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Era uma vez um caçador solitário.

Uma noite, retornando à sua cabana sobre a neve, viu


fumaça saindo de sua chaminé. Quando entrou na cabana, encontrou um forno quente, uma
refeição também quente sob a mesa, suas roupas gastas estavam lavadas e secas, mas não
havia ninguém na casa.

No dia seguinte, ele voltou mais cedo. Queria descobrir quem tinha entrado na cabana e
cuidado do que era dele. Quando abriu a porta, cautelosamente, encontrou uma pele de
raposa pendurada em uma estaca, e uma mulher com longos cabelos ruivos e olhos verdes
colocando algumas ervas na panela encima do fogão. Ele sabia, como só os caçadores sabem,
que se tratava de uma mulher raposa - parte mulher, parte raposa e parte espírito da floresta.
Ela então olhou para ele e disse: eu serei a mulher dessa casa.

Com o tempo, a vida dele mudou. Havia risos na cabana, alguém para compartilhar os dias e,
na escuridão quente quando se uniam, parecia que as paredes da cabana se dissolviam, entre
o céu e a floresta.

Acontece que passado os meses, a pele começou a soltar seu cheiro selvagem e pungente. Um
pequeno preço, poderíamos pensar, mas o caçador começou a reclamar. O odor estava em seu
travesseiro, em suas roupas e até em sua própria pele. Suas queixas aumentaram em número
e intensidade até que em uma noite, a mulher disse: está certo, vou tirar a pele da casa.

De manhã, ela, a pele e o cheiro desapareceram.

Dizem que o caçador até hoje espera na porta de sua cabana o retorno da mulher raposa.

Esse conto de Martin Shaw me fez refletir em variadas significações, infelizmente nao
caberiam todas aqui, porém levanto a questão do alto preço de negar nossa parte mais
instintiva. Ao entrarmos em um processo de retorno à nossa originalidade, podemos ficar
incomodados com aquilo que começa a emergir. Tem sim um odor bastante característico:
talvez esse cheiro tenha a ver com não suportar mais algumas coisas; ser mais verdadeiro e
isso acabar causando situações desconfortáveis com outros que antes exigiam de nós mais
subordinação... Há muitas coisas que acontecem com quem se aventura a "tornar-se si
mesmo". Fica o questionamento de qual preço preferimos pagar: do odor ou da falta de calor
amoroso.

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