Este documento discute como a entrada da criança na escola aos seis anos de idade, de acordo com a política educacional brasileira, pode afetar o desenvolvimento do psiquismo infantil com base na psicologia histórico-cultural. A transição da educação infantil para o ensino fundamental marca uma mudança na atividade principal da criança, da brincadeira para o estudo, o que pode resultar em alterações significativas no desenvolvimento cognitivo e nas características psíquicas da criança.
Este documento discute como a entrada da criança na escola aos seis anos de idade, de acordo com a política educacional brasileira, pode afetar o desenvolvimento do psiquismo infantil com base na psicologia histórico-cultural. A transição da educação infantil para o ensino fundamental marca uma mudança na atividade principal da criança, da brincadeira para o estudo, o que pode resultar em alterações significativas no desenvolvimento cognitivo e nas características psíquicas da criança.
Este documento discute como a entrada da criança na escola aos seis anos de idade, de acordo com a política educacional brasileira, pode afetar o desenvolvimento do psiquismo infantil com base na psicologia histórico-cultural. A transição da educação infantil para o ensino fundamental marca uma mudança na atividade principal da criança, da brincadeira para o estudo, o que pode resultar em alterações significativas no desenvolvimento cognitivo e nas características psíquicas da criança.
DESENVOLVIMENTO DO PSIQUISMO COM BASE NA PSICOLOGIA
HISTÓRICO-CULTURAL
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo discorrer sobre o processo de transição da
criança da educação infantil para o ensino fundamental de nove anos, com base nos pressupostos teóricos da Psicologia Histórico-Cultural. A Psicologia Histórico- Cultural foi formulada na antiga URSS, numa época em que predominavam as psicologias tradicionais, as quais adotavam uma visão naturalista do desenvolvimento humano. Contrapondo-se a tais teorias, Vigotski propõe um novo método de estudo para a psicologia, a dialética marxista. Isso significa que a constituição e o desenvolvimento do psiquismo humano acompanham as mudanças históricas na vida social e material. Leontiev (1978, p. 273) diz que o homem vem ao mundo desarmado e com uma única aptidão que o distingue dos animais: a aptidão para formar aptidões especificamente humanas. Essas aptidões são postas ao homem e são adquiridas nas relações que ele estabelece com outros homens e com os objetos da cultura. É, portanto, nessa interação do homem com o mundo, a qual é mediada por instrumentos e signos, que se desenvolvem as funções psicológicas superiores. Atualmente, pensando o momento histórico que vivemos, podemos apontar o processo educativo como o principal meio de transmissão às novas gerações dos conhecimentos elaborados pela humanidade. Nessa perspectiva, partimos da compreensão de que o sujeito não nasce homem, ele aprende a ser homem quando passa pelo processo de humanização, ou 2
seja, quando ele se apropria daquilo que foi desenvolvido historicamente na
sociedade, via atividade. Com relação à criança, durante o seu desenvolvimento, ela transita de uma atividade para outra, a qual se modifica dependendo da necessidade que o meio impõe sobre ela. Em cada estágio do desenvolvimento infantil predomina uma atividade, a qual foi denominada por A. N. Leontiev (2006) de atividade principal ou dominante. Atividade, esta, que provoca saltos qualitativos no processo psíquico e na constituição da personalidade. Segundo Kostiuk (2005, p. 34), “a história do desenvolvimento psíquico da criança, da formação da consciência e da autoconsciência realiza-se através do processo de aprendizagem e de ensino”. Deste modo, entendemos que a entrada da criança na escola acarreta mudanças na sua interação com a realidade e na sua capacidade cognitiva, pois novas exigências são feitas no processo de escolarização. Tomando em conta que em 2006 foi implantada no Brasil a política pública de ampliação do ensino fundamental para noves anos pela lei nº 11.274, determinando a entrada da criança de seis anos no ensino fundamental, novas formas de relação têm sido estabelecidas entre as crianças e o processo educativo, as quais poderão resultar em mudanças significativas no psiquismo infantil. Desta forma, propomos um breve estudo teórico acerca das modificações que a entrada da criança na escola provoca no desenvolvimento do psiquismo da criança, pensando especificamente na realidade brasileira, em que as crianças estão passando por este processo ainda mais cedo.
2. MÉTODO
Este trabalho foi elaborado a partir de uma investigação bibliográfica de
caráter exploratório. Segundo Gil (2002) a pesquisa exploratória tem como objetivo “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito” (p. 41). Desta maneira, partimos da pesquisa bibliográfica, nos apoiando no material já elaborado em livros, teses e dissertações no que diz respeito à 3
entrada na criança na escola e ao processo de desenvolvimento do psiquismo, com
base na psicologia histórico-cultural.
3. DISCUSSÃO
Tendo por base os pressupostos teóricos da psicologia histórico-cultural,
entendemos que, como diz Leontiev (1978), o indivíduo não nasce homem, ele aprende a ser homem quando passa pelo processo de humanização, ou seja, quando ele se apropria daquilo que foi desenvolvido historicamente na sociedade. A criança, ao nascer, é inserida em um ambiente social e cultural construído historicamente por aqueles que a antecederam e só se torna humana quando se apropria dessa cultura. Assim, a apropriação da experiência acumulada pela humanidade ao longo da sua história social é essencial para o desenvolvimento do psiquismo da criança. Para Leontiev (1978), este processo de apropriação, pela criança, das experiências acumuladas pela humanidade ao longo da sua história social só é possível via atividade. Apesar de não ter avançado muito nos estudos da atividade propriamente dita – feito que ficou a cargo de Leontiev – Vigotski entende que a atividade socialmente significativa é o princípio explicativo da consciência e, portanto, atividade e consciência devem ser entendidos como uma unidade dialética e são elementos fundamentais à psicologia marxista (Asbahr, 2005, p. 42). Ao discutir a categoria atividade no desenvolvimento do psiquismo Leontiev (2006) não se refere a qualquer atividade, mas a “atividade cujo desenvolvimento governa as mudanças mais importantes nos processos psíquicos e nos traços psicológicos da personalidade da criança, em um certo estágio de seu desenvolvimento” (p. 65). Quando trabalharam a questão da periodização da infância, tanto Leontiev (1978) como Elkonin (1987) relataram que cada estágio do desenvolvimento infantil se caracteriza por uma atividade principal (ou dominante). É importante ressaltar que a atividade principal não é a atividade que ocupa mais tempo na vida da criança, mas aquela da qual surgem e se diferenciam outros tipos de atividades (Pasqualini, 2009, p. 38). 4
No caso da criança em idade pré-escolar, Vigotski (1996), Leontiev (2006) e
Elkonin (1987) destacam como a atividade principal a brincadeira ou o jogo de papéis. Davídov e Shuare (1987, p. 14) explicam que o jogo é a atividade fundamental dos pré-escolares, e sua assimilação e realização leva a alterações no psiquismo. No entanto, as brincadeiras ou os jogos não são instintivos, seu conteúdo é determinado pela percepção que a criança tem do mundo (Elkonin, 1987). E é por meio desta atividade que a criança aprende a ser e a agir diante das coisas e das pessoas (Martins, 2006). Além disso, a brincadeira é o meio pelo qual a criança satisfaz seu desejo de realizar uma atividade socialmente significativa e valorizada o que, para Elkonin (1987), irá prepará-la para a aprendizagem escolar. Na transição de um estágio do desenvolvimento para o outro a atividade principal muda e, consequentemente, mudam o lugar que a criança ocupa na sociedade, bem como a relação que ela estabelece com a realidade. É importante lembrar que, quando uma atividade principal é substituída por outra, aquela não deixa de existir, mas vai perdendo força, dando início a um novo estágio de desenvolvimento (Leontiev, 2006). É isso que acontece quando a criança sai da educação infantil, onde tinha como atividade principal a brincadeira, e entra no ensino fundamental, que tem como atividade principal o estudo. A atividade anterior – a brincadeira – não deixa de existir, mas passa para o segundo plano, permitindo que a atividade de estudo prepondere. Quando a criança passa a frequentar a escola, começa a ter deveres, tarefas a cumprir. Na escola a criança irá se apropriar de novos conhecimentos (científicos), resultando em uma intensa formação de suas forças intelectuais e cognitivas (Elkonin, 1987). Sechenov (citado por Bogoyavlensky e Menchinskaya, 2005, p. 39) diz que os fatores mais importantes do desenvolvimento mental são as revoluções psíquicas que se produzem na cabeça da criança quando aprende a falar, a ler e a escrever. Portanto, as crianças de seis ou sete anos que vão à escola diferem substancialmente das mesmas crianças que frequentam a educação infantil pelas suas características psíquicas, em especial no que diz respeito às características da atividade do pensamento (Bogoyavlensky e Menchinskaya, 2005, p. 42). Transportando esses pressupostos teóricos à realidade brasileira levantamos alguns questionamentos, tendo em vista que, antes da promulgação da política pública de ampliação do ensino fundamental para nove anos, o estágio pré-escolar 5
tinha uma duração maior, ou seja, a brincadeira, como atividade principal, se
estendia por mais tempo. Agora a criança inicia o processo de transição mais cedo, com seis anos de idade e, em alguns casos, com cinco anos de idade. Acreditamos, portanto, que a modificação das condições histórico-sociais da educação brasileira, com a consequente modificação do conteúdo dos estágios de desenvolvimento acarretará em mudanças na constituição do psiquismo infantil. Este período de transição, ou seja, a entrada da criança na escola, foi descrito por Vigotski (1996) como um período crítico – crise dos 7 anos – pois marca o final de uma etapa do desenvolvimento e o começo da seguinte. Os períodos de crise, em oposição aos períodos estáveis, se propagam por um espaço de tempo relativamente curto, mas produzem mudanças e deslocamentos bruscos e fundamentais na personalidade da criança. Bozhóvich (1987, p. 255) entende que a presença das crises indica a frustração que irrompe na criança em resposta à privação ou repressão das novas necessidades que aparecem ao final de cada etapa do desenvolvimento psíquico junto com a formação central. Esse caráter de frustração, que torna a criança nestas etapas difíceis, contribui para manutenção do entendimento das crises como pontos negativos no desenvolvimento infantil. Sobre isso, Vigotski (1996) se mostra oposto. Para ele, mesmo as crises se configurando como períodos de redução e extinção dos conteúdos psíquicos infantil, há nelas um significado positivo uma vez que despertam o desenvolvimento de novos conteúdos. Retomando a questão da entrada da criança na escola, Toassa (2004, p. 39), baseada nos escritos de Leontiev, explica que na transição da brincadeira para o estudo escolar deve haver toda uma preparação que demanda tempo, “pois a criança precisa tornar-se consciente do lugar que ocupa nas suas relações sociais”. Sendo assim, o que provoca a mudança de uma atividade principal para outra é a transformação do sentido de tais atividades. Compreender o sentido que as crianças atribuem à atividade de estudo requer compreender o significado atribuído socialmente para esta atividade. Ao estudar as etapas iniciais da evolução humana, Leontiev (1978) concluiu que significação social e sentido pessoal se confundiam. E hoje, nas sociedades de classe, há uma lacuna entre o conteúdo objetivo e o conteúdo subjetivo da atividade humana, o que faz com que a atividade se torne “vazia de sentido para o sujeito” (Leontiev, 1978, p. 79). A esta contradição entre significado e sentido Leontiev chamou de alienação. O 6
processo de alienação aparece no campo da educação quando observamos que seu
objetivo – garantir aos alunos a apropriação dos conhecimentos construídos historicamente pelo gênero humano – nem sempre é alcançado.
5. CONCLUSÃO
Como foi visto, partirmos do pressuposto de que o sujeito é construído
historicamente, pelas relações que estabelece com os outros – sejam eles outros sujeitos ou as instituições –, e entender como se dão tais relações e como elas atuam na constituição do psiquismo humano é fundamental para podermos propor qualquer forma de intervenção que vise melhorar as condições sociais hoje existentes. Neste sentido, entendemos que estudar as novas formas de relação que estão se estabelecendo entre crianças e escolas com a implantação do ensino fundamental de nove anos é essencial para analisarmos as prováveis mudanças no desenvolvimento do psiquismo infantil tal como o entendíamos até hoje – baseados nos estudos realizados na educação e ensino fundamental de oito anos. Como afirma Kostiuk (2005, p. 34), reconhecer as diferenças e estudar as características específicas dos da aprendizagem, da educação e do desenvolvimento é essencial para esclarecer suas interconexões e preparar uma sólida base psicológica para uma eficaz condução educativa do desenvolvimento da personalidade. Afinal, “só uma educação eficiente leva ao desenvolvimento da personalidade da criança, e a educação apenas é eficiente quando toma em consideração as leis e as características do processo de desenvolvimento” (Kostiuk, 2005, p. 36). Isto posto, pretendemos, com nosso estudo, contribuir para que os profissionais da área da psicologia, educação e demais interessados possam pensar as práticas educativas visando seu objetivo máximo, ou seja, possibilitar que as crianças de fato se apropriem dos conteúdos elaborados historicamente pela sociedade e sejam também sujeitos ativos no processo de transformação social. 7
6. REFERÊNCIAS
Asbahr, F.S.P. (2005). Sentido pessoal e projeto político pedagógico: análise da
atividade pedagógica a partir da psicologia histórico-cultural. Dissertação de Mestrado. Instituto de Psicologia da Universidade São Paulo, São Paulo.
Bogoyalensky, D.N.; Menchinskaya, N.A. (2005). Relação entre aprendizagem e
desenvolvimento psico-intelectual da criança em idade escolar. In: LURIA, A.R. et al. Psicologia e pedagogia: as bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. (pp. 37-58). São Paulo: Centauro.
Bozhóvich, L. (1987). Las etapas de formación de la personalidad en la ontogenesis.
In: Shuare, M. (org.). La psicología evolutiva y pedagógica en la URSS (antologia). (pp. 250-273). Moscou: Progresso.
Davídov, V.; Shuare, M. (1987). Prefacio. In: Shuare, M. (org.). La psicología
evolutiva y pedagógica en la URSS (antologia). (pp. 5-24). Moscou: Progresso.
Elkonin, D. (1987). Sobre el problema de la periodización del desarrollo psíquico en
la infancia. In: Shuare, M. (org.). La psicologia evolutiva y pedagógica en la URSS (antologia). (pp. 124-142). Moscou: Progresso.
Gil, A.C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. (4a Ed.). São Paulo: Editora Atlas.
Kostiuk, G.S. (2005). Alguns aspectos da relação recíproca entre educação e
desenvolvimento da personalidade. In: LURIA, A.R. et al. Psicologia e pedagogia: as bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. (pp. 19-36). São Paulo: Centauro.
Leontiev, A.N. (1978). O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte.
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Leontiev, A.N. (2006). Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique
infantil. In: Vigotski, L.S.; Luria; A.R.; Leontiev, A.N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem (10a Ed) (pp. 59-83). São Paulo: Ícone.
Martins, L.M. (2006). A brincadeira de papéis sociais e a formação da personalidade.
In: Arce, A.; Duarte, N. (Org.). Brincadeira de papéis sociais na Educação Infantil: as contribuições de Vigotski, Leontiev e Elkonin (pp. 27-50). São Paulo: Xamã.
Toassa, G. (2004). Consciência e atividade: um estudo sobre(e para) a infância.
Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, São Paulo.
Vigotski, L.S. (1996). Obras escogidas. (vol 4). Madrid: Visor.