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ANFIGURI

 
Texto premeditamente desconexo e ininteligível, geralmente em linguagem
burlesca ou ironicamente elevada. Certos textos burlescos e/ou de paródia são
anfiguris, pois jogam com as situações de nonsense e usam linguagem absurda.
Les Précieuses ridicules (1659), de Molière, ou o poema “Nephelidia”, do  inglês
Swinburne, são bons exemplos de anfiguri. Lewis Carroll também recorre com
frequência a este tipo de texto em Alice’s Adventures in Wonderland (1865) e
Through the Looking-Glass (1871); o seu poema “The Hunting of the Snark” (1876)
é ainda um exemplo de literatura de nonsense feita de anfiguris.
Certos textos da literatura popular como as charadas e as lenga-lengas
podem assumir a forma de anfiguris. Veja-se o seguinte exemplo relatado por
Almada Negreiros a propósito de uma rapariga que entornou o cesto das tangerinas
para o mar: “tam / tam-tam / tanque / estanque / tangerina bola / tangerina 
bóia / tangerina ina / tangerininha / pacote roto / batuque nu / quintal da nora / e
o dique / e o Duque / e o aqueduto / do Cuco / Rei Carmim / e tamarindos / e
amarelos / de Mahomet / ali / e lá / e acolá / ... (A Invenção do Dia Claro, 1921).
Na sua definição mais rigorosa, o anfiguri respeita a tradição grega clássica
a que pertence, servindo sobretudo para denegrir pela ironia ou pela paródia a
imagem de um autor rival, que, supostamente, era obscuro no seu pensamento
(por exemplo, os sofistas). Nesta acepção histórica, no período do gongorismo,
escreveram-se em Portugal e no Brasil alguns poemas anfigúricos. Filinto Elísio
parodiará um dos mais célebres anfiguris de então, um poema anónimo (“Duzentos
galegos / não fazem um homem /…...”), escrevendo um pretenso anfiguri em
contra-resposta (“Dá cá o presunto, / rapaz enfeitado. / ...”). António José da Silva,
o Judeu, também recorre a este tipo de discurso em Guerras do Alecrim e da
Mangerona (1737), por exemplo nas falas de Semicúpio.
 
ABSURDO; BURLESCO; POESIA CONCRETA

BIB.: Danny D. Steinberg: “Analyticity, Amphigory and the Semantic Interpretation


of Sentences”, Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 9 (Mississauga,
Ontário, 1970) e “Analyticity and Amphigory”, Language Sciences, 20 (Mitaka,
Tóquio, 1972).

Carlos Ceia

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