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“ Psicogerontologia junguiana –
Metanóia, um caminho possível

Irene Gaeta
IJUSP/AJB/IAAP

Maria Angélica Schlickmann Pereira Hayar

Leonardo Tondato de Mello

10.37885/200801111
RESUMO

O estudo do envelhecimento é complexo e, paradoxalmente, próprio da modernidade que


traz a tecnologia nas ciências biológicas, nanotecnologia, neurociência e acrescenta mais
anos à vida. Para poder compreender o processo de envelhecimento é necessária uma
perspectiva “caleidoscópica”, interdisciplinar e transdisciplinar. O envelhecimento é um
processo individual que pode se constituir na possibilidade da realização de si mesmo,
com o processo de individuação – metanóia. Na segunda etapa da vida há maior dificulda-
de para lidar com o mundo interior. O indivíduo não sabe qual o real desejo da sua alma,
porque não se conhece. Quando se tem a serenidade de reconhecer o verdadeiro desejo
da sua alma, a vida pode ser mais fácil. Para isso, é necessário o autoconhecimento,
um aprofundamento no seu eu, para reinventar a própria vida. É preciso redirecionar as
energias de sua alma, num resgate de si próprio, buscando o autoconhecimento, pers-
crutando suas profundezas, reinventando a sua vida.

Palavras-chave: Envelhecimento, Metanoia, Transdisciplinariedade.


A Velhice é um Vento
A velhice é um vento que nos toma
no seu halo feliz de ensombramento.
E, em nós depõe do que se deu à obra
somente o modo de não sentir o tempo,
senão no ritmo interior de a sombra
passar à transparência do momento.
Mas um momento de que baniram horas
o hábito e o jeito de estar vendo
para muito mais longe.
Para de onde a obra surde.
E a velhice nos ilumina o vento.

(F,Echevarría)

O fenômeno do envelhecimento é uma das maiores conquistas da modernidade e isso


traz complexos desafios para o indivíduo e para as sociedades. Em todo o mundo a vida
passa a ser um projeto de longo prazo onde não é preciso se preparar somente para viver até
os 80 anos, mas para os 90, 100 anos! Carl Gustav Jung nos mostrou que se o ser humano
alcançou esse patamar de longevidade é porque não existe um significado para sua espécie
somente, mas deve ter também um significado e uma finalidade para o próprio indivíduo.
Esse fenômeno teve início na Europa, no final do século XVIII e marcou o século XX, por
esse motivo, estudiosos das ciências humanas e sociais passaram a estudar mais detidamen-
te esse aumento da população idosa, principalmente entre os países menos desenvolvidos
que vem envelhecendo rapidamente. Isso se dá por diferentes motivos destacando-se o maior
acesso a serviços de saúde e saneamento, avanços na área da tecnologia na medicina,
como vacinas e antibióticos que possibilitaram a prevenção e até mesmo a cura de muitas
doenças. No entanto, ainda predomina na sociedade a percepção do envelhecimento sob a
ótica do risco na maioria das vezes relacionada à perdas e dependências se impondo sobre
o lado positivo desse longeviver.
A maioria das pessoas idosas vive seus últimos anos com uma ou mais doenças crô-
nicas, as chamadas doenças não transmissíveis, como diabetes, cardiopatias, pressão alta,
ou ainda, sequelas de acidente vascular encefálico, que podem resultar em incapacidades
físicas e mentais. No entanto, é possível que essas doenças apareçam mais tarde ou nem
cheguem a acometer o organismo.
Apesar dessa visão mais pessimista do envelhecer, estudos demostram que já está
em perspectiva para a população mais jovem, a necessidade de se pensar sobre o enve-
lhecimento e a velhice levando em conta aspectos ligados não somente às perdas, mas aos
ganhos e possibilidades que o acréscimo de tempo trouxe para as pessoas. A percepção da
nova geração em relação a possibilidade de maior longevidade, cada vez mais evidenciada
pela ciência, parece não fazer parte do seu imaginário. Cuidar de si mesmos na velhice não

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parece ser algo que esperam que aconteça, ainda existe a expectativa de que sejam os
filhos os seus cuidadores na velhice. O cuidado acontecerá como uma forma de retribuição,
já que cuidaram dos filhos, remetendo os cuidados na velhice como atribuição da família.
A perspectiva de viver mais é algo que o ser humano sempre buscou, mas traz muitos
desafios na medida em que impõe a necessidade de pensar sobre o que fazer nesses anos
a mais. Todos os âmbitos da vida se colocam nesse horizonte: onde vamos viver, com quem
ficaremos, quem vai cuidar quando e se precisaremos de cuidados?
A cultura do imediatismo predominante na contemporaneidade, que prima demasia-
damente pelo tempo presente, pode resultar na dificuldade do mais jovem de se projetar
para o futuro. O que se percebe é que todos querem chegar na velhice, no entanto nin-
guém quer estar lá.
Nesse cenário a mídia exerce um papel muito importante na produção de representa-
ções em relação ao idoso e à velhice, influenciando sobremaneira a construção do imaginário
social. Por um lado, a imagem do idoso saudável, praticante de esportes, com tempo livre,
consumindo produtos e serviços, é fundamental para a transformações da imagem negativa.
Por outro lado, pode gerar frustrações, pois é preciso levar em conta que as perdas físicas e
o declínio do corpo são inerentes ao envelhecimento e, mesmo que seja adotado um estilo
de vida saudável, esse declínio vai acontecer em algum momento.
Os mais modernos estudos gerontológicos trazem uma visão menos catastrófica do
envelhecimento ao valorizar aquilo que as pessoas podem fazer e não dando enfoque
sobre a incapacidade, sobre aquilo que não se pode mais realizar. O que se evidencia é a
necessidade de que seja exercitada e mantida, ao longo de todo curso da vida, a capaci-
dade do indivíduo de interagir com o ambiente aproveitando os recursos físicos, mentais,
ambientais e socioeconômicos, a chamada capacidade funcional . A capacidade funcional
é um conceito construído levando-se em conta aquilo que o indivíduo consegue realizar e
a forma como otimiza os recursos disponíveis para fazer aquilo que considera importante
para realização pessoal.
A qualidade de vida extrapola a saúde biológica, mesmo que o indivíduo apresente
algum tipo de incapacidade, ele tem o direito de ser observado pelo que ainda é capaz de
realizar, a partir de seus recursos psíquicos, físicos e dentro do seu contexto socioeco-
nômico e cultural.

ENVELHECIMENTO E CULTURA

Ao longo da história do homem existiu sempre um modelo associado ao velho e à velhi-


ce, e esse papel foi sensivelmente influenciado pelos valores culturais e econômicos vigentes
nas sociedades. Já nos primeiros tempos da história e em muitas culturas, o processo de

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envelhecimento e a velhice têm sido associados à perda da beleza e à decrepitude, contra-
riando o ideal de beleza e vigor prevalente.
A heterogeneidade cultural e in­dividual são aspectos que, necessariamente, precisam
ser levados em conta quando se analisa o processo de envelhecimento de um indivíduo,
caso contrário corre-se o risco de não se conferir importância adequada à influência dos
fatores biopsicossociais nesse processo. Assim, por não ser homogêneo, o envelhecimento
pode causar a enganosa interpretação de que a alta incidência de condições específicas
na velhice, como as doenças não transmissíveis, pode representar a totalidade dos casos.
As novas tecnologias na medicina, saúde pública e nanotecnologias fizeram florescer
a possibilidade do prolongamento da vida, mas não é ao mesmo tempo que a sociedade
absorve essa transformação. É preciso reescrever esse script, criar uma nova “cultura do
envelhecimento” para que mudanças aconteçam e permitam que as pessoas vivam e
As pessoas idosas já não são como as de décadas passadas e seu papel social vem
se alterando devido às transformações que aconteceram no cerne das famílias e mudaram
o estilo de viver. Na mesma medida acontece a transformação das representações que
circulam no meio social, em relação ao velho e a velhice, elas também vem se modificando
e muitas já associam o envelhecimento à alegria, atividade física, bem-estar, tempo livre,
entre outras. Essa mudança na forma de pensar e agir na sociedade, vem acontecendo na
medida em que o processo de envelhecimento pode ser relacionado com uma fase natural
da vida, com algumas limitações, mas também repleto de possibilidades.
Envelhecer significa que há necessidade de um reinventar constante ao longo de to-
das as etapas já que a vida, agora, é um projeto de longo prazo. Envelhecer é um caminho
longo, árduo, que requer dentre outros requisitos, coragem e certa “ousadia” para encarar
os conteúdos que emergem nesta nova etapa.
É a partir da visão ampliada, que considera o indivíduo um todo, um sistema complexo
que interliga todas as facetas da vida, que interagem e se influenciam, de maneira transdis-
ciplinar, que se forja a psicogerontologia.

O ENVELHECIMENTO SOB A ÓTICA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

O ciclo da vida segue etapas que não são necessariamente cronológicas, datadas, o
que conta mais é o tempo vivido, aquele que fez sentido para cada um. Na primeira metade
da vida, há uma orientação rumo à personalidade, uma busca pelo “lugar ao sol”, por posi-
ções sociais e um certo “status”, o que é esperado e aceito pela sociedade. É o momento
em que o indivíduo vai buscar as estruturas necessárias para a construção concreta da
sua vida, os meios necessários para sustentar-se e à sua família, ou seja, criar um sistema
externo para sua sobrevivência.

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O ser humano está em constante evolução e, por isso, podemos entendê-lo a partir de
uma metáfora: a primeira metade da vida corresponde ao sol nascente que atinge seu ápice
ao meio-dia, podendo ser considerada como a primeira metade do ciclo vital. A segunda
metade da vida corresponde ao sol poente que aos poucos vai perdendo a força e o calor
sem, no entanto, deixar de brilhar e ser quem é.
Jung (2000) postula em sua obra que, na segunda metade da vida (conceito que não
tem conotação rigidamente cronológica mas depende do processo de desenvolvimento
individual) o ser humano é obrigado a se confrontar com o fato de que o avançar da idade
não pode ser tomado como mero apêndice da juventude, e que o declínio físico não signi-
fica afastamento de sua alma, mas exatamente o contrário: a possibilidade de realização
do Si mesmo, ou seja, ser quem se é, incluindo na personalidade conteúdos até então in-
conscientes e negligenciados devido à unilateralidade do ego jovem. A esta tarefa Jung dá
o nome de processo de individuação.
O processo de individuação pode trazer a possibilidade de um encontro com a cria-
tividade, com a espiritualização. Por outro lado, o corpo físico tende a perder suas formas
joviais e, ao extenuar suas forças, potencializar o encontro com a finitude, ainda desconhe-
cida e não aceita.
Na segunda metade da vida, há uma reorientação do foco, em que o ser ganha desta-
que, a personalidade inconsciente começa a constelar, para que haja integração de conteúdos
inconscientes. Há um chamado para que o indivíduo retome a sua própria história, reveja o
que foi realizado na primeira metade da vida, integre conteúdos e isso pode se configurar
em um período de transformação e mudança intensos.
Para este momento da vida Jung deu o nome de metanoia, que significa transformação
da identidade a partir da experiência vivenciada pelo indivíduo. Chegar à meia idade não
é garantia de que aconteça a metanoia e, por isso mesmo, não são todas pessoas que a
realizam. Entrar em contato com os conteúdos internos, olhar para si, debruçar-se sobre o
fenômeno da existência pessoal envolve coragem porque esse processo pode não ser algo
prazeroso ou simples. Pode ser um tempo de dúvidas, crises, em que fantasmas internos
podem assombrar o indivíduo numa espécie de chamado para que realize a integração, que
olhe para si, se transforme e possa ter a sua consciência ampliada.
A metanoia é um momento profundo, de retomada da consciência podendo durar muito
tempo. Não possui cronologia marcada: não é o reinado de Cronos, mas quem é o rei, o
imperador e mandante é Kairós, simbolizado como o momento interno, tempo das vivências,
ou então, em seu sentido literal, momento oportuno.
Dizia um antigo conto grego que um herói possuía uma biga, com dois cavalos de no-
mes Cronos e Kairós, enquanto Cronos era o cavalo que dava movimento à biga, Kairós era
quem a fazia recuar para que o herói atacasse no momento certo. Quem sabe o “momento

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certo” para que haja a metanoia é self, que a anuncia através de sonhos ou símbolos que
são, também, os melhores caminhos para o inconsciente e a vivência do arquétipo de self.
Gaeta et al. (2015, p. 231) explicita que, com o avançar da idade, o declínio do corpo
não exprime o afastamento da alma, mas justamente o oposto: “a possibilidade de realiza-
ção do Si-mesmo, ou seja, ser quem se é, incluindo na personalidade conteúdos até então
inconscientes devido à unilateralidade do ego jovem”. Este movimento é chamado por Jung
de processo de individuação, termo qual será recorrente em toda a sua obra.
Na segunda metade da vida, quando o sol ocupa sua posição poente e, ilumina a si
mesmo, é que se observa a predisposição para “atender ao chamado interno”. Isso pode
acontecer quando a sustentação da vida concreta está garantida e o momento pede o cui-
dado de si, um olhar mais atento às questões anteriormente negligenciadas, na busca por
integrá-la e assim ampliar a consciência de si mesmo.
Sob a ótica da Psicologia Analítica, cabe trazer o conceito de metanoia1. Termo gre-
go que diz respeito à mudança de uma identidade pessoal própria, após a vivência, “que
transforma os valores até então adotados por um indivíduo” (GAETA; MENDES, 2016, p.
44). Jung (2002 apud GAETA; MENDES, 2016) recupera essa expressão apontando para
o fenômeno de crise psicológica, no qual há a inversão dos valores em que o sujeito estava
fundamentado até o presente momento.
Conta uma popular lenda do Oriente que um jovem chegou à beira de um oásis junto
a um povoado e, aproximando-se de um velho, perguntou-lhe:

– Que tipo de pessoa vive neste lugar?


– Que tipo de pessoa vivia no lugar de onde você vem? Perguntou por sua vez o ancião.
– Oh, um grupo de egoístas e malvados – replicou o rapaz – estou satisfeito de
haver saído de lá.
– A mesma coisa você haverá de encontrar por aqui –replicou o velho.
No mesmo dia, um outro jovem se acercou do oásis para beber água e vendo o an-
cião perguntou-lhe:
– Que tipo de pessoa vive por aqui?
O velho respondeu com a mesma pergunta:
– Que tipo de pessoa vive no lugar de onde você vem?
O rapaz respondeu:
– Um magnífico grupo de pessoas, amigas, honestas, hospitaleiras. Fiquei muito triste
por ter de deixá-las.
– O mesmo encontrará por aqui – respondeu o ancião.
Um homem que havia escutado as duas conversas perguntou ao velho:
– Como é possível dar respostas tão diferente à mesma pergunta?

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Ao que o velho respondeu:
– Cada um carrega no seu coração o ambiente em que vive. Aquele que nada encontrou
de bom nos lugares por onde passou, não poderá encontrar outra coisa por aqui. Aquele
que encontrou amigos ali, também os encontrará aqui, porque, na verdade, a nossa atitude
mental é a única coisa na nossa vida sobre a qual podemos manter controle absoluto.
Quando o ancião diz ao rapaz que a atitude mental é o que podemos ter controle ab-
soluto, podemos remeter ao de envelhecimento do indivíduo. Vai depender das vivências
pessoais, da maneira como vai transformar esse momento em “ambiente agradável”, propício,
acolhedor e de transformações que se formarão as nuances e tons da sua velhice. Tanto
pode se configurar em um processo enfadonho, repleto de amarguras e arrependimento,
como em um encontro com a satisfação, o brilho e a autoestima.
Como na lenda, no momento da metanoia, quando ocorre a reorientação do ego, onde
ego se configura em um todo de pensamentos emoções, sensações, que define o universo
do indivíduo e garante sua identidade física, social, e psicológica pois representa uma parcela
do prisma psíquico, mas não sua totalidade. O desenvolvimento do ego é fundamental para
a vida saudável do indivíduo, começando desde a primeira infância. Na velhice, deve-se
deixar para trás atitudes egoístas e ego-centricas (aqui a palavra escrita separadamente
para indicar que, neste período, o foco não está mais no ego), caso contrário este processo,
por mais que seja um momento de crise, pode ser ou não ser realizado.
Bernardi (2010) postula dois pêndulos oscilantes – ora positivos, ora negativos – entre
os arquétipos Senex e Puer. Sobre o primeiro, Senex, o autor descreve os extremos de rigidez
e sabedoria. Já sobre Puer, ele diz da alternância entre irresponsabilidade e entusiasmo.
A posição Sabedoria de Senex é descrita pelo autor de duas formas. Positivamente,
“Senex torna-se sinônimo do arquétipo do velho-sábio, o aspecto da sabedoria dos antigos
do inconsciente coletivo, que dá àquele que recebe esta imagem em projeção, [...] um caráter
de saber e, muitas vezes, de quase santidade” (BERNARDI, 2010, p. 45).
Negativamente, “devido à confiança que seu portador possui, ele pode ser descuidado
ou mesmo não perceber diferenças ou pequenas diferenças naquilo que se apresenta, to-
mando como já conhecido o que, na verdade, é totalmente novo” (BERNARDI, 2010, p. 45).
Nesse processo, uma das polaridades da velhice pode emergir, é quando o indivíduo
salienta suas amarguras, tristezas e desejos não realizados e não consegue perceber a
beleza das cores que se colocam e vive uma velhice em “preto e branco”. No entanto, a
velhice pode ser constelada quando ocorre a emersão da sabedoria, da parcimônia e da
ampliação de consciência. Ampliar a consciência significa reconhecer as várias facetas da
sua personalidade, buscar dentro de si a fonte de de inspiração e de criatividade e se reco-
nhecer como uma unidade na diversidade.

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Nesse sentido, envelhecer pode significar a integração de si mesmo pela ampliação da
consciência culminando com transformação e reconstrução de si mesmo, a partir o contexto
psicossocial no qual acontece todo esse processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O envelhecimento é um processo complexo, multidimensional e dinâmico que requer


uma abordagem interdisciplinar e transdisciplinar, já que inúmeros fatores influenciam o
indivíduo ao longo de todo o curso de sua vida.
O indivíduo não é a soma de fragmentos de um todo, ele é a conjunção “caleidoscópica”
de todos os âmbitos do humano. Jung pensou o indivíduo como uma totalidade, entendendo
que se origina de um “caldo” cultural específico, de um processo de socialização, de uma
genética, uma herança familiar e arquetípica que atuam para a ampliação da consciência,
onde conteúdos psicológicos se integram e vão dar os contornos do seu processo de indi-
viduação e do envelhecer.
Envelhecer requer um reinventar constante, ao longo de todas as etapas da vida e a
velhice é mais um dos momentos do desenvolvimento humano, tal como a infância, ado-
lescência e a fase adulta. A fase mais tardia da vida, por ser fenômeno relativamente novo,
ainda não foi desvelada e se encontra envolta por mitos e lendas que lhe confere caráter
misterioso e, por isso, requer coragem e certa “ousadia” daqueles que a atravessam para
encarar os conteúdos desafiadores que podem emergir nessa nova etapa.
Jung construiu as bases da psicologia analítica com a contribuição dos seus estu-
dos sobre mitologia, alquimia, teologia, psicanálise, antropologia, física quântica entre ou-
tros. A teoria junguiana carrega em si a transdisciplinariedade ao articular diversos saberes
proporcionando a possibilidade de uma nova forma de perceber o humano. Sob a ética da
transdisciplinariedade, que preconiza o diálogo e a discussão na construção de saberes, a
importância dos sentidos e dos significados que cada indivíduo atribui ao seu próprio pro-
cesso de envelhecimento são adequadamente ressaltados.
A partir dessa lógica, com articulação dos conteúdos dessas ciências que Jung pôde
desenvolver os principais conceitos da psicologia analítica, dentre eles, de metanoia e, é a
partir dessa perspectiva que a psicogerontologia se estrutura. Por ser uma ciência essen-
cialmente humana, requer estudos que se afastem da visão unilateral do ser, a lógica do
humano demanda uma visão multidimensional e transdisciplinar para sua compreensão
pois a biologia, a psicologia, sociologia e filosofia por si só não definem nem explicam o ser
humano, é no exercício da transdisciplinariedade que isso vai poder se realizar.

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REFERÊNCIAS
1. BERNARDI, Carlos. Visão geral: Senex-et-puer: esboço da psicologia de um arquétipo. In:
MONTEIRO, Dulcinéia da M. R. (Org). Puer-senex: dinâmicas relacionais. 2ª. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2010.

2. GAETA, Irene; HAYAR, Maria Angélica S. P.; MELLO, Leonardo T. Psicogerontologia jun-
guiana: a compreensão do fenômeno do envelhecimento a partir do conceito Junguiano
de metanóia (segunda metade da vida). ANAIS – XV Semana de Gerontologia e Simpósio
Internacional de Gerontologia Social. Longevidade como oportunidade: práxis contemporâne-
as. Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da PUC-SP e SESC. São Paulo:
PUC-Marquês de Paranaguá, 2015. Disponível em: https://www.pucsp.br/semanagerontologia/
downloads/anais/TRABALHOS-COMPLETOS-2.pdf. Acesso em: 26 de agosto de 2020.

3. GAETA, Irene; MENDES, Denis C. Velhice e Metanoia – Uma análise do filme Hanami: ce-
rejeiras em flor. Revista Kairós Gerontologia, v. 19, n. 2, pp. 41-63. São Paulo (SP), Brasil:
FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP, 2016.

4. JUNG C.G. A natureza da psique. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2000. vol. VIII/2.

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