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Perspectivas

Valores Guia para avaliação da qualidade


microbiológica de alimentos prontos a comer
preparados em estabelecimentos de restauração
Introdução ca dos alimentos prontos a comer de Identificação de Perigos e Pon-
corresponde a uma área de grande tos Críticos de Controlo (HACCP),
Alguns microrganismos contribuem interesse em Saúde Pública, tendo constituindo as análises microbio-
de forma benéfica no processamen- por objectivo assegurar a inocuida- lógicas uma parte do sistema.
to, na segurança e na qualidade de de e a salubridade dos alimentos e
certos produtos alimentares. Con- actuar na prevenção das doenças Tipos de critérios
tudo, muitos microrganismos estão de origem alimentar. microbiológicos
envolvidos em processos que cau- Por razões relacionadas com a
sam efeitos indesejáveis nos pró- amostragem, metodologia e distri- Na criação de um critério, deve ter-
prios alimentos, ou na saúde dos buição dos microrganismos na ma- -se em atenção os microrganismos
consumidores, levando quer à dete- triz, a análise microbiológica, por patogénicos e/ou suas toxinas,
rioração, quer à ocorrência de do- si só, não garante a segurança de os microrganismos de alteração
enças de origem alimentar. Estas um produto final analisado. A se- e os microrganismos indicadores,
doenças podem ser agudas ou cró- gurança dos produtos alimentares os quais estão dependentes, não
nicas, envolvendo não só o aparelho é garantida pela implementação de só do tipo de produto alimentar
digestivo, mas também os sistemas medidas preventivas, tais como o e do tipo de amostra colhida, mas
nervoso, circulatório, urinário e res- cumprimento de Boas Práticas de também do momento da amos-
piratório. A vigilância microbiológi- Fabrico e a aplicação do Sistema tragem.

Tabela 1 – Grupos de alimentos prontos a comer


Grupo Produto Exemplos

Grupo 1 Refeições/Sandes/Bolos/ Feijoada


Sobremesas doces com ingredientes Pizza
totalmente cozinhados, ou Bacalhau à Brás com salsa previamente processada
adicionados de especiarias, ervas Salada de batata com maionese industrial
aromáticas secas, desidratadas Pastéis de bacalhau/Croquetes/ Rissóis
ou tratadas por radiação ionizante, Sandes de carne assada
de produtos UHT e de maionese Sandes de pâté de atum (maionese industrial)
industrializada. Omeleta de Queijo /fiambre
Mousse de chocolate instantânea
Bolo de chocolate
Arroz doce com ou sem canela
Gelatinas
Salada de fruta/fruta laminada em calda

Grupo 2 Refeições/Sandes/Bolos/ Salada de batata com tomate/alface


Sobremesas doces cozinhadas Salada de feijão frade com atum, salsa e cebola picada ou
adicionadas de ingredientes crus molho vinagrete
e/ou com flora específica própria Prato de peixe/carne/ovos adicionado de salada de vegetais
ou frutos
Bacalhau à Brás c/ salsa crua e/ou azeitonas
Sandes com carne assada e alface
Sandes de fiambre, queijo ou enchidos
Mousse de chocolate
Pudins com fruta ao natural
Salada de fruta em calda adicionada de fruta ao natural

Grupo 3 Saladas/ Vegetais/Frutos crus Alface


Tomate
64 Cenoura
Couve roxa
Salada de frutas
Fruta ao natural laminada
Morangos
A interpretação dos resultados ana- Quadro 1 – Níveis de qualidade microbiológica
líticos revela-se muitas vezes uma
etapa de grande complexidade, Os termos usados para expressar a qualidade microbiológica nos alimentos
quando pretendemos avaliar a quali- cozinhados prontos a comer são:
dade microbiológica dos alimentos. Satisfatório – os resultados analíticos indicam uma boa qualidade microbio-
Recorre-se normalmente a critérios lógica.
microbiológicos preestabelecidos
Aceitável – os resultados analíticos indicam que o produto se encontra den-
de três tipos diferentes: tro dos limites estabelecidos.

Leis e Regulamentos – são de Não satisfatório – os resultados analíticos indicam que o produto não satis-
faz um ou mais dos valores estabelecidos.
cumprimento obrigatório, aplica-
dos pelas autoridades nacionais, Inaceitável/potencialmente perigoso – Os resultados analíticos indicam a
levando à aplicação de sanções. presença de microrganismos patogénicos ou toxinas que poderão constituir
um risco para a saúde. Este resultado deve ser comunicado imediatamente
Especificações Microbiológicas –
à unidade onde foi detectado, para que sejam tomadas as medidas que per-
revestem a forma de um acordo mitam corrigir a situação.
contratual, são utilizadas em

Tabela 2 – Valores Guia para avaliação da qualidade microbiológica de alimentos cozinhados prontos a comer

Qualidade Microbiológica (ufc/g quando não indicado)


Grupo de Inaceitável /
Microrganismo Não
alimentos Satisfatório Aceitável potencialmente
satisfatório
perigoso

1 ≤102 >102≤104 >104 NA


Microrganismos a 30ºC 2 ≤103 >103≤105 >105 NA
3 ≤104 >104≤106 >106 NA
1* e 2 ≤102 >102≤104 >104 NA
Leveduras ≤102
3 >102≤105 >105 NA
1* e 2 ≤10 >10≤102 >102 #
Bolores ≤102
3 >102≤103 >103 #
1 ≤10 >10≤102 >102 NA
Coliformes totais 2 ≤10 >10≤103 >103 NA
3 ≤102 >102≤104 >104 NA
1, 2 <10 NA ≥10 NA
E. coli ≤10 ≥102
3 >10<102 NA

Listeria spp. 1, 2 e 3 <102 NA ≥102 NA

Anaeróbios sulfito ≤10


1, 2 e 3 >10≤103 >103<104 ≥104#
redutores

Patogénios

Staphylococcus coagulase ≥102≤104


1, 2 e 3 <102 NA >104
positiva

Bacillus cereus 1, 2 e 3 ≥102 >102≤103 >103<105 ≥105

Clostridium perfringens 1, 2 e 3 <10 ≥10≤103 >103<104 ≥104

Salmonella spp. 1, 2 e 3 Ausente em 25g Presente em 25g

Presente em
Listeria monocytogenes 1, 2 e 3 Ausente em 25g 25g _ ≥102
<102#

Campylobacter spp. 1, 2 e 3 Ausente em 25g Presente em 25g

Vibrio parahaemolyticus 1, 2 e 3 Ausente em 25g Presente em 25g


64
Yersinia enterocolitica 1, 2 e 3 Ausente em 25g Presente em 25g

• *- Aplicável em produtos conservados no frigorífico


• # - Equacionado caso a caso
• NA – Não aplicável
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trocas comerciais e pretendem do prato, na mesma proporção em Referências Bibliográficas


garantir a qualidade e segurança que se encontram neste. As amos-
Boer, E.; Beumer, R. R. Methodology
do produto até à data limite de tras são retiradas do recipiente em
for detection and typing of foodborne
consumo. que são servidas ao utente para
microorganisms. International Journal
Valores Guia – constituem linhas saco esterilizado, utilizando uten-
of Food Microbiology. Vol. 50 Nº 1-
de orientação para avaliação da sílios também esterilizados. Após
2, pp. 119-130, September 1999.
qualidade microbiológica dos pro- colheita, são de imediato colocados
Bryan, F. L. L’Analyse des risques –
dutos. Servem para identificar em mala auto-refrigerada que ga-
points critiques pour leur maîtrise.
situações que requerem moni- rante, durante o transporte ao la-
OMS, Genève, 1994.
torização, com o objectivo de ga- boratório, uma temperatura entre
Bunning, V. K.; Lindsay, J. A.; Archer, D.
rantir o cumprimento das Boas 0ºC e 4ºC.
L. Chronic health effects of microbial
Práticas de Fabrico. As dificuldades encontradas para
foodborne disease. World Health Sta-
uma correcta avaliação da quali-
tistics Quarterly Rapport, OMS, Genè-
A legislação portuguesa é omissa dade microbiológica das amostras
ve, Vol. 50, Nº16, p. 51-58, 1997.
no que se refere à grande maioria que analisamos, dada a lacuna
Jay, J. M. Modern Food Microbiology,
dos produtos prontos a comer, existente de valores de referên-
5ª ed. Van Nostrand Reinhold, New
existindo para bolos e cremes de cia, levaram os laboratórios do
York, 1996.
pastelaria, leites e produtos à base INSA à elaboração dos Valores
Lund, B. M.; Baird-Parker, T. C.; Gould,
de leite, entre outros. Guia que aqui apresentamos.
G. W. – The Microbiological Safety and
Assim, para alimentos prontos a A vasta experiência que advém
Quality of Food. Aspen Publishers, Inc.
comer, preparados em estabeleci- do facto de analisarmos, anual-
Gaithersburg, Maryland, 2000.
mentos de restauração colectiva, mente, cerca de 4000 amostras,
Norma Portuguesa – NP 4129. Regras
é premente a elaboração de Valo- aliada a referências colhidas de
gerais para a elaboração de critérios
res Guia para apreciação de resul- diversos documentos internacio-
de apreciação dos resultados de aná-
tados analíticos, isto é, limites a nais, permitiu estabelecer quatro
lises microbiológicas, 1994.
partir dos quais as determinações níveis de qualidade microbiológi-
Pitt, J. I. Moulds and health. Procee-
microbiológicas quantitativas e qua- ca, que vão desde o satisfatório
dings “4th World Congress Foodborne
litativas permitem qualificar o pro- ao inaceitável/potencialmente pe-
Infections and Intoxications”. FAO/
duto segundo níveis de qualidade/ rigoso. De referir que os níveis
WHO Collaborating Centre for Re-
segurança. Este gradiente de clas- estabelecidos reflectem e estão
search and Training in Food Hygiene
sificação irá também permitir pôr de acordo com a melhoria que
and Zoonoses, Berlin, Vol 1, p. 200,
em evidência a necessidade de im- se tem vindo a verificar ao lon-
June 1998.
plementação de medidas correcti- go dos anos nestas unidades, no
PHLS Advisory Committee for Food
vas posteriores. cumprimento dos programas de
and Dairy Products – R. J. Gilbert,
pré-requisitos.
J. de Louvois, T. Donovan, C. Little,
Elaboração de Valores Guia Os dados obtidos pelo INSA ao
K. Nye, C. D. Ribeiro, J. Richards, D.
longo dos anos permitem agrupar
Roberts, F.J. Bolton. Guidelines for
Muito do trabalho que vem sendo os alimentos prontos a comer anali-
the microbiological quality of some
desenvolvido, há cerca de 30 anos, sados em três grupos diferentes,
ready-to-eat foods sampled at the
pelos Laboratórios de Microbiolo- de acordo com o tipo de ingre-
point of sale. Communicable Disease
gia dos Alimentos do INSA (Lisboa dientes que entram na sua com-
and Public Health. Vol. 3 Nº 3, pp.
e Porto), consta de visitas perió- posição, o tratamento térmico ou
163-167, September 2000.
dicas a unidades de restauração outro procedimento que lhe é apli-
Roberts, D.; Hooper, W.; Greenwood,
colectiva, efectuadas por técnicos cado. (Tabela1).
M. Pratical Food Microbiology. Public
do INSA sem prévio aviso, no pe- Com base na contagem de mi-
Health Laboratory Service, 2ª ed.
ríodo de confecção/ distribuição. crorganismos aeróbios mesófilos,
1995.
Durante as visitas é efectuada a microrganismos indicadores e a
Snyder, O. P. Menu HACCP for retail
verificação das condições higiéni- presença ou o número de determi-
operations. “4th World Congress Food-
cas ao nível das instalações e ma- nados patogénios, obtidos na aná-
borne Infections and Intoxications”.
nipulação e a colheita de amostras lise microbiológica, foram estabe-
FAO/WHO Collaborating Centre
– refeições cozinhadas/saladas/ lecidos quatro níveis de qualidade
for Research and Training in Food
sobremesas. A selecção dos pro- microbiológica (Quadro 1).
Hygiene and Zoonoses, Berlin, Vol
dutos a colher é da responsabilida- O objectivo desta publicação é,
1, pp. 537-541, June 1998.
de do técnico. Quando se trata de por conseguinte, a divulgação
Vaman, A. H.; Evans, M. G. Foodborne
refeições mistas, são colhidos to- dos Valores Guia estabelecidos
Pathogens. Wolf Publishing Ltd. En-
dos os componentes constituintes (Tabela 2).
gland, 1991.
64
M. Isabel Santos*, Cristina Correia*, M. Isabel Campos Cunha**, M. Margarida Saraiva**, M. Rosário Novais*
Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge – INSA; Centro de Segurança Alimentar e Nutrição – CSAN
*Laboratório de Microbiologia dos Alimentos de Lisboa
**Laboratório de Microbiologia dos Alimentos do Porto

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