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1. PREFÁCIO

O Presente trabalho constitui o relatório a apresentar para a unidade curricular de


Gestão de Carteiras e Mercado de Capitais, ministrado pela Faculdade de Ciências da
Economia e da Empresa da Universidade Lusíada de Vila Nova de Famalicão.
A escolha do tema relacionou-se com a minha intenção de iniciar uma Pós-
Graduação em Gestão De Fraude na Faculdade de Economia do Porto e na modesta
tentativa de nele versar parte dos conhecimentos transmitidos nas unidades curriculares
de Regime Jurídico Das Infracções Fiscais e Contabilidade de Seguros.

3
2. INTRODUÇÃO

Branqueamento de capitais (ou lavagem de dinheiro) é o termo usado para


descrever quaisquer técnicas, procedimentos ou processos, nos quais os fundos, obtidos
através de actividades ilegais ou criminosas (dinheiro sujo), bem como através de
procedências legais para evitar o pagamento de impostos (dinheiro negro), são
convertidos noutros bens, de forma a esconder a sua verdadeira origem, propriedade ou
quaisquer outros factores que possam indiciar uma irregularidade.
O principal objectivo do branqueamento de capitais é, assim, tornar legítimos
rendimentos com origem em procedências ou negócios legais ou ilegais, como o
terrorismo1.
Se é certo que a fraude fiscal internacional sempre se relacionou com o
aproveitamento dos “paraísos fiscais” e com o branqueamento de capitais, em Portugal,
principalmente, desde a década de 70, também é certo que só a partir da alteração ao
art.º 2º do Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro efectuada pela Lei n.º 10/2002, de
11 de Fevereiro é que o branqueamento de capitais, provenientes da fraude fiscal,
adquiriu dignidade penal no nosso sistema jurídico.
No entanto, ao contrário da fraude fiscal, não está prevista a responsabilidade
criminal das pessoas colectivas, facto que teria de estar expressamente determinado, de
acordo com o disposto no art.º 11º do Código Penal.
Hoje o branqueamento de capitais encontra-se previsto no art.º 368º-A do
Código Penal, aditado pela Lei n.º 25/2008 de 5 de Junho, que estabelece as medidas de
natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de
proveniência ilícita.
No entanto, o tema será delimitado, uma vez ser impossível analisá-lo no todo,
atendendo às suas vicissitudes e às infinitas condutas possíveis.

3. BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
1
O financiamento do Terrorismo pode definir-se como o fornecimento ou recepção de fundos,
por qualquer meios, directa ou indirectamente, com a intenção desses fundos serem utilizados, ou com o
conhecimento que eles são para ser utilizados, para facilitar ou desencadear actos terroristas. O terrorismo
pode ser financiado por rendimentos legítimos.

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O branqueamento de capitais é normalmente visto como um crime contra o
património, daí alguns ordenamentos o considerem como um bem jurídico protegido
pela tipificação do crime.
No entanto, este não parece ter sido o entendimento do legislador português ao
tipificar o crime de branqueamento de capitais no art.º 368º-A do Código Penal, inserido
no capítulo III, dos crimes contras a realização da justiça, do titulo V da parte especial.
O bem jurídico protegido, na perspectiva do legislador, é a boa administração da justiça.
No entanto, este não contraria uma visão plural dos interesses protegidos pelo
tipo legal do branqueamento.
Como refere Vitalino Canas “a tipificação do branqueamento que tem como
facto ilícito típico subjacente a prática reiterada e organizada de uma multiplicidade
de crimes de alta rentabilidade, como os vários tráficos, a fraude e evasão fiscal e
outra criminalidade financeira e que visa dar uma aparência legal a enormes recursos
financeiros com vista ao controlo de sectores vitais da economia e da política ou até a
promover actos de terrorismo, não se fica pela simples ambição de tutela do bem
administração da justiça. Nestas circunstâncias, a tipificação do branqueamento visa a
protecção de outros bens, designadamente a sanidade dos fluxos económicos e
financeiros e a sanidade e a estabilidade das instituições políticas.” 2

4. CONDUTA

A Condição objectiva do tipo de branqueamento é a verificação de um qualquer


facto ilícito típico subjacente dos definidos no n.º 1 do art.º 368º-A do Código Penal,
entre os quais os que consubstanciam a fraude fiscal, de onde provêm as vantagens cuja
origem se pretende dissimular.
No entanto, a reacção penal é autónoma relativamente ao facto ilícito típico
subjacente. Ao deixar de falar em crime ou infracção e passando a referir-se a factos
ilícitos típicos, a norma demonstra bastar o apuramento da existência anterior de facto

2
Canas, Vitalino, O Crime de Branqueamento: Regime de Prevenção e de Repressão, Coimbra,
Almedina, 2004, p. 19.

5
daquele tipo, mesmo que não punido, entre outras razões por impossibilidade de
determinar quem praticou e em que circunstâncias, morte do agente ou prescrição.3
Por outro lado, não é necessário que o facto ilícito típico subjacente atinja a
consumação, bastando que da simples prática de actos preparatórios do mesmo resultem
vantagens e que se proceda à sua dissimulação.4
Deste modo verifica-se que o crime de branqueamento de capitais se verifica
aquando da transferência bancária de capitais para uma conta controlada pelos
verdadeiros beneficiários dos esquemas, mas em total anonimato.
Para tal, basta que o facto típico subjacente se encontre tipificado na fraude
fiscal e seja susceptível de lesar o património do Estado em valor igual ou superior ao
referido no n.º 2 do art.º 103º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Daqui se conclui que surgirão casos em que embora o branqueamento tenha
como crime precedente a fraude fiscal, o crime de fraude fiscal consumar-se-á em
momento posterior ao do branqueamento de capitais.
Normalmente imputa-se ao branqueamento de capitais três fases ou etapas,
seguindo as orientações do GAFI 5: a colocação, a camuflagem e a integração.

A primeira fase – colocação – consiste na colocação dos capitais no sistema


financeiro, num banco, casa de câmbios ou em qualquer outra instituição autorizada a
receber depósitos. É a fase mais arriscada do processo de branqueamento de capitais,

3
Canas, Vitalino, O Crime de Branqueamento: Regime de Prevenção e de Repressão, Coimbra,
Almedina, 2004, p. 151 e Godinho, Jorge Alexandre Fernandes, Do Crime de «Branqueamento» de
Capitais: Introdução e Tipicidade, Coimbra, Almedina, 2001, pp. 166 a 168.
4
Godinho, Jorge Alexandre Fernandes, Do Crime de «Branqueamento» de Capitais:
Introdução e Tipicidade, Coimbra, Almedina, 2001, p. 168.
5
O Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI) ou Financial Action Task Force on Money
Laundering (FATF) foi constituído pela Cimeira de Paris do Grupo dos Sete (G7) em 16 de Julho de
1989. O GAFI apresentou o seu primeiro relatório em 6 de Fevereiro de 1990 e foi denominado como as
“40 recomendações” que deviam ser adoptadas pelos Estados para combater o branqueamento de
capitais. Este tem servido de referência ao nível internacional, sendo inclusivé alvo de referência na
Directiva n.º 91/308/CEE, do Conselho, de 10 de Julho. Em 1996 as 40 recomendações foram revistas e
adoptadas por mais de 130 países. Em 20 de Junho de 2003 o GAFI apresentou o relatório revisto pela
preocupação do financiamento do terrorismo cuja expressão mais marcante foi o ataque de 11 de
Setembro. Por este facto o GAFI apresentou também um relatório complementar denominado de “8
Recomendações Especiais sobre o Financiamento do Terrorismo”. O GAFI mantém também uma lista
actualizada de “territórios e países não-cooperantes”. V. o site em http://www.fatf-gafi.org

6
porque grandes quantias de dinheiro chamam muito a atenção, e os bancos são
obrigados a declarar transacções de elevado valor.
“Esta fase do branqueamento de capitais só tem cabimento quando
efectivamente haja numerário que antes de mais, importe converter.” 6 É o que
normalmente sucede no branqueamento de capitais derivado do tráfico de droga.

A segunda fase – camuflagem – consiste na realização de varias transacções de


forma a não permitir seguir o “rasto” ao dinheiro.
A camuflagem pode ser feita de várias formas: transferências de um banco para
outro; transferências electrónicas entre várias contas de pessoas singulares e entre
diversos países; realização de depósitos e levantamentos a fim de alterar os saldos das
contas; cambiar moeda e aquisição/alienação de artigos de luxo.
Deste modo, o sucesso dos esquemas passa pela necessidade de proteger as
instituições financeiras e, nomeadamente, os seus administradores e private banker’s.7
É a fase mais complexa do esquema de branqueamento de capitais.

A última fase – integração – corresponde á utilização dos capitais já “lavados”,


a qual pode ser feita através de investimentos em actividades ilícitas ou lícitas.
Este dinheiro é muitas vezes utilizado na compra de imóveis, carros, barcos,
obras de arte, jóias, acções ou investido na mesma actividade ou em outras actividades
económicas, em Portugal ou no estrangeiro.

6
Godinho, Jorge Alexandre Fernandes, Do Crime de «Branqueamento» de Capitais:
Introdução e Tipicidade, Coimbra, Almedina, 2001, p. 40.
7
Os Private banker’s são “organizações sem qualquer escrúpulo ou padrões de moral,
altamente sofisticadas, dotadas de recursos inesgotáveis, que inventam, através de meios legais,
potenciar os seus negócios criminosos e aumentar o seu poderio, compensando e encorajando o crime,
ameaçando a liberdade dos cidadãos e as estruturas da democracia e pervertendo a livre concorrência.”
Estas organizações são, principalmente, formadas por juristas e advogados, encontrando-se também
TOC’s e ROC’s. Tratam-se de pessoas com formação, nomeadamente nas áreas de Direito Fiscal e
Societário. Citação de Canas, Vitalino.

7
Uma das formas mais conhecidas de usar os capitais é através de empréstimos
bancários garantidos pelos depósitos em contas da mesma instituição financeira em
zonas financeiras off-shore.8
No entanto, como refere Fernandes Godinho, esta fase “em bom rigor, já não é
uma questão de branqueamento de capitais porque, repita-se, não está já em causa a
dissimulação da origem. O investimento dos capitais pode obviamente ser feito sem que
antes se tenham «tomado preocupações» no sentido da dissimulação da sua origem.” 9

5. CASOS DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS

MERCADO NEGRO DE CÂMBIO COLOMBIANO – Este sistema, que a


DEA chama de "o maior mecanismo de lavagem de dinheiro de drogas do hemisfério
oeste", que surgiu nos anos 90.
Este complexo mecanismo conta com o facto de que há empresários na
Colômbia, geralmente importadores de produtos internacionais, que necessitam de
dólares para gerir os seus negócios.
O esquema funciona da seguinte maneira: um traficante de drogas entrega os
dólares oriundos do tráfico de droga a um corretor de pesos (moeda) na Colômbia. O
corretor usa então os dólares da droga para comprar produtos nos Estados Unidos para
importadores colombianos. Quando os importadores recebem os produtos (sem a
intervenção do governo) e os alienam em pesos na Colômbia, pagam ao corretor usando
os rendimentos. O corretor devolve então ao traficante o equivalente ao original em
pesos, (descontada a comissão), que no início do processo eram dólares e eram oriundos
do trafico de droga.
Em 1996, o economista Franklin Jurado, formado em Harvard, foi preso por
branquear USD 36 milhões (cerca de € 49,3 milhões) para o traficante colombiano José
Santacruz-Londono.

8
Off-shore é “um pais ou um território que atribua a pessoas física ou colectivas vantagens
fiscais susceptíveis de evitar a tributação no seu país de origem ou de beneficiar de um regime fiscal
mais favorável que o desse país, sobretudo em matéria de imposto sobre o rendimento e sobre as
sucessões”. Citação de Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes.
9
Godinho, Jorge Alexandre Fernandes, Do Crime de «Branqueamento» de Capitais:
Introdução e Tipicidade, Coimbra, Almedina, 2001, p. 41.

8
DEPÓSITOS ESTRUTURADOS – Também conhecido como “smurfing”,
este método consiste na divisão de grandes quantias de dinheiro em quantias mais
pequenas e por conseguinte menos suspeitas10. O dinheiro é então depositado em uma
ou mais contas bancárias por várias pessoas (smurfs) ou por uma única pessoa durante
um determinado período.

BANCOS INTERNACIONAIS – Os criminosos geralmente efectuam


transferências através de várias "contas off-shore" em países protegidos pela lei de
sigilo bancário, o que significa que não importa qual o propósito, pois essas instituições
permitem movimentações bancária anónima. Um esquema complexo pode envolver
centenas de transferências bancárias de bancos para bancos.

SISTEMA BANCÁRIO ALTERNATIVO – Alguns países da Ásia têm


sistemas bancários alternativos legais e bem estabelecidos que permitem depósitos,
levantamentos e transferências sem documentação. São sistemas baseados na confiança,
geralmente com raízes na antiguidade, que não deixam rastro em papel e operam fora do
controle do governo. É o caso do sistema Hawala no Paquistão e na Índia, e do Fie
Chen na China.

EMPRESAS FICTÍCIAS – São empresas virtuais que existem somente para


branquear capital. Estas empresas recebem dinheiro oriundo de negócios ilícitos como
pagamento por supostos bens e serviços que nunca existiram na prática; simplesmente
criam a aparência de transacções legítimas através do envio de declarações fiscais e
balanços falsos.

INVESTIMENTO EM EMPRESAS LEGÍTIMAS – Os criminosos às vezes


colocam dinheiro ilícito em empresas legítimas para o branquear. Eles podem usar
grandes empresas, como corretoras de valores ou casinos que manipulam muito
dinheiro, camuflando o dinheiro ilícito no meio; ou usam negócios mais pequenos, que
movimentam bastante dinheiro em espécie, como bares, casas nocturnas ou lojas. Estas

10
Em Portugal, esta quantia em numerário máxima é de € 15 mil ( Diário da República, 1.ª
série — N.º 108 — 5 de Junho de 2008, nº 7, alínea b) . Se exceder o montante, os bancos portugueses
são obrigados a “identificar e verificar” a identidade do seu cliente e do seu beneficiário efectivo e
manter uma vigilância das suas relações de negócio com o cliente.

9
empresas são as "testas de ferro" que fornecem bens e serviços de verdade, mas cuja
real existência é branquear o capital ilícito. Este esquema geralmente funciona com dois
métodos de Coordenação Administrativa: o criminoso consegue camuflar o dinheiro
ilícito como receita da empresa, neste caso, a empresa declara receitas maiores do que
as que realmente obtiveram no seu negócio lícito; ou o branqueador de dinheiro pode
simplesmente esconder o dinheiro ilícito nas contas legítimas da empresa na esperança
que as autoridades não vão comparar os extractos bancários com os relatórios
financeiros da empresa.

COMPRA DE BILHETES SORTEADOS – Um tipo de esquema diferente é a


compra de bilhetes sorteados da lotaria. Com a ajuda dos funcionários do banco
responsável pelo pagamento dos prémios, os criminosos conseguem branquear o capital
dizendo que ganharam a lotaria. Nesse caso, o funcionário paga o valor do bilhete ao
verdadeiro vencedor, mas na hora de registar o vencedor, regista no nome do criminoso.

SEGUROS NÃO-VIDA – Um traficante de droga adquiriu um seguro de


marítimo-cascos para um navio oceânico “fantasma”. Pagou quantias elevadas como
prémios dessa apólice e subornou os mediadores para que sinistros participados de
forma regular fossem pagos. Todavia, foi muito cuidadoso participando apenas os
sinistros de valor inferior aos prémios liquidados, de forma à seguradora usufruir de um
lucro razoável pela emissão da apólice. Desta forma, o branqueador de dinheiro recebeu
cheques em pagamento de indemnizações que foram usados para branquear fundos, os
quais, ao serem provenientes de uma seguradora conceituada, não levantavam quaisquer
suspeitas sobre a origem dos fundos na medida em que constava o nome dessa entidade
nos cheques ou nas transferências bancárias.

SINISTROS FRAUDULENTOS E FINANCIAMENTO DE


TERRORISMO – Um indivíduo comprou um veículo novo e caro, para o que obteve
um empréstimo. Nessa altura, o comprador celebrou um seguro de saúde tendo em vista
garantir o reembolso do empréstimo no caso de sofrer qualquer incapacidade devido a
doença que o impossibilitasse a amortizar o financiamento. Dois meses depois, esse
indivíduo esteve envolvido intencionalmente num “acidente” com o veículo, sendo
efectuada a participação de uma lesão corporal (coberta pela apólice supramencionada).
Um médico, trabalhando em concordância com o indivíduo em causa, confirmou essa

10
lesão, pelo que a seguradora honrou o sinistro liquidando o saldo em dívida do
empréstimo. De seguida, a organização que conduziu esta operação vendeu o veículo
obtendo um lucro com essa transacção. Neste caso, a seguradora envolvida sofreu
prejuízos superiores a USD 2 milhões (cerca de € 2,7 milhões).

OPERAÇÃO FURACÃO – segundo o Departamento Central de Investigação e


Acção Penal da Procuradoria-Geral da República, é o processo de criminalidade
económico-financeira de maior dimensão que alguma vez existiu em Portugal.
O esquema era o seguinte: os bancos começaram por criar dois tipos de
escritórios, clandestinos, onde instalaram os produtos do Private Banking. Num
produzia-se facturação fictícia, no outro fazia-se o planeamento fiscal do cliente (agora
chamado “planeamento fiscal agressivo”).
Os clientes começavam por abrir no Private Banking uma conta corrente (na
gíria financeira, o capital que se encontra na banca nacional e que se pode exibir) e, no
segundo escritório (onde funciona uma filial de um banco estrangeiro não registado no
Banco de Portugal), abriam a conta offshore.
Em campo entram também consultoras que, além de fazerem auditorias e
relatórios, dando credibilidade às contas, eram intermediárias entre os clientes e os
bancos. Essas consultoras, aliás, também “vendiam” o esquema fraudulento.
No final da sequência de operações desta organização de fuga ao fisco, que
acaba por se dividir em células, à moda de um partido clandestino, surgem advogados
que ajudam a montar a estrutura e lhe dão credibilidade jurídica.
A segunda fase de montagem de todo este esquema passou por arranjar uma
plataforma na Europa que desse um rosto “limpo” ao desencaminhamento do dinheiro.
O Reino Unido serviu na perfeição, pois Portugal tem negócios com Inglaterra e as
autoridades não suspeitariam da facturação emitida neste país.
Foram então criadas em território Inglês sociedades que funcionam como
empresas de importação/exportação e que emitiam as facturas fictícias para as empresas
portuguesas. Mas, na retaguarda das sociedades inglesas, existiam sempre as off-shores.
E é nesse espaço virtual que, mantendo a confidencialidade dos clientes, abriam as suas
contas na Suíça, onde os bancos nacionais passaram a instalar as suas sucursais. Estas,
ao serem registadas segundo a lei local, passaram a funcionar como bancos
independentes, de direito helvético, apesar de a maioria do capital pertencer aos bancos
nacionais, de que são subsidiárias.

11
Na Suíça, a lei não contempla o crime de fuga ao fisco. Apesar da cooperação
entre os dois países noutras áreas, este buraco legislativo tranca portas aos
investigadores portugueses.
Os empresários que aderiram às estruturas ilegais assim montadas foram
mantendo o capital no exterior, rentabilizando-o na compra de produtos financeiros
propostos pelos bancos.
A maior parte dos valores mantinha-se na Suíça, mas, sempre que os
empresários necessitavam, eram retiradas das suas contas pequenas quantias, que se iam
introduzindo em Portugal também de uma forma ilícita.
Começava aqui fase do branqueamento de capital.
O esquema mais comum, porque não deixa rasto, passava por transportar o
capital, fazendo-o passar a fronteira nas bagageiras de carros, uma tarefa desempenhada
pelos chamados “carteiros do dinheiro”. Num só transporte, a bagageira de um carro
leva espalhadas e camufladas em maços de 50 e 100 euros a quantia, máxima, de (€ 2,5
milhões).
Chegados a Portugal, os maços eram depositados em cofres, nos escritórios
clandestinos dos bancos11, que o guardavam até receberem ordens dos respectivos
donos. Estes, por seu turno, “reinvestiam” o dinheiro, ou seja, branqueavam-no,
segundo os seus interesses.
Os cartões de crédito, por exemplo, emitidos ao cliente por uma filial bancária
portuguesa de direito suíço, eram outros dos meios utilizados para a lavagem de capital,
pois através deles, fazem-se compras e pagam-se negócios em qualquer parte do mundo.
Nalguns casos, os investigadores já apuraram que houve compras de imóveis por
centenas de milhares de euros, mas que nas escrituras ficaram registados por um quarto
do valor (o restante foi pago em espécie).
Encontram-se neste momento referenciadas cerca de dez mil contas bancárias
em zonas off-shore. É incalculável neste momento o dinheiro que estará nessas contas,
quem são os seus titulares e que negócios envolvem.

6. CONCLUSÃO
11
Geralmente estes escritórios clandestinos estão situados em zonas habitacionais, urbanizações
com dezenas de apartamentos e centenas de inquilinos. Isso faz com que a localização, do escritório, seja
quase impossível de interceptar.

12
O branqueamento de capitais, além de não criar riqueza, contribuiu para
descapitalizar o país, e tendo em conta o actual momento de crise financeira, a entrada
legal do “dinheiro pirata” no circuito nacional, não só os cofres do Estado
recuperariam grande parte da fortuna proveniente dos esquemas de fraude fiscal, como a
banca portuguesa, que se debate com dificuldades, ganhava liquidez sem se endividar.
Refere o Professor Doutor José de Faria Costa que “se, efectivamente, o
branqueamento é uma actividade ilícita derivada ou induzida por outras actividades,
também elas ilícitas, atacaremos, então, as causas e não os efeitos.” 12
Este seria, sem dúvida, o caminho a seguir, mas na minha opinião nunca
conseguiremos acabar com as causas, pois como diria um Barão de droga, “circula
mais dinheiro de noite, que durante o dia com os bancos e as bolsas abertas”.
Perante isto só vejo uma solução: o esvaziamento das contas sediadas em off-
shores dos pequenos e médios comerciantes 13 à boa maneira dos espiões ingleses.
A primeira fase passaria por detectá-los, para numa segunda fase, com piratas
informáticos dotados de recursos inesgotáveis, esvaziar-lhes as referidas contas.
Certamente não iriam apresentar queixa a nenhuma entidade criminal, além de
que os “exterminávamos” financeiramente, fazendo com que o dinheiro fosse
repatriado, impedindo assim o financiamento de actos ilícitos ou mesmo terroristas e
por outro lado o mito de “roubar o estado é uma atitude inteligente” se extinguisse por
completo.
Pode-se pensar que é uma nova forma de criminalidade organizada, mas seria
apenas “um pequeno mal, para um grande bem”.
Durante todo este processo de pesquisa fiquei intrigado com o facto de nunca
aparecer nenhum artigo ou livro que referisse a igreja católica. A igreja católica (em
Portugal) por ano faz mais barras de ouro que o Banco de Portugal. Esta instituição está
acima de qualquer suspeita, e fazer depósitos em numerário de elevados valores ou
transferências avultadas é “normal”.
7. BIBLIOGRAFIA

12
Costa, José de Faria, “O Branqueamento de Capitais (algumas reflexões á luz do direito
penal e da politica criminal)”, in: Direito Penal Económico e Europeu: textos Doutrinários – Volume II –
Problemas Especiais, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 308.
13
Se “exterminasse-mos” financeiramente os pequenos e médios comerciantes, estes perante
“pena” tão pesada, certamente se “encolhiam” e não aumentavam o seu poderio corruptivo.

13
Costa, José de Faria, “O Branqueamento de Capitais (algumas reflexões á luz do
direito penal e da politica criminal)”, in: Direito Penal Económico e Europeu:
textos Doutrinários – Volume II – Problemas Especiais, Coimbra, Coimbra
Editora, 1999, pp. 301-320

Departamento de Supervisão de Seguros, Guia para prevenção e combate ao


Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo na Actividade
Seguradora, Aviso nº 12/AMCM de 11 de Outubro,
Http://www.amcm.gov.mo/rules_and_guidelines/laws/insurance/Guidelines%20AML-CFT
%20seguros%20(Pt).pdf

Diário da República, Lei De Combate Ao Branqueamento de Capitais, Lei n.º 25/2008,


1.ª série — N.º 108 — 5 de Junho de 2008.

Godinho, Jorge Alexandre Fernandes, Do Crime de «Branqueamento» de Capitais:


Introdução e Tipicidade, Coimbra, Almedina, 2001

Gonçalves, Rui Miguel Marques, “Fraude Fiscal e Branqueamento de Capitais”,


Porto, Almeida & Leitão, 2009

Grupo de Acção Financeira sobre o Branqueamento de Capitais (FATF/GAFI), As


Quarenta Recomendações, 20 de Junho de 2003 (inclui as alterações de 22 de
Outubro de 2004)  
Http://www.fatf-gafi.org/dataoecd/38/50/34030817.PDF

Leitão, Luís Manuel Teles de Meneses, Estudos de Direito Fiscal, Coimbra, Almeida,
1999

Professor Firmo, Cláudio, Lavagem de Dinheiro (Branqueamento de Capitais),


Faculdade Católica de Cuiabá-MT, MBA – Governança de Tecnologia da
Informação, Manual de Apoio 5, 2008
Http://www.macmt.com.br/catolica/

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