Você está na página 1de 7

OS ARQUÉTIPOS NA LENDA DE

"O SENHOR DOS ANÉIS", PASSO A PASSO

Por Arash Javanbakht MD


Departamento da Vice-presidente para Pesquisa,
Universidade de Mashhad de Ciências Médicas, Irã.

Pode-se dizer que o primeiro cientista a chamar a atenção para o tema


dos arquétipos no campo da ciência da psicologia foi o Dr Carl Gustav
Jung. Ele empreendeu estudos muito abrangentes sobre os arquétipos
não só em assuntos religiosos e mitológicos, como também nos
sonhos. Os arquétipos são elementos permanentes e muito
importantes da psique humana que podem ser encontrados em todas
as nações, civilizações, e até mesmo em sociedades tribais primitivas
de todos os tempos. De acordo com Jung, os arquétipos “não são
disseminados apenas pela tradição, idioma ou migração. Eles podem
reaparecer espontaneamente a qualquer hora, em qualquer lugar, e
sem qualquer influência externa” (1). Um arquétipo é um modelo
universal ou predisposição para caracterizar pensamentos ou
sentimentos (2), uma tendência não aprendida para experimentar
coisas de um certo modo (3). Jung assinala que " 'Arquétipo' é uma
perífrase explicativa do

 Platônico. Para aquilo que nos ocupa, a denominação é precisa e


de grande ajuda, pois nos diz que, no concernente aos conteúdos do
inconsciente coletivo, estamos tratando de tipos arcaicos – ou melhor
– primordiais, isto é, de imagens universais que existiram desde os
tempos mais remotos. (...) O arquétipo é essencialmente um conteúdo
inconsciente, o qual se modifica através de sua conscientização e
percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a
consciência individual na qual se manifesta" (4). O arquétipo não é
uma imagem, mas particularmente uma tendência para formar uma
imagem de caráter típico; em outras palavras, um modelo mental
tornado visível. (5) Acredita-se que um arquétipo evoque emoções
poderosas no leitor ou em espectadores porque desperta uma imagem
primordial da memória inconsciente. É por isso que mitos, lendas, ou
até mesmo filmes (como o Guerra nas Estrelas), baseados em
arquétipos, podem atrair e excitar a atenção e os sentimentos dos
leitores ou da audiência de forma tão intensa. Jung presumiu que é a
parte inconsciente da psique humana que cria o enredo de um sonho,
de uma lenda ou de um mito como uma representação dos elementos
psíquicos e do processo de crescimento. De acordo com suas idéias, a
psique humana expressa seu processo de crescimento e evolução de
forma visível e compreensível para a mente consciente através de
mitos e lendas.
Uma lenda muito interessante que é altamente arquetípica e
simbólica é a saga de O Senhor dos Anéis – que é objeto deste artigo.
Através deste texto eu tentarei discutir o simbolismo dos quatro
principais arquétipos – o Si-mesmo, o Herói, a Anima, e a Sombra,
muito brevemente como elementos da psique na lenda de O Senhor
dos Anéis.

O SI-MESMO (Gandalf, Elrond e Theoden)

Gandalf, o Mago: A história começa com a chegada de "Gandalf, o


cinzento" como um símbolo do Si-mesmo que sustém uma mensagem
e diz a verdade sobre o anel. Da mesma maneira que em muitos outros
mitos, este é o Si-mesmo que aparece no princípio por um curto
espaço de tempo, instiga a jornada e convoca os Heróis para a busca.
Então ele sai da presença dos Heróis e vai para o calabouço de
Saruman, que será tratado como um símbolo do Si-mesmo sombrio!

Então ele volta e conduz a Sociedade pela difícil expedição,


guiando-a ao portão das minas de Moria. Aqui percebe-se que ele
possui um cristal em seu bastão que ilumina a escuridão de Moria,
como um símbolo da abençoada luz do Si-mesmo que encontramos nas
lendas.

Um episódio muito importante do mito com relação a Gandalf é a


sua confrontação com o monstro Balrog na escuridão das minas de
Moria. É muito interessante perceber que o seu medo e recusa na
escolha do caminho de viagem pelas minas representa o medo da
psique inteira em se deparar com as dificuldades da viagem interna,
pois o caminho do crescimento psíquico e da evolução passa por dores
e sofrimento, e produz muitos perigos e azares que fazem parte da
totalidade da psique. O Dr. Jung, em seu livro Psicologia e Alquimia,
lembra que este medo instintivo da viagem deve-se ao perigo de
desintegração que pode se abater sobre a totalidade da psique. (6) Ele
cita um exemplo do Rosarium Philosophorum, que diz: "Nonnuli
perierunt in opere nostro" (Existe considerável destruição na nossa
obra – nota do tradutor). Também há outras notas alquímicas sobre a
dificuldade implacável do caminho. (7) Porém, Gandalf precisa
finalmente aceitar o seu destino.

Na escuridão de Moria (que pode ser discutida com mais detalhes


em outros artigos como uma parte da viagem psíquica pela profunda
escuridão do inconsciente [Descida de Jesus (o período de três dias
após sua morte antes de ressuscitar – N.T.), Jonas na barriga do peixe,
o José no poço (Gênesis. 37 – N.T.), e a viagem de Hércules pelo mar
escuro durante a noite]) (8) (9) (10). No decurso da escuridão do
inconsciente a Sociedade encontra o monstro ígneo e tenebroso de
Balrog. Aqui Gandalf tem que lutar com a criatura e acaba caindo no
abismo, uma jornada pelo Hades ou inferno dos que carecem de
percorrer o caminho do desenvolvimento interior. É por intermédio
desta queda profunda na escuridão do inconsciente, ao lutar com o
fogo de Balrog, que o purifica, que Gandalf evolui, transformando-se
no “Gandalf, o Branco”. Isto nos lembra os comentários dos
alquimistas antigos sobre a natureza purificadora e limpadora do fogo
(você tem que atravessar o fogo para ser purificado), assim como da
descida de Jesus ao inferno (ou mundo dos mortos, isto é, Hades –
N.T.) mencionada pelos Apóstolos. O Rei David escreveu: "pois é
grande o teu amor para comigo: tiraste-me das profundezas do Xeol."
(11) Também está escrito no Santo Alcorão dos muçulmanos que “não
haverá nenhum de vós que não tenha que passar por ele
(originalmente: por isto [inferno]). Este é um decreto que deve ser
cumprido”. (12). Finalmente Gandalf derrota Balrog e eles caem nas
pedras cobertas por neve branca (no filme) como outro sinal da vitória
das forças claras.

Depois de sua purificação e evolução, Gandalf aparece aos heróis


Legolas, Aragorn e Gimli (que analisarei depois) na floresta escura e
desconhecida de Fangorn (ressurreição do Cristo, saída de Jonas da
barriga do peixe). É um evento comum nos mitos o Si-mesmo aparecer
em lugares como florestas ou litoral, símbolos do inconsciente. Jung
alude a uma história do Alcorão em que o Moisés conheceu um homem
sábio de Deus no litoral: “Moisés disse ao seu servo: eu não quero
parar de caminhar, mesmo que tenha de viajar por oitenta anos até
chegar ao lugar de encontro dos dois mares. Depois de alcançarem
esse lugar, esqueceram o peixe que seguiu seu caminho por um canal
até o mar. (...) E retrocederam pelo mesmo caminho que haviam
seguido. Nele encontraram um dos nossos servos que havíamos
dotado de graça e sabedoria”. (13) Quando os Heróis arriscam-se,
entrando na escuridão do inconsciente para proteger as outras partes
da psique (os Hobbits perdidos), eles se deparam com o Si-mesmo.

Outra tarefa de Gandalf é curar o rei doente de Edoras, Theoden,


que eu tratarei como uma parte oculta do Si-mesmo ainda
contaminada pela sombra (envenenada por Sauron).

Um episódio muito importante em que Gandalf, o Branco, aparece


como a parte principal do Si-mesmo é quando as forças escuras, na
batalha de Rohan, estão derrotando as forças da Luz. Como diz Jung, o
Si-mesmo aparece e socorre a totalidade da psique nas dificuldades
muito intensas, desfazendo situações psíquicas – a luz aparece
quando está muito escuro! (14)

Um ponto notável sobre o aparecimento de Gandalf naquela


situação de dissolução da guerra é que ele vem atrás das forças de luz
(Aragorn, Theoden, Legolas...) decidido a sair e a lutar até a morte:
“Para a morte e para a glória!” Isso significa que, nas situações em
que há suspensão do crescimento psíquico, o Si-mesmo aparece e
ajuda quando não houver nenhuma outra esperança, e a consciência
(o Herói) correr risco de vida e se defrontar diretamente com a
escuridão e o perigo. Isso mostra a necessidade de uma decisão
consciente ao se enfrentar uma dificuldade como uma condição para o
Si-mesmo aparecer.

Elrond, rei dos Elfos,: É um outro símbolo do Self de natureza


mágica (um Elfo). Está mais relacionado a Arwen (discutida
posteriormente) como símbolo da Anima, particularmente, do que com
a consciência. Este fato faz o papel dele – como outra natureza do Si-
mesmo – diferente do papel de Gandalf, pois tem mais contato com a
parte consciente (os Heróis).

Theoden, rei de Edoras,: Não é fácil retratá-lo como um símbolo do


Si-mesmo, mas existem sinais que me fazem pensar assim. Ele é o rei
doente de Rohan cuja mente estava perturbada e envenenada por
Saruman (uma força da escuridão). Ele está numa posição
intermediária entre dois símbolos semelhantes: é um rei que teve um
bom relacionamento pessoal com o Si-mesmo iluminado (Gandalf),
porém sua mente está encantada por Saruman, o Feiticeiro (que será
comentado depois como o Si-mesmo sombrio). Melhor dizendo, ele é
um símbolo de uma parte encoberta do Si-mesmo que ainda está
revestida pela sombra. Ele representa o rei doente das histórias dos
alquimistas, ou o príncipe entorpecido na escuridão do fundo do mar
que pede ajuda, dizendo: “Aquele que me libertar das águas e me
transferir para um estado seco, eu o cumularei de riquezas perpétuas”.
(Psicologia e Alquimia, Par. 434 – N.T.) É como se Theoden fosse uma
parte ainda obscura do Si-mesmo que será libertada dos efeitos
lúgubres pela parte luminosa do Si-mesmo (Gandalf) com ajuda da
consciência (Aragorn e outros).

Podemos encontrar outros símbolos do Si-mesmo na lenda, tais


como a espada mágica dada a Frodo por Bilbo, que alarma Frodo do
perigo por sua luz azul; ou a luz de “Earendil”, oferecida a Frodo por
Galadriel, a rainha dos Elfos, com os dizeres: “Que esta possa ser uma
luz para você nos lugares escuros, quando todas as outras luzes se
apagarem”, que é uma definição exata para o Si-mesmo! Outro, é o
cristal que Gandalf porta em seu bastão para iluminar a escuridão de
Moria.

Como sabemos, é muito comum o Si-mesmo ser representado como


luzes, pedras preciosas, bolas de cristal e espadas mágicas.

Outra aparição do Si-mesmo é quando Arwen (a princesa dos Elfos)


- segurando Frodo ferido - está fugindo dos Cavaleiros Negros (que
querem capturar Frodo). Ela evoca um feitiço e o rio ataca os
Cavaleiros Negros.

Finalmente, deixe-me designar o diabólico Saruman (o feiticeiro


que serve Sauron) e sua bola de cristal "Palantir" como os símbolos da
escuridão e do Si-mesmo sombrio, que está do lado oposto ao do Si-
mesmo iluminado (analisados mais à frente).

O HERÓI (Frodo, Aragorn e Legolas)

Em quase todas as lendas, o papel do Herói é muito importante e é


necessário para superar as forças da escuridão (Sombra) com a orientação e o
auxílio do Si-mesmo, assim como pela assistência e a ajuda da Anima. Os
Heróis nesta lenda personificam a parte consciente da psique.

Frodo Baggins: A tarefa de Frodo como o Herói portador do anel é muito


complexa. Ele não é tão poderoso e glorioso quanto os Heróis comuns de
outras lendas, mas como Galadriel, a rainha dos Elfos, diz: "Até mesmo a
menor das pessoas pode mudar o curso do futuro". As fraquezas de Frodo o
fazem bem parecido com os autênticos Heróis na psicologia (a consciência).

Frodo é um Hobbit e os Hobbits estão em um nível inferior em relação aos


humanos e aos Elfos (outras partes da consciência), já que são mais medrosos
e mais pacíficos, além de possuírem menos poder. São mais baixos que os
outros, o que os coloca em contato mais íntimo com a terra (símbolo do
inconsciente). Além disso, possuem orelhas pontudas, o que os estabelece à
margem do inconsciente. Em comparação com os homens, nunca usam
sapatos e são mais baixos: portanto, são mais ligados às partes mais
primitivas da psique.
Aragorn: É humano e muito mais semelhante aos Heróis das lendas do que
Frodo. Mais forte e valente, está presente em todas as batalhas, indicando
talvez a necessidade da ação da psique consciente em todas as lutas com a
Sombra. O amor dele por Arwen, a princesa dos Elfos (como Anima), o faz
ainda mais comparável a um Herói típico. Como humano que é, ele não possui
poderes mágicos ou características dos outros companheiros, que são
relacionados aos conteúdos do inconsciente; está mais ligado à realidade e
possui mais poderes reais. Tudo isso nos leva a supô-lo como a parte
consciente mais pura da psique em contraste com Frodo e Legolas, que se
encontram na fronteira entre a consciência e o inconsciente. Considerando-se
que esteja completamente consciente, ele é o único que não se ajoelha
perante Gandalf, o Branco, na floresta de Fangorn, quando ele, Gimli, o anão,
e Legolas encontram Gandalf, o Branco, pela primeira vez.

Legolas, o Elfo: Embora seja um Elfo, está mais ligado aos níveis
superiores da consciência, ainda que na fronteira com o inconsciente, em
comparação com Frodo que já está mais conectado aos níveis inferiores e
partes mais primitivas (apesar de ambos estarem conscientes, porém não
tanto quanto Aragorn).

A visão muito aguda de Legolas e seus atributos élficos o colocam em uma


situação intermediária entre a consciência de Aragorn e o Si-mesmo (Gandalf),
como uma figura elevada e iluminada do inconsciente. Por outro lado, Frodo
situa-se entre a consciência (Aragorn) e a Sombra, as partes mais instintivas
da psique. (Legolas nunca falha, mas Frodo algumas vezes quase rende-se à
Sombra)

Estes três heróis retratam atributos abrangentes do Herói pelas suas


conexões com a escuridão (Sombra) e a luz (Si-mesmo).

Neste artigo eu não analisarei Gimli, o anão, como outro membro da


Sociedade, que pode ser classificado em um nível inferior a Frodo. Os dwarves
são grandes mineiros que trabalham em minas sob o solo (inconsciente). Visto
que os dwarves são criaturas anãs e vivem e trabalham em minas
subterrâneas, acho que poderiam ser relacionados aos Cabiros do "Fausto", de
Goethe, que interessou Jung em Psicologia e Alquimia.

A ANIMA (Erwen e Galadriel)

A Anima está presente em quase todas as lendas e representa a identidade


inconsciente da psique do homem. A Anima é o conjunto de traços de caráter
feminino ocultos dentro do inconsciente do homem e supõe-se que livrar-se da
escuridão da inconsciência seja uma tarefa do Herói consciente no processo de
individuação. A Anima também ajuda e salva o Herói de muitas dificuldades,
como vemos quando Arwen salva Frodo dos Cavaleiros Negros.

Discutirei aqui dois símbolos da Anima na lenda: Arwen e Galadriel, que


são Elfos e que representam o caráter inconsciente da Anima.

Arwen: Elfo bonita, apaixonada por Aragorn (o Herói). Este amor é o


principal fundamento de quase todas as lendas e mitos, e representa a
tendência dos dois lados da personalidade do homem de se unir, como uma
afinidade instintiva de identificações conscientes e inconscientes.

Arwen também participa de uma parte muito penosa da história quando


salva a porção mais inferior do Herói (Frodo) dos Cavaleiros Negros (Sombra)
com a ajuda do Si-mesmo (este aparece como a água do rio na forma de
cavalos brancos que atacam os Cavaleiros Negros) evocando e lançando um
feitiço, enquanto Aragorn (o Herói totalmente consciente) nada pôde fazer. Em
outra ocasião, Elrond, o Elfo, cura Frodo.

Arwen é um Elfo e suas características misteriosas, sobrenaturais e


poderes simbolizam sua conexão com o inconsciente e o Si-mesmo. Ela é um
símbolo de Anima desenvolvido e purificado dos efeitos da Sombra.

Galadriel: Elfo que é avó de Arwen, o que a vincula às camadas mais


profundas do inconsciente, e talvez até ao chamado inconsciente coletivo pelo
Dr. Jung!

Ela tem características especiais e poderes, como a habilidade de ler os


pensamentos, e também possui um espelho que mostra o futuro e o passado.
Estas qualidades a fazem, como Anima, mais voltada ao Si-mesmo do que
Arwen.
Embora seja desenvolvida e associada ao Si-mesmo, ela ainda tem que
lutar e resistir à Sombra na cena em que sente uma forte atração pelo
diabólico anel na mão de Frodo; uma prova em que ela passa!

Você também pode gostar