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trabalhar o território e a organização do processo

Resumo de trabalho, em particular pelo grau de adoção


ou não de atividades ditas programáticas. Em
2006, a política nacional de atenção básica
ampliou os seus objetivos e reafirmou a ESF como
prova PIESC estratégia prioritária e modelo substitutivo para a
organização da atenção básica. A APS é pensada
como ordenadora, coordenadora ou gestora do

Gestão e redes de cuidado de saúde, a partir não mais da diretriz da


hierarquização dos serviços, mas pela posição de
centralidade que lhe é conferida na constituição
atenção de redes de cuidado. Há um reconhecimento de
que, apesar de todos os esforços, a promessa
TEXTO 1: A ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE E A colocada na ABS de alcançar uma configuração
CONSTRUÇÃO DAS REDES TEMÁTICAS DE mais racional, integrada e equitativa dos sistemas
SAÚDE: QUAL PODE SER O SEU PAPEL? de saúde, funcionando sempre como sua porta de
entrada, ou, pelo menos, porta preferencial para
A atenção primária à saúde vem marcando desde
o conjunto dos serviços de saúde, parece nunca
a política de reorganização da atenção à saúde
se ter plenamente alcançado.
um estatuto estratégico de intervenção e de
formulação teórica para os Sistemas Nacionais de Quando se trata do acesso da população aos
Serviços de Saúde (SNSS). Hoje ela é o principal serviços de saúde, a ABS tem sido pensada, tanto
dispositivo de organização, constituição e como a porta de entrada do sistema, como o
articulação das redes de atenção à saúde para primeiro nível de contato da população com o
muitos países. Quando se trata do acesso da sistema, aquele mais próximo às famílias e à
população aos serviços de saúde, a ABS tem sido comunidade. Podemos observar como no
pensada, tanto como porta de entrada do cotidiano das unidades, na sua micropolítica,
sistema, como o primeiro nível de contato da ocorrem momentos de cuidado e vínculo, que
população com o sistema, aquele mais próximo nem sempre são visíveis para os gestores, mas
às famílias e à comunidade. É a ABS que deve que são reconhecidos e valorizados pelos
coordenar os fluxos dos usuários entre os vários usuários. São muitas as indicações que permitem
serviços de saúde, buscando garantir maior afirmar que a rede básica produz valores de uso
equidade ao acesso e à efetiva utilização das para os usuários nos dois municípios, mesmo que
demais tecnologias e serviços do sistema, para não seja exatamente o que as várias formulações
responder às necessidades de saúde da de modelos assistenciais definem que ela deva
população. Com o movimento da reforma produzir. E não é de pouca importância o que a
sanitária, que desembocou na criação do Sistema ABS consegue oferecer. Vale a pena lembrar que
Único de Saúde (SUS) vários desenhos de atenção o estudo está utilizando biografias de pacientes
básica são experimentados, distinguindo-se entre que vivem situações bastante graves de saúde, e
si pelo maior ou menor desenvolvimento do que são utilizadores dos serviços de maior
atendimento médico não agendado, pelo grau de densidade tecnológica. Portanto, a complexidade
incorporação da atenção odontológica e de dos casos estudados, que poderia ser considerada
outros profissionais de saúde, pelos modos de se um viés para a avaliação da ABS, mostrou de
modo surpreendente como, mesmo para esses situações de urgência nem vale a pena “perder
pacientes, ela é reconhecida e funciona como tempo” indo à UBS, melhor sendo procurar os
referência e elemento importante para a serviços de urgência como primeira opção.
composição do cuidado de que necessitam.
Por tudo isso é possível dizer que, apesar dos
O fornecimento de medicamentos, seja pela usuários reconhecerem valores de uso nas UBS e
dispensação direta na farmácia, seja para buscarem nelas recursos que julgam importantes
obtenção de receita do médico, parece ser o valor para a composição do seu cuidado, parecem
de uso mais imediatamente visível da rede básica perceber claramente o que podem e o que não
para os usuários, de forma que o acesso as podem esperar dela. Conseguem atendimento
medicamentos funciona como um chamariz para mediante agendamento, mas sabem que não
levar os pacientes às UBS. Para além da obtenção podem contar efetivamente com a equipe em
de medicamentos, a rede básica é vista como situações que avaliam como tendo necessidade
passagem obrigatória para a obtenção de guias, de atendimento urgente. É isso que nos permite
pedidos de exames e mesmo de documentos para afirmar que os usuários dão o significado da ABS
se conseguir benefícios sociais. Uma percepção como lugar das coisas simples. A rede básica no
bastante compartilhada pelos usuários, e que seu caráter de complementaridade, mas também
reforça o sentido da atenção básica como o lugar de subalternidade em relação aos serviços de
de coisas simples, é de que o médico generalista saúde e profissionais que operam com maior
seria um médico com pouca resolutividade, em complexidade tecnológica.
particular como um encaminhador para o
Para responder à questão que compõe o título do
especialista e como fonte de troca/renovação de
artigo, qual seja, qual pode ser o papel da rede
receituário vindo do especialista. A combinação
básica na construção das redes temáticas, duas
do seguimento com algum especialista, em um
ordens de questões devem ser consideradas. A
serviço de referência, com o seguimento pelo
primeira, é que a ABS tornou-se um posto
médico generalista da UBS é bastante frequente.
avançado do SUS, lugar onde as pessoas buscam
Em geral, as coisas mais “simples” como
recursos fundamentais para compor o cuidado de
hipertensão arterial e diabetes são seguidas na
que precisam, sendo a rede básica uma produtora
própria unidade e o problema mais “grave” é
de valores de uso para milhões de pessoas. Nesse
acompanhado pelo especialista. Apesar de se
sentido, ele deve ser defendida como uma
poder afirmar que existe uma
conquista a ser consolidada e aperfeiçoada.
complementaridade da ação dos dois tipos de
profissionais, parece haver sempre a dúvida se a TEXTO 2: A CONSTRUÇÃO DA
competência clínica do generalista funciona de INTERDISCIPLINARIDADE NO TRABALHO DA
forma supletiva, substitutiva ou sobreposta à EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA
competência clínica do especialista, ou se,
apenas, se limita a ser um “sinalizador de A complexidade do processo saúde doença e a
percursos” e um “trocador de receitas”. Outra necessidade de uma abordagem interdisciplinar
característica das UBS é como os usuários têm sido debatidas por diversos autores. A
percebem sua incapacidade e descompromisso natureza multidimensional do ser humano requer
de atendimento em casos de urgência, o que práticas profissionais interdisciplinares que
resulta na percepção de que em situações de possam engendrar “formas mais abrangentes e
urgência, o que resulta na percepção de que em totalizadoras de aproximar-se da realidade”,
coerentes com os princípios da universalidade,
equidade e integralidade da atenção que interconsultas, que na experiência analisada
norteiam o Sistema Único de Saúde (SUS) constituiu-se em espaços de clínica em equipe.
brasileiro. A interdisciplinaridade, neste estudo, é
Saupe et al.34 também encontraram que a
entendida como instrumento e expressão de uma
prática interdisciplinar é dinâmica e processual e
crítica do saber disciplinar e como uma maneira
que não é vivida da mesma maneira pelos
complexa de entendimento e enfrentamento de
profissionais. Segundo esses autores, “nem todos
problemas do cotidiano. Exige a integração não
os momentos vividos numa Unidade de Saúde são
somente de saberes, mas também de práticas, e
interdisciplinares, não se é interdisciplinar o
integra e renormaliza as disciplinas e as profissões
tempo todo e não se é interdisciplinar sempre,
delas decorrentes, concretizando, ao final, a
com todos os membros da equipe.
íntima relação entre conhecimento e ação. Ou
seja, falamos aqui de uma interdisciplinaridade O atual contexto político institucional brasileiro
como processo de construção de conhecimento e de tentativas de mudança no modelo de atenção,
ação, a partir de finalidades compartilhadas por materializado na prescrição da Estratégia de
coletivos de trabalho. Saúde da Família, tem como ingredientes a
complexidade dos problemas a serem
O trabalho em saúde é marcado
enfrentados e as histórias dos indivíduos e dos
fundamentalmente por algumas características:
coletivos. As tarefas exigidas para a configuração
atende a necessidades complexas e variáveis; não
de um novo modelo multiprofissional e
pode ser totalmente padronizado, uma vez que
interdisciplinar fazem com que se ampliem
envolve um encontro sempre singular entre
interfaces a serem geridas pelos trabalhadores
sujeitos; os profissionais precisam de autonomia;
que compõe as equipes. Percebe-se que o
é realizado por um grupo heterogêneo de
enfrentamento do modelo biomédico intensifica
trabalhadores; os médicos direcionam o processo
o trabalho e exige a gestão de situações de
assistencial; há dependência do ambiente
trabalho que extrapolam o que teoricamente
sociopolítico; parte da força de trabalho é
seria da competência do trabalhador, o que
precarizada; e o cenário é de disputa entre atores
implica na ampliação dos saberes e das práticas
com diversos interesses, o que demanda um
de cada núcleo profissional. A complexidade da
processo de negociação permanente.
atenção à saúde exige, ainda, o engajamento do
A interdisciplinaridade se apresentou como um profissional, a capacidade de escuta, o
processo complexo em função da multiplicidade compromisso ético e a visão integral do sujeito do
de recursos necessários para a sua efetivação. cuidado. Na ESF os profissionais devem atuar
Recursos estes entendidos como tudo aquilo que sobre os determinantes do processo saúde
precisa ser mobilizado para que o doença, rompendo com o modelo focado na
empreendimento interdisciplinar se efetive, atenção à demanda espontânea e à doença, o
incluindo, entre outros, saberes das mais diversas que provoca um exercício permanente de
origens, ambiente favorável, projeto reflexão sobre os próprios atos e no que eles irão
compartilhado e atitude dos sujeitos. O processo resultar.
interdisciplinar apareceu como resultado de um
Este estudo revelou que a interdisciplinaridade
processo de amadurecimento no trabalho em
requer uso integrado de conhecimentos na
equipe e que necessita de um espaço institucional
prática multiprofissional, invasão das fronteiras
que possibilite a construção de novas normas e
disciplinares, desenvolvimento de competências
formas de realização do trabalho, a exemplo das
para lidar com os desafios do meio e atitude universalidade do acesso; a integralidade e a
individual como componente fundamental para o equidade da atenção à saúde; descentralização
agir profissional. O trabalho multiprofissional na da gestão; regionalização e hierarquização; e
perspectiva interdisciplinar apareceu como participação popular por intermédio do controle
possibilidade concreta no plano intelectual, mas social. O acesso da comunidade e a forma de
na prática era orientado predominantemente recepcioná-la constituem-se como pontos
pelo modelo biomédico hegemônico. Além de se importantes a serem considerados para viabilizar
mostrar dependendo da consciência e do a execução desses princípios e, portanto, devem
compromisso dos profissionais, de ser revistos e aperfeiçoados no contexto da
conhecimentos e competências, envolvendo a prática e da organização dos serviços de saúde. A
subjetividade e a intersubjetividade dos atores, o desqualificação do cuidado ao usuário reflete a
trabalho é condicionado pelo modelo de gestão e falta de comunicação entre profissionais e
pelas condições materiais e organizacionais nas população, o que impossibilita que as reais
quais se desenvolvem as atividades de trabalho. necessidades deste último segmento sejam
reveladas, dificultando a diversificação das
O modelo Saúde da Família complexifica o
práticas de atenção à saúde e fazendo com que
trabalho. Atuar segundo o princípio da
os serviços se organizem a partir de uma
integralidade na atenção primária amplia as
demanda limitada de procedimentos.
interfaces a gerir e coloca novas dificuldades e
desafios no plano das competências, questões A Política Nacional de Humanização (PNH),
que devem ser consideradas ao se pensar sobre o idealizada pelo Ministério da Saúde (MS), surgiu
potencial de cada profissional e as possibilidades como uma proposta para requalificar essa
dos coletivos trabalharem interdisciplinarmente. atenção, de modo a manter uma associação entre
as formas de produzir saúde e as formas de
A pesquisa evidenciou a dimensão de uso de si
administrar os processos de trabalho, entre
presente na relação com os usuários ao produzir
atenção e gestão, entre clínica e política, entre
“desvios” no que havia sido planejado pelo
produção de saúde e produção de subjetividade.
profissional. A busca de eficácia provoca o debate
As abordagens teóricas e organizativas da PNH
de normas e valores e a renormalização das
demonstram que essa política surgiu para
normas antecedentes, e também leva o
impulsionar a efetivação de um SUS inclusivo,
trabalhador a reinventar seu modo de trabalhar.
democrático, resolutivo e acolhedor. Apresentam
Conclui-se que a interdisciplinaridade não tem
conceitos amplificados sobre a humanização, de
um fim em si mesmo, não está presente em todos
forma a agregar valores diversos: ‘organizativo’
os momentos e se constrói a partir de
porque se refere às formas de organizar os
necessidades e capacidades determinadas pelo
serviços de saúde; ‘gerencial’ por abordar o modo
meio e pelos sujeitos que produzem o cuidado
de gestão e a coordenação do trabalho
em saúde.
desenvolvido; e ‘relacional’ por referir-se ao
TEXTO 3: O ACOLHIMENTO NA ATENÇÃO BÁSICA relacionamento consolidado entre os indivíduos
EM SAÚDE: RELAÇÕES DE RECIPROCIDADE que participam do processo de trabalho em
ENTRE TRABALHADORES E USUÁRIOS. saúde, que são os gestores, os trabalhadores e os
usuários. Para pôr em prática esses conceitos, a
O Sistema Único de Saúde (SUS) preconiza, em PNH fundamenta-se em algumas diretrizes
sua política de saúde, um conjunto de ações que específicas para a Atenção Básica, que enfatiza: a
possibilitem a execução dos princípios da
elaboração de projetos individuais; o incentivo às singularidades e oferta dos saberes em saúde que
práticas de promoção da saúde; o acolhimento e venham permitir ao profissional intervenções
a inclusão do usuário no sistema, na perspectiva continuadas de vínculo, produção de autonomia e
da garantia do acesso e da resolubilidade, além responsabilização pelo resultado destas
do trabalho em equipe, para gerar uma maior intervenções. Torna-se evidente que as relações
corresponsabilidade na atenção. no acolhimento são permeadas pelas teorias da
dádiva e da reciprocidade, uma vez que, quem se
O acolhimento possui três esferas constitutivas:
relaciona/acolhe, sempre tem algo a oferecer,
postura, atitude e tecnologia do cuidado;
mas também espera do outro algo em troca, e
mecanismo de ampliação e facilitação do acesso;
este processo também é recíproco por quem é
e dispositivo de (re)organização do processo de
acolhido.
trabalho em equipe.
Em sua política de humanização, o Ministério da
Dessa forma, pode-se afirmar que o acolhimento
Saúde, se apropriou de diversas ferra mentas
é uma ação que deve existir em todas as relações
para estabelecer redes, vínculos e a
de cuidado, no vínculo entre trabalhadores de
corresponsabilização entre usuários,
saúde e usuários, na prática de receber e escutar
trabalhadores e gestores. Entre essas
as pessoas, e deve ser estabelecido como uma
ferramentas, o acolhimento surge como uma
ferramenta que: possibilite a humanização do
prática que possibilita reflexão e mudança nos
cuidado; amplie o acesso da população aos
modos de operar a assistência, pois questiona as
serviços de saúde; assegure a resolução dos
questões clínicas e relacionais nos processos de
problemas; coordene os serviços; e vincule a
trabalho em saúde e os modelos de atenção e
efetivação de relações entre profissionais e
gestão, bem como as relações entre
usuários. À vista disso, em vez de indagar se, em
trabalhadores e usuários no cotidiano dos
algum serviço, existe ou não o uso da ferramenta
serviços.
acolhimento, talvez seja mais pertinente avaliar
como ele se concretiza ou é empregado. TEXTO 4: TECNOLOGIA DAS RELAÇÕES COMO
DISOSITIVO DO ATENDIMENTO HUMANIZADO
Nos seus estudos Mauss (2003) concebe a teoria
NA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE NA PERSPECTIVA
da dádiva como universal no campo das relações
DO ACESSO, DO ACOLHIMENTO E DO VÍNCULO
sociais, traduzindo-se a partir da tríplice
obrigação coletiva de doação, recebimento e O Programa de Saúde da Família surge como uma
retribuição, perfazendo uma lógica organizativa estratégia de reorientação do modelo de saúde
do social. E, por assim ser, incorpora um sentido até então vigente, caracterizado pela atenção
dialético, integrando obrigação e liberdade, individual, médico-centrada e hospitalocentrico.
interesse e espontaneidade, demonstrando que Nessa estratégia, o foca da atenção é direcionado
as regras sociais são incertas e não podem ser à família de um determinado território social. o
condicionadas apenas às dimensões do mercado programa propõe, ainda, uma mudança na
ou do Estado. A natureza das relações de organização do trabalho, que deve ser construído
reciprocidade entre usuários que têm baseado em equipe, visando práticas mais
necessidades de saúde e trabalhadores que resolutivas e integrais, tomando como eixo
reconhecem essas necessidades é a da produção condutor o modelo de vigilância à saúde. Essa
de um processo onde há acolhimento do outro, mudança, concebida para a recondução da lógica
compreensão e significação de suas assistencial, deve superar as intervenções
voltadas para a cura individual, orientando, para das relações; as leveduras são as dos saberes
tanto, o uso da epidemiologia como eixo estruturados, tais como as teorias, e as duras são
estruturante das ações coletivas. Nesse contexto, as dos recursos materiais.
as ações de saúde devem ser também
Como tecnologia leve, o acolhimento direciona
direcionadas pelos princípios da humanização do
para o estabelecimento de estratégias de
cuidado.
atendimento, o qual envolve trabalhadores,
Os recursos tecnológicos são operados no espaço gestores e usuários. Com isso, as necessidades
intercessor do encontro trabalhador e usuários sentidas pelos usuários poderão ser trabalhadas
no interior dos serviços de saúde, nos quais há pelas equipes do PSF de forma a resolver suas
abertura para a produção subjetiva dos sujeitos. reais exigências de saúde.
Desse modo, a subjetividade e a dignidade
Na opinião de Teixeira10, o acolhimento deveria
humana, tanto dos usuários quanto dos
ser do tipo dialogado, como uma técnica de
trabalhadores da saúde, devem ser enfatizadas
conversa passível de ser operada por qualquer
como um direito inalienável. Neste contexto,
profissional, em qualquer momento de
todos os sujeitos podem ampliar suas ações para
atendimento, isto é, em qualquer dos encontros,
além de um trabalho técnico e hierarquizado, um
que são, enfim, os “nós” dessa imensa rede de
trabalho com interação social, com maior
conversações que são os serviços. Corroboramos
“horizontalidade e flexibilidade” dos diferentes
esta opinião, pois no acolhimento com diálogo, o
saberes, com maior possibilidade de criatividade
profissional ouve e discute com o usuário, na
dos agentes e maior integração da equipe.
tentativa de identificar suas necessidades e de
A tecnologia como elemento constituinte do saber o modo melhor de resolvê-las.
processo de trabalho em saúde foi discutida por
As relações entre usuários e trabalhadores são
Gonçalves5, ao tecer uma análise crítica ao
tidas como relações entre semelhantes, além de
pensamento contemporâneo e ao significado
valorizarem a participação e união de todos na
reduzido do termo tecnologia como sendo um
tentativa de oferecer o melhor que o serviço
conjunto de instrumentos materiais do trabalho.
dispõe. O vínculo é uma conquista, não um
Neste sentido, a tecnologia é analisada tanto
acontecimento imediato. Quanto mais
como saber como por seus desdobramentos
apropriado for o vínculo, melhor será o resultado,
materiais e não-materiais na produção dos
maior a troca de saberes entre trabalhadores da
serviços de saúde. As práticas do trabalho na
saúde e comunidade.
atenção básica devem incluir diversas tecnologias
de maneira adequada, conforme as necessidades A ideologia de que consultas médicas resolverão
de saúde, que são as ações e os serviços de saúde os problemas de saúde dos usuários baseia-se no
dos quais os sujeitos precisam para ter melhores modelo queixa-conduta, centrado na figura do
condições de vida, sem prejuízo do atendimento médico como responsável absoluto pela saúde do
que requer tecnologias materiais. usuário. Quando não consegue encaminhamento,
o usuário fica esperando. Nessa espera, muitas
Para Merhy3, as tecnologias podem ser
vezes a doença se agrava e os que dispõem de
classificadas como leve, leve-dura e dura. Todas
melhores condições ou da ajuda de familiares
tratam a tecnologia de forma abrangente,
pagam por atendimento especializado. Para
mediante análise de todo o processo produtivo,
Sousa17, o consumo elevado de tecnologia dura,
até o produto final. As tecnologias leves são as
de modo geral, pouco ou nada acrescenta ao
processo de produção da saúde das pessoas e trabalhadores, gestores, familiares, entre outros
comunidade. sujeitos que estabelecem conexão para as
construções coletivas, que suponha mudança
Os médicos tendem a subestimar o contato e o
pelos encontros entre seus componentes.
diálogo com o usuário, solicitam uma bateria de
exames de laboratório e outros complementares,
bem como consultas especializadas, que TEXTO 5: DEMANDAS DE USUÁRIOS A UM
poderiam ser resolvidos na própria unidade de SERVIÇO DE PRONTO ATENDIMENTO E SEU
saúde. E o usuário, por sua vez, tende a valorizar ACOLHIMENTO AO SISTEMA DE SAÚDE
a qualidade do seu atendimento pelos
procedimentos complexos utilizados em seu
tratamento.

Para Franco et al.20, os princípios do acolhimento


devem ser o de atender todas as pessoas que
procuram os serviços de saúde, garantindo a
acessibilidade universal. É preciso, portanto,
reorganizar o processo de trabalho a fim de que
este desloque seu eixo central do médico para
uma equipe multiprofissional, e qualificar a
relação trabalhador e usuário, a qual deve dar-se
por parâmetros humanitários de solidariedade e
cidadania.

No estabelecimento de um diálogo entre o


trabalhador da saúde e o usuário, poderemos
encontrar a solução conjunta para os problemas
de saúde, já que muitas vezes o desabafo traz a
resposta para determinada dificuldade. Ao
mesmo tempo, poderemos trabalhar com o
conhecimento popular, que faz parte da cultura
do paciente e jamais deverá ser rejeitado. Mas a
troca de conhecimentos só poderá ocorrer se o
trabalhador tiver a humildade de ouvir, aceitar e
associar o conhecimento empírico ao acadêmico.
Nesse sentido, as tecnologias das relações
supõem troca de saberes (incluindo os dos
usuários e familiares), diálogo entre os
trabalhadores e modos de trabalhar em equipe. E
aqui vale ressaltar que não estamos nos referindo
a um conjunto de pessoas reunidas em algumas
ocasiões para discutir e tentar resolver um
problema, mas à produção de uma grupalidade,
como o conjunto formado por usuários,

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