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27/07/2019 O princípio da decisão informada na mediação - ana luiza Isoldi - Medium

O princípio da decisão informada na


mediação
ana luiza Isoldi
Jul 21 · 9 min read

By Canvas

Porque somente o advogado pode prestar assessoramento jurídico?


Ana Luiza Isoldi[1]

RESUMO: este trabalho busca reflexões sobre o princípio da decisão informada na


mediação, previsto no Código de Processo Civil e na Resolução nº 125/2010, do
Conselho Nacional de Justiça. Questiona a responsabilidade do mediador, as questões
éticas e o impacto no procedimento. Conclui que somente o advogado pode prestar
assessoramento jurídico na mediação.

PALAVRAS- CHAVE: decisão informada; assessoramento jurídico; Código de Ética;


mediação.

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ABSTRACT: this work seeks reflections on the principle of informed decision in


mediation, provided for in the Code of Civil Procedure and in Resolution nº 125/2010,
of the National Council of Justice. It questions the mediator’s responsibility, the ethical
issues, and the impact on the procedure. It concludes that only the lawyer can provide
legal advice in mediation.

KEY WORDS: informed decision; legal advice; Code of ethics; mediation.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Princípio da decisão informada na mediação 2.1. Previsão


normativa. 2.2. Interpretação. 3. Considerações finais. Referências bibliográficas.

1. Introdução

Ao examinar a legislação acerca do princípio da decisão informada, surgem várias


dúvidas sobre sua interpretação.

O princípio da decisão informada é aplicável tanto à mediação judicial quanto à


extrajudicial?

Se o mediador não necessita ter formação em Direito, como pode dar plena informação
sobre?

Como consegue o mediador fornecer informação jurídica preservando o seu papel de


terceiro imparcial?

Como o mediador saberá se os mediandos conhecem dados fáticos e jurídicos


suficientes para uma autocomposição?

A quem compete prestar assessoramento jurídico?

E se mesmo informado, após assessoria jurídica, o mediando preferir abrir mão de seu
direito?

Como compatibilizar os princípios da decisão informada e da autonomia da vontade?

Busca-se com este texto provocar reflexões sobre estas e outras questões.

2. Princípio da decisão informada na mediação

2.1. Previsão normativa

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A Lei de Mediação não prevê explicitamente o princípio da decisão informada.

O Código de Processo Civil, dentre outros, prevê que a mediação é pautada pelo
princípio da decisão informada[1], deixando em aberto sua conceituação.

O Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais[2], contido na Resolução


CNJ nº 125/2010, determina o princípio da decisão informada como fundamental na
regência da atuação dos mediadores judiciais, descrevendo-o como: “dever de manter o
jurisdicionado plenamente informado quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual
está inserido” (art. 1º, inciso II).

Em complemento, foram inseridas junto ao norteador ético, as regras do procedimento


de mediação, dentre as quais, a informação, autonomia da vontade, a desvinculação da
profissão de origem e compreensão quanto à mediação (art. 2º).

A informação consiste no “dever de esclarecer os envolvidos sobre o método de trabalho a


ser empregado, apresentando-o de forma completa, clara e precisa, informando sobre os
princípios deontológicos referidos no Capítulo I, as regras de conduta e as etapas do
processo”.

A autonomia da vontade exprime o “dever de respeitar os diferentes pontos de vista dos


envolvidos, assegurando-lhes que cheguem a uma decisão voluntária e não coercitiva, com
liberdade para tomar as próprias decisões durante ou ao final do processo e de interrompê-
lo a qualquer momento”.

A desvinculação da profissão de origem, no “dever de esclarecer aos envolvidos que


atuam desvinculados de sua profissão de origem, informando que, caso seja necessária
orientação ou aconselhamento afetos a qualquer área do conhecimento poderá ser
convocado para a sessão o profissional respectivo, desde que com o consentimento de
todos”.

A compreensão quanto à mediação significa o “dever de assegurar que os envolvidos, ao


chegarem a um acordo, compreendam perfeitamente suas disposições, que devem ser
exequíveis, gerando o comprometimento com seu cumprimento”.

2.2. Interpretação

A redação dos dispositivos relacionados ao princípio da decisão informada deixa


margem a várias interpretações.

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Numa primeira leitura sobre o “dever de manter o jurisdicionado plenamente informado


quanto aos seus direitos”, poder-se-ia concluir, precipitadamente, que cabe ao mediador
informar aos mediandos quanto aos seus direitos.

Pode atuar como mediador judicial, dentre outros requisitos, profissional graduado há
pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo
Ministério da Educação (art. 11, da Lei de Mediação, e art. 167, §1º, CPC).

Assim, apenas por esta norma, já fica claro que seria no mínimo imprudente a
exigência de que o mediador proveniente de outras áreas do conhecimento que não
fosse o Direito, prestasse assessoria jurídica.

Com todo respeito, exigir que um veterinário, engenheiro ou fonoaudiólogo seja capaz
de explicar juridicamente em que consiste uma guarda compartilhada, e todos os
efeitos e implicações de um acordo desta natureza, parece extrapolar a razoabilidade.

Contudo, a interpretação da legislação deve ser sistemática, e o Estatuto da Advocacia


prevê como atividade privativa da advocacia as de “consultoria, assessoria e direção
jurídicas” (art. 1º, II, Lei nº 8.906/94), o que afasta categoricamente qualquer tipo de
assessoramento jurídico pelo mediador.

Mesmo que o mediador seja formado em Direito e atue como advogado, enquanto
mediador, e pela própria natureza e essência da mediação, não pode dar assessoria
jurídica aos mediandos, porque culminaria em sobreposição de funções e colocaria em
risco a imparcialidade, cometendo infração ética.

Poder-se-ia cogitar que o mediador apresentasse aos mediandos os dispositivos legais


pertinentes ao objeto da mediação, deixando a cargo deles extrair as informações.
Contudo, voltamos ao mesmo ponto. Com uma legislação complexa em vários níveis
normativos, jurisprudência, súmulas, decisões vinculantes e regras específicas de
interpretação, conseguiriam as partes, sem assessoria jurídica, extrair as informações
necessárias?

A advocacia é a atividade eminentemente parcial, já que do profissional exige-se a


defesa dos direitos de seu cliente, dentro dos limites e das possibilidades de
interpretação dos fatos e da lei.

É impossível exercer a parcialidade e a imparcialidade ao mesmo tempo.

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Por isso não é possível que o mediador preste assessoria jurídica aos mediandos.
Fatalmente a imparcialidade ficaria prejudicada e cometeria infração ética.

Ademais, na mediação judicial, seja processual ou pré-processual, a participação do


advogado é obrigatória, dispensada apenas nos limites dos valores previstos na
legislação sobre juizados especiais.[3]

Este foi o modo que o legislador encontrou para garantir que os mediandos possam
tomar decisões informadas, ao menos no que se refere ao Direito, evitando acordos que
violem a voluntariedade, ou que sejam nulos ou anuláveis por carecer dos requisitos
legais, já que não cabe ao mediador garantir estes requisitos.

Neste sentido, e para não pairar dúvidas, a própria Resolução CNJ nº 125/10, em
complemento ao princípio da decisão informada, determina entre as regras o dever de
o mediador informar que atua de modo desvinculado de sua profissão de origem e,
caso haja consenso, os mediandos podem convocar profissional técnico para dar
suporte.

Aliás, o princípio da decisão informada não abrange apenas as de natureza jurídica, e


pode contemplar outras informações relevantes para a tomada de decisão, a critério
dos mediandos.

Este entendimento é corroborado pela FERNANDA TARTUCE:

“Em relação ao mérito da disputa, não cabe ao terceiro imparcial atuar como assessor
técnico ou advogado, mas checar se os envolvidos conhecem dados suficientes para que as
soluções construídas consensualmente possam ser escolhidas como fruto de genuíno e
esclarecido consentimento”[4].

Por GUSTAVO MILARÉ:

“É recomendável que as partes estejam acompanhadas de seus advogados nas reuniões (ou
sessões ou audiências) de mediação, independentemente do tipo que for: judicial ou
extrajudicial.

Além de trazer mais conforto e segurança para as partes e, nessa medida, cooperar com
mencionado dever do mediador, até porque o exercício dessa função não requer formação
jurídica, tal assessoria técnica tende ainda a garantir que as partes tomem decisões
realmente informadas e, assim, que a mediação seja válida e mais produtiva”.[5]

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E pela JÉSSICA GONÇALVES e JULIANA GOURLART, que entendem que: “o princípio


tem como escopo evitar acordos abusivos e ilegais”.[6]

Cabe ao mediador judicial checar se os mediandos estão assistidos por advogados.

Não cabe ao mediador conferir se o aconselhamento do advogado ao seu cliente está


adequado em termos técnicos.

Se o mediador perceber que há algum tipo de constrangimento à voluntariedade ou


infração ética do advogado, pode buscar auxílio nas vias competentes, lembrando que à
Ordem dos Advogados do Brasil incumbe a fiscalização e o controle dos advogados.

Ainda fica uma dúvida sobre como o mediador pode identificar a qualidade ou
quantidade ideal de informações fáticas e jurídicas para satisfazer “plenamente” o
mediando e possibilitar “perfeitamente a compreensão” do acordo.

Levado ao extremo o princípio da decisão informada, seria muito difícil compreender o


limite entre a responsabilidade do mediador, dos mediandos e de seus advogados.

Então, cabe ao mediador utilizar as regras do art. 2º do Código de Ética da Resolução


CNJ nº 125/10, acima mencionadas, quais sejam:

a) a de prestar informação (“dever de esclarecer os envolvidos sobre o método de trabalho


a ser empregado, apresentando-o de forma completa, clara e precisa, informando sobre os
princípios deontológicos referidos no Capítulo I, as regras de conduta e as etapas do
processo”);

b) a de zelar pela compreensão quanto à mediação (“dever de assegurar que os envolvidos,


ao chegarem a um acordo, compreendam perfeitamente suas disposições, que devem ser
exequíveis, gerando o comprometimento com seu cumprimento”).

Em outras palavras, fornecer aos mediandos informações sobre o procedimento de


mediação e a faculdade de participar[7], bem como estimulá-los a buscar os dados
necessários para tomar decisões conforme o entendimento deles, e garantir que o
acordo reflita a livre manifestação de vontade conforme as informações que o próprio
mediando considerou importante para decidir, fomentando o protagonismo.

Em abono, MARINÉS SUARES esclarece sobre o protagonismo na mediação:

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“Ser protagonista implica considerar-se autor, agente das ações que se desenvolvem e dos
discursos e narrativas que se constroem. Além disso, implica sentir-se responsável pelas
consequências boas ou más das ações e dos discursos que realizam”. [8] (tradução nossa)

E complementa ALEXANDRE LOPES DE ABREU:

“É necessário que esse trabalho não seja tomado como um modelo paternalismo, de modo a
fazer do cidadão dependente de orientação continuada. É necessário que se habilitem as
pessoas a assumirem uma posição ativa de tomada de posição, fazer com que elas definam
os caminhos que desejem seguir, pratiquem o exercício da autonomia no seu dia a dia,
passando a serem colaborativas na construção de soluções e corresponsáveis pelos
resultados alcançados”.[9]

O protagonismo proporciona às pessoas a possibilidade de refletir sobre sua


responsabilidade no desenvolvimento do conflito, sobre a contribuição de seus atos
para o resultado e sobre as atitudes que decide tomar para resolvê-lo.

A mediação pressupõe uma conversa entre pessoas capazes. Tratar os mediandos como
vítimas que necessitam de super proteção, em vez de gerar protagonismo, os coloca em
um lugar inferior, de pessoas incapazes de cuidarem de si.

Se eventualmente não fizerem as melhores escolhas, podem aprender com esta


experiência e serem mais cuidadosos no futuro. Assim se tornarão responsáveis.

Com a voluntariedade como princípio maior, incumbe a cada mediando assumir o


protagonismo e a responsabilidade por suas decisões.

Caso o mediador perceba que os mediandos não estão com capacidade plena para
compreender os termos da autocomposição, porque a voluntariedade não está firme e
clara, basta encerrar a mediação.

Por fim, muito embora apenas a legislação pertinente à mediação judicial apresenta o
princípio da decisão informada. Dada a sua importância, é frequente que tal regra
esteja presente nos códigos de ética relacionados à mediação e que também paute a
prática da mediação extrajudicial.

3. Considerações finais

A mediação é um processo de tomada de decisão, que pode resultar numa decisão


conjunta, que corresponde ao acordo, ou numa decisão individual, quando não há
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acordo.

O princípio da decisão informada deve respaldar a autonomia da vontade.

A voluntariedade é a essência da mediação, que permite a liberdade responsável e o


exercício de escolhas.

Para não perder a imparcialidade, o mediador não deve prestar assessoramento


jurídico aos mediandos. Apenas ao advogado cabe tal função.

A voluntariedade, o protagonismo e a decisão informada são fundamentais e devem


encontrar o ponto de equilíbrio funcional, caso a caso, na mediação.

Gostou desse texto? Me incentive a escrever mais deixando suas palmas e me segundo
aqui no Medium. Adoraria comentários e sugestões de novos temas.

Quer mais? Leia também:

Colo elaborar a pergunta certa

Referências bibliográficas

ABREU, Alexandre Lopes de. O consentimento livre e esclarecido em face do sistema


multiportas de solução de conflitos: uma nova conduta ética dos profissionais do direito.
In: RODAS, João Grandino (coord., et. all). Visão Multidisciplinar das Soluções de
Conflitos no Brasil. Curitiba: Prismas, 2018.

GONÇALVES, Jéssica; GOULART, Juliana. Mediação de conflitos: teoria e prática.


Florianópolis: EModara, 2018.

MILARÉ, Gustavo. O princípio da decisão informada na mediação. Disponível em:


<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI266978,21048-
O+principio+da+decisao+informada+na+mediacao>. Acesso em 20.07.2019.

SUARES, Marinés. Mediando en sistemas familiares. Buenos Aires: Paidós, 2003.

TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 4ª ed. São Paulo: Método, 2018.

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[1] Lei nº 13.105/2015. Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos
princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da
confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.

[2] Resolução CNJ nº 125/2010, texto compilado a partir da redação dada pela
Emenda nº 01/2013 e emenda nº 02/2016.

[3] Art. 26, LM. As partes deverão ser assistidas por advogados ou defensores públicos,
ressalvadas as hipóteses previstas nas Leis nos 9.099, de 26 de setembro de 1995, e
10.259, de 12 de julho de 2001. (Juizados Especiais)

Art. 334, CPC. § 9o As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou
defensores públicos.

[4] Mediação nos conflitos civis, p. 206.

[5] O princípio da decisão informada na mediação. Acesso em 20.07.2019.

[6] Mediação de conflitos, p. 122.

[7] A obrigatoriedade prevista no art. 334, do CPC, é apenas para estar na primeira
reunião da mediação, conhecer suas características e, com esta informação, escolher ou
não participar do procedimento, preservando-se a voluntariedade.

[8] Mediando em sistemas familiares, p. 31.

[9] Visão multidisciplinar das soluções de conflitos no Brasil, p. 447.

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