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Vida

de João XXIII
José Luis Gonzá lez-Balado

Índice

Vida de Joã o XXIII


Naquele dia de primavera
Introduçã o
1 Sua famı́lia e infâ ncia
2 Sua vocaçã o sacerdotal
Estudos sacerdotais em Roma
Novas atribuiçõ es e tarefas
Ligado de volta para Roma
3 Bispo de Deus e «Visitador Apostó lico» pelo Vaticano
4 Representante de Pio XI (e seu sucessor) na Turquia e Gré cia
5 Nú ncio Apostó lico em Paris
6 Arcebispo-Patriarca de Veneza
7 meu nome é joã o XXIII
A ideia do Conselho
Vida de João XXIII
José Luis Gonzá lez-Balado

Naquele dia de primavera

Era, exatamente, 24 de abril de 1963. Há datas que nos marcam


para sempre e mais ainda o fazem as palavras, os gestos, a luz
dos olhos, a suavidade das mã os, os batimentos cardı́acos ...
uma pessoa essencial que, como um presente do Senhor, de
repente entra em nossa vida. Assim foi, numa das salas de
audiê ncias especiais do palá cio do Vaticano, quando tive aquele
providencial encontro com os SS Joã o XXIII, na companhia da
minha ilha primogé nita, que, iel à sua generosa vocaçã o, se
preparava entã o para viagens para as terras da pobreza crı́tica,
mortes prematuras, sobreviventes dilacerados - a Africa
primeiro; A Amé rica Latina entã o - para compartilhar o
sofrimento e ajudar tantas vı́timas da injustiça e da falta de
solidariedade humana.
Profundamente imbuı́do dos ensinamentos do Vigá rio de
Cristo, da mensagem das suas ú ltimas encı́clicas - a Mater et
magistra e, mais imediatamente, a Pacem in terris - com a
delicadeza, para mim comovente, de me terem convidado a
participar como « perito "ou perito em questõ es sociais e
jurı́dicas na grande assembleia, nã o poderia contentar-me em
ter lido, ouvido, visto, na imprensa ou nos outros meios de
comunicaçã o social. Depois de ter tido a sorte de falar vá rias
vezes com seu egré gio predecessor, Pio XII, na minha qualidade
de presidente da Pax Romana, primeiro e depois como
embaixador da Espanha perto da Santa Sé , e depois de ter
dialogado em profundidade e mais frequentemente com
Monsenhor Juan Bautista Montini - que muitos de nó s sentimos
como o futuro pontı́ ice -, a realidade é que ele desejava ter a
oportunidade de entrar em contato direto com o Papa Roncalli,
a quem o instinto popular - e vox populi, vox Dei - descreveu
como "o bom Papa John ”e eu adivinhamos nele lampejos de
santidade, por meio de seus comportamentos profundamente
humanos.
Chegou a Roma com uma có pia do comentá rio coletivo
ao Mater et magistra (preparado pelo grupo de professores do
Instituto Social Leã o XIII e publicado pela BAC), e com a
intençã o també m de colher informaçõ es mais diretas sobre o
Conselho, Solicitei a audiê ncia relevante - para mim e para a
minha ilha - e consegui sem demora.
Já antes do Sumo Pontı́ ice (naquela manhã de abril em que a
primavera atmosfé rica e a nova primavera da Igreja coincidiam,
nos coraçõ es de milhõ es e milhõ es de cristã os, de todas as
Igrejas, de crentes de outras con issõ es e agnó sticos desejosos
de luz e esperança) , minha ilha e eu icamos profundamente
comovidos quando o vimos e beijamos sua mã o. Tı́nhamos
consciê ncia de que aquele homem inteiro, de corpo e alma, se
levantava e nos acolhia com serenidade, vencendo a
enfermidade que lhe rasgava as entranhas, a tal ponto que
apenas um mê s e poucos dias depois - no dia 3 de junho, ele
partiria com alegria à casa do Pai, a quem amou com tanto
fervor e por quem se devotou tã o intensamente.
Com simplicidade, e um certo tremor, entreguei-lhe o citado
livro e, depois de olhá -lo por alguns instantes, com um doce
sorriso exclamou: "Mas você encontrou tanto o que comentar
na encı́clica?"
Apó s esta deliciosa pergunta, ousei dizer-lhe que a sua Pacem
in terris recé m-lançada ainda nos impressionava, e mexia mais,
pelo conteú do e pela linguagem . Assumimos como impulso
decisivo promover em toda parte e, especi icamente em
Espanha, um processo paci icador, de diá logo, reconciliaçã o e
consenso, de transiçã o para a democracia, com um coraçã o
cristã o, mas aberto a todos os cidadã os, sem discriminaçã o e
com pleno reconhecimento e a garantia de todos os direitos
humanos - os da liberdade, da liberdade de consciê ncia à s
liberdades civis ou polı́ticas, e os da igualdade e da justiça
social -, como proclama a encı́clica, em consonâ ncia substancial
com a Declaraçã o Universal das Naçõ es.
Sua Santidade compartilhou conosco o desejo de que assim
fosse, e quando recebemos sua bê nçã o de despedida, nos
sentimos comprometidos para sempre com esse esforço. Nada
mais posso dizer no limiar deste livro quintessencial e
riquı́ssimo de José Luis Gonzá lez-Balado, que nos dá os
fundamentos da vida e da palavra de quem encarnou um
modelo de santidade sugestivo, da humanidade mais querida e
que , ao mesmo tempo Abrindo as janelas da nossa Igreja, nã o
só a tornou mais convivial e dialó gica no interior, mas també m
ofereceu ao mundo exterior, sem fronteiras no espaço e no
tempo, o dom vivi icante da esperança e a semente da paz no
justiça.
E por isso que há lores permanentes em seu tú mulo, sob o piso
da Bası́lica de Sã o Pedro, e sua mensagem nã o se apaga no
coraçã o de todas as pessoas de boa vontade. “Nada pode
impedir a primavera”, li um dia sobre um muro semiderrubado
de Villa Salvador, na atormentada terra do Peru. Sua Santidade
Joã o XXIII, já canonizado nas profundezas de milhõ es e milhõ es
de seres no mundo, velará pelo lorescimento sempre fecundo
da fé cristã e da justiça e da paz na terra.
J R -G ́ C ́

Introdução

Para muitos, Joã o XXIII é um mito.


Nã o excluo que també m seja um pouco para mim. Suspeito pelo
prazer com que aceitei a encomenda de escrever uma curta
biogra ia sobre ele.
Para quase todos, Joã o XXIII també m é um santo. Mesmo para
os nã o cató licos, "absolvidos" da obrigaçã o de aguardar um
veredicto canô nico que está demorando muito.
E sagrado para muitos que carecem de noçõ es teó ricas sobre
santidade, embora nã o sejam intuiçõ es con iá veis sobre
ela. Eles "sentem" que Joã o XXIII é santo. Um "verdadeiro
santo", desde o momento de sua agonia, à s 19h45 do dia 3 de
junho de 1963.
Um santo "verdadeiro" que ainda espera ser declarado santo
"legal" por causa de alguns câ nones que respeitou, embora nã o
fosse muito consistente com o que ele "sentia".
Houve / existiram aqueles que, em seu mito Juane ou nã o-
calculista, distorceram sua verdadeira imagem. Eles começaram
contrastando-o com seu sucessor imediato. A um papa de
temperamento tã o diverso chamado, antes e junto com Paulo
VI, Juan Bautista Montini.
Tudo o que Montini fazia parecia a alguns - ou ingiam que
parecia a eles - a antı́tese do que Joã o XXIII "teria" feito. Sem
saber (ou reconhecer) que, diferente no aparente e modal (de
certa forma; nã o na moda!), Di icilmente haveria admirador
mais iel de Roncalli do que Montini.
Sem reconhecer (ou saber) que poucos apreciavam tanto
aquele que foi "apenas" arcebispo de Milã o como quem, quando
foi chamado a suceder a Pio XII, foi seu amigo leal durante 25
anos.
Está documentado de forma con iá vel que, no momento em que
se encerrou no conclave do qual seria inesperadamente eleito
papa, o candidato de Angelo Giuseppe Roncalli nã o era outro
senã o Juan Bautista Montini. Para os outros homó logos era um
obstá culo, mas nã o para ele, que Montini ainda nã o fosse
cardeal. A situaçã o permitiu-lhe um gesto que nã o poderia ser
mais eloqü ente: encabeçar com seu nome a lista dos cardeais
que inaugurariam seu ponti icado.
Dito isso quase como um pará grafo, é preciso interromper o
paralelismo, para delimitar um tó pico "excessivo". Embora,
para revelar distorçõ es, ainda haveria algumas, mais
monstruosas, se possı́vel. Para sugerir que Joã o XXIII havia
liderado uma virada de 180 graus em questõ es como o
planejamento familiar (leia a pı́lula), o celibato do clero, o
sacerdó cio das mulheres ...
Com sua invejá vel bondade temperamental, Angelo Giuseppe
Roncalli teve o carisma para tornar atraentes suas muitas
virtudes. Mas pensar que ele se desviou um milı́metro das
exigê ncias do evangelho é falsi icar sua imagem. Ainda mais:
profanar sua memó ria.
Como ilho de seu tempo e cultura, Joã o XXIII foi um homem
conservador saudá vel. Ele tinha um grande senso de histó ria,
principalmente eclesiá stica, da qual era especialista.
O leitor pode icar chocado ao encontrar defeitos, no pró logo e
a partir do pró logo, um homem (papa!) Tã o universalmente
apreciado e amado quanto Joã o XXIII. “O que signi ica isso?” O
leitor pode perguntar. Talvez, nada mais do que desfazer um
preconceito: que a simpatia e admiraçã o pelo personagem o
impeçam de considerá -lo um homem de carne e osso,
imunizado, desde o ventre, contra toda possibilidade de
pequenos erros.
Angelo Giuseppe Roncalli estava certo, é claro, na substâ ncia de
sua imensa bondade. Ele estava geralmente correto ao formular
seus julgamentos, à luz e com o apoio de uma inteligê ncia talvez
mais prá tica do que especulativa. Mas acertou, sobretudo, em
suas atitudes comportamentais, guiado por um juı́zo só lido
congê nito que foi esclarecedor ao longo de sua vida até a
cadeira suprema, onde se mostrou ainda mais dú ctil na luz de
quem, por escolha divinamente auxiliada, eles parecem
empoleirados.
E - desnecessá rio repetir - agradá vel ser contratado para
escrever um breve per il do Papa Roncalli. Todos, mais ou
menos, o conhecem. Todos, já foi dito, o estimam a ponto de o
fazerem canonizado em sua intimidade e de suportar com
impaciê ncia a excessiva demora de sua canonizaçã o legal.
Temos consciê ncia da responsabilidade de, negativamente, nem
mesmo remotamente "atentar" contra essa estima universal. E,
pelo lado positivo, para - se possı́vel - fornecer argumentos
complementares para a racionalizaçã o dessa estima universal.
Como? Tantas coisas já foram ditas e escritas sobre Joã o XXIII
que quase nada de novo poderia ser dito. Seu diá rio e suas
cartas de famı́lia sã o publicados[1]. També m, na é poca, de forma
mais ou menos resumida e fracionada, seus discursos. Depois
de pensar muito sobre isso, acreditou-se encontrar a resposta
para aquilo como se tornou uma pergunta.
Muitas vezes, com tanto distanciamento de si mesmo como
afetuosa proximidade paternal com seus ilhos espirituais de
Veneza como arcebispo e de todo o mundo como papa, Angelo
Giuseppe Roncalli / Joã o XXIII desvendou sobre si con idê ncias
que "quase se doam", dispostas em uma ordem mı́nima
cronoló gica, para uma verdadeira autobiogra ia.
Algué m pode abordar a imagem ı́ntima de Juan com a
idelidade que ele mesmo soube fazer, com a garantia de sua
imensa e tã o charmosa simplicidade?
A seguinte observaçã o é de seu secretá rio Loris F. Capovilla, o
que nos poupa de formular um conceito menos adequado:
«Ele falava e escrevia sobre si mesmo com grande desapego,
com perfeita liberdade interior e com humilde franqueza. Ele
comunicou pensamentos, sentimentos e impressõ es por meio
de centenas de cartas. Ele desvendou con idê ncias coloquiais
sem nenhum diafragma com pessoas de todas as idades e
categorias, educaçã o e cultura, religiã o e ideologia.
Quem tiver uma resposta diferente, deixe-o expor na primeira
vez. Estamos convencidos de que a resposta é "nã o". Como Joã o
XXIII - Angelo Giuseppe Roncalli - "foi dito" ningué m pode
"dizer." Portanto, vamos, acima de tudo, deixá -lo "contar a si
mesmo".

1 Sua família e infância

Quando Angelo Giuseppe Roncalli nasceu em 25 de novembro


de 1881, sua cidade se chamava Sotto il Monte. Na traduçã o
literal, signi ica "sob a montanha". Ele está localizado, na
verdade, no sopé dos Alpes. Pertence à provı́ncia de Bergamo,
na regiã o da Lombardia, ao norte de Milan. Há alguns anos
(justamente, desde 13 de janeiro de 1964), deixou de ser assim
chamado: por decreto da Presidê ncia da Repú blica Italiana, o
povo incorporou à sua denominaçã o o nome do mais ilustre de
seus ilhos e é chamado Sotto il MonteGiovanni XXIII.
Nã o há quase nada de estranho no fato. Que cidade ainda nã o
tem uma rua com o nome desse papa? Nã o apenas
ruas; Centros de ensino, hospitais, lares de idosos, lares de
crianças foram dedicados a Joã o XXIII ... Estranhamente, como
ele ainda nã o foi beati icado - o que você está esperando? -, ele
ainda nã o tem igrejas ou capelas dedicadas. Mas ergueu altares
na intimidade de muitos coraçõ es.
Seus pais se chamavam Giovanni Battista (Juan Bautista) e
Marianna (Ana Marı́a). O sobrenome do pai era obviamente
Roncalli. Aquele com a mã e, Mazzola. Se, como na Espanha e em
alguns outros paı́ses, ele tivesse que ter dois sobrenomes
associados ao nome, ele se chamaria Angelo Giuseppe Roncalli
Mazzola.
Ele foi batizado no mesmo dia de seu nascimento. Seus pais -
també m seus avó s, tios e irmã os, mais velhos e mais jovens que
ele - eram pessoas muito cristã s. Ele cresceu, portanto, em um
ambiente cercado de bons exemplos e incentivos para a
virtude. Ele mesmo se lembraria, com con iança, de já ser Papa:
«Lembro-me do ambiente simples e saudá vel em que o Senhor queria
que eu abrisse os olhos a esta luz mortal. Desde la adolescencia me
encontré inmerso en una tradició n domé stica y diocesana que
siempre estuvo abierta al conocimiento de lo verdadero y de lo bello,
amiga de las tradiciones y de las hermosas cró nicas antiguas y
recientes de la vida regional, que documentan las costumbres y
conducta de os povos. Pois bem, voltando à s coisas vistas e ouvidas, e
à s pessoas com quem tratei, tenho o consolo de dizer que nunca, na
minha juventude, a minha alma foi nublada por visõ es, palavras ou
narrativas desconcertantes. Posso, portanto, testemunhar a retidã o,
honestidade e delicadeza de consciê ncia de minha famı́lia e amigos. E
nã o só , é claro, do clero e dos educadores com os quais trabalhei, mas
també m dos leigos de vá rias classes. Sim, també m dos leigos, que
tiveram a sorte de viver em tempos turbulentos e polê micos e, sob
certos aspectos, em condiçõ es mais desfavorá veis do que as que
vivem hoje os leigos cató licos.
A famı́lia Roncalli-Mazzola era uma famı́lia muito numerosa. O
homem que passou os ú ltimos anos de sua vida mais pró ximo
de Angelo Giuseppe, Loris Francesco Capovilla[2], uma igura de
32 pessoas que, entre pais, tios solteiros, irmã os, etc., faziam
parte de uma famı́lia patriarcal, que vivia, sem segurança
econô mica, do á rduo trabalho do campo em regime de parceria.
Ele mesmo escreveu no Diá rio da alma:
«Eramos pobres, mas vivı́amos felizes na nossa condiçã o e con iando
na providê ncia. O pã o estava faltando na mesa, substituı́do por
polenta[3]. Sem vinho para crianças e jovens, e raramente
carne. Apenas um pequeno pedaço de doce caseiro no Natal e na
Pá scoa. As roupas e sapatos de ir à igreja tinham que durar anos e
anos. Poré m, quando um mendigo aparecia na porta de nossa
cozinha, onde as crianças, que tinham cerca de 20 anos, esperavam
impacientemente pela tigela de sopa, sempre aparecia uma barraca, e
minha mã e se apressava para sentar o estranho nela. " .
Um dia, quando já era arcebispo de Veneza, ao dirigir-se aos
trabalhadores na festa de Sã o José Operá rio (1º de maio),
con idenciou-lhes cheio de realismo:
«O que eu seria se o Senhor nã o tivesse me chamado para outra
atividade um belo dia? Ele seria agricultor, como muitos de meus
sobrinhos, todos os quais, mesmo depois de receber educaçã o e
cultura, quiseram permanecer no campo para trabalhar. Outros,
porque nem para eles, nem para todos os italianos, a certa altura, o
terreno era su iciente para o nú mero crescente de armas, foram para
a cidade, para trabalhar em fá bricas e o icinas ».
Angelo (anjo) seria para toda a vida, até que escolheu outro
papa, seu primeiro nome, carinhosamente transformado em
Angelino. Ele nunca deixou de gostar desse nome, nem tinha
motivo para isso. Mas també m gostou do segundo componente:
Giuseppe (José ). Ele testemunhou isso num domingo de março,
quando já era Papa, da varanda do Vaticano, na hora
do Angelus :
«Na pia baptismal recebi, juntamente com o de Angel, també m o
nome de José , que me manteve por muito tempo e em boa
companhia. E na festa de Sã o José , em 1925, recebi o chamado ao
episcopado na igreja romana de Sã o Carlos, outro santo, objeto de
grande veneraçã o para mim »[4].
Como um jovem seminarista, ele escreveu aos seus parentes:
«Nunca he deseado ni implorado del cielo para mi familia los bienes
del mundo: riquezas, placeres, prosperidad, sino que todos seá is
buenos cristianos, virtuosos, resignados en los brazos amorosos de la
divina providencia, y que vivá is en paz unos con otros y com todo
mundo. A inal, de que adiantaria você ter todo o ouro do mundo se
perdesse sua alma?
E dirigindo-se ao pai, quando ele já era o representante da
Santa Sé em um paı́s remoto da Europa (20 de junho de 1928),
ele escreveu assim:
«As vezes, re letindo sobre as condiçõ es difı́ceis em que você se
desenvolve, nã o paro de sofrer um pouco. Mas depois me consolo
pensando que essas angú stias de sua parte vê m acompanhadas de
tantas outras graças espirituais com as quais o Senhor nã o para de
abençoar nossa famı́lia: boa saú de, paz, temor a Deus, tranquilidade
de consciê ncia, etc., que sã o vale muito mais do que grandes
patrimô nios e riquezas. As crianças que se multiplicam constituem
uma riqueza de nossa famı́lia de maneira especial. Tente mantê -los
bem, em um ambiente puro e sagrado. O resto será realizado pela
providê ncia do Senhor, dia a dia.
Mas as necessidades da famı́lia tornaram-se angustiantes em
alguns casos. E depois, na pobreza em que sempre viveu,
mesmo como Papa, ofereceu-lhes a mı́nima ajuda material
possı́vel e que assim justi icou:
«Quanto à minha ajuda nas necessidades da casa, tenho o su iciente
para que saibais que a ofereço de coraçã o e para todos no melhor da
minha capacidade. Nunca perca a con iança de me referir
francamente suas condiçõ es. Pela minha parte, eu faço tanta caridade
em nome do Santo Padre para tantas pessoas que eu nem conheço,
como poderia nã o fazer para aqueles que estã o mais pró ximos de
mim? Quanto a mim, nada pode me confortar mais do que observar o
temor a Deus, a paz e o exercı́cio da paciê ncia e gentileza. Por meio
desses mundos por onde me movo, tenho a oportunidade de pensar
continuamente no preceito do Senhor: "Perdoe e faça aos outros o
que gostaria que izessem a você e vice-versa." E aı́ que reside a
verdadeira substâ ncia do Cristianismo.
Ele encontrou uma justi icativa razoá vel para a pequena ajuda
que, em circunstâ ncias de necessidade extraordiná ria, ele
ofereceu a seu povo. Assim o explicou numa carta à s irmã s
Ancila e Marı́a (1-2-1930), as duas que lhe conviveram para
toda a vida, com quem viveram por vezes:
“A caridade, se ordenada, é natural que comece com as pessoas mais
pró ximas, sempre, poré m, contida nos pró prios canais. Ajudar um
pouco os parentes em suas necessidades é meu dever. Ficar rico seria
uma ruı́na para mim e para você .
Havia algo que mais importava para ele sobre sua famı́lia
abundante. Ele escreveu isso em uma carta endereçada a seu
pai, quando seu ministé rio sacerdotal ainda estava se
desenvolvendo dentro dos limites da diocese de Bergamasca:
«Jamais deixarei de repetir a todos: o melhor elogio da nossa famı́lia
deve ser a vida cristã antiquada, cristã na igreja, mas cristã també m
em casa, nas relaçõ es pessoais. Perdoe meu sermã o contı́nuo: é
ditado a mim pelo amor que tenho por todos você s. De resto, sou
padre; nã o para ajudá -lo a se tornar rico e feliz no material, mas para
estar espiritualmente contente nesta vida e abençoado na pró xima.

2
Sua vocação sacerdotal

Em tal ambiente familiar, era mais fá cil para sua decisã o de se
tornar um padre emergir. Ele se referiu a isso em uma ocasiã o,
já sendo Papa:
«Digo-o com grande emoçã o e profunda gratidã o a Deus: à minha
famı́lia, nã o tã o pobre como alguns a apresentam, mas rica sobretudo
nas graças celestiais; aos exemplos de meus bons pais, pai e mã e,
sempre gravados em meu coraçã o; Devo grande parte da minha
vocaçã o sacerdotal à atmosfera de bondade, simplicidade e retidã o
que respirei desde a minha infâ ncia.
Ainda antes, quando ainda era arcebispo de Veneza, confessou
assim a origem do seu chamado ao sacerdó cio:
«Nã o tive outra aspiraçã o, desde criança, senã o ser padre para servir
as almas que a obediê ncia indica. E já faz 52 anos, pela graça de Deus.
Em abril de 1961, realizou-se em Roma um congresso sobre
vocaçõ es eclesiá sticas. Joã o XXIII, ao dirigir-se aos
congressistas, volta mais uma vez à s memó rias da origem da
sua vocaçã o:
«Conservo, sobre o tema do trabalho insubstituı́vel do clero na
preparaçã o e na assistê ncia vocacional, uma das minhas memó rias
mais queridas e comoventes. E o dia da minha primeira
comunhã o[5] Quando, no inal da actuaçã o, o venerado pá roco, que
todos considerá vamos santo, me escolheu para assinar, na presença
de cada um dos meus companheiros, a inscriçã o no apostolado da
oraçã o, primeiro compromisso de honra pelo bem progresso de uma
bendita e feliz inocê ncia.
Posteriormente, a familiaridade respeitosa e dedicada do pá roco, sob
a gentil atraçã o da sua pessoa e dos seus exemplos, conduziu a uma
vocaçã o tã o espontâ nea e serena que nunca me faria pensar que
tinha sido chamado à vida para outra coisa senã o o serviço do Senhor
e das almas no sacerdó cio.
Para se preparar para ele, depois de ter recebido algumas
noçõ es de gramá tica latina e sintaxe do pá roco de uma cidade
perto de Sotto il Monte, que segundo os costumes da é poca e
em testemunho do pró prio Angelino deu-lhe tapas e tapas nas
orelhas Para estimular sua engenhosidade, ele entrou no
seminá rio diocesano de Bergamo no inı́cio do ano acadê mico
de 1892-93. Ele permaneceria nele até 1900.
Era a é poca da famosa "questã o romana", expressã o que
abarcava a anexaçã o dos estados papais por Garibaldi. O evento
representou um duro con lito religioso e polı́tico para os
italianos. E aludido como pretexto para evocar uma anedota e
lembro-me de vá rias dé cadas atrá s.
No dia 4 de outubro de 1962, uma semana antes da solene
inauguraçã o do Concı́lio Vaticano II, Joã o XXIII fez a mais longa
viagem de seu ponti icado: de trem, a Loreto e a Assis.[6]. Foi em
Loreto que surpreendeu a todos com esta con iança mais
humana:
«O acto de veneraçã o à Virgem de Loreto que hoje realizo leva-me
com o pensamento a 62 anos atrá s, quando vim pela primeira vez, ao
regresso de Roma depois de ter aproveitado as indulgê ncias do Ano
Santo proclamadas por Leo XIII. Era 20 de setembro. As duas da
tarde, depois de receber a comunhã o, pude derramar minha alma em
oraçã o. Para um jovem seminarista como eu, poderia haver algo mais
suave do que entreter sua querida Mã e celestial? Mas, ai de mim, as
dolorosas circunstâ ncias daqueles tempos, que espalharam na
atmosfera uma sutil veia de escá rnio para com tudo o que signi icava
os valores do espı́rito, da religiã o, da Santa Igreja, transformaram em
amargura aquela peregrinaçã o, mal ouviram o gritando da
praça. Ainda me lembro das palavras que disse naquele dia antes de
iniciar a viagem de volta: “Santı́ssima Virgem de Loreto: Eu te amo
muito e prometo permanecer-te iel como um bom ilho
seminarista. Mas aqui você nã o vai mais me ver ”. Em vez disso, voltei
outras vezes, depois de muitos anos.
Dirigindo-se a um grupo de jovens da Açã o Cató lica vindos de
Milã o na companhia do Arcebispo Juan Bautista Montini (1-6-
1960), a irmou:
«Quando volto à s memó rias da minha juventude como seminarista
aqui em Roma, no inı́cio do sé culo, nã o posso superar a amargura que
nos causou a todos nó s, clero e povo da Itá lia, quase como pessoas
que foram apoiadas, como convidados para que di icilmente podiam
visitar o atraso dos antepassados e murmurar entre os seus lá bios a
cançã o da antiga fé ».
Estudos sacerdotais em Roma
Ele era um seminarista bom e diligente em seus estudos. Aos
poucos foi se aproximando da meta do sacerdó cio, sem outra
ambiçã o que ser capaz de servir a Igreja em alguma modesta
paró quia rural de sua diocese.
Foi durante sua vida de seminarista que ele começou a
con iar seus propó sitos ı́ntimos de perfeiçã o espiritual à s
pá ginas do que viria a ser seu Diário da Alma . Um deles foi
formulado nos seguintes termos:
"Vou me esforçar para chegar a tal ponto de uniã o e entrega total de
mim mesmo nas mã os de Deus, que estou preparado para sacri icar
tudo, inclusive o estudo, para obedecer a sua vontade divina."
Comentando sobre este seu propó sito, aquele que foi seu
secretá rio e iel guardiã o de sua memó ria, Loris Capovilla, diz:
«Essa aniquilação o induziu a abraçar como regra de vida uma regra
dupla resumida em duas palavras programá ticas: a primeira delas
re letia a sı́ntese da sagacidade ancestral; a segunda, a do ascetismo
cristã o: Age quod agis , que é como dizer: “ Esforce-se para fazer bem
o que tem nas mã os” ».
Para rati icar esta a irmaçã o, o ex-secretá rio dobrou como seu
bió grafo contribui com outra citaçã o do mesmo Diario del
alma :
«Os entusiasmos juvenis, ardentes, irresistı́veis, com os quais me
parece cheio o espı́rito pela causa de Cristo, pelo seu triunfo glorioso,
pelas novas formas de exercer a vida cristã em benefı́cio da
sociedade, sã o coisas em si muito sagradas, mas excessivamente
indeterminado e, portanto, um tanto perigoso. Eles poderiam perder
muito tempo com poucas frutas. Hoje o meu Deus quer de mim que,
sem perder de vista estes ideais sagrados, o meu ardor, o meu
entusiasmo, o fogo vivo que me move por dentro, o inverta e dê um
contributo a tudo o que possa levar a fazer-me um verdadeiro
aspirante ao sacerdó cio, um bom seminarista. Isso e nada mais é o
que me pedem para ser hoje ».
“Obediê ncia e paz” seria o lema do seu episcopado. Era, sem ter
o direito de fazer disso um lema por ainda nã o ser bispo, seu
propó sito de vida como seminarista. Ele o exerceu nos
momentos e atos aparentemente "normais" de sua vida
cotidiana, e o exerceu por um projeto de seus superiores com o
qual nã o poderia sonhar. Foi quando, no inı́cio de 1901, ele foi
designado para completar seus estudos em Roma.
Estudar em Roma, para a cerca de uma dezena de seminaristas
da diocese de Bé rgamo que o izeram, nã o era uma questã o de
sorteio. Foi uma eleiçã o do bispo e de seus colaboradores mais
pró ximos que recaiu sobre seminaristas que se destacaram por
suas qualidades intelectuais e por sua conduta. Implicava a
vontade de "usar" o candidato em tarefas que iam alé m do que
era usual para padres "simples".
Sabe-se, pelo Diário da alma , que chegou a Roma à s 6h40 do
dia 4 de janeiro. Outros detalhes de sua primeira viagem
romana sã o conhecidos porque ele mesmo, em 5 de janeiro de
1960, aludiu a eles em um discurso:
«Há exatamente 59 anos passei hoje o meu primeiro dia nesta cidade
de Roma, com destino ao seminá rio romano, para estudar
teologia. Precisamente no dia 5 de janeiro de 1901, na Capela da
Propaganda Fide[7]Recebi como iluminaçã o o que seria minha
existê ncia humilde enquanto frequentava os alunos da Polyglot
Academy of the Urban College. Eu nunca esqueci.
Você pode imaginar a impressã o em minha alma de jovem
seminarista ao descer de minha cidade e minha cidade natal para
Roma no inı́cio do sé culo. Naquela é poca, nã o tinha dois milhõ es ou
mais de habitantes como hoje. Mas a substâ ncia espiritual e
monumental da cidade era mais ou menos o que tem hoje. Aquela
Academia poliglota, referindo-me ao misté rio do Pentecostes,
completou aquelas experiê ncias novas e felizes e abriu-me para
horizontes mais amplos.
Com a convicçã o de uma certa fragmentaçã o, mais uma peça se
junta ao mosaico de memó rias romanas do seminarista Angelo
Giuseppe Roncalli. Resulta de um discurso seu (28-01-1960)
aos seminaristas da Cidade Eterna, reunidos na igreja de San
Ignacio, mais conhecida como a do Gesù :
«Direi-vos num sussurro que nos anos da minha vida de seminarista
romano, muitas vezes vim a este templo de San Ignacio, ao altar de
San Luis Gonzaga e San Juan Berchmans, para pedir a sua intercessã o,
como podem supor, que preservarã o, sem atenuaçã o da delicadeza e
do esplendor, a graça da castidade. Foram esses os anos em que a
minha jovem alma gozou da procura e da bê nçã o das iguras
hierá ticas do grande Leã o XIII e depois de Sã o Pio X, particularmente
amá veis e paternais ».

Resulta de tudo isso que, embora saudosamente tenha deixado


sua terra natal, Bé rgamo - Roma estava longe naquela é poca! -
ele logo recuperou a felicidade. Mas essa primeira estada
romana nã o durou mais de um ano. Em novembro de 1902,
depois de passar com sucesso no exame do segundo curso de
teologia, teve que cumprir o serviço militar. Ele fez isso em sua
cidade natal.
O serviço militar també m lhe deixou memó rias, que evocou em
1962, num encontro com soldados italianos:
«Aquele que te fala, o Papa, há 62 anos teve que fazer a visita militar,
porque entã o tinha 20 anos. Todos aqueles bons o iciais, quando me
viram, disseram:" Aqui está um bom sargento! " Eles queriam que eu
entrasse nessa ordem de coisas. Eu disse: “Sargento, precisamente,
nã o posso ser, porque o que vamos fazer com ele! Estou contente em
ser um bom soldado. Entã o, aos poucos, o que a providê ncia
proporciona ”. O fato é que depois de um ano de serviço, me tornei
sargento, imagina. Depois veio a guerra, e entã o foi combinado que
eu me apresentaria para cumprir meu ministé rio e o iz de todo o
coraçã o, verdadeiramente por trê s ou quatro anos (você sabe quanto
tempo durou a guerra!), Junto com os feridos, soldados doentes ou
mortos., nas circunstâ ncias mais graves da é poca ... ».
Embora tenha contado tudo junto, entre o primeiro serviço
militar, para o quinto, e o serviço durante a Primeira Guerra
Mundial, da qual participou como capelã o, passaram-se doze
anos.
Antes que houvesse outros eventos em sua vida. Uma das mais
decisivas foi a sua ordenaçã o sacerdotal. Aconteceu em 10 de
agosto de 1904.
Se preservou e compartilhou a memó ria de outros
acontecimentos de sua vida com amigos e ié is, é compreensı́vel
que a memó ria fosse mais viva no que diz respeito à sua
consagraçã o sacerdotal.
Poré m, antes da ordenaçã o, foi o culminar de algumas etapas
intermediá rias e o desenvolvimento de alguns episó dios que
marcaram momentos de incidê ncia em sua densa biogra ia.
Mesmo que brevemente, alguns deles merecem ser
mencionados. Por exemplo, que em 11 de abril de 1903, ele
recebeu sua ordenaçã o como subdiá cono na Catedral de Sã o
Joã o de Latrã o, pelas mã os do Cardeal Respighi, Vigá rio do Papa
(Leã o XIII) para a Diocese de Roma.
Que em 20 de julho morreu Leã o XIII. Que em 4 de agosto foi
eleito seu sucessor o cardeal Giuseppe Sarto, arcebispo de
Veneza, com o nome de Pio X. Que o seminarista, agora
subdiá cono, Angelo Roncalli teve a oportunidade de
testemunhar a fumaça branca e, quatro dias depois, para
assistir à sua coroaçã o solene na bası́lica do Vaticano.
Que em 19 de dezembro, na Catedral de Sã o Joã o de Latrã o,
novamente, e novamente nas mã os do cardeal Respighi, ele
recebeu sua ordenaçã o diá cono.
O diaconato é a ú ltima etapa antes do sacerdó cio. Mas ainda
faltava um degrau em seu currı́culo, nã o essencial para o
sacerdó cio, mas importante para sua "carreira" eclesiá stica e,
de alguma forma, a razã o de ter sido designado para coroar
seus estudos em Roma.
Ele o concluiu em 13 de julho de 1904: foi o dia em que obteve
seu doutorado em teologia. Detalhe curioso, mais para histó ria
remota do que para anedó tico imediato: o jú ri que falhou em
sua "quali icaçã o de doutorado" foi presidido por um
eclesiá stico designado para missõ es importantes na Igreja
(nú ncio apostó lico, cardeal, secretá rio de Estado e papa), mas
que em naquela é poca ele era apenas um professor
universitá rio do corpo docente eclesiá stico: Eugenio Pacelli
(exatamente: o futuro Pio XII, seu antecessor imediato!).
E a ordenaçã o sacerdotal, já foi dito. Das mã os, desta vez, do
primeiro assistente do cardeal Respighi, monsenhor Giuseppe
Ceppetelli. Na igreja de Santa Marı́a em Monte Santo, na dita
piazza del Popolo: a piazza talvez mais famosa que a igreja, mas
uma igreja, em qualquer caso, com legitimidade pró pria entre
as tantas, histó ricas e artı́sticas, que abundam em Roma.
Para uma breve crô nica de sua ordenaçã o, é mais necessá rio do
que nunca recorrer à s memó rias do neo-presbı́tero. Nã o se
sabe nem com quem ele falou exatamente 58 anos desde o dia
de sua ordenaçã o: 10 de agosto de 1962.
Nem importa muito quem: Joã o XXIII sabia que evocar
referê ncias à sua vida, com simplicidade e desprendimento, era
o "dever" do pai para com os ilhos que tanto o amavam.[8]. Uma
dessas memó rias pode ser a seguinte:
«Lembro-me de todas as circunstâ ncias da ordenaçã o que o vice-
diretor de Roma, monsenhor Ceppetelli, me conferiu. Vejo meus
companheiros nesse rito, quando os chamam um por um pelo nome e
se pronunciam “presentes!” Com determinaçã o. que saiu do fundo da
alma ... A doce e suave impressã o do momento inal da cerimô nia
sagrada ainda permanece em mim. Durante todo o rito, nã o desviei
os olhos do missal e do celebrante por um ú nico momento. Mas
depois, no inal, quando levantei os olhos, e só entã o, descobri entre a
luz e as lores a imagem piedosa da nossa querida Mã e celeste. Oh
Maria! Que conforto você me deu naquele momento, jovem alma
completamente aberta ao seu bem-vindo! Experimentei a alegria de
ser envolvida pelo vosso olhar que me disse para me encorajar, para
continuar o caminho serenamente, para nã o temer o barulho que os
adversá rios da Santa Igreja izeram, també m em Roma, naqueles
anos.
E um pressá gio do signi icado que ele queria dar ao seu
sacerdó cio nos ambientes que escolheu para celebrar suas
primeiras missas. No dia seguinte à ordenaçã o, ele celebrou na
cripta da Bası́lica de Sã o Pedro. Foi entã o recebido por Pio X,
juntamente com o reitor do seminá rio.
No dia 12, fê -lo na capela do Seminá rio Romano, do qual era
hó spede durante trê s anos. No dia 13, ele o fez na Igreja da
Anunciaçã o em Florença. Dia 14, na catedral de Milã o, sua sede
metropolitana. No dia 15, festa da Anunciaçã o, fê -lo na igreja
paroquial de Sotto il Monte.
Já sacerdote, ainda voltou para fazer um curso em Roma. Teve
assim a oportunidade de assistir a um acontecimento ao qual
deu grande importâ ncia na sua vida: a beati icaçã o de Sã o Joã o
Maria Vianney, mais conhecido como o santo sacerdote de
Ars. No primeiro centená rio do nascimento deste santo (1-9-
1959), publicou uma encı́clica sobre a grandeza do ministé rio
sacerdotal. Ele o apresentou com uma memó ria pessoal:
«As mais puras alegrias que copiosamente acompanharam os
primeiros frutos do meu sacerdó cio estã o para sempre ligadas na
minha memó ria à profunda emoçã o que experimentei a 8 de Janeiro
de 1905, quando assisti à beati icaçã o daquele humilde sacerdote
francê s que foi Joã o Maria Baptista Vianney. També m eu, consagrado
sacerdote há alguns meses, iquei impressionado com a admirá vel
igura sacerdotal que o meu predecessor Sã o Pio X teve a sorte de
propor como modelo a todos os pastores de almas. De tantos anos
longe, nã o posso evocar esta memó ria sem agradecer a Deus como se
fosse uma graça distinta, pelo impulso sacerdotal que desde o inı́cio
deu à minha vida de sacerdote. Ainda me lembro que no pró prio dia
dessa beati icaçã o soube da elevaçã o ao episcopado de Monsenhor
Radini Tedeschi, o grande bispo que poucos dias depois me chamaria
ao seu serviço e que foi para mim um mestre e pai querido. Na sua
companhia, no inı́cio daquele ano de 1905, fui pela primeira vez em
peregrinaçã o a Ars, a modesta aldeia que o seu padre tornou tã o
famosa para sempre.
Desta forma, ele pró prio avançou a primeira missã o que
recebeu logo apó s sua ordenaçã o: secretá rio de Monsenhor
Giacomo Radini Tedeschi, novo bispo da diocese de
Bergamasca.
Dos dez anos que permaneceu com ele, Dom Capovilla a irma
que “foi um perı́odo marcado intensamente por experiê ncias
decisivas para o jovem Angelo que, ao lado do seu bispo,
apareceu em todos os momentos como a imagem perfeita de
um discı́pulo iel e discreto. e brilhante conselheiro., numa
atitude de escuta e pergunta ».
Ainda mais eloquente é o testemunho que, em carta (1-9-1953)
dirigida ao arquidiá cono canô nico de Bé rgamo que o felicitou
por sua elevaçã o ao cardeal pú rpura, Angelo Giuseppe Roncalli
expressou sobre o bispo para o qual havia servido secretá rio:
«Estou habituado a estimar Monsenhor Radini Tedeschi como a
estrela da minha juventude sacerdotal e o mestre da minha vida
como eclesiá stico e como servidor da Santa Igreja e do Papa».
Como homenagem de veneraçã o e estima, Roncalli escreveu o per il
biográ ico de seu bispo, apó s sua morte. Ele nã o conseguia esconder
a estima e veneraçã o que tinha por ele:
«Amava o meu bispo. Ela o amava muito, pela franqueza e
superioridade de sua alma, pela generosidade de seu bom e delicado
coraçã o. Eu també m o amei no que restou dele como humano em sua
natureza e cará ter particulares, e que ningué m poderia saber melhor
do que eu, mas que poucos como ele sabiam se transformar em um
elemento de edi icaçã o, atravé s do estudo e intenso esforço para
melhorar a si mesmos., para subir continuamente à s alturas de sua
perfeiçã o espiritual. Consola-me pensar que quem fala de Monsenhor
Radini Tedeschi di icilmente escapará à impressã o de grandeza, de
força, de elevaçã o que experimentei vivendo ao seu lado.
Como ele falou! Ele tinha o segredo de saber descobrir antes de tudo
a oportunidade do pensamento, da voz, de tudo que lhe rende o
desprendimento inteligı́vel, agradá vel, fecundo; um pensamento
teoló gico simples, à s vezes sublime, uma voz adaptada à s
circunstâ ncias, solene e forte, plana e plá cida, tê nue e muito suave,
sempre bela e harmoniosa; um gesto só brio e digno, tanto mais
solenes eram as circunstâ ncias de tempo, lugar e pessoas a quem
falava. Tanto dos assentos do coro como dos ú ltimos â ngulos do
templo, dos homens da ciê ncia à s humildes mulheres da cidade,
estavam extasiados, os olhos ixos nele, em harmonia de
assentimento e de exaltaçã o espiritual. ... Senti o orgulho de
pertencer à Igreja, depositá ria e mestra de tã o sublime doutrina ».
A dé cada passada com seu bispo deu-lhe uma oportunidade
adicional que di icilmente teria desfrutado em outras tarefas de
trabalho: a de acompanhar Monsenhor Radini Tedeschi em
peregrinaçõ es e missõ es de trabalho fora da Itá lia, o que
providencialmente abriu seus horizontes e o ajudou a conhecer
paı́ses e povos. .
Fez com ele uma peregrinaçã o, em 1905 e em 1907, a
Lourdes. Acompanhou-o, de 30 de julho a 12 de agosto de 1911,
numa viagem religiosa à Suı́ça, com uma estadia de uma
semana no mosteiro beneditino de Einsiedeln.
Em setembro do ano seguinte, ela o acompanhou ao Santuá rio
mariano austrı́aco de Mariazell, e os dois participaram, de 12 a
16 do mesmo mê s, do XXIII Congresso Eucarı́stico Internacional
realizado em Viena. De lá , seguiram para Cracó via (Polô nia),
diocese de origem de seu terceiro sucessor, e para Budapeste,
de onde retornaram a Bé rgamo.
Neste momento do seu ministé rio é prová vel que se re ira a
uma con iança sua em relaçã o à sua preocupaçã o com a
pastoral do mundo do trabalho. Vem de algumas palavras que
ele dirigiu em abril de 1958 a um grupo de trabalhadores
aposentados de sua arquidiocese veneziana:
«Sempre me lembrarei de uma impressã o da minha juventude. Eu
estava nos arredores de Milã o, pró ximo a uma grande fá brica. Os
operá rios saı́ram em grupos da fá brica para voltar, apó s o expediente,
para suas famı́lias. Eles falaram pouco. Eu os encarei. Impressionou-
me a elasticidade do seu andar, a alegria cintilante nos seus olhos, em
que se re letia a ternura do seu coraçã o, ansioso por encontrar a
mulher, os ilhos e a paz ı́ntima depois de uma jornada de trabalho
que eles aceitaram e aceitaram. tendo em vista os benefı́cios
materiais daı́ derivados para os entes queridos. Senti e provei a
minha vocaçã o de sacerdote consagrado a uma vida de trabalho e, se
necessá rio, de sacrifı́cio por eles e por todos juntos o princı́pio da
prosperidade na vida humana e a garantia dos bens eternos ».
Para maior abundâ ncia, é necessá rio acrescentar palavras que
sobre um assunto semelhante dirigiu, como Papa, à s
associaçõ es de trabalhadores cristã os em 1º de maio de 1959:
«Queridos ilhos, amo-vos porque vi em vó s a concretizaçã o de ideais
em cuja execuçã o trabalharam incansavelmente os verdadeiros
precursores da actual renovaçã o social, que conheci de perto na
Primavera do meu sacerdó cio. No meu amado Bergamo, apoiado por
um grande pastor de almas, o inesquecı́vel Monsenhor Radini
Tedeschi, aprendi a me interessar pelas condiçõ es dos
trabalhadores. Por sua decisã o e zelo, convenci-me dos pedidos
maternos da Igreja por esses seus ilhos. Sempre o acompanhei com
simpatia, mesmo quando o serviço da Igreja me tirou da Itá lia. E
quando por obediê ncia aceitei o governo pastoral de Veneza, pude
apreciar de perto, e com crescente estima, o trabalho realizado por
suas associaçõ es de trabalhadores cristã os com mente aberta e
fervor de propó sito; trabalho que é um ené rgico e renovado apelo à
gratidã o e à imitaçã o.
Diz Loris F. Capovilla, um servo privilegiado da carreira e da
alma de Angelo Roncalli:
«No inal da Primeira Guerra Mundial, Angelo Roncalli encontrou-se
entre aqueles que se sentiram induzidos, pelas novas exigê ncias dos
tempos e pelas aspiraçõ es mais urgentes dos povos, a compreender,
dizer e escrever tantas situaçõ es de injustiça e Este privilé gio deve
cessar, para que os cidadã os, sem qualquer discriminaçã o, tenham
direito a todas as liberdades reconhecidas como inerentes à pessoa,
com particular referê ncia à liberdade religiosa.
E adicione, uma linha seguida:
«O pensamento de Angelo Roncalli, claramente expresso nos seus
escritos da é poca, foi entã o traduzido de forma incisiva nas suas
açõ es, irmemente convencido de que as velhas estruturas sociais e
as instituiçõ es jurı́dicas extintas já nã o correspondiam à s exigê ncias
legı́timas de um povo em expansã o demográ ica, no limiar do
industrializaçã o, profundamente caracterizada por graves problemas
econô micos, polı́ticos, culturais e espirituais. O povo havia aceitado e
suportado sacrifı́cios indescritı́veis em vista de ordens mais sá bias,
livres e humanas, e nã o podiam continuar a se decepcionar.
Novas atribuições e tarefas
Dom Radini Tedeschi faleceu em 22 de agosto de 1914, dois
dias depois da morte de Pio X. A vaga papal foi preenchida
quinze dias depois, com a eleiçã o de Bento XV. O da diocese de
Bergamasca durou até 11 de abril do ano seguinte, quando
entrou o novo bispo, Dom Luigi Maria Marelli.
A Primeira Guerra Mundial estourou. Angelo Roncalli
participou - já o vimos - como capelã o militar e como
coordenador, para toda a diocese de Bé rgamo, da assistê ncia
religiosa aos mobilizados.
No seu mandato, o seu bispo, Monsenhor Marelli, nomeou-o
director espiritual do seminá rio diocesano: tarefa que sem
dú vida foi realizada por ele com todo o esforço que sempre
dedicou aos serviços pastorais que lhe foram con iados.
Mas ao de diretor espiritual, o bispo acrescentou mais uma
tarefa que o ainda jovem sacerdote aceitou com entusiasmo
sacerdotal e fé . Com tanta fé e entusiasmo que ele teria aceitado
de bom grado como uma tarefa para o resto de sua vida. Ele
daria um testemunho emocionado disso quando (25 de
fevereiro de 1956), como Arcebispo de Veneza, foi convidado a
inaugurar um internato para estudantes universitá rios em
Pá dua:
«Para quem olha o sol que se põ e placidamente, é singularmente
agradá vel descobrir ao pô r-do-sol alguns dos raios que iluminaram
as suas antigas auroras. Re iro-me à comissã o que o meu bispo me
deu em 1918 para visitar um antigo palá cio, que o nobre patrı́cio que
o habitava acabava de deixar. Visitei o palá cio e humildemente
propus ao meu venerado superior a ideia de fazer uma pousada para
os jovens da cidade, um ponto de encontro que servisse para
preservar dos perigos daquela é poca e dar um complemento variado
e atraente aos tudo o que, a partir da escola o icial, fortaleceu sua
autoridade e prestı́gio e ampliou as vantagens. Assim nasceu a
primeira das primeiras casas de estudantes na Itá lia, como ele veria
depois em grande escala, embora nã o tivessem a mesma aparê ncia,
construı́das na França e especialmente em Paris. A Providê ncia
queria que eu consagrasse a esta obra o má ximo e o melhor da minha
modesta atividade sacerdotal durante mais de trê s anos, em um
perı́odo incerto, mas que estimulava o otimismo, naquele perı́odo
entre a guerra e a paz. O convı́vio diá rio com tantos jovens, bons
ilhos de pai, amadureceu no meu espı́rito a convicçã o de que nada
mais elevado e mais belo se poderia oferecer ao meu ministé rio
sacerdotal e que nada poderia aspirar a nada mais honrado diante de
Deus e das almas. A consagraçã o total. da minha humilde existê ncia
até o seu im, a este auxı́lio espiritual dos jovens estudiosos,
praticado como um grande serviço à santa Igreja e ao meu paı́s.
Os desı́gnios do Senhor eram diferentes. Deveria tê -los acolhido - o
cé u foi e é minha testemunha - em obediê ncia à sua vontade, e
levaram-me a Roma pelas estradas do mundo, como nunca poderia
ter imaginado: ao Mé dio Oriente, junto aos grandes Balcã s e à s terras
eslavas, depois à s margens do Bó sforo, à Hé lade, onde ainda
ressoavam memó rias sagradas e profanas; depois para a capital da
França, a grande encruzilhada da Europa e de certa forma o mundo
inteiro, e inalmente para Veneza, pró ximo a San Marcos.
Quantas pessoas, paı́ses e acontecimentos conheci, cuja memó ria
ainda me enche de alegria! Mas voltando com o pensamento, entre
tantas grandezas dos homens e das coisas, a memó ria que mais me
impressiona e causa suavidade e ternura de espı́rito é a minha Casa
do Estudante de San Salvador ».
Ligado de volta para Roma
Em setembro de 1920, um congresso eucarı́stico nacional foi
realizado na diocese de Bergamo. Os organizadores
encomendaram-lhe uma conferê ncia pú blica sobre o tema A
Eucaristia e a Virgem , Amores Cristã os, que realizou com
singular competê ncia e brilho.
Possivelmente já era conhecido, seguido e apreciado fora da
diocese por outros motivos. Essa conferê ncia poderia ter sido
mais um motivo para muitos olhos se ixarem nele.
O fato é que, no inı́cio de 1921, foi nomeado pela Congregaçã o
da Propaganda Fide presidente do Conselho Nacional Italiano
da Pontifı́cia Obra para a Propagaçã o da Fé .
O fato signi icou que ele teve que mudar seu domicı́lio de
Bé rgamo para Roma. Naquela ocasiã o, tendo tido a
oportunidade de conhecê -lo, tratá -lo e admirar sua santidade,
consultou os assuntos mais importantes de sua vida e alma com
o Arcebispo de Milã o, Cardeal Andrea Carlo Ferrari.[9].
O padre Angelo Roncalli considerou essa nomeaçã o um assunto
digno de ser consultado com o Arcebispo de Milã o, que já se
encontrava em seu leito de morte (na verdade, morreria no dia
2 de fevereiro desse mesmo ano). Assim evocou o encontro, a
consulta e a resposta, no dia 10 de fevereiro de 1963, por
ocasiã o do lançamento da primeira pedra do novo seminá rio
lombardo de Roma:
«Oh, que suavidade para quem desde a infâ ncia, chamado ao
ministé rio sacerdotal, sem sofrer outras distraçõ es ao longo do
caminho, soube acompanhar, embora com grande simplicidade e
respeitosa distâ ncia, a ascensã o progressiva do cardeal Ferrari e
encontrar, na contemplaçã o ininterrupta da sua vida santa de pastor,
escola da qual tem consciê ncia de um grande dever e da qual guarda
no coraçã o uma doce e terna memó ria. Quando o cardeal Ferrari
ingressou como novo arcebispo de Milã o, este humilde ilho da boa
zona rural bergamasca, crescido à s margens do rio Adda, com vista
para a vasta diocese milanesa, com apenas quatorze anos, deu os
primeiros passos de sua vida eclesiá stica , que um dia induziu - eu
estava exatamente "no meio do caminho da vida"[10]- para pedir-lhe
que me diga a vontade do Senhor sobre o que devo fazer para ser
iel. Essa resposta manuscrita, porque eu nã o tinha voz (restavam
apenas clareza de pensamento e palpitaçõ es cardı́acas), foi tã o
signi icativa que abriu o outro lado da minha humilde existê ncia e o
inı́cio do segundo quadriê nio, que foi uma renú ncia. à obra do
primeiro, passada na querida pá tria, e à consagraçã o ao serviço da
Igreja universal.

Adorando as disposiçõ es da Providê ncia, sinto a emoçã o de um afecto


e respeito, que aos oitenta anos ainda persiste, pela sagrada memó ria
de um prı́ncipe da Santa Igreja, que a elevaçã o da sua dignidade
soube manifestar como exercı́cio. pastoral tã o vasto, profundo e
abençoado que deixou uma marca na sua geraçã o e será lembrado
com edi icaçã o pelas geraçõ es sucessivas.
Estas sã o as ú ltimas palavras do cardeal Andrea Carlo Ferrari:
«Carı́ssimo padre Angelo, sabe o quanto te amo. E també m uma
dı́vida contraı́da com Monsenhor Radini Tedeschi. Precisamente por
isso, aqui está o meu pensamento claro e decidido: a vontade de Deus
é mais do que clara. A batata vermelha[onze]é o eco do papa branco; e
isso, de Deus. Portanto, há bastante. Onde quer que Deus o chame, ele
vai sem hesitar, abandonando-se completamente à sua amorosa
providê ncia. Assim, você alcançará uma paz serena. Reze por aquele
que te abençoa de todo o coraçã o e te ama muito em corde Jesu (no
coraçã o de Jesus). A C , cartã o. Ferrari ».
Tenho o prazer de saborear toda a doçura de um sentimento que dele
derivou um motivo perene de descanso e serenidade espiritual; e
també m para explicar a vibraçã o completamente pessoal de amor e
respeito pela memó ria do Cardeal Andrea Carlo Ferrari.

3
Bispo de Deus e "Visitador
Apostólico" do Vaticano
Em 3 de março de 1925, o entã o Secretá rio de Estado, Cardeal
Pietro Gasparri, informou-o de sua nomeaçã o como "Visitador
Apostó lico" na Bulgá ria, isto é , representante da categoria mais
baixa da Santa Sé .[12].
A nomeaçã o foi acompanhada de promoçã o ao
episcopado. Anteriormente, eles haviam sussurrado algo para
ele que parecia um destino geogra icamente remoto, como
pode ser deduzido de uma carta dele para a famı́lia datada de
19 de fevereiro de 1925:
"Depois de outubro, partirei para a missã o mais distante que o
cardeal Gasparri me disse que seria em um paı́s da Amé rica, mas que
enquanto isso isso pode mudar."
E possı́vel que nem todos em sua famı́lia - especialmente as
irmã s Ancila e Maria, que viveram com ele em Roma - tenham
acolhido a perspectiva de um destino tã o remoto: Angelino
representou uma referê ncia afetiva muito importante para
todos.
Ele os ajudou a entender que ele nã o poderia e nã o deveria
fazer nada alé m de obedecer (19/02/1925):
«O que devo fazer face à obediê ncia que o Santo Padre me
pede? Dizer nã o, já que me leva um pouco longe? Dizer nã o para nã o
abandonar minhas irmã s? Eu me considero muito indigno da honra e
da tarefa que a Igreja me impõ e. Mas se esta realmente é a vontade
do Senhor para mim, posso estar convencido de que a bê nçã o do
Senhor estará comigo se eu resistir a fazer isso só porque me custa
um pouco?
Nã o se esqueça, por outro lado, que nunca desejei nenhuma dessas
homenagens, porque sei por experiê ncia pró pria que sã o
responsabilidades enormes. També m estava convencido de que, para
um ilho do campo pobre como eu, a Igreja já havia me concedido
muitas honras. Por isso, termino resignando-me e abstendo-me de
mais elogios: limito-me a recomendar-me com veemê ncia ao Senhor
a ajuda e a convidar-vos a fazer o mesmo. Bem sabeis que o estrago
nã o é muito forte se cair de baixo, mas é desastroso cair de cima ».
Para compreender ainda melhor o espı́rito com que acolheu a
nomeaçã o, vale a pena recorrer a um documento tã o iá vel
como o Diário da Alma . Ele escreveu, nos exercı́cios espirituais
que fez entre 13 e 17 de março, preparando-se para sua
consagraçã o:
«Nã o fui eu quem procurou ou desejou este novo ministé rio, mas o
Senhor escolheu-me com tã o evidentes sinais da sua vontade que me
parece que seria uma falta grave da minha parte contradizê -
lo. Portanto, é ele quem é obrigado a cobrir minhas misé rias e
preencher minhas insu iciê ncias. Isso me conforta e me dá paz de
espı́rito e segurança. Que susto para mim, que me sinto e me sinto tã o
miserá vel e cheio de defeitos em tantas coisas! Que grande razã o para
permanecer humilde, humilde, humilde! ».
E ele acrescentou:
«O mundo já nã o tem sugestõ es para me oferecer. Quero ser tudo e
exclusivamente de Deus, penetrado pela sua luz, resplandecente de
caridade para com a Igreja e as almas. Tentarei ler frequentemente o
capı́tulo 9 do terceiro livro da Imitaçã o de Cristo: "Tudo deve referir-
se a Deus como o objetivo inal." Isso me impressionou
profundamente, na solidã o desses dias. Aı́ está , em poucas palavras,
realmente tudo »[13].
O leitor permitirá o nome de algué m cuja amizade com Roncalli
teria sido uma de muitas se nã o o fosse, devido à s
circunstâ ncias de ambos, especialmente signi icativas: a de um
- naquela é poca - padre muito jovem - 16 anos mais jovem que
ele— chamado Juan Bautista Montini. Eles já eram amigos há
alguns meses.
Montini, já convertido em Paulo VI, recordaria ao receber os
peregrinos de Sotto il Monte:
“Fui vá rias vezes visitar seu escritó rio na piazza Mignanelli, um
palá cio que dependia da Propaganda Fide. Sempre o achei muito
acolhedor, apesar de até entã o ser uma estranha para ele. Mas logo
nos tornamos amigos, por causa daquela extraordiná ria virtude que
ele tinha de comunicaçã o cordial, de tornar-se imediatamente
acessı́vel a quem o abordava. O facto de ser eu bresciana jogou a favor
da nossa amizade ... ».
Angelo Roncalli guardava uma carta de Juan Bautista Montini
datada de 2 de março de 1925, e Loris Capovilla a publicou em
um volume que reú ne a correspondê ncia entre os dois. E nesse
mesmo dia que Roncalli recebeu a noti icaçã o da sua missã o na
Bulgá ria e da sua elevaçã o ao episcopado.
Para um melhor enquadramento, deve-se explicar que na é poca
Montini, um "empregado" das manhã s na Secretaria de Estado,
ocupava o resto do dia como capelã o eclesiá stico de estudantes
universitá rios cató licos em Roma.
A carta era assim:
«Reverendı́ssimo Excelê ncia: E-me muito grato apresentar-lhe as
mais calorosas felicitaçõ es pela nomeaçã o de Vossa Excelê ncia; muito
feliz embora saiba que o peso é novo e sé rio; porque penso no bem
que a providê ncia prepara. Tenho a ousadia de pedir uma antevisã o
desta evangelizaçã o. Os meus jovens gostariam que Sua Excelê ncia os
ajudasse a preparar a comunhã o pascal com alguns sermõ es curtos e
simples: apenas um sermã o por dia, à s 18h30, na igreja da piazza de
la Pigna, nos dias 18, 19, 20 e 21 de março pró ximo. Pela bondade
que sempre me mostrou, espero que o meu pedido e o dos meus
jovens sejam ouvidos. Com o devido respeito, de Sua Excelê ncia o
mais atento, G B M ».
Loris Capovilla a irma nã o ter conseguido localizar a resposta
do novo bispo a Montini. O certo é que nessa circunstâ ncia
Roncalli nã o conseguiu agradar ao amigo, pois, para se preparar
para a consagraçã o episcopal, fez alguns dias de retiro
espiritual.
Poucos meses antes de sua nomeaçã o para a Bulgá ria, Roncalli
havia aceitado com elegante "esportividade" (a palavra é usada
em um sentido analó gico, sabendo de sua inadequaçã o) uma
certa grosseria de um eclesiá stico sê nior que nã o é um dos que
partiram., Depois passando pelo cená rio deste mundo, a
memó ria mais serena. Nã o divulgaremos seu nome aqui, mas
isso inevitavelmente virá à luz.
A crô nica acidental do acontecimento foi redigida por Angelo
Roncalli em sua é poca como arcebispo de Veneza (12-13-1955),
por ocasiã o do discurso fú nebre de um arcebispo sufragâ neo
seu, ex-companheiro e amigo: o de Udine , Monsenhor Nogara:
«Foi formada uma grande comissã o na qual cada um tinha a sua
parte. Eu estava encarregado da publicidade e da imprensa.
O trabalho estava progredindo, mas parecia ao nosso presidente, um
prelado vigoroso e volitivo, que está vamos indo devagar demais. Um
belo dia, fomos todos privados de nossas posiçõ es. Ele icou sozinho,
o chefe, Monsenhor, o futuro Cardeal Marchetti Selvaggiani, com
Monsenhor Nogara e Monsenhor Pietro Ercole. Tudo saiu
esplendidamente.
Prestes a partir para o seu destino bú lgaro, escreveu uma carta
de famı́lia, na qual foi esta despedida:
Somos sentinelas de plantã o. As vezes, eles mudam por nó s, e
procedemos de acordo com a disciplina, com um espı́rito silencioso
de obediê ncia e paz. Sim, obediê ncia e paz: é o meu lema episcopal.
Gostaria que fosse um motivo de alegria e um tı́tulo de honra no
ú ltimo dia. Estou deixando a Obra para a Propagaçã o da Fé , cuja
presidê ncia aceitei por pura obediê ncia há quatro anos e cujo
crescimento me deu algum trabalho e muito conforto. Eu o
carregarei, no entanto, sempre em meu coraçã o. E direi a todos, onde
quer que eu vá , que poucas coisas devem agradar tanto ao Coraçã o de
Jesus e corresponder ao espı́rito da Igreja como ajudar e fazer
prosperar esta obra abençoada.
Na veia das memó rias Roncallianas, vale a pena relembrar uma
de data signi icativa: 19 de março de 1961. Alude a uma
discussã o sua sobre seu modelo perfeito de diplomata
eclesiá stico, justamente situado em ..., seu co-padroeiro Sã o
José :
«Quando o Cardeal Gasparri, entã o Secretá rio de Estado, quando me
informou da nomeaçã o de Visitador Apostó lico na Bulgá ria e da
elevaçã o à dignidade episcopal que isso implicava, soube que a minha
consagraçã o seria na festa de Sã o José e no igreja de San Carlo al
Corso, com aquele jeito determinado, mas sempre amigá vel,
perguntou-me: "E por que exatamente na festa de Sã o José ?" Minha
resposta foi muito simples: "Porque me parece que este santo é o
melhor mestre e patrono dos diplomatas da Santa Sé ." "Oh!",
Exclamou o cardeal, "nã o era isso que eu esperava."
“E ainda assim”, disse eu, “olha, Eminê ncia: saber obedecer e calar-se
quando necessá rio; fale com moderaçã o e brio: este é um diplomata
da Santa Sé . E este é Sã o José . Veja-o partir imediatamente, em
obediê ncia, a Belé m; ocupado procurando por
acomodaçã o; guardando a gruta, entã o; oito dias apó s o nascimento
de Jesus, ele presidiu ao rito hebraico que decidiu a pertença dos
recé m-nascidos ao povo eleito. Olhe para ele, Eminê ncia, como
recebe com honras os Magos, esplê ndidos embaixadores do
Oriente. Olhe para ele nas estradas do Egito, e depois de volta a
Nazaré , sempre obedecendo silenciosamente: ele apresenta e
esconde Jesus, o defende e o alimenta. E quanto à sua pessoa,
continua com discriçã o e permanece à sombra dos misté rios do
Senhor, que de vez em quando recebia uma luz celestial do toque leve
e fugaz de um anjo ”. "Eu entendi, eu entendi!", Concluiu entã o o
cardeal Gasparri. "E certo. E se vos é difı́cil escolher quem vai ser
consagrado bispo, apresento-me a mim mesmo, que consagrei tantos
representantes da Santa Sé ”».
Ser consagrado pelo Cardeal Secretá rio de Estado de Pio XI, já
consagrado por Bento XV em seus ú ltimos anos e entrado no
conclave de 1922 como papá vel, nã o teria deixado de ser uma
grande honra para o ilho de lavradores de Montanha Sotto
il. Mas este nã o estava procurando honras.
Seu programa o ixou em alguns pontos que nada tinham a ver
com vaidades mais ou menos mundanas, embora eclesiá sticas
na aparê ncia. Pontos que foram os seguintes, citados da pá gina
386 do Diário da Alma e retirados (é perceptı́vel na linguagem
nã o muito "Roncallian") do Ponti ício Romano :
«1) Para acomodar a minha conduta segundo as normas da Sagrada
Escritura e ensiná -la ao povo com palavras e com o exemplo.
2) Receber com respeito, ensinar e preservar as tradiçõ es dos pais, as
disposiçõ es da Santa Sé .
3) Mostrar em todos os momentos idelidade, obediê ncia e
submissã o ao Apó stolo Pedro e ao Santo Padre.
4) Observar uma conduta livre de todo mal e orientá -la, com a ajuda
de Deus e com todas as minhas forças, para a realizaçã o de todo o
bem.
5) Preservar e ensinar castidade e sobriedade.
6) Entregar-me totalmente aos interesses de Deus e permanecer
alheio aos assuntos terrenos e todos os ganhos ilı́citos.
7) Observar em mim mesmo a humildade e a paciê ncia e ensiná -la
aos outros.
8) Seja afá vel e caridoso para com os pobres, os peregrinos e todos os
necessitados ».
Precisamente porque nã o procurava o mais honorı́ ico, mas o
que - no seu caso - mais correcto, descartou a consagraçã o do
Cardeal Gasparri. Em seu lugar, outro cardeal de menor
categoria legal atuou como consagrador: Giovanni Tacci,
secretá rio da Congregaçã o para a Igreja do Oriente.
A escolha de Angelo Giuseppe Roncalli foi ditada por um tipo
diferente de ló gica de classi icaçã o superior ou inferior: a
Bulgá ria, um paı́s cató lico muito pobre (menos de 50.000,
espalhado por pequenas populaçõ es no interior)
religiosamente caiu sob uma jurisdiçã o mais potencial do que
real da Congregaçã o para a Igreja Oriental, parcialmente
compartilhado com a Propaganda Fide .
Angelo Roncalli começou respeitando escrupulosamente as
competiçõ es. Talvez eles nã o fossem tã o respeitosos com
eles. Nã o levaremos muito tempo para intuı́-lo com clareza
cristalina. Mas vamos parar antes que chegue ao seu destino.
Fê -lo, apó s uma longa viagem por metade da Europa, no dia 25
de abril, quando, a bordo do Expresso do Oriente, chegou à
estaçã o de So ia, a capital.
A sı́ntese cronoló gica elaborada por Loris F. Capovilla a irma
brevemente que, a partir de 20 de maio, “ele inicia suas
peregrinaçõ es pela Bulgá ria”.
E que um dos seus primeiros gestos foi fazer "uma visita de
cortesia ao Santo Sı́nodo Bú lgaro reunido em So ia", na qual se
entende que fez um gesto de autê ntico ecumenismo,
mostrando-se civilizado e aberto ao alto clero da "ortodoxia.
«que, pelo contrá rio, relutava em aceitar« a presença em Só ia
de um visitante apostó lico »do Vaticano.
Aconteceria com ele ao longo de sua vida, inclusive na reta inal
como papa: sob a aparê ncia externa da serenidade que
espalhava e para a qual, em parte, parecia encontrar
correspondê ncia, muitas vezes se escondiam situaçõ es de
angú stia e sofrimento. Aconteceu, é claro, na Bulgá ria, onde
ainda nã o haviam passado dois anos quando ele con iou à
testemunha mais iel de seus estados de espı́rito, uma pá gina
(391, neste caso) do Diário da alma :
«Já sou bispo há vinte meses. Como era fá cil para mim prever, meu
ministé rio teve que reservar muitas tribulaçõ es para mim. Mas,
curiosamente, nã o provê m dos bú lgaros para quem trabalho, mas dos
ó rgã os centrais da administraçã o eclesiá stica. E uma forma de
morti icaçã o e humilhaçã o que nã o podia esperar por mim e que me
causa imensa dor. “Senhor, tu sabes tudo” (Jo 21,17). Devo, quero
habituar-me a carregar esta cruz com um espı́rito de maior paciê ncia,
calma e suavidade interior do que até agora. Acima de tudo, tentarei
me controlar nas manifestaçõ es externas com quem quer que seja.
Os sofrimentos que con iou à s pá ginas discretas do Diário da
Alma quase nunca foram revelados ao exterior, porque nã o
queria que outros sofressem com ele e por ele. Deduz-se de
uma con iança feita a sua irmã Ancila alguns meses apó s o
desembarque na Bulgá ria:
"Quem poderia ter dito isso? A Bulgá ria é um paı́s difı́cil em todos os
aspectos. Mas estou me divertindo muito até o inverno. E certo que
estou levando uma vida de eremita, mas minha cela está bem
aquecida. Os aborrecimentos vê m um de cada vez. Preocupo-me
acima de tudo nã o buscar o meu conforto, mas cumprir a vontade de
Deus, e o Deus bom e misericordioso nã o para de me ajudar. Tento
semear um grã o todos os dias. No devido tempo, eu ou outros
faremos a colheita.
Esteve à frente da "visitaçã o" apostó lica da Bulgá ria quando, a
21 de abril de 1929, celebrou as suas "bodas de ouro",
antecipando ligeiramente o 25º aniversá rio da sua ordenaçã o.
[14].
Antes das celebraçõ es espirituais do aniversá rio, por ocasiã o de
um retiro espiritual preparató rio (de 20 a 24 de dezembro de
1928) realizado num convento de Paú les, ele nota no Diário da
Alma (p. 395):
«25 anos de sacerdó cio! Quantas graças, ordiná rias e
extraordiná rias! A preservaçã o das quedas graves, as inú meras
oportunidades de fazer o bem, a boa saú de fı́sica, a paz de espı́rito
permanente, uma boa reputaçã o entre os homens, muito superior aos
meus mé ritos, o feliz desfecho das vá rias tarefas que me foram
con iadas pela obediê ncia, entã o eclesiá stica distinçõ es, inalmente
episcopar, nã o só acima, mas contra meus mé ritos! Muito obrigado,
meu Deus!
Tudo isso deve me manter em uma atitude habitual de amor, humilde
e trê mula.
No entanto, a celebraçã o antecipada de tais "bodas de prata
sacerdotais" teve uma explicaçã o, que ele mesmo deu em uma
carta a suas irmã s Ancila e Marı́a em 30 de abril de 1929:
“No domingo, 21 de abril, festa do Padroado da Virgem, os cató licos
latinos queriam antecipar a festa do meu 25º aniversá rio
sacerdotal. Houve uma grande solenidade em Só ia, com a
participaçã o de dois bispos e numerosas representaçõ es de toda a
Bulgá ria. Cada um se esforçou para me homenagear: discursos,
telegramas, cartas, presentes de coisas de um paı́s desconhecido; Vou
levar alguns presentes para casa, que sã o preciosos porque sã o todos
feitos à mã o. Insistiram em me mostrar que, sob uma pele um tanto
carrancuda, um bom coraçã o bate neles. Isso me confortou muito,
porque me permite compreender que, quando se trabalha com boa
intençã o e para a gló ria do Senhor, no devido tempo nã o faltarã o
frutos ».
Ainda à frente da visitaçã o apostó lica bú lgara, ele se
surpreende - digamos! - por meio sé culo de vida. Por isso con ia
em seu Diário (p. 417), em 25 de novembro de 1930:
«Hoje entrei no 50º ano da minha vida. Eu queria santi icar esse
passo com oraçã o con iante e noturna.
“Meu Jesus, somos 50 anos de graças de sua parte, de misé rias e
imperfeiçõ es minhas. Eu te abençoo, eu te louvo, eu te agradeço. Nã o
tenho mais nada a oferecer a nã o ser os pequenos sacrifı́cios desta
minha vida aqui, nesta terra que tanto amo e que gostaria de ver
in lamada com o teu amor, completamente resplandecente com a luz
da Igreja Cató lica, mã e e mestra da civilizaçã o. Mas, o que sã o esses
sacrifı́cios comparados à paz de coraçã o que você continua a me dar,
e a esse mesmo desejo ardente e ativo de vê -lo aqui, amado e
abençoado, um desejo que me queima por dentro e ao mesmo tempo
é uma fonte de alegria para mim permanente? "".
O de "visitante apostó lico" na Bulgá ria era - já foi dito - uma das
posiçõ es mais baixas na diplomacia eclesiá stica. Roncalli nã o se
sentiu nem um pouco humilhado. Ele estava se esforçando
apenas para fazer bem seu trabalho como representante do
Papa.
Ele disse isso em uma carta datada de 15 de março de 1931 ao
Secretá rio de Estado, a quem ele nã o poderia "contornar"
escrevendo diretamente a seu amado Papa Ratti, mais
conhecido agora pelo nome de Pio XI:
“Continuo neste paı́s cada vez mais convencido de que, por enquanto,
nada melhor do que seguir o mesmo caminho, isto é , garantir a
presença vigilante do Papa, mantendo, no entanto, uma reserva feita
de franqueza e gentileza. ; sem negar a verdade a ningué m; Pelo
contrá rio, expondo-o com clareza, mas sem caminhos intempestivos
que prejudiquem o futuro da boa causa ao invé s de bene iciá -la e
continuar o trabalho paciente da formiga pela valorizaçã o do
cristianismo em todos os aspectos, promovendo obras de piedade, de
cultura. religioso e social, caritativo, preparando sobretudo um novo
clero, culto e apostó lico ... O Santo Padre é um bom juiz tanto das
minhas de iciê ncias como do pouco que posso fazer e que faço com
bom coraçã o em todos os casos. De minha parte, continuo sendo um
bom ilho obediente. Eu nã o penso ou desejo o contrá rio.
Poucos dias depois da carta anterior (24 de março de 1931), ele
dirigiu uma a seus pais na qual sugeria, a tı́tulo de pergunta, a
possibilidade de deixar a Bulgá ria em breve:
«No dia de Sã o José rezei especialmente por todos aqueles que, na
nossa famı́lia, levam o nome do patriarca celeste. E, como sempre, dei
uma grande refeiçã o a todos os padres cató licos de So ia. Eramos 21.
Será este o ú ltimo Sã o José que faleceu em So ia? Quem sabe. Como
de costume, con io-me à providê ncia. No que me diz respeito, nã o
tenho gostos nem desejos, e vejo que este sistema é o melhor para ter
menos dores de cabeça. A inal, o bispo carrega a cruz: ai dele se nã o a
carregou! A cruz está sempre com ele, onde quer que seja
enviada. Uma cruz que à s vezes pode ser um pouco pesada e
dolorosa, mas que segura e infalivelmente carrega consigo uma
alegria autê ntica e uma verdadeira gló ria ».
Em 1931 (26 de setembro) houve um ligeiro "salto qualitativo"
em sua obra, com uma ascensã o na hierarquia: de "visitante"
passou a "delegado apostó lico". Ele relatou isso em uma carta
(31/10/1931) à s irmã s Ancila e Marı́a:
«Esta manhã dirigi-me ao Ministé rio das Relaçõ es Exteriores para
entregar o documento que me credencia como delegado
apostó lico. Tudo ocorreu bem. A partir de agora, em vez de visitante,
você sempre me escreverá "delegado apostó lico".
Questã o de nome: continuo o mesmo de sempre. Nã o é ruim que seja
assim. A coisa vai agradar a todos aqui, exceto talvez os bons barbas
longas do santo Sı́nodo Ortodoxo. Mas també m será bom para eles
usarem um pouco de paciê ncia. Por quantos anos continuarei como
Delegado Apostó lico na Bulgá ria? Nã o sei e nã o quero
saber. Continuemos vivendo para o dia e nas mã os de Deus ».
Na Bulgá ria foi ainda um ano depois, mal auxiliado pela
colaboraçã o de um padre idoso (padre Metó dio) que perdia as
forças sob o olhar compreensivo do delegado do Papa, que na
é poca ainda era Pio XI.
Em uma carta de 3 de janeiro de 1932, dirigida a um amigo
sacerdote (possivelmente Gustavo Testa) disposto a se tornar
seu colaborador, o delegado de Roncalli a irmou:
“A medida que os anos passam e o velho pai Assuncionista que está
comigo se torna menos ú til para mim por causa das doenças, sinto
uma necessidade maior de uma jovem secretá ria para me ajudar a
despachar muitas coisas que roubam meu tempo. Mas quando penso
que um jovem padre enquanto está aqui nã o pode exercer o
ministé rio, estremeço com a responsabilidade de chamá -lo. Você
gosta da possibilidade de ter que se confessar, explicar o catecismo e
celebrar bem. Tudo isto é alimento precioso para a alma de um
sacerdote, é uma celebraçã o perene, é um tı́tulo de mé rito e de
verdadeira gló ria. Por regra, um eclesiá stico, mesmo sendo uma
celebridade, se nã o ama o seu ministé rio, é algo insı́pido e vã o ».
Que o seu primeiro destino, o inı́cio - sem que ele percebesse -
de uma tarefa diplomá tica que ainda devia ser longa, penetrou
profundamente na alma de Angelino Roncalli. Tanto que, já
Papa, em mensagem radiofô nica de seu ponti icado (março de
1959), nã o pô de evitar uma alusã o à sua memó ria do povo
bú lgaro:
«Quem nã o poderá compreender e perdoar-me se o meu coraçã o nã o
souber conter uma palpitaçã o da mais ardente ternura pelos ilhos de
um povo forte e bom, que conheci ao longo do meu caminho e com
quem partilhei o meu vida dos anos mais vigorosa, para alé m e para
alé m dos grandes Balcã s, num exercı́cio de ministé rio espiritual,
inspirado por um sentimento recı́proco de respeito e fraternidade
cristã ? Gosto sempre de recordar com sincero carinho essas pessoas
boas, honestas e sinceras e trabalhadoras, e a sua maravilhosa
capital, So ia ... Por muitos anos, a visã o daquele querido paı́s
desapareceu dos meus olhos; mas todos aqueles amá veis conhecidos
de pessoas e famı́lias ainda estã o vivos no meu coraçã o e na minha
oraçã o diá ria ».

4 Representante de Pio XI
(e seu sucessor) na
Turquia e Grécia

Com trê s dias de intervalo (14 e 17 de novembro de 1934),


envia duas cartas com notı́cias quase contraditó rias, corrigindo
na segunda o que havia dito na primeira. O primeiro foi dirigido
a seu irmã o Giovanni. O segundo, para seus pais. Ele disse a
Giovanni:
«Ontem o santo padre recebeu-me, que foi muito gentil comigo. No
entanto, no que se refere ao prolongamento ou nã o da minha estadia
na Bulgá ria, ainda nã o há notı́cias. E mais: creio que nã o haverá e nã o
vou deixar de abençoar o Senhor por isso.
Na que se dirigia aos pais, ele esclareceu:
«Parecia nã o haver notı́cias relacionadas com o prolongamento da
minha estadia em So ia, mas esta manhã [quinze]o santo padre decidiu
enviar-me como delegado apostó lico a Constantinopla. De minha
parte, nã o desejei nem aspirei a esta nomeaçã o, e as circunstâ ncias
em que ocorreu me convencem de que é justamente a vontade do
Senhor que me quer ali entre os turcos, també m eles redimidos pelo
precioso sangue de Jesus. Cristo ».
Ele havia enviado as duas cartas de Roma, por onde estava de
passagem, a caminho da Bulgá ria. Para o recé m-nomeado
Delegado Apostó lico, Constantinopla ainda é a capital que, sob
as reformas "seculares" introduzidas pelo partido jovem turco
dominante sob a liderança de Kemal Atarü k, já era chamada de
Istambul.
A mudança de destino levou à sua promoçã o ao posto de
arcebispo.
Saiu de Roma por So ia, onde teve que concluir com seu estilo
diplomá tico mais do evangelho do que simplesmente do
Vaticano dez anos de permanê ncia. Ele sabia como fazer e
encontrou correspondê ncia. Ele testemunhou isso em uma
carta aos seus pais:
«Os ú ltimos dias de So ia deram-me grandes consolos. Tive uma
demonstraçã o de quanto aqueles bons bú lgaros, incluindo os
ortodoxos, me amavam. '
Esta carta a seus pais já havia sido enviada de Istambul, que ele
assegurou ser verdadeiramente, "por sua situaçã o, a cidade
mais bonita do mundo". Ele explicaria à s irmã s Ancila e Marı́a
em outra carta (2-12-1928) algo que elas provavelmente
sabiam:
«Vou à Turquia nã o para me divertir, mas para cumprir a pequena
missã o que a Santa Sé me con iou. Nem devo perder um revé s aı́. Eu
fui enviado para isso. Mas, a inal, se nã o podemos suportar os
pequenos e grandes aborrecimentos pelo amor de Jesus e em vista do
bem da Igreja e das almas, por que terı́amos nos tornado bispos e
sacerdotes?

Em uma de suas primeiras cartas de Istambul (mais tarde


adotou a nova gra ia da capital) dirigida a seus pais, pouco
depois de desembarcar na cidade do Bó sforo, ele disse:
«Saı́ da Bulgá ria (1-4-1935) com o coraçã o alegre por ter icado ali e
por ter consagrado dez anos da minha vida em benefı́cio daquelas
almas. Em Istambul, o momento é difı́cil. Nã o queria ningué m na
estaçã o, quando cheguei. Assim que cheguei à sede da delegaçã o
apostó lica, fui visitar o governador turco da cidade, que me recebeu
muito bem, assim como o chefe de polı́cia. A entrada na catedral no
Domingo da Epifania foi um verdadeiro triunfo. Acho que se você
estivesse presente, teria chorado de alegria. Em parte porque me
conheceram, em parte també m porque neste momento para os
cató licos, como també m para quem deseja professar qualquer
religiã o, a situaçã o aqui é difı́cil: o fato é que me acolheram com uma
alegria indizı́vel e com muito calor. Aqui em Istambul tudo é mais
grandioso e rico do que em Só ia. E um paı́s com uma tradiçã o
diferente. O que nunca me impedirá de continuar a falar bem de
So ia.
E ele continuou a informá -los sobre seu novo destino:
“Estou mais feliz aqui do que em So ia, porque tenho mais coisas a
fazer como padre e como bispo. Quando se trata de tribulaçõ es, o
Senhor ajuda a suportá -las e superá -las. Nossa arte nã o é outra senã o
vencer o mal com o bem. As mais preocupadas em meu ambiente sã o
as pobres freiras que dentro de seis meses serã o obrigadas a nã o usar
o há bito religioso. Para nó s, a coisa ainda tem remé dio. Terei o
privilé gio de continuar a me vestir como antes, ou pelo menos de me
vestir como sacerdote e bispo nas igrejas e em casa. Mas se nã o me
for concedido tal privilé gio, nã o será coisa do outro mundo sair com
um há bito que mostra que sou sacerdote ».
Quando a ordem de "secularizaçã o" do governo entrou em
vigor, o delegado Roncalli relatou a seu irmã o Giovanni:
«A partir de 13 de junho de 1935, todos os padres, frades e freiras da
Turquia deverã o usar o há bito civil. Acredito que icarei isento, por
causa de minha condiçã o de chefe dos cató licos. Nã o deixará de ser
algo morti icante, mas no inal també m nã o é prisã o nem morte. As
coisas estã o piores no Mé xico e na Rú ssia. Estou muito mais ocupado
aqui do que na Bulgá ria: mas é um trabalho mais agradá vel. As obras
de misericó rdia sã o quatorze. Bem, todos os dias eu tenho que
exercitar pelo menos um, mas freqü entemente mais de um. Mas,
tendo sido chamado ao sacerdó cio, sinto-me confortá vel.
Pouco depois de sua chegada a Istambul, ocorreu um
acontecimento que o afetou profundamente: a morte de seu
pai. Assim que recebeu a notı́cia (29/07/1935), escreveu uma
carta à famı́lia:
«Eu choro com você . Assim que recebi a dolorosa notı́cia esta manhã ,
senti a necessidade de me levantar na capela para chorar como uma
criança. Agora estou mais calmo, mas meus olhos continuam prontos
para as lá grimas. Conforta-me olhar para o rosto do nosso querido
pai. Oh, seus olhos brilham com luz e sorriso! Olhando para mim,
olhando para ti, do cé u onde ele já está , como devemos con iar na
misericó rdia do Senhor em quem ele acreditou e a quem sempre
amou. Oh! Quã o agradá vel é agora a memó ria da sua idelidade aos
deveres religiosos, à sua missa todas as manhã s, ao vivo interesse que
tinha pelas coisas da Igreja, ao seu espı́rito de escrupulosidade
honesta, a certas formas simples de devoçã o à Imaculada Conceiçã o,
ao Menino Jesus, que tornou a sua vida feliz e serviu de edi icaçã o
para os seus ilhos e netos.
Mesmo tendo falecido aos 81 anos, tenho a impressã o de que somos
muito jovens. Era por nosso amor que ele desejava viver para sempre,
ou pelo menos mais. Devemos nos consolar pensando no cé u, onde
iremos vê -lo novamente e onde desfrutaremos juntos na luz sagrada
e no amor de Deus para sempre. Você sabe bem que um dos maiores
consolos da minha vida é a famı́lia, da qual sempre me agrada todos:
pobre, simples, humilde, mas bom e temente a Deus. Estou convicto
de que, sobretudo nestas dolorosas circunstâ ncias da morte do povo
amado, continuareis a honrar-vos com a vossa fé em Deus, com a
veneraçã o aos nossos queridos defuntos, com a dignidade e a atitude
com que bem sabeis. conduzir-se mesmo suportando o mais duro
desapego.
Ficaria feliz se você , de maneira especial, querida mã e, recebesse
consolo de minhas palavras: a partir de agora você será mais querida
e sagrada para nó s. E a lei da natureza, a lei da dor. Nosso bendito pai
tornou-se invisı́vel aos nossos olhos, mas continua a viver entre nó s:
nos ama, nos protege, nos espera. Seus ilhos, querida mã e, estamos
ao seu lado para confortá -los e dar-lhes nosso apoio. Nã o se preocupe
muito conosco. Faça uma pequena pausa. Minha casa em
camaitino[16]está à sua disposiçã o. Você bem sabe que seu ilho bispo
nã o é rico, mas que ele estaria disposto até a vender sua cruz peitoral
para nã o perder algo em seus desejos e necessidades. Em setembro,
espero ir pessoalmente. Manteremos companhia agradá vel um ao
outro. O teu Battista deixou-te aos 81 anos: nã o penses em nos deixar
antes dos 90. Será a alegria e o amor de todos ».
Alé m da Turquia, onde os problemas nã o eram menores, teve
també m de lidar com a Gré cia, onde - especialmente por vezes -
se agravaram ainda mais.
Se servir uma delegaçã o era exaustivo, ainda tinha que ser mais
- foi, sobretudo, durante a Segunda Guerra Mundial - servir
duas, mais relativamente perto do que ... compatı́vel.
Dizia em uma carta datada de 17 de junho de 1942:
«A minha pobre vida passa-se entre a Turquia, que é a minha
residê ncia habitual e o meu mais amplo campo de açã o, e a Gré cia tã o
a lita, onde passou um verdadeiro inverno de fome, que esperamos
que nã o se repita. Já me tornei um viajante do ar para poder me
deslocar mais rapidamente de um paı́s a outro. Nã o posso dizer que
sejam viagens sempre agradá veis. A ú nica coisa é que você
economiza muito tempo. Mas estamos sempre nas mã os de Deus. Já
vivi sessenta anos e nã o tenho pretensõ es de que o futuro seja longo
ou curto. O corpo do irmã o, como Sã o Francisco o chamava, ainda
precisa de muitas chibatadas e morti icaçõ es e castigos para se
tornar como o do meu ilustre patrono e pai (posso dizê -lo, porque
sou irmã o terciá rio de Sã o Francisco). També m sob este aspecto me
re iro à s disposiçõ es da providê ncia.
Sim, havia um certo contraste na situaçã o entre os dois
paı́ses. Deduz-se das seguintes duas cartas: uma da Gré cia (4-9-
1941) e outra de Istambul (3-1-1942), ambas dirigidas a sua
sobrinha Enrica Roncalli. Dizia no primeiro:
«Vim para a Gré cia com a ú nica satisfaçã o de obedecer. Porque, de
resto, só encontro contratempos e problemas. Mas o Senhor
recompensou a minha obediê ncia dando-me a possibilidade de
desenvolver uma obra espiritual de serviço à Santa Sé que é
extremamente reconfortante e, creio eu, proveitosa ».
E no outro:
“Aqui na Turquia nã o sinto falta de nada. Encontro-me em casa, no
meio destes ié is que sã o duplamente ilhos para mim e que sã o tã o
amá veis com o seu pobre bispo. Ore por mim e por eles. Garanto-lhe:
se um dia tiver que me afastar deles, nã o será muito doloroso. No
entanto, é tã o espontâ neo para mim sempre fazer a vontade de Deus
sem me preocupar com os outros, que qualquer dor se transforma
em alegria para mim.
Ainda no meio da guerra, ele escreveu à famı́lia (16/10/1943):
“As minhas relaçõ es com os alemã es sempre foram e continuam a ser
boas, tanto na Gré cia como na Turquia. Pela natureza dos meus
deveres essencialmente de caridade para com todos, e em nome do
Santo Padre que está fora do con lito e que é e deve continuar a ser o
pai de todos sem distinçã o de nacionalidades, tenho a oportunidade
de me aproximar uns aos outros e fazer o bem a todos. Naturalmente,
para o conseguir, devo usar a grande graça da calma absoluta, da
paciê ncia e da mais delicada prudê ncia. Reze por mim e, acima de
tudo, faça as crianças orarem. Tenho certeza de que o Senhor aceita
essas oraçõ es feitas de simplicidade e correta intençã o.
Suas cartas para a famı́lia da é poca já incluı́am a dolorosa
ausê ncia da mã e Marianna, falecida em 20 de fevereiro de 1939.
Nos ú ltimos momentos, a mã e expressou o desejo de ver seu
querido Angelino pela ú ltima vez. A Irmã Ancila se encarregou
de transmitir esse desejo: «Mamã e quer recebê -la de boa
vontade; mas se nã o puder, todos nos veremos um dia no cé u.
Angelino, que assegurou a todos que tinha lamentado
abundantemente a morte da mã e, agradeceu-lhes a
compreensã o dizendo: “Se eu tivesse corrido para vê -la,
di icilmente teria podido cumprimentá -la, mas teria
comprometido um dos mais oportunos ocasiõ es para prestar
um precioso serviço à Igreja ».
Na verdade, tendo morrido apenas dez dias antes de Pio XI (10
de fevereiro de 1939), no momento em que «mamã e piorava, eu
celebrava o funeral do Santo Padre: uma cerimô nia de muito
sucesso que serviu ao seu irmã o e irmã o maior bom. mais
honra e vantagens para a Santa Sé do que um ano inteiro de
trabalho em condiçõ es normais ».
Assim que a transferê ncia do funeral de Pio XI foi estacionada,
Roncalli desabafou por carta à sua famı́lia (2-28-1939):
“Lendo a sua carta do dia 22, pela qual estava ansioso, nã o pude
conter-me para nã o derramar lá grimas abundantes. Mas, no fundo,
nossa dor é amenizada pelo pensamento de que tudo aconteceu de
acordo com a vontade do Senhor, e que o im da vida de nossa
querida mã e foi uma coroa de virtudes e mé ritos que aquela mulher
abençoada havia conseguido conquistar com muito tempo anos de
idelidade aos princı́pios cristã os, nos quais foi educada e nos quais
educou todos os seus ilhos sem exceçã o. Fizeste muito bem em
homenageá -la com um belo funeral, como era meu desejo ... Quanto
aos honorá rios, se existem, sabes bem qual é a minha opiniã o: é
melhor pagar e já chega. Este també m é um mé rito que o Senhor vê e
abençoa. Isso deve ser feito com todos os nossos vizinhos,
especialmente com aqueles que estã o acima de nó s. Precisamente
porque Deus nos deu pais tã o bons como o nosso venerá vel defunto e
fez lorescer uma vocaçã o atravé s destes pais que foram e continuam
a ser fonte de muitas graças para mim e para vó s, todos os membros
da nossa famı́lia devem ser distinguidos por bondade, espı́rito de paz
e paciê ncia. Tendo falecido os mais velhos, cabe agora a nó s honrá -los
e a nó s mesmos. Você fez bem em transferi-lo para La
Colombera[17]Da mesma forma que foi bom que ele morresse em
Camaitino, na casa de seu ilho arcebispo. Eu gostaria que ele tivesse
morrido na minha cama e no meu quarto. Mas esses sã o detalhes sem
importâ ncia.

Entre os telegramas de condolê ncias que recebeu, houve um


muito expressivo na sua sobriedade: «Partilho cordialmente a
sua dor, lembro-me do seu venerado defunto diante do
altar. Montini ».
Un añ o antes, en su circunstancia onomá stica, el delegado
apostó lico Roncalli habı́a mandado una carta afectuosa y
profé tica (en la coincidencia de las razones que darı́a al elegir el
nombre de Juan como papa) a Juan Bautista Montini, que era ya
sustituto de la secretarı́a de Estado:
«Excelentı́ssimo Senhor: este ano, pela primeira vez na histó ria do
culto litú rgico, Sã o Joã o Baptista teve de viajar para prestar
homenagem ao Sagrado Coraçã o. També m eu me atrasei um dia no
cumprimento do meu cordial dever de saudar o aniversá rio de S.
Excia. Estou muito feliz que um homô nimo do grande precursor de
Jesus agora ocupe um dos mais altos cargos do Secretá rio de
Estado. Sã o Joã o, querido da minha infâ ncia porque é o chefe da
minha paró quia natal, querido da minha famı́lia porque o meu pai se
chamava Juan, é ainda mais amado na idade avançada, tendo
colocado a providê ncia em condiçõ es de valorizar cada vez melhor,
por as inalidades prá ticas do apostolado da verdade e do bem, a
importâ ncia de initiva de saber guiar, como o Batista, rough per vias
planas (coisas difı́ceis suavemente).
Se nã o me engano, esta é a funçã o de todos os dias na Secretaria de
Estado e, de modo especial, é a funçã o do substituto. Pedirei a Sã o
Joã o, juntamente com Sua Excelê ncia, que vos conceda muitas
satisfaçõ es neste sentido de suavizar, clari icar, adoçar. E um grande
serviço prestado à justiça e à santa Igreja; e um grande consolo para
aqueles que, de perto ou de longe, estã o comprometidos com o ideal
comum de preparar a "turba perfeita" para o Senhor. Queira aceitar,
Excelê ncia, a expressã o dos meus votos cordiais, enquanto me apraz
em professar-me como Vossa Excelê ncia, o mais respeitoso e humilde
servidor. A G R , Delegado Apostó lico ».
A resposta de Montini (30/06-1938) foi mais curta, mas
igualmente expressiva:
«Excelentı́ssimo Reverendo: Recebo com grande alegria as vossas
amá veis felicitaçõ es, que exprimem com tanta autenticidade a
primorosa bondade do vosso espı́rito. Estou muito grato a você . A
estima, o respeito e, se me permitem, o carinho que me une a Sua
Excelê ncia tornam a troca fá cil e plena para mim. Muitas vezes penso
nas di iculdades que Sua Excelê ncia tem de enfrentar, o que torna
mais calorosa e insistente a minha oraçã o por Sua Excelê ncia e pelo
seu trabalho. Beijo o anel sagrado e com um sentimento de profundo
respeito, professo o meu muito atencioso Sua Excelê ncia, G
B M ».
Como já foi dito, a correspondê ncia entre Angelo Giuseppe
Roncalli e Giovanni Battista Montini, incluı́da a enviada por
aquele como Papa, ocupa um volume de cerca de duzentas
pá ginas.
Apenas alguns podem caber aqui, por razõ es de espaço. Mas é
possı́vel, como uma sı́ntese sucinta da relaçã o pro issional e de
amizade que unia os dois prelados lombardos, ambos
predestinados a "papas complementares" de um tempo e
missã o decisivos para o futuro da Igreja, aquela sugerida por
duas linhas do livro. Giovanni e Paolo: devido ao Papi. Saggio di
corrispondenza: 1925-1962, (Istituto Paolo VI, Brescia 1982)
retirado da p. 175: “Cada vez que Roncalli ia ao Vaticano
gostava de se encontrar com monsenhor Montini, entretendo-o
em uma conversa tã o amá vel quanto cordial”.
Prestes a descartar a crô nica da permanê ncia turco-grega de
Angelo Roncalli, que durou até dezembro de 1944, somos
tentados a dar uma rá pida olhada em uma pá gina do Diário da
Alma (p. 479), referindo-se a quando sua missã o na Turquia e a
Gré cia estava prestes a concluir:
«A minha dor persistente, que muitas vezes é um desejo secreto,
sempre o mesmo e que vem de trá s, é a de nã o conseguir
acompanhar o que tenho que fazer, devo estar sempre atento para
superar a acidez do meu cará ter propenso à tranquilidade, a ir
devagar, mesmo sem parar um momento. Essa dor me humilha e
ameaça me entristecer. Tenho que aceitar tudo o que é motivo de
humilhaçã o e aceitar com carinho, mas sem perder a calma e a paz
interior. Esta é minha tortura. A falta de contato mais solı́cita pode
depender de vá rias causas, como a sobrecarga de trabalho real, as
circunstâ ncias especı́ icas de meu cargo aqui e na Gré cia. Mas devo
ter preferê ncia por reconhecer a minha insu iciê ncia neste estado de
coisas e, pelo menos, como diz a Imitação de Cristo , "persevera com
paciê ncia, se nã o o posso fazer com alegria" (II, 57). Há outro
aforismo do mesmo livro da Imitação , que me diz que nã o me posso
acreditar verdadeiramente humilde enquanto o ú ltimo de todos nã o
me reconhecer realmente ».

5 Núncio Apostólico
em Paris

A ú ltima dé cada de dezembro de 1944 foi de vertigem para


Angelo Roncalli. Para sua grande surpresa, em 6 de dezembro
recebeu uma noti icaçã o con idencial de sua nomeaçã o como
nú ncio apostó lico na França.
A proposta de seu nome pelo Vaticano só custou a aceitaçã o do
governo provisó rio francê s che iado por Charles De Gaulle: um
governo que havia anteriormente exigido a destituiçã o do
nú ncio Valerio Valeri, declarou persona non grata por ter
encoberto a nunciatura durante o governo "colaboracionista"
de Vichy.
O agrément do governo gaulê s foi noti icado no dia 20. No dia
22, Angelo Roncalli recebeu a nomeaçã o o icial. No dia 23 ele se
despediu de Istambul. Aconteceu no dia 24 —Natal— em
Ancara.
Ele dedicou o dia 25 a escrever um extenso relató rio para
Monsenhor Paolo Pappalardo, anunciado pelo Vaticano para
assumir como encarregado provisó rio de negó cios da delegaçã o
apostó lica. Em 26-27 ele ocupou-o em um complicado circuito
aé reo Cairo-Benghazi-Ná poles-Roma, na ausê ncia de um vô o
direto. No dia 29 foi recebido em audiê ncia por Pio XII.
No dia 30 fez a viagem aé rea Roma-Paris. Em 1º de janeiro de
1945, à s 10 horas, apresentou as credenciais e à s 11 horas
aproveitou o privilé gio de decanato, reservado aos
representantes da Santa Sé , para apresentar as felicitaçõ es em
nome do corpo diplomá tico ao Presidente Geral De Gaulle[18].
Com a nomeaçã o do governo gaulê s ainda pendente (12-07-
1944), Angelino escreveu uma carta à famı́lia:
«Ontem à tarde recebi um telegrama do Vaticano informando que o
Santo Padre me designou como Nú ncio Apostó lico em Paris. Nã o
podia acreditar, estava muito longe de imaginar uma honra tã o
grande e uma responsabilidade tã o enorme. Eles estã o esperando
que o governo francê s dê sua aprovaçã o: e eu teria que partir
imediatamente, para poder estar em Paris no pró ximo 1º de
janeiro. Sinto uma grande descon iança e medo de mim mesma e da
minha força para suportar tanto peso, assim como uma grande
con iança no Senhor, que se obriga a me ajudar porque é verdade,
diante dele e diante de homens, que nunca sonhei e muito menos
desejei uma posiçã o tã o elevada.
Que entre tantos prelados maduros, eruditos e santos, o Santo Padre
veio justamente me procurar aqui, onde por outro lado me sentia tã o
bem e onde gostaria de poder continuar vivendo por muito tempo, é
sem dú vida um detalhe da providê ncia que faz uso das criaturas mais
humildes, e na medida em que lhes faltam pretensõ es, para
concretizar os planos da sua gló ria. Que necessidade maior eu tenho
de me tornar um santo! Pode ser que meu Calvá rio esteja em Paris, e
que um pobre como eu fosse precisamente necessá rio para ser
consumido ali em sacrifı́cio ao serviço da Santa Sé em tempos de
restauraçã o religiosa tã o incertos e tã o difı́ceis ... Acredite em mim, eu
teria que ser dez anos mais jovem. Mas farei o meu melhor, enquanto
a saú de me sustentar.
Apó s pouco mais de um mê s e meio de permanê ncia em seu
novo cargo (20-2-1945), ele deu suas primeiras impressõ es por
escrito:
«Aqui tenho tudo o que se poderia desejar a pensar na satisfaçã o
humana, mas uma vez que, graças a Deus, nã o é isso que me move,
adianto-me para vos dizer que, pelo coraçã o de um sacerdote, bispo e
representante do Papa , nada é mais atraente e agradá vel. Nã o
deixem de orar e de obrigar nossos pequeninos a orar para que o
Senhor me preserve com simplicidade e humildade, bem como com
boa saú de. Em Paris, há questõ es importantes para discutir, das quais
depende o bem da Igreja Cató lica na França. Faço o melhor que posso
e sabendo que estou aqui por vontade expressa e pessoal e com a
con iança do Santo Padre, sou á gil e sereno em tudo ... O meu
trabalho visa preparar a paz. Ainda nã o comecei a sentir grandes
dores de cabeça, mas sei que virã o: por isso espero por elas com
con iança ... Quando me vejo neste grande palá cio principesco
rodeado por duas secretá rias, trê s freiras, trê s servas (mais: quinto),
nã o há perigo de que meus vapores subam: basta-me pensar em La
Colombera, em Brusicco[19] e em Camaitino, e eu nunca paro de
sofrer pensando que você terá muito que sofrer agora[vinte] e que
talvez você ainda tenha que continuar sofrendo por algum tempo.
Embora estivesse mais con iante com sua famı́lia, ele ainda
estava ciente de que seu nı́vel de compreensã o era
relativamente baixo. Assim, com correspondentes à s vezes
eclesiá sticos, ele usou uma linguagem um pouco diferente,
como pode ser visto na seguinte carta de 23 de março de 1945:
“Sentir-me apanhado de repente como Habacuque e transportado de
Istambul para Paris també m foi uma espé cie de encantamento para
mim. Mesmo querendo lembrar, para minha disciplina interior, o
verso que acredito ser de Merlin Cocai - Ubi de iciunt equi, trottant
aselli ("Na ausê ncia de cavalos, burros trotam") -, nã o pude negar a
mim mesmo que o salto foi sé rio, ainda mais porque me teria
parecido implausı́vel, e é claro que nã o ousaria desejá -lo. O meu
espanto aumentou quando no Vaticano, onde caminhei algumas
horas, ouvi do Secretá rio de Estado que a nomeaçã o vinha de cima, e
o Papa disse-me espontaneamente, talvez para me encorajar: “Fui eu,
Monsenhor, quem acabou de pensar em você e eu decidi; nada
mais"".
Numa longa carta à famı́lia (28/05-1945), explica o ambiente
em que se mudou na nunciatura parisiense e as di iculdades
que teve de superar:
«Nada falta aqui que possa tentar um homem e um prelado: honras,
confortos, atençã o de todos; e comigo, apesar de já estar
envelhecendo, uma gentileza e uma gentileza desses franceses que
você nem imagina. Mas sob essas rosas há espinhos muito agudos,
assuntos delicados e importantes no interesse da Igreja, da Santa Sé ,
das almas. E, ao lidar com esses assuntos, à s vezes preocupaçõ es
muito dolorosas. No entanto, percebo que o Senhor responde à s
minhas oraçõ es e à s das almas inocentes que nã o param de orar por
mim.
Aqui, nã o sou o pastor direto de almas como fui na Turquia. No
entanto, recebo tantos convites para cerimô nias solenes como nunca
recebi desde que era bispo: aos domingos e feriados, sou solicitado
de boa vontade de um lugar para outro.
Paris tem cerca de trê s milhõ es de habitantes. Embora muitos vivam
longe da Igreja, os frequentadores ainda sã o numerosos e, sobretudo,
fervorosos. Quem já esteve em Lourdes os conhece bem. Como
representante do Papa, o nú ncio deve ser igualmente amá vel com
todos: ainda mais, devo ter cuidado para nã o fazer parcialidades com
os italianos que em Paris sã o quase cem mil e em toda a França
chegam a um milhã o ».
Cerca de um ano depois, escrevendo a uma de suas sobrinhas
religiosas, Ana Roncalli, ele se expressou da seguinte forma:
«Há pouco entrei no meu 66º ano de vida e, se nã o me olho no
espelho, tenho a ilusã o, ainda mais, sinto-me ainda jovem. Mas já faz
algum tempo que nã o me acostumei a pensar no paraı́so todos os
dias. Com isso, todos os atrativos da terra esmorecem ... Aqui na
nunciatura, recebo reis e prı́ncipes, estadistas e cientistas,
eclesiá sticos e leigos, e tenho que tratar das questõ es mais
importantes em nome da Igreja e de todos. Nada me deixa mais
inquieto.
Recordo a simplicidade da nossa vida em La Colombera e já nã o
exalto mais do que a preocupaçã o de cumprir o meu serviço em
nome e em colaboraçã o com o Santo Padre, com mansidã o e
humildade. E vejo que o Senhor me abençoa e me ajuda ».
Em carta com cronologia semelhante, dirigida a sua irmã
Assunta, ele explicou:
«Só me encontro rodeado de grandes coisas porque assim o Senhor
quis para que eu pudesse servir a Igreja. Mas nã o pense que isso para
de me custar trabalho e sacrifı́cio permanentes. Eu passo entre as
riquezas e continuo pobre. Recebo homenagens, mas minha maior
honra é ter nascido e me tornado cristã o, ter tido uma vocaçã o
eclesiá stica e permanecer no espı́rito de simplicidade, o dos campos
de Sotto il Monte e da modesta famı́lia a que pertencemos e de que
estou satisfeito. De resto, a nossa honra consiste e deve continuar a
consistir em viver uma vida santa, nã o fazendo milagres, mas
esforçando-se por agradar aos olhos de Deus. Com o passar dos anos,
essas coisas se tornam mais bem compreendidas. E quando bem
compreendidos, torna-se mais fá cil o exercı́cio da paciê ncia, da
con iança em Deus que tudo vê e tudo dá , e da calma interior que é a
verdadeira alegria mesmo em meio ao sofrimento.
Percorreu a França vá rias vezes, sempre por motivos
relacionados com as suas tarefas "pro issionais". Parece que
algum executivo do Secretariado (e as indicaçõ es estã o
especialmente focadas em Monsenhor Tardini, seu futuro
Secretá rio de Estado, entã o um substituto dos "assuntos
extraordiná rios", uma contrapartida de Giovanni Battista
Montini, que era pelos "ordiná rios") ele sempre se preocupou
em tentar localizá -lo por telé grafo na nunciatura enquanto
Roncalli estava ausente.
A reclamaçã o de Tardini, um homem - ao que parece - nada
fá cil, chegou aos ouvidos de Pio XII, que numa ocasiã o a
transferiu para o seu representante na França.
Loris F. Capovilla a irma ter ouvido Joã o XXIII dizer "com
simplicidade inocente":
“Alguns teriam preferido uma transmissã o mais frequente e
detalhada dos relató rios. Outra pessoa observou que certas prá ticas
da nunciatura demoravam mais do que o necessá rio. Pio XII falou-me
disso com uma delicadeza cortê s. Nã o iquei nem um pouco
perturbado. “Santo Padre”, disse eu, “um simples desejo de Sua
Santidade é uma ordem para mim. Nã o preciso de muitas palavras
mais. Posso dizer a Sua Santidade que o Nú ncio Apostó lico Francesco
Marmaggi, amigo de Sua Santidade, há anos me sugeriu esta regra:
'Nã o ique trancado em casa. Você nã o é um funcioná rio. Deixe claro
que você se considera um cidadã o do paı́s para o qual o Papa o
enviou. E nã o se esqueçam que nó s, nú ncios ou delegados
apostó licos, somos o olho, a mã o amiga, a voz, o coraçã o do Papa.
' Santo Padre, só vou aonde os bispos, depois de amarrar a corda no
meu pescoço, me arrastam, e nã o busco outra coisa senã o que Sua
Santidade seja amado ”».
Capovilla garante:
Nada mais foi necessá rio. Pio XII sorriu e deu-lhe permissã o para ir
para onde as boas circunstâ ncias o colocassem em exercı́cio de
caridade vigilante e bondosa »[vinte e um].
A anedota que Angelo contou ao irmã o Saverio em uma carta de
1º de janeiro de 1950 tem sua franqueza:
«Ontem à tarde estive no esplendor mais deslumbrante de Paris, no
Palá cio do Eliseu, que é a residê ncia do Presidente da
Repú blica. Lembrei-me da Colombera. Tive a impressã o de ver a
nossa mã e aparecer algures e exclamar, com a sua ingenuidade:
“Virgem Santı́ssima, para onde foi o meu Angelino? Chega, vamos
rezar por ele e por todos ”».
Sua missã o como representante do papa se estendeu aos
territó rios ultramarinos franceses, que incluı́am vá rios paı́ses
de lı́ngua francesa no Norte da Africa. Em duas cartas, uma para
sua sobrinha Giuseppina Roncalli (15/03-1950) e outra para a
famı́lia (23/04-1950), ele relatou o projeto de uma viagem e
sua realizaçã o, respectivamente, nos seguintes termos :
“Decidi mudar-me para a Africa, onde acontecerá uma sé rie de
recepçõ es, nã o em homenagem ao meu pobre, que vale muito pouco,
mas ao Papa que represento. Acudiré , pues, despué s de Argelia, a
Tú nez y Cartago, a Hipona y Constantina, a Orá n, buscando durante el
recorrido los recuerdos gloriosos de los primeros má rtires cristianos
de Africa y de los santos Cipriano, obispo y má rtir, y Agustı́n, que
proceden de Ali. E possı́vel que, depois da Pá scoa, na viagem de volta
que pretendo fazer no carro da nunciatura, atravesse a Espanha, terra
de memó rias igualmente gloriosas: Santa Teresa Magna, Santo Iná cio
de Loyola, Sã o Francisco Xavier, etc. ».
“Desde ontem sá bado 22 (abril) - disse à famı́lia - estou de volta a
Paris, depois de uma viagem muito feliz e encantadora.
Enrica poderá localizar todo o meu itinerá rio em um mapa mundial:
Paris-Ars-Lyon-ValenceMarsella (travessia marı́tima) Argé lia-
Tunı́sia-Constantino e novamente Argé lia-Oran. Passei a festa de Sã o
José na Argé lia, o Domingo da Paixã o em Tú nis, Palma em
Constantino, a Pá scoa em Oran. Posso dizer, nã o por mim, pobre ilho
de Battista Roncalli, mas como representante do Papa, que foi um
verdadeiro triunfo da devoçã o de tantas pessoas ao Santo Padre e à
Igreja.
De 19 de março a 10 de abril, houve uma sucessã o de manifestaçõ es
religiosas e civis inesperadas e incompará veis. Entã o, a partir de 10
de abril, entrei em particular no Marrocos, que pensei ser um paı́s
á rido e queimado, e que, pelo contrá rio, durante a primavera, é um
verdadeiro paraı́so terrestre. Pude visitar todas as cidades sagradas
do maometismo, os lugares onde, em outros tempos, os mouros
haviam escravizado os cristã os: Fez, Marrakech, Merkez, Casablanca,
Rabat, etc. Depois, Tâ nger, Tetuã o, Ceuta. Dali, cruzando o estreito de
Gibraltar, atravessei a Espanha de Sevilha a Granada, Có rdoba,
Toledo, Madrid, El Escorial, Burgos, San Sebastiá n e depois, cruzando
a fronteira com a França, passando por Biarritz, Bayonne, Lourdes,
onde parei .uma noite e uma manhã para dar graças à
Virgem. Depois, Bordé us, Poitiers e Paris, onde já estou e de onde vos
escrevo ».
Ainda nú ncio em Paris, ele completou setenta anos. Por isso
escreveu à famı́lia (25 de fevereiro de 1951):
“Aos setenta anos, a vida de um homem deve acabar. Para aqueles que
sã o robustos, o Senhor concede mais dez anos, como diz o Breviá rio
nos Salmos[22]. Nã o seria bom se o Senhor me desse mais dez
anos[2,3]Que todos você s sejam consagrados para me santi icar e ser
ú teis à Santa Igreja? ».
També m em Paris, um ano antes, ele teria podido celebrar as
"bodas de prata" do seu episcopado, mas queria abster-se de o
fazer e até tentou assegurar que o facto de tais vinte e cinco
anos como bispo nã o transcendeu, mas nã o teve sucesso.
Soubemos disso lendo uma carta que ele enviou (9-5-1950) ao
entã o mais importante homem da Secretaria de Estado, o
substituto Montini[24]:
«Reverendı́ssimo Excelê ncia: Durante a minha peregrinaçã o
apostó lica ao Norte de Africa soube pelos jornais, depois li
no L'Osservatore Romano e ao regressar recebi o venerá vel autó grafo
da carta que o Santo Padre se dignou a enviar-me por ocasiã o do XXV
aniversá rio da minha consagraçã o episcopal. Ele pretendia passar
este aniversá rio em silê ncio. Enquanto se está ao serviço ativo do
Santo Padre, qualquer reclamaçã o para com a pró pria pessoa parece-
me um desvio que, no mı́nimo, carece de bom gosto. Por isso,
intencionalmente, abstive-me de me referir a Sua Excelê ncia o
Reverendı́ssimo, da mesma forma que já havia evitado qualquer
manifestaçã o que já havia sido preparada para mim em minha terra
natal desde as fé rias anteriores.
Tive de bom grado a oportunidade de me encontrar na Argé lia, no dia
19 de março, entre pessoas que nã o me conheciam, para me calar,
isto é , para permitir uma simples e muito ligeira alusã o ao que me
preocupava intimamente naquela data. Tudo se resumia a isso. O
destaque que a carta da sua santidade deu a tal aniversá rio supera
qualquer expectativa da minha parte, e todos os meus mé ritos, e por
isso estou profundamente comovido ... Excelê ncia, que continua a nos
dar tã o nobre exemplo de dedicaçã o e trabalho e quis acrescentar à
mensagem do Santo Padre expressõ es tã o cordiais e corteses, acolhe
a gentileza de receber a mais cordial resposta dos meus sentimentos
e dos meus votos à Vossa Pessoa. Com carinho cordial. A
G R , Nú ncio Apostó lico ».
O leitor concorda com um certo acú mulo de documentos que
expressam a amizade e a relaçã o de Roncalli com o futuro Paulo
VI, entã o braço direito de Pio XII? A primeira será uma carta
quali icada (12-08-1951) como "particular e pessoal" pelo
pró prio nú ncio Roncalli ao substituto Montini com um objetivo
muito humano:
«Minha querida Excelê ncia, durante alguns dias, mal consegui
esconder a profunda dor do meu coraçã o. Giuseppino Roncalli, o
caçula de meus irmã os, de repente perdeu sua esposa Ida, 51, para
uma lareira que grudou em seu vestido, ateou fogo e, apó s trê s dias
de lá grimas indizı́veis, a reduziu à morte. Esposa excelente, mã e
exemplar, sé ria, trabalhadora, piedosa. Ela deixa nada menos que dez
ilhos em lá grimas, o primogê nito dos quais é religioso, enquanto o
mais novo, de 12 anos, acaba de entrar no seminá rio de Clusone em
outubro passado.
Uma famı́lia invejá vel e feliz em sua pobreza. Imagine, Excelê ncia, que
grande tristeza també m para o resto da minha abundante famı́lia -
isto é , as famı́lias dos meus irmã os e irmã s, graças a Deus muitos e
bons. Para mim é mais fá cil identi icar motivos de consolo, embora
meus parentes també m estejam bem convencidos e sejam ié is à
doutrina da cruz. Mas o sinal de uma bê nçã o do Santo Padre seria
muito confortante para eles, que possuem em tal medida comovente
e viva a virtude de acalmar e suavizar o coraçã o. Perdoe-me,
Excelê ncia, se por seu intermé dio, sempre tã o gentil e cortê s, ouso
pedir, com humilde simplicidade, esta bê nçã o.
Estou profundamente grato a você e, de agora em diante, desejo
expressar meus mais sinceros votos de consolaçõ es no Natal. Com
toda a cordialidade, A G R ».
Montini respondeu imediatamente (12-15-1951) com o
seguinte telegrama: «Sua Santidade recebeu graves notı́cias de
luto que abalaram a famı́lia. Sua Reverenda Excelê ncia deseja
consolar a profunda dor com uma longa bê nçã o particular,
recomendando a misericó rdia divina para a alma eleita, que
clamou pelo falecido. Pare. Aceite minhas condolê ncias
pessoais com promessa de votos. M ».
O substituto Montini també m enviou ao nú ncio Roncalli cartas
"pessoais e reservadas" (que nã o eram exatamente a mesma
coisa que "privadas"). Lendo a seguir (11-10-1952), importante
para o futuro ministerial de Angelo Roncalli, o motivo da
"reserva" será claramente percebido[25]:
«Excelentı́ssimo Reverendo: E prová vel que V. Exa nã o tenha
conhecimento da dolorosa notı́cia, antes mantida em sigilo, sobre as
delicadas condiçõ es de saú de do Excelentı́ssimo Monsenhor Carlo
Agostini, Patriarca de Veneza. Embora seja difı́cil fazer previsõ es
sobre o curso da doença, há motivos para temer que, infelizmente,
nã o dure muito, pois, humanamente falando, nã o parecem existir
esperanças fundadas de cura. Visto que nã o se deseja que uma sé de
tamanha importâ ncia ique vaga por muito tempo, especialmente
neste momento, Santidade, na audiê ncia desta manhã , Vossa
Excelê ncia me con iou a honrosa tarefa de pedir a V. Ex.ª Excelê ncia,
sob estrito sigilo , se está disposto a ser transferido para aquela
diocese patriarcal na dolorosa hipó tese de que Sua Excelê ncia
Monsenhor Agostini se ausentaria. Aguardo sua resposta, pedindo a
Deus para ajudá -lo com suas luzes. Acrescento uma impressã o
pessoal minha: que a proposta continua a ser para Sua Excelê ncia
uma nova e grande demonstraçã o da benevolê ncia e da con iança do
Santo Padre a seu respeito. Beijo o anel sagrado e com sentimentos
de particular afecto rati ico Vossa Excelê ncia rev.mo carinhoso servo
em Cristo. G B M , suplente ».
Como Angelo Roncalli aceitou a proposta que lhe veio de
Roma? Como esperado. Isso é con irmado por sua resposta
datada de 14 de novembro de 1952:
«Excelentı́ssimo Excelê ncia: Recebi a vossa reservada carta do dia 10
das correntes. Já reservei muito tempo para me entregar ao Senhor e
re letir. Na verdade, eu nã o precisava de muito. Tanto quanto Sua
Excelê ncia me refere e propõ e, não há absolutamente nada meu . Por
isso me limito a repetir mais uma vez o meu lema episcopal, aquele
que me foi sugerido pelo querido Padre Cesare Baronio, discı́pulo
amado de Sã o Filipe, que todas as tardes, na sua visita à Bası́lica de
Sã o Pedro, beijava o pé do apó stolo e dizia : Oboedientia et Pax . Que o
santo padre disponha de minha humilde pessoa com perfeita
liberdade de espı́rito. E Vossa Excelê ncia tem o prazer de assegurar a
Vossa Santidade que tenho muito pouca estima pela minha
parte. Para mim, tudo é superior aos meus mé ritos: mas, tendo
renunciado a tudo o que me diz respeito por muito tempo, isso torna
tudo mais fá cil e mais tranquilo, e em todas as ocasiõ es me garante
uma grande paz. Desejo sinceramente ao Excelentı́ssimo Patriarca de
Veneza que o Senhor o cure e permita que viva por muito tempo. Que
se eu tiver que sucedê -lo, conceda-me a graça de merecer o antigo
louvor de Sã o Marcos, discipulus et interpres Petri (discı́pulo e
inté rprete de Pedro). Queira aceitar, Excelê ncia, a expressã o da minha
mais calorosa estima. Com todo respeito e carinho. Angelo Giuseppe
Roncalli, Nú ncio Apostó lico ».

No dia 29 de novembro, o suplente voltou a anunciar algo


humanamente importante ao Nú ncio Roncalli por meio do
seguinte telegrama:
«Estou feliz e honrado em anunciar que o Santo Padre no pró ximo
consistó rio secreto em 12 de janeiro, se dignará Sua Excelê ncia o
Reverendı́ssimo com Suas Excelê ncias Dom Feltin Arcebispo de Paris
e Dom Grente Arcebispo de Le Mans. Pare. Expresso Sua Excelê ncia
as mais calorosas felicitaçõ es, com votos de respeito. Pare. M ».
O nú ncio Roncalli nã o sabia, mas nos desı́gnios misteriosos
ainda estava sendo forjado o homem de um concı́lio que
mudaria alguns usos: por exemplo, um certo privilé gio secular
da "maioria dos governos cristã os" de impor o morteiro do
cardeal a novos cardeais. Ele foi imposto ao Eliseu em 15 de
janeiro de 1953 pelo novo Presidente da Repú blica Francesa,
Vincent Auriol.
Algo tem a ver com isso a seguinte carta (12-1-1953) de -ya[26]-
“Secretá rio de Estado Adjunto” Juan Bautista Montini:
«Eminê ncia rev.ma: depois de ter partilhado com Sua Eminê ncia
Rev.ma com nota o icial desta mesma data a sua elevaçã o à dignidade
de cardeal, ocorrida esta manhã no consistó rio secreto, tenho a
agradá vel surpresa de exprimir a Sua Eminê ncia meus mais sinceros
e sinceros parabé ns. Neste feliz momento, tenho o prazer de
recomendar o ilustre senhor Luigi de los Marquises Serlupi d'Ongran,
nobre guarda de Sua Santidade, que, como mensageiro
extraordiná rio, é o portador do feliz anú ncio a Sua Eminê ncia; y estoy
convencido de que, puesto que Su Eminencia le brindará su
patrocinio para todo lo que pueda acontecerle en el desempeñ o de su
honrosa misió n, no dejará de hacer lo posible para que se le conceda
el honor de ser recibido por su excelencia el presidente de a
Republica. Ao expressar-lhe a minha mais profunda gratidã o por este
amá vel ofı́cio, aproveito com prazer a oportunidade para con irmar
os meus sentimentos de mais profundo respeito com os quais rati ico
a sua humilde, cordial e muito grata Eminê ncia. G B
M , Secretá rio Adjunto ”.
No livro de cartas Roncalli-Montini e vice-versa preparado por
Loris F. Capovilla (p. 61) há uma nota que explica algumas
coisas: «O Cardeal Roncalli esteve em Roma de 25 de fevereiro a
6 de março (1953). Nã o pô de ser recebido por Pio XII,
gravemente doente.
Uma das coisas que esta nota explica é que em 27 de fevereiro
Roncalli escreveu, de Roma, a seguinte nota ao Procurador
Montini:
«A Sua Excelê ncia Monsenhor Montini pelo Santo Padre. Expressã o
da minha devoçã o sempre muito sincera e profunda. A minha
gratidã o sem limites por esta ú ltima dignidade suprema e paternal
em enviar-me a Veneza. Faltam palavras para expressar tudo o que
sinto em humilitar-me (desde minha pequenez). Peço ao Santo Padre
que leia no meu coraçã o e esteja certo de que com a ajuda do Senhor
farei todos os esforços - que de outra forma nã o me custam caro,
porque antes me alegra - honrá -lo ...
E sempre para mim uma satisfaçã o sincera dirigir ao Santo Padre
tudo o que, em sentido de honra e parabé ns, foi feito em relaçã o ao
nú ncio de Paris em muitas formas antes de deixar o posto na França,
e aqui sobre o novo cardeal - o ú ltimo dos anos setenta - e o novo
Patriarca de Veneza na Itá lia, especialmente pelos meus
companheiros bergamascos e venezianos ... Orientando-me agora
totalmente para as minhas tarefas em Veneza, icaria extremamente
feliz em poder beijar os pé s de sua santidade antes de partir, mas nã o
peço nada contra o que pode corresponder e ser precioso para a sua
saú de.
Terei a satisfaçã o de saber que o Santo Padre me acompanha com a
sua bê nçã o forti icante e e icaz nestas duas semanas de introduçã o à
minha nova vida, em Bé rgamo durante trê s dias, e com indicaçõ es
especiais para os meus bons familiares, no caminho para os meus
bispos sufragâ neos. de Verona, Vicenza, Pá dua, aos monges de Praglia
em cujo mosteiro pretendo retirar-me para um trı́duo de oraçõ es e
retiro espiritual, e depois aos meus ilhos de Veneza, grandes e
pequenos, sem excluir nenhum. Meu coraçã o de ilho humilde bate
com o do Santo Padre, e com o dele e o meu, em perfeita e exultante
unidade, baterá todos os coraçõ es dos venezianos, sempre generosos
e ié is. A G R , eleito patriarca de Veneza ».
No dia seguinte (28/02/1953), Montini respondeu a Roncalli
assim:
«A mensagem que Sua Eminê ncia rev.ma me deu a honra de
apresentar em seu nome ao Santo Padre constituiu para ele uma forte
tentaçã o de impor uma audiê ncia que teria consolado grandemente o
seu coraçã o. Ele renuncia, tendo em consideraçã o as generosas
disposiçõ es de espı́rito de Sua Eminê ncia, que acolhe o que é mais
oportuno e precioso para a saú de da sua santidade.
Mas o coraçã o do Santo Padre está com o seu, Eminê ncia, para lhe
mostrar o que nã o pode expressar verbalmente e para acompanhá -lo
em seu novo campo de trabalho, com os votos de uma fecunda
atividade pastoral de todos os bens para a Igreja do Sã o Marcos., E
todos os tipos de consolaçõ es para o espı́rito sacerdotal do novo
Patriarca de Veneza. Com tais sentimentos, o Santo Padre dá a Sua
Eminê ncia a mais afetuosa das suas bê nçã os, abençoando ao mesmo
tempo seus familiares, os ié is de sua Igreja e todos aqueles que Sua
Eminê ncia carrega em seu coraçã o durante o curso de sua jornada,
para a plenitude de sua prosperidade cristã . M ».
O leitor percebe que a demissã o do nú ncio Roncalli de sua
missã o na França nã o foi exatamente "francesa". Mas é o caso
de acrescentar mais uma pincelada, para que a obrigató ria e
rá pida "liquidaçã o" deste capı́tulo de sua biogra ia també m nã o
seja "à francesa".
A seguinte citaçã o, extraı́da de um con idente do nú ncio que
estava para deixar Paris, deixando um pedaço de seu coraçã o na
Ville Lumiè re, pode servir como um toque inal para tal
fechamento:
«Como a minha estadia neste paı́s é prolongada, constato com prazer
que é possı́vel que os franceses tenham, como todos os outros, algum
defeito mais ou menos particular; mas sã o uma raça inteligente e
distinta, e no meio de suas exuberâ ncias conservam sempre um
fundo de senhorio que seria injusto nã o os reconhecer ».

6 Arcebispo-
Patriarca de Veneza

O material é farto para documentar cada novo capı́tulo das


vicissitudes de Angelo Roncalli, ascendendo externamente e
descendo em termos de autoestima ı́ntima.
Estamos no capı́tulo de sua missã o veneziana. Acabamos com a
tentaçã o de iniciar o capı́tulo com outro texto, para fazê -lo com
um tirado do Diário da Alma (p. 513), sob um tı́tulo Roncalliano
tã o simples como este: «Notas avulsas».
Diz aquela “nota solta” que abre a cronologia 1953-1958 (o que
durou a sua missã o na cidade da lagoa e provı́ncia):
«Dos exercı́cios de abril do ano passado à sombra do Sacré -Coeur de
Montmartre até este momento em que me encontro aqui como
Cardeal e Patriarca de Veneza, quantas transformaçõ es à minha
volta! Nã o sei onde parar mais, se no “Que alegria quando me
disseram: vamos à casa do Senhor ...”, com tudo o que se segue, ou se
continuar a fazê -lo sobre a minha confusã o que induz me a
sentimentos de humildade e de abandono no Senhor. Ele é , na
verdade, aquele que tudo fez e o fez sem mim, que nunca teria sido
capaz de imaginar ou aspirar tanto. Uma razã o para a alegria interior
é que permanecer humilde e abatido nã o me custa mais fadiga, mas
sim responde ao meu temperamento. De que, oh Senhor, estou
inchado ou orgulhoso? Nã o é verdade que meritum meum é
totalmente miseratio Domini ? (O meu mé rito é a misericó rdia do
Senhor) ».
Embora a vida da igreja tenha seu pró prio jargã o, à s vezes
assume expressõ es relativamente enganosas. Um deles, que à s
vezes re lete atitudes menos evangé licas do que o desejá vel, é
aquele que soa como "tomar posse".
Um pastor cuja atitude espiritual é totalmente expressa por
"tomar posse" nã o tem uma visã o muito adequada da essê ncia
de sua missã o. O espı́rito e a vontade de servir estavam
implı́citos no primeiro contato de Angelo Roncalli com Veneza.
Poré m, mesmo que seu ponto de vista fosse diferente, ele optou
por fazer aquele primeiro contato com disponibilidade para a
aceitaçã o do conselho daqueles que conheciam a diocese
melhor do que ele e estavam destinados a ser seus
colaboradores mais imediatos.
Em 15 de março de 1953, logo apó s sua nomeaçã o, escreveu ao
Vigá rio Geral da Diocese, Dom Macaeck:
«O Santo Padre fez-me compreender o seu desejo de que chegue o
mais cedo possı́vel e estou muito determinado a envidar todos os
esforços neste sentido. Gostaria de saber como vê , monsenhor, assim
como seus mais venerados colegas capitulares, uma soluçã o para o
problema do meu posto. Tendo em conta as circunstâ ncias da é poca,
nã o cabe perguntar se nã o seria melhor renunciar a toda solenidade
de recepçã o externa e comparecer a um domingo, por exemplo, em
San Marcos, para um primeiro contato espiritual com meus ilhos em
Veneza, o contacto que poderia continuar sucessivamente com eles
nas vá rias paró quias, sem solenidade litú rgica, mas com aquela
simplicidade que aproxima imediatamente os coraçõ es? A verdade é
que nã o me atrevo a julgar. Re iro-me inteiramente ao desejo de que
me seja expresso por aqueles que estã o em posiçã o de conhecer o
assunto melhor do que eu.
Cada incorporaçã o ao serviço de uma diocese re lete bem a
personalidade do novo pastor atravé s, por exemplo, do discurso
que normalmente o acompanha. Roncalli preparou o seu para a
auto-apresentaçã o: um discurso que, como veremos em um
momento, revelou-se, em sua sinceridade muito "Roncalliana",
altamente original:
«Quero falar-vos com a maior simplicidade de palavra e de
coraçã o. Você me esperou ansiosamente. Coisas foram escritas sobre
mim muito alé m de meus mé ritos. Eu humildemente me
apresento. Como todos os outros homens aqui embaixo, estou com
boa saú de fı́sica e tenho um certo bom senso que me ajuda a ver as
coisas com rapidez e clareza. Com uma tendê ncia a amar os homens
que me manté m iel à lei do evangelho, respeitoso com meu direito e
o dos outros, e me impede de causar danos a quem quer que
seja; encorajando-me, em vez disso, a fazer o bem a todos.
Venho de gente humilde e fui criada numa pobreza alegre e
abençoada, que pouco exige e que favorece o lorescimento das mais
nobres e elevadas virtudes e prepara para as sublimes elevaçõ es da
vida. A Providê ncia me tirou da minha cidade natal e me fez
percorrer os caminhos do mundo no Oriente e no Ocidente,
aproximando pessoas de religiõ es e ideologias diversas, em contato
com problemas sociais, á rduos e ameaçadores, e mantendo minha
calma e equilı́brio na investigaçã o e a avaliaçã o ».
Foi um discurso longo, mais do que é citado dele aqui
obviamente, mas com certeza nã o foi pesado para seus
ouvintes:
«Sempre me preocupei, salvo a irmeza dos princı́pios do credo
cató lico e da moral, mais do que o que une do que o que separa e
suscita contrastes ... Tenho a irme intençã o de manter o que me
honrou até agora e que talvez ele preparou este retorno a Veneza,
entre pessoas nobres, particularmente sensı́veis aos apelos do
coraçã o, à simplicidade do tratamento, do diá logo, das obras, à quela
sinceridade respeitosa e jovial das relaçõ es das quais deriva, embora
em proporçõ es limitadas, o homem que gosta do tı́tulo de um
cavalheiro infalı́vel, um cavalheiro sem mancha, que merece um
respeito con iá vel. Tal é o homem e o cidadã o que Veneza tem o
prazer de receber com tanta alegria. Desde que nasci, nunca pensei
em outra coisa senã o ser padre. Assim, o humilde ilho do povo foi
constituı́do em funçã o admirá vel para o benefı́cio do povo em seu
quae sunt ad Deum (nas coisas que se referem a Deus). Como
representante do povo, oferecendo dons e sacrifı́cios ao Senhor
diariamente, atravé s de um ministé rio de propiciaçã o pelos pecados
e pecadores, em constante exercı́cio de doaçã o ...
Muitas vezes ouvi dizer: “Este padre parece apto para vá rios
serviços; mas a tendê ncia do pastor predomina nele ”. Visto que me
considerava um jovem sacerdote, nã o aspirava a outra coisa senã o
ser um bom sacerdote rural em minha diocese. Mas a providê ncia
quis me orientar de outras maneiras antes de chegar aqui. Nas
mú ltiplas missõ es que a Santa Igreja me con iou, no contacto com os
homens de todas as religiõ es e de todas as raças, a minha
preocupaçã o constante tem sido manifestar o cará cter pastoral, e
estou feliz por isso. Em Constantinopla, onde exercia o ministé rio
pastoral, minha primeira preocupaçã o foi estabelecer a situaçã o das
almas e, assim, assegurar a instruçã o catequé tica. Nã o há nada que
interesse mais, e você tem que começar por aı́ e continuar por esse
caminho.
Nossas dioceses lorescem porque nelas está enraizada esta tradiçã o
cristã , garantia certa de que as almas se perderã o. E assim que meu
ministé rio será entre você s. Nã o olhe, entã o, para seu patriarca como
um polı́tico ou diplomata; procura o sacerdote, o pastor das almas,
que exerce o seu ofı́cio entre vó s em nome de nosso Senhor. Que o
beato Pio X me proteja. Tive a sorte e a sorte de vê -lo no dia em que
celebrei minha primeira missa na Bası́lica de Sã o Pedro, em 11 de
agosto de 1904. Quando o Santo Padre apareceu, que me
acompanhava, disse: “Santidade, este é um jovem sacerdote quem
rezou esta manhã a primeira missa ”. O Papa se inclinou sobre
mim. Disse-lhe palavras que me lembro muito bem, mas que
continuarã o a ser as intimidades mais queridas de minhas promessas
sacerdotais. Pio X colocou as duas mã os na minha cabeça e disse:
“Bravo; Abençoo-vos e encorajo-vos a honrar estes propó sitos e
espero que o vosso sacerdó cio sirva de consolo à Igreja de Deus ”.
No Diário da Alma (p. 515) ele registrou o choque e as
consequê ncias espirituais que deduziu da cordialidade com que
foi recebido pelos venezianos:
«A entrada triunfal em Veneza e estes primeiros dois meses de
contacto com os meus ilhos oferecem-me um sinal da bondade
natural dos venezianos para com o seu patriarca; eles me dã o muito
incentivo. Nã o pretendo impor outros preceitos a mim mesmo. Mas
vou continuar no meu caminho e com meu
temperamento. Humildade, simplicidade, adesã o verbo et opere (na
palavra e nas obras) ao evangelho, com incansá vel mansidã o, com
indomá vel paciê ncia, com zelo paternal e insaciá vel bem das
almas. Observo que estou sendo ouvido de boa vontade, e minha
palavra simples vai diretamente aos coraçõ es. No entanto, tomarei o
maior cuidado em me preparar bem, para que minha pregaçã o nã o
falte dignidade e sirva cada vez mais à edi icaçã o.
Nos cinco anos que passou em Veneza considerou, com serena
ló gica, que se aproximava o seu im. Nã o era um pensamento
que lhe tiraria o sono, como ele mesmo registrou no Diário da
alma (p. 516):
As vezes, o pensamento de quã o pouco tempo tenho de viver
ameaçava diminuir meu entusiasmo. Com a ajuda do Senhor, ele nã o
o fará . "Nã o tenho medo da morte, nã o me recuso a viver." A vontade
do Senhor é sempre minha paz. O arco da minha vida humilde - muito
honrado, muito mais do que teria merecido, pela santa sé - de minha
cidade natal dobra em direçã o à s cú pulas e piná culos de San
Marcos. Quero apresentar no meu testamento o pedido de que me
reserve um nicho na cripta da bası́lica (de Sã o Marcos) junto ao
tú mulo do evangelista que já se tornou tã o querido e familiar ao meu
espı́rito e à minha oraçã o ».
Tal pedido nã o poderia ser satisfeito: ele seria enterrado em
outro lugar que nã o previu. Muito menos ele previu que seu
tú mulo se tornaria um destino de peregrinaçã o.
Do lado de San Marcos, ele alcançou (10-8-1954) a data
convencional de suas "bodas de ouro" sacerdotais. Ele fez um
relato de suas memó rias e sentimentos nas pá ginas (524-525)
do Diá rio da alma:
«Hoje faz exatamente cinquenta anos desde a minha ordenaçã o
sacerdotal. Tenho tudo presente diante dos meus olhos: a igreja,
Santa Maria em Monte Santo, Sua Excelê ncia Monsenhor Giuseppe
Ceppetelli, o bispo ordenador, os poucos ordenados, em primeiro
lugar o P. Nicola Turchi; entre nó s dois, Don Ernesto Buonaiuti, que
morreu excomungado[27]; nessa circunstâ ncia ajudou-me a preparar
os ornamentos sagrados e a segurar o missal. Oh Jesus, quantas
graças você me deu durante este meio sé culo! També m dê as boas-
vindas à sua alma nas profundezas da sua misericó rdia. As horas
deste dia permanecem veladas pela privacidade. Santa Missa no
cemité rio, junto aos tú mulos do meu querido defunto: pá rocos,
familiares, ié is da minha pró pria paró quia.
Em 1 de novembro de 1954, um acontecimento decisivo e
relativamente imprevisto e providencial ocorreu na carreira de
um grande amigo do Patriarca de Veneza: o promotor de Estado
Montini foi promovido à Arquidiocese de Milã o (e parece ter
sido 'removido' de a proximidade de Pio XII, onde parece que
alguns foram "impedidos").
Capovilla expressou por escrito a surpresa de Roncalli ao saber
daquela nomeaçã o que separava Montini do Secretá rio de
Estado: "E onde encontrarã o algué m tã o capaz como ele de
escrever uma carta ou um documento?"
Em 12 de dezembro de 1954, Montini recebeu das mã os de Pio
XII a consagraçã o episcopal na bası́lica do Vaticano. Angelo
Roncalli gostaria de estar presente para mostrar ao amigo seu
apreço e carinho. Ele se absteve de fazê -lo, pensando que sua
presença poderia ser indiscreta devido a algumas
circunstâ ncias que ele sentiu que poderiam ter in luenciado o
inesperado destino milanê s de Montini.
Ele foi representado por um importante amigo veneziano na
Cú ria, o mesmo que ele nomearia para sucedê -lo apó s sua
eleiçã o como papa: Monsenhor Giovanni Urbani. A Montini,
datado do dia da sua consagraçã o, enviou a seguinte carta,
cheia de expressividade dentro de um certo barroco
Roncalliano:
“Excelê ncia: implorei a monsenhor Urbani que representasse toda
Veneza, inclusive seu patriarca, no rito sagrado de hoje. Excelê ncia, o
mesmo lindo cé u lombardo sorriu no inı́cio da nossa vida. O longo
há bito de relaçõ es fraternas anima com alegria o nosso serviço
comum à Santa Sé . Hoje, a ordenaçã o episcopal sela a consagraçã o de
Sua Excelê ncia os santos pedidos do ministé rio pastoral. Meu espı́rito
se alegra, e as regiõ es sufragâ neas com seus lı́deres eclesiá sticos se
alegram comigo. Aqui, esperamos por você nos sulcos sagrados.
O humilde sucessor de Sã o Lourenço Justiniano e Sã o Pio X estende
os braços para o abraço do mais novo e ilustre sucessor de Santo
Ambró sio e Sã o Carlos Borromeu. Da mesma forma que nossos
santos nos olham do cé u, os ié is nos observam, nos chamam e nos
encorajam desde Milã o e de todas as suas inú meras e lorescentes
paró quias; e, deixe-me a irmar, també m de Veneza e de suas regiõ es,
o "Lagunar", o Tridentina e o Giulia.
Cumpriremos juntos o sacramentum voluntis Christi ("sacramento da
vontade de Cristo") que Sã o Paulo disse (Ef 1, 9-10). Um sacramento
que impõ e a adoraçã o à cruz, mas tem guardado para nó s, ao lado
dela, uma fonte de consolaçõ es inefá veis també m para aqui embaixo,
enquanto durar a vida e o mandato pastoral. Prezada e venerada
Excelê ncia: Nã o sei como dizer-lhe mais nada. Mas onde minha
capacidade verbal nã o é su iciente, você lê no coraçã o. Eu o saú do e
abraço no osculo sancto (com um abraço santo). E, abraçando-o
assim, vislumbro à meia-luz, para alé m da sua nobre e sorridente
igura bresciana, as piedosas e sagradas iguras dos seus quatro
cardeais predecessores: Ferrari (que logo devemos trazer à honra
dos altares), Ratti (Pio XI), Tosi e Schuster, todas boas e amá veis
almas ao seu mais atencioso e afetuoso, A G R ,
Patriarca ».
Montini respondeu com o seguinte telegrama: "Que Deus
troque as graças pelo vosso ministé rio pastoral e venerá vel
pessoa a consolaçã o trazida pela vossa amá vel e sá bia carta ao
vosso afetuoso M ".
Montini entrou em contato com a arquidiocese lombarda, em
um espı́rito muito semelhante ao de Roncalli, na tarde muito
chuvosa de 6 de janeiro de 1955, festa da Epifania. No dia
seguinte, outro telegrama saiu de Veneza:
«Compartilhando a alegria com o clero e o povo milanê s, renovo os
votos fervorosos de admissã o Sua Excelê ncia Sagrado Esplendor
Cá tedra Santo Ambrosiano que interpretará o sentimento unâ nime
dos bispos e ié is de toda a regiã o de Trivene mais antiquo aclamação
ad multos annos te servet Christus gloria nostra lux via vita et fortitudo
nostra[28]. A G R , Patriarca de Veneza ».
Em 9 de outubro de 1958, com Montini "nada mais" do que um
simples arcebispo de uma diocese cardeal - a maior entã o na
Igreja Cató lica por nú mero de cató licos e por estruturas
(nú mero de paró quias, padres, religiosos e religiosas) - e com
Angelo Roncalli Arcebispo Patriarca Cardeal de Veneza, Pio XII
morreu em sua residê ncia em Castelgandolfo.
Em meio a uma grande confusã o por parte da opiniã o pú blica
(e talvez dos pró prios eleitores) na hora de apontar possı́veis
candidatos a sucessores do Papa recé m-falecido, aquele que
dava sinais de ter um candidato seguro, sem se importar que
ele ainda nã o era cardeal, era aquele que era (e patriarca) de
Veneza.
Ele nã o o proclamou aos quatro ventos, mas o mencionou em
algum grupo de amigos com boas lembranças; també m na
presença de seu secretá rio Loris F. Capovilla, que deu
testemunho do fato: seu candidato foi Juan Bautista
Montini. Mas o escolhido, na noite de 28 de outubro de 1958,
foi aquele que nã o parecia entrar nas previsõ es dos homens,
mas que entrava nas que escrevem direito com as linhas tortas
dos homens. Nem é preciso dizer, porque o leitor já tem a
resposta: Angelo Giuseppe Roncalli.
Na noite da eleiçã o, antes que aqueles que mal conheciam o
novo papa - que era quase todos - se recuperassem do choque
emocional, já havia saı́do de Milã o um telegrama que nã o
expressava surpresa, mas alegria:
«A cató lica milanesa cheia de alegria quer exprimir o seu aplauso
pela eleiçã o Vossa Santidade, apresentando-lhe ao mesmo tempo
uma ilial muito devotada homenagem, amor e idelidade,
assegurando as oraçõ es dos Santos Ambró sio e Carlos para que com
os Santos Pedro e Paulo apoiem e confortem o novo
pontı́ ice. Pare. M , Arcebispo , implora humildemente pela
Bê nçã o Apostó lica .
O novo Papa respondeu com outro em 31 de outubro:
«Mensagem que nos traz um eco iel, uma exultaçã o vibrante, a
Arquidiocese Ambrosiana, a nossa elevaçã o da Sé Apostó lica,
oferecendo homenagem ilial, amor e devoçã o, encontra no espı́rito
paternal a nossa resposta de complacê ncia, gratidã o,
benevolê ncia. Pare. Evocando laços de fé e cuidado, unidos numa
fecunda solidariedade espiritual, querido Bé rgamo com Milã o e
Veneza, sentimos reviver com profunda emoçã o as suaves memó rias,
as relaçõ es cordiais e os mú ltiplos contactos com os que nos foram
oferecidos em Milã o, onde carinho queridos, pastoral, pesquisa
histó rica sobre a vida, atividade de Sã o Carlos
Borromeo. Pare. Sempre recordando e agradecendo vivamente as
preciosas oraçõ es suscitadas pelos gloriosos santos Ambrosio e
Carlos pela nossa consolaçã o e apoio, comunicamos com a mais
cordial efusã o a Vó s, zeloso e digno pastor, ao clero, à s autoridades e
aos ié is todas as queridas arquidioceses imploradas a bê nçã o
apostó lica propiciató ria. Pare. J PP XXIII ».

7 meu nome é
joão XXIII

Trê s anos antes de acontecer o que surpreendentemente


aconteceu, em janeiro de 1955, já havia quem ousasse
profetizar o que iria acontecer. Que nã o? O que, como e de
onde?
Carta (1-8-1955) do Arcebispo Patriarca de Veneza a sua irmã
Maria:
«Fora daqui, na França, há ainda mais do que aquele que, baixinho, já
me dá os parabé ns: algum francê s maluco, que tem revelaçõ es e
visõ es duplas, veio mesmo para me dar o nome que vou escolher
quando me izerem Papai[29]. Louco, louco tudo pra amarrar! De
minha parte, penso na morte. Tenho aqui o meu programa de
trabalho para este ano e també m para o pró ximo, altura em que se
celebrará o quinto centená rio de Sã o Lourenço Justiniano, primeiro
Patriarca de Veneza. Todos os dias me encontro preparado e pronto
para morrer bem, sem nenhum outro desejo alé m de fazer a vontade
do Senhor. Posso assegurar-lhe, minha irmã , que viver assim, com
disposiçã o cotidiana e preparando-se para morrer bem, acaba por
manter e aumentar em meu coraçã o uma paz ainda mais viva e suave
do que antes. E como uma amostra do paraı́so, onde os familiares que
nos precederam nos aguardam ».
Quando Angelo escreveu essas coisas para sua irmã Maria, Pio
XII estava gravemente doente, embora o Vaticano tivesse o
cuidado de vazar notı́cias sobre a saú de precá ria do Papa. Em
relaçã o a Pio XII, Angelo já havia escrito outras coisas em cartas
anteriores à famı́lia. Por exemplo, em março de 1939, um dia
apó s a eleiçã o de seu antecessor, ele havia escrito:
«Antes de entrar no conclave, Cardeal Pacelli[30]ele havia me enviado
um telegrama, ao qual respondi imediatamente. E prová vel que meu
telegrama tenha sido a ú ltima saudaçã o que recebeu antes de ser
eleito Papa.
Em outra carta, assegurou à irmã : «A minha comunicaçã o com
o Santo Padre é contı́nua e a sua santidade segue-me com uma
bondade contı́nua que me comove».
Em 1955, em outra carta, o futuro sucessor se atreveu a fazer
uma previsã o sobre a saú de de Pio XII que mostraria que até
um homem como ele poderia estar errado, como todo ilho de
um vizinho: “Tenho pouca con iança de que o Santo Padre vai
ter sucesso, apesar de tantos mé dicos, remé dios e
despesas. Claro, sua vida é um milagre. Mas os milagres, como
você bem sabe, nã o duram muito.
Pio XII ainda duraria trê s anos!
Apó s a sua morte, contra todas as probabilidades, exceto a de
algum "louco" francê s, foi escolhido para sucedê -lo, apesar do
fato de ter outro candidato e a maioria parecer ser, segundo os
jornalistas presumivelmente mais bem informados, os
armê nios -Cardeal Romano Gregorio Agagianian. Sua escolha
surpreendeu a todos.
Muitos icaram surpresos com o nome que ele escolheu - Juan
XXIII -, mas ainda mais surpresos com os "modos
revolucioná rios" que ele introduziu em sua atuaçã o como papa,
ele, um clé rigo tã o apaixonado pelas "boas" tradiçõ es.
As surpresas apareceram logo e se seguiram em cadeia. Em
ordem cronoló gica, a primeira e maior de todas foi -
obviamente - a de sua escolha, a base das surpresas
seguintes. Claro: sua eleiçã o foi precedida de onze votos, o que
mostra que a maioria necessá ria demorou a ocorrer.
Assim que foi veri icada a maioria necessá ria, a surpresa de sua
resposta veio ao cardeal reitor, que lhe perguntou se ele
aceitava a eleiçã o feita para sumo pontı́ ice. A resposta do
recé m-eleito sugere a lucidez com que aceitou uma tarefa
sobre-humana, apesar de dar sempre a impressã o de a cumprir
com naturalidade e sem esforço: «Curvo a cabeça e as costas
perante o cá lice da amargura e do jugo da cruz. ».
E imediatamente a surpresa do nome, cuja escolha raciocinou
com uma ló gica tã o simples e avassaladora que nenhum outro
pareceria adequado para a crô nica ou para a histó ria. Histó ria e
crô nica resumidas em sua explicaçã o muito simples:
« Vocabor Joannes : meu nome é Juan. Este nome é muito doce para
mim porque é o nome do meu pai. E bom porque é o titular da
paró quia onde recebi o baptismo. E um nome que na longa sé rie dos
pontı́ ices romanos goza de uma primazia numé rica. Na verdade,
existem 22 supremos pontı́ ices de legitimidade indiscutı́vel com o
nome de John. A maioria deles teve um ponti icado muito
curto. Preferi encobrir a pequenez do meu nome por trá s dessa
magnı́ ica sucessã o de pontı́ ices romanos. Sã o Marcos Evangelista,
gló ria e protetor da minha querida Veneza, a quem Sã o Pedro amava
como ilho, nã o levava també m o primeiro nome de Joã o: Juan
Marcos?
Mas eu amo o nome de Joã o de uma maneira particular por causa da
dupla denominaçã o de dois homens que eram pró ximos a Cristo
Senhor, divino Redentor de todo o mundo e fundador da Igreja. Joã o
Batista, precursor de nosso Senhor: ele nã o era a luz, mas era uma
testemunha da luz. E ele foi verdadeiramente uma testemunha invicta
da verdade, da justiça e da liberdade, na sua pregaçã o, no baptismo
de penitê ncia e no sangue que derramou.
E o outro Joã o, o discı́pulo e evangelista, o amado de Cristo e de sua
doce Mã e, que durante a ceia se deitou no seio do Senhor e bebeu
aquela caridade da qual foi chama viva e apostó lica até tarde na vida.
Outras surpresas se seguiram imediatamente. Já foi dito:
sobretudo nos seus "caminhos" e gestos, que nã o deviam ser
tã o surpreendentes, vindos de algué m que assumiu com
absoluta naturalidade a mensagem daquele que
representava. Queria que sua coroaçã o papal ocorresse em 4 de
novembro, festa de um santo de quem era devoto e admirador,
Sã o Carlos Borromeu.
Mas, mesmo antes da coroaçã o, ele havia tomado algumas
decisõ es que considerou bastante ló gicas. Como aquele que,
atravé s da carta de autó grafos[31], imediatamente anunciado ao
Arcebispo de Milã o:
“Carı́ssima Excelê ncia: Estou prestes a descer à (Bası́lica de) Sã o
Pedro para a grande cerimó nia (da coroaçã o). Penso em Sã o Carlos,
no seu sucessor e em todos os milaneses, clé rigos e povo. Queria, na
ordem do grande rito, um pequeno lugar para a breve homilia porque
me interessava recordar Sã o Carlos, cujo nome acrescentei à
invocaçã o das litanias: Sancte Carole, tu illum adjuva (Ajude-o, Santo
Charles). Em seguida, anunciarei o consistó rio em que aparecerã o os
nomes de Monsenhor Montini e Monsenhor Tardini. Mas isso
acontecerá no decorrer da semana. Enquanto isso, segredo
absoluto[32]. Excelê ncia: continue orando e orando por mim. Como
em tudo o que me aconteceu nã o há nada meu, exceto o Suscipe,
Domine, universam meam libertatem (Recebe, Senhor, toda a minha
liberdade), com o que se segue, ico absolutamente tranquilo diante
de qualquer evento. Oboedientia et pax . Carinhoso e
abençoado, J PP XXIII ».
Em 17 de novembro, quando tornou pú blica a lista dos novos
cardeais encabeçados pelo nome de seu amigo Juan Bautista
Montini, Juan XXIII escreveu-lhe outra carta.
E se Montini nã o respondesse à anterior? Ele fez, é claro. Mas
ele nã o "ousou", por respeito - ele conhecia melhor do que
ningué m os há bitos, bons e nem tanto, do Vaticano - de fazê -lo
diretamente ao Papa. Fez isso com sua secretá ria, Loris F.
Capovilla, que havia acompanhado o autó grafo de Juan XXIII
com algumas linhas, nos seguintes termos:
«Caro monsenhor, recebi a sua carta juntamente com o precioso
autó grafo do Santo Padre, o novo Papa Joã o XXIII. Li de joelhos, na
minha capela, confuso com tanta dignidade e tanta bondade. Saber
que o Papa, no dia da sua coroaçã o, na festa de Sã o Carlos, antes da
cerimó nia solene, se lembra do humilde signatá rio e se digna a
escrever-lhe pessoalmente, com uma simplicidade que torna o valor
do documento imensamente apreciá vel, é algo que me tira o fô lego e
pelo qual me sinto incapaz de encontrar palavras adequadas de
gratidã o. Gostaria de lhe pedir, Monsenhor, que encontrasse uma
forma de expressar ao Papa a minha surpresa, que só na oraçã o
encontra uma efusã o humilde e ilial. Com o mais caloroso respeito, o
seu mais afetuoso em Cristo, J B M , Arcebispo.
Como Montini havia respondido ao Papa por meio de seu
secretá rio pessoal, Joã o XXIII escreveu-lhe novamente em 17 de
novembro nos seguintes termos:
«Eminê ncia: Hoje foi anunciado como Cardeal da Santa Igreja
Romana em boa e numerosa companhia. O novo pontı́ ice continua
com seu noviciado, que pela graça do Senhor nã o está indo mal (nem
mal). Meritum meum miseratio Domini (o meu mé rito é a
misericó rdia do Senhor). Fiquei muito satisfeito com sua carta de
alguns dias atrá s. Eu estou me animando Jamais poderia esperar que
me fosse oferecida a oportunidade de mostrar o meu apreço por
tantos gestos amá veis que fui objeto de sua parte ao longo dos 25
anos de meu serviço à Santa Sé e à s almas. Adianto estas sinceras
palavras para obter o mais rapidamente possível da paciê ncia de Sua
Eminê ncia o grande favor de uma pá gina de adesã o como pró logo ao
ú ltimo volume da minha antiga editora que Sua Eminê ncia
conhece[33]... Responda-me sim, Eminê ncia. Isso vai me dar uma
grande alegria. Carinhoso (perdoe a minha inexperiê ncia), J
PP XXIII ».
As tradiçõ es eclesiá sticas reservam ao cardeal que encabeça a
lista dos promovidos pelo novo papa a honra de agradecer ao
papa em nome de seu companheiro de promoçã o.
Montini assim o fez, no dia em que todos na Bası́lica de Sã o
Pedro receberam o boné das mã os de Joã o XXIII (18/12/1958)
com um expressivo elogio à bondade do novo Sumo Pontı́ ice:
«A tua bondade está pronta, Santı́ssimo Padre, que em poucos dias
fez vibrar Roma, a Igreja, as missõ es, o mundo com agradá veis
surpresas. Enquanto a vossa adesã o viva e aberta à velocidade
desenfreada, tı́pica do estilo da é poca, nos alerta para a conveniê ncia
de acelerar ao má ximo a chegada do bem, e de dotar a açã o da Igreja,
dentro do peso e da gravidade que sã o sempre convenientes para ele,
com a prontidã o que hoje exige a crise espiritual de nossa sociedade
e a urgê ncia de suas necessidades e, sempre, a lei da caridade.
Sá bia bondade é a vossa, que das investigaçõ es pacientes e
silenciosas dos papé is herdados dos sé culos e adormecidos nos
arquivos eclesiá sticos, sabe aproveitar muito os bons estudos da
histó ria da Igreja e deduzir um exemplo de experiê ncia pastoral.
Astuta bondade que, indulgente em cada encontro da conversaçã o
humana, nada rende dos direitos da verdade e da justiça, mas com a
simplicidade aliada à prudê ncia é capaz de insinuar suaves fó rmulas
de justiça e de verdade que, para serem justas e felizes, elas nã o sã o
fracos ou ambı́guos, mas precisamente bons e sá bios.
Forte bondade é sua, deixe-me ainda dizer-lhe, Santı́ssimo Padre, que
o homem hesitante nã o oferece sua mã o trê mula e indecisa, mas
robusta e paternal.
Bondade de Cristo, que sublima as virtudes naturais da piedade e da
simpatia humana à arte de aproximar os homens, de os compreender,
de se interessar pela sua sorte suprema, de sentir pena deles, de os
admoestar, de os abrir à revelaçã o dos o chamado cristã o e a caridade
divina; e quem gosta mais de dar e sofrer pelos outros do que
guardar para si e divertir-se ».
As surpresas do «jovem» Papa Joã o XXIII (foi eleito aos 77
anos)[3,4] em nenhum caso implicaram uma ruptura com os
valores do evangelho, que sempre assumiu e incorporou em
toda a sua pureza.
Mas nã o tê m razã o, sem tentar "montar" um polê mico per il do
papa do bem, que insinua sabe-se lá quais sã o os "avanços" em
maté ria de fé e moral, se Joã o XXIII tivesse sobrevivido mais
alguns anos. Que seus "caminhos" seguiram caminhos um tanto
diferentes daqueles de (acima de tudo, alguns) seus sucessores
nã o pode ser descartada. Mas está totalmente fora de questã o
que ele se distanciou da crença comum em termos
essenciais. Sua proclamaçã o de fé teve formulaçõ es irmes
(discurso de 29 de julho de 1961):
«O depositum idei (depó sito da fé ) é intangı́vel e inquebrá vel. Mas
nã o poderia ser transmitido com absoluta irmeza e segurança caso a
idelidade à tradiçã o, aquele vigilante senso de moderaçã o e respeito,
aquela retidã o mental que constituem uma expressã o de integridade
e coragem fossem enfraquecidas no clero. O espı́rito desintegrador e
independente que uma erudiçã o super icial, carente de bases
ilosó icas, espalha com lamentá vel leveza e pertiná cia nã o pode ser
enfrentado se a vigilâ ncia do gosto residual de certas divagaçõ es e
curiosidades for negligenciada no jovem clero, "tudo o que nã o vai
bem" (Ef 5.4). A ciê ncia do clero deve progredir no estudo das
Escrituras, dos pais, das grandes correntes da espiritualidade e dos
princı́pios cristã os da sociologia.
Gosto de repetir algo que tive a oportunidade de dizer (18 de
setembro de 1958) por ocasiã o do primeiro centená rio da ordenaçã o
sacerdotal de Pio X: “A impressã o de que alguns eclesiá sticos hoje nã o
sã o capazes de resistir à s tentaçõ es do presente hora: tentaçõ es de
maiores e mais re inados confortos da vida, de super icialidade no
estudo, no julgamento, no falar; de interesse exagerado pelo que faz
barulho; de inquietaçã o diante dos deveres de cada dia que impõ em
abnegaçã o, desapego, paciê ncia, mansidã o ”».
Em 28 de outubro de 1959, no primeiro aniversá rio de sua
eleiçã o em um clima de anedotas e gestos que encheram o
mundo inteiro com a paternidade transbordante do novo papa,
muitos peregrinos vieram a Roma para celebrar Joã o XXIII. Ele
captou e apreciou a expressã o de tais sentimentos com palavras
que merecem ser evocadas aqui:
«Passou um ano desde que, com o voto do Sagrado Colé gio dos
Cardeais, se determinou a vontade do Senhor a favor da minha
humilde pessoa. Um ano e parece um dia. Agradeço-vos o que
signi ica a vossa presença aqui, junto ao tú mulo do prı́ncipe dos
apó stolos, deste templo que juntos simbolizam toda a humanidade
que Cristo redimiu.
Os pressá gios de longevidade, prosperidade e ê xito da acçã o pastoral
que acaba de exprimir comovem-me, mas nã o me privam do
pensamento da outra vida que me espera e da qual chegam os
convites, mesmo con iando na misericó rdia do Senhor. da Igreja
triunfante, que é a aspiraçã o contı́nua de todas as almas que crê em
em Jesus, Salvador e Rei glorioso e imortal dos sé culos
eternos. Quanto ao resto, compreende como é belo e necessá rio,
desde que me seja concedido o dom da vida, preservá -la para as altas
responsabilidades do magisté rio sagrado e do ministé rio sacerdotal
que a providê ncia divina colocou nas minhas costas e em meu
coraçã o ...
Levando em conta as primeiras experiê ncias que o Senhor, durante o
ano passado, me fez saborear doçuras, direi que nunca como neste
primeiro dia do segundo ano o desı́gnio geral da grande missã o me
pareceu mais claro. do ponti icado, depositá rio do testamento de
Cristo, tal como considerar e contemplar os pontos de oraçã o mais
luminosos que Jesus na montanha quis ensinar aos seus, como estela
resplandecente do apostolado da Santa Igreja ... ».
O termo "homem de Deus" foi aplicado de maneira mais
adequada a poucas pessoas do que a Joã o XXIII. Ele o era na
simplicidade de sua bondade natural e cultivada e na
serenidade de uma fé sem convulsõ es:
«Nunca tive dú vidas de fé . Sempre acreditei com a consciê ncia
limpa. O rationabile obsequium (assentimento racional) ao
patrimô nio da revelaçã o divina nã o me custou nada . Só um ponto me
permanece obscuro: a lentidã o da penetraçã o evangé lica no
mundo; as á reas sombreadas, as enormes paralisaçõ es durante
sé culos. Já se passaram dois mil anos desde o mandato do Redentor:
«Caminhando, fazei discı́pulos de todos» (Mt 28,19) ».
Esse misté rio sempre foi apresentado a ele em seu drama
esmagador, como ele confessaria em seu leito de morte:
«O segredo do meu sacerdó cio está no cruci ixo que coloquei diante
da minha cama. Ele olha para mim e eu falo com ele. Nas longas e
frequentes conversas noturnas, o pensamento da redençã o do mundo
parecia mais urgente do que nunca. “Tenho outras ovelhas que nã o
sã o deste rebanho” (Jo 10,16). Seus braços estendidos dizem que ele
morreu por todos, sem nenhuma exclusã o: ningué m é rejeitado por
seu amor, por seu perdã o. Mas é particularmente o ut unum synt (que
eles sejam um) que Cristo con iou à sua Igreja como testamento. A
santi icaçã o do clero e do povo, a catequese dos cristã os, a pregaçã o
do Evangelho ao povo constituem, portanto, a principal tarefa dos
bispos e do Papa.
Um dia, falando com o iló sofo francê s Jean Guitton no terraço
de sua residê ncia em Castelgandolfo, ele lhe disse, referindo-se
aos jesuı́tas que estavam encarregados do observató rio
astronô mico que ica na pró pria villa pontifı́cia:
«Estes sá bios precisam de instrumentos complicados para vasculhar
o cé u. Basta a luz das estrelas para subir à s novas fronteiras do
apostolado credı́vel e conquistador, da mesma forma que Abraã o
caminhou rumo à Terra Prometida »[35].
A ideia do Conselho
Loris F. Capovilla garante[36]que já em 2 de novembro (isto é ,
trê s dias depois de sua eleiçã o, quando ainda nã o havia
ocorrido sua solene coroaçã o) ele lhe havia falado de um
concı́lio. Que novamente em 21 de novembro, indo do Vaticano
a Castelgandolfo, voltou a aludir ao assunto. E que ele fez isso
pela terceira vez alguns dias antes do Natal.
E confessa que nã o gostou do assunto porque lhe parecia que,
aos 77 anos, Joã o XXIII já tinha mais do que su iciente para
"meter-se um pouco nos sulcos dos seus antecessores,
contentando-se em fazer fertilizar o talento. da paternidade,
com a qual ele foi indubitavelmente dotado. '
Até que uma noite, depois do rosá rio, seu "patrã o" deu-lhe a
resposta que suas dú vidas e medos mereciam:
Você ainda nã o se separou de si mesmo; você se preocupa em ter uma
boa aparê ncia e projeta sua preocupaçã o na pessoa de seu
superior. Só depois de se colocar sob seus pé s o homem pode ser
totalmente livre. Você ainda nã o está .
Capovilla re lete, a mais de trê s dé cadas de distâ ncia: «Juan
XXIII era livre. Ele colocou seu ego sob seus pé s e o manteve lá
no exato momento em que alguns o aplaudiram, outros o
apoiaram e outros duvidaram.
Em 25 de janeiro de 1959, menos de dois meses apó s sua
eleiçã o, na Bası́lica de Sã o Paulo Fora dos Muros onde assistia a
um ato solene de encerramento do Octavá rio da Unidade,
surpreendeu o mundo com o anú ncio de um Concı́lio.
Posteriormente, em 8 de maio de 1960, quando a opiniã o
pú blica foi surpreendida pela opiniã o pú blica sobre as questõ es
que o Concı́lio poderia abordar, Joã o XXIII explicou com
absoluta naturalidade, em audiê ncia pú blica, como surgiu e
teve a pró pria ideia de o evento ecumê nico tomou forma:
“A partir de uma pergunta feita em uma conversa privada com o
Secretá rio de Estado, Cardeal Tardini, veri icou-se que o mundo
estava envolvido em angú stia grave e convulsã o. Eu observei, entre
outras coisas, como eles proclamam que querem acordos de paz e de
alcance, mas infelizmente à s vezes dissidê ncia e ameaças acabam
nitidez. pró prio barco de Should Cristo permanecem à mercê das
ondas e ser arrastado à deriva ou se ela nã o esperava, nã o só um
novo aviso, mas també m à luz de um grande exemplo? O que poderia
esta luz ser? O interlocutor ouviu com uma atitude de respeito
reverente e espera. Em um certo momento uma grande idé ia me
iluminou, que eu descobri exatamente naquele momento e
congratulou-se com con iança indizı́vel no mestre divino. Em seguida,
uma solene e comprometer a palavra veio aos meus lá bios. Minha voz
disse que pela primeira vez: "Um conselho" Para dizer a verdade, eu
imediatamente teve o medo de ter perplexidades provocadas, se nã o
susto. Sem dú vida, ele agora deve ouvir um primeiro inventá rio de
di iculdades, mas por outras razõ es, porque o anú ncio imprevisto fez
um pensar na preparaçã o natural e longa que tal efeito, um deve
implicar. Por outro lado, a resposta foi imediata. A emoçã o clara
apareceu no rosto do cardeal: o seu assentimento foi imediata,
exultante ... ».

Na ativa, embora serena, à espera do Conselho, em 25 de


novembro de 1961 completou oitenta anos. Junto com muitos
outros, eles foram parabenizados, em um gesto pelos tempos
excepcionais, pelo primeiro-ministro russo Nikita Kruschev por
meio de canais diplomá ticos ló gicos: o embaixador russo no
governo italiano, Kozyrev, entregou um telegrama a Monsenhor
Carlo Grano, Nú ncio Apostó lico em Itá lia:
«Recebido a comissã o correspondente, comunique o nome NS
Kruschev a Sua Santidade o Papa Joã o XXIII por ocasiã o do seu 80º
aniversá rio, parabé ns e cordiais votos de boa saú de e sucesso na sua
nobre aspiraçã o de contribuir para o fortalecimento da paz na terra e
a resoluçã o internacional problemas atravé s de gestos
sinceros. Pare. Peço a Vossa Excelê ncia que aceite minha mais alta
consideraçã o. S. K '.
O Papa preparou com seu novo Secretá rio de Estado, Cardeal
Amleto Cicognani, o seguinte telegrama-resposta, que foi
entregue ao Embaixador Kozyrev pelo Nú ncio Grano:
«Sua Santidade o Papa Joã o XXIII agradece as felicitaçõ es e, por sua
vez, expressa també m os votos cordiais a todo o povo russo pelo
aumento e consolidaçã o da paz universal, atravé s de felizes acordos
de fraternidade humana. Para este im, eleve oraçõ es fervorosas.
Dom Loris F. Capovilla, excepcional testemunha dos
acontecimentos, acrescenta: «Grandes comentá rios da
imprensa em todos os sentidos sobre uma notı́cia tã o
inesperada. Claro que os faná ticos tê m a oportunidade de se
distinguir dos demais »[37].
E chegou a data da inauguraçã o do Conselho: 11 de outubro de
1962. Foi um dia triunfal para o mundo e espetacular para a
histó ria. Embora nã o se sentisse pessoalmente como tal, Juan
XXIII foi um protagonista excepcional do evento. Apesar de
tudo, ele encontrou tempo para escrever em seu diá rio:
«Este dia marca a solene inauguraçã o do Concı́lio Ecumé nico. Sua
crô nica está em todos os jornais e, no que diz respeito a Roma, está
nos coraçõ es alegres de todos. Agradeço ao Senhor por nã o ter me
tornado indigno da honra de abrir em seu nome este inı́cio de
grandes graças para a sua santa Igreja. Ele providenciou para que a
primeira explosã o que este evento preparou durante trê s anos saı́sse
da minha boca e do meu coraçã o. Ele estava disposto a desistir até
mesmo da alegria deste começo. Com a mesma calma repito o Fiat
voluntas tua ("seja feita a tua vontade") no que diz respeito a manter-
me neste primeiro posto de serviço para todo o tempo e em todas as
circunstâ ncias da minha humilde vida, ou de me ver detido a
qualquer momento, de modo que esta tarefa de prosseguir, continuar
e terminar passa para o meu sucessor. "Seja feita a tua vontade, assim
na terra como no cé u."
Aconteceu menos de um mê s antes de sua morte: em 10 de
maio de 1963. A doença que acabaria por desistir de sua ibra
robusta, e que ele havia ocultado ao má ximo para nã o conter a
corrente de otimismo que sua pessoa transmitia. fora, já havia
avançado muito.
Com um gesto heró ico, concordou em estrelar um dia de
aparente triunfo que alegrou muitos e, só por isso,
parcialmente també m ele, que arrastava os espasmos de um
tumor muito avançado. Ele havia recebido o Prê mio Balzan pela
Paz, que em uma ediçã o muito posterior també m seria
concedido a Madre Teresa de Calcutá .
Como cortesia, foi ao Quirinal, sede da Presidê ncia da Repú blica
Italiana, onde o entã o Presidente Antonio Segni o entregou com
o prê mio. Segni fez um discurso. E cabia a ele pronunciar
outro. Segundo ele, ele fez isso em pé . Ele, que já nã o se
levantava, embora o escondesse bem, justi icou com uma piada
evangé lica o facto de ter lido a sua sessã o: “O Evangelho diz que
Jesus, depois de subir ao monte, vendo a multidã o, sentou-se
para lhes falar. Seguindo seu exemplo, eu també m me sentarei.
O discurso incluiu alusõ es à sua vida:
«O humilde Papa que vos fala está plenamente convencido de que
pessoalmente é muito pouco perante Deus. Ele só pode se humilhar e
agradecer porque o favoreceu muito. Com comovente apreço, ele
acolhe o amor de inú meras crianças que de todo o mundo se dirigem
à quele que hoje deté m a autoridade de Sã o Pedro na terra e procura
viver, da melhor maneira, o testemunho do apó stolo glorioso. Direi
com toda a simplicidade, ao pensar nisso, que nenhuma
circunstâ ncia, nenhum acontecimento, por mais honroso que seja
para minha humilde pessoa, pode exaltar ou perturbar a
tranquilidade de meu espı́rito. O Papa que vos fala quer continuar
com humildade a sua açã o ao serviço dos homens e da paz
mundial. Ele nã o se desviará dos ensinos do evangelho, tanto da
aspereza quanto da fraqueza indulgente, que sã o prejudiciais à s
almas.
Foi um longo discurso, conforme as circunstâ ncias o
exigiam. També m, acima de tudo, porque a abundâ ncia do
coraçã o deu muito a dizer à boca de Joã o XXIII. Ele disse isso, o
que nã o é um desperdı́cio para o nosso propó sito atual:
Prezados senhores, permitam-me fazer uma alusã o à minha pessoa
modesta. Quando o serviço da Santa Sé me fez ir pela primeira vez, há
muito tempo, para as regiõ es do Oriente Pró ximo, levei como um
tesouro na minha bagagem modesta as palavras que eu sempre
gostei: obediê ncia e paz. Está vamos em 1925, logo apó s a Primeira
Guerra Mundial. Depois de ter passado por esses paı́ses devastados
pela guerra, eu cheguei em So ia, a cidade favorita do meu
coraçã o. Era 25 de abril, dia da festa de Sã o Marcos, cujo ensinamento
pode ser resumido em duas palavras: Pax et evangelium . Cerca de
trinta anos depois, em 1953, depois de ter sido gentilmente recebidos
por dez anos em Istambul e Atenas, e por outros oito em Paris,
cheguei em Veneza, da qual eu fui constituı́do patriarca. Com estas
mesmas palavras em meu coraçã o e nos meus lá bios, eu me ajoelhei
no tú mulo do evangelista. Paz e do Evangelho, as armas de Sã o
Marcos e de todos os verdadeiros amigos de Deus e dos homens, sã o
e serã o sempre minha ».
Igualmente pró ximo e no im, em um encontro com jornalistas
(março de 1963), ele falou mais uma vez sobre si mesmo:
«No serviço que prestei à Santa Sé durante trinta anos no Oriente e
em Paris, tive a oportunidade de lidar com pessoas de todos os
matizes. Confesso que à s vezes o coraçã o tremia de vontade de se
expressar com a plenitude da linguagem nã o só sacerdotal, mas
també m apostó lica. Mas as circunstâ ncias exigiam uma alusã o rá pida,
senã o mesmo silê ncio. As vezes os ouvia dizer-me: “Monsenhor, te
agradeço o que nã o me disse e me fez compreender” ».
Mas entre todas as autode iniçõ es que Joã o XXIII deu de si
mesmo e entre as descriçõ es que fez de seus mé todos,
nenhuma alcançou a ressonâ ncia de uma contida em seu
discurso por ocasiã o da inauguraçã o solene (10-11-1962) do
Vaticano II. :
«No exercı́cio quotidiano do meu ministé rio pastoral, chegam-me à s
vezes aos ouvidos insinuaçõ es de almas, mesmo invejosas, mas nã o
dotadas de demasiada discriçã o e moderaçã o. Eles veem nos tempos
modernos nada alé m de prevaricaçã o e ruı́na. Dizem que o nosso
tempo, em relaçã o ao passado, tem piorado e se comportam como se
nada tivessem aprendido com a histó ria, que no entanto é mestra de
vida, e como se na é poca dos concı́lios ecumê nicos anteriores tudo
transcorresse em pleno triunfo. da ideia de vida cristã e de liberdade
religiosa justa. Parece-me que devo discordar desses profetas da
desgraça, que sempre anunciam acontecimentos infelizes, que vã o
alé m do im do mundo.
Obvio: sua morte nã o teria a oportunidade de descrevê -la,
embora ele tivesse a oportunidade de antecipá -la e falar dela
com antecedê ncia como algo natural e esperado sem medo. Ele
estrelou com tanta serenidade que foi sua grande vitó ria sobre
ela.
Todos estavam angustiados por sua saú de. E à luz de velas. E
aconteceu. 3 de junho de 1963. Aos 81 anos e seis meses, aos 59
sacerdó cio, 38 episcopado, 5 papado.
Loris F. Capovilla, que com maior solicitude do que desde o
inı́cio de Veneza e Roma esteve ao seu lado nesses momentos
supremos, assegura:
“Os mestres do espı́rito disseram entã o, e continuam a con irmá -lo,
que ele estava prestes a voltar para o seu Senhor com a imaculada
estola batismal. Comoveu o mundo com a calma sorridente com que
recebeu a notı́cia da sua partida deste mundo, com o testamento que
tornou pú blico na atmosfera ardente do Pentecostes, atraindo os seus
contemporâ neos à sua agonia, transformada numa das mais solenes
celebraçõ es litú rgicas . Ele despojou a morte de seu cará ter fú nebre.
Índice

V J ̃ XXIII

Naquele dia de primavera


Introdução
1 Sua família e infância
2 Sua vocação sacerdotal

Estudos sacerdotais em Roma


Novas atribuições e tarefas
Ligado de volta para Roma
3 Bispo de Deus e «Visitador Apostólico» pelo Vaticano
4 Representante de Pio XI (e seu sucessor) na Turquia e Grécia
5 Núncio Apostólico em Paris
6 Arcebispo-Patriarca de Veneza
7 meu nome é joão XXIII

A ideia do Conselho

[1]O Diário da alma foi publicado pelas ediçõ es do cristianismo. Infelizmente, deve estar esgotado,
enquanto em alguns paı́ses continua a ser reeditado com sucesso (por exemplo, na Itá lia: San
Paolo, Cinisello-Balsamo, onde chegou à 11ª ediçã o). As Cartas aos seus familiares ainda se
encontram no mercado em espanhol, com o selo de San Pablo, 1978 2 .
[2] Foi seu secretá rio particular desde que Roncalli foi nomeado, em 1953, arcebispo de Veneza,
até sua morte.
[3] Substituto das sopas de milho, muito comum nas famı́lias da pobre Itá lia no inal do sé culo XIX
e inı́cio do sé culo XX.
[4]A nomeaçã o como bispo já o havia chegado poucos dias antes: em 3 de março. Foi a
consagraçã o episcopal que ele quis receber, e de fato recebeu, na festa de Sã o José , veremos porque
motivaçã o espiritual ı́ntima.
[5]Ele o recebeu em 31 de março de 1889, aos oito anos. Um mê s antes, no dia 12 de fevereiro,
havia recebido a con irmaçã o do bispo da diocese, monsenhor Gateano C. Guindani.
[6]Ele foi tentado, como ele mesmo confessou em 29 de Julho de 1960, para viajar para Munique,
Alemanha, para participar do Congresso Eucarı́stico Internacional, a convite do entã o arcebispo
Josef Wendel. Mas no inal ele desistiu de fazê -lo, e enviou como seu representante o cardeal
Gustavo Testa, um camponê s e um amigo pró ximo dele. Ele disse assim: «O convite cortê s e devota
do Venerá vel Irmã o Cardeal Arcebispo Josef Wendel, inté rprete dos desejos dos Arcebispos e
Bispos da Alemanha, constituı́das para mim uma tentaçã o tipo de participaçã o de minha humilde
pessoa no mundo manifestaçã o eucarı́stica. Mas també m as razõ es do coraçã o estã o sujeitos à s
sugestõ es de sagacidade sereno e con iante.
[7]E o que se denomina uma espé cie de Colé gio Romano em que estudam os seminaristas dos
territó rios de missã o destinados a regressar aos seus paı́ses de origem. Em muitos casos, uma
grande parte da hierarquia cató lica indı́gena vem de entre eles.
[8]Eis, num discurso de 6 de janeiro de 1963, uma das muitas provas possı́veis de que Joã o XXIII
estava ciente do afeto que o rodeava e que agradecia com a mais natural simplicidade: “Outro dia,
indo venerar o Romano Santo Gaspar del Bú falo em Santa Marı́a de Trivio, em um dos bairros mais
caracterı́sticos de Roma, meu coraçã o exultou e as lembranças o comoveram. Há quarenta anos,
pelas mesmas ruas que percorri na sexta-feira, viajava para ir de Santa Marı́a na via Lata à Plaza de
Españ a. Hoje, o movimento e a velocidade dos carros cresceram desproporcionalmente. Mas o
rosto dos romanos é o mesmo; e tem uma espé cie de nã o sei o que te faz exclamar: "Sim, eles sã o
bons e sensı́veis ao chamado das coisas celestiais!" E quando vi as mã os que se estendiam para
mim, os braços que balançavam dos ô nibus, das lojas e comé rcios, das janelas e varandas, parecia
ouvir uma voz que se dirigia a mim e dizia: “Amamos este homem a quem a providê ncia elevou à
pompa do ponti icado romano da santidade e nobreza do paı́s ”».
[9]Anos depois de sua morte, sua causa de beati icaçã o foi apresentada por seu terceiro sucessor, o
arcebispo Juan Bautista Montini. Eleito papa como sucessor de Joã o XXIII, o pró prio Montini
(Paulo VI) ansiava por declará -lo abençoado em uma viagem que planejava fazer a Milã o. Mas o
processo foi mais lento do que ele gostaria. Foi Joã o Paulo II quem o beati icou.
[10]A expressã o entre aspas - també m no original do qual é aqui traduzida - é uma referê ncia tã o
atual na literatura italiana quanto, pelo menos, na nossa é "En un lugar de la Mancha ...", pois
corresponde ao primeiro verso da Divina Comédia de Dante Alighieri: Nel mezzo del cammin di
nostra vita ... (Encontrando-me no meio de minha trajetó ria de vida ...).
[onze]Na gı́ria da famı́lia eclesiá stica, o prefeito da Congregaçã o da Propaganda Fide é chamado de
"papa vermelho" (em contraste com o "papa branco") , nã o apenas por causa de sua condiçã o (e
cor da roupa) como cardeal, mas també m por causa do amplitude dos territó rios dependente de
sua jurisdiçã o: todas as chamadas "missõ es" (mais ou menos, o Terceiro Mundo).
[12] As categorias ascendentes sã o "delegado apostó lico" e "nú ncio", isto para os paı́ses com
relaçõ es plenas, a nı́vel de embaixada, com a Santa Sé .
[13]Todas as citaçõ es foram tiradas e traduzidas da ediçã o italiana (Il Giornale dell'Anima, San
Paolo, Cinisello-Balsamo 1989, neste caso da p. 385).
[14]A ordenaçã o sacerdotal tivesse ocorrido em 10 de agosto de 1904. Ele deu um signi icado
essencialmente espiritual e conteú do para este evento. Na verdade, de acordo com uma nota por
Loris F. Capovilla, a celebraçã o deste aniversá rio durou vá rios meses com missas celebradas em
locais de signi icado religioso especial e com intençõ es particulares: 1929/04/21: na igreja de San
José de Sofı́a , pelos cató licos latinos; 11-8: na Igreja da Assunçã o de So ia, por Rito Oriental
cató licos; 13-16 agosto: trê s dias de retiro em Praga, coincidindo com as celebraçõ es de Sã o
Venceslau, o má rtir eo milé nio cristã o de Bohemia; 17-8: no santuá rio de Nossa Senhora de
Czestochowa (Poló nia); 20-8: na catedral de Gniezno (Poló nia); 22-8: a Catedral de Berlim; 268:
na catedral de Bergamo, diante do altar do santo padroeiro, Santo Alexandre; 9-21: em Sotto il
Monte consagra a igreja paroquial; 22-9: comemorado por seus parentes e compatriotas, com a
presença do bispo da diocese, Dom Luigi M. Marelli.
[quinze] A nomeaçã o para a Delegaçã o Apostó lica da Turquia e Gré cia seria datada de 24 de
novembro de 1934.
[16]Desde a primavera de 1924, alugou alguns quartos em um antigo solar situado na parte alta da
cidade, denominado Camaitino, que se tornaria sua residê ncia durante suas estadas em Sotto il
Monte e residê ncia de suas irmã s Ancila e Marı́a. A partir de 1958 tornou-se sua propriedade, por
doaçã o da famı́lia Scotti-Buffanti que a possui. Atualmente, e desde a morte de Joã o XXIII, foi
convertido em um museu de suas memó rias.
[17] Denominaçã o da casa da famı́lia Roncalli, a mesma onde nasceu Angelino.
[18] Em parte, parece que a pressa com que teve de se mover no ú ltimo minuto dependia do fato
de que, se a representaçã o diplomá tica da Santa Sé nã o tivesse sido atendida a tempo, o reitor teria
se correspondido ao embaixador do Soviete. Uniã o, uma situaçã o que o general De Gaulle nã o era
nada atraente.
[19] Como o Colombera e o Camaitino, Brusicco era uma referê ncia familiar à modé stia de origem
dos Roncalli.
[vinte] Por causa das privaçõ es que se seguiram à guerra, especialmente para os paı́ses derrotados,
como em parte era a Itá lia.
[vinte e um]LF C , Giovanni XXIII, un santo della mia parrocchia, Bergamo 1993, 130.
[22]«Setenta sã o os anos do homem. Caso tenhamos boa saú de, oitenta. Mas a maioria deles é
sofrimento e vaidade.
[2,3]Na verdade, o Senhor lhe daria mais doze anos. Ele morreu em 3 de junho de 1963, aos 82
anos.
[24] Com a morte do seu secretá rio de Estado, o cardeal Luigi Maglione, Pio XII renunciou para
nomeá -lo sucessor, tornando-se - como algué m dizia - secretá rio de Estado, embora aliá s
descarregasse mais trabalho sobre os seus substitutos, Tardini e - especialmente - Montini.
[25]Tã o reservado era que Montini o escreveu à mã o. De fato, no livro citado (Giovanni e Paolo:
Due Papi. Saggio di corrispondenza: 1925-1962, Istituto Paolo VI, Brescia 1982), cuja ediçã o icou
a cargo de Monsenhor Loris Francisco Capovilla, o texto autó grafo é reproduzido com caligra ia
nı́tida por Juan Bautista Montini (pp. 55-56).
[26]A promoçã o a "procuradores" tanto de Domenico Tardini como de Juan Bautista Montini foi
um gesto de reconhecimento ao trabalho de ambos de Pio XII, que com ela agradeceu també m o
gesto dos dois suplentes de renunciarem ao cardeal, que o Papa havia oferecido eles. Por motivos
de humildade, mais evidentes - com perdã o - por parte de Montini do que de seu homó logo e
apesar do amigo Tardini, outro aderiu. Ambos sabiam que Pio XII queria promover a cardeal a um
nú mero ixo e fechado (70) de candidatos. Ao se resignar, eles deram entrada a outros dois. O gesto
nã o deixou de comover Pio XII, que o tornou pú blico no ato solene da noti icaçã o do lote cardinal
de que os dois se excluı́ram.
[27]Ele foi excomungado e declarado vitandus em 1926 sob a acusaçã o de modernismo. Houve
tentativas subsequentes de resgatar sua memó ria. Ele morreu em 1946. Ele escreveu em seu
testamento: “Eu poderia estar errado. Mas, na substâ ncia de meu ensino, nã o encontro maté ria
para condenaçã o ou retrataçã o ”( Diario del Alma, p. 525, nota 5).
[28] Aclamando, segundo o antigo costume: “Que Cristo, nossa gló ria, nossa luz, nosso caminho,
nossa vida e nossa força te proteja por muitos anos”.
[29] Loris F. Capovilla a irma ter visto "documentos" dessa previsã o.
[30]Habı́a sido secretario de Estado de Pı́o XI, fallecido casi de improviso el 10 de febrero de 1939.
Entró como «papable» en el có nclave inaugurado el 1 de marzo del mismo añ o, y que por esa razó n
fue el má s rá pido de todos los de a histó ria. As iscalizaçõ es começaram na manhã do dia 2 e à s
17h25 desse mesmo dia já havia uma fumaça branca: o cardeal Pacelli havia sido eleito papa com o
nome de Pio XII.
[31] No citado livro de correspondê ncias entre Roncalli e Montini, o texto da carta aparece na
pá gina 100 e o respectivo autó grafo na pá gina seguinte.
[32]Nesse primeiro consistó rio, nomeou 23 cardeais, abrindo a lista com o nome de Juan Bautista
Montini. Na verdade, nã o aconteceu uma semana, mas sim no dia 17 de novembro.
[33]Fruto de uma longa pesquisa histó rica, que desenvolveu com paciê ncia e sem descurar as suas
funçõ es de representante diplomá tico da Santa Sé , Angelo Roncalli publicou, entre 1936 e 1958,
uma obra em cinco volumes intitulada Atti della Visita apostolica di San Carlo Borromeo um
Bergamo. O quinto e ú ltimo volume apareceu com um pró logo do Arcebispo de Milã o, que
considerou o convite recebido do augusto autor "uma honra, uma grande dignidade e gentileza".
[3,4]Esta circunstâ ncia levou alguns a precipitarem-se para um prognó stico de inidor - "papa de
transiçã o" - que, se fosse correto, era em um sentido muito diferente daquele imaginado por eles: a
transiçã o para uma Igreja adaptada aos tempos, de um duradouro e impressã o profunda, diga (E
diga!) Seus crı́ticos o que eles pensaram em dizer. Houve també m aqueles que anteciparam
negativamente sua origem e treinamento para a posiçã o suprema. Um dos cardeais mais antigos e
sagazes do conclave que o elegeu, o arcebispo de Florença Elia Della Costa, apostou lucidamente na
sua “idoneidade” para o cargo com estas palavras: “E ilho de camponeses. Conheça o ritmo das
estaçõ es, a dinâ mica do plantio, a violê ncia do clima. Ele será um agricultor digno no campo de
Deus.
[35]Citado por LF C em Giovanni XXIII, un santo della mia parrocchia, Bergamo 1993,
125.
[36]Ib , 153-154.
[37]Ib , 329.

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