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CURSO: L I C E N C I A T U R A E M MATEMÁTICA

DISCIPLINA: PROJETOS SOCIAIS


PROF.(A).: LUCINEIDE PENHA TURNO:
TORRES DE FREITAS VESPERTINO
NOTA
TURMA: S2 SALA:
GRADUAÇÃO ALUNO (A): ISMAEL MARTINS MATOS
DATA: RESENHA: Homens invisíveis: relatos de
01/08/2020 uma humilhação social – Fernando Braga
da Costa

HOMENS INVISÍVEIS: RELATOS DE UMA HUMILHAÇÃO SOCIAL.


Fernando Braga da Costa. São Paulo: Editora Globo, 2004. 254 p.

Ismael Martins Matos (IFCE)

Homens Invisíveis: Relatos de uma Humilhação Social, de Fernando Braga


da Costa, é uma obra que foi produto de sua dissertação de Mestrado defendida
no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Professor
universitário e psicólogo clínico, Fernando discorre em seu livro pautas de suma
importância social como a desigualdade e exclusão dos indivíduos. Mostrando
assim que, a disciplina Psicologia Social II, que cursava em 1994 foi de grande
relevância para sua construção académica profissional. Pois foi exatamente nessa
disciplina onde foi proposto a turma o encargo de incumbir-se durante todo um dia,
algum trabalho característico de um indivíduo pertencente à classe pobre, no seu
caso a profissão optada foi Gari.

É importante destacar que a escolha da profissão ao qual Fernando se


engajaria, não se deu de forma aleatória pois o autor afirma a escolha consciente
pelo fato deste ser um ofício rejeitado pelas pessoas em geral. Em entrevista a
revista responsabilidade social, Fernando assume ter escolhido o trabalho pelo
fato que mesmo no senso comum as pessoas se referem a profissão de gari ou de
lixeiro como a profissão mais desqualificada que existe, exemplificando as falas
como "fulano Não serve nem para ser lixeiro ", o autor afirma que quando o
trabalho foi proposto a primeira profissão que veio a sua mente foi essa.

O autor confessa que a princípio, imaginou que fosse chamar a atenção


dos colegas ou professores enquanto cumpria suas funções pelo centro de
estudos. As reações, contudo, foram o contrário do que presumiu.
A pesquisa se iniciou em 1994 e nos dois primeiros anos Fernando não ia
semanalmente trabalhar como gari, trabalhava num período mais esporádico. Foi
então que a partir de 1996 ele começou a ir duas, até mesmo três vezes por
semana. Uma cena bastante importante no livro se deu em seu primeiro dia de
trabalho como gari:

Entramos pela porta principal, eu e o Antônio (um dos garis). Percorremos


o piso térreo, as escadas e o primeiro andar. Não fui reconhecido. E as
pessoas pelas quais passávamos não reagiam à nossa presença. Talvez
apenas uma ou outra tenha se desviado de nós como desviamos de
obstáculos, objetos. Nenhuma saudação corriqueira, um olhar, sequer um
aceno de cabeça. Foi surpreendente. Eu era um uniforme que
perambulava: estava invisível (..) (COSTA,2004; p. 44)

A perceção da invisibilidade de indivíduos pobres com ofícios que exigiam


pouco ou mesmo nenhum nível escolar ou técnico, foi o mote para associar-se aos
garis contratados pela Prefeitura da Cidade Universitária da USP. Desenvolvendo
assim sua pesquisa que tinha como motivação, entender e analisar as
circunstâncias de trabalho e a situação moral e psicológica, bem como inquirir as
aberturas e os obstáculos psicossociais na relação com esses trabalhadores.

O autor explica a sua investigação como estudo etnográfico1 realizado de


forma investigativa onde se inseriu numa modalidade de trabalho subalterno (gari),
onde prosseguiu a sua investigação do constante contato com trabalhadores
pobres.

Entre as críticas pesquisadas alguns leitores abordam o evidente


envolvimento afetivo que o autor manifesta na adoção da sua linguagem literária,
alguns críticos chegaram a alegar surpresa frente a quebra do costumeiro
distanciamento analítico. O próprio autor reconhece que o livro possui poucas
características acadêmicas. Seu trabalho é um texto que se tornou muito literário.
São histórias contadas que a partir delas demonstram novas interpretações sobre os
fenômenos psicossociais. É um texto que em si não há um grande reconhecimento
de aspectos de uma estrutura acadêmica rígida. As críticas, porém, não encobrem

1Metodologia das ciências sociais, em que o principal foco é o estudo da cultura e o


comportamento de determinados grupos sociais. Etnografia significa, literalmente, a
descrição de um povo.
os méritos de "Homens invisíveis", o trabalho possui traços científicos muito bem
definidos, além de os depoimentos recolhidos serem ricos e de suma importância
pois permitem ao leitor perceber as problemáticas da profissão. O autor não precisa
falar que devemos tratar os garis com mais humanidade, próprio fato interpele a
pessoa. A postura tenaz do autor também tem sua importância pois dessa forma
inspira a elaboração de textos científicos heterodoxos na área.

Em 2008, quando concluiu seu doutorado, o autor chegou à conclusão de que


invisibilidade pública, a humilhação do desaparecimento intersubjetivo de indivíduo
no meio de outros indivíduos, está intrinsecamente relacionada a fenômenos
psicossociais característicos de sociedades capitalistas: a humilhação social que é
um fato histórico, corriqueiro no cotidiano de indivíduos economicamente pobres e a
reificação, que seria um processo onde as pessoas passam a se perceber e
perceber os outros de uma forma que causa a objetificação dos indivíduos.

Assim, por exemplo, o trabalho reificado não aparece por suas


qualidades, trabalho concreto, mas como trabalho abstrato, trabalho para
ser vendido. A sociedade que vive à custa desse mecanismo produz e
reproduz, perpetua e apresenta relações sociais como relações entre
coisas. O homem fica apagado, é mantido à sombra. (COSTA,2004; p. 49)

É sabido que o ofício mais do que uma forma de angariar dinheiro para
subsistência, é também fator determinante para representar a posição social. É
nítido que no caso dos garis, a pesquisa que gerou o livro, deixa claro que o trabalho
não é valorizado, dessa forma os trabalhadores se tornam homens invisíveis.

A desigualdade corresponde a um fato histórico-político mais velho


que o capitalismo e nele renovado. (COSTA,2004; p. 31)

No decorrer do livro o autor mostra nitidamente emblemáticas demonstrações


de que um uniforme e uma função que pode ou não envolver um baixo nível
intelectual, são determinantes no trato social que esses sujeitos virão a receber.

Tais afirmações encontradas no livro, nos fazem refletir e repensar atitudes ou


comportamentos, talvez, adotados frente alguns profissionais. Isso é algo que o livro
faz perfeitamente, induzir o leitor a uma reflexão de seus atos voluntários e
involuntários frente a uma gama de profissionais que encontramos rotineiramente,
mas que muitas vezes passam desapercebidos.

A desigualdade social é uma consequência dos interesses econômicos numa


sociedade capitalista tudo gira em torno do dinheiro. a supervalorização do poder
aquisitivo corrói as relações humanas anulando assim, conceitos como o amor,
empatia, moral e respeito. Nesse processo que a sociedade capitalista nos insere
somos apenas parte de uma engrenagem, entramos em um contexto em que não
existimos como indivíduo pois o que realmente é levado em consideração é aquilo
que possuímos.

Em sua obra autor afirma a necessidade de estudo e investigação da maneira


como nós estamos estruturados e unidos uns aos outros socialmente. Contudo, não
se pode alterar a relação psicossocial entre os indivíduos sem que haja uma
mudança no modo de produção e na maneira como nos organizamos em relação ao
trabalho. O fato é que será impossível romper com a invisibilidade, muito menos com
a humilhação social, se continuamos com uma sociedade que se baseia no modo de
produção capitalista. Vemos que em todas as profissões que não exigem uma
qualificação, como a dos garis, a humilhação e a invisibilidade social estarão sempre
atreladas a esses sujeitos. Dessa forma podemos perceber a importância dos
estudos na área de psicologia social com experiências semelhantes para podermos
destacar a desigualdade social vivida por quem é oprimido a fim de que os
indivíduos que sofrem e praticam essas consequência psicológicas venham se
conscientizar, e possam passar a não reproduzir ou naturalizar a humilhação social.

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