
lhes seja perguntado se gostariam de concorrer. Se disserem não querer concorrer
ao cargo, isso é visto como sinal de modéstia, uma vez que aceitar de imediato
seria sinal de arrogância e sede de poder. É quase impossível que alguém que
tenha sido nomeado renuncie. A votação, portanto, é feita sem campanha política.
As pessoas normalmente votam no candidato que é mais conhecido.
Assim, o método budista de nos alegrarmos pelas vitórias dos outros – e o método
ainda mais forte de oferecer a vitória ao outro e tomar para si a derrota – talvez
não seja apropriado como o primeiro remédio a ser tomado pelos ocidentais,
fortemente convencidos das virtudes do capitalismo e do seu sistema de campanha
eleitoral. Como ocidentais, antes de encararmos as formas de inveja e competição
que surgem automaticamente, talvez seja preciso reavaliarmos a validade dos
nossos valores culturais e lidarmos com as formas doutrinárias de ciúme, inveja e
competição, que resultam da aceitação desses valores.
Conclusão
Para conseguirmos lidar com o estresse da Era da Informação, precisamos avaliar a forma
como usamos a internet, as mídias sociais, os sistemas de mensagens, etc. Quando
percebermos que nossos hábitos contraproducentes só nos causam mais estresse, veremos
que a fonte de nossa infelicidade é nossa própria mente. Uma vez que estejamos
determinados a não nos estressar mais, podemos utilizar de autodisciplina, concentração,
presença mental e consciência discriminativa, para enfrentar os desafios da vida moderna com
mais calma e clareza.
Existem outras estratégias que também podemos adotar para uma vida
mais feliz. Quando estivermos em um metrô lotado, por exemplo, quanto
mais focarmos em nós mesmos, em nos proteger e fugir para o mundo
virtual do smartphone, mais fechados ficaremos. Nossa energia se
contrairá e nos sentiremos mais tensos. Não conseguiremos relaxar,
porque nos sentimos ameaçados. Mesmo se estivermos totalmente
absortos no jogo do celular ou na música que estamos escutando, o fato é
que construímos um muro à nossa volta e não queremos ser
incomodados, portanto ficamos na defensiva. Por outro lado, se
conseguirmos nos enxergar como parte do grupo de pessoas que está
metrô e desenvolver consideração e compaixão por todas essas pessoas
que compartilham da nossa situação, nosso coração e mente se abrirão.
Podemos estar alertas ao perigo, mas sem a atitude paranóica do foco
concentrado em nós mesmos — queremos que todos estejam seguros.
Não vamos querer nos isolar usando a música e o jogo para fazer com que
os outros sumam. Isso só aumenta a solidão. Se, ao invés disso, nos
sentirmos parte de um grupo maior, de todas as pessoas que estão à
nossa volta, nos sentiremos mais seguros, como um animal em meio a seu
rebanho. Entretanto, para que essa tática seja eficiente, precisamos
aplicar os três treinamento em autodisciplina, concentração e consciência
discriminativa.
Conclusão
Se, por determinação de sermos livres, adotarmos esses métodos dos três
treinamentos para minimizar o estresse dos hábitos autodestrutivos,
teremos uma mente mais calma para lidar com a pressão do trabalho,
família, situação econômica e assim por diante. Isso é especialmente
eficaz para as complicações que temos na vida moderna, por conta do
vício de usar informações, internet, música, etc, como válvula de escape. O
que não significa que tenhamos que ficar longe da internet e jogar nosso
celular fora, mas sim que temos que desenvolver hábitos melhores para
utilizá-los de forma benéfica e saudável.
Comentários sobre Manuscritos Lojong
Textos poéticos clássicos indianos e tibetanos oferecem uma ampla gama de
conselhos práticos com os quais podemos treinar nossas mentes a serem
cheias de amor, alegria e compaixão. Essas orientações para a felicidade,
testadas ao longo do tempo, são adequadas para pessoas de qualquer idade e
qualquer cultura.
Comentário sobre a "Guirlanda de
Joias do Bodhisattva"
Dr. Alexander Berzin
Depois de estudar os ensinamentos dessa linhagem, que mais tarde passou a ser
conhecida como um treinamento mental (lojong, treinamento de atitude), Atisha
retornou à Índia. Algum tempo depois ele foi convidado para ir ao Tibete. Naquela
época, o dharma havia declinado na Terra das Neves, estava seriamente
degenerado, havia muita confusão a respeito de quais eram os ensinamentos
corretos. Por isso Atisha foi convidado ao Tibete, para restaurar os ensinamentos
corretos. Depois de uma viagem muito difícil, ele começou a segunda transmissão
do dharma no Tibete, e também transmitiu os ensinamentos sobre a prática de
bodhichitta.
Atisha também é conhecido por ser o autor do primeiro lam-rim, o texto sobre os
estágios graduais do caminho. A tradição Kadam vem de Atisha e de seu principal
discípulo tibetano, Dromtonpa (1005-1064) — as pessoas que seguem essa
tradição são chamadas de “Kadampas”. A Guirlanda de Joias do Bodhisattva faz
parte do Conjunto Pai de Ensinamentos do “Livro do Kadam”, junto com o
comentário sobre cada um dos versos de Atisha em resposta às perguntas de
Dromtonpa, o “pai” da tradição Kadam.
A uma certa altura, a tradição Kadam se dividiu em três linhagens. Tsongkhapa foi
que as reunificou e originou a tradição Gelug, que continua com a tradição Kadam
de combinar sutra e tantra. Afinal, Atisha também era um mestre tantra, apesar de
ter mantido suas práticas em segredo. Contudo, vemos indícios de seu lado tântrico
em diversos lugares de nosso texto, A Guirlanda de Joias do Bodhisattva.
O Verso de Homenagem
Grande Compaixão
Compaixão é a aspiração de que os outros estejam livres do sofrimento e das
causas do sofrimento. A grande compaixão é “grande” no sentido de que não é só a
aspiração de que os outros seres estejam livres do sofrimento da dor e do
sofrimento da mudança (a felicidade comum, mundana, que não dura e que não
sabemos o que virá a seguir), é também a aspiração de que estejam livres do tipo
de sofrimento chamado sofrimento que tudo permeia. Esse sofrimento que tudo
permeia está relacionado aos fatores agregados de nossa experiência, ou seja, à
enorme variedade de componentes que compõem cada momento de nossa
experiência em cada um dos renascimentos samsáricos. Esses fatores agregados
originam-se da confusão, são misturados à confusão e perpetuam a confusão e o
sofrimento.
A grande compaixão, portanto, aspira que os outros seres estejam livres de tudo
isso, ou seja, que obtenham a liberação, e mais, que atinjam a iluminação. Essa
compaixão também é grande no sentido de que se estende igualmente a
absolutamente todos os seres sencientes, com a mesma atitude que uma mãe
amorosa tem com seu único filho. Isso é a grande compaixão. É realmente um
estado mental extraordinário. É direcionado a absolutamente todos os seres e seu
objetivo é que todos atinjam a iluminação.
Gurus
A segunda linha do verso de homenagem é: prostro-me diante dos sublimes
professores, ou gurus — os mestres espirituais que corporificam a qualidade da
grande compaixão.
Quando falamos em ver o professor como um buda, estamos nos referindo a ver
natureza búdica do professor. Ao olharmos para o professor, focamos nos aspectos
de sua natureza búdica e destacamos aquele que, quando suficientemente
fortalecido, é a habilidade de dar surgimento a um buda completamente iluminado,
que é representado pelo guru. Se o guru é realmente iluminado não vem ao caso. O
ponto não é esse. O ponto é focar em sua natureza búdica como inspiração, a fim de
despertarmos para a nossa própria natureza búdica.
Aqui, o aspecto que é destacado é a total compaixão dos budas, corporificada pela
figura búdica Avalokiteshvara. É por isso que costumamos visualizar essas figuras
búdicas no coração do guru e no nosso. E também é por isso que costumamos
visualizar o guru em nosso coração. Sem o guru, não teríamos acesso às figuras
búdicas e à iluminação. Foi por isso que Atisha falou primeiro do guru e depois das
figuras búdicas.
Esse verso de homenagem é muito profundo. Nos faz pensar muito em Sua
Santidade o Dalai Lama, que é reconhecido por todos os seguidores do budismo
tibetano como uma corporificação de Avalokiteshvara, a corporificação da
compaixão. Para acreditarmos nisso como fato, é importante entendemos o que
significa ser uma corporificação. Nossa crença não pode ser baseada em
superstições ou em “Eu não faço a mínima ideia do que isso significa, mas tudo
bem, eu acredito”. Esse tipo de crença não é muito profunda, além de ser instável.
Acho que é muito importante entendermos o que é compaixão, especialmente a
grande compaixão, para que possamos ter uma noção de quem é Sua Santidade e o
que ele faz, e realmente apreciar suas qualidades.
O nível da base — aquilo que todos nós temos naturalmente, indicado pelo instinto
maternal ou paternal.
O nível do caminho — aquilo que estamos desenvolvendo ao alimentarmos esse nível
básico de compaixão, através do treinamento budista.
O nível do resultado — o nível de um buda.
Podemos obter insights sobre esses três níveis ao olharmos as qualidades do guru.
O guru nos ajuda no processo de desenvolvermos a compaixão nesses três níveis.
Se conseguirmos entender isso, podemos fazer prostrações para a compaixão, o
guru e a yidam Avalokiteshvara com a firme convicção e crença em sua
inseparabilidade.
E é aqui que Atisha coloca um pouquinho do tantra, de forma bem sutil e velada —
que é como que deve ser. Meu próprio professor, de quem recebi este
ensinamento, Geshe Ngawang Dhargyey, sempre enfatizou que existem muitas
coisas a serem contempladas no verso de homenagem. Não devemos achar que ele
só está lá para adornar o início do texto e que basta passarmos os olhos
rapidamente sem prestar atenção.
Verso 1: Estados Mentais Necessários à Meditação em Bodhichitta
Se analisarmos bem, veremos que os pontos principais do texto estão baseados nos
ensinamentos de Shantideva em Engajando-se no Comportamento do
Bodhisattva (Skt. Bodhicharyavatara). Assim como diversos pontos dos
treinamentos mentais — especialmente dos Oito Versos de Treinamento Mental e
do Treinamento da Mente em Sete Pontos — baseiam-se neste texto de Atisha.
Precisamos saber com muita precisão que bodhichitta é uma mente focada em sua
própria iluminação — não na iluminação de um Buda ou em uma iluminação
genérica e amorfa lá em cima no céu. Bodhichitta é uma mente focada
especificamente em sua própria e futura iluminação, que ainda não aconteceu mas
que pode acontecer com base em suas causas, ou seja, com base nos aspectos da
natureza búdica. Portanto, bodhichitta foca em nossa iluminação, que ainda não
aconteceu, com a intenção de atingi-la. O que nos motiva a atingi-la é amor e
compaixão — o desejo de beneficiar todos os seres e ajudá-los a se livrar do
sofrimento. Beneficiar os outros é a segunda intenção que acompanha bodhichitta.
É o que pretendemos fazer quando atingirmos a iluminação, apesar de,
obviamente, tentarmos ajudá-los da melhor forma possível durante todo nosso
caminho.
Portanto, precisamos nos livrar de toda dúvida aflitiva sobre o tópico da meditação
— bodhichitta —, sobre como meditar em bodhichitta e qual é o estado mental
exato que precisamos gerar. Assim, precisamos ouvir os ensinamentos, pensar
sobre eles e compreendê-los. É óbvio que tudo isso é muito importante. Caso
contrário, como poderíamos meditar em bodhichitta?
Meditar em bodhichitta e realmente a desenvolvê-la não é tão simples. O que fazer
durante a meditação e no que focar não é tão óbvio. Não é nem um pouco óbvio ou
fácil. Como focarmos em nossa futura iluminação, que ainda não aconteceu?
Precisamos de algo que a represente. Ela pode ser representada por um buda, pelo
guru, pela árvore de gurus reunidos ou pela yidam, a figura búdica. Ela pode ser
representada por diversas coisas.
Além disso, quando não temos certeza do que estamos fazendo ao meditar,
teremos o obstáculo da divagação mental. Divagamos pensando: “Será que isso é
bodhichitta, ou será que é aquilo?” “Será que estou meditando corretamente ou
será que entendi tudo errado?” Estamos sempre questionando o que estamos
fazendo.
Para conseguirmos focar na iluminação, usamos algo para representá-la, que pode
ser, por exemplo, uma figura búdica ou um Buda. O que a figura búdica ou buda
representam é nossa iluminação futura que pode ser validamente rotulada no
contínuo mental, e que pode ser obtida com base nos aspectos da natureza búdica.
É nisso que nossa mente deve se focar. Essa consciência deve vir acompanhada de
amor, compaixão e da intenção de alcançar esse objetivo para ajudar todos os
outros seres. Existem vários fatores mental que acompanham esse processo, mas
isso é um pouco mais complicado.
Assim como podemos pensar, ver e ouvir ao mesmo tempo, podemos estar cientes
de várias coisas ao mesmo tempo como objetos de nossa cognição — mas o tipo de
atenção que direcionamos a cada uma é diferente. Tanto o amor quanto a
compaixão são direcionados aos seres sencientes, mas a forma como o amor foca é
com a aspiração de que sejam felizes. Já a compaixão foca no sofrimento e com a
aspiração de que todos se livrem dele. Geramos os amor e compaixão, um de cada
vez, já que possuem formas diferentes de focar em seu objeto. Quando geramos o
ideal de bodhichitta, com base no amor e na compaixão, o foco é em nossa futura
iluminação, e a forma como focamos é com a aspiração de alcançá-la. As duas
intenções, a de atingir a iluminação e a de, com isso, beneficiar os seres, também
focam em nossa futura iluminação. Nossa atenção deve estar principalmente em
bodhichitta. Apesar do amor e da compaixão continuarem presentes, eles não são o
foco principal. De certa forma, eles colorem nosso ideal de bodhichitta, mas seu
objeto focal, todos os seres sencientes, não aparece em nossa mente.
Como eu disse, leva tempo e muito pensamento e discussão para realmente termos
uma ideia clara do que significa meditar em bodhichitta. “Agora vou sentar-me e
meditar em bodhichitta” — bom, o que você quer dizer com isso?
(I.26) Como pode a força de uma mente que é como uma joia, que é a causa da
felicidade dos seres sencientes e um elixir para os que sofrem, ser mensurada?
Como Focar em Algo que Ainda Não Aconteceu
Você pode se perguntar: “como podemos focar em algo que ainda não aconteceu?”
Darei um exemplo, porque isso é muito importante para entendermos o que é
bodhichitta. Nossa iluminação ainda não aconteceu, assim como o amanhã. O
amanhã ainda não aconteceu, mas será que o amanhã existe? Será que existe um
amanhã? Como podemos focar no amanhã e planejar nosso dia se ele ainda não
existe? No que focamos quando pensamos no amanhã? Não estamos focando no
nada. Esses são pontos que precisamos pensar a respeito e debater.
Podemos representar nossa iluminação que ainda não aconteceu usando uma
figura búdica e imputando o “eu” validamente nela, mas somente quando também
reconhecemos validamente que ainda não somos um Buda, ou seja, que nosso
budato ainda não aconteceu.
Então estamos sendo realmente sinceros em nossa prática. Uma vez sabendo
como gerar bodhichitta e sendo capazes de permanecer focados nesse estado
mental, precisamos nos livrar dos obstáculos que surgem na meditação em si. A
segunda metade do verso diz: Assim, que eu me livre completamente da
sonolência, da mente nebulosa e da preguiça. Já lidamos com a divagação que
surge como resultado da dúvida aflitiva; agora temos os obstáculos que surgem
por causa do torpor.
Firme intenção — exuberância e energia com base na firme convicção dos benefícios de
fazer algo positivo. Com a firme intenção temos o sentimento profundo de que “devo
fazer isso e não vou desistir!”
Firmeza e orgulho — firmeza é a qualidade de permanecer firme, resoluto. Tem como
base a autoconfiança que vem de nos orgulharmos de nós mesmos — sabermos que
somos capazes e não pensarmos mau de nós mesmos.
Deleite — nos alegrarmos com o que estamos fazendo. E como o que estamos fazendo é
algo construtivo, nos alegramos ainda mais por continuar fazendo.
Desapego — sermos capazes de nos desapegar do que estamos fazendo quando nos
sentirmos cansados e precisarmos descansar. Se nos esforçarmos demais, se formos
muito fanáticos, podemos ter uma estafa. Também precisamos desapegar quando
terminamos um determinado estágio de prática. Precisamos nos desapegar e continuar
para o próximo estágio. Esses são os dois aspectos do desapego, neste caso.
Quando nos prostramos, como no começo de uma aula, por exemplo, estamos
oferecendo as prostrações aos budas e aos demais mestres que atingiram a
iluminação, à nossa futura iluminação, que temos como meta alcançar, ao ideal de
bodhichitta e aos aspectos de nossa natureza búdica, que nos permitirão alcançar a
iluminação. Assim, nos prostramos não só à nossa futura iluminação mas também
à futura iluminação de todos os demais seres e aos aspectos de sua natureza
búdica.
Assim, a maneira como nos prostramos em uma aula é bastante similar ao que
temos aqui neste verso de homenagem, no sentido de que também podemos
pensar nas outras pessoas como as várias figuras búdicas (como se faz no tantra:
ver todos seres como Avalokiteshvara ou outra figura búdica) que possuem,
portanto, as qualidades da natureza búdica, que estão muito conectadas com a
grande compaixão e bodhichitta. Quando lutamos pela iluminação, é muito
importante estarmos convencidos de que é algo possível, e não apenas para nós,
mas para todos os seres. Afinal, porque trabalharíamos para levá-los a iluminação
se achássemos que não é possível?
Você pode se perguntar: bom, e quanto às amebas, elas também tem natureza
búdica? Bom, quando pensamos em amebas e assim por diante, precisamos
analisar: será que estamos falando de seres sencientes? É muito difícil saber onde
fica a linha divisória entre o que é senciente e o que não é. É uma pergunta muito
difícil pois, por um lado, consideramos que fantasmas e criaturas infernais são
seres sencientes, e por outro, não consideramos que as plantas ou os fungos de
nossos pés sejam sencientes. Não é fácil determinarmos quais formas de vida são
realmente sencientes, no sentido de terem algum tipo de consciência e serem
capazes de experimentar prazer e dor como resultados de suas ações kármicas de
vidas passadas.
De qualquer forma, a questão é que se conseguirmos nos prostrar à iluminação e à
natureza búdica de uma barata, confiando em sua capacidade de atingir a
iluminação, por que duvidaríamos da com a nossa própria capacidade? Shantideva
explica bem isso:
(VII.19) (O que dizer de) alguém como eu, que tem natureza (búdica) e nasceu
como um ser humano capaz de perceber o que é benéfico e o que é maléfico!
Porque eu não deveria atingir a iluminação, desde que não deixe de me
comportar como um bodhisattva?
Um ponto que gostaria de acrescentar é que também não podemos ficar na dúvida
quanto à maneira com que vamos ajudar os outros seres a alcançar a iluminação.
Isso precisa estar claro. Nossa ajuda não será a de um Deus Todo Poderoso, que só
precisa tocar a pessoa com seu dedo e ela se ilumina. Não podemos ter dúvidas
quanto a isso. Precisamos ter uma ideia clara a respeito de como vamos ajudar os
demais seres a atingirem a iluminação. E também precisamos estar convencidos de
que essa forma de ajudar vai funcionar. Há uma brincadeira que diz: “Se você fosse
um Deus Todo Poderoso, por que precisaria tocar uma pessoa com seu dedo para
iluminá-la? Só para parecer convincente?”
A seguir, precisamos nos livrar dos obstáculos que surgem na meditação em si. No
que diz respeito ao obstáculo do torpor, Atisha diz que precisamos nos livrar da
sonolência, da mente nebulosa e da preguiça. Uma vez livres dos diferentes
tipos de preguiça, poderemos nos esforçar com perseverança. Perseverança é a
coragem heróica de nunca desistir, de colocar toda nossa energia em algo
construtivo, diligentemente, e com orgulho e alegria. Essa energia é uma energia
que emanamos para o universo.
Portanto, quando vemos a tradução “alegre perseverança”, nos lembramos que não
é só “trabalhar assobiando” ou um sentimento de “estou tão feliz”. “Estou tão feliz
em ir ao pior dos infernos para te ajudar” — não é assim.
Esse verso continua tratando de como devemos nos concentrar e como meditar em
bodhichitta. Precisamos sempre proteger os portões de nossos sentidos. Isso
significa lidar com a agitação mental. A mente fica agitada quando é atraída por
coisas prazerosas, coisas que desejamos ou às quais nos apegamos. O verso
anterior falou do torpor mental, este verso fala da agitação mental. Esses são os
dois principais obstáculos ao atingimento da concentração unifocada.
Tsenzhab Serkong Rinpoche costumava dizer que cada palavra de um texto é cheia
de significados. Assim, temos que ordenhá-la como a uma vaca, para extrair todo o
seu significado — a “vaca realizadora de desejos”, que é o que diríamos na forma
de pensar indiana.
Tudo isso se baseia em uma atitude cuidadosa — nós cuidamos. Nos importamos
se estamos nos concentrando e como estamos meditando, porque realmente
queremos desenvolver bodhichitta: realmente queremos atingir a iluminação e
ajudar os outros seres. Portanto, tudo isso se baseia em uma atitude de cuidado.
A Necessidade de Introspecção
O principal é termos consciência e atenção para verificarmos o que se passa em
nossa mente. Se for alguma coisa negativa, precisamos corrigir ou “permanecer
como um bloco de madeira”, ou seja, não agir com base no que estamos pensando.
Se estivermos começando a ficar com raiva ou ganância, ou começando a agir de
forma egoísta ou falar idiotices, tentamos logo perceber e parar. Da mesma forma,
se percebermos que estamos começando a ficar deprimidos ou desencorajados,
também paramos. Isso é o que significa ter consciência do que se passa em nossa
mente.
Três vezes não significa “Ah, são três horas, agora vou verificar o que se passa em
minha mente durante trinta segundos”, e quatro horas depois toca um outro
alarme e verifico novamente. Não é isso. A principal prática do dharma é checar
constantemente, mas não de uma forma paranóica, ou como uma atitude de polícia,
pois ficaríamos travados e poderíamos ter muitos problemas — principalmente se
ainda por cima acrescentássemos o complexo de culpa dos ocidentais, o que não
faria sentido nesse caso.
E não procure defeitos nos outros. Isso também é uma grande causa de
divagação mental. Sentamos pensando: “Ah, ele(a) não é uma boa pessoa” ou “Olha
o que ele(a) fez”, criticando e assim por diante. Isso pode gerar uma enorme
quantidade de divagação mental.
Além disso, frequentemente, vemos nossos próprios defeitos refletidos nos outros.
Por exemplo, digamos que tenha sobrado um último pedaço de bolo no prato e
alguém o pega. Então acusamos a pessoa de ser gulosa: “Seu porco guloso, você
pegou o último pedaço do bolo!” O único motivo pelo qual isso nos incomodou é
porque somos gulosos; queríamos o último pedaço. Se não quiséssemos, que
diferença faria quem o pegou? Normalmente, quando focamos nos erros e defeitos
dos outros, estamos vendo nossos próprios erros refletidos neles. Assim, é melhor
usarmos essa energia para trabalharmos em nós mesmos.
Dromtonpa, o principal discípulo de Atisha no Tibete, disse: “Se você consegue ver
seus próprios defeitos e não procura defeitos nos outros, é sábio, mesmo que não
tenha qualquer outra qualidade.” Isso nos dá muito o que pensar. Às vezes
pensamos que a sabedoria é algo inalcançável e que requer muita inteligência. Mas
isso não é ser sábio. Pessoas podem não ter qualquer tipo de educação formal mas
serem sábias, mesmo quando não são super inteligentes e não conseguem
aprender dez idiomas. Ser “sábio(a)” significa ter consciência discriminativa, que,
por sua vez, significa ser capaz de discriminar entre o que é útil e o que é
prejudicial, o que é benéfico e o que não é benéfico. Se conseguimos fazer isso,
somos sábios.
Evitando Pensamentos de Querer Vangloriar-se e Aparecer
Atisha continua esse verso dizendo: que eu esconda minhas boas qualidades.
Isso porque podemos ficar orgulhosos, arrogantes e querer nos vangloriar de
nossas qualidades. E isso pode criar obstáculos à nossa meditação. Podemos ficar
pensando: “Nossa, como sou maravilhoso. Estou meditando tão bem!” ou “Tenho
essa qualidade, e também aquela.” Além disso, podemos ficar nos vangloriando de
nossas conquistas e boas qualidades mas, ficar falando delas para todo mundo
pode deixar os outros com inveja.
Humildade
A ênfase na humildade é muito forte nesta tradição Kadam. O ponto é usar nossas
boas qualidades para ajudar os outros. Para isso, não precisamos nos vangloriar,
dizendo que temos esse ou aquele título ou colocando nossos diplomas na parede e
coisas do gênero.
Ser humilde significa avaliar nossa própria importância como modesta ou baixa,
ter poucas necessidades e assim por diante. Se lermos a biografia de Kunu Lama
Rinpoche, podemos ver o que significa ser muito simples, muito humilde. Ele é o
melhor exemplo disso.
Às vezes, Sua Santidade o Dalai Lama também fala um pouquinho sobre suas
realizações. Na maior parte do tempo ele diz: “Sou apenas um simples monge”, mas
algumas vezes ele diz: “Bom, eu já senti um pouquinho o que é bodhichitta e a
vacuidade”. Ele não diz: “Eu tenho total realização” mas ele diz que já sentiu um
pouquinho dessas coisas.
Falsa Humildade
Existem dois tipo de orgulho. Existe o orgulho de pensar “Sou o melhor”; e também
o orgulho às avessas de pensar “sou o pior”. Existem pessoas que fazem questão de
se mostrar humildes — “Oh, eu não sou bom”, e coisas do gênero. Essa atitude é tão
perturbadora quanto ficar vangloriando-se por ser maravilhoso. Portanto, a
humildade precisa ser sincera. Pessoas que têm um pouquinho de sensibilidade
conseguem saber quando a humildade é falsa e quando é sincera. É tudo uma
questão de apego ao ego, de quanto nos identificamos com a humildade.
Vocês conhecem o exemplo de Atisha? Ninguém sabia que ele praticava o tantra. Só
souberam depois que ele morreu. Quando olharam suas vestes, viram que ele tinha
um sino e um vajra escondido em seu bolso. Ninguém jamais os tinha visto ou o
visto praticando. Ele sempre praticou em privacidade e manteve-se humilde. Ele
não ficava se exibindo com o tamborzinho e o sino para que todos pudessem ver.
Em geral, no que diz respeito ao que estudar e para onde direcionar nosso
esforço, enfatiza-se a importância de darmos total prioridade a estudar e
praticar aquilo que é benéfico à mente, e não aquilo que é benéfico à
conta bancária. Não podemos levar nossa conta bancária para as vidas
futuras, mas os hábitos benéficos que construirmos em nossa mente
serão levados. Portanto, a prioridade que damos a determinadas coisas é
muito importante.
Ter Gratidão pela Bondade que Recebemos Como Uma Forma de Deixar o
Coração Mais Leve e Aberto
A última linha do verso é: e aprecie os atos de bondade. Se temos a
oportunidade de praticar o dharma — e aqui estamos falando em meditar
em bodhichitta, tanto a convencional como a mais profunda — é muito
importante apreciarmos a bondade que nos foi dirigida. Fomos alvo de
muita bondade ao receber instruções e ter as condições necessárias para
meditar e praticar. Pode ser que existam pessoas nos sustentando
financeiramente, nos dando o que comer, etc.
Isso também nos ajuda muito a sermos capazes de meditar com o coração
leve e desoprimido, com a mente alegre. A capacidade de nos alegrarmos
pelos outros é muito importante à meditação em bodhichitta e
compaixão. Quando pensamos naqueles que nos ajudaram, devemos
sentir alegria e gratidão, e não culpa e dívida. E no que diz respeito
àqueles que sofrem, os imaginamos ficando felizes; afinal, estamos
tentando dar-lhes felicidade. Assim, sempre devemos meditar com um
estado mental de felicidade.
O mesmo aconteceu com Marpa. Ele traduziu muitos textos na Índia, mas
quando estava atravessando o Rio Ganges, para voltar ao Tibete, o barco
virou e ele perdeu todos os seus textos. Assim, Marpa teve que voltar à
Índia e refazer todas as traduções. Portanto, quando alguém apagar
nossos arquivos ou qualquer outra coisa, não podemos nos desanimar.
O que aconteceu a Dignaga é que ele deixou um bilhete para a pessoa que
apagou todo o seu trabalho, dizendo: “Por favor, se você não gostou do
que escrevi, pode vir debater comigo”. E a pessoa foi. Mas era do tipo de
pessoa que se recusa a aceitar a argumentação lógica. Independente do
argumento que Dignaga usasse, ela nunca aceitava. E como tinha o poder
de cuspir fogo, incendiou a caverna de Dignaga e destruiu tudo.
Desencorajado, Dignaga jogou a placa em que escrevia para cima e disse:
“Se cair no chão, desistirei de bodhichitta.” Mas quando ele jogou,
Manjushri a pegou, para que não caísse no chão. E disse: “Dignaga, você
está cometendo um grande erro. Nunca desista de bodhichitta e nunca
desista de escrever essas coisas para o benefício dos seres”. Assim,
Dignaga escreveu seu grandioso texto.
Dizem que a placa que Dignaga usou para escrever o texto ainda existe no
Tibete. Ela era mantida em um local fora de Lhasa, e todos os anos os
monges dos principais monastérios Gelug iam para esse local e passavam
os dois meses do inverno estudando e debatendo o texto Um Compêndio
de Mentes que Conhecem de Forma Válida.
Esses são os dez tipos de ações destrutivas das quais precisamos nos
livrar para gerar cada vez mais força positiva. Essa força positiva nos
ajudará a obter a liberação e também a atingir a iluminação.
Para evitar agir de forma destrutiva, precisamos permanecer sempre
estáveis, e acreditar nos fatos, ou seja, acreditar que as leis de causa e
efeito do karma são verdadeiras e, assim, manter nossa disciplina ética.
Para mim, isso demonstrou que ele tinha uma mente muito aberta. Além
disso, foi um meio hábil — não se deve propor alternativas extremas, que
as pessoas não conseguirão seguir e se sentirão culpadas por isso. Neste
caso, elas achariam que o que fazem é errado e que todos deveriam se
mudar, o que, logicamente, faria com que todos os criadores de ovelhas
sentissem-se mal e deixassem de ser receptivos ao dharma. Portanto,
usando de meios hábeis, começamos dizendo: “Bom, o mais importante é
não ser desonesto”.
Isso nos traz de volta à questão de não fazer com que as pessoas nos
rejeitem. Se queremos ajudá-las a viver de acordo com os ensinamentos
do dharma, precisamos sugerir formas de viver que elas consigam seguir.
Se apresentarmos algo que seja quase impossível de seguir, elas não vão
nem tentar. Elas acharão que somos idealistas e estamos fora da
realidade. É muito importante lembrarmos desse conselho,
principalmente quando somos novos no dharma. Quando somos novos no
dharma, tendemos a ser um tanto presunçosos e aconselhar os outros
como se fossemos santos, dando-lhes as regras mais sublimes de
comportamento ético, para que as sigam. Novamente, é tudo uma questão
de ser humilde e prático.
Distanciar-se, nem que seja apenas por um ano — ir para a Índia ou algo
assim — ajuda a nos afastar das causas da distração, daquilo que
perturba nossa meditação e nossa prática. Obviamente, depois de
treinarmos bastante, voltamos aos lugares agitados, por causa do desafio
que representam. Dizem que os grandes bodhisattvas voltam do retiro e
vão “meditar nas encruzilhadas”, vão para lugares de bastante trânsito e
distração para aperfeiçoar sua concentração. Eles buscam ser capazes de
praticar até mesmo em situações muito caóticas e desafiadoras. Portanto,
tudo deve estar de acordo com a nossa necessidade e nosso nível.
Por exemplo, se formos viajar de trem na Índia, não vamos com a nossa
melhor roupa. Vamos com uma roupa que não nos importa se sujar ou
rasgar. Esse é o melhor tipo de bem material, especialmente porque não
nos deixa mesquinhos ou avarentos: “Oh, meu computador precioso, não
quero que ninguém o toque”, esse tipo de coisa.
Outro tipo de sobrecarga material é algo que requer muito cuidado; como
um jardim grande e chique, por exemplo. Por precisar de tanto cuidado,
não conseguimos mais sair de casa, pois é preciso que alguém esteja
sempre cuidando. Ele acaba nos prendendo e tomando todo o nosso
tempo. Viramos escravos do jardim. Também podemos ser escravos do
nosso estilo de cabelo quando ele é muito complicado e leva muito tempo
para arrumar.
As Joias dos Aryas: Estados Mentais que Podemos Levar Para Qualquer Lugar
Ao invés de termos bens desse tipo, podemos nos adornar com as joias
dos aryas. Discutiremos isso no verso 26, então vou apenas listá-las aqui.
As joias são: (1) acreditar no que é fato, (2) autodisciplina ética, (3)
generosidade, (4) escutar, (5) cuidado com o reflexo de nossas ações nos
outros, (6) auto-dignidade moral e (7) consciência discriminativa. Essas
qualidades são qualidades que podemos desenvolver cada vez mais,
ganhando, com isso, riqueza de disciplina, ensinamentos, generosidade e
fé, além do poder de escutar, e assim por diante
Isso não significa que devemos ignorar essas pessoas. Significa apenas
que não devemos ficar “tagarelando” com todo mundo, conversando
sobre futilidades.
Também não devemos ficar de um lado para o outro em casa sem fazer
nada. É muito fácil passar o dia todo fazendo pequenas coisas pela casa,
coisas que não têm importância, e não fazer nada produtivo. Ou ficar
pulando de um entretenimento para o outro, mudando o canal da TV o
tempo todo, surfando na internet, esse tipo de coisa. Existem muitos
exemplos de atividades supérfluas.
Podemos fazer o mesmo com os livros. Existem pessoas que são viciadas
em comprar livros, mas nunca têm tempo para ler. Ou, se chegam a ler,
leem um pedacinho aqui e outro ali. E a quantidade de livros torna-se um
fardo. Elas não conseguem se mudar, ir morar em outro lugar. Se tiverem
que se mudar, precisam levar todos os livros, como um prisioneiro que
precisa carregar um monte de pedras nas costas.
Tive uma ótima experiência com isso. Quando terminei toda a minha
formação universitária, tinha mais de mil livros. Quando fui para a Índia,
os deixei na casa da minha mãe. Mas quando minha mãe se mudou para a
Flórida, ela deixou meus livros na garagem da minha tia e eles ficaram no
chão em caixas de papelão. Só que houve uma inundação, a garagem
encheu de água e todos os meus livros viraram sopa. Isso me curou do
vício de comprar livros. Na Índia eu tinha muito poucos livros, e vários eu
doei quando deixei o país. Começamos a perceber que existem bibliotecas
para isso. Não precisamos ter tudo e depois ficar nos preocupando se
nossas coisas vão virar sopa quando houver uma inundação.
Mas não é suficiente isolar apenas o nosso corpo e manter nossa mente
apegada. Se continuarmos sempre pensando nas pessoas que estão em
casa e ligando a internet para falar com elas, o isolamento físico não
servirá de nada.
No entanto, seguir esse conselho pode ser muito difícil. Imagine entrar
para o exército e ter que dormir em um quarto com todos os outros
soldados que se embebedam, fazem arruaças e ficam lhe importunando
quando você está tentando fazer sua prática. Ou ser preso com outras
pessoas na mesma cela. Seriam situações muito difíceis para praticar. Por
isso é tão importante decorar nossas práticas, tê-las na mente, como as
joias dos aryas. Então poderemos levar nossa prática para qualquer lugar,
e não importa quem esteja ao nosso lado.
Podemos aprender com muitas pessoas, não só com as que têm os olhos
do dharma, ou seja, os grandes mestres. Também podemos aprender
com os seres limitados que são principiantes, iniciantes no caminho
espiritual. Podemos nos alegrar com o seu interesse e nos animarmos
com eles. Quando alguém se beneficiar por fazer uma prática, ouvir
ensinamentos e coisas do gênero, podemos nos alegrar. Podemos
aprender mais sobre causa e efeito com eles, porque os vemos
trabalhando e colhendo os resultados.
Pode também ser algo como “Vamos nos exercitar para você ter mais
força de praticar” — mas não é que faremos disso nossa prioridade. E
também não precisamos levar tudo tão a sério: “Ah, só vamos sentar e
rezar quando estivermos juntos”. O que nosso amigo nos encoraja a fazer
pode ser algo diretamente construtivo ou apenas algo que nos ajudará a
manter o comportamento construtivo.
Em geral, o desconforto surge por não vermos todos com igualdade, que
foi o que discutimos no verso anterior (a necessidade de ver a todos com
igualdade). Somos apegados a algumas pessoas, temos aversão a outras e
ignoramos ainda outras. Assim, quando aparece alguém que achamos
interessante, ou a quem somos apegados, ficamos felizes e queremos que
fique. Se não achamos interessante, não queremos nem ver, e repelimos
ou rejeitamos. E, se considerarmos a pessoa indiferente, vamos querer
ignorá-la e podemos até lamentar o fato de ter vindo pedir nossa ajuda.
Não tenho certeza se foi Shantideva ou outro grande mestre que disse:
“Quando um(a) bodhisattva fica mais satisfeito(a) é quando lhe pedem
ajuda”. É como alguém que treinou para ser enfermeiro: quando chega a
hora de usar suas habilidades de ajudar os outros, fica muito feliz. Assim,
se treinarmos para ser bodhisattvas e alguém nos pedir ajuda, será uma
ótima oportunidade para nos alegrarmos, e não para ficarmos irritados.
Portanto, que eu me livre da hostilidade e dos estados mentais
desconfortáveis…
Dizem que é bom nossa casa ser o mais simples possível, como em uma
caverna em que não nos apegamos à parede de pedra. Se passarmos o
tempo todo decorando a casa, e tivermos muitos objetos que
consideramos preciosos, nos apegaremos muito. Veja, é bom ter um
ambiente agradável, se isso ajudar a mente, mas não devemos ficar muito
preocupados em deixar tudo lindo.
Então, quando virmos uma medida ética do dharma que nos trará
felicidade, que nos esforcemos sempre nisso, ou seja, em evitar agir de
forma negativa. Isso também refere-se ao voto do bodhisattva de abster-
se de se engrandecer e diminuir os outros. Isso não só nos trará felicidade
como também nos ajudará a levar mais felicidade aos outros.
Quando formos escolher o que fazer, onde gastar nosso tempo, com quais
pessoas estar e assim por diante, devemos escolher com base em nossos
talentos, naquilo que é preciso ser feito e não está sendo feito por muitas
pessoas e no que beneficiará mais pessoas. Esse é o conselho que Sua
Santidade o Dalai Lama me deu. E, novamente, os benefícios de que
estamos falando aqui não são só para esta vida.
Superando o Desencorajamento
Versos 15 e 16
Verso 15: Não se Desencorajar com a Meditação em Bodhichitta
Lembrando-se da Natureza Búdica para Superar o Desencorajamento
Não importa se o sentimento não é forte no começo. Ele ficará mais forte
com o tempo. É como no caso da visualização: ela fica mais clara à medida
que praticamos. Só queremos ampliar o escopo de nossa mente: “Todos
são iguais, portanto, devo me importar igualmente com todos”. Não se
fixe em detalhes do tipo: “E as baratas?” ou “E os mosquitos?” ou “E as
criaturas dos infernos?” Isso são detalhes. O importante é ampliar o
escopo de nossa mente, ter essa abertura, essa amplitude de escopo.
Em suma, temos uma ligeira ideia das qualidades de buda que estamos
tentando desenvolver, mas não nos fixamos nisso, pois nos
desencorajaríamos. Focamos no sentimento de ser possível crescer, de
que temos os aspectos causais para atingir a iluminação. Quando temos
esse sentimento, e nossa mente tem esse escopo de grande vastidão,
começamos a ser capaz de realmente meditar em bodhichitta.
Mesmo que não seja possível atingir a iluminação, que é o que estamos
pensando agora — tendo pensamentos duvidosos, de dúvida aflitiva, de
pensar: “É possível ou não? Parece tão fantástico” —, isso não importa. E
também não importa se existem seres iluminados atualmente ou se
existiram no passado. Certamente podemos apreciar o fato de poder nos
desenvolver e evoluir cada vez mais. Assim, representamos tudo isso
como “bom, isso o mais longe que podemos ir em nossa evolução. Vamos
chamar esse estágio de Budato”
A Importância da Inspiração que Obtemos de Nosso Professor Espiritual para
Não Nos Desencorajarmos
Acho que essa é a maneira de começar. Não estou dizendo que essa é a
compreensão final, longe disso, mas é a maneira de começar, para
conseguirmos alçar voo; caso contrário, ficaremos presos ao “não consigo
fazer isso” ou “pobre de mim”. Não conseguimos mesmo entender o que é
um Buda; está além de nossa compreensão. É por isso que dizem que os
gurus são tão importantes. Usando o exemplo de Sakya Pandita, o guru é
como uma lente de aumento que focaliza os raios do sol para acender o
fogo na madeira de nossa mente. Obviamente, o sol nessa analogia é o
Buda.
Com gurus como Sua Santidade o Dalai Lama, ou mesmo com gurus
menos desenvolvidos, podemos sentir como é possível um ser humano
evoluir. Isso nos inspira. Portanto, nos relacionamos com o mais alto
estágio que conseguimos nos relacionar e aspiramos atingi-lo. Assim, nos
desenvolvemos cada vez mais. É claro que não conseguimos nos
relacionar com um buda e todas as qualidades de Shakyamuni Buddha. É
demais para nós. Então não se preocupe, ok?
Por isso que é bom ter uma figura búdica ou algo do gênero: dá à mente
algo em que focar. Quando a mente está aberta e ampla, é fácil nos
perdermos. Portanto, procuramos um equilíbrio entre a vastidão e o foco
em uma figura búdica — principalmente porque o que se acrescenta à
meditação é um sentimento de êxtase. Se não tivermos algo em que focar
será muito fácil nos perdermos no êxtase — podemos ficar em um estado
de prazer profundo, como um cachorrinho quando alguém acaricia sua
barriga.
Verso 16: Evitando o Desencorajamento Através da Aplicação da
Vacuidade a Toda Experiência
Considerar Tudo uma Ilusão
Isso nos dá coragem. Ver tudo como uma ilusão ou como uma
projeção nos dá coragem para não sermos enganados por ela. Se
assistirmos um filme de terror, podemos nos assustar. Mas se
percebermos que é um filme — que são só atores maquiados na tela —
podemos ter coragem e não ficar assustados. Esse é um conselho muito
útil. Coisas acontecem — algo que nos desanime ou uma situação difícil.
Então dizemos: “ok, não tem problema. Surgiu de causas e condições.
Parece sólido mas é como uma ilusão”, e então simplesmente aplicamos
uma força opositora para lidar com isso.
Isso é muito parecido ao que Shantideva explicou no oitavo capítulo de seu texto:
(VIII.37) Portanto, deixem-me viver em solitude em uma adorável e
encantadora floresta, com poucos problemas, e com felicidade e bem estar,
silenciando todas as distrações.
(VIII.35) Deixem que este corpo permaneça isolado, sozinho, sem fazer amigos
íntimos ou conflitos. Se já me considerarem morto, ninguém ficará de luto
quando eu morrer de verdade.
Aqui, Atisha diz que se quisermos melhorar, avançar e realmente nos desenvolver,
é melhor viver em um lugar silencioso e afastado, fora dos limites de qualquer
povoado — este é o significado da palavra monastério em tibetano: um lugar
silencioso e fora do povoado — e ser como o corpo de um animal morto.
Conforme explicou Shantideva, se já nos considerarem mortos, não haverá pessoas
nos incomodando com seus lamentos ou fazendo uma cena quando morrermos.
Ter uma vida tranquila é melhor, principalmente para os iniciantes, pois terão
menos distrações. Mas não idealize a Índia e o Nepal, pois não são lugares
tranquilos. São a Terra do Som. Os monastérios tibetanos são extremamente
barulhentos. Todo mundo faz sua prática falando alto. Além disso, mesmo em um
lugar silencioso, podemos, é claro, ter uma mente extremamente barulhenta. Não
há como garantir que se houver silêncio externo também haverá silêncio interno.
No entanto, muitas pessoas se beneficiam do silêncio externo.
Ele diz, “que eu estabilize”. O que precisamos para obter estabilidade é ter uma
prática meditativa diária, independente de qual seja. É muito bom ter uma prática
estável, algo que façamos todos os dias, principalmente quando temos vidas muito
ocupadas e muita coisa para fazer. Então, independente de quão louca esteja nossa
vida, teremos esse estado mental estável — um lugar estável para nos refugiarmos.
Isso nos dá uma sensação de continuidade, o que é muito importante para a
estabilidade.
Não é só o nosso corpo que vai para um lugar isolado. Também isolamos nossa
mente de todas as associações e apegos. Desassociamos nossa mente da
autoimagem que tínhamos no lugar que deixamos. É por isso que trabalhar com
uma figura búdica ajuda muito, nos ajuda a substituir nossa autoimagem samsárica
por uma que seja mais “nirvânica”, se é que podemos usar tal palavra, uma imagem
que não tenha todas as velhas associações negativas — negativas no sentido de
emoções destrutivas. A figura búdica representa nossa futura iluminação, que
objetivamos alcançar com bodhichitta.
Como sempre digo, até nos tornarmos arhats continuaremos tendo nossos altos e
baixos no samsara. Essa é a natureza do samsara. Às vezes temos vontade de
meditar e às vezes não. Às vezes nos sentimos exaustos e preguiçosos e outras não.
O importante é continuar. Conforme foi dito em um verso anterior, consideramos
essas coisas como ilusões. Não damos muita importância aos altos e baixo,
simplesmente continuamos.
Uma vez que tenhamos relembrado nossa motivação para superar essas falhas,
devemos:
Essa frase refere-se à disciplina ética, à disciplina de corrigir nossas falhas. O que
está sendo explicado aqui é que precisamos reconhecer nossas falhas e defeitos
quando surgirem, e corrigi-los nós mesmos. É a isso que estamos nos referimos
quando falamos no “guru interno”. Não precisamos de um guru externo para nos
corrigir. Não precisamos de um policial ou de uma mamãe ou papai. Nós mesmos
podemos reconhecer quando estamos agindo de uma forma que não condiz com o
que buscamos, quando estamos agindo de uma forma que não é construtiva. Então
nos corrigirmos. Não hesitamos. Apenas fazemos o que tem de ser feito. É como
tentar tomar um banho de água fria — “Apenas entre na água. Ou você entra ou
não entra. Se vai entrar, entra de uma vez!”
Portanto, precisamos ter sempre um sorriso nos lábios. Mas não um sorriso falso
de anúncio publicitário. Precisamos ser sinceros, manifestar o que está em nosso
coração e não sermos pretensiosos, não nos vangloriarmos desaprovando os
outros ou algo assim. Conforme costuma dizer Sua Santidade o Dalai Lama, é uma
grande alegria encontrar outro ser humano, de ser humano para ser humano.
Por outro lado, nossa expressão facial pode ir para o outro extremo, de uma
expressão exagerada. Percebemos esse extremo quando falamos alguma coisa e a
outra pessoa força muito a reação e a expressão facial. Isso nos deixa
desconfortáveis: “A pessoa ficou mais chateada com o que contei do que eu
mesmo!”
Às vezes temos que conviver com outras pessoas, quer seja em um ambiente de
retiro, com pessoas que tenham uma mentalidade semelhante, ou outra situação
qualquer, com pessoas que tenham mentalidade diferente. Quando estamos
sempre encontrando pessoas, é importante não sermos avarentos e
compartilharmos nossos bens. Se ficarmos sempre dizendo: “Isso é meu; você não
pode usar”, “Essa comida na geladeira é minha” ou “Essa é a minha cadeira”, vamos
soar como os ursos de Cachinhos Dourados e Os Três Ursos: “Essa é a minha cadeira;
alguém sentou na minha cadeira, alguém dormiu na minha cama!” Isso deixa os
outros muito desconfortáveis e afeta o relacionamento de todas as pessoas com
quem vivemos.
Mas alegre-se em doar, essa é a chave. Nos faz feliz. A maioria de nós sabe o que é
isso porque já experimentou. Quando realmente amamos alguém, ficamos muito
felizes em dar presentes, e mais ainda quando a pessoa aceita e acha que nosso
presente pode ser útil. Então tentamos ampliar esse sentimento de querer
compartilhar, estendendo-o às pessoas que não nos são próximas. Assim, não
sendo avarento, não cobiçando as coisas alheias e alegrando-nos em compartilhar,
seremos muito amáveis.
Por outro lado, no que diz respeito à nossa prática, precisamos ser tão fortes e
teimosos quanto um touro. Se alguém ficar demandando todo o nosso tempo e não
nos deixar fazer nossa prática diária, precisaremos estabelecer limites. Se
quiserem usar nossas tigelas de oferendas como cinzeiro, não podemos deixar; não
é assim que devemos compartilhar. Precisamos ser determinados em relação à
nossa prática e não deixar que os outros passem dos limites.
Geshe Ngawang Dhargyey citou uma expressão Tibetana que diz: “Não dê a corda
do seu nariz para outra pessoa. Mantenha-na em suas mãos”. Um touro ou búfalo
tem um anel no nariz. Costumava-se passar uma corda por esse anel e o touro
tinha que ir onde a pessoa o levasse. Então a expressão é: “não deixe a corda nas
mãos de outra pessoa. Segure-a em suas próprias mãos.” Isto é, seja seu próprio
mestre. E Atisha diz:
Isso nos remete à frase “aceite a derrota e dê a vitória ao outro”, que tem sua
origem no texto Guirlanda Preciosa (Skt. Ratnavali) de Nagarjuna. Essa é uma das
principais frases do Treinamento da Mente em 8 Versos.
Mas existem limites. Se a pessoa está prestes a fazer algo destrutivo, temos que
impor limites. Se alguém disser: “Vamos atirar em cangurus?” temos que colocar
um limite. Temos que dizer não, que não concordamos com isso. Mas se dissermos:
“O céu é azul” e disserem: “Não, é verde”, não há porque continuar argumentando.
O que importa? Isso é especialmente relevante em um debate político ou religioso,
quando a outra pessoa não estiver ouvindo o que dizemos. De que adianta
continuar argumentando? Viraria uma discussão inútil. Então simplesmente
dizemos: “Ok, vamos falar de outra coisa?” E pronto.
Mesmo quando alguém nos critica ou aponta nossos erros e falhas, não devemos
discutir. Simplesmente agradecemos: “Obrigada. Obrigada por me mostrar”. Não
importa que digam que é verdade. Não há motivos para ficarmos na defensiva. E
muitas vezes o que dizem está certo. É importante não ficarmos na defensiva,
especialmente quando a intensão do outro é nos machucar ou ser agressivo. Se
respondermos: “Obrigada por me mostrar isso”, o antagonismo estará desfeito.
Será o fim da discussão.
Porém, se alguém nos acusar de alguma coisa, não devemos agradecer sem apurar
se a acusação está correta. Obviamente precisamos examinar essas coisas, usar
nossa capacidade discriminativa. Se alguém disser: “Você pegou minha caneta” e
não tivermos pego, não devemos agradecer. Senão a pessoa dirá: “Então devolva”, e
não poderemos devolver, porque a caneta não estará conosco. O texto refere-se a
situações em que pessoas criticam nossos erros e defeitos, nos chamam de
gananciosos ou algo do gênero. Nesse caso, dizemos: “Desculpa, obrigada por me
mostrar. Vou trabalhar nisso.” Não fique na defensiva.
Ser inconstante nas amizades significa ficar mudando de amigos o tempo todo,
abandonar um amigo e seguir para o próximo. É como fazer uma nova conquista,
especialmente quando envolve sexualidade.
Essas coisas indicam que nossas amizades não são estáveis, que não estamos
convencidos de que a pessoa é nossa amiga ou que não somos sinceros. Portanto,
precisamos permanecer fiéis — não só quando o tempo estiver bom, mas também
quando estiver ruim, e não só quando os amigos forem agradáveis, mas também
quando cometerem erros.
Respeitar os Amigos
Que não insulte os outros e seja sempre respeitoso.
Algumas pessoas são gentis apenas com pessoas ricas e poderosas, pessoas que
podem lhes trazer alguma vantagem. E quando descobrem que não vão conseguir
nada — recomendações, dinheiro, oportunidades, sexo ou o que for —
as abandonam. Essas pessoas insultam e desprezam aqueles que não lhes trarão
alguma vantagem, e não querem ser gentis com eles.
O que fazer quando as pessoas se aproximam apenas para nos explorar, para
conseguir alguma coisa, e quando não temos mais utilidade nos abandonam?
Primeiro, se estamos praticando como bodhisattvas, devemos ficar felizes por elas
terem se aproximado. Ficamos felizes em poder ajudar. E se elas forem embora, o
problema é delas. É triste elas não estarem mais abertas à nossa ajuda.
Agora, no que se refere à exploração, devemos oferecer o que for apropriado. Não
devemos oferecer demais, isso poderia prejudicá-los, e também a nós. Não
devemos deixá-los nos sugar completamente. Precisamos estabelecer limites.
Conforme disse Ringu Tulku: muitas pessoas vêm nos pedir coisas, mas só
podemos atender algumas, não podemos nos multiplicar em diversas formas
diferentes, ainda não somos budas. Mas tentamos ajudá-las com pelo menos
alguma coisa, para não rejeitá-las completamente.
Quando preciso dizer a alguém que não posso fazer alguma coisa, lembro-me de
uma bela frase da Senhora Boas Maneiras (ing. Miss Manners). A Senhora Boas
Maneiras era uma especialista em etiqueta de uma jornal americano. As pessoas
mandavam suas perguntas para ela. A Senhora Bons Maneiras dizia que em tais
situações devemos apenas dizer “Sinto muito”. Não devemos dar desculpas. Não
devemos enumerar os motivos pelos quais não podemos ajudar. Devemos apenas
dizer: “Oh, sinto muito. Não poderei fazer isso”. Não é preciso explicar. Se
explicarmos, a outra pessoa irá argumentar, e então teremos que nos defender.
Devemos simplesmente dizer: “Sinto muito.” Ótima guru a Senhora Boas Maneiras.
E no que diz respeito a como escolher a prática de dharma que seguiremos, Atisha
diz:
Isso não faz diferença. Todas as práticas podem igualmente nos levar à liberação e
iluminação. Precisamos encontrar aquela que é mais adequada para nós, que
podemos admirar fervorosamente. “Admirar” é uma palavra que também
significa “ter uma firme convicção”. Estamos firmemente convictos de que isso nos
é adequado. Não devemos nos deixar influenciar pelo que é popular ou pelo que
nossos amigos estão fazendo. Devemos estar confiantes daquilo que é adequado
para nós, e então praticamos de coração.
1. “Copiar escrituras” — isso não quer dizer fazer uma fotocópia. Antigamente isso
significava escrever as escrituras, já que não havia versões impressas, e fazer uma
cópia manuscrita tornava o texto acessível a mais pessoas. Até mesmo nos dias de
hoje, quando versões impressas estão disponíveis, escrever ou digitar textos nos
ajuda a criar familiaridade com seu conteúdo. Principalmente quando são
escrituras ou ensinamentos que dizem respeito às práticas que nos interessam.
2. “Fazer oferendas às Três Joias” — isso é sempre bom, mas também podemos
fazer oferendas com a motivação: “Que eu consiga praticar bem”.
3. “Doar aos pobres e doentes” — isso também é genérico, algo que, no Mahayana,
faríamos de qualquer forma.
5. “Ler escrituras” — dos ensinamentos pelos quais temos uma admiração especial.
8. “Recitar sutras” — isso também é muito inspirador. Recitar em voz alta os textos
que tratam do tópico que nos interessa — seja pujas, homenagens, sutras ou o que
for — é muito inspirador, especialmente quando o fazemos com um grupo de
pessoas.
9. “Pensar sobre o significado dos textos” que tratam do tópico que nos interessa. E
pensar sobre eles durante o dia, sempre que surgir uma oportunidade.
Além disso, devemos compartilhar com os outros qualquer força positiva que
tivermos. Se aprendermos alguma coisa e ganharmos força positiva como isso,
compartilhamos. Se tivermos conexões na Índia (digamos que saibamos como
conseguir as condições para estudar lá), deixamos essa informação e essas
conexões disponíveis para os outros. Isso é compartilhar a força positiva,
compartilhar nossa boa sorte para que os outros também possam se beneficiar
dela. Para acumularmos essa força positiva, Atisha diz:
Shantideva também enfatiza isso. A prática dos sete ramos consiste em (1)
prostração, (2) oferenda, (3) admitir abertamente nossas ações negativa e aplicar
as forças opositoras, (4) alegrar-se com as qualidades positivas, (5) pedir
ensinamentos, (6) pedir que os professores não se vão e (7) a dedicação.
Verso 25: Atingir a Iluminação por Completar as Duas Redes
Ao praticar dessa maneira, que eu complete minhas duas redes, de força
positiva e consciência profunda (acumulação de mérito e sabedoria), e esgote
meus dois obscurecimentos.
Ao fazer esse tipo de prática (a prática de sete partes, a meditação e prática das dez
ações dharmicas, etc), acumulamos essas duas redes, de força positiva e
consciência profunda, a assim chamada “coleta de mérito e sabedoria”;
reforçamos essa coleta. Durante esse processo, também esgotamos, ou nos
livramos, dos dois obscurecimentos: os emocionais, que impedem a liberação, e
os cognitivos, que impedem a iluminação.
No verso 26, Atisha fala da joia dos sete aryas, as sete joias que nos levam ao
estado de arya, o estado de cognição direta da vacuidade. Essas são as joias que ele
mencionou anteriormente:
Elas nunca acabam. Quando falamos de uma joia, não devemos pensar apenas em
uma joia, mas em um tesouro que acumulamos.
Então, (2) usamos de autodisciplina ética para evitar cada vez mais as ações
negativas e nos engajar cada vez mais em atividades construtivas, como meditar e
ajudar os outros. Isso crescerá cada vez mais, como um tesouro.
(3) A joia da generosidade — dar coisas materiais aos outros, oferecer nosso
tempo e energia, oferecer ensinamentos e conselhos, oferecer proteção contra o
medo. Proteger contra o medo não significa apenas salvar a pessoa quando ela
estiver se afogando, por exemplo; significa também garantir que ela não precisa ter
medo de nós. Ela não precisa ficar com medo de querermos algo dela ou de a
rejeitarmos ou ignorarmos. Temos equanimidade, então oferecemos
equanimidade. Também oferecemos amor, desejando que seja feliz. Podemos
expandir cada vez mais essa generosidade ampliando-a cada vez mais, para incluir
mais e mais pessoas.
E temos (5) a joia do importar-se com a forma como nossas ações refletem
nos outros e (6) a auto-dignidade moral. Esses são os dois fatores — duas joias
— que formam a base da autodisciplina ética. São as joias que estão sempre
presentes em um estado mental construtivo.
Depois cuidamos com a forma como nossas ações refletem nos outros. Temos tanto
respeito por nossos pais, professores, amigos, religião, gênero, país, etc, que
pensamos: "O que vão pensar de minha família se eu agir negativamente?” "O que
pensarão do budismo? Afinal, eu sou um praticante budista” "O que pensarão das
pessoas que vêm do meu país?" E assim por diante.
Esses dois fatores (auto-dignidade e cuidado com a forma como nossas ações
refletem nos outros) são a base da disciplina ética, e podem se fortalecer cada vez
mais.
Essas são as sete joias que nunca se esgotam. Elas nunca se acabam. E não
podem ser roubadas.
Esse é o conselho mais maravilhoso. O que temos de vigiar e corrigir para que não
tome uma direção destrutiva?
Se estivermos acompanhados, temos que vigiar nossa fala. Será que estamos
dizendo uma idiotice? Será que o que estamos dizendo pode machucar o outro?
Será que o que estamos dizendo é falso? Será que estamos nos vangloriando? Será
que estamos reclamando? O que estamos fazendo? Temos que vigiar nossa fala. Se
estivermos prestes a dizer uma idiotice, nos corrigimos ou simplesmente nos
calamos.
Quanto estivermos sós, temos que vigiar nossa mente. Temos que vigiar o que
estamos pensando e sentindo. Mas não é vigiar apenas o que estamos pensando em
termos discursivos; também temos que vigiar nosso estado de humor e as emoções
que estão surgindo. Então, quando percebermos algo destrutivo, algo perturbador,
tentamos aplicar as forças opositoras.
Esse é o melhor conselho. Resume todo o caminho. Como disse, esse verso é muito
famoso e conclui o texto.
Podemos começar com algo que acredito ser muito útil: ler o texto todos os dias,
especialmente porque não é muito longo. Também podemos ler dia sim e dia não,
para nos familiarizarmos com os diversos pontos. Se assim o fizermos, quando
estivermos em uma situação parecida com a mencionada no texto, vamos nos
lembrar do que o texto diz, porque já o teremos lido muitas vezes, estaremos
familiarizados como ele.
Não dá para dizer que um ponto do texto é mais importante que o outro. Todos os
pontos tratam do desenvolvimento de bodhichitta — de aprender o que ajuda e,
principalmente, o que atrapalha. Quando reconhecermos as coisas que não ajudam,
poderemos aplicar o conselho do texto. Quando estivermos nos sentindo sozinhos
e apegados a outras pessoas, por exemplo, podemos pensar que passar muito
tempo com essas pessoas nos distrai e interfere em nossa prática. Por outro lado,
quanto houver muitas pessoas a nossa volta, podemos pensar em como ajudá-las.
Cada aspecto desse ensinamento diz respeito a uma situação diferente. Sempre que
nos encontrarmos em uma situação em que podemos aplicá-lo, assim o fazemos.
É bom ler alguma coisa assim todos os dias. Não precisa ser exatamente esse texto,
mas se o acharmos particularmente útil, podemos usá-lo. Conforme nosso dia se
desenrolar, um ou outro ponto nos parecerá relevante, e então podemos parar e
pensar sobre ele. É assim que fazemos. É como recitar um rosário de mantras.
Podemos usar cada uma das contas do rosário para nos lembrar de um ponto.
Assim, estaremos sempre nos lembrando deles. Eu acho que é assim que nos
familiarizamos com esses pontos. E então trabalhamos neles. Existem muitas
formas de fazermos isso. A minha forma é traduzindo. Quando traduzimos ou
escrevemos os ensinamentos somos forçados a pensar sobre eles. Se tomarmos
notas durante a aula, podemos reescrevê-las e organizá-las depois.
Acho que traduzir é muito bom para isso. Tenho trabalhado em uma nova tradução
do texto de Shantideva, tanto do sânscrito quanto do tibetano. Mesmo já tendo
ensinado esse texto há alguns anos, com muito cuidado e bem vagarosamente,
estou revisando-o. Estou revendo cada palavra, tanto no sânscrito quanto no
tibetano, e realmente trabalhando para decidir qual a melhor forma de traduzi-las.
Além disso, estou tentando entender o texto como os tibetanos o entendem; e
também tentando entender a diferença entre os dois idiomas. Me familiarizei tanto
com os versos que agora consigo lembrar vários deles. Portanto, ler o mesmo texto
todos os dias, ou um pedaço de texto repetidamente ajuda muito. Nos
familiarizamos muito mais com ele.
Existem muitos pequenos truques como esse. Ugyen Tseten Rinpoche deu um
exemplo muito bom. Disse que quando faz práticas de recitação, recita três vezes
cada frase. Se fizermos nossa prática assim, realmente pensaremos sobre cada
ponto. Podemos fazer nossa prática de recitação com muita rapidez,
principalmente se recitarmos a mesma coisa todos os dias, mas corremos risco de
fazer a prática com muita pressa, sem pensar no significado do que estamos
recitando. Se recitarmos cada frase três vezes antes de passar para a próxima,
teremos tempo para realmente pensar a seu respeito ou visualizar o que estamos
falando. Esse é um conselho muito útil, que vem da experiência pessoal de um
grande lama, Ugyen Tseten Rinpoche, que atualmente está com cerca de 90 anos.
Resumo
Bodhisattvas são pessoas que lutam para atingir a iluminação a fim de poder
ajudar melhor os outros seres. Neste pequeno poema, o mestre tibetano do
século XIV, Togme Zangpo, destaca 37 práticas para atingirmos esse objetivo.
Com elas, mesmo os que não compartilham desse ideal tão elevado podem
aprender a lidar com os problemas do dia-a-dia e ajudar os outros. A palestra
aqui transcrita correlaciona a formulação poética do caminho do bodhisattva
com os passos do caminho gradual para iluminação.
Togme Zangpo escreveu vários outros textos, sendo o mais famoso deles
o seu comentário sobre Engajando-se no Comportamento de um
Bodhisattva (O Caminho do Bodhisattva), de Shantideva. Também é
responsável pelo mais antigo comentário sobre o Treinamento da Mente
em Sete Pontos, de Geshe Chaykawa. Esses ensinamentos Mahayana
antigos são a base para as práticas por ele destacadas. Através de seus
comentários, e também do próprio texto das 37 Práticas de um
Bodhisattva, podemos perceber que era realmente um especialista no
caminho do bodhisattva.
O número 37 é significativo; aparece repetidas vezes na literatura
budista. Por exemplo, existe um conjunto de 37 práticas de purificação.
Essas práticas incluem as quatro aplicações da presença mental, o
caminho óctuplo e assim por diante. São práticas muito conhecidas, que
todos os que buscam a liberação, pelo caminho Hinayana, ou a
iluminação, pelo caminho Mahayana, seguem. Isso explica o motivo do
número 37 ter sido escolhido para essas práticas dos bodhisattvas.
Homenagem a Lokeshavara
Quando nos prostramos, o fazemos através dos três portões, que são os
portões, ou portas, por onde agimos, falamos e pensamos, que
correspondem ao nosso corpo, fala e mente.
Esse caso nos mostra claramente que não devemos simplesmente venerar
as figuras búdicas, ou os gurus, como se fossem santos. Os gurus,
sozinhos, não conseguem nos salvar. Mas, se seguirmos suas instruções,
tendo-os como inspiração, podemos conseguir a liberação e a iluminação
através de nosso próprio esforço.
Quando o texto diz que se esforçam apenas para o benefício dos seres
errantes, isso significa que ajudar os outros é seu único propósito. Eles
não estão preocupados com seus objetivos egoístas, sua única intenção é
trabalhar para o benefício dos demais. Por isso, referimo-nos aos
gurus supremos, e não a qualquer guru, pois existem muitos professores
espirituais que, apesar de ajudarem os outros, também estão buscando
seus próprios objetivos egoístas.
Este é o verso onde o autor promete escrever, onde ele afirma que vai
explicar. Isso é um padrão em qualquer texto indiano ou tibetano. Esse
verso começa com budas totalmente iluminados, fonte de benefícios e
felicidade, significando que, através de seus ensinamentos, os budas nos
concedem o benefício de atingirmos a liberação de todo o sofrimento, ou
a iluminação e a felicidade que a acompanha. Uma vez iluminados
seremos capazes de beneficiar os demais.
Mas como os budas tornaram-se fonte de benefícios e
felicidade? Efetivando o dharma sagrado. Ao falarmos dharma sagrado,
estamos nos referindo à Joia do Dharma, à terceira e quarta nobres
verdades. A terceira nobre verdade, no contexto deste verso, refere-se ao
verdadeiro cessar de todos os problemas e suas causas no continuum
mental de um buda, e a quarta nobre verdade apresenta o verdadeiro
caminho, ou o verdadeiro caminho mental. A compreensão da natureza
da realidade age como caminho para esse verdadeiro cessar, e também
resulta desse cessar. Aqui, estamos descrevendo um estado em que todo o
sofrimento, os problemas, as emoções perturbadoras e as limitações são
removidos. Além disso, todas as realizações são obtidas. Um buda
totalmente iluminado efetivou tudo isso, ou seja, ele ou ela realmente fez
isso acontecer em seu continuum mental.
Não devemos limitar a meditação a algo que só deve ser feito na almofada
de meditação. A fila do caixa e o engarrafamento também são ótimos
lugares para meditar e praticar paciência. Muitas pessoas praticam as
meditações budistas de amor e compaixão apenas com pessoas
visualizadas, mas não são capazes de fazer com pessoas de verdade. Isso é
um grande erro. Precisamos aplicar todos os bons hábitos, que tentamos
desenvolver com a meditação, à situações reais, com pessoas reais, dia e
noite, conforme nos aconselhou Togme Zangpo.
Qual o motivo ou objetivo de fazermos isso? Togme Zanpo diz que é para
livrarmos a nós e aos outros do oceano do samsara
incontrolavelmente recorrente. Nos livrar do samsara significa buscar
a liberação e a iluminação, a fim de conseguirmos livrar os demais seres
do mesmo oceano. O palavra “oceano” nos conecta a outro termo que o
autor usou no começo do texto: a grande embarcação que é a vida
humana preciosa.
Aproveitando a Vida Humana Preciosa
A raiva aos inimigos nos queima como fogo. As pessoas que mais nos
conhecem são as que mais nos irritam, não são? Principalmente quando
não fazem o que queremos ou da maneira que queremos. “Meu amigo não
ligou” ou mesmo “Meu carro não pegou”, esse tipo de coisa. Ficamos com
raiva, pois temos expectativas em relação às pessoas e objetos familiares,
achamos que têm que estar sempre à disposição e fazer o que queremos.
No entanto, é preciso saber que apenas deixar a terra natal e isolar-se não
é garantia de que as emoções perturbadoras e distrações diminuirão.
Podemos ficar muito apegados a pequenas coisas, como nossa almofada
de meditação, por exemplo, ou irritados com um simples mosquito ou, se
nosso retiro for em grupo, com as pessoas que tossem e se mexem
durante a meditação. Apesar de ser mais provável que as emoções
perturbadoras diminuam nesse tipo de ambiente, onde os objetos, que
normalmente as estimulam, estão ausentes, não devemos contar apenas
com o isolamento. Para garantir que não vamos sucumbir às emoções
perturbadoras, contemplamos a morte e a impermanência.
Morte e Impermanência
(4) A prática de um bodhisattva é desistir de se preocupar
exclusivamente com a vida atual. Amigos e parentes, que estão
há muito tempo juntos, irão cada qual para o seu lado; riqueza
e posses adquiridas com esforço terão que ser deixadas para
trás; e a consciência, o hóspede, deve partir do corpo, sua
hospedaria.
Nós, e todos os nossos entes queridos, somos como folhas que caíram de
uma árvore e foram varridas pelo vento. Por um curto período de tempo,
viajamos juntos, com o vento do karma, mas eventualmente o vento faz
com que as folhas se espalhem, voando em diferentes direções.
Percebi isso com meu próprio professor, Serkong Rinpoche. Ele parecia
estar bem ciente de quando morreria e, antes de falecer, doou uma
enorme quantidade de bens. Doou seus livros, por exemplo, entre eles a
coleção dos trabalhos de Tsongkhapa, para um monastério. Também
doou seus objetos ritualísticos mais preciosos. Claramente seguiu este
conselho de que riqueza e posses, adquiridas com esforço, devem ser
deixadas para trás.
Então vem a última linha, que diz que a consciência, o hóspede, deve
partir do corpo, sua hospedaria. Shantideva usou a mesma analogia:
Existem muitos tipos más influências. Por exemplo, existem amigos que
nos levam a pichar paredes, arranhar automóveis, etc. Há também os que
estão sempre falando mal dos outros, o que pode nos levar a fazer o
mesmo. Quando costumamos conversar com alguém que está sempre
falando de política de forma exaltada e com raiva, tendemos a agir da
mesma forma.
A última linha diz que nossas boas qualidades se expandem como uma
lua crescente. Quando convivemos com o professor, realmente
começamos a desenvolver boas qualidades. Nossa personalidade melhora
ao ajudarmos, sermos generosos e assim por diante. Nossa boas
qualidades crescem. A medida que seguimos seus ensinamentos, nosso
amor, compaixão e compreensão naturalmente aumentam.
No que diz respeito aos professores espirituais, o texto diz que nosso
apreço por ele deve ser maior que o apreço pelo próprio corpo. Mas
o que isso significa? Em um certo nível, significa que devemos nos
preocupar mais com o conforto do mestre do que com o nosso. Devemos
estar dispostos a ajudá-lo e, principalmente, ajudá-lo a ajudar os outros,
mesmo que estejamos cansados e isso não nos for conveniente. No meu
caso, com meu professor Serkong Rinpoche, isso significava ir
frequentemente de Dharamsala para Delhi a fim de pegar todos os vistos
para suas viagens.
Direção Segura (Refúgio)
Por outro lado, o deuses mundanos não podem nos oferecer esse tipo de
ajuda. O texto questiona: a quem os deuses mundanos podem proteger
quando eles mesmos ainda estão confinados na prisão do
samsara? Os deuses mundanos — ou mesmo o deus mundano moderno,
o dinheiro — não conseguem nos proteger de coisa alguma. Percebemos
que pessoas ricas às vezes sofrem mais conforme vão ficando mais ricas.
Ficam muito preocupadas com a maneira como devem investir seu
dinheiro e com os impostos, além de ficarem com medo de serem
roubadas. E mais, suspeitam que as pessoas gostem delas apenas pelo seu
dinheiro. É impressionante a quantidade de pessoas muito ricas que são
muito infelizes. É lógico que os deuses mundanos não conseguem nos
proteger, afinal, ainda estão confinados na prisão do samsara. Eles
estão confinados e conectados por toda sorte de emoções perturbadoras
e fazem nossas emoções perturbadoras aumentarem.
Para que possamos trabalhar com o objetivo de obter uma vida humana
preciosa, é óbvio que precisamos acreditar em renascimentos, caso
contrário, como poderíamos querer a liberação dos renascimentos? E
uma vez que queremos a liberação do ciclo de renascimentos
incontroláveis, precisamos trabalhar duro para compreender os
ensinamentos budistas sobre renascimento. Eles não são simples; pelo
contrário, são muito sofisticados. Tudo depende de entendermos como o
“eu” existe e o funcionamento da causa e efeito. Sem uma certa
compreensão da vacuidade do “eu” e do sistema de causa e efeito, fica
muito difícil entender os ensinamentos budistas sobre renascimento.
Bodhichitta e o Comportamento do
Bodhisattva
Versos 10 a 17
Revisão
O que acabei de explicar é bastante complicado e sutil, por isso precisamos ser
100% precisos com a terminologia. Caso contrário, será muito difícil sabermos o
que devemos fazer quando focamos em desenvolver bodhichitta. No que
exatamente devemos focar? O que aparece em nossa mente? É a nossa futura
iluminação? Ela ainda não aconteceu, mas será que é não existente e, portanto,
estamos focando em algo que não existe? Esta pergunta pode ficar complicada e, a
não ser que saibamos exatamente no que focar, será muito difícil gerar bodhichitta.
Amanhã, por exemplo, nossa futura iluminação ainda não terá acontecido, mas
pode acontecer e nela podemos focar e fazer planos. Por que ela pode acontecer?
Porque temos os aspectos da natureza búdica.
Cada continuum mental, ou melhor, cada ser, já foi nossa mãe em alguma vida, por
isso Togme Zangpo os chama de “nossas mães”. Isso acontece porque o tempo é
ilimitado e a quantidade de seres é limitada. Se pensarmos matematicamente,
podemos demonstrar.
(1) Reconhecer que todos já foram nossas mães — precisamos nos convencer disso.
Caso contrário, estaremos apenas aceitando, sem realmente compreendermos, o
que faz com que o entendimento seja instável. Se um ser nunca foi minha mãe,
ninguém foi minha mãe, porque todos são iguais. E se uma pessoa já foi minha mãe,
então todos já foram minhas mães, pois todos são iguais. Interessante, não?
(3) Apreciando a bondade — costuma-se dizer “retribuir a bondade”, mas acho que
essa frase pode ficar um tanto pesada para os ocidentais, que já carregam tanta
culpa. O termo em tibetano significa “apreciar a bondade” ou “ser grato”. Quando
realmente apreciamos a bondade com que os outros nos trataram, e realmente nos
sentimos gratos, naturalmente sentimos o amor que esquenta o coração. Assim,
sempre que encontrarmos algum ser, nosso coração se encherá de alegria e
felicidade, igual a quando encontramos nossos filhos, e ficaríamos muito tristes se
algo de ruim lhes acontecesse.
(5) Desenvolvendo compaixão — Também tem como base o amor que esquenta o
coração, mas aqui desejamos que todos os seres estejam livres do sofrimento e de
suas causas, e nos dispomos a contribuir para que isso aconteça.
Com base nas seis causas anteriores, temos o sétimo ponto, o resultado:
Uma vez que somos todos interconectados, se nossas mães estiverem sofrendo,
como disse Togme Zangpo, o que faríamos com apenas a nossa
felicidade? Precisamos usar a felicidade constante do estado iluminado, que
atingiremos ao nos tornarmos budas, para ajudar os outros e não para
simplesmente relaxar na beira da piscina com uma bebida gelada na mão.
No próximo verso, Togme Zangpo nos mostra outro grande método para
desenvolvermos bodhichitta, que é nos igualarmos aos outros e depois mudarmos
nossa atitude em relação a nós e a eles.
(VIII.95) Uma vez que a felicidade é algo desejado por todos, que tanto eu
quanto os outros desejamos ser felizes, o que há de tão especial a meu
respeito para que eu cuide de mim e não dos outros?
(VIII.96) E uma vez que ninguém gosta de sofrer, nem eu e nem os outros, o
que há de tão especial a meu respeito para que eu cuide de mim e não dos
outros?
(VIII.91) Assim como o corpo deve ser cuidado como um todo, apesar de suas
diversas partes, como a mão e assim por diante, os seres sencientes, apesar de
suas diferenças, são todos iguais a mim no que diz respeito à felicidade e ao
sofrimento, portanto, formamos um todo.
Não podemos dizer que uma parte do corpo necessite de mais cuidados do que
outra, que é mais importante que uma determinada parte não sinta dor. Todas as
partes são iguais. Então não podemos dizer que uma mão, por exemplo, só deveria
cuidar de mãos. Se um de nossos pés estivesse com dor porque pisou em um
espinho, nossa mão imediatamente o ajudaria. A mesma lógica se aplica ao cuidado
com os outros.
(VIII.100) Apesar de não fazer sentido, é assim que funciona, por causa do
conceito de um “eu”. Bom, mas é claro que devemos descartar ao máximo o
que não faz sentido no que se refere ao [“todo” formado por] eu e os outros.
A questão toda está na base sob a qual rotulamos o “eu”. Será que o rotulamos com
base na mão ou em todo o corpo? Será que o estamos rotulando com base apenas
na nossa pessoa? Será que podemos rotulá-lo tendo qualquer um ou mesmo a
todos como base? Shantideva diz:
(VIII.92) Apesar da minha própria dor não machucar o corpo dos outros, [para
mim] ela é insuportável, por ser a dor do “eu” e por causa do meu apego ao
“eu”.
(VIII.93) Da mesma forma, apesar da dor dos outros não me atingir, é a dor de
um “eu”, por isso também é difícil de suportar, por causa do apego a um “eu”.
Basicamente, o que estamos fazendo é cuidar de algo que veio do corpo de outras
pessoas, então qual é a diferença entre isso e cuidar de qualquer outro corpo que
veio do corpo de outras pessoas? Qual é a diferença entre limpar nosso próprio
nariz com a mão ou limpar o nariz de um bebê? Estamos dispostos a fazer os dois,
se necessário. Mas será que isso seria diferente de limpar o nariz de um bêbado
caído na rua? Shantideva coloca da seguinte forma:
(VIII.112) Então, por que também não considerar o corpo de outra pessoa
como “eu”? Afinal, não é difícil verificar que aquilo que considero meu corpo
não é “meu”.
Conforme disse Shantideva, o sofrimento deve ser eliminado, mas não por ser meu
ou de outro ser. O sofrimento deve ser eliminado simplesmente porque é
sofrimento e machuca. Shantideva diz que o sofrimento não tem dono. Assim como
podemos cuidar do “eu” que tem como base um único corpo, também podemos
cuidar do “eu” que tem como base o corpo de todos os seres.
(VIII.102) Como o sofrimento não tem dono, não existe diferença entre o
sofrimento [de um ser e de outro]: se existe sofrimento, ele tem que ser
eliminado. Porque impor restrições?
(VIII.94) Portanto, o sofrimento dos outros é algo que deve ser eliminado por
mim, porque é sofrimento, o sofrimento de um “eu”. Assim, os outros seres
devem ser ajudados por mim, porque são seres sencientes, parte do corpo de
um “eu”.
(III.12ab) Uma vez que dei este corpo a todos os que possuem corpos
limitados, a fim de que façam com ele o que bem entenderem,
(III.14ab) Que façam o que quiserem com [meu] corpo, contanto que isso não
lhes cause mal.
Então, se alguém nos tomasse algo, não haveria problema, pois, mentalmente, já
lhes demos tudo. Conforme disse Togme Zangpo, lhes dedicamos nosso corpo,
recursos e ações construtivas dos três tempo. Aqui, “dedicar” significa pensar
“você roubou meu dinheiro, aproveite bem. Quero que seja feliz e espero que isso
lhe traga felicidade.” Tomamos da pessoa qualquer consequência negativa que
possa advir de sua ação, e lhes damos felicidade.
Novamente nos lembramos do que disse Togme Zanpo, que toda a infelicidade vem
de pensarmos apenas em nós mesmos e toda a felicidade vem de pensarmos nos
outros. Quando eu morava em Dharamsala, na Índia, tinha um jardim de flores, e
um dia umas crianças pegaram todas as flores do meu jardim. Como sou um ser
samsárico, fiquei com um pouco de raiva e com vontade de sair gritando e
correndo atrás delas. Então tentei lembrar deste conselho e perceber que não fazia
sentido ficar repetindo “que todos os seres sejam felizes, que todos atinjam a
iluminação” durante minhas práticas e meditações, e ficar bravo por terem levado
minhas flores. Só fiquei zangado e triste porque estava pensando apenas em mim.
Eram minhas flores e eu queria apreciá-las. Mas quando comecei a pensar “que
vocês se alegrem com as flores”, passei a pensar na felicidade alheia, e isso
pacificou minha mente.
Todos esses versos, que falam de outras pessoas nos fazendo mal, têm o objetivo
de nos ajudar a não ter raiva. Um bodhisattva não ficaria bravo com os outros,
porque raiva é basicamente querer que o outro não seja feliz. Queremos nos livrar
da pessoa, e também queremos que ela pare de fazer o que está fazendo. É claro
que não querer que o outro seja feliz é o oposto de querer que ele seja feliz, não é?
A raiva acaba com a força positiva que desenvolvemos através de várias ações
construtivas, e a enfraquece de forma que demore a amadurecer e seu fruto seja
menor. Precisamos desenvolver paciência. Se tivermos paciência, não ficaremos
com raiva. E a melhor maneira de desenvolver paciência é praticando tonglen, o
dar e receber.
Esse verso dá o exemplo extremo de alguém que tenta cortar nossa cabeça, mas a
mensagem é que não devemos ficar com raiva, mesmo quando nos machucam
intensamente sem que tenhamos culpa. Ao invés disso, devemos praticar tonglen
pensando no sofrimento e nas consequências negativas que a pessoa
experimentará com resultado de cortar nossa cabeça, ou o que quer que tenha
feito. Então fazemos a prática de tomar para nós as consequências negativas
através do poder da compaixão, ou seja, do desejo de que estejam livres do todo
sofrimento.
Por isso é tão importante “esquecermos” quando alguém nos faz algo negativo. Por
exemplo, pode ser que alguém nos empreste dinheiro e não pague. Existem
situações em que a pessoa simplesmente não vai pagar. Nessas situações,
simplesmente esqueça! Mas lembre-se que isso é bem diferente do conceito
ocidental de perdão, que implica em um certo sentimento de superioridade, uma
atitude do tipo “Está bem, vou perdoar esse pobre coitado”. A noção ocidental de
perdão também está baseada no conceito de culpa, de que a outra pessoa é culpada
mas nós a perdoamos. Além disso, identificamos a outra pessoa como “a culpada”,
que nós, com toda nossa nobreza, perdoamos. Aqui, tendo como base o sentimento
de compaixão, percebemos que, quanto mais raiva tivermos, e quanto mais
chateados ficarmos, mais a outra pessoa irá sofrer. Por isso, e por queremos que
ela seja feliz, procuramos não ficar com raiva e desejar ainda mais felicidade a ela.
Mesmo que ainda não sejamos bodhisattvas, devemos tentar ao máximo pôr isso
em prática.
E mais, Shantideva nos mostrou que todos têm boas qualidades. Ele escreveu
muitos versos questionando o por quê de não querermos nos alegrar com as boas
qualidades das outras pessoas, se queremos que elas se alegrem com as nossas. E
todos fazemos isso. Vejam o que ele disse:
(VI.79) Quando suas qualidades são enaltecidas, você deseja que as outras
pessoas fiquem felizes por você, mas quando são as qualidades delas que são
enaltecidas, você não quer ficar feliz.
O ponto aqui é não falar das qualidades negativas dos outros, mesmo que eles
falem das nossas, e enfatizar suas boas qualidades, com uma atitude amorosa, com
o desejo de que sejam felizes. Todas as pessoas têm boas qualidades, portanto,
devemos nos alegramos com a felicidade que essas qualidades trarão às suas vidas.
Se não conseguirmos aquentar uma pessoa falando mal de nós, nunca
aguentaríamos o que Sua Santidade aguenta, um pais inteiro falando mal dele! Isso
ilustra bem o seu comportamento de um bodhisattva.
(15) A prática de um bodhisattva é, mesmo que alguém exponha seus defeitos
ou fale mal (dele) no meio de um grupo de muitos seres errantes,
cumprimentá-lo respeitosamente, identificando-o como (seu) professor
espiritual.
(6) Mesmo que alguém que eu tenha ajudado, ou por quem tenha grandes
expectativas, me prejudique de forma totalmente injusta, que eu o veja como
um professor sagrado.
Quando os outros nos criticam e expõem nossos defeitos, na verdade, estão nos
ajudando, pois estão nos mostrando o que podemos corrigir. Afinal, um bom amigo
é aquele que nos diz que estamos agindo como idiotas quando realmente estamos.
Quando estávamos na escola, se os professores não tivessem apontado nossos
erros, se sempre tivessem dito “Nossa, muito bom o que você escreveu!”, nunca
teríamos aprendido e melhorado. Portanto, podemos considerar que aqueles que
expõem nossos defeitos são como professores espirituais que nos ajudam a corrigi-
los.
Imagine que seja tarde da noite e dizemos ao nosso filho pequeno que vá dormir,
mas ele fica muito zangado e começa a gritar “Eu te odeio!” Será que acreditamos
na criança e ficamos chateados com ela? Será que pensamos “Oh, meu filho não
gosta mais de mim!” Claro que não, sentimos afeição e continuamos a agir
pensando no bem da criança. Desligamos a televisão e a levamos pra cama. E se ela
estiver doente e passar a noite chorando? Será que ficamos zangados e passamos a
considerá-la uma inimiga? Claro que não, sentimos ainda mais amor e afeição.
(VIII.141) “Ele é respeitado, mas eu não; eu não tenho a riqueza que ele tem.
Ele é elogiado; mas eu sou menosprezado, ele tem felicidade, mas eu tenho
sofrimento;
(VIII.142) “Eu faço todo o trabalho, enquanto ele tem uma vida boa. Ele é
considerado superior, enquanto eu sou considerado inferior, desprovido de
boas qualidades.
(VIII.143) “Mas como pode alguém que não tem boas qualidade fazer qualquer
tipo de trabalho? Portanto, todos possuímos boas qualidades! (Inclusive,)
existem pessoas que o consideram inferior e pessoas que me consideram
superior.
(VIII.144) “Coisas como o declínio de minha disciplina ética e visão de mundo
são consequências das emoções perturbadoras, e não do meu controle sobre
elas. Preciso ser curado, tanto quanto possível: aceito até a dor [envolvida na
cura].
(VIII.145) “Mas (além de) ele não me tratar como alguém que precisa ser
curado, porque ainda me olha com ar de superioridade?
Esse é o tipo de ensinamento que Shantideva nos deixou sobre trocarmos de lugar
com os outros. Mesmo que uma pessoa em posição inferior nos insulte e seja
arrogante, é importante lembrarmo-nos desses ensinamentos e não agir da mesma
forma. Ao invés disso, devemos receber essa pessoa na coroa de nossa cabeça,
respeitosamente, como a um guru. Ou seja, ao invés de também sermos
arrogantes, devemos respeitá-la, como respeitaríamos nosso guru, pois ela está
nos ensinando algo; está nos ensinando a não sermos arrogantes.
Não importa se somos ou não insultados por pessoas em posição igual ou inferior,
o importante é termos uma atitude de respeito por elas. Afinal, estão nos ajudando
a alcançar a iluminação e ajudar os outros. Precisamos pensar “É por causa da
minha compaixão, amor e ajuda a elas que serei capaz de atingir a iluminação e
beneficiar os demais. Portanto, merecem muito respeito.”
Shantideva diz que os budas e os seres senciente são iguais se pensarmos que é
devido à sua gentileza que conseguiremos atingir a iluminação. Por isso,
Shantideva nos pergunta o motivo de mostrarmos respeito apenas pelos budas e
gurus e não pelos sofredores seres sencientes. Ele escreveu:
(VI.113) Uma vez que o atingimento da iluminação depende tanto dos seres
sencientes quanto do Triunfante, por que não respeitamos os seres sencientes
como respeitamos o Triunfante?
Perguntas
Quando percebemos que estamos ficando com raiva, o melhor a fazer seria
sair da situação e esperar a raiva acalmar, para só mais tarde tentar livrar-se
dela?
Sim, esse é um bom passo, e tem a ver com o que disse Togme Zangpo, que um
bodhisattva deve deixar sua terra natal, onde a raiva, o apego e a ingenuidade o
incomodam tanto. Ao tentarmos sair de uma situação onde não conseguimos lidar
com a raiva, estamos fazendo a mesma coisa. É bom nos acalmarmos e nos
recompormos. Provavelmente, a outra pessoa também estará aborrecida e com
raiva, e pouco inclinada a acalmar-se e resolver a situação pacificamente.
Precisamos esperar que ela também se acalme e que ambos tenhamos um estado
mental mais conducente a resolver o conflito.
É verdade, todos são iguais, mas no sentido de que todos querem ser felizes e
ninguém quer ser infeliz, e todos têm o direito de ser feliz e estar livre do
sofrimento. Todos foram igualmente gentis conosco quando foram nossas mães,
por exemplo. Segundo Shantideva, os Budas e todos os seres sencientes são
igualmente gentis conosco, portanto, merecem o mesmo respeito. No entanto,
Shantideva deixa bem claro que Budas e seres sencientes não são iguais em todos
os aspectos. O amor, compaixão e sabedoria dos budas estão além de nossa
imaginação. Eles são iguais apenas quando consideramos que dependemos
igualmente dos dois para atingirmos a iluminação — os budas são o exemplo do
que objetivamos alcançar e os seres sencientes são àqueles por quem objetivamos
alcançar a iluminação.
No verso 12, que fala de roubo, ele se refere apenas ao karma da pessoa que nos
rouba ou também ao nosso próprio karma, gerado por reagimos de uma
determinada maneira?
Shantideva disse que a pessoa gera consequências negativas por agir com base no
“eu”, porque ele roubou de “mim”, por exemplo. Quando desenvolvemos paciência,
tendo a pessoa que nos roubou como base, estamos gerando felicidade. Ela está
causando seu próprio sofrimento, por estar agindo com base no “eu”, e nós
estamos gerando felicidade por estarmos agindo com base no “outro”, então,
porque fazê-la sofrer ainda mais ao nos zangarmos? Tendo seu “eu” como base, ela
terá um renascimento pior; e, tendo a ela como base, atingiremos a iluminação. É
estranho, não é? Porque ficarmos com raiva dela?
Podemos olhar a situação sob outro ponto de vista, como o que encontramos em A
Roda de Armas Afiadas, um outro texto de treinamento mental. Segundo esse texto,
devemos nos conscientizar de que cometemos ações negativas no passado, ao
roubar de outras pessoas, e agora isso está retornando a nós. Esta é uma outra
forma de transformarmos a situação. Então, repetindo, quando alguém nos rouba,
pensamos que nossos próprios potenciais negativos estão amadurecendo ou que
estamos gerando potenciais positivos ao não ficarmos com raiva da pessoa.
Temos esta vida humana inacreditavelmente preciosa, que serve como base para
atingirmos a liberação e iluminação. Um renascimento como este é muito raro.
Além disso, passa muito rápido e pode acabar a qualquer momento, portanto,
precisamos aproveitá-lo. Para isso, Togme Zangpo nos aconselha a vivermos em
isolamento, afastados da terra natal, a fim de conseguirmos progredir no caminho.
A seguir, damos uma direção segura às nossas vidas, tomando refúgio no Buda,
dharma e sangha. Seguimos a direção do verdadeiro cessar e dos verdadeiros
caminhos mentais que os budas realizaram, e a sangha faz parte disso. E para nos
assegurarmos de que não teremos renascimentos piores, procuramos nos abster
de comportamentos destrutivos.
Por mais difícil que seja almejarmos com sinceridade, do fundo do coração, um
renascimento humano precioso, é ainda mais difícil trabalhar com honestidade, e
sem apego à vida humana, para nos liberarmos do samsara. Não devemos de forma
alguma trivializar a renúncia, o desapego ao samsara. Não importa o quão
maravilhosos sejam nossos amigos e mentores espirituais, são todos
impermanentes. Não dá pra ficar pra sempre com as pessoas. Milarepa não
conseguiu ficar pra sempre com Marpa. Ele teve que deixá-lo; essa é a parte ruim
do apego.
O nível de motivação avançado é ainda mais difícil. Uma vez que tenhamos atingido
a liberação, é fácil simplesmente relaxarmos e aproveitarmos a experiência de
felicidade imaculada. Mas no nível avançado, pensamos em todas os seres, todas as
nossas mães, e, com bodhichitta, almejamos trabalhar mais. Com bodhichitta, a
realização da vacuidade e as seis atitudes de vasto alcance, trabalhamos para
atingirmos a iluminação e ajudar a todos os seres.
Precisamos ir além dos dois extremos do samsara e nirvana, o que é muito difícil e
requer que reconheçamos que a vida humana preciosas e a liberação são apenas
paradas em nosso caminho para a iluminação. Não há como atingirmos a
iluminação sem passarmos por isso.
Isto é repetido o tempo todo: que a única forma de progredir é ouvir, estudar e
refletir sobre os ensinamentos. Só assim conseguiremos entendê-los e integrá-los à
nossa vida através da meditação. Esse processo nos levará a realmente sentir esses
níveis de motivação e não apenas conhecê-los superficialmente.
Temos aqui, mais uma referência à prática do tonglen, de tomar o sofrimento dos
outros e dar-lhes nossa felicidade. Imaginem que fossemos muito pobres, doentes,
constantemente insultados e desprezados por outras pessoas e assombrados por
fantasmas, se ficássemos pensando apenas em nós mesmos, nossa visão seria
muito limitada. Seríamos tomados pelo pensamento “pobre de mim” e, além das
dificuldades normais, ainda sentiríamos um tremenda infelicidade. Por outro lado,
se pensássemos em todos os que passam pelos mesmos problemas e ampliássemos
nossa visão para além do “pobre de mim”, para todos os seres, a forma como
viveríamos esse sofrimento seria muito diferente.
Expandimos nosso escopo ao nos imaginar trocando de lugar com os outros. Para
isso, precisamos estar interessados em eliminar o sofrimento e em expandir a base
sobre a qual rotulamos o “eu” — de um indivíduo para todos os indivíduos. Além
disso, precisamos aceitar as forças negativas e o sofrimento de todos os seres
sencientes; só então, não nos desencorajaremos. O que nos desencoraja não é
pensar em todos os seres, o que nos desencoraja é pensar “pobre de mim”.
Podemos ficar muito ricos ou famosos e muitas pessoas nos elogiarem dizendo que
somos maravilhosos e que nosso trabalho é incrível, algumas podem até mesmo se
curvar perante nós. Para não ficarmos presunçosos, Togme Zangpo diz que
precisamos perceber que isso tudo não tem essência. Fama e elogios podem,
inclusive, ser um obstáculo. Vejam os atores e cantores muito famosos; eles não
conseguem nem sair de casa sem serem incomodados por dezenas de paparazzi
querendo sua foto. E ainda têm os fãs que gritam e correm atrás deles, tentando até
rasgar suas roupas!! É horrível!
Mesmo quando somos conhecidos apenas em uma determinada área, quanto mais
famosos formos, mais demandas haverão sobre o nosso tempo. Haverá mais
trabalho, mais emails, mais obrigações e convites, e tudo isso pode acabar nos
assoberbando. Não conseguiremos fazer nada do que queremos porque todo
mundo demandará nosso tempo, não teremos um tempo nosso. Se formos
extremamente ricos, sempre haverão pessoas nos incomodando, tentando tomar
nosso dinheiro. E podemos achar que ninguém gosta realmente da gente, que
querem nossa amizade apenas pelo dinheiro.
Para não nos desencorajarmos quando as coisas vão mal, tomamos o sofrimento e
cultivamos compaixão por aqueles que têm problemas semelhantes. Quando as
coisas vão bem, é importante não sermos presunçosos, ver que existem
desvantagens e que nada disso tem essência. E quando temos dinheiro, fama e
várias circunstâncias favoráveis, devemos reconhecer que isso também apresenta
vantagens. Podemos, e devemos, usar essas vantagens para beneficiar os outros, ao
invés de nos tornarmos prepotentes. Tendo dinheiro, podemos ajudar muitas
iniciativas espirituais, por exemplo.
Outras situações difíceis que um aspirante a bodhisattva tem que enfrentar são as
que envolvem hostilidade e apego. Togme Zangpo dedica alguns versos a isso.
Acho que as analogias marciais podem ser particularmente úteis quando lidamos
com nossas próprias emoções perturbadoras, porque realmente é como se
estivéssemos travando uma batalha. É uma batalha interna e precisamos lutar
muito. É perigosa, e algumas vezes nos machucamos. Se nos engajarmos em
práticas de purificação, todo tipo de coisas desagradáveis podem surgir, mas se
quisermos nos livrar das emoções perturbadoras mais entranhadas, precisamos
lidar com todas.
Se formos lutar, precisamos de muita coragem. Isso vale não só para batalhas
externas, mas também para as internas. Quando vemos a tradução tibetana da
palavra bodhisattva, percebemos que acrescentaram uma sílaba no final, mudando
o significado da palavra para corajoso, valente. Esse não é precisamente o
significado no Sânscrito. A palavra tibetana para bodhisattva é jang-chub sem-pa. A
primeira parte de palavra, jang-chub , é o equivalente tibetano à bodhi, que
significa iluminação. A segunda parte, sem-pa, seria sattva, o que significa um ser
que tem uma mente. No entanto, os tibetanos trocaram o pa por dpa’, que tem
exatamente a mesma pronúncia, mas que significa corajoso ou valente.
Acho que todos sabemos disso por experiência própria. Podemos deixar de ter
raiva de uma determinada pessoa ou situação, mas continuaremos a ficar com
raiva em outras situações no futuro. Conseguir superar um episódio de raiva não
resolve a situação, precisamos continuar lutando.
Todos temos coisas as quais somos muito apegados. Tenho um amigo que é
inacreditavelmente apegado a livros de dharma e compra-os compulsivamente,
mesmo que nunca tenha tempo de ler. Togme Zangpo diz que o remédio para isso é
abandonar o objeto. Sugeri a meu amigo que doasse seus livros para uma
instituição, como um centro de dharma, por exemplo, onde outras pessoas
pudessem se beneficiar deles. Quanto mais ele fica com seus livros, mais apegado
fica e mais ele compra! Quando somos muito apegados a alguma coisa, o que quer
que seja, o melhor remédio é compartilhar. Podemos doar roupas que nunca
usamos e até abrir nossa casa para atividades do dharma.
Togme Zangpo sempre diz que os objetos do desejo, aos quais somos apegados, são
como água salgada. Quanto mais tomamos, mais sede temos. Quanto mais objetos
de apego acumulamos, mais apegados ficamos. Queremos mais e mais, e nunca
temos o suficiente. Quem aqui acha que tem dinheiro suficiente no banco? Sempre
queremos mais e mais.
Obviamente, apenas doar nossos objetos não é a solução mais profunda, porque
ainda podemos ficar com o desejo de tê-los de volta. Mas, como uma forma inicial
de lidar com a questão, pode ser útil. Em um verso anterior, Togme Zangpo disse
que somos muito apegados à nossa terra natal, onde o apego aos amigos nos
deixa agitados como a água, e por isso seria melhor deixarmos a terra natal.
Isso também está relacionado à este verso.
Acabou de me ocorrer um exemplo: existem pais que não largam os filhos, e quanto
mais ficam juntos, mais apegados ficam. Mas é claro que é importante eles terem
vida própria. Quando pequenos, precisamos deixá-los ir à escola, dormir na casa
dos amigos e, mais tarde, fazer faculdade em outra cidade. Também precisamos
nos desapegar para deixá-los casar e mudar para outro lugar. Existem muito pais
que não aprovam os namorados ou namoradas dos filhos, não importa quem seja.
Isto é porque são muito apegados e não querem “perdê-los”.
Claro que podemos perguntar: “Será que Togme Zangpo realmente queria que
abandonássemos nosso computador e celular?” Isso nos dá muito o que pensar, já
que é uma questão cada vez mais proeminente. Existem pessoas que são tão
viciadas que ficam o tempo todo olhando o celular, ou então deixam o computador
o dia todo ligado e conectado à internet para que possam ver os e-mails assim que
chegam. E pode ser que eles sejam como eu, que adoro notícias, e de tempos em
tempos verifico se têm notícias novas na internet ou televisão. Muitas pessoas são
viciadas em estações de rádio especializadas em notícias, e ouvem a mesma
história várias vezes. O conselho de abandonar essas coisas pode ser muito útil,
mesmo que não abandonemos completamente. Eu acho muito difícil verificar os
emails ou as notícias apenas uma vez ao dia ou usar o celular apenas quando
necessário.
Um último exemplo relacionado aos objetos de apego tem a ver com comida.
Quando somos muito apegados a chocolates, biscoitos e guloseimas em geral, e
precisamos fazer uma dieta, será extremamente difícil não comê-las se as tivermos
em casa. A melhor e talvez única forma de mantermos a dieta é simplesmente não
comprar essas coisas. Simplesmente não ter guloseimas em casa, pois, se tivermos,
vamos comer. Não é verdade? Tenho certeza que todos já passaram por isso se
algum dia fizeram uma dieta.
Podemos olhar esse verso sob o ponto de vista Sakya, pelo qual as coisas podem
aparecer como objetos externos que surgem de uma fonte própria, e a mente que
os percebe também surge de uma fonte própria e totalmente separada. Por
exemplo, podemos achar que uma determinada pessoa é terrível e que isso vem
dela, a vemos como se realmente tivesse essa característica, inerentemente, como
se realmente fosse a pessoa terrível que aparece para nós, e que é assim que
aparece para todo mundo, não apenas para a nossa percepção. O texto diz para não
prestarmos atenção nisso. Não devemos trazer isso à mente, devemos perceber
como as coisas são. Em outras palavras, não importa que apareçam dessa forma
dualística, essas aparências vêm de nossa própria mente. A aparência dessa
pessoa como uma pessoa terrível e a mente que a vê como terrível vêm da mesma
semente kármica em nossa mente, e não de duas fontes diferentes.
Esse verso é muito profundo e requer muito estudo. Mesmo que não
compreendamos muito bem a explicação, podemos apreciar a profundidade dos
ensinamentos sobre a vacuidade e os vários níveis em que podemos compreendê-
los. Assim, desenvolveremos respeito e interesse em aprofundar e compreender o
assunto.
Tudo o que falamos aqui é muito importante para conseguirmos ajudar os demais.
Se pensarmos que existe um pobre ser sofrendo lá fora, e que existe algo
encontrável nele que, por si só, faça com que ele seja um pobre sofredor, ele nunca
poderá mudar, não importa o que tentemos fazer para ajudar. Esse tipo de
entendimento é realmente muito importante, não é?
Essa é a primeira fase, a absorção total em “não existe tal coisa”, ou seja, na
vacuidade. Quando focamos nisso, é como focarmos em “não tem chocolate em
casa”. O que aparece? Nada. E concluímos que realmente não tem chocolate em
casa. Portanto, quando estamos totalmente absorvidos na vacuidade, nada aparece.
E então temos a fase do atingimento subsequente. Essa fase também é chamada de
fase “pós-meditativa”, mas essa não é uma tradução adequada, pois ainda estamos
meditando.
Depois da absorção total, percebemos que tudo é uma ilusão. Apesar de parecer
haver algo interessante na TV, é como uma ilusão. Apesar das coisas parecerem
existir de uma maneira sólida, por si só, elas são como uma ilusão. Uma ilusão
aparece, mas não existe da forma que parece existir. Ela parece ser algo sólido, mas
não é.
Quando encontramos objetos [dos sentidos] bonitos, sejam eles pessoas ou coisas,
o conselho é tentar perceber que não possuem uma qualidade inerente e
encontrável que os faça bonitos por si só. Objetos não são inerentemente
maravilhosos, fazendo com que tenhamos que tê-los. Não há nada neles que os faça
atraentes e poderosos por si só, independente de qualquer outra coisa. Talvez os
objetos possam parecer inerentemente bonitos, atraentes e maravilhosos por si só,
mas precisamos perceber que eles não existem dessa forma. Isso seria impossível,
eles apenas parecem ser assim, como uma ilusão. A analogia que usamos aqui é a
de um arco-íris de verão. Um arco-íris é lindo e parece existir de forma sólida e ser
inerentemente bonito. Mas não há nada sólido nele. Quanto mais o examinamos,
mais percebemos que não há nada a ser encontrado.
Uma palavra importante aqui é como. As coisas são como uma ilusão. Não é que
todas as coisas sejam uma ilusão. Existe uma grande diferença entre uma ilusão e
algo que é como uma ilusão. Shantideva usa o exemplo de um mágico criando a
ilusão de um cavalo; matar a ilusão do cavalo e matar um cavalo real é bem
diferente em termos das consequências kármicas. As consequências dependem de
realmente estarmos afetando alguém quando executamos esse ato. Portanto, tudo
é como uma ilusão, como um arco-íris de verão.
Por exemplo, se batermos com o pé em um móvel, dói. Claro que dói, mas seria um
desperdício cansativo levar isso ao extremo de ficar pulando e gritando “que coisa
horrível que aconteceu comigo”. Certamente não nos faria sentir melhor. Apenas
prolongaria nosso sofrimento. Eu bati o pé, causa e efeito, ele dói. E daí? Alguma
novidade? O que eu devia esperar do samsara?
Perguntas
O verso 21 fala em abandonarmos os objetos que fazem com que nosso aferramento
e apego aumentem. Qual é a diferença entre esses dois termos e os termos anseio e
desejo?
Existem muitos termos técnicos no budismo, que parecem similares mas tem
definições e usos muito específicos. Quando falamos em nos aferrarmos, falamos
em segurar fortemente alguma coisa que gostamos. A tradição Sakya aponta
quatro coisas principais às quais devemos deixar de nos aferrar: as coisas desta
vida, as coisas das vidas futuras, nossos objetivos egoístas e formas impossíveis de
existência. O termos “aferramento” também é utilizado no contexto da cognição
conceitual. Quando pensamos em algo como membro de uma categoria conceitual,
nosso cachorro na categoria de um animal de estimação, por exemplo, dizemos que
o objeto ao qual essa cognição conceitual se aferra é nosso animal de estimação.
Podemos perceber que a análise dos vários estados mentais pela psicologia budista
é muito sofisticada. Existem muitas distinções e infelizmente nem sempre
possuímos os termos específico em nosso idioma. Quando conhecemos a
terminologia original e sua definição, podemos realmente entender do que se trata
o texto em questão.
Acho muito difícil entender a vacuidade, mas quando ouço seus exemplos, penso:
“Claro, é tudo como um sonho”. Mas no dia-a-dia não consigo integrar essa
compreensão. Como fazer isso?
Algumas semanas antes da data que deveria viajar, recebi um email da Colômbia
dizendo que seria muito difícil organizarem duas visitas, a minha e a de Sua
Santidade. Eles estavam cancelando a minha viagem e não os culpei. Apenas
respondi: “Eu disse!” Verifiquei quanto teria que pagar para cancelar a passagem e
como isso afetaria minha vinda para o México, sem maiores dilemas. Não fiquei
feliz e nem triste.
Mas quando lhes falei das taxas que teriam que pagar pelo cancelamento da
passagem, responderam dizendo que então eu fosse. De novo, não fiquei feliz e
nem triste. Tudo certo, então eu iria, e não fiquei pensando no assunto.
Porém, doze dias antes da data da viagem, recebi um novo email dizendo que eles
perguntaram quem poderia comparecer aos ensinamentos e nem o tradutor
estaria disponível. Perceberam que realmente precisavam cancelar. Foi como uma
ilusão, não fiquei nem feliz e nem triste. Simplesmente cancelei a passagem. Não
sofri e nem fiquei animado. Não foi nada de mais, foi como um sonho, sobre o qual
não precisamos pensar. Se conseguirmos aplicar os ensinamentos sobre a
vacuidade e sobre tudo ser como uma ilusão, veremos que são incrivelmente
eficientes, mas é preciso nos familiarizarmos antes com eles.
Nos versos seguintes, Togme Zangpo fala sobre as seis atitudes de vasto alcance, as
assim chamadas “perfeições” ou “paramitas,” que é uma base muito importante
para nosso comportamento de bodhisattva. Os votos de bodhisattva, e
especialmente os votos secundários, são uma forma de conseguirmos praticar
essas seis perfeições.
Para ser mais preciso, esses estados mentais podem nos levar tanto à liberação
quanto à iluminação. Nas escolas Hinayana, também temos essas perfeições, mas
com o objetivo de atingirmos a liberação, e logicamente ajudar os outros ao longo
do caminho. Consideramos que essas perfeições são Mahayana quando nossa
motivação é bodhichitta. Se formos cultivá-las no contexto Mahayana, é muito
importante que estejam baseadas neste ideal: bodhichitta. Em outras palavras, é
importante que nosso objetivo seja alcançar a iluminação para ajudar os outros ao
longo do caminho e, depois de iluminados, realmente conseguir ajudá-los da
melhor maneira possível.
Shantideva destaca um ponto muito importante quando diz que as seis perfeições
são atitudes e estados mentais, não ações. Conforme disse em Engajando-se no
Comportamento do Bodhisattva:
Uma vez que o importante é o desejo e a disposição de doar tudo o que temos,
podemos desenvolver essa perfeição mesmo quando não temos nada para dar. Por
exemplo, podemos pensar: “que todos possam se alegrar como esse lindo pôr do
sol” ou qualquer outra coisa com a qual nos alegramos. Também podemos nos
imaginar doando tudo o que os outros precisam. Mas, se realmente tivermos o que
doar, não é suficiente apenas imaginarmos que estamos doando. Temos que doar
de verdade!
Quando doamos com generosidade, é importante que o façamos sem esperar algo
em troca. Não é uma transação comercial, não estamos negociando ou dando
alguma coisa para receber algo em troca, mesmo que esse algo não seja material.
Às vezes queremos que a pessoa goste de nós, nos ame ou simplesmente nos
agradeça, mas não devemos esperar nada disso. Não é por isso que estamos
doando. Quando a mão dá comida à boca, não espera um obrigada ou qualquer
outra coisa em troca. Doamos simplesmente porque alguém está precisando. Se
pudermos doar o que os outros estão precisando, e isso não prejudicar ninguém,
devemos doar.
É como ver que têm louça suja na pia; não importa se a louça é nossa ou de outra
pessoa, ela precisa ser lavada. Então simplesmente lavamos.
Assim, quando fazemos uma doação, não devemos esperar que algum karma
amadureça. O fato é que o resultado da generosidade é riqueza, especialmente em
vidas futuras. Não é apropriado sermos generosos e doarmos para centros de
dharma, por exemplo, pensando que é um bom investimento para o futuro e que
seremos ricos nas próximas vidas. Além disso, é importante não ficarmos apegados
aos objetos que doamos ou insistir que a pessoa a quem os doamos use-os
conforme gostaríamos que usassem. Se demos um objeto de presente, a quem ele
pertence? A nós ou à pessoa a quem demos?
Portanto, como disse Togme Zangpo, se aqueles que desejam a iluminação têm
que doar até seu corpo, como o Buda Shakyamuni, que quando era um
bodhisattva avançado deu pedaços de seu corpo para alimentar uma tigresa
faminta, o que dizer de suas posses! Se queremos servir aos demais, não
podemos ter apego às nossas posses, nem mesmo ao nosso corpo.
Mas se não somos um bodhisattva avançado, devemos lembrar que “uma raposa
não pula onde pula um leão”. Se não estamos prontos para dar nosso corpo ou vida
aos outros, não devemos dar. É indiscutível que, se tentarmos fazer isso mas não
estivermos prontos, podemos desenvolver um estado mental muito negativo, que
de nada nos servirá. Inclusive, podemos fazer um teste para verificar o quão
avançados estamos em generosidade: quão dispostos estamos a alimentar um
mosquito quando ele pousa em nosso braço? A maioria das pessoas não está
disposta a deixar que o mosquito leve um pouco de seu sangue. Sua Santidade diz:
“Eles só levam uma pequena gota de sangue. Isso não é nada.”
Se só estamos dispostos a doar algo que não precisamos, não gostamos ou que está
sobrando, tipo “Estou cansado dessas roupas então vou doá-las a uma pessoa
pobre”, não alcançamos grande coisa. O ponto é estar disposto a doar algo que
realmente apreciamos, como nosso “precioso tempo”, por exemplo.
Quando Togme Zangpo diz que não conseguimos satisfazer os próprios propósitos
sem autodisciplina ética, ele está se referindo aos objetivos espirituais do nível de
motivação inicial e intermediário. Nosso objetivo é ter um renascimento melhor,
uma vida humana preciosa e obter a liberação. Se, sem autodisciplina ética não
conseguimos alcançar essas coisas, como podemos sequer pensar em realizar os
objetivos alheios em termos de iluminação?
A paciência é o estado mental de não ficar com raiva daqueles que nos prejudicam,
de não nos deixamos abater por todas as dificuldade que teremos até atingirmos a
iluminação e de não desanimamos com todas as dificuldades envolvidas em ajudar
os outros. Não é fácil ajudar os demais, por isso precisamos cultivar o hábito de
sermos pacientes. Esse é o significado da palavra “meditação”, precisamos
entender que seu verdadeiro significado é cultivar um hábito benéfico. Portanto,
praticamos repetidamente, fazemos da paciência um hábito. A forma como
desenvolvemos o hábito da paciência é não tendo hostilidade ou repulsa por quem
quer que seja. Não importa o quão difícil seja ajudar, não importa o quanto a
pessoa nos prejudique, evitamos ficar com raiva.
Conforme explica Sua Santidade o Dalai Lama, paciência e tolerância não são sinais
de fraqueza, são sinais de força. Ser paciente não significa deixar que os outros
ajam de maneira destrutiva ou pisem em nós. Significa conseguir distinguir entre a
pessoa e suas ações, e não ficar com raiva dela. Conforme disse Shantideva, se
houver uma situação difícil e pudermos fazer algo a respeito, porque ficar com
raiva? Apenas faça o que tem que ser feito. Mude-a. E se não houver nada que se
possa fazer, para que ficar com raiva? A raiva não vai ajudar.
Ter paciência, conforme diz Togme Zangpo, é causa para gerarmos uma tremenda
quantidade de força positiva. Para um bodhisattva que deseja ser rico em força
positiva (mérito), todos os que nos prejudicam são como tesouros de pedras
preciosas. Por que? Bom, como poderíamos desenvolver paciência se não
houvessem pessoas irritantes e difíceis? Encontramos ideias parecidas em outros
treinamentos mentais. Aqueles que nos fazem praticar paciência são como
tesouros, pois com eles podemos ficar ricos em força positiva, com a qual
poderemos alcançar a iluminação.
Ignorar que sua cabeça está pegando fogo refere-se basicamente à renuncia.
Eles renunciam a essa preocupação mundana com o fogo na cabeça. O termo literal
é afastar-se. Claro, algumas pessoas podem interpretar isso como “afastar o fogo”
ou “apagar o fogo”, mas o significado não é esse. O significado é de renúncia.
Com essa estabilidade mental, é claro que conseguimos fazer qualquer coisa, certo?
O tipo de estabilidade mental que queremos alcançar é a que supera com pureza
as quatro absorções sem forma. As quatro absorções sem forma são estados
meditativos muito profundos que, se nos apegarmos a eles, podem fazer com que
renasçamos em um dos quatro reinos de seres sem forma, o reino sem forma. Essa
estabilidade mental supera isso com pureza. O termo pureza significa, aqui, que
essas quatro absorções são maculadas pelo desconhecimento (ing. unawareness),
ou seja, pela ignorância e, portanto, são impuras. Queremos desenvolver um tipo
de estabilidade mental que é pura, que vai além disso, que não se mistura com
desconhecimento ou confusão.
No que queremos focar essa mente estável? Qual é o estado mental que queremos
atingir, que têm essa estabilidade mental? É uma combinação, um estado que
une vipashyanaeshamatha. Um estado mental tranquilo e assentado é shamata
e um estado mental excepcionalmente perceptivo é vipashyana. O que é um
estado calmo e tranquilo? É livre de devaneios, instabilidade e torpor, e assentado
unifocadamente em um objeto construtivo. Nesse estado mental, existe uma
sensação de plena capacidade, uma plena e estimulante capacidade física e mental,
em que a mente consegue focar em qualquer coisa e permanecer focada pelo
tempo que você quiser.
Meu professor, Tsenzhab Serkong Rinpoche, costumava dizer que é como ter um
enorme jato. Se você o coloca no solo, ele fica, mas quando está no ar,
simplesmente voa. Esse é o sentido de plena capacidade mental, uma mente que se
concentra e faz o que quisermos, e permanece nesse estado estável. É um pouco
parecida com a plena capacidade física de um atleta muito bem treinado, cujo
corpo está em tão boa forma que ele tem a sensação de que pode fazer qualquer
coisa, de que pode correr indefinidamente.
Por que precisamos desenvolver essa perfeição? Togme Zangpo diz que é
porque sem a consciência discriminativa, as cinco perfeições não conseguirão
promover nossa iluminação completa. Mesmo com bodhichitta convencional —
o desejo de alcançarmos a iluminação para beneficiar todos os seres — praticar
apenas as cinco perfeições não é o suficiente. Elas precisam estar acompanhadas
da consciência discriminativa de vasto alcance da vacuidade.
do dharma virado para nós, e não para fora. Precisamos nos avaliar para ver se
estamos praticando o dharma adequadamente, ao invés de ficarmos avaliando os
outros.
O mesmo texto também diz que precisamos ser “as principais testemunhas”,
testemunhar se estamos praticando com pureza ou não. Somos os melhores juízes
para avaliar nossa motivação e o que se passa em nossa mente. É muito fácil nos
enganarmos. Nos enganamos pensando “Estou realmente seguindo o caminho
budista” ou “Realmente superei o egoísmo” e cometendo todo tipo de autoengano.
Precisamos examinar isso com muito cuidado, e nos livrarmos disso.
(32) A prática de um bodhisattva é não falar dos defeitos de uma pessoa que
entrou no (caminho) Mahayana, pois se sob o poder das aflições mentais,
falarmos sobre os defeitos dos bodhisattvas, nos degeneraremos.
Uma pessoa que entrou no caminho Mahayana é uma pessoa que está
praticando o caminho do bodhisattva. Achar defeitos em um bodhisattva é um
estado mental de menosprezar e achar defeitos em bodhichitta e no
comportamento do bodhisattva. Isso faz com que nosso próprio comportamento
de bodhisattva se degenere, pois temos uma atitude negativa em relação ao
comportamento de um bodhisattva.
Devemos notar que é por estarmos sob o poder de aflições mentais que
falamos dos defeitos dos bodhisattvas. É significativo que Togme Zangpo tenha
deixado isso bem claro. Existem bodhisattvas que não são muito hábeis em seus
métodos, que, de certa forma, são falhos. É claro que podemos fazer uma crítica
construtiva e dar sugestões para serem mais habilidosos. Mas isso é diferente de
falar de seus defeitos por causa de nossas próprias aflições mentais.
A aflição mental pode ser inveja do que eles fazem ou estarmos pensando apenas
em nós próprios, como em “eu não aprovo o que ele está fazendo, eu faria
diferente”. Pode ser arrogância, com em “eu faria melhor”. Pode ser ignorância,
onde simplesmente não compreendemos o método e a intenção de vasto alcance
(sabedoria) do bodhisattva e estamos pensando de forma muito limitada. Pode ser
apego e raiva, como em “eu queria fazer isso e agora esse bodhisattva fez primeiro”
e ficamos com raiva dele. Nesse contexto, se, estando sob poder de aflições
mentais, falarmos sobre os defeitos dos bodhisattvas, nos degeneraremos.
Isso não significa que não possamos fazer sugestões construtivas quando alguém
está tentando ajudar os outros como um bodhisattva ou achar que poderia
melhorar. Claro, fazer críticas destrutivas e falar apenas dos defeitos dos outros
não ajuda em nada. Mas estaríamos cometendo um equívoco se nunca tentássemos
corrigir ou ajudar uma pessoa que está cometendo um erro. Ou seja, se formos
fazer uma crítica construtiva, temos que fazer com muito respeito e com a
motivação de ajudar a pessoa a ser de mais benefício aos outros. Isso requer
humildade, não arrogância. Além disso, precisamos oferecer nossa sugestão na
hora certa e na circunstância correta. Caso contrário, podemos ser mal
interpretados.
Conta-se que Geshe Ben Gungyal, que meditava em uma caverna nas montanhas,
soube que seu patrocinador vinha visitar. Ele arrumou o altar, limpou o espaço de
meditação e se limpou, na esperança de impressionar o patrocinador e continuar
sendo sustentado por ele. Porém, ele percebeu que isso estava misturado com
preocupações mundanas de fama e respeito, então pegou um pouco de terra e
esfregou nas oferendas. Um outro mestre, que vivia muito longe, viu o que Geshe
Ben Gungyal fez, com sua percepção extra sensorial, e disse: Geshe Ben Gungyal
acabou de fazer a oferenda mais pura de todo Tibete”. Isso diz respeito às mesmas
coisas às quais nosso verso se refere.
Era uma situação bem diferente da qual os versos se referem, que é falar
com grosseria, desagradando a mente dos outros, com a intenção de machucá-
los.
A presença mental é a cola que segura nossa disciplina, e a atenção é o fator mental
que supervisiona a presença mental e certifica-se de que ela não descolou ou colou
com muita força. Esses dois fatores mentais carregam asarmas opositoras. De
modo geral, podemos pensar na disciplina ética como uma força opositora, mas
também existem outras forças opositoras. Por exemplo, a força opositora à raiva é
o amor, se estivermos apegados a um corpo bonito, a força opositora será pensar
na impureza desse corpo e nas substâncias que estão dentro do estômago e
intestinos. A atenção é como se fosse o sistema de alarme, que dispara quando tem
alguma coisa errada com a forma como a presença mental está colando. Quando
tem alguma coisa errada com a cola mental, é a atenção que aparece e a corrige. É a
atenção que restabelece uma forma mais benéfica de olharmos para a outra
pessoas. Por exemplo, ao invés de olharmos com raiva, olhamos com amor.
Este verso é muito parecido com o conselho que Shantideva nos dá no fechamento
de seu texto. Como trabalhar para realizar o propósito dos outros, para ajudar
os outros? Precisamos manter a atenção e a presença mental. É a presença
mental que adere à disciplina, ao amor, à compaixão e à bodhichitta. E a atenção é
o sistema que nos alerta para não nos descolarmos da disciplina ética, do amor, etc,
ou seja, para adequarmos a cola mental.
Assim, não importa onde estamos e como nos comportamos, precisamos sempre
verificar o que está se passando em nossa mente. Na última linha de A Guirlanda de
Jóias de um Bodhisattva, Atisha, um grande mestre anterior a Togme Zangpo, diz:
(28) Quando entre muitos, que eu vigie minha fala; quando sozinho, que eu
vigie minha mente.
Em vários textos, diz-se que é como se fossemos fazer uma viagem com pessoas
muito ricas que estivessem levando uma quantidade enorme de grãos para comer
durante o percurso. Podemos imaginar uma caravana no Tibete com exemplo. O
que queremos é contribuir, mesmo que só tenhamos uns poucos grãos. Nossos
grãos irão se misturar com os de todos os outros viajantes, e dos patrocinadores,
para que, de certa forma, possamos contribuir um pouco para o bem de todos.
Da mesma forma, acrescentamos a força positiva que geremos, por menor que seja,
à enorme quantidade de força positiva que todos os bodhisattva dedicaram à
iluminação de todos os seres. Eles não a dedicaram à própria iluminação,
dedicaram-na para a iluminação de todos os seres. Quando acrescentamos uma
pequena quantidade de força positiva à esse enorme estoque, dedicando-a à
iluminação de todos os seres, ela terá um efeito muito maior.
Precisamos ter muito cuidado na nossa prática de bodhisattva para não misturá-la
a preocupações autocentradas: “Que eu — eu, eu, eu — possa atingir a iluminação.
Que eu — eu, eu, eu — possa ajudar todos os seres.” E também não é “Que minha
pequena quantidade grãos possa alimentar a todos”.
Verso de Conclusão
Tendo seguido a palavra dos seres sagrados e o significado do que foi
declarado nos sutras, tantras e tratados, organizei (essas) práticas, trinta e
sete, para aqueles que desejam treinar no caminho do bodhisattva.
Togme Zangpo afirma que não criou esse material. Ele apena seguiu as palavras de
grandes professores e o significado estipulado nos grandes textos. Podemos ver
que grande parte do material dessas 37 Práticas vem do texto Engajando-se no
Caminho do Bodhisattva, de Shantideva, e do Treinamento da Mente em Sete Pontos,
de Geshe Chekawa. Togme Zangpo também escreveu comentários a esses textos,
assim como a outros da literatura de lojong.
E ele continua:
Por minha inteligência ser fraca e minha educação formal escassa, eles podem
não estar na métrica poética que agrada aos eruditos. Mas por eu ter me
baseado nos sutras e nas palavras dos santos, acredito que (essas) práticas de
bodhisattvas não sejam enganosas.
Togme Zangpo se desculpa pela falta de habilidade poética, já que o texto é escrito
em verso. Ele basicamente diz que esses versos podem não ser os melhores, e que
ele não é muito inteligente ou habilidoso, mas mesmo assim, por ter se baseado
nos sutras e nas palavras de santos como Shantideva e Geshe Chekawa, ele
acredita que essas práticas de bodhisattva não são enganosas.
E continua:
Novamente, ele está sendo muito modesto ao dizer “Como é difícil para um tolo
como eu compreender a vasta conduta de bodhisattva que os grandes bodhisattvas
praticam.” Ele pede aos grandes seres que sejam pacientes e compreendam
suas falhas e contradições ao escrever sobre as práticas dos bodhisattvas, como se
fossem contraditórias e desconectadas, e também compreendam sua falta de
habilidade em conectar os versos para deixá-los mais compreensíveis e assim por
diante.
E o verso final:
Perceba que ele não diz “que eu me torne igual ao Guardião Avalokiteshvara”, que
é o que discutimos anteriormente, quando falamos da dedicação. Ele diz: “Que
todos tornem-se iguais ao Guardião Avalokiteshvara”. Ou seja, que todos atinjam a
iluminação ao desenvolverem a suprema bodhichitta mais profunda e a
convencional. Avalokiteshvara é iluminado e não mora nos extremos do samsara
ou nirvana, conforme explicado.
E o colofão:
Resumo
Nossa vida não é muito longa; no máximo 100 anos. Se, durante a vida,
tentamos ser gentis, tivermos um coração afetuoso e nos preocuparmos
com o bem estar dos outros, além de sermos menos egoístas e raivosos,
será maravilhoso, excelente. Isso é realmente a causa da felicidade. Se
formos egoístas, sempre nos colocando em primeiro lugar, o resultado é
que chegaremos por último. Mentalmente nos colocando por último, e os
outros em primeiro, é a forma de chegarmos na frente. Portanto, não se
preocupe com a próxima vida ou com o nirvana; essas coisas virão
gradualmente. Se nesta vida permanecermos bons, afetuosos e não
egoístas, seremos bons cidadãos do mundo.
Melhorar nossa mente e, de fato, fazer algo para ajudar os outros é muito
importante. Se não tivermos uma motivação pura, não importa o que
façamos, nada nos garantirá satisfação.
Não importa com quem estejamos, sempre pensamos coisas como “Sou
mais forte que ele”, “sou mais bonita que ela”, “sou mais inteligente”, “sou
mais rico”, “sou muito mais qualificado” e assim por diante. Geramos
muito orgulho. Isso não é bom. Ao invés disso, precisamos permanecer
sempre humildes. Mesmo quando estivermos ajudando e engajados em
um trabalho social, não devemos ter a atitude altiva de grande protetor
beneficiando os fracos. Isso também é orgulho. Precisamos nos engajar
nessas atividades de forma muito humilde e pensar que estamos
oferecendo nossos serviços às pessoas.
Quando nos comparamos com animais, por exemplo, podemos pensar “eu
tenho um corpo humano” ou “eu sou um monge” ou “eu sou uma monja” e
nos sentirmos muito superiores a eles. Por um lado, podemos pensar que
por termos um corpo humano e estarmos praticando os ensinamentos do
Buda somos muito melhores que os insetos. Mas por outro lado, podemos
dizer que os insetos são muito inocentes e livres de malícia, enquanto nós
frequentemente mentimos e somos falsos no o intuito de alcançar o que
desejamos ou sermos considerados mais do que somos. Sob este ponto de
vista, podemos dizer que somos muito piores que os insetos, que
simplesmente vivem sua vida sem fingir coisa alguma. Esse é um método
para treinarmos humildade.
Pode parecer que esse voto de bodhisattva e o quinto verso, que diz que
devemos aceitar a derrota e oferecer a vitória ao outro, são
contraditórios; mas não são. Os preceitos do bodhisattva lidam com uma
situação na qual nossa principal preocupação é o bem estar do outros: se
alguém estiver fazendo algo extremamente prejudicial e perigoso, é
errado não tomar fortes medidas, caso seja necessário.
Como evitar macular nossa prática dessa forma? Reconhecendo que todos
os fenômenos existentes são ilusórios e, portanto, não nos apegando a
eles como sendo verdadeiramente existentes. Desta forma, nos
libertamos da servidão desse tipo de apego.
Aqui, a palavra “meramente” indica que algo está sendo excluído. Mas, o
que está sendo eliminado não é o nome em si, nem o que ele significa ou a
que se refere, que é o objeto de uma cognição válida. Não estamos
dizendo que nomes não significam nada ou não se referem a nada, e que
os objetos aos quais os nomes se referem não são objetos de cognição
válida. O que a palavra “meramente” exclui é a existência do fenômeno
como algo além do poder dos nomes. A existência dos fenômenos é
estabelecida meramente pelo poder dos nomes; mas nomes referem-se a
algo, e aquilo a que eles se referem são os objetos de cognição válida.
Assim, a natureza verdadeira das coisas é que sua existência é
estabelecida ou explicada meramente pelo poder dos nomes. Não existe
outra alternativa, apenas o poder dos nomes. Mas isso não significa que
não haja nada além de nomes. Os fenômenos existem: existem os objetos
que são a referência para os nomes e existem os nomes. O que estabelece
a existência dos objetos aos quais os nomes se referem? Sua existência
também é estabelecida meramente pelo poder dos nomes. De acordo com
a Prasangika Madhyamaka, a mais elevada e precisa visão, se for um
objeto externo ou uma consciência interna, a situação é a mesma. A
existência de ambos é estabelecida meramente pelo poder dos nomes;
nenhum dos dois tem uma existência estabelecida de forma verdadeira e
encontrável. A existência de pensamentos e conceitos é, da mesma forma,
estabelecida meramente pelo poder dos nomes, o que também ocorre
com a vacuidade, o Buda, o bem, o mal e a indiferença. A existência de
todos os fenômenos, de tudo, é estabelecida apenas pelo poder dos
nomes.
Conclusão
Preliminares e Treinamento em
Bodhichitta
Pontos 1 e 2
“Lojong” é uma palavra tibetana que normalmente é traduzida como “treinamento
mental”, mas não acho essa tradução muito apropriada porque, para a maioria das
pessoas, esse termo parece referir-se a algo exclusivamente intelectual. “Lo”
significa “atitude” e “jong” significa “limpar” e “treinar”, no sentido de remover
atitudes negativas e gerar mais atitudes positivas. O objetivo principal das praticas
de lojong é limpar a mente e o coração das atitudes negativas e treinar em
substituí-las por atitudes positivas.
Para a maioria de nós, isso é muito difícil. Normalmente não pensamos muito em
termos de vidas futuras, muito menos de liberação dos renascimentos. Se não
acreditamos em renascimentos, como podemos ter como meta nos liberarmos
deles? Como podemos querer nos iluminar para ajudar todos os outros seres a se
livrarem do ciclo incontrolável de renascimentos? Nada disso é fácil se não
tivermos total convicção na existência dos renascimentos.
Neste contexto, isso significa que não passaremos pelas preliminares apenas uma
vez. Não são algo de que temos que nos livrar a fim de poder seguir para as
práticas mais interessantes. Esse texto é escrito sob o ponto de vista de pessoas
que têm bodhichitta, ou seja, um coração que almeja a iluminação, a qual só é
alcançável por termos as qualidades da natureza búdica. Bodhichitta tem dois
intuitos, o primeiro é alcançarmos a iluminação e o segundo é, com isso,
beneficiarmos todos os seres. Nos textos dos ensinamentos orais, esses dois
intuitos não são apresentados nesta ordem, pois na prática a ordem é inversa.
Primeiro nossa principal intenção é ajudar os outros. Por estarmos incrivelmente
tocados por compaixão e preocupação, sentimos que simplesmente temos que
ajudá-los a superar o sofrimento. Vemos que, apesar de podermos tentar ajudá-los
agora, para realmente ajudá-los precisamos eliminar todos os nossos obstáculos e
realizar todo o nosso potencial. Precisamos nos tornar Budas para conseguirmos
ajudá-los o máximo possível. Mas essa aspiração de nos tornarmos budas vem em
segundo lugar. A primeira aspiração é ajudar todos os seres.
Tonglen é uma prática incrivelmente avançada e muito difícil de ser feita com
sinceridade. É fácil fingirmos que estamos fazendo, mas tomar o sofrimento alheio
com sinceridade, e realmente experimentar esse sofrimento, é muito, muito
avançado. Requer uma compreensão genuína da natureza da dor. Se não
compreendermos a relação da dor e do sofrimento com a mente, ficaremos
aterrorizados frente à possibilidade de realmente tomarmos para nós o câncer ou a
dor do câncer de alguém. Por isso é tão importante compreendermos a natureza da
realidade e da mente. Quando temos a compaixão para desejar que os outros se
livrem de seus problemas, e estamos dispostos a tomá-los para nós, isso significa
que estamos dispostos a sofrer.
Não significa que tiraremos o sofrimento deles e simplesmente o jogaremos fora. O
sofrimento precisa passar por nós. Precisamos experimentá-lo. No nível inicial,
isso significa que não podemos temer ficar tristes com o sofrimento alheio.
É triste que alguém tenha câncer ou Alzheimer. É muito triste! Portanto, não
adianta nada fazermos a prática mas erguermos um muro em volta dos nossos
sentimentos porque não aguentamos o sofrimento. Precisamos sentir a tristeza e a
dor da outra pessoa e ver que, no nível da natureza básica da mente, tristeza e dor
são apenas ondas. O nível básico da mente é experiência pura, e alegria e felicidade
são suas qualidades naturais. É com base nisso que somos capazes de projetar
felicidade para os outros seres. No entanto, sem realização da vacuidade e muita
prática de mahamudra, é muito difícil fazermos tonglen com sinceridade. Não
quero desencorajar ninguém a praticar porque, mesmo nos níveis iniciais de
desenvolvimento, esta é uma prática muito útil. Mas realmente, tomar,
experimentar e dissolver o sofrimento na felicidade natural da mente, e enviar aos
outros essa felicidade, é uma prática muito avançada. Na verdade, é uma prática de
mahamudra que, em certo sentido, é para nosso próprio benefício. Isto porque,
para praticá-la, precisamos destruir nossa atitude autocentrada de não querermos
nos envolver nos problema dos outros — uma resistência a “sujar as mãos” ao
termos de lidar com esses problemas.
Mas como essa prática pode beneficiar os demais seres? Todos têm seu próprio
karma, como podemos absorvê-lo com tonglen? Bom, o karma precisa de
determinadas circunstâncias para amadurecer, então, o que podemos fazer é
providenciar as circunstâncias que ajudarão esse karma a amadurecer mais
rapidamente e de uma outra forma. Se a pessoa estiver doente, significa que seu
karma já amadureceu na forma desta doença. No entanto, se for uma doença
curável, ela só será curada se tiver a causa kármica para isso. O que podemos fazer
é providenciar a circunstância que permite o amadurecimento desse potencial
positivo.
O mesmo acontece com a prática de tonglen, que cria as circunstâncias para que o
karma negativo da outra pessoa amadureça de forma mais amena e o positivo mais
rapidamente. Os beneficiados não precisam saber — é até melhor que não saibam.
Para sermos capazes de tomar e sentir o sofrimento alheio, e deixar que se dissolva
na natureza pura de nossa mente, precisamos da imensa energia de bodhichitta e
da inspiração de nossos professores, como em qualquer prática Mahayana.
Portanto, antes de praticarmos tonglen, precisamos passar por todos os estágios
de desenvolvimento de bodhichitta. Naturalmente, precisamos ter algum nível de
amor e compaixão para conseguirmos sequer considerar tomar para nós os
problemas alheios. Em um nível mais profundo, precisamos da compaixão amorosa
para, não apenas querer tomar para si os problemas alheios, como também ser
capaz de chegar ao nível de clara luz da mente. É uma prática muito profunda!
Mas, como podemos experimentar uma coisa que é de outra pessoa? Basicamente,
o forte desejo de tomarmos para nós o sofrimento alheio é o que age como
circunstância para que nosso próprio karma negativo amadureça em
sofrimento. Queremos que isso aconteça, para que possamos queimar nosso karma
negativo — este é um outro nível que temos que trabalhar na prática do tonglen.
Não estamos tomando o sofrimento dos outros como quem toma o sanduíche de
alguém para comê-lo. É muito mais sutil que isso, é trabalhar em termos das
circunstâncias e condições.
Meu professor, Serkong Rinpoche, sempre usava um exemplo que deixava todo
mundo desconfortável, o de um grande lama que fez tonglen, tomou uma doença
terrível de outra pessoa e morreu. Toda vez que ensinava tonglen, ele contava cada
detalhe dessa história. A questão é que precisamos ser sinceros em nossa vontade
de tomar o sofrimento alheio, devemos estar dispostos a morrer. Perguntávamos a
ele, “Se alguém como você, Rinpoche, tomasse o sofrimento de um cachorro e
morresse, não seria uma pena?” E ele respondia, “Quando um astronauta morre no
espaço, torna-se um herói, e o governo e outras pessoas passam a cuidar de sua
família. Da mesma forma, se um grande professor morrer por praticar tonglen,
alcançará, ou quase alcançará, a iluminação por conta da força de sua compaixão e
bodhichitta e, assim, cuidará de seus discípulos ao proporcionar-lhes inspiração.”
Realmente extraordinário foi o fato de que, tendo ensinado isso muitas vezes, meu
professor realmente morreu de tonglen. Serkong Rinpoche viu que havia um sério
obstáculo à vida de Sua Santidade o Dalai Lama e que seria melhor se o tomasse
para si.
Algumas semana antes, eu levei Serkong Rinpoche para fazer exames e ele estava
com a saúde perfeita. Certo dia, Rinpoche terminou um ensinamento na remota
área de Spiti, nos Himalayas indianos, e foi para a casa de uma determinada pessoa.
Mas primeiro parou no monastério para fazer oferendas. Lá, os monges pediram,
“por favor fique”, mas ele respondeu, “Não, se quiserem me ver novamente, terão
que ir a essa casa para onde estou indo.” Chegando à casa, ele fez o que costumava
fazer à noite, ou seja, práticas muito intensivas, e depois sentou-se em uma postura
que nãoo era o modo como costumava dormir. Então disse ao seu discípulo senior
que entrasse no quarto e começou a fazer uma prática, que obviamente era
tonglen, e morreu.
Tonglen só funciona assim se tivermos uma conexão kármica muito forte, como a
que temos com nossa família e amigos. Serkong Rinpoche tinha tal conexão com
Sua Santidade, já que havia sido um de seus professores desde a infância. O
importante é termos a coragem de sentir isso, de que mesmo que tenhamos de
sofrer a doença de um parente, não tem problema, desde que isto seja a
circunstância para que ela se manifeste de forma mais amena nele.
Se praticarmos tonglen a fim de tomar para nós toda a gripe dos outros, mas nosso
objetivo real for curar a própria gripe, não funcionará. Mesmo que
inconscientemente, esse tipo de pensamento é um grande obstáculo para o
funcionamento da prática, pois ela precisa ser feita com base em pura compaixão.
Em muitos casos, a prática não funciona porque não temos uma conexão forte o
suficiente com as pessoas. É por isso que temos a oração, “que eu possa eliminar o
sofrimento de todos os seres em todas as suas vidas” Essa oração é importante
porque estabelece a conexão para que esse tipo de prática funcione.
Muitas das visualizações que Serkong Rinpoche ensinava e Sua Santidade ainda
ensina são horríveis, mas muito, muito poderosas. Todas as tradições ensinam que
devemos fazê-las seguindo o ritmo da respiração. Ao inspirarmos, imaginamos
com compaixão (desejando que os outros estejam livres do sofrimento e suas
causas) que todo o sofrimento alheio vem em nossa direção, em alguma forma
gráfica. Ao expirarmos, visualizamos com amor (desejando felicidade e as causas
da felicidade) nossa felicidade sendo enviada para as outras pessoa, na forma das
coisas que elas precisam. Nos métodos mais avançados, ensinados por Serkong
Rinpoche e o Dalai Lama, não visualizamos simplesmente uma luz negra vindo em
nossa direção; imaginamos substâncias sujas, como óleo de carro, graxa e sujeira.
Assim, podemos trabalhar em superar o sentimento de não querermos nos sujar.
Esse é o primeiro passo. Depois, visualizamos o sofrimento vindo na forma de
urina, diarreia, vômito, sangue e tripas. Isso nos ajuda a superar sentimentos de
indiferença, tais como “Oh, alguém foi atropelado por um carro e está deitado na
rua; não quero nem olhar, é muito horrível e nojento.”
Mesmo nos níveis iniciais, essa prática pode ser muito benéfica, porque nos ajuda a
levar a sério os problemas dos outros. Na verdade, este é o primeiro passo. Ao
tomarmos o problema para nós, passamos a lidar com ele como se fosse nosso.
Considere o caso de um sem-teto no inverno, que está com fome e frio, sem
trabalho nem casa, e que está doente ou com dor. Imaginamos como seria e
sentimos o sofrimento. Tentamos buscar alguma solução para lidarmos com ele.
Praticar apenas neste nível já é muito benéfico, mas não é a única forma. Existem
muitos, muitos níveis mais profundos.
Ao tomarmos o sofrimento alheio, temos que ter muito cuidado para não cairmos
no extremo do mártir, pensando “Tomarei o sofrimento de todos para a glória do
Buda”. Isso não tem nada a ver com o que fazemos. E também é muito importante
não achar que tomar todo o sofrimento é o caminho para a iluminação. Precisamos
cuidar para não querermos tomar o sofrimento dos outros por causa de nossa
baixa autoestima. “Sou uma pessoa tão terrível que preciso sofrer, eu mereço.”
Essa prática pode nos trazer à mente a imagem de Jesus tomando todo o
sofrimento da humanidade. Jesus certamente estava disposto a sentir esse
sofrimento e o medo do sofrimento. No entanto, do ponto de vista budista,
ninguém pode impedir todo o sofrimento do universo. Apesar de estarmos
cultivando a aspiração de que ao sofrermos os outros possam se livrar do
sofrimento, não devemos inflar nosso ego achando que podemos fazer milagres e
resolver os problemas de todos os demais. O ponto principal é desenvolver
coragem para ajudar os outros mesmo nas situações mais difíceis — nos Kosovos,
Bosnias e Ruandas do mundo.
[No que diz respeito] aos três objetos (seres que consideramos atraentes,
repulsivos ou neutros), [tome para si] as três atitudes venenosas (desejo,
aversão e ignorância) e [dê ao outro] as três raízes do que é construtivo
(desapego, imperturbabilidade e sabedoria), [ao mesmo tempo em que] treina
com palavras em todos os caminhos comportamentais.
Os três objetos são os seres que achamos atraentes, repulsivos ou neutros. E as três
atitudes venenosas são o desejo a aversão e a ignorância (ingenuidade). Quando
sentimos desejo por alguém que achamos atraente, aversão por alguém que
achamos repulsivo e ignoramos alguém que consideramos neutro, nos imaginamos
tomando essas três atitudes venenosas de todos os que as têm. E então lhes damos
as três raízes do que é construtivo, ou seja, desapego, imperturbabilidade, e
sabedoria. Assim lidamos com nossos problemas em relação a isso. Também
podemos suplementar nossa prática com palavras como “Que todo o sofrimento
dos outros amadureça em mim, e que toda a minha felicidade amadureça neles.”
Mas o que queremos dizer com autocentramento e egoísmo? Bom, digamos que
fomos convidados para uma refeição na casa de alguém, e nosso anfitrião fez um
prato de que realmente não gostamos. Ficamos aborrecidos e sofremos. Portanto,
eis uma situação negativa. Como transformar essa situação em algo positivo, que
nos ajude a ir adiante no caminho para a iluminação? Primeiro, precisamos
identificar o problema e o por quê de estarmos sofrendo. Se ficarmos pensando no
quanto nosso anfitrião é ruim e culpando-o, significa que só estamos pensando em
nós mesmos, o que é um problema. Não estamos pensando nem um pouco na outra
pessoa que tentou fazer uma refeição que nos agradasse, no anfitrião ou anfitriã
que de forma alguma teve a intenção de fazer algo que não gostamos. É por
estarmos pensando em mim e eu, e naquilo que eu quero, que sofremos e ficamos
aborrecidos. Nesse tipo de situação, tentamos usar o ocorrido para atacar a forte
preocupação que temos com o eu e o que eu quero.
A estrutura aqui é bem semelhante à do tonglen. Nas visualizações mais pesadas
do tonglen, tomamos para nós vômito, diarréia, etc, mas naturalmente resistimos,
por causa da preocupação autocentrada. Assim como precisamos superar nossa
falta de vontade de sofrer e nos sujarmos, e deixar que essas coisas simplesmente
passem por nós, também não devemos fazer um drama sobre o que nos serviram
para jantar. Por conta do desejo em fazer nosso anfitrião feliz, tomamos para nós o
sofrimento de comer algo cujo sabor não apreciamos.
É claro que existem exceções, como no caso de sermos alérgicos à comida. Não
precisamos ser fanáticos. Mas, mesmo neste caso, existem muitas formas de nos
justificarmos, que demonstram mais consideração do que simplesmente
preocuparmo-nos com o que queremos e nos irritarmos pensando “Você está
querendo me envenenar?”
1. Gerar força positiva - em geral é traduzido como “acumular mérito”, mas essa
tradução é um pouco enganosa. Pois não é como se estivéssemos juntando pontos
ou selos para trocar por um prêmio. O que estamos fazendo é fortalecendo nossa
rede de potenciais positivos através de ações construtivas e do uso de qualidades
positivas. Desta forma, conseguiremos transformar as circunstâncias negativas em
positivas. Por exemplo, no caso de um acidente, ao invés de ficarmos deprimidos e
com medo, podemos usar o ocorrido como uma oportunidade de ajudar ao máximo
as pessoas feridas. Isso gera ainda mais força positiva em nós e muda
completamente a situação.
3. Fazer oferendas para os maus espíritos — para que nos tragam mais
sofrimento. Isso é um pouco difícil para nós, ocidentais, entendermos. Uma amiga
minha, a professora de dharma Tsultrim Allione, que é ocidental, desenvolveu uma
prática muito interessante baseada na prática budista de chod (cortar). Ela a
chama “alimentar os demônios”. Digamos que as coisas não estejam indo bem e
estejamos muito tristes e deprimidos. Imaginamos que nossos problemas foram
causados por um espírito maligno ou um demônio interno, que sai de nosso corpo
e senta-se a nossa frente. Perguntamos ao demônio, “O que você quer?” e ele diz:
“Quero que as pessoas me deem atenção. Quero que me amem. Quero ter boa
saúde. Quero ser jovem novamente”, ou o que quer que esteja nos atormentando.
Então, alimentamos o demônio dando-lhe o que quer. Se quiser amor, damos amor.
Se quiser juventude e energia, damos juventude e energia. É uma prática muito útil
e poderosa. Quando o demônio estiver cheio, a maioria das pessoas percebe que
ele vai embora. Apesar de em muitos textos pedirmos que os espíritos malignos
nos causem mais problemas, essa forma de alimentar os espíritos é extremamente
eficiente. Nos mostra que já temos as coisas que achamos que nos falta, precisamos
apenas usar nossa própria força interior para dar-nos o que precisamos.
O quarto ponto é resumir a prática de uma vida em cinco forças. Isso pode ser
feito durante esta vida e também durante a morte, e é realmente muito prático.
1. A força da intenção — Nesta vida, para cada dia que tivermos, podemos
estabelecer uma intenção ou propósito adequados. Ao acordarmos pela manhã,
estabelecemos nossa intenção, “Que eu possa ajudar a todos; que eu possa atingir a
iluminação para ajudar de forma mais eficaz.” Isso não é importante apenas
quando acordamos, mas sempre que nos depararmos com uma situação difícil. Por
exemplo, quando as crianças estiverem gritando e formos até seu quarto para
acalmá-las, primeiro devemos estabelecer uma forte intenção, “Que eu não me
exalte e que as trate com amor e gentileza para que parem de brigar.” Isso deve ser
feito para que nossa motivação seja realmente beneficiar as crianças, e não apenas
recuperar nossa própria paz mental. Antes de sairmos às compras, podemos
estabelecer a intenção de comprar apenas o que precisamos, “Não vou comprar
chocolate e biscoitos só por ganância ou por que me deu vontade.”
Como é esse desejo de nascer no inferno? Não é que queiramos ir porque somos
maus, ou porque merecemos. O desejo de renascermos no inferno é motivado pelo
desejo de beneficiar os outros o máximo possível e, para tanto, precisamos nos
livrar dos obstáculos kármicos. Ao invés de sentirmos medo e aversão pelos
renascimentos em situações difíceis, os acolhemos como oportunidades de
queimar karma negativo.
Também podemos manter a aspiração, “Que isso seja o suficiente para [queimar o
karma negativo de] todos os que precisam renascer em um inferno”, assim, não
estaremos pensando apenas em nós mesmos. Por causa da motivação positiva, os
potenciais negativos amadurecerão de forma muito mais branda. Diz-se que se
tivermos uma forte motivação de bodhichitta, renascer em um inferno é como uma
bola que quica e retorna.Cairemos no inferno por uns poucos momentos e depois
cairemos fora, mas ainda assim queima muito potencial negativo. Naturalmente,
isso só funciona se a motivação for sincera: “Eu realmente, realmente quero me
livrar desses obstáculos para conseguir ajudar os outros.” Se tivermos a motivação
de simplesmente não ficar muito tempo no inferno, não funcionará.
Muitas pessoas associam a ideia de inferno com religiões não budistas e, por terem
tido experiências difíceis com essas religiões, não querem nem ouvir falar de
inferno no Budismo. Essa é uma visão muito restrita. Uma boa maneira de
compreendermos os infernos é ponderar sobre nossos órgãos sensoriais, que têm
habilidade limitada para perceber todo o espectro de informações disponíveis em
um determinado campo dos sentidos. Por exemplo, só conseguimos perceber a luz
visível, não conseguimos perceber a luz ultravioleta ou infravermelha. Não
conseguimos ouvir todos os sons ou sentir todos os aromas que um cachorro sente.
Da mesma forma, deve haver níveis de prazer e dor que estão além do que pode
ser processado com nossos sentidos físicos. Quando a dor excede um determinado
nível, um mecanismo automático assume o controle sobre nosso corpo e
desmaiamos. Em um renascimento nos infernos, nosso corpo teria habilidade
sensorial para experimentar, com total consciência, extremos mais amplos do
espectro de dor. Para mim, pelo menos, isso parece bastante plausível.
Avaliando o Resultado do
Treinamento
Ponto 5
O quinto ponto trata das formas de avaliarmos o resultado da limpeza e
treinamento de nossas atitudes:
O texto continua:
Mas, essa abordagem não envolve culpa ou julgamento. Não pensamos “Estou
agindo com egoísmo, então sou mau”, ou, “Não consigo fazer isso direito, sou um
idiota”. Aqui, não existe julgamento moral ou alguém que nos diga
que devemos pensar nos outros e não em nós.Não existe o conceito de “dever” no
budismo. Simplesmente é mais benéfico pensar nos outros; causa menos problema
e sofrimento, simples assim.
Existem muitos outros sinais. Um deles vem de contemplar a vida humana preciosa
e sentir que seria um desastre desperdiçar esta oportunidade de ajudar os demais
seres. Da mesma forma, quando a busca por dinheiro e posses não nos atrai, e
preferimos buscar as circunstâncias que nos servirão para ajudar os outros em
vidas futuras, isso é um bom sinal. Lógico que precisamos de um certo nível de
bem estar material e condições favoráveis nesta vida, para podermos ajudar os
outros, mas nunca devemos ter isso como um fim em si mesmo. Precisamos ter
visão de longo prazo, e considerar todas as vidas que nos levarão à iluminação.
Perceber que ninguém é especial nos permite ver que todos são especiais —
ninguém é melhor que ninguém. Isso nos ajuda a ter uma atitude igualitária,
equânime. Assim, independente da pessoa ou local onde estejamos, podemos
aplicar nossa energia em ajudar. Podemos seguir o exemplo de alguns lamas:
qualquer que seja a pessoa com quem estão momento, parece sempre ser seu
melhor amigo. Eles têm o coração aberto a todos, ninguém é especial. Esse é um
outro sinal de que os ensinamentos estão fazendo efeito.
Quando estivermos com nossos lamas, se sentirmos que não há nada de que
possamos nos envergonhar, isso é um bom sinal. Significa que somos sinceros e
tranquilos por dentro. No geral, se nosso estado de humor for bom, sem grandes
oscilações, é um ótimo sinal. Mas isso não significa não interagir com os outros. Se
precisarmos interagir emocionalmente,é claro que não devemos nos sentar em
silêncio e com cara de paisagem.Sempre lembro-me de quando morei com minha
irmã nos Estados Unidos, depois de passar alguns anos na Índia. Ela sempre me
ajudou muito, mas após um certo tempo, seu comentário era, “você é tão calmo que
me dá vontade de vomitar”. Ser calmo e não interagir de forma adequada não é
uma forma apropriada de praticar. Devemos demonstrar entusiasmo e vivacidade,
e não ficarmos parados como uma estátua. A calma está dentro.
O texto continua:
O primeiro dos três pontos gerais é (1) Não contradiga o que prometeu. Uma
forma de interpretarmos esse ponto éficarmos atentos para não ignorarmos certas
coisas como, por exemplo, as dez ações construtivas. As pessoas podem pensar,
“Estou praticando como um bodhisattva, então posso fazer o que quiser”, mas isso
não é adequado.Éum ponto difícil, mas muito interessante. Um exemplo bem
controverso pode ser o de evitar álcool, que é um dos votos de pratimoksha de um
leigo. Podemos dizer, “Sou um bodhisattva e estou tentando ajudar os outros, se
não beber com meus amigos eles não serão abertos e receptivos a mim. Então vou
ignorar esse ensinamento sobre evitar álcool, porque quero ajudar”. Claro que
pode haver circunstâncias em que é apropriado pensarmos assim, mas devemos
cuidar a fim de não fazer disso uma desculpa para beber apenas porque estamos
com vontade. Além disso, precisamos muita atenção para perceber se esse tipo de
atitude não está, na verdade, encobrindo um sentimento de que esses
ensinamentos do Buda sobre o alcool são idiotas e não concordamos com eles.
No geral, existem coisas que são naturalmente destrutivas, que todos devem evitar,
e coisas que o Buda nos aconselhou a evitar apenas se tivermos um determinado
objetivo. Matar é uma ação naturalmente destrutiva, portanto todos devem evitá-
la. O álcool pode estar em ambas as categorias, mas se quisermos vencer a
influência das emoções perturbadoras, como a raiva, a ganância, o apego, a
ignorância (ingenuidade) e assim por diante, precisaremos evitá-lo.Por que?
Simplesmente porque ele nos deixa mais suscetíveis à influência das emoções
perturbadoras. É basicamente uma escolha! Vai depender do que queremos de
nossas vidas. Se nosso objetivo for vencer as emoções perturbadoras, para
conseguir ajudar melhor os demais, precisamos evitar o álcool. Mas se não
estivermos preocupados com isso, então podemos fazer o que quisermos.
Precisamos ser sinceros e sempre examinar nossa motivação para beber
socialmente. Será que de fato compreendemos o que o Buda disse a respeito do
álcool e do motivo para não bebermos? Será que beber com nossos amigos é a
melhor forma de ajudá-los? Será que existem outras formas de relaxar, sem efeitos
colaterais? Se nossa motivação for ajudar os amigos a relaxar, existem outras
formas de fazer isso, que não envolvem beber álcool. Se tivermos tomado votos de
não beber, é importante não quebrá-los.
Quando treinamos com o objetivo de ajudar outras pessoas, esse treinamento deve
ser no nível mental e físico. Muitos acham que basta fazer oferenda de água e
imaginar-se doando coisas, que não precisamos fazer nada no nível físico. Acham
que podemos fazer tudo no nível mental, e só meditar, que não precisam fazer
práticas físicas como prostrações e oferecimento de mandala. Esse desequilíbrio
também é abordado neste primeiro ponto. Precisamos entender como as
prostrações e o oferecimento de mandala se relacionam com nossa vida diária. E a
oferenda de mandala também não é suficiente; devemos realmente oferecer o que
temos, e isso inclui coisas que nos interessam, nosso tempo e nossa energia. O
mesmo se aplica às prostrações: nossa prática não será boa se mostramos respeito
à estátua do Buda mas não aos nossos pais, amigos e outras pessoas. É necessário
que tudo seja aplicado à vida diária.
O terceiro ponto é (3) Não seja parcial, isto é, não pratique apenas com amigos e
familiares, ignorando as pessoas com quem tem dificuldades. Se é para mudar
nossa atitude, também precisamos trabalhar com pessoas e situações difíceis. Um
exemplo muito usado pelos tibetanos é aceitarmos que alguém em uma posição
hierárquica superior nos chame a atenção, mas ficarmos aborrecidos e com raiva
se sua posição for inferior a nossa. Normalmente praticamos paciência com o
chefe, afinal, não queremos perder o emprego, mas não praticamos com alguém
que esteja em uma posição inferior.
Os tibetanos costumam achar mais fácil praticar com amigos e familiares do que
com estranhos. No entanto, muitos ocidentais acham o contrário. Em geral,
achamos muito mais difícil praticar com parentes, porque eles nos irritam muito
mais do que estranhos ou amigos. Mas não devemos ser parciais, temos que
praticar igualmente com todos.
Acho que precisamos esclarecer isso no contexto ocidental. Quando alguém nos
conta uma história triste, precisamos sinalizar que sentimos alguma coisa, não
podemos simplesmente ficar parados sem expressão.E quando formos demonstrar
empatia, colocando a mão no ombro de alguém, lógico que temos que avaliar se a
pessoa se sentirá confortável com isso. Algumas pessoas podem querer um ombro
para chorar, mas outras podem ficar na defensiva ao achar que estão com pena
delas.Épor isso que a prática de tonglen deve ser feita em privacidade, sem que
saibam o que estamos fazendo.
Muitas pessoas que se envolvem com o budismo começam a andar por aí com o
rosário ( mala) envolto no pescoço ou pulso, como se fosse um acessório. Ao verem
alguém com problemas dizem “Vamos nos reunir para recitar Om Mani Padme
Hum!”. Isso pode irritar as pessoas, e elas podem achar que ficamos loucos.
Portanto, é importante continuar a agir normalmente. Podemos recitar os mantras
silenciosamente. E certamente não precisamos ter um rosário na mão.
E também tem a questão da cura, em que as pessoas fazem toda uma cena,
impondo mãos,etc. Os tibetanos dizem que isso convida interferências porque,
quando não funciona, o que é possível, terminamos passando por tolos. No
budismo, a principal prática de cura é o tonglen, que, conforme mencionamos,
ninguém precisa saber que estamos fazendo. Se funcionar, não dizemos “Oh, eu fiz
isso pra você! Por favor me agradeça ou me pague!” e se não funcionar, não
precisamos nos envergonhar.Aja normalmente, para que ninguém saiba o que está
fazendo. Mesmo no que diz respeito às preces antes das refeições, é melhor fazê-las
em silêncio, sem demonstrar coisa alguma. Se estivermos entre budistas, aí a
história é outra, mas se começarmos a recitar “Om Ah Hum” quando estivermos
com nossos familiares não budistas, pode ficar esquisito.
Os tibetanos costumam dizer, “Não chame um cego de cego na sua frente”. Se uma
pessoa não for muito inteligente, não é preciso chamá-la de idiota. Ela
provavelmente sabe que não é inteligente, você não precisa esfregar isso em sua
cara. É interessante, entramos no tópico do humor e do sarcasmo. Podemos ser
sarcásticos e achar muito engraçado, mas isso pode magoar. Alguns acham que ser
sarcástico com os amigos é sinal de amizade, mas aqui temos que levar em conta a
cultura e a intenção das pessoas.
Os americanos são muito sarcásticos, fazem graça dos narizes uns dos outros, de
suas esposas feias, etc. Existe até um gênero de comédia baseado nisso, em que
pessoas caem da escada ou têm tortas jogadas na sua cara e todo mundo ri. E têm
também desenhos violentos, em que gatos são esmagados por martelos
gigantescos e assim por diante. Isso é para crianças! Se pensarmos bem, é muito
estranho!
Então, apesar de podermos achar que falar mal dos outros, ser sarcástico, e coisas
do gênero é engraçado e inocente, a verdade é que pode magoar as pessoas.
Isso significa que não devemos procurar defeitos nos outros, e, se encontrarmos,
não devemos criticar. Por exemplo, nosso relacionamento com o professor
espiritual deve estar baseado em suas boas qualidades, pois são elas que nos
inspirarão. Não precisamos negar suas qualidades negativas, mas também não nos
fixamos nelas, caso contrário, podemos ficar deprimidos. Se percebermos um
defeito no professor, somos instruídos a tratá-lo como uma projeção nossa. Por
exemplo, se nossos pais não nos deram atenção quando éramos crianças, podemos
achar que o professor também não dá, mesmo que isso seja apenas porque ele é
muito ocupado e viaja muito. Se excluirmos a possibilidade de estarmos
projetando as falhas no professor, e mesmo assim ainda as notarmos,
simplesmente focamos nas boas qualidades.
Costumamos ser mais críticos em relação àqueles que nos são mais próximos.
Muitas pessoas esperam que seus filhos ou pais sejam perfeitos, e se não forem
ficam criticando. Já que ninguém é perfeito, é muito mais vantajoso focar em suas
boas qualidades. Tudo o que precisamos é ter uma visão realista da outra pessoa.
Seja raiva, apego ou inveja, primeiro devemos tentar superar o problema que mais
nos aflige. Nossas várias emoções perturbadoras nos impedem de ajudar os outros,
portanto precisamos olhar com honestidade para nós mesmos e ver qual é nosso
maior problema. Ao invés de temer encará-lo, devemos olhá-lo nos olhos,
conforme as instruções do tonglen. Para isso, devemos aprender vários métodos,
pois cada um funciona para determinadas situações e não para outras, o
importante é dispormos de uma variedade deles aos quais possamos recorrer.
Ouvimos repetidamente que devemos ser nossa principal testemunha, pois nos
conhecemos melhor do que ninguém. Isso significa que temos que ser bastante
introspectivos, o que muita gente, logicamente, não é. Grande parte das pessoas
precisa de alguém para dizer-lhes que estão agindo de forma egoísta ou idiota, pois
eles mesmos não percebem. No entanto, receber esse tipo de feedback é muito
difícil, requer muita confiança na outra pessoa. Se pedirmos a alguém para nos
ajudar a ter mais sensibilidade em relação ao que acontece dentro de nós, não
podemos ficar na defensiva ou com raiva quando ela nos disser algo que não
gostaríamos de ouvir. Mesmo que essa pessoa seja nosso melhor amigo, ainda
assim ela não é a principal testemunha. Os amigos podem nos dar uma pista, mas
precisamos nós mesmos verificar se é verdade ou não.
Isso pode ser um tanto delicado. Pais que fazem tudo por seus filhos — dão roupas,
casa, comida, etc — e depois o que acontece? Em geral o filho nem nota ou
demonstra qualquer tipo de apreciação, apenas aproveita, especialmente quando é
adolescente. Como pais, o que queremos? Queremos que nossos filhos agradeçam
todas as vezes que lavamos suas roupas? Isso seria irrealista! Se algum dia eles
assumirem uma responsabilidade e agirem com maturidade e consideração, este
sim será um sinal de que apreciaram o que fizemos. Apesar de querermos ajudar,
não devemos fazê-lo de forma a que a outra pessoa fique dependente ou se
aproveite da gente. Se nossa ajuda a deixar dependente, não será muito benéfica.
Alguns textos de lojong nos aconselham a não ter esperança ou expectativas de que
alguém a quem ajudamos nos retribua com gentileza. Se tivermos sensibilidade o
suficiente para perceber o que se passa na mente, veremos que sentimos um
ligeiro desconforto quando estamos sob a influência do auto-apreço, ou de
qualquer outra emoção perturbadora. O auto-apreço é o que nos faz querer
anunciar “Eu lavei a louça!” Mas por que fazer isso? Novamente, se tivermos
sensibilidade, perceberemos um ligeiro nervosismo antes de falar. Pode ser que
seja bem sutil, mas com a prática conseguiremos perceber. Esse nervosismo vem
do auto-apreço inconsciente, porque ele está lá. Não é uma prática fácil, mas é
essencial.
Isso significa que não devemos dedicar as vias principais de nossa mente aos
pensamentos perturbadores. Devemos dedicá-las aos pensamentos positivos e à
preocupação e cuidado com os outros. Assim que a raiva, o apego e o autoapreço
surgirem, não brinque com eles — dissolva-os imediatamente. Se pensarmos
“Bom, vamos com calma, não é tão ruim assim ficar com raiva”, isso quer dizer que
estamos permitindo que emoções perturbadoras trafeguem na via principal. Elas
se tornarão cada vez mais fortes, até que uma hora perdemos o controle. Temos
que ser gentiscom os outros, mas não com nossas emoções perturbadoras.
Se tivermos votos tântricos ou de bodhisattva, pode ser bom repassá-los
diariamente. Assim, mantemos em mente essa diretriz que nos foi dada. Mas não
devemos apenas lê-los, podemos dedicar um tempo a contemplar alguns deles e
verificar se os estamos seguindo. Não precisamos ter pressa. Podemos fazer isso de
manhã e à noite. De manhã, podemos estabelecer uma forte intenção de seguí-los.
À noite, revemos nosso dia e verificamos se fomos bem sucedidos. Conta-se que
Geshe Ben Kungyal costumava manter consigo pedrinhas brancas e pedrinhas
pretas. Toda vez que agia conforme seus preceitos, colocava uma pedra branca em
umapilha e, toda vez que não seguia, colocava uma pedra preta. Assim, ao final do
dia, podia ver como havia se comportado.
O ponto é não sentir orgulho pela quantidade de pedrinhas brancas que colocamos
na pilha e culpa pelas pedrinhas pretas; devemos apenas nos alegrar se estivermos
indo bem. Não precisamos exagerar na auto-avaliação, mas se percebermos que
agimos negativamente, podemos nos arrepender e tomar a decisão de melhorar.
Lembre-se, o progresso não é linear — alguns dias são melhores que outros.
Mesmo assim, podemos tentar agir da forma mais positiva e menos egoísta
possível, todos os dias.
Não revide quando alguém lhe xingar, bater ou agir de forma desagradável. Se nos
agridem com palavras maldosas, não devemos tentar dizer coisas ainda mais
maldosas, apenas deixamos passar. Existem diversas maneiras de fazermos isso. Se
alguém nos diz algo muito maldoso, podemos perceber que as palavras são apenas
sons, vibrações no ar. Ouvir palavras é apenas mais uma experiência da mente. O
surgimento dos sons e o ato de ouvir não têm nada de mais.É apenas quando
sobrepomos a noção dualista de você, pessoa horrível, disse isso pra mim, que nos
aborrecemos e nos sentimos ofendidos, porque estamos pensando apenas em nós
mesmos.
Isso tem muitos significados. Um é que precisamos aceitar a culpa por nossos erros
ao invés de culpar os outros. Outro é não deixar nossa “roupa suja” para os outros
lavarem. Ou, quando pudermos escolher um assento, não darmos o pior para os
outros e ficarmos com o melhor.
Não corra para pegar o melhor lugar ou o melhor pedaço de comida. Sempre
queremos pegar o melhor para nós e não queremos que os outros peguem. É muito
melhor dar a frente para os outros, então podemos pegar o último ou o pior
pedaço, mas sem que isso soe pretensioso. Certamente não devemos dizer, “Pode
pegar o melhor pedaço, eu pego o pior, nem ligo” Há de ser feito de forma natural,
como os pais que deixam a melhor comida para os filhos, sem se importar nem um
pouco em ficar com a parte queimada ou o que sobrar.
Existe uma outra história com Geshe Ben Kungyal, que é muito boa. Certa vez, ele
foi jantar com uns monges na casa de um patrono. O patrono começou a servir e
Geshe Ben estava sentado atrás de todo mundo. À medida que o dono da casa ia
servindo o iogurte, uma de suas comidas favoritas, Geshe Ben ficava cada vez mais
preocupado e aborrecido pensando “Ele está servindo porções muito grandes, não
vai sobrar nada pra mim”. Então percebeu sua atitude e, quando finalmente chegou
sua vez, emborcou sua tijela e disse “já tomei a minha parte”. Isso exemplifica bem
o ponto.Ao invés de ficarmos preocupados se vai ter o suficiente para nós, devemos
nos preocupar com os outros.
Amuletos são usados para espantar maus espíritos, uma metáfora para o
treinamento mental de nos preocupar e cuidar dos outros. Fazer essas práticas
pensando apenas em si é como usar o amuleto invertido.
Os tibetanos usam o exemplo de fazer um retiro de três anos para ser considerado
um lama e ganhar discípulos, fama e doações. É muito importante ser humilde.
Conforme disse um praticante, “Quando leio nos textos sobre as várias
imperfeições e defeitos, reconheço-me neles, e quando leio sobre as boas
qualidades, reconheço os outros.” Isto certamente é seguir as práticas de
treinamento de atitude.
Exemplos disso incluem esperar que nossos competidores nos negócios errem
para passarmos a sua frente, ou que as pessoas na empresa se aposentem só para
sermos promovidos, ou que nossos parentes ricos morram logo para que
possamos herdar seu dinheiro e propriedades. Nunca devemos desejar mal aos
outros com o objetivo de nos beneficiarmos. Ao invés disso, devemos nos alegrar e
desejar que as outras pessoas vivam muito e aproveitem seu dinheiro e posição.
Isso conclui as 18 práticas para estreitar o vínculo, que são o sexto ponto.
22 Formas de Treinamento
Ponto 7
O sétimo ponto, o último, consiste em 22 formas de treinamento para limparmos
nossas atitudes:
O que quer que façamos, nossa intenção sempre deve ser a de ajudar os outros. Na
Índia, onde muitas pessoas têm vermes, costuma-se dizer: “Ao comer, que eu
alimente todos os microorganismos de meu corpo”. Mesmo que não consigamos
manter essa motivação durante toda a refeição, podemos pelo menos começar
assim. O verso de dedicação de Nagarjuna, “Como esse alimento não por avidez ou
apego, mas como remédio para poder ajudar os outros” é muito útil.
Isso pode ser explicado de várias formas. Uma delas é que devemos nos livrar de
nossas emoções perturbadoras utilizando o tonglen — tomando para si as
emoções perturbadoras e o sofrimento dos demais. Mas isso não quer dizer que
devemos tomar a raiva dos outros e nos tornarmos ainda mais raivosos.Conforme
especificado em todos os ensinamentos de tonglen, não guardamos o que tiramos
dos outros, como se fosse algo sólido; usamos de nossa habilidade para
transformar e superar esses sentimentos.
Quando nossas emoções perturbadoras aflorarem, pode ser útil enxergar isso
como um bom sinal; afinal, se elas não aparecerem, como conseguiremos derrotá-
las? Precisamos trazer toda nossa raiva e demais emoções perturbadoras à
superfície, para que possamos nos livrar delas. É um pouco como praticar shamata.
Quando somos iniciantes e tentamos acalmar a mente, temos a impressão de que
ela fica ainda mais distraída e barulhenta. Na verdade, não é a nossa mente tenha
ficado mais agitada que o normal, nós é que nunca havíamos prestado atenção nela
antes. Quando estamos treinando nossa atitude e começamos a observar a mente,
acontece a mesma coisa, percebemos um monte de raiva e apego que nunca
tínhamos visto antes. Na verdade, isso é um bom sinal!
(4) Qualquer das duas coisas que aconteça, aja com paciência
Quer estejamos felizes ou infelizes, em boa ou má situação, devemos ser pacientes
e consistentemente desejar a felicidade alheia, além de tomar para si os problemas
dos outros. Quando as coisas vão bem, não devemos ficar orgulhosos ou arrogantes
e quando vão mal é importante não nos sentirmos deprimidos ou impotentes. Se
tivermos dinheiro, devemos usá-lo para ajudar os outros, mas se não tivermos,
podemos fazer oferendas imaginárias. Em ambas as circunstâncias é possível
praticar tonglen.
Antes de pedirmos aos mestres que nos passem práticas avançadas, precisamos
questionar nossa própria moral. Será que conseguiremos manter a autodisciplina?
Será que conseguiremos manter os compromissos? Se a resposta for não, então
não devemos pedir tais práticas. Algumas pessoas fazem o puja de Cherenzig uma
vez por semana achando chato e desinteressante; mas mesmo assim, sempre que
algum lama importante dá uma grande iniciação, ficam ansiosos por tomá-la,
independente do tamanho da sadhana que terão que fazer. Se achamos chato nosso
compromisso semanal, por que achar que podemos ter um compromisso diário?
As três principais causas são as causas para podermos treinar nossas atitudes. A
primeira é encontrar um professor espiritual que nos ensine e inspire; a segunda é
a própria prática dos ensinamentos e a terceira é ter condições favoráveis para a
prática. Essas condições são, basicamente, ter comida suficiente, uma casa
modesta, roupas modestas e assim por diante, e não se preocupar muito em
agradar o eu. Por exemplo, se ganhamos dinheiro suficiente, devemos ficar
satisfeitos ao invés de querer cada vez mais. Assim, podemos focar nossa energia
em cuidar dos outros.
Os tibetanos dizem que, quando dormimos, não devemos fazer como um boi, que
simplesmente deita e pronto. Antes de nos deitarmos, devemos fazer três
prostrações para reafirmar o ideal bodhichitta e a direção segura que tomamos na
vida. Se dormirmos com a aspiração de “Que eu durma para descansar e continuar
nesta direção”, até mesmo uma noite de sono torna-se um ato extraordinário.
Isto significa que devemos treinar com todos os seres, e não apenas com nossos
amigos e parentes. Este ponto é parecido com o ponto seis. E isso aplica-se também
aos animais. Algumas pessoas são muito gentis com gatos e cachorros, mas nem
tanto com insetos e roedores. Isso é ser parcial. Somos gentis com os animais que
gostamos, mas tratamos com desdém e hostilidade os que não gostamos.
Nagarjuna disse que não podemos simplesmente ser pescados do samsara por um
pescador e colocados para fora.Os grandes budas e lamas não conseguem
simplesmenteextrair-nos das situações difíceis, mas conseguem nos ajudar e
inspirar.Não podem, com um estalar de dedos,livrar-nos do egoísmo e dos
problemas. Precisamos nos esforçar e caminhar com nossos próprios pés. Se
esperarmos que nosso guru resolva tudo e não fizermos coisa alguma, nada vai
acontecer.
Certa vez, um lama disse que não devemos agir como turistas nos samsara,
achando que temos muito tempo e que podemos passear e experimentar tudo. Não
podemos! Precisamos trabalhar em nossas atitudes agora, nos esforçar,
desenvolver bodhichitta e atingir a iluminação.
Ajuda imaginar que estamos apenas tirando umas férias dos reinos inferiores.
Estamos em um pequeno intervalo da nossa existência como barata ou cachorro.
Portanto, temos que usar bem este tempo. Ao invés de nos envolvermos em
assuntos mundanos, que aumentam nosso egoísmo, nosso interesse principal deve
ser o dharma e a superação do egoísmo.
Também precisamos ter em mente nossas vidas futuras. A maioria de nós não
pensa sobre isso ou sequer acredita em renascimento. Quando praticamos, mas
não sentimos que estamos progredindo, nos desencorajamos. Então, ouvimos falar
do tantra e de que podemos atingir a iluminação nesta mesma vida. Isso parece
muito tentador! No entanto, a maioria dos praticantes do tantra não atingirão a
iluminação nesta vida. Isso é muito raro. Podemos tentar mas, se não
conseguirmos, não devemos achar que perdemos para sempre nossa chance.
Temos que pensar em termos de continuar nossa prática vida após vida. Não é
tudo ou nada. Precisamos entender muito bem o que o termo “vida futura” significa
no budismo, e isso não é nada simples.
Pensamos, “Pobres meditadores nas cavernas. Não têm nada pra comer!” É bom
dar-lhes comida se estiverem com fome, mas as pessoas que realmente estão em
dificuldades são os homens de negócios que passam o dia ludibriando os
outros.Sua forma de agir lhes trará cada vez mais sofrimento, já o meditador está
criando felicidade futura e no fim liberação. Certa vez, três irmãs ricas viram
Milarepa e disseram “Oh, sentimos muito por você!”, e ele respondeu, “Eu é que
sinto por vocês; vocês é que são dignas de compaixão, não eu!”
Não pratique um dia e no outro não. Precisamos ser consistentes! E se não formos
fortes em uma prática, não devemos pulá-la e ir para outra, devemosmanter-nos
estáveis como um grande rio.
Se vamos tentar vencer o egoísmo, que o façamos de uma só vez. Minha mãe
costumava dizer,“Faça de uma vez, não fique enrolando.” Não devemos
permanecer em um estado mental em que parte de nós quer praticar e parte não
quer incomodar-se. Precisamos ir direto ao assunto e não enrolar.
Em geral, em nossas práticas, doamos mentalmente tudo o que temos, mas na vida
real não conseguimos doar. Isso é o que chamamos praticar com uma sensação de
perda.Se doamos as coisas, elas passam a ser das outras pessoas, e não nossas.
Quando eu morava na Índia, tinha um lindo jardim de flores e as oferecia a todos os
seres durante minha meditação. Mas quando as crianças as colhiam para levar para
casa, eu percebia que isso me irritava. Isso é “sensação de perda”.
Da mesma forma, não devemos lembrar os outros da ajuda que lhes demos, ou o
quanto nos sacrificamos por eles. E o que é mais importante, nunca devemos falar
de nossas práticas, dizendo que fizemos 100.000 prostrações ou o que quer que
seja. A força positiva é gerada ao fazermos a prática, e não ao contarmos aos
outros.Se fizermos um retiro e sairmos nos achando superiores aos nossos amigos
“criaturas samsáricas dignas de pena”, alguma coisa deu errado! Devemos apenas
praticar com sinceridade, sem autocomiseração ou complexo de superioridade.
Não devemos nos irritar com pequenas provocações. Precisamos ser capazes de
aguentar abusos, mesmo em público.Shantideva nos aconselha a permanecermos
quietos como uma tora de madeira, mesmo quando alguém estiver gritando
conosco. Uma hora a pessoa vai acabar o arsenal de coisas ruins que tem a dizer,
ou perderá o interesse e vai parar. Mas temos que fazer isso com uma motivação
pura, e não pensando em como nos vingaremos mais tarde.
Não seja volúvel, mudando de ideia a toda hora. Se ficarmos alegres com qualquer
elogio e deprimidos com qualquer cara feia, pareceremos instáveis e
desequilibrados. Se as pessoas nos perceberem assim, nossa capacidade de ajudá-
las ficará prejudicada.Shantideva nos dá o melhor conselho: seja sempre gentil com
as pessoas; não passe o dia inteiro fofocando ou falando bobagem, mas também
não fique em completo silêncio.Não falar com as pessoas com quem moramos pode
ser mais perturbador do que tocar música alta. É bom sermos flexíveis, assim
poderemos praticar durante toda a vida e não apenas por um curto período.
• Ficar entusiasmado quando as coisas vão bem edeprimido quando as coisas vão
mal
• Ficar entusiasmado com elogios e deprimido com críticas
Versos de Conclusão
[Assim,] transforme em um caminho para a iluminação esse [tempo] em que as
cinco degenerescências se alastram.
1. Deterioração do tempo de vida — o tempo de vida das pessoas está cada vez
menor. Muitas pessoas morrem cedo e existem doenças como AIDS e problemas
com drogas e acidentes. As crianças parecem não ter mais infância e, ao chegarem
à adolescência, muitas já experimentaram drogas e sexo. Desse modo,a vida parece
estar encurtando.
4. Deterioração dos seres — somos menos capazes de nos cuidar do que antes.
Dependemos tanto da eletricidade, internet, máquinas, computadores, etc, que
temos dificuldade em sobreviver sem essas coisas. Há cinquenta anos atrás, todos
viviam perfeitamente sem computador, mas agora ficamos apavorados se a
internet cai por alguns minutos. Vemos um declínio na saúde, intelecto, forma
física, etc.
O texto continua:
Esses são os ensinamentos dos Sete Pontos para o Treinamento de Atitude, que
recebi muitas vezes de vários professores: de Sua Santidade o Dalai Lama, de seu
professor Serkong Rinpoche e de Geshe Ngawang Dhargyey. Espero que beneficie
todos os seres.
Perguntas
O que fazer se tivermos medo de praticar esses ensinamentos?
Conforme mencionei, esses ensinamentos são muito avançados, não foram feitos
para principiantes. Antes de começarmos, precisamos de um ego saudável, para
conseguirmos vencer a baixa auto-estima. A Joia do Ornamento da Liberação, de
Gampopa, começa com a natureza búdica, o que significa que precisamos estar
convictos de que temos todas as qualidades que nos permitem atingir o estado
búdico. Esse é primeiro ponto, e realmente nos ajuda a vencer a baixa auto-estima.
Sem isso, não é aconselhável seguirmos para práticas mais avançadas.
O que é um ego saudável? Bom, no budismo tentamos nos livrar do ego inflado, e
não do ego saudável. É com base em um ego saudável que desenvolvemos o
interesse por nossa vida e nossa prática, e nos levantamos de manhã, meditamos e
vamos trabalhar. Precisamos de um ego saudável, caso contrário, não
conseguiremos funcionar no mundo, nem praticar dharma, pois não
conseguiremos acreditar que podemos obter algum resultado.Um ego inflado é
uma distorção em que projetamos no ego saudável um sentimento de que “Sou a
pessoa mais importante do mundo e as coisas devem estar sempre do meu jeito”.
Precisamos nos livrar disso.
Tendo isso como base, nos engajamos na prática do dharma porque reconhecemos
que temos problemas, estamos motivados a superá-los e conhecemos os métodos.
Caso contrário, por que nos engajaríamos na prática?
Tantra Budista
Kalachakra
Mahamudra e Dzogchen
Tantra Budista
Diversos aspectos do tantra budista, como mantras e mandalas, entraram na
cultura moderna em uma versão pop. Mas no contexto budista, eles tem um
significado específico e são aplicados em formas avançadas de meditação
Mahayana. Quando esclarecemos os mal-entendidos e o misticismo que cerca
o tantra, e quando aprendemos mais sobre ele, adquirimos confiança em seus
métodos, que são bastante profundos.
O Que É Tantra?
Dr. Alexander Berzin
A palavra sânscrita “tantra” significa “algo que foi esticado” - esticado nos
dois sentidos da palavra. Primeiro, como os fios de urdidura no tear, a
prática do tantra é a urdidura onde tecemos as práticas Sutrayanas.
Segundo, no sentido de um continuum permanente, sem começo nem fim,
que se refere normalmente ao nosso continuum mental, o contínuo de
vivências individuais e subjetivas. Nesse continuum estão incluídos
corpo, fala (formas de comunicação), mente, atividades e várias boas
qualidades, como compreensão e cuidado, tanto consigo como para com
os outros (o instinto de auto-preservação e de preservação da espécie).
De uma forma ou de outra e em maior ou menor grau, todos temos esses
aspectos em cada uma de nossas vidas. Se tomarmos esses aspectos, que
são variáveis, e mais a vacuidade do continuum mental e o fato de que
tais aspectos podem ser estimulados a evoluir, teremos o que chamamos
“fatores da natureza búdica”. Eles constituem um continuum infinito, um
“tantra”.
Múltiplos Membros
Práticas Preliminares
Essas duas redes também são aspectos da natureza búdica e sua força é o
que faz com que os outros aspectos dessa natureza funcionem nos níveis
de base, caminho interior e resultante. Para iniciarmos esse processo de
fortalecimento das redes, nos engajamos nas praticas preliminares, como
prostrações e purificações de Vajrasattva, antes de tentarmos fazer as
práticas tântricas.
Iniciações
Conclusão
Sílaba Om / © tashimannox.com
No entanto, este mantra, como a maioria dos outros, tem diferentes níveis
de significado. Podemos tornar a prática da compaixão ainda mais eficaz,
direcionando a meditação para aqueles que sofrem de problemas
específicos, enquanto se recitamos o mantra (Veja O que é compaixão?).
Cada sílaba é correlacionada com um conjunto das principais emoções
perturbadoras:
OM - orgulho e arrogância
Ma - a inveja e o ciúme
Ni - desejo, ganância e apego
Pad - ignorância ingênua e mente fechada teimosa
Me - mesquinhez e avareza
Hum - hostilidade e raiva.
OM - generosidade
Ma - auto-disciplina ética
Ni - paciência
Pad - perseverança
Me - estabilidade mental (concentração)
Hum - consciência (sabedoria)
Uma iniciação tântrica (wang) é uma cerimônia que tem como finalidade
ativar os aspectos da nossa natureza-búdica que estão em evolução,
estimulá-los a se desenvolver e plantar novas “sementes” de potenciais.
Os aspectos da nossa natureza-búdica são o material básico de trabalho
para transformarmos nosso corpo, fala, mente, ações e boas qualidades
nas qualidades de um buda. São eles:
Conclusão
Mas por que as pessoas são atraídas por práticas que acham que serão
rápidas e fáceis? Conforme destacou um de meus professores, pode ser
porque são preguiçosas e não querem fazer todo o trabalho necessário;
ou porque querem um atalho. Querem iluminar-se gastando pouco, da
mesma forma que procuramos por ofertas quando fazemos compras.
Muitas vezes temos essa mentalidade quando analisamos os vários
métodos do Dharma: “O que será que está em oferta essa semana?”
Agora, é claro que as práticas de purificação podem ser eficazes, mas não
se durante 99.9% do tempo sua mente estiver vagando, sem foco no que
você está fazendo e não houver nenhum sentimento ou compreensão por
trás, ou você não tiver uma motivação forte e adequada. Para que essas
práticas sejam eficazes - e mesmo quando são eficazes elas não produzem
milagres - é preciso fazê-las corretamente, com total concentração,
motivação totalmente correta, uma profunda e sincera sensação de estar
dando um direção segura em sua vida (tomando refúgio), uma boa
compreensão do que isso significa e assim por diante. Isso não é fácil, é?
Por que pedimos para tomar uma iniciação? Pode haver muitas razões.
Podemos achar que é algo elevado, que isso é que é prática de verdade,
que é exótico. Pode ser que as pessoas que administram o centro budista
achem que isso atrairá mais pessoas, ou seja, que arrecadarão mais
dinheiro para que possam pagar o professor visitante e sustentar o
centro. Assim, também pode ser por razões financeiras; o que é um
infortúnio.
Serkong Rinpoche dava um conselho muito útil para essas pessoas. Ele
dizia que, nesses casos, deve-se considerar que tomar a iniciação é como
plantar, no continuum mental, sementes para o futuro. Se, mesmo depois
de analisar honestamente a situação, você ainda achar não está pronto
para iniciar as práticas, imagine-se colocando-as em uma prateleira bem
elevada em sua mente. Mas faça isso com muito respeito e com a intenção
sincera de tirá-las da prateleira e praticá-las quando estiver mais
preparado.
Pensar nas Figuras Búdicas Como se Fossem Santos para Quem Rezamos
Pedindo Bênçãos
Esse é mais um equívoco no tantra, ver as figuras búdicas, os yidams,
como se fossem santos para os quais rezamos pedindo ajuda: Santa Tara,
Santo Chenrezig, e assim por diante, e venerá-los. Essa forma equivocada
de ver as figuras búdicas não está limitada aos ocidentais. Muitos budistas
tradicionais os veem dessa forma, porém não em uma analogia aos santos
cristãos. Essas figuras búdicas podem nos inspirar, assim como os budas e
a linhagem de gurus mas, para nos iluminamos, precisamos fazer o
trabalho sozinhos.
Os protetores não podem fazer isso por nós. Os protetores são como um
complemento à prática principal. Na verdade, existem muitas formas de
enxergarmos os protetores. Serkong Rinpoche costumava descrevê-los
como grandes cães ferozes. Ele dizia que, se você estivesse no centro da
mandala de um palácio e fosse a figura búdica, digamos que fosse a figura
forte e vigorosa de Yamataka, você deveria ser capaz de controlar esses
protetores que convocou para sua mandala e ordená-los a lhe servir. Por
exemplo, você poderia ficar no portão assustando os ladrões, mas porque
fazer isso se você pode ter um cachorro para fazer por você? Mas você
tem que ter o comando, você tem que ter controle. Portanto, mesmo que
acreditemos que o protetor possa nos ajudar, afastando interferências,
ladrões e assim por diante, precisamos estar no controle.
Não acho que seja uma boa ideia um centro de dharma ter uma prática
pública de protetores diariamente, semanalmente ou mensalmente, e que
qualquer pessoa possa comparecer, especialmente os iniciantes.
Principalmente se os textos recitados no puja dos protetores forem
traduzidos, eles são meio fortes — “esmague meus inimigos”, e assim por
diante. Podem facilmente ser mal-interpretados.
Achar Que Podemos Tomar uma Iniciação e Fazer as Práticas sem Tomar e
Manter os Votos
Por outro lado, também é um enganos pensarmos que podemos receber
uma iniciação e fazer uma prática sem tomar e manter os votos. Um dos
aspectos mais importantes de uma iniciação são os votos. Está dito de
forma muito clara em vários textos: “Não há iniciação sem votos.” Em
todas as iniciações de todas as classes tântricas, incluindo o dzogchen,
temos no mínimo os votos de bodhisattva.
Achar Que Podemos Negociar com o Professor para Ele Nos Dar um
Compromisso Menor na Iniciação.
Se houver um compromisso de prática na iniciação é um engano achar
que podemos negociar com o professor para diminuir o compromisso,
como pechinchamos com um comerciante em um mercado oriental para
obter um preço mais barato. Às vezes eu vi alguns ocidentais fazendo isso.
Quando Sua Santidade o Dalai Lama dá um iniciação em Dharamsala, o
compromisso usual é fazer a prática todo os dias pelo resto de sua vida.
Os ocidentais querem participar da iniciação, mas tentam negociar
“Temos uma vida atarefada, será que realmente temos que fazer isso?
Será que podemos fazer a prática só quando tivermos tempo?” Eles
tentam receber a iniciação por um preço mais em conta. Mesmo quando
Sua Santidade estabelece vários níveis de comprometimento, muitos
Ocidentais ainda querem barganhar um comprometimento mínimo, um
preço menor.
Esse era um equivoco muito comum nos anos 70 na Índia. Naquela época,
iniciações completas, com todos os compromissos, eram dadas com muito
mais facilidade e nós ocidentais as tomamos. Tomamos essas iniciações e
fizemos os comprometimentos achando que poderíamos mantê-los para
sempre. Mas olhando dez anos mais tarde — ou vinte, ou trinta ou
quarenta — quantas pessoas os mantiveram e continuam fazendo a
prática? Apenas umas poucas. E apenas alguns dias depois de fazerem o
compromisso muitas pessoas já tinham dificuldade em fazer a prática
diariamente. Elas diziam que as manhãs eram muito ocupadas. “Manhãs
não são um bom momento para mim”. Pensando assim, deixavam para a
noite, e tinham duas ou três horas de prática para fazer. Mas estavam tão
cansados que caíam no sono durante a prática. Elas sentavam e
cochilavam e levavam metade da noite para fazer tudo. A prática tântrica
torna-se uma tortura. Esse é um grande problema.
Sua Santidade sempre enfatiza que se você for se envolver com o tantra,
tem que compreender o que é o tantra e ter confiança na eficácia do
método. Caso contrario, porque fazer isso? Especialmente se você achar
que a prática é só visualizar umas figuras esquisitas e murmurar uns
mantras e depois de um tempo você desiste porque parece ridículo:
“Porque estou fazendo isso?” Portanto, é muito importante nós realmente
considerarmos se vamos mesmo conseguir manter o compromisso.
Conclusão
O Que É o Kalachakra
Dr. Alexander Berzin
Conclusão
O Que É Mahamudra?
Tradução Rosa Frazão
Dr. Alexander Berzin
A Tradição Gelug
Conclusão
O dzogchen pode ter a reputação de ser uma prática que não requer esforço,
mas para começarmos a praticá-lo precisamos nos esforçar tremendamente
para compreendermos aquilo que chamamos as preliminares exteriores e
interiores. Com sabedoria e perseverança, o dzogchen torna-se um método
incrivelmente profundo e eficiente para atingirmos a iluminação para o
benefício de todos os seres.
Memórias
Conclusão
37 Práticas de um Bodhisattva -
Tradução Literal
Homenagem a Lokeshavara.
(2) A prática do bodhisattva é deixar sua terra natal, onde o apego aos
amigos o deixa agitado como a água, a raiva aos inimigos o queima como
o fogo e a ingenuidade, que o faz esquecer o que deve ser adotado e o que
deve ser abandonado, o encobre na escuridão.
Por minha inteligência ser fraca e minha educação formal escassa, elas
podem não estar na métrica poética que agrada aos eruditos. Mas por eu
ter me baseado nos sutras e nas palavras dos santos, acredito que (essas)
práticas de bodhisattvas não sejam enganadoras.
Pela força construtiva que surgir disso, que todos os seres errantes,
através da bodhichitta suprema, profunda e convencional, tornem-se
iguais ao Guardião Avalokiteshvara, que nunca estabelece morada nos
extremos compulsivos da existência samsárica ou da complacência do
nirvana.
(9) Vendo que a [causa] raiz mais propícia à originação dependente das
maiores redes [de mérito e sabedoria], nesta e nas próximas vidas, é
esforçar-me e dedicar-me adequadamente, em pensamento e ação, a um
santo mentor espiritual que indique o caminho; que eu o agrade
praticando de acordo com suas palavras iluminadas, as quais não
renunciaria mesmo que isso me custasse a vida.
(10) Essa base de trabalho, [que é a vida humana preciosa] com as [oito]
folgas, é mais excepcional que uma joia realizadora de desejos. [Um
renascimento] como este, adquire-se [talvez] uma única vez. É difícil de
conseguir e fácil de perder, [passa muito rápido], como um raio no céu.
Considerando [a minha vida humana preciosa], e percebendo que
[engajar-se em] atividades mundanas é como [tentar] tirar [algo
significante] do joio, devo [sempre] tirar a essência [da vida], dia e noite.
(3) Que eu deixe que meus defeitos sejam conhecidos e não procure
defeitos nos outros. Portanto, que eu esconda minhas boas qualidades e
divulgue as boas qualidades alheias.
(6) Que eu supere a raiva e o orgulhe e tenha uma atitude humilde. Assim,
que eu me livre de formas desonestas de viver e que ganhe a vida de uma
forma que esteja de acordo com o dharma.
(10) Quando vir um ser senciente, que eu o considere como meu pai, mãe,
filho ou neto. Assim, que eu me livre das más influências e confie-me aos
amigos espirituais.
(13) O que quer que eu comece a fazer, que eu termine primeiro. Assim,
tudo sairá bem feito; caso contrário, nada conseguirei fazer.
(17) Que eu viva em um lugar isolado, fora dos limites (de qualquer
povoado) e, como o corpo de um animal morto, me esconda em solitude e
viva sem apegos.
(18) (Lá), que eu estabilize minha figura búdica e, sempre que sentir
preguiça ou sede de entretenimento, que enumere meus defeitos e
lembre-me dos pontos essenciais para domar o comportamento.
(19) Mas, se acontecer de ver outras pessoas, que eu fale de forma calma,
suave e sincera, que me livre de qualquer carranca ou cara fechada e
sempre sorria.
(20) E quando estiver sempre encontrando pessoas, que não seja
avarento, que me alegre em doar e me livre de qualquer sentimento de
inveja.
(27) Essas joias sagradas são as sete joias que nunca se esgotam. Não
devem ser mencionadas a semi-humanos.
(28) Quando em meio a muitas pessoas, que eu esteja atento à minha fala;
quando sozinho, que eu esteja atento à minha mente.
Os Oito Versos de Treinamento da
Mente
Langri Tangpa
(3) O que quer que eu esteja fazendo, que eu verifique o fluxo da minha
mente, e no momento em que concepções ou emoções perturbadoras
aparecerem, já que elas me debilitam e aos outros, que eu as confronte e
evite com métodos vigorosos.
(6) Mesmo que alguém que eu tenha ajudado, ou por quem tenha grandes
expectativas, me prejudique de forma completamente injusta, que eu o
veja, ou a veja, como um professor sagrado.
(8) Durante tudo isso, que minha mente permaneça isenta das máculas
das concepções a respeito das oito coisas passageiras, e que eu entenda
todos os fenômenos como uma ilusão, que eu me liberte da minha
escravidão, sem nenhum apego.
(4) Como a sombra segue o corpo, peço inspiração para me livrar até
mesmo da menor ação que possa dar origem a uma rede de falhas, e
efetuar todas as ações que possam originar uma rede de forças positivas.
(8) Mesmo tendo tomado apenas esta única resolução, se não tiver como
hábito os três tipos de disciplina ética, não conseguirei atingir o
[supremo] estado purificado. Vendo isso, peço inspiração para treinar
com muito esforço nos votos de bodhisattva.
(11) Então, quando estiver absolutamente certo de tudo o que foi dito,
que a base para obtermos os dois tipos de realização são as práticas que
estreitam nossos vínculos e a manutenção pura dos votos, peço
inspiração para mantê-los mesmo que isso me custe a vida.
(13) Peço inspiração (bençãos) para que os pés dos mentores espirituais
que indicam esse excelente caminho, e os dos amigos que o praticam
adequadamente, permaneçam firmes e que as interferências internas e
externas sejam acalmadas.
“Assim Shariputra, na vacuidade nã o há forma, nem sensaç ões, nem
distinções, nem variáveis influentes, nem tipos de consciê ncia; nã o há
olho, nem ouvido, nem nariz, nem língua, nem corpo, nem mente. Nã o há
visões, nem sons, nem odores, nem paladar, nem sensações físicas, nem
fenô menos. Nã o há uma fonte cognitiva que é um olho, e assim por diante,
até uma fonte cognitiva que é uma mente (nenhuma fonte cognitiva que é
um fenômeno), inclusive nenhuma fonte cognitiva que é uma consciência
mental. Nã o há ignorâ ncia, nem a eliminação da ignorâ ncia e assim por
diante, até o envelhecimento e morte e a eliminação do envelhecimento e
da morte. Da mesma forma, nã o há sofrimento, nem causas do sofrimento,
nem cessaç ão do sofrimento e nem caminho mental (caminho); nã o há a
consciência profunda, nem realizaç ão, nem falta de realização.
“Por isso, Shariputra, como não há as realizaç ões dos bodhisattvas, eles
ou elas vivem confiando-se à consciência discriminativa, sem
obscurecimento mental algum. (Por não possuírem obscurecimentos
mentais) não têm medo, transcendem todos os erros, e finalmente
alcançam o nirvana. Inclusive, é por terem se confiado à consciência
discriminativa, que todos os budas do três tempos manifestam-se no
estado perfeito e inigualável de um Buda completamente iluminado.
Promessa de Compor
Escopo Inicial
Escopo Intermediário
(4) Uma pessoa que por natureza vira as costas aos prazeres da existência
compulsiva e aos impulsos negativos do karma, e que tem grande
interesse em obter apenas um estado mental pacífico, é conhecida como
uma pessoa do escopo espiritual intermediário.
Bodhichitta Como Entrada para o Escopo Avançado
(5) Uma pessoa que realmente deseja eliminar por completo todo o
sofrimento dos outros, assim como o sofrimento incluído em seu próprio
continuum mental, é uma pessoa com motivação suprema.
(6) Para esses santos seres, que desenvolveram o desejo pela suprema
iluminação, devo explicar os métodos perfeitos ensinados pelos gurus.
(9) Com grande fé nas Três Jóias Supremas e com os joelhos dobrados
tocando o solo e as palmas das mãos unidas, comece tomando uma
direção segura (refúgio) três vezes.
(13) Quando tiver lido esse sutra ou ouvido ensinamentos de seu guru a
esse respeito, e estiver ciente dos inúmeros benefícios da bodhichitta
completa, gere a aspiração (de bodhichitta) repetidamente para deixá-la
estável.
(21) No que diz respeito às sete classes de (votos de) liberação individual,
Aquele Que Progride Adequadamente (Tathagata) afirmou que os de
abstinência gloriosa são supremos; estes são os votos dos monges
completamente ordenados.
(31) Devo purificar todas as ações de meu corpo e fala, assim como as
ações de minha mente: Nunca devo cometer ações destrutivas”
(36) A força positiva que uma pessoa com percepção elevada ganha em
um dia e uma noite é maior do que a força positiva que uma pessoa sem
percepção elevada ganha em cem vidas.
(37) Portanto, se deseja completar rapidamente as redes para a
iluminação total, se esforce para conseguir uma percepção elevada. Esse
não é um trabalho para preguiçosos.
(38) Alguém que não tenha atingido uma mente tranquila e assentada
(quietude mental) não conseguirá obter percepção elevada. Portanto, se
esforce repetidamente para atingir uma mente tranquila e assentada.
(52) Para não deixar este texto muito longo, não elaborei muito esse
assunto. O que expliquei foi simplesmente para o propósito de meditação
em um sistema comprovado de princípios filosóficos.
(58) Quando você tiver adquirido certeza, através dessas citações e linhas
de raciocínio, de que todas as coisas são desprovidas de existência
inerente e de um surgimento (inerentemente existente), medite em um
estado de pensamentos não conceituais (de existência inerente)
Manifestando o Resultado
(62) Para que lhe seja conferida a iniciação do (mestre) vajra, agrade seu
santo guru respeitosamente servindo-o, dando-lhe substâncias preciosas
e assim por diante e fazendo o que ele diz.
(63) Por ter agradado seu guru, ao ser-lhe conferida a iniciação completa
do mestre (vajra) você se purificará completamente de todas as forças
negativas e sua natureza será a de alguém que tem o suficiente para
alcançar as realizações verdadeiras.
Eu, o Ancião Shri Dimpakara, tendo visto (tudo ser) explicado nos
ensinamentos de dharma dos sutras e assim por diante, compus esse
resumo da explicação do caminho para a iluminação à pedido de
Jangchub-wo.
Tomo direção segura, até meu purificado estado, nos Budas, Dharma e
Suprema Assembleia. Pela força positiva da minha generosidade e coisas
mais, que eu possa alcançar a Budeidade para ajudar aqueles que
vagueiam.
(5) Com mãos pressionadas juntas, peço aos Budas de todas as direções
que acendam a luz do Dharma àqueles que estão tateando na escuridão
do sofrimento.
Ao dirigir e oferecer aos campos búdicos esta base, ungida com água
aromática, espargida com flores; e ornada com o Monte Meru, quatro
ilhas, um sol e uma lua, que todos aqueles que vagueiam possam ser
levados às terras puras.
Om idam guru ratna mandala-kam nir-yatayami.
A vós, preciosos gurus, eu vos envio este mandala.
Treinamento da Mente em Sete
Pontos
Edição Comentada por Togme Zangpo
Geshe Chekawa
[No que diz respeito] aos três objetos (seres que consideramos atraentes,
repulsivos ou neutros), [tome para si] as três atitudes venenosas (desejo,
aversão e ignorância) e [dê ao outro] as três raízes do que é construtivo
(desapego, imperturbabilidade e sabedoria), [ao mesmo tempo em que]
treina com palavras em todos os caminhos comportamentais.
Ao Morrer
O ensinamento quintessencial Mahayana para a transferência da mente é
as cinco forças, ao mesmo tempo em que se dá importância ao caminho
de saída.
Se, mesmo quando estiver distraído, for capaz [de não ter auto-apreço],
estará treinado.
Etapa Seis: Dezoito Práticas para Fortalecer a Conexão
(1-3) Treine sempre nos três pontos gerais: (Não contradiga o que
prometeu. Não se comporte de forma ultrajante. Não seja parcial).
(1) Faça todos os yogas (práticas) com apenas uma [intenção: ser capaz
de ajudar melhor os outros].
(2) Acabe com todas as distorções utilizando apenas uma [prática: dar e
receber]
(3) No começo e no final, tome as duas ações (a motivação de ser mais
capaz de ajudar os outros e a dedicação da força positiva)
(4) Qualquer das duas coisas que aconteça (coisas boas ou coisas ruins),
aja com paciência.
(6) Treine nas três coisas difíceis (estar consciente das forças opositoras
(antídotos), ter presença mental para aplicá-las, ter presença mental para
mantê-las).
(8) Medite nas três coisas que não declinam (a confiança e apreciação dos
professores espirituais, vontade de praticar seus ensinamentos,
estabilidade para manter essas práticas e treinamento).
Versos de Conclusão
(4) Acostume sua mente [ao fato de que] não há tempo a perder, já que
uma vida com folgas e oportunidades é muito difícil de se obter, e livre-se
da obsessão com as aparências desta vida. Pense muitas vezes sobre os
problemas dos renascimentos recorrentes e sobre o fato de que [as leis
das] causas e efeitos dos comportamentos nunca falham, e livre-se da
obsessão com as aparências das [vidas] futuras.
(5) Acostumando-se desta maneira, quando não mais gerar, nem por um
instante, uma mente que aspira os esplendores do samsara, e [quando
tiver] desenvolvido a atitude de estar dia e noite fortemente interessado
na liberação, [então] você terá desenvolvido renúncia.
(7) Carregado pelas correntes dos quatro rios violentos, amarrado pelos
grilhões do karma, que são tão difíceis de desamarrar, jogado na malha de
ferro do apego à identidades verdadeiras, encoberto pelas trevas da
escuridão da ignorância,
(10) Qualquer um que tenha visto que [as leis] de causa e efeito de todos
os fenômenos do samsara e nirvana nunca falham, e que tenha visto os
suportes para suas cognições [de existência inerente] desaparecerem,
quaisquer que sejam, entrou no caminho que agrada aos budas.