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Fichamento do Texto: Sociologia e Antropologia– pg. 205- 239.

Uma categoria do espírito humano: A noção de pessoa, a noção do “eu”


Escrito em 1938 e publicado postumamente na França em 1950
Elaborado por: Marcia Cristina de Oliveira Dias

Personagem e indivíduo / Mascarado e Máscara

Síntese do Texto

Este texto é parte do livro “Sociologia e Antropologia”, que reuniu vários estudos dispersos de Marcel
Mauss, considerado por muitos, o iniciador da moderna antropologia social, nele o autor aborda a noção do “eu”
entre várias civilizações, cita desde os etruscos até os zuñi, tribo indígena situada no Novo México. Marcel Mauss
se refere a sociedades com máscaras permanentes em referência aos povos que estão sempre representando algum
personagem e sociedades de máscaras não permanentes quando se refere àqueles que só fabricam uma
personalidade superposta quando participam de algum ritual. Mauss divide o texto em sete capítulos:

Capitulo I – Mauss anuncia a proposta do texto – mostrar como uma das categorias do espírito humano – a
ideia de pessoa – nasceu e lentamente cresceu ao longo de muitos séculos, ou seja, não é inata. Apresenta trabalhos
da escola francesa de sociologia, especialmente os que se referem à história social das categorias do espírito
humano, especificamente o estudo da categoria do “eu”.

Capítulo II – O autor através da analise da vida individual e dos clãs nas tribos dos índios pueblo, mais
precisamente os zuñi, estudados por Frank Hamilton Cushing; as tribos do noroeste americano estudadas por
Dawson e por Boas; e de alguns povos da Austrália – os arunta, os loritja, os kakadu etc – procura mostrar que um
vasto conjunto de sociedades, desde as primitivas até as nossas alcançou a noção de personagem, do papel que o
individuo preenche nos clãs e na vida familiar.

Capítulo III – Mauss fala sobre a noção de “persona latina” – máscara, máscara trágica, máscara ritual e
máscara de antepassado – surgida no inicio da civilização latina. Duas sociedades a inventaram, mas quase a
destruíram completamente: Índia bramânica e budista e China antiga. Outras nações também adotaram a noção de
persona latina. Raras são as nações, das quais a mais importante é Roma, que fizeram da pessoa humana um ser
completo, independente de qualquer outro, a não ser de Deus.

Capitulo IV – Mauss discorre sobre a origem da palavra “persona”. “A pessoa é algo além de um fato de
organização: é um fato fundamental do direito. De acordo com a etimologia latina, a palavra “persona” vem de
per/sonare, a máscara através (per) da qual ressoa a voz (do ator). Em direito, os juristas dizem que nada há além
das personae, das res e das actiones. Segundo Mauss foram os latinos que estabeleceram a noção de pessoa
embora, na realidade, a palavra possa ser de origem etrusca, porque estes tinham uma civilização de máscaras. Os
etruscos, os samnitas e os latinos viveram numa atmosfera de personae, máscaras e nomes, de direitos individuais a
determinados ritos, de privilégios. Há também o caso da lenda do cônsul Brutus e de seus filhos, do fim do direito
que tinha o pater de matar seus filhos os sui, traduzem a aquisição da persona pelos filhos, mesmo durante a vida
do pai. Em Roma, quando todos os homens livres se tornaram cidadãos, todos conseguiram a persona civil. O
escravo, no entanto, não tinha direito à persona, pois não era dono de seu próprio corpo. Paralelamente, a palavra
persona, personagem artificial, máscara e papel de comédia e de tragédia, da trapaça e da hipocrisia – estranha ao
“eu” – prosseguiu sua marcha. Mas o caráter pessoal do direito foi estabelecido e persona tornou-se também
sinônimo da verdadeira natureza do individuo.

Capítulo V – Desenvolvimento do pensamento moral. Mauss comenta que este trabalho só foi possível com
a ajuda dos estóicos, cuja moral voluntarista, pessoal, pode enriquecer a noção romana de pessoa. Segundo ele a
palavra πρόσωπον tinha o mesmo sentido de persona, máscara. Entre o século II a. C. e século IV d. C., toma o
sentido de persona, pessoa, direito. Estende-se ao individuo na sua natureza intima, sem máscara, apesar de,
conservar-se o sentido do artifício, o sentido do que é a intimidade de tal pessoa e o sentido do que é personagem.
A noção de “pessoa moral” torna-se tão clara que em todo o Império ela se impõe a todas as personalidades
fictícias, às quais damos o nome de “pessoas morais”: corporações, fundações etc.

Capítulo VI – A religião – o cristianismo – é que fez da pessoa moral uma entidade metafísica e cita o livro
de Schlossmann, que viu melhor do que outros a passagem da noção de persona, homem revestido de um estado à
noção de homem simplesmente, de pessoa humana. A questão da unidade da pessoa com a unidade de Deus foi
colocada por von Carolsfeld quando este compara e comenta a Epístola aos Gálatas 3;28: “Diante dele, vós não sois
nem judeus, nem gregos, nem escravos, nem livres, nem homens, nem mulheres: todos sois um, em Cristo Jesus. A
partir do Concilio de Nicéia, em 325, foi criada a Unidade das três pessoas – da Trindade – unidade das duas
naturezas de Cristo: Unitas in três personas, uma persona in duas naturas. É a partir da noção de um que a noção de
pessoa foi criada. Surge a concepção cristã de pessoa.

Capítulo VII – Após um longo trabalho dos filósofos, a substância racional individual se transformou em
uma consciência e uma categoria: a categoria do “eu”. Mauss apresenta a ideia de que a noção de pessoa deveria
edificar-se, esclarecer-se, identificar-se com o conhecimento de si, com a consciência psicológica para tornar-se a
categoria do “eu”. Kant fez da consciência individual, do caráter sagrado da pessoa humana, a condição da razão
prática e Fitche faz da categoria do “eu”, a condição da consciência e da ciência, da razão pura. A partir daí, está
feita a revolução das mentalidades, cada um de nós tem o seu “eu”.

Passagens do autor que sintetizam o texto

1. “Trata-se nada menos do que explicar como uma das categorias do espírito humano – uma dessas ideias que
julgamos inatas – nasceu e muito lentamente cresceu no curso de muitos séculos e através de muitas
vicissitudes, a ponto de, ainda hoje, ser flutuante, delicada, preciosa e estar por ser elaborada. É a ideia de
“pessoa”, a ideia do “eu””. (pg. 209)
2. “um vasto conjunto de sociedade alcançou a noção de personagem, de papel que o individuo preenche em
dramas sagrados como desempenha um papel na vida familiar. Das sociedades primitivas até as nossas, a
função criou a fórmula. (pg. 223)
3. “a pessoa é algo além de um fato de organização, mais do que o nome ou o direito reconhecido a um
personagem e mais do que uma máscara ritual: é um fato fundamental do direito. (pg. 227)
4. A consciência moral introduz a consciência na concepção jurídica do direito. (pg. 234)
5. “(...) todo fato de consciência é um fato do eu” (pg. 239)

Método por meio do qual Marcel Mauss constrói seu argumento central.

Marcel Mauss cataloga as formas que a noção de “eu” tomou em várias civilizações através do tempo e faz
comparações a partir destas descrições. Para elaborar sua teoria, Mauss baseia sua pesquisa nos estudos realizados
por vários de seus colegas, amigos e discípulos. Sua pesquisa é totalmente de direito e de moral, não passa pela
questão da lingüística, nem da psicologia.

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