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argumento do um-em-muitos
nenhuma das descrições de Wyman pode ser primeira interpretação). Mas não é essa a inter-
plausivelmente seleccionada como a mais ade- pretação que acomoda a intuição de que a pre-
quada, é destituída de sentido qualquer predi- missa maior é verdadeira (é a primeira inter-
cação de atributos modais ao indivíduo Wyman pretação que o faz); e, nesse caso, o defensor
considerado em si mesmo, independentemente da modalidade de re não está de todo obrigado
de qualquer modo de identificação. Mais em a reconhecer a premissa maior do argumento I
pormenor, o argumento de Quine convida-nos como verdadeira e, logo, não está obrigado a
a considerar as conclusões mutuamente contra- aceitar a conclusão desse argumento (mutatis
ditórias dos seguintes dois argumentos intuiti- mutandis em relação ao argumento II). Ver
vamente válidos: também DE DICTO / DE RE, ESSENCIALISMO, PRO-
PRIEDADE ESSENCIAL / ACIDENTAL. JB
Argumento I
Premissa maior: Todo o matemático é necessaria- Marcus, R. B. 1993. Essential Attribution. In Modali-
mente racional. ties. Oxford: Oxford University Press.
Premissa menor: Wyman é um matemático. Quine, W. V. O. 1960. Word and Object. Cambridge,
Conclusão: Wyman é necessariamente racional. MA: MIT Press.
Smullyan, A. 1948. Modality and Description. Jour-
Argumento II nal of Symbolic Logic XIII: 31–37.
Premissa maior: Nenhum ciclista é necessariamente
racional. argumento do um-em-muitos Ver UNIVERSAL.
Premissa menor: Wyman é um ciclista.
Conclusão: Wyman não é necessariamente racional. argumento ontológico Argumento que preten-
de demonstrar a existência de Deus por meios
Naturalmente, o resultado é intencionado puramente conceptuais. Primeiramente formu-
como uma reductio ad absurdum da doutrina lado por Anselmo de Aosta no séc. XI, encon-
da modalidade de re: como o defensor da dou- tram-se diferentes variantes do mesmo em
trina tem de aceitar as premissas maiores como Tomás de Aquino, Descartes e Leibniz. A
verdadeiras, e como os argumentos são válidos, estrutura do argumento é a seguinte:
ele é forçado a aceitar ambas as conclusões.
Todavia, pace Quine, trabalhos importantes 1. Deus é o ser acima do qual nada de maior pode
sobre a modalidade realizados por Smullyan ser pensado.
(1948) e Barcan Marcus (1993: 54–55), entre 2. A ideia de ser acima do qual nada de maior pode
outros, têm convencido muita gente de que os ser pensado existe na nossa consciência.
argumentos anti-essencialistas de Quine, como 3. Se o ser correspondente a esta ideia não existisse,
o argumento do matemático ciclista, são fala- teria de faltar um predicado à ideia do mesmo, a
ciosos; e as falácias neles cometidas resultam saber, o predicado da existência, pelo que, nessas
de indistinções relativas aos âmbitos dos ope- condições, essa ideia já não seria a do ser acima
radores modais envolvidos. Assim, por exem- do qual nada de maior pode ser pensado, uma vez
plo, a premissa maior do argumento I é ambí- que seria lícito pensar-se num outro ser que tives-
gua entre uma interpretação que dá âmbito se exactamente os mesmos predicados que o
longo ao operador modal, representada na fór- anterior e, além desses, também o da existência.
mula Q∀x (Matemático x → Racional x), e 4. Logo, se a ideia de ser acima do qual nada de
uma interpretação que lhe dá âmbito curto, maior pode ser pensado existe, então o ser que
representada na fórmula ∀x (Matemático x → lhe corresponde tem também que existir pois,
Q Racional x). Ora, o argumento I só é válido caso contrário, a ideia em causa deixa de ser a
se a sua premissa maior receber esta última ideia que é, o que constitui uma contradição.
interpretação (ele é inválido se ela receber a
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