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Crime e contravenção penal: diferenças e

semelhanças- Por Lívio Silva


1.INTRODUÇÃO
O Direito Penal tem por objetivo principal a repressão de determinadas condutas,
denominadas infrações penais, consideradas ofensivas aos bens jurídicos que o legislador
considerou mais relevantes para a sociedade. Nesse sentido, em meio às legislações
penais dos vários ordenamentos jurídicos dispostos ao redor do mundo ocidental, há na
doutrina duas teorias sobre as infrações penais: a tripartida, que divide as infrações penais
em crime, delito e contravenção penal; e, a bipartida, que considera sinônimos o crime e o
delito, estabelecendo crime (ou delito) e contravenção penal como as duas espécies de
infração penal.
 
Segundo Prado[1], o marco inicial da teoria tripartida é o código penal francês de 1791,
que classificava as infrações penais da seguinte maneira: os crimes, as infrações que
violavam direitos naturais, como por exemplo a vida; os delitos, a exemplo da propriedade,
seriam as infrações que lesavam os direitos originários do contrato social e, as
contravenções, eram as infrações que infringiam disposições e regulamentos de polícia.
Entretanto, o sistema adotado pelo nosso ordenamento jurídico é o bipartido, assim como
o sistema alemão, como o italiano, o português e outros. Nesse sistema, o crime e o delito
são considerados sinônimos, que juntamente com a outra espécie, a contravenção penal,
formam as infrações penais (grifo) que, conforme assevera Greco[2], é como
devemoschamar as espécies crime e contravenção penal, quando quisermos nos referir
genericamente às mesmas.
 
2. CRIME E CONTRAVENÇÃO PENAL
Apesar de crime e contravenção serem espécies “distintas” do gênero “infração penal”,
não existe, a rigor, uma diferença substancial entre os dois. Não há um elemento de ordem
ontológica que encerre uma essência natural “em si mesmo”, sendo diferenciados apenas
pelas suas penas, nos termos do art. 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal e da Lei de
Contravenções Penais[3], ou como leciona Nucci[4] em seu Manual de Direito Penal: “o
direito penal estabeleceu diferença entre crime (ou delito) e contravenção penal, espécies
de infração penal. Entretanto, essa diferença não é ontológica ou essencial, situando-se,
tão somente, no campo da pena.” (grifo nosso)
Todavia, em obra bastante clara e objetiva, Leandro Prado[5], destaca as principais
diferenças entre os dois institutos jurídicos em um quadro de fácil consulta, vejamos:
 
Ação Penal
Crime: Pública ou privada (art. 100º, CP).
Contravenção: Pública incondicionada (art. 17º, LCP).
Competência
Crime: Justiça Estadual ou Federal
Contravenção Penal: Só Justiça Estadual, exceto se o réu tem foro por prerrogativa de
função na Justiça Federal.
Tentativa
Crime: É punível (art. 14º, parágrafo único, CP).
Contravenção: Não é punível (art. 4º, LCP).
Extraterritorialidade
Crime: Possível (art. 7º, CP).
Contravenção: Lei brasileira não alcança contravenções ocorridas no exterior (art. 2º,
LCP).
Pena Privativa de Liberdade
Crime: Reclusão ou detenção (art. 33º,CP).
Contravenção: Prisão simples (art. 6º, LCP).
Limite Temporal da Pena
Crime: 30 anos (art. 75º, CP).
Contravenção: 5 anos (art. 10º, LCP).
Sursis
Crimes: 2 a 4 anos(art. 77º, CP).
Contravenções: 1 a 3 anos (art. 11º, LCP).        
“Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem
competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de
menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.Entretanto, no
que diz respeito à competência das contravenções penais, é importante ressaltar que a
mesma pertence aos Juizados Especiais Criminais, nos termos dos arts. 60 e 61, da Lei
9.099/95, conforme a seguir:
(…)
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos
desta Lei,as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não
superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.”[6] (grifo nosso)
Todavia, mesmo diante das diferenças acima expostas, há muito mais semelhanças do
que diferenças entre crime e contravenção penal, haja vista esta também constituir um fato
típico e antijurídico, porém de menor potencial lesivo para a sociedade. Um crime-anão, na
concepção formulada pelo consagrado Nelson Hungria. Assim, segundo Greco[7], o
critério de rotulação de uma conduta como contravencional ou criminosa é essencialmente
político. O que hoje é considerado crime, amanhã poderá ser uma contravenção, ou vice-
versa. Como exemplo, o autor nos traz a criminalização da contravenção penal de porte de
arma, consumada no art. 10, da Lei 9.437, de 20 de fevereiro de 1997.
 
3. CONTRAVENÇÃO PENAL
De acordo com o art. 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal e da Lei das
Contravenções Penais, contravenção é “a infração penal a que a lei comina,
isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou
cumulativamente.” (grifo nosso). Assim, conforme acima delineado, não existe uma
diferença ontológica entre crime e contravenção penal, ocorrendo a sua diferenciação
apenas nas penas cominadas, que no caso da contravenção consiste em prisão simples
ou multa; e, quando se tratar de crime, as penas serão dereclusão ou de detenção
(grifo), quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa.
A pena de prisão simples, nos termos do art. 6º, da Lei de Contravenções Penais[8], deve
ser cumprida, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de
prisão comum, em regime semi-aberto ou aberto (grifo) e, de acordo com o § 1º, do
mesmo artigo, o condenado à referida pena deve ficar sempre separado dos condenados
a pena de reclusão ou de detenção.
 
Por outro lado, apesar das diferenças existentes entre contravenção de crime, várias
normas aplicáveis aos crimes são também aplicáveis às contravenções, como é o caso
das regras gerais do Código Penal, nos termos do art. 1º, da LCP. Segundo Damásio de
Jesus[9], o art. 1º da LCP é um corolário do art. 12, CP, que tem a seguinte redação: “as
regras gerais deste código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não
dispuser de modo diverso”. Um exemplo dessa disposição de modo diverso, presente na
Lei das Contravenções, é o caso do instituto jurídico da tentativa de crime, presente no
Código Penal, portanto aplicável a crimes, mas não admitida nas contravenções, por força
da expressa previsão legal de modo diverso, disposta no art. 4º, da LCP.
 
Nas palavras de Damásio de Jesus[10], exemplos de regras gerais presentes no Código
Penal, aplicáveis às contravenções penais, são os princípios da “Legalidade”, da “abolitio
criminis” e da “Retroatividade da Lei mais Benéfica”, previstos respectivamente no art.
1º, caput, art. 2º,caput, e art. 2º, parágrafo único.
Outro instituto importantíssimo do Direito Penal, perfeitamente aplicável às contravenções
penais, são as “Causas Excludentes de Ilicitude”, previstas no art. 23, CP: estado de
necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de
direito.
 
Partindo para as contravenções penais propriamente ditas, é interessante destacar o art.
32, da Lei de Contravenções Penais, que, segundo Nogueira[11], foi parcialmente
revogado pelo novo Código de Trânsito Brasileiro. O art. 32 da LCP tipifica a seguinte
contravenção: “Art. 32. Dirigir, sem a devida habilitação, veículo na via pública, ou
embarcação a motor em águas públicas”. Assim, por ocasião da edição do novo Código de
Trânsito, através do art. 309, do CTB: “Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a
devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de
dirigir, gerando perigo de dano”(grifo nosso), o legislador criminalizou a primeira parte do
referido art. 32 da LCP: a conduta de dirigir sem habilitação. Entretanto, a redação do art.
309, CTB, acrescentou a elementar: “gerando perigo de dano”, que passou a ser o ponto
de “discórdia” entre os doutrinadores[12], dividindo-os entre aqueles que entendiam ter o
art. 32 da Lei das Contravenções Penais subsistido apenas no tocante à direção não
habilitada de embarcação em águas públicas, matéria que o novo Código de Trânsito não
tratou, e os que acreditavam ter o art. 32 da LCP permanecido em pleno vigor, aplicando-
se aos casos residuais de direção não habilitada, aqueles que não se ajustem ao art. 309
do CTB. No entanto, a celeuma parece ter sido resolvida com a edição da Súmula 720, do
STF: “O art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, que reclama decorra do fato perigo de
dano, derrogou o art. 32 da Lei das Contravenções Penais no tocante à direção sem
habilitação em vias terrestres”(grifo nosso). Portanto, conforme o exposto, temos que o
delito previsto no art. 309, do CTB, derrogou o art. 32, da LCP, regulando por inteiro a
matéria presente na primeira parte do art. 32, da LCP, permanecendo neste apenas a
figura típica do infrator que pratica a infração penal de dirigir, sem a devida habilitação,
veículo automotor em águas públicas.
 
Ainda nas contravenções penais propriamente ditas, não custa tecermos algumas linhas
sobre o jogo do bicho, aquela que talvez seja a mais emblemática de todas as
contravenções penais. O jogo do bicho tem suas raízes históricas no final do Século XIX,
quando o Barão de Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro[13], criou um
sorteio vinculado ao ingresso do zoológico onde eram escritos o nome de um dos 25
“bichos” em cada ingresso e ao final do dia era sorteado um bicho, diante de que o
vencedor ganhava 20 vezes o valor do ingresso. Como na época havia poucas formas de
entretenimento, a popularidade do jogo aumentou consideravelmente, quando algumas
pessoas passaram a aproveitar o resultado do zoológico e organizavar apostas nos
armazéns e botequins da cidade, fato que gerou enormes confusões, não demorando para
que, em 1894 o sorteio fosse proibido pelo governo. Ainda assim, o sorteio passou a
ocorrer na clandestinidade, espalhando-se por todo o país, tornando-se o jogo de apostas
mais popular do Brasil, mesmo depois de ser tipificado como contravenção penal, em
1941, disposta na redação do art. 58, do Decreto-lei 3.688, o jogo continuou a ser
praticado em todo o país. A definição legal de jogo do bicho disposta no artigo 58 da Lei
das contravenções Penais, foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 6.259 de 1944, que traz a
seguinte redação:
“Art. 58. Realizar o denominado "jôgo do bicho", em que um dos participantes,
considerado comprador ou ponto, entrega certa quantia com a indicação de
combinações de algarismos ou nome de animais, a que correspondem números, ao
outro participante, considerado o vendedor ou banqueiro, que se obriga mediante
qualquer sorteio ao pagamento de prêmios em dinheiro.
 Penas: de seis (6) meses a um (1) ano de prisão simples e multa de dez mil
cruzeiros (Cr$ 10.000,00) a cinqüenta mil cruzeiros (Cr$ 50.000,00) ao vendedor ou
banqueiro, e de quarenta (40) a trinta (30) dias de prisão celular ou multa de duzentos
cruzeiros (Cr$ 200,00) a quinhentos cruzeiros (Cr$ 500,00) ao comprador ou ponto.
 
§ 1º Incorrerão nas penas estabelecidas para vendedores ou banqueiros:
 
a) os que servirem de intermediários na efetuação do jôgo;
 
b) os que transportarem, conduzirem, possuírern, tiverem sob sua guarda ou poder,
fabricarern, darem, cederem, trocarem, guardarem em qualquer parte, listas com
indicações do jôgo ou material próprio para a contravenção, bem como de qualquer forma
contribuírem para a sua confecção, utilização, curso ou emprêgo, seja qual for a sua
espécie ou quantidade;
c) os que procederem à apuração de listas ou à organização de mapas relativos ao
movimento do jôgo;
 
d) os que por qualquer modo promoverem ou facilitarem a realização do jôgo.”[14]
(grifo nosso)
Entretanto, não são poucos os que defendem que a conduta infracional de realizar o jogo
do bicho, nos termos do dispositivo legal supra, deveria deixar de ser uma infração penal,
face a ausência de reprovação social, havendo portanto duas posições[15]: 1) a de que a
conduta não pode ser considerada contravenção, em face da ausência de reprovação
social; e, 2) a de que os costumes não têm força revocatória da lei, mantendo-se a
tipificação da conduta. Contudo, mesmo diante da “revogação social” da infração e da falta
de fiscalização do cumprimento da lei por parte do Poder Público, que parece limitar-se
apenas a pequenas operações policiais, ao invés de incluir a luta contra a referida prática
infracional em uma política pública permanente de combate à sonegação de impostos,
optamos pela manutenção da tipificação da prática do jogo do bicho como contravenção
penal. Todavia, entendemos que a atribuição dos “bons costumes” como bem jurídico
protegido pela norma encontra-se ultrapassada, dadas as mudanças ocorridas na
sociedade desde a edição da norma em comento. O único fundamento jurídico que
entendemos ser plausível para a manutenção da referida norma[16] é o combate à
sonegação de impostos e à corrupção passiva, pois o que interessa de fato para a
sociedade, no que diz respeito à prática do jogo do bicho, é o alcance de seus “tentáculos”
e seus efeitos no Estado, que repercutem muito mais na área da arrecadação de impostos
do que meramente nos costumes por si só. Prova disso é o desenrolar do caso recente do
bicheiro Carlinhos Cachoeira, amplamente divulgado na mídia, e a imensa rede de
influência presente em todos os ramos da administração pública que o bicheiro teria
fomentado, de acordo com as acusações que o mesmo responde. Nesse sentido, torna-se
imensamente importante destacar a nova redação da Lei 9.613, de 1998, a Lei da
Lavagem de Dinheiro, modificada recentemente pela Lei 12.683, de 09 de julho de 2012.
Ocorre que o caput do art. 1º, da lei da lavagem de dinheiro, foi modificado, a fim de
abranger qualquer espécie de infração penal, incluindo assim as contravenções penais.
Portanto, diante da nova Lei da Lavagem de Dinheiro, aquele que ocultar ou dissimular a
natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos
ou valores provenientes, direta ou indiretamente da prática da contravenção penal do jogo
do bicho poderá ser condenado a uma pena de reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e
multa. Essa nova redação do art. 1º, da Lei 9.613 pode ser considerado um avanço
promovido pelo nosso legislador, já que os efeitos realmente lesivos à sociedade,
provocados pelo jogo do bicho, a sonegação de impostos e a corrupção dos agentes
públicos, estão intimamente ligados com a lavagem do dinheiro proveniente dessa prática.
 
Nessa mesma esteira, tomando por base uma conduta infracional que a sociedade atual
tratou de “descriminalizar”, passamos a analisar brevemente a antiga contravenção penal
de mendicância, revogada pela Lei 11.983, de 16 de julho de 2009. Segundo Cabette[17],a
existência de uma infração penal para a prática da mendicância, dada a situação de
extrema pobreza que atinge uma parcela considerável da população brasileira, há tempos
já não se justificava. Até mesmo porque tal situação está vinculada à ineficácia do Estado
em proporcionar educação de qualidade, qualificação profissional e oferta digna de
empregos às grandes massas da população. Ou seja, o legislador demorou muito a
perceber que vivemos em outro Estado e a finalmente entender que a criminalização da
pobreza (grifo) nunca foi o caminho adequado para a eliminação das mazelas sociais. É
bem verdade que há casos de pessoas que usam de má fé para explorar a solidariedade
alheia, mas para essa figura típica já existe o crime de estelionato, disposto no art. 171, do
Código Penal, para o caso de uma prática que cause lesividade significante a bem jurídico
tutelado pelo Direito Penal. Ademais, usando raciocínio semelhante para as condutas
previstas no parágrafo único do art. 60, da LCP, que tratam da prática da mendicância de
"modo vexatório, ameaçador ou fraudulento", ou "mediante simulação de moléstia ou
deformidade" ou "em companhia de alienado ou de menor de 18 anos", às quais é
atribuído aumento de pena, temos que diante da ocorrência de uma conduta efetivamente
ameaçadora aos bens jurídicos protegidos pela lei penal, estarão sempre disponíveis os
crimes de extorsão (art. 158, CP), submissão de criança ou adolescente sob sua
autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento (art. 232, ECA),
corrupção de menores (art. 244-B, ECA), entre outros. Entretanto, apesar do acerto do
legislador quando à mendicância, vale deixar uma crítica ao mesmo, diante da
manutenção desnecessária da contravenção de vadiagem em vigor. Tomando
emprestadas novamente as palavras de Cabette[18]: “o legislador perdeu boa chance de
também revogar a contravenção penal de vadiagem (artigo 59, LCP), por motivos bastante
semelhantes àqueles acima aduzidos com relação à mendicância”, já que as razões pelas
quais a mendicância foi revogada aplicam-se perfeitamente à contravenção penal de
vadiagem.
 
Após as considerações acima, sobre condutas contravencionais bastante conhecidas,
tentaremos falar um pouco sobre o fenômeno social denominado Stalking[19], uma forma
de violência na qual o sujeito ativo, empregando diversas estratégias, repetindo
incessantemente as mesmas ações, invade a esfera de privacidade da vítima. Também
conhecido como perseguição persistente, apesar de ocorrer com freqüência nos Estados
Unidos, o Stalking tem sido observado em vários países ao redor do Mundo, inclusive
sendo incluído na agenda de projetos do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e
Crime (UNODC) em relação à proteção da mulher contra a violência. Conforme assevera
Wesley de Lima[20], em seu brilhante artigo, o Stalking consiste em um verdadeiro “cerco
psicológico e social realizado de forma reiterada por um agente contra a sua vítima”. Para
atingir seu objetivo, o sujeito ativo, denominado Stalker, serve-se de várias estratégias,
caracterizadas sempre por atos constantemente repetidos que invadem a privacidade da
vítima e causam dano psicológico, como por exemplo: várias ligações e/ou mensagens no
celular, vários presentes sem razão especial, aparições constantes nos mesmos locais
frequentados pela vítima, chegando até mesmo à prática de ameaças. Segundo Damásio
de Jesus[21], a prática deStalking amolda-se à figura típica da contravenção penal de
perturbação da tranquilidade, prevista no art. 65, da LCP, que dispõe da seguinte
redação: “Art. 65. Molestar alguém ou pertubar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por
motivo reprovável: Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou
multa.” Todavia, dependendo da dimensão e extensão da gravidade dos fatos, de acordo
com Wesley de Lima[22], como desdobramento do iter criminis, pode ocorrer a prática de
outras contravenções, a exemplo da perturbação do trabalho ou do sossego alheios (art.
42, LCP), da importunação ofensiva ao pudor (art. 61, LCP) e vias de fato (art. 21, LCP).
Tamanha a obcessão do agente para com a vítima, que o mesmo pode exceder-se de tal
forma que passe a executar ações mais graves, recaindo sobre condutas criminosas,
como o crime de constrangimento ilegal (art. 146, CP), de ameaça (art. 147, CP), lesões
corporais (art. 129, CP), dentre outros. O fenômeno Stalking pode remeter ao Bullying,
mas diferencia-se deste pois, naquele, o intuito do perseguidor é alcançar seus desígnios
não tolerados ou consentidos pela vítima[23], consistindo o sofrimento da vítima apenas
em conseqüência inevitável das estratégias usadas pelo Stalker para forçar a vítima a
fazer o que o mesmo deseja dela. Enquanto no Bullying, a aflição e angústia do ofendido
consistem no próprio fim pretendido pelo infrator. Não são poucos aqueles que, a exemplo
do Bullying, pugnam pela criminalização do Stalking, existindo inclusive proposta já
aprovada pela comissão de juristas do Senado[24], que pretende criminalizar as duas
condutas, praticadas nos meios eletrônicos.
 
Por fim, analisaremos brevemente a aplicação do princípio da insignificância às
contravenções penais. Introduzido no sistema penal por  Claus Roxin[25], em 1964, tal
princípio preceitua que sempre que uma lesão a bem jurídico tutelado pelo Direito Penal,
for insignificante, de forma que se torne incapaz de ofender efetivamente o interesse
tutelado, não haverá adequação típica. Na lição de Damásio de Jesus[26], há dois
entendimentos, segundo vários julgados citados em seu trabalho, o de que é aplicável e o
de que não é aplicável o princípio da insignificância às contravenções penais. Em nosso
entendimento, considerando que o princípio da insignificância influencia diretamente a
tipicidade da conduta praticada, não vislumbramos maiores impedimentos na aplicação do
princípio da insignificância às contravenções penais, pois entre estas e os crimes não
existem grandes diferenças ontológicas, sendo diferenciados muito mais pelas penas
cominadas. Entretanto, assevera Fernando Capez[27] que: “não é possível, por exemplo,
afirmar que todas as contravenções penais são insignificantes, pois, dependendo do
caso concreto, isto não se pode revelar verdadeiro.” (grifo nosso) Em oportuno exemplo o
autor alerta que andar pelas ruas armado com uma faca (art. 19, LCP) é um fato
contravencional que não se deve reputar insignificante.
 
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final de nosso estudo, sempre desprovidos da mínima pretensão de esgotar a matéria
em comento, percorrendo a história das infrações penais, passando pela distinção entre
contravenção penal e crime, conclui-se que mesmo o crime e a contravenção sendo
espécies “distintas” do gênero “infração penal”, não existe, a rigor, uma diferença
substancial entre os dois. Entretanto, apresentamos algumas diferenças específicas entre
crime e contravenção, como por exemplo o tipo de ação penal, a aplicabilidade do instituto
da tentativa, entre outras.
 
Mais adiante, analisamos especificamente as contravenções penais, examinando algumas
das mais interessantes para o Direito Penal. Nesse sentido, concluímos que, apesar de
determinadas condutas não terem mais a necessidade de serem tipificadas como
contravenção, fica a lição da importância da existência das contravenções penais para o
Direito Penal, pois, em conjunto com o rol de crimes dispostos no Código Penal, vêm
ampliar ainda mais o leque de proteção aos valores mais importantes da sociedade,
defendidos pelo Direito Penal.
 
REFERÊNCIAS
[1] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral, arts. 1º a 120. 9.
ed. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, 248.
[2] GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p.
136.
[3] BRASIL. Lei de introdução ao código penal e da lei de contravenções
penais (1941). Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2012.
[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 7. ed., rev., atual. e ampl. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011, p. 177.
[5] PRADO, Leandro Cadenas. Resumo de direito penal, parte geral. 4. ed., rev. e atual.
Niterói, RJ: Impetus, 2010, p. 55.
[6] BRASIL. Lei dos juizados especiais cíveis e criminais (1995). Disponível em:
Acesso em: 26 set. 2012.
[7] GRECO, op. cit, p. 137.
[8] BRASIL. Lei das contravenções penais (1941). Disponível em: . Acesso em: 23 set.
2012.
[9] JESUS, Damásio E. de. Lei da contravenções penais anotada. 10. ed. ver. e atual. 
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 2.
[10] JESUS, 2004, Ibid, p. 3.
[[1]1]  NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. O novo Código de Trânsito revogou as
contravenções dos arts. 32 e 34 da LCP?. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez.
1998 . Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2012.
[[1]2] NOGUEIRA, Ibid.
[[1]3]  SILVA, Ivanildo Alves da. Jogo do bicho: contravenção ou crime? 2006. Trabalho
apresentado como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.
Faculdade de Direito, Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo, 1990. Disponível em:
. Acesso em: 03 out. 2012, p. 18-20.
[[1]4] BRASIL, Decreto-lei 6.259 (1944). Disponível em: . Acesso em: 03 out. 2012.
[[1]5] JESUS, 2004, Op. Cit., p. 184.
[16]  Cf. SILVA, 2006, Op. Cit., p. 24-27.
[17] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Mendicância: revogação e repercussões no direito
penal e no processo penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2435, 2 mar. 2010.
Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2012.
[18] CABETTE, 2010, Ibid.
[19] JESUS, Damásio E. de. Stalking. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1655, 12 jan.
2008. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2012.
[20] LIMA, Wesley de. Apontamentos sobre o fenômeno do stalking: uma realidade
emergente na sociedade contemporânea. Disponível em: . Acesso em: 13 out. 2012.
[21] JESUS, 2008, Op. Cit.
[22] LIMA, Op. Cit.
[23] CALHAU, 2010, Apud LIMA, Ibid.
[24] Cf. AGUIARI, Vinicius. Senado define Cyberbullying e Stalking como crimes.
Disponível em: Acesso em: 13 out. 2012.
[25] CAPEZ, Fernando. Princípio da insignificância ou bagatela. Disponível em: . Acesso
em: 13 out. 2012.
[26] JESUS, 2004, Op. Cit., p. 9.
[27] CAPEZ, Op. cit.

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