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André Mendes
O conceito de grupo
ão temos por objetivo oferecer um conceito de grupo que possa valer para todas as
suas aplicações; por outro lado, buscaremos estabelecer uma linguagem conceitual
que possa expressar características específicas do que entendemos com o emprego
desse termo. Assim, procuraremos construir uma definição operacional e, nesse
caminho nos basearemos em alguns autores – em especial – os ligados à psicologia
analítica.
Podemos observar que o termo grupo é mencionado não mais que duas dezenas de
vezes ao longo dos textos reunidos nas Collected Works; de acordo com o Forryan &
Glover (1979) são enumeradas em nove textos quatorze citações diferentemente
relacionadas ao termo grupo. Podemos verificar também que nas edições brasileiras
dos escritos de Jung – Obras Completas de C. G. Jung editada pela Vozes – o termo
aparece em alguns textos não mencionados no Volume XX das Collected Works.
O termo grupo não aparece de maneira unívoca nos textos de Jung; na maioria dos
casos trata-se de aspectos específicos, mas que recebem por parte do autor uma
explicação quase sempre geral. O termo grupo é pouquíssimas vezes tematizado como
algo central na produção desse autor.
Nesse texto (ibidem) a posição do autor não indica uma contraposição do tipo
atividades individuais versus atividades grupais; acredito que a oposição de Jung se
refira especificamente a um tipo determinado de experiência; a identificação com o
grupo, ocorrência que pode representar um risco para o indivíduo e para a
coletividade dada a supressão da consciência individual.
[A identificação com o grupo] é uma situação psicológica especial, que não deve
ser confundida com a participação em um ritual de transformação, o qual é
realizado de fato diante de um público, mas não depende de forma alguma de
uma identidade de grupo nem gera necessariamente uma tal identidade. É algo
bem diferente vivenciar a transformação no grupo do que em si mesmo. (Jung,
2000a, §: 225)
* * *
Na obra A importância da psicologia para a época atual, Jung (2000b) procura explorar
os fatores psíquicos que levariam à suposição de igualdade psíquica, pensamento que
fundamentaria a idéia da inexistência de diferenças psíquicas significativas entre as
pessoas – evento capaz de agregar alguns sujeitos por meio da indiferenciação.
Jung (Ibid.) ressalta a ingenuidade dessa suposição porque muitas vezes trata-se
apenas de uma suposta igualdade e, mais fortemente, por estar convencido de que a
despeito dos aspectos psíquicos comuns dos indivíduos há uma grande diferenciação
entre “as psiques”.
Embora Jung não tenha realizado uma aproximação explícita entre os fenômenos da
identificação com o grupo e os da consciência grupal, é importante ressaltar que há
diferenças entre eles; a primeiro depende necessariamente da presença de um grupo
para existir, já o segundo, pode se manifestar dentro de um grupo, mas também
individualmente – por exemplo, um sujeito isolado pode supor que há igualdade entre
ele e uma comunidade qualquer. Essa é uma diferenciação importante que, embora
realizada por Jung, não aparece explicitamente em seus escritos.
* * *
No texto Prólogo aos estudos sobre a psicologia de C. G. Jung, de Toni Wolff, Jung
(2000c) descreve uma “experiência secreta” em psicologia de grupos realizada no
Clube de Psicologia de Zurique (Analytical Psychological Club), agradecendo em
especial à contribuição dada por Toni Wolff.
Jung (2000c) aponta que existem fenômenos que apesar de desejáveis em outros
contextos são exclusivos dos grupos, por exemplo: dadas as condições da análise
individual, limitada sempre a duas individualidades algumas experiências inter-
humanas tornam-se impossíveis – antes de tudo, Jung aponta para os limites da análise
individual, o que não significa necessariamente apoiar um processo analítico de grupo.
Segundo Jung (2002), em correspondência dirigida a Hans A. Illing, um processo de
grupo é incapaz de substituir uma análise individual naquilo que há de específico
nesta.
Nesse texto podemos perceber que Jung não se coloca totalmente contrário às
atividades grupais; em alguns momentos aponta que os grupos podem afetar
negativamente a manutenção da consciência individual, salientando que os sujeitos
mais vulneráveis a este fenômeno são aqueles incapazes de apresentar alguma
resistência à forte pressão massificante presente no grupo e que a proteção a essa
influência seria conquistada somente graças à aquisição da personalidade ou
consciência individual.
As experiências com grupos sempre confirmaram que o grupo leva, qual desvio
sutil, para a imitação da dependência prometendo livrar as pessoas do doloroso
confronto consigo mesmas. As pessoas ainda não se dão conta de que o destino
as atingirá de alguma forma, seja direta ou indiretamente. Um estado que nos
protege contra tudo também nos tira tudo o que torna a vida gostosa de ser
vivida. É chover no molhado apontar as vantagens sociais da vida em grupos ou
a proteção indispensável e vital oferecida pela sociedade. Todos estão
convencidos disso. Contudo ninguém gosta de lembrar abertamente os efeitos
negativos da vida em grupos e nem ousa fazê-lo, pois, assim, poderia vir à tona o
temido problema do autoconhecimento e da individuação. (Jung, 2000c, §: 892)
Desta forma, Jung aponta que os grupos poderiam oferecer-se como escudos ou
mesmo escoras às pessoas que não puderam sujeitar-se ao processo de individuação,
as quais seriam atraídas para os grupos como mariposas pela luz. Um grupo só teria
valor quando as pessoas que dele fazem parte estivessem intimamente preocupadas e
comprometidas com seu processo de individuação, mais do que com seu
pertencimento ou identificação com um grupo. Nestas condições, um grupo poderia
apresentar um valor considerável aos seus membros:
O valor espiritual e moral de um grupo corresponde à média dos valores dos membros
individuais. Se forem imprestáveis os valores, não adianta qualquer ideal de grupo. Por
isso as experiências no grupo sempre remetem à pergunta acerca do valor do
indivíduo e de seu desenvolvimento. (Jung, 2000c, §: 898)
* * *
Gostaria de apontar um aspecto até aqui não mencionado sobre o conceito de grupo.
Em seu texto “Techniques of attitude change conducive to world peace: memorandum
to Unesco[3, Jung (1976) aponta que o método psicoterapêutico da psicologia analítica
não poderia ser aplicado em grupo. Segundo o fundador da psicologia analítica a
mudança de atitude se faz possível apenas no e por meio do indivíduo.
Jung (ibid.) afirma que a psicoterapia tal como é ensinada e praticada no C.G. Jung
Institute for Analytical Psychology, em Zurique, pode ser descrita como uma técnica
para a mudança de atitude mental; no entanto, acrescenta alguns comentários,
durante toda sua exposição, procurando clarificar o que entende como atitude:
E mais adiante:
Since the most intimate and delicate problems have to be confronted the
moment one begins to delve into the meaning of dreams, a man’s attitude cannot
be changed unless he takes account of the most questionable and painful aspects
of his own character. One cannot, therefore, expect much from the application of
such a method to a group. A change of attitude never starts with a group but
only with an individual. (Jung, 1976, §: 1392 – grifo do autor)
Jung enfatiza que seu método somente consegue resultados eficazes no indivíduo
quando este se submete ao tratamento de maneira voluntária; deve haver motivos
fortes o suficiente para que se submeta a ele, já que o processo de análise não é
exclusivamente confortável ao indivíduo, exigindo o enfrentamento de sérios
obstáculos ao longo de seu desenrolar.
* * *
Nos trechos comentados parece correto afirmar que o conceito de grupo pode ser
associado à idéia da adaptação ao coletivo, o que, embora Jung não julgue totalmente
dispensável, não atribui como sendo o fator fundamental em sua concepção do
processo de individuação. Do ponto de vista social os grupos podem oferecer algumas
realizações benéficas; nos textos acima selecionados Jung se mostra, por vezes, um
crítico ferrenho, salientando o perigo dos grupos, mas em outras, menos intenso,
admite, apontando o outro lado de suas afirmações, a função social dos grupos.
Acredito que certa objeção de Jung à realização do processo analítico em grupo pode
ser confirmada, mesmo assim admitindo algumas ressalvas, mas em relação a outras
atividades de grupos – por exemplo, os rituais e o Clube de Psicologia de Zurique –
Jung apresentava uma posição favorável.
Um caminho alternativo poderia ser, ao invés de avaliar o que Jung não pôde fazer,
considerar o que ele efetivamente fez. Whitmont critica o uso totalizante realizado por
Jung do termo sociedade, nas palavras do próprio Jung (1961)[4] apud Withmont
(ibid.): “Society is nothing more than the concept of symbiosis of a group of human
beings. A concept is not a carrier of life. The sole and natural carrier of life is the
individual, and this holds the throughout nature.”
Além disso Whitmont aponta que na concepção na qual está baseado o pensamento de
Jung a sociedade não seria algo mais que a simples soma de vários indivíduos:
“Individuals, thought of as atoms, ‘made up’ a society by massing together.” (idem,
ibid., p.6).
Tomada de forma isolada podemos afirmar que Jung apresenta uma idéia de sociedade
que nada mais é do que um nome ou um simples meio promotor de massificação.
Embora a teoria de Jung admita que há em todos os homens uma matriz arquetípica
comum e que homem coletivo se faz presente e pode influenciar a psique individual,
em nenhum momento Jung aponta que qualquer homem pode ser considerado
indivíduo. Este somente poderia ser caracterizado como aquele que é capaz de
apresentar alguma diferenciação com relação aos aspectos coletivos, segundo Jung
(2000b, §: 326): “O homem coletivo ameaça sufocar o indivíduo sob cuja
responsabilidade está em última análise toda a obra humana. A massa como tal é
sempre anônima e irresponsável.” Desta forma, indivíduo e massa apresentam-se como
conceitos antagônicos em sua obra. O conceito de indivíduo é o extremo oposto do que
podemos entender como algo passível de equiparação entre diferentes sujeitos:
Para que a massificação se torne possível é preciso que os indivíduos sejam soterrados
em suas individualidades. Não é possível haver uma massa de indivíduos, mas é
possível uma sociedade formada por indivíduos, sem que esses percam suas
individualidades:
Além disso, a idéia de que existe um ‘todo’ capaz de gerir de forma ordenada
organismos como o corpo, a matéria e os diferentes organismo sociais em Whitmont
(ibid.[6]) pode oferecer uma concepção de integração, não-contradição e auto-
regulação manifesta e presente no todo que não necessariamente pode ser transposta
ao conceito de organismo social ou sociedade sem que para isso fossem realizadas
algumas operações. Uma dessas pode ser descrita como ideológica – grosso modo,
uma espécie de disfarce que sustentaria um conjunto de idéias favoráveis a uma
parcela da sociedade, aplicadas, no entanto, a sua totalidade, dando à sociedade a
imagem de um bloco homogêneo embora sua parcela dominante fosse beneficiada à
custa de uma parte da população explorada, segundo Marilena Chaui:
Samuels (1995) tece uma crítica semelhante ao constatar que em nossa cultura
ocidental a possibilidade de verificar na sociedade momentos de integração é tão rara
e mística quanto a emergência dos eventos revelatórios em que se vivencia uma
unidade pessoal.
Cada vez mais, a fragilidade e a desconjunção de nossa cultura provoca uma
reação que parte de um senso da unidade subjacente ao mundo – uma resposta
holística. Mas, para mim, o problema com a re-emergência em nosso tempo de
visões cósmicas de um mundo unificado é que um sentido de unidade tende a
gerar só um tipo de verdade. (...) Propor o holismo como a solução não é uma
resposta crítica adequada ao drama da diversidade cultural. O holismo se funde
no mar das descontinuidades da vida, pois o holismo é um segredo altamente
racional e ordenado e não pode tolerar irracionalidades ou uma desordenação
em que sua Verdade tem de coexistir com um monte verdades. Um ponto de vista
unificado tem de achar algum tipo de articulação com uma diversidade de pontos
de vista; isto o holismo acha difícil. (Samuels, 1995, p.29 – grifo do autor)
* * *
Marie-Louise Von Franz (1973/1999), uma das mais respeitadas autoras junguianas e
uma das responsáveis pela grande difusão das idéias de Jung, analisa a psicologia em
grupo no artigo de título homólogo. Nesse texto a autora procura diferenciar massa e
grupo a partir dos conceitos de partie superieure e partie inferieure utilizados por
Jung – este seguindo o exemplo de Pierre Janet –, presentes em todas as funções
psicológicas, inclusive nos arquétipos. Segundo a autora a partie inferieure
caracteriza-se por padrões de comportamentos instintivos no sentido zoológico da
palavra, possui um aspecto de impulso emocional e é mais compulsiva – reação total
ou nenhuma reação –, de outro lado, a partie superieure pode ser caracterizada pela
possibilidade de uma realização interna consciente e pela maior flexibilidade que
apresenta. Acrescenta ainda que Jung comparava a psique a um espectro de cores: na
extremidade infravermelha estariam os impulsos psicossomáticos e na extremidade
ultravioleta, “as realizações simbólicas de significado ou a experiência da idées fixes,
das normas coletivas, inspirações religiosas etc.” (idem, ibid., p. 309). Um grupo com
sua “ordem social” estaria mais próximo à extremidade ultravioleta e a massa mais
próxima à extremidade infravermelha, dada sua tendência a reações emocionais
compulsivas. Em sua distinção, Von Franz indica que o grupo está mais próximo à
organização e rigidez, mesmo que neurótica, enquanto a massa estaria mais próxima à
impulsividade explosiva. Em sua proposta grupo e massa estariam diferenciados não
pelo número de indivíduos presentes em cada um desses movimentos, mas por suas
qualidades – embora ambos necessitem de um conjunto de pessoas para se
constituírem. Ainda segundo a autora, tanto o grupo quanto a massa, do ponto de vista
do indivíduo, quando tomados de maneira unilateral representam a supressão da
liberdade individual.
Ainda com relação aos grupos, Von Franz aponta que esses, de acordo com as
descobertas da sociologia[7], sempre se reúnem em torno de um centro, que pode ser
um tema, um propósito ou a meta do grupo. Partindo desse pressuposto haveria dois
tipos de grupos: os de propósito puramente racional – grupos esportivos, comerciais e
políticos, por exemplo –, que possuem apenas metas racionais conscientes; e os de
ordem superior – sociedades religiosas, os totens em tribos primitivas, por exemplo –,
nos quais o centro satisfaz a necessidade de uma experiência transcendente. A autora
aponta que, a despeito dessa diferenciação, tanto um grupo quanto outro pode se
colocar sob a influência arquetípica:
Tão logo algum fator ideológico oculto ou visível entra em cena, eles [os grupos
puramente racionais] se tornam ‘emocionalmente’ unidos e revelam através
desse fato que estão sob alguma influência arquetípica. Quanto maior a
influência do arquétipo, maior se torna a coerência do grupo. (Franz, 1973, p.
313).
Franz (ibid.) também aponta que nas últimas décadas do século passado ocorreu uma
busca por contatos sociais, uma “nova moda” que deu origem a uma multiplicação das
experiências com grupos, provocadas pela decadência dos grandes sistemas
centralizadores religiosos, representados pelo budismo e cristianismo, bem como pelo
declínio do marxismo, considerado por ela como unilateral, já que está baseado em
pressupostos exclusivamente terrenos e materiais incapazes de oferecer uma
experiência interior e transcendente.
Acredito que as afirmações expressas acima nos levam a supor que as Igrejas – e
talvez outras práticas religiosas –, os partidos políticos de esquerda e a prática clínica
da psicologia almejam a mesma coisa: “o evento interno salvador, a experiência do Si-
mesmo pelo indivíduo”. Ora, todas essas instituições orientam-se por objetivos muito
diferentes e é bastante legítimo que cada uma delas procure os meios adequados para
alcançá-los.
Desta forma a psicologia analítica corre o risco de ser tomada como a fonte de sentido
e verdade para a existência humana.
Renato Janine Ribeiro (1996) aponta o fato de que após as afirmações de Jung sobre a
sincronicidade as práticas astrológicas foram radicalmente modificadas; segundo ele a
astrologia depois de Jung modificou-se de maneira brutal: “Predições que falavam de
fatos, ou mesmo de fados, prometendo sorte ou afirmando desgraças foram
substituídas por toda uma arte quase psicológica, que usa Jung para tratar da pessoa e
não mais do que lhe sucede”.
Em seu texto Renato Janine Ribeiro (ibid.) não procura acusar ou defender a psicologia
criada por Jung, mas chama nossa atenção para o fato de que a prática da astrologia
em nosso tempo revestiu-se quase que totalmente da psicologia analítica, dela não se
diferenciando muito. Uma determinada forma de fazer psicologia se sobrepôs a uma
ciência.
Com isso não espero invalidar ou mesmo me opor à crítica que a Igreja, a psicologia,
os partidos políticos e qualquer outra instituição possam realizar a organizações
similares, dentro e fora da sua área. Acho fundamental a possibilidade de crítica,
desde que, quando dirigida a uma instituição, possa se orientar por aquilo que esta fez
ou faz efetivamente, ou seja, por aquilo que ela é e não por aquilo que ela se diferencia
do que sou ou faço.
Renato Janine Ribeiro (2000), referindo-se ao esvaziamento de sentido provocado por
algumas análises a determinados fenômenos, cita, entre alguns exemplos, o uso[9] da
perspectiva junguiana como uma máquina de produzir sentido:
Retomando as idéias apresentadas por Von Franz é curioso constatar que as atividades
de grupo, mesmo aquelas que não se enquadram como práticas analíticas de grupo,
simplesmente impedem a experiência do Si-mesmo.
* * *
Para finalizar, gostaria de oferecer uma visão do que dois dicionários de conceitos
junguianos oferecem sobre o termo grupo:
O que procurei demostrar até aqui é que o termo grupo, assim como o termo massa,
não é atribuição meramente quantitativa aplicada ao número de pessoas que
participam desse evento; da mesma forma como aponta Von- Franz, acredito que
grupo e massa devem ser entendidos fundamentalmente de maneira qualitativa,
algumas vezes relacionando-se e outras vezes podendo sobrepondo suas
características.
Jung aponta também que algumas pessoas analisadas poderiam formar um grupo
relativamente saudável do ponto de vista individual, já que a consciência individual
pode oferecer uma proteção aos fenômenos da identificação com o grupo. Além disso,
as pessoas desse grupo poderiam beneficiar-se da adaptação social que este oferece –
aspecto também desejável ao homem, segundo Jung, e que pode ser oferecido pela
análise individual de maneira parcial ou incompleta.
(...) enquanto um grupo pode dar a uma pessoa ‘uma coragem, um suporte e uma
dignidade que facilmente se podem perder no isolamento’ há também um perigo
de que os benefícios da vida em grupo se provarão tão sedutoramente inibidores
que se perde a individualidade. (Samuels; Bani; Plaud, 1988, p. 86 - grifo do
autores).
Nos momentos em que Jung critica a massa não procura criticar ou valorizar
negativamente o fenômeno da regressão psíquica presente naquela, assim como
quando crítica o grupo não despreza o valor social que o mesmo possa ter, ou quando
alerta para o valor regressivo da massa Jung não condena a regressão[10] em si, mas o
fato de que essa pode subjugar totalmente o ego. Agindo dessa forma Jung não “joga
fora o bebê junto com a água suja do banho”, como é possível supor.
É claro que, muitas vezes, Jung utiliza grupo e massa como sinônimos, o que não
significa uma confusão, mas um uso deliberado e consciente. Nesses momentos Jung
pretende aproximar esses conceitos atribuindo a cada um deles aspectos semelhantes;
por exemplo, quando fala da identificação com o grupo presente na massa, Jung
parece atribuir a cada um desses eventos plasticidade, flexibilidade e similaridade –
um grupo de pessoas analisadas, não é uma nação, muito menos uma massa na
concepção de Jung e, no entanto, muitas vezes uma sociedade ou mesmo uma nação
pode agir como massa de acordo com esse autor.
Por outro lado, na definição dada acima, a confusão no uso dos termos não é imputada
diretamente a Jung – embora ele talvez seja o maior responsável –, já que existe “uma
confusão na Psicologia Analítica (...)” (Samuels, Bani e Plaud, 1988, p. 86). Não há
como saber a quem se refere o termo “na Psicologia Analítica”, mas pelas leituras aqui
expostas não é difícil supor que a opinião dos junguianos está fundamentada em
diferentes pontos da teoria, variadas concepções de mundo que engendram maneiras
muito diferentes de conceber a relação entre psicologia analítica e grupos.
Referências Bibliográficas:
BETTELHEIM, B. Freud e a alma humana. Tradução: Álvaro Cabral. Cultrix: São Paulo,
2002.
___________. Espírito e vida. In: A dinâmica do inconsciente. Vol. VIII. Petrópolis: Vozes,
1998b. p. 327-347.
____________ Cartas de C. G. Jung. Tradução: Edgard Orth. Petrópolis: Vozes, 2002. 2v.
_____________. Dificuldades de um leigo. In: BÓGEA. I. (org). Oito ou nove ensaios sobre
o grupo corpo. São Paulo: Cosac e Naify, 2000. p. 68- 80
SAMUELS, A.; BANI, S.; PLAUD, F. Dicionário crítico de análise junguiana. Rio de
Janeiro: Imago, 1988.
WHITMONT, E. C. Analysis in a group setting. In: Journal Quadrant, n°16, p. 5-25, JAN
1974; Published by the C. G. Jung Foundation; Printed by Sowers Printing Company,
Lebanon
[2] Le Bon é também utilizado como referência por Freud (1921) em seu célebre texto
“Psicologia de las masas y análise do yo”, texto em que Freud discute a aparição de
características peculiares no indivíduo na massa, contágio mental e
sugestionabilidade. Freud, S. Psicologia de las masas y análise do yo. In: Obras
Completas. Madrid. Biblioteca Nueva, 1981.
[3]
Esse texto foi escrito como resposta à solicitação realizada pela UNESCO, que
visava pesquisar as várias contribuições que a filosofia, psicologia, educação e ciências
sociais poderiam oferecer à mudança de atitude capazes de conduzir à paz mundial.
Desta forma o uso do termo atitude no título do memorando foi determinado pela
UNESCO e não uma escolha do próprio Jung.
[4] O livro Psycological Reflections (Jung, 1961) do qual Whitmont retira essa e outras
citações é formado por uma coletânea de trechos referentes a tópicos específicos. Na
maioria dos casos, limitadas a um único parágrafo, de maneira que são apresentadas
fora do contexto geral em que o texto foi escrito.
[5] Entre outros autores: Arendt, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense
Universitária. 2003 e Horkheimer, M.; Adorno, T. W. Dialética do Esclarecimento:
fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. Embora cada um possua
concepções diferentes de história e da relação que os homens estabelecem com ela, as
considerações desses autores contemplam pontos semelhantes - por exemplo, a idéia e
a crítica a homogeneidade presente na sociedade moderna.
[6] Organisms were still seen as nothing but the sum of their components, each
functioning in its independent way and managing somehow, by accidental selection, to
get on together and survive. The body was conceived of as accumulation of quasi-
independent cells. Matter was seen as a collection of atoms, adhering together. The
social organism was ‘nothing but’ an accumulation of individuals. What was lacking in
this view was the idea of the organizing whole which determines the function of its
parts, while still being dependent upon the parts. (Whitmont, 1974, p.6)
[9] Assim como na astrologia, a crítica está remetida ao uso disseminado e ao qual o
autor teve acesso e não à teoria, aspecto que se furta a comentar.
[10] A regressão pode ser descrita como o movimento da libido na direção oposta à
adaptação, entendida, segundo Jung, como satisfação contínua das condições do
mundo ambiente, ou seja, trata-se de um movimento em direção ao inconsciente, um
processo não dirigido pela consciência. Neste, a energia pode ligar-se a conteúdos
inconscientes neglicenciados: “Se nos recordarmos agora de que a causa do
represamento da libido era o malogro da atitude consciente, compreenderemos que
germes valiosos são ativados pela regressão (...) Se o pensamento falha como função
da adaptação, por se tratar de uma situação à qual só podemos nos adaptar pela
empatia, o material inconscientemente ativado pela regressão encerra precisamente a
função, embora ainda numa forma embrionária ou mesmo arcaica, não desenvolvida.”
(JUNG, C. G. A energia psíquica (1928) In: A dinâmica do inconsciente. CW 8.
Petrópolis: Vozes. 1988)
André Mendes
andmendes@uol.com.br