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Anthony Hoekema
Além disso, a Bíblia não usa uma linguagem científica exata. Ela usa
termos como alma, espírito e coração mais ou menos indistintamente. Isto
é por causa
das partes do corpo que são tidas, não primariamente do ponto de vista de
suas diferenças ou de suas inter-relações com outras partes, mas como
significando ou enfatizando os diferentes aspectos do homem total em
relação a Deus. Do ponto de vista da psicologia analítica e da fisiologia, o
uso do Antigo Testamento é caótico: ele é o pesadelo do anatomista
quando qualquer parte pode ser entendida como sendo a totalidade. [2]
[a Bíblia] não nos fornece uma psicologia popular ou científica mais do que
ela nos proporciona uma narrativa [schets] da história, geografia,
astronomia ou agricultura...Mesmo se alguém desejasse tentar, seria
impossível retirar da Bíblia uma psicologia que pudesse satisfazer as
nossas necessidades. Porque não somente seria impossível ter uma
narrativa completa de todos os vários dados, mas também as palavras que
a Bíblia usa, tais como espírito, alma, coração e mente, foram emprestadas
da linguagem popular dos judeus daqueles dias, ordinariamente
possuindo um conteúdo diferente daquele que associamos com esses
termos, e nem sempre usados no mesmo sentido. As Escrituras nunca
usam conceitos abstratos e filosóficos, mas sempre falam a rica linguagem
do dia a dia. [4]
TRICOTOMIA OU DICOTOMIA?
Vez por outra, entretanto, tem sido sugerido que o homem deveria ser
entendido como consistindo de certas “partes” especificamente distintas.
Um desses entendimentos é usualmente conhecido como tricotomia — a
idéia que, segundo a Bíblia, o homem consiste de corpo, alma e espírito.
Um dos proponentes mais antigos da tricotomia, como vimos, é Irineu, que
ensinava que enquanto os incrédulos possuiam somente almas e corpos,
os crentes adquiriam espíritos adicionais, que eram criados pelo Espírito
Santo. [7] Um outro teólogo que usualmente está associado com a
tricotomia é Apolinário de Laodicéa, que viveu de 310 a aproximadamente
390 AD. A maioria dos intérpretes atribuem a ele a idéia de que o homem
consiste de corpo, alma e espírito ou mente (pneuma ou nous), e que o
Logos ou a natureza divina de Cristo tomou o lugar do espírito humano na
natureza humana que Cristo assumiu. [8] Berkouwer, contudo, assinala
que Apolinário desenvolveu primeiro a sua cristologia errônea em um
contexto de dicotomia. [9] Mas J. N. D. Kelly diz que é uma questão de
importância secundária se Apolinário era um dicotomista ou tricotomista.
[10]
Primeiro, ela deve ser rejeitada porque ela parece fazer violência à unidade
do homem. A palavra em si mesma sugere que o homem pode ser separado
em três “partes”: a palavra tricotomia é formada de duas palavras gregas,
tricha, “tríplice” e temnein, “cortar. Alguns tricotomistas, incluindo Irineu,
até sugeriram que certas pessoas tinham os seus espíritos cortados,
enquanto que outras não.
Devemos rejeitar também a tricotomia porque ela faz uma aguda distinção
entre o espírito e a alma que não encontra suporte algum nas Escrituras.
Podemos ver isto mais claramente quando observamos que as palavras
hebraica e grega traduzidas como alma e espírito são freqüentemente
usadas indistintamente nas Escrituras.
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2. A dor é atribuída tanto à alma como ao espírito: “Levantou-se Ana e,
com amargura de espírito, orou ao Senhor, e chorou abundantemente” (1
Sm 1.10); “Porque o Senhor te chamou como a mulher desamparada e de
espírito abatido; como a mulher da mocidade, que fora repudiada, diz o
teu Deus” (Is 54.6); “Agora está angustiada a minha alma” (Jo 12.27);
“Ditas estas cousas, angustiou-se Jesus em espírito” (Jo 13.21);
“Enquanto Paulo os esperava em Atenas, o seu espírito se revoltava, em
face da idolatria dominante na cidade” (At 17.16); “(Porque este justo [Ló],
pelo que via e ouvia quando habitava entre eles, atormentava a sua alma
justa, cada dia, por causa das obras iníquas daqueles)” (1 Pe 2.8).
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exemplo, crê que “a representação dominante da natureza do homem na
Escritura é claramente dicotômica”. [21]
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Todos esses três termos examinados do Antigo Testamento, portanto,
descrevem o homem em sua unidade e totalidade, embora olhando-o de
aspectos ligeiramente diferentes. H. Wheeler Robinson comenta: “Não é
possível fazer uma diferenciação exata das províncias cobertas pelo
‘coração’, nephesh e ruach, pela simples razão de que tal diferenciação
exata nunca foi feita.” [32]
Basar pode algumas vezes denotar a pessoa total, não apenas o aspecto
físico. [36] Mas ela pode também ser juntada com nephesh em maneiras
que referem ao homem total. Clarence B. Bass, comentando as palavras do
Antigo Testamento para “corpo”, afirma:
Corpo e alma são usados quase que indistintamente, sendo que a alma
indica o homem como um ser vivo, e corpo (carne) denota-o como uma
criatura corporalmente visível...Esta unidade de corpo e alma [tem]
conduzido alguns escritores a concluir que o Antigo Testamento carece de
uma idéia do corpo físico como uma entidade discreta...Mais
propriamente, contudo, o Antigo Testamento vê o corpo e a alma como
coordenadas que se interpenetram em funções para formar um todo
simples. [37]
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contudo, sugere uma distinção entre elas: “O espírito é freqüentemente
usado a respeito de Deus; a alma nunca é usada dessa forma. Isto sugere
que pneuma representa o homem em seu lado voltado para Deus,
enquanto que psyche representa o homem em seu lado humano.” [48] Em
geral, eu concordo com isto, mas há duas exceções. Por exemplo, a psyche
é descrita algumas vezes como louvando e magnificando o Senhor (Lc
1.46), e Tiago nos diz a respeito da palavra em nós implantada que é capaz
de salvar as nossas almas (psychas, Tg 1.21). Pneuma, está claro, pode ser
usado como designativo da pessoa total; como psyche, ele descreve um
aspecto do homem em sua totalidade.
Em uma seção de sua Dogmatics na qual ele trata com “o homem como
alma e corpo”, Karl Barth, falando do coração no Novo e no Antigo
Testamentos, diz:
UNIDADE PSICOSOMÁTICA
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O ESTADO INTERMEDIÁRIO
Mas isto não responde à nossa pergunta sobre o que acontece ao ser
humano entre a morte e a ressurreição. Quando a Dooyeweerd foi
perguntado: Que espécie de funções podem ainda ser deixadas para a
“alma” (anima rationalis separata, alma racional separada) quando ela
separada de sua conjunção temporal com as funções pre-psíquicas [70]
(i.e., pós a morte), sua resposta foi: “Nada” (niets!). [71] Em sua resposta,
contudo, Dooyeweerd
Entretanto, se o viver na carne traz fruto para o meu trabalho, já não sei o
que hei de escolher. Ora, de um e de outro lado estou constrangido, tendo
o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor.
(Fp 1.22-23)
Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma” (Mt 10.28).
Quando ele abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas daqueles que
tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do
testemunho que sustentavam (Ap 6.9).
Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos
injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado
no espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais
noutro tempo foram desobedientes quando a longanimidade de Deus
aguardava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca, na qual poucos,
a saber, oito pessoas, foram salvos, através da água. (1 Pe 3.18-20)
Assim, às vezes, o Novo Testamento diz que nós que somos crentes,
continuaremos a existir num estado provisório de alegria entre a morte e a
ressurreição, enquanto que em outras vezes ele diz que as “almas” ou
“espíritos” dos crentes ainda existirão durante aquele estado. Mas a Bíblia
não usa palavras como “alma” e “espírito” no mesmo modo que nós o
fazemos; dessa forma, estas passagens estão pretendendo tão somente nos
dizer que os seres humanos continuarão a existir entre a morte e a
ressurreição, enquanto esperam a ressurreição do corpo. A Bíblia não nos
dá qualquer descrição antropológica da vida nesse estado intermediário.
Podemos especular a respeito dela, podemos tentar imaginar a que esse
estado será, mas não podemos formar nenhuma idéia clara da vida entre a
morte e a ressurreição. A Bíblia ensina sobre ela, mas não a descreve.
Como Berkouwer diz, o que o Novo Testamento nos conta a respeito do
estado intermediário não é nada mais do que um sussurro. [75]
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
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Doença”) Norman Cousins faz um comentário de que um dos aspectos
mais importantes na recuperação de uma doença está na “vontade de
viver”: “A vontade de viver não é uma abstração teórica, mas uma
realidade fisiológica com características terapêuticas.” [81] Cousins relata
que centenas de médicos lhe têm dito que “nenhum remédio que eles
podem dar aos pacientes foi tão potente como o estado de alma que um
paciente traz para sua própria doença.” [82] Segundo Cousins, nos
exercícios de graduação da Escola de Medicina da Universidade John
Hopkins em 1975, o Dr. Jerome D. Frank disse aos graduandos “que
qualquer tratamento de uma doença que não ministre também ao espírito
humano é grosseiramente deficiente.” [83] A Conclusão é clara: A cura e a
manutenção da saúde física envolve a pessoa total. Médicos, enfermeiras,
pastores e pacientes devem sempre ter isto em mente. [84]
citação dos versos da Bíblia pode ser tudo o de que necessita para ajudar o
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membro da igreja a resolver um difícil problema espiritual. Mas um
entendimento do homem como uma pessoa total conduz-nos a perceber
que tal abordagem pode ser totalmente inadequada. David G. Benner, num
artigo no qual ele desafia a opinião comum de que a personalidade
humana pode ser dividida em duas partes, uma “parte” espiritual e uma
psicológica, ilustra seu ponto da seguinte maneira:
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NOTAS:
[1] G. C. Berkouwer, De Mens het Beeld Gods (Kampen: Kok, 1957), p. 211.
Cf. Ray S. Anderson, On Being Human (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), p.
213.
[2] John A. T. Robinson, The Body (London: SCM Press, 1952), p. 16.
[14] Theology of the Old Testament, edit. G. E. Day (1873; Grand Rapids:
Zondervan), 149-51.
[17] Wilfred Brockelman, Gothard, The Man and his Ministry: An Evaluation
(Santa Barbara: Quill Publications, 1976), 85-96.
[18] The Scofield Reference Bible (New York: Oxford University Press, 1909),
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no texto de 1 Ts 5.23; The New Scofield Reference Bible (New York: Oxford
University Press, 1967) no texto de 1 Ts 5.23.
[22] Cf o meu livro A Bíblia e o Futuro, (pp 86-87 edição em inglês). Sobre
este ponto ver também Berkouwer, Man, 212-22.
[29] F. H. Von Meyenfeldt, Het Hart (Leb, Lebab) in het Oude Testament
(Leiden: E. J. Brill, 1950), 218-19.
[32] The Christian Doctrine of Man (Edinburgh: T. & T. Clark, 1911), 26.
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Eerdmans, 1977), p. 325.
[35] Anthropologie des Alten Testaments (Munich: Chr. Kaiser, 1973), 55.
[53] Ibid.
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[55] Em acréscimo aos estudos da visão bíblica sobre a pessoa total referida
acima, podemos enumerar os seguintes: G. C. Berkouwer, “The Whole
Man”, em Man, 194-233; C. A. Van Peursen, Body, Soul, Spirit: A Survey of
the Body-Mind Problem, (London: Oxford University Press, 1966); H.
Ridderbos, Paul: Na Outline of His Theology (Grand Rapids: Eerdmans,
1975), 64-68, 114-26; Rudolf Bultmann, Theology of the New Testament,
vol. 1 (New York: Scribner, 1951), 190-227; Werner G. Kümmel, Man in the
New Testament (London: Epworth, 1963); Robert Jewett, Paul’s
Anthropological Terms (Leiden: E. J. Brill, 1971).
[56] John Cooper, “Dualism and the Biblical View of Human Beings”,
Reformed Journal 32, no. 9 e 10 (Setembro e Outubro de 1982).
[58] On Being Human, 209. Ver também Robert H. Gundry, Soma in Biblical
theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1976), 83. Gundry
prefere “dualidade” ao invés de “dualismo” como sendo ensinado em
ambos os Testamentos, particularmente nos escritos de Paulo.
[59] Este termo também é usado por John Murray, “Thrichotomy”, em sua
obra Collected Writings of John Murray, vol. 2 (Edinburgh: Banner of Truth
Trust, 1977), 33 (“o homem é um ‘ser psico-somático”); e por G. W.
Bromiley, “Anthropology”, ISBE, 1:134 (“o homem tem um lado físico e um
lado espiritual...ambos pertencem conjuntamente a uma unidade psico-
somática”); ver também Henry Stob, Ethical Reflections (Grand Rapids:
Eerdmans, 1978), 226.
[61] Ibid., 83. Mais nesse livro (p. 101) MacKay descreve a vida futura do
cristão dum modo no qual ele parece deixar lugar somente para a
ressurreição do corpo e não para uma existência continuada do crente no
estado intermediária (ver abaixo, p. 218-22). Se esta é a posição de
MacKay, eu não concordaria com ele. Podemos ainda, contudo, aceitar as
afirmações feitas nas citações acima como descrições corretas da unidade
da mente com o cérebro durante esta presente vida.
[62] Ver esse assunto no meu livro A Bíblia e o Futuro, capítulos 17 e 20.
[63] Ver meu trabalho The Four Major Cults (Grand Rapids: Eerdmans,
1963), 345-71.
[64] Para uma interpretação diferente da “casa eterna no céu”, ver A Bíblia
e o Futuro, pp. 104-6 (em inglês).
[65] Ver Calvino, Tracts and Treatises of the Reformed Faith, ,vol. 3, (Grand
Rapids: Eerdmans, 1958), 413-90.
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[67] Die Letzten Dinge, (1922: Gütersloh: bertelsmann, 1957).
[75] De Wederkomst van Christus, vol. 1 (Kampen: Kok, 1961), 79. Sobre o
estado intermediário, ver adicionalmente Berkouwer, The Return of Christ,
(Grand Rapids: Eerdmans, 1972), 32-64; e A Bíblia e o Futuro, 92-108
(texto inglês)
[80] Ibid.
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[84] Entre a literatura volumosa sobre a medicina holística, os seguintes
estudos podem ser observados: David Allen, Whole Person Medicine
(Downers Grove: InterVarsity Press, 1980); Ed Gaedwag, Inner Balance:
The Power of Holistic Healing (Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1979);
Jack La Patra, Healing: The Coming Revolution in Holistic Medicine (New
York: McGraw, 1978); Morton Walker, Total Health: The Holistic Alternative
to Traditional Medicine (New York: Everest House, 1979).
[87] Karl Menninger The Vital Balance (New York: Viking Press, 1963), 335.
[89] “What God Hath Joined: The Psychospiritual Unity of Personality”, The
Bulletin: Christian Association for Psychological Studies 5, no. 2 (1979): 11.
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