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FACULDADE DE MEDICINA DE LISBOA

Mestrado Integrado em Medicina


2008/2009

2º ANO – MÓDULO IV.I

BIOPATOLOGIA

VITOR MARTINS

Baseado em:
 Kumar V., Abbas A. K., Fausto N., “Robbins Patologia Básica”, Saunders, Tradução da 8ª Edição
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

Índice

Índice 1
Capítulo I: Lesão celular, morte celular e adaptações 8
Introdução à patologia 8
Visão geral das respostas celulares ao stress e aos estímulos nocivos 8
Adaptações celulares ao stress 10
Hipertrofia 10
Relações entre células miocárdicas normais, adaptadas, lesadas de modo
Reversível e mortas 10
Hiperplasia 11
Atrofia 11
Metaplasia 12
Visão geral da lesão celular e morte celular 13
Causas da lesão celular 14
Morfologia da lesão celular e da lesão tecidual 14
Lesão reversível 15
Necrose 16
Respostas subcelulares à lesão 18
Mecanismos da lesão celular 19
Depleção de ATP 19
Danos na mitocôndria 20
Influxo de cálcio 21
Acumulação de radicais livres derivados do oxigénio 21
Defeitos na permeabilidade da membrana 23
Danos no DNA e nas proteínas 23
Exemplos de lesão celular e necrose 24
Lesão isquémica e hipóxica 24
Lesão de isquémia-reperfusão 24
Lesão química 24
Apoptose 25
Causas da apoptose 25
Mecanismos da apoptose 26
Acumulação intracelular de substâncias 29
Vitor Martins FMUL/UMa 1
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Degeneração gordurosa 29
Colesterol e ésteres de colesterol 30
Proteínas 30
Glicogénio 30
Pigmentos 31
Calcificação patológica 32
Calcificação distrófica 32
Calcificação metastática 32
Envelhecimento celular 33
Capítulo II: Inflamação aguda e crónica 34
Visão geral da inflamação 34
Inflamação aguda 35
Alterações vasculares 35
Alterações no fluxo e calibre vasculares 35
Alterações da permeabilidade vascular 35
Resposta dos vasos linfáticos 37
Eventos celulares: recrutamento e activação dos leucócitos 38
Recrutamento dos leucócitos 38
Activação dos leucócitos 41
Lesão tecidual induzida por leucócitos 43
Resolução da inflamação aguda 44
Padrões morfológicos da inflamação aguda 46
Mediadores químicos da inflamação 47
Inflamação crónica 48
Células e mediadores da inflamação crónica 48
Inflamação granulomatosa 50
Efeitos sistémicos da inflamação 50
Capítulo III: Reparo tecidual: regeneração, cicatrização e fibrose 51
O controlo da proliferação celular 51
Ciclo celular 51
Capacidade proliferativa dos tecidos 52
Células-tronco 52
A natureza e os mecanismos de acção dos factores de crescimento 53
Mecanismos de sinalização dos receptores dos factores de crescimento 53
Matriz extracelular e interacções entre a célula e a matriz 54
Vitor Martins FMUL/UMa 2
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Papéis da matriz extracelular 55


Componentes da matriz extracelular 55
Célula e regeneração tecidual 55
Reparo por tecido conjuntivo 56
Angiogénese 56
Factores de crescimento envolvidos na angiogénese 57
Migração de fibroblastos e deposição da MEC 58
Factores de crescimento envolvidos na deposição da MEC
e a formação de cicatriz 58
MEC e remodelação tecidual 59
Cicatrização da ferida cutânea 59
Aspectos patológicos do reparo 59
Capítulo IV: Desordens hemodinâmicas, trombose e choque 61
Edema 61
Hiperemia e congestão 63
Hemorragia 64
Hemostasia e trombose 65
Hemostasia normal 65
Endotélio 66
Plaquetas 68
Cascata da coagulação 69
Trombose 70
Lesão endotelial 70
Alterações do fluxo sanguíneo 70
Hipercoagulabilidade 70
Morfologia 71
Destino do trombo 72
Embolia 73
Tromboembolia pulmonar 73
Tromboembolia sistémica 73
Embolia gordurosa 74
Embolia gasosa 74
Embolia de líquido amniótico 74
Enfarto 74
Choque 75
Vitor Martins FMUL/UMa 3
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Capítulo V: Doenças do sistema imunológico 77


Doenças de hipersensibilidade: mecanismos da lesão mediada pelo SI 77
Causas das doenças de hipersensibilidade 77
Hipersensibilidade imediata 77
Sequência de eventos nas reacções de hipersensibilidade imediata 78
Manifestações clínicas e patológicas 79
Hipersensibilidade mediada por anticorpos 79
Hipersensibilidade mediada por complexos imunes 80
Hipersensibilidade mediada pelas células T 81
Rejeição de transplantes 83
Reconhecimento imunológico dos alotransplantes 83
Mecanismos efectores da rejeição dos transplantes 84
Rejeição mediada pelas células T 84
Rejeição mediada por anticorpos 84
Métodos para melhorar a sobrevivência do órgão transplantado 85
Transplante de células hematopoiéticas 85
Doenças auto-imunes 86
Tolerância imunológica 86
Mecanismos da auto-imunidade 87
Doenças auto-imunes 88
Capítulo VI: neoplasia 89
Nomenclatura 89
Tumores benignos 89
Tumores malignos 90
Características dos neoplasmas benignos e malignos 92
Diferenciação e anaplasia 92
Taxas de crescimento 93
Invasão local 93
Metástase 94
Epidemiologia 95
Carcinogénese: as bases moleculares do cancro 95
Auto-suficiência nos sinais de crescimento 96
Insensibilidade aos sinais inibidores do crescimento 97
Gene RB e o ciclo celular 98
Gene p53: guardião do genoma 98
Vitor Martins FMUL/UMa 4
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Via do factor de crescimento transformante-β 99


Via da β-catenina da polipose adenomatosa do cólon 99
Evasão da apoptose 100
Potencial replicativo ilimitado 100
Desenvolvimento da angiogénese sustentada 100
Capacidade para invadir e metastatizar 101
Instabilidade genómica – capacitação para malignidade 102
MicroRNAs e cancro 103
Alterações cariotípicas nos tumores 103
Etilogia do cancro: agentes carcinogénicos 104
Carcinogénios químicos 104
Carcinogénese por radiação 104
Oncogénese viral e microbiana 105
Vírus oncogénicos de RNA 105
Vírus oncogénicos de DNA 105
Helicobacter pylori 106
Defeitos do hospedeiro contra tumores: imunidade tumoral 107
Antigénios tumorais 107
Mecanismos efectores antitumorais 108
Vigilância imune 109
Aspectos clínicos da neoplasia 109
Efeitos do tumor no hospedeiro 110
Diagnósticos laboratorial do cancro 110
Capítulo VIII: Doenças ambientais 112
Mecanismos gerais de toxicidade 112
Poluição ambiental 113
Poluição atmosférica 113
Metais como poluentes ambientais 114
Exposições industriais e na agricultura 115
Efeitos do tabaco 115
Efeitos do álcool 116
Lesões por drogas terapêuticas e drogas de abuso 116
Lesão por drogas terapêuticas 116
Lesões por agentes tóxicos não-terapêuticos 118
Lesão por agentes físicos 118
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Trauma mecânico 118


Lesão térmica 118
Queimaduras térmicas 118
Hipertermia 119
Hipotermia 119
Lesão eléctrica 120
Lesão produzida por radiação ionizante 120
Capítulo X: vasos sanguíneos 121
Vasos normais 121
Anomalias congénitas 123
Células da parede vascular e sua resposta à lesão 123
Células endoteliais 123
Células musculares lisas dos vasos 123
Espessamento da íntima: uma resposta estereotipada à lesão vascular 124
Arterioesclerose 124
Aterosclerose 125
Epidemiologia 125
Patogenia 126
Lesão endotelial 127
Proliferação de músculos liso 127
Morfologia 128
História natural da aterosclerose 129
Prevenção da doença vascular aterosclerótica 129
Doença vascular hipertensiva 130
Regulação pa pressão sanguínea 131
Patogenia da hipertensão 131
Patologia vascular da hipertensão 132
Aneurismas e dissecções 133
Aneurisma aórtico abdominal 134
Patogenia 134
Morfologia 134
Curso clínico 135
Aneurisma sifilítico 135
Dissecção aórtica 136
Patogenia 136
Vitor Martins FMUL/UMa 6
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

Morfologia 137
Curso clínico 137
Vasculite 138
Vasculite não-infecciosa 138
Vasculite associada a complexo imune 138
Anticorpos anticitoplasma de neutrófilos 138
Anticorpos anticélulas endoteliais 139
Classificação e características de vasculites imunomediadas seleccionadas 140
Vasculite infecciosa 141
Fenómeno de Raynaud 141
Veias e linfáticos 141
Veias varicosas 141
Tromboflebite e flebotrombose 142
Síndromes das veias cavas superior e inferior 142
Linfangite e linfedema 143
Tumores 143
Classificação dos tumores vasculares e condições tumoriformes 144
Patologia das intervenções vasculares 145

Vitor Martins FMUL/UMa 7


Robbins, Patologia Básica 2008/2009

Capítulo 1
Lesão Celular, Morte Celular e Adaptações

Introdução à Patologia
 Patologia – estudo do sofrimento. Abrange a ciência básica e a prática clínica e envolve a
etiologia e patogenia das doenças, que resultam em sinais e sintomas presentes no paciente;

 Os patologistas usam várias técnicas moleculares, microbiológicas e imunológicas para a


compreensão das alterações bioquímicas, estruturais e funcionais que ocorrem nas células, nos
tecidos e nos órgãos;
- Para dar o diagnóstico e orientar a terapia, identificam alterações na aparência macro ou
microscópica (morfologia) das células e dos tecidos e as alterações bioquímicas nos fluidos
corporais.

Visão geral das respostas celulares ao Stress e aos estímulos nocivos


 As células tendem a manter o seu meio intracelular dentro de uma faixa razoavelmente estreita
dos parâmetros fisiológicos, isto é, elas mantêm a homeostase normal;
 As células ajustam constantemente a sua estrutura e função para se adaptarem à ocorrência de
alterações e de stress extracelular;
- Quando encontram um stress fisiológico ou um estímulo patológico, podem sofrer adaptação,
alcançando um novo estado constante, sendo as principais respostas adaptativas hipertrofia,
hiperplasia, atrofia e metaplasia;
- Se a capacidade adaptativa é excedida ou o stress externo é inerentemente nocivo, desenvolve-
se lesão celular (Fig. 1);
 Lesão reversível – as células retornam a um estado basal estável;
 Lesão irreversível – stress grave ou persistente leva à morte das células afectadas;

- A morte celular é um dos eventos cruciais na evolução da doença, assim como, um processo
essencial e normal na embriogénese, no desenvolvimento dos órgãos e na manutenção da
homeostase;

Vitor Martins FMUL/UMa 8


Robbins, Patologia Básica 2008/2009

 O stress extracelular e a lesão celular não afectam apenas a morfologia, mas também o estado
funcional das células e dos tecidos;
Ex.: Miócitos lesados de modo reversível não estão mortos e podem assemelhar-se aos
miócitos morfologicamente normais. Entretanto, eles estão transitoriamente não-contráteis,
podendo levar a um impacto clínico letal.

 Qualquer stress extracelular que provoque adaptação ou cause lesão reversível ou irreversível
nas células e tecidos, vai depender não apenas da natureza e gravidade do stress, mas
também de várias outras variáveis que incluem o metabolismo celular, o suprimento
sanguíneo e o estado nutricional.

Fig. 1

Vitor Martins FMUL/UMa 9


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Adaptações celulares ao stress


 As adaptações são alterações reversíveis em número, tamanho, fenótipo, actividade
metabólica ou das funções celulares, em resposta às alterações no seu ambiente;
- Adaptações fisiológicas – representam respostas celulares à estimulação normal pelas
hormonas ou mediadores químicos endógenos (ex.: aumento do útero durante a gravidez);
- Adaptações patológicas – são respostas ao stress que permitem às células modular a sua
estrutura e função escapando, assim, à lesão.

Hipertrofia
 Hipertrofia – é um aumento do tamanho das células que resulta num aumento do tamanho do
órgão;
- Não existem células novas, apenas células maiores, aumentadas devido a um aumento da
quantidade de proteínas estruturais e de organelos;

 Pode ser fisiológica ou patológica e é causada pelo aumento da demanda funcional ou por
estimulação hormonal específica;
 A hipertrofia e a hiperplasia podem ocorrer juntas, resultando num órgão aumentado
(hipertrófico);
Ex.: Durante a gravidez, o aumento fisiológico maciço do útero ocorre como consequência da
hipertrofia e hiperplasia do músculo liso estimulado pelo estrogénio.

Relações entre células miocárdicas normais, adaptadas, lesadas de modo reversível e


mortas
 O miocárdio submetido a uma carga elevada e persistente, como a hipertensão ou com estenose
de uma valva, adapta-se sofrendo uma hipertrofia para gerar uma força contrátil maior;
 Se o aumento da demanda não for atenuado ou se o miocárdio for submetido a um fluxo
sanguíneo reduzido (isquémia), em virtude de uma oclusão da artéria coronária, as células
musculares irão sofrer lesão;
 O miocárdio pode ser lesado de modo reversível, se o stress for leve ou se a oclusão arterial
foi incompleta ou suficientemente breve, ou de modo irreversível (enfarte) após oclusão
completa e prolongada.

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Hiperplasia
 Hiperplasia – resposta adaptativa em células capazes de replicação;
 Pode ser fisiológica ou patológica;
- Os dois tipos de hiperplasia fisiológica são:
 Hiperplasia hormonal, por exemplo, proliferação do epitélio glandular da mama
feminina na puberdade e durante a gravidez;
 Hiperplasia compensatória, ocorre quando uma porção de um tecido é removido ou
lesado (ex.: Remoção parcial do fígado);

- A maioria das formas de hiperplasia patogénica é causada por estimulação hormonal


excessiva ou por factores de crescimento (ex.: Período menstrual anormal);

 A hiperplasia é também uma resposta importante das células do tecido conjuntivo na


cicatrização de feridas, nas quais os fibroblastos e os vasos sanguíneos que proliferam
auxiliam o reparo, onde os factores de crescimento são produzidos pelos leucócitos;
 A estimulação pelos factores de crescimento está envolvida também na hiperplasia
associadas a certas infecções virais (ex.: Papilomavírus causam verrugas na pele e lesões mucosas
compostas de massas de epitélio hiperplásico);
- Em qualquer uma destas situações, o processo hiperplásico permanece controlado;
 A hiperplasia patológica é um solo fértil no qual a proliferação cancerosa pode surgir mais tarde.

Atrofia
 Atrofia – diminuição do tamanho da célula pela perda de substância celular;
 Embora as células atróficas tenham a sua função diminuída, elas não estão mortas;
 As causas da atrofia incluem a diminuição da carga de trabalho (ex.: imobilização de um
membro para permitir o reparo de uma fractura), a perda da inervação, a diminuição do
suprimento sanguíneo, a nutrição inadequada, a perda da estimulação endócrina e o
envelhecimento (atrofia senil);
- Embora alguns desses estímulos sejam fisiológicos (ex.: perda da estimulação hormonal na
menopausa) e outros patológicos (ex.: desnervação), as alterações celulares fundamentais são
idênticas. Representam uma retracção da célula para um tamanho menor no qual a sobrevivência
é ainda possível;
- Um novo equilíbrio é adquirido entre o tamanho da célula e a diminuição do suprimento
sanguíneo, da nutrição ou da estimulação trófica;
Vitor Martins FMUL/UMa 11
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

 A atrofia resulta da:


- Síntese proteica diminuída (redução da actividade metabólica);
- Degradação proteica aumentada nas células (ocorre pela via ubiquitina-proteossoma);
 Acredita-se que esta via seja responsável também pela proteólise acelerada observada em
várias condições catabólicas, incluindo a caquexia do cancro;
 Em muitas situações, a atrofia é acompanhada também do aumento da autofagia (processo no
qual a célula privada de nutrientes digere os seus próprios componentes no intuito de encontrar
nutrição e sobreviver).

Metaplasia
 Metaplasia – é uma alteração reversível na qual um tipo celular adulto (epitelial ou
mesenquimal) é substituído por outro tipo celular adulto;
 Nesse tipo de adaptação celular, as células sensíveis a um determinado stress são substituídas
por outros tipos celulares mais capazes de suportar o ambiente hostil;
 Acredita-se que a metaplasia surja por uma “reprogramação” genética de células-tronco e
não da transdiferenciação de células já diferenciadas;
 Exemplo de metaplasia epitelial: epitélio respiratório em fumadores;
- Mudança de um epitélio pseudo-estratificado cilíndrico ciliado para um epitélio pavimentoso
estratificado, mais resistente;
- Deficiência de vitamina A pode induzir também a metaplasia escamosa;
- Embora o epitélio escamoso metaplásico possua vantagens de sobrevivência, os importantes
mecanismos de protecção são perdidos, tais como a secreção de muco e a remoção pelos cílios,
de materiais particulados;
- As influências que induzem a transformação metaplásica, se persistirem, podem predispor a
transformação maligna do epitélio .

Vitor Martins FMUL/UMa 12


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RESUMO – Adaptações celulares ao Stress


 Aumento da célula e do órgão, sempre em resposta à elevação da carga de
trabalho;
Hipertrofia
 Induzida por stress mecânico ou por factores de crescimento;
 Ocorre em tecidos incapazes de divisão celular.
 Aumento do número de células em resposta a hormonas e outros factores
Hiperplasia de crescimento;
 Ocorre em tecidos cujas células são capazes de se dividir.
 Diminuição da célula e do órgão, como resultado da diminuição do
suprimento nutritivo ou por desuso;
Atrofia
 Associada a diminuição de síntese e a aumento da quebra proteolítica dos
organelos celulares.
 Alteração do fenótipo em células diferenciadas, sempre em resposta a
irritação crónica que torna as células mais capazes de suportar o stress;
 Em geral, induzida por via de diferenciação alterada das células-tronco nos
Metaplasia
tecidos;
 Pode resultar em redução das funções ou tendência aumentada para
transformação maligna.

Visão geral da lesão celular e da morte celular


 Lesão celular reversível – nos estádios iniciais ou nas
formas leves de lesão, as alterações morfológicas e
funcionais são reversíveis, se o estímulo for removido;
- Embora existam anomalias estruturais e funcionais
graves, não há a progressão característica lesão para
dano significativo à membrana e dissolução nuclear;

 Morte celular – com a continuação do dano, a lesão


torna-se irreversível, neste período, a célula não
recupera e morre;
- Há dois tipos de morte celular: necrose e apoptose
(Fig. 2).
Fig. 2

Vitor Martins FMUL/UMa 13


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Característica Necrose Apoptose


Tamanho da célula Aumentado (tumefacção) Reduzido (retracção)
Núcleo Picnose  cariorrexe  cariólise Fragmentação em fragmentos do
tamanho de nucleossomas
Membrana plasmática Rompida Intacta; estrutura alterada,
especialmente a orientação dos
lípidos
Conteúdos celulares Digestão enzimática; extravasam Intactos; podem ser libertados
da célula nos corpos apoptóticos
Inflamação adjacente Frequente Não
Papel fisiológico ou Invariavelmente patológica Sempre fisiológica, eliminação de
patológico (finalização da lesão celular células não desejadas; pode ser
irreversível) patológica após algumas formas
de lesão celular, sobretudo lesão
de DNA

Causas da lesão celular


 Privação de oxigénio: a isquémia é a causa mais comum de hipóxia. A deficiência de oxigénio
também pode resultar da oxigenação inadequada do sangue (ex.: pneumonia) ou da redução da
capacidade do sangue em transportar oxigénio (ex.: anemia, envenenamento por CO);
 Agentes químicos;
 Agentes infecciosos;
 Reacções imunológicas: doenças auto-imunes e reacções alérgicas;
 Defeitos genéticos;
 Desequilíbrios nutricionais: as deficiências nutricionais permanecem como a maior causa de
lesão celular;
 Agentes físicos;
 Envelhecimento.

Morfologia da lesão celular e da lesão tecidual


 A função celular pode ser perdida antes de ocorrer a
morte celular e as alterações morfológicas na lesão
(ou morte) celular surgem mais tarde que ambas;
 Os desarranjos celulares da lesão reversível podem
ser reparados e, se o estímulo nocivo cessa, a célula
retorna à sua normalidade;
 Entretanto, a lesão persistente ou excessiva faz com
que as células passem do nebuloso “ponto de não-
retorno” para a lesão irreversível e morte celular; Fig. 3
Vitor Martins FMUL/UMa 14
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

 Existem dois fenómenos que caracterizam de forma consistente a irreversibilidade: a


incapacidade de reverter a disfunção mitocondrial (perda da fosforilação oxidativa e
geração de ATP) mesmo depois da resolução da lesão original e os profundos distúrbios na
função da membrana.

Lesão reversível
 As duas principais características morfológicas da lesão celular reversível são:
- Tumefacção celular – é resultado da falência das bombas de iões na membrana
plasmática, dependentes de energia, levando a uma incapacidade de manter a homeostase
iónica e de fluido;
 É a primeira manifestação de quase todas as formas de lesão celular;
 Quando afecta muitas células de um órgão, causa alguma palidez e aumento do turgor e
do peso do órgão;
 Em microscopia pode revelar vacúolos pequenos e claros no citoplasma (segmentos
distendidos e separados do RE). Não é letal e designa-se por alteração hidrópica ou
degeneração vacuolar;

- Degeneração gordurosa – ocorre na lesão hipóxica e em várias formas de lesão metabólica


ou tóxica e manifesta-se pelo surgimento de vacúolos lipídicos, grandes ou pequenos, no
citoplasma;
 Esta ocorre sobretudo em células envolvidas e dependentes do metabolismo de gordura
(ex.: hepatócitos e miócitos);
 As células lesadas podem exibir uma coloração eosinofílica que se torna muito mais
pronunciada com a progressão para necrose;

 Alterações ultra-estruturais da lesão celular reversível (Fig. 4):


1. Alterações na membrana plasmática, como bolhas, apagamento ou distorção das
microvilosidades e a perda das adesões intercelulares;
2. Alterações mitocondriais com tumefacção e a presença de densidades amorfas ricas em
fosfolípidos;
3. Dilatação do RE com destacamento dos ribossomas e a dissociação dos polissomas;
4. Alterações nucleares, com condensação da cromatina.

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Necrose
 Necrose – alteração que acompanha a morte celular, que resulta da acção degradativa de
enzimas nas células lesadas letalmente;
 As células necróticas exibem um aumento da eosinofilia (aumento da ligação da eosina às
proteínas citoplasmáticas desnaturadas e perda de basofilia conferida pelo RNA no citoplasma);
 As células mortas são substituídas por grandes massas espiraladas compostas por fosfolípidos,
chamadas figuras de mielina, as quais são derivadas das membranas celulares danificadas;
 As células mortas podem tornar-se calcificadas (precipitados fosfolipídicos posteriormente
degradados em ácidos gordos, que calcificam e originam os sabões de cálcio);
 As alterações nucleares assumem um dos três padrões, todos devidos à quebra da cromatina e
do DNA:
- Cariólise: basofilia da
cromatina pode
empalidecer;
- Picnose: retracção
nuclear e aumento da
basofilia. O DNA
condensa-se;
- Cariorrexe: núcleo
picnótico sofre
fragmentação.

Fig. 4

RESUMO – Alterações morfológicas nas células lesadas


 Tumefacção celular, alteração gordurosa, bolhas na membrana plasmática e
Lesão celular
perda das microvilosidades, tumefacção das mitocôndrias, dilatação do RE,
reversível
eosinofilia.
 Aumento da eosinofilia; retracção, fragmentação e dissolução nuclear;
Necrose rompimento da membrana plasmática e das membranas dos organelos;
extravasamento e digestão enzimática dos conteúdos celulares.
 Condensação da cromatina nuclear e formação dos corpos apoptóticos
Apoptose
(fragmentos de núcleo e citoplasma).

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Padrões de necrose tecidual


 As células componentes estão mortas, mas a estrutura básica do
tecido é preservada (pelo menos alguns dias);
 Os tecidos afectados adquirem uma textura firme;
 Desnaturação das proteínas estruturais e enzimáticas,
Necrose coagulativa bloqueando assim a proteólise das células mortas (anucleadas e
eosinófilas);
 Por fim, as células necróticas são removidas por fagocitose;
 É característica de enfartos (áreas de necrose isquémica) em todos os
órgãos sólidos, excepto o cérebro.
 Observada em infecções bacterianas focais ou fúngicas (estimulam
a acumulação de células inflamatórias e as enzimas dos leucócitos a
digerirem o tecido);
 A liquefacção digere por completo as células mortas, o que resulta
Necrose liquefactiva num tecido de massa viscosa, líquida;
 Se o processo foi iniciado por inflamação aguda, o material é quase
sempre amarelo-cremoso – pús;
 É comum a morte por hipóxia de células do SNC ocasionar este padrão
de necrose.
 Não é um padrão distintivo de morte celular;
 É aplicado comumente à perna, que perdeu o seu suprimento sanguíneo
Necrose gangrenosa e que sofreu necrose coagulativa;
 Quando uma infecção bacteriana se sobrepõe, a necrose coagulativa é
modificada – gangrena húmida.
 Encontrada com mais frequência em focos de infecção tuberculosa;
 Aparência friável branco-amarelada;
 A estrutura do tecido é completamente obliterada e os
Necrose caseosa contornos celulares não podem ser distinguidos (células
fragmentadas, com aparência granular amorfa);
 É quase sempre encerrada dentro de uma nítida borda inflamatória
(granuloma).
 Áreas focais de destruição gordurosa, tipicamente resultante da
libertação de lipases pancreáticas activadas na substância do pâncreas e
na cavidade peritoneal – pancreatite aguda;
Necrose gordurosa
 Áreas brancas gredosas macroscopicamente visíveis (saponificação da
gordura), provocadas pela combinação dos ácidos gordos libertados
com o cálcio.
 Em geral, observada nas reacções imunes que envolvem os vasos
sanguíneos;
 É proeminente quando complexos antigénio-anticorpo são depositados
Necrose fibrinóide nas paredes das artérias;
 Aparência amorfa e róseo-brilhante (combinação dos imunocomplexos
com a fibrina);
 Ex.: poliartrite nodular.

Vitor Martins FMUL/UMa 17


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 O extravasamento de proteínas intracelulares através da membrana celular rompida e, por fim,


para a circulação, fornece meios de detectar a necrose tecido-específica, usando-se amostras de
sangue ou de soro.

Respostas subcelulares à lesão


 Autofagia
- Refere-se à digestão lisossómica dos componentes da célula e contrasta com heterofagia, na
qual a célula ingere substâncias do meio exterior para destruição intracelular;
- Ocorre em células privadas de nutrientes, os organelos estão inseridos em vacúolos
autofágicos que se fundem com os lisossomas (autofagolisossoma);
- Os organelos são digeridos, mas em alguns casos permanecem pigmentos indigeríveis (ex.:
lipofuscina).

 Indução (Hipertrofia) do REL


- As células expostas às toxinas que são metabolizadas no REL exibem hipertrofia do RE, um
mecanismo compensatório para maximizar a remoção de toxinas.

 Alterações mitocôndriais
- As alterações em número, tamanho e forma das mitocôndrias são vistas em diversas
adaptações e respostas à lesão crónica (ex.: Hipertrofia celular há aumento do número de
mitocôndrias; atrofia celular há redução do número de mitocôndrias; na doença hepática
alcoólica, as mitocôndrias têm uma forma muito aumentada).

 Anormalidades cito-esqueléticas
- Algumas drogas e toxinas interferem no arranjo e nas funções dos filamentos do cito-esqueleto
(ex.: Colchicina impede a polimerização dos microtúbulos e é útil no tratamento da gota) ou
resultam na acumulação anormal de filamentos (ex.: Síndrome de Kartagener, resulta do defeito
da mobilidade do cílios no epitélio respiratório).

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Mecanismos da lesão celular


 Vários princípios gerais são relevantes para a maioria das formas de lesão celular:
- A resposta celular ao estímulo nocivo depende do tipo de lesão, da sua duração e da sua
gravidade;
- As consequências de um estímulo nocivo dependem do tipo, status, adaptabilidade e do
fenótipo genético da células lesada;
- A lesão celular resulta de alterações bioquímicas e funcionais num ou mais dos vários
componentes celulares essenciais (mitocôndrias, membranas celulares, síntese de proteínas, cito-
esqueleto e DNA nuclear) – Fig. 5.

Fig. 5
Depleção de ATP
 As principais causas de depleção de ATP são a redução do suprimento de oxigénio e
nutrientes, o dano mitocondrial e as acções de algumas toxinas (ex.: cianeto);
 Os tecidos com maior capacidade glicolítica (ex.: fígado) são capazes de sobreviver melhor à
perda de oxigénio e ao decréscimo de fosforilação oxidativa do que os tecidos com capacidade
limitada para a glicólise (ex.: cérebro)
 A depleção de ATP a menos que 5% a 10% dos níveirs normais tem amplos efeitos em muitos
sistemas celulares críticos (Fig. 6):
- A actividade da bomba de sódio na membrana plasmática dependente de energia é
reduzida, resultando num acumular intracelular de sódio e o efluxo de potássio;
 O ganho de soluto é acompanhado de um ganho isosmótico de água, causando
tumefacção celular e dilatação do RE;

Vitor Martins FMUL/UMa 19


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- Há um aumento compensatório na glicólise anaeróbica, na tentativa de manter as fontes


de energia celular;
 Como consequência, o stock de
glicogénio intracelular é
rapidamente depletado e o
ácido láctico acumula-se,
levando à diminuição do pH
intracelular e da actividade de
muitas enzimas celulares;

- A falência na bomba de Ca2+ ocasiona


influxo de Ca2+, com efeitos nefastos
em vários componentes celulares;

Fig. 6
- A depleção prolongada ou crescente de ATP causa rompimento estrutural do aparelho
de síntese proteica, manifestado como desprendimento dos ribossomas do RER e
dissociação dos polissomas em monossomas, com consequente redução da síntese proteica;
- Por fim, há um dano irreversível nas membranas mitocondriais e lisossomais e a
células sofre necrose.

Danos na mitocôndria
 As mitocôndrias podem ser danificadas por aumento
de CA2+ citosólico, por espécies reactivas de oxigénio
e privação de oxigénio, sendo sensíveis a virtualmente
todos os estímulos nocivos, incluindo hipóxia e
toxinas;
 Há duas consequências principais aos danos
mitocondriais (Fig. 7):
- É comum a lesão mitocondrial resultar na formação
de um canal de alta condutância na membrana
mitocondrial (poro de transição de
permeabilidade mitocondrial);
Fig. 7

Vitor Martins FMUL/UMa 20


Robbins, Patologia Básica 2008/2009

 A abertura desse canal determina a perda do potencial de membrana da


mitocôndria e alteração do pH, resultando numa falha na fosforilação oxidativa e
depleção progressiva do ATP, culminando na necrose da célula;
- As mitocôndrias contêm várias proteínas que activam as vias apoptóticas, incluindo o
citocromo C (principal proteína envolvida no transporte de electrões);
 O aumento da permeabilidade da membrana mitocondrial pode resultar em
extravasamento dessas proteínas para o citosol e morte por apoptose.

Influxo de cálcio
 A isquémia e certas toxinas causam um aumento da
concentração do cálcio citosólico, de início por
causa da libertação de Ca2+ armazenado
intracelularmente e, mais tarde, do cálcio que resulta
do influxo aumentado através da membrana
plasmática;
- O aumento do cálcio citosólico activa um
número de enzimas, com efeitos celulares
potencialmente prejudiciais (Fig. 8);
 O aumento dos níveis de Ca2+ intracelular resultam,
também, na indução da apoptose; Fig. 8
 A importância do Ca2+ na lesão celular foi estabelecida na descoberta de que a depleção de
Ca2+ extracelular retarda a morte celular após hipóxia e exposição a certas toxinas.

Acumulação de radicais livres derivados do oxigénio (Stress oxidativo)


 Os radicais livres são espécies químicas que têm um único electrão desemparelhado numa das
órbitas externas;
- Quando são gerados nas células, atacam com intensidade os ácidos nucleicos, assim como uma
variedade de proteínas e lípidos celularas;
- Além disso, os radicais livres iniciam reacções autocatalíticas;
 As espécies reactivas do oxigénio (ERO) são um tipo de radical livre derivado do oxigénio;
- São produzidas nas células durante a respiração e geração de energia mitocondrial, mas são
degradadas e removidas pelos sistemas celulares de defesa;

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- Quando a produção de ERRO aumenta ou quando os sistemas de remoção são ineficientes, o


resultado é um excesso desses radicais livres que levam a uma condição chamada de stress
oxidativo;
- Em muitas circunstâncias, a lesão celular envolve danos causados pelos radicais livres, que
incluem: lesão de isquémia-reperfusão, lesão química e por radiação, toxicidade do oxigénio e
outros gases, envelhecimento celular, destruição dos micróbios pelas células fagocíticas e lesão
tecidular causada por células inflamatórias;

 Várias reacções são responsáveis pela geração de radicais livres:


- As reacções redox que ocorrem durante o metabolismo mitocondrial normal;
- Absorção de energia radiante;
- Metabolismo enzimático de substâncias químicas exógenas;
- Inflamação;
- Óxido nítrico (NO) pode actuar como radical livre ou ser convertido em espécies de nitrito
altamente reactivas.

 Há vários sistemas enzimáticos e não-enzimáticos que contribuem para a inactivação das


reacções de radicais livres: superóxido dismutases, glutatião peroxidase, catalase, anti-oxidantes
endógenos e exógenos, o ferro e o cobre (Fig. 9);

Fig. 9
Vitor Martins FMUL/UMa 22
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

 Existem três reacções particularmente relevantes para a lesão celular mediada por radicais livres:
- Peroxidação lipídica das membranas;
- Ligação cruzada das proteínas: resulta no aumento na perda de actividade enzimática;
- Fragmentação do DNA.

Defeitos na permeabilidade da membrana


 Vários mecanismos bioquímicos podem contribuir para os danos na membrana (Fig. 10):
- Diminuição da síntese de fosfolípidos,
devido a uma queda dos níveis de ATP;
- Aumento da degradação dos
fosfolípidos, devido à activação de
fosfolipases endógenas por elevação dos níveis
de Ca2+ citosólico;
- Espécies reactivas de oxigénio
(peroxidação lipídica das membranas);
- Alterações do cito-esqueleto, devido à
activação de proteases pelo Ca2+ citosólico
aumentado; Fig. 10
- Produtos de degradação de lípidos, em consequência da degradação fosfolipídica;

 Os sítios mais importantes de membrana, durante a lesão celular, são:


- Membranas mitocondriais: decréscimo de ATP, necrose e libertação de proteínas
(apoptose);
- Membranas plasmáticas: perda do equilíbrio osmótico, influxo de fluidos e iões, perda de
conteúdos celulares e perda de metabolitos;
- Membranas lisossomais: extravasamento das suas enzimas para o citoplasma, activação de
hidrolases ácidas (em pH ácida da célula lesada), digestão enzimática dos componentes celulares
e necrose.

Danos no DNA e nas proteínas


 A acumulação de DNA danificado e proteínas mal dobradas dispara a apoptose.

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Exemplos de lesão celular e necrose


Lesão isquémica e hipóxica (Fig. 4)
 A isquémia ou diminuição do fluxo sanguíneo para um tecido, é a causa mais comum de
lesão celular em medicina clínica;
 Ao contrário da hipóxia, na qual a produção de energia pela glicólise anaeróbia continua, a
isquémia também compromete a distribuição de substratos para a glicólise;
 A isquémia lesa os tecidos com mais rapidez que a hipóxia.

Lesão de isquémia-reperfusão
 A restauração do fluxo sanguíneo pode resultar em restauração das células se forem lesadas de
modo reversível;
 No entanto, sob certas circunstâncias, essa restauração para tecidos isquémicos,
mas viáveis, resulta, paradoxalmente, em lesão acentuada e acelerada;
 Como resultado, os tecidos continuam a perder células, além daquelas que foram lesadas de
modo irreversível no fim do episódio isquémico;
 Vários mecanismos podem ser responsáveis pela exacerbação da lesão celular resultante da
reperfusão dentro dos tecidos isquémicos:
- Uma nova lesão pode ser iniciada durante a reoxigenação em virtude de uma
produção aumentada de ERO pelas células endoteliais, do parênquima e dos leucócitos
infiltrantes sobretudo porque a lesão mitocondrial leva a uma redução incompleta do oxigénio e
também por causa da acção das oxidases dos leucócitos, das células endoteliais ou do
parênquima;
- Os mecanismos de defesa anti-oxidantes celulares podem, também, ser
comprometidos pela isquémia;
- A lesão isquémica está associada a inflamação, a qual pode aumentar com a reperfusão
devido ao influxo aumentado de leucócitos e proteínas plasmáticas;
 A activação do sistema complemento também contribui para a lesão isquémia-
reperfusão.

Lesão química (tóxica)


 As substâncias químicas induzem lesão celular por um dos dois mecanismos gerais:
- Algumas substâncias químicas actuam directamente pela combinação com um componente
molecular crítico ou com um organelo celular (ex.: cloreto de mercúrio);
- Muitas outras substâncias químicas não são intrinsicamente activas sob o aspecto biológico, mas
devem ser primeiro convertidas a metabolitos tóxicos reactivos, que então agem sobre as
células-alvo (ex.: tetracloreto de carbono e acetoaminofeno).

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Apoptose
 Apoptose – via de morte celular, induzida por um programa de suicídio rigorosamente
regulado, no qual as células destinadas a morrer activam enzimas capazes de degradar o seu
próprio DNA e as proteínas nucleares e citoplasmáticas;
 A membrana plasmática da célula apoptótica permanece intacta, mas é alterada de tal maneira
que a célula e os seus fragmentos tornam-se alvo para os macrófagos;
 Rapidamente a célula morta é removida, antes que o seu conteúdo extravase e, por isso, a morte
celular por essa via não induz uma reacção inflamatória.

Causas da apoptose
 Apoptose em situações fisiológicas
- A morte por apoptose é um fenómeno normal que funciona para eliminar as células que não
são mais necessárias e para manter, nos tecidos, um número constante das várias populações
celulares, sendo importante nas seguintes situações fisiológicas:
 Destruição programada de células durante a embriogénese;
 Involução de tecidos hormono-dependentes sobr privação da hormona (ex.: células
endometriais);
 Perda celular em populações celulares proliferativas (ex.: epitélio de cripta intestinal);
 Morte de células que já tenham cumprido o seu papel (ex.: neutrófilos);
 Eliminação de linfócitos auto-reactivos potencialmente nocivos;
 Morte celular induzida por linfócitos T citotóxicos.

 Apoptose em condições patológicas


- A apoptose elimina células que estão alteradas sob o aspecto genético ou lesadas de tal modo
que não podem ser reparadas, sem iniciar uma reacção acentuada no hospedeiro, mantendo,
assim, a lesão tão contida quanto possível;
- A morte por apoptose é responsável pela perda de células, em vários estados patológicos:
 Lesão de DNA;
 Acumulação de proteínas mal dobradas (stress do RE);
 Lesão celular em certas infecções (sobretudo virais);
 Atrofia patológica no parênquima de órgãos após obstrução do ducto (ex.: pâncreas,
parótida e rim).

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Mecanismos da apoptose
 Morfologia
- Em tecidos corados pelo H&E, as células apoptóticas aparecem como massas ovais ou
redondas com citoplasma intensamente eosinófilo;
- Os núcleos exibem vários estágios de condensação e agregração da cromatina e, finalmente,
carriorrexe (fragmentação do DNA);
- Rapidamente as células retraem, formando brotos citoplasmáticos e fragmenta-se em corpos
apoptóticos compostos por vesículas envolvidas por membrana contendo citosol e organelos
(Fig. 2), que rapidamente são expulsos e fagocitados.

 O evento fundamental na apoptose é a activação de enzimas denominadas caspases, que


activadas clivam numerosos alvos, culminando na activação de nucleases que degradam o DNA e
outras enzimas que provavelmente destroem nucleoproteínas e proteínas do cito-esqueleto;
 Duas vias distintas convergem para a activação das caspases (Fig. 11):

Fig. 11

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- Via Mitocondrial (Intrínseca) da apoptose


 As mitocôndrias contêm uma série de proteínas, capazes de induzir a apoptose, que
incluem o citocromo C e antagonistas de inibidores de apoptose citosólicos
endógenos;
 A escolha entre a sobrevivência e a morte celular é determinada pela permeabilidade da
mitocôndria, controlada pela Bcl-2;
 Quando as células são privadas de factores de crescimento e hormonas tróficas
ou são expostas a agentes que lesam DNA ou ainda acumulam quantidades
inaceitáveis de proteínas mal dobradas, um grupo de sensores é activado, sendo
que alguns desses sensores, membros da família do Bcl-2, activam, por sua vez, dois
membros pró-apoptóticos da família chamada Bax e Bak, que se dimerizam e se inserem
no interior da membrana mitocondrial, formando canais através dos quais o citocromo C
e outras proteínas mitocondriais extravasam para o citosol;
 Outros sensores relacionados inibem as moléculas anti-apoptóticas Bcl-2 e Bcl-x,
com o mesmo resultado final – extravasamento de proteínas mitocondriais;
 O citocromo C, em conjunto com alguns co-factores, activam a caspase-9;
 O resultado final é a activação da cascata de caspases, levando, por fim, à
fragmentação nuclear;
 Esta via parece ser a via responsável pela maioria das situações de apoptose.

- Via receptor de morte (Extrínseca) da apoptose


 Os receptores membranares da família do TNF contêm um “domínio de morte”
conservado, sendo esses receptores do tipo TNF I e Fas (CD95);
 O ligante Fas (Fas-L) é uma proteína de membrana expressa sobretudo em linfócitos T
activados;
 Quando essas células T reconhecem os alvos que expressam Fas, as moléculas Fas são
ligadas em reacção cruzada pelo Fas-L e suas proteínas de ligação adaptadoras que,
por sua vez, se ligam à caspase-8;
 O agrupamento de muitas moléculas de caspases leva à sua activação, iniciando, assim, a
cascata de caspases;
 Em muitos tipos celulares, a caspase-8 pode clivar e activar um membro pró-apoptótico
da família Bcl-2, chamado Bid;
 As proteínas celulares, notadamente um antagonista de caspase chamada FLIP, bloqueia a
activação das caspases em direcção aos receptores de morte;
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 Esta via está envolvida na eliminação de linfócitos auto-reactivos e na eliminação


de células-alvo por alguns linfócitos T citotóxicos.

 Remoção das células apoptóticas


- Em células normais, a fosfatidilserina está presente no folheto interno da membrana plasmática,
mas nas células apoptóticas esse fosfolípido move-se para fora e está expresso na camada
externa da membrana, onde é reconhecido pelos macrófagos;
- As células apoptóticas secretam factores solúveis que recrutam fagócitos;
- Alguns corpos apoptóticos expressam glicoproteínas adesivas que são reconhecidas pelos
fagócitos;
- Os macrófagos podem produzir proteínas que se ligam às células apoptóticas.

 A necrose e a apoptose podem coexistir e estar relacionadas mecanicamente;


- Ex.: Lesão de DNA activa uma enzima chamada poli-ADP polimerase (ribose) que depleta os
suprimentos celulares do nucleótido adenina nicotinamida, levando à quade dos níveis de ATP e,
por fim, à necrose.

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Acumulação intracelular de substâncias


 As células podem acumular quantidades anormais de várias substâncias;
 A substância pode estar localizada no citoplasma, no interior de organelos (tipicamente os
lisossomas) ou no núcleo e pode ser sintetizada pelas células afectadas ou produzida em qualquer
outro lugar;
 Existem várias vias principais de acumulações intracelulares:
1. Metabolismo anormal, como na degeneração gordurosa do fígado;
2. Mutações que causam alterações no dobramento e transporte de proteína, tal
que moléculas defeituosas acumulam-se intracelularmente;
3. Deficiência de enzimas cruciais, responsáveis pela quebra de certos compostos,
causando substratos que se acumulam nos lisossomas, como nas doenças de
armazenamento lisossómico;
4. Incapacidade de degradar partículas fagocitadas, como na acumulação do pigmento
carbono.

Degeneração gordurosa (esteatose)


 Degeneração gordurosa – qualquer acumulação de triglicéridos dentro das células do
parênquima (mais observada no fígado);
 A esteatose pode ser causada por toxinas (alteram a função das mitocôndrias e do REL),
desnutrição proteica (diminui a síntese de apoproteínas), diabetes melltus, obesidade e anóxia
(inibe a oxidação dos ácidos gordos);
 O abuso de álcool e o diabetes associado com a obesidade são as causas mais
comuns da degeneração gordurosa do fígado nos países industrializados;
 A alteração gordurosa mais acentuada pode de forma transitória prejudicar a função celular,
porém a menos que algum processo intracelular vital seja irreversivelmente danificado, a
degeneração gordurosa é reversível.
 Morfologia
- A acumulação gordurosa aparece como vacúolos claros no interior das células
parenquimatosas;
- A gordura é identificada pela coloração com Sudan IV ou Oil Red O (coram a gordura
em vermelho-alaranjado);
- O glicogénio pode ser identificado pela coloração para polissacáridos, utilizando-se o
corante ácido periódico-Schiff (cora o glicogénio de vermelho-violeta).

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Colesterol e ésteres de colesterol


 Os macrófagos em contacto com restos de lípidos das células necróticas ou formas anormais de
lipoproteínas (ex.: oxidadas) podem tornar-se cheios de lípido fagocitado, tornando-se
preenchidos com pequenos vacúolos de lípidos revestidos por membrana, conferindo uma
aparência espumosa no seu citoplasma (células espumosas);
 Ex.: aterosclerose e xantomas.

Proteínas
 Podem ocorrer acumulações de proteínas porque os excessos são apresentados às células ou
porque as células sintetizam quantidades excessivas;
 Ex.:
- Síndrome nefrótica: gotículas de reabsorção de proteína nos túbulos contornados proximais de
cor hialina rósea;
- Acumulação de imunoglobulinas recentemente sintetizadas nos RER de alguns plasmócitos –
corpúsculos de Russell (redondos e eosinófilos).

Glicogénio
 Excessivos depósitos intracelulares de glicogénio estão associados a anormalidades no
metabolismo da glicose ou do glicogénio;
 Ex.: Diabetes mellitus: acumula-se no epitélio tubular renal, nos miócitos e nas células β dos
Ilhéus de Langerhans.

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Pigmentos
 São substâncias coloridas que são exógenas, originando-se fora do corpo ou endógenas,
sintetizadas dentro do próprio corpo;

Pigmentos
 Pigmento exógeno mais comum;
 Quando inalado, é fagocitado pelos macrófagos alveolares e transportado
Carbono
através de canais linfáticos para os nódulos linfáticos tráqueo-brônquicos;
(indigerível)
 Os agregados do pigmento escurecem os nódulos e o parênquima pulmonar
(antracose).
 Pigmento endógeno, designado por “pigmento do desgaste”;
 Produto de degradação da peroxidação lipídica;
 Material intracelular granular, castanhi-amarelado, que se acumula em vários
tecidos (ex.: coração, fígado e cérebro) como consequência do
Lipofuscina
envelhecimento ou da atrofia;
(indigerível)
 Não é nociva à célula, mas é importante como marcador de lesão antiga
por radical livre;
 O pigmento marrom, quando presente em grandes quantidades, confere ao
tecido uma aparência que é chamada de atrofia marrom.
 Pigmento endógeno, preto-acastanhado;
 Sintetizada exclusivamente pelos melanócitos localizados na
Melanina epiderme e actua como protector contra a radiação UV prejudicial;
 Os queratinócitos basais adjacentes da pele podem acumular o pigmento (ex.:
sardas), assim como os macrófagos da derme.
 Pigmento granular derivado da hemoglobina, amarelo a castanho-
dourado, que se acumula nos tecidos onde há um excesso de ferro, local ou
sistémico;
 Normalmente, o ferro é armazenado no interior das células em associação
com a aproferritina, formando as micelas de ferritina;
 Este pigmento representa grandes agregados dessas micelas de ferritina,
facilmente visualizados em MO pela reacção histoquímica do azul-da-prússia;
 Os excessos locais de ferro e, consequentemente, de hemossiderina, resultam
de hemorragia;
 Ex.: Equimose comum:
Hemossiderina - Os iões ferro da hemoglobina acumulam-se como hemossiderina amarelo-
dourado;
 Sempre que há uma sobrecarga sistémica de ferro, a hemossiderina é
depositada em muitos órgãos e tecidos – hemossiderose (com a progressão
da acumulação, as células parenquimatosas tornam-se “bronzeadas” (fígado,
pâncreas, coração e órgãos endócrinos, sem lesão no tecido);
- Ocorre nas condições de absorção aumentada de ferro alimentar, uso
comprometido de ferro, anemias hemolíticas e transfusões;
 Acumulação de ferro mais extensa é visto na hemocromatose hereditária,
com lesão no tecido, incluindo fibrose hepática, falência cardíaca e diabetes
mellitus.

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Calcificação patológica
 Implica o depósito anormal de sais de cálcio, em combinação com pequenas quantidades de
ferro, magnésio e outros minerais;
 Existem dois tipos de calcificação: calcificação distrófica e calcificação metastática;

Calcificação distrófica
 O depósito de cálcio ocorre nos tecidos mortos ou que estão morrendo, que ocorre na
ausência de desarranjos metabólicos do cálcio (ex.: com níveis séricos normais de cálcio);
 É encontrada em áreas de necrose de qualquer tipo
 Ex.: Ateromas da aterosclerose avançada;
 Calcificação distrófica das valvas aórticas é causa importante da estenose aórtica nos idosos;
 A patogenia da calcificação distrófica envolve a iniciação (ou nucleação) e a propagação,
ambos podendo ser intra ou extracelulares, sendo o produto final a formação de fosfato de
cálcio cristalino;
- A iniciação extracelular ocorre em vesículas revestidas por membrana originadas de células
degeneradas, na calcificação patológica;
- A iniciação intracelular ocorre nas mitocôndrias de células mortas ou que estão morrendo;
- A formação dos cristais depende da concentração de Ca2+ e do PO4- nos espaços
extracelulares, da presença de inibidores do mineral e do grau de colagenização, o qual aumenta
a taxa de crescimento do cristal;
 Morfologia
- Os sais de cálcio são vistos macroscopicamente como grânulos finos brancos ou
agregados, muitas vezes palpáveis como depósitos arenosos;
- Histologicamente, a calcificação aparece como depósitos basófilos intra ou
extracelulares;
- Com o tempo, pode ser formado osso heterotípico no foco da calcificação.

Calcificação metastática
 Depósito de sais de cálcio em tecidos normais, reflectindo quase sempre algum distúrbio
no metabolismo do cálcio (hipercalcemia);
 As quatro principais causas da hipercalcemia são: secreção aumentada da hormona da
paratiróide, destruição óssea, distúrbios relacionados com a vitamina D e insuficiência renal;

Vitor Martins FMUL/UMa 32


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 Morfologia
- Pode ocorrer em todo o corpo, mas afecta sobretudo os tecidos intersticiais da mucosa
gástrica, rins, pulmões e da vasculariação;
- Os depósitos de cálcio lembram os descritos na calcificação distrófica;
- Não costumam causar disfunção clínica, mas calcificações maciças nos pulmões podem gerar
déficits respiratórios e nos rins (nefrocalcinose) podem causar lesão renal.

Envelhecimento celular
 Envelhecimento celular – é o resultado do declínio progressivo do tempo de vida e da
capacidade proliferativa das células e dos efeitos da exposição contínua a factores exógenos que
causam acumulação de lesões moleculares e celulares;
 Vários são os mecanismos conhecidos ou suspeitos de serem responsáveis pelo envelhecimento
celular (Fig. 12):
- Lesão do DNA: defeitos no mecanismo de reparo de DNA; o reparo do DNA pode ser
activado pela restrição calórica (conhecida por prolongar o envelhecimento em organismos-
modelo, mais propriamente, impõe um nível de stress que activa as proteínas Sir2, que
funcionam como uma diacetilase de histona);
- Decréscimo da replicação celular: conhecido por senescência replicativa, consiste na
capacidade reduzida de divisão celular resultante de quantidades descrescentes de telomerase e
encurtamento progressivo dos telómeros;
- Capacidade regenerativa reduzida das células-tronco nos tecidos: acumulação da
proteína p16 nas células-tronco, fazendo com que elas percam progressivamente a capacidade
de auto-renovação;
- Acumulação de lesões metabólicas: radicais livres;
- Outros factores: prováveis papéis dos factores de crescimento que promovem
envelhecimento em organismos-modelo.

Fig. 12

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Capítulo 1I
Inflamação Aguda e Crónica

Visão geral da inflamação


 Inflamação – é uma resposta protectora do hospedeiro a invasores estranhos e tecidos
necróticos, porém ela mesma pode causar lesão tecidual;
 Os principais componentes da inflamção são a reacção vascular e a resposta celular. Ambas
são activadas por mediadores derivados das proteínas plasmáticas e de várias células;
- As manifestações externas da inflamação, chamadas de sinais cardinais, que resultam da
reacção vascular e resposta celular, são: calor, rubor e tumor;
- Os dois sinais cardinais adicionais da inflamação aguda, dor e perda de função,
ocorrem como consequência da elaboração do mediador e da lesão mediada por leucócitos;
 As etapas da resposta inflamatória podem ser lembradas com os cinco Rs:
1. Reconhecimento do agente lesivo;
2. Recrutamento dos leucócitos;
3. Remoção do agente;
4. Regulação (controlo) da resposta;
5. Resolução (reparo).

 O resultado da inflamação aguda é a eliminação do estímulo nocivo, seguida do declínio da


reacção e o reparo do tecido lesado ou lesão persistente que resulta em inflamação crónica.

Fig.13
Vitor Martins FMUL/UMa 34
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Inflamação aguda
 Inflamação aguda – é uma resposta rápida e de curta duração à lesão ou a micróbios e outras
substâncias estranhas, que é designada a levar leucócitos e proteínas plasmáticas para os locais da
lesão;
 A inflamação aguda possui dois componentes principais: alterações vasculares e eventos
celulares.
 Estímulos para a inflamação aguda: infecções, trauma, agentes químicos e físicos, necrose
tecidual, corpos estranhos e reacções imunológicas.

Alterações vasculares
 Alterações vasculares: alterações do calibre vascular que resultam num aumento do fluxo
sanguíneo (vasodilatação) e alterações estruturais que permitem que as proteínas plasmáticas
deixem a circulação (aumento da permeabilidade vascular).

Alterações no fluxo e calibre vasculares


 Iniciam-se rapidamente após a lesão ou infecção, mas desenvolvem-se em velocidades variáveis,
dependendo da natureza e gravidade do estímulo inflamatório original:
1. Após uma vasoconstricção transitória, ocorre vasodilatação das arteríolas,
resultando num aumento do fluxo sanguíneo e abertura dos leitos capilares (eritema e
calor);
2. Como a microcirculação torna-se mais permeável, ocorre o extravasamento e deposição de
líquido e proteínas plasmáticas (edema). A perda de líquido faz com que os eritrócitos
fiquem mais concentrados, aumentando a viscosidade do sangue e diminuindo a velocidade
da circulação (estase);
3. Quando a estase se desenvolve, os leucócitos (principalmente os neutrófilos) começam a
acumular-se ao longo da superfície endotelial vascular (marginação) que se caracteriza pela
primeira etapa da migração e acumulação dos leucócitos no local da lesão.

Alterações da permeabilidade vascular


 A vasodilatação das arteríolas e o volume do fluxo sanguíneo aumentado provocam um aumento
da pressão hidrostática intravascular, resultando na saída de líquido dos capilares para os tecidos;
- Transudato: líquido que é essencialmente um ultrafiltrado do plasma sanguíneo e contém
poucas proteínas;

Vitor Martins FMUL/UMa 35


Robbins, Patologia Básica 2008/2009

- Entretanto, a transudação é logo superada pelo aumento da permeabilidade vascular, que


permite a saída de líquido rico em proteínas e células (exsudato) para o tecido intersticial –
líquido típico da inflamação;
- A perda de proteína do plasma reduz a pressão osmótica intravascular e eleva a pressão
osmótica do líquido intersticial, resultando no efluxo de água e de iões para os tecidos
extravasculares;

Fig. 14

 Vários mecanismos podem contribuir para o aumento da permeabilidade vascular nas reacções
inflamatórias agudas:
- Contracção da célula endotelial, formando lacunas intercelulares nas vénulas pós-
capilares:
 Causa mais comum do aumento da permeabilidade vascular, sendo um processo
reversível;
 Resposta transitória imediata: contracção rápida após a ligação dos mediadores
histamina, bradicinina, leucotrienos e outros aos receptores específicos, geralmente de
curta duração;
 Alterações do cito-esqueleto induzidas por citocinas (TNF e IL-1), provocam uma
contraação mais lenta e prolongada;

Vitor Martins FMUL/UMa 36


Robbins, Patologia Básica 2008/2009

- Lesão endotelial:
 Resulta no extravasamento vascular, causado por necrose e desprendimento da célula
endotelial;
 Resposta contínua imediata: o extravasamento começa imediatamente após a lesão e
persiste por várias horas (ou dias) até que os vasos danificados sejam trombosados ou
reparados;
 Extravasamento prolongado tardio: começa após um certo tempo (de 2 a 12 horas),
durando várias horas ou dias, e envolve vénulas e capilares (ex.: queimadura solar que
aparece ao anoitecer, após um dia no sol);

- Lesão endotelial mediada por leucócitos:


 Acumulação de leucócitos que libertam muitos mediadores tóxicos;

- Trancitose aumentada:
 Ocorre via canais formados pela fusão de vesículas intracelulares, aumentando a
permeabilidade vascular após exposição a certos mediadores (ex.: VEGF);

- Extravasamento de novos vasos sanguíneos:


 O reparo do tecido envolve a formação de novos vasos (angiogénese).

Respostas dos vasos linfáticos


 A pequena quantidade de líquido intersticial normalmente formada é removida por
drenagem linfática;
 Na inflamação, o fluxo da linfa é aumentado e auxilia a drenagem do fluido do edema do espaço
extravascular;
 Além do líquido, os leucócitos e os restos celulares podem caminhar na linfa;
 Nas reacções inflamatórias mais severas (ex.: micróbios), os linfáticos podem transportar o
agente lesivo, tornando-se inflamados secundariamente (linfagite), bem como os nódulos
linfáticos de drenagem (linfadenite), estes últimos estando frequentemente aumentados.

Vitor Martins FMUL/UMa 37


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RESUMO – Reacções vasculares na inflamação aguda


 É induzida por mediadores químicos como a histamina e é a causa do
Vasodilatação
eritema e estase do fluxo sanguíneo.
 É induzido pela histamina, cininas e outras mediadores que produzem
aberturas entre as células endoteliais, por lesão endotelial directa ou
Aumento da induzida por leucócitos e pelo aumento da passagem de líquidos através do
permeabilidade endotélio;
vascular  O aumento da permeabilidade vascular permite a entrada de leucócitos e
proteínas plasmáticas nos locais da infecção ou da lesão do tecido;
 O líquido que extravesa dos vasos sanguíneos resulta em edema.

Eventos celulares: recrutamento e activação dos leucócitos


 Eventos celulares: emigração dos leucócitos da microcirculação e sua acumulação no foco de
lesão (recrutamento e activação celulares). Os principais leucócitos na inflamação aguda são so
neutrófilos (leucócitos polimorfonucleares).

Recrutamento dos leucócitos (Fig. 15)


1. Marginação e rolagem
- Os eritrócitos menores tendem a se mover mais rápido do que os grandes leucócitos, daí,
estes últimos serem empurrados para fora da coluna axial, possibilitando uma oportunidade
melhor de interagir com as células endoteliais de revestimento, especialmente quando
ocorre estase – marginação (acumulação de leucócitos na periferia dos vasos);
- Subsequentemente, os leucócitos rolam na superfície endotelial, aderindo transitoriamente ao
longo do caminho a um processo chamado rolagem. Estas adesões fracas são mediadas pelas
moléculas de adesão da família das selectinas;
- Normalmente, as selectinas endoteliais são expressas em níveis baixos ou não estão presentes
em todas as células normais, sendo hiper-reguladas após estimulação por mediadores específicos;
- Portanto, a ligação dos leucócitos é grandemente restrita ao endotélio, nos locais da
infecção ou lesão, onde os mediadores são produzidos.

2. Adesão e transmigração
- A adesão firme às superfícies endoteliais é mediada pelas integrinas expressas nas
superfícies celulares dos leucócitos;
 Têm baixa afinidade até que haja activação dos leucócitos por quimiocinas
(citocinas quimioatraentes secretadas por várias células, nos locais de inflamação, e ligam-
se a proteoglicanos na superfície do endotélio);

Vitor Martins FMUL/UMa 38


Robbins, Patologia Básica 2008/2009

 Quando os leucócitos aderentes encontram as quimiocinas, as células são activadas e as


suas integrinas sofrem mudanças conformacionais, agrupam-se e convertem-se a um
estado de alta afinidade;
- Ao mesmo tempo, outras citocinas (TNF e IL-1), activam as células endoteliais para aumentar a
sua expressão de ligantes para integrinas (ICAM-1 e VCAM-1);
- Após a aderência na superfície endotelial, os leucócitos migram pela parede do vaso
(principalmente nas vénulas da circulação sistémica), espremendo-se entre as células ao nível das
junções intercelulares (diapedese);
 A migração é orientada pelas quimiocinas produzidas nos tecidos extravasculares, as quais
estimulam a movimentação dos leucócitos em direcção aos seus gradientes químicos;
 Além disso, a PECAM-1 (CD31), uma molécula de adesão celular expressa em
leucócitos e células endoteliais, medeia os eventos de ligação necessários para os
leucócitos atravessarem o endotélio;
- Após a passagem pelo endotélio, os leucócitos secretam colagenases que degradam
focalmente a membrana basal dos vasos, atravessando-a.

Molécula endotelial Molécula leucocitária Principal papel


P-selectina Proteínas modificadas de Sialil- Rolagem (neutrófilos, monócitos,
Lewis X linfócitos)
E-selectina Proteínas modificadas de Sialil- Rolagem e adesão (neutrófilos,
Lewis X monócitos, linfócitos T)
GlyCam-1, CD34 L-selectina Rolagem (neutrófilos, monócitos)*
ICAM-1 (família das Integrinas CD11/CD18 (LFA-1, Adesão, parada, transmigração
imunoglobulinas) Mac-1) (neutrófilos, monócitos, linfócitos)
VCAM-1 (família das Integrina VLA-4 Adesão (eosinófilos, monócitos,
imunoglobulinas) linfócitos)
CD31 (PECAM-1) CD31 Transmigração (todos os leucócitos)
*As interacções CD34-L-selectina estão também envolvidas na “migração” dos linfócitos circulantes para as vénulas de
endotélio alto dos nódulos linfáticos.

3. Quimiotaxia
- Após o extravasamento, os leucócitos migram em direcção ao local da lesão ou infecção, ao
longo de um gradiente químico (quimiotaxia);
- Substâncias exógenas e endógenas podem actuar como factores quimiotáticos para os
leucócitos e incluem: produtos bacterianos (N-formilmetionina); citocinas (quimiocinas);
componentes do sistema complemento (C5a); produtos do metabolismo do ácido araquidónico
(leucotrieno B4);
- A ligação dos quimioatraentes aos receptores específicos na superfície celular resulta em
eventos de transdução de sinal mediados pela proteína G-7, alguns dos quais elevam o cálcio
Vitor Martins FMUL/UMa 39
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

citosólico, que suscita a montagem dos elementos contrácteis do cito-esqueleto,


necessários para o movimento;
- Os leucócitos movem-se projectando pseudópodes que se ancoram na MEC e que puxam a
célula na direcção da projecção;
 A direcção deste movimento é especificada pela alta densidade de interacções ligante
quimiotático-receptor, na margem dianteira da célula.

 Na maioria das formas de inflamação aguda, os neutrófilos predominam no infiltrado inflamatório


durante as primeiras 6 a 24 horas, sendo substituídos por monócitos em 24 a 48 horas;
 Algumas excepções: infecções por Pseudomonas (recrutamento contínuo de neutrófilos, por
vários dias); infecções virais (linfócitos são os primeiros a chegar); algumas reacções de
hipersensibilidade (granulócitos eosinófilos podem ser o principal tipo celular);
 Resumindo: O recrutamento dos leucócitos é um processo de múltiplas etapas consistindo na
aderência fraca e rolagem no endotélio (mediadas por selectinas); aderência firme ao endotélio
(mediada por integrinas); e migração por entre os espaços interendoteliais.

Fig. 15

Vitor Martins FMUL/UMa 40


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Activação dos leucócitos


 Os estímulos para a activação dos leucócitos incluem os micróbios, os produtos das células
necróticas e vários mediadores;
 Os leucócitos expressam nas suas superfícies diferentes classes de receptores que percebem a
presença de micróbios e incluem: TLRs (receptor semelhante a Toll) reconhecem endotoxina
(LPS); receptores transmembranares acoplados à proteína G-7; e outras famílias de receptores;
 A activação leucocitária resulta em muitas funções ampliadas: fagocitose, produção de
substâncias que destroem os micróbios fagocitados e removem tecidos mortos; e produção de
mediadores que amplificam a reacção inflamatória.

1. Fagocitose
- A fagocitose consiste em três etapas distintas, mas inter-relacionadas (Fig. 16):
1. Reconhecimento e fixação da partícula ao linfócito fagocítico;
 Os leucócitos possuem receptores de superfície específicos que reconhecem os
componentes do micróbios e células mortas ou as proteínas do hospedeiro (opsoninas),
que revestem os micróbios e os torna alvos para a fagocitose (opsonização);
 Principais opsoninas: IgG (ligam-se ao receptor Fc, chamado de FcγRI); fragmentos 1 e
3 do complemento (ligam-se aos receptores CR1 e 3); colectinas (ligam-se a
receptores C1q);
2. Invaginação, com subsequente formação de um vacúolo fagocítico;
 A ligação de partículas opsonizadas desencadeia a invaginação e induzem a activação
celular que aumenta a degradação dos micróbios ingeridos;
 Os pseudópodes estendem-se em torno do material, formando um vacúolo
fagocítico;
 De seguida, a membrana do vacúolo funde-se com a membrana de um grânulo
lisossómico, formando um fagolisossoma;
3. Destruição e degradação do material ingerido;
 As etapas-chave nesta reacção são a produção de substâncias microbicidas dentro
dos lisossomas e a fusão dos lisossomas com os fagossomas, expondo,
selectivamente, as partículas ingeridas aos mecanismos destruidores dos leucócitos;
 As substâncias microbicidas mais importantes são as espécies reactivas do oxigénio e
as enzimas lisossómicas;

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 A fagocitose estimula um surto oxidativo caracterizado por um súbito aumento do


consumo de oxigénio, do catabolismo do glicogénio (glicogenólise), do aumento da
oxidação de glicose e da produção de ERO;
 Os lisossomas dos neutrófilos (grânulos azurófilos) contêm a enzima mieloperoxidase
(MPO), que na presença de um halóide como o Cl-, converte H2O2 em HOCl., que é um
potente oxidante e agente antimicrobiano que destrói bactérias por halogenação
ou por peroxidação de proteínas e lípidos;
 Após o surto oxidativo, o H2O2 é degradado pela acção da catalase em água e O2 e as
outras ERO também são degradadas;
 Os microrganismos mortos são então degradados pela acção de hidrolases
lisossómicas (provavelmente a mais importante é a elastase);
 Vários outros componentes dos grânulos dos leucócitos são capazes de destruir
patogénios infecciosos: proteína por aumento da permeabilidade bactericida;
lisozima; proteína básica principal; e defensinas.

Fig. 16

Vitor Martins FMUL/UMa 42


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Lesão tecidual induzida por leucócitos


 Os leucócitos podem eliminar micróbios e células mortas através de fagocitose seguida de
destruição nos fagolisossomas;
 A destruição é causada por radicais livres (ERO, NO) gerados nos leucócitos activados e nas
enzimas lisossómicas;
 As enzimas e as ERO podem ser libertadas para o meio extracelular, por vários mecanismos:
- Se o vacúolo fagocítico permanecer temporariamente aberto para fora, antes do fechamento
completo do fagolisossoma (regurgitação durante a alimentação);
- Se as células encontrarem materiais que não podem ser facilmente ingeridos (ex.:
imunocomplexos depositados na membrana basal glomerular), a tentativa de fagocitar estas
substâncias (fagocitose frustrada) inicia uma forte activação dos leucócitos e as enzimas são
libertadas dentro do tecido circundante ou no lúmen;
- Depois da fagocitose de susbtâncias potencialmente nocivas (ex.: cristais de urato), que lesam a
membrana do fagolisossoma.

Exemplos clínicos de lesão induzida por leucócitos: distúrbios inflamatórios


Distúrbios Células e moléculas envolvidas na lesão
Síndrome de angústia Neutrófilos
respiratória aguda
Rejeição aguda de transplante Linfócitos; anticorpos e complemento
Asma Eosinófilos; anticorpos IgE
Aguda
Glomerulonefrite Anticorpos e complemento; neutrófilos e
monócitos
Choque séptico citocinas
Vasculite Anticorpos e complemento; neutrófilos
Artrite Linfócitos, macrófagos; anticorpos
Asma Eosinófilos, outros leucócitos; anticorpos IgE
Aterosclerose Macrófagos; linfócitos?
Crónica
Rejeição crónica ao Linfócitos; citocinas
transplante
Fibrose pulmonar Macrófagos, fibroblastos

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Defeitos das funções leucoitárias


Doença Defeito
Supressão da medula óssea: Produção de leucócitos
tumores, radiação, quimioterapia
Lesão térmica, diabetes, malignidade, Quimiotaxia
Adquiridas sépsis, imunodeficiências
Hemodiálise, diabetes mellitus Aderência
Leucemia, anemia, sépsis, diabetes, Fagocitose e actividade microbiana
neonatos, desnutrição
Deficiência da adesão leucocitária 1 Cadeia β das integrinas CD11/CD18
Deficiência da adesão leucocitária 2 Fucosil transferase necessária para a
síntese do oligossacárido sialilado
(receptor para selectinas)
Doença granulomatosa crónica Diminuição do surto oxidativo
Ligada ao X NADPH-oxidase (comp. memb.)
Genéticas
Autossómica recessiva NADPH-oxidase (comp. citoplasm.)
Deficiência de mieloperoxidade Ausência do sistema MPO-H2O2
(MPO)
Síndrome de Chédiak-Higashi Proteína associada à membrana
envolvida na atracção e fusão à
membrana do organelo

Resolução da inflamação aguda (Fig. 17)

Fig. 17

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RESUMO – Sequência de eventos na inflamação aguda


 As alterações vasculares na inflamação aguda são caracterizadas por um fluxo
sanguíneo aumentado devido à dilatação das arteríolas e do leito capilar (eritema e
calor);
 A permeabilidade vascular aumentada, através das junções celulares interendoteliais
afastadas ou por lesão directa da célula endotelial, resulta num exsudato de líquido
extravascular rico em proteínas (edema tecidual);
 Os leucócitos, no início predominantemente neutrófilos, aderem ao endotélio através
de móleculas de adesão, e então deixam a microcirculação e migram para o local da
lesão sob influência dos agentes quimiotáticos;
 A fagocitose, a destruição e a degradação do agente nocivo seguem-se;
 Os defeitos genéticos ou adquiridos das funções dos leucócitos produzem infecções
recorrentes;
 O resultado da inflamação aguda pode ser a remoção do exsudato, com restauração
da arquitectura normal do tecido (resolução); transição para inflamação crónica;
ou extensa destruição do tecido, resultando na cicatrização.

Vitor Martins FMUL/UMa 45


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Padrões morfológicos da inflamação aguda


 Extravasamento de fluido aquoso, pobre em proteínas (efusão);
 Dependendo do local da lesão, origina-se do soro sanguíneo ou das
secreções de células mesoteliais que revestem as cavidades peritoneal,
Inflamação serosa
pleural e pericárdica;
 Ex.: bolha cutânea resultante de uma queimadura ou infecção
viral.
 Ocorre em consequência de lesões mais graves;
 Resultado de uma maior permeabilidade vascular que permite a
passagem de moléculas maiores (ex.: fibrinogénio) parao meio
extravascular;
 A fibrina extravascular acumulada aparece como uma rede
Inflamação fibrinosa eosinifílica de filamentos ou, às vezes, como um coágulo amorfo;
 É característica no revestimento de cavidades corporais (ex.:
meninges, pericárdio e pleura);
 A organização de um exsudato fibrinoso pericárdico forma um denso
tecido cicatricial fibroso que transpõe ou oblitera o espaço
pericárdico e restringe a função do miocárdio.
 Presença de grandes quantidades de exsudato purulento (pús)
consistindo em neutrófilos, células necróticas e liquído de edema;
 Certos microrganismos (ex.: Estafilococos) induzem essa supuração
Inflamação supurativa localizada (piogénicos);
(purulenta)  Os abscessos (colecções localizadas de pús) possuem uma região
central de células necróticas, tendo à volta uma camada de neutrófilos
preservados e circundada por vasos dilatados e fibroblastos em
proliferação, indicando o início do reparo.
 É um defeito local ou escavação da superfície de um órgão ou
tecido que é produzida por necrose das células e
desprendimento (esfacelamento) do tecido inflamatório
necrótico;
 É encontrada mais comumente: na necrose inflamatória da mucosa da
boca, estômago, intestino e tracto genito-urinário; e no tecido
Úlcera
necrótico e inflamação subcutânea dos membros inferiores dos idosos
com distúrbios circulatórios;
 Durante o estágio agudo, há infiltração polimorfonuclear intensa e
dilatação vascular nas margens do defeito;
 Com a cronicidade, as margens e a base da úlcera desenvolvem
cicatrização, com acumulação de linfócitos, macrófagos e plasmócitos.

Vitor Martins FMUL/UMa 46


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Mediadores químicos da inflamação


 Os mediadores podem ser produzidos localmente pelas células, no sítio da inflamação, ou
podem estar em circulação no plasma (sintetizados pelo fígado) como precursores
inactivos que são activados no local da inflamação;
 A maioria dos mediadores induz os seus efeitos através da ligação a receptores específicos nas
células-alvo;
 Os mediadores podem estimular a libertação de moléculas efectoras secundárias pelas células-
alvo;
 As acções da maioria dos mediadores são estreitamente reguladas.

Acções dos principais mediadores da inflamação


Mediador Fonte Principais acções
Histamina Mastócitos, basófilos, Vasodilatação, aumento da permeabilidade
plaquetas vascular, activação endotelial
Serotonina Plaquetas Vasodilatação, aumento da permeabilidade
vascular
Prostaglandinas Mastócitos, leucócitos Vasodilatação, dor, febre
Prostaciclina I2 Vasodilatação, inibe a agregação plaquetária
Tromboxano A2 Vasoconstricção, promove agregação
plaquetária
Derivado de células

Prostaciclinas D2, E2 Vasodilatação, aumento da permeabilidade


vascular
Leucotrienos Mastócitos, leucócitos Aumento da permeabilidade vascular,
quimiotaxia, adesão, activação de leucócitos,
broncoespasmo, vasoconstricção
Factor activador Leucócitos, células Vasodilatação, aumento da permeabilidade
plaquetário endoteliais vascular, adesão de leucócitos, quimiotaxia,
desgranulação, surto oxidativo
ERO Leucócitos Destruição de micróbios, lesão tecidual
NO Endotélio, macrófagos Relaxamento do músculo liso vascular,
destruição de micróbios
Citocinas Macrófagos, linfócitos, Activação endotelial local (expressão de
(ex.: TNF e IL-1) células endoteliais, moléculas de adesão), resposta sistémica da
mastócitos fase aguda; em infecções graves, choque
séptico
Quimiocinas Leucócitos, macrófagos Quimiotaxia, activação de leucócitos
Complemento Plasma (produzido no Activação e quimiotaxia de leucócito,
Der. Prot. Plasm.

fígado) opsonização, vasodilatação (estimulação de


mastócito)
Cininas Plasma (produzido no Aumento da permeabilidade vascular,
fígado) contracção do músculo liso, vasodilatação,
dor
Proteases activadas Plasma (produzido no Activação endotelial, recrutamento de
durante a coagulação fígado) leucócitos

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Inflamação crónica
 Inflamação crónica – é a inflamação de duração prolongada (semanas a meses ou anos) na
qual a inflamação activa, destruição tecidual e reparação ocorrem simultaneamente;
 Caracteriza-se por:
- Infiltração de células mononucleares, incluindo macrófagos, linfócitos e plasmócitos;
- Destruição tecidual, francamente induzida pelos produtos das células inflamatórias;
- Reparo, envolvendo proliferação de novos vasos (angiogénese) e fibrose;
 A inflamação aguda pode progredir para inflamação crónica quando a resposta aguda não pode
ser resolvida, ou devido à persistência do agente lesivo ou por causa da interferência com o
processo normal de cura;
 A inflamação crónica origina-se nos seguintes contextos:
- Infecções persistentes por microrganismos difíceis de erradicar (ex.: micobactérias,
Treponema pallidum), que causam infecções persistentes e suscitam uma resposta imune mediada
por linfócitos T (hipersensibilidade tardia);
- Doenças inflamatórias imunomediadas (distúrbios de hipersensibilidade);
- Exposição prolongada a agentes potencialmente tóxicos.

Células e mediadores da inflamação crónica


 Uma característica principal da inflamação crónica é a sua persistência, que resulta das
interacções complexas entre as células que são recrutadas para o local da inflamação e que são
activadas neste local;
 Macrófagos (Fig. 18)
- São as células dominantes da inflamação crónica;
- Estão difusamente dispersos em muitos tecidos conjuntivos
e são encontrados também em órgãos;
- Em conjunto, estas células constituem o sistema de
fagócitos mononucleares;
- Quando os monócitos alcançam o tecido extravascular,
sofrem transformação em macrófagos maiores, os quais
possuem meia-vida mais longa e uma capacidade maior para
fagocitose do que os monócitos sanguíneos;
- Os macrófagos também podem tornar-se activados, que em
MO aparecem grandes, achatados e róseos; Fig. 18

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- Após activação, os macrófagos secretam uma grande variedade de produtos biologicamente


activos que, se desimpedidos, resulta em lesão tecidual e fibrose (proteases neutras e ácidas,
ERO, NO, eicosanóides, citocinas (TNF e IL-1) e factores de crescimento;
- Depois do estímulo inicial ser eliminado e a reacção inflamatória cessar, nos locais de
inflamação crónica, persiste a acumulação de macrófagos, os quais podem proliferar;
- O IFN-γ pode induzir a fusão dos macrófagos em células grandes, multinucleadas, chamadas
células gigantes.

 Linfócitos, plasmócitos, eosinófilos e mastócitos


- Linfócitos e macrófagos interagem de modo bidireccional e essas interacções têm um papel
importante na inflamação crónica (Fig. 19);
- Em algumas reacções inflamatórias crónicas severas (ex.: artrite reumatóide de longa duração),
a acumulação de linfócitos, de células apresentadores de antigénios e plasmócitos pode assumir
as características morfológicas de órgãos linfóides com aparência de nódulos linfáticos, contendo
centros germinativos bem formados;
- Os eosinófilos são encontrados caracteristicamente nos locais inflamatórios em torno de
infecções parasitárias ou alergias e contêm a proteína básica principal;
- Os mastócitos com IgE são figuras centrais nas reacções alérgicas, incluindo o choque
anafilático;

Fig. 19
 Embora os neutrófilos sejam a marca clássica da inflamação aguda, muitas formas de
inflamação crónica podem continuar a mostrar extensos infiltrados neutrofílicos,
como resultado da persistência das bactérias e células necróticas ou dos mediadores produzidos
pelos macrófagos.
Vitor Martins FMUL/UMa 49
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Inflamação granulomatosa
 Consiste num padrão distintivo da inflamação crónica, caracterizada por agregados de
macrófagos activados que assumem uma aparência epitelial;
 Ex.: tuberculose, hanseníase, sífilis, doença de Crohn;
 Efectivamente, a formação de um granuloma “encerra” o agente ofensor e, portanto, é um
mecanismo útil de defesa, mas nem sempre isto acontece e em algumas doenças (ex.:
tuberculose) a inflamação granulomatosa com fibrose subsequente pode ser a principal causa da
disfunção do órgão;
 Morfologia
- Nas preparações com H&E, as células epiteliais nos granulomas exibem um citoplasma
granular róseo com limites celulares indistintos;
- Os agregados de macrófagos epiteliais são circundados por um colar de linfócitos;
- Normalmente, são encontradas células gigantes multinucleadas nos granulomas;
- Nos granulomas associados com certos microrganismos infecciosos (bacilo da tuberculose), a
combinação de hipóxia e lesão por radical livre leva a uma zona central de necrose com
aparência granular caseosa macroscopicamente (necrose caseosa).

Efeitos sistémicos da inflamação


 Febre: citocinas (TNF e IL-1) estimulam a produção de prostaglandinas no hipotálamo;
 Produção de proteínas da fase aguda: proteína C reactiva, fibrinogénio e proteína amilóide
A sérica; síntese estimulada por citocinas (IL-6, outras) agindo nas células do fígado;
 Leucocitose: as citocinas (factores estimulantes de colónias) estimulam a produção de
leucócitos dos precursores na medula óssea;
 Outras manifestações da resposta da fase aguda: aumento da frequência cardíaca e da pressão
arterial; redução da sudorese; tremores, calafrios, anorexia, sonolência e mal-estar;
 Em diversas infecções graves, choque séptico: queda na pressão sanguínea, coagulação
intravascular disseminada, anomalias metabólicas; induzidas por altos níveis de TNF.

Vitor Martins FMUL/UMa 50


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Capítulo III
Reparo tecidual: regeneração, cicatrização e fibrose

 Reparo – refere-se à restauração da arquitectura tecidual e da função após uma lesão;


 Envolve dois tipos de reacções:
- Regeneração – tecidos que são capazes de restituir os componentes lesados e essencialmente
retornar ao seu estado normal;
- Cicatrização – os tecidos lesados são incapazes de uma reconstituição completa, ou as
estruturas de suporte do tecido estão gravemente danificadas, sendo que o processo de reparo
ocorre por deposição de tecido conjuntivo (fibroso);
 Fibrose – utilizado para descrever a deposição extensiva de colagénio que ocorre nos pulmões,
fígado, rins e outros órgãos, como uma consequência da inflamação crónica, ou no miocárdio
após necrose isquémica extensa (enfarte);
- Se a fibrose desenvolve-se numa área de tecido ocupada por um exsudato inflamatório, chama-
se organização (ex.: pneumonia organizada que afecta o pulmão).

O controlo da proliferação celular


 A proliferação dos remanescentes do tecido lesado, das células endoteliais vasculares e do
fibroblastos é coordenada por proteínas que são colectivamente chamadas factores de
crescimento.

Ciclo celular
 Os processos-chave na proliferação das células são a replicação do DNA e a mitose;
- A proliferação celular é regulada por ciclinas que, quando conjugadas com CDK’s, regulam a
fosforilação de proteínas envolvidas na progressão do ciclo celular, levando à replicação do
DNA e à mitose;
 O ciclo celular consiste numa série de etapas nas quais a célula confere a precisão dos
processos e instrui a si mesma a prosseguir para a próxima etapa;
 É rigorosamente regulado por estimuladores e inibidores e contém pontos de controlo
intrísecos para evitar a repicação de células anormais.

Vitor Martins FMUL/UMa 51


Robbins, Patologia Básica 2008/2009

Capacidade proliferativa dos tecidos


 Os tecidos são divididos em:
- Tecidos lábeis
 As células lábeis estão continuamente a ser perdidas e repostas pela maturação das
células-tronco e pela proliferação das células maduras;
 Ex.: células hematopoiéticas da medula óssea; epitélios de superfície; epitélio cubóide dos
ductos que drenam órgãos exócrinos; epitélio colunar do TGI, útero e tubas uterinas;
epitélio de transição do tracto urinário;

- Tecidos estáveis
 Possuem células quiescentes (estão na fase G0 do ciclo celular);
 Possuem somente uma actividade replicativa mínima no seu estado normal;
 Estas células são capazes de proliferar em resposta a uma lesão ou perda de
massa tecidual;
 Ex.: parênquima da maioria dos tecidos sólidos; células endoteliais, fibroblastos e as
células musculares lisas;
 Com a excepção do fígado, estes tecidos possuem uma capacidade limitada para se
regenerar após uma lesão.

- Tecidos permanentes
 As células destes tecidos são consideradas terminalmente diferenciadas e não-
proliferativas na vida pós-natal;
 Ex.: neurónios e miócitos;
 Uma lesão no cérebro ou no coração é irreversível e resulta numa cicatriz.

Células-tronco
 Os tecidos que se dividem continuamente (tecidos lábeis) contêm células-tronco que se
diferenciam para repor as células perdidas e manter a homeostasia tecidual;
 As células-tronco são caracterizadas por duas propriedades importantes: capacidade de auto-
regeneração e replicação assimétrica;
 As células-tronco de embriões (células estaminais) são pluripotentes; os tecidos adultos,
particularmente a medula óssea, contêm células-tronco adultas capazes de gerar múltiplas
linhagens celulares.

Vitor Martins FMUL/UMa 52


Robbins, Patologia Básica 2008/2009

A natureza e os mecanismos de acção dos factores de crescimento


 Os factores de crescimento polipépticos têm como papel principal promover a
sobrevivência e a proliferação celulares, e são importantes na regeneração e na
cicatrização;
 A expansão das populações de células geralmente envolve aumento do tamanho celular
(crescimento), divisão celular (mitose) e protecção da morte apoptótica (sobrevivência);
 A maioria dos factores de crescimento possui efeitos pleiotrópicos, ou seja, além de
estimularem a proliferação celular, eles estimulam a migração, a diferenciação e a
contractibilidade, e intensificam a síntese de proteínas especializadas;
 Induzem a proliferação celular pela ligação a receptores específicos e afectam a expressão de
genes cujos produtos caracteristicamente possuem muitas funções;
- A actividade principal dos factores de crescimento é estimular a função dos genes que
controlam o crescimento, muitos dos quais são chamados de proto-oncogenes;
 Alguns factores de crescimento estimulam a proliferação de algumas células e inibem o ciclo de
outras células;
- Na verdade, um factor de crescimento pode ter efeitos opostos na mesma célula
dependendo da sua concentração.

Mecanismos de sinalização dos receptores dos factores de crescimento


 A sinalização pode ocorrer directamente na mesma célula, entre células adjacentes ou a grandes
distâncias:
- Sinalização autócrina: uma substância age predominantemente (ou exclusivamente) na célula
que a secreta (ex.: resposta imune, hiperplasia epitelial compensatória);
- Sinalização parácrina: uma substância afecta as células que estão na adjacência imediata da
célula que a libertou (ex.: resposta inflamatória e cicatrização da ferida);
- Sinalização endócrina: uma substância reguladora (ex.: hormona) é libertada na corrente
sanguínea e age em células-alvo à distância;

 As proteínas receptoras estão geralmente localizadas na superfície da célula, mas podem


ser intracelulares, sendo que neste último caso, os ligantes devem ser suficientemente
hidrofóbicos para entrar na célula (ex.: hormonas esteróides);
 A união de um ligante ao seu receptor de superfície celular induz uma cascata de eventos
intracelulares secundários que culmina na activação ou repressão do factor de transcrição, o que
leva a respostas celulares;
Vitor Martins FMUL/UMa 53
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

 Diferentes classes de receptores de factores de crescimento incluem:


- Receptores com actividade de quinase intrínseca (ex.: EGF e HGF);
- Receptores acoplados à proteína G-7;
- Receptores sem acção enzimática intrínseca;
 As citocinas geralmente ligam-se a estes receptores que por sua vez interagem com os
factores de transcrição citoplasmáticos que se dirigem para o núcleo (são lançados
directamente no núcleo);

 A maioria dos factores de crescimento possui efeitos múltiplos, como a migração celular,
diferenciação celular, estimulação da angiogénese e da fibrogénese, além da proliferação celular.

Matriz extracelular (MEC) e interacções entre a célula e a matriz


 O reparo do tecido não depende somente da actividade dos factores de crescimento, mas
também de interacções entre as células e os componentes da MEC;
 A MEC é um complexo macromolecular dinâmico, de remodelação constante, sintetizado
localmente, que se organiza numa rede que circunda as células;
 Por fornecer um substracto para a adesão celular e servir como um reservatório para factores
de crescimento, a MEC regula a proliferação, o movimento e a diferenciação das células
existentes dentro dela;
 A MEC existe sob duas formas básicas (Fig. 20):
- Matriz intersticial: entras as células, constituída de colagénio e várias glicoproteínas;
- Membrana basal: subjacente ao epitélio e que circunda os vasos sanguíneos, constituída de
colagénio não-fibrilar tipo IV e laminina.

Fig. 20

Vitor Martins FMUL/UMa 54


Robbins, Patologia Básica 2008/2009

Papéis da matriz extracelular


 Suporte mecânico: papel principal do colagénio e da elastina;
 Controlo do crescimento celular e manutenção da diferenciação celular: os
proteoglicanos ligam-se a factores de crescimento e apresenta-os em alta concentração, e a
fibronectina e a laminina estimulam as células por meio de recepctores de integrina celulares;
 Arcabouço para renovação tecidual;
 Estabelecimento de micro-ambientes teciduais;
 Armazenamento e apresentação de moléculas reguladoras.

Componentes da matriz extracelular


 Existem três componentes básicos da MEC:
- Proteínas estruturais fibrosas (ex.: colagénio e elastina), que conferem força elástica e
capacidade de retracção;
- Géis hidratados com água (ex.: proteoglicanos e hialuronano), que permitem resiliência e
lubrificação;
- Glicoproteínas adesivas (ex.: fibronectina, laminina e integrinas), que conectam os
elementos da matriz a outros elementos ou a células;

 A MEC intacta é necessária para a regeneração tecidual, e se a MEC estiver


danificada o reparo só poderá ser realizado pela formação de cicatriz.

Célula e regeneração tecidual


 A renovação celular ocorre continuamente nos tecidos lábeis (ex.: medula óssea);
 A renovação das células hematopoiéticas é conduzida por factores de crescimento chamados de
factores estimulantes de colónias (CSFs), que são produzidos em resposta ao consumo
aumentado ou à perda de células sanguíneas;
 Não se sabe se os factores de crescimento desempenham algum papel na renovação do epitélio
lábil;
 A regeneração pode ocorrer nos órgãos parenquimatosos com populações de células estáveis,
que é geralmente um processo limitado, excepto no fígado;
 A regeneração extensiva ou a hiperplasia compensatória podem ocorrer somente se
o tecido residual estiver estrutural e funcionalmente intacto, como após uma ressecção
cirúrgica;
Vitor Martins FMUL/UMa 55
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

- Do contrário, se o tecido estiver danificado por uma infecção ou inflamação, a


regeneração é incompleta e é realizada por cicatrização.

Reparo por tecido conjuntivo


 O reparo ocorre pela reposição das células não-regeneráveis por tecido conjuntivo, ou por uma
combinação de regeneração de algumas células e formação de cicatriz;
 O termo “tecido de granulação” (tipo especializado de tecido, característico da cicatrização)
é derivado da sua aparência granular, rosada e de consistência mole, tal como é visto sob a
crosta da ferida cutânea;
- O seu aspecto histológico é caracterizado pela proliferação de fibroblastos e capilares
neoformados, delicados, de paredes finas (angiogénese), na MEC fraca;
- Então, o tecido de granulação acumula progressivamente matriz de tecido conjuntivo,
resultando, finalmente, na formação de uma cicatriz, que se pode remodelar com o tempo;
 O reparo por deposição de tecido conjuntivo consiste em quatro processos sequenciais:
formação de novos vasos sanguíneos (angiogénese); migração e proliferação de
fibroblastos; deposição de MEC (formação de cicatriz); e maturação e reorganização do
tecido fibroso (remodelação).

Angiogénese
 Os vasos sanguíneos são desenvolvidos por dois processos:
- Vasculogénese: a rede vascular primitiva é estabelecida a partir dos angioblastos
(precursores de células endoteliais) durante o desenvolvimento embrionário;
- Angiogénese ou neovascularização: vasos pré-existentes emitem brotos capilares para
produzir novos vasos;

 A angiogénese é um processo crítico para a cicatrização de locais lesionados, no


desenvolvimento da circulação colateral nos locais que sofreram isquémia, e permite o
crescimento de tumores, em tamanho, além do seu suprimento sanguíneo inicial;
 Foi descoberto recentemente que as células precursoras endoteliais podem migrar da
medula óssea para áreas de lesão e participar da angiogénese nestes locais;
- Podem participai na reposição das células endoteliais perdidas, na reendotelização dos
implantes vasculares, na neovascularização de feridas cutâneas e tecidos isquémicos, e no
desenvolvimento tumoral;

Vitor Martins FMUL/UMa 56


Robbins, Patologia Básica 2008/2009

 As principais etapas que ocorrem na angiogénese a partir de vasos pré-existentes estão listadas a
seguir:
1. Vasodilatação em resposta ao NO e aumento da permeabilidade dos vasos pré-
existentes induzido pelo VEGF;
2. Migração de células endoteliais em direcção à área de lesão tecidual;
3. Proliferação de células endoteliais logo após as células migratórias iniciais;
4. Inibição da proliferação da célula endotelial e remodelagem dos tubos capilares;
5. Recrutamento de células periendoteliais (pericitos para os pequenos capilares e células
musculares lisas para os grandes vasos) para formar o vaso maduro;

 Os vasos sanguíneos neoformados durante a angiogénese são permeáveis porque:


- As junções interendoteliais não estão completamente formadas;
- O VEGF aumenta a permeabilidade do vaso;
 Esta permeabilidade explica por que o tecido de granulação é muitas vezes edematoso e é
parte da causa do edema que pode persistir na ferida em cicatrização muito tempo após a
resposta inflamatória aguda ter sido resolvida;
 As proteínas estruturais da MEC participam do processo de brotamento do vaso na
angiogénese, basicamente por meio de interacções com os receptores de integrinas nas células
endoteliais;
 As proteínas não-estruturais da MEC contribuem para a angiogénese por
desestabilizarem as interacções MEC-célula para facilitar a migração celular
contínua (ex.: trombospondina e tenascina) ou permitir a remodelação e involução dos vasos
(ex.: activador de plasminogénio e metaloproteinases da matriz).

Factores de crescimento envolvidos na angiogénese


 Vários factores induzem a angiogénese, mas o mais importantes são o VEGF e o FGF;
 VEGF
- Estimula tanto a proliferação como a migração das células endoteliais (inicia o processo de
brotamento capilar);
- O VEGF-2 mobiliza as células precursoras endoteliais da medula óssea e induz a proliferação e
migração destas células para os locais de angiogénese;
- As angiopoetinas 1 e 2 e os factores de crescimento PDGF e TGF-β participam do
processo de estabilização pelo recrutamento de pericitos e células musculares lisas e pela
deposição de tecido conjuntivo;
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 FGF
- FGF-2 estimula a proliferação das células endoteliais, promove a migração de macrófagos e
fibroblastos para a área danificada;
- FGF-7 (factor de crescimento dos queratinócitos) pode participar na cicatrização de feridas
por intensificar a proliferação e migração de queratinócitos e pode proteger a integridade do
epitélio da cavidade oral e do TGI.

Migração de fibroblastos e deposição da MEC (formação de cicatriz)


 A formação de cicatriz desenvolve-se na rede de tecido de granulação com vasos neoformados e
MEC fraca que se desenvolve inicialmente no local de reparo;
 Ocorre em duas etapas: migração e proliferação de fibroblastos para o local de lesão e
deposição de MEC por estas células;
 Os macrófagos são constituintes celulares importantes do tecido de granulação e elaboram
inúmeros mediadors que induzm a proliferação dos fibroblastos e a produção de MEC;
 Conforme a cicatrização progride, o número de fibroblastos proliferantes e vasos
novos diminui; no entanto, os fibroblastos assumem progressivamente um fenótipo mais
sintético e, consequentemente, há um aumento de deposição da MEC;
 A acumulação da rede de colagénio depende não só do aumento da síntese, mas também da
diminuição da degradação do colagénio;
 O arcabouço de tecido de granulação evolui para uma cicatriz composta de fibroblastos
fusiformes inactivos, colagénio denso, fragmentos de tecido elástico e outros componentes da
MEC;
 Conforme a cicatriz amadurece, há uma regressão vascular progressiva e o tecido de
granulação altamente vascularizado transforma-se numa cicatriz pálida, basicamente
avascular.

Factores de crescimento envolvidos na deposição da MEC e a formação de cicatriz


 TGF-β
- No contexto da inflamação e reparo, desempenha duas funções principais:
 É um agente fibrinogénico potente (estimula a produção de colagénio, fibronectina e
proteoglicanos e inibe a degradação do colagénio);
 Inibe a proliferação de linfócitos e pode ter um efeito anti-inflamatório forte;

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 PDGF
- Causa migração e proliferação de fibroblastos e células musculares lisas e macrófagos.

MEC e remodelação tecidual


 A deposição de MEC depende do equilíbrio entre os agentes fibrogénicos,
metaloproteinases (MMPs, ex.: colagenases intersticiais, gelatinases e estromelisinas) que
digerem a MEC e inibidores teciduais da MMPs (TIMPs).

Cicatrização da ferida cutânea


 As fases principais da cicatrização cutânea são: inflamação, formação de tecido de granulação e
remodelação da MEC;
 As feridas cutâneas podem cicatrizar por união primária (primeira intenção) ou união secundária
(segunda intenção);
- A cicatrização por primeira intenção consiste numa incisão cirúrgica limpa, não-infectada,
aproximada por suturas cirúrgicas;
- Na cicatrização por segunda intenção, a reacção inflamatória é mais intensa, existe um
tecido de granulação abundante e a cicatriz contrai-se pela acção dos miofibroblastos, seguido da
acumulação de MEC e a formação de uma cicatrização grande.

Aspectos patológicos do reparo


 A cicatrização da ferida pode ser alterada por muitas condições, particularmente pela infecção e
pelo diabetes;
 O tipo, o volume e a localização da lesão são factores importantes para a cicatrização;
 A produção excessiva da MEC pode causar quelóides na pele;
 A estimulação persistente da síntese do colagénio nas doenças inflamatórias crónicas leva
à fibrose do tecido.

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Robbins, Patologia Básica 2008/2009

Fig. 21

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Capítulo IV
Desordens hemodinâmicas, trombose e choque

Edema
 Edema – extravasamento de líquido dos vasos para o espaço intersticial;
- O líquido pode ser pobre em proteínas (transudato) ou rico em proteínas (exsudato);
 O edema resulta de qualquer uma das seguintes desordens:
- Aumento da pressão hidrostática causada pela redução do retorno venoso (como na
insuficiência cardíaca);
- Redução da pressão osmótica do plasma (hipoproteinemia) causada por uma redução na
concentração plasmática de albumina (devido à redução da síntese, como ocorre nas doenças
hepáticas, ou aumento da perda, como ocorre nas doenças renais);
- Obstrução linfática ocasionando a redução da remoção do líquido intersticial (como ocorre
nos processos de cicatrização, tumores ou determinadas infecções);
- Retenção renal primária de sódio (na insuficiência renal);
- Aumento da permeabilidade vascular (na inflamação).

CATEGORIAS FISIOPATOLÓGICAS DE EDEMA


Aumento da pressão hidrostática
Redução do retorno venoso
Insuficiência cardíaca congestiva
Pericardite constritiva
Ascite (cirrose hepática)
Obstrução ou compressão venosa
Trombose
Pressão externa (ex.: tumor)
Inactividade dos membros inferiores, pendentes por períodos prolongados
Dilatação arteriolar
Calor
Desregulação neuro-humoral
Redução da pressão osmótica do plasma (hipoproteinemia)
Glomerulonefrite com perda de proteína (síndrome nefrótica)
Cirrose hepática (ascite)
Desnutrição
Gastroenteropatia com perda de proteínas

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CATEGORIAS FISIOPATOLÓGICAS DE EDEMA (Continuação)


Obstrução linfática
Inflamatória
Neoplásica
Pós-cirúrgica
Após radiação
Retenção de sódio
Consumo excessivo de sódio com insuficiência renal
Aumento da reabsorção tubular de sódio
Hipoperfusão renal
Aumento da secreção de renina-angiotensina-aldosterona
Inflamação
Inflamação aguda
Inflamação crónica
Angiogénese

Fig. 22
 O edema é mais reconhecido na visão macroscópica;
 Sob o ponto de vista microscópico, o edema reflecte, basicamente, no clareamento e na
separação dos elementos da matriz extracelular com um discreto edema celular;
 Apesar de qualquer órgão ou tecido ser afectado, é mais frequente no tecido
subcutâneo, pulmões e cérebro;
Vitor Martins FMUL/UMa 62
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

- Edema subcutâneo
 Na insuficiência cardíaca ou renal é importante sobretudo porque indica uma doença de
base;
 Quando é significativo, pode dificultar a cicatrização de feridas ou o combate a infecções;

- Edema pulmonar
 Pode causar morte por interferir na função normal de ventilação;
 O líquido pode acumular-se nos septos alveolares em torno do capilares, impedindo a
difusão do oxigénio;
 A presença de líquido nos alvéolos cria um ambiente favorável para infecções bacterianas;

-Edema cerebral
 Pode ser rapidamente fatal;
 Ser for grave, pode causar herniação (extrusão do cérebro) através do forame magno;
 O suprimento sanguíneo do tronco cerebral pode ser comprimido pelo edema, causando
um aumento na pressão intracraniana.

Hiperemia e congestão (Fig. 23)


 Indicam um aumento local do volume de sangue
num determinado tecido;
 Hiperemia
- Processo activo resultante do fluxo sanguíneo
aumentando devido à dilatação arteriolar;
- Ex.: Locais de inflamação ou músculos
esqueléticos durante o exercício;
- O tecido afectado apresenta-se mais
avermelhado do que o normal por causa do
aumento do fluxo de sangue oxigenado;

 Congestão
- Processo passivo resultante de um retorno
venoso ineficiente;
- Pode ser sistémico ou local; Fig. 23

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Robbins, Patologia Básica 2008/2009

- O tecido apresenta uma coloração vermelho-azulada (cianose), sobretudo à medida que o


agravamento da congestão leva à acumulação de hemoglobina desoxigenada nos tecidos
afectados;
- A congestão do leito capilar está intimamente relacionada com o desenvolvimento do
edema;
- Na congestão passiva crónica, a estase de sangue pouco oxigenado causa hipóxia crónica,
que por sua vez, pode ocasionar degeneração ou morte das células parenquimatosas e,
em consequência, fibrose do tecido;
 A ruptura dos capilares nos locais de congestão crónica também pode causar pequenos
focos de hemorragia;
 A fagocitose e o catabolismo dos restos dos eritrócitos podem resultar na acumulação de
macrófagos repletos de hemossiderina;

 A superfície de corte de tecidos com hiperemia ou congestão apresenta-se hemorrágica e


húmida;
 Congestão pulmonar aguda – capilares alveolares repletos de sangue;
 Congestão pulmonar crónica – septos tornam-se espessados e fibróticos e os espaços
alveolares podem conter numerosos macrófagos repletos de hemossiderina (“cirrose da
insuficiência cardíaca”);
 Congestão hepática aguda – veia central e sinusóides distendidos pelo sangue;
 Congestão hepática crónica
- Macroscopicamente, regiões centrais apresentam coloração vermelho-pardocenta e com
uma leve depressão (devido à perda de células), contrastando com regiões adjacentes, sem
congestão, de cor bege, algumas vezes com degeneração gordusora (“fígado em noz-moscada”);
- Microscopicamente, ocorre necrose centrolobular com destruição dos hepatócitos,
hemorragia e macrófagos repletos de hemossiderina; pode haver o desenvolvimento de fibrose
(“cirrose cardíaca”).

Hemorragia
 Hemorragia – extravasamento de sangue dos vasos para o espaço extravascular;
 A hemorragia pode ser externa ou restrita a uma tecido; qualquer acumulação de sangue é
chamado de hematoma;
 Hemorragias diminutas na pele, mucosas ou serosas, designadas por petéquias, estão
tipicamente associadas a aumentos localizados de pressão intravascular, reduzido número de
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plaquetas (trombocitopenia), função plaquetária defeituosa ou deficiência de factores da


coagulação;
 Hemorragias um pouco maiores são chamadas de púrpura;
 Hematomas subcutâneos maiores são denominados equimoses;
- Nestas hemorragias localizadas, os eritrócitos são fagocitados e degradados pelos macrófagos; a
hemoglobina (vermelho-azulada) é convertida em bilirrubina (azul-esverdeada) e depois em
hemossiderina (marrom-dourado), sendo responsável pela mudança de cor nos hematomas;
 Grandes colecções de sangue numa das cavidades corporais são chamadas de hemotórax,
hemopericárdio, hemoperitoneu ou hemartrose, dependendo da sua localização;

 O significado clínico da hemorragia depende do volume, velocidade da perda sanguínea e do local


da hemorragia.

Hemostasia e trombose
 Hemostasia normal – é uma consequência de processos rigorosamente controlados que
mantêm o sangue num estado fluido e livre de coágulos nos vasos normais e também induz a
rápida formaçao de um tampão hemostático localizado no local de lesão vascular;
 Trombose – é a forma patológica de hemostasia, que envolve a formação de coágulos
sanguíneos (trombos) em vasos que não foram danificados ou a oclusão de um vaso por um
trombo após uma lesão relativamente leve;
 Tanto a hemostasia quanto a trombose envolvem três componentes: a parede vascular,
plaquetas e a cascata da coagulação.

Hemostasia normal (Fig. 24)


1. Após a lesão inicial, há um período transitório de vasoconstrição arteriolar resultante,
sobretudo, de mecanismos neurogénicos reflexos, sendo aumentados pela secreção local de
factores, com a endotelina;
2. A lesão endotelial também expõe a matriz extracelular subendotelial altamente trombogénica,
permitindo a adesão e activação de plaquetas;
- Esta activação resulta numa grande alteração do seu formato (pequenos discos redondos
para placas achatadas com um aumento acentuado da sua área) e libertação de grânulos
secretores (ADP, TXA2);

Vitor Martins FMUL/UMa 65


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- Em poucos minutos, os produtos secretados recrutam


mais plaquetas (agregação) para formar um tampão
hemostático – hemostasia primária;
3. O factor tecidual (desencadeador mais potente da
cascata de coagulação) também é exposto no local da
lesão, chamado de factor III ou trompoplastina,
sendo uma glicoproteína pró-coagulante ligada à
membrana sintetizada pelo endotélio;
- Este actua em conjunto com o factor VII como a
principal via para a cascata de coagulação in vivo,
culminando na geração de trombina;
 A trombina cliva o fibrinogénio circulante
em fibrina, que é insolúvel, levando à
deposição de uma rede de fibrina;
 A trombina também induz o recrutamento de
mais plaquetas e libertação de grânulos;
- Esta sequência de hemostasia secundária dura mais
do que o tampão inicial de plaquetas;
4. Os agregados de fibrina polimerizada e plaquetas
formam um tampão permanente e sólido que evita o
sangramento adicional;
- Neste estágio, os mecanismos de contra-
regulação (ex.: activador do plasminogénio tecidual, t-
PA), são desencadeados para limitar o tampão
hemostático ao local da lesão.
Fig. 24
Endotélio (Fig. 25)
 As células endoteliais intactas mantêm o fluxo do sangue líquido inibindo activamente a
adesão plaquetária, prevenindo a activação dos factores de coagulação e destruindo coágulos que
podem se formar;
 Propriedades antitrombóticas
1. Efeitos antiplaquetários
a) Endotélio intacta evita interacção entre plaquetas e MEC subendotelial (altamente
trombogénica);
Vitor Martins FMUL/UMa 66
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

b) Plaquetas não-activadas não aderam


ao endotélio;
c) Adesão de plaquetas activadas ao
endotélio adjacente não danificado é
inibida pela prostaciclina (PGI2) e NO
endoteliais (potentes vasodilatadores e
inibidores da agregação plaquetária);
- A sua síntese é estimulada por vários
factores (ex.: trombina e citocinas)
produzidos durante a coagulação;
d) Células endoteliais também elaboram
difosfatase de adenosina, que degrada o
ADP, inibindo a agregação plaquetária.

2. Efeitos anticoagulantes
a) As moléculas semelhantes à heparina
agem de forma indirecta;
- Actuam como co-factores que permitem
que a antitrombina III desative a
trombina (factor Xa);
b) A trombomodulina também actua de
forma indirecta; Fig. 25
- Liga-se à trombina, convertendo-a num factor anticoagulante capaz de activar a
proteína C (anticoagulante);
- A proteína C activada inibe a coagulação por meio da clivagem proteolítica dos factores
Va e VIIIa (requer a presença da proteína S); ambas dependentes da vitamina K.

3. Propriedades fibrinolíticas
a) Células endoteliais sintetizam o activados do t-PA, promovendo a actividade
fibrinolítica que elimina os depósitos de fibrina da superfície endotelial.

 Propriedades pró-trombóticas
- As células endoteliais podem ser estimuladas pela lesão directa ou através de diversas citocinas
que são produzidas durante a inflamação;
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- Tal estimulação resulta na expressão de proteínas coagulantes (ex.: factor recidual e FvW)
que contribuem para a formação localizada do trombo;
- A perda da integridade endotelial expõe o factor de von Willebrand (FvW), sintetizado
pelo endotélio normal, e o colagénio da membrana basal, substratos para a agregação
plaquetária e formação de trombos;
- O factor tecidual activa a via extrínseca da coagulação;
- As células endoteliais também secretam inibidores do activador do plasminogénio
(PAIs), inibindo a fibrinólise.

Plaquetas
 Na sua forma inactiva têm a forma de um disco, expressam diversos receptores de glicoproteína
da família das integrinas e contêm dois tipos de grânulos:
- Grânulos α: expressam a molécula de adesão P-selectina na sua membrana e contêm
fibrinogénio, fibronectina, factores V e VIII, factor plaquetário 4, PDGF e TGF-α;
- Grânulos  ou corpos densos: contêm ADP e ATP, cálcio ionizado, histamina, serotonina e
epinefrina;
 Após a lesão vascular, as plaquetas entram em contacto com os constituintes da MEC e
proteínas adicionais (FvW), sofrendo três reacções: adesão e alteração do seu formato;
secreção (reacção de libertação); e agregação.

1. Adesão plaquetária
- Apesar das plaquetas poderem aderir directamente à MEC, a associação FvW-GpIb é
necessária para superar as forças de separação do fluxo do sangue;
- O defeito no processamento do FvW causa a púrpura trombocitopénica trombótica
(microangiopatia trombótica).

2. Secreção (reacção de libertação)


- Após a activação, as plaquetas secretam os produtos dos seus grânulos, que incluem o cálcio
(activa proteínas da coagulação) e ADP (mediador da agregação de mais plaquetas e sua
desgranulação);
- As plaquetas activadas também sintetizam TXA2 (estimula a activação das plaquetas e causa
vasoconstricção).

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3. Agregação plaquetária
- As plaquetas activadas expõem complexos de fosfolípidos que fornecem uma superfície
importante para a activação das proteínas da coagulação;
- O ADP libertado estimula a formação de um tampão hemostático primário (reversível)
por meio da activação dos receptores GpIIb-IIIa que, por sua vez, facilitam a ligação e
reacção cruzada do fibrinogénio;
- A formação do tampão hemostático secundário definitivo (irreversível) também requer
a activação da trombina para clivar o fibrinogénio e formar fibrina polimerizada através da
cascata da coagulação.

Cascata da coagulação
 A cascata da coagulação é, essencialmente, uma série amplificadora de conversões
enzimáticas;
 Cada etapa no processo cliva proteoliticamente uma pró-enzima inactiva para formar uma
enzima activa, culminando na formação de trombina, a enzima mais importante na regulação
do processo de coagulação;
- A trombina converte o fibrinogénio, uma proteína plasmática solúvel, em monómetro de
fibrina que se polimerizam para formar um gel insolúvel que envolve as plaquetas e outras
células circulantes no tampão hemostático secundário definitivo;
 Os polímeros de fibrina são estabilizados pela actividade de ligação cruzada de transglutaminase
do factor XIIIa;
 A coagulação é normalmente restrita aos locais de lesão por:
- Limitar a activação enzimática a complexos de fosfolípidos fornecidos pelas plaquetas activadas;
- Anticoagulantes naturais elaborados no local da lesão endotelial ou durante a activação da
cascata da coagulação;
- Induzir as vias fibrinolíticas envolvendo a plasmina através da actividade de diversos PAs;
 A fibrinólise deve-se principalmente à actividade enzimática da plasmina que degrada a
fibrina e interfere na sua polimerização;
 Para evitar que o excesso da plasmina lise trombos de modo indiscriminado em
qualquer parte do corpo, a plasmina livre forma com rapidez complexos com a
α2-antiplasmina circulante, sendo desactivada.

Vitor Martins FMUL/UMa 69


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Trombose
 Três influências primárias estão envolvidas na formação do trombo (chamadas de tríade de
Virchow): lesão endotelial; estase ou turbulência do fluxo sanguíneo; e
hipercoagulabilidade do sangue.

Lesão endotelial
 É importante sobretudo na formação do trombo no coração ou na circulação arterial,
onde as taxas de fluxo normalmente altas podem dificultar a coagulação prevenindo a adesão
plaquetária ou diluindo os factores de coagulação;
 É importante salientar que não é preciso que ocorra desnudamento ou lesão física do endotélio
para que contribua com o desenvolvimento de trombose;
- Qualquer distúrbio no equilíbrio dinâmico entre as actividades pró-trombóticas e
antitrombóticas do endotélio pode influenciar eventos locais de coagulação (ex.: toxinas e
hipertensão).

Alterações do fluxo sanguíneo


 A estase e turbulência:
- Alteram o fluxo laminar permitindo que as plaquetas entrem em contacto com o endotélio;
- Evitam a diluição dos factores da coagulação activados pelo fluxo de sangue fresco;
- Retardam a chegada de inibidores da coagulação, permitindo a formação dos trombos;
- Promovem a activação das células endoteliais resultando em trombose local, adesão
leucocitária, etc;
 Ex.: aneurismas, placa aterosclerótica.

Hipercoagulabilidade
 É qualquer alteração nas vias de coagulação que predispõe à trombose e pode ser dividida em:
- Estados primários (hereditários)
 Mais comuns: mutações no gene do factor V de Leiden e da pró-trombina;
- Muito frequente em pacientes com trombose venosa profunda recorrente;
 Menos comuns: deficiência de antitrombina III, de proteína C e S;
- Típico em pacientes com trombose venosa e tromboembolismo recorrente na
adolescência ou no início da idade adulta;
- Estas mutações são importantes porque:

Vitor Martins FMUL/UMa 70


Robbins, Patologia Básica 2008/2009

o Podem ser co-herdadas e o risco resultante de uma diátese trombótica é


sinérgico;
o Indivíduos com essas mutações têm uma frequência muito elevada de trombose
venosa na presença de outros factores.

- Estados secundários (adquiridos)


 Alto risco de trombose: permanência no leito ou imobilização prolongada; enfarto do
miocárdio; fibrilação atrial; dano tecidual (cirurgia, fractura, queimaduras); cancro;
substituição de valvas cardíacas; coagulação intravascular disseminada; trombocitopenia
induzida pela heparina; síndrome do anticorpo antifosfolípido (lúpus
anticoagulante);
 Menor risco de trombose: cardiomiopatia; síndrome nefrótica; estados de
hiperestrogenismo (gravidez); uso de anticoncepcional oral; anemia falciforme; tabagismo
e obesidade.

Morfologia
 Os trombos arteriais ou cardíacos têm início nos locais de lesão endotelial ou turbulência,
enquanto que, os trombos venosos são característicos em locais de estase;
 Ambos tendem a se propagar na direcção do coração;
- A porção em propagação de um trombo tende a apresentar uma ligação fraca com o restante
do trombo e, portanto, com uma tendência e se fragmentar, gerando um êmbolo;
 Os trombos apresentam laminações aparentes, denominadas linhas de Zahn que representam
camadas pálidas de plaquetas e fibrina que se alternam com camadas mais escuras ricas em
eritrócitos;
 Trombos murais
- Formam-se nas câmaras cardíacas ou na luz da aorta;
- Ex.: Contracção anormal do miocárdio, lesão endomiocárdica;
- Placas aterosclecróticas ulceradas e aneurismas promovem a trombose aórtica;

 Trombos arteriais
- São oclusivos, sendo produzidos por plaquetas e activação da coagulação;
- Rede friável de plaquetas, fibrina, eritrócitos e leucócitos em degeneração;
- Podem embolizar e até mesmo causar enfarto tecidual a jusante, sendo o seu papel na
obstrução vascular em locais críticos muito mais significativo do ponto de vista clínico;
Vitor Martins FMUL/UMa 71
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 Trombos venosos (flebotrombose)


- Quase invariavelmente oclusivos, resultando sobretudo da activação da cascata da coagulação;
- Contêm mais eritrócitos (circulação lenta), sendo chamados de trombos vermelhos ou de
estase, ligados à parede do vaso;
- As veias das extremidades inferiores são mais afectadas;
- Podem causar congestão e edema nos leitos vasculares distais a uma obstrução, mas são
mais preocupantes por causa da sua capacidade para embolizar para os pulmões, levando à
morte;

 Trombos post-mortem
- São gelatinosos, com uma porção dependente vermelha, onde os eritrócitos depositaram-se
pela acção da força da gravidade, um sobrenadante amarelo, semelhante à “gordura de galinha” e,
em geral, não estão ligados à parede do vaso;

 Trombos nas valvas cardíacas (vegetações)


- Infecções bacterianas ou fúngicas provenientes do sangue podem danificar as válvulas causando,
posteriormente, a formação de grandes massas trombóticas;
- Vegetações estéreis também podem se desenvolver (endocardite trombótica não-
bacteriana).

Destino do trombo
 Se o paciente sobrevive à trombose inicial, nos dias ou semanas que se seguem os trombos
sofrem uma combinação dos quatro eventos a seguir:
- Propagação: trombos acumulam mais plaquetas e fibrina, até causar obstrução do vaso;
- Embolização: trombos soltam-se ou fragmentam-se, sendo transportados para qualquer vaso
sanguíneo;
- Dissolução: trombos são removidos pela actividade fibrinolítica;
 Nos trombos mais velhos, a extensa polimerização da fibrina torna-os muito mais
resistentes à proteólise e a lise é ineficaz;
- Organização e recanalização: trombos induzem inflamção e fibrose (organização) e, por
fim, são recanalizados ou podem ser incorporados como uma parede espessa do vaso.

Vitor Martins FMUL/UMa 72


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Embolia
 Um êmbolo é formado por uma massa sólida, líquida ou gasosa carregada pelo sangue até um
local distante da sua origem;
 A grande maioria dos êmbolos desprendeu-se de trombos;
 Os êmbolos situam-se em vasos muito pequenos para permitir a sua passagem, resultando em
oclusão vascular parcial ou total.

Tromboembolia pulmonar
 Os êmbolos pulmonares originam-se, basicamente, da trombose venosa profunda dos
membros inferiores;
 O seu efeito depende do seu tamanho;
 O paciente que desenvolve uma embolia pulmonar apresenta maior risco de apresentar outros
episódios;
 A maior parte dos êmbolos pulmonares é silenciosa sob o aspecto clínico, pois são pequenos;
- Organizam-se e incorporam a parede vascular e, em alguns caos, a organização de um êmbolo
resulta numa rede fibrosa e delicada;
 Pode ocorrer morte súbita, insuficiência do ventrículo direito (cor pulmonale) ou
colapso cardiovascular quando 60% ou mais da circulação pulmonar está obstruída;
 A obstrução embólica das artérias de calibre médio pode causar hemorragia
pulmonar, em geral não causando enfarto em virtude da dupla circulação pulmonar, e a
circulação arterial brônquica intacta continua a fornecer sangue para a área;
- Um êmbolo semelhante na vigência de insuficiência cardíaca esquerda (resultando num fluxo
sanguíneo lento na artéria pulmonar) pode causar um enfarto de grandes dimensões;
 Em geral, a obstrução de ramos arteriolares terminais da artéria pulmonar por êmbolos
geralmente leva ao enfarto pulmonar;
 A ocorrência de diversos êmbolos durante um determinado período pode causar hipertensão
pulmonar com insuficiência do ventrículo direito.

Tromboembolia sistémica
 Êmbolos sistémicos originam-se, sobretudo, de trombos murais cardíacos ou valvulares,
aneurismas aórticos ou placas ateroscleróticas;
 O desenvolvimento do enfarte depende do local da embolia e da presença de circulação
colateral;
Vitor Martins FMUL/UMa 73
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 Uma fracção muito pequena dos êmbolos sistémicos poarece ter origem nas veias, mas acaba
ganhando acesso à circulação arterial através de defeitos interventriculares – êmbolos
paradoxais.

Embolia gordurosa
 A gordura entra na circulação devido à ruptura dos sinusóides da medula óssea ou das
vénulas do tecido traumatizado;
 A síndrome de embolia gordurosa é caracterizada por insuficiência pulmonar, sintomas
neurológicos, anemia e trombocitopenia;
 Os sintomas são: taquipneia súbita, dispneia, taquicardia, irritabilidade e agitação (progride para o
coma).

Embolia gasosa
 Uma forma especial de embolia gasosa ocorre quando um indivíduo é exposto a mudanças
bruscas na pressão atmosférica – doença de descompressão;
 Nos pulmões, as bolhas de ar (azoto) na corrente sanguínea causam edema, hemorragia e
atelectasia focal ou enfisema, ocasionando insuficiência respiratória (sufocações);
 Uma forma mais crónica da doença de descompressão é denominada de doneça do caixão, em
que a persistência de êmbolos gasosos nos ossos causa múltiplos focos de necrose isquémica.

Embolia de líquido amniótico


 É uma complicação grave, mas rara, do trabalho de parto e pós-parto imediato;
 O quadro clássico é composto de edema pulmonar acentuado e dano alveolar difuso, com
células escamosas da pele, lanugem e cabelo do feto, gordura, da vérnix caseosa, e mucina dos
tractos respiratório e GI do feto, na microcirculação pulmonar.

Enfarto
 Os enfartos são áreas de necrose isquémica, em geral de coagulação, causadas por
oclusão arterial ou, mais raramente, venosa;
 Os enfartos são causados, com mais frequência, pela formação de trombos arteriais oclusivos ou
embolização de trombos arteriais ou venosos;

Vitor Martins FMUL/UMa 74


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 Os enfartos causados por oclusão venosa ou em tecidos fracos com suprimento sanguíneo
duplo (ex.: pulmões e intestino delgado) são tipicamente hemorrágicos (vermelhos), enquanto
que, os causados pela oclusão arterial em tecidos compactos (ex.: órgãos sólidos como o
coração, baço e rins) são pálidos (brancos);
 Podem ser sépticos, quando vegetações bacterianas de uma válvula cardíaca embolizam ou
quando microrganismos colonizam uma área de tecido necrótico ou estéreis;
- Nestes casos sépticos, o enfarto é convertido em abscesso, com um processo inflamatório
maior.

Choque
 O choque causa hipoperfusão sistémica em virtude da redução do débito cardíaco ou do
volume de sangue circulante;
 As causas mais comuns de choque são:
- Choque cardiogénico – falência da acção de bomba do coração devido, por exemplo, ao
enfarto do miocárdio;
- Choque hipovolémico – por causa de perda sanguínea;
- Choque séptico – decorrente de infecções;
 Mais raramente:
- Choque neurogénico – perda de tónus vascular e acumulação de sangue na periferia;
- Choque anafilático – vasodilatação sistémica e aumento da permeabilidade vascular causadas
por uma reacção de hipersensibilidade (IgE);
 O choque séptico é consequência da resposta imunológica natural do hospedeiro a maoléculas
bacterianas ou fúngicas (com mais frequência a endotoxina), com a produção sistémica de
citocinas, como o TNF e a IL-1, que actuam na activação endotelial e inflamatória;
- Hipotensão, CID e distúrbios metabólicos constituem a tríade clínica do choque séptico;
 O choque de qualquer etiologia induz lesão pela hipoxemia prolongada;
 O choque tende a evoluir em três estágios gerais:
- Estágio inicial, não-progressivo, durante o qual mecanismos reflexos compensatórios são
activados e a perfusão dos órgãos vitais é mantida;
 O efeito final consiste em taquicardia, vasoconstricção periférica e retenção renal de
líquidos;

Vitor Martins FMUL/UMa 75


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- Estágio progressivo, caracterizado pela hipoperfusão tecidual e início dos desequilíbrios


circulatório e metabólico;
 A acidose metabólica láctica resultante diminui o pH do tecido e reduz a resposta
vasomotora;

- Estágio irreversível, que tem início depois que o corpo sofreu lesões celulares e teciduais
tão graves que, mesmo que os defeitos hemodinâmicos sejam corrigidos, a sobrevivência não é
possível.

 Os rins exibem, tipicamente, necrose tubular aguda, de forma que oligúria, anúria e distúrbios
electrolíticos dominam o quadro clínico;
 O TGI pode apresentar hemorragia e necrose focal da mucosa;
 Os pulmões são raramente afectados no choque puramente hipovolémico, pois têm uma certa
resistência à lesão hipóxica;
- Quando o choque é causado por septicemia bacteriana ou trauma, podem ocorrer alterações
relativas ao dano alveolar difuso, conhecido como pulmão de choque;

 As manifestações clínicas dos choques cardiogénico e hipovolémico são: hipotensão; pulso


fraco e rápido; taquipneia; e pele fria, pegajosa e cianótica;
 No choque séptico a pele pode estar morna e eritematosa devido a vasodilatação.

Vitor Martins FMUL/UMa 76


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Capítulo V
Doenças do sistema imunológico

Doenças de hipersensibilidade: mecanismos da lesão mediada pelo


sistema imunológico
Causas das doenças de hipersensibilidade
 Auto-imunidade (ex.: doenças auto-imunes);
 Reacções contra os microrganismos;
Exs.:
- Glomerulonefrita pós-estreptocócica: anticorpos produzidos contra antigénios microbianos,
ligam-se a estes, produzindo complexos imunes que se depositam nos tecidos e desencadeiam
inflamação;
- Hepatite Viral: o vírus infecta as células do fígado não é citopático, mas é reconhecido como
estranho pelo sistema imunológico. As células T citotóxicas tentam eliminar as células infectadas
e essa resposta imunológica normal danifica as células hepáticas;
 Reacções contra antigénios ambientais (exs.: pólen, pêlo de animais ou ácaros de poeira);

 Alergias – são doenças causadas por respostas imunológicas incomuns a uma variedade de
antigénios não-infecciosos e inócuos aos quais somos expostos, mas apenas alguns apresentam
reacção;
 O problema nestas doenças é que a resposta é desencadeada e mantida impropriamente,
tendendo a se tornarem crónicas, denominadas doenças inflamatórias mediadas pelo
sistema imunológico.

Hipersensibilidade imediata (Tipo I)


 Também chamada de reacção alérgica ou alergia;
 Induzida por antigénios ambientais (alergénios) que estimulam respostas TH2 fortes e
produção de IgE em indivíduos geneticamente susceptíveis;

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Sequência de eventos nas reacções de hipersensibilidade imediata (Fig. 26)


1. Activação de células TH2 e produção de IgE
- Os alergénios podem ser introduzidos por
inalação, ingestão ou injecção;
- As células TH2 que são induzidas secretam
diversas citocinas responsáveis por,
essencialmente, todas as reacções de
hipersensibilidade imediata;
 IL-4 estimula as células B específicas
para o alergénio a sofrerem mudança
de classe da cadeira pesada para IgE e
secretar este isotipo;
 IL-5 activa os eosinófilos que são
recrutados para a reacção;
 IL-13 actua nas células epiteliais,
estimulando a secreção de muco;
 Eotaxina recruta eosinófilos;
Fig. 26
 Os níveis séricos de IgE (e, em alguns casos, os números de células TH2 no sangue) estão
aumentados em indivíduos que sofrem de alergias e a sua redução traz benefícios terapêuticos;

2. Sensibilização dos mastócitos pela IgE


- Os mastócitos expressam um receptor de alta afinidade para a porção Fc da
cadeira pesada, , da IgE, chamado de FcRI;
- Os mastócitos carregando IgE estão “sensibilizados” para reagir se o antigénio se ligar a
moléculas de anticorpos;
- Basófilos e eosinófilos também expressam FcRI;

3. Activação dos mastócitos e libertação de mediadores


- Quando os indivíduos que foram sensibilizados pela exposição a uma alergénio são expostos
novamente a esse alergénio, ele liga-se a diversas moléculas de IgE nos mastócitos específicas
para ele, em geral no local de entrada ou próximo dele;
- Quando essas moléculas de IgE sofrem uma ligação cruzada, uma série de sinais
bioquímicos é desencadeada nos mastócitos;
Vitor Martins FMUL/UMa 78
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

 Aminas vasoactivas libertadas dos grânulos


- Histamina: causa vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular, contracção
do músculo liso e elevação da secreção de muco;
- Adenosina, factores quimiotáticos, proteases neutras (ex.: triptase) e proteoglicanos
ácidos (heparina, sulfato de condroitina);
 Mediadores lipídicos recém-sintetizados
- Prostaglandina D2: causa broncoespasmo intenso e aumento da secreção de
muco;
- Leucotrienos C4 e D4: agentes vasoactivos e espamogénicos mais potentes,
causando aumento da permeabilidade vascular e contracção da musculatura lisa
brônquica;
 Citocinas (importantes na reacção tardia)
- TNF e quimiocinas: recrutam e activam leucócitos;
- IL-4 e IL-5: amplificam a reacção imunológica iniciada pelas células TH2;
- IL-13: estimula a secreção de muco pelas células epiteliais;

 Reacções tardias
- Fase tardia que se inicia após 2 a 8 horas, podendo durar por vários dias, sendo caracterizada
por inflamação e destruição tecidual, com a lesão das células epiteliais das mucosas;
- Os leucócitos inflamatórios são responsáveis pela maior parte da lesão espitelial na
hipersensibilidade imediata.

Manifestações clínicas e patológicas


 Podem ser locais ou sistémicas, variando de uma rinite discretamente irritante a anafilatoxia
fatal.

Hipersensibilidade mediada por anticorpos (Tipo II)


 Opsonização e fagocitose
- Anticorpos podem cobrir (opsonizar) as células, associado ou não à activação do complemento,
marcando essas células para fagocitose pelas células fagocitárias (macrófagos) que expressam
receptores para a porção Fc da IgG e proteínas do complemento;
- O resultado é a depleção das células opsonizadas;

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 Inflamação
- Anticorpos e complexos imunes podem depositar-se nos tecidos ou vasos sanguíneos,
desencadeando uma reacção inflamatória aguda pela activação do complemento e libertação
dos produtos da sua clivagem ou ligando-se aos receptores Fc dos leucócitos;
- A reacção inflamatória causa lesão tecidual;

 Disfunção celular mediada por anticorpos


- Os anticorpos podem ligar-se a receptores na superfície celular, causando alterações
funcionais (pela inibição ou activação desregulada) sem causar lesão celular;
- Exs.: miastenia grave, doença de Graves.

Hipersensibilidade mediada por complexos imunes (Tipo III)


 Doença sistémica causada por complexos imunes (Fig. 27)
- A patogenia da doença sistémica causada por
complexos imunes pode ser dividida em três fases:
1. Formação dos complexos antigénio-anticorpo
na circulação
 Os complexos mais patogénicos são formados
durante o excesso de antigénios, são pequenos
ou de tamanho moderado, são eliminados
com menos eficiência pelos macrófagos e,
portanto, circulam por mais tempo;
 A carga do complexo, valência do antigénio,
avidez do anticorpo e as características
hemodinâmicas de um determinado leito
vascular influenciam na tendência para
desenvolver doença;
 Os locais de depósito favoritos são os rins, a
articulação e os pequenos vasos sanguíneos
em vários tecidos;
Fig. 27

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2. Depósito dos complexos imunes nos tecidos


 Pode ocorrer aumento da permeabilidade vascular;

3. Reacção inflamatória nos locais de depósito


 O paciente desenvolve febre, urticária, artralgias, linfadenopatia e proteinúria;
 Activam o sistema complemento (C3 e C5a), levando ao aumento da permeabilidade
vascular e quimiotaxia para neutrófilos e monócitos;

- Morfologia
 A aparência morfológica da lesão causada pelos complexos imunes é dominada pela
vasculite necrosante, microtrombos e necrose isquémica superposta, acompanhados
de inflamação dos órgaõs afectados;
 A parede necrótica do vaso sanguíneo desenvolve uma aparência eosinofílica borrada
chamada de necrose fibrinóide, causada pelo depósito de proteínas.

 Doença local mediada por complexos imunes


- Ex.: reacção de Arthus (experimental) – vasculite cutânea.

Hipersensibilidade mediada pelas células T (Tipo IV)


 São respostas imunológicas celulares nas quais os linfócitos T causam lesão tecidual pela
produção de citocinas, que induzem inflamação e activam os macrófagos, ou pela destruição
directa das células do hospedeiro;
 Hipersensibilidade retardada (HR)
- As células T CD4+ são activadas pela exposição a um antigénio proteico, diferenciando-se em
células efectoras TH1;
- A exposição subsequente ao antigénio resulta na secreção da citocinas. O IFN-γ estimulam
os macrófagos para que produzam substâncias que causam dano tecidual e promovem a fibrose,
enquanto que, o TNF promove a inflamação;
- Reacções de HR prolongadas contra microrganismos persistentes ou outros estímulos podem
resultar num padrão morfológico especial chamado de inflamação granulomatosa;
 O infiltrado perivascular inicial de células T CD4+ é, progressivamente, substituído por
macrófagos;
 Esses macrófagos acumulados exibem evidência morfológica de activação, tornando-se
células epitelióides (grandes, achatados e eosinófilos);
Vitor Martins FMUL/UMa 81
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

 Estas células epitelióides fundem-se sob a influência de citocinas, formando células


gigantes multinucleadas, que circundadas por um colar de linfócitos, denomina-se
granuloma.

 Citotoxicidade mediada pela célula T


- Os linfócitos T citotóxicos CD8+ (CTLs) específicos para o antigénio reconhecem células que
o expressam, destruindo-as;
- As células T CD8+ também secretam IFN-γ.

Fig. 28

Vitor Martins FMUL/UMa 82


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Mecanismos das doenças mediadas pelo sistema imunológico


Tipo Doença prototípica Mecanismos imunológicos Lesões patológicas
Hipersensibilidade Anafilaxia, alergias, Produção de IgE  libertação Dilatação vascular,
Tipo I asma (formas imediata de aminas vasoactivas edema, contracção da
atópicas) e outros mediadores pelos musculatura lisa,
mastócitos; recrutamento de produção de muco,
células inflamatórias (reacção inflamação
tardia)
Hipersensibilidade Anemia hemolítica Produção de IgG e IgM  Fagocitose e lise
Tipo II auto-imune; síndrome ligam-se a antigénios na célula celular; inflamação; em
de Goodpasture ou tecido-alvo  fagocitose algumas doenças,
ou lise da célula-alvo através ocorrem alterações
da activação do complemento funcionais sem lesão
ou receptores Fc; celular ou tecidual
recrutamento de leucócitos
Hipersensibilidade Lúpus eritematoso Depósito de complexos Inflamação, vasculite
Tipo III sistémico; algumas antigénio-anticorpo  necrosante (necrose
formas de activação do complemento  fibrinóide)
glomerulonefrite; recrutamento de leucócitos
doença do soro; por produtos do
reacção de Arthus complemento e receptores Fc
 libertação de enzimas e
outras moléculas tóxicas
Hipersensibilidade Dermatite de Activação de linfóticos T  Infiltrados
Tipo IV contacto; esclerose libertação de citocinas e perivasculares, edema,
múltipla; diabetes tipo activação dos macrófagos; destruição celular,
1; rejeição de citotoxicidade celular formação de granuloma
transplantes;
tuberculose

Rejeição de transplantes
 A principal barreira para o transplante de órgãos de um indivíduo para o outro da mesma
espécie (aloenxerto) é a rejeição imunológica do tecido transplantado.

Reconhecimento imunológico dos alotransplantes


 Há dois mecanismos principais pelos quais o sistema imunológico reconhece e responde às
moléculas MHC do enxerto:
- Reconhecimento directo
 As células T do hospedeiro reconhecem as moléculas MHC alogénicas (estranhas)
expressas nas células do enxerto;
 O reconhecimento do MHC alogénico é essencialmente uma reacção imunológica
cruzada;

Vitor Martins FMUL/UMa 83


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 Ocorrem tanto respostas de hipersensibilidade retardada (HR) como destruição das


células do enxerto;
- Reconhecimento Indirecto
 As células T CD4+ do hospedeiro reconhecem as moléculas MHC do dador depois
dessas moléculas serem capturadas, processadas e apresentadas pelas APCs do
hospedeiro;
 Esta forma de reconhecimento activa, principalmente, as vias de HR, estando também
envolvida na produção de anticorpos.

Mecanismos efectores da rejeição dos transplantes


Rejeição mediada pelas células T
 As CTLs destroem células no tecido transplantado, causando morte das células
parenquimatosas e, talvez o mais importante, das células endoteliais (resultando em trombose e
isquémia do enxerto);
 As células T CD4+ secretoras de citocinas desencadeiam as reacções de HR com aumento
da permeabilidade vascular e acumulação local de células mononucleares;
- Os macrófagos activados podem lesionar as células e vasos do enxerto, resultando em isquémia
e, consequente, rejeição.

Rejeição mediada por anticorpos


 Aloanticorpos contra as moléculas MHC do órgão transplantado e outros aloantigénios ligam-
se ao endotélio do enxerto, causando lesão (e trombose secundária) por meio da activação do
complemento e recrutamento de leucócitos;
 Superpostas à lesão vascular imunológica, a agregação palquetária e a coagulação (causadas pela
activação do complemento) causam uma acentuação da lesão isquémica;
 Morfologia
1. Rejeição hiperaguda
- Anticorpos antidador pré-formados ligam-se ao endotélio do enxerto logo após o
transplante, causando trombose, dano isquémico e insuficiência imediata do enxerto (ex.:
rins);

2. Rejeição celular aguda


- As células T destroem o parênquima do órgão transplantado pela citotoxicidade e reacção
de HR;
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3. Rejeição humoral aguda (vasculite de rejeição)


- Anticorpos antidador danificam os vasos do enxerto – vasculite necrosante;
- Em muitos casos, a vasculite é menos aguda, sendo caracterizada por espessamento
acentuado da íntima pela proliferação de fibroblastos, miócitos e macrófagos espumosos;

4. Rejeição crónica
- Dominada pela aterosclerose, é provável que esse tipo de rejeição seja causada pela
reacção das células T e secreção de citocinas, que induzem proliferação das células do
músculo liso vascular, associada a fibrose do parênquima.

Métodos para melhorar a sobrevivência do órgão transplantado


 Uma maior compatibilidade entre o dador e o receptor melhora a sobrevida do enxerto;
 Entretanto, com o aperfeiçoamento dos medicamentos imunossupressores a
compatibilidade de HLA deixa de ser importante, que o receptor necessita de um transplante de
urgência;
- Fármacos usados: ciclosporina, o seu correlato FK506, mofetil micofenolato (MMF),
rapamicina, azatioprina, corticosteróides, globulinas antilinfocitárias e anticorpos monoclonais;
 No entanto, existem alguns inconvenientes: a imunossupressão global leva a um aumento da
susceptibilidade às infecções oportunistas por fungos, vírus e outras infecções;
 Para superar os efeitos colaterais da imunossupressão, uma estratégia consiste em prevenir
que as células T do hospedeiro recebam sinais co-estimuladores das CDs do dador
durante a fase inicial de sensibilização.

Transplante de células hematopoiéticas


 A rejeição de transplantes alogénicos de medula óssea parece ser mediado por uma
combinação das células T e NK do hospedeiro resistentes à radioterapia e quimioterapia;
 Dois problemas principais complicam este tipo de transplante:
- Doença enxerto vs hospedeiro (GVHD)
 Ocorre quando células T imunologicamente competentes são transplantadas num
paciente com deficiência imunológica;
 Quando um paciente com imunodeficiência recebe um transplante alogénico de medula
óssea, o hospedeiro não pode rejeitar o enxerto, mas células T presentes na medula
óssea do dador reconhecem o tecido do paciente como “estranho”, reagindo

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contra ele, resultando na activação das células T CD4+ e CD8+, gerando respostas HR e
CTL;
 GVHD aguda: causa necrose de células epiteliais em três órgãos principais: fígado, pele
e intestino;

- Imunodeficiências
 Ocorrem em pacientes que receberam transplantes de medula óssea;
 Inclui a reconstituição lenta do SI do hospedeiro, que em geral é destruído ou
suprimido, para permitir que o enxerto peque, e uma incapacidade de regenerar por
completo todas as células necessárias do SI, levando a uma maior susceptibilidade de
infecções.

Doenças auto-imunes
Tolerância imunológica
 É a ausência de resposta a um antigénio induzida pela exposição de linfócitos específicos àquele
antigénio;
 Autotolerância – refere-se a uma ausência de resposta aos antigénios próprios;
 É uma propriedade fundamental do sistema imunológico e a sua ruptura é a base das doenças
auto-imunes;
 Tolerância central
- Linfócitos imaturos que reconhecem auto-antigénios nos órgãos linfóides centrais (geradores)
sofrem apoptose;
- Na linhagem de células B, alguns dos linfócitos auto-reactivos trocam os seus receptores por
outros que não são auto-reactivos;

 Tolerância periférica
- Células T auto-reactivas que escapam da selecção negativa no timo podem ser eliminadas ou
eficazmente controladas:
 Anergia
- Refere-se à desactivação funcional dos linfócitos induzida pelo encontro com
antigénios em determinadas condições;

Vitor Martins FMUL/UMa 86


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- Se os segundos sinais co-estimuladores não forem fornecidos ou se um


receptor inibidor na célula T for ligado quando a célula encontra auto-antigénios, a célula
T torna-se anérgica, sendo incapaz de responder ao antigénio;
- As células B também podem tornar-se anérgicas se encontrarem o antigénio na ausência
de células T auxiliares específicas;
 Supressão pelas células T reguladoras
- As células T reguladores expressam CD25, uma das cadeiras do receptor para o IL-2,
citocina necessária para a sua geração e sobrevivência;
- Também expressam um factor de transcrição único (FoxP3). Mutação neste gene causa
uma doença auto-imune sistémica – IPEX (síndrome de desregulação imune ligada ao X,
poliendocrinopatia e enteropatia);
- Secretam citocinas imunossupressoras (ex.: IL-10 e TGF-β), que diminuem as respostas
das células T;
 Morte celular induzida pela activação
- Envolve apoptose dos linfócitos maduros resultante do reconhecimento do
antigénio;
- Morte do receptor Fas. Mutações nestes genes causam síndrome linfoproliferativa
auto-imune.

Mecanismos da auto-imunidade
 As variáveis que levam à ruptura da autotolerância e ao desenvolvimento de doenças auto-
imunes incluem: herdar genes de susceptibilidade que podem interferir em diferentes vias
de tolerância e infecções e alterações teciduais que podem expor auto-antigénios ou activar
APCs e linfócitos nos tecidos.

Vitor Martins FMUL/UMa 87


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Doenças auto-imunes
 O LES é uma doença sistémica auto-imune, causada pela
produção de anticorpos contra diversos auto-antigénios e pela
formação de complexos imunes;
 Os principais anticorpos, responsáveis pela formação de complexos
imunes circulantes, são direccionados contra antigénios nucleares;
 Outros anticorpos reagem com eritrócitos, plaquetas e vários
complexos de fosfolípidos com proteínas;
Lúpus eritematoso
sistémico  As manifestações da doença incluem nefrite, lesões cutâneas e
artrite, (causadas pelo depósito de complexos imunes) e
anormalidades hematológicas e neurológicas;
 A principal causa de ruptura da autotolerância no LES é desconhecida.
Pode incluir um excesso ou persistência de antigénios nucleares,
diversos genes de susceptibilidade herdados e desencadeadores
ambientais (ex.: radiação UV, que resulta em apoptose celular e
libertação de proteínas nucleares).
 A AR é uma doença inflamatória crónica que afecta sobretudo
as articulações, especialmente as pequenas articulações, mas pode
afectar diversos tecidos;
 A doença é causada pela resposta auto-imune contra auto-antigénio(s)
desconhecido(s), causando reacções das células T na articulação,
Artrite reumatóide levando à produção de citocinas que activam as células fagocitárias
que danificam tecidos e estimulam a proliferação de células sinoviais
(sinovite);
 O TNF desempenha um papel fundamental nesta doença e o uso de
antagonistas do TNF é altamente benéfico;
 Os anticorpos também podem contribuir para a doença.
 É uma doença inflamatória que afecta basicamente as glândulas
salivares e lacrimais, causando secura da boca e dos olhos;
Síndrome de Sjögren  Acredita-se que a doença seja causada por uma reacção auto-imune
das células T contra um, ou mais, auto-antigénio(s) desconhecido(s)
expresso nestas glândulas, ou reacções imunológicas contra os
antigénios de um vírus que infecciona os tecidos.
 Muitas vezes chamada de esclerodermia, é caracterizada pela
fibrose progressiva da pele, do TGI e de outros tecidos;
 A fibrose pode resultar da activação dos fibroblastos pelas citocinas
produzidas pelas células T, mas o factor que desencadeia respostas
Esclerose sistémica
das células T ainda é desconhecido;
 É comum a presença de lesão endotelial e doença vascular nas
lesões da esclerose sistémica, talvez causando isquémia crónica, mas a
patogenia da lesão vascular é desconhecida.

Vitor Martins FMUL/UMa 88


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Capítulo VI
Neoplasia

Nomenclatura
 Neoplasma – massa anormal de tecido, cujo crescimento é descontrolado e ultrapassa o do
tecido normal, persistindo da mesma maneira excessiva após o término dos estímulos que
provocaram a alteração;
 Alterações hereditárias (genéticas) que permitam a proliferação excessiva e
desregulada independente de estímulos fisiológicos reguladores do crescimento são
fundamentais para a origem de todos os neoplasmas;
 Os neoplasmas possuem um certo grau de autonomia e um aumento de tamanho mais ou
menos constante e indiferente ao seu ambiente local e ao estado nutricional do hospedeiro;
- No entanto, esta automonia não é completa, pois alguns neoplasmas necessitam de
suporte endócrino;
- Todos os neoplasmas dependem do hospedeiro para a sua nutrição e suprimento
sanguíneo;
 Na terminologia médica comum, um neoplasma é muitas vezes reportado como um tumor,
sendo o estudo dos tumores chamado de oncologia.

Tumores benignos
 Um tumor é classificado como benigno quando as suas características microscópicas e
macroscópicas são consideradas relativamente inofensivas, sugerindo que permanecerá
localizado, não poderá disseminar-se para outros locais e será acessível à remoção cirúrgica
(paciente geralmente sobrevive);
 No entanto, podem produzir mais que uma massa localizada, e algumas vezes são responsáveis
por doenças sérias;
 Em geral, são designados pela ligação do sufixo –oma ao nome do tipo celular do qual o
tumor se origina.

Vitor Martins FMUL/UMa 89


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Tumores malignos
 São colectivamente reportados como cancros, derivado da palavra caranguejo, pois aderem de
maneira obstinada a qualquer parte que conseguem agarrar, semelhante ao comportamento do
caranguejo;
 A lesão pode invadir e destruir estruturas adjacentes e disseminar-se para locais distantes
(metástase) e causar a morte;
 A nomenclatura dos tumores malignos segue essencialmente a mesma dos tumores benignos,
com algumas adições e excepções.

 Todos os tumores, benignos e malignos, possuem dois componentes básicos:


- O parênquima, constituído de células transformadas ou neoplásicas;
 Determina o comportamento biológico do tumor e é responsável pelo seu nome;
- O estroma de sustentação, não-neoplásico, cosntituído de tecido conjuntivo, vasos sanguíneos
e células inflamatórias derivadas do hospedeiro;
 Proporciona suprimento sanguíneo e suporte para o crescimento das células
parenquimatosas;

 As neoplasias são de origem monoclonal;


- Em alguns casos, as células tumorais podem sofrer uma diferenciação divergente e dar origem
aos tumores mistos (ex.: tumor misto da glândula salivar);
 Os tumores mistos multifacetados não devem ser confundidos com o teratoma;
 Teratoma - um tipo de tumor de células germinais derivado de células pluripotentes e
constituído por elementos de diferentes tipos de tecido de uma ou mais das três camadas
de células germinais;
- Mais frequentemente encontrado no ovário ou no testículo em adultos e na região
sacrococcígea em crianças;
- Os teratomas variam de benignos (maturo, dermóide e cístico) a maligno (imaturo e
sólido).

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NOMENCLATURA DOS TUMORES


Tecido de origem Benigno Maligno
Composto por um tipo de células parenquimatosa
Tecido conjuntivo e derivados Fibroma Fibrossarcoma
Lipoma Lipossarcoma
Condroma Condrossarcoma
Osteoma Sarcoma osteogénico
Tecido endotelial e tecidos relacionados
Vasos sanguíneos Hemangioma Angiossarcoma
Vasos linfáticos Linfangioma Linfangiossarcoma
Sinovial Sarcoma sinovial
Mesotélio Mesotelioma
Revestimento cerebral Meningioma Meningioma invasivo
Células sanguíneas e células relacionadas
Células hematopoiéticas Leucemias
Tecido linfóide Linfomas
Músculo
Liso Leiomioma Leiomiossarcoma
Estriado Rabdomioma Rabdomiossarcoma
Tumores de origem epitelial
Escamoso estratificado Papiloma de células Carcinoma de células
escamosas escamosas ou epidermóide
Células basais da pele ou dos Carcinoma basocelular
anexos Adenoma Adenocarcinoma
Revestimento epitelial de Papiloma Carcinoma papilar
glândulas ou ductos Cistadenoma Cistadenocarcinoma
Adenoma brônquico Carcinoma broncogénico
Vias respiratórias Adenoma tubular renal Carcinoma de células renais
Epitélio renal Adenoma hepatocelular Carcinoma hepatocelular
Células hepáticas Papiloma urotelial Carcinoma urotelial
Epitélio do tracto urinário (de Mola hidatiforme Coriocarcinoma
transição) Seminoma
Epitélio placentário Carcinoma embrionário
Epitélio testicular (células
germinativas)
Tumores de melanócitos Nevo Melanoma maligno
Mais de um tipo de célula neoplásica – Tumores mistos, em geral derivados de uma
camada de células germinativas
Glândula salivar Adenoma pleomórfico Tumor misto maligno de
glândula salivar
Primórdio renal Tumor de Wilms
Mais de um tipo de célula neoplásica derivado de mais de uma camada de células
germinativas - Teratogénicos
Células totipotentes nas gónadas ou Teratoma maduro, cisto Teratoma imaturo,
em restos embrionários dermóide teratocarcinoma

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Características dos neoplasmas benignos e malignos


 Os tumores benignos e malignos podem ser diferenciados com base no seu grau de diferenciação
na taxa de crescimento, na capacidade de invasão local e de disseminação a distância.

Diferenciação e anaplasia
 Referem-se somente às células parenquimatosas, que constituem os elementos transformados do
neoplasmas;
 Os tumores benignos assemelham-se ao tecido de origem e são bem diferenciados;
- Existem evidência de diferenciação morfológica e funcional;
- Nos tumores benignos bem diferenciados, as mitoses são extremamente limitadas em
número e são de configuração normal;
 Os tumores malignos são pouco diferenciados ou completamente indiferenciados
(anaplásicos, significa “formação inversa”);
- A anaplasia implica uma desdiferenciação ou perda da diferenciação funcional e
estrutural das células normais;
- As células anaplásicas apresentam:
 Pleomorfismo marcante (variação de tamanho e forma);
 Núcleo hipercromático (coloração muito escura) e aumentado;
- A sua proporção para o citoplasma pode aproximar-se de 1:1;
- Cromatina grosseira e aglomerada;
- Nucléolo pode estar espantosamente grande;
 Células gigantes;
 Mitoses frequentemente numerosas e atípicas;
 As células anaplásicas não desenvolvem padrões reconhecíveis de orientação de uma para
a outra (ex.: perdem a polaridade normal);
- A anaplasia é o distúrbio mais extremo do crescimento celular encontrado no espectro das
proliferações celulares;

 Displasia – termo utilizado para descrever uma proliferação desordenada, mas não-neoplásica;
- É encontrade, principalmente, no epitélio;
- Consiste na perda de uniformidade das células individuais e da sua orientação arquitectónica;
- Exibem pleomorfismo considerável e frequentemente possuem núcleos hipercromáticos
(anormalmente grandes para o tamanho da célula);

Vitor Martins FMUL/UMa 92


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- As mitoses frequentemente aparecem em localizações anormais dentro do epitélio;


- Quando as alterações displásicas são marcantes e envolvem toda a espessura do epitélio, a
lesão é chamada de carcinoma in situ (estágio pré-invasivo de cancro);
- O termo displasia sem qualificações não indica cancro, e as displasias não progridem
necessariamente para o cancro.

Taxas de crescimento
 Os tumores benignos crescem lentamente, enquanto que, os tumores malignos
geralmente crescem mais rápido;
 No entanto, existem muitas excepções para esta generalização e alguns tumores benignos
crescem mais rapidamente do que alguns cancros (ex.: velocidade do crescimento de leiomiomas
do útero é influenciada pelos níveis de estrogénio circulantes);
 Em geral, a taxa de crescimento dos tumores malignos correlaciona-se com o seu nível de
diferenciação, ou seja, tumores que crescem rapidamente tendem a ser pouco
diferenciados (menor capacidade funcional especializada);
 Tumores malignos que crescem rapidamente muitas vezes contêm áreas centrais
de necrose isquémica porque o suprimento sanguíneo do tumor, derivado do hospedeiro, é
incapaz de sustentá-lo com o oxigénio necesário para a expansão da massa de células.

Invasão local
 Os tumores benignos são bem circunscritos e podem possuir um cápsula;
- A cápsula deriva, provavelmente, do estroma do tecido do hospedeiro à medida que as células
parenquimatosas atrofiam sob a pressão do tumor em expansão;
- Nem todas as neoplasias benignas são encapsuladas (ex.: leiomioma do útero);
 Os tumores malignos são pouco circunscritos e invadem o tecido normal
circundante;
- Crescem por infiltração progressiva, invasão, destruição e penetração dos tecidos circundantes;
- Os patologistas cirúrgicos examinam cuidadosamente as margens do tumor retirado para
garantir que elas estejam isentas de células cancerosas (margens limpas);
- Depois do desenvolvimento de metástases, a invasão local constitui a característica mais
confiável que diferencia os tumores malignos dos tumores benignos.

Vitor Martins FMUL/UMa 93


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Metástase
 Metástase – desenvolvimento de implantes secundários (metástase) separados do tumor
primário, em tecidos distantes;
 Os tumores benignos permanecem localizados no seu sítio de origem, enquanto que,
os tumores malignos são invasivos localmente e metastatizam-se para locais
distantes;
 Carcinomas basocelulares da pele e a maioria dos tumores primários do sistema nervoso central
são altamente invasivos no seu local prímario de origem, mas raramento metastatizam;
 Os sarcomas osteogénicos (ósseos), normalmente, mestatatizam para os pulmões ao mesmo
tempo da descoberta da manifestação inicial;
 Em geral, quanto maior e mais anaplásica for a neoplasia primária, mais provável é a
disseminação metastática, mas podem existem algumas excepções;
- Esta disseminação prejudica enormemente a possibilidade de cura da doença;
 As neoplasias malignas disseminam-se por uma das três vias seguintes:
- Disseminação por implantação
 Neoplasias invadem as cavidades corporais naturais (ex.: cancro do ovário);

- Disseminação linfática
 É mais característica dos carcinomas;
- Algumas excepções de carcinomas que se disseminam por via hematogénica: carcinoma
de células renais e carcinomas hepatocelulares;
 Metástase saltatória – as células cancerosas parecem atravessar os canais linfáticos
dentro dos nódulos linfáticos imediatamente próximos para serem aprisionadas nos
nódulos linfáticos subsequentes;
 “Nódulo linfático sentinela” – primeiro nódulo linfático numa bacia linfática regional
que recebe o fluxo linfático a partir do tumor primário;
 Embora o aumento dos nódulos linfáticos próximos da neoplasia primária possa
despertar fortes suspeitas de disseminação metastática, não significa sempre
envolvimento canceroso;
- Os produtos necróticos da neoplasia e os antigénios tumorais muitas vezes provocam
alterações reactivas nos nódulos linfáticos, tais como, aumento e hiperplasia dos folículos
(linfadenite) e proliferação de macrófagos no seio subcapsular (histiocitose sinusal);

Vitor Martins FMUL/UMa 94


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- Disseminação hematogénica
 É a consequência mais temida de cancro;
 Ela a principal via de disseminação dos sarcomas;
 O fígado e os pulmões são os locais secundários mais frequentemente envolvidos na
disseminação hematogénica (invasão venosa).

Epidemiologia
 A incidência do cancro varia de acordo com a idade, etnia, factores geográficos e condições
genéticas;
- Os cancros são mais comuns nos dois extremos de idade;
- As variações geográficas resultam, na maioria das vezes, de exposições ambientais diferentes;
 A maioria dos cancros é esporádica, mas alguns são familiares;
- A predisposição para cancros hereditários pode ser autossómica recessiva, geralmente
associada a defeitos no reparo do DNA (ex.: xeroderma pigmentoso);
- Também pode ser autossómica dominante, comumente ligada à hereditariedade de uma
mutação na linhagem germinativa dos genes supressores de tumor (ex.: retinoblastoma da
infância, polipose adenomatosa familiar);
 Os cancros familiares tendem a ser bilaterais e a aparecer mais precocemente do que a sua
contraparte esporádica.

Carcinogénese: as bases moleculares do cancro (Fig. 29)


 Os tumores originam-se de um crescimento clonal de células que possuem mutações ocorridas
em quatro classes de genes: genes que regulam o crescimento celular (proto-oncogenes e
genes supressores de tumor) e aquelas que regulam a apoptose e o reparo do DNA;
 A mutação num único gene não é suficiente para causar cancro;
- Normalmente, os atributos fenotípicos característicos de malignidade desenvolvem-se quando
múltiplas mutações, envolvendo múltiplos genes, acumulam-se;
- A acumulação gradual de mutações e o aumento da malignidade são reportados como
progessão tumoral.

Vitor Martins FMUL/UMa 95


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Fig. 29

Auto-suficiência nos sinais de crescimento


 Proto-oncogenes – genes celulares normais cujos produtos promovem a proliferação celular;
 Oncogenes – versões mutantes dos proto-oncogenes que funcionam autonomamente sem a
necessidade de sinais promotores do crescimento;
 Os oncogenes podem promover a proliferação celular descontrolada por vários
mecanismos:
- Expressão independente do estímulo do factor de crescimento e do seu receptor,
mantendo um circuito autócrino de proliferação celular;
 Receptor de PDGF-PDGF nos tumores cerebrais;
- Mutações nos genes que codificam os receptores do factor de crescimento, levando
a superexpressão ou sinalização constitutiva pelo receptor (ex.: receptores do EGF);
 Membros da família do receptor de EGF, incluindo o HER2/NEU (mama, pulmão e
outros tumores);

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- Mutações nos genes que codificam as moléculas de sinalização;


 O RAS está comumente mutado nos cancros humanos;
 Normalmente saltos entre o estado de repouso ligado ao GDP e o estado activo ligado
ao GTP;
- As mutações bloqueiam a hidrólise do GTP em GDP, o que leva a uma sinalização
descontrolada;
 Fusão da tirosina quinase ABL com a proteína BCR em certas leucemias gera uma
proteína híbrida com actividade quinase constitutiva;
- Superprodução ou actividade desregulada dos factores de transcrição;
 Translocação t(8;14) do MYC em alguns linfomas leva a superexpressão e expressão
desregulada dos seus genes-alvo que controlam o ciclo celular e a sobrevivência;
- Mutações que activam os genes da ciclina ou inactivam os reguladores normais das
ciclinas e quinases dependentes de ciclinas;
 Complexos de ciclinas com quinases dependentes de ciclina (CDKs) conduzem o ciclo
celular ao fosforilar vários substratos;
 As CDK’s são controladas por inibidores;
 As mutações nos genes que codificam as ciclinas, CDKs e os inibidores das CDKs
resultam na progressão descontrolada do ciclo celular;
 Tais mutações são encontradas numa ampla variedade de cancros, incluindo cerebrais,
pulmonares, cancro pancreático e melanomas.

Insensibilidade aos sinais inibidores do crescimento


 Os genes supressores de tumor codificam proteínas que inibem a proliferação celular por regular
o ciclo celular;
 Diferentemente, nos oncogenes ambas as cópias do gene devem estar perdidas para o
desenvolvimento do tumor, levando à perda da heterozigose no locus génico;
 Nos casos com predisposição familiar para desenvolver tumores, os indíviduos afectados
herdam uma cópia defeituosa (não-funcional) de um gene supressor de tumor e perdem a
segunda cópia por mutação somática;
 Nos casos esporádicos, ambas as cópias estão perdidas devido a mutações somáticas;
 O primeiro e prototípico gene supressor de tumor a ser descoberto foi o gene do
retinoblastoma (RB).

Vitor Martins FMUL/UMa 97


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Gene RB e o ciclo celular


 A RB exerce efeitos antiproliferativos por controlar a transição de G1 para S no ciclo
celular;
 Na sua forma activa, a RB está hipofosforilada e liga-se ao factor de transcrição E2F;
- Esta interacção evita a transcrição de genes, como o da ciclina E, que são necessários para a
replicação do DNA e, dessa forma, as células permanecem em G1;
 A sinalização do factor de crescimento leva à expressão da ciclina D, activação dos complexos
ciclina D-CDK4/6, inactivação da RB por fosforilação e, assim, liberta o E2F;
 A perda do controlo do ciclo celular é fundamental para a transformação maligna;
 Quase todos os cancros possuem o ponto de controlo de G1 inválido, por mutação da RB ou de
genes que afectam a função da RB, como a ciclina D, CDK4 e CDKIs;
 Muitos vírus de DNA oncogénicos, como o HPV, codificam proteínas (ex.: E7) que se ligam a RB
e deixam-na não-funcional.

Gene p53: guardião do genoma (Fig. 30)


 Os p53 impede a transformação
neoplásica por três mecanismos
conectados: activação da interrupção
temporária do ciclo celular
(quiescência), indução da interrupção
do ciclo celular de forma permanente
(senescência), ou disparando a morte
celular programada (apoptose);
 A p53 é o monitor central do stress
na célula e pode ser activada por
anoxia, sinalização inadequada de
um oncogene ou lesão do DNA;
 A p53 activada controla a expressão e a
actividade dos genes envolvidos na
paragem do ciclo celular, no reparo do
DNA, o envelhecimento celular e a apoptose; Fig. 30
 O DNA lesado leva à activação da p53 por fosforilação;
- A p53 activada conduz à transcrição do CDKN1A (p21) que evita a fosforilação da RB e, dessa
forma, causa o bloqueio de G1 para S no citoplasma celular;
Vitor Martins FMUL/UMa 98
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

- Esta paragem permite que a célula repare o DNA danificado;


 Dos tumores humanos, 70% possuem perda da homozigose do p53;
 Os pacientes com a rara Síndrome de Li-Fraumeni herdam uma cópia defeituosa na linhagem
germinativa e perdem a segunda em tecidos somáticos, desenvolvendo uma variedade de
tumores (ex.: sarcomas, cancro da mama, leucemia, tumores cerebrais e carcinomas do córtex
supra-renal);
 Como ocorre com a RB, a p53 pode ser incapacitada pela ligação a proteínas codificadas por
alguns vírus de DNA oncogénicos, com o HPV e, possivelmente, o EBV e o HBV.

Via do factor de crescimento transformante-β


 O TGF-β inibe a proliferação de muitos tipos celulares pela activação de genes inibidores do
crescimento, como CDKIs, e a supressão dos genes promotores do crescimento, como o c-
MYC, VDK2, CDK4 e as ciclinas A e E;
 A função do TGF-β está comprometida em muitos tumores por mutações nos seus receptores
(cólon, estômago, endométrio) ou por meio da inactivação mutacional dos genes SMAD que
traduzem a sinalização do TGF-β (pâncreas).

Via da β-catenina da polipose adenomatosa do cólon


 A WNT é um factor solúvel que pode induzir a proliferação celular;
- Liga-se ao seu receptor e transmite sinais que evitam a desgradação da β-catenina, o
que permite a sua translocação para o núcleo, onde age como um activador da transcrição em
conjunto com outra molécula, chamada de TcF;
- Nas células quiescentes, que não são expostas à WNT, a β-catenina citoplasmática é
degradada por um complexo de destruição, do qual o APC é parte integral;
- Com a perda do APC (nas células malignas), a degradação da β-catenina é evitada e a resposta
sinalizadora da WNT é inadequadamente activada na ausência de WNT;
- Assim, a β-catenina transloca-se para o núcleo, onde age como um factor de transcrição de
genes promotores do crescimento (ex.: ciclina D1 e MYC);
 Na Síndrome da polipose adenomatosa familiar, a herança de uma mutação na linhagem
germinativa no gene APC causa o desenvolvimento de centenas a milhares de pólipos coloniais
numa idade precoce;
- Um ou mais destes pólipos originam um cancro de cólon com a perda da heterozigose no locus
APC;

Vitor Martins FMUL/UMa 99


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- A perda somática de ambos os alelos do gene APC é vista, aproximadamente, em 70% dos
cancros do cólon esporádico.

Evasão da apoptose
 A apoptose pode ser iniciada pelas vias intrínseca ou extrínseca;
 Ambas as vias resultam na activação de uma cascata proteolítica de caspases que destrói a célula;
 A permeabilidade da membrana externa mitocondrial é regulada pelo equilíbrio entre as
moléculas pró-apoptóticas (ex.: BAX, BAK) e as anti-apoptóticas (BCl-2, BCl-XL);
 As células BH3-only (ex.: BAD, BID e PUMA) activam a apoptose por provocar um
desequilíbrio em favor das moléculas pró-apoptóticas;
 Em 85% dos linfomas de células B foliculares, o gene anti-apoptótico BCl-2 está
activado por uma translocação t(8;14).

Potencial replicativo ilimitado


 Nas células normais, que perdem a expressão da telomerase, os telómeros encurtados gerados
pela divisão celular, consequentemente, activam os pontos de controlo do ciclo celular, levando à
senescência e estabelecendo um limite no número de divisões que a célula pode sofrer;
 Nas células que possuem os pontos de controlo deficientes, as vias de reparo do DNA são
activadas inadequadamente pelos telómeros encurtados, o que leva à instabilidade cromossómica
maciça e à crise mitótica;
 As células tumorais reactivam a telomerase, e isso protela a catástrofe mitótica e permite a
imortalidade.

Desenvolvimento da angiogénese sustentada


 A vascularização dos tumores é essencial para o seu crescimento e é controlada pelo equilíbrio
entre factores angiogénicos e anti-angiogénicos que são produzidos pelas células tumorais e
estromais;
- Esta vasculatura é anormal: vasos permeáveis, dilatados e com padrão irregular de
conexão;
 A neovascularização tem um efeito duplo no crescimento tumoral:
- A perfusão fornece nutrientes necessários e oxigénio;
- As células endoteliais recém-formadas estimulam o crescimento das células tumorais
adjacentes por meio da secreção de factores de crescimento;

Vitor Martins FMUL/UMa 100


Robbins, Patologia Básica 2008/2009

 A angiogénese também contribui para o acesso à vasculatura e, consequentemente, para a


metástase;
 A hipoxia desencadeia a angiogénese por meio de acções do HIF1α;
- Por causa da sua capacidade de degradar o HIF1α e, dessa forma, evitar a angiogénese, a VHL
age como um gene supressor de tumor;
- A herança de mutações na linhagem germinativa deste gene causa a Síndrome de von
Hippel-Lindau (VHL), caracterizada pelo desenvolvimento de uma variedade de tumores (ex.:
cancros de células renais, feocromocitomas, hemangiomas do sistema nervoso central, angiomas
de retina e quistos renais);
 Muitos outros factores regulam a angiogénese (ex.: p53 induz a síntese do inibidor de
angiogénese trombospondina-1).

Capacidade para invadir e metastatizar


 A capacidade para invadir tecidos, uma indicação de malignidade, ocorre em quatro etapas
(Fig.31):
1. Enfraquecimento do contacto célula-célula;
- O contacto célula-célula é perdido pela
inactivação da E-caderina;
 A função da E-caderina está perdida em
praticamente todos os cancros epiteliais;

2. Degradação da MEC;
- A degradação das membranas basais e da matriz
intersticial é mediada por enzimas proteolíticas
secretadas pelas células tumorais e células estromais,
como as MMPs e as catepsinas;

3. Fixação a novos componentes da MEC;


- As enzimas proteolíticas também libertam factores
de crescimento sequestrados na MEC e produzem
fragmentos quimiotáticos e angiogénicos a partir da
clivagem das glicoproteínas da MEC; Fig. 31

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Robbins, Patologia Básica 2008/2009

4. Migração das células tumorais;


- As células tumorais são vulneráveis à destruição pelas células do sistema imune do
hospedeiro;
- Na corrente sanguínea, algumas células tumorais formam êmbolos, pois agregam-se e
aderem aos leucócitos circulantes, particularmente, às plaquetas;
- As células tumorais agregadas dispõem de certa protecção contra as células efectoras
antitumorais do hospedeiro;
- A maioria das células tumorais, no entanto, circulam sob a forma de células únicas;
- O extravasamento de células tumorais livres ou êmbolos tumorais envolve a adesão ao
endotélio vascular, seguida pelo egresso pela membrana basal até ao parênquima do órgão
por meio de mecanismos semelhantes àqueles envolvidos na invasão;
- O local metastático de muitos tumores pode ser predito pela localização do tumor
primário;
 Muitos tumores ficam detidos no primeiro leito capilar que encontram (pulmão
e fígado, mais comumente);
- Alguns tumores mostram tropismo para um determinado órgão, provavelmente devido à
expressão de receptores de adesão ou de quimiocinas cujos ligantes são expressos pelo local
metastático.

Instabilidade genómica – capacitação para malignidade


 Indivíduos com mutações herdadas em genes envolvidos nos sistemas de reparo do DNA
possuem um risco enormemente aumentado de desenvolver cancro;
 Pacientes com a Síndrome do cancro de cólon sem polipose hereditária (HNPCC)
possuem defeitos no sistema de reparo do emparelhamento errado do DNA e
desenvolvem carcinomas de cólon (predominantemente o ceco e o cólon ascendente);
- Estes pacientes mostram instabilidade do microssatélite (IMS), na qual as repetições encurtadas
por todo o genoma estão alteradas em tamanho;
 Pacientes com xeroderma pigmentoso apresentam um defeito na via de reparo por excisão
do nucleótido e um risco aumentado para desenvolver cancro de pele quando expostos à luz
UV, devido à incapacidade de reparar os dímeros de pirimidina;
 As síndromes que envolvem defeitos no sistema de reparo da recombinação homóloga
do DNA compõem um grupo de distúrbios (síndrome de Bloom, ataxia-telangiectasia e anemia
de Fanconi) que é caracterizado pela hipersensibilidade aos agentes que lesam o DNA,
como a radiação ionizante;
Vitor Martins FMUL/UMa 102
Robbins, Patologia Básica 2008/2009

 O BCRA1 e o BCRA2, que estão mutados nos cancros de mama familiares, estão
envolvidos no reparo do DNA;
- Apesar do BCRA1 e do BCRA2 estarem inactivos nos cancros de mama familiares, esses genes
raramente estão inactivos em casos esporádicos de cancro de mama, sendo diferentes de outros
genes supressores de tumores, que são inactivados tanto nos cancros familiares como nos
esporádicos.

MicroRNAs (miRNAs) e cancro


 Os miRNAs são RNAs de fita simples não codificados, de aproximadamente 22 nucleótidos
de comprimento, que funcionam como reguladores negativos de genes;
 Inibem a expressão genética pós-transcricionalmente por reprimir a tradução, ou, em alguns
casos, da clivagem do mRNA;
 Controlam o crescimento, a diferenciação e a sobrevivência celulares;
 A actividade reduzida de um miRNA que inibe a tradução de um oncogene origina um excesso
de oncoproteínas;
 A superactividade de um miRNA que tem como alvo um gene supressor de tumor reduz a
produção da proteína supressora de tumor.

Alterações cariotípicas nos tumores


 As células tumorais desenvolvem uma variedade de anormalidades cromossómicas não-aleatórias
que contribuem para a malignidade, que incluem translocações recíprocas, delecções e
manifestações citogenéticas de amplificação génica;
- As translocações recíprocas contribuem para a carcinogénese por meio da superexpressão
de oncogenes ou pela geração de novas proteínas fusionadas com a capacidade de sinalização
alterada (especialmente neoplasmas hematopoiéticos);
 Ex.: leucemia mielogénica crónica (cromossomas 9 e 22);
- As delecções frequentemente afectam os genes supressores de tumor (mais comuns nos
tumores sólidos não-hematopoiéticos);
 Ex.: retinoblastoma (delecção 13p faixa 14)
- A amplificação génica aumenta a expressão dos oncogenes;
 Ex.: neuroblastomas e cancro da mama;

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 Os genes supressores de tumor e os genes de reparo do DNA também podem ser silenciados
por alterações epigenéticas, as quais envolvem alterações hereditárias reversíveis na
expressão do gene que ocorrem, não por mutação, mas por metilação do promotor.

Etiologia do cancro: agentes carcinogénicos


Carcinogénios químicos
 Os carcinogénios químicos possuem grupos eletrofílicos altamente reactivos que lesam
o DNA directamente, levando a mutações e frequentemente ao cancro;
 Os agentes de acção directa não exigem conversão metabólica para se tornarem
carcinogénicos, enquanto que, os agentes de acção indirecta não estão activos até que sejam
convertidos num carcinogénio por vias metabólicas endógenas;
- Por essa razão, os polimorfismos de enzimas endógenas, como o citocromo P450, podem
influenciar a carcinogénese;
 Depois da exposição de uma célula a um mutagénio ou um iniciador, a tumorigénese pode
ser potencializada pela exposição a promotores que estimulam a proliferação das células
mutadas;
 Exemplos de carcinogénios humanos compreendem os de acção directa (ex.: agentes alquilantes
utilizados para quimioterapia), os de acção indirecta (ex.: benzopireno, corantes azo e aflatoxina)
e promotores/agentes que causam hiperplasia patológica do fígado e endométrio.

Carcinogénese por radiação


 A radiação ionizante causa quebras cromossómicas, translocações e, menos frequentemente,
mutações pontuais, que levam a lesão genética e carcinogénese;
 Os raios UV induzem a formação de dímeros de pirimidina no DNA, o que leva a mutações;
- Por essa razão, os raios UV podem dar origem a carcinomas de células escamosas e melanomas
da pele.

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Oncogénese viral e microbiana


Vírus oncogénicos de RNA
 O HTLV-1 causa a leucemia de células T (células TCD4+ são o alvo principal), que é
endémica no Japão e nas Caraíbas;
 O HTLV-1 codifica a proteína TAX viral, que transforma os genes de citocinas e os seus
receptores em células T infectadas (sinalização autócrina);
- Isso prepara um sistema de sinalização parácrino (aumento da produção do factor
estimulador de colónias de macrófagos-granulócitos, que estimula os macrófagos vizinhos a
produzirem outros mitogénios de células T) e autócrino que estimula a proliferação das células
T;
- Embora esta proliferação seja inicialmente policlonal, as células T proliferantes possuem um
risco aumentado de sofrer mutações secundárias, o que leva ao surgimento de uma leucemia
monoclonal.

Vírus oncogénicos de DNA


 Papilomavírus humano (HPV)
- O HPV está associado a verrugas benignas, bem como ao cancro do colo do útero;
- A capacidade oncogénica do HPV está relacionada à expressão de duas oncoproteínas virais, a
E6 e a E7;
 A E6 liga-se a p53 e a E7 liga-se a RB, neutralizando a sua função;
 Ambas podem activar ciclinas;
- A E6 e a E7 do HPV de alto risco (que origina cancro) possuem maior afinidade pelos seus
alvos do que a E6 e a E7 do HPV de baixo risco (que origina tumores de baixo grau);

 Vírus Epstein-Barr (EBV)


- O EBV está associado à patogenia do linfoma de Burkitt, de linfoma nos indivíduos
imunossuprimidos com infecção pelo HIV ou receptores de órgãos, a algumas formas de lingoma
de Hodgkin e ao carcinoma nasofaríngeo;
 Todos, excepto o cancro nasofaríngeo, são tumores de células B;
- Certos produtos de genes do EBV (LMP-1) contribuem para a oncogénese porque estimulam
as vias de proliferação da célula B;
- O comprometimento do sistema imune, concomitantemente, permite a proliferação da
célula B mantida e, consequentemente, o desenvolvimento de um linfoma com a ocorrência de
mutações adicionais como a t(8;14), que levam à activação do gene MYC.
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 Vírus da Hepatite B e da Hepatite C


- Entre 70% a 85% dos carcinomas hepatocelulares por todo o mundo são devidos a
infecção pelo HBV ou HCV (não é um vírus de DNA);
- Os efeitos oncogénicos do HBV e HCV são multifactoriais, mas o efeito dominante
parece ser imunologicamente mediado pela inflamação crónica, lesão hepatocelular, estimulação
da proliferação dos hepatócitos e produção de espécies reactivas de oxigénio que podem lesar o
DNA;
- A proteína HBx do HBV e a proteína central do HCV podem activar uma variedade de
vias transductoras de sinais que podem também contribuir para a carcinogénese.

 Herpesvírus do sarcoma de Kaposi (KSHV)


- O sarcoma de Kaposi é um tumor vascular, sendo a neoplasia mais comum nos pacientes
com SIDA;
- Os mecanismos que ligam a infecção com este vírus às lesões vasculares são desconhecidos;
- Uma hipótese seria que o KSHV infecta células endoteliais linfáticas ou outras células e, junto
com citocinas produzidas pelas células do sistema imunológico infectadas pelo HIV, estimula a
proliferação das células vasculares;
- O genoma do KSHV contém homólogos de diversos genes humanos que sabidamente afectam
a sobrevivência e proliferação das células.

Helicobacter pylori
 A infecção pelo H. pylori está envolvida no surgimento do adenocarcinoma gástrico e do
linfoma MALT;
 O mecanismo de indução do cancro gástrico pelo H. pylori é multifactorial e inclui a inflamação
crónica mediada imunologicamente, a estimulação da proliferação das células gástricas e a
produção de espécies reactivas de oxigénio que danificam o DNA;
 Os genes de patogenicidade do H. pylori, como o CagA, podem contribuir também por
estimular as vias do factor de crescimento;
 Acredita-se que a infecção pelo H. pylori leve a proliferações policlonais de células B e que
consequentemente um tumor de células B monoclonal (linfoma MALT) surja como
resultado da acumulação de mutações.

Vitor Martins FMUL/UMa 106


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Defesa do hospedeiro contra tumores: imunidade tumoral


Antigénios tumorais
 A classificação moderna dos antigénios tumorais é baseada na sua origem e na estrutura
molecular;
- Produtos dos oncogenes mutados e genes supressores de tumor
 A transformação neoplásica resulta de alterações genéticas, algumas das quais podem
resultar na expressão de antigénios de superfície celular vistos pelo sistema imune como
não-próprios;
 Os antigénios nesta categoria são derivados de oncoproteínas mutantes e de proteínas
supressoras do cancro;
 Antigénios tumorais únicos originam-se dos produtos dos genes β-catenina, RAS, p53 e
CDK4, que frequentemente estão mutados nos tumores.

- Produtos de outros genes mutados


 Devido à instabilidade genética das células tumorais, muitos genes estão mutados nestas
células, inclusive genes cujos produtos não são relacionados ao fenótipo transformado e
não possuem função conhecida;
 Os produtos destes genes mutados são antigénios tumorais em potencial.

- Proteínas celulares superexpressas ou expressas de forma aberrante


 Num subconjunto de melanomas humanos, alguns antigénios tumorais são proteínas
estruturalmente estruturalmente normais que são produzidas em níveis baixos nas células
normais e superexpressas nas células tumorais (ex.: tirosinase);
 Outro grupo, chamado de antigénios do “cancro de testículos”, é codificado por genes
que estão silenciados em todos os tecidos adultos, excepto nos testículos;
- Estes antigénios são específicos do tumor, pois não são expressos na superfície celular
de forma antigénica nas células normais porque o esperma não expressa antigénios MHC
classe I;
- O protótipo deste grupo é a família MAGE de genes (embora sejam específicos de
tumores, os antigénios MAGE não são únicos para tumores individuais.

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- Antigénios tumorais produzidos por vírus oncogénicos


 Os mais potentes destes antigénios são as proteínas produzidas por vírus de DNA
latente.

- Antigénios oncofetais
 O antigénio carcinoembrionário (CEA) e a α-fetoproteína, são expressos durante a
embriogénese, mas não nos tecidos adultos normais;
 A reactivação dos genes que codificam estes antigénios causa a sua reexpressão nos
cancros de cólon e hepático.

- Glicolípidos e glicoproteínas de superfície celular alterados


 A maioria dos tumores humanos e experimentais expressa níveis mais altos que o normal
e/ou formas anormais de glicoproteínas e glicolípidos de superfície, que podem ser
marcadores diagnósticos e alvos para tratamento;
 Estas moléculas alteradas incluem gangliosídeos, antigénios do grupo sanguíneo e as
mucinas (ex.: CA-125 e a CA-19-9, expressas na carcinoma de ovário, e a MUC-1,
expressa no carcinoma de mama).

- Antigénios de diferenciação específicos de tipos celulares


 São moléculas expressas nos tumores que estão anormalmente presentes nas células de
origem.

Mecanismos efectores antitumorais


 A imunidade mediada por células é o mecanismo antitumoral dominante in vivo;
 Linfócitos T citotóxicos
- Nos seres humanos, parecem desempenhar um papel protector, principalmente contra
neoplasmas associados a vírus.

 Células Natural Killer


- São linfócitos capazes de destruir as células tumorais sem sensibilização prévia;
- Podem fornecer a primeira linha de defesa contra as células tumorais.

Vitor Martins FMUL/UMa 108


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 Macrófagos
- Os macrófagos activados podem eliminar os tumores por meio de mecanismos semelhantes
àqueles utilizados para eliminar os microrganismos.

 Mecanismos humorais
- Não existe evidência dos efeitos protectores dos anticorpos antumorais contra tumores
espontâneos;
- A administração de anticorpos monoclonais contra células tumorais pode ser terapeuticamente
efectiva.

Vigilância imune
 Os pacientes imunossuprimidos apresentam um risco aumentado de cancro;
 Nos pacientes imunocomprometidos, os tumores podem evitar o sistema imune por meio
de vários mecanismos, inclusivé por formas variantes de antigénios negativos do crescimento
selectivas, perda ou expressão reduzida dos antigénios de histocompatibilidade e
imunossupressão mediada pela secreção de factores (ex.: TGF-β) a partir do tumor.

Aspectos clínicos da neoplasia


 Tanto o tumor maligno como o benigno podem causar problemas devido:
- À localização e pressão sobre as estruturas adjacentes;
- À actividade funcional, como a síntese de hormonas ou o desenvolvimento de síndromes
paraneoplásicas;
- Ao sangramento e infecções secundárias, quando os tumores ulceram através de estruturas
adjacentes;
- Aos sintomas que resultam da sua ruptura ou enfarto;
- À caquexia ou debilitação.

Vitor Martins FMUL/UMa 109


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Efeitos do tumor no hospedeiro


 A caquexia, definida pela perda progressiva de gordura e massa corporal, acompanhada
por profunda fraqueza, anorexia e anemia, é causada pela libertação de citocinas pelo tumor ou
hospedeiro;
 As síndromes paraneoplásicas, definidas pelos sintomas sistémicos que não podem ser
explicados pela disseminação tumoral ou por hormonas adequadas ao tecido, são
causadas pela produção e secreção ectópica de substâncias bioactivas, como a ACTH, PTHrP ou
TGF-α;
 A graduação dos tumores é determinada pela aparência citológica e é baseada na ideia de
que o comportamento e a diferenciação estão relacionados, com os tumores pouco
diferenciados apresentando comportamento mais agressivo;
 O estadiamento, determinado pela exploração cirúrgica, é baseado no tamanho, local e
disseminação para nódulos linfáticos regionais e metástase a distância;
- O estadiamento aumenta o valor clínico da graduação.

Diagnóstico laboratorial do cancro


 Há várias abordagens para o diagnóstico de tumores, incluindo a excisão, a biópsia, a
aspiração por agulha fina e os esfregaços
citológicos;
 A imuno-histoquímica e a citometria de
fluxo auxiliam no diagnóstico e na classificação
de tumores porque padrões de expressão de
proteínas distintos definem entidades
diferentes;
 As proteínas libertadas pelos tumores no
soro, tal como o PSA, podem ser utilizadas
para triar populações para o cancro e
monitorizar a recorrência após o tratamento;
 As análises moleculares são utilizadas para
determinar o diagnóstico, o prognóstico, a
detecção de doença residual mínima e o
diagnóstico de predisposição hereditária
para o cancro; Fig. 32

Vitor Martins FMUL/UMa 110


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 O perfil molecular dos tumores por arranjos de cDNA pode determinar a expressão de
segmentos grandes do genoma de uma só vez e pode ser útil na estratificação molecular de
diferentes tumores sob todos os outros aspectos idênticos, com o propósito de tratamento e
prognóstico.

Vitor Martins FMUL/UMa 111


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Capítulo VIII
Doenças ambientais

Mecanismos gerais de toxicidade


 Toxicologia – é a ciência dos venenos, ou seja, estuda a distribuição, efeitos e mecanismos de
acção de agentes tóxicos. Mais amplamente, também inclui o estudo dos efeitos de agentes
físicos como a radiação e o calor;

 Princípios básicos a respeito da toxicidade das substâncias exógenas e drogas:


- Veneno – conceito quantitativo estritamente dependente da dosagem;
 “Todas as substâncias são venenos; a dose certa diferencia um veneno de um remédio”;
- Xenobióticos – substâncias químicas exógenas;
 Podem estar presentes no ar, água, alimento e solo e são absorvidas pelo corpo através
de inalação, ingestão e contacto com a pele;
 Podem ser excretadas na urina ou fezes ou eliminadas no ar expirado ou acumular-se na
gordura, osso, cérebro e outros tecidos;
 Podem actuar no local de entrada ou podem ser transportadas para outros locais;
- A maioria dos solventes e drogas é metabolizada para formar produtos hidrossolúveis
(desintoxicação) ou é activada para formar metabolitos tóxicos;
o Fase I: substâncias podem sofrer hidrólise, oxidação ou redução, catalizadas pelo
sistema citocrono P450;
o Fase II: produtos da Fase I são metabolizados para compostos hidrossolúveis por
glicosilação, sulfatação, metilação e conjugação com glutationa;
- Numerosos solventes e drogas são lipofílicas, facilitando o seu transporte no sangue pelas
lipoproteínas e a penetração através dos componentes lipídicos das membranas celulares.

Vitor Martins FMUL/UMa 112


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Poluição ambiental
Poluição atmosférica
 Poluição atmosférica ao ar livre
- Ozono
 É um dos poluentes do ar mais comuns, que em combinação com óxidos e material
particulado forma o smog;
 A sua toxicidade relaciona-se com a produção de radicais livres que lesam as células
epiteliais ao longo do TR e as células alveolares tipo I;

- Dióxido de enxofre (SO2), partículas e aerossóis ácidos


 Pequenas partículas permanecem na corrente aérea e alcançam os espaços aéreos,
onde são fagocitadas por macrófagos e neutrófilos, causando a libertação de mediadores
e incitando uma reacção inflamatória respiratória;
 As partículas grandes são removidas no nariz ou são aprisionadas pelo muco;

- Monóxido de carbono (CO)


 É um poluente importante do ar e uma causa importante de morte por acidente ou
suicídio;
 Liga-se à hemoglobina com alta afinidade e causa asfixia sistémica com depressão do
SNC;
 Envenenamento agudo: indivíduos de pele clara apresentam cor vermelho-cereja
generalizada da pele e membranas mucosas;
 Envenenamento crónico: hipoxia desenvolve-se lentamente e pode evocar alterações
isquémicas no SNC, particularmente nos núcleos da base e lentiformes;
 Ambos são recuperáveis, mas deixam marcas neurológicas.

 Poluição atmosférica em interiores


- O poluente mais comum é o fumo do tabago, porém ofensores adicionais são o CO, o
dióxido de azoto (NO2) e o asbesto;
- Fumo de lenha (infecções pulmonares), radónio, bioaerossóis (doenças infecciosas), alergénios
(ex.: pêlos, ácaros, podem causar rinite, asma e irritação ocular).

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Metais como poluentes ambientais


 Chumbo
- Crianças absorvem mais chumbo ingerido do que os adultos, sendo a principal fonte de
exposição para as primeiras da tinta contendo chumbo;
- Efeitos colaterais:
 Anemia microcítica, hipocrómica, hemolítica: interfere com a biossíntese normal
do Heme; típico pontilhado basófilo nos eritrócitos;
 Defeitos do SNC nas crianças: baixo QI, desenvolvimento psicomotor retardado,
cegueira, incapacidade de aprendizagem;
 Neuropatia desmielinizante periférica nos adultos;
 Dor abdominal grave;
 Dano dos TCP dos rins: pode levar a fibrose intersticial e possivelmente a insuficiência
renal e “gota saturnina”;
 Hiperpigmentação do tecido gengival adjacente aos dentes;

 Mercúrio
- A principal fonte de exposição ao mercúrio é o peixe contaminado;
- O cérebro em desenvolvimento é altamente sensível ao metilmercúrio, que se acumula no
cérebro e bloqueia canais iónicos;
- A doença de Minamata resultante da exposição a altas concentrações de mercúrio pode
incluir paralisia cerebral, surdez e cegueira.

 Arsénio
- É encontrado naturalmente no solo e na água e é um componente de alguns conservantes de
madeira e herbicidas;
- Excesso de arsénio interfere com a fosforilação oxidativa mitocondrial e causa efeitos
tóxicos no TGI, SNC e sistema cardiovascular;
- A exposição a longo prazo causa lesões da pele e carcinomas.

 Cádmio
- Pode contaminar o solo a partir de baterias de níquel-cádmio e fertilizantes químicos;
- A principal fonte de contaminação é o alimento e, em excesso, causa doença pulmonar
obstrutiva e lesão renal;
- Doença “itai-itai” nas mulheres pós-menopáusicas (osteoporose, osteomalacia e doença renal).
Vitor Martins FMUL/UMa 114
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Exposições industriais e na Agricultura


 Solventes orgânicos
- Benzeno é oxidado a um epóxido e este, por sua vez, interrompe a diferenciação celular na
medula óssea, causando aplasia da medula óssea e anemia mieloblástica aguda;
 Hidrocarbonetos policíclicos: cancros pulmonar e vesical;
 Organoclorados
- Produtos sintéticos que resistem à degradação e são lipofílicos;
- Têm actividade anti-estrogénica e anti-androgénica e causam toxicidade neurológica aguda;
- Ex.: DDT
 Dioxinas, PCBs
- Podem causar distúrbios cutâneos como foliculite e dermatose acneiforme (cloracne, consiste
em acne, formação de quistos, hiperpigmentação e hiperqueratose);
 Cloreto de vinil: revelou causar angiossarcoma do fígado;
 Inalação de poeiras minerais causa doenças pulmonares crónicas não-neoplásicas
(pneumoconioses);
- As pneumoconioses mais comuns são causadas por exposições à poeira mineral: poeira de
carvão, sílica, amianto ou asbesto e berílio.

Efeitos do tabaco
 O tabagismo é a mais evitável causa de morte humana;
 O fumo do tabaco contém mais de 2 000 composto;
- Entre estes estão a nicotina, que é responsável pelo vício do fumo, e carcinogénios
potentes, principalmente hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, nitrosaminas e aminas
aromáticas;
 Fumar cigarros é responsável por 90% dos cancros do pulmão;
 Também causa cancros da cavidade oral, laringe e faringe, e cancros do esófago e estômago;
 Associa-se com o desenvolvimento de carcinomas da bexiga e do rim e algumas leucemias;
 Parar de fumar reduz o risco de cancro de pulmão;
 Tabaco “sem fumo” é uma causa importante de cancro oral;
 O consumo de tabaco interage com o álcool para multiplicar o risco de cancro da laringe e
aumenta o risco de cancro pulmonar por exposições ocupacionais ao asbesto, urânio e outros
agentes;

Vitor Martins FMUL/UMa 115


Robbins, Patologia Básica 2008/2009

 Consumo de tabaco é um importante factor de risco de aterosclerose e enfarto do miocárdio,


doença vascular periférica e doença vascular cerebral;
 Nos pulmões, além do cancro, o fumo causa enfisema, bronquite crónica e doença obstrutiva
crónica;
 O tabagismo materno aumenta o risco de aborto, parto prematuro e retardo do crescimento
intra-uterino.

Efeitos do álcool
 Abuso agudo do álcool causa sonolência a níveis sanguíneos de aproximadamente 200 mg/L;
- O coma desenvolve-se com níveis mais altos;
 O álcool é oxidado a acetaldeído no fígado pela álcool desidrogenase, pelo sistema do
citocromo P-450 e pela catalase (de pequena importância);
- O acetaldeído é convertido em acetato nas mitocôndrias e utilizado na cadeira respiratória;
- Oxigenação do álcool pela álcool desidrogenase esgota NAD+, levando à acumulação de
gordura no fígado e acidose metabólica;
 Os principais efeitos do consumo crónico de álcoo são: fígado gorduroso (deficiência de
NAD+), hepatite alcoólica e cirrose, a qual causa hipertensão porta e aumenta o risco de
desenvolvimento de carcinoma hepatocelular;
 O consumo crónico de álcool pode causar sangramento de gastrite e úlceras gástricas,
neuropatia periférica associada com deficiência de tiamina e, cardiomiopatia alcoólica, e aumenta
o risco de pancreatite aguda e crónica;
 O consumo crónico de álcool é um importante factor de risco de cancros da cavidade oral,
faringe, laringe e esófago;
- O risco é grandemente aumentado pelo fumo ou uso de tabaco sem fumo concomitantes.

Lesões por drogas terapêuticas e drogas de abuso


Lesão por drogas terapêuticas (reacções adversas a drogas)
 Terapia de reposição hormonal (TRH)
- TRH aumenta o risco de cancro ovariano e de mama, e de tromboembolismo venoso, e não
parece proteger contra cardiopatia isquémica;
- Previne ou retarda a progessão de osteoporose e reduz a probabilidade de enfarte do
miocárdio;

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- Estrogénio e progesterona aumentam as concentrações sanguíneas de lipoproteína de alta


densidade e diminuem os níveis de lipoproteína de baixa densidade;

 Anticontraceptivos orais (ACO)


- Têm um efeito protector sobre o cancro endometrial e de ovário, mas aumentam o risco de
tromboembolismo e carcinoma hepático;

 Paracetamol
- O paracetamol é metabolizado em compostos inactivos por combinação com ácido glicurónico
e sulfato, sendo uma pequena parte metabolizada pelo sistema de enzimas citocromo P450
2E1. Os citocromos oxidam o paracetamol para produzir uma substância intermediária muito
reactiva, N-acetil-p-benzoquinoeimina (NAPQI). Em condições normais a NAPQI é neutralizada
pela acção do glutatião;
- Em situações de toxicidade por paracetamol, as vias metabólicas do sulfato e do ácido
glicurónico ficam saturadas e, portanto, maior quantidade de paracetamol é desviada para o
sistema do citocromo P450 2E1, onde se produz NAPQI. Consequentemente a quantidade de
glutatião é esgotada pela NAPQI, que pode reagir livremente com as membranas celulares,
causando muitos danos e morte de muitos hepatócitos, resultando em seguida a necrose
hepática aguda. Em estudos efectuados em animais, determinou-se que é necessário consumir-
se 70% do glutatião hepático antes de ocorrer a hepatotoxicidade;

 Aspirina
- As principais consequências adversas são metabólicas;
 De início, desenvolve-se alcalose respiratória, seguida por uma acidose metabólica
que frequentemente se comprova fatal antes que possam aparecer alterações anatómicas;
 Toxicidade crónica por aspirina (salicilismo) pode desenvolver-se em pessoas que
tomam 3g ou mais diariamente;
- Manifesta-se por cefaleias, tonturas, zumbido, dificuldade auditiva, confusão mental,
sonolência, náuseas, vómitos e diarreia;
 Alterações no SNC podem progredir para convulsões e coma;
 Uma tendência hemorrágica pode aparecer concomitantemente com a toxicidade crónica
porque a aspirina acetila a COX das plaquetas e bloqueia a capacidade de fabricar
tromboxano A2, um activador da agregação das plaquetas.

Vitor Martins FMUL/UMa 117


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Lesão por agentes tóxicos não-terapêuticos (abuso de drogas)


 As drogas mais comuns de abuso incluem estimulantes psicomotores (cocaína, anfetamina,
ecstasy), narcóticos opióides (heroína, metadona, oxicodona), alucinogénios (LSD, mescalina),
canabinóides (maconha, haxixe) e sedativo-hipnóticos (barbitúricos, etanol).

Lesão por agentes físicos


Trauma mecânico
 Todos os tecidos moles reagem similarmente a forças mecânicas e os padrões de lesão podem
ser divididos em:
- Abrasão: ferida produzida por raspar ou esfregar, resultando na remoção da camada
superficial;
- Contusão (equimose): ferida produzida usualmente por um objecto rombo e é caracterizada
por lesão de vasos sanguíneos e extravasamento de sangue para dentro dos tecidos;
- Laceração: é um rasgão ou estiramento com ruptura do tecido causado pela aplicação de
força por um objecto rombo. Em contraste com uma incisão, a maioria das lacerações possui
vasos sanguíneos intactos fazendo ponte e margens irregulares, dentadas;
- Ferida incisa: ferida infligida por um instrumento afiado. Os vasos sanguíneos que fazem ponte
são seccionados;
- Ferida puntiforme: causada por um instrumento estreito, longo e é chamada de penetrante
quando o instrumento perfura o tecido, e perfurante quando atravessa um tecido até criar
também uma ferida de saída;
 Uma das causas mais comuns de lesão mecânica é o acidente de viação.

Lesão térmica
Queimaduras térmicas
 A importância clínica das queimaduras depende das seguintes variáveis importantes:
- Profundidade da queimadura;
- Percentagem da superfície corporal comprometida;
- Possível presença de lesões internas por inalação de fumo e vapores quentes e tóxicos;
- Prestação e eficácia da terapia, especialmente reposição hídrica e electrolítica e prevenção
ou controlo de infecções das feridas;

Vitor Martins FMUL/UMa 118


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 Uma queimadura de espessura total consiste na destruição total da epiderme e derme, com
perda dos apêndices dérmicos que teriam provido células para regeneração epitelial
(queimaduras de grau 3 e grau 4);
- Macroscopicamente, são brancas ou carbonizadas, secas e anestésicas (por causa da destruição
das terminações nervosas);
 Nas queimaduras de espessura parcial, pelo menos as partes mais profundas dos apêndices
dérmicos foram poupadas (queimaduras de grau 1 e grau 2);
- Macroscopicamente, são róseas ou mosqueadas com vesículas e são dolorosas;
 Histologicamente, o tecido desvitalizado revela necrose coagulativa, adjacente a tecido com
vitalidade que rapidamente acumula células inflamatórias e pronunciada exsudação;
 A falência de sistemas de órgãos resultante da infecção da queimadura continua a ser a
principal causa de morte em pacientes queimados (microrganismo mais comum: Pseudomonas
aeruginosa);
 Outro efeito fisiopatológico muito importante das queimaduras é o desenvolvimento de um
estado hipermetabólico, com excessiva perda de calor e uma necessidade aumentada
de suporte nutricional.

Hipertermia
 A exposição prolongada a temperaturas ambientes elevadas pode resultar em:
- Cãimbras de calor: resultam da perda de electrólitos pelo suor;
- Exaustão pelo calor: resulta de uma falha do sistema cardiovascular em compensar a
hipovolémia, secundária à depleção de água;
- Golpe de calor (intermação): associa-se com altas temperaturas ambientes e alta humidade.
Os mecanismos de termorregulação falham e a temperatura corporal central eleva-se.

Hipotermia
 Exposição prolongada à baixa temperatura ambiente conduz à hipotermia, condição vista muito
frequentemente em pessoas sem lar;
 Alta humidade, roupa molhada e dilatação dos vasos sanguíneos superficiais ocorrendo como
resultado da ingestão de álcool aceleram a queda da temperatura corporal;
 A cerca de 32,2 ºC, ocorre perda de consciência, seguida por bradicardia e fibrilação atrial a
temperaturas centrais mais baixas.

Vitor Martins FMUL/UMa 119


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Lesão eléctrica
 Podem originar-se de correntes de baixa voltagem ou de correntes de alta voltagem a partir de
linhas de alta voltagem ou raio;
 As lesões são de dois tipos: queimaduras e fibrilação ventricular ou falha dos centros
cardíaco e respiratório, resultantes da interrupção dos impulsos eléctricos normais.

Lesão produzida por radiação ionizante


 A radiação ionizante pode lesar as células directa ou indirectamente ao gerar radicais livres a
partir de água ou oxigénio molecular;
 Radiações ionizantes danificam o DNA e, por essa razão, células que se dividem
rapidamente, como células germinativas, medula óssea e TGI são muito sensíveis à lesão de
radiação;
 Lesão do DNA que não seja reparada adequadamente pode resultar em mutações que
predispõem as células à transformação neoplásica;
 Radiação ionizante pode causar dano e esclerose vascular, resultando em necrose isquémica
das células parenquimatosas e sua substituição por tecido fibroso.

Vitor Martins FMUL/UMa 120


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Capítulo X
Vasos sanguíneos

 A patologia vascular resulta numa doença através de dois principais mecanismos:


- Estreitamento ou obstrução total do lúmen dos vasos, tanto progressivamente (ex.:
aterosclerose) quanto abruptamente (ex.: trombose ou embolia);
- Enfraquecimento das paredes vasculares, causando a sua dilatação e/ou ruptura.

Vasos normais
 As paredes arteriais são mais espessas do que as das veias correspondentes no mesmo
nível de ramificação, de forma a acomodar melhor o fluxo pulsátil e as pressões sanguíneas mais
altas;
 As veias possuem maior diâmetro e lúmen do que as artérias correspondentes;
 A aterosclerose afecta, principalmente, as artérias elásticas e musculares, a hipertensão afecta as
artérias musculares pequenas e arteríolas, e tipos específicos de vasculite envolvem,
caracteristicamente, somente vasos de determinado calibre;
 As células endoteliais (CEs) e as células musculares lisas (CMLs) constituem a parte celular
principal da camada vascular; o restante da parede é composto por matriz extracelular
(MEC), incluindo elastina, colagénio e glicosaminoglicanos;
 As paredes vasculares organizam-se em três camadas concêntricas:
- Íntima: monocamada de CEs sobrejacentes a uma delgada camada de CMLs;
 Esta é separada da camada média pela lâmina elástica interna;
- Média: composta, predominantemente, por CMLs e MEC;
 Esta é separada da camada adventícia pela lâmina elástica externa;
- Adventícia: tecido conjuntivo relativamente frouxo, fibras nervosas e vasos menores (vasa
vasorum);
 As artérias são divididas em três tipos básicos:
- Artérias de grande calibre ou artérias elásticas
 Alto conteúdo de fibras elásticas na camada média;
 Ex.: aorta e seus grandes ramos;

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- Artérias de médio calibre ou artérias musculares


 Elastina é limitada às lâminas elásticas interna e externa;
 Ex.: ramos menores da aorta;
- Artérias de pequeno calibre e arteríolas
 Localizadas no tecido conjuntival intersticial dos órgãos;
 As arteríolas são o principal local de controlo da regulação da resistência fisiológica ao
fluxo sanguíneo;
 Nas arteríolas, a pressão e a velocidade do fluxo sanguíneo são, ambas, abruptamente
reduzidas e o fluxo torna-se contínuo ao invés de pulsátil;

 Capilares
- Representam o nível vascular de ramificação após as arteríolas;
- São constituídos apenas por endotélio;
- Têm fluxo lento, sendo ideais para que ocorra a rápida troca de substâncias difusíveis
entre o sangue e os tecidos;
 O sangue flui dos leitos capilares em direcção às vénulas pós-capilares e, então,
sequencialmente, para as vénulas colectoras e, progressivamente, para as veias maiores;
- Na vigência de uma inflamação, o extravasamento vascular e a saída leucocitária ocorrem,
preferencialmente, nas vénulas pós-capilares;
 As veias são mais predispostas à dilatação, compressão e penetração por processos tumorais e
inflamatórios;
 A pressão venosa e a velocidade do fluxo venoso tem que fluir contra a gravidade,
sendo o retorno do fluxo evitado por válvulas;
- O sistema venoso tem uma enorme capacidade de armazenamento do sangue sistémico
(2/3);

 Linfáticos
- Canais de parede delgada e delimitados por endotélio, que drenam o excesso de fluido
intersticial, eventualmente, levando-o de volta para o sangue via ducto torácico;
- O fluxo linfático também contém células inflamatórias mononucleares e proteínas;
- Estes canais também podem disseminar doenças, ao transportar microrganismos ou células
tumorais e, eventualmente, para a circulação sistémica.

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Anomalias congénitas
 Entre as anomalias congénitas que são particularmente significativas, embora não
necessariamente comuns, temos:
- Aneurismas saculares ou do desenvolvimento ocorrem em vasos encefálicos, localizados
no polígono de Willis;
- Fístulas arteriovenosas são conexões anormais e directas, normalmente pequenas, entre
artérias e veias, que desviam dos capilares interpostos;
- Displasia fibromuscular é um espessamento irregular focal das paredes das artérias
musculares grandes e médias, incluindo as renais, carótidas e vertebrais.

Células da parede vascular e sua resposta à lesão


Células endoteliais (CEs)
 É fundamental para a manutenção da homeostase da parede vascular e para a função
circulatória;
 Contêm corpos de Weibel-Palade;
 Mantêm um interface tecido-sangue não-trombogénica;
 Modulam a resistência vascular, metabolizam hormonas, regulam a inflamação e afectam o
crescimento de outros tipos celulares, especialmente as CMLs;
 Embora as CEs compartilhem muitos atributos em geral, também existe uma substancial variação
fenotípica dependendo da região anatómica em questão;
Ex.: endotélio que reveste os sinusóides hepáticos, enquanto que, o endotélio do SNC cria uma
importante barreira hemato-encefálica;
 A disfunção endotelial é o termo usado para descrever alterações reversíveis no repertório
das CEs;
- As consequências da disfunção endotelial incluem impedimento da vasodilatação endotélio-
dependente, dos estados hipercoaguláveis e da adesão leucocitária.

Células musculares lisas dos vasos (CMLs)


 Participam tanto no reparo vascular normal como dos processos patológicos como a
aterosclerose;
 Têm a capacidade de proliferar quando adequadamente estimuladas;
 Podem sintetizar colagénio da MEC, elastina e proteoglicanos, além de elaborar factores
de crescimento e citocinas.
Vitor Martins FMUL/UMa 123
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Espessamento da íntima: uma resposta estereotipada à lesão vascular (Fig. 33)


 A lesão (de qualquer tipo) à parede do vaso resulta numa resposta cicatricial estereotipada,
envolvendo expansão da íntima por proliferação das CMLs e nova MEC sintetizada;
 O recrutamento e a activação das CMLs neste processo envolve sinais das células (ex.: CEs,
plaquetas e macrófagos), assim como mediadores derivados da coagulação e da cascata de
complemento;
 Espessamento excessivo da íntima pode resultar em estenose do lúmen que
bloqueia o fluxo vascular.

Fig. 33

Arterioesclerose
 Significa “endurecimento das artérias”, ou seja, reflecte espessamento da parede arterial e
perda da elasticidade;
 Três padrões são reconhecidos, com diferentes consequências clínicas e patológicas:
- Arterioesclerose: afecta pequenas artérias e arteríolas;
 As duas formas anatómicas: hialina e hiperplásica, associam-se a espessamento da parede
vascular e estreitamento do lúmen, podendo causar lesão isquémica à jusante;
 Associa-se mais frequentemente à hipertensão e/ou diabetes mellitus;
- Esclerose medial calcificada de Mönckeberg: caracteriza-se por depósitos calcificados nas
artérias musculares, geralmente em indivíduos com mais de 50 anos de idade (não são
clinicamente significativas);
- Aterosclerose: “endurecimento”, é o padrão mais frequente e clinicamente mais importante.

Vitor Martins FMUL/UMa 124


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Aterosclerose
 Caracteriza-se por lesões da íntima chamadas ateromas, placas ateromatosas ou placas
ateroscleróticas que fazem protusão para o interior do lúmen vascular;
 Uma placa ateromatosa (Fig. 34) consiste numa lesão sobrelevada com um centro pouco
consistente, amarelado e grumoso, cheio de lípidos, coberto por uma cápsula fibrosa, firme e
branca;
 Além de obstruir o fluxo sanguíneo, as placas ateroscletóricas enfraquecem a média
subjacente e podem romper, causando uma importante trombose vascular aguda.

Fig. 34
Epidemiologia
 É muito menos prevalente na América do Sul, América Central, África e Ásia;
 Os factores de risco associados têm um efeito multiplicativo;
FACTORES DE RISCO PARA A ATEROSCLEROSE
Principais factores constitucionais de risco para a cardiopatia isquémica
Idade
Género
- Enfarto do miocárdio e outras complicações da aterosclerose são incomuns nas mulheres
na pré-menopausa, a menos que elas já sejam predispostas à diabetes, hiperlipidémia ou
hipertensão grave, sendo muito mais frequente nos homens;
Genética (História Familiar)
Principais factores de risco modificáveis para a cardiopatia isquémica:
Hipercolesterolemia (LDL)
Hipertensão
Tabagismo
Diabetes Mellitus
Factores de risco adicionais para cardiopatia isquémica
Inflamação e proteína C reactiva
Hiper-homocisteinemia
Lipoproteína a (forma alterada de LDL)
Factores que afectam a hemostasia
Outros factores (falta de exercício, estilo de vida stressante e obesidade)

Vitor Martins FMUL/UMa 125


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Patogenia
 A visão actual da aterogénese é expressa pela hipótese da resposta à lesão;
 Este modelo vê a aterosclerose como uma resposta inflamatória crónica da parede
arterial à lesão endotelial;
 A progressão da lesão ocorre através de
interacções de lipoproteínas modificadas,
macrófagos derivados de monócitos, linfóticos T e
constituintes celulares normais da parede arterial;
 Os seguintes aspectos são essenciais para esta
hipótese (Fig. 35):
- Lesão endotelial crónica, com disfunção
endotelial resultante, causando aumento da
permeabilidade, adesão leucocitária e trombose;
- Acumulação de lipoproteínas (principalmente
LDL e suas formas oxidadas) na parede vascular;
- Adesão de monócitos ao endotélio,
acompanhada por migração para a íntima e
transformação em macrófagos e células
espumosas;
- Adesão plaquetária;
- Libertação de factor das plaquetas activadas,
macrófagos e células da parede vascular, induzindo
recrutamento de CML, tanto da média como
dos precursores circulantes;
- Proliferação de CML e produção de MEC;
- Acumulação de lípidos tanto
extracelularmente como dentro das células
(macrófagos e CMLs); Fig. 35
 A acumulação de macrófagos contendo lípidos na íntima dá origem às “estrias gordurosas”;
 Com a evolução, forma-se um ateroma fibrogorduroso, consistindo de CML proliferativas,
células espumosas, lípidos extracelulares e MEC.

Vitor Martins FMUL/UMa 126


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Lesão endotelial
 As duas causas mais importantes de disfunção endotelial são os distúrbios hemodinâmicos e a
hipercolesterolemia, sendo que a inflamação também contribui de forma significativa;
 Distúrbio hemodinâmico
- As placas ateroscleróticas tendem a ocorrer nos foramens dos vasos existentes, nos pontos de
ramificação e ao longo da parede posterior da aorta abdominal, onde existem padrões alterados
de fluxo;
- Estudos in vitro demonstram que o fluxo laminar não turbulento leva à indução de genes
endoteliais cujos produtos de facto protegem contra a aterosclerose nessas zonas;
 Lípidos
- Os lípidos dominantes nas placas ateromatosas são o colesterol e ésteres de colesterol;
- Defeitos genéticos na captação lipoproteica e no metabolismo que causam a
hiperlipoproteinemia associam-se à aterosclerose acelerada;
- Outras doenças genéticas ou adquiridas (ex.: Diabetes Mellitus) que causam
hipercolesterolemia levam à aterosclerose prematura;
- A hiperlipidemia crónica, particularmente, a hipercolesterolemia, pode impedir directamente a
função das CEs pelo aumento da produção local de espécies reactivas de oxigénio;
 Inflamação
- Embora as células inflamatórias não se liguem aos vasos normais, as CEs arteriais disfuncionais
expressam moléculas de adesão precocemente na aterogénese, estimulnado a adesão lecucitária;
 A molécula 1 de adesão vascular celular (VCAM-1) liga particularmente monócitos e
células T;
 Após tais células aderirem ao endotélio, elas podem migrar para a íntima sob a influência
de quimiocinas produzidas localmente.

Proliferação de músculo liso


 A proliferação de células musculares lisas da íntima e o depósito de MEC transformam uma
estria gordurosa num ateroma maduro e contribuem para o crescimento progressivo das lesões
ateroscleróticas;
 As CMLs da íntima têm um fenótipo proliferativo e de síntese diferente daquele das CMLs da
média subjacente;
 Factores de crescimento associados: PDGF, de fibroblastos e transformante α.

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Morfologia
 Estrias gordurosas: são compostas por células espumosas cheias de lípidos, mas não são
significativamente sobrelevadas e, portanto, não causam qualquer distúrbio ao fluxo sanguíneo;
 Placa aterosclerótica
- Os principais eventos da aterosclerose são o espessamento da íntima e a acumulação de
lípidos;
- As lesões ateroscleróticas geralmente envolvem uma única porção de uma parede arterial;
- Os vasos mais extensivamente envolvidos são a aorta abdominal inferior, as coronárias, as
artérias popliteias, as carótidas internas e os vasos do polígono de Willis;
- Os vasos das extremidades superiores geralmente são poupados, assim como as artérias
mesentéricas e as artérias renais, excepto nos seus óstios;
- Têm três componentes principais: células, incluindo CMLs, macrófagos e células T; MEC,
incluindo colagénio, fibras elásticas e proteoglicanos; e lípidos intra e extracelulares;
- Divisão da placa aterosclerótica:
 Capa fibrosa: superficial, constituída por CMLs e colagénio denso;
 “Ombro”: em baixo e ao lado da capa, contendo macrófagos, células T e CMLs;
 Centro necrótico: profundo, contém lípidos, restos de células mortas, células
espumosas, fibrina, trombos e outras proteínas plasmáticas;
- Na periferia das lesões, geralmente, existe neovascularização;
- Os ateromas, frequentemente, sofrem calcificação;
- As placas ateroscleróticas são susceptíveis às seguintes alterações patológicas de significado
clínico:
 Ruptura, ulceração ou erosão da superfície luminal das placas ateroscleróticas:
expõe à corrente sanguínea substâncias altamente trombogénicas, induzindo a formação
de trombos;
 Hemorragia no interior de uma placa;
 Ateroembolismo: ruptura da placa pode descarregar restos na corrente sanguínea,
produzindo microêmbolos compostos pelo conteúdo da placa;
 Formação de aneurisma: a pressão induzida por aterosclerose ou por atrofia
isquémica da média subjacente, com perda de tecido elástico, causa fraqueza da parede
vascular e desenvolvimento de aneurismas que podem romper.

Vitor Martins FMUL/UMa 128


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História natural da aterosclerose (Fig. 36)


 A aterosclerose é uma lesão de evolução lenta que geralmente requer muitas décadas para se
tornar significativa;
 No entanto, as alterações agudas das placas (ex.: ruptura, trombose ou formação de hematoma)
podem rapidamente precipitar sequelas clínicas – “Horizonte Clínico”;
 As principais consequências da aterosclerose são: enfarte do miocárdio (ataque cardíaco),
enfarte cerebral (AVC), aneurismas aórticos e a doença vascular periférica (gangrena das pernas).

Fig. 36
Prevenção da doença vascular aterosclerótica
 Os três principais factores que contribuem para a melhoria desta doença são:
1. Prevenção da aterosclerose através do reconhecimento dos factores de risco e de mudanças
no estilo de vida (prevenção primária);
2. Métodos melhores para o tratamento do enfarte do miocárdio e outras complicações da
cardiopatia isquémica (prevenção secundária);
- Uso de aspirina, estatinas e β-bloqueadores, assim como intervenções cirúrgicas;
3. Prevenção de recidivas em pacientes que sofreram, anteriormente, graves eventos clínicos
relacionados à aterosclerose.

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RESUMO – Aterosclerose
 A aterosclerose é uma lesão baseada na íntima, organizada numa capa fibrosa e um
centro ateromatoso (com consistência amolecida) composto por CMLs, MEC, células
inflamatórias, lípidos e restos necróticos;
 A aterogénese desenvolve-se pela alternância entre inflamação e lesão nas células da
parede vascular;
 Muitos factores de risco conhecidos influenciam a disfunção das CEs, assim como, o
recrutamento e o estímulo das CMLs;
 As placas ateroscleróticas acumulam-se lentamente durante décadas, mas podem
causar sintomas adugos devido à ruptura, trombose, hemorragia ou embolização;
 O reconhecimento dos factores de risco e a sua redução podem reduzir a incidência
e a gravidade da doença relacionada com a aterosclerose.

Doença vascular hipertensiva


 Pressões baixas resultam em perfusão inadequada dos órgãos, levando à disfunção e/ou morte
tecidual;
 Ao contrário, pressões altas que levam fluxo sanguíneo em excesso das demandas metabólicas
também não fornecem benefício e resultam em lesão nos vasos sanguíneos e nos órgãos
terminais - Hipertensão;
 Além de contribuir para a patogenia da doença cardíaca coronária e dos AVCs, a
hipertensão também pode causar hipertrofia e insuficiência cardíacas (doença cardíaca
hipertensiva), dissecção aórtica, insuficiência renal e acelerar a aterogénese;
 Os efeitos prejudiciais da pressão arterial aumentam continuamente conforme a
pressão aumenta;
 Não há um limite rígido e definido para distinguir o risco de perigo na pressão sanguínea;
- No entanto, uma pressão diastólica mantida acima de 90 mmHg ou uma pressão
sistólica mantida acima de 140 mmHg, constituem hipertensão;
- A pressão sanguínea sistólica é mais importante que a diastólica para a determinação do risco
cardiovascular;
 A hipertensão é mais frequente em indivíduos afro-americanos;
 A redução da pressão sanguínea diminui drasticamente os níveis de incidência e de morte por CI,
insuficiência cardíaca e AVC.

Vitor Martins FMUL/UMa 130


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Regulação da pressão sanguínea


 A pressão sanguínea é uma via complexa que envolve a interacção entre factores genéticos
múltiplos e factores ambientais, que influenciam duas variáveis hemodinâmicas: o débito
cardíaco e a resistência vascular periférica (Fig. 37);

Fig. 37
 Os rins (primariamente) e as supra-renais (secundariamente) são os principais órgãos na
regulação da pressão sanguínea, interagindo entre si para modificar o tónus vascular e o volume
sanguíneo, conforme descrito a seguir:
- A renina é um importante regulador da pressão sanguínea normal, sendo secretada pelos rins
em resposta à pressão arteriolar aferente reduzida ou à filtração glomerular de sódio;
- A renina converte o angiotensinogénio em angiotensina I, que por sua vez, é convertida em
angiotensina II;
- A angiotensina II regula a pressão sanguínea pelo aumento da contracção vascular das
CMLs e pelo aumento da secreção de aldosterona para aumentar a reabsorção renal de
sódio;
 Quando a função excretora renal está impedida, o aumento da pressão arterial é um mecanismo
compensatório que pode ajudar a restaurar o equilíbrio dos líquidos e o equilíbrio electrónico;
 Outros tecidos também podem influenciar o volume e a pressão sanguíneos;
- O péptido natriurético atrial, secretado pelo átrio cardíaco em resposta à expansão de
volume inibe a reabsorção de sódio nos túbulos distais e causa a vasodilatação global.

Patogenia da hipertensão
 A hipertensão essencial (Fig. 38) representa 90% a 95% dos casos de hipertensão e é uma
doença complexa, multifactorial, resultando, mais provavelmente, dos efeitos combinados entre

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mutações ou polimorfismos ao nível de vários loci génicos (ex.: reabsorção de sódio, sistema
renina-angiotensina, aldosterona) em associação a várias influências ambientais;
 A hipertensão secundária é causada por doenças dos rins e das glândulas endócrinas;
 A maior parte do restante da “hipertensão benigna” é secundária à doença renal;
 Na chamada hipertensão acelerada ou maligna, a síndrome clínica é caracterizada por
hipertensão grave, insuficiência renal, hemorragias e excusato na retina, com ou sem papiledema.

Fig. 38

Patologia vascular na hipertensão


 Consiste num espessamento hialino róseo das paredes das
arteríolas, com perda dos detalhes estruturais subjacentes e com
estreitamento do lúmen;
Arterioloesclerose  É mais comum em pacientes mais velhos, hipertensos e diabéticos;
hialina  As lesões reflectem a libertação de componentes plasmáticos através do
endotélio vascular e a produção excessiva de MEC pelas CMLs;
 Trata-se de uma característica morfológica importante na nefroesclerose
benigna.
 É característica de (mas não limitada a) hipertensão maligna;
 Está associada a espessamentos laminados concêntricos, em bulbo de
cebola, nas paredes das arteríolas, com estreitamento do lúmen;
Arterioloesclerose  Estas laminações consistem de CMLs e membrana basal duplicada e
hiperplásica espessada;
 Na hipertensão maligna, estas alterações hiperplásicas são acompanhadas
por depósitos fibrinóides e necrose da parede vascular (arteriolite
necrosante), particularmente graves no fígado.
Vitor Martins FMUL/UMa 132
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Aneurismas e dissecções (Fig. 39)


 Aneurisma – dilatação anormal localizada de um vaso sanguíneo ou do coração;
 Aneurisma “verdadeiro” - quando um aneurisma envolve todas as três camadas da parede
arterial (íntima, média e adventícia) ou a parede enfraqucida do coração;
Ex.: aneurismas ateroscleróticos, sifilíticos, congénitos e ventriculares (estes últimos
acompanham os enfartes miocárdicos transmurais);
 Aneurisma “falso” – consiste numa fenda na parede vascular, levando a um hematoma
extravascular que frequentemente se comunica com o espaço intravascular (“hematoma
pulsátil”);
Ex.: rupturas ventriculares após enfartes miocárdicos;
 Dissecção arterial – surge quando o sangue entra na parede da artéria, como um hematoma
dissecante entre as suas camadas;
- As dissecções são frequentes, mas nem sempres são aneurismáticas;
 Ambos, aneurismas verdadeiro e falso, assim como as dissecções, podem romper, com
consequências catastróficas;
 Os aneurismas são classificados pela forma e pelo tamanho macroscópicos;
- Aneurismas saculares:
 Dilatações essencialmente esféricas (envolve somente uma porção da parede vascular);
 Variam de 5 a 20 cm de diâmetro;
 Frequentemente contêm trombos;
- Aneurismas fusiformes:
 Dilatações circunferenciais, alongadas, num segmento vascular;
 Variam em diâmetro (≤ 20 cm) e em extensão;
 Podem envolver porções extensas do arco aórtico, da aorta abdominal ou mesmo das
artérias ilíacas;
 As duas causas mais importantes de aneurismas aórticos são a aterosclerose e a degenereção
cística da média da parede arterial;
 Os aneurismas arteriais também podem ser causados por doenças sistémicas como a vasculite;
 Aneurisma micótico – infecção numa artéria principal que enfraquece a sua parede;
- A trombose e a ruptura são complicações possíveis;
- Origem: embolização de um trombo séptico, extensão de um processo supurativo adjacente ou
organismos circundantes que ifnectam directamente a parede arterial.

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Fig. 39

Aneurisma aórtico abdominal


Patogenia
 Aneurismas ateroscleróticos ocorrem mais frequentemente na aorta abdominal (aneurisma
aórtico abdominal – AAA);
 O AAA ocorre mais frequentemente em homens e raramente desenvolve-se antes dos 50 anos
de idade;
 Na maioria dos casos, o AAA resulta de um equilíbrio alterado na degradação e na síntese
do colagénio, mediado por infiltrados inflamatórios locais, e a enzimas proteolíticas destrutivas
que eles produzem e regulam, ou seja, o colagénio anormal e o tecido elástico fornecem um
meio adequado no qual a aterosclerose ou a hipertensão enfraquecem a parede aórtica;
 As metaloproteinases da matriz (MMPs) são expressas nos aneurismas aórticos, em altos
níveis, quando comparadas com as da parede vascular normal;
- A produção de MMP pelos macrófagos está especialmente aumentada;
- Têm a capacidade de degradar quase todos os componentes da MEC da parede
arterial;
 Ao mesmo tempo, o nível reduzido de inibidor tecidual de metaloproteinases (TIMP)
pode contribuir para a degradação geral da MEC;
 Tanto in vitro como in vivo, as citocinas TH2 estimulam os macrófagos a produzirem quantidades
aumentadas de MMPs elastolíticas.

Morfologia
 Geralmente posicionado entre as artérias renais e acima da bifurcação da aorta, o AAA pode ser
sacular ou fusiforme, chegar a 15 cm de diâmetro e ter 25 cm de comprimento;
 Existe aterosclerose grave complicada, com destruição e estreitamento da média subjacente;
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 Frequentemente contém um trombo mural pouco organizado, laminado e de consistência


amolecida, que pode preencher uma parte ou todo o segmento dilatado;
 Duas variantes do AAA merecem especial atenção:
- AAAs inflamatórios: caracterizam-se por fibrose periaórtica densa, contendo abundante
infiltrado linfoplasmocitário com muitos macrófagos e frequentes células gigantes, sendo de causa
incerta;
- AAAs micóticos: são lesões ateroscleróticas infectadas por microrganismos circulantes na
parede, particularmente na vigência de bacteriemia numa gastroenterite primária por Salmonella;
 Em tais casos, a supuração destrói a média, potencializando a dilatação e a ruptura
rápidas.
Curso clínico
 As consequências clínicas do AAA incluem:
- Ruptura para o interior da cavidade peritoneal ou retroperitoneal, com hemorragia
maciça e potencialmente fatal;
- Obstrução de um ramo vascular resultando numa lesão isquémica do tecido à jusante;
- Embolia a partir de ateroma ou de trombo mural;
- Compressão por uma estrutura adjacente;
- Apresentação como uma massa abdominal (palpável e pulsátil) que simula um tumor;
 Os aneurismas com mais de 5 cm de diâmetro são tratados agressivamente, geralmente por
remoção cirúrgica, envolvendo implantação de próteses.

Aneurisma sifilítico
 O T. pallidum tem uma predilecção por pequenos vasos sanguíneos na adventícia aórtica (vasa
vasorum), desenvolvendo endocardite obliterante;
- Os vasos afectados mostram um estreitamento e obliteração da luz, cicatrização da parede
vascular (“casca de árvore”) e um infiltrado denso de linfócitos e plasmócitos que se estende
para a média (aortite sifilítica);
 O envolvimento do vasa vasorum da aorta é particularmente devastador;
- Resulta numa lesão isquémica da média da aorta, levando à dilatação aneurismática da
aorta e do anel aórtico e, eventualmente, à insuficiência valvar e hipertrofia por
sobrecarga maciça de volume no ventrículo esquerdo (cor bovinum);
 A maioria dos pacientes morre por insuficiência cardíaca, devido à incompetência valvar aórtica.
 Os aneurismas aórticos torácicos (independente da etiologia) causam sinais e sintomas:
1. Compressão de estruturas do mediastino;
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2. Dificuldades respiratórias (envolvimento dos pulmões e vias aéreas);


3. Dificuldade em deglutir (compressão do esófago);
4. Tosse persistente (irritação dos nervos laríngeos recorrentes);
5. Dor causada por erosão óssea;
6. Cardiopatia (insuficiência valvar ou estreitamento dos óstios coronários);
7. Ruptura aórtica.

Dissecção aórtica
 A dissecção aórtica é um evento catastrófico no qual o sangue disseca os planos laminares da
média para formar um canal cheio de sangue dentro da parede aórtica;
- Esta canal, frequentemente, rompe através da adventícia para vários espaços, onde causa
hemorragia maciça ou tamponamento cardíaco;
 A dissecção da aorta pode ou não estar associada à dilatação aórtica;
 Ocorre, principalmente, em dois grupos epidemiológicos:
- Homens entre 40 e 60 anos de idade, com hipertensão prévia;
- Pacientes mais jovens com anomalias sistémicas ou localizadas do tecido conjuntivo afectando a
aorta;
 Não é usual na presença de aterosclerose significativa, provavelmente em virtude da fibrose da
média inibir a propagação do hematoma dissecante.

Patogenia
 A hipertensão é o principal factor de risco para a dissecção aórtica;
 Aortas de pacientes hipertensos mostram hipertrofia da média do vasa vasorum, associada a
alterações degenerativas da MEC e perda variável de CMLs da média, sugerindo que a
lesão mecânica relacionada à pressão e/ou à lesão isquémica (devido ao fluxo diminuído no vasa
vasorum) contribui de alguma forma;
 Uma vez que ocorra laceração da íntima, o fluxo sanguíneo sob a pressão sistémica disseca
através da média, permitindo a progressão do hematoma da média;
- Assim, a terapia agressiva de redução da pressão pode ser eficaz para limitar a dissecção em
evolução.

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Morfologia
 Na grande maioria das dissecções espontâneas, a laceração da íntima que marca o ponto de
origem da dissecção é encontrada na aorta ascendente;
 Tais lacerações são, geralmente, transversais ou oblíquas e têm 1 a 5 cm de extensão, ao
longo da aorta;
 O hematoma dissecante espalha-se caracteristicamente ao longo dos planos laminares da
aorta, geralmente entre os terços médio e externo;
 Em algumas situações melhores, o hematoma dissecante entra novamente no lúmen da aorta,
produzindo uma segunda laceração distal da íntima e um novo canal vascular dentro da média da
parede aórtica (resultando numa “aorta de dupla luz” com um canal falso);
- Isto impede uma hemorragia extra-aórtica fatal;
- Com o tempo, canais falsos podem endotelizar e ser reconhecidos como dissecções crónicas;
 Degeneração cística da média (CMD)
- Lesão histológica mais frequentemente detectada;
- Caracteriza-se por fragmenteção do tecido elástico e separação dos elementos elásticos e
das CMLs da média por espaços císticos cheios de MEC rica em proteoglicanos amorfos;
- A inflamação está ocasionalmente ausente;
- Geralmente acompanha a Síndrome de Marfan.

Curso clínico
 As dissecções aórticas são, geralmente, classificadas em dois tipos:
- Dissecção tipo A: lesões mais comuns, perigosas e proximais, envolvendo a aorta ascendente
apenas, ou ambas, ascendente e descendente (tipos I e II de DeBakey);
- Dissecção tipo B: lesões distais não envolvendo a parte ascendente e, geralmente,
começando distalmente à artéria subclávia esquerda (tipo III de DeBakey).

 Sintomas clínicos: dor lancinante de início súbito, geralmente, començando na parte anterior
do tórax, irradiando para o dorso, entre as escápulas e, para baixo, conforme a dissecção
progride;
- A dor pode ser confundida com a do enfarte de miocárdio;
 As manifestações clínicas incluem: tamponamento cardíaco, insuficiência aórtica e enfarte do
miocárdio ou extensão da dissecção em direcção às grandes artérias do pesçoco ou em direcção
às coronárias, renais, mesentéricas ou ilíacas;

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 A causa mais comum de morte é a ruptura da dissecção em direcção a uma das três
cavidades corporais (pericárdica, pleural ou peritoneal).

Vasculite
 A vasculite é uma inflamação da parede vascular;
 Embora frequentemente existam manisfestações sistémicas (incluindo febre, mal-estar, mialgias e
artralgias), sintomas específicos dependem do leito vascular qu está envolvido;
 A vasculite pode resultar de infecções, porém, mais comumente tem uma base imunológica
como um depósito de complexo imune, ANCAs ou anticorpos anti-CEs;
 É possível prever que infecções também podem causar, indirectamente, uma vasculite não-
infecciosa, gerando, por exemplo, complexos imunes ou provocando reactividade cruzada.

Vasculite não-infecciosa
Vasculite associada a complexo imune
 Depósito de complexo imune subjacente à vasculite associada à hipersensibilidade a drogas;
 Na vasculite secundariamente associada a infecções virais, anticorpos contra as proteínas virais
podem formar complexos imunes detectáveis no soro e nas lesões vasculares.

Anticorpos anticitoplasma de neutrófilos


 ANCAs é um grupo heterogéneo de auto-anticorpos direccionados contra os constituintes
dos grânulos primários neutrofílicos, os lisossomas dos monócitos e as células endoteliais;
 Dois tipos gerais de ANCAs são reconhecidos com base nos padrões de marcação por
imunofluorescência:
- c-ANCA: localização citoplasmática, onde o principal antigénio-alvo é a proteinase 3 (PR3),
um constituinte do grânulo neutrofílico;
- p-ANCA: localização perinuclear, onde a maioria dos auto-anticorpos é específica para a
mieloperoxidase (MPO);
 Um mecanismo plausível para a vasculite por ANCA é:
- A libertação neutrofílica de PR3 e MPO provoca a formação de ANCA em hospedeiro
susceptível;
- Algumas doenças subjacentes estimulam citocinas inflamatórias, como o TNF, que resulta na
expressão superficial de PR3 e MPO nos neutrófilos e outros tipos celulares;

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- ANCAs reagem com neutrófilos marcados com citocinas circulantes e, tanto causam lesão
directa (ex.: endotelial) como induzem a activação (ex.: nos neutrófilos);
- Os neutrófilos activados por ANCA desgranulam, causando lesão pela libertação de espécies
reactivas de oxigénio, o que leva à toxicidade nas CEs e a outras lesões teciduais directas.

Anticorpos anticélulas endoteliais


 Anticorpos contra CEs podem predispor a certas vasculites, por exemplo, a doença de Kawasaki.

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Classificação e características de vasculites imunomediadas seleccionadas


Vasculite tipo Exemplos Descrição
Vasculite de Arterite - Os segmentos arteriais desenvolvem espessamento
grandes vasos (temporal) de nodular da íntima com redução do lúmen e trombose
(aorta e grandes células gigantes ocasional;
ramos para as - Inflamação granulomatosa dentro da parte mais
extremidades, interna da média, centrada na membrana elástica
cabeça e pescoço) interna;
- Existe um infiltrado linfocitário (mais CD4+ que
CD8+) e macrofágico, com células gigantes
multinucleadas, além de fragmentação da lâmina elástica
interna;
- Geralmente ocorre em pacientes com mais de 50
anos de idade e associa-se à polimialgia reumática;
- Febre, fadiga, perda de peso e sintomas oculares.
Arterite de - Classicamente, envolve o arco aórtico;
Takayasu - As alterações macroscópicas incluem a hiperplasia
da íntima e o espessamento irregular da parede
vascular;
- O quadro clínico inclui pressão sanguínea reduzida e
pulsos mais fracos nas extremidades superiores em
relação às extremidades inferiores, com hipotermia,
dormência nos dedos e distúrbios oculares;
- Geralmente ocorre em pacientes (mulheres) com
menos de 50 anos de idade.
Vasculite de vasos Poliarterite - Inflamação necrosante que geralmente envolve as
médios (artérias nodosa artérias renais, mas que poupa os vasos pulmonares;
viscerais principais - Sintomas: mal-estar, febre, perda de peso, hipertensão,
e seus ramos) dor abdominal, melena, dores musculares difusas e
neurite periférica.
Doença de - Arterite com síndrome de nódulo linfático
Kawasaki mucocutâneo;
- Geralmente ocorre em crianças;
- As artérias coronárias podem estar envolvidas com
formação de aneurisma e/ou trombose.
Vasculite de Granulomatose - Inflamação granulomatosa, envolvendo o tracto
pequenos vasos de Wegener respiratório e vasculite necrosante, afectando os
(arteríolas, pequenos vasos, incluindo glomerulonefrite;
vénulas, capilares - Associa-se a c-ANCAs.
e, ocasionalmente, Síndrome de - Inflamação granulomatosa e rica em eosinófilos,
pequenas artérias) Churg-Strauss envolvendo o tracto respiratório e vasculite necrosante,
afectando os pequenos vasos;
- Associa-se a asma, eosinofilia sanguínea e p-ANCAs.
Poliangeíte - Vasculite necrosante de pequenos vasos com
microscópica poucos ou sem depósitos imunes;
- Pode ocorrer arterite necrosante em artérias de
pequeno e de médio calibre;
- Glomerulonefrite necrosante e capilarite pulmonar
são comuns;
- Associa-se a p-ANCAs.

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Vasculite de Tromboangeíte - Vasculite aguda e crónica, acentuadamente


pequenos e médios obliterante segmentar, acompanhada por trombose da luz;
vasos (artérias das (Doença de - Geralmente, os trombos contêm pequenos
extremidades, Buerger) microabscessos compostos por neutrófilos
tibiais e radiais) envolvidos por inflamação granulomatosa;
- O processo inflamatório estende-se para
dentro das veias e nervos contíguos;
- Ocorre quase exclusivamente em fumadores;
- Manifestações clínicas: flebite nodular
superficial, sensibilidade ao frio do tipo Raynaud
nas mãos e dor no arco do pé induzida por
exercícios.

Vasculite infecciosa
 As infecções vasculares podem enfraquecer as paredes arteriais e dar origem a aneurismas
micóticos ou podem induzir a trombose e enfarte.

Fenómeno de Raynaud
 Resulta de vasoconstricção exagerada das artérias e arteríolas digitais;
 Induzem uma palidez paroxísdica ou cianose dos dedos das mãos ou dos pés;
 Caracteristicamente, os dedos envolvidos mostram alterações da cor: vermelho-branco-azul, da
porção proximal para a mais distal, correlacionando com vasodilatação proximal, vasoconstricção
central e cianose mais distal;
 O fenómeno de Raynaud primário reflecte um exagero nas respostas vasomotoras centrais
e locais, ao frio ou à emoção, sendo geralmente, benigno;
 O fenómeno de Raynaud secundário refere-se à insuficiência vascular das extremidades no
contexto da doença arterial, causada por outras entidades (ex.: doença de Buerger).

Veias e linfáticos
Veias varicosas
 São anormalmente dilatadas e tortuosas, produzidas por aumento prolongado da pressão
intraluminal e por perda do suporte da parede vascular;
 As veias superficiais da coxa e da perna estão geralmente envolvidas;
- Quando as pernas ficam pedentes por longos períodos, as pressões venosas nestes locais
podem ficar muito elevadas e podem levar à estase venosa e a edema no pé;
 A obesidade e a gravidez aumentam o risco de aparecimento de veias varicosas;
 Morfologia
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- As veias varicosas mostram estreitamento da parede nos pontos de dilatação máxima com
hipertrofia do músculo liso e fibrose da íntima nos segmentos adjacentes;
- A degeneração do tecido elástico e as calcificações focais na média (fleboesclerose)
também ocorrem;
- A trombose intraluminal focal (devido à estase) e as deformidades valvares venosas
(enrolamente e encurtamento) são comuns;

 A dilatação varicosa torna as válvulas incompetentes e leva a estase, congestão, edema,


dor e trombose, podendo, em casos extremos, tornar-se em úlceras varicosas crónicas;
 A embolia a partir destas veias superficiais é muito rara;
 As varicosidades também ocorrem em dois outros locais: varizes esofágicas (devido a cirrose
hepática) e hemorróidas.

Tromboflebite e flebotrombose
 Afectam as veias profundas das pernas, na sua grande maioria;
 Os factores clínicos predisponentes mais importantes na trombose venosa profunda (TVP)
são: insuficiência cardíaca congestiva, neoplasia, gravidez, obesidade, estados pós-operatório e
repouso acamado ou imobilização;
- Em pacientes com cancro, as tromboses aparecem de um lado, desaparecem e voltam a
reaparecer noutras veias – tromboflebite migratória (sinal de Trousseau);
 Trombos nas pernas tendem a produzir poucos, quando produzem, sinais e sintomas;
- Em alguns casos, a dor pode ser percebida pela pressão exercida sobre as veias afectadas,
comprimindo os músculos da barriga da perna ou forçando a flexão dorsal dos pés (sinal de
Homan), sendo que, a ausência destes achados não exclui TVP;
 Embolia pulmonar é uma sequela comum e grave da TVP.

Síndromes das veias cavas superior e inferior


 Síndrome da veia cava superior
- Geralmente é causada por neoplasias que comprimem ou invadem a veia cava superior;
- A obstrução resultante produz um complexo clínico característico que inclui dilatação intensa
das veias da cabeça, pescoço e membros superiores, com cianose;
 Síndrome da veia cava inferior
- Pode ser causada por neoplasias que comprimem ou invadem a veia cava inferior ou por um
trombo das veias hepáticas, renais ou das extremidades inferiores que se propagam para cima;
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- A obstrução induz um edema importante das extremidades inferiores, à distensão das veias
colaterais superficiais do abdómen inferior e, com envolvimento da veia renal, à proteinúria
maciça.

Linfangite e linfedema
 As doenças primárias dos vasos linfáticos são extremamente incomuns;
 Linfangite
- Inflamação aguda que ocorre quando infecções bacterianas espalham-se no interior dos
linfáticos (ex.: estreptococos β-hemolíticos do grupo A);
- Os linfáticos afectados ficam dilatados e cheios de exsudato de neutrófilos e monócitos;
- A linfangite é reconhecida por estrias vermelhas e dolorosas, subcutâneas, com aumento
doloroso dos nódulos linfáticos de drenagem;
- Se as bactérias passaram para a circulação venosa pode resultar numa bacteriémia ou sépsis;
 Linfedema
- Linfedema primário: defeito congénito associado ou doença familiar de Milroy;
- Linfedema secundário: acumulação de líquido intersticial após o bloqueio de um linfático
anteriormente normal. Tal obstrução pode resultar de:
 Tumores malignos, procedimentos cirúrgicos, fibrose pós-irradiação, filariose, trombose
pós-inflamatória e cicatrização;
- O linfedema aumenta a pressão hidrostática nos linfáticos anteriores à obstrução e causa
aumento do líquido intersticial;
- A persistência deste edema leva ao depósito aumentado de tecido conjuntivo intersticial, com
expansão tecidual, aparência de induração castanha ou casca de laranja na pele
sobrejacente e eventuais úlceras provocadas por perfusão tecidual inadequada;
- A acumulação de linfa em vários espaços são chamados de ascite quilosa (abdómen), quilo-
tórax e quilopericárdio.

Tumores
 Neoplasias dos vasos podem derivar tanto dos vasos sanguíneos como dos linfáticos e podem
ser compostas por CEs (hemangioma, linfagioma, angiossarcoma) ou células vasculares de
sustentação (tumor glómico ou hemangiopericitoma);
 Tumores vasculares são predominantemente benignos (ex.: hemangiomas), mas também podem
ser lesões intermediárias, localmente agressivas (ex.: sarcoma de Kaposi) ou, raramente,
neoplasias altamente malignas (ex.: angiossarcoma);
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 Tumores benignos geralmente formam canais vasculares óbvios revestidos por CEs de
aparência normal;
 Os tumores malignos são mais tipicamente sólidos e celulares, sem vasos bem organizados e
com citologia atípica.

Classificação dos tumores vasculares e condições tumoriformes


Neoplasias benignas, condições do desenvolvimento e condições adquiridas
Hemangioma - Localizada, maioria é formada por lesões superficiais.
Hemangioma capilar - Ocorre na pele, tecidos subcutâneos e membranas mucosas da
cavidade oral e dos lábios, assim como no fígado, baço e rins;
- Agregados não-encapsulados de capilares intimamente unidos
e revestidos por endotélio aplanado.
Hemangioma cavernoso - Envolve estruturas profundas;
- Massa muito bem definida, mas não encapsulada, composta por
espaços vasculares cavernosos grandes e cheios de sangue;
- Trombose intravascular associada à calcificação distrófica é
comum;
- São um componente da doença de von Hippel-Lindau (cerebelo,
tronco cerebral e olhos).
Granuloma piogénico - Nódulo vermelho, pediculado, de crescimento rápido, sobre a
pele, a gengiva e a mucosa oral;
- Sangra facilmente e frequentemente é ulcerado, com edema e
infiltrado inflamatório associados.
Linfangioma - Análogos linfáticos benignos dos hemangiomas.
Linfangioma simples - Canais linfáticos pequenos que ocorrem predominantemente
(capilar) na cabeça, pescoço e tecidos subcutâneos axilares.
Linfangioma cavernoso - Encontradas no pescoço ou na axila de crianças;
(higroma cístico) - São comuns na síndrome de Turner;
- São compostos por espaços linfáticos maciçamente dilatados,
revestidos por CEs e separados por um estroma interposto de
tecido conjuntivo contendo agregados linfóides.
Tumor glómico - São tumores muito dolorosos que surgem de CMLs modificadas
(glomangioma) do glomo carotidiano;
- São mais frequentemente encontrados na porção distal dos dedos,
especialmente sob as unhas.
Ectasias vasculares
Nevo Flâmeo - Lesão aplanada na cabeça ou no pescoço, cuja cor varia do róseo
claro ao roxo escuro; só existe dilatação vascular;
- As lesões na distribuição do nervo trigémio são ocasionalmente
associadas à síndrome de Sturge-Weber.
Telangiectasia em aranha - É mais frequentemente associado aos estados
hiperestrogénicos, como gravidez e cirrose.
Telangiectasia hemorrágica - Doença autossómica dominante, com malformações
Hereditária (Doença de compostas por veias e capilares dilatados;
Osler-Weber-Rendu) - Pele e memebranas mucosas orais, TResp., TGI e TUrinário.
Angiomatose bacilar - Proliferações vasculares;
- Peliose bacilar (lesão vascular do fígado e baço).

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Neoplasias de grau intermédio


Sarcoma de Kaposi - Relativamente comum em pacientes com o SIDA;
- Quatro formas da doença são reconhecidas: SK crónico (clássico
ou Europeu), SK linfadenopático (africano ou endémico), SK
associado a transplantes e SK (epidémico) associado a SIDA;
- Herpesvírus humano 8 (HHV-8);
- No SK clássico e indolente são reconhecidos três estágios:
máculas (pequenas manchas rosadas, limitadas à região distal das
extremidades inferiores);
- Com o tempo, as lesões espalham-se em sentido proximal e
transformam-se em placas maiores e violáceas;
- Num estágio posterior, as lesões tornam-se nodulares e mais
caracteristicamente neoplásicas.
Hemangioendotelioma - O hemangioendotelioma epitelióide é um tumor vascular de
adultos que ocorre ao redor de veias de grande ou de médio calibre;
- As células neoplásicas são frequentemente cubóides e volumosas.
Neoplasias malignas
Angiossarcoma - Ocorrem em qualquer local, porém, geralmente envolvem mais a
pele, os tecidos moles, a mama e o fígado;
- Angiossarcomas cutâneos podem começar como nódulos
pequenos, bem delimitados, assintomáticos, avermelhados e
frequentemente múltiplos; a maioria eventualmente aumenta de
tamanho e torna-se uma massa amolecida de tecido castanho-
avermelhado ou branoc-acinzentado;
- Áreas centrais de necrose e hemorragia são frequentes;
- A origem destes tumores a partir das CEs pode ser demonstrada
pela coloração com CD31 ou com factor de von Willebrand;
- São localmente invasivos e podem provocar metástases
rapidamente.
Hemangiopericitoma - São tumores raros derivados dos pericitos, mais comuns sobre as
extremidades inferiores e no retroperitoneu.

Patologia das intervenções vasculares


 Stents coronários são tubos expansíveis e metálicos que são inseridos para preservar a
patência luminal durante a dilatação da angioplastia para as estenoses arteriais;
 Fornecem um lúmen maior e mais regular e “tratam” as bordas intimais e as dissecções
vasculares que ocorrem durante a angioplastia;
 No entanto, trombose precoce e espessamento intimal tardio podem ocorrer dentro dos stents
e podem levar à reestenose, muito mais do que é visto na angioplastia sem stent;
 Substituição vascular
- Enxertos sintéticos com diâmetros grandes funcionam bem em locais de alto fluxo (ex.: aorta);
- Enxertos artificiais com diâmetros pequenos, geralmente falham devido à trombose aguda;
- Para cirurgia de bypass arterial coronário, os enxertos são compostos tanto por veia
safena autóloga como pela artéria mamária interna.

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