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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA

DOCENTE PEDRO CAETANO NUNES

DIREITO DAS SOCIEDADES


4º ANO – SEGUNDO SEMESTRE

AULAS TEÓRICAS

Contactos:

pedro.caetanonunes@fd.unl.pt
pedrocaetanonunes@hotmail.com

Bibliografia:

 Abreu, Jorge Manuel Coutinho de - Curso de Direito Comercial, II, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2015
 Antunes, José Augusto Engrácia - Direito das Sociedades, Porto, edição do Autor
 Cordeiro, António Menezes – Direito das Sociedades, I, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2011
 Cunha, Paulo Olavo – Direito das Sociedades Comerciais, 6.ª ed., Coimbra, Almedina, 2016
 Duarte, Rui Pinto – Escritos sobre Direito das Sociedades, Coimbra, Coimbra Editora, 2008 (capítulos I e II)

[Para o professor, os dois primeiros manuais são melhores. Releva ainda a leitura de Rui Pinto Duarte, ainda que este
seja incompleto a nível da matéria. Tem importância essencialmente em dois capítulos.]

Textos de Apoio de Análise em Aula:

 Texto 4 – Common Law;


 Texto 5 e 6 – Capacidade de Gozo e Representação (ou Vinculação);
 Textos 7 e 8 – Representação;
 Texto 9 – Negócio consigo mesmo;
 Textos 10 e 11 – Direito Especial à Gerência;
 Texto 12 – Estatutos do BPI;
 Textos 14 e 15 – Deliberações do Conselho de Administração
 Textos 16 e 17 – Destituição de Gerentes ou Administradores;
 Texto 18 – Lealdade dos Administradores;
 Texto 22 – Aquisição Tendente ao Domínio Total.

Aula de 14 de fevereiro de 2017

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

O Direito das Sociedades abarca as sociedades comerciais e civis. Vamos focar-nos nas comerciais. No geral, e
nas demais Faculdades de Direito, não se fala de Direito das Sociedades, mas de Direito Comercial (onde a primeira fase
de discussão incide sobre os actos de comércio, por via a determinar quando é que se aplica o Direito Comercial – ou
seja, a primeira coisa que se discute é o que é um acto de comércio ). Peca, no sentido em que se demora muito tempo a
discutir ou debater o que é um acto de comércio, e depois fala-se apenas na constituição de sociedades. No nosso caso,
iremos dar a matéria das sociedades com maior amplitude.

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Interessa, em especial, para o Direito Privado. Tem também interesse para o Direito Público, no sentido em
que é nesta disciplina que se desenvolve a teoria das pessoas colectivas (personalidade colectiva). Para o Direito
Privado: a grande parte da riqueza actual não é fundiária, mas está essencialmente em acções e instrumentos
financeiros – os quais, em grande medida, estão na posse de pessoas colectivas.

1. INTRODUÇÃO
1.1 A SOCIEDADE ENQUANTO ENTE JURÍDICO E ENQUANTO CONTRATO

1.1.1. POSSIBILIDADE DE NEGÓCIO INSTITUTIVO DE SOCIEDADE-ORGANIZAÇÃO PRATICADO POR UMA SÓ PESSOA


1.1.2. POSSIBILIDADE DE A SOCIEDADE-ORGANIZAÇÃO TER FONTE LEGAL

Dupla natureza da sociedade: a sociedade pode ser vista como um contrato ou como entidade (organização).
Ao falar de sociedade pode referir-se uma coisa ou outra, é um termo polissémico. É um animal com dupla natureza,
i.e., há aspetos que relevam da natureza contratual e aspetos que transcendem essa natureza – pelo facto de existir ali
uma entidade jurídica. Há algo mais que a dimensão contratual. Não existe apenas o contrato celebrado entre um
conjunto de pessoas, mas também uma pessoa colectiva que se projecta ao longo do tempo, com relações entre os
membros e os credores (projecção da relação ao exterior).

A «sociedade contrato» será um contrato que se caracteriza pela obrigação de contribuir com bens e serviços
para uma actividade económica. Ex.: a compra e venda. Entrega da coisa e do preço e transferência do bem como
efeito real. Já no contrato sociedade, é obrigação de contribuir com bens e serviços.

A «sociedade entidade, organização ou instituição» é um certo tipo de organização de pessoas e bens


dedicada à prossecução de uma actividade económica. Uma organização com pessoas e bens (matéria palpável) para a
realização da finalidade económica. Esta ideia de organização é uma ideia de difícil explicação. A própria noção de
organização é um conceito que se desenvolve à medida que se aprofundam os conhecimentos da disciplina.

A sociedade entidade é paradigmaticamente gerada pela sociedade contrato. Na origem da entidade está, por
regra, um contrato de sociedade. Mas há excepções, uma vez que é possível constituir a sociedade entidade por via de
um negócio jurídico unilateral (arts. 270º-A: quotas unilaterais, com um único sócio e uma declaração negocial singular
– sociedades que também existem em Espanha – sociedade por quotas unilateral; 478º: constituição de uma sociedade
por outra sociedade comercial, respeita os grupos de sociedades).

Mas também existem outros actos, que não jurídicos, que constituem sociedades: legislativos. A entidade, por
regra, é criada pela sociedade contrato, mas nem sempre é assim. Convém ter esta ideia em mente. Assim, a dimensão
contratual nem sempre existe.

Na história do pensamento ocidental, o conceito de sociedade contrato precedeu o de sociedade entidade.


Sobre sociedade enquanto contrato fala-se desde o Direito Romano (Societas enquanto modalidade contratual em Roma). A ideia
de que gera uma organização com personalidade jurídica levanta o problema da criação dos entes colectivos, mas
enquanto uma problemática moderna (fim da Idade Média). As companhias privilegiadas são antecessoras das
sociedades anónimas (o exemplo paradigmático é o da companhia privilegiada holandesa). A discussão sobre os entes
autónomos (i.e., entidade idealizada que transcende os seres humanos) surge aqui.

1.2. SENTIDOS DA EXPRESSÃO «CONTRATO-SOCIEDADE»: NEGÓCIO INSTITUTIVO E ESTATUTOS

Há uma dupla dimensão da sociedade contrato (diferente de dupla dimensão da sociedade). Por um lado, há o
negócio jurídico institutivo e, por outro, os estatutos ou pacto social. No contrato de sociedade há uma dupla dimensão
(diferente de dupla natureza). Há determinadas estipulações, ou cláusulas, que regulam o funcionamento da sociedade
entidade ao longo do tempo. Uma parte do conteúdo do contrato que regula o funcionamento da sociedade ao longo
do tempo. São cláusulas estatutárias que, por exemplo, estabelecem o número de votos necessários para alterar um
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órgão da sociedade; ou a actividade económica a ser prosseguida; ou delimitam a firma, o nome da sociedade; ou
delimitam o direito de voto. São cláusulas importantes para as sociedades anónimas.

São assim cláusulas estatutárias, que pertencem aos estatutos. Em contraposição, temos outros elementos
que se esgotam no momento da constituição. A própria declaração de vontade no sentido de criar a sociedade; a
identificação dos sócios originários e das suas obrigações de entrada; são elementos que relevam da instituição, da
sociedade, que podem ser contrapostos aos elementos que regulam a sociedade ao longo do tempo ( estatuto). No
Código das Sociedades raramente surge o termo dos Estatutos. Entre nós, considera-se que não se tratam de dois
actos, mas de duas dimensões do mesmo negócio jurídico.

1.3. A DIVERSIDADE DOS TIPOS DE SOCIEDADES COMERCIAIS

Existem cinco tipos base: a sociedade civil (arts. 980º e ss, CC); em nome coletivo; por quotas; anónimas; e em
comandita (CSC). Além destes, temos subtipos, designadamente, nas sociedades anónimas, temos as abertas e
fechadas, sendo que dentro das abertas, temos as cotadas e as não cotadas. Estes subtipos traduzem-se em regimes
jurídicos com carácter especial face ao regime geral das sociedades. Estes conceitos estratificados implicam regimes
jurídicos especiais.

Existem ainda subtipos especiais em função do objecto. Assim, existem as sociedades anónimas que são SGPS
(Sociedade Gestora de Participações Sociais, na gíria, uma holding, que está no topo das sociedades «filhas», a «mãe»).
Há um DL especial aplicável a este tipo de sociedades. As sociedades anónimas desportivas são um subtipo especial em
função do objecto (ex.: SAD do Sporting). Há o exemplo ainda das sociedades anónimas de gestão de imóveis. São
todos regimes especiais de sociedades anónimas em função do objecto.

1.4. CONTRAPOSIÇÃO ENTRE SOCIEDADE CIVIL E SOCIEDADE COMERCIAL

Terá na base a distinção do campo de aplicação entre o direito civil e o direito comercial. O direito civil é
herdeiro do direito romano; é direito privado comum. O direito comercial emancipou-se desse direito privado comum,
ao longo da história, com início da Idade Média (florescimento do comércio, das relações entre comerciantes). Surge
primeiro o direito romano, o conhecimento passa depois para os teóricos da Igreja na Idade Média – período de
recessão. Assim, os conceitos herdados dos romanos eram explicados pelos teóricos clérigos, sem imposição estadual
ou base legal. Era um direito comum na Europa dos países que resultaram da queda do Império Romano. Isto é a base
do direito civil. Com os Estados Modernos, a emergência dos Estados com fronteiras, e o maior peso da lei enquanto
Estado de Direito, surgiu um maior valor do Direito (direito civil). Por contraposição a tudo isto, temos o surgimento do
direito comercial, com a origem consuetudinária – os comerciantes foram desenvolvendo o comércio, em terra, entre o
Sul e o Norte da Europa. Estabeleceram regras distintas das regras do direito romano; mais protectoras dos credores do
que dos devedores; que facilitam as trocas à distância (letras, livranças, notas de crédito).

 Temos desta forma um direito comercial e um direito civil, sendo que falar de um e de outro é o
mesmo que falar de um direito para os comerciantes ou empresários e um direito para os cidadãos.

Do ponto de vista técnico-jurídico, há dois critérios:

(1) Objectivo – define o acto de comércio;


(2) Subjectivo – define o comerciante.

Ao longo da história foram utilizados estes dois critérios para se saber quando se aplicava o direito comercial.
Com as primeiras codificações comerciais, prevaleceram estes critérios. No nosso Código Comercial, a Carta de Lei de
28 de Junho de 1888. O Código vigente adopta o critério objectivo, o critério do acto de comércio. Contudo, também dá
uma margem ao critério subjectivo. A noção de comercialidade, em Portugal, é uma noção objectiva.
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De acordo com o Código de 1888, os actos de comércio são os regulados no Código Comercial. O elenco de
actos de comércio é um elenco que constitui um precipitado histórico criticável. São os actos praticados pelas pessoas
que têm a sua dedicação no comércio estrito (trocas); do sector industrial. O sector primário está fora dos actos de
comércio, por via do precipitado histórico, na medida em que o direito comercial foi feito pelas relações históricas.
Assim, transacções agrícolas e pecuárias não entram na letra da lei. Hoje em dia não faz sentido, na medida em que
quem se dedica a este sector, fá-lo numa estrutura organizada.

Aos olhos do Código Comercial a advocacia não é uma actividade comercial. Mas, actualmente, é uma
estrutura organizacional intensa. Também não é racional considerar que não são comerciantes. Assim, passou a utilizar-
se antes a expressão de «direito empresarial» em vez de comercial, por via a fazer com que as regras do Código se
apliquem com a maior amplitude. Esta tendência de contraposição do direito comercial ao direito das empresas é
bipolar: por um lado, é possível dizer que uma coisa é o direito comercial e outra é o direito empresarial; por outro
lado, pode dizer-se que o direito comercial moderno tem de passar a ser um direito comercial para todas as empresas,
alargando o conceito de comerciantes e de comércio.

Há, em todo o caso, na legislação portuguesa, a primeira perspectiva bipolar, i.e., um conceito legal de acto de
comércio e comerciante e um conceito legal de empresa. Mas nem sempre se verifica esta bipolaridade. Ex.: o Código
de Insolvência utiliza o conceito de empresa – ou seja, os comerciantes, as empresas agrícolas, entre outros. Tem o
conceito amplo. As regras do registo comercial impõem-se a todos os comerciantes pelo critério da empresa.

 Conceito estrito de comerciante versus o conceito amplo de comerciante ou de empresa.

A lei não elenca categorias ou critérios detalhados para explicar o que é um acto de comércio. O legislador fê-
lo através de um elenco. Em vez de apontar vectores ou conceitos para a comercialidade, colocou um elenco. Assim,
veio a Doutrina determinar os critérios que determinam que certos actos sejam actos comerciais (para lá do elenco da
lei, i.e., a racionalidade da lei). Assim:

(1) Finalidade lucrativa;


(2) Interposição das trocas;
(3) Organização e Profissionalismo.

Existe frequentemente uma finalidade lucrativa, na medida em que, por regra, querem-se obter lucros (a mão
invisível do mercado). Há uma interposição das trocas no lugar da troca directa, com a intervenção dos distribuidores.
As pessoas que se introduzem nas trocas não produzem ou consumem nada. Passam a ser valorizadas. Por fim, a
organização de meios de produção, de pessoas e bens, com vista a prosseguir a finalidade económica com
profissionalismo, de forma estruturada ou organizada.

As sociedades comerciais são as sociedades, em primeiro lugar, constituídas para praticar actos de comércio,
ou seja, aqueles integrados no Código Comercial ou na legislação extravagante que substitui o Código. São sociedade
criadas com o objecto social, a finalidade, de prosseguir a actividade económica.

 Art. 1º do Código das Sociedades Comerciais: o número 2 estabelece um duplo critério de aplicação. Tem dois
requisitos para a classificação da sociedade comercial, i.e., a adopção de uma das formas da sociedade
comercial e a prática de actos de comércio. O número 4 merece especial atenção (sociedades civis sob forma
comercial). A estas aplicam-se, na mesma, o CSC. O que interessa, sobretudo, é se as sociedades adoptam uma
das formas previstas na lei ou não. A contraposição entre civil e comercial é pouco relevante, no sentido em
que, tendo uma das formas, aplicar-se-á, sempre, o CSC.

Para efeitos de Código de Insolvência e Registo Comercial interessa o conceito amplo de empresa. Do ponto de vista
da aplicação prática, é isto que releva no campo dos actos de comércio.

Alguns Aspectos na Teoria Geral do Negócio Jurídico:


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(1) Toda a sociedade contrato, civil ou comercial, enquadra-se numa categoria ampla – categoria dos contratos de
cooperação. Em Portugal, o nome mais importante é CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA . Tem uma teoria sobre
formação do contrato e sobre a categorização do contrato (troca e cooperação; doação; liberalidade; risco e
estruturação), sendo este último ponto que mais releva. 1 O contrato de sociedade é o contrato mais
paradigmático, importante da categoria dos contratos de cooperação.

Nas trocas, há uma troca comunicacional, das declarações de vontade ao nível da formação do negócio jurídico;
mas também uma troca de prestações. Nas sociedades comerciais, todos têm uma finalidade económica comum,
ou seja, as prestações de pessoas e bens não se trocam, estão orientadas a um fim comum. As sociedades são
pensadas na égide da direcção comum, i.e., «todos para o mesmo». Há um vínculo a uma finalidade comum. Não
são, portanto, prestações que se cruzam, mas prestações paralelas.

Aula de 17 de fevereiro de 2017

Fala-se cada vez mais no Direito Empresarial, no sentido de abarcar quer os sectores já abrangidos na
codificação comercial, quer as pequenas empresas. O Direito Comercial deve ser entendido, cada vez mais, como
das Empresas.

O art. 980º do CC, estabelece uma definição de contrato de sociedade, contrariamente ao que
acontece no Código das Sociedades Comerciais. Há, consequentemente, clivagens doutrinárias: assim, (1) quem
entende que esta definição vale para as Sociedades Comerciais; (2) quem entende que vale apenas para as
Sociedades Civis, não valendo para as Comerciais [opinião que o Professor PEDRO CAETANO NUNES defende]. Nas
situações de fronteira é isto que determina se se aplica ou não o Código das Sociedades Comerciais.

Rui Pinto Duarte tem opiniões importantes nesta matéria. Os elementos de definição deste contrato
de sociedade decorrem da letra da lei: (1) contrato entre dois ou mais sujeitos; (2) a contribuição de bens e
serviços – objecto; (3) fim imediato – 1º fim – é o de exercício comum de actividade económica que não seja de
mera fruição; (4) fim mediato – mais afastado – de repartição dos lucros.

Esta definição, que vale para o contrato de Sociedade Civil, traz a polémica de saber se vale para as Comerciais.
A tese tradicional e dos Professores de Coimbra (especialmente, LOBO XAVIER) defendem que se aplica aos dois tipos. No
polo oposto, temos RUI PINTO DUARTE, entendendo que:

Em três aspectos, compreende de maneira diferente o fim mediato e imediato e a questão do contrato. As sociedades
comerciais não têm sempre a sua origem num contrato, podendo ter origem na lei, num acto jurisdicional, entre outros
actos. É o primeiro aspecto. Em segundo lugar, nas sociedades comerciais, frequentemente, não há exercício em
comum (não vão dois ou três sujeitos para trás de um balcão; nas sociedades comerciais há, geralmente, accionistas
que fazem meros investimentos; ou seja, não estão a exercer pessoalmente nenhuma actividade económica). É um
exercício, mas no sentido de ser uma contribuição para a sociedade exercer uma actividade económica, mas não é o
próprio que investe que vai «para trás do balcão». Por fim, a lei não estabelece, em qualquer parte do CSC, o
impedimento de ser de mera fruição. Assim, não é em comum e não é de mera fruição. Mera fruição seria ter imóveis e
extrair rendas – não se faz nada, concretamente. Gera frutos sem grandes encargos.

Tem que haver uma finalidade lucrativa, o que significa que as non profits não podem ser Sociedades Civis e
não podem, para a Escola de Coimbra, assumir a posição de Sociedade Comercial. Para RUI PINTO DUARTE e PEDRO
CAETANO NUNES, estas podem ser Sociedades Comerciais, na medida em que, para estes, a última parte do art. 980º do
CC não vale para este tipo de Sociedades. Ainda quanto à finalidade lucrativa: no CSC não há uma definição de contrato
de sociedade, sendo este o pressuposto de toda esta teorização. A questão que se coloca é a de saber se há algumas
normas que, ao longo do Código, respondam a esta querela doutrinária. Assim:

1
Na Alemanha, uma das pessoas que marca a classificação sobre contratos é RUDOLF VON IHERING. Tem uma classificação
que fala em contratos de troca, de liberalidade e com fim comum (cooperação). Não avalia o risco e a estruturação que
aparece com FERREIRA DE ALMEIDA, mas mostra que a categorização dos contratos releva em todo o lado.
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 Normas a favor da Escola de Coimbra e LOBO XAVIER: art. 21º, CSC – o direito ao lucro é um direito dos
sócios, o qual protegido. Há inclusivamente várias regras que reforçam a ideia do direito ao lucro, com
vista a proteger os sócios minoritários. São exemplos destas normas o art. 22º/4; os arts. 217º e 294º
- regime de protecção de minorias nas sociedades por quotas e anónimas – limitam a redução do
lucro. O direito ao lucro está previsto no CSC e há normas que protegem este direito.

 Norma a favor de RUI PINTO DUARTE e PEDRO CAETANO NUNES: art. 42º, CSC – aponta os fundamentos de
nulidade do contrato de sociedade (por quotas, comanditas – i.e., não valem para todas). Se é válido é
porque a definição de válida não tem o elemento de lucro, no sentido em que se tiver lucro, tem de
ter a protecção dos sócios minoritários.

Não vale «contrato», não vale «em comum», e não vale «lucro» para as sociedades comerciais. Assim, segundo
Rui Pinto Duarte, a definição será diversa. Será um contrato, negócio jurídico unilateral, acto jurisdicional ou legal; tem
o mesmo objecto – contribuição de bens e serviços; para o exercício de actividade económica; para benefícios dos
sócios ou membros. Por fim, no que respeita ao benefício, entende-se que seja um lucro ou uma vantagem.

Notas: quando falarmos nos Direitos e Deveres dos Sócios, falaremos da prestação característica do contrato, i.e., da
contribuição de bens e serviços (objecto do contrato). Por «actividade económica» deve entender-se a susceptibilidade
de expressão monetária, ou seja, de avaliação em dinheiro. Sobretudo nos países de Common Law, pode acontecer ter
sociedades que não têm por base uma actividade económica. Também acontece em Portugal – é o caso das
Cooperativas ou das Associações Recreativas, as quais, em Portugal, não podem ser Sociedades Comerciais.

1.5. A SOCIEDADE ENQUANTO ENTIDADE (PERSONALIDADE JURÍDICA)


1.5.1. A SOCIEDADE NO PANORAMA DAS PESSOAS COLECTIVAS

Há que reter alguns conceitos base:

Personalidade Colectiva – tradicionalmente, desde MANUEL DE ANDRADE – que importou esta ideia, erradamente, do SJ
Alemão -, em Portugal, há uma distinção entre capacidade de gozo e capacidade de exercício (ou personalidade).
Segundo PEDRO CAETANO NUNES, personalidade ou capacidade jurídica corresponde à susceptibilidade de tutelar
situações jurídicas, i.e., quanto a quem é um centro de imputação de efeitos de normas jurídicas. Uma pessoa é o
centro de imputação dos efeitos jurídicos. Todas as pessoas físicas são pessoas jurídicas. Mas há pessoas jurídicas que
não pessoas físicas, ou seja, as pessoas colectivas. Em rigor técnico-jurídico, pessoa jurídica é o efeito numa norma
jurídica. Ao olhar para as normas jurídicas identificam-se as pessoas jurídicas [perspectiva normativista – KELSEN]. Na
capacidade de exercício já está em causa a susceptibilidade de exercer pessoalmente os seus direitos. Do ponto de vista
analítico, são os poderes jurídicos que permitem o exercício jurídico [as pessoas maiores e emancipadas têm o poder
jurídico para celebrar NJ; o incapaz, o inabilitado e o interdito não têm o poder jurídico para tal];

MANUEL DE ANDRADE defende que personalidade jurídica é um valor absoluto enquanto a capacidade de exercício é um
direito relativo, a medida da titularidade de poderes e deveres.

Assim, há uma pessoa jurídica quando for encontrada uma norma jurídica que atribui efeitos jurídicos a uma
entidade específica e individualizada.

Na sequência desta perspectiva normativista [KELSEN, na lógica de HANS JULIUS WOLFF], há personalidade jurídica
plena ou rudimentar. MANUEL DE ANDRADE importou esta distinção, desta vez de forma correcta. Por vezes, é a lei que
determina que existe personalidade jurídica, pelo que se entende que seja plena. Noutras vezes, existem apenas
algumas normas jurídicas que encontram um centro idealizado dos efeitos das normas.

As Sociedades Comerciais têm personalidade jurídica (art. 5º, CSC), mais, têm personalidade jurídica plena.
Mas se formos ao CC, não há qualquer afirmação de personalidade jurídica plena para as Sociedades Civis. Em
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contrapartida, o art. 997º do CSC estabelece algo interessante – responderá primeiro a Sociedade, porque os sócios só
começam a ser responsáveis na falta de património social.

Estas querelas doutrinárias, com esta especificidade da importação por Manuel de Andrade, devem ser lidas
no sentido de haver personalidade jurídica plena ou rudimentar. Geralmente, as pessoas que têm personalidade
rudimentar têm personalidade judiciária. Quanto ao património, incorpora as situações jurídicas positivas e negativas
(os créditos e as dívidas). Se a lei atribuir personalidade jurídica plena, há uma pessoa com património próprio. O art.
997º é essencial e paradigmático. Quando há personalidade rudimentar também existe património autónomo, que se
distingue da esfera patrimonial. Os casos de personalidade plena são os casos em que a lei afirma a personalidade; os
de rudimentar são os que resultam de normas soltas. Também o CPC releva neste aspecto, pois atribuiu personalidade
a certas situações, p.e., à herança jacente (personalidade rudimentar).

Alemanha – distinção entre Comunhão Germânica e Corporação: não há apenas uma contitularidade de uma
coisa, mas também um laço social. Tradicionalmente, as pessoas colocavam bens e serviços em comum para prosseguir
uma actividade económica comum (lucros – um tinha a mercearia, outro o balcão, outro trazia os produtos e estavam
todos atrás do balcão – o laço pessoal). Em contraposição, temos as corporações, i.e., instituições de grande dimensão
destinadas a perdurar no tempo e que transcendem os seres humanos.

A personalidade jurídica foi pensada para as corporações e, tradicionalmente, as formas de sociedades civis e
comerciais que tinham a montante a ideia de comunhão germânica eram aquelas, em relação às quais, não se atribuía
qualquer personalidade jurídica. Antes do código de 86 fazia-se a distinção. As sociedades por quotas enquadravam-se
na comunhão germânica e, como tal, não tinham personalidade jurídica.

A Doutrina fala em substractos – realidade sociológica por detrás da personalidade jurídica. Tradicionalmente,
nas associações há um substracto associativo (conjunto de pessoas que se unem para a promoção da actividade); já na
fundação o que está por trás é um património de afectação; por trás das sociedades, é a empresa. E a ideia de empresa,
já não é associação ou património. Desta feita, entende-se como «empresa», em sentido subjectivo, o estabelecimento
comercial. Três ideias: (1) organização dos meios de produção; (2) exploração profissional; (3) actividade económica.

São ideias próximas da distinção entre sociedade comercial e sociedade civil. Esta ideia de empresa pode ser
vista como um objecto de um negócio jurídico, mas também como o que está por trás da sociedade comercial. P.e., foi
feito um contrato com aquela empresa, com aquele estabelecimento comercial.

Nota: podem existir sociedades sem empresa. P.e., pode existir uma sociedade comercial, mas ainda não há empresa.
Na Madeira há um paraíso fiscal. Todos os dias os advogados criavam sociedades comerciais. Aparece um investidor
chinês que quer montar uma empresa em Portugal. O advogado vendia a sociedade comercial, transferia as quotas, e o
chinês é que iria colocar a empresa real, a organização dos meios de produção. Cada vez acontece menos, em
consequência da constituição da empresa na hora.

Organização Interna da Pessoa Colectiva – tem órgãos, um Conselho de Administração, um Conselho Fiscal. Ou seja, há
uma distribuição de competências ou de poderes jurídicos (de direitos e deveres). Para PEDRO CAETANO NUNES, o poder e
a competência são sinónimos. São a possibilidade de produzir efeitos jurídicos.
Existem assim várias pessoas e entidades individualizadas e idealizadas com competências, deveres e direitos.

Mais se acrescenta que, no interior da pessoa colectiva também há subjectividade jurídica. P.e., quando se diz
que quem tem competência para o acto A é o Conselho Fiscal. Não precisam de estar todos os membros.

A organização pode ser mais simples ou mais complexa. Nas sociedades em nome colectivo há organização
muito simples, mas este tipo de sociedade raramente existe. No polo oposto, temos as sociedades anónimas, onde o
poder está centrado no Conselho de Administração, que delega na Comissão Executiva.

Os poderes podem ser internos ou externos, designados, noutra terminologia como poderes de decisão e de
execução. Os internos são aqueles que se repercutem no interior da organização. Os externos são aqueles que
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resultam dos actos ou negócios jurídicos com terceiros exteriores à organização. A competência interna é
essencialmente decisória enquanto a externa é executiva. Não é uma terminologia completamente perfeita, uma vez
que nem sempre há decisão seguida de execução. É igualmente impreciso porque, ao nível interno, também se
praticam negócios jurídicos, entre os quais, autorizações, avocações, instruções, delegações, entre outros. Não são é
negócios com terceiros. Mediante seja interno ou externo, as regras serão diferentes; quer a nível da competência para
determinados actos, quer pelo tráfego jurídico que visa a protecção de terceiros.

 O sinónimo de competência externa é poder de representação; da interna é poder de gestão ou administração.

A competência interna, frequentemente, é atribuída a órgãos deliberativos – ou, sinónimo, colegiais (o


Conselho de Administração, a Assembleia, entre outros). Na prática, do ponto de vista da patologia jurídica, quando se
fala numa competência interna estamos perante o problema das invalidades das deliberações. Quando falamos da
externa estamos a falar da vinculação da Sociedades e da falta de poderes de vinculação.

Neste contexto, em Direito Administrativo, mas também aqui, é feita uma classificação tripartida:

(1) Actuação deliberativa;


(2) Actuação conjunta;
(3) Actuação singular.

Na primeira, deliberativa ou colegial; na terceira, singular ou disjunta. As sociedades são caracterizadas


pelo Princípio da Suficiência da Maioria. Em contraponto a este Princípio, há regras de protecção dos sócios
que são maioritários [reter o princípio e os limites do mesmo]. A regra é que quem manda é quem tem mais
capital. Tem a ver com a natureza associativa. É óbvio que não se aplica às Sociedades que têm apenas um
sócio. As regras de protecção dos sócios minoritários – direito de exoneração, de sair livremente da Sociedade.
Este princípio é ainda conhecido como Princípio Democrático.

Nas Sociedades de Capitais temos plutocracia e nas sociedades de pessoas temos a democracia. Ou seja,
nas primeiras, o voto é atribuído pela participação de capitais; na segunda, os votos são atribuídos por
pessoas. Os sócios são titulares de uma pretensão individual. Os credores contratam valores certos, são
definidos de início. Em contraponto, os accionistas são titulares de uma pretensão desigual, na medida em que
se a Sociedade não der lucros, não recebem nada; mas se der lucro, recebem muito. Do ponto de vista da
análise económica utilitarista, os sócios accionistas têm um incentivo para fazerem uma boa gestão, por via a
receber mais. São os sócios, os accionistas que devem ter este poder de gestão.

É ainda de fazer uma distinção estrutural: posição dos sócios e a posição dos outros membros da organização.
Os sócios têm a posição orgânica originária; e os outros, posições orgânicas derivadas. Os sócios têm poderes e direitos.
O seu poder de voto corresponde a um direito. Em contraponto, os segundos, têm sempre poderes-deveres. Actuam no
interesse de outrem. Devem exercer todos os seus poderes no interesse de outrem (deveres).

Os sócios podem fazer tudo com o limite do abuso de direito ou da actuação desleal. Quanto a todos os outros,
surge o problema dos deveres orgânicos e da responsabilidade orgânica. São deveres orgânicos da posição derivada. É
neste contexto que surgem os «custos de agência». Na mercearia, todos são agentes. Mas nas Sociedades de maiores
dimensões, temos separação orgânica entre os sócios e os outros membros. Quem vai gerir são os administradores ou
os gerentes que, muitas vezes, não são sócios. Os custos de agência têm a ideia de que, se se coloca o poder de gerir na
mão de outro, há um risco, que deriva da assimetria de interesses. Um gerente ou administrador pode ter mais
interesse em si do que nos accionistas (sócios). Ou seja, actua por eles, mas nem sempre segundo o seu interesse.

São custos de agência:

(1) Custos de vinculação – o que os sócios têm de pagar, i.e., remuneração e regalias que são atribuídos a todos os
que têm posição derivada;
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(2) Custos de controlo – gasto de tempo e dinheiro para controlo dos administradores ou, então, têm que criar
um Conselho Fiscal que os controle;

(3) Perdas residuais – pode correr mal. Há uma má gestão ou uma atuação em conflito de interesses, i.e., de
forma desleal. Fazem negócios consigo mesmo. P.e., em vez de comprar ao fornecedor, compra o fornecedor e
ficam num só espaço, por via a ter menos custos de renda.

Há ainda uma ideia sobretudo norte-americana de pessoa colectiva como um nexo de contratos. Quem manda
numa sociedade anónima é o CEO (o Presidente dos Executivos). Em Portugal, não é tão comum. Permite chamar à
atenção da predominância do órgão de gestão nas grandes sociedades comerciais, bem como do capital próprio (meios
financeiros fornecidos pelos sócios) e externo ou alheio (fornecidos por terceiros – p.e., empréstimos).

Autonomia Patrimonial – todas as pessoas têm o seu património. A base legal é a do art. 5º do CSC. Nas Sociedades
Civis há autonomia patrimonial, sendo património autónomo. Nas comerciais há autonomia patrimonial plena. Nas civis
temos um património autónomo.

Responsabilidade dos Sócios – limitação pelas dívidas sociais. Esta ideia não existe nas Sociedades Civis, sendo que
nestas os sócios respondem. Se a Sociedade tem a personalidade jurídica, com o seu património, só o seu património é
que vai responder pelas suas dívidas.

Ex.: se A resolver ser mercenário e for um comerciante em nome individual, no caso de deixar dividas, vão penhorar-lhe
a casa e ele não terá garantias. Ex.: se constituir sociedade por quotas e criar dívidas, já não podem retirar a casa,
porque não há uma responsabilidade. Só o património da sociedade responde pelas suas dívidas.

Três ideias:

a. Externalização do risco nos credores – se correr mal, o investidor perde apenas o investimento. Por sua vez, os
credores saem mais lesados, que não recebem o preço;

b. Os credores podem exigir garantias patrimoniais;

c. Mecanismos que permitam limitar a externalização do risco nos credores. Aqui há a questão do capital social;
as contas têm de ser publicadas e auditadas por técnicos oficiais de contas; a desconsideração jurídica (é ideia
próxima do abuso de direito).

Protecção dos Credores.

Aula de 21 de fevereiro de 2017

2. LOCALIZAÇÃO DO DIREITO DAS SOCIEDADES NO DIREITO


2.1. OS VÁRIOS TIPOS DE FONTES NORMATIVAS SOBRE SOCIEDADES

2.1.1. FONTES EUROPEIAS

Há que distinguir as fontes europeias das fontes internas. Além destas, a tendência internacional económica, a
qual inclina para um a certa harmonização. Assim: (1) Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia; (2) Directivas
e os Regulamentos – muitas Directivas de Coordenação em matéria de Direito das Sociedades e menos Regulamentos.
Pouco antes de se designar como «União Europeia», houve a percepção que para a criação de uma unidade económica
seria necessária alguma coordenação para a realização de transações transfronteiriças entre os agentes económicos.
Ou seja, era essencial para a formulação de um mercado comum [ex.: regras sobre vinculação das sociedades
comerciais – quem vincula, se são os gerentes ou os administradores; regras de contabilidade organizadas ao longo dos
Joana Almeida | 2016-2017

EM – para o credor conseguir ter uma ideia da força económica do parceiro contratual; regimes cuja harmonização
mínima é essencial para que os agentes económicos consigam fazer transações económicas com segurança].

Esta necessidade de harmonização não foi feita pelos Regulamentos, mas pelas Directivas de Coordenação.

Não se retirou, aos EM, a competência para legislar nestas matérias. Pelo contrário, criaram-se Directivas,
muitas delas transpostas pela generalidade dos EM. O CSC transpôs parte dessas Directivas quando Portugal estava a
preparar a sua adesão à União (todas as Directivas anteriores a 1985).

A Jurisprudência do TJUE é também uma fonte de Direito Europeu. Existem ainda propostas de Directivas
(duas), que andaram muito tempo em discussão, mas que não chegaram a acordo político quanto à sua finalização. Em
todo o caso, apesar disso, tiveram grande influência no Direito Societário dos diversos EM. Ainda que não
correspondam a um acordo político final, correspondem, em parte, a uma teoria comunitária, a ideias relativamente
consensuais.

Existem ainda tendências para a criação de um direito totalmente harmonizado – Código de Direito Societário
Europeu (é um modelo). Desta feita, há grupos de trabalho e académicos europeus que se reúnem para discutir quais
as soluções futuras do Direito das Sociedades ao nível europeu.

2.1.2. FONTES INTERNAS

O nosso Código tem uma estrutura de tipo germânico, no sentido em que tem uma parte geral que se aplica a
todos os tipos de Sociedades Comerciais e uma parte especial para cada um desses tipos. No fim, há ainda um regime
de grupos de sociedades e de disposições penais e transitórias.

A parte geral tem regras sobre âmbito de aplicação (no espaço – Direito Internacional Privado); regras sobre o
contrato de sociedade; sobre os estatutos; sobre direitos e deveres dos sócios; problemas de invalidade do contrato;
das deliberações; sobre administração e fiscalização das sociedades; aprovação de contas; responsabilidade; alterações
dos contratos; fusão de sociedades (negócios de reestruturação da Sociedade); publicidade; fiscalização pelo MP.

Este código sofreu múltiplas alterações, sendo que a mais importante ocorreu em 2006 (a Grande Reforma dos
Códigos Comerciais). Teve uma tendência de desformalização.

O Código dos Valores Mobiliários determina o regime das Sociedades Anónimas Abertas. Dentro destas, há os
subtipos, designadamente, as cotadas. As regras especiais sobre este subtipo não se encontram no CSC, mas dos VM. É
algo que não tem muita lógica, mas foi assim que foi possível.

Relava ainda o Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa. Regula problemas das crises financeiras
das Sociedades Comerciais (aplicando-se ainda a outras empresas que não assumam a forma de Sociedade Comercial).
É um regime que protege os credores, impondo deveres especiais aos administradores no contexto da insolvência ou
da sua proximidade. Em rigor, tem regras substantivas que respeitam ao Direito das Sociedades.

O Registo Nacional de Pessoas Colectivas é de igual importância a nível interno.

Esta é a principal legislação interna, mas a par desta, temos ainda muita legislação avulsa, designadamente: (1)
Regime Geral das Instituições de Créditos – Bancos [regras especiais que se acrescentam às regras gerais das
Sociedades Anónimas]; (2) Regime Especial das Sociedades Gestoras de Participações Sociais [Holdings] – ex.: Luís
Simões.

Fora de Códigos existem ainda regimes especiais avulsos para a constituição de Sociedades Comerciais. I.e., há
um regime de constituição imediato e outro online. Além disso, releva a Jurisprudência, quer dos Tribunais Comuns,
quer do Tribunal Constitucional. A nível de soft law, temos as recomendações da Comissão dos Mercados Mobiliários
Joana Almeida | 2016-2017

(CMVM). Não é direito vigente, mas que tem enorme relevo, por se tratarem de recomendações do regulador. Há ainda
códigos de conduta, designadamente, do Instituto Português de Corporate Governance.

Contexto de Aldeia Global: há cada vez mais Comércio Internacional que provoca uma concorrência de OJ. P.e.,
se é difícil criar uma empresa em Portugal, o investidor pode optar por investir noutro Estado. Esta concorrência poderá
determinar o esbatimento do regionalismo e a tendência para harmonização. Mas esta deslocalização tem limites. Há a
concorrência efectiva de Ordens Jurídicas.

Há soft law ou mesmo Códigos nos países mais desenvolvidos (EUA, Inglaterra, Alemanha) que influencia o que
se passa nos outros quadrantes do planeta. Nos EUA, de enorme relevância em soft law:

a. Model Business Corporation Act (1984);


b. Principles of Corporate Governance (1992).

Em Inglaterra foi aprovado, em 2006, um novo Código das Sociedades Comerciais. Na Alemanha, existe uma
lei, um Código de 1965, com grande influência na legislação nacional; e um Código de Sociedades por Quotas (de 1962).
Têm soluções que, apesar de não serem tão modernas como as dos dois primeiros países, são muito importantes.

2.2. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

Societas Romana – contrato de Sociedade Romano: (1) tinha efeito meramente internos, não tendo externos perante
os terceiros. Regulava apenas as relações internas entre os sócios, pelo que não tinha personalidade judiciária, e
também não constituía património autónomo; (2) fraca relevância social, tendo sido pouco utilizada.

Séc. XII, Norte de Itália: dois tipos de sociedades, sendo que um dos quais está na origem das sociedades em comandita
e o outro, das sociedades em nome colectivo. A primeira [Commenda – Societas Maris – Collegantia], temos dois
sócios, um que trabalha efectivamente e outro que apenas investe. Há um empresário efectivo e um mero investidos.
Está na origem das Sociedades em Comandita. Na segunda [Compagnia – Societas Mercantoron], temos um conjunto
de pessoas que são empresárias activas. I.e., todos são empresários.

Companhias Privilegiadas: a primeira conhecida foi a Companhia Holandesa das Índias Orientais [VOC, 1602]. São o
ponto de partida para as Sociedades Anónimas. Tinha como características: (1) o capital social era representado por
fracções de capital, em que centenas ou milhares de pequenos investidores compravam fracções de capital,
representadas por títulos, os quais transmissíveis a terceiros [actuais acções]. A responsabilidade dos sócios pelas
dívidas da sociedade não existe; há uma limitação da responsabilidade dos sócios nas dívidas sociais. É a regra de ouro
do capitalismo moderno. Estas características ainda se verificam nas Sociedades Anónimas. Em contraponto, nas
sociedades supra indicadas, já era possível que respondesse o património pessoal.

Em Portugal, historicamente, houve sempre mais Estado que actividade económica. Nunca existiu um
conjunto de burgueses ricos o suficiente para investir. As companhias privilegiadas portuguesas foram
poucas e a época dos descobrimentos foi uma excepção, onde o investimento foi feito pelo Estado.

Aspectos Comuns dos Tipos de Sociedade:

a. Codificação Liberal – inicia-se com o Código Napoleónico de 1807, marco histórico no desenvolvimento das SC.
É a primeira grande codificação. Em Portugal, surge em 1833, com o Código Comercial de Ferreira Borges. Em
1888, Veiga Beirão fez um novo código.

As Sociedades por Quotas surgem, em primeiro lugar, na Alemanha (1892). Em Portugal, surgem em 1901, com a
Lei da Sociedade por Quotas. A ideia dos alemães: produto de engenharia jurídica. Não surgiram por tradição, i.e.,
pela prática consuetudinária. Foram uma criação legislativa oferecida aos agentes económicos. A ideia dos alemães
Joana Almeida | 2016-2017

foi a de oferecer a regra de limitação da responsabilidade dos sócios pensada para os grandes projectos
empresariais (ou seja, para as Sociedades Anónimas) também aos pequenos projectos, as pequenas mercearias.

Dados de Aprofundamento:

 1844, Inglaterra – passagem de um sistema de concessão para um sistema de liberdade de constituição. Esta
foi operada em Portugal em 22 de junho 1867 (Lei). Estas grandes empresas só podiam ser constituídas com
uma autorização do Estado, do poder político, do Rei. Os ingleses acabaram com esta autorização prévia, o que
veio provocar um maior desenvolvimento da economia, sendo que já se podiam criar grandes empresas, agora
sem a autorização prévia (progressos ao nível legislativo).

Dispersão Crescente do Capital:

A grande marca genérica é a VOC, onde já havia um número elevado de sócios. É aqui que começa a surgir uma
distinção entre sociedades anónimas abertas e fechadas. Com o passar do tempo, começaram a surgir regras legais com
maior especificidade. Em todo o caso, se olharmos de forma ampla para a evolução das economias, podemos observar
que as sociedades anónimas abertas são cada vez maiores, há uma maior dispersão do capital. O grande paradigma são
os EUA, numa forma que não tem paralelo entre nós.

Em sequência da crescente dispersão das acções, surge a teorização norte-americana sobre a separação entre
propriedade e controlo. BERLE e MEANS demonstraram que as Sociedades norte-americanas eram bombas de capital que
levavam a uma separação entre a propriedade corporativa (titularidade das acções) e o controlo da gestão. Ou seja,
não havia sócios que controlassem a Sociedade. A dispersão de capital era tanta que não havia, por parte dos titulares
das acções, um verdadeiro controlo sobre a Administração. Esta ideia surge não apenas nos EUA, mas também numa
Lei das Sociedades por Acções Alemã de 1937. Estes grandes projectos tinham de ser geridos por Administradores com
grande concentração de poderes. Nas Sociedades Anónimas vincula a ideia de que o poder deve estar centrado no
Conselho de Administração e não da Assembleia Geral. Esta ideia de concentração no Conselho de Administração (e
não nos sócios), com poderes próprios face aos sócios, surge num momento imediatamente anterior à II GM. Os
trabalhos preparatórios desta lei de 1937 foram aprovados pelo Partido Socialista, em que o legislador alemão
escreveu, inclusivamente, contra a democracia. Mas passada a II GM, manteve-se este princípio, tendo até sido
implementada noutros Estados. Não é um problema de contrariedade à democracia; mas sim o problema da
necessidade da concentração dos poderes para uma boa gestão das Sociedades Anónimas.

Na origem da discussão internacional está esta separação entre ownership and control. Depois surge a ideia
dos custos de agência. O poder está nas mãos dos gestores, mas há custos de agência. Os gestores podem actuar
extraindo rendas; apropriando-se de bens da Sociedade; apoderando-se de conflitos de interesses; ou fazendo uma má
gestão. Nessa sequência surge a ideia de separação entre gestão e controlo. É a ideia de criação de uma estrutura de
Governo dualista: como reacção, há separação entre gestores e os controladores ou fiscalizadores. Se os accionistas
não podem liderar, devem construir uma estrutura de contrapoder.

A expressão separation between management and control é uma terminologia dos anos 70. Este contexto não
deve ser confundido com o de ownership and control. A teorização surge nos 70, mas a ideia surge 150 anos antes.
Nesta primeira distinção, falamos na separação dos dois órgãos; enquanto na segunda, falamos na égide da fiscalização.

Em Portugal, surgiu em 1867, um Conselho Fiscal. O legislador criou, à semelhança da preocupação que existia
noutros quadrantes, um órgão de controlo. Contudo, não funcionava da forma mais adequada.

A Directiva de Coordenação de 1989 traz a novidade das Sociedades por Quotas Unipessoais.
Tradicionalmente, a Sociedade é vista como um contrato. Contudo, é possível, actualmente, criar Sociedades por NJ
unilateral, por força da presente figura. A ratio legis por trás desta ideia – regra de ouro do capitalismo.
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2.3. RELEVÂNCIA DO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA

O estabelecimento do Mercado Comum ( EU) impõe a proximidade das legislações (segurança jurídica nas
transações económicas). Dentro desta perspectiva, diminuição dos custos de transação. Desta forma, relevam:

Art. 49º, TFUE – da liberdade de estabelecimento das empresas – princípio que norteia o Direito Societário Europeu;
Art. 52º/2, alínea g), TFUE – das garantias de protecção de forma harmonizada nos demais EM;
Art. 54º, TFUE – do princípio da equiparação – as sociedades constituídas num EM equiparam-se às pessoas singulares;
Art. 55º, TFUE – igualdade de tratamento dos titulares de capitais – não pode haver protecção dos nacionais.

Directivas de Coordenação:

i. Directiva de 1968, sobre Publicidade, Vinculação e Nulidade das Sociedades – como se constitui e como é
que uma Sociedade pode ser nula. A matéria mais importante reporta-se à forma como se vinculam. P.e.,
o número de assinaturas necessárias. É uma matéria essencial para determinar os custos de transação;

ii. Directiva de 1977, sobre a Constituição de Sociedades Anónimas e Conservação do Capital Social;
iii. Directiva de 1978, sobre Fusão de Sociedades Anónimas;
iv. Directiva de 1978, sobre Prestação de Contas;
v. Directiva de 1982, sobre Cisões (Divisão da Sociedade);
vi. Directiva de 1983, sobre Contas Consolidadas de Grupos de Sociedades 2;
vii. Directiva de 1984, sobre Fiscalização da Contabilidade;
viii. Directiva de 2005, sobre Fusões Transfronteiriças de Sociedades Anónimas;
ix. Directiva de 2009, sobre Publicidade das Sucursais;
x. Directiva de 1989, sobre as Sociedades Unipessoais;
xi. Directiva de 2004, sobre Ofertas Públicas de Aquisição;
xii. Directiva de 2007, sobre os Direitos dos Accionistas das Sociedades Cotadas

Houve ainda duas Directivas que não chegaram a ser concretizadas, tendo ficado apenas pelas propostas.

Regulamentos:

i. Agrupamento Europeu de Interesse Económico (1985) – mecanismo de cooperação entre empresas. P.e.,
junta-se uma empresa espanhola, portuguesa e francesa para concorrer uma obra (empreitada);

ii. Societas Europea (2001) – sociedade anónima de passaporte europeu. É constituída num Em, mas fica
com cidadania europeia. Não tem grande relevância social;

iii. Sociedade Cooperativa Europeia (2003) – sem finalidade lucrativa;

iv. Normas Internacionais de Contabilidade (2002 e 2008) – dos mais importantes.

Há ainda um Regulamento em discussão.

São ainda de referir dois pontos quanto ao Direito Societário Europeu. [Nos EUA, Estado Federal, a matéria das
Sociedades Comerciais é deixada aos Estados Federados, por via a ver qual deles tem mais empresas. ganhou o Estado
de Delaware, onde estão sediadas a maior parte das empresas mundiais. Conseguiu ganhar, pois tem regras apelativas,
as quais conseguidas através da desrregularização. Tinham menos restrições ao poder pela protecção dos credores].

2
Cada Sociedade tem uma obrigação individual de prestação de contas. Porém, além desta, há ainda uma obrigação de prestação de
contas à Sociedade “mãe”. É uma prestação que visa saber a forma como é feita a gestão e a protecção dos credores.
Joana Almeida | 2016-2017

O primeiro ponto – Jurisprudência Europeia: centra-se, sobretudo, na liberdade de estabelecimento. O


primeiro grande acórdão é de um dinamarquês que constitui uma grande sociedade em Londres, por via a voltar à
Dinamarca. Ou seja, constitui a sociedade em Londres para exercer a actividade na Dinamarca. Não conseguiu registar a
sociedade, com o argumento de fraude à lei. O impacto azul é outro acórdão interessante, pois retrata um caso
português. Duas notas:

a. Esta Jurisprudência valoriza a sede estatutária, formal, e não a sede efectiva (local da actividade económica). É
a sede tal como escolhida pelos cidadãos europeus em função da sua liberdade;

b. Cria um efeito Delaware, i.e., raise to the bottom.

O segundo ponto – Propostas de Directivas (5º e 9º): a 5º era sobre estrutura orgânica, o dualismo entre
gestão e controlo. «Naufragou» em consequência da cogestão, i.e., a participação dos trabalhadores nos órgãos da
Sociedade. Por força da luta de classes, além das comissões de trabalhadores, os trabalhadores passaram a ganhar a
participação nos próprios órgãos da sociedade, apesar de não serem sócios. Atenuava-se a luta de classes e faziam-se
com que todos trabalhassem na mesma direcção (alinhamento de interesses).

A 9º Directiva tataria do regime dos grupos de sociedades. É um regime algo bipolar. Quando há uma relação
de grupo, em sentido restrito, um domínio total ou pelo menos de 90% (da «mãe» em relação à «filha») há regras
exigentes. Quando isto não existe, o regime é fraco. São regras de responsabilidade da «mãe» pelas dívidas da «filha».
Se a última deixar de pagar aos credores, a primeira tem de suportar. Vão contra a regra de ouro do capitalismo
moderno, pelo que foi esse o motivo pelo qual a Directiva não se efectivou. A tendência é abdicar deste regime rígido e
assumir, na plenitude, a regra de ouro do capitalismo.

Aula de 24 de fevereiro de 2017

3. TIPOS DE SOCIEDADES COMERCIAIS

Dentro das Sociedades Comerciais falaremos ainda das Sociedades em Nome Colectivo e em Comandita. A
primeira parte do estudo será mais teórica e metodológica (tipicidade e a noção de tipo). Na sequência destas
teorizações, vamos olhar para os diversos tipos de acordo com critérios centrais.

3.1. PRINCÍPIO DA TIPICIDADE DAS PESSOAS COLECTIVAS


3.1.1. O NUMERUS CLAUSUS DAS PESSOAS COLECTIVAS

O Princípio da Tipicidade das Pessoas Colectivas – numerus clausus, i.e., existe um elenco taxativo de pessoas
colectivas. Só podem ser constituídas as pessoas colectivas consagradas na lei. Todas as entidades que, por analogia aos
demais seres humanos, são dotadas de personalidade.

 Na prática, traduz-se na impossibilidade de constituir pessoas colectivas atípicas, i.e., que não correspondem
ao tipo legal. O que incluiu a impossibilidade de constituir pessoas colectivas mistas. Estas figuras mistas são
ainda figuras atípicas (relativas). Deve relacionar-se este aspecto com o art. 405º do CC (liberdade contratual).
O art. 405º/2 estabelece a possibilidade de figuras mistas, sendo que existem excepções, designadamente
esta. Há a limitação ao disposto no art. 405º no que respeita aos negócios jurídicos constitutivos de pessoas
colectivas (o mesmo se passava nos negócios transmissivos de direitos reais – que são também elenco
fechado). Trata-se da protecção, da segurança, dos interesses de terceiros. É isso que justifica a limitação à
autonomia privada. Aqui, os terceiros são os credores das pessoas colectivas; qualquer terceiro que negoceie
com esta.

Em relação a determinadas pessoas coletivas que têm muitos sócios e associados, este elenco fechado, este Pp
da Tipicidade serve também para proteger o conjunto de pequenos associados (particularmente evidente para
Joana Almeida | 2016-2017

as sociedades abertas – protege credores, terceiros, pequenos investidores, sócios). Não se trata do «animal»
que prejudica os mais pequenos.

3.2. CONTRAPOSIÇÃO ENTRE TIPO E CONCEITO

A palavra tipo, neste âmbito de contraposição, difere do princípio da tipicidade. Esta noção de tipo é
contraposta na filosofia do direito à noção de conceito. Para alguns filósofos do direito, as leis e os textos dos juristas,
nem sempre utilizariam conceitos, mas tipos – distintos dos conceitos. Havia ainda a ideia de subsumir os factos da vida
a conceitos. Mas surge a ideia de que deve prevalecer a hermenêutica no lugar desta subsunção. Aplicavam-se os
conceitos abstractos da lei a realidade concretas. Há quem diga que, por vezes, a lei não estabelecia conceitos com
fronteiras definidas, mas sim fronteiras mais vagas, mais difusas. Nesse caso, não seria conceito, mas tipo.

A ideia destes filósofos: de acordo com o legalismo e o método da subsunção jurídica, em que se tinha de ver
se por cabia na letra da lei, tínhamos um sistema rígido. Desta forma, criou-se a ideia do «tipo» enquanto meio de
fronteiras difusas, fluídas. Ou seja, a aplicação do direito seria tendencialmente mais justa, na medida em que se não
houvesse uma subsunção, não era incluído na lei.

Contudo, esta solução também não é a mais adequada. O cérebro humano trabalha com conceito, os quais são
mais rígidos ou mais fluídos. O conceito de maioridade, p.e., é rígido. Não existe o conceito e o tipo. Existem é conceitos
mais fechados e mais abertos (mais tipológicos). Por vezes, os conceitos dos diversos tipos de contrato são fluídos, daí
que se fala no «tipo da compra e venda»; no «tipo de mandato». Por baixo destes conceitos cabem realidades que
serão mais difusas. Dentro do chapéu da lei cabem realidade sociológicas distintas.

Há um elenco fechado de sociedades comerciais, mas quando falamos em «tipo de sociedades», apesar desse
elenco, é essencial ter em mente que dentro destes conceitos podem haver realidades difusas.

[O tipo legal de contrato mais fluído de todos é o contrato de jogo. Tem as fronteiras mais fluídas e não é apenas tema
esotérico. Há legislação penal e administrativa. É um contrato relevante, sendo proibido em certas circunstâncias,
sendo que saber quando é ou não proibição, é um conceito difícil].

O art. 9º do CSC elenca os elementos obrigatórios de um contrato de sociedade (dos Estatutos). O número 3
tem relevância. Em termos de tipicidade, e de liberdade de estipulação contratual, é essencial referir o art. 9º/3. A
primeira ideia é que as normas imperativas – injuntivas – da lei não podem ser derrogadas, ou seja, não podem ser
afastadas pelo contrato de sociedade. A segunda ideia é a de que as normas supletivas podem ser afastadas pelos
Estatutos. A terceira ideia é a de que se os Estatutos permitirem, as normas supletivas da lei podem ser derrogadas por
deliberações dos seus sócios (o contrato de sociedade, os Estatutos, cláusulas que perduram ao longo da vida da
sociedade, podem, através da deliberação dos sócios com maioria reforçada, ser alterados – ao contrário de todos os
outros contratos que só podem ser alterados pelas partes se todos estiverem de acordo – aqui não é necessária
unanimidade, mas maioria reforçada. É isto que reforça a distinção entre negócio jurídico institutivo e Estatutos).

1. Normas injuntivas não podem ser contrariadas;


2. Estatutos podem ser alterados por deliberações com maioria reforçada;
3. As normas supletivas podem ser derrogadas por deliberações sem quórum reforçado (maioria reforçada).

É da interpretação dos diversos artigos do CSC e de outra legislação, nomeadamente, do CVM, que se retiram as regras preceituadas.

3.3. CARACTERIZAÇÃO DOS DIFERENTES TIPOS DE SOCIEDADES COMERCIAIS


3.3.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CRITÉRIOS DE CARACTERIZAÇÃO

Os critérios de distinção são essencialmente três:

(1) Responsabilidade dos Sócios pelas Dívidas Sociais;


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(2) Modos de Representação e Transmissão das Participações Sociais;


(3) Estrutura Orgânica.

3.3.1.1. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS PELAS DÍVIDAS SOCIAIS

(1) Nas sociedades em nome colectivo, não vigora a regra de ouro do capitalismo (art. 175º/1). Os sócios, aqui,
são responsáveis subsidiariamente em relação à Sociedade e solidariamente entre os sócios. Temos dois sócios
e há uma dívida de €100.000. Ainda há €50. Primeiro respondem os €50, depois os sócios, em solidariedade
passiva.

Nas sociedades por quotas (art. 197º), já não é assim. Só o património social responde para com os credores
nas dívidas da sociedade – regra de ouro do capitalismo, a qual começou com as companhias privilegiadas e
com as sociedades anónimas. Os credores das dívidas das sociedades só podem atacar o património da
mesma. Mas, o art. 198º estabelece uma excepção: os Estatutos podem afastar esta regra de ouro do
capitalismo até um certo montante [o professor não conhece qualquer caso, na medida em que esta regra
protege os sócios. Os credores fortes, no mundo real, vão exigir que os sócios prestem garantias pelas dívidas
sociais, não por esta norma, mas por normas do direito civil, tal como a fiança e o aval pessoal do sócio.]

Nas sociedades anónimas (art. 271º) cada sócio limita a sua responsabilidade ao valor das acções que
subscreveu (quando entra na sociedade, entra com um montante). A letra da lei não separa bem os conceitos.
O sócio não tem responsabilidade pelas dívidas sociais e a lei vem confundir o dever de entrada de capital com
as dívidas e a responsabilidade do sócio. Assim, à semelhança da sociedade por quotas, há a regra de ouro do
capitalismo.

Ex.: Sociedade X, S.A. = património com dinheiro e um imóvel. Isto são os activos. Se tiver dívidas, são o
passivo. O sócio A tem de entrar com um capital. Se não pagar tudo num momento, fica a dever, pelo que a
Sociedade fica com um crédito sobre o sócio. Mas isto é a responsabilidade da contribuição inicial, o qual não
se poderá confundir com o problema das dívidas sociais. Ou seja, se depois se verificar um passivo de
€1.000,00, o sócio A não terá de responder, na medida em que não há responsabilidade dos sócios pelas
dívidas da Sociedade. I.e., o crédito que tem sobre o Sócio A fará parte do activo da Sociedade.

Sócio A deve €50 à Sociedade X, S.A.;


Sociedade X, S.A. deve €100 ao Credor B.

O que poderá acontecer, neste caso, é haver sub-rogação, i.e., se a Sociedade X, S.A. não pagar ao Credor B,
este pode substituir parte da dívida da Sociedade pela cobrança da dívida do Sócio A. Mas isto só poderá
acontecer no caso em que existe uma dívida da contribuição inicial do Sócio.

A dívida do sócio à Sociedade é o problema da responsabilidade pela contribuição inicial, a qual, em momento
algum, deve ser confundida com as dívidas decorrentes da actividade da Sociedade.

Nas sociedades em comandita (art. 465º), o regime é mais complexo. Há dois tipos de sócios: comanditado e o
comanditário. Os comanditados são, para simplificar, os sócios empresários, aqueles que receberam a gestão
da empresa, a comandita. Os comanditários são os que entregam a empresa.

Os comanditários – meros investidores - não respondem pelas dívidas sociais. Pelo contrário, os comanditados
– os sócios empresários -, vão responder nos mesmos termos que os da sociedade colectiva, i.e., subsidiária e
solidariamente. Temos uma bifurcação de sócios. O facto de os comanditários terem responsabilidade torna,
ou leva a tornar, este tipo de sociedades pouco atractivas. Contudo, o número 2 prevê a possibilidade de
existência de tipos articulados, ou seja, derivados da articulação da sociedade em comandita com uma
sociedade anónima ou por quotas – i.e., em vez de o comanditado (empresário) ser uma pessoa física, é uma
pessoa colectiva.
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3.3.1.2. MODOS DE REPRESENTAÇÃO E TRANSMISSÃO DAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS

(2) Nas sociedades em nome colectivo, as participações sociais chamam-se «partes» (art. 182º). A segunda ideia é
a de que estas participações sociais podem ser integradas ou constituídas em bens ou serviços. Não tem que
ser correspondente a bens em espécie ou dinheiro (art. 176º). É necessário o expresso consentimento dos
sócios para que se possam transmitir participações. É uma sociedade extremamente gregária, i.e., um negócio
entre pessoas que ficam presas umas às outras (de confiança). Sempre que há entraves legais para a
transmissão de bens, esses bens passam a ter menos valor. Ou seja, se não se pode transmitir pela falta do
consentimento, «ao fim do dia», aquele bem perdeu o valor.

Nas sociedades por quotas, as participações sociais chamam-se «quotas» (art. 202º). Só se admitem bens, i.e.,
já não são admitidos serviços. Podem haver contribuições acessórias em serviços; mas a contribuição principal
tem de ser sempre com bens. Quando há transmissão, há a regra supletiva de que tem de haver
consentimento pela Sociedade (versus sócios) – dado através de deliberação social sujeita a maioria. Não é
unanime, mas antes da maioria dos sócios através da maioria. Há a excepção da transmissão para familiares. É
um regime supletivo, sendo que há uma grande margem de estipulação (arts. 228º e 229º). Esta liberdade de
estipulação poderá ser feita em várias direcções: aproximando a sociedade por quotas à sociedade em nome
colectivo, exigindo uma maioria reforçada ou unanimidade; ou da maior liberdade de transmissão, ao ponto de
não estabelecer qualquer limite à transmissão, adoptando o regime de transmissão, neste caso, mais flexível.
Ou seja, pode ser gregária ou, no polo oposto, extremamente flexível. O art. 119º/7 estabelece que não
podem ser emitidos títulos – estes são representativos dos direitos, tais como as acções. Quando as acções são
em papel, bastava passar o papel a outra pessoa. A transmissão é fácil e rápida. Neste tipo de sociedade, isto
não é possível.

Nas sociedades anónimas, as participações sociais chamam-se «acções» (art. 276º, 278º e 328º). A regra é de
que não há qualquer limite à transmissibilidade. Há, contudo, possibilidade de limitações estatutárias. Temos
uma regra base supletiva - transmissibilidade: não há qualquer limite.

Mas podem haver limitações estatutárias (art. 328º/2): com consentimento da sociedade, (alínea a)), direito
de preferência (alínea b)). Quanto à forma e aos mecanismos de transmissão releva o CVM (art. 1º, arts. 80º e
ss, arts. 95º e ss). No que respeita à transmissão temos de recorrer a este código, porque é aqui que está a
maioria dos regimes (arts. 80 º e ss): temos de conjugar os dois códigos.

Nas sociedades em comandita, as participações sociais variam (art. 465º), consoante sejam sociedades simples
ou por acções. Quanto aos sócios comanditados, a designação é sempre «partes» (art. 469º). A contribuição é
feita em bens ou serviços. A transmissão está sujeita a consentimento da sociedade através de deliberação
salvo estipulação diversa (art. 472º): ou seja, nos estatutos. Assim, o regime supletivo é o da deliberação
social.

Quanto aos sócios comanditários (474º) a participação é feita em bens – são investidores. Na transmissão, há a
remissão para o regime da sociedade por quotas (art. 475º). Quando é comandita por acções, há remissão
para o regime das sociedades anónimas (art. 478º).

3.3.1.3. ESTRUTURA ORGÂNICA

(3) Nas sociedades em nome colectivo, a estrutura orgânica é muito simples, incipiente (art. 191º). Salvo
estipulação em sentido contrário, todos os sócios são gerentes. Assim, não existe uma distinção entre sócios e
gerentes, a qual apenas existe formalmente, na medida em que na prática são as mesmas pessoas. Cada voto
é atribuído por cabeça, por pessoa, a cada sócio (democracia – art. 190º). Não há um órgão de fiscalização, de
controlo, de contrapoder.
Joana Almeida | 2016-2017

Nas sociedades por quotas, os gerentes podem ser sócios ou não. Podem ser escolhidos estranhos à
sociedade, sendo que, frequentemente, são escolhidos de entre os sócios – sócio gerente -, mas pode
acontecer que não seja um sócio (art. 252º). Faz com que o tipo da sociedade por quotas seja mais elástico. Em
rigor terminológico, a nível do voto, temos plutocracia – voto em função do dinheiro. Decide quem investiu
mais. Os cidadãos, aqui, não são iguais. Tem mais voto, mais peso, quem investiu mais. Aqueles que investiram
mais têm mais incentivos a gerir melhor (lógica do capitalismo e da análise económica). Os gerentes, de acordo
com a art. 259º, devem actuar com respeito às deliberações dos sócios – ou seja, os sócios podem dar ordens
aos gerentes. É um traço marcante da estrutura orgânica das sociedades por quotas em comparação com as
sociedades anónimas. Além disso, por regra, não há órgão de controlo, mas, nos termos do art. 262º, é
possível existir, se este for previsto nos Estatutos. Será mais complexa se tiver um órgão de controlo de
fiscalização. Um órgão de gestão nunca tem autonomia face aos sócios.

Nas sociedades anónimas (art. 390º/3), aqui fala-se em administradores, sendo que correspondem aos
gerentes, é um termo mais amplo. É muito frequente que os administradores não sejam os sócios, na medida
em que nas sociedades anónimas a ideia é a de gestão distinta. Quem está a gerir não está lá por ser sócio. A
gestão é antes profissional, sendo os sócios investidores e não empresários. Mas há clivagens: se houver
grande capital, há uma grande diferenciação entre o gestor e os sócios; se for fechada, mas gregária, é possível
que o administrador já seja o sócio maioritário. O art. 384º determina que a cada acção corresponde um voto
(plutocracia). De acordo com o art. 373º e da interpretação da maioria da Doutrina, não são possíveis
instruções dirigidas pelos sócios aos administradores. ENGRÁCIA ANTUNES e PEDRO CAETANO NUNES entendem que
os administradores detêm uma iniciativa exclusiva de gestão. Há sempre um órgão de controlo (art. 278º). Os
sócios podem assumir um papel de controlo, mas há órgãos derivados, específicos, de controlo e fiscalização.
Além da Administração, pode haver um Conselho Fiscal, p.e. O Conselho de Administração é o órgão de
controlo e a Comissão Executiva será órgão de fiscalização (na perspectiva de PEDRO CAETANO NUNES).

Três modalidades de fiscalização – 278º: (1) estrutura tradicional; (2) anglo-americana; (3) modelo germânico.
A estrutura orgânica deste tipo de sociedade terá sempre maior complexidade orgânica.

Nas sociedades em comandita (art. 470º), só os sócios comanditados podem ser gerentes. Ou seja, só aqueles
que são empresários é que são gerentes. No demais o regime funciona por remissão. Se for comandita simples
há remissão para as sociedades em nome colectivo (art. 474º); se for comandita por acções a remissão é para
o regime das sociedades anónimas (art. 478º).

3.4. TIPOS ARTICULADOS: PERMISSÃO DA REGRA DO CAPITALISMO


3.4.1. TIPOS SOCIAIS

3.4.1.1. SUBTIPOS DA SOCIEDADE ANÓNIMA ABERTA EM CONTRAPOSIÇÃO FECHADA

A definição de sociedade anónima aberta está no art. 13º do CVM. Tem os vários critérios legais para
delimitar este subtipo. Há duas ideias essenciais: (1) quando há oferta pública de subscrição das acções – são
oferecidas ao público; (2) negociação em mercado regulamentado – a Bolsa, p.e.

Às abertas e fechadas, aplica-se todas as disposições do CSC. Às abertas ainda se aplicam as diligências do
CVM. às fechadas a lei não faz referências. Está implícito que havendo sociedades abertas, há fechadas. Há ainda o
subtipo das sociedades cotadas – i.e., cotadas em mercado regulamentar, pelo que não basta que se verifique uma
oferta pública. A existência de subtipos ocorre nas sociedades anónimas.

Para lá da tipologia legal é possível aprofundar a análise e descobrir, dentro de um tipo legal, diferentes tipos
de carácter sociológico (aprofundamento doutrinário). A primeira grande distinção de tipos sociais.

a. SOCIEDADES COMERCIAIS DE PESSOAS E SOCIEDADES COMERCIAIS DE CAPITAIS – a sociedade anónima é


o paradigma das sociedades comerciais de capitais. O voto é por capital. Tudo depende da prática
Joana Almeida | 2016-2017

estatutária, da voda da sociedade. A sociedade em nome colectivo é o paradigma das sociedades de


pessoas. No polo oposto, se temos limitações à transmissibilidade das acções nas sociedades anónimas,
torna o capital menos importante que as pessoas. Não se trata apenas de dinheiro, mas de «saber quem
está ao nosso lado». Nas sociedades anónimas fechadas, em que se quer controlar quem está ao nosso
lado, costumam existir estas cláusulas de limitação. O tipo de sociedade por quotas é o mais elástico. É
aquele que tem regras fluídas que permitem construir um modelo gregário (pessoas) ou libertino
(capitais).

Mexe-se nisto através das cláusulas der transmissão de quotas, favorecendo ou limitando; estabelecendo
uma proibição de concorrência para os sócios.

4. EMPRESA E SUJEITO JURÍDICO


4.1. CONCEITO DE EMPRESA E RELEVÂNCIA JURÍDICA

A empresa tem três vectores de organização: (1) organização dos meios de produção; (2) exploração
profissional; (3) prossecução de uma actividade económica – susceptível de expressão monetária, avaliável em
dinheiro.

Empresa tem dois contextos: com um sentido objectivo, enquanto substracto da personalidade jurídica, i.e.,
da sociedade comercial. É uma organização de meios de produção, profissional, que prossegue uma actividade
económica. Já num sentido subjectivo, é o estabelecimento – objecto de direitos, de negócios jurídicos.

A este propósito, coloca-se o problema da transmissão das empresas, designadamente a distinção entre
negócio ou transação de activos, da empresa ou uma transação das participações sociais como forma indirecta de
transmissão da empresa. O accept deal é uma compra e venda de um estabelecimento comercial. No share deal, em
vez de se vender a empresa, sujeita a impostos, vendem-se as acções ou as quotas. De forma indirecta, vende-se a
empresa. Aqui, o grande problema é saber se nesta figura se está a vender a empresa ou apenas as participações
sociais, mediante o punhado de acções ser mais ou menos significativo. Se concluirmos que se está a vender apenas
acções, não haverá defeitos, mas se houver venda da empresa, pode haver cumprimento defeituoso.

4.2. OUTRAS FORMAS JURÍDICAS DE EMPRESA (QUE NÃO AS SOCIEDADES COMERCIAIS)


4.2.1. COMERCIANTE EM NOME INDIVIDUAL

A primeira corresponde ao comerciante em nome individual (é o exemplo do amolador, que não tem
sociedade comercial; ou do limpador de chaminés). São “espécies em vias de extinção”. A segunda corresponde ao
estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIR). Caiu em desuso depois da criação da sociedade em
nome individual. Criava um património autónomo dentro da sua actividade, sendo que apenas esse respondia pelas
dívidas da sociedade. Era a figura que antecede a sociedade por quotas unipessoal, o qual não tinha personalidade
jurídica.

Aula de 3 de março de 2017

4.2.2. COOPERATIVA

Cooperativa – pessoa colectiva, sem fim lucrativo, que visa a satisfação de necessidades económicas, sociais e culturais
dos seus membros. É um fim mutualista. Ex.: cooperativa de habitação – é uma empresa que tem por objectivo
construir edifícios, transformá-los em propriedade horizontal para que depois cada apartamento fique para os
membros dessa cooperativa, sem fazer mais-valias de lucro (vende ao custo de produção). Os ganhos económicos vão
ser directamente recebidos na esfera jurídica dos cooperadores, dos sócios. O segundo exemplo é o de cooperativa de
consumo.
Joana Almeida | 2016-2017

As cooperativas ou o sistema mutualista constitui uma alternativa ao sistema capitalista. Em vez de termos
cada um a tentar vender com uma margem de lucro (e a mão invisível a fazer com que todos ganhem), aqui, numa
visão não capitalista, temos um conjunto de pessoas que se reúnem para acabar com a margem de lucro e o idoneísmo,
ou seja, na perspectiva do altruísmo.

A Constituição, na parte económica, prevê três sectores de actividade: (1) privado; (2) público; (3) cooperativo
ou mutualista. Temos a garantia constitucional desta iniciativa económica.

Entende-se como excedente e retorno: o objectivo é não ter lucros, mas vender ao preço de custo, pelo que é
possível que exista uma venda com um preço superior que gera uma margem a favor da cooperativa (o excedente).
Mas é errado falar na distribuição de lucros. Não há fim lucrativo, mas mutualista. Quando há excedente, o que pode
haver é um retorno aos sócios, embora não em função da participação na cooperativa, mas proporcional às transações
por eles efectuadas. A ideia é não fazer margem de lucro, pelo que o excedente é retornado no sentido de fazer com
que a coisa fiquei com o preço de fabrico, i.e., o custo interno. P.e., se Joaquim comprou um apartamento que custou
apenas 190 mil euros, quando no plano original, seriam 200 mil euros, aqueles 10 mil euros serão devolvidos a Joaquim
[no caso da cooperativa de habitação]. É uma lógica que, nalguns casos, é de execução difícil.

Natureza jurídica [tema para exame final]: as cooperativas são uma figura distinta das sociedades comerciais
ou melhor dizendo, das sociedades. Podem ser enquadradas na definição ampla de contrato de sociedade ou, se por
outro lado, são uma figura completamente distinta. Para quem, como RPD e PCN, defenda uma definição ampla que
abarca as sociedades civis e comercias, é possível dizer que a cooperativa entra na definição ampla de sociedade (art.
980º, CC). Se for o conceito amplo, é possível colocar a cooperativa, sendo que preenche a mesma definição – que não
implica um fim lucrativo. A definição ampla será de um contrato ou negócio jurídico constitutivo; obrigação de
contribuição; para uma actividade económica; com uma finalidade de criação de beneficio para os membros (diferente
de lucrativo).

Se, pelo contrário, considerarmos que a definição do art. 980º vale para as sociedades comerciais, ou pelo
menos que necessitem de finalidade lucrativa, então são distintas das cooperativas, que não têm uma finalidade
lucrativa.

Ao longo da história, foi-se defendido que as cooperativas eram mais um tipo de sociedades. Em termos mais
modernos é que criou esta querela doutrinária. Tem-se adoptado, minoritariamente, que não são sociedades, sendo
que não têm finalidade lucrativa.

Cooperativa Europeia – Regulamento 1435/2003: é uma pessoa colectiva de direito europeu, com um estatuto
europeu (não de qualquer Direito do EM). Será a Sociedade Cooperativa Europeia. Pelo nome entende-se que é usual a
ideia de que a cooperativa constitui uma forma de sociedade – no contexto internacional.

4.2.3. EMPRESAS PÚBLICAS

Podem ser empresas com capital totalmente público ou não (serem completamente do Estado ou não). É uma
distinção mais sociológica. Há ainda uma segunda distinção, mais técnico-jurídica, entre entidades públicas
empresariais (são figuras de carácter administrativo) e as sociedades com capitais públicos (sociedades privadas em que
o Estado ou determinadas entidades públicas são accionistas).

4.2.4. SUCURSAL

É uma parte do estabelecimento comercial, da empresa, em sentido objectivo, situada noutra jurisdição, i.e.,
em outro Estado, que goza de alguma autonomia, mas não de personalidade. Por outras palavras, não goza de
personalidade jurídica plena. Face ao art. 13º do CPC, tem personalidade judiciária. As empresas estrangeiras que não
tenham uma filha em Portugal, mas apenas uma sucursal, não têm, aqui, uma pessoa colectiva autónoma. Têm apenas
Joana Almeida | 2016-2017

uma parte da sua empresa, do seu património, que não goza de personalidade jurídica plena. Tem alguma autonomia
contabilista, até nos clientes e na gestão. Têm personalidade judiciária.

Criação de uma sucursal no estrangeiro – abre um escritório, mas não cria uma sociedade. Tem apenas parte;
o sentido objectivo. Não há qualquer pessoa, entidade.

Como alternativa, podemos ter uma empresa subsidiária. Ex.: quer-se montar uma empresa noutro Estado,
pelo que se cria uma sociedade nesse Estado, a qual tem personalidade jurídica plena. Aqui poderá haver um sócio
único de uma sociedade que é pessoa colectiva com personalidade jurídica plena.

 Para efeitos processuais, convoca-se a distinção entre personalidade jurídica plena e rudimentar.

4.2.5. COOPERAÇÃO INTEREMPRESARIAL (ENTRE EMPRESAS)

Quando falamos em cooperação entre empresas, foca-se a cooperação horizontal por contraposição à vertical.
Neste caso, falamos da horizontal, i.e., há uma pluralidade de formas jurídicas através das quais é possível ter
esta cooperação horizontal. Existem vários tipos contratuais que o permitem. Várias formas de cooperação. Há
alguns destes que implicam a criação de uma pessoa jurídica autónoma e outros não criam uma entidade com
a personalidade jurídica. É possível utilizar «este» ou «aquele» instrumento para funções próximas. Há, desta
feita uma plurifuncionalidade de formas jurídicas.

P.e., várias empresas de construção civil querem juntar-se para ganharem um concurso público. Há uma especializada
na fase de construção da estrutura do edifício e outra em acabamentos. Juntem-se para concorrer. Há vários modos de
tal ser possível, designadamente: consórcio; agrupamento complementar de empresas; sociedade comercial. I.e., a
própria cooperação entre empresas pode ser feita através da constituição de uma sociedade comercial.

4.2.6. CONSÓRCIO

É uma incorporated joint venture. Não tem personalidade jurídica. O DL 231/81 releva. É o contrato pelo qual,
duas ou mais pessoas colectivas se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar uma certa actividade ou a efectuar
certa contribuição com o fim de prosseguir um dos objectos elencados no art. 2º. Os três elementos assinalados têm
uma grande relevância. O dever primário deste contrato é um dever de concertação e não de contribuição de
bens/serviços. Por força disto, não há personalidade jurídica e não há sequer património autónomo. Há apenas
constituição de fundos comuns. P.e., há consórcio, frequentemente, nas obras públicas. Apresentam-se de forma
concertada para realizar uma obra. É aqui que entra o art. 2º do presente Decreto-Lei.

Mas este elenco não é fechado. O art. 341º do CVM é um dos exemplos: sindicatos bancários para colocação
de ofertas públicas de distribuição. Um sindicato bancário é um consórcio. Os bancos juntam-se e criam um contrato
para a realização de determinadas actividades de forma concertada. Neste caso, é para a oferta pública de distribuição
de acções ou até de capital. Estas ofertas públicas têm que ser colocadas junto do público com o auxílio dos bancos.
Vão oferecer aos seus clientes, ao público em geral, a subscrição daqueles valores mobiliários. Convém haver muitos
bancos neste tipo de contrato para que tenha grandes resultados. Outro exemplo é o DL sobre locação financeira –
operação colectivas de locação financeira.

O consórcio pode ser externo ou interno. Externo é o consórcio visível perante terceiros. O interno é aquele
que não é visível perante terceiros 3. O externo, por vezes, tem um Conselho de Organização e de Fiscalidade
(organização). Mas as competências destes órgãos são apenas internas, não valem para terceiros. Apenas organizam a
concertação. O que pode acontecer é que o chefe de consórcio tenha uma procuração em seu favor através do qual

3
P.e., temos a empresa PT e o BES. Formam um consórcio visível perante terceiros, pelo que é externo. No interno, actua-se de
forma concertada, mas não se diz a ninguém; perante os clientes, aparentemente, trabalham sozinhos, mas «cá atrás» têm uma
concertação empresarial.
Joana Almeida | 2016-2017

vincula um ou vários membros do consórcio (nos termos do Código Civil), o que é diferente de ter poderes orgânicos da
sua posição de chefe do consórcio. Na teoria geral do direito [e não do direito privado, na medida em que as pessoas colectivas de
direito público também são representadas], temos três formas de representação:

1. Voluntária – regulada pelos arts. 259º e ss do CC;


2. Legal – dos incapazes, sem origem num negócio jurídico. É necessária, pois não actuam por si próprios;
3. Orgânica – inerente ao estatuto jurídico de uma pessoa colectiva.

Há uma polémica Doutrinária que respeita a saber se os princípios que norteiam a representação voluntária se
aplicam também aos outros tipos de representação.

 Teorias Unitárias (CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, PEDRO CAETANO NUNES)


 Teorias Não Unitárias (MENEZES CORDEIRO, OLIVEIRA ASCENSÃO).

A tendência é de aplicar algumas das regras de representação voluntária aos vários tipos. Ex.: art. 258º, CC que
nos fala dos efeitos da representação – Quando há representação? Sendo que é a estatuição normativa dos efeitos de
terceiro a uma pessoa; os elementos da previsão normativa são a existência de poderes de representação (como a
Procuração ou a nomeação de administrador) ou pela actuação em nome de outrem ( Ex.: «eu contemplo em nome de
Joaquim» – basta invocar um nome de terceiro, pois se tiver poderes de representação, o terceiro fica
automaticamente vinculado).

Também aqui importa a norma do negócio consigo mesmo; imputação dos sujeitos subjectivos relevantes –
são normas pensadas para os poderes de representação voluntária; que servem como base os outros tipos de
representação. Aqui, o chefe não tem poderes de representação orgânica, mas poderá ser alvo de uma procuração para
actuar em nome dos membros dos elementos do consórcio.

Num consórcio, cada membro do consórcio responde pela actuação nos contratos e/ou negócios jurídicos que
tenha feito com terceiros. Não há uma responsabilidade comum dos vários membros pela actuação de cada um deles.

4.2.7. CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO

Advertência: conta em participação é um sinónimo para esta figura. Era a expressão tradicional que estava no
código Comercial. Define-se como sendo a associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra,
ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda. Assim,
o primeiro elemento essencial é o contrato; o segundo é a actividade económica exercida por outra pessoa; o terceiro é
a contribuição patrimonial; o quarto é a comunhão nos resultados. Aproxima-se da sociedade em comandita, onde
temos a contraposição entre o empresário e o investidor.

Não há personalidade jurídica, nem património autónomo. Nota histórica: no primeiro Código Comercial, i.e., o
Código de FERREIRA BORGES, era, entre nós, uma sociedade comercial. Ou seja, nem sempre foi entendida como não
sendo sociedade comercial.

Tem a vantagem do secretismo, i.e., o investidor pode ficar oculto. Participa, contribui, comunga nos
resultados, mas ninguém sabe quem ele é. Pode ser apenas uma cooperação entre o empresário e um mero investidor,
sendo aqui que existe uma solução de secretismo que não tem paralelo nas outras figuras.

Por fim, não tem exigências de forma. Pode ser oral, não exige, sequer, forma escrita. A propósito desta última
nota, é de atender que, na Jurisprudência, há uma certa tendência para reconduzir a esta figura todas as situações onde
os acordos são feitos oralmente. E, apesar dessa subsunção, nem sempre é isso que acontece.

4.2.8. AGRUPAMENTO COMPLEMENTAR DE EMPRESAS


Joana Almeida | 2016-2017

Exercício de uma actividade complementar, sem finalidade lucrativa. Além disso, tem personalidade jurídica,
ao contrário do consórcio e do contrato de associação em participação. Um exemplo paradigmático é o serviço de
backoffice. Partilham os custos, p.e., de callcenter, através da constituição de uma ACE. Outro exemplo é um centro de
investigação comum. A responsabilidade dos membros pelas dívidas sociais também tem uma particularidade: se há
responsabilidade, é mais viável optar pela sociedade comercial, no sentido de beneficiar da regra de ouro do
capitalismo.

Querela Doutrinária: verificar se cabe dentro da sociedade ou não. Não tem finalidade lucrativa, pelo que
difere mediante a definição de sociedade adoptada, i.e., se se considerar que a finalidade lucrativa não faz parte da
definição, então é uma sociedade. Se faz, não pode ser.

4.2.9. AGRUPAMENTO EUROPEU DE INTERESSE ECONÓMICO

É uma pessoa colectiva de direito europeu consagrado pelo Regulamento 2137/85. É uma figura semelhante à
ACE, ou seja, é uma espécie de passaporte europeu.

4.2.10. EMPRESAS PLURISOCIETÁRIAS

Aqui, temos várias sociedades com uma relação de grupo, mas apenas numa empresa. É o exemplo dos Grupos
Jerónimo Martins. Em linguagem económica, ou comum, de não juristas, são sociedades coligadas que podem assumir
quatro modalidades, sendo que só uma delas, a última, é o grupo em sentido técnico-jurídico. Ou seja, não deve ser
feita confusão entre a sociedade e os grupos em sentido económico.

As quatro modalidades, designadamente:

1.1.1. A sociedade em relação de simples participação corresponde art. 483º;


1.1.2. As sociedades de participações recíprocas correspondem ao art. 485º;
1.1.3. As sociedades de relações de domínio correspondem ao art. 486º;
1.1.4. As sociedades em relação de grupo correspondem ao art. 488º.

No primeiro caso, uma delas é titular de quotas ou acções da outra em montante igual ou superior a 10% do capital, na
qual há um dever de comunicação; no segundo caso, há 10%, mas reciprocamente; no terceiro caso, é o sócio
maioritário que exerce directa ou indirectamente influência dominante, sendo que isto consiste em deter participação
maioritária no capital [+ de 50%]. Ou seja, dispõe de metade dos votos e tem possibilidade de designar mais de metade
dos membros dos órgãos de administração e fiscalização. No último caso, pode ser por domínio total tendente ou
superveniente. Temos ainda contratos de subordinação e de grupo paritário.

Face ao último ponto, algumas notas: podemos ter várias modalidades. Se estivermos no âmbito do art. 489º, é
essencial ter os 100%, mas na alínea c) do número 4 admite que se desça até aos 90%. O domínio total corresponde a
100%, mas se tinha 100% e desce, mas não para menos de 90%, continua a manter-se sentido de grupo restrito (489º);
há direito potestativo de aquisição (490º) e, portanto, do ponto de vista económico, quando tenho 90%, tenho direito a
ficar com tudo. O artigo relava na caracterização da previsão normativa, mas também da estatuição normativa: direito
de aquisição potestativa -, “mandar embora os minoritários”. Em contraponto estes têm direito de alienação
potestativa, ou seja, podem não querer pertencer a uma empresa em que o sócio tenha quase 100%.

É bastante frequente aplicar 501º e 504º. O art. 501º é a estatuição normativa mais importante, uma vez que
faz com que, nas sociedades de grupo em sentido restrito, o sócio dominante possa responder pelas dívidas sociais.
Mas é preciso que detenha 90% das ações – derroga regra de ouro do capitalismo. O truque é emitir, quando possível,
ações preferenciais sem voto, para contornar estas situações; estas dão capital social, mas sem direito de voto. Manda,
mas distribui mais de 10% do capital.
Joana Almeida | 2016-2017

O art. 503º é visto como um contrabalanço do art. 501º. Não tem grande interesse, na medida em que
determina que se o accionista maioritário der instruções, o Conselho de Administração da filha tem de cumprir. É uma
regra que já seria assim contemplada. Não necessitava de estar aqui individualizada.

Além da responsabilidade da mãe pelas dívidas da filha – afastando a regra de outro do capitalismo - também
pode haver responsabilidade dos administradores da sociedade dominante perante a sociedade dominada (art. 504º). É
uma ponte para a responsabilidade pessoal dos administradores da sociedade dominante. É um regime muito
incipiente.

5. PERSONALIDADE JURÍDICA

A noção de pessoa é uma decorrência da noção de norma jurídica. As normas criam efeitos jurídicos em determinados
agentes e as pessoas são, consequentemente, centros de imputação de normas jurídicas.

As pessoas colectivas não têm a possibilidade de aplicação do discurso da natureza das coisas. São criações,
pelo que é necessário reconhecer que as pessoas são centro de imputação de efeitos jurídicos, sem prejuízo de
defendermos os direitos fundamentais. É este pensamento analítico normativista que permite fazer a distinção entre
personalidade jurídica plena e rudimentar {como vimos em aulas anteriores}.

É ainda de relembrar que as sociedades comerciais têm personalidade jurídica plena no termo do art. 5º do
CSC. O que parece resultar da lei é que só há personalidade depois do registo. Mas há autores, tais como Oliveira
Ascensão, que defendem uma interpretação sincopada do art. 5º, no sentido de atribuir esta personalidade jurídica no
momento anterior ao do registo.

As sociedades civis sobre forma comercial também têm personalidade jurídica plena (art. 4º/1, do CSC). Por outro
lado, as sociedades civis sem forma comercial levantam uma grande querela doutrinária. Há quem defenda – Escola de
Coimbra | PIRES DE LIMA e ANTUNES DE VARELA – que não tem personalidade jurídica; depois, há quem defenda que tem
personalidade jurídica – Escola de Lisboa | OLIVEIRA ASCENSÃO; por fim, há ainda uma posição intermédia que defenda
que não existe personalidade jurídica plena, mas rudimentar – PEDRO CAETANO NUNES.

No Brasil, em vez de pessoa colectiva, usa-se a expressão «pessoa jurídica». Em Portugal há quem faça uso desta;
é o caso de FERREIRA DE ALMEIDA, na medida em que pode ser inadequado chamar pessoa colectiva. É o caso das
sociedades por quotas; das fundações. Não há nada de colectivo, não há um conjunto de pessoas nestes casos.

Em Inglaterra, em 1844, deu-se um passo na evolução das sociedades anónimas. Deixaram de necessitar do rei, da
sua autorização, para serem constituídas. Passou a existir um sistema de reconhecimento normativo que afastou assim
a necessidade de autorização. Todos os cidadãos passam a poder criar sociedades comerciais. Em Portugal surge em
1867 (não muito mais tarde). Em rigor, corresponde à liberdade de estipulação (art. 405º, CC).

Teorias sobre a Natureza da Personalidade Colectiva

As diversas teorias que sucedem às duas grandes e originárias não inventam muito mais. Desta forma, temos
as seguintes teorias:

i. Teoria da Ficção de SAVIGNY: a primeira definição de pessoa jurídica é deste autor. Segundo este,
trabalhando com a técnica da relação jurídica (e não das situações jurídicas), as pessoas físicas são os
sujeitos da relação jurídica. Mas, por vezes, através de uma ficção jurídica, as pessoas colectivas são
tratados como sujeitos das relações jurídicas como se fossem naturais, i.e., como se fossem seres
humanos. Há uma analogia com o ser humano, para que possam ser sujeitos das relações jurídicas.
Joana Almeida | 2016-2017

ii. Teoria do Organicismo ou Realismo Orgânico de GIERKE: não há uma ficção, mas um organismo social real;
é algo do ponto de vista sociológico. Surge a ideia de substracto, a realidade que subjaz à pessoa colectiva.
Não é uma pura invenção normativa. Esta construção é baseada num estudo histórico intenso das várias
corporações e comunidades na Alemanha e no Espaço Europeu.

Há ainda três teorias bastante famosas:

iii. Realismo Jurídico: a pessoa colectiva é o produto do reconhecimento legislativo, é o produto da OJ – entre
nós, MANUEL DE ANDRADE. Está mais próximo da primeira tese do que da segunda, porque, mais uma vez,
tem a ideia de criação jurídica.

iv. Filosofia Analítica do Desconstrutivismo: autores italianos. Quando o direito atribui determinados efeitos
às pessoas colectivas, está, no fundo, e indirectamente, a querer regular a vida dos seres humanos. Ou
seja, podem ser desconstruídas e transformadas em disposições normativas aplicáveis aos seres humanos.
I.e., as regras relativas às sociedades podem transformar-se em preposições jurídicas para as pessoas
singulares. Mais uma vez, é próximo da primeira teoria. Na parte que difere, é incorrecto. É errado dizer
que os sócios são responsáveis pelo facto da sociedade ser responsável. Atribuir direito e deveres à
sociedade é igual ao atribuir direitos e deveres aos sócios é diferente.

v. Filosofia Analítica Anglo-Americana: Ideia de que há uma construção jurídica, na égide da primeira teoria,
mas com a rejeição do desconstrutivismo, na medida em que as situações jurídicas da sociedade não
podem ser desconstruídas em situações jurídicas de terceiros. A ideia desta filosofia é a da construção
jurídica e da analogia com o ser humano (uma analogia importante porque, no limite, permite sustentar a
aplicação do regime dos direitos fundamentais às pessoas colectivas) – HART.

A propósito da primeira teoria: a atribuição de personalidade jurídica plena é uma opção discricionária legislativa.
Ou seja, aponta para o realismo jurídico, para o normativismo. Não aponta para a segunda teoria. Aponta,
sobretudo para o primeiro autor. Em contraposto, a análise dos substratos aponta para o segundo autor. Não é um
discurso da lei, mas um discurso doutrinário que tem a ver com substratos meta jurídicos, sociológicos. O que está
por trás da criação do direito (é uma empresa, uma associação, um património). Ajuda a compreender as opções
legislativas em dois momentos: (1) na criação – para não ser discricionário e arbitrário, tem de ir ao meta jurídico;
(2) na aplicação, concretização da Jurisprudência – este enquadramento permite interpretações com mais sentido.

Aula de 7 de março de 2017

6. CAPACIDADE E VINCULAÇÃO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS


6.1. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS

Importa a distinção entre capacidade de gozo, personalidade de gozo e capacidade de exercício.

Segundo MANUEL DE ANDRADE e para a Escola de Coimbra, estes dois primeiros conceitos são idênticos,
constituindo assim uma susceptibilidade de ser titular de direitos e deveres, de situações jurídicas activas e
passivas. Quanto ao último, da capacidade de exercício, é a susceptibilidade de exercer as posições jurídicas
activas pessoalmente.

Os alemães, tendencialmente, não distinguem a capacidade e a personalidade de gozo, considerando que são
sensivelmente a mesma coisa, i.e., a capacidade de ser titular de situações jurídicas. Já a capacidade de exercício tem a
ver com a capacidade de exercer as posições jurídicas activas pessoalmente, em nome próprio.

Em Portugal, ao contrário de MANUEL DE ANDRADE, temos RUI PINTO DUARTE, que defende a perspectiva de que,
do ponto de vista analítico e normativista, não se distingue bem a personalidade e capacidade de gozo. A personalidade
também tem graus e medidas (personalidade jurídica plena e rudimentar).
Joana Almeida | 2016-2017

A posição maioritária em Portugal é a de MANUEL DE ANDRADE, enquanto susceptibilidade de imputação de


efeitos jurídicos – de direitos e deveres. É a teoria tradicional. A capacidade de gozo será a medida dessa
susceptibilidade. Já coisa distinta, é a capacidade de exercício, que tem a ver com a capacidade de exercer direitos ou
deveres por si próprio.

6.2. CAPACIDADE DE GOZO

O art. 6º do CSC trata do problema da capacidade de gozo, não da capacidade de exercício. Quanto a
capacidade de gozo, o art. 6º/1 estabelece uma afirmação genérica de que as sociedades comerciais têm esta
capacidade. Mas o art. 6º/ 2 e 3 estabelecem limites a essa capacidade. Esta matéria dos limites da capacidade de gozo
leva a inúmeras querelas doutrinárias. As sociedades comerciais não têm capacidade de exercício (entendimento
tradicional). Daí que se diga que a representação orgânica é a representação necessária, tal como a representação dos
incapazes. Têm que haver alguém que as represente, actue, porque elas, em si, não têm capacidade de exercício.

Em todo o caso, não é pacífico na Doutrina, porque há quem diga – tal como OLIVEIRA ASCENSÃO – que as
sociedades comerciais actuam através dos seus órgãos, pelo que estes, fazendo parte da pessoa colectiva, podem levar
a um realismo orgânico excessivo. Numa posição extrema organicista, há quem defenda que se tem órgãos, é capaz de
exercício. Não tem grande sentido, na medida em que, «não tendo pernas e braços», tem de ser representada. Mesmo
este autor tem consciência de que têm de existir seres humanos a actuar. Dois aspectos nesta querela:

(a) O regime de representação orgânica é um regime necessário. Fora esta querela, é isto que importa
realçar. A forma de representação orgânica é completamente necessária;

(b) Ao estarmos perante uma forma de representação, colocam-se problemas de imputação da actuação de
determinas pessoas a uma pessoa colectiva. Uma coisa é «actuar em nome próprio», outra é esta situação
em que se criam efeitos distintos.

Segundo PEDRO CAETANO NUNES, as sociedades comerciais não têm capacidade de exercício, pelo que carecem
dos meios de representação orgânica (pelos seus órgãos).

6.3. LIMITES À CAPACIDADE DE GOZO NAS SOCIEDADES COMERCIAIS

Na Europa, há três posições sobre a capacidade de gozo:

i. Posição Tradicional [França e Portugal] – chamada «teoria da especialidade», que aponta para a limitação
da capacidade de gozo pelo fim, e não pelo objecto social. Quem defende esta teoria está a pensar no fim
lucrativo. A capacidade de gozo é limitada pelo fim, logo, se o negócio não é apto a produzir lucros, haverá
uma actuação para lá da capacidade de gozo e o negócio é considerado inválido. Visa proteger (ratio legis)
os sócios minoritários e os credores sociais. Ou seja, quando há um negócio com lucro, a generalidade dos
credores sociais estão protegidos;

ii. Tradição Germânica – séc. XIX. É uma ideia de capacidade de gozo plena, não sendo limitada por nada,
nem mesmo pelo objecto social, nem pelo fim lucrativo. Assim, a finalidade do regime é a protecção de
terceiros e do tráfego jurídico. As pessoas que estão na sociedade devem acautelar-se no controlo dos
gestores. Não deve ser criado um ónus nos terceiros. Ao não fazer isto e ao criar segurança jurídica, estão-
se a diminuir os custos de transação, e, consequentemente, a promover o desenvolvimento económico.
Há, no entanto, limites. Se há conluio do terceiro com os administradores ou abuso de representação, os
terceiros não são protegidos. Há uma ressalva, mas difere de uma regra de não protecção de terceiros.
Quando se prova que os terceiros não merecem esta protecção, há a válvula de escape;

iii. Tradição Anglo-Americana – é a Doutrina ultra vires. É a ideia de que a capacidade de gozo é limitada pelo
objecto social, pela actividade que, nos termos dos Estatutos, a sociedade comercial deve exercer. Se
Joana Almeida | 2016-2017

fosse celebrado um negócio que ultrapassasse esse objecto, os administradores estariam a actuar para lá
da sua capacidade de gozo, o que determinaria a invalidade desses negócios jurídicos ou transacções.
Aqui, visa-se essencialmente a protecção dos sócios minoritários (ratio legis). Estes não têm poder
suficiente para o controlo da gestão – para a nomeação dos administradores -, mas embarcam numa
sociedade com certos estatutos que, ao estabelecerem os objectos da mesma, limitam os
administradores.

A primeira Directiva de Coordenação em matéria de direito das sociedades adoptou a perspectiva germânica. E
ainda recusou a tradição anglo-americana, expressamente. Estabeleceu que o objecto social não pode limitar a
capacidade de gozo. Quanto ao fim lucrativo, não há uma norma que determine, expressamente, a sua não utilização.
Já PEDRO CAETANO NUNES defende que, apesar de não afastar expressamente a limitação pelo fim, acolhe a doutrina
germânica. É um ponto de querela doutrinária saber aquilo que a Directiva impõe ou não impõe.

6.4. QUERELAS DE INTERPRETAÇÃO DO ART. 6º

O número 4 transpõe para o direito nacional a norma da Directiva que rejeita a teoria ultra vires. A válvula de
escape está estabelecida nos arts. 260º e 409º/2. O art. 6º começa por fazer uma afirmação genérica no sentido
tradicional da teoria da especialidade (do fim lucrativo). É uma afirmação mais cosmética do que de conteúdo efectivo.

PEDRO CAETANO NUNES faz uma leitura mais ampla da norma. Os seus fins podem ser múltiplos, pelo que tem todos
os direitos e obrigações. Consequentemente, tem capacidade plena.

Os números que levantam mais problema são os 2 e 3, que levantam querelas doutrinárias e jurisprudências mais
intensas. O art. 6º/2 refere-se às liberalidades e o art. 6º/3 à prestação de garantias. Em ambos os casos, estão em
causa actos gratuitos. Aquelas garantias a que se refere o número 3, são de forma gratuita. A ideia é de que a prática
dos actos gratuitos pelas sociedades comerciais contraria o fim lucrativo. Os actos gratuitos estão para lá da
capacidade de gozo, pelo que devem ser, na óptica do legislador, inválidos. As liberalidades que não sejam usuais, a
contrario sensu, não são parte do fim, pelo que são inválidos. A norma proíbe liberalidades que não sejam consideradas
usuais.

 COUTINHO DE ABREU defende que é necessário, essencial, que o juiz faça uma indagação sobre a
finalidade da liberalidade e sobre a projecção da mesma no património social.

Ex.: BES patrocinou o Cristiano Ronaldo, sem receber nada em troca. Era um acto gratuito. Mas será contrário ao fim da
sociedade? Não, na medida em que fizeram, pela publicidade, imenso dinheiro.

Ex.: mecenato. No caso da publicidade e do patrocínio dos atletas, é evidente que gera lucros. As grandes empresas
como Nike e Adidas, vivem dos actos gratuitos desportivos. No caso do mecenato há uma menor evidência, na medida
em que não há grande publicidade do teatro. Não é para criar lucros, mas é mecenato. As classes sociais mais
favorecidas acham que é produtivo, pelo que o legislador criou benefícios fiscais.

Ex.: financiamento político. Na tradição anglo-americana é feito às claras. Cá é feito de forma maioritariamente oculta.
As empresas fazem este financiamento com intenção iconística. Pode ser considerado corrupção.

A Doutrina tradicional, ao avaliar estes casos, considera que ainda se enquadram na finalidade social, apesar
de não se enquadrarem no objecto. Ou seja, vendo, por exemplo, a projecção de promoção do Cristiano Ronaldo tem
efeitos no património social da sociedade comercial. É este o sentido do art. 6º.

Desta feita, críticas a fazer:

1. A finalidade das sociedades comerciais não tem de ser lucrativa, pode ser outra;
Joana Almeida | 2016-2017

2. A primeira Directiva acolheu a estrutura germânica – interpretação restritiva, derrogação da norma 4;


3. Definição de capacidade aferida em abstracto 5.

O art. 6º/3 considera em primeiro uma regra; e, em segundo, duas excepções à mesma. A regra tem em si a
distinção das garantias onerosas e gratuitas. As prestações de garantias a favor de terceiro têm, implícita, a ideia de
gratuitidade. É uma apelação aos actos gratuitos. Aponta para o número 2; o número 3 tem o enquadramento do
número 2. Os Bancos, p.e., oferecem garantias onerosas, bancárias {exemplo dos empreiteiros que oferecem garantias
bancárias aos clientes para os casos de defeito de obra}. É uma finalidade lucrativa. Mas é pacífico que este número 3
apenas visa proibir todas as garantias gratuitas, na medida em que seria impossível impedir os bancos, p.e., destas
garantias onerosas.

 A posição da Escola de Lisboa e PEDRO CAETANO NUNES é a de que tudo isto é contra a primeira
Directiva, ou seja, vai ser contra toda esta teorização que estamos a elencar.

É possível a prestação de garantias, desde que com justificado interesse próprio, i.e., uma cláusula indeterminada,
a qual os juízes vão aferir no caso concreto. A segunda excepção corresponde às excepções de domínio ou de grupo. O
domínio exige controlo; no grupo, o domínio é quase total. Sobre esta, existe uma querela dentro da tese tradicional:

A. COUTINHO DE ABREU diz que esta ressalva só funciona para as relações down screen e não up screen. Ou seja,
acha bem que a mãe preste garantias às filhas, mas acha mal que a filha preste garantias à mãe. A prestação
de garantias da dominante à dominada é possível e enquadra-se na ressalva. O contrário, nesta teoria
restritiva, já não é possível, levando à nulidade do negócio jurídico.

b. Depois, há quem defenda que a ressalva é sempre válida, quer down screen, quer up screen, ao contrário da
teoria de Coutinho de Abreu, que considera que a validade apenas se verifica na down screen.

Para PEDRO CAETANO NUNES, conforme se elencou nas críticas, esta teoria não se aplica por esses motivos.

Esta matéria ainda não foi levada ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ainda que seja possível fazê-lo, i.e.,
se for considerado que deve ser enviada, há o mecanismo do reenvio prejudicial.

7. IMPUTAÇÃO NEGOCIAL OU REPRESENTAÇÃO

Ou melhor dizendo, imputação. Temos dois grandes temas (1) a imputação negocial – a vinculação das sociedades
comerciais no vínculo do negócio jurídico e (2) a imputação delitual. Os temas são, em rigor, distintos, mas confundem-
se e, sobretudo, incidem sobre os mesmos problemas das vidas das empresas.

O art. 6º é enquadrado na capacidade, mas aquilo que realmente visa é a validade dos actos jurídicos. Do ponto
de vista da teoria geral do direito, são duas coisas distintas, mas tratam a mesma questão. As preocupações de política
por detrás são as mesmas, ainda que depois incidam sobre dois institutos jurídicos diferentes: a capacidade e os
poderes de representação.

Método de Microcomparação: comparação de institutos que dão soluções para a mesma questão da vida, sendo por esse motivo comparáveis.

7.1. ENQUADRAMENTO

A primeira Directiva de coordenação transpõe a arquitectura germânica, a qual apenas se aplica às sociedades por
quotas e às sociedades anónimas, não se aplicando às sociedades em nome colectivo. O regime é, portanto, diferente.

4
Porque desconforme com a Directiva.

5
Ou seja, ou se pode praticar actos gratuitos ou não. Se pode para todos os actos em abstracto. A capacidade deve ser vista assim,
do ponto de vista abstracto. Coutinho de Abreu, Pedro Caetano Nunes e a Doutrina em geral fazem esta crítica.
Joana Almeida | 2016-2017

O art. 252º afirma que as sociedades por quotas são administradas e representadas pelo gerente. I.e., administrar é
a nível de competência interna; representar é a nível de competência externa. O art. 405º estabelece, por sua vez, que
quem representa a sociedade são os administradores, nas sociedades anónimas. Quem representa não é o Conselho de
Administração em sentido técnico, mas os administradores. É uma estrutura orgânica mais complexa. Mas à
semelhança do artigo anterior, temos a distinção entre a competência externa e interna. Temos a gerência e a
representação.

Nas sociedades por quotas temos os arts. 261º e 408º. A regra é a de que a vinculação externa, ou o poder, é
exercido conjuntamente, através dos actos conjuntos, por contraposição aos actos singulares. Não basta uma
assinatura. A lei, por regra, supletivamente, exige mais do que uma assinatura. Mas permite um aligeiramento. O art.
261º trata do exercício conjunto. Se forem três gerentes, têm que assinar dois; se forem dois, têm que assinar dois. É
um acto conjunto.

Notas:

 Na teoria geral do negócio jurídico, há o pressuposto das actuações singulares. Contudo, na realidade,
é comum que não seja A e B, mas os gerentes da Sociedade A e B a formularem e a aceitarem uma ou
várias propostas.

 Segundo PEDRO CAETANO NUNES e CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA isto corresponde a modalidades de DN –
na medida em que dois gerentes a assinarem uma aceitação é uma declaração negocial.

O melhor para o tráfego jurídico seria aceitar-se apenas uma assinatura. Mas aqui já há um equilíbrio entre o
âmbito subjectivo e objectivo. Assim tem de haver mais do que uma mão, por via haver maior controlo (subjectivo). É
no âmbito objectivo que há a ideia de tráfego jurídico, i.e., o terceiro não tem de avaliar se aquilo é bom para a
sociedade, mas sim se estão presentes as assinaturas necessárias.

Isto é o regime supletivo, na medida em que os Estatutos podem criar regras mais favoráveis à vinculação. É de
dizer ainda:

 Pode haver uma delegação da representação orgânica. Na terminologia dos negócios, na prática
sociológica da empresa, falam-se em credenciais enquanto uma espécie de procuração que opera a
delegação de todos os poderes de representação. A procuração difere no âmbito da representação
voluntária, na medida em que é um tema específico deste tipo de representação. Neste caso não se trata
de procuração.

 O facto de as sociedades estarem no tráfego jurídico através da representação orgânica, não afasta de
modo algum a possibilidade de representação voluntário nos termos dos arts. 262º e ss do CC. Ao
emitirem uma procuração, esta tem de ser assinada pela maioria deles (art. 261º, CSC). Existem regras da
representação orgânica que determinam quem te de assinar, mas depois valem as regras do CC. Quando
se atribuem os poderes a um dos administradores, ainda é representação orgânica; quando se passa a um
terceiro, já será representação voluntária, nos termos do Código Civil.

 Na representação voluntária aplica-se o Código Civil, mas há quem sustente que a celebração de contrato
de trabalho pode implicar tacitamente poderes de representação.

 A aparência de poderes de representação é algo que se estuda a propósito da representação voluntária.


No entanto, vale para todas as formas de representação (orgânica e legal). São as situações em que não há
uma procuração; não há um gerente com poderes suficientes; ou um conjunto de gerentes; não há
actuação ao abrigo das normas jurídicas que atribuem eficácia à representação; mas há sim pessoas que
criam confiança nos terceiros com um carácter justificado, pelo que a lei determina a existência de
representação pela simples existência da confiança (opera ope legis). É uma forma de tutela da confiança
Joana Almeida | 2016-2017

ou da aparência. Não há abuso de representação. Aqui não é uma válvula de escalpe para destruir o
negócio.

 Esta regra de poderes conjuntos – no âmbito da representação orgânica – vale apenas para a
representação activa e não vale para a passiva (art. 261º, CSC).

7.2. ABUSO DE REPRESENTAÇÃO

Até aqui falámos de como é que as sociedades ficam vinculadas perante terceiros. Neste capítulo, é o inverso, i.e.,
a sociedade deixa de estar vinculada, porque o terceiro não merece a protecção (válvulas de escape). Aqui já não
se pretende salvar o negócio jurídico, mas destruí-lo.

Vem regulado no art. 269º do CC. Estamos dentro dos deveres, e não dos poderes. Havia poder para actuar,
mas não devia ter actuado, porque não actuou no interesse do representado. Pode ter sido por maldade ou por
interesse do próprio representada. Podia haver conluio. O que interessa é a distinção entre os poderes formais e os
deveres. A ideia do abuso de representação – inventado pelos alemães – é a de que, havendo este abuso, e se o
terceiro sabia ou devia saber disso, a protecção é afastada. Havia representação e esta foi feita em violação dos
deveres. Deixa de ser protegido pelo Ordenamento Jurídico.

Este abuso de representação surgiu na Doutrina Germânica, ao abrigo dos bons costumes e da boa-fé. Assim,
eram duas formas: (1) uma primeira situação, de conluio, a qual ofensiva dos bons costumes – art. 280º do CC; (2) uma
segunda situação, em que no lugar do conluio doloso, há apenas conhecimento ou dever de conhecimento do terceiro.
O abuso de representação em sentido restrito já não carece do dolo de terceiro. O terceiro sabia ou devia saber, face
ao que estava visível, de que havia uma representação contra o interesse do representado. Têm uma valoração
diferente, na medida em que aqui não estão em causa os bons costumes, mas a boa-fé.

Em Portugal, há uma querela doutrinária: o art. 269º pode aplicar-se às situações de conluio ou de abuso
restrito, sendo a sanção a da ineficácia. Mas, sob inspiração germânica, há doutrina que defende que na situação de
conluio já se trata de um problema de ofensa aos bons costumes, pelo que se trata de nulidade, oponível a terceiros.

No CSC, é pacifico que o conluio e o abuso de representação são aplicáveis à representação orgânica, pelo que
se pode recorrer ao art. 269º do CC (ou ao art. 280º em caso de conluio, para quem interpretar nesse sentido).

Os arts. 260º/2 e 409º/3 têm regras que são casos especiais de abuso de representação. No caso do art.
260º/2, os poderes dos gerentes são gerais, abstractos e ilimitados, podendo abranger todas as matérias (âmbito
objectivo); e têm de haver as duas assinaturas (âmbito subjectivo). O «Conhecia ou devia conhecer» é o mesmo que
«Sabia ou devia saber». O CSC apenas consagrou uma hipótese especial de abuso de representação, a qual quanto ao
objecto social. Para todas as outras situações, aplica-se o art. 269º do CC. Isto acontece, desta forma, em decorrência
da doutrina ultra vires. Assim, a única válvula de escape é esta. Só releva se o terceiro sabia ou devia saber.

7.3. NEGÓCIO CONSIGO MESMO

Art. 261º, CC: há uma antecipação da tutela no confronto com o art. 269º. Para haver a válvula de escape do
abuso de representação é necessário mostrar que o terceiro sabia ou devia saber. Mas nestes casos, em vez
de se exigir isto, o legislador desconfia, porque a probabilidade de actuar violando os seus deveres é muito
grande. Faz-se uma antecipação da tutela, sendo um caso particular de patologia. Não é necessário fazer
prova de que houve violação dos deveres ou que deveria saber. É um negócio consigo mesmo. Em vez de
vender, p.e., certo imóvel a terceiros, vendeu a si próprio.

No CSC, só está previsto no art. 397º/2. É uma quebra sistemática do CSC, na medida em que apenas respeita
às sociedades anónimas. Aplica-se por analogia este artigo ou aplica-se o art. 261º? É uma querela doutrinária. É a
primeira grande dúvida sobre os negócios consigo mesmo nas sociedades comerciais, saber se se aplica o CC ou o CSC.
Joana Almeida | 2016-2017

A segunda grande dúvida é que há pelo menos quatro sub-hipóteses de negócio consigo mesmo, três previstas no art.
261º e outra que o art. 397º/2 não prevê. É uma hipótese mais específica na imputação negocial.

Aula de 10 de março de 2017

7.4. IMPUTAÇÃO DELITUAL DAS PESSOAS COLECTIVAS (OU EXTRACONTRATUAL)

Frequentemente, fala-se de «delito», se bem que a ideia de contratual tende a não abarcar a responsabilidade
objectiva e por factos ilícitos. Aqui, utiliza-se o termo mais amplo, o de extracontratual, abrangendo a responsabilidade
objectiva, subjectiva e por facto ilícito.

Do ponto de vista histórico:

Teoria de Ficção de Savigny – segundo esta teoria, não havia uma verdadeira personalidade das pessoas
colectivas, o que fazia com que não fosse justo existir responsabilidade tal como nas pessoas singulares. Foi com o
realismo orgânico, da realidade sociológica, que predominou a tese de que tem de haver uma responsabilidade,
tal como há nos seres humanos e nas pessoas singulares. É aqui que se vai iniciar a primeira opinião favorável à
responsabilidade delitual das pessoas colectivas. Hoje em dia, é possível usar elementos, com base no Pp da
Igualdade, raciocínios do género «não se pode atribuir benefícios à pessoa colectiva e não atribuir às singulares»;
«posso responsabilizar o funcionário, mas não a empresa». Os critérios:

a. É um problema de imputação;
b. Incapacidade de exercício – as pessoas colectivas não agem (embora com querela doutrinária 6);
c. Há autores que defendem o organicismo mais organicista 7;
d. Oliveira Ascensão defende que é a pessoa colectiva a actuar, não há incapacidade de exercício;
e. Pedro Caetano Nunes não considera esta tese correcta.

O art. 6º do CSC e o art. 165º do CPC transformam esta questão numa questão normativa. Há incapacidade de
exercício, pelo que há problemas de incapacidade e de imputação. Não está certo dizer que a pessoa que actua
no órgão está a fazer com que a pessoa colectiva seja capaz de exercício. Ex.: administrador delega, no âmbito
do seu mandato como administrador, que é para trabalhar até às 2h da manhã, fazendo com que uma senhora
não consiga dormir toda a noite. A responsabilidade é da empresa ou do administrador? O administrador, que
não tinha seguro, atropela uma série de pessoas. No mesmo acidente, provoca mortes. O carro era da
empresa, mas actuava na sua vida privada. Quem responde? É um problema jurídico respondido por normas
jurídicas de responsabilidade delitual dos titulares dos órgãos da sociedade comercial.

O art. 500º do CC: pressupostos da responsabilidade objectiva do comitente. Tem de haver a relação entre um
comitente e um comissário; e o comitente tem de actuar no âmbito da comissão (funções que lhe foram remetidas pelo
seu comitente). A law in action – quando eu sou proprietário, não se provando a culpa, respondo objectivamente pelos
danos. Neste caso, o proprietário é mesmo a Sociedade.

MENEZES CORDEIRO tem uma tendência para a criação de regras de maior responsabilização das pessoas
colectivas, no sentido de irem mais além desta responsabilização por via dos arts. 6º do CSC e do art. 500º da CC. É uma
ideia de culpa da própria organização. Podem haver situações em que, sendo organizações muito grandes, é difícil
determinar de quem é a culpa. Isso levaria a situações em que poderia não haver responsabilização.

6
As pessoas colectivas não agem, quem age são os seres humanos no âmbito das pessoas colectivas. Existe, segundo Pedro Caetano
Nunes, um problema de imputação.

7
I.e., as pessoas actuam nos órgãos da pessoa colectiva, pelo que há imputação da pessoa colectiva, através da actuação dos órgãos.
É uma ideia de mecanismo jurídico. É uma ideia que respeita menos o enquadramento original. É a ideia de que não há incapacidade
de exercício, porque consideram que os administradores são a mão da pessoa colectiva.
Joana Almeida | 2016-2017

O art. 493º do CC, da presunção de culpa, também tem alguma relevância. {No nosso OJ, há que distinguir as
normas de responsabilidade subjectiva; de responsabilidade objectiva; e de presunção de culpa. Se há presunção de
culpa é quase o mesmo que responsabilidade objectiva. São figuras muito próximas nos efeitos. P.e., cartódromos –
não é fácil ilidir, numa actividade perigosa, a presunção de culpa, pelo que, havendo um acidente, serão sempre
responsáveis. São normas muito importantes no nosso OJ – as presunções – porque têm efeitos práticos.}

Quando há responsabilidade objectiva, a tendência é ir pelas normas do CC. Quando há subjectiva, ainda que
na presunção de culpa (483º ou 493º), ainda há problemas de imputação para as pessoas colectivas, quer seja pelo
ónus de prova do autor (483º), quer havendo inversão do ónus de prova (493º).

MENEZES CORDEIRO fala da culpa da organização como um todo e não das pessoas dentro da organização. PEDRO
CAETANO NUNES considera que não há base legal, pelo que o interprete tem de fazer uma ginástica legal para justificar. E
depois, há sempre problemas de imputação. A ideia de culpa da pessoa colectiva serve para contornar.

Há uma imputação ao abrigo de que normas? Ao abrigo do art. 6º/5 do CSC e do art. 165º do CC. Estes fazem a
imputação dos órgãos ao abrigo da responsabilidade do art. 500º. A alternativa é ir directamente para o art. 500º.
Assim, a conduta é imputável aos funcionários. O trabalhador não é um órgão, pelo que, nesse caso, se vai
directamente ao art. 500º, havendo responsabilidade objectiva.

Associada ao efeito da imputação extracontratual ou efeito delitual da pessoa colectiva, costuma estar o efeito
reflexo e o benefício de exclusão do ser humano pessoa singular, i.e., se é imputado à pessoa colectiva, eu,
pessoalmente, já não respondo. Ex.: o técnico actuou quando trabalhava para a pessoa colectiva. O elevador caiu e
morreram duas pessoas. É um problema da pessoa colectiva, é ela que responde, pelo que o técnico já não responde. É
um tema que não é de imputação às pessoas colectivas, mas de algo que está ao lado. Frequentemente, responsabiliza-
se apenas a pessoa colectiva e não os agentes. Mas nem sempre é assim. Mas quando há crime, já respondem. A
responsabilidade delitual pode conviver a par com a criminal.

a. Saber se a Sociedade pode ser responsável;


b. Sendo responsável perante terceiro, saber se o colaborador deixa de ser responsável perante o terceiro;
c. Saber se o colaborador é responsável perante a Sociedade.

São três questões distintas. A responsabilidade do administrador ou colaborador a nível interno, ou seja, a
última questão, não cabe no âmbito desta cadeira (da imputação à sociedade). O terceiro tema é menor. Ao
nível da responsabilidade dos administradores, envolve a questão de saber os deveres. Quanto aos
trabalhadores quanto à empresa, cabe no Direito do Trabalho.

A ideia de privilégio de exclusão de responsabilidade nunca deve ser aceite no que toca a casos de maior ética
e ofensa ao direito. P.e., o administrador que decreta que a discoteca fica a trabalhar até mais tarde, causando ruídos,
vai responder concomitantemente à sociedade.

7.5. IMPUTAÇÃO DE ESTADOS SUBJECTIVOS (ART. 259º DO CÓDIGO CIVIL APLICADO ÀS PESSOAS COLECTIVAS)

É um contexto negocial. É a propósito da celebração de negócios jurídicos que se fala no art. 259º. É um
problema de imputação negocial, em rigor. Exemplos:

(1) Impugnação Pauliana – actos de diminuição de garantia patrimonial, que são impugnáveis pelos credores,
com a sanção de ineficácia relativa face aos credores. Serve para a protecção dos credores.

(2) Redução em Benefício da Massa – é um mecanismo em contexto negocial em caso de insolvência. Os


bens são enquadrados no património da sociedade. Tem o mesmo efeito de ineficácia relativa.
Joana Almeida | 2016-2017

Quando há actos gratuitos, é mais fácil a impugnação pauliana. Quando há actos onerosos, tem de haver má-fé do
terceiro e do representante. A situação mais prática com pessoas singulares: J tem dívidas, pelo que coloca os
bens em nome dos filhos (terceiros), pelo que, se o acto for gratuito, não se tem de provar a má-fé; mas se é
onerosa, o credor tem de provar que J estava de má-fé – o que é fácil, na medida em que ele sabia das dívidas que
tinha. Assim, o mais difícil é provar a má-fé do terceiro em cujo nome ficaram os bens.

Em relação ao benefício da massa, há casos em que a lei opera sem prova da má-fé. Se constitui uma garantia real
em meses antes da insolvência, há um período suspeito. J, é pessoa singular. Na vida real, o mais comum são
actos que se querem impugnar, praticados por pessoas colectivas, pelo que temos um problema de imputação de
má-fé, dos estados subjectivos, à pessoa colectiva.

Antes do caso BES, as várias empresas do grupo constituíram, na reta final, uma garantia de penhores
financeiros – ora, a constituição de garantias à beira da insolvência dá benefício da massa se houver má-fé. Os
administradores do BES e das empresas do grupo, ao constituírem os penhores a favor do BES, actuaram de má-fé com
consciência de que estavam a prejudicar os restantes credores do grupo BES?

O segundo exemplo é dos vícios na formação do negócio jurídico. Na compra e venda de um televisor, por
regra, há uma pessoa singular. Mas se for uma compra e venda entre empresas – quer por venda do estabelecimento,
quer por venda das participações de controlo -, há um problema de erro. No geral, são problemas de incumprimento e
não de erro (mas pode haver excepções). Se no anexo do contrato não vem especificado, é de erro. Mas, por vezes,
podem haver o erro quando o comprador é uma empresa (estados subjectivos relevantes).

Os estados subjectivos geram problemas de imputação dos administradores à sociedade comercial. O art. 259º
é a única norma que trata deste assunto. Vale para a representação voluntária. Nesta representação, temos,
tipicamente, o representante e o representado. Nas pessoas colectivas é mais complexo. Há vários órgãos. Do ponto de
vista do estado subjectivo e das pessoas que actuam em nome dela, há sempre mais pessoas.

A vontade do representado não existe, a não ser que se entenda que é a vontade dos órgãos que não
celebraram o contrato. Mas aqui já temos um problema de imputação, de saber se essa vontade era necessária e se
essa vontade foi realmente a daqueles órgãos. Se o administrador que actuou estava de má-fé, para efeitos de
impugnação pauliana, pode o credor invocar a impugnação pauliana. Mas, imaginando que dos vários que actuaram, só
um estava em erro, basta o erro de um. Se estava em má-fé, basta à má-fé de um dos que actuou. Imaginando que
estavam três de má-fé e um em erro, surge a questão, a qual não está resolvida pelo artigo.

Os que assinaram não estavam de má-fé, mas o CEO estava. Quid iuris. O art. 259º/1 não responde. Quanto ao
número 2, parece ajudar. O representado não pode beneficiar quando o outro está de má-fé. Isto está pensado para
um representado que tenha cérebro e a pessoa colectiva não tem cérebro. O CEO de má-fé vale contra a sociedade por
via da interpretação extensiva. Se for um funcionário menor, a lei não dá critérios. Os alemães defendem que depende
das funções que desempenham dentro da sociedade. Se havia um dever de reportar internamente a circunstância que
forma um prejuízo para os credores, há imputação. Aqui temos os problemas da organização dos deveres como critério
para o Princípio da Culpa em sede de imputação para as pessoas colectivas. Se a má-fé for de uma pessoa que tinha o
dever de gerir aquela área ou de comunicar a informação ao Conselho de Administração, há imputação, derivado do Pp
da Culpa. As pessoas têm de ser julgadas com base dos deveres na organização.

7.6. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Jogam-se, nesta teoria, situações que têm a ver com a responsabilidade dos sócios e situações de imputação. A
primeira coisa a dizer é que se trata de uma criação jurisprudencial norte-americana. Há uma desconsideração
da entidade corporativa ou do levantamento da personalidade jurídica. Esta teoria consiste numa derrogação
da autonomia subjectiva e/ou patrimonial entre a sociedade e os sócios. É a derrogação do Pp da Separação,
entre os sócios e o património da pessoa colectiva. Pontualmente, desconsideramos essa separação.
Joana Almeida | 2016-2017

Por um lado, temos situações de imputação e, por outro, de responsabilidade. São situações em que, para
efeitos de variadas normas jurídicas do OJ, em vez de imputar o comportamento à esfera jurídica da sociedade, imputa-
se ao sócio. É extramente frequente. O art. 877º do CC – venda a filhos e netos – é um exemplo típico. Uma das
hipóteses mais evidentes para contornar este artigo é vendendo a uma sociedade de um filho, não tendo os outros
qualquer acesso. O outro exemplo são as proibições de concorrência – art. 398º do CSC. Em vez de exercer eu próprio
uma actividade que é concorrente, crio uma sociedade, a qual actua como concorrente. São formas de contorno.

As outras situações são as de responsabilidade – criação de responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais; é
a derrogação da regra de ouro do capitalismo. Situações típicas de abuso, considerados pela Jurisprudência:

 Mistura de patrimónios: Ex.: sociedade de construção civil, em que se juntava o carro para assuntos
pessoais; a empresa pagou o casamento da filha.

 Subcapitalização inicial: constituição da sociedade com capitais próprios reduzidos. O tribunal vai
considerar que devia ter colocado mais capital, na medida em que, daquela forma, estava a
externalizar o risco dos credores. Por ter feito isso, tem de responder pelas dívidas.

 Subcapitalização superveniente: prolongamento da vida da sociedade quando já está insolvente ou


quando se faz uma subcapitalização forçada (ex.: venda a terceiro – dissipação do património).

Sendo uma teoria, é necessária uma base legal para que se possa aplicar na prática. Segundo Freitas do Amaral, os
artigos deviam constar da Constituição (os artigos da interpretação da lei). A base legal é difícil. Segundo PCN:

a. Há determinados casos especiais que, no fundo, foram acolhidos pelo legislador. É o caso do art. 84º do CSC. O
artigo tem uma norma que é inspirada na criação jurisprudencial norte-americana, na ideia de
desconsideração da personalidade jurídica. PCN considera que é uma questão explícita, e não alvo de uma
querela. Se foi feita a norma, há consagração legal da teoria. A letra da lei tem a ideia da mistura de
patrimónios. A subcapitalização inicial já não cabe; a superveniente, mais ou menos. As sociedades que
tenham mais de um sócio já não cabem no presente artigo. Para lá disto, podemos dizer que nas situações de
imputação é fácil, na medida em que está em causa uma fraude à lei (artigos que proíbam – problema de
interpretação: artigo da venda aos filhos, p.e.).

b. Quanto às situações de responsabilidade, não há base legal. Quanto muito, art. 334º do CC – abuso de direito.
Nas situações de desconsideração por questões de responsabilidade, esta é a única norma possível. Pode
sempre ser utilizada, apesar de poderem haver situações manifestas de ofensa aos bons costumes.

c. O art. 21º é uma norma geral que, em contexto de normas em conflito, determina que não pode haver fraude
à lei [Direito Internacional Privado].

d. Nestas situações de responsabilidade, além de não haver grande base legal, frequentemente, actua-se contra
legem, i.e., actua-se ostensivamente contra a regra da irresponsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais.

8. CONSTITUIÇÃO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

A ideia de acto colectivo é de Gierke, predominante em Oliveira Ascensão. Em vez de um contrato de DN, há
um conjunto de DN que apontam na mesma direcção. Mas é uma má ideia, porque nem todos os contratos são um
contrato de troca. Esta ideia de acto colectivo coloca em confusão a formação e o conteúdo do contrato. Há várias
categorias de contrato, mas são todos contratos. A segunda nota é que a constituição de sociedades comerciais é um
processo, i.e., o conjunto de actos que se sucedem no tempo (conjunto de actos + tempo). É importante saber que a
formação do contrato é um processo. Além do NJ institutivo, há registo e publicidade.
Joana Almeida | 2016-2017

Outra nota introdutória é a tendência de desburocratização. Em 2006 deixou de ser necessária a escritura
pública para a constituição das empresas. depois temos a empresa na hora. A propósito do abandono da escritura
pública, a 1ª Directiva de Coordenação exige dois tipos de controlo, sendo que, quando se abandonou a escritura,
passou a existir só um, o que vai contra a Directiva. É uma desburocratização associada a elementos electrónico.
Diminui o tempo para se constituir a sociedade, na medida em que segue automaticamente para a conservatória,
fazendo logo o registo.

A identidade da firma corresponde ao nome da sociedade. Não pode ser confundível com outra que já existe.
Antes de constituir, tem de ter a certeza de que aquele nome é viável. Na empresa na hora, há certificados pré-criados,
para não haver problemas na constituição da empresa.

Surge o problema das sociedades em formação (irregulares), sendo processos em que há sociedades que
actuam quando ainda não terminaram o seu negócio constitutivo. Falta o registo e a propriedade. Há um processo e
sociedades irregulares por muito ou pouco tempo, porque querem ficar à margem da legalidade em economia paralela,
não sujeitas a registo, que diminuem os custos de transacção.

8.1. MODALIDADES DE CONSTITUIÇÃO

Existem várias modalidades: (1) comum; (2) empresa na hora; (3) empresa online; (4) com registo prévio; (5) com
a subscrição pública; (6) por fusão, cisão ou transformação – por reestruturação; (7) saneamento por transmissão;
(8) por acto legislativo formal – por lei.

8.1.1. CONSTITUIÇÃO POR MODALIDADE COMUM

Tem três actos: negócio jurídico institutivo, registo e publicidade (art. 7º do CSC). Tem de haver
reconhecimento das assinaturas. Há determinados actos que podem ser praticados por advogados, inclusive. O
registo é exigido pelos arts. 5º e 18º, sendo feito na Conservatória do Registo Comercial. Os sócios, ou se for
feito perante certo notário, têm regras semelhantes do Registo Predial. Quem exercer funções públicas –
notários – têm um dever oficioso de registo. Se não for o notário, são as partes que têm de enviar para a
Conservatória. O art. 167º traz a norma da publicidade obrigatória. Para efeitos de impugnação pública, além
da Conservatória, tem de ser dada a publicidade por via da publicação no sítio electrónico do Registo Nacional
das Pessoas Colectivas (antes era em Diário da República).

Além do registo (art. 18º), que tem por base os factos geradores de situações jurídicas. Também temos a outra
forma de publicidade – Registo Nacional das Pessoas Colectivas (art. 167º). É promovida pelos serviços
registrais.

Aula de 14 de março de 2017

8.1.2. CONSTITUIÇÃO POR MODALIDADE DA EMPRESA NA HORA

É regulada pelo DL 111/2005. É uma forma expedita, rápida, de criação de sociedades comerciais. Tem como o
objectivo a constituição de uma empresa em menos de uma hora. Os aspectos essenciais: só para as
sociedades anónimas e por quotas {não há problema, na medida em que são as que têm mais procura}.

Características:

A subscrição de um negócio jurídico institutivo de modelo previamente aprovado (arts. 3º e 8º/1, alínea d));
Utilização de uma firma previamente criada e reservada a favor do Estado – nome da sociedade 8 (art. 3º/3);
8
As firmas não se podem confundir, pelo que tem de haver um controlo prévio das firmas (dos nomes). Existe assim uma autoridade
administrativa que faz esse controlo. O direito ao nome é um direito de personalidade das pessoas colectivas; por outro lado, pode
ser considerado um direito de propriedade intelectual (direito absoluto). Não deve ser confundido com a marca. A marca é um
direito de propriedade industrial (a par das patentes – ex.: fórmulas químicas dos medicamentos têm patentes). A firma não é o
Joana Almeida | 2016-2017

Registo (art. 8º/1, alínea e)) e publicações obrigatórias (art. 13º).

8.1.3. CONSTITUIÇÃO POR MODALIDADE DE EMPRESA ONLINE

É regulado pelo DL 125/2006. É uma espécie de empresa na hora, mas online. Um sítio onde os cidadãos e/ou
as empresas se poderem dirigir. Serve, de igual forma, para sociedade anónimas e por quotas.

Características:

Subscrição online de modelo previamente aprovado ou por texto da autoria dos subscritores 9;
Firma previamente criada e reserva a favor do Estado (ou não) 10;
Registo e publicações obrigatórias11.

8.1.4. CONSTITUIÇÃO POR MODALIDADE DE REGISTO PRÉVIO

O art. 6º do Código do Registo Predial fala do registo prévio quanto aos direitos reais. Isso também é possível
na constituição de sociedades comerciais (art. 18º do CSC).

8.1.5. CONSTITUIÇÃO POR MODALIDADE COM SUBSCRIÇÃO PÚBLICA

É a modalidade mais complexa. Está regulado pelos arts. 279º e ss do CSC. É ainda relevante o CVM, nos arts.
13º/1, alínea a) – delimitação da sociedade anónima de subtipo aberto. Um dos requisitos é ser criada por via
da subscrição pública. Releva ainda o art. 168º do CVM, que consagra uma regra sobre as ofertas públicas para
a subscrição {associada a um aumento de capital}. Aqui, falamos da própria constituição ser feita por
subscrição pública – cria-se a sociedade a partir daqui.

O Processo de Constituição:

1. Projecto de negócio jurídico institutivo (projecto de contrato, de estatutos);


2. Registo provisório;
3. Elaboração de prospeto de oferta pública de subscrição 12;
4. Aprovação do prospeto pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários [CMVM];
5. Lançamento da oferta pública de subscrição – proposta dirigida ao público;
6. Subscrição de acções – reacção à proposta (subscrição com auxílio dos intermediários financeiros) 13.

mesmo que a marca. No processo constitutivo, o elemento que cria maior demora é este – reacção burocrática por parte do
aparelho de Estado. A solução encontrada em 2005 pelo poder político português para a constituição de empresas na hora, foi criar
firmas com os nomes mais estranhos – previamente criados pelo Estado.
9
É um sistema mais maleável que a empresa na hora.

10
É possível que os cidadãos, os particulares, tenham solicitado previamente um certificado de admissibilidade de firma. É um
regime maleável. Tanto pode ser algo rápido, num modelo pré-fabricado; como pode ser por via deste certificado e com uma minuta
distintos do modelo previamente aprovado.

11
Já não há qualquer remessa em formato de papel (incluindo a assinatura electrónica).

12
No regime dos valores mobiliários visa-se essencialmente a protecção do investidor. Um dos aspectos centrais dessa protecção
está no regime de informação. assim, a oferta pública de um valor mobiliário implica a elaboração de um documento com a
informação mais importante dirigida aos investidores (prospeto). Existe inclusivamente um regime de responsabilidade pelo
prospeto. A principal componente da protecção dos investidores está na informação e na responsabilidade.

13
São os Bancos que recebem a subscrição.
Joana Almeida | 2016-2017

Tem que haver um contrato com o sindicato bancário, com um conjunto de intermediários financeiros, entre
os promotores da subscrição pública e o conjunto de intermediários financeiros, no sentido de colocaram a
oferta no mercado para receberem a subscrição. É uma forma de cooperação interempresarial.

Constituição da Sociedade na Realização da Assembleia Constitutiva:

1. Realização de Assembleia Constitutiva (mera formalização);


2. Celebração e assinatura do contrato pelos promotores;
3. Registo definitivo;
4. Publicações obrigatórias.

No caso do processo de constituição da sociedade por subscrição, os próprios promotores são responsáveis; os
intermediários financeiros que assistem à oferta. Há muitos intervenientes que podem ter responsabilidade.

Este processo não é frequente, uma vez que existe uma alternativa mais frequente, designadamente, constituir
uma sociedade comercial nos termos normais e, depois, colocar nos estatutos, uma autorização para que o CA
liberte ou aumente o capital. A segunda alternativa é a constituição de uma sociedade com forte participação
de instituições de crédito, as quais vão tentar vender as participações que tomaram de início. É uma forma de
entrar no público, embora distinta da subscrição.

8.1.6. CONSTITUIÇÃO POR MODALIDADE DE FUSÃO, CISÃO OU TRANSFORMAÇÃO

A fusão por constituição de nova sociedade (art. 97º do CSC) – duas ou mais sociedade juntam-se para criar
uma única sociedade. Há essencialmente duas modalidades: por incorporação – uma sociedade recebe a
outra, que já existia; por constituição de uma nova sociedade – juntam-se duas para dar origem a uma nova
sociedade.

Temos ainda o caso de cisão simples – é o oposto da fusão. Em vez de termos dois estabelecimentos
comerciais que se juntam numa única sociedade; na cisão, há um desmembramento de um estabelecimento
comercial, que dá origem a dois, cada um como uma nova sociedade. Pode dar-se que, mm vez de se criar uma
nova sociedade, essa parte do estabelecimento não cria uma nova sociedade, mas passa para uma sociedade
que já existia.

Sociedade A Cisão: criação da Sociedade B – massa


patrimonial é transferida para uma nova
Estabeleciment sociedade = a criação de uma nova pessoa
o colectiva jurídica.

A transformação extintiva ou novatória – quando uma sociedade comercial de um tipo se transforma num
outro tipo. Há uma modalidade menos frequente que se transforma noutra.

8.1.7. CONSTITUIÇÃO POR MODALIDADE DE SANEAMENTO POR TRANSMISSÃO

Releva o art. 199º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas. há uma massa insolvente, mas que
tem ainda activos que geram cash flows, estabelecimentos comerciais produtivos. Constitui-se a nova
sociedade e colocam-se lá estes estabelecimentos comerciais.
Joana Almeida | 2016-2017

Actos relevantes (ou Processo):

1. Proposta de plano de insolvência, com os estatutos em anexo;


2. Deliberação de aprovação em Assembleia de Credores;
3. Homologação judicial;
4. Registo;
5. Publicidade.

As pessoas vão para insolvência quando já não têm capitais próprios (só há dívida para os credores). É por esta
razão que há uma Assembleia de Credores, são eles que estão na posição de decidir. Geralmente, cerca de 90%
das empresas não são recuperadas. São liquidadas, vendidas aos pedações em processo de insolvência. Está a
vender acima dos custos; a criar margem; mas pode ter um grande peso de dívida {só nestes casos é que
poderá haver uma reestruturação e não uma liquidação – os credores passam a ser os novos accionistas; a
empresa será criada sem o peso da dívida}.

8.1.8. CONSTITUIÇÃO POR MODALIDADE DE ACTO LEGISLATIVO FORMAL

Aqui não há um processo específico. Há o processo legislativo.

8.2. ELEMENTOS DO CONTRATO DE SOCIEDADE

Importa o art. 9º do CSC. Em primeira instância, elenca o conteúdo obrigatório do negócio institutivo. É
também frequente ser denominado de menções ou cláusulas obrigatórias. O contrato é o conjunto de normas
privadas que criam o efeito jurídico entre as partes. Há uma necessidade de interpretação do contrato para se
verificar quais os efeitos do contrato. Cada tipo de contrato tem um regime, que pode ser mais ou menos
injuntivo. Nos tipos das sociedades comerciais, há um regime injuntivo relativamente extenso, i.e., há
elementos do contrato que têm de estar obrigatoriamente presentes.

Os elementos:

 Identificação dos sócios;


 Tipo de sociedade comercial;
 Firma (o nome);
 O objecto (que deve ser articulado com o art. 11º) 14;
 Sede da sociedade – social ou estatutária [diversa da sede efectiva] 15;
 Capital social (tem de constar dos estatutos) 16;
 Descrição e valor das entradas (número e quantidade das participações sociais) 17
14
Proibição de sociedades universais: que tenham um objecto social tão amplo que se torne incaracterístico. Nus casos, é um
objecto preciso; noutros, é um elenco muito amplo, que pode dar para muita coisa. Em princípio, a cláusula do objecto não possui os
efeitos externos, contra terceiro.

15
A distinção é essencial, na medida em que a sede social ou estatutária é relevante para certos bens jurídicos e a sede efectiva para
outros. P.e., as Assembleias Gerais são feitas na estatutária. A informação da sociedade é na sede estatutária, porque é lá que estão
os documentos da sociedade. Por outro lado, na sede efectiva, há outros efeitos. P.e., se a sociedade foi constituída em Lisboa, tem a
sede estatutária em Lisboa, mas a Direcção reúne em Madrid, os critérios do direito aplicável serão diferentes.
16
É uma cifra pecuniária estatutária que se repercute nas participações sociais, nas entradas dos sócios. Tem que estar expresso em
moeda com curso legal em Portugal. Das sociedades em nome colectivo, em que todos os sócios entram com prestações de serviços,
quando há apenas entradas industriais, não há capital. Há sempre capital social, a não ser neste tipo de sociedades.

17
Os estatutos têm que identificar a quantidade e o valor nominal das partes, quotas ou acções. P.e., o BES, antes de ser resolvido,
era detentor de 5 milhões de acções, com o valor de x. Essa informação tinha de estar nos estatutos. Para além disso, também tem
de ser indicado o tipo de prestação. Nas sociedades anónimas, há mais um elemento obrigatório – estrutura orgânica (art. 272º e
278º).
Joana Almeida | 2016-2017

8.2.1. CLÁUSULAS NÃO OBRIGATÓRIAS, MAS FREQUENTES

Se nada se disser, a sociedade dura por tempo indeterminado (art. 15º do CSC). Mas é possível colocar a cláusula
de duração no contrato ou nos estatutos.

8.2.2. AQUISIÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS NOUTRAS SOCIEDADES

O art. 11º/4 e 5 consagra regras que permitem que os estatutos disponham de maneira diferente. O regime
supletivo é pouco permissivo, o que dificulta esta aquisição. O frequente é que os estatutos tenham cláusulas
permissivas, no sentido de permitir tudo. Habilitam as sociedades a terem participações sociais noutras sociedades.

Sociedade A Sociedade B

FORNECEDOR

Sociedade A: o objecto Sociedade B: o objecto


social é a metalomecânica. social é a indústria mineira.

O proprietário da Sociedade B está prestes a falecer, logo, o proprietário da Sociedade A tem interesse em comprar
uma parte da Sociedade B, uma vez que esta é sua fornecedora. A aquisição vai depender das cláusulas do contrato
de sociedade, daí que se entenda que essas devam ser mais permissivas, pois pelo regime supletivo seria difícil.

8.2.3. PERÍODO DE EXERCÍCIO

O art. 9º/1, alínea i) é relevante para efeitos de prestação de contas do art. 65º (1 de janeiro a 31 de
dezembro).

8.2.4. VANTAGENS, INDEMNIZAÇÕES E RETRIBUIÇÕES ASSOCIADAS À CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE

O art. 16º não deve ser confundido com o art. 24º. O art. 24º regula a matéria dos direitos especiais dos sócios.
O art. 16º apresenta as vantagens, indemnizações e retribuições associadas à constituição da sociedade, o que não
deve ser confundido com os direitos especiais dos sócios. Todos os sócios têm determinados direitos, mas há direitos
que são só de alguns sócios. Por sua vez, o art. 16º regula vantagens atribuídas a certas pessoas – sócios ou não -,
associadas à constituição da sociedade, p.e., promotores.

As sociedades constituem-se através de um processo que pode ainda não estar acabado (art. 19º). Os estatutos podem
estabelecer que determinados negócios poderão vincular a sociedade assim que terminar o processo de constituição da
sociedade. Em especial, a articulação do art. 19º, alíneas c) e d) com o número 2. O art. 19º trata da assunção de
negócios anteriores à constituição e ao registo. As sociedades constituem-se através de um processo e, por vezes,
começam a ser sociedade antes de terminar esse processo.

Ex.: A e B, mais dez amigos, constituíram uma sociedade. Contudo, A e B são os mais activos e fizeram um contrato com
carácter preliminar com o Ministério da Economia. O contrato celebrado por A e B, em função da futura constituição da
sociedade, fica estabelecido nos estatutos, que são assumidos pela sociedade assim que terminar o processo
constitutivo.

8.2.5. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO EM MATÉRIA DE AUMENTO DE CAPITAL SOCIAL


Joana Almeida | 2016-2017

O frequente é começar a sociedade de forma simples e, depois, produzir-se um aumento de capital. Acontece
apenas nas sociedades anónimas (art. 456º, CSC). Se esta transformação constar dos estatutos, poderá não ser
necessária a autorização dos sócios.

8.2.6. PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES E DIREITO DE INFORMAÇÃO PELOS SÓCIOS

Se não se disser nada, vigora o que está na lei. É inteligente regular esta matéria nos estatutos, por via a
colocar regras favoráveis aos sócios minoritários, e restringir o acesso à informação ao sócio maioritário. Podem ainda
existir as regras sobre distribuição dos lucros:

a. Sociedades por quotas – art. 217º;


b. Sociedades anónimas – art. 294º.

No art. 217º há uma regra de protecção dos sócios minoritários. Os lucros não podem deixar de ser
distribuídos numa certa medida. Excepto uma maioria de 3/4, não podem deixar de ser distribuídos metade dos lucros.

Outro tema regulado nos estatutos é o regime de transmissão das participações sociais. Para a sociedade por
quotas (art. 229º), há um tipo de maior elasticidade. É possível transmitir ou criar regras quer no sentido restritivo, quer
permissivo. Já no que toca às sociedades anónimas (art. 328º/2), há maior liberdade de transmissão das acções, com a
possibilidade de serem criadas restrições.

Por fim, as normas injuntivas da lei têm de ser cumpridas. Por outro lado, as dispositivas (art. 9º/3) podem ser
afastadas pelos estatutos ou por deliberação dos sócios (mas apenas se os estatutos criarem essa possibilidade). O
artigo é muito relevante, pois pode fazer constar dos estatutos uma cláusula que permita aos sócios, por mera
deliberação – a qual, simples – a derrogação dos estatutos.

Se os estatutos forem contrários aos elementos obrigatórios do contrato, a consequência é a nulidade, sendo que
pode ser admissível a redução na parte que for nula.

Aula de 17 de março de 2017

8.3. REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS ESTATUTOS

Não se trata de interpretação de um contrato ou de negócio jurídico institutivo. Trata-se da interpretação dos
estatutos do contrato de sociedade, que tende a perdurar no tempo. Aqui há uma querela doutrinária: a solução mais
evidente seria aplicar o art. 236º do Código Civil, as regras normais. Porém, uma parte substancial da doutrina
considera que não se devem aplicar estas regras, mas sim as da interpretação da lei, ou seja, art. 9º do CCiv.

A interpretação intermédia distingue, dentro dos estatutos:

As cláusulas relativas aos direitos dos sócios (especiais) e as relativas à organização da pessoa colectiva (organizacional);
para estas últimas, faria sentido a aplicação do art. 9º CCiv e às primeiras o art. 236º CCiv.

A generalidade dos contratos respeita a poucas pessoas; as que subscreveram os contractos. Pelo contrário, os
negócios jurídicos institutivos das sociedades perduram mais no tempo e entram em contacto com terceiros, porque os
sócios que constituem a sociedade não são os que a acompanham até ao seu fim; estão sempre a entrar e a sair sócios,
e nas sociedades anónimas, em especial, nas abertas, temos muita gente. Neste contexto, em que os interessados num
contrato de sociedade são muitos e não são sempre os subscritores iniciais, surge esta tendência doutrinária que usa o
art. 9º CCiv em detrimento do art. 236º CCiv.

 Para PEDRO CAETANO NUNES, quem se afasta do art. 236º e vai para o art. 9º, está a interpretá-lo mal,
isto porque o 236º consagra a teoria da impressão do declaratário comum, e o nosso CCiv é
essencialmente objectivista. Mas deve fazer-se a ressalva de imputação ao declarante, clara influência
Joana Almeida | 2016-2017

do subjectivismo. Em Portugal, sobretudo CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA explica que o declaratário do art.
236º pode ser uma pluralidade de pessoas, nomeadamente quando há proposta dirigida ao público.

Numa proposta dirigida ao público, o declaratório é o menor denominador comum do


público. O declaratário não é uma pessoa, são todos, e o 236º funciona, apesar de não haver apenas
um. Assim, se se adapta a situações de pluralidade de declaratários, não devemos interpretar o art.
9º, devemos é interpretar no sentido de os declaratários não serem só os institutivos, mas também os
que entram na sociedade ao longo da sua vida; não o fazendo, devemos adoptar a posição
intermédia.

Em situações de fronteira é importante perceber quem é o declaratário, quais as regras de interpretação, e


neste contexto deve aplicar-se o art. 236º do CCiv, com o enquadramento explicado acima.

Registo

O registo e a publicação são sempre obrigatórios. De acordo com o art. 5º, CSC, o registo tem efeito de
aquisição da personalidade jurídica plena. Porém, não é pacífico. MENEZES CORDEIRO, na tradição de OLIVEIRA ASCENSÃO
defendem a ideia de que a personalidade já existe antes do registo.

O registo tem efeito de assunção de posições jurídicas que remete para o art. 19º, CSC. Ao abrigo do presente
artigo, pode consignar-se nos estatutos que determinados negócios - anteriores à celebração do contrato de sociedade
- são assumidos por esta, a partir do registo [ daí que se diga que o registo tem também efeito de assunção ]. Tem um reflexo:
retira responsabilidade, tem eficácia liberatória em relação aos sócios e gerentes que intervieram nestes negócios .18
Celebra-se contratos em nome da sociedade quando esta ainda não existe, mas só fica limitada com o registo e é nesta
altura que se retira a responsabilidade dos gerentes e sócios que actuaram nesta altura.

Sociedade Irregulares e Inválidas

Sociedades Irregulares

Não tem grande aplicação prática. Está um problema de início de actividade antes do registo. Isto convoca
duas situações típicas: transitoriedade e falsa transitoriedade. São aquelas situações em que temos que avançar
porque está quase a acabar o registo, e a falsa é quando actuamos à sombra da lei durante muito tempo, não registam,
porque não querem. Temos situações nas sociedades irregulares que são incontornáveis e estão ligadas ao processo
composto por vários actos e que necessitam de algum tempo, não é instantâneo, mas também temos situações
patológicas, em que não há por parte das sociedades vontade em regularizar a situação.

{Por vezes a doutrina tende a estudar bastante este tema, mas na opinião do professor não se deve perder muito tempo nesta matéria.}

Está regulada nos arts. 36º e ss do CSC, sendo que este primeiro trata de duas matérias:

 Número 1: não é a matéria da sociedade irregular, mas sim aparente. É diferente haver já contrato de
sociedade com um processo não concluído, e não haver de todo troca de declarações de vontade no sentido
de constituir sociedade – aparência.

É uma norma com inspiração germânica e está aqui em causa não haver negócio jurídico sociedade, nem
sequer sem forma, i.e., há apenas a aparência de que houve contrato de sociedade. A consequência é
responsabilidade solidária de quem criou a aparência.

Na vida prática as situações não são tão claras; é difícil provar que certo contrato não está redigido, logo, dado
a dificuldade de prova, se o terceiro não tem acesso a esse escrito, será necessário haver uma guarda

18
Pode sempre haver responsabilidade pré-contratua l.
Joana Almeida | 2016-2017

avançada que permita responsabilizar os sócios, mesmo que não consiga provar que o são, daí esta
aparência.19

 Número 2: são as situações em que há contrato e sociedade, mas com falta de forma. Opera uma remissão
para o regime da responsabilidade civil: subsidiária e solidária dos sócios.

Os arts. 37º a 40º abarcam situações em que há um contrato de sociedade com forma legal, mas sem o registo.
No art. 36º/2, há troca de declarações, demonstrando vontade em constituição do contrato; mas ainda não detém
forma legal. Nos arts. 37º e ss há já contrato com forma legal, mas não há registo.

Nos casos em que temos um escrito com assinatura reconhecida, mas não há registo, aplicamos o art. 37º
para as relações internas e o art. 40º para as relações externas.

O art. 40º/1 determina que existe responsabilidade solidária e subsidiária por quem actuou; quem não actuou
é responsável por aquilo que deve à sociedade {é diferente}. Na sequência deste regime, existe uma querela
doutrinária sobre a natureza jurídica da sociedade irregular. Após registo são pessoas coletivas plenas, mas e antes?

Existem, essencialmente, três posições:

Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro – consideram que são pessoas jurídicas desde o início;
Manuel António Pita – considera que não tem qualquer personalidade;
Pedro Caetano Nunes – não tem personalidade jurídica plena, mas há subjectividade {personalidade jurídica
rudimentar}.

Temos ainda a posição defendida por ENGRÁCIA ANTUNES, sendo que, grande parte da Doutrina partilha da mesma
opinião: Teoria da Separação. Até haver registo, respondem os sócios; a partir do registo, não respondem os sócios de
todo.

Sociedades Inválidas

Tem que ver com o problema dos vícios do negócio jurídico institutivo, com excepção da falta de forma, o qual
corresponde ao problema das sociedades irregulares. A lei distingue as situações em que há registo e as que não há,
pois após registo é mais difícil invocar os vícios. Ao contrário de muitos negócios jurídicos, as sociedades comerciais
não são negócios jurídicos de execução instantânea, são duradouros, mas dentro destes são os mais duradouros e
com mais particularidades. É um contrato que dura para lá da vida das pessoas que o constituem e que tende a
convocar relações com terceiros – sócios iniciais, futuros sócios e negócios com terceiros. Aqui temos problemas de
tráfego jurídico muito superiores aos contratos de execução instantânea e duradoura.

Temos o regime nos arts. 41º e 42º. Antes do registo há uma remissão para o regime geral dos vícios do
negócio jurídico, mas do ponto de vista da estatuição normativa, temos o art. 52º que diz que não há retroatividade,
isto porque convoca terceiros, logo liquidamos, não destruímos. Ajustamos contas em função do presente.

Ex.: ilicitude do objecto. A Sociedade para se dedicar à extorsão ou para promover a desigualdade entre géneros. Afecta
o negócio jurídico na globalidade.

Temos vícios que respeitam não ao negócio como um todo, mas apenas a algumas declarações – regime do
erro. Na constituição da sociedade, temos que ver qual o problema. No essencial, devemos analisar o art. 52º, da
existência de eficácia retroactiva e a remissão para o regime geral.

19
A sociedade unipessoal foi criada após a criação dos arts. 36º e ss, logo não se utiliza para estas situações. Não preciso de um
artigo que fale de responsabilidade solidária, porque sou apenas eu a responder. Não se coloca estes problemas na unipessoalidade.
Joana Almeida | 2016-2017

No art. 42º, a necessidade de estabilidade das sociedades comerciais e a tutela do tráfego dos efeitos jurídicos
têm mais peso após o registo. A lei passa a ter elenco taxativo de causas de invalidade. Em princípio, após registo, não é
possível destruir a sociedade por vícios, o elenco é bastante restrito.

Após o registo, para além deste elenco de causas de invalidade, podem haver vícios que afectam apenas uma
das declarações negociais. Abre-se a porta para o regime da exoneração dos sócios, através da remissão para o art. 45º.

9. DIREITOS E DEVERES DOS SÓCIOS

Os deveres caracterizam o contrato de sociedade. Estão elencados no art. 20º (situações jurídicas passivas), e,
por sua vez, os direitos estão elencados no art. 21º. O art. 20º apresenta na alínea a) o dever de contribuição e na b), o
dever de quinhoar. Para além destes, temos o dever de lealdade que não está elencado na norma.

Quanto aos direitos do art. 21º, temos o direito aos lucros, a participação nas delegações e direito à
informação, e, ainda, um direito de participação política, reconduzível à alínea b).

Þ Os direitos podem ser classificados em organizativos (ou políticos) ou patrimoniais (ou económicos). Os
direitos organizativos têm valor económico, p.e., ter ou não voto vale bastante.
O direito à informação é instrumental face a outros direitos, p.e., preciso saber informações para saber em
quem voto, ou para saber se devo ou não vender as acções. Distingue-se ainda entre direitos sociais e extrassociais. Há
direitos que são atribuídos aos sócios, e a partir de determinado momento, passam a ter carácter simbolístico, passam
a ser entendidos como direitos de crédito, passíveis de ser cedidos a terceiros: direito aos lucros; mas quando há
deliberação de distribuição de dividendos, por força desta, passa a haver direito de crédito dos sócios sobre a
sociedade.

Esta classificação é relevante do ponto de vista doutrinário para explicar que há posições jurídicas activas que
passam a ter natureza civilística, quando tinham societária. Os direitos aos lucros pertencem aos sócios, não pode ser
cedidos a terceiro; emergem de participação social, sendo que, ao longo do tempo, poderão distribuir dividendos desse
sócio – cessação de créditos -, são esses dividendos que podem pertencer a terceiros. É situação jurídica activa quando
se pode defender esse direito aos lucros. Quando há distribuição dos dividendos, passando a ser direito aos dividendos,
deixa de ser social e passa a ser extrassocial.

Quanto à transmissão de participação social, há por vezes direitos de preferência. Nas sociedades anónimas, o
costume são acordos parassociais que visam a finalidade, i.e., os sócios fazem um contrato de sociedade e só uma parte
faz um outro acordo para regular a forma como intervêm na sociedade. É um acordo caracterizado por não ser social.

9.1. DEVERES

Þ Qual o dever característico?

O dever de contribuição é, na opinião do professor, o dever primário da prestação caracterizador do contrato.


Para a Doutrina Germânica, o dever principal, é o dever de lealdade, pois este não é um mero dever acessório de
conduta como consagrado no art. 762º/2 do CCiv. O que se determina é que, nas sociedades, esta lealdade é um dever
principal de prossecução do fim comum. A lealdade é mais intensa e caracteriza o contracto para este entendimento
doutrinário. Associada a esta ideia de lealdade principal, está a caracterização do dever de lealdade como dever de
prossecução de um fim comum.

Neste entendimento, o dever de contribuição é um dos aspectos da prossecução do fim comum. O professor é
contra esta ideia que é defendida pela Escola de Coimbra.

 Temos que distinguir as sociedades de pessoas das de capitais, em especial, as anónimas, em que as pessoas
são meros investidores, não se conhecem, portanto, falar de lealdade entre meros investidores é errado.
Entende-se na doutrina germânica que entre acionistas e investidores não há dever de lealdade. Não
caracterizando todo o tipo de sociedades comerciais, não as caracteriza de todo, logo o que caracteriza é o
dever de contribuição.
Joana Almeida | 2016-2017

Há dever de lealdade. Nas sociedades de pessoas são mais intensos, nas sociedades de capitais,
nomeadamente nas anónimas, são menos intensos e, relativamente a accionistas e investidores, não são. Logo, o
professor fala em dever de lealdade, mas não como dever principal. Neste contexto, existe uma posição ao lado que
considera que se deve fazer distinção entre lealdade comum – pela regra da conduta da boa-fé -, de uma mais estrita.
As mais restritas caracterizam relações laborais, sociedades de pessoas. Quando há finalidade comum, há lealdade mais
comum.

Quanto à participação social, posição jurídica do sócio e socialidade são exemplos de sinónimos. Corresponde
ao conjunto de situações jurídicas activas e passivas dos sócios, conjunto de direitos e deveres. Deve distinguir-se
situação jurídica complexa e analítica.

O termo «acção» é polissémico, isto é, pode significar participação social nas sociedades anónimas, mas
também uma fracção de capital. Pode ser documento representativo da participação social. Temos também
participação social como objecto de negócios jurídicos ou de direitos reais; temos que distinguir como situação jurídica
e objecto.

Ex.: objecto – vendi acções, quotas (negócios jurídicos), penhor (direito real).

o Cindibilidade das situações jurídicas que integram a participação social – não é apenas a ideia do complexo e
analítico, mas a possibilidade de destacar da participação social, as situações jurídicas que saem no círculo da
participação social e passam a ser direitos parassociais. Ex.: direito ao dividendo e preferência na subscrição de
acções novas no aumento de capital.

Art. 55º do CVM: tenho acções e destacam-se destas o direito aos dividendos ou de preferência. Valores mobiliários são
registados pelos intermediários financeiros e não pela conservatória, ou seja, são os bancos que têm esta função
pública de registar as acções. Foi autonomizado o direito ao dividendo, de subscrição de acções novas.

Há uma querela quanto à natureza jurídica da participação social. Há quem considere direito real, de crédito,
misto, posição jurídica contratual, direito subjetivo especial, entre outros. Todas estas ideias têm um fundo de verdade.

Þ PEDRO CAETANO NUNES pensa que é uma posição jurídica complexa, que abarca diversas analíticas; ter a noção
de unidade e diversidade é importante. Por vezes, falamos em direito subjectivo porque olhamos para o todo,
mas às vezes focamo-nos numa só posição. Por regra, existem sempre direitos subjectivos.

A ideia de objecto jurídico também é importante quanto à transmissão de direitos sociais e reais.

A Participação Social e Tutela Constitucional dos Direitos Patrimoniais

A Lei Fundamental tem um conceito de propriedade mais amplo que o do CCiv. Assim, nos termos do art. 62º,
significa património, não é formal. Pretende tutelar os direitos reais dos cidadãos, haver imunidade face ao Estado, uma
protecção não só dos direitos reais, mas também de outros direitos patrimoniais, da qual são exemplo a defesa do
direito de expropriação, enquanto accionista, protecção na nacionalização de uma empresa. Fala-se ainda em
propriedade corporativa, nome dado à titularidade dos direitos de participação de beneficiar dos direitos
fundamentais.

 Dever de Contribuição

Em especial, o dever de realização da entrada. Podem existir outras contribuições dos sócios para lá da
entrada: dever de realizar prestações acessórias e suplementares, podem ainda entrar com suprimentos. Os sócios têm
que contribuir para a realização da actividade social, porque esta não existia sem esta prestação, é uma actividade
económica. Há, contudo, uma segunda finalidade: proteção dos credores. A entrada inicial permite que exista algum
património, que servirá como garantia para os credores, e é tão ou mais importante quando vigora a regra de ouro do
capitalismo.
Joana Almeida | 2016-2017

Temos três tipos de entradas:

(1) Dinheiro – o dinheiro nunca foi objecto de doutoramento em Portugal. É essencialmente um problema
jurídico, dos mais complexos.

(2) Espécie – por contraposição ao dinheiro. Podem ser imóveis, móveis, propriedade intelectual (direitos de
autor, propriedade industrial, é frequente), créditos, direitos reais menores. Pode ser um estabelecimento
comercial.

Temos dois critérios: economicidade e penhorabilidade. Não tendo valor económico e não podendo ser penhorável,
não serve como entrada em espécie, pois estariam a desproteger os credores. Encontramos isto no art. 20º-A, e,
sobretudo no art. 28º. Este último exige uma avaliação da entrada em espécie por revisor oficial de contas (proteção
dos credores).20
Um crédito pode ser uma entrada em espécie.

(3) Indústria – sinonimo de serviço, i.e., p.e., uma sociedade comercial que se dedique há engenharia, projectos
de engenharia, fiscalização de obras, se for serviços médicos, fazer análises clínicas, atendimento dos doentes.

Valor de Subscrição e de Realização

Valor de subscrição corresponde à cifra correspondente à fracção do capital social, por contraposição, o valor
de realização significa o valor efectivo da prestação em espécie ou dinheiro.

Ex.: sociedade A e B com 50%. O valor de capital é 100€ e cada um tem 50€. Se o valor de subscrição for igual ao de
realização, cada um entrou com 50€ e tem 50€. Se o de subscrição for superior ao de realização, cada um entrou com
100€, mas do ponto de vista da subscrição, é 50€. Se C e D forem entrar, com 50€ cada um e o valor de subscrição for
igual ao de realização, na sociedade fica cada um com 50€, logo, cada um tem 25% - equilíbrio de forças. Para se evitar
que A e B, sócios iniciais mandem o mesmo que os novos, os 50€ ficam com valor de subscrição de 25€, 1/3, cada um
com 1/6. Este valor conta para proporção de capital social, relevante para saber quais os valores políticos.

C e D têm valor de subscrição inferior ao de realização, permitindo que o contributo económico seja superior aos
direitos políticos. A e B têm novos sócios com o mesmo contributo económico que eles, mas este mecanismo permite
que fiquem com menos poder na comparação, entrando com mais dinheiro.

Como sinónimo de valor de subscrição, fala-se de valor nominal. De há uns anos para cá, passaram a haver
ações sem valor nominal, e nos casos em que isto não existe, não deixa de haver valor de subscrição, daí esta ser a
terminologia mais indicada nos dias de hoje.21

Há uma proibição de emissão de participações sociais abaixo do PAR, mas é possível emitir participações acima
do PAR. Emitir acima é quando o valor de realização está acima do valor de subscrição, por exemplo, valor de
subscrição é 50€, o de realização é também 50€ - está ao PAR. Mas quando o valor de subscrição é 50€ e o de
realização é 25€, é acima do PAR, logo, é o prémio de emissão. É um bónus para a sociedade, porque o efectivo que
entregaram é superior. Entregar menos não é possível, é uma forma de proteção dos credores. A proibição de emissão
abaixo do PAR encontra-se no art. 25º do CSC.

Existe uma obrigação de depósito de entradas só em dinheiro. Ou seja, se as entradas forem em dinheiro, há
uma obrigatoriedade de serem depositadas; tem que haver conta aberta em nome da sociedade (art. 277º, CSC).

20
É frequente haver aumento de capital por conversão de suprimento e prestações acessórias. Dinheiro que os sócios já colocaram
na sociedade não por entrada de capital, mas no caso dos suprimentos, por empréstimo. Por vezes, querem transformar essas
quantias que já lá estão em entradas de capital para reforçar os rácios de capital, por via a causar melhor impressão nos credores –
se o credor é um banco, um fundo europeu, que promete emprestar mais dinheiro, havendo mais capital próprio. Em rigor, não se
trata de uma entrada em dinheiro, é em espécie. Já lá tenho o dinheiro, o que tenho é direito de crédito quanto ao dinheiro que la
está, e isto necessita de uma avaliação por revisor oficial de conta. Porém, isto raramente acontece, é tudo nulo.

21
Nas sociedades anónimas, acções sem valor nominal têm esquema para ter valor equivalente ao valor nominal.
Joana Almeida | 2016-2017

Quanto ao momento de realização das entradas, no art. 26º, vemos que há uma afirmação de que tem que ser pago
logo tudo no acto da entrada, mas há um regime especial para as sociedades anónimas e por quotas.

Þ Sociedades Anónimas - arts. 277º e 285º: é possível deferir o pagamento de 70% até ao limite máximo de 5
anos. A sociedade fica com um direito de crédito sobre o sócio.

Þ Sociedades por Quotas - arts. 203º: pode deferir-se o pagamento de 100% durante 5 anos. Quanto às entradas
em espécie, há também regras especiais, mas que não vão ser analisadas.

O art. 27º/1 fala da proibição de compensação e há três regras importantes para proteger os credores:

a. Proibição de compensação;
b. Vencimento integral das restantes prestações quando não há pagamento de uma;
c. Regime de aquisição de bens e acionistas.

Quando a sociedade compra bens a accionistas, há regras e compensação (art. 29º do CSC). Se exista uma obrigação de
entrada, mas no dia seguinte a sociedade me compra, recebo logo o dinheiro de volta. Sub-rogação dos credores – não
paguei quotas durante muitos anos, há sub-rogação dos credores.

Aula de 21 de março de 2017

Outras Situações Jurídicas Passivas

 Dever de Quinhoar nas Perdas

O art. 20º/b) apresenta um dever de quinhoar nas perdas (participar) que é uma exposição ao risco
empresarial e uma proporcionalidade nessa exposição ao risco, entre capital e perdas, mas, em rigor, não há um dever.
Conciliando com existência de responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais, o sócio apenas entra com capital e este
está exposto ao risco, mas fora o risco não arrisca o seu próprio património – o risco é do dinheiro que meteu na
sociedade, e no caso desta se dissipar, nada mais. Algo diferente acontece nas sociedades em nome coletivo: a
responsabilidade dos sócios é superior.

 Dever de Lealdade

O CSC apresenta situações passivas, sendo uma delas o dever de não concorrência dos sócios. Este dever, ou
proibição, está previsto para os sócios no tipo das sociedades em nome coletivo, não o está para os restantes tipos. Ao
apontar a existência desta proibição de concorrência, é importante perceber que esta, em princípio, não existe. Os
sócios enquanto tais não têm proibição de concorrência, mas de acordo com o que resulta da lei. É possível, nas
sociedades por quotas, estabelecer proibição estatutária de concorrência. Pode ainda ocorrer em sociedade anónima
mais fechada.

As proibições de concorrência costumam ser manifestações e deveres de lealdade: proibição concorrida no art.
180º, é vista doutrinariamente como uma manifestação dos sócios de sociedades em nome colectivo. Se nos estatutos
foi estabelecida proibição de concorrência, é possível enquadrar esta ideia numa mais lata de lealdade.

Há, contudo, outras manifestações do dever de lealdade, ou seja, aqueles que os juízes entenderem, isto
porque a lealdade, assim como a boa-fé, é uma cláusula geral, um conceito indeterminado. Quando a lei estabelece que
existem estatutos de lealdade, criam estatuição normativa ampla permitindo a recepção da ética no direito, fazendo
com que o discurso ético ou moral seja trazido aos tribunais, deixando de ser interno e podendo ser imposto aos
demais;

Em segundo lugar, temos a delegação ao juiz do poder de conformação do direito. É apontada ainda uma
terceira função: adaptação de um direito à evolução das normas sociais, mas esta é menos relevante. No fundo,
permitir que o que os tribunais dizem que é lealdade possa ter mutações no tempo; permite-se uma modelação do
direito à medida da evolução do direito e das sociedades.
Joana Almeida | 2016-2017

Hoje em dia defende-se cada vez mais que o direito é feito não apenas de normas jurídicas, mas também de
princípios, i.e., não se deve apelar apenas para a ética fora do direito, mas também para dentro. Assim, para os juristas,
é necessário fazer uma análise «ipse doo», ou seja, não se deve fazer grandes considerações doutrinárias sobre o que é
a lealdade, sendo esta aquilo que dizem os tribunais. O que dizem então os tribunais em Portugal?

Þ Utilização de informação privilegiada (da propriedade da sociedade, recorrer a normas de direitos reais; em
civil law, para se proteger a informação privilegiada é através de deveres de lealdade);

Þ Apropriação de oportunidades de negócio societárias.

Quando há violação destes dois - actuações desleais -, o que fazer?

Em common law surge a ideia de fidúcia, não na componente de direito real, lado externo da relação jurídica,
mas ao nível interno, por deveres de lealdade particularmente intensos: fidúcia envolve um excesso de meios face aos
fins. Neste contexto falamos de deveres de lealdade muito intensos. Nos EUA e GB foram criadas soluções muito
intensas para violações de deveres de lealdade: em que, para além da responsabilidade civil, fazem um constructive
trust, ou seja, a actividade exercida em concorrência, actividades daqui derivadas, vão ser incluídas num trust e
exploradas de acordo com o beneficiário. Todos os lucros vão para quem os devia receber desde o início, ou seja, não é
na medida dos danos; mais do que os danos, é atribuir todos os lucros, independentemente de haver ou não danos.

Em Portugal temos danos e a previsão normativa para restituição dos lucros (art. 180º/2 do CSC para as SNC e
art. 253º do CCom para o gerente comercial). Se for sócio em nome coletivo, aplicamos o art. 180º por analogia; e se
for sócio, também. Se não for um sócio e for um administrador, pode-se aplicar o art. 180º/2 por analogia ou o art.
253º - o gerente comercial é o mandatário social e os administradores são mandatários comerciais, logo para o
professor deve aplicar-se o 253º por analogia. Os sócios são parte no contrato de sociedade, daí haver menor analogia
com o art. 253º.

Em Portugal, o mais próximo desta estatuição é a previsão da restituição de lucros dos arts. 180º e 253º. Faz
um confronte entre a responsabilidade civil e o enriquecimento sem causa, uma vez que a restituição dos lucros se
enquadra no enriquecimento sem causa e este é subsidiário. Nestes contextos deve permitir-se a responsabilidade civil
e restituição dos lucros. A letra do art. 180º/2 não é favorável a isto; para o professor o art. 253º do CCom, é melhor.

Na transmissão das empresas, o sócio maioritário tem deveres de lealdade com os sócios minoritários, nos EUA. Quando se
veda uma participação maioritária, dado o prémio de controlo, vendo por um preço bastante elevado – quem tem mais retira mais
benefícios, logo, as pessoas estão dispostas a pagar mais por uma posição maioritária do que minoritária. Discute-se até que ponto é
que não tem que arranjar para os sócios minoritários, alguém que compre por um bom preço as suas acções. Diz-se que há uma
tentativa de excluir os sócios minoritários da sociedade, havendo deslealdade.

Situações Jurídicas Passivas que Não São Deveres

A sujeição à alienação potestativa encontra-se regulada no art. 490º do CSC 22 - serve as sociedades anónimas e
por quotas. Os arts. 241º e 242º apresentam o direito de exclusão e servem também para as sociedades por quotas. O
art. 241º apresenta a exclusão de sócio por se verificarem situações na lei. O art. 242º apresenta comportamento
desleal do sócio. Nas sociedades por quotas, o comportamento desleal do sócio é sempre fundamento para a sua
exclusão, mas nas sociedades em nome colectivo, está previsto no art. 256º. Nas sociedades anónimas não está
previsto, há um regime de amortização de acções. Os sócios excluídos estão sob sujeição jurídica.

22
Quando um sócio atinge 90% têm o dever potestativo de excluir sócios minoritários, logo, há em contraponto uma sujeição
jurídica do sócio minoritário. Isto é um squeeze out. A ratio legis é criar negócio, privilegiar a economia e o princípio maioritário. Os
números 5 e 6 dão a possibilidade aos minoritários de saírem - equilíbrio. Direito potestativo do minoritário e sujeição jurídica do
maioritário.
Joana Almeida | 2016-2017

9.2. DIREITOS

 Direito aos Lucros

O art. 21º/2 apresenta o direito aos lucros. Consagra uma proibição ou inadmissibilidade de quantias certas, ou
seja, juros. Os sócios são titulares de pretensão jurídica residual, logo, tendo muitos lucros, têm mais-valias, e ganham
muito; não tendo, ganham pouco. Contrariamente, os credores, que têm pretensões sobre a sociedade, recebem
sempre.

Os sócios não têm remuneração garantida. Em princípio, todos são pagos e pode não sobrar nada para eles.
Pelo contrário, tendo a sociedade mais-valias, estes recebem. A sua remuneração é estipulada por risco. Esta norma
permite distinguir a posição dos sócios face à de outros interessados na sociedade de empresa. Os chair holders têm
pretensão residual, os outros têm sempre quantias certas.

Tipos de lucros:

a. Lucros de Exercício – exercício anual que coincide com o ano civil, logo, a sociedade decide se distribui lucros
ou não em todos os anos civis. Os arts. 217º e 294º apresentam regras de protecção dos minoritários,
associadas a estes lucros de exercício.

b. Lucros Periódicos Eventuais - podem as sociedades distribuir para além destes, mais lucros. P.e., a Ford
começou a produzir carros em massa e tinham tantos lucros, que faziam constantemente distribuição de
lucros.

c. Lucros Finais – em sede de liquidação da sociedade. Vende-se tudo e o dinheiro que fizerem distribui-se pelos
sócios. A liquidação é uma venda de todo o património e o que sobra distribui-se pelos sócios.

Distinção entre Direito aos Lucros e aos Dividendos

O direito aos lucros pode incluir várias situações jurídicas pontuais, sendo o direito aos dividendos uma dessas
situações pontuais, que podem ser reconduzidas ao direito aos lucros. O direito ao lucro é complexo, evolui ao longo da
vida da sociedade. Tenho direito ao lucro quando constituí a sociedade; passados alguns exercícios, tenho direito a
esses lucros, tenho direito aos lucros eventuais e, no final, tenho direito aos lucros finais. É uma situação jurídica
complexa que se prolonga no tempo.

O direito aos dividendos pode ser contraposto ao direito aos lucros ou restantes faculdades, porque passa a ter
um carácter extrassocial, natureza civilística. Assim que atribui direito aos dividendos, emancipasse da participação
social, deixa de ter natureza societária para ter natureza civilística, passa ser direito de crédito e pode ser transmitido
enquanto direito de crédito (pode haver transmissão do direito de crédito a terceiros).

Neste contexto, os arts. 217º/2 e 294º/2 assumem especial relevância. Ainda, o art. 55º/3, CVM também é
muito importante: versa a questão da cindibilidade dos valores mobiliários e, neste caso, dos direitos da participação
social, o direito autonomiza-se face à participação social e passa a ser um direito autónomo.

Proibição de Pacto Leonino

O art. 22º/4 apresenta uma proibição muito antiga no Direito das Sociedades: é nula a cláusula que exclui o
sócio de participar na divisão dos lucros.

 O Direito de Participação nas Deliberações Sociais

O art. 21º apresenta o direito de participação nas deliberações sociais, e este é bastante complexo. Dentro
deste direito, encontram-se outros. Este é crucial, sem este os outros de nada valem. Os outros:
Joana Almeida | 2016-2017

Þ Direito de Voto;
Þ Direito de Assistência às Deliberações Sociais;
Þ Direito de Intervenção;
Þ Direito de Impugnação.

De acordo o art. 190º/1 – das sociedades em nome colectivo -, há um voto por cabeça; nas sociedades por
quotas e anonimas o voto é atribuído em função da participação de capital (arts. 250º/1 e 284º/1). As sociedades em
nome colectivo são de democracia e as sociedades por quotas e sociedades anónimas são plutocracias.
Frequentemente, fala-se na democracia em discurso menos preciso; temos uma directa sobre os direitos dos acionistas
que pretende fortalecer a democracia interna, porém, a palavra democracia não é usada em sentido preciso quando
falamos em sociedades por quotas e anónimas, implica um voto por pessoa, nestas é um voto pela participação do
capital – manda quem investe mais. Não se quer criar igualdade entre os cidadãos, quer-se eficácia na condução das
empresas.

Podem haver restrições ao direito de voto (art. 250º/2); prevê-se a possibilidade de voto plural – dois votos
por cada cêntimo. O art. 384º tem no número 1 uma ideia de plutocracia e, no número 2, restrições ao direito de voto:
só são admissíveis votos para quem tem número mínimo de ações (alínea a)) - através deste posso estabelecer um voto
por cada 3 acções, p.e., com o limite de um voto por cada x; significa isto que os pequenos acionistas não podem votar,
exclui os reformados, p.e., que compram acções. Esta norma beneficia os maioritários e desprotege os minoritários,
impedidos de votar; a alínea b) apresenta uma limitação em que se estabelece que a partir de determinado limite
máximo não são válidos os votos, esta regra prejudica quem tem mais acções, vai no sentido oposto da alínea a).

Ex.: BPI - até ao ano passado um accionista tinha 40 e tal %, mas não podia exercer voto acima dos 18%. Havia determinados sócios
com número de acções muito menores e tinham direito de voto por cada acção. Sem esta restrição, o La Caixa, com 40%, tinha
grande influência. Com esta norma, era bastante condicionado com a intervenção da Santoro e da família Viola.

Existe um regime de impedimento do voto (art. 384º/6 para as sociedades anónimas e art. 251º para
sociedades por quotas), que determina que um acionista não pode votar quando a lei o proíba e a deliberação incida
sobre obrigação de responsabilidade do próprio, litígio entre a sociedade e o próprio, destituição por justa causa do
próprio, qualquer relação do próprio, entre outros. Há um conflito de interesses em abstrato e a lei impede o voto. Para
além destes casos temos ainda outras situações pontuais ao longo da lei, p.e., no art. 75º (responsabilidade dos
administradores).

Este é um impedimento de voto, não de participação nas deliberações sociais em todas as outras componentes
desse direito complexo. Nestes conflitos de interesses no impedimento de voto, estão em causa situações de conflito
de interesses ou deslealdade, aferidas em abstrato e não em concreto; a lei, de forma preventiva, impede de votar
quando há aparência de conflito de interesses, ainda que as pessoas em concreto não estejam a actuar em conflito de
interesses, mas há uma guarda avançada.

Deve relacionar-se com o dever de lealdade dos sócios, sendo de destacar a ideia de que, ao contrário de outras
situações em que se verifica conflito de interesses, o legislador actua em abstrato de forma preventiva: um dos vícios
deste regime.

 Por isso, há um risco de paralisação orgânica e subversão da democracia interna, plutocracia ou equilíbrio de forças.

 Direito à Informação23

Este direito é meramente instrumental (art. 20º/1, alínea c) do CSC) face aos outros direitos. Em primeiro
lugar, face ao direito de participação nas deliberações sociais. Há também instrumentalidade face a outros direitos:
transmissão da participação social – i.e., vendo ou não face à informação que tenho.

O direito à informação consiste em três coisas distintas:

a. Informação stricto sensu – dirigir perguntas ao órgão de gestão, administração;


b. Consulta – de documentos;

23
Esta matéria deve ser estudada no Manual de COUTINHO DE ABREU.
Joana Almeida | 2016-2017

c. Inspeção – de bens sociais distintos dos documentos.

O direito à informação dos sócios nos diferentes tipos de sociedades tem diferentes conformações, consoante
esteja em causa uma das três vertentes; ou seja, conforme a modalidade em causa, tem regras distintas. Com base
nisto, aprofundamos o direito à informação nos diferentes tipos de sociedades.

Sociedades em Nome Colectivo (art. 181º)

Qualquer sócio tem todas as componentes do direito à informação; os gerentes devem prestar toda a informação
(stricto sensu); a consulta de documentos encontra-se no número 3; e a inspeção no número 4.

Sociedades por Quotas (art. 214º)

Todos os sócios têm direito à informação, independentemente da sua participação social, nas três componentes:
número 1 - stricto sensu, número 4 - consulta e, número 5 - inspecção. Nos termos do número 2 pode haver uma
regulamentação detalhada da matéria nos estatutos; estes podem estabelecer regras: não podem quartar direito a
informação dos sócios, mas podem estabelecer limites, por exemplo, horário de consulta e inspeções, prazos para as
respostas dos gerentes, exclusão de certas informações ou matérias, entre outros. Isto desde que não impeça
injustificadamente e, em demasia.

Sociedades Anónimas (art. 288º)

As regras são de extrema complexidade; relativamente à inspeção dos meios sociais. Não há direito a esta – a lógica é
de que, havendo participação social muito grande, podem nomear-se a si mesmos ou pessoas da sua confiança para os
órgãos de gestão, tendo acesso à informação de forma indirecta. Do ponto de vista formal, há limitação ao dever de
informação. Quanto ao direito de consulta, temos os arts. 288º e 289º, sendo que um trata do direito de consulta em
termos gerais e o outro, do direito de consulta preparatória de uma Assembleia Geral.

Antes de uma Assembleia Geral, qualquer sócio, independentemente do número de acções pode consultar
única e exclusivamente os documentos elencados no 289º/1; não estando em causa consulta preparatória de
Assembleia Geral, a consulta é atribuída apenas a sócios com acções representativas de 1% do capital social. Numa
sociedade aberta com grande dispersão de capital, quase ninguém tem 1%. Discute-se ainda se o direito à consulta é
um direito singular ou pode também ser colectivo: se accionistas com menos de 1% se podem agregar, para, em
conjunto, exercerem este direito de consulta. A Doutrina diz que pode ser um direito colectivo, nomeadamente RAUL
VENTURA e COUTINHO DE ABREU.

Quanto ao direito à informação stricto sensu, é regulada nos arts. 290º e 291º, conforme seja ou não em AG: sendo em
Assembleia Geral, os assuntos que façam parte da ordem do dia - há um direito amplo para qualquer sócio, mas apenas
sobre os temas da ordem do dia, não sobre outros temas que não vão ser discutidos na AG. Fora das Assembleias
Gerais e da ordem do dia, só quem tiver 10%; a lei esclarece que podem ser exercidos colectivamente.

É discutível a aplicação por analogia do art. 214º/2, sendo que para as sociedades anónimas não há norma semelhante,
mas faz sentido que os estatutos possam estabelecer regime sobre o prazo de resposta, logo, aplica-se analogicamente.

Recusa da Prestação de Informação (arts. 215º, 290º e 291º/4)

O art. 215º prevê a possibilidade para as sociedades por quotas e o art. 291º/4 para as sociedades anónimas.
Está em causa a ilicitude da utilização da informação, i.e., para recusar, tem que dizer que esta a ser usada de forma
ilícita, convocando o tema da lealdade dos sócios. Não tem direito à informação, porque vai usá-la, p.e., numa
actividade concorrente, actuando de forma desleal, logo este tema está bastante ligado à lealdade dos sócios. Nos
bancos, a recusa de informação é bastante grande. Em princípio não prestam informação ao abrigo do sigilo bancário;
em relação à banca, aplica-se muito a alínea c); em relação a sociedades comerciais é muito difícil a aplicação da alínea
c), é mais frequente a aplicação do conflito de interesses desleal, em especial a concorrência desleal.

Ex.: accionistas da empresa de fornecimento de energia PT era espanhola, dávamos informação à concorrência.
Joana Almeida | 2016-2017

O número 7 deve ser interpretado restritivamente por força do número 4, não é automático, tenho que saber
se posso ou não recusar.

Para os órgãos de administração, as perguntas devem ser respondidas, ou seja, há um poder-dever:


informação stricto sensu dos sócios implica, para os administradores, um poder-dever de prestação de informação. A
actuação dos administradores é sempre livre, é em cumprimento de um poder-dever. Havendo violação do dever de
informação do sócio, há anulabilidade de deliberações sociais (art. 290º/3). A responsabilidade pode ser directa
perante os sócios, causei danos na esfera jurídica dos sócios e, por isso, há responsabilidade directa dos danos (art.
79º); diferente é determinar se pode haver responsabilidade perante sociedade (art. 72º).

O inquérito judicial é um procedimento especial para situações de violação ao direito à informação, previsto
nos arts. 292º e 216º, assim como no art. 267º - que incide sobre a falta de prestação de contas. Neste inquérito judicial
torna-se possível destituir administradores, nomear outros, dissolver a sociedade, entre outros. Sendo advogados de
um sócio maioritário ou administrador, a matéria de direito à informação deve ser respeitada, pois poderá levar à
perda do domínio da sociedade. Sendo sócio minoritário, é uma das armas.

 Direito de Preferência nos Aumentos de Capital a Realizar em Dinheiro

Para as sociedades por quotas a base legal é o art. 266º; para as anónimas é o art. 458º. O art. 456º prevê a
possibilidade de o aumento de capital ser decidido não pelos sócios, mas pelo órgão administrativo. O art. 321º
apresenta um princípio de igualdade de tratamento dos acionistas (aquisição de acções próprias). Só consagrou
previsão bastante pontual para as sociedades anónimas e para aquisição de acções próprias, apenas. Quando a
sociedade compra acções próprias, tem que tratar de forma igualitária os acionistas. Este princípio deve ser
generalizado e pode ser entendido não apenas como um princípio, mas como um direito dos sócios de tratamento
igualitário face aos órgãos de administração.

 Direito de Exoneração

A sociedade maioritária delibera a exclusão do sócio, o excluído tem sujeição jurídica; o art. 241º apresenta um
direito potestativo à exoneração, i.e., sou eu que decido excluir-me da sociedade em determinadas circunstâncias, ou
seja, isto joga a favor do sócio minoritário. Quando o maioritário muda o objecto social, os minoritários podem
exonerar-se e ter direito a ser compensados pela saída, em função do valor da sua participação social.

 Direito de Propor Acção de Responsabilidade Ut Singuli

Está previsto no art. 77º e relaciona-se com os administradores. É exercida pelo sócio minoritário em
substituição da sociedade, i.e., se através de órgão de gestão não responsabiliza um certo administrador, um accionista
minoritário com pelo menos 5% do capital social, pode ir para tribunal.

Uma vez que os administradores são colocados na administração pelos sócios maioritários, isto acaba por se
rum direito do socio minoritário de responsabilizar o sócio maioritário ou uma pessoa da sua confiança.

9.2.1. DIREITOS ESPECIAIS DOS SÓCIOS

Estes direitos contrapõem-se aos direitos gerais (art. 24º). São apenas para um sócio ou uma categoria de
sócios, esta última é importante, sobretudo para as sociedades anónimas, em que os direitos são atribuídos a uma
categoria de acções, p.e., categoria B recebe um dividendo majorado, e tem um acesso privilegiado. Nas outras
sociedades são direitos individuais, por exemplo, direito especial à gerência. O regime geral encontra-se ainda
consagrado no art. 55º, isto porque este diz que as deliberações sociais são ineficazes quando ofendem os direitos
especiais dos sócios, isto significa que os direitos especiais dos sócios estão imunes às deliberações sociais.

Exemplos para as sociedades anónimas:

Ex.: direito especial à gerência (arts. 24º e 257º/3). Se nos estatutos se disser que o Joaquim tem o direito especial à gerência,
significa isto que não pode ser substituído pelos demais sócios. A deliberação de estatuição é ineficaz, nunca fica sanada. A única
maneira de o destituir é judicial, e com justa causa. O dever especial, neste caso, fica adstrito à pessoa do sócio.
Joana Almeida | 2016-2017

Ex.: acções preferenciais sem voto (art. 341º) – a ideia subjacente é retirar o direito de voto, mas em contrapartida atribuir direito ao
lucro maioritário ou majorado, i.e., não havendo mais-valias não se distribui esse mesmo lucro, por outro lado, havendo, o primeiro
lucro vai para as acções de categoria preferenciais; não havendo para outro, não é problemático.

Ex.: dividendo de lealdade – quem fica mais tempo como sócio se, vender as acções, recebe cada vez mais dividendos; quem está
como sócio há mais tempo.

Aula de 24 de março de 2017

Acordos Parassociais24
 Direitos e deveres de pessoas que celebram acordos (art. 17º CSC).

Tem uma grande aplicação prática na advocacia transacional e no contencioso (court and litigation), isto
porque quando se fazem projectos empresarias, em especial nas sociedades anónimas e no contencioso empresarial , é quase
todo em torno das sociedades comerciais.

Correspondem a contratos celebrados entre os sócios, autónomos ao contrato de sociedade, essencialmente


regulando o exercício de posições jurídicas societárias. Pode, por vezes, fazer parte dos estatutos, mas nas sociedades
anónimas, com regime mais injuntivo, há coisas que não se podem clausular, sendo ainda de acrescentar que não se
trata de um acordo entre todos os sócios, mas sim determinados sócios que combinam coisas entre si à revelia dos
outros. Estipulam como se vão comportar dentro da sociedade, nomeadamente fazendo estipulações sobre o exercício
do direito de voto (para colocação de pessoas no Conselho de Administração, p.e.) e podem também incidir sobre
várias situações de bloqueio, como questões a resolver dentro da empresa.

ELEMENTO SUBJECTIVO

Elemento subjectivo – celebrado entre sócios, pode ser por parte destes, ou, em alguns casos, por todos
(omnilaterais). Podem aparecer terceiros, p.e., um administrador, que celebra o acordo, comprometendo-se a
permanecer no cargo; pode ser um banco que se compromete a financiar uma actividade.

Na prática dos negócios temos pessoas que ainda não têm a qualidade de sócio e que podem nunca o vir a ter,
mas fazem estes acordos ao lado da socialidade.

Do ponto de vista técnico-jurídico, levanta-se uma questão: de acordo com o art. 17º são os sócios que celebram estes
acordos, logo, aparecendo um terceiro, deverá ser outra coisa e não acordo parassocial. Para o professor, não é grande
discussão, se se considerar que a situação de um acordo entre terceiro - sem ser sócio - não se subsume directamente
ao art. 17º. Posso sempre aplicá-lo por analogia, pois é muito próximo do acordo parassocial. Estas regras sobre
acordos parassociais são essencialmente proibitivas, que limitam o conteúdo dos acordos parassociais e impõem
deveres a quem celebra acordos parassociais.

 Assim, só por aparecer um terceiro, deixo de aplicar regras injuntivas ou tenho necessariamente que as
aplicar? Estes acordos parassociais com terceiros podem, no fundo, não ser parassociais, mas aplicamos as
regras do CSC e dos outros diplomas, sendo certo que, se não for directamente, será por analogia.

TEMPO DA CELEBRAÇÃO

Tempo da celebração – os acordos parassociais são celebrados em três momentos:

(1) Antes do contrato de sociedade;


(2) Em simultâneo e;
(3) Depois.

Por referência ao contrato de sociedade, esta parassocialidade pode surgir nos três momentos distintos. Surge,
por vezes, antes, em simultâneo, com contratos de promessa de contratos de sociedade; em simultâneo é quando
monto projecto comum, sendo que parte da matéria está regulada nos estatutos e o resto está no acordo social - é

24
COUTINHO DE ABREU, ENGRÁCIA ANTUNES e PAULO OLAVO CUNHA.
Joana Almeida | 2016-2017

bastante frequente nos casos omnilaterais. Quando surge após o contrato de sociedade, tal acontece nas situações em
que entra um novo sócio, novo investidor - e nesse momento em que há aumento de capital -, torna-se conveniente
celebrar o acordo. Mas pode surgir no contexto em que determinados sócios têm um equilíbrio de forças e, em certa
altura, unem-se para dominar ainda mais a sociedade (entre sócios maioritários).

É mais frequente nas sociedades anónimas, nomeadamente nas abertas, aquelas que têm um regime
estatutário extremamente injuntivo – nos estatutos temos regras gerais que vinculam os acionistas empresários e
meros investidores e constam dos estatutos as limitações ao direito de voto do art. 394º/1, a), p.e.; e o acordo pode ter
regras que valem apenas para os acionistas empresários, daí ser tão frequente.

[Há também acordos parassociais em sociedades anónimas fechadas].

Estes acordos parassociais são, tendencialmente, confidenciais, pois é este um dos grandes motivos para haver
acordos parassociais. Se os sócios minoritários se juntam para unir forças contra sócio maioritário, não é do seu
interesse mostrar-lhe o acordo. Temos, contudo, regras de publicidade para alguns casos e são principalmente para
instituições de crédito das sociedades financeiras, valores mobiliários e seguradoras.

O art. 17º é a regra geral – principal -, porém, a primeira regra a apontar deve ser a que consta do art. 405º do
CCiv (da autonomia privada); a base legal encontra-se neste artigo devido à autonomia privada para a constituição de
acordos parassociais. O art. 17º limita, por sua vez, a autonomia privada.

Há uma tendência para se classificar os acordos parassociais: sindicatos de voto e convenções de bloqueio. Os
primeiros regulam essencialmente o exercício de voto e os segundos a transmissão de participações sociais,
principalmente. PEDRO CAETANO NUNES considera que não é uma classificação exaustiva, porque há acordos que regulam
outras matérias para além destas, e é frequente que o mesmo acordo regule ambas as matérias (é raro não o fazer,
inclusive).

CONTEÚDO FREQUENTE DO ACORDO PARASSOCIAL

A. Composição e Funcionamento dos Órgãos Sociais


o Número de Administradores;
o Número de Administradores a indicar por cada uma das partes no acordo parassocial (equilíbrio de forças) 25;
o Quórum dos Conselhos de Administração;
o Delegação da Gestão Corrente – há Comissão Executiva ou não;
o Designação de Membros de Outros Órgãos – Fiscalização, Auditor Externo, Mesa da Assembleia Geral;
o Quórum da Assembleia Geral – regras sobre sócios minoritários;
o Órgão Consultivo – Sócios de Referência26.

B. Modo de Gestão
o Planos de negócios a médio ou longo prazo – caso da startup: compromisso de um plano de negócio ao nível
do acordo parassocial e, pode conjugar-se com cláusulas sobre o financiamento da sociedade;

o Rácios económico-financeiros – i.e., quais os objetivos de precursão, capital próprio ou alheio, tem que ter
muito average ou dinheiro colocado pelos sócios (obrigações de financiamento), limites;

o Cláusulas sobre política de dividendos – percentagem mínima de dividendos a distribuir.

C. Transmissão de Participações Sociais

25
A discussão incide, às vezes, entre quem nomeia os executivos e não executivos, sendo que quem nomeia os executivos tem mais
poder. Discute-se ainda o pelouro dos administradores executivos.

26
Antes do Conselho de Administração da Sociedade tomar alguma decisão, reúnem-se os sócios de referência para combinar as
coisas em tom informal.
Joana Almeida | 2016-2017

o Cláusulas com uma obrigação de manutenção da titularidade das ações – os lockup. Geralmente, têm um
prazo e costumam ressalvar as transmissões intragrupo, porque, geralmente, a entidade gestora pretende
reorganizar o seu grupo e geralmente esta é o investidor, não os accionistas, que estão por detrás;

o Cláusulas com direito de preferência – uma das partes vender as ações a outra parte tem direito de
preferência;

o Cláusulas com direitos de aquisição – direitos potestativos, p.e., opção de compra por sócio maioritário
(adquiro potestativamente as acções se A se inserir numa das cláusulas apresentadas, p.e., por má gestão).

o Cláusulas de drag along – o sócio maioritário quer vender a terceiro (pretende vender posição maioritária),
mas o comprador pode não querer ficar com um sócio que lá está, logo, esta cláusula permite que o
maioritário force o minoritário a vender, para que o comprador tenha 100%, uma vez que dificilmente quer
ficar com 60% quando o outro tendo 40% - pode não gostar e entra logo com litígio. Direito de aquisição a
favor de terceiro.

o Direitos de alienação – opção de venda por minoritário (se o maioritário não cumprir os pressupostos do
acordo, pode o minoritário vender as suas ações [do maioritário], por determinado preço);

o Cláusulas de tag along – o maioritário vende, o minoritário tem direito potestativo de vender também, porque
só tendo, por exemplo 8%, não lhe convém ficar com um novo sócio maioritário.

Estas cláusulas não têm eficácia relativa - mesmo o direito de preferência é um direito que sendo estipulado no
acordo e não nos estatutos, não tem eficácia erga omnes. As opções de venda são put options; de compra são call
options (potestativamente). A ideia é que sejam feitas ou estipuladas com um certo preço, sendo por isso que as
cláusulas estão associadas ao mecanismo de fixação e avaliação de preço.

{CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA | Contratos, Volume I}

Temos que distinguir o contrato promessa do contrato de opção - neste caso falamos de opção de compra e de
venda, não de contrato promessa, e são diferentes na teoria dos contratos; nos parassociais fazemos contratos de
opção e muito raramente promessa; quando são feitos geralmente é por naos e saber fazer de opção.

CONTRATO DE PROMESSA [BILATERAL] CONTRATO DE OPÇÃO [UNILATERAL]

A promete comprar a B, e B promete vender a A. A e B trocam declarações negociais no sentido de se


No contrato prometido A comprou ao B e B vendeu ao A conceder uma opção.27

o Cláusulas com objectivo de cotação em bolsa – quando vendemos, fazemos aumento de capital.

D. Financiamento da Sociedade
o Obrigação de subscrição de aumento de capital – p.e., cláusula que determina «daqui a x anos, tenho que
injetar mais dinheiro se as condições o pedirem»;

o Projecto de contribuições financeiras – i.e., o plano ou projecto de pedido de suprimentos empréstimos feitos
pelos sócios;

o Proibições de concorrência – frequente nas sociedades por quotas, não muito frequente nas anónimas;
o Resolução de divergências – compromissórias e call options e put options;

27
O contrato optativo tem uma só declaração negocial. Atribuiu-se ao A um direito potestativo de opção de comprar definitivamente
ao B em certas circunstâncias. Tem estrutura semelhante à proposta e aceitação. Fica completo com uma única declaração negocial,
do A, que tem poder unilateral de celebrar o contrato optativo definitivo.
Joana Almeida | 2016-2017

o Cláusulas penais;

o Depósitos – ou seja, as quantias depositadas junto de terceiros com regime de mandato em que bancos
libertam as quantias verificados certos circunstancialismos. Se J cumprir acordo, o banco tem que lhe dar o
dinheiro;

o Procurações irrevogáveis;
o Cláusulas de confidencialidade;
o Cláusulas sobre denunciabilidade;
o Cláusulas sobre lei aplicável.

Socialidade e Parassocialidade

O Princípio da Autonomia face ao contrato de sociedade é autónomo, e resulta da letra do art. 17º, e o
Princípio da Eficácia Relativa por contraposição à Absoluta [erga omnes], ou seja, o acordo parassocial tem eficácia
relativa; por sua vez o contrato social tem eficácia absoluta. As estipulações dos estatutos valem perante todas as
partes de acordo com o art. 406º do CCiv no acordo social e no parassocial não.

Nada impede que o acordo parassocial possa funcionar como um contrato a favor de terceiro, nomeadamente
cláusulas a favor da sociedade. Por exemplo, posso estipular que uma das partes tem o dever de realizar suprimentos
em favor da sociedade em certo momento e este dever pode ser estabelecido como dever perante as restantes partes
no acordo ou como a favor de terceiro em que a sociedade. Para ser a favor de terceiro, o credor tem que ser o
terceiro; se pode criar vícios para terceiro não é contrato a favor de terceiro.

Apesar de haver autonomia entre os dois, podem os estatutos limitar a eficácia dos acordos parassociais?
Podem os estatutos dizer que os acordos não são válidos para a sociedade - e esta é a posição de RAUL VENTURA;
também no CVM se defende que os estatutos das sociedades anónimas abertas possam limitar os acordos parassociais.

CARNEIRO DA FRADA tem uma posição minoritária que considera que quando os acordos parassociais são omnilaterais não
funciona a ideia de autonomia e eficácia relativa. Neste caso as cláusulas do acordo são para cumprir dentro da
sociedade; para o professor esta posição é contra a lei.

A montante deste tema temos um problema prévio de saber se temos um contrato ou dois contratos: isto é,
estatutos ou estatutos e outra coisa (acordo parassocial) - é o problema da união de contratos. É importante saber se
há uma mera união económica de vários contratos jurídicos ou apenas um. Sendo os estatutos sujeitos a registo (ou
seja, à publicidade); e os acordos podendo ser confidenciais, o critério de distinção tende para ser o formal em
detrimento do critério substancial, em função do conteúdo clausulado. Assim, o que conta é o registado.

Limites ao Conteúdo dos Acordos Parassociais

Relativamente aos acordos parassociais, parte das normas que podemos construir com base em todo o art.
17º; temos cinco proibições e, em todas estas o conceito de acordo serve para delimitar o campo de aplicação.
Inspirados nos Princípios da Autonomia e Eficácia Relativa. Aqui temos restrições ao sindicato de voto principalmente
(número 1, 2 e 3).

A parte final do número 1 do art. 17º apresenta uma restrição da impugnabilidade dos actos da sociedade e
dos sócios, é a restrição mais forte (Princípio da Eficácia Relativa). Não se pode impugnar actos externos da sociedade
perante terceiros, deliberações sociais, votos e actos de transmissão das participações sociais. Não pode haver vícios
dos negócios jurídicos com fundamento nas cláusulas dos acordos parassociais; os actos jurídicos da sociedade não
podem ver a sua eficácia jurídica com base nos acordos parassociais, não pode haver desvalor jurídico relativamente a
actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade 28. Trata-se de um corolário básico do Princípio da Eficácia
Relativa.

28
Da sociedade são deliberações sociais, dos sócios ou outros órgãos, deliberações externas a terceiros. Para além destas, os actos
dos sócios e os relativos à transmissão das participações sociais.
Joana Almeida | 2016-2017

CARNEIRO DA FRADA considera que a regra do art. 17º não está certa {querela doutrinária} e, portanto, é aqui que
a sua posição tem relevância. Para este representa derrogação da aplicação do 17º/1.

Aula de 28 de março de 2017

Não poderão haver vícios dos negócios jurídicos em causa com fundamento da violação das cláusulas de
acordos parassociais. Os actos da sociedade não podem ser impugnados, i.e., a sua eficácia jurídica não pode ser
considerada pela existência do acordo social. Os actos da sociedade serão as deliberações sociais (sócios ou outros
órgãos, como Conselho de Administração); os próprios votos dos sócios; e os actos relativos à transmissão de
participações sociais. A proibição do número 1 do art. 17º é um corolário básico da eficácia relativa.

O art. 17º/2 tem a proibição de as cláusulas do acordo parassocial respeitarem à conduta dos intervenientes
ou de outras pessoas no exercício de funções. A partir de «(…) mas», temos a proibição. Não podem regular a actuação
dos administradores e os titulares de outros órgãos de administração. Na prática, uma proibição de instruções de sócios
aos administradores, de administradores a outros administradores, ou fiscalizadores.

 O acordo parassocial não pode determinar directamente a conduta dos administradores ou outros titulares. A
pergunta que se levanta é se o podem fazer indirectamente.

A primeira distinção relevante é a da posição orgânica originária dos sócios e derivada dos titulares dos órgãos de
administração e fiscalização. Enquanto os sócios têm direitos subjectivos, estes titulares actuam no interesse de
outrem. Tem poderes-deveres e não direitos subjectivos. Devem actuar no interesse da sociedade, dos sócios, dos take
holders, dos interessados na sociedade. Nunca actuam no interesse próprio. Ou seja, face à proibição, não recebem
instruções, no sentido em que não actuam apenas no interesse de um sócio, mas de todos os sócios. Por trás desta
regra, a eficácia relativa vigora. Os acordos parassociais não podem condicionar a actividade estatutária. Além disso,
existe a arquitectura estatutária da existência de poderes-deveres. É uma ideia, sobretudo, das sociedades anónimas.

Temos de distinguir, ainda as sociedades anónimas e as sociedades por quotas. Nas sociedades anónimas não
podem haver instruções orgânicas estatutárias aos gerentes. Já nas sociedades por quotas, é possível, em sede de
Assembleia Geral. O que não é possível é que as instruções sejam dadas pelos sócios no âmbito de um acordo
parassocial. Ou seja, é possível nas sociedades por quotas, mas de forma legítima [forma indirecta].

Esta é a proibição mais violada. Não há acordo parassocial que não tente conformar esta regra. É uma regra que
não cola com os negócios; cai em desuso por ser tão violada. Na vida real, interessa fazer clausulados mais inteligentes.
Todos os acordos parassociais vão querer incidir sobre estas matérias. Podem ser mais sofisticados:

a. Dois tipos de redacção: os sócios obrigam-se, no acordo parassocial, a que os administradores actuem de
acordo com estas regras, ou de acordo com o que for decidido neste âmbito [há imposição directa da forma de
actuação dos administradores]. Por outro lado, pode colocar-se uma obrigação de meios, i.e., os sócios
comprometem-se a realizar todos os esforços no sentido de que os administradores actuem em determinada
direcção [obrigação de meios corresponde a uma imposição indirecta].

A terceira proibição é a regulada no art. 17º/3, alínea a) – proibição da obrigação de votar seguindo as
instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos. A quarta proibição surge na b) – proibição da obrigação de votar
aprovando as propostas feitas por estes. Fala-se, na ratio legis da proibição, está a subversão da democracia [em vez de
serem os sócios a decidir, é a Administração que toma as decisões, ficando os sócios obrigados a seguir a iniciativa dos
administradores – os sócios têm a sua conduta determinada pelos administradores, fazendo com que estes ficassem imunes à
responsabilidade. É nessa lógica que se falam nos outros dois riscos 29] de um risco de perpetuação dos administradores e
irresponsabilidade dos administradores.

29
Não se fala da democracia em rigor técnico, na medida em que nas sociedades de capitais não há, em rigor, uma democracia, mas
uma plutocracia. É o risco de actuação oligárquica na plutocracia.
Joana Almeida | 2016-2017

A última proibição consta da alínea c) – da proibição de exercer o direito de voto em contrapartida de vantagens
especiais. A lógica desta regra: quer-se transparecer uma ideia de desconforto com a venda dos votos. Por outro lado,
se estamos perante sociedades comerciais que gerem interesses pecuniários, é difícil determinar o que é a vantagem.
Vota-se não por altruísmo, mas a pensar nas vantagens próprias. Não se percebe bem o que o legislador quis fazer. A
primeira ideia é a da venda pejorativa de votos. Nos EUA há muito esta ideia. Há uma prática de os sócios atribuírem
poderes de representação a determinados titulares para que possam votar na Assembleia Geral [ proxy fight]. A lógica
capitalista das sociedades comerciais está no sentido de que o voto é atribuído a quem tem uma maior participação
económica – i.e., há uma pretensão residual: se for bem gerido, corre tudo bem; se for mal gerido, corre mal. Quem
investe tem um maior interesse na boa gestão. Do ponto de vista da mão invisível de mercado, têm maior voto quem
investiu mais capital, pois terá maior interessa na boa gestão {análise económica do direito}. Em todo o caso, ninguém
sabe determinar bem quando é que temos vantagens especiais legítimas ou vantagens especiais ilegítimas, na medida
em que haverá sempre vantagem na protecção dos próprios capitais – na actuação com o maior interesse.

Denunciabilidade ou Vigência do Tempo

Não existem regras legais específicas que limitem os acordos parassociais temporalmente. Ou seja, estamos no
âmbito da liberdade de estipulação do prazo. Ou estabelecem um prazo limite ou têm uma vigência indefinida. Quando
não estabelecem um prazo limite, pergunta-se se pode haver vinculação temporalmente indeterminada. Ninguém pode
vincular-se intemporalmente. Uma obrigação eu seja perpétua pode ser denunciada a todo o tempo [denunciabilidade
ad mutum nas obrigações perpétuas – querela30]. Doutrina:

1. Denunciabilidade Ad Mutum;
2. Inexistência de Denunciabilidade;
3. Obrigações Parassociais como Obrigações Propter Rem.

Esta terceira posição é defendida por RUI PINTO DUARTE e PEDRO CAETANO NUNES, são obrigações associadas à
socialidade, sendo que a parassocialidade é acessória da socialidade, pelo que fará sentido considerar que
não perpétuas, mas mantém-se enquanto existir a socialidade. Enquanto for sócio, mantém-se o acordo
parassocial. Com esta solução, afasta-se a primeira.

Relevância dos Acordos Parassociais

Vamos verificar quais os efeitos jurídicos que podem resultar ou ter origem do acordo parassocial. Os
contratos são actos performativos, i.e., geram efeitos jurídicos. Quem celebra um acordo parassocial também pode ter
efeitos que, frequentemente, são pejorativos. Não há uma arquitectura legal perfeita, mas disposições legais dispersas
que associam, pontualmente, efeitos negativos:

a. Responsabilidade do sócio (art. 83º) – responsabilidade solidária do sócio por actos dos membros dos órgãos
sociais, dos administradores. Em determinadas circunstâncias, respondem solidariamente. Os administradores
violaram os seus deveres, sendo os primeiros responsáveis, mas verificadas certas circunstâncias, os sócios vão
responder também, designadamente: em várias situações, incluindo nos acordos parassociais.

Situações dos números 1, 2 e 3: situações de culpa in eligendo, i.e., a responsabilidade pela actuação de outrem pode
estar relacionada com três tipos de situações. O sócio responde se for negligente na designação do administrador. É
uma culpa quanto à escolha. Os acordos parassociais são aqui relevantes para saber se se pode recorrer ao art. 83º.

Situação do número 4: influência determinante. Há responsabilidade do sócio pela influência determinante. Do ponto
de vista prático, é a hipótese mais acutilante. P.e., o gerente fez negócios em sede de preços de transferência. Haveria,
por violação do dever de lealdade, responsabilidade do administrador. O sócio que, por força do acordo parassocial,
tivesse tido uma influência determinante nessas transacções, teria de ser responsabilizado pelo art. 83º/4.

30
VAZ SERRA susteve esta posição doutrinária. Se não colocar qualquer prazo, corre-se o risco de invocarem que o acordo parassocial
é denunciável a todo o tempo, por se tratar de uma obrigação perpétua.
Joana Almeida | 2016-2017

b. Instituições de Crédito e Seguradoras – obrigação de registo de acordos parassociais. Na actividade financeira,


há preocupações de protecção do crédito público, do funcionamento da encomia (art. 109º, CRP). O interesse
público é mais intenso. A base são os problemas esténicos do sistema financeiro e, neste contexto, porque são
actividades sensíveis, uma das coisas que o legislador determina é o registo dos acordos parassociais. Assim, as
entidades reguladoras e as pessoas, em geral, têm direito a saber se existem acordos parassociais. Não há
«jogos de bastidores entre os sócios e a banca».

c. Código de Valores Mobiliários para as Sociedades Anónimas Abertas (arts. 19º e 245º-A) – regras sobre registo
e divulgação, portanto, quebra de confidencialidade. No art. 19º temos uma regra sobre anulabilidade das DN.
No art. 182º-A, uma regra de suspensão dos acordos parassociais em caso de oferta pública de aquisição
(OPA), se os estatutos assim o previrem. É a regra em que se permite que o teor dos estatutos possa limitar o
teor dos acordos parassociais. A socialidade afectar a parassocialidade [não confundir com a parassocialidade
afectar a socialidade – é estritamente proibido]. Por último, os arts. 187º e 20º, que relevam no dever de
lançamento de OPA. No regime das sociedades anónimas abertas existe um dever legal de lançamento da
OPA, como regime de protecção dos pequenos investidores {e que dificulta a vida do sócio maioritário, que
poderá ter de oferecer o pagamento de todas as acções dos pequenos investidores – aquisição de todas as
restantes acções}. O facto de existir um acordo parassocial, conta para o pressuposto de atingir o nível de
domínio de participação social. Contam os votos que o sócio tem, e a força que decorre do acordo parassocial.

d. Regime da Defesa da Concorrência (Lei) – nos EUA e na EU, existem leis de defesa da concorrência, ou da mão
invisível do mercado. Só há liberalismo com a livre concorrência, não com os monopólios. Proíbem-se práticas
de concentração empresarial, de dumping [baixas de preços artificiais para beneficiar o concorrente]. Os casos
de monopólio ou quase monopólio são perseguidas. O acordo parassocial pode ser relevante para esse efeito.

Capacidade Jurídica das Sociedades Comerciais e Prestação de Garantias Gratuitas


Artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais

A disposição em causa é o número 3. As sociedades não têm, em princípio, capacidade para


prestar garantias gratuitas. O AC TRE de 13 de junho de 2002: acção constitutiva de anulação de
deliberação social. Foram autorizados a prestar quaisquer garantias reais a favor das sociedades. A
autora vem impugnar esta deliberação, sendo que não participou na mesma. Impugna por
incapacidade. Depois da primeira instância, recorreu para o TRE. A Ré não tinha relação de grupo
com nenhuma delas; a Ré tinha relação de domínio com duas delas. Com as restantes sociedades
[13], a ré não tinha uma relação de grupo ou de domínio. A empresa-mãe era uma das empresas
em que a ré tinha relação de domínio - COFACO -, a qual pertencia a um grupo económico-
financeiro de 15 sociedades. Ficou provado que entre as 15 sociedades há uma relação de grupo.

COFACO - (61%) COMALPE - (68,5%) SAFOL

A Ré tinha capacidade para prestar garantias gratuitas a favor de outras sociedades? À luz do
art. 6º/3, relação de domínio ou de grupo? Justificado interesse próprio? Como a Ré só tinha a
relação de domínio com duas das 15 sociedades, considerou-se que não se verificava a excepção.
Tendo em conta que a Ré mantinha fortes relações económico-financeiras com as outras
sociedades, a Ré, em caso de insolvência de uma delas, sairia prejudicada, pelo que havia um
justificado interesse próprio e, como tal, o TRE considerou que Ré podia prestar as garantias a
favor de terceiros. {o Professor e a Escola de Lisboa consideram que é possível isto acontecer; já a
Escola de Coimbra considera que a proibição deve ser tomada stricto sensu.}

No TRL de 16 de dezembro de 2013, em vez de uma acção declarativa, temos uma acção
Joana Almeida | 2016-2017

executiva. Em suma, o banco tinha um crédito perante Jorge Cunha, que era garantido por uma
hipoteca da GEAD. O registo foi feito a 11 de outubro de 1991. O crédito era destinado a financiar
a aquisição da totalidade das quotas da António & Lucas, Lda., cuja sócia maioritária era a GEAD. A
execução, a pedido dos executados, foi adiada três vezes. Jorge Cunha adquiriu as quotas, a bem
dizer, à GEAD, sendo que o crédito do banco serviu para esse efeito.

A GEAD tinha capacidade para prestar a garantia real a uma dívida de terceiro? Não há relação
de domínio ou de grupo entre a GEAD e Jorge Cunha [só existe quando existem sociedades
sócias de outras, quando há neste lugar um cidadão, nunca há esta relação]. Há interesse
justificado? Estas situações, em que há muitas empresas, não são claras. O Tribunal de primeira
instância e o Tribunal de Recurso concluíram a garantia nula, por não existir um interesse
justificado.

Banco emprestou dinheiro ao Jorge para a compra e venda de acções da ALF, Lda;
GEAD presta uma hipoteca ao Banco em favor de terceiro, o Jorge;
O dinheiro passou do Jorge para a GEAD + as acções saíram da GEAD para o Jorge;
Nesta compra e venda, entrou dinheiro, mas saíram as acções;
A GEAD, do ponto de vista patrimonial, ficou na mesma;

O Tribunal de Recurso veio dizer que existência de relações pessoais ou comerciais não bastam
para provar o interesse próprio. São necessários elementos objectivos que demonstrem os
benefícios que a sociedade vai ter. O interesse tem de derivar de factos que demonstrem
benefício. O segundo problema foi da determinação do ónus da prova. Por um lado, o bando
defendeu que pertencia à CEA, uma vez que se fosse ele, teria de oferecer informação confidencial
da GEAD; por outro lado, o Tribunal veio determinar que o ónus corria pelo Banco – uma vez que a
CEA não tinha indicação e informação sobre o negócio, ao contrário do Banco.

Tanto o TRL como o TRE subscreveram a teoria da especialidade e, como consideram o fim
lucrativo, todas as garantias são nulas, salvo as que cabem nas excepções do art. 6º/3. O interesse
próprio tem que ser provado por elementos objectivos que demonstrem a obtenção de uma
vantagem. A crítica: deveria haver uma interpretação conforme à primeira directa de
coordenação, i.e., deveria ser considerada a capacidade tutela das sociedades.

10. CAPITAL SOCIAL

 É uma cifra pecuniária estatutária, correspondente ao somatório dos valores nominais das participações
sociais, com a exclusão das entradas em indústrias ou serviços.

O art. 9º/1, alínea f) determina que se trata de um elemento obrigatório dos estatutos. O art. 14º determina
que tem de ser expresso em moeda com curso legal em Portugal [euro]. Para efeitos de cálculo, o que interessa é valor
facial, nominal. Em sentido técnico-jurídico, o valor nominal. Interessa não o dinheiro, mas o valor nominal da
participação. As sociedades em nome colectivo podem não ter capital social, se só tiverem sócios de indústria, que dão
entradas não em dinheiro ou espécie, mas em serviços. Fora destas, existe sempre capital social.

O capital social é o número que consta da cláusula estatutária. Não deve ser confundido com o património,
este, por definição, é o conjunto de situações jurídicas, activas e passivas, avaliáveis em dinheiro, por referência a
determinado momento temporal [A pode ter um grande património num dia, e esgotá-lo no Casino no dia seguinte]. O
capital é uma cifra estatutária estática, enquanto o património é um valor dinâmico, verificado num certo momento. O
capital social só muda com uma alteração dos estatutos.
Joana Almeida | 2016-2017

 Estático versus dinâmico;


 Cifra estatutária versus valor real.

O capital social tem duas funções: (1) externa, a ver com a protecção de terceiros [mecanismos com regras que
se destina a proteger os credores]; (2) interna, a ver com o peso relativo dos direitos dos sócios.

Aula de 31 de março de 2017

O capital social é uma cláusula estatutária, um núcleo constante. É um documento arquivado na Conservatória
do Registo Predial, um número que consta do papel. O património, em contraponto, é o conjunto de posições jurídicas,
activas e passivas, avaliáveis em dinheiro. Cada segunda que passa, altera o património. Ex.: património da Vodafone –
sempre que paga algo aos fornecedores ou recebe algo dos clientes, altera o património. Em contraponto, o capital
social é sempre o mesmo. Está guardada na conservatória. O capital social só se muda se forem alterados os estatutos.

O capital social tem uma função interna e externa, de protecção de credores, a qual vinculativa. O facto de ter
uma cifra estatutária registada na CRC pouco vale aos credores. Se as dividas não forem pagas, podem, nos termos
gerais do art. 601º do CCiv, executar o património do devedor (garantia geral). Se não tem património suficiente, o
credor fica sem receber. O património é que é a garantia dos credores.

Este efeito externo tem a ver com regras que determinam que o património social deva atingir o mesmo que o
capital social; e regras que visam impedir que o património desça abaixo do valor do capital social.

Temos de falar de dois outros conceitos:

a. Património líquido e bruto – se uma sociedade estiver com o património líquido negativo, está em situação de
insolvência. O líquido corresponde ao somatório do património activo e passivo. Se o património líquido activo
for superior ao passivo, é sinal de saúde da sociedade. As empresas podem ter problemas financeiros no longo
prazo. Se tem um passivo superior, mais cedo ou mais tarde, o caminho será a insolvência. No curto prazo,
temos um problema de tesouraria. Por vezes, podemos ter um passivo muito grande, mas podemos ir tendo
dinheiro em caixa, um activo que permite esconder o passivo {há tesouraria}. Nos bancos, na actividade
financeira, e nas seguradoras, a tesouraria é mais importante do que o negócio do activo/passivo. Basta que
falte tesouraria em dado momento para que haja problemas.

O art. 3º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas: estabelece o primeiro critério como sendo o
da tesouraria. O número 2 estabelece que as pessoas colectivas – entre as quais as sociedades -, quando o
seu activo seja superior ao passivo, têm como solução o critério da tesouraria em detrimento da insolvência.
Esta é a solução do legislador [critério da tesouraria].

As empresas, por vezes, têm poucos capitais próprios e muito dinheiro emprestado pela banca, i.e., por outros
credores e, nesse contexto, ficam com um passivo superior ao activo. Porém, apesar disso, se não fossem os juros,
estes descontados ao problema estrutural do pagamento dos juros, se olharmos para a estrutura económica da
empresa, até está a criar margem. Naquele momento tem um passivo superior ao activo, mas ainda existem credores
que vão apostar nas Empresas, e criar tesouraria – com o pensamento «de que ainda vai dar a volta».

Se a empresa dá garantias de lucros, há possibilidade de cobrar menos juros. Contudo, se houver maior risco, a
Banca pode optar por cobrar maior juro. Os juros são muito elevados porque têm em conta os riscos da empresa e
ainda os riscos da República, ou seja, da Economia Portuguesa.

Capital Próprio e Capital Alheio


Joana Almeida | 2016-2017

O capital próprio são os meios financeiros fornecidos pelos sócios. Por sua vez, o capital alheio são os
fornecidos por terceiros, i.e., «não sócios». Como exemplos, em (1) de capital próprio e, em (2), do capital alheio:

(1) Entradas de capital;

(2) Meios fornecidos pelos Bancos, mútuos bancários nas suas diversas formas; empréstimos a longo prazo; conta
corrente caucionada [para efeitos de tesouraria, vai-se levantando o montante que for necessário ao longo da
semana, até ao limite de x – são dadas garantias, cauções]. Temos ainda empréstimos a longo prazo,
tipicamente para investimentos [podem não ser para investimento, mas para consolidação das dívidas –
transformação dos empréstimos a curto prazo em empréstimo a longo prazo]. Temos ainda a locação
financeira.

Existe capital alheio fornecido por terceiros, tais como os fundos de investimento; obrigações reguladas no CSC
na matéria das Sociedades Anónimas {emissão de dívida, de forma homogénea, como valores mobiliários que
podem ser transacionadas na bolsa ou no mercado secundário – emissão de obrigações}. No CSC, art. 348º, em
especial, retrata esta questão da obrigação.

1º Aprofundamento:

 Equity: expressão para capital próprio junto dos economistas;


 Debt: expressão para capital alheio.

2º Aprofundamento:

É essencial para a estrutura financeira das empresas. A «Corporate Finance» é marcada pelas noções de capital
próprio e capital alheio. Tradicionalmente, defendia-se que o ideal seria a empresa ter capital próprio. Ou seja, é bom
ter mais capital próprio do que capital alheio. Numa perspectiva moderna é diferente. Apesar das boas expectativas de
um retorno, se a empresa optar por ter menos capital alheio, será ultrapassada por uma empresa que tenha mais
leverage – mais dinheiro emprestado – mas que tenha maior capacidade de produção. Se investe mais, gera mais
lucros, logo, tanto faz que seja através de capital próprio como alheio [dependendo dos custos de um ou outro capital].
No jogo da oferta e da procura, a taxa de juro é o que vai definir o que é melhor. Nas alturas de crise financeira, pode
não ser aconselhável ir buscar dinheiro ao mercado, uma vez que terá juros muitos altos e, consequentemente, a
empresa poderá não gerar o cash flow necessário para fazer face a esses juros. Em contrapartida, se a taxa de juro for
mais baixa, basta que tenha a expectativa de crescer acima dessa taxa, para que seja viável ir buscar capital alheio.

O capital próprio não tem um preço fixado à partida. Quando se emitem acções, estas não têm taxa de juro, ou
seja, os sócios são titulares de uma pretensão residual – se sobrar dinheiro, arrecadam -, mas não podem receber juros.
Para arranjar investidores, pessoas que queiram subscrever novas acções se acharem que a sociedade vai gerar lucro,
i.e., quem investe em acções, tem a expectativa de ser remunerado. É um negócio de risco. É mais arriscado investir nas
acções do que nas obrigações. Contudo, pode ter mais retorno. Não tem um preço fixo, mas há expectativas.

Um gestor olha para o mercado na perspectiva do investimento para ultrapassar as empresas da concorrência.
Com base nisto, e no jogo da oferta e da procura, que vai determinar se é mais viável apostar em capital próprio ou
alheio e se é mais viável apostar nas acções ou nas obrigações.

Esta ideia é também avançada para efeitos de protecção dos credores. Diz-se que as empresas devem ter certa
proporção entre capitais próprios e alheios. Não podem ter um excesso de dívida (alheios), e pouco capital próprio.
Deve haver um equilíbrio. Há maior risco para os credores se houver desequilíbrio. As actividade financeiras são
alavancadas, i.e., os Bancos vivem com grande desequilíbrio, pelo que se tentam estabelecer limites mínimos. Na Banca
têm de ter o mínimo de capitais próprios. A proporção, na Banca, é um aspecto essencial da protecção dos credores.

Para os outros sectores de actividade, a lei não consagra rácios de capitais próprios e alheios. Os credores,
nestes casos, têm de olhar ao património. {ao contrário do que acontece na Banca}.
Joana Almeida | 2016-2017

Função Interna por Contraposição à Função Externa do Capital Social

A função interna é uma função de suporte de distribuição de direitos e deveres entre os sócios. O peso relativo
dos sócios é dado pela sua fracção do capital social – percentagem do capital social determina os direitos e deveres que
determinado sócio pode ser. P.e., o direito à informação. Em determinadas sociedades, só se dá este direito a quem
tem mais de 10% do capital social – a cifra serve de suporte ou critério para saber quais os direitos e deveres que o
sócio tem, e em que medida os tem. P.e., o direito de voto (art. 341º, CSC). Há mecanismos de bloqueio, i.e., pode
vedar-se o voto aos sócios com percentagens reduzidas. O mesmo em sentido inverso.

Quando falamos em sócio dominante, estamos a falar em função do capital social. Para as sociedades
capitalistas o capital social tem uma função interna incontornável. Tem de constar dos estatutos. As deliberações
sociais têm quórum, o qual pode ser determinado em função do capital social.

A função externa é uma função de limite à evolução do património da Sociedade, como meio de protecção dos
credores. O capital social, neste caso, é tido como uma cifra de retenção patrimonial. Esta função externa tem a ver
com a protecção dos credores.

Princípios e Regras dos Princípios

Existem três princípios que norteiam e formam o regime do capital social, sendo que os dois últimos têm a ver com
a função externa e o primeiro, com a interna e externa. São, designadamente:

a. Princípio da Rigidez – o capital é fixado nos estatutos, pelo que tem rigidez estatutária. Pode ser alterado, mas
apenas com a alteração dos estatutos;

b. Princípio da Efectividade (ou da Exacta Formação) – num primeiro momento, é necessário assegurar que
entra património correspondente ao capital social. As regras que correspondem a este princípio:

 Dever de liberação das entradas;


 Regras sobre a avaliação das entradas em espécie;
 Proibição de realização das entradas abaixo do PAR.

c. Princípio da Conservação (ou da Intangibilidade) – já não se trata da perspectiva inicial, de colocar o


património que corresponde à cifra; mas antes da cifra como limite à saída de património. Se o capital, p.e., for
de €50.000, se ainda lá estão €50.001, e se retirar esse excesso para dar aos sócios, há ilegalidade. É proibido,
por lei. Quanto às regras decorrentes do princípio:

 Proibição de retribuição certa de capital (art. 21º/2);


 Proibição de distribuição de bens aos sócios (dividendos do art. 32º/1) 31;
 Proibição de dissolução e liquidação da sociedade (art. 35º) 32;
 Limitações de autoparticipações33.
31
Instituto da distribuição oculta dos bens: quando se entregam os bens de forma oculta, através de negócios com partes
relacionadas. Transfere-se liquidez, dinheiro, aos sócios, não dizendo abertamente que o está a fazer, mas colocando a sociedade a
fazer negócios desequilibrados com os sócios. Há a proibição quer para as distribuições «à luz do dia», quer para as ocultas.

32
A actual estatuição normativa remete apenas para o dever de informação.

33
A sociedade como sócia de si própria, ter uma quota de si própria ou acções de si própria. Não é ilegal. É possível que exista a
compra ou a herança de acções ou quotas de si própria. Por vários motivos e, nomeadamente por compra, tal é possível. Mas há
problemas, de duas ordens: (1) equilíbrio de poderes internos, entre os sócios – o sócio que promove a compra, pode estar a tentar
reunir maior poder para si; (2) problemas para os credores – quando a sociedade compra acções de si própria, paga-as com dinheiro,
dinheiro esse que podia ser útil para pagar aos credores, sem que entre nada em contrapartida, i.e., sem que entre algo que sirva
Joana Almeida | 2016-2017

Aula de 4 de abril de 2017

A noção de «parte relacionada» encontra-se no CVM, a propósito da prestação de contas da sociedade


anónima aberta, e o regime obriga a que nas contas destas sejam descritos os negócios das partes relacionadas: sócios,
pessoas e administradores, que se relacionam de forma directa ou indirecta.

Autoparticipação: não tem muita lógica que uma sociedade possa ser sócia de si própria, mas o direito das sociedades
é derivado dos negócios e não da lógica. São regras que jogam no âmbito da função externa.

Valores Mínimos do Capital Social

Nas Sociedades Anónimas vincula o art. 276º do CSC. O montante social mínimo é de €50.000,00. Este tem de
ser estabelecido no Estatuto. P.e., para uma mercearia ou um quiosque, não é um montante muito elevado, como
forma de protecção de credores. Para a generalidade das empresas, é um valor reduzido, que questiona a eficácia desta
função externa. Na Banca, Seguros, é diferente.

Na redacção original, o regime do capital social é livre, i.e., no final do dia, pode ser €1. Importa o art. 201º. Era
este o artigo que, originalmente, dizia que o capital social mínimo era de €5.000,00. As quotas têm um valor mínimo, ou
seja, indirectamente, da soma, temos um valor mínimo de capital social. Deste art. 201º temos de ir para o art. 219º/3.
Se for uma sociedade por quotas unipessoal, o mínimo é de €1; se for de dois sócios, o mínimo é de €2. De outra forma,
o capital mínimo é de €1 por cada sócio. {deriva dos ingleses, que findaram com o capital social mínimo, o que
influenciou o direito europeu e a jurisprudência europeia}.

Crise da Função Externa do Capital Social

Os valores mínimos do capital social são mínimos {articulação com os Princípios}. O art. 601º do CCiv dá como
a garantia geral dos credores o património dos devedores. O que constitui a garantia é o património, i.e., os activos que
se encontram na esfera patrimonial da sociedade. Tem que existir o acesso à informação sobre o património que
realmente existe. Não interessa tanto aos credores as regras de intangibilidade, mas o acesso a informação financeira
fidedigna.

Numa perspectiva dominante, interessa essencialmente a informação fidedigna e o acesso à mesma. Assim, e a
propósito disto, os analistas vão procurar a proporção entre os capitais próprios e alheios, os cash flows gerados, o
EBITDA – ganhos antes de juros, impostos, depreciações e amortizações. São, no fundo, os resultados brutos da
empresa antes do pagamento de todas estas quantias. É o dinheiro bruto antes do serviço da dívida. Olhando para aqui,
é possível ver se a empresa tem uma actividade produtiva que está a libertar ganhos (e em que medida), ou se liberta
prejuízo.

Existem duas pistas para protecção dos credores, além da questão da informação financeira:

(1) Valores mínimos de congruência entre o capital social e o objecto social – diz-se que o valor mínimo de
€50.000 para as sociedades anónimas não deve ser estabelecido de olhos vendados, para todo e qualquer tipo,
devendo ter um valor mínimo de congruência entre a actividade e o fim que pretende desenvolver. Se é, p.e.,
actividade de seguradora ou de recursos petrolíferos, €50.000 não faz sentido. É uma ideia de execução difícil,
uma vez que carece de se estabelecerem valores mínimos para cada tipo de actividade. Em todo o caso, e em
determinados sectores, tais como o bancário, é isto que acontece.

para os credores.

Ex.: Sociedade X. A, membro da Sociedade, compra 10% dos lucros que a mesma der. Ou seja, na sociedade, passaram a haver 90%
das acções. Houve uma diluição. Para o credor B, deixaram de lá estar 100, para passarem a estar apenas 90.
Joana Almeida | 2016-2017

(2) Rácios prudenciais entre capital próprio e capital alheio – aqui não é a ideia do capital social como limite para
a distribuição aos sócios; é uma ideia de distinção entre os meios trazidos à sociedade pelos sócios ou trazidos
por terceiros. Existem exigências de proporção entre capital próprio e alheio. Ou seja, na banca acontecem
estes dois paradigmas [congruência e proporcionalidade prudencial mínima]. O aumento de capital alheio, a
partir de certa altura, passa a ser proibido, porque a produção de capital próprio passa a ser deficitária. Os
bancos estão a emprestar menos dinheiro, por via a evitar tanto capital alheio. Os bancos pedem menos
dinheiro emprestado lá fora, o que faz com que não possam emprestar tanto às famílias portuguesas. Tudo
isto serve para garantir a proporção entre os dois capitais.

Reservas

São cifras limitativas da distribuição de bens aos sócios, que acrescem ao capital social. Fala-se em «no quase
capital social». No fundo, servem para amplificar a regra de intangibilidade do capital social. Encontra-se na redacção
do art. 32º/1. Se o capital social é, p.e., de €50.000; e se o património é de €60.000; de acordo com este artigo, ainda
pode ser distribuído o montante de €10.000. Porém, se o valor das reservas for no valor de €10.000, passamos a ter uma
fasquia de €60.000 para efeitos de distribuição de bens.

Existem três tipos de reservas:

a. Legais – impostas pela lei de forma injuntiva;


b. Estatutárias – impostas pelos Estatutos, e não pela lei;
c. Facultativas ou Livres – impostas por deliberação social, sem carácter de alteração estatutária.

A lógica – o grande exemplo de reserva relativa é quanto aos lucros. Nas SA (art. 118º para as SQ), é constituída reserva
legal. À medida que os anos vão passando e se vão gerando lucros, um vigésimo desses lucros, anualmente, entraria
para um Fundo de Reserva. Para efeitos da fasquia da não distribuição de bens aos sócios, o legislador protegeu os
credores com este mecanismo (não apenas com base no valor do capital social).

Para além dos lucros, temos também as acções que são entregues acima dos PAR. São vantagens que a
sociedade recebe e que vão para reservas. É, mais uma vez, um mecanismo de protecção dos credores.

 Quer o capital social, quer as reservas, não são património, mas cifras para a protecção dos credores, que
visam limitar a distribuição de lucro pelos sócios, garantindo que este fica disponível para satisfação do
crédito.

Lucros e Perdas

Os lucros são aumentos patrimoniais e perdas são diminuições patrimoniais. No final do ano, há uma soma dos
activos e passivos.

Lucros Distribuíveis

São apurados por preferência ao capital social e às reservas indisponíveis. Face ao funcionamento do art. 32º,
é possível que determinado lucro não possa ser distribuído. P.e., se a sociedade tem um capital social de €100.000,00 –
as reservas acumuladas de anos anteriores eram de €50.000,00. Para efeitos do art. 32º, a sociedade tem €150.000,00
para efeitos de distribuição aos sócios. Mas se no ano estava na margem dos €110.000,00, nesse ano, apesar de ter
lucro, não o poderia distribuir. Face à situação da sociedade e das regras, pode ser ou não possível distribuir os lucros. A
sociedade pode ter lucros, mas os sócios podem não ser distribuíveis.

Variações do Capital Social


Joana Almeida | 2016-2017

Tem a ver com aumentos e reduções do capital social. O AUMENTO do capital social tem duas modalidades: (1)
por incorporação de reservas – art. 91º: quando há uma transformação das reservas legais, estatutárias ou livres, em
capital social. Provoca um inflacionamento do funcionamento do art. 32º. Passam a ser capital social, solidificando
ainda mais o funcionamento do artigo em causa; ou (2) por novas entradas – art. 87º: delibera-se um novo capital
social. Os sócios decidem aumentar o capital por alteração estatutária especial [de aumento de capital]. Por força deste
aumento, os sócios que venham a entrar depois, têm de entrar com este novo capital social. Estes aumentos surgem
quando à nova entrada de sócios, ou quando os sócios antigos querem reforçar a cifra do capital social, porque é bom
no confronto com os clientes e com os credores.

Em contexto de aumento de capital, existe o direito de preferência dos sócios mais antigos. Este direito releva
para garantir que os sócios terão o mesmo peso, o mesmo equilíbrio, dentro da sociedade. Deve ser relacionado com a
função interna do capital social – de suporte à distribuição de direitos entre os sócios [peso relativo] . Se tenho mais de
50% do capital social, sou eu que tenho mais direitos, que mando na sociedade. Se tenho mais de 10%, numa SA,
consigo ter maior acesso à informação.

 É possível alienar o direito de preferência, transferir para um terceiro este direito – cessão do crédito;
 É possível a supressão do direito de preferência (deliberações sociais) 34;
 O regime regra é o da anulabilidade.

A REDUÇÃO do capital social pode ter duas modalidades: (1) para a libertação de capital – implica a
distribuição de bens aos sócios. Se o capital social era de €60.000 e o património também. Podia fazer-se a redução do
capital social, fazendo com que este passasse a ser de €50.000. ao reduzir a cifra estatutária para 50.000, o património
passa a ser superior ao novo valor do capital social, o que permite distribuir os bens correspondentes àquele intervalo;
ou (2) para a cobertura de perdas – não implica distribuição aos sócios. Reduz-se o valor da cifra do capital social, numa
situação em que o património está abaixo da actual cifra estatutária do capital social. Se o capital social está nos
€60.000, mas P está nos €50.000, baixa-se o capital social para €50.000. Não há nada para distribuir entre os sócios.

A Vinculação | Directiva. Inspiração Germânica e Regime Legal.

A Directiva de Coordenação, Número 1, no seu art. 9º, trata deste tema. A primeira distinção a ter
em mente: o centro da vinculação tem um raio inferior ao da capacidade. A vinculação é um tipo
de actuação que tem, obrigatoriamente, de actuar no âmbito da capacidade. Uma sociedade não
tem como se vincular se for além da sua capacidade. Também ao nível dos órgãos releva a
distinção.

O art. 9º convoca uma série de exposições e teorias doutrinárias com relevo a nível sistemático. A
contraposição que o legislador europeu pretendeu colocar no art. 9º: inspiração germânica.
Temos uma perspectiva:

Procuração – Poder de Representação – Externa;


VERSUS, Mandato – Poder de Administração – Interna.

A consagração do art. 231º do CCom Alemão leva a que se assumam duas normas muito
relevantes, designadamente: delimitação injuntiva de poderes de representação, e obrigações dos
directores sem eficácia contra terceiros. Ao estabelecer um novo pilar do tráfego jurídico, os
administradores passam a actuar de acordo com os interesses dos sócios e dos credores da
sociedade, mas, mais de acordo com os interesses de terceiros. Desta feita, no mandato, temos
uma situação jurídica de um dever de gestão, cujas normas determinam condutas concretas. Por

34
P.e., quando o objectivo é a entrada de novos sócios. Pode-se, por deliberação social, suprir o direito de preferência, para que seja
possível a entrada de novos sócios. Outro exemplo é o de se querer receber um sócio estrangeiro, que tem muito know-how.
Joana Almeida | 2016-2017

sua vez, na procuração, há a SJ do poder de representação, cujos poderes se caracterizam pela


autonomia – celebração autónoma de negócios com o terceiro; e abstracção – os poderes de
representação são definidos em categorias asbtractas.

Requisitos Objectivos: de acordo com o Princípio da Interpretação Conforme ao Direito Europeu –


o art. 9º estabelece, em primeiro lugar, autonomia e abstracção pura como pressupostos. Por sua
vez, em segundo lugar, delimita-se a abstracção dos actos. As limitações objectivas são várias,
sendo de natureza legal {não pode actuar para lá da capacidade da sociedade; condicionamentos
– entre os quais, os arts. 246º/1, b), 266º/4 e 460º, e o art. 246º/2}, de natureza estatutária {que
nascem no estatuto – nestes casos, não há limitação dos poderes dos representantes, sendo o
pressuposto essencial. Se não existe limitação, a verdade é que é preciso perceber as excepções
que existem na situação. Em determinas circunstâncias – previstas pelo art. 9º, no segundo
parágrafo – é a própria Directiva que prevê que este objecto social possa ter relevância: quando
haja prova de que o terceiro devia saber; que não haja assunção do acto pelos sócios – que os próprios sócios
não ratifiquem o acto. Se o objecto, só por si, não era um limite, em determinadas circunstâncias, é
possível que o objecto social limite. Por fim, temos ainda as deliberações de outros órgãos,
relevando o art. 406º - não faria sentido que o terceiro tivesse de acompanhar as deliberações
sociais para saber se pode ou não negociar, mas isto com uma ressalva («a não ser que»). Se os
terceiros forem os sócios, poderão ter de o fazer. Há, contudo, Doutrina, que considera o
contrário.

Requisitos Subjectivos: indicação da qualidade do administrador (arts. 260º/4 e 409º/4). Visam-se


ainda o arts. 217º/1 e 2, quanto aos actos não escritos e os actos escritos. Indicação dos métodos
de representação dos órgãos de representação plurais. Para a representação passiva, vale o
método da representação disjunta (arts. 261º/3 e 408º/3). Para a representação activa, vigora o
método da conjunção.

Abuso de Direito e Aparência de Poderes de Representação | A prevalência dos interesses de


terceiros em detrimento dos interesses societários.

O abuso de poder não corresponde a qualquer simples violação das limitações internas, mesmo
que seja conhecida de terceiros. A verdadeira situação de abuso de direito é aquela em que há
poderes formais. Em todo o caso, o agente actuou contra os seus deveres na sociedade. Celebra
um NJ que é lesivo para a sociedade. Há, contudo, uma excepção, a qual patente no art. 209º do
CCiv. Se tinha o dever de saber que a actuação era prejudicial, deixa de merecer a protecção. É
uma norma muito aplicada pela Jurisprudência Portuguesa. Outra distinção com muita aceitação é
a distinção entre conluio e o abuso evidente. No abuso evidente, art. 269º do CCiv, o terceiro tinha
o dever de saber que aquilo era prejudicial, tendo como consequência jurídica a ineficácia. No
conluio, é aplicável o art. 281º do CCiv. O desvalor é mais intenso, porque há um fim de prejudicar
a sociedade. Assim, a própria sanção é mais grave. Quanto à aparência dos poderes de
representação: basta a assinatura de um representante. Neste caso, a sociedade fica ou não
vinculada ao NJ? A Jurisprudência vai contra esta norma e, frequentemente, decide a favor dos
terceiros, em vez de proteger a sociedade. É relevante o DL 178/86, do Contrato de Agência [em
especial, o art. 23º]. A norma é aplicável, por analogia, mas preenchendo dois requisitos: uma
situação de confiança; imputação da situação de confiança. Só desta forma é possível aplicar o
artigo. Apesar de não existir poder de representação formal, se há uma situação de confiança e
uma imputação dessa situação de confiança, é então possível fugir à Jurisprudência contra legem
que tem sido aplicada, aplicando-se o disposto no art. 23º do DL supra indicado.

Nas Sociedades por Quotas | Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Recurso 11197 de 22 de
janeiro de 2002
Joana Almeida | 2016-2017

Há duas empresas – Figueiredo, com três sócios, JAC, MS e JO, sendo JO a verdadeira pessoa da
empresa; e a LOCAPOR. Entre as duas sociedades é assinado um contrato de locação financeira de
um automóvel. Quanto à primeira empresa, o capital social está distribuído da mesma forma pelos
três sócios. Todos são gerentes. Estabelece-se a necessidade de assinatura de dois sócios. Assim, é
assinado o contrato em 16/04/1993. A 21/04/1993 é autenticado o notarial do contrato. A
07/2006 dá-se o preenchimento da letra. A letra não foi paga, o que dá origem a uma acção
executiva, tendo sido esta proposta pela LOCAPOR contra a FIGUEIREDO. JO, sendo aquele que
trabalha mais na SQ, vem opor-se, dizendo que nunca entrou neste NJ. Em primeiro lugar, deve
criticar-se uma falta de diligência de JO, que deveria ter tido conhecimento deste NJ. Além disso,
os outros sócios não se apresentam na acção. Discussão: contra a vinculação da sociedade, temos
a cláusula do contrato social; a favor, temos o art. 260º do CSC. Contra, temos o art. 14º do
Código do Registo Comercial, que determina a oponibilidade de factos sujeitos a registo; a favor,
temos o art. 23º do DL 178/86, sobre o contrato de agência. Contra, o apoio da Doutrina,
designadamente, de RAUL VENTURA, OLIVEIRA ASCENSÃO, PEREIRA DE ALMEIDA e JOÃO ESPÍRITO SANTO; a
favor, temos ILÍDIO RODRIGUES, RICARDO CANDEIAS e PEDRO ALBUQUERQUE.

De qualquer das maneiras, há uma forte corrente jurisprudencial no sentido de atribuir a


protecção dos terceiros. Não choca, no sentido em que os modelos de decisão devem adoptar a
consequência da saída. O resultado da aplicação da lei pelo juiz deve ser considerado na letra das
normas. Tem-se em conta o resultado de aplicação dessas leis.

Sociedades Anónimas | Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 154/06 de 14 de março


de 2006

Relevância dos arts. 409º e 260º do CSC. Houve alguma discussão, essencialmente em resultado
do ponto de vista romano-germânico (sociedade como um todo) e do ponto de vista anglo-
americano (não é por os accionistas deterem a sociedade que têm um papel relevante – todos são
agentes). Um parceiro comercial diligente, que mantém uma relação com o parceiro da outra
sociedade tem um conhecimento mais forte para saber que existem poderes de representação.
Está a proteger um terceiro que tinha poderes para saber da falta de poderes de representação.
Em primeiro lugar, há juízos de análise económica do direito – agilizar as diligências dos processos,
diminuição dos custos de transação; o administrador pode ser sempre responsabilizado por outros
accionistas ou pessoas da sociedade que tenham sido lesadas nestes negócios.

Aula de 7 de abril de 2017

Apresentação | Estatutos do BPI

O que pode estar nos estatutos, quais as cláusulas relevantes: art. 9º


Elementos que deve conter o contrato sociedade:

a. Estrutura e Organização (modelos que analisamos em aula e a forma como os órgãos se controlam);
b. Órgãos Sociais e Funcionamento (eleição, reeleição, entre outros);
c. Capital social, e possibilidade de Aumentos da Capitalização de Investimento Público;
d. Distribuição dos lucros.

Considerações Gerais

Sede pode ser aterrada pelo Conselho de Administração. Podem adquirir-se participações sociais com
objectos diferentes; vai permitir às sociedades adquirir a actividade de outras sociedades.
Joana Almeida | 2016-2017

Estrutura Orgânica

a. Modelo Tradicional [art. 278º, número 1, alínea c) do CSC];


b. Modelos Germânico [art. 278º, número 1, alínea a) do CSC];
c. Modelo Anglo-Americano [art. 278º, número 1, alínea b) do CSC].

Criticas

1. Possibilidade de nomear administradores – ao fazê-lo, permitem que o Conselho de Fiscalização possa


fazer uma fiscalização efectiva.

2. Uma comissão de autoria toma decisões por um lado, e por outro, fiscaliza essas mesmas decisões - crítica
do Professor JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU.

Órgãos Sociais | Art. 10º dos Estatutos

1. Os órgãos Sociais são a Assembleia Geral, o Conselho de Administração, o Conselho Fiscal, o Revisor
Oficial de Contas e o Secretário da Sociedade.

{Assembleia Geral - accionistas, colectividade dos sócios. Não há limite mínimo para assistir.}

Art. 12º dos Estatutos – Lógica de plutocracia, como refere o número 3; no número 4 há uma limitação,
reúne-se a AG, proposta e votação - se um accionista tiver 20% e outro 25%, votam o mesmo. O peso final de
cada um dos accionistas é que importa. É irrelevante os que têm mais de 20%. Controla accionistas; é difícil
que um número mínimo de accionistas controle o banco. Sem esta causa, se os sócios de juntassem, podiam
ter mais de 50% e controlavam os votos todos, e o banco.

Concelho de Administração | Órgão do Estado da Colectividade

O art. 15º apresenta os membros e o art. 17º as reuniões; tem que haver um quórum mínimo.

a. Competência interna: atos necessários à vivência da sociedade.


b. Externa: vinculação da sociedade para com terceiros. Assinatura.

Órgãos Consultivos - como suporte.

Conselho Fiscal | Fiscalização contas, revisão.

Verificar se há independência ou parcialidade nas contas. Revisões Oficiais de contas: são empresas; no BPI é
a Deloitte, p.e. Os mandatos estão no art. 29º.

Capital Social | Art. 4º/1 dos Estatutos

Capital social, integralmente subscrito e realizado, é de € 1.293.063.324,98, e podem haver aumentos.


Segundo o CSC, em regra, este aumento é autorizado pela AG, mas podem os estatutos (facultativamente)
prever esta opção de aumento de capital: a primeira forma de aumento do capital é referida no nº2 do art. 4;
é quando o Estado é o subscritor total das acções. Há uma injecção de capital público.

A outra forma é através da deliberação, ou emissão de acções. Há ainda a reserva de preferência por parte
dos sócios, quando são emitidas acções; essas são preferencialmente oferecidas aos que já são accionistas.
Emissão de divida é da competência do Conselho de Administração.

Alterações aos Estatutos | Art. 5º dos Estatutos

Maioria de 2/3 presentes em AG;


Maioria de 75% em matéria de (1) dissolução; (2) liquidação; e (3) contagem de votos.

Distribuição de Lucros | Art. 26º dos Estatutos


Joana Almeida | 2016-2017

Lucros líquidos e adiantamento dos lucros (art. 297º/1, a) e b));


Advertência do Professor: art. 384º – é muito importante em termos limitativos do direito de voto.

(Continuação do Capítulo do Capital Social)

10.1. OPERAÇÕES HARMÓNICAS


Corresponde a uma redução de capital social, seguida de um aumento. Em rigor, para formar, há duas operações
de capital social, primeiro a redução e depois o aumento, mas do ponto de vista económico, tem um único objectivo, é
a tal operação harmónica ou em acordeão, porque encolhe para aumentar.

Descrevem-se como situações de redução de capital social, de saneamento, em que o património está abaixo
da cifra estatutária, e faz-se uma redução de perdas, logo seguida de um aumento de capital por novas entradas. Não
há incorporação de reservas. É relativamente frequente que o aumento por novas entradas seja subscrito por terceiros;
os sócios primitivos já não conseguem aguentar a empresa e querem uma nova entrada de sócios, com injecção de
capital novo, para que haja um aumento da empresa, uma nova dinâmica.

Esta operação permite que os sócios antigos tenham um peso reduzido na participação de capital e que os
sócios que entram tenham um peso relativo superior. Os sócios novos, provavelmente, não vão querer entrar para uma
empresa que não vale nada, não querem injectar capital sem passarem a ter uma posição societária dominante,
confortável. Assim, a solução é reduzir o capital social, para os sócios antigos ficarem com o valor nominal reduzido e,
depois, entram novos sócios cuja participação social já vai suplantar, ser superior aos sócios antigos.

1ª Hipótese

Þ Capital Social = €100.000


Þ Sócios A e B
Þ 50% e 50%
Þ €50.000 e €50.000

Os sócios E, C e D querem entrar com 50%. Para esse efeito, o A e o B passam a deter 25%, e o capital social passa a ser
de €200.000 - seria por aumento do capital social.

2ª Hipótese

Não querem entrar nestes termos, porque a sociedade não vale nada;
Então querem aumentar mais.

Þ Capital Social = €50.000;


Þ Redução do Capital Social = A e B têm menos – 25% cada um [antes tinham 50% - €25.000 cada].

Þ C e D entram e o capital aumenta a €150.000;


Þ A percentagem de A e B vai descer para 33,3% e 33,3%, logo €50.000 e €50.000.
Joana Almeida | 2016-2017

% Capital Social % Capital Social % Capital Social


Inicial com operação sem operação
55 harmónica harmónica
00 331 2
22
2
%% 337 5
55
5
%%% %%
%%
A B A B C D A B C D

Art. 95º/2: a lei determina (por outras palavras, sabe) que existem estas proporções harmónicas; assim, não se importa
que no primeiro momento da redução (o segundo é o aumento de capital), o valor do CS possa ser inferior a 50 mil, que
é o mínimo que as SA podem ter. Por quotas não interessa porque é um euro o mínimo.

QUERELA DOUTRINÁRIA: é possível reduzir a zero o capital social? No primeiro momento de redução, em que se faria
desparecer o A e o B; no segundo momento a sociedade passa a ser só do C e D - implicava a exclusão dos sócios
antigos. Existe na Doutrina quem diga que sim, e que não. O professor considera duvidoso que possa ser feito, porque
não está de todo previsto na lei que uma sociedade possa não ter sócios. Assim, não tendo base legal, é facilmente
destruído em tribunal. Nem a jurisprudência se pronunciou em relação a isto.

Notas importantes:

Þ Há um reequilíbrio de forças;

Þ A redução do capital pode ir para valores abaixo do capital social mínimo (ex.: €50.000) – art. 95º/2. Mas
discute-se na Doutrina se a redução pode ser a zero. I.e., o investidor entra e fica com 100%. Grande parte da
Doutrina diz que isto não pode ser, porque durante um tempo, a empresa fica sem sócios. Mas outros dizem
que não tem mal, porque isso é somente um problema formal, que vai melhorar a sociedade.

10.2. CONTRIBUIÇÕES DOS SÓCIOS PARA ALÉM DO CAPITAL SOCIAL: PRESTAÇÕES ACESSÓRIAS, PRESTAÇÕES
SUPLEMENTARES, SUPRIMENTOS

Temos o dever característico a propósito do contrato sociedade, o dever de contribuição; temos ainda o dever
de entrada de capital. Agora vamos ver as outras contribuições para além dessa entrada. Prestações suplementares; o
enquadramento destas matérias ainda é reconduzido ao dever característico de contribuição (o seu cerne está no dever
de entrada). Existem contribuições acessórias e suplementares. Para além da análise destas, analisam-se os
suprimentos, outra figura jurídica.

Os suprimentos, ao contrário das outras prestações, não se reconduzem ao dever de contribuição. Nem existe um
dever estatutário societário de realizar suprimentos; estes são contribuições:

1. Financeiras voluntárias;
2. Têm natureza civilística, e não societária;
3. São regulados pelo CC e não pelo CSC.

Estas três figuras são figuras em que os sócios contribuem com meios financeiros para com a sociedade:

1. Prestações Acessórias;
2. Prestações Suplementares;
3. Suprimentos.
Joana Almeida | 2016-2017

Estas matérias não entram para as contas do capital social. Está relacionado com o dever de entrada; as suplementares
e acessórias não relevam para o capital social - cifra estatutária -, e os suprimentos muito menos.

1. Prestações Acessórias:

o Previstas para as SQ e SA; nas anónimas há regime de obrigação de entrada (arts. 209º e 287º do CSC);
o Decorrem diretamente dos estatutos35;
o Podem ser prestações pecuniárias ou não pecuniárias;
o Podem ser remuneradas ou não – com juros, se for dinheiro.

2. Prestações Suplementares | Art. 213º

o Só estão previstas para as sociedades por quotas;


o Fonte indireta nos estatutos36;
o Prestações pecuniárias – já não há serviços;
o Não são remuneradas, i.e., não há juros (art. 210º/5).

3. Suprimentos | Arts. 243º a 245º

o Os arts. 243º a 245º são normas restritivas37;

o São regidos principalmente pelo CCiv (art. 244º/1 e 3), mas há regras limitativas consagradas no CSC.
Neste capítulo relativo às sociedades por quotas não há um regime equivalente para as SA; se bem que é
pacífico que estas regras relativas ao contrato de suprimento possam ser aplicadas - por analogia - aos
contratos de sociedades anónimas; o que não é pacífico é quais os termos em que se faz esta analogia;

o O ideal é colocar tudo na parte geral;

o As duas primeiras prestações têm natureza societária e são impostas por estatuto ou pelas deliberações
sociais. Os suprimentos não são impostos pelos estatutos, mas da celebração voluntária de um contrato
de mútuo. São uma modalidade do contrato de mútuo ou empréstimo, têm natureza civilística;

o Dinheiro ou outra coisa fungível – art. 243º/1;


o Podem ser remunerados ou não.

Regime da Lei de Cada uma das Figuras

Prestações acessórias | Arts. 209º e 287º

 Quando se trate de um contrato típico, aplica-se este regime;


 Fonte directa nos estatutos - decorre de ambos os artigos (número 1);

 Podem ser prestações pecuniárias ou não. Quando não são pecuniárias, são prestações de serviços. Os
estatutos são fonte de obrigação. Ex.: mereceria, estar atrás do balção (número 2);

 Podem ser renumeradas ou não. A renumeração do dinheiro são os juros. O mútuo é a modalidade de
contrato de troca oneroso em que há uma contraprestação - o juro. Numa análise mais materialista, mais
substancialista, os juros são o preço do dinheiro (números 3 e 1).

35
Não tem de haver uma deliberação social sobre isto; a fonte são directamente os estatutos.
36
Previsão genérica nos estatutos + deliberação dos sócios, determinando que se realizem estas prestações. Quando eu olho para os
estatutos já sei que há o risco de ter de realizar estas prestações. Mas só quando há a deliberação é que nasce na esfera do sócio o
dever concreto de fazer a prestação suplementar.

37
Quando falámos nos acordos parassociais, determinámos que não eram regulados no CSC, mas haviam limites; aqui é o mesmo.
Joana Almeida | 2016-2017

Prestações Suplementares | Art. 210º

 Exclusivas das sociedades por quotas, como já analisamos;

 Fonte indirecta dos estatutos, não resultam automaticamente dos estatutos. Os estatutos têm que as prever,
autorizam que estas possam existir; depois tem que haver uma deliberação para existirem efetivamente. Há
uma expectativa jurídica nos estatutos, enquanto fonte; mas a obrigação apenas resulta da deliberação dos
sócios. Nas obrigações acessórias, surgiam directamente dos estatutos. O art. 211º refere o mesmo (número
1);

 São sempre pecuniárias (número 2);


 Não renumeradas, não vencem juros (número 3).

Suprimentos | Arts. 243º e ss


 Têm a natureza civilística e não são fonte nos estatutos. Passam é a ser obrigações acessórias quando tenham
natureza estatutária. Assim, não devemos ler o 244/º1 como sendo outra modalidade de suprimento, mas
antes como sendo qualificado enquanto prestação acessória, porque os suprimentos têm mesmo natureza
civil;

 O objecto do contrato de suprimento é o dinheiro (tipicamente) ou outra coisa fungível;


 O contrato de mútuo de dinheiro ou outra coisa fungível;
 Pode ser renumerada ou não.

Origem Histórica
1. Prestações Acessórias

Podem ter origem de serviços ou pecuniária, mas não há isenção de prestação de serviços. É uma infelicidade o
legislador permitir que sejam pecuniárias; contraria a origem histórica.

As sociedades em nome coletivo sempre estiverem relacionadas com o comércio, comunidades de trabalho; os
comerciantes, empresários estavam envolvidos na gestão, prestando serviços, a fazer encomendas, contabilidade.

 A sociedade anónima oitocentista também tinha muitas contribuições em serviços; existia em capital também. Quando os
alemães criaram as sociedades por quotas em 1992, também estava prevista a possibilidade de haver prestações
acessórias em serviços. Assim, ambas as sociedades de capitais, quando surgiram, previam a possibilidade de haver outra
prestação já não de capital, mas de serviços. Quando importámos a lei alemã em 1901, quanto às sociedades por quotas,
falhámos nesta transposição; a lei das sociedades por quotas não previa esta possibilidade de prestações acessórias, mas a
doutrina nacional falava disso e os estatutos continham estas cláusulas.

[Matéria recomendada no Manual de Rui Pinto Duarte]

O projecto do CSC passou a prever prestações acessórias de prestação de serviço, mas também as
pecuniárias, sem qualquer origem histórica. Actualmente existem as prestações acessórias nas sociedades
portuguesas; mas haverá prestações acessórias de serviço, que correspondam verdadeiramente à história? Há poucas,
a advocacia e os notários portugueses têm pouco hábito de prever isto, mas já é frequente haver imposição indirecta
de harmonização de quotas e exclusão de sócios ( que determinam a saída do sócio, e, por vezes, preveem que se se deixar de
prestar determinado serviço, as suas cláusulas serão harmonizadas, ou será excluído ). Assim, não é algo directo, mas indirecto,
através de um ónus.

As prestações de serviços podem surgir no âmbito destas sociedades comerciais; podem não surgir
directamente ou indirectamente nos estatutos, mas em acordos parassociais, o que é frequente.

2. Prestações Suplementares

Origem na lei germânica: previa a possibilidade de os estatutos preverem as prestações pecuniárias. Aquilo que
hoje existe no CSC foi inicialmente previsto logo pelo legislador germânico. Mas isto era pouco recorrente. No entanto,
Joana Almeida | 2016-2017

passou a ser frequente a dada altura, porque é mais fácil reaver prestações suplementares nas sociedades por quotas
do que reaver capital através de uma redução do capital social.

3. Suprimentos

Origem secular - empréstimos dos sócios às sociedades. Em vez de estarem ao abrigo dos estatutos, realizamos
prestações suplementares ou acessórias pecuniárias - limitam-se a dar à sociedade. É muito frequente que haja
dinheiro entregue pelos sócios à sociedade, não abrigo do dever de contribuições de prestações acessórias
suplementares, mas com carácter voluntário, carácter civilística; há uma maior liberdade, i.e., não funcionam tantas
regras de protecção dos credores e existem ainda vantagens fiscais.

Advertência: é uma figura híbrida entre o capital próprio (fornecido pelos sócios) e o alheio (terceiro). Do ponto de vista
material, são capital próprio, mas formalmente é alheio, porque entregam como se fossem terceiros a emprestar
dinheiro à sociedade. Isto levanta problemas de protecção de credores.

Advertência: construção Doutrinária e Jurisprudencial Alemã – emprestar dinheiro à sociedade em vez de contribuir
com entradas pode desproteger os sócios. Assim, entendeu-se que, em caso de insolvência, primeiro são pagos os
credores, depois os suprimentos e, só no fim, as acções. O que não se pode fazer é primeiro pagar suprimentos e
depois os credores; ou pôr estas obrigações em pé de igualdade, porque os suprimentos são sucedâneos de capital
próprio. RAUL VENTURA seguiu esta construção e, na lei, acolheu-se no art. 245º no seu todo, mas o professor referiu o
número 3.

Þ No código de insolvência, no art. 43º referem-se créditos subordinados, estando lá referido os suprimentos.
Vêm depois das obrigações subordinadas.

Nas SQ, há uma redundância entre o regime das prestações acessórias pecuniárias e das suplementares. Ou
seja, porque são precisas as duas, e não se entendem, fazia-se apenas uma.

Todavia, as prestações suplementares não podem ser renumeradas e as suplementares têm ainda regras mais
restritivas quanto à restituição, pelo que frequentemente, mesmo nas sociedades por quotas, faz-se mais prestações
acessórias pecuniárias em vez das suplementares. Faz-se aplicação analógica ou não do regime do suprimento das
sociedades por quotas. A maioria da doutrina entente que o regime dos suprimentos deve ser aplicado às sociedades
anónimas.

QUERELA: O pressuposto base é que estamos no âmbito da autónima privada do art. 405º CCiv e o artigo do CSC
funciona como um limite à autonomia privada; como função de protecção dos credores. Assim, aqui faz sentido a
analogia para não deixar os credores desprotegidos.

QUERELA: aplica-se a todos os accionistas ou não? Não se deve aplicar por analogia este regime dos suprimentos a
todos os accionistas, mas apenas a alguns. RUI PINTO DUARTE é quem tem a melhor teoria.

 Distinção entre accionista empresário e meramente investidor: o empresário deve ser sacrificado no ponto de
vista dos credores. Do ponto de vista germânico, se está a fazer suprimentos em vez de dar capital próprio, há
aquela ideia de em caso de insolvência, é pago em último. E o accionista meramente investidor não anda a
fazer suprimentos em vez de recorrer ao capital próprio, nem sabe bem por não ter informação financeira
sofisticada e actualizada, nem sabe se o dinheiro está a suprir exigências de capital ou se é uma exigência de
capital.

A tendência da doutrina é fazer esta separação de accionistas e apenas aplicar o regime dos suprimentos aos
accionistas que tenham uma capacidade de controlo financeira da sociedade; tem que ter pelo menos 10%. Mas RUI
PINTO DUARTE diz ainda que depende do caso concreto, porque pode ter essa percentagem e não ter acesso a
informação financeira; mas podem haver casos em que tem 2% e tem mais informação - assim não se deve definir um
valor, e ser mais sensível. A generalidade da doutrina, pelo contrário, tem vindo a procurar um valor exacto,
distinguindo entre 10%, por exemplo.

Aula de 21 de abril de 2017


Joana Almeida | 2016-2017

Direitos Especiais

A Doutrina diverge quanto à criação dos direitos especiais, designadamente, em momento ulterior ao
negócio institutivo. A questão que se coloca, em primeira instância, é de saber se é ou não necessária uma
maioria para a criação num momento posterior à instituição da sociedade.

Não é um direito de um terceiro face à sociedade, mas ao sócio. É inerente quer à corporatividade quer ao
seu carácter intuito personae. Atente-se ao art. 24º do CSC. Nas sociedades em nome colectivo não têm
natureza transmissível; nas sociedades por quotas tem; nas sociedades anónimas tem natureza supletiva.

A especialidade do direito não está no facto de ser um direito atribuído a um ou outro sócio.

Direito Especial à Gerência:

O direito tende a surgir no âmbito das sociedades por quotas, na medida em que estas têm três
características que o viabilizam [pendor personalístico; estrutura complexa; pequena dimensão]. É um direito
que se afasta do Princípio da Hetero-Administração (art. 252º/1 do CSC). Derroga assim o Princípio Essencial
da Igualdade de Tratamento dos Sócios (art. 321º do CSC). Derroga ainda o Princípio da Livre Destituição dos
Gerentes (art. 257º/1 do CSC). Estão dois interesses em causa:

Derrogação do Princípio da Livre Destituição dos Gerentes – Admissível ou Não Admissível?


Tem de existir justa causa e um processo judicial.

Ex.: sócio B tem direito a ser gerente a) por toda a sua vida [direito especial à gerência]; b) enquanto for vivo;
c) enquanto durar a sociedade. São todas exemplos de direitos especiais às gerências. Mas se surgir a
cláusula que estabelece que o sócio A estará vinculado sempre, já não estamos perante um direito especial
de gerência. É um direito especial de outra natureza.

Garantia Material: justa causa – dois padrões normativos, sendo que é um conceito indeterminado (art.
257º/6 do CSC), i.e., a violação grave dos deveres e a incapacidade do gerente para o exercício normal das
funções. É ainda possível que, paralelamente, exista um processo de Responsabilidade Civil, caso a actuação
do gerente provoque danos. A destituição terá de ser decretada, sempre, por um tribunal. Há ainda um
requisito prévio, i.e., a deliberação dos sócios quanto à destituição judicial do gerente. Esta deliberação social
não é requisito prévio se: (1) apenas um sócio requerer a destituição; ou (2) se existirem apenas dois sócios.

Inexigibilidade: relação conflitual. A gravidade dos factos que integram a justa causa funda-se no prejuízo que
tenha sido causado ao interesse da sociedade. A destituição surge como consequência normal. Ou seja, há
uma destituição legítima que se baseia na soma de uma justa causa com a susceptibilidade de prejuízo.

Segundo PEDRO CAETANO NUNES, a resolução dos contratos com justa causa surge em várias relações obrigacionais. Tem que se ter em
mente que a maioria dos contratos são de execução instantânea, pontual, mas também existem de prestação continuada. Os
Códigos Civis pensam essencialmente nesta primeira modalidade, sendo necessário destacar que os contratos de prestação
continuada devem ter regras específicas. Nas Sociedades Comerciais está próximo do mandato, há uma ideia de interesses alheios,
i.e., podem ser, a todo o tempo, destituídos, a menos que exista este direito especial à gerência.

Querelas Doutrinárias: pode um direito especial ser atribuído a todos os sócios de uma sociedade? Em
especial, pode um direito especial à gerência ser atribuído a todos os sócios?

Paulo Olavo da Cunha Correia: «aquilo que és especial não pode ser simultaneamente geral»; Vaz Serra, Pinto
Furtado e Coutinho de Abreu: «alguns direitos especiais podem ser atribuídos a todos os sócios,
nomeadamente o direito especial à gerência»; Raúl Ventura: «direitos especiais podem assistir a todos os
sócios, se estiverem em causa direitos que não fazem parte do conteúdo normal das quotas»; Menezes
Cordeiro: «tudo o que permita afastar interpretações que restingam, sem fundamento sério, a liberdade,
deve ser incentivado».
Joana Almeida | 2016-2017

Será o princípio da inderrogabilidade suprimido a propósito do Direito Especial à Gerência? Releva o art.
24º/5 do CSC. Mais, a questão do consentimento do titular, que também interessa neste sentido, também
tem certas querelas. {ficou em aberto}

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de junho de 2006 – O autor, F, médico e sócio da Ré – Lar
Chuva de Prata – pede a anulação da deliberação da Ré que destitui F da sociedade por quotas em questão e,
como pedido subsidiário, pede que a Ré seja obrigada a pagar uma indemnização. O Tribunal de Instância
deu razão ao autor, anulando a deliberação da Ré. A Ré, em recurso de revista, recorre ao STJ. A matéria de
facto: a SQ tinha apenas dois sócios, sendo que F tinha 45% das acções. A sócia gerente, Ana Mimosa Barra,
convocou F para uma AG com o propósito de o destituir. Fixou-se que nenhum dos sócios iria ser
remunerado pelas funções exercidas no Lar. Após a destituição de F, A deixou um cheque «referente à sua
retirada». F alegava que tinha um direito especial à gerência.

Havendo direito especial à gerência, este só podia ser suprimido com o consentimento do titular ou com uma
justa causa verificada. Não acontecendo um dos dois, haveria uma ilicitude. Antes de o tribunal se
pronunciar, deparou-se como facto de haver Jurisprudência que considerava os Estatutos da Sociedade como
matéria de facto. Sendo matéria de facto, o STJ não pode apreciar {só aprecia matéria de direito}. O STJ
considerou que o contrato de sociedade deveria ser interpretado de um ponto de vista da vontade objectiva,
perceptível por todos e não de um ponto de vista subjectivo, do sócio. Desta forma, considerou que os
Estatutos eram matéria de Direito, pelo que se podiam pronunciar sobre o objecto.

O número 2 do art. 4º do Estatutos releva, no sentido de perceber se existia ou não o direito especial. Apesar
de se dizer que os sócios são gerentes, não se diz que são necessariamente detentores desse direito. Em caso
de dúvida não há direito especial. O tribunal considerou que não havia direito especial, pelo que a anulação
da deliberação seria improcedente.

Mas o autor, F, fez um pedido subsidiário, da indemnização. Para o efeito, importa atentar ao art. 257º/7 do
CSC. Segundo Raul Ventura, os prejuízos indemnizáveis são os resultantes da perda de proventos do gerente,
nessa qualidade, durante certo tempo. Sendo uma prestação gratuita – pois não recebia enquanto gerente –
não há perda de proventos, pelo que não haveria indemnização, a menos que tivesse sido estabelecida de
meio prévio, i.e., contratualmente. Foi deixado um cheque por A, pelo que também se levantou a questão de
saber o que era este montante. Cabia ao autor – ónus da prova – provar que teve prejuízos. Ficou ainda por
saber se o montante deixado no cheque se reportava ou não aos outros serviços prestados, enquanto
médico, no Lar. Assim, também o segundo pedido do autor foi julgado improcedente.

Acórdão STJ, de 17 de abril de 2008 – Pacto Social | Interpretação | Direito Especial à Gerência

Os sócios gerentes intentaram uma acção, pedindo a anulação das deliberações sociais. O juiz de 1ª instância
considerou, em despacho saneador, a improcedência da acção. Foi interposto recurso de apelação para o
TRP. Este voltou a considerar a acção improcedente. O STJ também negou a revista.

Interpretação das Cláusulas do Pacto Social – a objectividade como regime-regra. Resume-se à descoberta do
sentido objectivo da declaração negocial. Os critérios aplicáveis são a teoria da impressão no art. 236º, e
ainda o art. 238º do CCiv. No caso da Ré, estava em causa a interpretação do art. 5º do Pacto Social. No final
do AC é dito que a cláusula é neutra, pelo que não há direito especial à gerência. O mesmo não consta do
contrato.

11. ESTRUTURA ORGÂNICA DAS SOCIEDADES COMERCIAIS


11.1. NOÇÃO DE ÓRGÃO

A noção de pessoa jurídica ou personalidade jurídica é aquela que decorre da norma jurídica, dos efeitos
jurídicos que se reflectem nas pessoas enquanto centro de imputação dos efeitos. O conceito de órgão há-de ser assim
próximo do conceito de pessoa colectiva, de pessoa colectiva. Os órgãos são centros de imputação, mas no interior da
Joana Almeida | 2016-2017

organização; subjectividades jurídicas internas. Não são eles, órgãos, que se vinculam perante terceiros. Os negócios
jurídicos serão os celebrados pela pessoa colectiva. Não são partes do contrato de compra e venda. Relevam da vida
interna da PC – que é a parte nos negócios jurídicos no âmbito externo [perspectiva analítica normativista].

A generalidade dos manuais de teoria geral oferece esta noção normativista, de sujeito de direitos e deveres.
Se se adopta com maior ou menor consciência esta noção, adopta-se a perspectiva em apreço.

Há ligeiras querelas, porque há quem considere que o órgão é sempre a pessoa física inserida na respectiva
pessoa colectiva; há que em adopte, em contraponto, a concepção institucional, considerando o órgão uma abstracção,
sendo sempre uma instituição jurídica – nunca é a pessoa física; e por fim, duas posições ecléticas:

(1) FREITAS DO AMARAL – que não aparece em nenhum escrito, surge no âmbito administrativo. Na opinião de
PEDRO CAETANO NUNES, vale tanto para o Direito Administrativo, como para o Direito Privado. Órgão será a
pessoa física, mas do ponto de vista da teoria da organização, o que releva é o conceito institucional (no
organigrama, desenho da organização, vale o conceito de órgão institucional; mas para efeitos da
actuação, da actividade, de negócios jurídicos ou contratos de direito privado nas SC, quem actua são as
pessoas físicas). As instituições não têm «pernas, nem braços», não verbalizam ideias, pelo que ao nível da
actividade negocial, os protagonistas são os seres humanos.

O professor considera que se trata de uma posição sem grande justificação. É a ideia de que quando se
está a pensar na prática de negócios jurídicos ou de actos administrativos, são os seres humanos que
actuam. Já na perspectiva estática, ao identificar os órgãos, estes já não serão pessoas físicas, mas
instituições, ou seja, entidades abstractas criadas pelo Direito.

(2) PEDRO CAETANO NUNES considera que podem ser uma coisa ou outra. Quando é um órgão deliberativo,
trata-se de uma instituição. A competência para deliberar a fusão atribuída ao colégio dos sócios; a
competência para designar os administradores. É uma subjectividade distinta dos sócios (instituição
diversa do somatório dos sócios – a competência é entregue ao colégio, mesmo que não estejam
presentes todos os sócios: não é uma competência dos sócios, mas sim atribuída a um colégio dos sócios.
São os poderes do colégio, não os poderes dos sócios). Quando a actuação é singular ou conjunta, os
órgãos já são os seres humanos.

Geralmente, por definição, os efeitos da teoria da organização são os poderes e/ou competências. O
Professor considera que são os dois sinónimos. Além destes, podemos ainda ter direitos e deveres. O radical, o
que é certo, são os poderes e/ou competências. Para determinar se existe um certo órgão, não vamos ver se
tem direitos ou deveres, mas competências. Os poderes podem corresponder a direitos ou estar associados a
deveres (figura do poder-dever). É um poder orgânico porque é relativo ao regime jurídico corporativo da
pessoa colectiva. Há os poderes que não inerentes pelo regime corporativo, estatutário.

P.e., o art. 261º atribui poderes de representação aos gerentes. São regulados pelo regime estatutário. Mas as
SA também podem emitir procurações. Neste caso, são representações voluntárias.

Actuação Singular, Conjunta, Colegial ou Deliberativa {na terminologia italiana, usa-se disjunta para o singular, mas não
é uma terminologia preterida pelo Professor} – esta discussão sobre a actuação no âmbito da teoria das organizações
deve ser enquadrada na teoria do negócio jurídico. Constituem, em rigor, modalidades da declaração negocial.
Podemos ter declarações singulares, conjuntas ou colegiais (há um colégio que actua, uns que votam num sentido e
outros para o outro sentido – deliberação versus conjunta).

Quando dois comproprietários vendem um prédio, emitem uma declaração negocial conjunta. Esta
classificação é mais ampla, não serve apenas para as pessoas colectivas. Quanto ao colégio é, tendencialmente, nas
pessoas colectivas. Em rigor, a classificação não releva apenas na teoria das organizações, é teoria no negócio jurídico.
Têm que se cruzar – é a perspectiva germânica, analítica, para se fazer a teoria mais pura.
Joana Almeida | 2016-2017

Pluralidade de Pessoas na Teoria do Negócio Jurídico

Podemos ter pluralidade de partes – negócio jurídico plural. Ex.: A e B fazem um negócio jurídico. Existem duas
declarações negociais. Se apenas tivermos o A, temos um negócio jurídico unilateral. A declaração negocial de quem vai
vender, pode ser emitida por A1 e A2 – comproprietários. Temos uma declaração negocial duplas, i.e., temos duas DN,
mas apenas um negócio jurídico unilateral. O mesmo pode acontecer do lado de quem compra. Este é um problema da
pluralidade de pessoas ao nível da declaração negocial.

 Na declaração conjunta, existe um acto conjunto caracterizado pela actuação da pluralidade de


pessoas em unanimidade; na declaração ou actuação deliberativa e/ou colegial, não há a regra da
unanimidade, mas da maioria. A maioria dá um conteúdo vinculativo.

 Conjunta – Unanimidade;
 Deliberativa ou Colegial – Maioria {Princípio da Suficiência da Maioria38}.

11.2. ESTRUTURA DA DELIBERAÇÃO

É vista como resultado e como processo. Por trás desta, está sempre o Princípio da Suficiência da Maioria. É um
processo caracterizado por uma proposta de deliberação e pela alternativa dialética do voto. Podemos identificar
outros actos, os quais acessórios. O cerne do processo deliberativo esta na proposta e no voto. São os dois momentos
centrais.

Enquanto resultado, é constituída pelo conjunto de votos que fizeram o vencimento. Uma proposta de deliberação
para eleger alguém como representante de turma – quem vota «SIM», tem como efeito jurídico a designação dessa
pessoa. E quem votou contra, para efeitos de resultado, não interessa, na medida em que o efeito jurídico que
pretendiam era o oposto, o qual não é performativo.

As deliberações negativas, em que o «NÃO» é superior ao «SIM», nunca produzem efeitos jurídicos negociais.
É possível que produzam outros efeitos, mas esses decorrentes de normas jurídicas. As importantes são as positivas,
sendo estas capazes de produzir efectivamente efeitos. Contudo, só produzem efeitos aquelas que se baseiam em
propostas de deliberação com conteúdo positivo. Têm conteúdo jurídico as positivas, que fazem vencimento; mas para
além disso, só as que têm conteúdo positivo. P.e., se na deliberação se vota sim para «não eleger X», não há qualquer
efeito útil. O conteúdo jurídico não é positivo. Ou seja, há vencimento, mas não há conteúdo positivo.

Ainda a propósito do conceito de órgão, fala-se em órgãos e em subórgãos {Conselho de Administração e, p.e.,
a Comissão Executiva}. Continuam a ser centros de imputação de normas orgânicas, pelo que continuam a ser órgãos 39.

11.3. MODALIDADES DE PODERES E/OU COMPETÊNCIAS ORGÂNICAS 40

Competência Externa (ou Poder de Representação) e Competência Interna (ou Poder de Administração) – a interna é
a competência decisória; internamente decide-se o que se vai fazer, para se depois actuar no mundo exterior. PCN acha
que é interna por contraposição à externa. A externa: (1) é abstracto e limitável, para protecção de terceiros, por força
da Directiva de Coordenação e da inspiração germânica, i.e., da protecção do tráfego de terceiros; (2) tendencialmente
concentrados no órgão de administração – quem vincula a sociedade perante os terceiros são os gerentes, não os
sócios – diminuição dos custos de transacção e de contexto para as empresas.

38
Mecanismo jurídico que permite privilegiar a maioria em detrimento da unanimidade.
39
Coutinho de Abreu faz uma distinção com a qual Pedro Caetano Nunes não concorda [ADVERTÊNCIA].
40
Não são modalidades dos órgãos, mas dos poderes orgânicos.
Joana Almeida | 2016-2017

É tendencial porque há outros órgãos com competência face ao exterior. P.e., os órgãos de controlo –
Conselho Fiscal e de Supervisão – podem pedir informações a terceiros, pelo que têm competências externas pontuais.

Por vezes fala-se em órgãos internos e externos – esta classificação é errónea. Existe um órgão
tendencialmente externo; os órgãos internos são todos os órgãos, mesmo o Conselho de Administração (além das
competências externas, dialoga com os demais órgãos e delibera, antes, interiormente – no seio da sociedade).

11.4. MODALIDADES DE ÓRGÃOS

Há uma classificação entre órgãos originários e derivados – com a qual o Professor concorda. Os originários
são os sócios e os colégios dos sócios. O seu poder e designação advém directamente do contrato de sociedade. Os
outros são derivados, porque são designados pelos sócios ou por outros órgãos derivados.

O colégio dos sócios, na perspectiva do Professor, é o órgão principal. O originário resulta automaticamente do
contrato de sociedade, dos estatutos. O derivado funda-se em designação. Podem haver vários graus de designação,
i.e., um órgão derivado pode designar outros órgãos. Há estratificação orgânica.

Nota: quanto maior a estratificação – órgão que nomeia outro, e esse outro, nomeia outro e afim -, menor a democracia,
ou seja, quanto menor a restrição do poder, maior a informação.

Classificação de Órgãos Derivados

Interessam para a Sociedade Anónima, porque é esta que tem uma estrutura orgânica complexa. As outras
têm uma estrutura tendencialmente simples. Nos órgãos derivados:

1. Órgão de Administração ou Gestão;


2. Órgãos de Controlo;

2.1. Controlo Contabilístico (Auditores ou Revisores Oficiais de Conta);


2.2. Controlo Político;

2.2.1. Pura Fiscalização;


2.2.2. Supervisão.

Administração
Controlo
Gestão

Controlo Político Controlo Contabilístico

Pura Fiscalização

Supervisão
Joana Almeida | 2016-2017

Na SA há uma diferenciação do órgão de gestão e controlo ao abrigo da separação de poderes. Dentro dos
órgãos de controlo, há uns que fazem apenas controlo das contas; outros, além das contas, vão determinar se os
negócios andam a ser bem feitos. Dentro destes, do controlo político, temos os que têm maiores ou menores poderes.
Além disto, há que ter em conta os que têm «mais garras» - além do poder de fiscalização, podem nomear e destituir os
administradores e de participar na gestão.

Aula de 28 de abril de 2017


Aula pela Daniela Rodrigues

Há clivagem terminológica quanto aos conceitos; há quem fale em fiscalização e não em controlo; conceito amplo
de fiscalização. É bastante frequente distinguir controlo político e meramente contabilístico.

A segunda subdivisão que opera dentro dos órgãos de controlo não é pacífica na Doutrina. De acordo com o
Professor e RUI PINTO DUARTE, há uma posição; o resto da Doutrina defende que existem os órgãos de controlo e
fiscalização política, sem distinguir a «supervisão» da «pura fiscalização».

O professor faz esta distinção, porque considera que é importante distinguir órgãos de controlo político com
poderes reforçados, maior capacidade de controlo político, que não têm poderes de mera fiscalização, mas sim outros
que ajudam a exercer com eficácia a função de fiscalização:

1. Competência de Nomear e Destituir os Executivos – quem nomeia os executivos. Do ponto de vista


substantivo de direito comparado, tal significa nomear ou destituir como administradores ou operar delegação
de poderes. Atribui bastante força ao órgão de fiscalização ou controlo político.

2. Competência ou Poder de Participação na Gestão - os actos, decisões e operações de gestão mais


importantes devem ser levadas ao conhecimento do órgão de controlo politico para que este as autorize.
Não se trata de uma iniciativa de gestão – esta cabe sempre aos executivos –, mas da autorização para actos de
gestão importantes.

Nos trabalhos preparatórios, o legislador germânico reconheceu que ao participar em determinadas


decisões de gestão, os órgãos de controlo político perdem distanciamento, o que cria menor capacidade de
controlo político dos executivos que já estavam nas decisões de gestão. Em contraponto, os alemães acharam
que sem esta participação na gestão, o órgão de controlo político ia estar aliado, com pouca informação e
estava reconduzido a um controlo meramente contabilístico ao invés de controlo político efetivo.

Os portugueses e italianos, que não criaram órgãos de supervisão, mas sim um Conselho de
Fiscalização, com poderes de fiscalização política, não obtêm um qualquer efeito. Com esta proximidade à
gestão, os alemães criaram órgãos de controlo politico que acompanham decisões de gestão, efectivamente;
têm controlo político eficaz – a teoria da separação de poderes está por detrás desta ideia, check and
balances. O órgão de supervisão tem estas duas competências, de participar na gestão, e de destituir órgãos
executivos (mecanismos para tornar a fiscalização politica efectiva).

11.5. IDENTIFICAÇÃO DOS ÓRGÃOS

Para todos os tipos societários, existe um órgão primordial e comum – a Assembleia Geral. Trata-se de um órgão
soberano, constituído pelos sócios e/ou acionistas, a quem compete, “grosso modo”, a formação do núcleo essencial da
vontade social, a eleição e destituição dos membros dos demais órgãos sociais, as alterações estatutárias, as grandes
operações de reorganização da estrutura jurídica (fusão, cisão, transformação, agrupamento) e financeira (aumento e
redução de capital social), e a dissolução da sociedade comercial (arts. 53º e ss, 189º, 248º, 270º-E, 373º e 472º, CSC).

Sociedades em Nome Colectivo


Joana Almeida | 2016-2017

O órgão principal é o Colégio dos Sócios - órgão originário (191º). Temos ainda a Gerência, para além dos
sócios; é, por isso, o segundo órgão principal, mas, pela regra do 191º, percebemos que existe uma coincidência entre
os sócios e os gerentes, daí que se conclua que ainda que formalmente haja separação orgânica entre sócios e
gerentes, como são as mesmas pessoas, esta separação orgânica é mais insipiente, há pouca complexidade orgânica.

Sociedades por Quotas

Mais uma vez, temos o Colégio dos Sócios e a Gerência (252º ss) como órgãos principais. A complexidade
tende a ser superior, porque é frequente que os gerentes não sejam sócios, i.e., podem ser estranhos. Há uma maior
segregação orgânica. A gerência é o órgão a quem compete a gestão e a representação da sociedade, podendo ser
composta por sócios ou terceiros, e funcionando, em regra, conjuntamente (252º a 261º, CSC).

Diz o art. 261º que a gerência pode actuar no exercício de poderes/competências externas - a vinculação
externa da sociedade – e em deliberações internas. É atribuída maior importância ao órgão de gerência
comparativamente com as sociedades em nome coletivo. A lei prevê que se tomem decisões internas; há maior
densidade orgânica.

Admite-se ainda a criação de Conselho Fiscal – órgão de controlo político de pura fiscalização - de acordo com
o art. 262º, mas é bastante raro.

Sociedades Anónimas

Tenho sempre o Colégio dos Sócios como órgão principal sendo que os órgãos derivados podem estruturar-se de
acordo com três modelos de governação – importante para Corporate Governance. As sociedades anónimas são, de
longe, o tipo societário dotado de uma estrutura orgânica mais complexa, prevendo actualmente a lei três modelos
alternativos de organização das sociedades anónimas (278º).

11.5.1. MODELOS ALTERNATIVOS DE ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES ANÓNIMAS

Modelo Tradicional
Inventado em 1867, e, há quem o considere latino.

Þ Nos termos do art. 278º, podemos distinguir: dois órgãos - o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal.

O Conselho de Administração tem poderes de gestão (arts. 405º e 406º); o Conselho Fiscal é o órgão de
controlo político. Se olharmos para as competências do Conselho Fiscal (art. 420º), uma delas é logo fiscalizar a
administração da sociedade (número 1 alínea a)). E as alíneas seguintes podem ser incluídas nesta. Não tem as
competências de participar na gestão ou de nomear e destituir os administradores e, por isso, é que é de pura
fiscalização.

O Conselho Fiscal não tem competências de controlo político reforçado. Temos de adoptar aqui a distinção de RUI
PINTO DUARTE. Os órgãos de governo são o Conselho de Administração, enquanto órgão executivo, e o Conselho Fiscal,
órgão de controlo político. A Comissão Executiva não é obrigatória, mas na prática sociológica é frequente (face à
tendência de informação de oligarquia). Existe a lógica de concentração do poder e informação nos órgãos superiores.
Na terminologia do professor, é possível distinguir:

Þ O modelo tradicional simples;


Þ O modelo tradicional complexo ou estratificado: temos mais um órgão, que é a Comissão Executiva.

Passamos a ter o Conselho Administrativo, o Conselho Fiscal e a Comissão Executiva; a Doutrina considera que isto
altera o equilíbrio de forças:
Joana Almeida | 2016-2017

o O órgão executivo passa a ser a Comissão Executiva, que detém o poder executivo;
o O Conselho de Administração passa a ser apenas um órgão de controlo. 

Se no modelo tradicional complexo estratificado, o maioritário, a Comissão Executiva é o órgão de gestão, o Conselho
de Administração não é órgão de gestão, mas sim de controlo.

{Crítica modelo tradicional simples: não há um órgão de controlo político com poderes limitados, não há um órgão de pura
fiscalização. Crítica modelo complexo: fiscal. Existem dois órgãos de controlo, logo há menor controlo porque está disperso} .

Aplica-se o modelo anglo-americano se quisermos Governance eficiente.


Modelo tradicional complexo se quisermos maior assimetria de informação.

Modelo Anglo-Americano
Importação Jurídica em Especial da Experiência Norte-Americana

O art. 278º/1, b), fala em Conselho de Administração e Comissão de Auditoria. Os EUA não tinham um
modelo de governo com dois órgãos: executivo e de supervisão. Porém, em meados do século passado começaram a
perceber que talvez devessem mudar. Os estatutos das grandes sociedades norte-americanas começaram a prever um
regime da prática dualista e a partir daqui a doutrina norte-americana começou a teorizar sobre este novo modelo
estatutário dualista criando um paralelismo com os alemães.

Começaram então a fazer com que o Board of Directors assumisse um controlo político delegando a gestão nos
Officers, CEO, CFO (executivos). No Board podem estar administradores e gestores que são também executivos, porém
pode fazer-se uma clivagem essencial entre os executivos – officers – e não executivos – directors que não são officers.
Ao fazer a delegação e reservando para si o controlo político, aproximaram-se dos alemães. Impõe-se regras: a maioria
no Board tem que ser executivos que se reúnem separadamente, são por isso um órgão de exclusivo controlo. Quem
nomeia os executive officers é o Board. Os atos de gestão mais importantes, na prática, são discutidas no Board. Os
executivos são o órgão de gestão e o Board são o órgão de controlo.

O Conselho de Administração é um órgão de controlo e a comissão de auditoria é também um subórgão de


controlo, o órgão de gestão é a comissão executiva, mas não diz na alínea b).

O art. 423º- B é uma transposição imperfeita do regime norte-americano, os membros da Comissão de


Auditoria não podem exercer funções executivas. Esta é um subórgão do Conselho de Administração, o que significa
que há órgãos do Conselho de Administração que são órgãos da Comissão de Auditoria. A lei diz que aos membros da
comissão de auditoria é vedado exercer funções executiva, mas quem as exerce é o Conselho de Administração, a não
ser que delegue os poderes. Interpreta-se então o numero 3 do 423º no sentido de ter que haver delegação de poderes
dentro do Conselho de Administração, ou seja, determinados membros passam a ser administradores executivos, para
que os que pertencem à comissão de auditoria deixem de ser administradores executivos.

Administradores executivos Comissão de Auditoria Maioria


Delegam na comissão de são administradores não
auditoria. executivos, independentes das
finanças.
Comissão de executiva Só estes
têm poder executivo.
Administradores Não Executivos
Perdem poder executivo.

I.e., nos termos do 405º, o Conselho de Administração tem competências de gestão, este é que tem funções executivas.
Acrescenta o 407º que grande parte destes poderes podem ser delegados, nomeadamente numa Comissão Executiva
Joana Almeida | 2016-2017

ou administradores executivos individualmente, sendo o caso menos frequente. Assim, temos residualmente a
delegação na Comissão de Auditoria. Na opinião da maioria da doutrina o 423º-B/3 devia dizer que há delegação na
Comissão Executiva para os poderes executivos estarem apenas nos verdes e deixem de estar nos vermelhos, membros
da Comissão de Auditoria.

Nesta modalidade, são órgãos principais o Conselho de Administração compreendendo uma Comissão de Auditoria,
assim como uma Comissão Executiva41, por isso a maioria da doutrina considera que este art. não está completo. Este
modelo é bastante próximo do americano: o Conselho de Administração é um órgão de controlo político como um
todo, são quem nomeia e destitui os executivos, sendo a Comissão de Auditoria um subórgão, órgão de fiscalização. A
Comissão Executiva é o órgão de gestão.

Modelo Germânico
Importação do Regime Germânico

Na sua origem baseia-se a ideia de órgão de controlo político de supervisão com competências acrescidas de
modo a fazer controlo político efectivo: (1) uns são «os executivos» que se encontram no Conselho de Administração
Executiva/Administração, (2) por contraponto, outros são os «não executivos», e estão todos nos órgãos de
supervisão, Conselho de Supervisão. Isto é o que encontramos no art. 278º/1 c).

Existe ainda o Revisor Oficial de Contas, não é muito importante, faz apenas controlo contabilístico.

Þ Executivos – Conselho de Administração;


Þ Não Executivos – Conselho de Supervisão.

A nossa importação peca em dois sentidos, que culminam no menor reforço dos poderes:

o Os arts. 441º e 425º dizem que os executivos podem ser nomeados pelos órgãos de supervisão e pelos sócios
se os estatutos assim o determinarem. Na Alemanha, é sempre pelo órgão de supervisão, por via a ter
competência reforçada. Nós temos menos poderes reforçados.

o Em relação ao poder de participação na gestão, os alemães veem esta participação na gestão de três formas:
(1) estatutos estabelecem que determinados poderes têm que ter autorização do órgão de supervisão; (2)
quando o órgão de supervisão no seu regulamento interno assim o determinar; (3) e quando o órgão de
supervisão o determinar ad hoc. Em Portugal, de acordo com o 442º, é só através dos estatutos que o órgão
tem intervenção. Em Portugal há um menor reforço.

Em rigor não são três modelos mas sim cerca de nove, pois olhando para o art. 278º, em especial o número 4,
5 e 6, vemos que podem haver pequenas alterações aos modelos, i.e., submodalidades.

Relevância dos Estatutos

Como ainda agora se viu, dada a natureza imperativa dos modelos sociais, os estatutos sociais não poderão
estipular a inexistência de órgãos sociais obrigatórios nem criar modelos orgânicos atípicos ou mistos, além de, em
certos casos, deverem mesmo optar expressamente por um dos modelos alternativamente predispostos pela lei
(272º/g)) e 278º). Como é evidente, a liberdade de conformação estatutária dos sócios em sede de organização
societária termina onde as normas imperativas do legislador societário começam.

12. COMPETÊNCIAS DO CONJUNTO DOS SÓCIOS

12.1. SOCIEDADES ANÓNIMAS

Colégio dos sócios têm essencialmente competências internas,


Pontualmente há competências com o exterior.

41
Não tem que ser necessariamente uma comissão executiva, podem nomear apenas 3, por exemplo, e estes não criarem um órgão
colegial. Não é, contudo, a prática, porque assim não são obrigados a reunir e explicar o que estão a fazer.
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12.1.1. COMPETÊNCIA DE DESIGNAÇÃO DOS ÓRGÃOS DERIVADOS (COMPETÊNCIA EXTERNA) | ART. 252º

o Designação de gerentes [podem ser designados nos estatutos, fora esses casos, são designados pelos sócios ] - 391º;
o Designação dos administradores das sociedades anónimas;
o Criação dos membros do Conselho Fiscal – 415º;
o Nomeação dos membros do Conselho de Auditoria - 423º-C;
o Nomeação dos membros do Conselho Geral e de Supervisão - 435º;
o Nomeação do Secretário da Mesa da Assembleia Geral - 446º;
o Os administradores executivos podem ser designados pelos sócios, se estiver no estatuto - 425º 42.

12.1.2. ALTERAÇÃO ESTATUTÁRIA (COMPETÊNCIA INTERNA) | ART. 85º.

Temos ainda as normas que estabelecem maiorias qualificadas para as alterações estatutárias: 265º
(sociedades anónimas) e 383º e 386º (sociedades por quotas).

12.1.3. APRECIAÇÃO PERIÓDICA DA SITUAÇÃO DA SOCIEDADE (COMPETÊNCIA INTERNA)

o Prestação de contas:
o Na sociedade por quotas é o 246º;
o Nas sociedades anónimas é 376º.

12.1.4. AFECTAÇÃO DOS RESULTADOS (COMPETÊNCIA INTERNA)

o Contas do ano passado;


o Orçamento do ano seguinte – arts. 246º e 376º.

12.1.5. COMPETÊNCIA DE GESTÃO (COMPETÊNCIA INTERNA)

o Nas sociedades por quotas (246º/2 alínea c) e b)), está previsto que os sócios possam deliberar sobre matérias
de gestão, porque a gerência não tem competências exclusivas;

o Nas sociedades anónimas há competência exclusiva de gestão por parte do Conselho de Administração.

A maioria da doutrina interpreta o 373º/3 no sentido de os sócios não terem competência de gestão nas
sociedades anónimas, mas há quem entenda que não é assim – concepção moderna de sociedade anónima: a
sociedade anónima deve ser seguida com eficácia de gestão, não é uma democracia. Os sócios não podem tomar
decisões e gestão.

Þ Os autores portugueses que adoptam a posição minoritária têm ideologia de esquerda mais intensa.

A posição de ENGRÁCIA ANTUNES e de PEDRO CAETANO NUNES é de que o poder exclusivo de gestão é em rigor uma
iniciativa exclusiva de gestão, isto porque as grandes decisões de gestão são sempre levadas ao sócio. Temos o exemplo
da fusão; logo, não é exclusivo do Conselho de Administração, os sócios têm uma palavra a dizer nestas grandes
decisões, não há exclusividade de gestão em rigor técnico, mas sim de iniciativa da gestão. A ideia não é a da não
intervenção dos sócios nas decisões de gestão; o que é proibido é que os sócios tomem a iniciativa de exteriorizar
instruções aos gestores – iniciativa de gestão. Pode ter que exigir autorização dos sócios, em áreas importantes como
alterações estruturais, mas não pode tomar iniciativa.

Noção de Gestão

Em grande medida, a maioria das decisões dos sócios também relevam da gestão. Pense-se no exemplo da
fusão – as grandes alterações estatutárias são da competência dos sócios, como é o caso da competência de fusão. Esta
matéria também tem relevo de gestão. Assim, deve distinguir se são decisões estruturais de gestão, que pertencem
42
Estão a contratar pessoas para terem vínculo obrigacional com a sociedade, daí ser competência em rigor externa.
Joana Almeida | 2016-2017

aos sócios ou se são competências de gestão não tão estruturais, as quais pertencem apenas ao Conselho de
Administração. Mas todas elas são competências de gestão.

Querela doutrinária – é possível que os estatutos estabeleçam que, além das fusões, há outras matérias que exigem o
«sim final» dos sócios? PEDRO CAETANO NUNES e MENEZES CORDEIRO entendem que sim – é possível que os estatutos
alarguem a competência dos sócios para matérias de gestão estruturais. Especialmente, nas sociedades anónimas
fechadas, faz todo o sentido alargar o leque de matérias de gestão sujeitas à aprovação dos sócios.

Instruções versus Autorização

Autorização - os administradores tomam a iniciativa, mas aquilo ainda tem de passar pelos sócios;
Instruções - a iniciativa é dos sócios, o que regra geral não sucede.

Ainda a propósito do 373º/3, alguma doutrina, entre eles o Professor e MENEZES CORDEIRO, discute até que
ponto os estatutos podem prever que é necessária uma autorização dos sócios para a prática de determinados actos
nas SA. E discute-se ainda se as decisões que podem ser prejudiciais aos sócios podem não precisar da sua autorização.

12.2. SOCIEDADES POR QUOTAS

A este propósito temos o art. 261º: competência interna e externa dos gerentes. Quando se fala em
«vinculada», abordamos a competência externa e deliberações de competência interna.

Þ Há vários gerentes e os poderes externos são exercidos conjuntamente;


Þ Declaração negocial conjunta maioritária. Se forem dois gerentes, têm que assinar os dois.
No acto conjunto atua um determinado conjunto de pessoas, todos no mesmo sentido; já nas deliberações, cada um
vai no seu sentido; visa possibilitar várias opiniões – alternativa dialética do voto. O processo de formação do negócio
jurídico admite a divergência, o que não se admite nestas declarações conjuntas maioritárias.

Liberdade Estatutária:

 Os estatutos podem estabelecer um número inferior de assinaturas para a vinculação, porque isso não origina
problemas para os terceiros;

 Mas e se os estatutos estabelecerem um número superior de assinaturas para que haja vinculação, também é
possível? Maioria da Doutrina diz que sim, desde que de tal haja publicidade do registo comercial;

 Pode haver referência nominal a um gerente? (P.e., se for o Joaquim a intervir, ele pode assinar sozinho) – isto
também é possível, desde que inscrito no registo comercial.

A assinatura de um único gerente, apesar de haver vários, é admitida por alguma jurisprudência, mas tal é
contra legem – 1ª Directiva de Coordenação.

O regime do 261º é supletivo, podem estabelecer-se regras diferentes através dos estatutos. Quais regras?

Þ É possível a vinculação de um numero inferior à maioria – não há problemas para os terceiros, maior
protecção quanto mais fácil for a vinculação da sociedade.

Þ E um número superior à maioria? A maioria da doutrina diz que sim, desde que esteja publicitado no registo
comercial. TEIXEIRA DOS SANTOS considera que não.

Þ É possível a referência nominal a um gerente? Sim, desde que haja publicidade registral: o X intervém sempre
(protecção de terceiros).

Quanto à delegação do poder de representação, ao abrigo do 261º/2 é possível fazer a delegação apenas a 1,
i.e., ao nível interno 2 delegam 1 e só esse vincula a sociedade. Do ponto de vista conceptual pode distinguir-se os
Joana Almeida | 2016-2017

poderes de representação originários dos delegados. Esta credencial tem uma estrutura analítica semelhante a uma
procuração.

Ainda a propósito da vinculação nas sociedades por quotas, o art. 246º/c) estabelece que, salvo disposição
estatutária em contrário, a alienação ou oneração de imóveis ou de estabelecimento, depende de deliberação dos
sócios. Temos aqui uma querela, sendo que, parte da doutrina, considera que isto limita os poderes dos gerentes ou
que limita meramente os poderes internos.

Parte da doutrina considera que limita externamente. Para o Professor e COUTINHO DE ABREU, estas limitações têm efeito
meramente interno, i.e., quando dois gerentes vendem um imóvel sem terem perguntado aos sócios se concordam, a
venda é eficaz, pois a exigência da deliberação dos sócios tem efeitos meramente internos, não afecta a competência
externa e o poder de deliberação.

Assim, será esta uma norma com efeito externo ou meramente interno?

o COUTINHO DE ABREU: não há limitação da vinculação externa;

o RAUL VENTURA: há limitação da vinculação externa;

o PEDRO CAETANO NUNES: a fusão, por exemplo, está elencada no nº1 do 246º, ou seja, corresponde ao núcleo das
deliberações que injuntivamente cabem aos sócios. Diferentemente, as deliberações referidas no 246º/2 (em
que se insere a alienação e oneração de imóveis) não são injuntivas, pelo que não devem repercutir-se na
esfera externa da sociedade.

Aula de 2 de maio de 2017

A norma legal de referência é o art. 261º do CSC. A regra supletiva, sem prejuízo dos estatutos o poderem
fazer, aponta para um regime de vinculação através da actuação da maioria dos gerentes. Ainda na aula passada, a
liberdade de estatuição – vinculação com um número superior {problemática doutrinária}. Foi ainda feita referência à
nomeação do gerente [só é vinculado se assinado por A, p.e.]. Olhámos ainda ao art. 262º, da possibilidade de
delegação do poder de representação; e para o art. 246º/2, que refere a competência dos sócios, a qual se discute se é
uma competência que vai limitar a deliberação dos gerentes ou se tem apenas um limite interno, não interferindo na
gerência. ENGRÁCIA ANTUNES defende que é uma competência puramente interna.

Competência Interna (ou Poder de Administração/Gestão)

 Ao contrário das SA, em que os administradores têm uma competência exclusiva de gestão; nas SQ, os
gerentes ou a gerência não têm quaisquer poderes exclusivos. A consequência prática: os sócios
podem dar instruções aos gerentes; podem tomar a iniciativa de gestão, dando instruções.

 O art. 261º é um artigo complexo do qual resultam várias normas jurídicas – sobre a competência
quer externa, quer interna. Quando se fala nas deliberações por maioria, o legislador estabelece uma
regra sobre a competência interna (distinta da que fala da externa ou da vinculação da sociedade
através da actuação dos gerentes). Os votos da maioria são a competência interna. Aos olhos de
COUTINHO DE ABREU, num podes deliberativo ou decisório. As decisões são adoptadas por maioria dos
gerentes por via da deliberação. Pormenor: neste contexto, faz sentido não falar apenas na actuação
dos gerentes, mas também nas decisões da gerência enquanto subjectividade jurídica.

 É possível uma delegação da competência interna. É uma delegação interna que não visa apenas
atribuir o poder externo de actuação a um dos gerentes, mas o poder interno de tomar decisões
sobre certas matérias. Não tem grande relevância nas SQ, porque, em princípio, a Sociedade é mais
pequena e, assim menos complexa. Em estruturas muito grandes, a distribuição das competências
decisórias é relevante.
Joana Almeida | 2016-2017

P.e., numa mercearia em que a decisão é vender o imóvel, é uma decisão que apenas se adopta uma
vez na vida. Já numa multinacional, é diferente, pode ser algo mais comum.

Sociedades Anónimas | Arts. 408º e 406º

Competência Externa (ou Poder de Representação) | Art. 408º

A regra supletiva é também a regra da actuação conjunta maioritária – existe uma declaração negocial
conjunta da maioria dos administradores (se forem dois, duas assinaturas; se forem cinco, serão três). A sociedade fica
vinculada pelos negócios assinados pela maioria.

Jurisprudência contra legem – tem relevância neste ponto. I.e., a ideia de que basta uma assinatura para
vincular uma sociedade anónima. O regime legal não é esse {foi debatido em aula prática de apresentação de
acórdãos}.

Os Conselhos de Administradores podem ser compostos por muitos administradores. Neste caso, imaginando,
p.e., que existem 20 administradores – a empresa só ficaria vinculada, se aplicando a regra supletiva, se presentes mais
de 10 administradores (ou assinaturas). Ora, a logística é complicada, pelo que dentro das SA têm de haver mecanismos
que facilitem este ponto. Assim, admite-se que os estatutos possam delimitar um número por baixo. P.e., «bastam dois
administradores e o Presidente».

 Já sabemos que a cláusula estatutária pode colocar um número inferior. Mas e for superior? A
Doutrina, e a Jurisprudência têm considerado que não (i.e., a inadmissibilidade desta cláusula
supramaioritária). O Professor acrescentou que nem faria sentido, na medida em que se já é difícil,
em termos logísticos, garantir esta maioria, quanto mais pedir um valor acima dessa maioria 43.

Por último, é possível a referencia nominal a um administrador? P.e., fica vinculado com a assinatura de A. COUTINHO DE
ABREU defende que não é admissível nas SA; a maioria da doutrina defende que é admissível a referencia nominal,
desde que não seja afastada como alternativa, a regra supletiva legal. I.e., é possível que os estatutos estabeleçam isto,
desde que a Sociedade também se possa vincular pela assinatura da maioria, tal como previsto no art. 408º.

Delegação da Competência Externa – há uma grande clivagem doutrinária, que opõe o Professor PEDRO CAETANO NUNES
e os Professores COUTINHO DE ABREU e Alexandre Sobral Martins (Escola de Coimbra).

Segundo PEDRO CAETANO NUNES, é possível, nos termos normais, uma delegação do poder de representação – que opere
através das chamadas credenciais (papel em que os administradores em numero suficiente para vincular a sociedade –
ou seja, a maioria -, opere essa delegação = assine).

Em todo o caso, a lei, quando foi feita, nos trabalhos preparatórios, não facilita muito esta possibilidade. É esta a
segunda clivagem doutrinária. SOBRAL MARTINS e COUTINHO DE ABREU defendem uma ideia que joga melhor com a letra da
lei. O art. 408º/2 aponta para a ideia de que há delegação da competência interna (do poder decisório), sendo que,
quando tal se verifica, também se admite que exista delegação da competência externa. O administrador fica
simultaneamente com o poder de decidir e de vincular a sociedade. P.e., o poder decisório em matérias financeiras é
delegado no CFO, sendo que este, ao abrigo do art. 408º/2, pode, além de decidir, vincular a Sociedade. De acordo com
esta interpretação, as credenciais já não seriam admissíveis (como defendido na primeira querela).

COMPETÊNCIA

43
Do ponto de vista prático, isto não tem tendência para acontecer. É apenas um caso de escola.

Externa Interna

Poder de Poder de
Vinculação da Decisório ou
Sociedade Joana Almeida | 2016-2017 Deliberativo

Para SOBRAL MARTINS e COUTINHO DE ABREU, quando há um administrador delegado a nível de competência interna, o
mesmo também estará delegado a nível de competência externa. P.e., se tinha a competência para decidir de um
contrato com um serralheiro, então também podia assinar esse contrato.

Ex.: imaginando que se tinham de deslocar a Londres, em época de Natal. Tiram à sorte e sai B. Todos os
administradores decidiram vender o imóvel, mas tiraram à sorte quem ia executar a venda do imóvel. O poder
decisório não é delegado; ou seja, na competência interna (não delegado) e na competência externa (delegado). É
diferente o exemplo anterior. A questão é determinar se pode existir um administrador delegado que iria com uma
credencial até Londres. A Escola de Coimbra não autorizava esta situação, porque na leitura literal do art. 408º, só se
permite, nas SA, uma delegação do poder de vinculação mimética, ou seja, quando há delegação da competência
interna, existe, automaticamente, uma delegação de competência externa {só há poder de vinculação – i.e., poder de
representação - se existir, numa primeira fase, a delegação do poder decisório – i.e., poder de administração} ; não é possível o
recurso a credenciais. O Professor defende que não devemos seguir a letra da lei. 44

Competência Interna (ou Poder de Administração/Gestão) | Art. 406º

 É de recordar o art. 373º/3. Na aula passada, falámos da competência dos sócios, tendo sido dado um
exemplo de competências em matéria de gestão. Nas SQ, os sócios têm plena competência de gestão,
mas nas SA, esta competência é limitada, na medida em que os gerentes têm algumas reservas.
Assim, e nas SA, os sócios têm algumas competências, embora limitadas. Têm competência, p.e., nas
fusões, porque são questões estruturais de gestão. Por regra, não tomam decisões em matéria de
gestão nas SA e não podem dar ordens aos administradores. O reflexo: o Conselho de Administração
tem iniciativa exclusiva de gestão nas SA. Ou seja, a primeira grande consequência prática – os sócios
não podem dar instruções aos administradores e, se houver uma decisão por parte destes, não é
vinculativa.

 Não sendo possíveis instruções dos sócios, são possíveis autorizações que condicionem as decisões
dos Conselhos de Administração? A maioria tende a dizer que é admissível [PEDRO CAETANO NUNES,
ENGRÁCIA ANTUNES, MENEZES CORDEIRO; COUTINHO DE ABREU é contra, a não ser nas Sociedades de tipo
germânico]. Os estatutos podem estabelecem, p.e., em matérias que se consideram importantes para
a sociedade, que o Conselho de Administração não pode decidir e executar de imediato, tendo que,
primeiro, pedir a autorização aos sócios (autorização para execução a nível externo). 45
44
É de notar que a relação entre “aligeirar” e “criar cautelas”, i.e., também não se deve chegar ao ponto de pedir apenas uma única
assinatura para a vinculação.
45
P.e., multinacional que todos os dias vende inúmeros imóveis – nesta SA, não faz sentido que tenha de pedir autorização, na
medida em que é algo comum, pacífico de acontecer todos os dias, pelo que essa autorização seria um entrava ao funcionamento.
Contudo, se fosse uma empresa de menor dimensão, em que a venda do imóvel teria impactos maiores, aí já seria viável.
Joana Almeida | 2016-2017

Advertência: estamos no âmbito da competência interna. Se falha a autorização, mas os administradores


praticam na mesma o acto externo, não há qualquer vício, na medida em que estes têm efectivamente
competência externa. Não devemos confundir as coisas. A consequência jurídica é invalidar a decisão interna;
responsabilidade ou até a demissão dos administradores; nunca é a invalidade do acto praticado pela
administração. As consequências serão sempre internas, nunca terão afectação externa.

 Nas SA de modelo germânico (Conselho de Administração Executivo e Conselho Geral de Supervisão),


o CGS tem poderes de participação na gestão. Estes poderes funcionam através da necessidade de
uma autorização do CGS para determinados actos de gestão. Nas SAMG, a autorização não será
concedida pelos sócios, mas pelo CGS.

 Em suma: as instruções não são admissíveis; mas é possível que existam autorizações que
condicionem as decisões do Conselho de Administração. Aqui há uma pequena clivagem: (1) autores
que defendem que a necessidade de autorização pelos sócios é válida; (2) autores que defendem que
tal não é passível de acontecer, a menos que se trate de uma SA de tipo germânico, através do CGS.

O art. 410º/7 determina a necessidade da tomada de decisões por maioria dos votos dos administradores presentes.

Delegação da Competência Interna – há duas formas de delegação: (1) ampla; (2) restrita. A lei não usa a terminologia
discriminada, mas antes no “encargo especial”, correspondente à deliberação restrita [número 1 do art. 407º]; e ainda
na “delegação”, correspondente à deliberação ampla [número 3 do art. 407º]. O professor defende a «ampla e
restrita».

O encargo especial é uma forma de delegação, na opinião do Professor {atenção, na medida em que Coutinho
de Abreu não adopta a posição do Professor, pelo que pode criar confusões na leitura do manual}. A organização das
grandes empresas vai ao encontro do que o Professor sustenta.

Como se distingue a delegação ampla e a delegação restrita?

a. Por um lado, extensão das matérias delegadas – a delegação ampla permite delegar mais matérias;
b. A delegação ampla permite estratificação orgânica (criação de Comissão Executiva).
A estratificação orgânica só é possível na delegação ampla. O art. 407º/2 e 4 determinam que não podem ser delegadas
as matérias elencadas nas alíneas do art. 406º. No art. 407º/2 – delegação restrita – temos como limite, todas as
matérias elencadas no art. 406º; no art. 407º/4, são apenas algumas alíneas.

Para além do limite legal do elenco de matérias do art. 406º, também não é possível delegar matérias que não sejam de
gestão corrente. O legislador não foi muito claro, mas interpretando a lei:

1. Cláusula geral que proíbe as delegações de matérias não correntes;


2. Limite legal do art. 406º.

A cláusula geral, por maioria de razão, também vale para a delegação restrita. Se é restrita, tem menor
extensão de matérias delegáveis. Se na ampla não se pode ultrapassar a gestão corrente, então, por maioria da razão,
também não se pode na restrita.

Na delegação restrita, todas as alíneas do art. 406º tratam de matérias que não podem ser delegadas. Na
prática, as matérias relevantes são as identificadas de a) a m). A competência decisória/deliberativa tem de ficar no
pleno do CA, não podendo ser dada a determinado administradores delegados. Na delegação ampla, as alíneas e), g),
h), i) e j) já são passíveis de delegação. São matérias delegáveis no regime da delegação ampla.
Joana Almeida | 2016-2017

O legislador estabelece uma cláusula geral para dificultar a vida dos agentes económicos e para que os juristas
possam valorizar os seus serviços. Na opinião do Professor, depende da dimensão e do tipo de empresa. A cláusula
geral depende do caso concreto, mas há que ter em conta a delimitação do conceito de gestão corrente.

Ex.: estabelecimento (delimitação) do sistema de controlo interno. Os administradores executivos têm de estabelecer o sistema de
controlo interno ao longo dos diferentes patamares da empresa – saber o que os colaboradores fazem e quais os riscos da sua
actuação. É um exemplo de gestão que não se trata de gestão corrente. Na opinião do Professor, é uma matéria de gestão não
corrente, a par da planificação e da nomeação dos colaboradores de topo, pelo que não pode ser delegada.

A estratificação orgânica opera uma mudança muito importante na estrutura de Governo – assimetria de
poder e assimetria de informação. quando se cria mais um patamar da estrutura orgânica, p.e., uma Comissão
Executiva, faz-se com que o poder e a informação se concentrem nessa estrutura de topo, criando as assimetrias face
aos outros órgãos.

 A delegação ampla só é possível caso seja admitida pelos Estatutos (art. 407º/3);
 A delegação restrita é sempre possível, a não ser que os estatutos a proíbam. 46

{O modelo tradicional estratificado fazia com que a Comissão Executiva passasse a ser um órgão de administração.}

A lei prevê outros dois modelos (além do tradicional), nos arts. 423º e ss. Os arts. 406º e 407º valem para o CA
do modelo anglo-americano. O art. 423º-B/3 proíbe o exercício de funções executivas pelos membros da Comissão de
Auditoria, pelo que se conclui que a lei exige uma delegação de competências no modelo anglo-americano. Este
modelo está mal explicado pelo legislador. Ao determinar que o exercício é proibido, indirectamente, exige a
delegação.

Conselho de Administração = conjunto de administradores;


Comissão Executiva = subórgãos que integra o Conselho de Administração;
Comissão Executiva e Comissão de Auditoria = Conselho de Administração.

Ou seja, além de serem parte do Conselho de Administração, são também parte da Comissão Executiva. No
organigrama abaixo, temos 10 administradores, sendo que cinco deles fazem parte da Comissão Executiva, um faz
parte da Comissão de Auditoria, e os outros três estão apenas no Conselho de Administração. Mas em caso de
deliberação do CA, tem de haver uma maioria quanto aos 10 administradores.

A cinzento, temos o Conselho de Administração, sendo que,


dentro deste, temos a Comissão Executiva e Comissão de
Auditoria. Todos os administradores que estão quer numa, quer
noutra Comissão, estão no CA, pelo que, em caso de deliberação,
todos têm de votar.

Aparentemente, de acordo com a letra da lei, este regime não se estenderia ao modelo germânico. É errado. O
Professor considera que não se aplica a delegação ampla com estratificação orgânica, mas pode aplicar-se a delegação
restrita ou na matéria da ampla, desde que não exista estratificação orgânica.

Do ponto de vista prático, há ainda uma matéria: mesmo que se crie uma Comissão Executiva (não no modelo
germânico, onde tal não é possível – para os modelos tradicional e anglo-americano), faz-se uma distribuição de
pelouros dentro da Comissão Executiva, correspondendo isso a mais uma delegação de competências.
46
Se os estatutos nada disserem, é possível a delegação restrita, mas não a ampla, ou seja, não é possível a estratificação orgânica
com a criação de uma Comissão Executiva, e a delegação das matérias das alíneas e), g) h), i) e j) do art. 406º.
Joana Almeida | 2016-2017

13. DEVERES DOS ADMINISTRADORES

Os sócios, enquanto tais, não têm deveres. Falamos de deveres dos órgãos derivados. Há uma ressalva: nas SC,
os sócios, em princípio, também são gerentes e, como tal, têm deveres. Iremos começar por falar dos deveres em
sentido amplo, i.e., a responsabilidade dos órgãos de gestão (incluindo também os gerentes). No segundo momento,
falaremos dos deveres dos órgãos de controlo {tema frequente em exame final}.

 Distinção dos deveres gerais e deveres específicos – a lei utiliza o termo «dever fundamental» como sinónimo
do dever geral (art. 64º do CSC). Os deveres gerais ou fundamentais são dois:

 O dever de cuidado, diligência, administração ou gestão [ o professor prefere a terminologia gestão];


 O dever de lealdade.

O professor considera que o dever de gestão é um dever primário de prestação e o dever de lealdade é um
dever acessório de conduta, decorrente da boa-fé. A lealdade, neste contexto fiduciário, é mais intensa do
que nas relações obrigacionais, pelo que se aproxima da fidelidade. O Professor considera e salvaguarda
ainda que os deveres específicos podem ser entendidos como episódios ou decorrências dos deveres gerais.

Ex.: proibição de concorrência para gerentes e administradores – é uma manifestação do dever de lealdade.
Ou seja, é uma manifestação do dever legal.

Ex.: quando a lei, pontualmente, determina, em caso de fusão, que os administradores têm de celebrar
escritura pública e levá-la ao registo comercial, está a determinar deveres específicos que decorrem do dever
de gestão.

O Dever de Gestão

É considerado como uma prestação de serviço, segundo PEDRO CAETANO NUNES e MENEZES CORDEIRO. COUTINHO DE
ABREU tem maior dificuldade em enquadrar desta forma.

 Prestações de Meio e Prestações de Resultado – é essencial distinguir, com consequências, sobretudo, em


sede de ónus de prova. No caso do dever de gestão, trata-se de uma prestação de resultado. O CCiv não
distingue, e todo o regime está pensado para as prestações de resultado. As prestações de meios são uma
descoberta feita pela Doutrina Francesa, mas continuam fora da lei nacional. Na preparação daquilo que será
um CCiv Europeu, já constam. A distinção interessa a vários níveis, mas sobretudo em dois:

 Distribuição do ónus da prova;


 Incumprimento das obrigações.

Nas prestações de resultado, a mera ausência de resulta altera o ónus da prova. Será o devedor quem fica com
o ónus de provar todos os elementos que afastem a sua responsabilidade. Na responsabilidade obrigacional, temos
cinco elementos da responsabilidade civil, mas de forma mais forçada. I.e., quando há uma prestação de resultado, a
ausência desta faz presumir que há a violação de um dever, da ilicitude, da culpa, e até mesmo o dano tende a ser
presumido. Na prática, fica quase tudo do lado do devedor.

Nas prestações de meio, não faz sentido aplicar o mesmo regime, na medida em que não há um resultado
incito à própria prestação que sirva de critério para operar aquela distribuição de ónus da prova. P.e., a prestação do
médico é uma prestação de meio e não de resultado. A vida ou a morte não são resultados do médico, ou seja, se
acontecer este resultado a meio do processo, não se pode presumir, desde logo, que há violação do dever. P.e., o
insucesso empresarial não é um resultado, porque se assim fosse, o resultado seria o sucesso ou insucesso. Contudo,
Joana Almeida | 2016-2017

este sucesso ou insucesso não faz parte da prestação. Tem que diligenciar pelo sucesso, mas não deve a obtenção desse
sucesso.

A lei, no art. 64º/1, a), tem uma estrutura complexa. «Devem observar deveres» é desde logo estranho. E mais,
«revelando» e «empregando», também são deveres. Quanto aos «deveres de cuidado», o Professor prefere que se use
o termo gestão, na medida em que cuidado não concretiza muito. Do ponto de vista técnico-jurídico, é importante
reter e fazer a ponte com o art. 487º do CCiv, por remissão do art. 799º do CCiv (critério do bom pai de família). Os critérios são a
diligência do tráfego naquele contexto profissional. Destas ideias resulta que o bom pai de família é, por regra,
profissional. O que resulta do art. 64º/1, a) é, essencialmente, uma exigência de profissionalismo.

A propósito da diligência do bom pai de família – corolário práticos:

a. Os executivos têm que ser profissionais no seu pelouro 47;


b. Os não executivos têm que ter um profissionalismo mínimo 48;
c. Mesmo que não seja executivo, se tiver conhecimentos técnicos, têm que ser competente 49

Aula de 5 de maio de 2017

O art. 64º do CSC faz referência a dois deveres: (1) deveres de cuidado; (2) deveres de lealdade. Esta
enunciação é fraca, pelo que devemos falar de dois conjuntos de deveres. É o dever de diligência, administração e
gestão; e o dever de lealdade, no sentido de fidelidade. Nos trabalhos preparatórios da lei, também se encontram
expressões como gestão e administração. A verdade mais próxima é que são sinónimos, versam todos sobre a mesma
coisa.

Deveres Gerais ou Fundamentais versus Deveres Específicos – é muito frequente que se faça esta distinção pela
Doutrina. A expressão mais frequente é a de deveres gerais.

Ex.: proibição de concorrência – dever específico dos administradores (arts. 254º e 298º/3). Não passa da manifestação
do dever de lealdade.

Ex.: regras sobre o mecanismo de fusão entre empresas – quando há uma deliberação dos sócios no sentido de aprovar
a fusão, os administradores ou gerentes têm o dever de celebrar escritura pública, e de a levar a registo predial. Estes
são deveres específicos, meras decorrências ou concretizações do dever de cuidado ou de gestão.

 Estes deveres específicos – tendencialmente -, são reconduzíveis aos deveres gerais (o sintético e analítico). Em
análise do direito, deve perceber-se a natureza do dever em causa para o reconduzir a um dever geral.

Todos os deveres específicos abordados ao longo do código vão ser reconduzidos aos deveres gerais, pelo que interessa
o estudo a fundo dos deveres gerais, em primeira instância.

O Professor tem a tendência de reconduzir estes dois deveres gerais – gestão e lealdade - à teoria geral das obrigações
(tradição germânica). O dever de cuidado é uma prestação de serviço; é um dever acessório de prestação; e o dever de
lealdade é um dever acessório de conduta. Em direito das obrigações entende-se que o vínculo que une o credor ao seu
devedor é um vínculo complexo, que se diversifica noutros ramos: i.e., dever primário de prestação e deveres
acessórios à obrigação principal (art. 762º/2 do CCiv – as partes devem observar os ditames da boa-fé – o conceito geral
de boa-fé é a base para a descoberta dos deveres acessórios de conduta).

Este dever de lealdade está no inverso do art. 762º/2 do CCiv. Não é consagrado no CCiv, na medida em que
tem um dispositivo especifico (art. 64º do CSC), mas tem um dever próximo deste corolário de boa-fé. Há quem diga
que este dever de lealdade é fiduciário, i.e., é mais intenso. Não se fala da propriedade, mas da parte contratual. Não
47
Têm que ter um profissionalismo correspondente ao pelouro que assistem. Se é CFO, p.e., tem que ter conhecimentos financeiros.
48
Capacidade de controlo financeiro e conhecimento da actividade social.
49
Mesmo que não tenha competência subjectiva (não objectiva), tem competência técnica.
Joana Almeida | 2016-2017

dos direitos reais, mas dos contratos que têm elementos fiduciários {desproporção dos meios face aos fundos – risco de
abuso de poder}. É possível que uma parte da Doutrina defenda que, por ser tão mais intenso, não corresponde à boa-fé
do art. 762º/2 do CCiv. Há outra parte da Doutrina que defende que é uma opção de grau [posição do Professor].

Quer seja mais intenso, quer seja uma “coisa” diferente, em todo o caso, é um dever acessório de conduta 50.

Dever de Gestão

{continuação}. Quer-se comparar esta bitola de diligência com a bitola do bom pai de família do CCiv. Além
desta referência à diligência, são de observar certas palavras que constam da alínea b) ao art. 64º. O tema do
«interesse social» vem, por opção do legislador, a propósito do dever de lealdade.

[de volta à matéria]

História de Marquês – este dito marquês, por sucessão, foi nomeado, com 6 meses, membro de administração de um
Banco. Quando chegou aos 30 anos, o banco foi a insolvência, e tentaram responsabilizar os diversos membros,
incluindo o marquês. Este, desde que tinha sido nomeado, aos 6 meses, nunca tinha ido a uma reunião. Desta feita, foi
absolvido, porque naquela altura, os administradores não tinham de mostrar tanta diligência. É um paradigma negativo
daquilo que é a diligência dos administradores.

História da uma senhora norte-americana – sociedade que cobrava os prémios de seguros e entregava às seguradoras.
A empresa tinha sido criada pelo marido, mas essa sempre foi administrativa na empresa. O marido faleceu e deixou
dois filhos, sendo que estes ficaram a encabeçar a empresa. A senhora ficou alcoólica. Na sequencia disto, um dos filhos
ficou com o dinheiro todo e deixou a senhora com as dívidas. Esta foi responsabilizada, como forma de conseguir
executar o património criado pelo marido. Foi o paradigma, ou precedente, que inverteu a regra da história anterior. A
senhora, no caso em apreço, tinha de ter tomado padrões de diligencia mínimos (reuniões; conhecimentos mínimos da
sociedade; e o mínimo de conhecimentos financeiros).

Existem três concepções sobre o interesse social, sendo que este tema releva, em primeiro lugar, nos deveres
dos administradores (art. 64º). Contudo, para os académicos, também é relevante nas deliberações abusivas dos sócios.
Um dos critérios para definir se uma deliberação é abusiva, é se vai além do interesse social.

Conceito de Interesse Social para Efeitos de Responsabilidade dos Administradores

 Monismo – share holder value, ou, na gíria, o valor accionista 51;


 Pluralismo – stake holder value – criação de valor para todos aqueles que orbitam em torno da empresa;
 Institucionalismo – empresa em si (instituição empresarial – os administradores seguem o interesse desta) 52.

Em termos legais, o legislador parece estar a apostar numa posição intermédia entre o monismo e o
pluralismo. É um pouco mais os sócios, mas olhando, um pouco, para os credores e trabalhadores. Na opinião do
Professor, em rigor técnico, é pluralismo, porque não se fala apenas em accionistas. Não é o nosso legislador que tem
tendências de política de Esquerda, sendo que isto também acontece em países como EUA e UK (acolhem soluções
semelhantes).

50
Há quem defenda que esta lealdade é algo diferente da boa-fé do art. 762º/2 do CCiv. E, por outro lado, há quem defenda que se
trata apenas de uma questão de grau, não tendo de ser necessariamente diferente.
51
Só para criar vantagens aos accionistas, i.e., maximizar os lucros para os accionistas. Em contrapartida, no pluralismo, vão ser tidos
em conta também os credores, os trabalhadores. Na segunda perspectiva, não se vai criar ou maximizar o lucro apenas para os
sócios. Num ponto intermédio, temos o valor accionista iluminado – dar um bocado mais aos trabalhadores, a longo prazo, cria valor
para os accionistas (alinham-se interesses e todos progredirmos). Contudo, o Professor considera que esta última perspectiva não é
certa, na medida em que é uma forma de perseguir interesses de vários – dissimulação dos interesses.

52
Enquanto realidade sociológica. Têm que ser criadas vantagens para a empresa. O Professor considera que é difícil saber o que é a
empresa. A empresa não existe sobre a perspectiva de colher utilidades, i.e., este critério serve para esconder o jogo.
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 É difícil concretizar a conduta de um administrador com base na ideia de prosseguir um interesse social. Mas
não dá para fugir muito a esta abstracção. Em cada caso concreto, cada decisão de gestão é uma
singularidade. Portanto, não é possível esclarecer o que cada administrador deve fazer na vida social.

 Há deveres de prestação mais complexos (ex.: prestações de serviço com complexidade técnica) que carecem
de se determinar qual é o interesse a prosseguir. Para delimitar a prestação, é preciso saber o fim.

Em análise económica – muito liberal, com pressuposto utilitarista (mão invisível de mercado: há ganhos para
todos se forem seguidos os interesses de todos) –, chama-se a atenção para que a generalidade dos stake
holders têm contratos com a sociedade e recebem valores fixos. Em contraponto, os sócios são detentores de
pretensão residual. Se a gestão for má, o sócio, o último a receber o dinheiro, já não vai receber nada. Em
contrapartida, se a gestão for boa, vai conseguir pagar aos credores e afins, e receber ainda uma quantia. A
gestão da empresa deve ser deixada na mão dos sócios. É o argumento que modela a arquitectura das leis.

Isto não funciona bem em proximidade de insolvência. É a história da roleta russa: na proximidade de
insolvência deixam de haver capitais próprios; os sócios, se quiserem distribuir os dividendos, já não recebem
nada, sendo que o passivo vale tanto como o activo. Os sócios passam a ter uma pretensão para realizar
comportamentos abusivos – incentivo para se portarem mal. Como já perderam tudo, fazem apostas de
gestão arriscada – se as apostas correrem bem, recebem bastante; se correrem mal, não perdem nada, na
medida em que já não tinham nada, ou seja, quem perde, são os credores. Há uma externalização absoluta do
risco dos credores. “Se calhar a bala”, já não será para o sócio, mas para o credor. Assim, os deveres devem
levar a que em caso de insolvência, o interesse a salvaguardar seja o dos credores, e não o dos sócios.

[PER: processo especial de revitalização. Colocou-se o processo de recuperação de empresas fora da insolvência.
Começa-se o mecanismo de recuperação da empresa. Mas o enquadramento é sempre o mesmo: a base legal do art.
64º do CSC e a lógica da roleta russa – salvaguarda do interesse do credor].

Isto faz sentido para as grandes sociedades anónimas.

Dever de Legalidade | Existe ou Não?

Segundo o PEDRO CAETANO NUNES, o dever de legalidade não é um dever autónomo. Quando se fala em
legalidade, não se fala de um dever legal específico imposto aos administradores. É a legalidade externa, i.e., deveres
que a lei vai impor à própria Sociedade (p.e., não pode haver corrupção). Estes deveres de legalidade externa
importam, na medida em que são os administradores que fazem com a sociedade cumpra ou viole os seus deveres.

Há duas formas de enquadrar:

1. PEDRO CAETANO NUNES – não é um dever autónomo, é apenas um aspecto do dever de gestão. Gerir a sociedade
implica que os administradores não deixem com que a Sociedade pratique crimes;

2. Outra parte da Doutrina defende que existem os três deveres, i.e., o dever de gestão, o dever de lealdade e,
por fim, o dever de legalidade (autónomo).

O Professor considera ainda que o dever de gestão se divide em cinco elementos:

 Risco na Gestão ou Risco Empresarial (primeira componente é a adopção deste risco);

Coutinho de Abreu defende que há um dever de diminuição do risco empresarial. Pedro Caetano Nunes
defende que esse dever de diminuição não existe. Isto, em contexto de responsabilidade dos administradores, é
relevante.
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 Obtenção de Informação (no processo de decisão empresarial);

Obter a informação no momento prévio; no percurso decisório. Neste contexto, fala-se em


procedimentalização da gestão – além de os administradores decidirem bem, devem fazê-lo de forma cuidadosa. É a
análise do processo, i.e., é um dever procedimental.

 Planificação Empresarial;

Corresponde à gestão planeada.

 Organização;

Organização por Departamentos e delegação de tarefas.

 Vigilância.

Havendo várias delegações de tarefas, tem de haver vigilância. Existe também a par da obtenção de
informação. A vigilância é uma matéria central, distingue-se em vigilância: (1) vertical e (2) horizontal.

Os executivos, exercem uma vigilância vertical sobre os patamares inferiores da empresa, ou seja, sobre os
colaboradores e os trabalhadores. E os não executivos, exercem uma vigilância horizontal sobre os executivos.

A informação circula no sentido inverso. A horizontal é mais sintética, a vertical é mais intensa.
A propósito deste tema vamos falar da delegação de poderes.

A vigilância pontual existe quando o administrador dá conta de um problema e tem de reagir pontualmente. A
vigilância sistémica é baseada em fluxos de informação. os administradores não podem estar à espera que os
problemas surjam pontualmente à sua frente. Têm de requerer informação para irem verificando se não há problemas.

Temos ainda o ponto da delegação de poder – não interessa muito para as SQ. Esta distinção vertical e
horizontal interessa é para as SA. Convoca o art. 407º do CSC. O pressuposto base é a distinção entre competência
externa e interna. A delegação externa é a do art. 408º/2. A delegação de poderes opera uma bifurcação dos deveres
dos administradores – i.e., vem regulado no art. 407º/8. Por força desta delegação, é um negócio jurídico complexo,
que altera os poderes – as competências – e os deveres.

Os administradores delegados ficam com a gestão activa (em rigor já tinham face a dadas matérias, mas agora ficam
mais intensa); os delegantes passam a ter um mero dever de vigilância, deixando de ter dever de gestão activa.

1. Administradores Delegado:
1.1. Gestão Activa dos Cinco Elementos;
1.2. Alteração dos Poderes (Competências) e dos Deveres.

2. Administradores Delegantes:
2.1. Já não têm de tomar decisões sobre as matérias;
2.2. Têm de vigiar se estão a ser tomadas as decisões correctas, se não há conflito de interesses;
2.3. O número 8 do art. 407º trata da vigilância horizontal dos não executivos em relação aos executivos.

Esta matéria convoca a distinção entre executivos e não executivos. A delegação de poderes é um tema central
convocado a este prepósito. Convoca ideias das matérias anteriores: a delegação de poderes opera uma bifurcação dos
deveres dos administradores (art. 497º/8).
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A delegação é um negócio jurídico complexo, que altera os poderes e os deveres. A alteração de deveres
ocorre quando os administradores delegados ficam com a gestão activa (sobretudo mais intensa – porque na prática já
o eram); os administradores delegantes passam a ter um mero dever de vigilância.

Os delegantes deixam de ter um dever de gestão activa. Já não têm de tomar decisões sobre as matérias, mas
antes vigiar: se não há conflito de interesses, se a gestão é correta, entre outros aspectos. Esta vigilância do 407º/8 é a
vigilância horizontal. Dos não executivos em relação aos executivos.

O artigo 407º/8 é:
EXE  NEX.

Isto implica a adoção de risco empresarial, a obtenção de informação, a planificação empresarial, organização,
vigilância vertical (aqueles cinco critérios).

Comissão Executiva
Conselho Fiscal

Modelo Tradicional Simples [MTS] Modelo Tradicional Estratificado [MTE]


Modelo Anglo-Americano [MAA]*

* O MAA é igual ao TEM, com a particularidade de não ter Conselho Fiscal.


 Neste 1º modelo há poder executivo em todos: todos eles tem de fazer a gestão, a obtenção de informação e
os outros elementos elencados; em relação a todas as matérias da empresa.

 Neste 2º modelo, é criada Comissão Executiva ( os três). Toda a gestão corrente é delegada na Comissão
Executiva (nas matérias em que o foram – porque há sempre matéria em que não é ), é que vão fazer aqueles cinco
critérios. E os a verde vão passar a ser os não executivos; fazem uma vigilância horizontal em relação ao
trabalho dos a preto.

Isto tem a ver com a delegação ampla (art. 407º/3). O art. 408º apenas remete para o art. 407º/3. Uma
questão que se levanta na Doutrina é a de saber se esta bifurcação também vale para a delegação restrita. PCN
considera que a bifurcação, apesar da letra da lei, tem de jogar para todas as formas de delegação. Já COUTINHO DE
ABREU tem uma posição no sentido contrário, mas não é muito claro.

A vigilância horizontal também é, no fundo, o controlo político. Corresponde, no fundo, à supervisão. A lei
utiliza diferentes terminologias. No art. 408º utiliza o termo «vigilância»; noutros fala de fiscalização. A Doutrina
considera que esta vigilância horizontal é controlo político de um órgão de poder. A vertical, em contrapartida, diverge.
Quando se diz, no art. 407º/8 de vigilância horizontal, é vigilância da gestão – é controlo político.

Delegação Restrita

 Modelo Tradicional Estratificado:

Temos um Conselho de Administração e um Conselho Fiscal; e é criada uma Comissão Executiva (i.e., delegação ampla).
Os que pertencem a esta, são os executivos, enquanto os que ficam no Conselho de Administração são não executivos.
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Neste caso, os administradores que não pertencem à Comissão Executiva, exercem uma vigilância horizontal sobre os
que pertencem à CE. Mesmo dentro da CE, podem ser distribuídos pelouros (delegação restrita).

 Modelo Tradicional Simples:

A delegação restrita nunca implica criar a Comissão Executiva. Não há delegação ampla numa Comissão Executiva, mas
pode haver delegação restrita dentro do Conselho de Administração.

P.e., existe uma delegação em que um passa a ser CEO e outro CFO, sendo que o terceiro domina as relações laborais.
São as únicas delegações de competência que existem (ao abrigo do art. 407º/1). Ou seja, os outros deixam de ser
encarregues? Deixam de ter vigilância activa? Passam a exercer vigilância horizontal? O Professor defende que se
aplica, na mesma o art. 407º/8, ficando a exercer a vigilância horizontal.

PEDRO CAETANO NUNES e FERREIRA GOMES defendem que se aplica na mesma o art. 407º/8, pelo que os outros só
têm de exercer uma vigilância horizontal. Há então aqui um dever de vigilância horizontal dos outros administradores
que não ficaram com certo pelouro sobre o administrador que ficou com esse pelouro.

COUTINHO DE ABREU diz que é a mesma coisa para todos: todos têm de decidir e assim.

 No Modelo Germânico:

Esses são só executivos. Todos têm de ter funções executivas. Não pode haver nenhum que passe a ser um Non
Executive, Director. Não pode haver uma estratificação acrescida, não pode haver uma Comissão Executiva. Os fluxos de
informação são sempre os mesmos.

 No Mundo dos Negócios:

Mesmo quando há uma Comissão Executiva, dentro desta, há distribuição de pelouros. P.e., o CFO tem
vigilância vertical sobre o Departamento Financeiro e o CEO sobre o Departamento Laboral. Não se misturam e a lei não
diz nada sobre isto, o que é estranho. No primeiro momento, há uma delegação ampla na Comissão Executiva e, num
segundo momento, há uma delegação dentro da Comissão Executiva. Há dois níveis de delegação. Cada executivo tem
o pelouro que lhe cabe, não dominando todas as matérias da empresa.

O art. 407º está na parte do Código que regula o Modelo Tradicional. Aos olhos do legislador, o MG não admite
delegações. Ou seja, não se aplica directamente o art. 407º; mas aplica-se com as devidas adaptações: não se pode
criar uma Comissão Executiva e todos têm de ser executivos. Todos têm de ter os seus pelouros. Neste caso, continuam
todos a ser executivos, mas cada um tem o seu Departamento. Há uma gestão activa do seu Departamento. Não há, em
sentido estrito, vigilância horizontal, mas supervisão de outro órgão. A vigilância horizontal, no fundo, é um controlo
político, ainda que não seja um órgão autónomo.

Os não executivos têm interesse em controlar; mas os que têm de ser controlados, vão dar a menor
quantidade possível de fluxos de informação.

No contencioso societário, as situações de responsabilidade dos administradores estão, essencialmente,


ligadas à não obtenção de informação antes de decidir; e à má gestão.

Business Judgment Rule | Art. 72º/2

É uma regra de protecção dos administradores de inspiração norte-americana. Distinguem Standard of Care do
Standard of Review. A lei exige que os administradores tenham as melhores práticas, mas, em tribunal, o critério do juiz
é mais fraco, por via a proteger os administradores de iniciativa empresarial. Ratio Legis: não indução de aversão ao
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risco empresarial. Se há muitos processo de RAdm nos Tribunais, os Administradores vão ficar contagiados e não vão
querer adoptar riscos. Assim:

Standard of Care e Standard of Review – difere entre a responsabilidade civil e o dever de indemnização. No contexto
de responsabilidade, provada a violação de dever, há exclusão de responsabilidade se verificados alguns pressupostos.
O standard of review funciona como uma cláusula de exclusão da responsabilidade obrigacional. Os pressupostos:

o Não pode haver actuação com interesse pessoal – não pode haver conflitos de interesses, actuação
desleal;
o Actuação em termos informados – não se analisa o mérito, mas têm que actuar de forma informada 53;
o Racionalidade empresarial – juiz não sindica o mérito das decisões empresariais, salvo se forem
irracionais54.

Não se aplica em contextos de vigilância:

 Aplica-se quando se adoptam decisões e, ao vigiar, não se tomam decisões;


 Vigiar é obter informação, não para decidir, mas para ter fluxos de informação;
 Ou seja, não joga com o Business Judgment Rule.

Segunda Opinião da Doutrina – Não se aplica a todos os deveres específicos: Ou seja, não funciona quanto aos
deveres vinculados (o legislador determina que tem de ser daquela forma, pelo que não faz sentido admitir a BJR).
Também pode ser a vigilância vertical dos executivos. O Professor considera que para qualquer vigilância não se aplica o
art. 72º/2.

Dever de Lealdade

Para o Professor, o dever de lealdade cabe apenas na parte que diz «deveres de lealdade» da alínea b) do art.
64º/1. A lealdade é absoluta, é ética, não é mais a pensar nos accionistas ou nos trabalhadores. É o enquadramento nas
relações negociais lacto sensu. É uma cláusula geral, pelo que se quer saber quais os casos práticos – concretizações
legais e as concretizações jurisprudenciais.

Elenco de Manifestações Legais:

 Proibição de Concorrência (arts. 254º e 398º/3)55;


 Negócio Consigo Mesmo.

Elenco de Manifestações Jurisprudenciais:

 Proibição de Apropriação de Património56;


 Proibição de Apropriação de Informação Privilegiada 57;
 Proibição de Apropriação de Oportunidades58.
53
Criação de burocracia, que é boa para os Advogados.
54
Se não há conflito de interesse e há obtenção de informação, desde que seja uma decisão racional, não há RAdm.
55
Na generalidade dos casos, a proibição de concorrência é para os executivos. Na generalidade dos casos os não executivos podem
nem sequer trabalhar a full time.

56
Utilização, p.e., do cartão de crédito da empresa para pagar o casamento da filha.

57
Quando uma pessoa não trabalha em full time, não é exigível que não possa ter outras actividades, pelo que não se pode aplicar a
proibição de concorrência. Assim, são criados outros mecanismos.

58
Ex.: inspecção de petróleo. A Sociedade inspectora apercebe-se de uma zona de recursos naturais de petróleo. A Sociedade não
tem como propósito a exploração, pelo que se levanta a questão de saber quem pode ficar com aquele recurso? Não poderá ser o
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Há situações que não tem a ver com a lealdade perante a Sociedade, mas perante os sócios, pelo que é duvidoso
que a base legal continue a ser o art. 64º/1, b). Assim, levante-se a questão de saber se deve basear-se noutras normas.

Operações de Controlo de Sociedade

É um conceito que visa abarcar as operações de M&A (Management Buy Out – Compra da Sociedade pelos
seus Administradores – é uma das operações que caba neste conceito). Têm a característica de deixarem intocado
aquele que é o património social. Os activos e os passivos não são tocadas. Quem pode sair prejudicado pelos
administradores não é a Sociedade, mas os Sócios, na medida em que apenas se tocam nas acções.

Do ponto de vista da recondução do Direito das Obrigações:


 Eficácia a Favor da Protecção de Terceiros.

A justa causa pode ter dois fundamentos – a violação grave de deveres, entre os quais, a mais grave, a violação do
dever de lealdade; e a incapacidade para o exercício de funções, que pode ser física ou por incompetência técnica (p.e.,
A era gestor bancário, mas deixou de acompanhar a evolução técnica dos Programas utilizados).

RESPONSABILIDADE CIVIL: há várias modalidades em função dos diferentes credores da indemnização. Temos
a responsabilidade perante a sociedade (bifurcação quanto à legitimidade processual – dois níveis: pode actuar a
própria sociedade através do Conselho de Administração ou por via da Acção Social (art. 87º do CSC); perante os
sócios; perante os credores; perante outros terceiros, que não os sócios e/ou credores.

Aula de 9 de maio de 2017

{dever de lealdade – artigo escrito pelo Professor Pedro Caetano Nunes}

O art. 71º do CSC é uma hipótese a reter de responsabilidade. O art. 72º é a primeira modalidade, trata-se da
responsabilidade perante a sociedade. A responsabilidade é obrigacional, em que há presunção de culpa. Os arts. 73º e
74º, ainda respeitam a responsabilidade obrigacional. O mesmo vale pare os arts. 75º, 76º e 77º - próprio crédito da S é
exercido pelos Conselho de Administração. No art. 76º há possibilidade de nomeação de representante especial (no
lugar dos administradores). No art, 77º temos acção de responsabilidade perante a sociedade, mas por sócio
minoritário.

Este sócio minoritário (art. 77º), e apesar da maioria dos sócios não quererem responsabilizar um determinado
administrador – é comum que não queiram, porque costumam ser eles a nomear -, pode intentar uma acção de Resp.

No art. 78º temos a responsabilidade perante os credores; no art. 79º, perante os sócios e outros terceiros. É
de reter que estas responsabilidades são, tradicionalmente, enquadradas na responsabilidade extracontratual ( ou seja,
se é perante a sociedade, é obrigacional [obrigação do administrador perante a sociedade]; se é perante terceiros, é
extraobrigacional).

Responsabilidade perante os Credores (art. 78º/1) – por ofensa a direitos absolutos ou violação de normas de
protecção, destinadas a proteger interesses alheios. O património não é protegido em termos absolutos. Constam a
propriedade, os direitos de autor, os direitos reais, os direitos de propriedade intelectual, i.e., o património não é valor
absoluto. Só há o recurso ao património quando há uma violação das normas de protecção. Em suma, só há ofensa ao
património se houver uma violação de normas de protecção. Os direitos de crédito dos credores são sempre relativos;
há um direito de crédito face à Sociedade e, face a terceiros, nomeadamente, aos administradores, não há direito
nenhum; mas a lei permite uma responsabilidade extracontratual quando há violação das normas de protecção
(normas sobre capital social, proibição de distribuição de lucros, art. 32º do CSC, normas sobre intangibilidade do
capital social, entre outras).

próprio Administrador, sendo que isso seria desleal.


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1. Esta responsabilidade extracontratual é rara;


2. O art. 78º estabelece um requisito de dupla causalidade:

1.1. Administradores têm de violar as normas de protecção;


1.2. Essa violação tem de criar uma diminuição do património social;
1.3. Esta diminuição tem que provocar uma insuficiência para satisfação dos credores.

Do ponto de vista doutrinário: pode haver responsabilidade perante os credores para lá do caso do art. 78º -
porque este tem critérios de difícil aplicação. Porque é que não se esquece o art. 78º e não se recorre directamente
ao art. 483º do CCiv? Ou a normas do Código dos Valores Mobiliários?

No art. 78º/2 fala-se da possibilidade de os credores actuarem por via subrogatória, exercendo créditos
daquela sociedade perante os administradores. Está em causa uma substituição processual da sociedade pelos
credores. Assim, a modalidade de responsabilidade é a primeira – responsabilidade perante a sociedade. Temos uma
acção subrogatória.

Responsabilidade perante os Sócios e Terceiros (art. 79º) – seria extracontratual, mas há quem diga, incluindo PCN,
que em relação aos sócios, accionistas, que a responsabilidade não será extracontratual, mas uma situação de terceira
via de RC (zona cinzenta entre a contratual e extracontratual – doutrina do contrato com eficácia de protecção de
terceiros). Há quem diga que os administradores podem ter uma Resp perante os sócios que englobe deveres de
protecção destes terceiros. PEDRO CAETANO NUNES apontou para este caso as Operações de Controlo das Sociedades
{deveres de lealdade dos administradores perante os sócios – transaction in control – OPA, fusão, MBO, LBO}.

Por último, outra palavra mágica no artigo, «danos directos». A responsabilidade não pode ser reflexa,
indirecta, tem de ser directa. I.e., quando a sociedade sofre danos, indirectamente, reflexamente, esses danos afectam
o valor das participações sociais. A cotação das acções desce. Se entendermos que há responsabilidade dos
administradores por esse dano, poderá haver responsabilidade extracontratual. Mas só poderá haver responsabilidade
perante os sócios se existe dano directo na esfera do sócio.

P.e., um dano directo – operações de controlo de sociedade. Os casos mais tradicionais, referidos há mais tempo pela
doutrina portuguesa, são as situações em que o administrador perturba uma AG ou o direito de voto.

Título VII | Disposições Penais (Arts. 509º e ss)

Tutela Penal de determinados comportamentos considerados como graves na vida societário. Temos, p.e,
certos comportamentos dos administrados. P.e., administrador que perturba uma Assembleia Social, impedindo um
sócio do seu direito de voto. São casos que cabem no art. 483º do CCiv. Aqui temos uma norma penal que protege o
património puro dos sócios – abarca vários direitos, incluindo o de participar nas deliberações sociais (art. 516º). I.e.,
normas penais são exemplos práticos de normas de protecção e de responsabilidade de danos directos dos sócios.

A responsabilidade perante terceiros obedece aos dois mesmos critérios. Já não se coloca a questão do CCiv,
do contrato com eficácia de protecção de terceiros.

Ex.: OPA – quando o administrador impede que a OPA tenha sucesso, porque receia que um novo accionista maioritário
venha destituir a administração, colocando uma da sua confiança, adopta medidas defensivas, fundadas no seu
interesse. Está a prejudicar os accionistas, directamente, na medida em que os impede de obter um bom preço pelas
acções.
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Ex.: projecto de fusão de duas sociedades. Se não for estabelecida uma relação de troca justa ou adequada, há
problemas. A Sociedade A vale 100 milhões e a B, outros 100 milhões. Os sócios de uma e outra, devem ter 50% da
nova Sociedade. Se se enganarem a fazer as contas no projecto de fusão, podem fazer com que as acções percam valor.
Na operação de fusão também não há directos no património social; podendo haver no património dos sócios.

14. DEVERES DOS TITULARES DE ÓRGÃOS DE CONTROLO | ART. 64º/2

Os deveres gerais ou fundamentais dos administrados estão elencados no art. 64º/1. Em relação aos outros
titulares de órgãos derivados, os deveres são os mesmos. É, na mesma, o dever de lealdade, que pode ter um conteúdo
ou manifestações diferentes (p.e., a proibição de concorrência dos administradores tem um conteúdo maior que o de
outros titulares de órgão de controlo). Além deste dever de lealdade, há o dever de cuidado, de diligência, com
diferença de que a terminologia gestão ou administração já não faz sentido. Ou é apelidado de dever de cuidado ou
diligência, ou a terminologia será a de controlo, supervisão, fiscalização (professor prefere estas terminologias, na
medida em que a diligência ou cuidado não indicam devidamente a prestação).

Em termos de teoria da personalidade colectiva, das organizações, existem órgãos derivados que têm os ditos
poderes-deveres. Quando olhamos para as competências dos órgãos de controlo político, temos de determinar que são
também deveres. P.e., art. 441º/1, d) – fiscalizar a actividade dos executivos: todas as alíneas seguintes são exemplos
da fiscalização. O conceito da alínea d) abarca todas as alíneas seguintes.

O conceito de supervisão:

 Competência de nomear e destituir os administradores (art. 441º/1, a));


 Competência de participar na gestão (art. 442º).

Os membros do Conselho Geral e de Supervisão têm estes poderes, e o dever acrescido de fiscalização, ou seja, de
cuidado e diligência. Somando estes dois preceitos com a alínea d) e seguintes, temos o conceito de supervisão.

Poderes-Deveres

Há poderes do Conselho Fiscal que não são desenvolvidos com a mesma intensidade face aos restantes órgãos
dos outros órgãos de controlo. Atentar ao art. 420º. A alínea a) determina o dever de fiscalizar e as alíneas seguintes
dão os dispositivos que permitem saber o que cabe nesta fiscalização. Os órgãos de poder político têm todos uma
alínea que fala de fiscalizar e alíneas seguintes que concretizam esse conceito.

O art. 420º/3 determina que podem actuar individualmente, fazendo Inspecções e verificações na empresa. Além do
art. 420º/3, interessa, sobretudo, o art. 421º/1. Mais uma vez, «qualquer membro» - poderes individuais. Ou seja, se
assim não fosse, a maioria poderia impedir. P.e., um advogado de uma sociedade comercial não se pode recursar a dar
toda a informação a um membro de um Conselho Fiscal (alínea c)). Além deste poder, pode obter informações e
inspecionar os livros e bens da sociedade junto dos administradores. Há poderes extremamente fortes a propósito dos
membros do CF.

 PCN, por identidade ou maioria de razão, os membros dos outros órgãos de controlo político também devem
ter estes poderes individuais, que são, no fundo, poderes-deveres.

O modelo que se aproxima às boas práticas é o modelo germânico e, depois, o anglo-americano.

[FIM DO CAPÍTULO DA ESTRUTURA ORGÂNICA DAS SOCIEDADES COMERCIAIS]

15. DELIBERAÇÕES DOS ÓRGÃOS DAS SOCIEDADES COMERCIAIS


Joana Almeida | 2016-2017

Neste capítulo, vamos recuperar algumas noções gerais sobre a noção de deliberação enquanto negócio
jurídico; analisar as várias espécies de deliberações; as várias modalidades de AG; e, por fim, os vícios das deliberações
sociais.

 A deliberação pode ser vista como resultado ou como processo.

Como processo – como conjunto de actos -, é essencialmente caracterizada por dois momentos: (1) proposta
de deliberação; (2) votação. Antes da proposta haverá uma discussão; e depois desta, poderá haver nova discussão.
Depois da votação, haverá a contagem dos votos; poderá haver uma proclamação de resultado; elaboração da acta,
consoante o processo deliberativo, i.e., seja mais ou menos formas. Ou seja, além destes dois actos essenciais, podem
haver outros.

Alternativa Dialética de Voto: há uma proposta e o voto é exercício de modo dialético. É «sim» ou «não», i.e., não
podem acrescentar nada à deliberação. Se se quiser acrescentar algo, é necessário fazer nova proposta.

Como resultado é reconduzível ao conjunto dos votos que fizeram vencimento. De onde emanam os efeitos ou
a eficácia jurídica? Os votos vencidos ou os que fizeram vencimento? São o conjunto dos votos que fizeram vencimento.
Um dos fundadores da casa – FERREIRA DE ALMEIDA – entende que o NJ não pode ser explicado apenas como certo acto
de vontade; é caracterizado por produzir efeitos conforme ao seu significado. O texto jurídico cria efeitos conformes.

Há uma Polémica Doutrinária – saber se a deliberação constitui:

o Um NJ especial – a maioria da Doutrina acolhe este, ou o próximo ponto. Neste, temos MENEZES CORDEIRO;

o Um NJ unilateral – neste, temos FERREIRA DE ALMEIDA;

o Um acto que não se enquadra na teoria do NJ – ainda tem, pelo menos, um fundador em Portugal. Tem
origem em Gierke, mas está completamente ultrapassada;

o Uma modalidade de DN [Professor] – se não tiver que interagir com outra DN, pode ser aceite; mas se tiver
que ser aceite, dá origem a um contrato.

Contraposição entre a Deliberação e o Acto Conjunto – a actuação conjunta não é uma deliberação; todos exteriorizam
vontades e emitem declarações no mesmo sentido. Já na deliberação, pelo Pp da Suficiência da Maioria, podem haver
os votos a favor ou os votos contra. Quando a lei exige uma deliberação unânime, em rigor, será um acto conjunto. E, já
do ponto de vista prático, se a deliberação é unanime, não interessa que se vote a favor ou contra. Quando acabarem
todas as assinaturas, teremos uma acto conjunto. Se é preciso unanimidade, já não é preciso o processo deliberativo.

No CSC, há referência à decisão do sócio único, a propósito das Sociedades por Quotas Unipessoais. De acordo
com a classificação estudada, as deliberações de sócio único são actos singulares.

Classificação de Deliberações

1. A Positiva e Negativa: a positiva corresponde ao vencimento dos votos positivos; a negativa, ao vencimento
dos votos negativos.

1.1. A positiva pode ser de conteúdo positivo;


1.2. A positiva pode ser de conteúdo negativo.

Em ambos os casos, ganhou o «sim» na deliberação, mas no primeiro caso há formulação positiva da proposta de deliberação e no
segundo caso há formulação negativa da proposta de deliberação. Tem a ver com os efeitos jurídicos (ponto de referência). Os
efeitos do NJ. A formulação positiva permite criar um conteúdo jurídico positivo; a negativa, não o permite.
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Ex.: proponho autorização do exercício de actividade concorrente pelo gerente. É uma formulação positiva, pois
permite o exercício da actividade concorrente, que modifica os direitos da sociedade perante o administrador e os
deveres desta face à sociedade.

Ex.: proponho não nos opormos ao exercício da actividade concorrente do gerente. É uma formulação positiva, porque
há autorização da não oposição.

Ex.: proponho não autorizar a venda do imóvel pelos gerentes (art. 246º/2, c)). É uma formulação negativa, porque não
causa nenhum efeito. Se não autoriza, não produz quaisquer efeitos.

Espécies de Deliberação

1. Orgânicas versus Não Orgânicas – as orgânicas são as dos sócios e dos outros societários; as não orgânicas
são as do não obrigacionistas. As orgânicas são imputadas à Sociedade; as não orgânicas são imputadas
aos estranhos à sociedade. Os obrigacionistas são pessoas ou entidades que emprestam dinheiro à
Sociedade, ou seja, capital alheio. A lei prevê determinados esquemas de organização obrigacionista.

As deliberações dos sócios são o mesmo que a formação de vontade da sociedade. Em rigor, a sociedade não
tem vontade, porque não tem «pernas e braços». O NJ deliberativo dos sócios é imputado à sociedade, que
pode ser tida como autor jurídico. Em rigor, é um fenómeno de representação.

Pode haver um confronto entre as deliberações de um órgão e outro – conflitos interorgânicos -, que têm de
ser resolvidos em sede de tribunal. Todas as deliberações orgânicas = imputação à pessoa colectiva; as que não
são orgânicas = não imputáveis à pessoa colectivas.

Deliberações Orgânicas | Em Particular, dos Sócios

1ª Distinção – entre colégios dos sócios e de certas categorias de sócios: tem subjacente a ideia de direitos especiais
dos sócios ao abrigo das SA. Os direitos especiais nas SA são direitos de categorias de sócios (categoria A, as comuns; e
outras, que são as especiais). Por vezes, é necessária a vontade comum de todos os sócios, por outras, a vontade
específica, p.e., para determinar se aceitam a alteração dos seus direitos especiais (arts. 24º/6 e 389º).

Vigora, por regra, o Pp da Suficiência da Maioria, o qual se concretiza na exigência de uma mera maioria
simples. Por vezes, podem ser exigidas maiorias qualificadas. P.e., uma alteração estatutária – nos diferentes tipos de
SC podem ser exigidas maiorias qualificadas. Uma deliberação unanime já será um acto conjunto.

Ex.: maiorias qualificadas (arts. 265º para SQ; 383º e 386º para as SA).

Formas de Deliberação dos Sócios | Arts. 53º e 54º

a. Deliberações em Assembleia Geral (Deliberação Comum, mais frequente e residual);


b. Deliberações em Assembleia Geral Universal ou Totalitária (art. 54º/1);
c. Deliberações Unânimes por Escrito (art. 54º/1) – o acrónimo, DUE;
d. Deliberações por Voto Escrito (exclusivas das SQ, art. 247º).

As deliberações unânimes por escrito, são referidas, no art. 54º/1, de forma simples. Quando estão todos em uníssono,
podem adoptar uma declaração por escrito. É frequente nas sociedades fechadas. Em todos os tipos societários, parece
ser uma ideia recorrente. P.e., todos os anos é necessária uma AG para apresentar e fechar contas. Estão todos de
acordo. Em vez de, formalmente, se reunirem para tratar disso, o advogado elabora uma acta em que, por referencia
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ao dia X, todos aceitaram a deliberação de prestação de contas. O papel é assinado por todos em momentos
sequenciais – não é num único momento, pelo que acaba por se adoptar um acto conjunto. Do ponto de vista analítico,
não é deliberação.

É frequente que não seja feita com o formalismo a tutelar. Muitas vezes, na prática dos negócios, simula-se
que houve uma AG, com a presença de todos os sócios, em que se assinaram, por unanimidade, uma proposta. Há
quem diga que é um acto simulado. Mas há também Jurisprudência que considera que há um acto formalizado.

Ao nível da elaboração da acta, o pormenor técnico passa por estabelecer uma data para a deliberação.
Quando se realiza efectivamente uma AG, a data da deliberação é a da AG; mas quando é simulado, é diferente. Tem-se
a data valor para os efeitos jurídicos que se pretendem produzir, sem que se tenha de discutir em tribunal quando é
que se deu a última assinatura (data de referência).

Por sua vez, as deliberações em AG universal ou totalitária, do ponto de vista analítico, são um acto conjunto
[unanimidade] quando à constituição da AG, com uma certa ordem de dia.

Requisitos:

 Presença de todos os sócios;


 Exteriorização de vontade unanime de todos os sócios, no sentido de constituição da AG.

Atentar ao art. 247º quanto às deliberações por voto escrito. A diferença é que a votação é feita por escrito, mas há
uma votação efectiva. Atentar, para as SQ, o art. 277º. São fechadas para aligeirar a formação de vontade. Há o
mecanismo de maioria, mas sujeito a voto de maioria.

Assembleia Geral dos Sócios

1. Convocação
1.1. Competência para a Convocação;

Nas SQ, a competência cabe aos gerentes (art. 248º/3). Nas SA, a competência cabe ao Órgão Presidente da Mesa
da Assembleia Geral (art. 377º/1). Em determinados casos, previstos na lei, a competência também pode ser atribuída a
órgão de controlo político [p.e., ao Conselho Fiscal, à Comissão de Auditoria, ao Conselho de Supervisão].

Os accionistas podem requerer ao Presidente da Mesa a convocação da AG (art.378º/1), sendo que se tal não
for satisfeito, podem requerer judicialmente (art. 378º/4, que deve ser articulado com o art. 377º/1).

As AG devem ser convocadas sempre que a lei a determina – exemplo da aprovação de contas, que tem de ser
realizada todos os anos (nas SA abertas, tem de haver publicação e aprovação de contas, não anualmente, mas até por
semestres ou trimestres). Atentar ao art. 375º. O art. 375º/2 determina que o direito atribuído aos accionistas menores
é apenas para aqueles que sejam titulares de, pelo menos, 5% do capital social. Também se encontra regulado no art.
77º, a propósito da acção de responsabilidade dos administradores.

 Articulação do art. 375º/5 com o art. 171º;


 Articulação do art. 375º/5 com o art. 248º.

O art. 248º determina a remissão das SQ para o regime das SA, fora nos aspectos que estejam regulados
especificamente para as SQ, entre os quais, a competência da convocação, as maiorias.

A dilação da divulgação do aviso convocatório – o art. 248º/3 determina que a divulgação é por carta registada
com uma dilação de 15 dias. Vale para as SQ. Já os estatutos podem ser mais exigentes, p.e., estabelecendo prazo mais
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longo. Já para as SA, o art. 377º/4, determina que não é preciso uma carta, bastando uma convocação no site do portal
das empresas. Terá de cumprir 20 dias de antecedência.

Se os estatutos exigirem carta registada, terá de ser enviada. Os sócios minoritários podem ser lesados por
este mecanismo. Se o sócio minoritário não controlar a publicação no sitio electrónico especifico, e se não for enviada a
carta registada, acaba por não aparecer na AG.

Quórum | arts. 383º e 386º do CSC

Há exigências de maiorias simples ou qualificadas. Além disso, há que recordar a distinção entre quórum constitutivo e
quórum deliberativo. Temos de observar, primeiro, o quórum constitutivo, para depois se olhar ao deliberativo.

 383º/2: fala especificamente da alteração de contrato de sociedade, fusão, cisão, transformação, dissolução da
sociedade ou outros assuntos – maioria qualificada.

Acta | art. 63º

As Assembleias podem gerar conteúdo jurídico; mas também podem não gerar qualquer conteúdo. As deliberações
estão sujeitas a determinadas formalidades, que têm de ser documentadas. Existe quem entenda que são condições de
eficácia das deliberações; COUTINHO DE ABREU e PEDRO CAETANO NUNES, defende que são para meros efeitos de prova, e,
como tal, são substituíveis. Podem ser prova em tribunal, junta aos autos. {articulação com o art. 220º do CCiv}

A primeira corrente – forma substancial – prejudica os sócios minoritários.

Invalidade das Deliberações dos Sócios

É um tema extremamente importante. A teoria geral da invalidade das deliberações encontra-se aqui. Dito
isto, a primeira distinção é entre vícios de conteúdo e vícios de procedimento. Temos ainda de indicar os arts. 55º, 56º e
58º.

Por vezes, as deliberações são inválidas por força de um conteúdo desconforme com a lei ou estatutos; mas,
por outras vezes, o problema não está no conteúdo, mas nos procedimentos deliberativos. As deliberações, como
resultado, são dadas pelo vencimento, em que o voto tem um efeito dialético. Se o problema está no aspecto do
procedimento, há um vicio de procedimento, por contraposição ao vicio de conteúdo.

Violação da Lei versus Violação dos Estatutos

Para a lei pode estar tudo conforme, mas haver uma violação de normas estatutárias. A violação da lei gera
mais facilmente o vício da nulidade. Os estatutos são um regime corporativo que regula a vida daquele ente colectivo,
daquela pessoa jurídica. Dentro da vida jurídica corporativa, pode haver alguma estratificação normativa, i.e., além de
estatuto, é possível um acto infraestatutário (ex.: regulamento do órgão de controlo – conteúdo normativo abaixo do
estatuto).

Feitas estas classificações, podemos analisar os diferentes tipos de vícios:

 Inexistência;
 Ineficácia stricto sensu;
 Nulidade;
 Anulabilidade.

Aula de 16 de maio de 2017

{recapitular os arts. 53º, 55º, 56º, 57º e 58º}


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16. DIFERENTES TIPOS DE VÍCIOS


16.1. INEXISTÊNCIA

Situação em que há uma acta de uma AG que nunca se realizou (forjada). Qualquer vício de um NJ constitui um
desvalor, falando-se em valor negativo ou positivo. Primeiro tenho de saber se existe um NJ, para depois saber se há
um vício. Temos uma previsão positiva – saber se existem os pressupostos do NJ; e uma previsão negativa – é inválido
porque estão verificados outros pressupostos. Temos duas previsões normativas, uma com valor positivo, outra com
negativo. Na inexistência há uma falta de verificação dos pressupostos da existência do próprio NJ. O problema está
na previsão positiva. Há uma aparência de verificação dos pressupostos do NJ, neste caso da deliberação negocial.

Há uma aparência de deliberação, ou, em termos mais simples, um vício de inexistência. Do ponto de vista técnico-
jurídico, deve ser enquadrado não como um vício, mas como uma falta de pressupostos do NJ. Tem lógica considerar
que há uma patologia autónoma, ainda que a lei não considere autonomamente o vício da existência. Do ponto de vista
metodológico, há uma falta de pressupostos do NJ ou da deliberação.

16.2. INEFICÁCIA | ART. 55º

A matéria deve ser relacionada com os direitos especiais dos sócios. Se existir consentimento do sócio
afectado, sana-se o vício. P.e., a deliberação social que determine o despedimento do gerente com direito especial à
gerência será ineficaz, a menos que exista o consentimento.

16.3. NULIDADE | ART. 56º/1

As quatro alíneas deste artigo determinam, desde logo, que as duas primeiras são vícios de procedimento e as
duas últimas, a vícios de conteúdo. Assim:

o Alíneas a) e b) – nulidade de procedimento: a AG não convocada é a primeira sanção mais grave a que a lei
associa a sanção da nulidade. Sobre esta a alínea a), a grande questão é saber se a expressão «não convocada»
é apenas quanto ao acto de convocação ou se basta que a carta ao sócio não tenha sido remetida (se a falta de
um dos sócios é subsumível a esta alínea). A doutrina dominante defende que a falta de convocação de apenas
um sócio gera a nulidade. A b) é uma situação menos frequente – com ressalva das deliberações unanimes por
escrito, mas nessas há unanimidade e, como tal, nenhum problema. Qualquer outro vício de procedimento
que não caiba nestas alíneas, gera apenas anulabilidade.

o Alíneas c) e d) – nulidade do conteúdo: existem duas previsões, «bons costumes» e «normas legais injuntivas»
(preceitos legais que não possam ser derrogados). A cláusula geral dos bons costumes é limite aos NJ (arts.
280º e ss – ofensa aos bons costumes também gera a nulidade). Em ambos os caos, estão em causa situações
em que há interesse publico ou interesses de terceiros que são perturbados e, por isso, a lei reage com vício da
nulidade (articular ao CCiv – arts. 280º e ss).

Os bons costumes são uma cláusula geral, tal como a boa-fé. Há um teórico alemão que faz uma tripartição
dos bons costumes, boa-fé e lealdade. Os bons costumes, para este, são o mínimo ético admitido a todo o
cidadão, ainda que em contextos contratuais, jurídicos ou relações jurídicas de sujeitos determinados. Quando
já existe a cláusula contratual = boa-fé; quando ainda não temos = bons costumes.

A boa-fé entra em jogo em situações mais pontuais (contratuais, pré-contratuais ou similares). Os bons
costumes entram em quaisquer situações no âmbito do direito privado. São o limite ético.

Ainda a propósito das três cláusulas gerais: têm duas funções, designadamente, (1) recepção da ética, da
moral do direito; (2) delegação no juiz do poder de conformação de direito. Em vez de o legislador determinar
aquilo que é proibido, cria este conceito amplo.
Joana Almeida | 2016-2017

Hoje em dia, entende-se que as CG são uma porta aberta para o peso dos princípios constitucionais no OJ infra
constitucional (eficácia horizontal dos princípios constitucionais, dos direitos fundamentais). Lógica: recebe-se
a moral no direito, delega-se o poder de delegação no juiz. A moral não pode ser algo que não seja conforma
com os direitos e princípios constitucionais.

Uma deliberação social que ofenda os princípios da livre concorrência ( valor constitucional material, consagrados
no TUE) – será ofensiva dos bons costumes, e, como tal, nula.

Exemplos da Doutrina para a alínea d): distribuição de lucros fictícios para enganar alguém (p.e., o fisco).

A alínea c) é uma alínea que está a mais. O exemplo que se costuma apontar é o das deliberações dos sócios
na matéria de gestão. Para VASCO DA GAMA ou LOBO XAVIER, dir-se-ia que este exemplo cabe na c), pois a gestão
é da competência exclusiva (injuntiva) do Conselho de Administração. Mas se isto configura uma violação de
uma norma injuntiva, então já cabia na alínea b), pelo que esta alínea não acrescenta nada.

16.4. ANULABILIDADE | ART. 58º

O número 1 tem quatro alíneas, sendo a mais importante a alínea a). É uma espécie de saco roto. É uma
situação de vício residual. Tem uma visão residual de anulabilidade. Do ponto de vista prático, temos de ver se há
inexistência ou nulidade; se não for, cabe na anulabilidade (casos práticos).

 A violação dos estatutos gera sempre anulabilidade.


 A violação de leis não injuntivas gera a mera anulabilidade.
 Na alínea a) cabem os vícios de procedimento e conteúdo que não gerem nulidade.

Sobre vícios de procedimento, é de fazer referência:

Teoria da Relevância dos Vícios do Procedimento

É uma importação germânica. Há determinados vícios de procedimento menos relevantes que não faz sentido
que gerem invalidade de deliberação social. Constitui um limite para os vícios das deliberações sociais. Ao abrigo desta
teoria, os vícios de procedimento só são relevantes se:

1. Afectam um direito de resultado [o resultado];


2. Afectam o direito de participação de um dos sócios ou de vários sócios.

Se há um problema de procedimento que limita o direito do sócio a participar, votar ou discutir, esse vício já é
relevante, mesmo que o sócio tenha uma quota baixa ou um número reduzido de acções.

Do ponto de vista metodológico, esta teoria baseia-se numa interpretação restritiva das normas jurídicas. Não é uma lei
ou norma nova, mas uma interpretação diferente. De outra forma não haveria maneira de implementar esta ideia.

Ainda sobre a alínea a) – o vício pode surgir no NJ como um todo ou numa DN, i.e., pode surgir num voto ou
em toda a deliberação. Os vícios de conteúdo surgem em toda a deliberação. Mas podem haver situações em que surge
só num voto. A propósito desta situação, em que o vicio começa no voto, fala-se na prova da resistência (verificar se
depois de retirado o voto, a deliberação se mantem ou não – se é um sócio com peso muito relevante, mesmo em erro,
retirado o seu voto, a deliberação já não se mantém).

A alínea b) trata das deliberações abusivas. Em litígios judiciais (vida prática), quando não há mais argumento,
é abusivo. Está próximo do instituto do abuso de direito, previsto no art. 334º do CCiv – esta é mais generosa, atribui ao
juiz o poder de conformação mais amplo [formulação muito vaga]. Aqui, pelo contrário, sob inspiração germânica, a lei
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não atribui tanta generosidade ao juiz; estabeleceu-se uma norma com muitos pressupostos. É um problema próximo
do abuso de direito; mas aqui temos uma previsão normativa distinta do art. 334º do CCiv. Além disso, é de verificação
muito difícil, por ter requisitos muito complexo.

A lei prevê duas situações na alínea b):

a. Voto com dolo de vantagem especial;


b. Voto emulativo.

Tem que haver o propósito (dolo, intenção) do sócio, de obter vantagens para si ou para terceiros, e a intenção
de prejudicar a sociedade ou os sócios. Não se olha de forma objectiva para a deliberação; é análise subjectiva,
i.e., provar que certa pessoa teve estas intenções (ponto a da alínea b)). Há intenção de prejudicar a sociedade
ou os sócios, independentemente da criação de uma vantagem. É só para fazer mal (ponto b da alínea b)).

A expressão final retrata a prova de resistência («a menos que se prove»). Olha-se para a intenção do concreto
sócio, sendo ainda necessário verificar se esse sócio tem poder suficiente para afectar a deliberação. Assim,
esta previsão é quase impossível de se verificar. Quase nunca, na vida prática, se verifica um caso que se
subsuma à alínea b) do art. 58º/1. A Doutrina cria soluções alternativas:

(1) Ideia de lealdade dos sócios, sendo que a violação desta, poderia ser subsumível à alínea a);
(2) Abuso de direito do art. 334º do CCiv.

Por causa desta formulação subjectiva do regime das deliberações abusivas, a Doutrina aponta para as soluções
indicadas nos pontos anteriores. Os contra-argumentos: a lei previu o regime específico na alínea b) do art. 58º/1, pelo
que não se deve aplicar as teorias.

Segundo o Professor – ao contrário de COUTINHO DE ABREU, o dever de lealdade não é característico do contrato,
mas antes um dever distinto. Este dever de lealdade não existe da mesma forma em todos os tipos de SC. Nas SA não
faz sentido dizer que há um dever de lealdade que afecta todos os sócios. Nos outros tipos societários ou nas SA
relativos aos sócios empresários, já fará sentido. Quanto ao art. 334º do CCiv, aplica-se quando se limitam direitos e,
neste caso, há um direito de participação social, pelo que a formulação deste artigo é a mais imputável.

Na alínea c) temos a violação de deveres de informação. também não é necessária, porque caberia na a). Na
c), falam-se de elementos mínimos de informação; na a), qualquer violação do direito à informação poderá ser
considerada como vicio de procedimento. Desde que seja um vicio que afecte uma informação, é relevante. Pela a) já
temos a violação de qualquer lei, sendo que, dentro dos direitos estabelecidos por lei, está o da informação.

 Por vezes, a lei, especificamente, determina que o vicio é nulidade. Os artigos da parte geral do CSC, forçam a
ser feita a análise da norma, no sentido de saber se é supletiva ou injuntiva. Se for injuntiva = nulidade; se for
supletiva = anulabilidade.

Polémica Doutrinária | Maiorias Qualificadas Exigidas por Lei

 Exige-se maioria qualificada;


 Há apenas maioria simples;
 Fica aprovada por maioria simples.

Quem defende nulidade – é difícil de defender. A maioria é exigida por lei. Se não for outro vicio, cabe no art. 58º/1, a)
– da situação residual. É uma situação grave, na medida em que não há maioria e foi adoptada a deliberação. Mas
colocar no âmbito do art. 56º, é muito difícil. Trata-se de um vicio de procedimento, o qual, segundo a alínea a) só gera
a nulidade se couber naquele caso. Segundo o Professor, a ideia mais adequada é a da inexistência. Não foi preenchida
a deliberação com a maioria qualificada {há uma aparência de deliberação social}. Há quem defenda que cabe na
anulabilidade.
Joana Almeida | 2016-2017

Renovação da Deliberação | art. 62º

É uma espécie de confirmação do NJ; figura específica das deliberações sociais, i.e., não se aplica na
generalidade do NJ. Vale para vícios formais, essencialmente. Se o vicio é de conteúdo, não se pode renovar uma
deliberação com um mesmo vício de conteúdo. Pode renovar-se a deliberação com diferente conteúdo. Discute-se se
podem existir prazos.

Questões Procedimentais

Na nulidade, nos termos gerais, temos legitimidade geral de terceiros, conhecimento oficioso. Em contraponto,
no vício da anulabilidade, não há conhecimento oficioso, legitimidade de terceiros e há um prazo de caducidade curto
de 30 (trinta) dias. Ideia: protecção do tráfego negocial – não se pode suspender a vida empresarial. Ao fim de 30 dias
são sanadas as anulabilidades (art. 59º)59.

 Só tem legitimidade o sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento;
 Ou o órgão de fiscalização.

Regime da Suspensão de Deliberações Sociais


{articulação com o CPCiv}

Tem um prazo de 10 (dez) dias. Tem importância prática. No exame não será convocado. Trata-se assim de
uma providência cautelar de suspensão. Nem sequer existe no CSC. Uma advertência: estabelece que recebida uma
PSDS, se os fins não definirem liminarmente a providência, tem de haver citação da sociedade (sendo que a partir desse
momento, a sociedade fica impedida de executar a deliberação). Ou seja, só porque o sócio decide pedir a PC, a
sociedade poderá ficar imenso tempo sem poder executar a deliberação.

Abuso de Direito de Impugnação


{por parte do sócio minoritário}

É defensável aplicar-se o art. 334º do CCiv, quando está em causa o uso do direito de impugnação de uma
forma abusiva. Não é a deliberação que é abusiva, mas o direito de impugnar a deliberação.

Invalidade das Deliberações do Conselho de Administração das SA | art. 411º

O art. 411º determina o elenco das invalidades, sendo que o regime é muito semelhante à invalidade dos
sócios. As alíneas representam os vícios de conteúdo das invalidades de deliberações dos sócios. Fora isto, temos o
vício residual da anulabilidade. Em sede de teoria, não se passa nada.

O regime da arguição, do art. 412º é que levanta maiores questões. Da letra da lei resulta – aparentemente -
que os sócios não podem impugnar directamente, nos tribunais, as decisões do Conselho de Administração. O próprio
CA pode opinar sobre os vícios das suas deliberações, declarando a nulidade ou anulabilidade das suas próprias
decisões, mas também a AG o pode fazer. Ou seja, a AG pode declarar a anulabilidade ou nulidade de decisão da CA. A
ideia que resulta: o accionista não ataca directamente a decisão do CA, faz-se com que matéria seja discutida em AG; se
houver a maioria, anula-se ou dá-se a nulidade; se não houver maioria, não se pode ir para tribunal. Há quem defenda
que não se pode defender esta teoria, i.e., defendem que os sócios têm direito de impugnar directamente as
deliberações do CA.

O Professor:

59
EXAME FINAL: TEMA DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS {VÍCIOS E PRAZOS} – SAI DE CERTEZA.
Joana Almeida | 2016-2017

Joga-se aqui um problema de protecção da iniciativa de gestão do CA. É também uma regra que protege as
deliberações do CA {articulação com a Business Judgment Rule}. Esta ideia de que é necessário proteger as decisões do
CA aponta no sentido de impedir que os sócios as impugnem, directamente, em tribunal. Ou, quando vão directamente
para tribunal, os juízes só podem admitir determinados vícios, não permitindo que se alterem decisões de conteúdo
(administração).

Art. 20º da CRP: tutela cautelar efectiva. Abarca várias facetas e elementos, sendo um desses a tutela cautelar
efectiva. Só é possível a tutela cautelar junto dos tribunais, sendo relevante para os efeitos do art. 412º do CSC. Assim,
o art. 412º é inconstitucional, pontualmente, quando rejeita a tutela cautelar efectiva.

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