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 Interpretação Avançada Clínico Laboratorial: Exame do Líquor - LCR

Interpretação Avançada

Clínico Laboratorial: Exame

do Líquor - LCR
Medicina Diagnóstica Laboratorial

SOBRE O AUTOR

João Batista Costa Neto tem mais de 20 anos de experiência em Líquido


Cefalorraquidiano - LCR. É Farmacêutico Bioquímico pela Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM/RS), com Residência em Análises Clínicas no Hospital
Universitário de Santa Maria - HUSM. Possui especialização em Patologia Clínica
- Oncohematologia pelo Hospital Albert Einstein de São Paulo. Fellow em
Wurzburg na Alemanha em Diagnóstico Neurológico Liquórico com o Prof. Dr.
Hansotto Reiber. Comenda Mérito Farmacêutico pelo Conselho Federal de
Farmácia - CFF em 2017. Autor do Manual Prático Teórico de Líquor com Atlas,
Editora Life, 3ª Edição que, atualmente, é o livro mais vendido nos países de
língua Portuguesa no segmento.

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TÓPICOS ABORDADOS

INTRODUÇÃO.........................................................................................4

FORMAÇÃO, COMPOSIÇÃO E FISIOPATOLOGIAS.................................. 5

COMPORTAMENTO DO LCR NAS PRINCIPAIS PATOLOGIAS..................8

COLETA................................................................................................. 11

ANÁLISE FÍSICA E MACROSCÓPICA...................................................... 12

ANÁLISE MICROSCÓPICA E CITOLOGIA TRADICIONAL........................ 12

ANÁLISE MICROSCÓPICA E CITOLOGIA ONCÓTICA............................. 14

CARNCINOMATOSE MENÍNGEA...........................................................15

MARCADORES TUMORAIS................................................................... 16

ANÁLISE BIOQUÍMICA.......................................................................... 16

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA............................................................... 17

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inflamatórios (reacionais e autoimunes)
e na infiltração de células neoplásicas

Interpretação
(tumores sólidos e hematológicos) que
acometem o sistema nervoso central
(SNC) e o sistema nervoso periférico

Avançada (SNP).
Também, outra ferramenta
importante é a possibilidade da

Clínico administração intratecal


medicamentos e quimioterápicos, tanto
de

para o tratamento de infecções quanto


Laboratorial: para tumores primários ou metastáticos
do SNC, e, ainda, como profilaxia do
envolvimento neurológico de tumores
Exame do sistêmicos, por exemplo, em leucemias.
Assim, neste Ebook Especial da
Academia do Líquor, procuraremos
Líquor - LCR esclarecer a vastidão e a complexidade
da análise do LCR, visando ajudar e
Medicina Diagnóstica Laboratorial auxiliar na interpretação dos resultados
com clareza, focados na prática
laboratorial. Entretanto, antes de mais
nada, vale dizer que, para a avaliação
INTRODUÇÃO do exame do LCR, é obrigatório o
conhecimento das indicações para esse
O exame do líquido exame segundo a Academia Americana
cefalorraquidiano (LCR) ou líquor, de Neurologia (AAN):
desde a sua descoberta no século XIX,
cada vez mais vem sendo estudado,  Processos infecciosos do SNC e
aperfeiçoado e sua análise tem sido seus envoltórios; Exemplo:
solicitada ao laboratório clínico como meningites agudas.
complementação paraclínica ao
diagnóstico de diversas patologias.  Processos granulomatosos com
Para auxiliar na complementação imagem inespecífica; Exemplo:
de diagnóstico, assim como para metástases, neurotuberculose,
diagnóstico diferencial, a análise do LCR neuromicoses e
nas mais diversas patologias neurocisticercose.
neurológicas é de suma importância.
Por exemplo, no estadiamento de  Processos desmielinizantes;
doenças oncológicas, no seguimento de Exemplo: neuromielite óptica e
alterações vasculares (vasculites esclerose múltipla.
cerebrais), em infecções agudas
(meningites), em infecções subagudas,  Leucemias e linfomas
em infecções crônicas, em processos (estadiamento e tratamento);
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Exemplo: principalmente a desse revestimento líquido e de


leucemia linfóide aguda. extrema importância, destaca-se a
proteção mecânica, quer em relação às
 Imunodeficiências; Exemplo: forças normais (como a gravitacional),
síndrome de imunodeficiência quer em relação às forças não
adquirida (HIV). fisiológicas (como no traumatismo
cranioencefálico).
 Processos infecciosos com foco Outra função importante é a
não identificado; Exemplo: manutenção do equilíbrio sangue-LCR,
recém-nascidos e crianças febris que proporciona o microambiente de
sem causa aparente. circulação do LCR no espaço
subaracnóideo, facilitando a rápida
 Hemorragia subaracnoidea; difusão de substâncias para as
Exemplo: traumatismos e diferentes estruturas com as quais está
acidente vascular cerebral. em contato, assim como facilita a
difusão de seus componentes
Por fim, é relevante frisar que, a fisiológicos, por exemplo, células de
partir do conhecimento do profissional defesa e proteínas de fase inflamatória.
do laboratório clínico de quais são as De forma que medicamentos que são
principais indicações para o exame de injetados dentro do sistema LCR
LCR, será possível visualizar melhor a (intratecal) também atingem toda a
interpretação dos resultados e conduzir área muito rapidamente, sendo muito
laboratorialmente as investigações das preciso e útil em algumas patologias via
patologias, podendo até sugerir exames região lombar e/ou pacientes com
auxiliares, sempre com base na troca de dreno.
informações laboratório/médico, que Com isso, o sistema fisiológico
para esta especialidade torna-se vital. mantém a homeostase de maneira a
permitir respostas de defesa rápida,
como já falamos, quando o SNC é
FORMAÇÃO, COMPOSIÇÃO E acometido por processos infecciosos,
FISIOPATOLOGIA em meningites, encefalites etc., em que
a reação inflamatória desencadeada é
O SNC localiza-se imerso no LCR detectada em todo o sistema LCR.
interna e externamente. Seguindo, quanto à formação,
Esse líquido (LRC), em condições observa-se que o LCR é produzido pelas
normais, quando analisado células do plexo coróide, que são
macroscopicamente, encontra-se estruturas vasculares com atividade
límpido e incolor, assim como “água de secretora situadas nos ventrículos
rocha”. E, dentre as principais funções cerebrais. Dentre toda a sua produção,
ainda há um pequeno volume, que é

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resultante de trocas sangue-LCR, por raquidiano e, particularmente, no


diálise, ao longo do revestimento sentido da convexidade cerebral. E, a
ependimário dos ventrículos, assim manutenção desse sistema confere o
como do espaço subaracnóideo. O equilíbrio entre formação e reabsorção
mecanismo dessa troca é baseado, em condições fisiológicas normais.
atualmente, na teoria da velocidade do Assim, nesse momento, é importante
fluxo liquórico, em razão do aumento salientar que, no LCR de um adulto, o
da superfície de contato, sendo volume costuma ser de 130 mL a 150
diretamente afetada quando há mL com uma produção de 20 mL/hora
qualquer bloqueio do fluxo, pois, assim, durante todo o tempo.
permite maior área de troca sangue- Prosseguindo, a partir da troca
LCR, facilitando a diálise (inúmeras sangue-LCR, anatomicamente temos a
doenças podem causar esse bloqueio e barreira hematoencefálica (BHE), cujo
serão descritas neste capítulo). papel é o de atuar dinamicamente para
Após a sua produção, o LCR manter o ambiente metabólico do SNC
ventricular drena pelos orifícios do teto e do LCR e, além disso, a sua atividade
do IV ventrículo para a região da garante, em condições normais, as
cisterna magna, na porção do espaço diferenças na composição citológica,
subaracnóideo situada na fossa imunológica e bioquímica do LCR em
craniana posterior. E, a partir da relação à composição do sangue. Por
cisterna magna, a maior parte do LCR sua vez, a composição do LCR depende
segue, em sentido caudal, para o das condições sanguíneas e do
espaço subaracnóideo raquidiano. equilíbrio sangue-LCR, e, portanto,
Ainda, outro ponto importante é espera-se a presença de componentes
o entendimento do processo de presentes no soro, porém em
reabsorção do LCR, que se faz nas concentrações diferentes.
vilosidades aracnóideas. Elas se Agora, em relação à
projetam no interior da luz vascular do concentração bioquímica absoluta,
sistema venoso e são encontradas tanto destacam-se principalmente as de
no nível dos nervos raquidianos como proteínas no LCR com diversos fatores
nos seios venosos intracranianos. Cabe envolvidos, dentre eles:
ressaltar que, no seio sagital superior,
projetam-se as vilosidades mais  A dependência da concentração
diferenciadas, chamadas de plasmática.
granulações de Pacchioni. Dessa  Da integridade da BHE.
maneira, há um contínuo deslocamento  Da velocidade do fluxo do LCR.
do LCR no sistema ventricular para o  Dos pesos moleculares.
espaço subaracnóideo e, neste, a partir  Do raio hidrodinâmico das
da cisterna magna, em sentido moléculas.

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liquórico (velocidade X razão), vem


Assim, os estudos do fluxo ganhando destaque nos últimos anos a
liquórico se baseiam nesses fatores e análise do LCR, associado à utilização de
essas informações nos levam a concluir marcadores proteicos cada vez mais
as teorias das relações de troca da BHL precisos para as mais diversas
e da BHE. patologias como, por exemplo:
Com esse raciocínio, ficou
estabelecido que, em condições Gama-trace cistatina: produzida pelas
normais, as concentrações de proteínas, células nucleadas e neurônios corticais
principalmente a da albumina, podem do plexo coroide.
variar conforme a idade, com uma
tendência de aumento de concentração Beta-trace proteína: prostaglandina D2
após o avanço da idade. sintetase–proteína secretora originada
Ademais, outro ponto exclusivamente no cérebro e
importante é o entendimento da leptomeninges. Esse marcador é
detecção e da quantificação das bastante utilizado em pacientes com
imunoglobulinas presentes. O aumento rinorreia, em que há necessidade de
da sua concentração pode ser devido à confirmação de que o material
quebra da BHE, ou seja, realmente se trata do LCR.
extravasamento sangue-LCR, e/ou a
produção real intratecal, líquor-líquor, o Proteína S100: presente em altas
que pode ser muito importante no concentrações nas células gliais e
auxílio diagnóstico de diversas células de Schwann. Utilizada como
patologias neurológicas, especialmente marcador de lesão neuronal em
para investigação autoimune. conjunto com a proteína TAU.
Essas investigações e avaliações
laboratoriais, nos dias atuais, se Proteína TAU: em condições normais
basearam na análise de milhares de garante a estabilidade ao axônio e
amostras de LCR e conseguiu-se microtúbulos dendríticos do neurônio,
relacionar os quocientes de mas também pode ser encontrada nos
Imunoglobulina G (IGG) e albumina oligodendrócitos e astrócitos. Utilizada
(ALB) sempre apoiadas na teoria da com marcador de lesão neuronal, como
difusão molecular ↔ fluxo do LCR, e a por exemplo no auxílio diagnóstico das
partir disso, formulou-se um doenças priônicas e em demências.
normograma com uma curva
hiperbólica através de fórmulas Enolase neuroespecífica (ENS):
logarítmicas muito próximas da presente predominantemente nos
realidade, sendo extremamente neurônios e nas células endócrinas.
sensíveis e precisas. Com o Utilizada em associação com a proteína
entendimento real da fisiologia do fluxo

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14.3.3 para complementação


diagnóstica nas doenças priônicas.
COMPORTAMENTO DO LCR
Proteína básica da mielina (PBM): NAS PRINCIPAIS
presente na bainha de mielina dos PATOLOGIAS
neurônios, pode ser utilizada como
marcador de lesão neuronal. Para o melhor entendimento do
apoio dos exames laboratoriais
Proteína 14.3.3: marcador de lesão realizados no LCR voltado a prática de
neuronal, e é útil quando associada à bancada diária, compartilhamos nos
Proteína S100 e à ENS em demências e quadros a seguir o comportamento
em doenças priônicas. esperado nas principais patologias
diagnósticas atualmente e suas
Proteína beta-amiloide 42 (PBA42): correlações a partir do quadro clínico.
presente em condições normais no SNC,
sua concentração pode apresentar-se
diminuída, e em doenças demenciais
quando comparada a doenças não
demenciais. Contudo, a fisiopatologia Meningites Bacterianas
da sua concentração ainda não está
bem esclarecida e há três hipóteses
prováveis do seu mecanismo:

a) Aumento na deposição nos


neurônios da forma insolúvel.

b) Diminuição da sua produção e,


por consequência, da sua atividade nos
neurônios.

c) A Apolipoproteína E (APOE) é
responsável pelo transporte de
colesterol e lipídios nas células nervosas.

Por fim, ressalta-se que a


alteração na ligação de PBA42 com
proteínas específicas resultam no
mascaramento de epítopos e, por
consequência, na sua diminuição.

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Meningites e Encefalites Virais Neurotuberculose

Neuromicoses

Neurocisticercose

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Neurossífilis Síndrome Infecto-Reacional Lyme

Simile

Doenças Priônicas Guillain-Barré

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Doença de Alzheimer espaços intervertebrais L3-L4, L4-L5 ou


L5-S1, abrangendo o espaço
subaracnóideo lombar (fundo de saco
lombar).
Já, pela punção suboccipital,
atinge-se a cisterna magna.
E, quanto à punção ventricular,
observa-se que ela só é indicada
quando há suspeita de processo que
acometa o sistema ventricular de modo
diverso do restante do sistema LCR,
como nas ventriculites purulentas do
recém-nascido e, mesmo assim, quando
se visa ao isolamento do agente
etiológico.
Após, concluída a coleta do LCR,
Doenças Desmielinizantes o paciente deve permanecer em
repouso, deitado, por cerca de 10 a 15
minutos, se a punção for subocciptal.
Agora, se a coleta for realizada por
meio da punção lombar, aconselha-se
que o prazo de repouso seja de 24 a 48
horas, uma vez que, nesse caso, a perda
de LCR não se resume ao volume
colhido, pois o vácuo aberto nas
meninges, aliado à pressão negativa do
espaço subdural, leva à perda tanto
maior quanto mais tempo persistir o
paciente na posição ereta. Em virtude
COLETA disso, é possível que haja a ocorrência
de cefaleia após a punção, para cujo
tratamento a medida mais eficaz é
Em princípio há três opções de
manter o paciente em decúbito de dois
escolha dos locais para a punção da
até quatro dias.
colheita do LCR: lombar, subocciptal e
Entretanto, por fim, é pertinente
ventricular.
ressaltar que exame de LCR está
Preferencialmente, a região
contraindicado na vigência de síndrome
lombar é a escolhida e, geralmente, é
de hipertensão intracraniana, com
realizada com o paciente deitado, em
efeito, de massa tipo tumoral e quando
decúbito lateral, com a punção nos
existem infecções de pele no local da

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coleta. A ordem para análise dos tubos hemorragia subaracnoidea (HSA), e em


coletados deve ser, obrigatoriamente: pacientes com níveis de bilirrubina
Tubo 1: bioquímica e imunologia; Tubo elevados como, por exemplo, em
2: Microbiologia; Tubo 3: Citologia e recém-nascidos. Os valores dosados de
hematologia. Se o material apresentar proteínas no LCR superiores a 150
mais de 50 elementos/mm3 (hemácias, mg/dL são observados em diversas
leucócitos etc.), deverá ser centrifugado infecções e processos inflamatórios, ou
para análise bioquímica. podem ser resultado de punções
traumáticas contendo mais de 100.000
hemácias/mm3. Além disso, salienta-se
ANÁLISE FÍSICA E
que os recém-nascidos,
MACROSCÓPICA frequentemente, apresentam em
condições normais a xantocromia e
O estudo do LCR normal é níveis elevados de proteínas, muitas
límpido e incolor como “água de rocha”, vezes, devido à condição de
com um volume circulante de 80 a 150 imaturidade.
ml. O aumento de células e elementos Então, conclui-se que a
causa a turvação do LCR, variando sua terminologia utilizada no laboratório
intensidade de acordo com a clínico para o aspecto é a seguinte:
quantidade e o tipo desses elementos. límpido, ligeiramente turvo, turvo, e
Entretanto, quando há presença de hemorrágico. E para a coloração:
mais de 200 (duzentas) células eritrocrômico, xantocrômico e incolor.
brancas – leucócitos por mm3 ou 400
(quatrocentas) hemácias por mm3
podem, inicialmente, causar turbidez
ANÁLISE MICROSCÓPICA E
macroscópica a “olho nu” e ainda a CITOLOGIA TRADICIONAL
xantocromia pode apresentar
colorações amarelas, laranja ou rosa, A análise microscópica/citológica
tendo como principal causa a lise das vem contribuindo, com o passar dos
hemácias resultantes da quebra da anos, com muitos detalhes e sendo
hemoglobina, oxi-hemoglobina, meta- extremamente útil para o
hemoglobina e bilirrubina. entendimento e fidelização dos
Essa variação de cores para a diagnósticos iniciais e no
xantocromia começa depois que as acompanhamento da evolução das
hemácias permanecem circulantes no patologias (Quadro 1).
sistema LCR, a partir de duas horas a Em condições fisiológicas
quatro semanas. A xantocromia está normais é considerada normal uma
presente em mais de 90% dos pacientes contagem de até 4 (quatro) células por
com mais de 12 horas após o início da

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mm3 no adulto, e de até 15 células por presente de forma marcante em


mm3 no caso de recém-nascidos. neuroparasitoses, assim como a
Assim, uma elevação do número presença de basófilos, dependendo de
de células pode derivar de vários cada caso.
motivos, dentre eles, podemos Dando sequência, é de suma
observar em infecções, em hemorragias importância salientar que a contagem
subaracnóideas (HSA), em neoplasias e global deve ser realizada e padronizada
em vários outros tipos de processos na Câmara de Fuchs Rosenthal (Figura
inflamatórios. 1). Essa câmara é composta de 16
Também poderemos ter a quadrantes, subdivididos em outros 16
presença de sangue, devido a diversas quadrantes menores, totalizando 256
situações, entretanto a mais comum é a quadrantes. Assim, ao microscópio
punção traumática (PT), e como óptico, a critério, deve-se observar
resultado teremos um aumento todos os 256 quadrantes da câmara
artificial no número de leucócitos. Para (Figura 2) e, ainda, se possível, ficar
isso, poderemos utilizar a seguinte atento a todo ambiente analisado,
razão de normalidade: a cada 500 a 700 inclusive fora do perímetro, pois em
hemácias/1 leucócito (a punção pacientes imunodeprimidos poderemos
traumática ocorre em 20% das punções ter a presença do fungo Cryptococcus
lombares). neoformans.
Logo, na prática comum
recomenda-se a coleta de 3 (três) tubos,
considerando para a contagem global e
citologia, geralmente a do terceiro tubo
coletado. Contudo, nem sempre ocorre
coleta de três tubos, o que dificulta a
fidelização da análise por parte do Figura 1: Câmara Fuchs Rosenthal.
profissional do laboratório clínico.
Já, na citologia diferencial,
observamos, em condições normais, o
predomínio de linfomononucleares,
com 70%-90% de linfócitos e 10%-30%
de monócitos. Ocasionalmente,
observam-se isoladamente eosinófilos e
neutrófilos em situações normais.
Todavia, o aumento acentuado de
neutrófilos é indicativo de processo Figura 2: visão microscópica da área de
infeccioso. Já a eosinofilorraquia deve contagem global.

ser considerada na presença de dez


leucócitos por mm3 ou mais, estando

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Depois de ter observado toda a carcinomatose meníngea e/ou


câmara, contando os leucócitos, as meningite carcinomatosa.
hemácias e eventualmente fungos Nos últimos vinte anos, tem sido
(Cryptococcus neoformans), divide-se a observado um aumento significativo da
contagem global por 3 (três), devido ao sua incidência, atribuído principalmente
acerto da altura e do volume da câmara ao melhor controle de doenças
e, com isso, obteremos valores reais sistêmicas com terapias mais efetivas.
por mm3 ou μL. Na presença de Assim, o estudo citológico é muito
contagens altas (> 5.000 leucócitos/ importante no diagnóstico de processos
mm3) pode ser realizada a diluição do neoplásicos próprios ou metastáticos
LCR com salina 0,9%, geralmente com do SNC.
diluições 1:10 e 1:20, entretanto não se O encontro de células
deve esquecer de realizar a conversão neoplásicas é considerado padrão-ouro
de valores. Similarmente, outra opção é no diagnóstico de carcinomatose
a utilização de equipamentos meníngea. Contudo, em alguns casos,
automatizados (contadores de células devido à pouca quantidade de células
hematológicas), contudo, na nossa no LCR, são sugeridas punções
prática sugere-se somente para repetidas, podendo chegar a uma
contagens altas como metodologia em sensibilidade de até 90%.
paralelo. Além disso, é relevante A análise citomorfológica das
destacar que a preparação da lâmina células presentes no LCR, como
deve ser realizada quando houver a qualquer avaliação oncótica, segue
presença de mais de 4 (quatro) células critérios e parâmetros.
ou, independentemente de valor da Conforme o caso, deve-se
contagem global, no caso de ter sido observar:
solicitada a pesquisa de células
neoplásicas. Por fim, observa-se que a  Aumento nítido do tamanho
coloração segue critério de análise de celular.
corantes hematológicos pancromáticos
e/ou oncóticos.  Acentuado grau de anaplasia.

 Aumento relação núcleo-


ANÁLISE MICROSCÓPICA E
citoplasma.
CITOLOGIA ONCÓTICA
 Nucléolos múltiplos e
O acometimento metastático das proeminentes.
leptomeninges e do LCR por células
neoplásicas pode ser definido como  Basofilia e expansões
citoplasmáticas.

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seguir relacionados para o


 Cromatina nuclear com estabelecimento de padrões a serem
hipercromasia e/ou liberados. A utilização do termo status
fragmentação. serve para melhor auxiliar no
diagnóstico e sua correta determinação,
 Grupamentos celulares-mitoses e é importante para a terapia e o
atípicas. prognóstico do paciente.
Para a análise da citologia global
e diferencial para o entendimento do
CARCINOMATOSE MENÍNGEA status observam-se os seguintes
critérios de avaliação:
Leucemia Linfoide Aguda - LLA
Status 1: LCR com contagem
Nos últimos anos, os avanços no global <5/mm3 e pesquisa de células
diagnóstico e tratamento do câncer neoplásicas NEGATIVA.
adulto e infantil têm mudado a sua
antiga e fatalista visão da doença Status 2: LCR com contagem
terminal para a de um processo de luta global <5/mm3 e pesquisa de células
contra a moléstia grave, com neoplásicas POSITIVA.
possibilidade de sobrevivência
prolongada e eventual cura. A Status 3: LCR com contagem
manutenção das respostas positivas na global >5/mm3 e pesquisa de células
Leucemia Linfoide Aguda (LLA) envolve neoplásicas POSITIVA.
principalmente a prevenção do Tumores Sólidos
comprometimento do SNC, sendo
ponto-chave no diagnóstico e na A neoplasia mais
manutenção do tratamento. frequentemente associada à
Dessa forma, na suspeita de carcinomatose meníngea em tumores
carcinomatose meníngea na LLA, é sólidos é o câncer de mama, seguido
imprescindível a análise citomorfológica pelo câncer de pulmão e melanoma. A
oncótica do LCR ao diagnóstico. A disseminação de células malignas pelo
pesquisa de células neoplásicas no LCR espaço subaracnóideo produz uma
deve ser realizada com qualquer série de sintomas neurológicos
contagem, mesmo quando os pleomórficos, caracterizados
parâmetros de contagem global estão principalmente pelo acometimento de
normais (leucócitos <4/mm3). todos os níveis do neuroeixo. Logo, a
Assim, para a avaliação citológica suspeita clínica e o diagnóstico precoce
oncótica laboratorial do LCR, o são fundamentais para melhor
resultado deve seguir os critérios a

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preservação das funções neurológicas e ANÁLISE BIOQUÍMICA


da qualidade de vida.
Ainda, o aumento da incidência Os principais parâmetros
de meningite carcinomatosa pode ser bioquímicos analisados são a proteína,
explicado principalmente pelos avanços a glicose, o ácido lático e a adenosina
atingidos no tratamento sistêmico do deaminase (ADA). Ademais, outro
câncer nas últimas décadas. E, como a ponto importante a ser observado é a
maior parte dos quimioterápicos ordem para análise dos tubos coletados,
utilizados tem baixa penetração pela que deve seguir obrigatoriamente:
BHE, o SNC torna-se uma espécie de
“santuário”, onde a doença pode Tubo 1: Bioquímica e imunologia;
persistir mesmo quando controlada
sistemicamente. Tubo 2: Microbiologia;
Principais tumores sólidos com
infiltração no LCR: Tubo 3: Citologia e hematologia
(Quadro 2).
1. Câncer de mama.
2. Câncer de pulmão.
3. Melanoma.

Em conclusão, estima-se que


20% a 25% dos pacientes com câncer
desenvolvem metástases cerebrais.

MARCADORES TUMORAIS

A determinação de alguns
marcadores tumorais no LCR permite o
auxílio diagnóstico do envolvimento do
SNC por processos tumorais
Após, se o material apresentar
neoplásicos sistêmicos. Mas, neste
mais que 50 elementos/ mm3,
momento, vale lembrar que a
contando hemácias, leucócitos e tórulas,
sensibilidade e a especificidade deixam
deverá ser centrifugado utilizando o
a desejar e a sua presença só deve ter
sobrenadante para análise.
valor em indivíduos que apresentem
sintomatologia neurológica e/ou
suspeita.

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Proteínorraquia Lactatorraquia (Ácido lático)

A concentração de proteínas no A utilização da dosagem do ácido


LCR é um ótimo indicador de diversas lático é bastante útil na diferenciação
patologias. Em recém-nascidos de meningites virais das bacterianas,
prematuros pode-se observar níveis principalmente quando há perfil
aumentados, com valores de até 250 neutrofílico. O exemplo mais
mg/dL. Essa elevação da proteína é importante dessa diferenciação é na
observada em infecções, em presença de vírus da família dos
hemorragias intracraneais, na síndrome Enterovirus, que nas fases iniciais
de Guillain-Barré, em processos ocorre neutrofilorraquia com o valor do
inflamatórios, no uso de algumas ácido lático normal. Já nas meningites
medicações, e em outras variações mais bacterianas clássicas o valor do ácido
raras. Também, a concentração de lático está bastante aumentado, assim
proteína pode estar falsamente como nas meningites crônicas. Outras
aumentada na presença de hemácias patologias podem elevar a sua taxa no
devido a punções traumáticas. LCR, indicando o sofrimento cerebral,
Para esses casos pode-se utilizar além de também ser utilizado como
a seguinte relação: a cada 500 a 700 marcador de hipóxia.
hemácias observa-se o aumento de 1
mg/dL de proteína. Clororraquia

Glicorraquia Embora na nossa prática não


haja clareza, a dosagem da clorraquia é
Níveis de glicose no LCR devem bastante difundida na literatura como
sempre ser comparados à glicemia, e um marcador para neurotuberculose.
geralmente espera-se que, em Então, em virtude disso, ainda é
condições normais, a razão seja de 2/3. realizada a dosagem desse marcador
Ainda, frisa-se que a diminuição dos sempre que solicitado, e
níveis indica principalmente processos concomitantemente é indicada a
infecciosos agudos e crônicos, avaliação da adenosina-deaminase
principalmente bacterianos. (ADA).
Por outro lado, o aumento pode
ADA (Adenosina deaminase)
ser um indicativo de paciente portador
de Diabetes mellitus, e, ainda, quando a A adenosina deaminase é uma
glicorraquia for superior à glicemia enzima que catalisa a reação de
deve-se suspeitar de contaminação do deaminação da adenosina para inosina.
Essa enzima é distribuída amplamente
frasco.
em tecidos humanos, especialmente
alta nos linfócitos T. Desta forma,

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avaliação isolada no LCR não deve ser


usada como parâmetro para auxílio
diagnóstico, embora possa ser muito
útil quando associada a quadros clínicos
crônicos, especialmente em
neuromicoses e na neurotuberculose.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

João Batista Costa Neto. Manual Prático


Teórico de Líquor com Atlas. Editora
Life, 2015, 3a Edição.

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