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Acesso em 7abr2008

A Formação Humanista dos Reformadores

Hoje, dia 31 de outubro de 2007, é o 490ª. Aniversário da Reforma Protestante. Ontem


publicamos um artigo que procurou apresentar o background ou o contexto histórico e
social da Reforma e suas conexões com o Humanismo e o Renascimento. Neste artigo
pretendemos apresentar o contexto da formação de Calvino, Lutero, Melanchthon,
Zwínglio, os maiores expoentes da Reforma Protestante.

Calvino recebeu uma educação humanista aberta à leitura dos clássicos da Antigüidade.
Essa formação humanista influenciou a formulação teológica do reformador genebrino.
Calvino tem sua formação neste ambiente e reflete na filologia e na interpretação de
textos sua preocupação humanista. Sua hermenêutica histórica e sua preocupação
contextual refletem as preocupações da época. O Humanismo Francês certamente
incentivou Calvino a buscar as ferramentas para relacionar os documentos do passado e
aplicá-los à sua situação. Os estudos dos clássicos são outra indicação da forte
influência humanista em Calvino. Essa formação humanista clássica contribui para que
Calvino valorize a cultura e possa dialogar com ela e com as ciências, dando ênfase às
artes e outras manifestações para a formulação de seu pensamento.

Já Lutero tem uma formação humanista influenciada pelos Irmãos da Vida Comum, que
se empenhavam pela educação da juventude e por um retorno ao cristianismo simples.
Ele freqüentou a escola em Magdeburgo, mantida pelos Irmãos da Vida Comum, e lá
versou-se no latim. Esse retorno ao princípio, fortemente influenciado pela atmosfera
Humanista do Renascimento, era compartilhado pelos irmãos e fez parte da formação de
Lutero. Na universidade de Erfurt, Lutero entra em contato com a dialética e passa a ler
os antigos escritores latinos (Cícero, Virgílio, Tito Lívio, entre outros). Nessa
universidade estuda as disciplinas do trivium (gramática, retórica e dialética, lógica e
filosofia) e do quadrivium (aritmética, música, geometria, astronomia, física, metafísica
e ética). Após a formação universitária, Lutero ingressa no mosteiro de Erfurt e dedica-
se à leitura da Vulgata. Com vistas ao magistério da Ordem, interligou seus estudos com
o studium generale da Universidade. Os expositores da via moderna, como Pedro
d’Ailly, Gabriel Biel, foram estudados por Lutero. Ele também leciona artes liberais na
Universidade de Erfurt e obtém os graus de mestre e, posteriormente, de doutor em
teologia. Assume a docência de Lectura in Biblia e utiliza os recursos produzidos por
humanistas, como o Psalterium Quincuplex, a tradução das cartas de Paulo por
Stapulensis e, depois, o texto grego do Novo Testamento de Erasmo. Erasmo tem forte
influência no pensamento dos reformadores. Ele iniciou seus estudos em Roterdã e,
depois, na famosa escola de Deventer, a mais antiga e uma das melhores escolas
administradas pelos Irmãos da Vida Comum. Aprendeu o latim, os grandes filósofos
gregos e latinos e os escritos humanistas. Em 1492, dirige-se para a França, ingressando
na Universidade de Paris e passa a lecionar a Bíblia e o Livro das Sentenças. Durante os
anos de 1499 a 1500 encontrou-se com os reformadores de Oxford: More, Colet e
Linacre. Mas, por meio da controvérsia que Lutero tem com Erasmo sobre o liberum
arbitrium é que a influência de Erasmo no protestantismo se faz sentir. Ao refutar
Erasmo, Lutero é obrigado a formular uma teologia que se verifica mais por uma via
positiva pela liberdade humana nas coisas terrenas do que nas coisas divinas (salvação).
Melanchthon foi teólogo, filósofo e sobretudo educador alemão. Nascido em Bretten
Baden, teve um papel decisivo na formação da Teologia da Reforma por intermédio de
suas idéias humanistas e a abertura para o diálogo com as novas concepções teológicas.
Nascido Phillipp Schwarzerdt, distinguiu-se nos estudos de grego e latim. Foi aluno do
humanista Johannes Reuchlin, que o indicou para a Universidade de Heidelberg aos
doze anos de idade. Terminou ali seus estudos no ano de 1511, como bacharel em Artes.
Passou à Universidade de Tübingen, onde ingressou em 1514 com 17 anos, na
Faculdade de Filosofia. Lecionou nessa universidade e escreveu então seu primeiro
trabalho de importância. Novamente recomendado por Reuchlin, foi para a universidade
de Wittenberg. Foi aluno de teologia de Lutero em 1519. Foi reitor da universidade de
Wittenberg e diretor da Faculdade de Filosofia. Por ordem do príncipe eleitor, participou
do debate religioso de 1557, em Worms, no Palatinato renano, no sudoeste da
Alemanha. Melanchthon tornou-se conhecido como organizador e reformador das
escolas alemãs. Por sua formação e erudição traz para a Reforma de Lutero uma
capacidade argumentativa e uma abertura às idéias humanistas que possibilitam um
retorno ao aristotelismo. Dentre suas obras, destacam-se: De rethorica, libri tres, Loci
communes rerum theologicarum, hypotuposes theologicas, Summa doctrinae Lutheri,
Libellus visitatorius, Confessio augustana, Apologia Confessionis augustanae, Altera,
De philosophia oratio, Philosophiae moralis epitomes libri du, Liber de anima, Initia
doctrinae physicae, Loci praecipui theologici. Melanchton fundou e reorganizou
numerosas escolas na Alemanha, dando à educação um papel de prioridade e aos
estudos clássicos uma importância significativa. Sua posição moderada foi
extremamente valiosa nas discussões entre luteranos e calvinistas e seu papel na
sistematização dos princípios da Reforma Protestante consolidaram-na. O papel do ser
humano foi elevado acima da autoridade da Igreja e ao Estado competia o respeito às
leis e a representação dos interesses populares.

Outro importante reformador foi Huldrych Zwínglio. Ele foi o responsável pela
Reforma na Confederação Helvética e criou a base teológica e intelectual que
possibilitou as reformas realizadas por Calvino. A Suíça se tornou, por causa dele, um
terceiro centro da Reforma. Enquanto Zwínglio estabeleceu os primeiros fundamentos
religiosos, seu trabalho foi continuado e aperfeiçoado pelo seu sucessor, Johann
Heinrich Bullinger, em Zurique, e por João Calvino em Genebra, estabelecendo uma
base comum da confissão calvinista na Suíça: a Confessio Helvetica (prior) de 1536, o
Consensus Tigurinus de 1549 e a Confessio Helvetica de 1566. Huldrych Zwínglio ou
Ulríco Zwínglio, foi educado em Weesen, Basiléia, Berna e na Universidade de Viena.
Nesse período Viena era o centro do Humanismo na Europa Oriental. Em 1502,
Zwínglio muda-se para a Universidade da Basiléia, outro Centro Humanista, para
formar os sacerdotes, juristas, médicos, escreventes e professores da Confederação
Helvética. Depois de terminar seus estudos, Zwínglio tornou-se, em 1506, sacerdote de
Glarus, onde desempenhou seus serviços como fiel partidário do papa. Como sacerdote,
acompanhou os soldados da Suíça em algumas campanhas na Itália e participou também
da Batalha de Marignano , em 1515, onde os suíços sofreram uma derrota devastadora
contra o rei da França, Francisco I. Essa experiência o influenciou e o aproximou do
pacifismo de Erasmo de Roterdã, o qual exerceu enorme influência no pensamento e na
postura de Zwínglio. No início de 1516, Erasmo e Zwínglio já demonstram estreitas
relações de amizade. Desde 1510, Zwínglio participa ativamente de um ciclo de
humanistas que representavam o Humanismo Suíço. Versa-se em latim, grego e
hebraico para leitura da bíblia e se torna um especialista nas obras e idéias de Erasmo.
Ele opõe-se à estrutura da Igreja Católica e à escolástica. Acaba por se tornar em 1516
sacerdote secular na Suíça e, dois anos mais tarde, por recomendação de humanistas
suíços, foi nomeado sacerdote secular na Catedral de Zurique. Nessa cidade encontrou
espaço para realizar suas idéias e concepções religiosas, políticas, sociais e
educacionais. Proferiu sermões com base em um cristianismo erasmiano e, a partir de
1520, desliga-se da Igreja Católica. Sua teologia centra-se na questão da justiça de
Deus, na Bíblia Sagrada (sola scriptura) e no sola Christus. Desenvolveu seus
princípios teológicos em controvérsia com a Igreja Católica e, a respeito da autoridade
secular, concedeu às autoridades o direito e o dever de renovar a sociedade e até de
intervir nas questões eclesiásticas, desde que servissem ao povo e seguissem os
preceitos bíblicos. A autoridade que não cumprisse suas tarefas poderia ser destituída
pelo povo. Zwínglio contribui para a teologia protestante ao desenvolver um
pensamento de maior autonomia do Estado em relação à Igreja mas,
concomitantemente, maior liberdade do indivíduo, podendo esse reivindicar seus
direitos junto ao Estado. Assim, podemos vislumbrar o quanto a Tradição Humanista vai
influenciar algumas concepções da Reforma.

Mas, se o Humanismo vai trazer uma forte influência na Teologia dos Reformadores,
estes, por sua vez, acabam por apresentar novas bases teológicas para o papel do Estado
e das autoridades constituídas. Dessa forma, podemos afirmar que a transição do poder
e controle da igreja passa para o homem como detentor de sua liberdade, sendo esta
mediada pelas autoridades que, em uma perspectiva de respeito às leis e ao povo,
submetem-se à divindade para cumprir o propósito para o qual são instituídas.

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