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NASCIMENTO E MORTE DO SUJEITO MODERNO A IDENTIDADE CULTURAL NA PÓS-MODERNIDADE
nova concepção do sujeito individual e sua cultura ocidentais contribuíram para a emergência
identidade. Isto não significa que nos tempos pré- dessa nova concepção: a Reforma e o
moclernos as pessoas não eram indivíduos mas Protestantismo, que libertaram a consciência
que a individualidade era tanto "vivida" quanto individual das instituições religiosas da Igreja e a
"conceptualizada" de forma diferente. As expuseram diretamente aos olhos de Deus; o
transformações associadas à modernidade Humanismo Renascentista, que colocou o Homem
libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas ( sic) no centro do universo; as revoluções
tradições e nas estruturas. Antes se acreditava que científicas, que conferiram ao Homem a faculdade
essas eram divinamente estabelecidas; não e as capacidades para inquirir, investigar e decifrar
estavam sujeitas, portanto, a mudanças os mistérios da Natureza; e o Iluminismo, centrado
fundamentais. O status, a classificação e a posição na imagem do Homem racional, científico,
de uma pessoa na "grande cadeia do ser" - a libertado do dogma e da intolerância, e diante do
ordem secular e divilla das coisas- predominavam qual se estendia a totalidade da história humana,
sobre qualquer sentimento de que a pessoa fosse para ser compreendida e dominada.
um indivíduo soberano. O nascimento do
Grande parte da história da filosofia
"indivíduo soberano", entre o Humanismo
ocidental consiste de reflexões ou refinamentos
Renascentista do século XVI e o Iluminismo do
dessa concepção do sujeito, seus poderes e suas
século xvrn, representou uma ruptura importante
capacidades. Uma figura importante, que deu a
com o passado. Alguns argumentam que ele foi o
essa concepção sua formulação primária, foi o
motor que colocou todo o sistema social da
filósofo francês René Descartes (1596-1650).
"modernidade" em movim.ento.
Algumas vezes visto como o "pai da Filosofia
Raymond Williams observa que a história moderna", Descartes foi um matemático e
moderna do sujeito individual reúne dois cientista, o fundador da geometria analítica e da
significados d.istintos: por um lado, o sujeito é ótica, e foi profundamente :influenciado pela "nova
"indivisível" - uma entidade que é unificada no ciência" do século XVU. Ele foi atingido pela
seu próprio interior e não pode ser dividida além profunda dúvida que se seguiu ao deslocamento
disso; por outro lado, é também uma entidade de Deus do centro do universo. E o fato de que o
que é "singular, distintiva, única" (veja Williams, sujeito moderno "nasceu" no meio da dúvida e
1976; pp. 133-5: verbete "individual"). Muitos do ceticismo metafísico nos faz lembrar que ele
movimentos importantes no pensamento e na nunca foi estabelecido e unificado como essa forma
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de descrevê-lo parece sugerir (veja Forester, consciência pode ir para trás, pa'raqualquer ação
1987). Descartes acertou as contas com Deus ao ou pensamento passado" (Locke, 1967, pp. 212-
torná-lo o Primeiro Movímentador de toda criação; 213). Esta figura (ou dispositiv'o conceitua!)- o
daí em diante, ele explicou o resto do mundo "iu_divíduo soberano" - está iuscrita em cada um
material inteiramente em termos mecânicos e dos processos e práticas centrais que fizeram o
matemáticos. mundo moderno. Ele (sic) er:a o "'sujeito" da
Descartes postulou duas substâncias modernidade em dois sentidos: a origem ou
distintas - a substância espacial (matéria) e a "sujeito" da razão, do conhecimento e da prática;
substância pensante (mente). Ele refocalizou, e aquele que sofria as conseqüências dessas
assim, aquele grande dual'ismo entre a "mente" e práticas - aquele que estava "'sujeitado" a elas
a "matéria" que tem afligido a Filosofa desde (veja Foucault, 1986 e também Penguin
então. As coisas devem ser explicadas, ele Dictionary ofSociology: verbete "subject").
acreditava, por mna redução aos seus elementos Algumas pessoas têm questionado se o
essenciais à quantidade mínima de elementos e, capitalismo realmente exigiu uma concepção de
em última análise, aos seus elementos indivíduo soberano desse tipo (Ahercromhie et
irredutíveis. No centro da "mente" ele colocou o alli, 1986). Entretanto, a emergência de uma
sujeito individual, constituído por sua capacidade concepção mais individualista do sujeito é
para raciocinar e pensar. "Cogito, ergo sum" era amplamente aceita. Raymond Williams sintetizou
a palavra de ordem de Descartes: "Penso, logo essa imersão do sujeito moderno nas práticas e
existo" (ênfase minha). Desde então, esta discursos da modernidade na seguiute passagem:
concepção do sujeito racional, pensante e
A emergência de noções de individualidade, no
consciente, situado no centro do conhecimento, sentido moderno, pode ser relacionada ao colapso
tem sido conhecida como o "sujeito cartesiano". da ordem social, econômica e religiosa medieval.
No movimento geral contra o feudalismo houve
Outra contribuição critica foi feita por John
uma nova ênfase na existência pessoal do homem,
Locke, o qual, em seu Ensaio sobre a compreensão acima e além de seu lugar e sua função numa
humana, definia ·o indivíduo em termos da rígida sociedade hierárquica. Houve uma ênfase
"mesmidade ( samehess) de um ser racional" - isto similar, no Protestantismo, na relação direta e
é, uma identidade. que permanecia a mesma e individual do homem co~ Deus, em oposição a
que era contínua com seu sujeito: "a identidade esta relação mediada pefa Igreja. Mas foi só ao
final do século XVII e no ;século XVIII que um
da pessoa alcança a exata extensão em que sua
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