Você está na página 1de 5

Endereço da página:

https://novaescola.org.br/conteudo/41/inatismo-
empirismo-e-construtivismo-tres-ideias-sobre-a-
aprendizagem

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 237, 05 de Novembro |


2010

Formação

Inatismo, empirismo e
construtivismo: três
ideias sobre a
aprendizagem
Platão, Aristóteles e Jean Piaget pensaram em diferentes
concepções sobre a aquisição dos conhecimentos.
Conheça as bases de cada uma
Beatriz Santomauro

Seja bem-vindo a uma investigação que já dura mais de 2 mil anos e não tem
data para acabar. Em torno das indagações que ela provoca, estudiosos das
mais diversas áreas de conhecimento humano gastaram toneladas de saliva,
montanhas de papel e enorme esforço intelectual. O desafio de dois milênios
pode ser resumido em duas perguntas: como o ser humano aprende? E como
criar as melhores condições possíveis para que o aprendizado ocorra na
escola?

Inatismo, o saber congênito

A busca por respostas começa na Antiguidade grega, com o nascimento do


pensamento racional, que busca explicações baseadas em conceitos (e não
mais em mitos) como uma forma de entender o mundo. Para os primeiros
filósofos, a dúvida consistia em saber se as pessoas possuem saberes inatos
ou é se possível ensinar alguma coisa a alguém.

Platão (427-347 a.C.) firmou posição a favor das ideias congênitas.


Defendendo a tese de que a alma precede o corpo e que, antes de encarnar,
tem acesso ao conhecimento, o discípulo de Sócrates (469-399 a.C.) afirmou
que conhecer é relembrar, pois a pessoa já domina determinados conceitos
desde que nasce.

Chamada de inatismo, essa perspectiva sustenta que as pessoas


naturalmente carregam certas aptidões, habilidades, conceitos,
conhecimentos e qualidades em sua bagagem hereditária. Tal concepção
motivou um tipo de ensino que acredita que o educador deve interferir o
mínimo possível, apenas trazendo o saber à consciência e organizando-o. "Em
resumo, o estudante aprende por si mesmo", escreve Fernando Becker,
professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) no livro Educação e Construção do Conhecimento.

Mesmo que a noção de aprendizado como reminiscência não encontre eco


na ciência contemporânea, algumas ideias inatistas ainda pipocam nas salas
de aula. Para o bem e para o mal: se por um lado é interessante levar os
alunos a procurar respostas para suas inquietações com independência
crescente, por outro é lamentável que muitos docentes sigam explicando o
baixo rendimento escolar de certos estudantes (sobretudo os de "lares
desestruturados") porque eles "não têm habilidade para aprender".

Precursor: Platão (427-347 a.C.)

Defende que as pessoas nascem com saberes adormecidos que precisam


ser organizados para se tornar conhecimentos verdadeiros. O professor
só auxilia o aluno a acessar as informações.

Trecho de livro comentado


"Mas o deus que vos modelou, àqueles dentre vós que eram aptos para
governar, misturou-lhes ouro na sua composição, motivo por que são
mais preciosos; aos auxiliares, prata; ferro e bronze aos lavradores e
demais artífices."
Platão, no livro A República

Comentário
Platão diz que o homem nasce com certas características físicas e que
elas justificam a posição social de cada um. Ser apto a governar ou
trabalhar como auxiliar é resultado de uma vontade divina. Não se
considera nenhuma possibilidade de mudança.

Empirismo, a absorção do conhecimento externo

Aristóteles (384-322 a.C.) apresentou uma perspectiva contrária à de Platão


(como se vê no quadro resumo, abaixo). Segundo ele, embora as pessoas
nasçam com capacidade de aprender, elas precisam de experiências ao longo
da vida para que se desenvolvam. A fonte do conhecimento são as
informações captadas do meio exterior pelos sentidos. Ideias como essa
impulsionaram o empirismo, corrente favorável a um ensino pela imitação -
na escola, as atividades propostas são as que facilitam a memorização, como
a repetição e a cópia.

"Os empiristas acreditavam que as informações se transformam em


conhecimento quando passam a fazer parte do hábito de uma pessoa",
explica Clenio Lago, professor de Filosofia da Educação na Universidade do
Oeste de Santa Catarina (Unoesc), em São Miguel do Oeste. Absorvidos tal
como uma esponja retém líquido, os dados aprendidos são acumulados e
fixados - e podem ser rearranjados quando outros conteúdos mais
complexos aparecem. A mente humana é definida como uma tábula rasa, um
espaço vazio a ser preenchido. "A criança é comparada à água, que pode ser
canalizada na direção desejada", diz Lago.

Nos séculos 16 e 17, em plena Idade Moderna, essa perspectiva ganha força
com filósofos como Francis Bacon (1561-1626), Thomas Hobbes (1588-1679) e
John Locke (1632-1704). Do ponto de vista dos empiristas, caberia à escola
formar um sujeito capaz de conhecer, julgar e agir segundo os critérios da
razão, substituindo as respostas "erradas" absorvidas no contato com
diversos meios (a religião, por exemplo) pelas "certas", já validadas pelos
acadêmicos por seguirem os critérios científicos da época.

Apesar dos séculos de distância, o fato é que algumas práticas empiristas


seguem presentes no dia a dia das escolas. "Até hoje, o conhecimento é visto
por muitos como um produto que pertence ao professor", explica Becker. Os
especialistas formulam outra crítica à corrente: nem sempre ideias simples
dão elementos para compreender as mais complexas. Dito de outra forma,
não basta acumular informações para aprender.

Precursor: Aristóteles (384-322 a.C.)

Sustenta que o conhecimento está na realidade exterior e é absorvido


por nossos sentidos. O professor é quem detém o saber. O aprendizado
é obtido por meio da cópia, seguida de memorização.

Trecho de livro comentado


"As virtudes, portanto, não são geradas em nós nem através da natureza
nem contra a natureza. A natureza nos confere a capacidade de recebê-
las, e essa capacidade é aprimorada e amadurecida pelo hábito."
Aristóteles, no livro Ética a Nicômaco

Comentário
O autor critica o inatismo, chamando a atenção para o fato de que não é
a "natureza" a responsável por nossos saberes (no trecho, chamados de
"virtudes"). Para Aristóteles, os conhecimentos são absorvidos como
resultado da prática - quando se tornam hábito.

Construtivismo, a tentativa de caminho do meio

Com inatismo e empirismo apontando para lados opostos ("O saber está no
indivíduo" versus "O saber está na realidade exterior"), o século 20 nasceu
com uma tentativa de caminho do meio para explicar o aprendizado: a
perspectiva construtivista. De acordo com essa linha, o sujeito tem
potencialidades e características próprias, mas, se o meio não favorece esse
desenvolvimento (fornecendo objetos, abrindo espaços e organizando ações),
elas não se concretizam.

A presença ativa do sujeito diante do conteúdo é essencial - portanto, não


basta somente ter contato com o conhecimento para adquiri-lo. É preciso
"agir sobre o objeto e transformá-lo", como diz Jean Piaget (1896-1980) (leia o
quadro abaixo). Foi o cientista suíço quem cunhou o termo construtivismo,
comparando a construção de conhecimento à de uma casa, que deve ter
materiais próprios e a ação de pessoas para que seja erguida.

Embora seus estudos não tenham sido feitos para aplicação em sala de aula -
por isso, é um equívoco falar em "método construtivista de ensino" -, suas
teorias inspiraram as obras sobre Educação popular de Paulo Freire (1921-
1997), sobre Matemática de Constance Kamii, sobre ética de Yves de la Taille
e sobre a psicogênese da língua escrita de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky.
Nas últimas três décadas, elas também têm influenciado investigações nas
chamadas didáticas específicas de cada disciplina.

Pela concepção construtivista, o professor deve criar contextos, conceber


ações e desafiar os alunos para que a aprendizagem ocorra. "O conhecimento
não é incorporado diretamente pelo sujeito: pressupõe uma atividade, por
parte de quem aprende, que organize e integre os novos conhecimentos aos
já existentes", escreve Teresa Mauri em O Construtivismo na Sala de Aula.

É claro que nem tudo cabe debaixo do chapéu do construtivismo. Entre os


mal-entendidos, um dos mais comuns é considerar que o professor
construtivista não apresenta conteúdos nem orienta seus alunos. "Professor
que não ensina não é construtivista", afirma Becker. Para que haja o avanço
dos alunos, o docente precisa tomar muitas decisões: considerar as
demandas da turma, propor questões e desafios e pensar formas de
promover ações que gerem aprendizado. "O educador deve dominar sua área
e conhecer os processos pelos quais o aluno aprende os mais diferentes
conteúdos", diz.

Ao pesquisar a maneira como a criança pensa, Piaget chamou a atenção para


o papel da interação para explicar como o conhecimento se origina e se
desenvolve. Por essa via, aproximou-se de pesquisadores como Lev Vygotsky
(1896-1934) e Henri Wallon (1879-1962). Embora os registros históricos
indiquem que Wallon e Vygostky não conviveram diretamente com Piaget,
são muitos os pontos de contato entre o construtivismo piagetiano e a
perspectiva defendida pela dupla, o sociointeracionismo. Segundo ela, o
processo de aprendizagem se dá pela relação do aprendiz com o meio
(ambiente familiar e social, professores, colegas e o próprio conteúdo). Você
conhece mais detalhes sobre as duas perspectivas nas próximas reportagens
da série.

Precursor: Jean Piaget (1896-1980)

Estabelece que a capacidade de aprender é desenvolvida e construída nas


ações do sujeito por meio do contato ativo com o conhecimento, que é
facilitado pelo professor.

Trecho de livro comentado


"Pensar não se reduz, acreditamos, em falar, classificar em categorias,
nem mesmo abstrair. Pensar é agir sobre o objeto e transformá-lo."
Jean Piaget, no livro Problemas de Psicologia Genética

Comentário
Citando características do pensamento científico clássico (enunciação,
classificação e abstração), Piaget afirma que o aprendizado necessita
também da ação de quem aprende (formulando hipóteses para entender
o objeto de conhecimento, por exemplo).

Você também pode gostar