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Da Criança ao Adolescente Abordagem em consulta de pediatria


Abordagem
em Consulta
de Pediatria
Da criança
ao adolescente

Coordenação
Helena Pedroso
Sara Martins
Titulo Da Criança ao Adolescente – Abordagem em Consulta de Pediatria
Editor Bene Farmacêutica, Lda.
Coordenadores Helena Pedroso e Sara Martins

Design AF Atelier - Design de Comunicação, Lda.


Impressão e acabamento
Tiragem 3.000 exemplares

ISBN 978-989-20-6090-3
Depósito legal

Bene Farmacêutica, Lda.


Av. D. João II, Edifício Atlantis, Nº 44 C -­1
1990-­‐095 Lisboa
Número Único de Pessoa Colectiva e Cons. Reg. Com. de Lisboa: 508 735 696 – Capital Social 500.000€

Os conteúdos científicos desta obra são da responsabilidade dos autores.

Por decisão dos coordenadores esta edição não adopta o novo acordo ortográfico.
Lista de Autores:
(ordem alfabética)

Ana Monteiro Catarina Limbert


Pediatra Consultora Pediatra Consultora
Endocrinologia e Diabetologia Pediátrica Endocrinologia Pediátrica
Professora Auxiliar Convidada da Faculdade de Ciências
Ana Gomes da Silva Médicas da Universidade Nova de Lisboa
Interna de Pediatria Médica
Clarisse Jacinto
Ana Forjaz de Lacerda Pediatra Consultora
Pediatra Consultora
Oncologia Pediátrica Cristina Henriques
Mestre em Cuidados Paliativos Pediatra
Reumatologia Pediátrica
Ana Ehrhardt Pinheiro
Pediatra Cristina Silvério
Pediatra
Ana Rita Araújo
Interna de Cardiologia Pediátrica Eugénia Monteiro Carrilho
Pediatra Consultora
Ana Teixeira
Cardiologista Pediátrica Duarte Saraiva Martins
Interno de Cardiologia Pediátrica
Ana Teresa Maria
Interna de Pediatria Médica Filipa Santos
Pediatra
Anabela Brito Gastroenterologia Pediátrica
Pediatra Consultora
Graça Nogueira
Anabela Morais Cardiologista Pediátrica
Pediatra Consultora
Hematologia Pediátrica Helena Cristina Loureiro
Pediatra Consultora
Carla Pereira Intensivos Pediátricos
Pediatra Mestre em Ciências do Sono
Endocrinologia Pediátrica
Helena Mansilha
Carla Rêgo Pediatra Consultora
Pediatra Consultora
Mestre em Medicina Desportiva Helena Pedroso
Professora da Faculdade de Medicina da Universidade Pediatra Consultora
do Porto e da ESB - Universidade Católica Portuguesa
Investigadora do CINTESIS Inês Candeias
Interna de Pediatria Médica
Carla Simão
Pediatra Consultora Inês Carmo Mendes
Nefrologia Pediátrica Interna de Cardiologia Pediátrica

Carina Carvalho Cardoso Isabel Afonso


Interna de Pediatria Médica Pediatra Consultora
Gastroenterologia Pediátrica
Carolina Vasconcelos Guimarães
Interna de Pediatria Médica

Catarina Figueiredo
Pediatra
Isabel Batalha Rita Calado
Fisiatra Sénior Pediatra
Reabilitação Pediátrica e de Desenvolvimento
Rui Anjos
Isabel Esteves Cardiologista Pediátrico Consultor
Pediatra
Infecciologia Pediátrica Sandra Lobo
Pediatra
Isabel Menezes
Cardiologista Pediátrica Consultora Sara Martins
Pediatra
Joana Marinho
Cardiologista Pediátrica Sara Noéme Prado
Pediatra
José Carlos Ferreira Neonatologista
Neuropediatra Consultor
Sílvia Jorge
José Esteves da Silva Pediatra
Pediatra
Nefrologia Pediátrica Sofia Rodrigues Almeida
Interna de Pediatria Médica
José Gonçalo Marques
Pediatra Consultor Sofia Deuchande
Infecciologia Pediátrica Pediatra

Manuel Salgado Sofia Moura Antunes


Pediatra Consultor Pediatra
Reumatologia Pediátrica
Sofia Nunes
Margarida Chaves Neuropediatra
Pediatra
Susana Santos
Maria João Rodrigo Interna de Pediatria Médica
Pediatra
Dermatologia Teresa Mirco
Fisiatra Consultora
Maria de Lurdes Sampaio Reabilitação Pediátrica
Pediatra Consultora
Endocrinologia Pediátrica

Marta Conde
Pediatra
Reumatologia Pediátrica

Nuno Carvalho
Pediatra

Raquel Firme
Interna de Pediatria Médica
Prefácio

Desde há algum tempo que desejávamos reunir os conhecimentos que caracterizam


o essencial da actividade clínica na Pediatria do Ambulatório. A constante preocupa-
ção com a boa prática clínica, assim como com a formação dos colegas mais novos,
foram para nós o maior incentivo para tornar este projecto uma realidade.
Foi nosso objectivo compilar temas essenciais, frequentemente abordados numa
consulta de Pediatria Geral ou de Saúde Infantil. Este livro é dirigido especialmente
a Pediatras e Internos de Pediatria Médica, mas também a Médicos e Internos de
Medicina Geral e Familiar.
O pediatra e o médico de família são confrontados diariamente com uma grande
variedade de patologias. Embora muitas situações observadas em consulta sejam au-
to-limitadas ou variantes do normal, outras são potencialmente graves e necessitam
de ser abordadas com particular atenção para uma orientação adequada.
Pretendeu-se um livro prático e de fácil acesso em consulta, para a orientação
na abordagem em ambulatório, desde o recém-nascido prematuro ao adolescente.
Os temas são apresentados de forma sucinta e agrupados consoante a patologia.
Este foi um desafio lançado e gentilmente aceite por todos os autores que pronta-
mente colaboraram e contribuíram com a sua experiência. A todos, os nossos since-
ros agradecimentos e reconhecimento.
Uma palavra de apreço a todos os que nos incentivaram o gosto pela formação.
Ao Simão, o nosso obrigado pelo seu entusiasmo.
À Bene, pelo apoio à edição e sua distribuição, também o nosso especial agradecimento.
Ao Amaro e ao Paulo, que conseguiram preservar uma paciência inesgotável.

Helena Pedroso
Sara Martins

Outubro de 2015
Indíce

Pediatria Geral
1. Avaliação do estado de nutrição (Carla Rêgo, Helena Mansilha) . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2. Má progressão estaturo-ponderal (Ana Teresa Maria, Sílvia Jorge, Helena Pedroso) . 24
3 Obesidade (Catarina Figueiredo, Sara Martins, Helena Pedroso) . . . . . . . . . . . . . . . 29
4. Dislipidémia (Ana Teresa Maria, Sara Martins, Helena Pedroso) . . . . . . . . . . . . . . . . 32
5. Prevenção da doença cardiovascular (Ana Gomes da Silva, Nuno Carvalho, Rui Anjos) . 36
6. A criança imigrante e os filhos de imigrantes em Portugal (Sandra Lobo) . . . . . . . . . . . . 40
7. Seguimento do prematuro (Ana Teresa Maria, Sara Noéme Prado) . . . . . . . . . . . . . . 42
8. A família vegetariana (Filipa Santos) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
9. Febre prolongada (Eugénia Monteiro Carrilho) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
10. Anemia (Sara Noéme Prado, Sílvia Jorge, Helena Pedroso) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
11. Adenopatias (Sofia Moura Antunes, Helena Pedroso) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
12. Hepatomegália (Sofia Moura Antunes, Margarida Chaves) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
13. Esplenomegália (Raquel Firme, Sofia Moura Antunes) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
14. Seguimento da criança com asplenia e hiposplenia (Inês Candeias, Anabela Brito) . . . . 83
15. Parotidite recorrente (Rita Calado, Ana Ehrhardt Pinheiro) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
16. BCGites (Isabel Esteves, José Gonçalo Marques) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
17. “Dores de crescimento” (Manuel Salgado) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
18. Artralgia (Carolina Vasconcelos Guimarães, Helena Pedroso, Marta Conde) . . . . . . . 97
19. Eritema nodoso (Ana Teresa Maria, Helena Pedroso) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
20. Fenómeno de Raynaud (Carolina Vasconcelos Guimarães, Rita Calado) . . . . . . . . . . . 103
21. Aftose oral recorrente (Marta Conde) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
Quando suspeitar de
22. Maus tratos em crianças e jovens (Carolina Vasconcelos Guimarães, Clarisse Jacinto) 112
23. Imunodeficiência primária (Isabel Esteves, José Gonçalo Marques) . . . . . . . . . . . . . . 115
24. Doença oncológica (Ana Forjaz de Lacerda) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
25. Doença reumatológica (Cristina Henriques, Marta Conde) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
26. Doença neuromuscular (Sofia Nunes) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
27. Alergia às proteínas do leite de vaca (Raquel Firme, Cristina Silvério) . . . . . . . . . . . . 137

Como interpretar
28. Hemograma (Anabela Morais) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
29. Provas da coagulação (Anabela Morais) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
30. Exame citoquímico de urina (Carla Simão) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
31. Electrocardiograma (Ana Rita Araújo, Inês Carmo Mendes, Rui Anjos) . . . . . . . . . . 151

Imunoalergologia e Pneumologia
32. Infecções respiratórias de repetição (Carolina Vasconcelos Guimarães, Rita Calado) . 160
33. Síndrome de apneia obstrutiva do sono (Helena Cristina Loureiro) . . . . . . . . . . . . . . . 163
34. Rinite alérgica (Raquel Firme, Cristina Silvério) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
35. Sibilância recorrente (Inês Candeias, Cristina Silvério) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170
36. Asma (Ana Teresa Maria, Cristina Silvério) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173

Gastroenterologia
37. Refluxo gastro-esofágico (Raquel Firme, Sara Noéme Prado) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178
38. Vómitos recorrentes (Sofia Rodrigues Almeida, Margarida Chaves) . . . . . . . . . . . . . . 181
39. Dor abdominal recorrente (Ana Ehrhardt Pinheiro, Margarida Chaves) . . . . . . . . . . . 184
40. Obstipação (Carolina Vasconcelos Guimarães, Margarida Chaves) . . . . . . . . . . . . . . 187
41. Encoprese (Isabel Afonso) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191
42. Diarreia crónica (Isabel Afonso) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
43. Hemorragia digestiva baixa (Sofia Rodrigues Almeida, Margarida Chaves) . . . . . . . . 196
Nefro-urologia
44. Alterações mais frequentes dos genitais externos (Inês Candeias,
Ana Ehrhardt Pinheiro) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200
45. Vulvovaginites e balanites (Carolina Vasconcelos Guimarães, Sofia Deuchande) . . . . 203
46. Enurese (Inês Candeias, Sofia Deuchande) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
47. Seguimento da infecção urinária (Catarina Figueiredo, Sofia Deuchande) . . . . . . . . . 210
48. Dilatação pielocalicial e hidronefrose (José Esteves da Silva) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212
49. Hematúria (Carina Carvalho Cardoso, Sofia Deuchande) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215
50. Proteinúria (Carina Carvalho Cardoso, Sofia Deuchande) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 218
51. Púrpura Henoch-Schönlein (Carolina Vasconcelos Guimarães, Sofia Deuchande,
Carla Simão) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221

Endocrinologia
52. Hipotiroidismo adquirido (Carolina Vasconcelos Guimarães, Sara Martins) . . . . . . . 224
53. Hipertiroidismo (Carolina Vasconcelos Guimarães, Sara Martins) . . . . . . . . . . . . . . . 227
54. Baixa estatura (Maria de Lurdes Sampaio) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 230
55. Puberdade precoce (Carla Pereira) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 234
56. Atraso pubertário (Ana Teresa Maria, Sara Martins) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 238
57. Hirsutismo (Catarina Limbert) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241
58. Ginecomastia (Ana Monteiro) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 244

Dermatologia
59. Estrófulo (Inês Candeias, Ana Ehrhardt Pinheiro) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 248
60. Eczema atópico (Maria João Rodrigo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 250
61. Dermite seborreica (Maria João Rodrigo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 252
62. Acne juvenil (Maria João Rodrigo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 254
63. Micoses (Maria João Rodrigo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 256
64. Pediculose do couro cabeludo (Maria João Rodrigo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 260
65. Escabiose (Maria João Rodrigo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261
Cardiologia
66. Sopro cardíaco (Joana Marinho, Rui Anjos) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264
67. Síncope (Inês Carmo Mendes, Ana Teixeira, Rui Anjos) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267
68. Hipertensão arterial (Duarte Saraiva Martins, Isabel Menezes, Rui Anjos) . . . . . . . 271
69. Rastreio na actividade desportiva (Raquel Firme, Graça Nogueira, Rui Anjos) . . . . . 276

Desenvolvimento e Neurologia
70. Avaliação do neurodesenvolvimento e sinais de alarme (Catarina Figueiredo,
Sílvia Jorge) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 280
71. Sinais de alarme nas perturbações da linguagem (Sílvia Jorge, Isabel Batalha) . . . . . . 285
72. Perturbações comportamentais do sono
(Carolina Vasconcelos Guimarães, Helena Cristina Loureiro) . . . . . . . . . . . . . . . . . 289
73. Plagiocefalias e craniossinostoses (Raquel Firme, José Carlos Ferreira) . . . . . . . . . . . . 292
74. Encerramento da fontanela anterior (Ana Teresa Maria, José Carlos Ferreira) . . . . . . 296
75. Macrocefalia e microcefalia (Raquel Firme, José Carlos Ferreira) . . . . . . . . . . . . . . . 299
76. Espasmos do choro, desmaios e tiques (José Carlos Ferreira) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 305
77. Perturbação de défice de atenção e hiperactividade e perturbações
específicas da aprendizagem (Catarina Figueiredo, José Carlos Ferreira) . . . . . . . . . 308
78. Sinais de alarme na perturbação do espectro do autismo (Raquel Firme, Sílvia Jorge) . 312
79. Convulsões e epilepsia (José Carlos Ferreira) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 316
80. Cefaleias (Raquel Firme, Sofia Nunes) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 319
81. Paralisia Cerebral (Sílvia Jorge, Teresa Mirco) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 326
82. Neurofibromatose tipo1 e esclerose tuberosa (José Carlos Ferreira) . . . . . . . . . . . . . . 330

Síndromes polimalformativas
83. Trissomia 21 (Sofia Moura Antunes, Sílvia Jorge) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 334
84. Síndrome de Noonan (Sofia Moura Antunes, Anabela Brito) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 337
85. Síndrome de DiGeorge (Susana Santos, Sara Martins) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 340
86. Síndrome do X-frágil (Ana Teresa Maria, Helena Pedroso) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343
87. Síndrome de Marfan (Ana Teresa Maria, Helena Pedroso) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 346
88. Síndrome de Turner (Sara Martins, Ana Ehrhardt Pinheiro) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 350
89. Síndrome de Klinefelter (Sara Martins, Helena Pedroso) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353
Abreviaturas
ABC airway, breathing, circulation
Ac anticorpo
ACTH hormona adrenocorticotrófica
AD transmissão autossómica dominante
ADN ácido desoxirribonucleico
Ag antigénio
Ag HBs antigénio de superfície da hepatite B
AIJ artrite idiopática juvenil
AIJs artrite idiopática juvenil forma sistémica
AINE anti-inflamatórios não esteróides
ALPS síndrome linfoproliferativo auto-imune
ALT alanina aminotransferase
ALTE apparent life threatening event
ANA anticorpos anti-nucleares
ANCA anticorpos anti-citoplasma do neutrófilo
anti-DNase B anticorpos anti-desoxirribonuclease B estreptocócica
anti-dsDNA anticorpos anti-DNA double-strand
anti-HBs anticorpo anti- antigénio de superfície da hepatite B
anti-TG anticorpo anti-tiroglobulina
anti-TPO anticorpo anti-peroxidase
APLV alergia às proteínas do leite de vaca
Apo A1 apolipoproteína A1
Apo B apolipoproteína B
aPTT tempo de tromboplastina parcial activado
ASCA anticorpos anti-Saccharomyces cerevisae
AST aspartato aminotransferase
AT arterite de Takayasu
AV aurículo-ventricular
AVC acidente vascular cerebral
BCG Bacille Calmette-Guérin
bpm batimentos por minuto
BSIJ Boletim de Saúde Infantil e Juvenil
C3 /C4 fracções do complemento
CAPS síndrome periódica associada a criopirina
CGG sequência de trinucleótidos “citosina-guanina-guanina”
CGH hibridização genómica comparativa
CH50 /CH100 complemento total
CID coagulação intravascular disseminada
CIV comunicação inter-ventricular
CK creatinofosfoquinase
CMAS childhood myositis assessment scale
CMHG concentração média de hemoglobina globular
CMV citomegalovírus
Colesterol-HDL colesterol ligado a lipoproteínas alta densidade
Colesterol-LDL colesterol ligado a lipoproteínas baixa densidade
CPRE colangiopancreatografia retrógrada endoscópica
CPRM colangiopancreatografia por ressonância magnética ou colangioressonância
CRA contagem de reticulócitos absoluta
CRC contagem de reticulócitos corrigida
CTFF capacidade total de fixação do ferro
CUMS cisto-uretrografia miccional seriada
DAPB diâmetro antero-posterior do bacinete
DB doença de Behçet
DBP displasia broncopulmonar
DDA doença displásica da anca
DGC doença granulomatosa crónica
DGS Direcção Geral de Saúde
DHEA dehidroepiandroesterona
DHEA-S sulfato de dehidroepiandroesterona
DHT dehidrotestosterona
DII doença inflamatória intestinal
DK doença de Kawasaki
DMJ dermatomiosite juvenil
DMSA ácido dimercaptossuccínico
DP desvio-padrão
DPI inalador de pó seco
DPM desenvolvimento psico-motor
DRGE doença do refluxo gastro-esofágico
DSM-5 Diagnostic and Statistical manual of Mental disorders - fifth edition
DXA dual energy x-ray absorptiometry
EAM enfarte agudo do miocárdio
EBP extremo baixo peso ao nascer
EBV vírus de Epstein-Barr
ECG electrocardiograma
EDA endoscopia digestiva alta
EEG electroencefalograma
EIC espaço intercostal
ELA esclerose lateral amiotrófica
EMG electromiograma
ESP esfregaço sangue periférico
ESPGHAN European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition
EUA Estados Unidos da América
EULAR European League against Rheumatism
EV via endovenosa
FA fosfatase alcalina
FBN1 fibrilina-1
FC frequência cardíaca
FEF25-75 fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% da capacidade vital
FEV1 volume expiratório forçado no primeiro segundo
FISH hibridização por fluorescência
FMF febre mediterrânica familiar
FMR1 fragile X mental retardation 1
FMRP fragile X mental retardation protein
FSH hormona folículo-estimulante
fT3 triiodotiroxina livre
fT4 tiroxina livre
FVC capacidade vital forçada
G6PD glicose-6-fosfato-desidrogenase
GEA gastroenterite aguda
GGT gamaglutamil transpeptidase
GM-CFS granulocyte-macrophage colony-stimulating factor
GnRH hormona libertadora das gonadotrofinas
GPA granulomatose com poliangeíte
Hb hemoglobina
Hb F hemoglobina fetal
HbA1c hemoglobina glicosilada
HCG hormona coriónica-gonadotrófica humana
HCSR hiperplasia congénita da supra-renal
HDA hemorragia digestiva alta
HGM hemoglobina globular média
HHV6 vírus herpes humano 6
HIC hipertensão intracraniana
HPV vírus do papiloma humano
HTA hipertensão arterial
Htc hematócrito
IAH índice de apneia/hipopneia
IBP inibidor da bomba de protões
IC idade corrigida
ID imunodeficiência
IDP imunodeficiência primária
IECAs inibidores da enzima de conversão da angiotensina
IFN-γ interferão-gama
IG Idade gestacional
Ig Imunoglobulina
IGF-1 factor de crescimento semelhante à insulina tipo 1
IGFBP-3 proteína de ligação ao factor de crescimento semelhante à insulina
IGRA teste de libertação de interferão gama
IL interleucina
IM intramuscular
IMC índice de massa corporal
IPM idade pós-menstrual
IPO Instituto Português de Oncologia
IST infecções sexualmente transmissíveis
JSc esclerodermia juvenil
LA-AR leite adaptado anti-refluxo
LAD leukocyte adhesion deficiency
LBA lavado bronco-alveolar
LCR líquido cefalo-raquidiano
LDH desidrogenase láctica
LESJ lúpus eritematoso sistémico juvenil
LH hormona luteínizante
LM leite materno
LMC leucemia mieloide crónica
Lp(a) Lipoproteína a
MAG3 mercapto-acetil-triglicina
MAV malformação arteriovenosa
MBP muito baixo peso ao nascer
M-CHAT Modified Checklist for Autism in Toddlers
MFR Medicina Física e Reabilitação
MHC major histocompatibility complex
MPP má progressão ponderal
NCEP National Cholesterol Education Program
NEMO modulador essencial de NFkB
NF1 neurofibromatose tipo 1 ou gene NF1
NHANES III National Health and Nutrition Examination Survey III
OMA otite média aguda
OMS Organização Mundial de Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
ORL Otorrinolaringologia
OSA-18 questionário da Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono-18
OSA-18 pv versão portuguesa do questionário da Síndrome de Apneia Obstrutiva
do Sono-18
PAN poliarterite nodosa
PC perímetro cefálico
PCR polimerase chain-reaction
PDAH perturbação de défice de atenção e hiperactividade
PDF post-discharge formula
PDW dispersão volume plaquetário
PEG polietilenoglicol
PFAPA síndrome de febre periódica, aftas, faringite e adenopatias
pGALPS paediatric Gait Arms Legs and Spine
PHS púrpura de Henoch-Schönlein
PM polimiosite
pMDI aerossol pressurizado de dose calibrada
PN peso ao nascer
Pn13 vacina pneumocócica conjugada de 13 valências
Pn23 vacina pneumocócica polissacárida de 23 valências
PNSIJ Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil
PNV Programa Nacional de Vacinação
PRES Paediatric Rheumatology European Society
PRINTO Paediatric Rheumatology International Trials Organisation
PSG polissonografia
PTGO prova de tolerância à glicose oral
PTH hormona paratiroideia
QI quociente de inteligência
RANU rastreio auditivo neonatal universal
RCF restrição de crescimento fetal
RDW red blood cell distribution width
REM rapid eye movement
RGE refluxo gastro-esofágico
RIFA Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo
RM ressonância magnética
RN recém-nascido
ROT reflexos osteotendinosos
RVU refluxo vesico-ureteral
SAF síndrome anti-fosfolípidos
SAOS síndrome de apneia obstrutiva do sono
SCID imunodeficiência combinada grave
SEF Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
SGS II Schedule of Growing Skills II
SHBG globulina transportadora hormonas sexuais
SIDA síndrome de imunodeficiência adquirida
SLICC Systemic Lupus International Collaborating Clinics
SMSL síndrome de morte súbita do lactente
SNC sistema nervoso central
SNG sonda nasogástrica
SNIPI Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância
SPP Sociedade Portuguesa de Pediatria
SS síndrome de Sjögren
SSc esclerose sistémica
SU serviço de urgência
T3 triiodotiroxina
T4 tiroxina
TA tensão arterial
TAd tensão arterial diastólica
TAs tensão arterial sistólica
TASO título de anti-estreptolisina O
TC tomografia computorizada
TCE traumatismo crânio-encefálico
TCPH transplante de células progenitoras hematopoiéticas
TNFα factor de necrose tumoral alfa
TORCH toxoplasmose, outras (sífilis), rubéola, citomegalovírus, herpes simplex
TP tempo de protrombina
TRAb anticorpo anti-receptor TSH
TRAPS síndrome periódica associada ao receptor do factor de necrose tumoral
TRH hormona libertadora da tirotropina
TSA teste de sensibilidade aos antimicrobianos
TSC1 gene tuberous sclerosis complex 1
TSC2 gene tuberous sclerosis complex 2
TSH hormona estimuladora da tiroideia ou tirotropina
UOP unidade de oncologia pediátrica
VASPR vacina anti- sarampo, parotidite e rubéola
VDRL venereal disease research laboratory
VGM volume globular médio
VHA vírus da hepatite A
VHB vírus da hepatite B
VHC vírus da hepatite C
VHS vírus herpes simplex
VIH vírus da imunodeficiência humana
VNI ventilação não invasiva
VPM volume plaquetário médio
VS velocidade de sedimentação
VSR vírus sincicial respiratório
αFP alfa-feto proteína
Pediatria Geral

1. Avaliação do estado de nutrição


Carla Rêgo, Helena Mansilha

Introdução
O estado de nutrição ao longo da idade pediátrica é o melhor marcador do estado de saúde no
momento, da susceptibilidade à doença aguda e da resposta à terapêutica, bem como um forte
preditor da saúde futura. É influenciado por factores genéticos, por experiências nutricionais pre-
coces (programação), por factores socioculturais e pelo estilo de vida. A avaliação nutricional deve,
pois, fazer parte de todas as consultas de saúde infantil e juvenil, bem como da avaliação da crian-
ça e adolescente doentes e em regime de internamento.

Definição e objectivos
O estado nutricional reflecte, em primeira instância, o balanço entre a ingestão e o gasto energé-
tico. Tendo em conta apenas o parâmetro “energia”, o estado nutricional pode ser definido como
“adequado” ou existir um compromisso (malnutrição) por carência (desnutrição) ou por excesso
(sobrepeso ou obesidade).
Importa no entanto referir que a adequação nutricional definida com base nos parâmetros fre-
quentemente utilizados (parâmetros antropométricos), apenas caracteriza a ingesta energética,
não permitindo excluir situações de compromisso nutricional em macro- ou micronutrientes
(mal nutrição marginal). A suspeição deste tipo de compromisso do estado nutricional deve ser
tida em conta em qualquer situação de malnutrição (por excesso ou por carência), em situações
de doença que impliquem manipulação dietética (mal absortivas, restritivas), em dietas especiais
(vegans, macrobióticas) ou em qualquer situação em que a história alimentar nos alerte para o fac-
to. Esta suspeição pode ser complementada por alguns sinais clínicos ao exame objectivo como a
palidez da pele e mucosas (anemia por ferropénia ou défice de vitamina B12), dermites inespecíficas
(défice de zinco), queilites renitentes (défices vitamínicos vários), entre outros.
A caracterização do estado de nutrição tem como objectivo, antes de mais, definir a adequação
ou inadequação nutricional da criança ou adolescente. Pretende, ainda, identificar precocemente
crianças e adolescentes “em risco nutricional”. Finalmente, permite monitorizar a intervenção te-
rapêutica instituída.
Avaliação do estado de nutrição

Abordagem e orientação
A avaliação do estado de nutrição implica, obrigatoriamente, uma avaliação clínica (caracterização
dos antecedentes familiares e da história pessoal), uma história alimentar, um exame físico e a
avaliação antropométrica. O recurso à caracterização da composição corporal (impedância bioeléc-
trica, DXA) bem como a exames subsidiários (marcadores bioquímicos, hormonais ou de imagem)
poderá ser necessário, caso se pretendam identificar situações específicas de risco nutricional por
18
carência ou por excesso e/ou carência em alguns nutrientes respectivamente.
Pediatria Geral

Avaliação clínica
A importância da história familiar e pessoal é cada vez mais determinante, particularmente na
identificação precoce de “risco nutricional” (Tabela 1).

Tabela 1: Caracterização da história familiar e pessoal – identificação de “risco


nutricional”
História familiar
Caracterização nutricional dos progenitores [Índice de Massa Corporal (IMC)]
Doença cardiometabólica dos progenitores (dislipidémia, hipertensão arterial, diabetes, doença coronária,
doença cerebrovascular, morte prematura)
Uma história familiar positiva para obesidade parental (particularmente materna) ou doença cardiometabólica, deverá
condicionar uma maior vigilância do padrão de crescimento da criança/adolescente bem como a avaliação precoce (3-5
anos) de um perfil cardiometabólico de risco.

Doença alérgica familiar - progenitores e irmãos (particularmente importante no primeiro semestre/ano de vida)
A identificação de antecedentes de atopia parental ou em irmão deverá implicar um reforço na importância do aleitamento
materno no primeiro ano de vida bem como, na sua ausência, na escolha da fórmula infantil nos primeiros 6 meses.
História pessoal
Estado nutricional da mãe antes da gravidez (IMC)
Incremento ponderal durante a gravidez (kg)
Complicações cardiometabólicas durante a gravidez (diabetes, hipertensão arterial)
Uma história pessoal de antecedentes de obesidade materna, de aumento ponderal durante a gravidez superior ao
recomendado (tendo em conta o estado nutricional antes da gravidez) e/ou de diabetes mal controlada durante a gravidez,
alertam para um maior risco de macrossomia fetal. Esta, por seu turno, está associada a um maior risco de obesidade desde
a primeira infância e de diabetes na idade adulta.

Antropometria ao nascimento
É um mau marcador do potencial genético mas um bom marcador do ambiente nutricional in utero. Assim, o cruzamento
de percentis nos primeiros 2-3 meses de vida (catch-down), desde que seguido da aquisição de uma nova curva de
crescimento num percentil mais baixo, poderá ocorrer em alguns lactentes. Entretanto, é importante reconhecer também
que os recém-nascidos abaixo do percentil 10 poderão corresponder a um RCF ou aos 10% da população que cresce
nesta curva de percentil. Um compromisso precoce do crescimento intra-uterino repercute-se em todos os parâmetros
antropométricos (RCF simétrico) enquanto se tardio apenas no peso (RCF assimétrico).

Evolução estaturo/ponderal até à data (mensal no primeiro semestre; semestral até à data da avaliação)
Incrementos ponderais marcados, cruzando percentis, em qualquer ocasião e particularmente no primeiro semestre/ano de
vida (catch-up), na idade do ressalto adipocitário fisiológico (5-7 anos) e na fase inicial da adolescência (estadios de Tanner
1-2), deverão constituir um sinal de alerta de risco nutricional. Ao invés, cruzamentos sustentados de percentis de peso para
curvas inferiores, seguidos de cruzamentos de curvas de percentis de estatura com algum desfasamento temporal, podem
ser indicadores de patologia subjacente.
Avaliação do estado de nutrição

Caracterização de patologias concomitantes e/ou medicações crónicas


A presença de doença renal, de síndrome do intestino curto, de doenças do comportamento alimentar, de doença celíaca,
de doença inflamatória intestinal, de doenças neurológicas ou neuromusculares, entre outras, deve ser considerada
na avaliação nutricional, pois podem predispor a riscos nutricionais específicos. Também muitas medicações de uso
relativamente corrente em pediatria podem influenciar a evolução ponderal e composição corporal nomeadamente
a corticoterapia sistémica, alguns antiepilépticos (valproato e carbamazepina, predispondo ao ganho de peso), alguns
psicofármacos (risperidona, predispondo ao ganho, e metilfenidato, topiramato e fluoxetina, predispondo à perda).

19
Pediatria Geral

História alimentar
A história alimentar deverá ser contemplada em todas as consultas de saúde infantil e juvenil.
Numa primeira abordagem bastará um inquérito alimentar qualitativo (frequência) em que algu-
mas questões deverão ser abordadas de uma forma assertiva e adequada à idade (Tabela 2).

Tabela 2: Abordagem qualitativa do comportamento alimentar do lactente, da criança


e do adolescente
Lactente (0-12 meses)
Em aleitamento exclusivo
Se em aleitamento materno: quantas mamadas diárias; qual o intervalo entre mamadas; qual o tempo de mamada em
cada mama e o tempo total; qual a técnica de mamada; se existe oferta de outros alimentos (líquidos ou sólidos). Importa
detectar dificuldades.
Se aleitamento com fórmula infantil: qual a fórmula; qual o volume por mamada; como reconstitui; qual o tempo de
mamada; se adiciona algo mais ao biberão; se dá outros alimentos (líquidos ou sólidos); avaliar higiene e segurança
nutricional. Importa detectar dificuldades.
Com diversificação alimentar
Quando diversificou; quantas refeições faz; qual a oferta alimentar em cada refeição; qual a textura em cada refeição;
como confecciona cada refeição; onde efectua a refeição; quanto tempo leva uma refeição; oferta de água; oferta de
outros líquidos; que fórmula infantil faz; que suplementos de vitaminas ou minerais faz; se faz outros suplementos. Importa
detectar dificuldades.
Criança (1-10 anos)
Que tipo de leite é oferecido; qual o volume de ingestão de lácteos por dia; quantas refeições diárias; qual o volume das
refeições; quantos lanches faz; qual a composição dos lanches; qual o apetite da criança (descrição parental); onde são
oferecidas as refeições; refeições em contexto familiar?; quanto tempo leva cada refeição; ingesta de água; oferta de outras
bebidas (sumos, refrigerantes). A noção do equilíbrio da oferta alimentar não deverá basear-se no inquérito de apenas um
dia, devendo pois ser questionado o padrão alimentar de 2-3 dias, de uma forma esquematizada e clara. Deve ser ainda
questionada a frequência de actividade física (regular e organizada) bem como os hábitos de sedentarismo e de sono.
Adolescente
Ingesta de leite; que tipo de leite; qual o volume de ingestão de lácteos por dia; quantas refeições diárias; qual o volume
das refeições; quantos lanches faz; qual a composição dos lanches; qual o apetite (padrão diário); onde faz as refeições;
refeições em contexto familiar?; quanto tempo leva cada refeição; ingesta de água; oferta de outras bebidas (sumos,
refrigerantes, café, álcool); padrão de consumo de outras bebidas; consumo de tóxicos (tabaco, outros). Tal como na
criança a noção do equilíbrio da oferta alimentar não deverá basear-se no inquérito de apenas um dia e deverá ser ainda
questionada a frequência de actividade física (regular e organizada) bem como os hábitos de sedentarismo e de sono.

Em situações particulares de comprovado compromisso nutricional, independentemente da causa,


poderá haver necessidade de uma quantificação da ingesta alimentar (macro- e micro-nutrientes)
e sua comparação com valores de referência (DRV - dietary reference values). A particularidade da
Avaliação do estado de nutrição

metodologia justifica o apoio de um técnico especializado em nutrição pediátrica.

Avaliação antropométrica
Caracterização da dimensão corporal
A avaliação antropométrica sumária implica a medição acurada dos diferentes parâmetros que a
integram e deve sempre incluir o peso (kg), o comprimento (até aos 36 meses) ou altura (cm) e o
20
perímetro cefálico (cm) (até aos 36 meses). Deve ser efectuada sem qualquer peça de roupa ou
acessório até aos 12 meses e com o mínimo de roupa interior na criança e adolescente, respeitan-
do a metodologia internacionalmente recomendada.
Todas as medidas obtidas devem ser comparadas com padrões de referência, e, muito embora o
método mais prático seja a sua colocação sobre uma “tabela de percentis”, também poderão ser
expressos em z-score (valor do indivíduo – valor médio de referência a dividir pelo desvio-padrão
Pediatria Geral

da população), correspondendo o z-score de zero ao percentil 50. Esta prática tem como objectivo
tornar os dados antropométricos independentes da idade e do sexo, permitindo a sua comparação
no tempo (para o mesmo indivíduo) ou numa população heterogénea em idade e sexo. Assim é
possível não apenas a caracterização do estado de nutrição do lactente/criança/adolescente mas
também a avaliação da dinâmica do crescimento, permitindo ainda aferir a eficácia de uma inter-
venção nutricional. Os dados relativos a estas variáveis de crescimento têm uma distribuição nor-
mal (curva em sino), sendo definido como “normal” um crescimento cujas variáveis se encontram
entre ± 2DP da média, o mesmo será dizer entre os percentis 3 e 97. As curvas actualmente presen-
tes nos Boletins de Saúde Infantil e Juvenil e adoptadas por Portugal são as curvas da Organização
Mundial de Saúde. Para os recém-nascidos de pré-termo, até aos 2 anos de idade deve ser utilizada
a “idade corrigida”, obtida pela diferença entre a idade cronológica e o número de semanas da
idade gestacional que faltavam para as 40 semanas.
Importa ter algumas noções básicas da dinâmica fisiológica do crescimento. Assim, no que respeita
ao peso, é expectável um aumento médio de cerca de 200g/semana até aos 3 meses de vida, aos
4 meses regista-se uma duplicação do peso ao nascimento e aos 12 meses o seu valor é o triplo.
Relativamente ao comprimento, aumenta em cerca de 25 cm no 1º ano e em metade deste valor
no 2º ano de vida, de forma que o comprimento aos 2 anos corresponde aproximadamente a me-
tade da altura final. Finalmente o perímetro cefálico aumenta cerca de 1 cm por mês no primeiro
ano de vida e, aos 2 anos, corresponde a 80% do tamanho da idade adulta. É desejável que o
crescimento ocorra de uma forma harmoniosa, sem grandes desvios entre as diferentes variáveis
que o caracterizam.
Em situações de desnutrição deverá ainda ser avaliada a circunferência do braço (medida a meia
distância entre o acrómio e o olecrâneo, no braço não dominante), bem como as pregas cutâ-
neas (tricipital, bicipital, subescapular e supra-ilíaca, entre outras). O perímetro do braço e, em
particular, o perímetro muscular e a massa muscular, são bons indicadores das reservas proteicas
do organismo. As pregas cutâneas permitem a avaliação da gordura subcutânea, são medidas
utilizando um lipocalibrador, devem ser avaliadas por um profissional treinado, apresentam uma
grande variabilidade intra- e inter-observador e são alvo de grande erro de medição em obesos e
em atletas. A aplicação de equações validadas para a idade e sexo permite inferir, de uma forma
relativamente simples, acerca do teor de gordura corporal total e, desta forma, das reservas caló-
ricas do organismo.
Em situações de excesso de peso ou obesidade deve ser medido o perímetro abdominal, parâ-
Avaliação do estado de nutrição

metro considerado um bom marcador da deposição intra-abdominal de gordura e, consequen-


temente, um preditor de risco cardiometabólico. Não sendo consensual o ponto de medição, ela
poderá ser efectuada ao nível da cicatriz umbilical, num ponto médio entre a última costela e a
crista ilíaca ou ainda justa crista-ilíaca, não sendo significativa a diferença registada relativamente
à sua preditividade.

Caracterização do estado de nutrição 21


Para a caracterização do estado de nutrição, para a avaliação da sua cronicidade e particular-
mente para a monitorização da resposta à intervenção nutricional, utilizam-se índices, obti-
dos através da razão entre a idade e variáveis antropométricas (altura/idade) ou entre variáveis
antropométricas [peso/altura; índice de massa corporal (peso/altura2)]. Importa referir que, muito
embora existam muitos outros, estes são os mais úteis e mais frequentemente utilizados. Tal como
Pediatria Geral

as variáveis antropométricas isoladamente, o IMC também poderá ser expresso em z-score, com
todas as vantagens daí decorrentes.
Os pontos de corte que definem os critérios de classificação do estado de nutrição podem ser
observados na Tabela 3. Não há uma classificação universal e nem tão pouco consenso, sendo esta
uma das classificações mais frequentemente utilizada.
Importa referir que uma situação de restrição nutricional de curta duração (aguda) compromete
apenas o peso (baixo peso para a altura: wasting) enquanto o compromisso nutricional prolongado
(crónico) compromete o crescimento estatural e do perímetro cefálico (stunting).
Finalmente, em situações de excesso de peso ou obesidade, mais do que o valor isolado do pe-
rímetro abdominal, a razão cintura (m) /altura (m), quando superior a 0,5 é um forte preditor de
risco cardiometabólico e particularmente de resistência à insulina associada à obesidade, mesmo
em idade pediátrica.

Tabela 3: Critérios de classificação do estado de nutrição


Obesidade Excesso de Adequação Desnutrição Desnutrição Desnutrição
peso ligeira moderada severa
Altura para a idade (%) 90-95 85-90 < 85

Peso para a altura


> 120 110-120 90-100 80-90 70-80 < 70
(Peso/Altura) (%)a

< 5 anos: > P99 < 5 anos: > P97


Índice de massa (z-score > +3DP) (z-score > +2DP)
corporal (IMC)b
(Peso/Altura2) 5-19 anos: > P97 5-19 anos: P85-97
(z-score> +2DP) (z-score > +1DP)
a
As percentagens são calculadas para o percentil 50 para a idade e sexo. b Critérios da Organização Mundial de Saúde.

Caracterização da composição corporal


Numa situação de eutrofia, para um mesmo estado de nutrição é possível encontrar diferentes
composições corporais, particularmente na dependência da actividade física ou patologia.
Em situações de compromisso nutricional, por excesso ou por carência, a monitorização da com-
posição corporal deve fazer parte da caracterização nutricional, uma vez que traduz a resposta à
terapêutica de intervenção instituída.
É possível caracterizar, ainda que grosseiramente, a composição corporal, através da utilização da
Avaliação do estado de nutrição

medida do perímetro do braço (que permite inferir a massa muscular) e das pregas cutâneas (que
são um indicador da reserva gorda corporal), como oportunamente se referiu.
Outros métodos vêm sendo cada vez mais utilizados na prática clínica diária para caracterizar a
composição corporal, entre eles a impedância bioeléctrica bipolar ou tetrapolar. Muito embora
seja um método prático, importa lembrar que a sua sensibilidade é comprometida pelo estado
de hidratação bem como por patologias que interfiram com a composição corporal. De referir,
no entanto, a sua extrema utilidade na monitorização intra-individual da resposta à intervenção 22
nutricional, particularmente na obesidade.
Outros métodos como a DXA, a pletismografia por deslocação de ar (Bod Pod ou Bod), a tomo-
grafia computorizada ou ainda a ressonância magnética não encontram contexto na avaliação
ambulatória da composição corporal.
Pediatria Geral

Exames complementares de diagnóstico


O recurso à avaliação laboratorial para estudo do estado de nutrição deve resumir-se a casos de
malnutrição primária ou, como orientadores da terapêutica, em casos de malnutrição secundária.
Assim, dependendo da especificidade de cada caso, a avaliação laboratorial poderá incluir:
hemograma, velocidade de sedimentação, ionograma e gasimetria, glicose, creatinina e ureia,
ácido úrico, ferro, ferritina e transferrina, AST, ALT, fosfatase alcalina com fracção óssea, PTH,
perfil lipídico, proteínas totais, albumina, pré-albumina, T3, fT4 e TSH. A elastase fecal pode ser útil
quando suspeitamos de insuficiência pancreática exócrina.
A albumina, pré-albumina e a proteína de ligação ao retinol (por ordem crescente de sensibilida-
de na dependência de uma menor semi-vida), são bons marcadores da reserva proteica visceral,
muito embora os seus valores apresentem uma enorme sensibilidade às variações do estado de
hidratação ou hepatopatia aguda ou crónica, (muito) comuns na doença aguda (como septicémia).
Os défices em vitaminas e minerais devem ser suspeitados em situações com compromisso mala-
bsortivo por doença intestinal (ileal) distal (como síndrome do intestino curto, doença de Crohn).
Nestas circunstâncias importa avaliar as vitaminas B12 e K bem como o zinco.
A determinação da idade óssea (potencial de crescimento estatural) poderá facultar informações
úteis.
Os exames laboratoriais nos casos de excesso de peso ou obesidade não serão tanto diagnósticos,
mas de estadiamento das co-morbilidades, ou seja, de avaliação das repercussões da doença, nos
diferentes sistemas de órgãos. Assim, e dependendo de cada caso, pode ser importante a avalia-
ção do perfil lipídico, da função hepática e do metabolismo da glicose (glicose e insulina em jejum
e eventualmente prova de tolerância oral à glicose).

Conclusões
A avaliação do estado de nutrição deve fazer parte da prática clínica diária do pediatra. É um
bom marcador das experiências nutricionais pregressas do indivíduo, do seu estado de saúde no
momento, da capacidade de resposta à doença bem como um forte preditor da sua saúde futura.
A avaliação do estado de nutrição inclui a caracterização dos antecedentes pessoais e familiares
e de comportamentos (alimentares e de actividade física), bem como a avaliação de variáveis an-
tropométricas e a interpretação de índices nutricionais, em função das características individuais e
em comparação com padrões de referência. O recurso a exames subsidiários (laboratoriais ou de
imagem) está reservado para situações de malnutrição (por defeito ou por excesso) e deverá ser
Avaliação do estado de nutrição

criteriosamente orientado.

23
Pediatria Geral

2. Má progressão estaturo-ponderal
Ana Teresa Maria, Sílvia Jorge, Helena Pedroso

Introdução
A má progressão ponderal (MPP) é um estado de subnutrição. Resulta da insuficiência relativa de
calorias utilizáveis para suprir as necessidades metabólicas e de crescimento individual. Nos esta-
dios iniciais manifesta-se por peso ou velocidade de aumento de peso significativamente inferior
ao esperado para a idade, sexo, condição clínica e potencial genético. Nos casos mais graves a
estatura e o perímetro cefálico (PC) podem estar afectados. Em países desenvolvidos a MPP tem
uma incidência em ambulatório entre 5 e 10%, sendo mais frequente abaixo dos 2 anos de idade.

Etiologia
As causas de MPP incluem: 1) ingestão ou aporte alimentar insuficiente, 2) incapacidade de uti-
lização dos nutrientes ingeridos por alteração da absorção e/ou digestão, 3) aumento do gasto
energético. A idade é um factor orientador no diagnóstico diferencial, já que as etiologias mais
frequentes variam com a idade.

Diagnóstico
Baseia-se em critérios antropométricos, nomeadamente (pelo menos um em várias ocasiões):
•p  eso para a idade inferior a P3 (curvas OMS incluídas no BSIJ);
• desaceleração do peso com cruzamento de duas linhas principais de percentil;
• peso inferior a 75% do P50 do peso para a estatura (sensível a subnutrição aguda, indicador de
gravidade da malnutrição);
• peso inferior a 75% do P50 do peso para a idade;
• IMC inferior a P3 para a idade;
• velocidade de progressão ponderal abaixo do P5.
Na prática clínica é frequente a utilização de um dos dois primeiros. Quando alterados, deve recor-
rer-se aos restantes índices (comparação do peso com estatura, velocidade de progressão de peso)
para confirmar a tendência de crescimento.

Constituem excepção aos critérios acima:


Má progressão estaturo-ponderal

• os 3% da população de crianças normais, constitucionalmente pequenas, que se encontram, por


definição, abaixo do percentil 3;
• crianças constitucionalmente magras, com peso até dois percentis abaixo do da estatura, com
progressão regular, que permite um crescimento normal;
• crianças com somatometria ao nascer acima do seu potencial genético e que vão cruzar percentis
entre os 3 e 18 meses (até 30% das crianças saudáveis).
Como decorre da definição de MPP, ela não constitui um diagnóstico em si, mas é consequência 24
de uma ou várias condições etiopatogénicas simultâneas. Não inclui crianças com baixa estatura
familiar, atraso constitucional do crescimento e maturação, baixa estatura de causa genética e/ou
sindromática, ex-prematuros ou com história de restrição de crescimento fetal (RCF) com ganho
ponderal adequado à altura e velocidade de crescimento normal.
Pediatria Geral

Abordagem diagnóstica (Figura 1)


Anamnese
Doenças familiares, estatura e padrão de crescimento dos pais, história psicossocial; história da
gravidez (infecções, tóxicos, prematuridade, RCF), progressão estaturo-ponderal (avaliações seria-
das de peso estatura e PC), início de má progressão e acontecimentos concomitantes, desenvolvi-
mento psico-motor, doenças anteriores (infecções de repetição); revisão de sintomas presentes nas
etiologias mais frequentes. História alimentar: diversificação alimentar, diário alimentar de três dias
(dois dias de semana e um dia de fim-de-semana), modo de preparação da fórmula para lactentes,
ambiente das refeições, interacção criança-cuidador.

Exame objectivo
Sinais de malnutrição (flacidez das massas musculares, perda de tecido adiposo subcutâneo, xerose
cutânea, palidez e desidratação das mucosas, enfraquecimento das faneras), dismorfias, desen-
volvimento psico-motor, sinais de negligência ou maus tratos, sinais de doença de base; soma-
tometria (em mais de uma avaliação): peso, estatura e PC em relação a curvas de crescimento
preconizadas com correcção da idade para ex-prematuros até aos 2 anos de idade.
Valorizar a velocidade de progressão ponderal de acordo com o esperado para a idade e sexo (e
peso ao nascer, se aplicável) recorrendo por exemplo às tabelas de velocidade de progressão de
peso da OMS, disponíveis dos 0-24 meses1. Uma variação de peso inferior ao P5 identifica crianças
em risco de MPP.

Exames complementares de diagnóstico


Não devem ser pedidos por rotina na primeira avaliação da MPP, excepto se sugeridos pela história
clínica e observação ou pela gravidade da situação. Ponderar em avaliações subsequentes se au-
sência de resposta a intervenção primária.
Avaliação de primeira linha: hemograma completo, exame sumário de urina. Ponderar glicose,
ureia, creatinina, ionograma, cálcio, fósforo, gasimetria, proteína C reactiva, ALT, AST, proteinogra-
ma, cinética do ferro, urocultura.
Avaliação de segunda linha (diagnóstico de doenças específicas): exames orientados pela clínica
(Figura 1).

Terapêutica
Má progressão estaturo-ponderal

Tratamento da doença de base.


Correcção de erros e alterações do comportamento alimentar: rotinas alimentares com horários
certos, ambiente calmo e sem distracções.
Assegurar ingestão calórica adequada ao período de recuperação (articulação com nutricionista):
até 150% das necessidades calóricas para a idade (necessidades basais: 0 a 6 meses - 108 kcal/kg/
dia; 6 a 12 meses – 98 kcal/kg/dia; 1 a 3 anos – 102 kcal/kg/dia).
O internamento deve ser considerado nos casos de malnutrição grave, na ausência de melhoria 25
com intervenção terapêutica em ambulatório ou na suspeita de negligência e/ou maus tratos.

1 Disponível em: http://who.int/childgrowth/standards/w_velocity/en/


Pediatria Geral

Prognóstico
O prognóstico é variável, dependendo da gravidade, tempo de evolução da malnutrição e etiologia/
diagnóstico de base. As crianças com MPP precoce e prolongada têm maior risco de défice cog-
nitivo, alterações do comportamento, dificuldades de aprendizagem e baixa estatura persistente.

Má progressão estaturo-ponderal

26
Rever:
- História alimentar Atraso do DPM
- Ingestão calórica Ingestão calórica inadequada
SIM Ponderar serologias TORCH, Alterações da sucção-deglutição
avaliação da motilidade
orofaríngea
Ingestão inadequada:
Negligência
Diagnóstico Fórmula mal preparada
aparente Erros alimentares
Outros factores psicológicos
Infecções agudas frequentes
Sinais/sintomas Rever:
Má História sugestivos - História alimentar
Progressão de atraso do - Contexto psicossocial
Ponderal e EO
DPM ou alt.

EO: exame objectivo; ITUs: infecções do tracto urinário.


+/- Hemograma, Urina II
neuromuscular Doença hepática
Doença renal:
Diagnóstico não aparente: ITUs recorrentes
MPP Vigilância em ambulatório Resultado
anormal Nefropatia de refluxo
grave NÃO Investigação orientada Acidose tubular renal
pela clínica Glomerulonefrite

Sinais/sintomas Hemograma, prot C reactiva


NÃO sugestivos de Diagnóstico
NÃO Glicose aparente
qualquer etiologia Ureia, creatinina
orgânica Ionograma
Cálcio, fósforo Seguimento
Urina II, urocultura Resultado em ambulatório
SIM Transaminases normal ou
Proteinograma Ponderar internamento
Individualizar Ferritina para avaliação
Figura 1: Algoritmo de diagnóstico na má progressão ponderal

SIM orientação de Gasimetria


acordo com a Diagnóstico
clínica não aparente

Considerar
causas
orgânicas

pág. pág.
seguinte seguinte
Pediatria Geral

Má progressão estaturo-ponderal

27
RGE, alergias alimentares
Imagiologia do tubo digestivo, D. de Hirchsprung
Sialorreia, refluxo, vómitos Obstrução (estenose pilórica,
pHmetria, IgE total, estudo D. metabólica
Dificuldades na sucção ou anel vascular)
de alergénios alimentares, Encefalopatia
deglutição Malrotação / volvo
investigação de doença metabólica Hipertensão intracraniana
Ileus meconial

Parasitose (Giardia,
D. hepática (hepatite,
Cryptosporidium)
POQP, Ag Giardia, IgE total, estudo cirrose, d. biliar)
APLV, outra alergia alimentar
Diarreia / alteração do de alergénios alimentares, IgA Insuf. pancreática exócrina
D. celíaca, DII
trânsito intestinal total, IgA anti-TG +/- IgA anti- (fibrose quística, S. de
D. de Hirchsprung
± distensão abdominal, gliadina, prova de suor, elastase Shwachman-Diamond)
S. do intestino curto, S. da ansa
cólicas fecal, substâncias redutoras fezes, VIH, outras
cega
endoscopia digestiva +/- biópsia imunodeficiências
Outras causas raras de malabsorção
(estudo da imunidade)
História ou EO (défice de dissacaridases, outras)
sugestivos de
Obstrução respiratória alta:
etiologia
Hipertrofia adenoides / amígdalas
orgânica: Sono agitado, roncopatia, Rad. do cavum / cervical lateral,
Micrognatia / retrognatia
apneia do sono avaliação ORL, polissonografia
avaliação faseada, Obstrução nasal
orientada pela SAOS
clínica
Cardiopatia congénita
Asma ou adquirida
Rad. do tórax, estudo alergológico,
Sintomas respiratórios RGE Bronquiectasias
Hemograma, prova de tuberculina, prova de
(tosse, pieira), cansaço fácil Tuberculose VIH (Pneumocystis jerovecii,
prot C reactiva suor, ecocardiograma
Fibrose quística pneumonia intersticial
Glicose linfoide)
lonograma
Cálcio, fósforo
Transaminases Serologia VIH, imunoglobulinas, VIH
Proteinograma Infecções de repetição
subpopulações linfocitárias Outra imunodeficiência
Ferritina
Gasimetria
Urina II Perturbações do comportamento
Urocultura VIH (má progressão,
alimentar
Ureia, creatinina adenopatias, atraso

D.: doença; EO: exame objectivo; POQP: pesquisa de ovos, quistos e parasitas; Rad: radiografia; S.: síndrome; TG: transglutaminase.
Outros (adequar Insuficiência cardíaca congestiva
DPM, sem infecções
investigação) Hipertiroidismo
oportunistas)
Diabetes mellitus
Outras doenças crónicas
Neoplasia
Pediatria Geral

28
3. Obesidade
Catarina Figueiredo, Sara Martins, Helena Pedroso

Introdução
A obesidade é uma síndrome complexa e multifactorial, em que o excesso de gordura corporal
total tem consequências físicas, psíquicas e sociais. Em Portugal, cerca de 30% das crianças e dos
adolescentes têm excesso de peso e mais de 10% têm obesidade.
Em 95 a 97% dos casos a obesidade é primária, resultante de um desequilíbrio energético por
excesso de aporte calórico e/ou diminuição dos gastos energéticos.
São factores de risco a considerar: a predisposição genética (aumento do risco associado a obesi-
dade dos pais); factores pré-natais (diabetes gestacional, mãe fumadora, peso ao nascer inferior a
2,5 kg ou superior a 4,0 kg); e factores ambientais – o ambiente obesogénico (erros alimentares e/
ou sedentarismo), o baixo nível social, o meio rural, as minorias étnicas, as famílias monoparentais
ou numerosas, a mãe menos jovem, o filho único, a ausência de aleitamento materno.
A obesidade secundária pode ter causa endocrinológica (hipotiroidismo, síndrome de Cushing,
pseudo-hipoparatiroidismo, hiperinsulinismo, diabetes mellitus tipo 1, hipopituitarismo e tumores
ou infecções do hipotálamo), causa genética (sindromática: trissomia 21, X-frágil, Prader-Willi,
Cohen; ou monogénica: défice congénito de leptina, defeito do receptor da leptina) e causa iatro-
génica (corticóides, anti-depressivos, estrogénios, lítio).

Diagnóstico
O IMC é recomendado para identificar e classificar o grau de obesidade em crianças e jovens (Ta-
bela 4), e deve ser avaliado pelo menos anualmente.

Tabela 4: Classificação de excesso de peso e obesidade para idade e sexo


Percentil IMC para idade e sexo (OMS)a
Classificação
< 5 anos 5 a 19 anos
Excesso de peso > P97 (z-score > +2DP) > P85 (z-score > +1DP)
Obesidade > P99 (z-score > +3DP) > P97 (z-score > +2DP)
a
IMC de acordo com tabelas da OMS disponíveis em http://www.who.int/childgrowth/standards/bmi_for_age/en/ e nos BSIJ.
IMC = peso (kg) / altura2 (m)

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Antecedentes familiares (IMC nos familiares em primeiro grau, diabetes mellitus tipo 2, HTA, dis-
Obesidade

lipidémia, doença cardiovascular precoce, perturbações do comportamento alimentar), gravidez e


parto (diabetes gestacional, baixo peso ao nascer, macrossomia, leite materno), idade de início da
obesidade, relação com factores de risco, inquérito alimentar, actividade física e actividades seden- 29
tárias (quantificar), hábitos de sono, fármacos. Detectar co-morbilidades, procurar causas (evolução
da obesidade, crescimento estaturo-ponderal, desenvolvimento psico-motor e/ou dificuldades de
aprendizagem).
Pediatria Geral

Exame objectivo
Somatometria e IMC. Detectar co-morbilidades (perímetro abdominal, TA, estadio pubertário, acne,
hirsutismo, ginecomastia, acantose nigricans, estrias, intertrigo, hepatomegália, edema periférico,
dor articular). Procurar causas (avaliação do desenvolvimento psico-motor, dismorfias).

Obesidade secundária
Suspeitar se: ausência de história familiar de obesidade, obesidade de início antes dos 2 anos (causa
genética) ou início súbito (fármacos, causa endócrina), baixa estatura ou desaceleração do cresci-
mento (causa endócrina ou genética), dismorfias e/ou perturbações do desenvolvimento (causa ge-
nética), sintomas neurológicos (causa hipotalâmica), estigmas de doença endócrina (hipotiroidismo,
síndrome de Cushing, síndrome do ovário poliquístico).

Exames complementares de diagnóstico


Avaliação laboratorial com 12 horas de jejum incluindo hemograma, glicose, HbA1c, insulina,
perfil lipídico (colesterol total, colesterol-LDL, colesterol-HDL, triglicéridos), TSH, fT4, AST, ALT, GGT,
fosfatase alcalina, ureia, creatinina, ácido úrico e exame sumário da urina.
Ecografia abdominal (se obesidade grave, dor abdominal, hepatomegália ou alteração das
transaminases).
PTGO (se glicémia em jejum entre 100 e 125 mg/dl, HbA1c entre 5,7 e 6,4% e/ou sintomatologia
sugestiva de diabetes mellitus).
Polissonografia (se suspeita de SAOS).
Se suspeita de obesidade secundária, de acordo com a clínica: determinação da idade óssea (ra-
diografia da mão e punho esquerdos), estudos hormonais (ACTH, cortisol, IGF-1), TC/RM crânio-
-encefálica, estudos genéticos (cariótipo, eventuais testes moleculares específicos, em consultas
da especialidade).

Detectar co-morbilidades e complicações


Endócrinas: intolerância à glicose, resistência à insulina1, diabetes mellitus tipo 2, síndrome meta-
bólica2, dislipidémia, hiperandrogenismo e síndrome do ovário poliquístico, aceleração do cresci-
mento, puberdade precoce, ginecomastia.
Cardiovasculares: HTA, aterosclerose e doença coronária a longo prazo.
Gastrointestinais: elevação das transaminases, esteato-hepatite não alcoólica, cirrose hepática,
colelitíase.
Pulmonares: SAOS, síndrome de hipoventilação, asma.
Ortopédicas: epifisiólise da cabeça do fémur, tíbia vara, genum valgo, fracturas ósseas, instabili-
dade articular.
Neurológicas: hipertensão intracraniana idiopática.
Obesidade

Psicológicas: perturbação do comportamento alimentar, baixa auto-estima, isolamento social,


depressão.
30

1 Índice de resistência à insulina: HOMA-IR (Homeostasis Model Assessment): glicose (mmol/L) x insulina (µU/ml) / 22,5 (superior a 4,4 sugere
resistência à insulina).
2 S índrome metabólica na criança e adolescente: perímetro abdominal superior ou igual ao P90 para a idade e sexo (disponível em: www.insa.
pt/sites/INSA/Portugues/Publicacoes/Outros/Documents/AlimentacaoNutricao/GuiaAvaliacaoEstadoNutricional.pdf) e, no mínimo, mais dois dos
seguintes: hipertrigliceridémia superior ou igual a 150 mg/dL, colesterol-HDL inferior a 40 mg/dL, TAs superior ou igual a 130 mmHg e TAd
superior ou igual a 85 mmHg, intolerância à glicose (glicémia de jejum superior ou igual a 100 mg/dL ou presença de diabetes mellitus tipo 2).
Pediatria Geral

Orientação e tratamento
A abordagem deve ser multidisciplinar (Pediatria, Nutrição, Psicologia e Cardiologia Pediátrica) cen-
trada na aquisição de hábitos de vida saudáveis (criança/jovem e família) e tratamento específico
das co-morbilidades ou doença de base.
As tentativas anteriores de tratamento, a percepção da família face ao problema e o seu envolvi-
mento são cruciais na motivação para a mudança de estilo de vida.

Intervenção nutricional
O objectivo principal é criar hábitos alimentares saudáveis e não apenas perder peso. Promover as
refeições de confecção caseira em família com ingestão alimentar pausada e a ingestão de água. A
alimentação proposta deve ser equilibrada e com alimentos de elevado valor nutricional, limitando
o excesso calórico e o tamanho das porções. Evitar o jejum prolongado e os lanches calóricos.

Actividade física
Promover actividade física ou desporto organizado para além do escolar (idealmente uma hora por
dia), integrado na rotina diária. Promover actividades físicas não estruturadas em família.

Actividades sedentárias
Limitar a televisão, computador e vídeo-jogos a uma hora por dia.

Higiene do sono
Promover hábitos de sono regulares e de duração adequada à idade.

Terapia psicológica e comportamental


Promover estratégias para lidar com o stress e com os estímulos que resultam em perda de controlo
sobre a ingestão alimentar e/ou sedentarismo.

Terapêutica farmacológica e cirúrgica


Utilização muito limitada, na obesidade grave (adolescentes obesos e/ou presença de co-morbili-
dade grave associada), quando não há resposta às intervenções anteriores, em consulta específica.

Prognóstico
A obesidade constitui um grave problema de saúde pública tanto nos países desenvolvidos como
nos países em vias de desenvolvimento. Para além das inúmeras co-morbilidades médicas a médio
e longo prazo, nomeadamente doenças cardiovasculares e de morte prematura, as repercussões a
curto prazo mais comuns da obesidade pediátrica são de natureza psicossocial. Estas incluem di-
minuição da auto-estima, dificuldades no relacionamento inter-pares, estigmatização, isolamento
social, ansiedade, depressão e ideação suicida.
Obesidade

31
Pediatria Geral

4. Dislipidémia
Ana Teresa Maria, Sara Martins, Helena Pedroso

Introdução
As doenças cardiovasculares ateroscleróticas são actualmente a principal causa de mortalidade
e morbilidade nos países desenvolvidos e a dislipidémia constitui um importante factor de risco
para o desenvolvimento de aterosclerose. Este processo de aterosclerose inicia-se na infância e
continua-se na idade adulta. A intervenção preventiva na idade pediátrica é fundamental para a
redução da prevalência de doenças cardiovasculares ateroscleróticas no adulto.
A dislipidémia consiste numa alteração metabólica do metabolismo lipídico que leva a alterações
nos níveis séricos de lipoproteínas. A dislipidémia pode ser devida a alteração genética primária
ou pode ser secundária a outras doenças ou fármacos, e é influenciada pela alimentação e estilos
de vida.

Etiologia
Dislipidémias primárias
Formas monogénicas (mais raras): hipercolesterolémia familiar (autossómica dominante; 1:500
indivíduos), défice familiar de apolipoproteína B (1:1.000), disbetalipoproteinémia familiar (autos-
sómica recessiva; 1:10.000), hipertrigliceridémia familiar (1:2.000-3.000), hiperquilomicronémia
familiar (autossómica recessiva; 1:1.000.000).
Formas poligénicas: hipercolesterolémia poligénica (forma primária mais frequente: 2-5% da po-
pulação) e hiperlipidémia combinada familiar (1-2% população); expressão fenotípica influencia-
da pelos estilos de vida.

Dislipidémias secundárias
A outras doenças: obesidade, diabetes mellitus, hipotiroidismo, síndrome nefrótica, insuficiência
renal crónica, síndrome do ovário poliquístico, LESJ, AIJ, anorexia nervosa, síndrome de Klinefel-
ter, lipodistrofias, glicogenoses, síndrome de Cushing.
Fármacos e tóxicos: álcool, corticosteróides, derivados do ácido retinóico, beta-bloqueantes,
anticonceptivos orais, anabolizantes, quimiostáticos, antiretrovirais.

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Antecedentes familiares: doença cardiovascular precoce em familiar em primeiro e segundo grau
(EAM, angina de peito, acidente vascular cerebral, doença arterial periférica ou morte súbita em
Dislipidémia

idade inferior a 55 anos no sexo masculino e inferior a 65 anos no sexo feminino), história de
dislipidémia familiar ou perfil lipídico alterado.
Antecedentes pessoais: hábitos alimentares, estilos de vida (sedentarismo), hábitos tabágicos, 32
etanólicos, fármacos, doenças predisponentes para dislipidémia secundária.
Pediatria Geral

Exame objectivo
Peso, estatura, IMC, TA, perímetro abdominal, estigmas de insulinorresistência (como acantose
nigricans), presença de xantomas ou xantelasmas.

Indicações para rastreio


Entre os 2 e os 4 anos de idade (rastreio selectivo): antecedentes familiares (em primeiro e segundo
grau) de doença cardiovascular precoce ou dislipidémia (colesterol total superior a 240 mg/dL e/ou
colesterol-LDL superior a 130 mg/dL e/ou triglicéridos superior a 170 mg/dL e/ou colesterol-HDL
inferior a 35 mg/dL).
Criança ou adolescente com factor de risco cardiovascular (obesidade, diabetes mellitus, HTA,
doença renal, doença cardíaca, doença endocrinológica ou terapêutica prolongada com fármacos
hiperlipidemiantes).
Estudo dos familiares em primeiro grau de indivíduo com dislipidémia.
Criança ou adolescente com necessidade de avaliação analítica para outros fins (rastreio
oportunista).

Exames complementares de diagnóstico (Tabela 5)


Perfil lipídico (jejum de 12 horas): colesterol total, triglicéridos, colesterol-HDL, colesterol-LDL1,
ApoA1, ApoB.
Outros exames: hemograma, ureia, creatinina, ionograma, TSH, fT4, glicose, HbA1c, ALT, AST,
GGT, fosfatase alcalina.
Aconselhamento genético nos casos de dislipidémia familiar.

Tabela 5: Valores de referência na criança e adolescente


Valores de Referência: (mg/dL)
Recomendado Borderline Elevado

Colesterol total < 170 170-199 ≥ 200

Colesterol-LDL < 110 110-129 ≥ 130

ApoB < 90 90-110 ≥ 110

0-9 anos < 75 75-99 ≥ 100


Triglicéridos
10-18 anos < 90 90-129 ≥ 130

Recomendado Borderline Baixo

Colesterol-HDL > 45 40-45 < 40

ApoA1 > 120 115-120 < 115


Adaptado de NCEP/NHANES III, 1992
Dislipidémia

33

1 F órmula de Friedewald: colesterol-LDL (mg/dL) = (colesterol total) - (colesterol-HDL) - (triglicéridos/5). Determinação directa de colesterol-LDL
quando triglicéridos > 400 mg/dL, presença de quilomicrons ou disbetalipoproteinémia.
Pediatria Geral

Factores de risco cardiovascular


Risco elevado:
•d iabetes mellitus;
•o besidade (IMC superior ao P97, OMS);
• HTA com necessidade de terapêutica farmacológica;
• doença renal crónica terminal;
• pós-transplante cardíaco ou renal;
• doença de Kawasaki com aneurismas,
• tabagismo.

Risco moderado:
• HTA sem necessidade de farmacoterapia;
• excesso de peso (IMC no P95-97, OMS);
• colesterol-HDL inferior a 40mg/dL;
• doença crónica: infecção VIH, LESJ, AIJ, síndrome nefrótica, doença de Kawasaki com regressão
dos aneurismas.

Orientação e terapêutica
Objectivo: valores de colesterol-LDL inferiores a 130 mg/dL (inferiores a 100 mg/dL em crianças
com factores de risco cardiovascular elevado); triglicéridos inferiores a 100 mg/dL (até aos 10 anos)
ou inferiores a 130 mg/dL (dos 10 aos 18 anos); colesterol-HDL superior a 40 mg/dL.

Terapêutica de primeira linha (intervenção dietética e estilos de vida)


Dieta hipolipídica de fase 1: aporte lipídico inferior a 30% das calorias totais diárias, gorduras
saturadas inferior a 10% das calorias totais, restante em gorduras mono ou polinsaturadas,
colesterol dietético inferior a 300 mg/dia, limitar a ingestão de gorduras trans, diminuição do
aporte de açúcares de absorção rápida, aumento dos hidratos de carbono complexos e de fibras.
Dieta hipolipídica de fase 2: (se ausência de melhoria após 3 meses da dieta de fase 1 ou se
hipertrigliceridémia): aporte lipídico inferior a 25-30% das calorias totais diárias, gorduras
saturadas inferior a 7% das calorias totais e colesterol dietético inferior a 200 mg/dia, manter
restantes indicações da dieta de fase 1.
Actividade física: uma hora por dia de actividade física moderada a intensa e restrição de
actividades sedentárias de ecrã a menos de 2 horas diárias.
Tratamento dos outros factores de risco cardiovascular como obesidade, HTA, diabetes mellitus,
sedentarismo, se presentes.

Referenciação para consulta de especialidade


Dislipidémia

As crianças com colesterol-LDL igual ou superior a 250mg/dL ou triglicéridos igual ou superior a


500 mg/dL devem ser referenciadas directamente; as restantes crianças com dislipidemia devem
ser referenciadas se ausência de resposta a intervenção de primeira linha após 6 meses. 34
Pediatria Geral

Indicações para terapêutica farmacológica (acima dos 10 anos de idade, após 6 meses
de terapêutica de primeira linha; em consulta de referência):
• c olesterol-LDL igual ou superior a 190 mg/dL;
• colesterol-LDL igual ou superior a 160 mg/dL e história familiar de doença cardiovascular pre-
coce ou um factor de risco cardiovascular elevado ou mais de um factor de risco cardiovascular
moderado;
• colesterol-LDL igual ou superior a 130 mg/dL e mais de um factor de risco cardiovascular de grau
elevado ou um factor de risco elevado e mais de um factor de risco cardiovascular moderado;
• t riglicéridos iguais ou superiores a 200-499 mg/dL.
A terapêutica farmacológica na hipercolesterolémia deve ser iniciada com inibidores da HMG-CoA
redutase (primeira linha; estatinas: atorvastatina, lovastatina, simvastatina, pravastatina) na dose
mais baixa disponível (atorvastatina 5-10 mg/dia, lovastatina 10 mg/dia, simvastatina 5-10 mg/dia,
pravastatina 10 mg/dia), em toma única diária, com determinação prévia de ALT, AST e CK, e titular
de forma a atingir os objectivos terapêuticos. Em segunda linha ponderar resinas sequestradoras
de ácidos biliares ou associação de ezetimibe.

Seguimento
Avaliação clínica (somatometria, IMC, TA, aderência ao plano terapêutico) e laboratorial (perfil
lipídico; se terapêutica farmacológica com estatinas monitorizar AST, ALT, CK) a cada 3 a 6 meses.

Prognóstico
O prognóstico é variável, dependendo da etiologia, presença de factores de risco e controlo me-
tabólico. Nos casos de hipercolesterolémia familiar o prognóstico cardiovascular é pior: nos indi-
víduos homozigóticos (com valores muito elevados de colesterol-LDL) os eventos cardiovasculares
podem ter início na primeira década de vida. Nos indivíduos heterozigóticos, 25% das mulheres
e 50% dos homens não tratados sofrem pelo menos um evento cardiovascular até aos 50 anos
de idade.

Dislipidémia

35
Pediatria Geral

5. Prevenção da doença cardiovascular


Ana Gomes da Silva, Nuno Carvalho, Rui Anjos

Introdução
As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo ocidental. A presença de
factores de risco cardiovasculares (dislipidémia, hiperglicémia, hiperinsulinismo, HTA, IMC elevado)
prediz a ocorrência de aterosclerose subclínica na idade adulta (Tabela 6).
Na ausência de história pessoal ou familiar de condições que aumentem o risco cardiovascular, a
avaliação do risco deve ter início aos 9 anos. O rastreio deve ser mais precoce sempre que se sus-
peite da existência de factores de risco.

Tabela 6: Factores de risco cardiovascular em Pediatria


Factores de risco Mecanismo Tratamento
Dislipidémia Inflamação Dieta
Stress oxidativo Actividade física
Disfunção endotelial Terapêutica farmacológica
Diabetes mellitus Hiperlipidémia Dieta
Inflamação Actividade física
Disfunção endotelial Insulina
Microalbuminúria
Tabagismo Stress oxidativo Evicção
Disfunção endotelial
Agregação plaquetária
HTA Disfunção endotelial Dieta
Rigidez arterial Exercício físico
Hipertrofia ventricular esquerda
Hiperglicémia
Obesidade Hiperglicémia Dieta
Dislipidémia Exercício físico
HTA
Disfunção endotelial
Inflamação crónica

Abordagem diagnóstica
Prevenção da doença cardiovascular

Anamnese
A avaliação do risco cardiovascular tem como objectivo excluir doença orgânica subjacente, iden-
tificar e avaliar o risco de co-morbilidades.
História familiar (doença cardiovascular, dislipidémia, diabetes mellitus, HTA, com idade inferior a
55 anos no sexo masculino e inferior a 65 anos no sexo feminino); história da gravidez (diabetes
mellitus e HTA gestacional, restrição de crescimento fetal ou RN leve ou pesado para a idade
36
gestacional); história alimentar (aleitamento materno até quando/leite adaptado; diversificação
alimentar); idade de início de aumento ponderal; avaliação e posicionamento dos parâmetros
antropométricos em curvas apropriadas; estado nutricional familiar (padrão típico de agregação
familiar); medicação crónica da criança obesa (corticóides, psicotrópicos) e hábitos (tabagismo);
avaliação da dieta e actividade física em cada consulta; avaliação de hábitos tabágicos (activos
e passivos) em cada consulta; padrão de sono (roncopatia, fome nocturna, nictúria); limitações
Pediatria Geral

físicas; avaliação do humor, avaliação do comportamento alimentar (dietas versus indulgência ex-
cessiva); menarca, regularidade de ciclos, hiperandrogenismo (no sexo feminino).

Exame objectivo
Avaliação anual do peso e estatura, com cálculo do IMC1, e medição do perímetro abdominal
(percentis para a idade e sexo2) (ver Capítulo 3. Obesidade); pesquisa de estigmas sugestivos de
doença sindrómica associada à obesidade (atraso do desenvolvimento, atraso do crescimento, dis-
morfismo, hipogonadismo, estrias abdominais exuberantes); sinais associados à obesidade simples
(acantose nigricans e hiperandrogenismo); avaliação da TA em cada consulta (percentis3), em todas
as crianças com mais de 3 anos; abaixo dos 3 anos, deve-se avaliar os pré-termo ou leves para a
idade gestacional, crianças com cardiopatia congénita, infecção urinária recorrente, uropatia mal-
formativa, neoplasias, transplante de medula, ou doença sistémica (como neurofibromatose). Não
esquecer a palpação dos pulsos femorais (pulsos fracos ou ausentes em crianças com coartação
da aorta); exame do sistema músculo-esquelético (deformidades ou limitações do movimento).

Exames complementares de diagnóstico


Deve-se proceder a todas as crianças entre os 10 e os 13 anos e a todas as crianças com obesidade,
independentemente da idade.
Esta abordagem inicial, com 12 horas de jejum, consiste em: hemograma, função hepática (AST,
ALT, GGT), perfil lipídico (colesterol total, colesterol-LDL, colesterol-HDL, triglicéridos), ácido úrico,
glicose, HbA1c, ureia, creatinina, ionograma, ecografia abdominal.
Em situações especiais (suspeita de co-morbilidade ou quadro sindrómico): função tiroideia (TSH,
fT4), insulina, cortisol em jejum, ApoA1, ApoB, Lp(a), exame sumário de urina, ecografia renal com
doppler; a criança deve ser enviada a uma consulta de especialidade.

Orientação e terapêutica
Uma dieta equilibrada e a prática regular de actividade física moderada desde os primeiros anos de
vida estão associadas à redução do risco cardiovascular.

Comportamento alimentar
O consumo de vegetais pelas crianças e adolescentes está inversamente associado com a doença
cardiovascular na idade adulta, permanecendo esta associação significativa após ajuste para facto- Prevenção da doença cardiovascular

res de risco cardiovascular convencionais e para os relacionados com o estilo de vida (dieta, hábitos
etílicos, hábitos tabágicos e índice de actividade física). O objectivo de uma alimentação saudável é
a aquisição de um peso corporal adequado e de hábitos alimentares saudáveis que se mantenham
para a vida, uma vez que os padrões alimentares tendem a permanecer estáveis desde a infância à
idade adulta.
Pontos-chave a serem abordados: hora e local das refeições; quantificação do consumo diário
de bebidas doces; caracterizar e reforçar os aspectos positivos do padrão alimentar; caracterizar
o tamanho das porções; caracterizar o consumo alimentar da criança durante o período escolar. 37

1 IMC de acordo com tabelas da OMS disponíveis em http://www.who.int/childgrowth/standards/bmi_for_age/en/ e nos BSIJ.


2 disponível em: www.insa.pt/sites/INSA/Portugues/Publicacoes/Outros/Documents/AlimentacaoNutricao/GuiaAvaliacaoEstadoNutricional.pdf
3 c onsultar Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil 2013. Direção-Geral da Saúde. Disponível em http://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/
programa-tipo-de-atuacao-em-saude-infantil-e-juvenil-png.aspx
Pediatria Geral

Sugestões práticas:
• e struturar um esquema exequível de refeições, com pequenos lanches entre elas;
• c omer na cozinha ou sala de jantar (nunca à frente do computador ou televisão);
•p  romover as refeições em família;
•n  ão consumir sumos ou bebidas açucaradas;
• a água é a bebida das crianças;
• promover o consumo de frutas e vegetais, de hidratos de carbono complexos em detrimento dos
simples e de alimentos com baixo teor de gordura.

Actividade física
Prática regular de actividade física é essencial para a manutenção de uma boa função cardiovascu-
lar, para a obtenção de um IMC normal em situações de excesso de peso ou obesidade e para evitar
o ganho de peso após o emagrecimento. É aconselhado que as crianças e adolescentes pratiquem
cerca de 60 minutos diários de actividade física moderada a vigorosa.
Pontos-chave a serem abordados: quantificar o número de horas diárias passadas em actividades
sedentárias; desportos organizados fora do sistema escolar; meio de deslocação até à escola; ava-
liar as actividades da família.
Sugestões práticas:
• aumentar a actividade física - ir a pé ou de bicicleta para a escola, praticar desporto fora do âm-
bito escolar, praticar exercício de moderada a elevada intensidade;
• reduzir a atividade sedentária para menos de 2h, praticar no mínimo 1h de actividade física,
todos os dias;
•p  raticar actividade física em grupo, com os amigos e a família;
• a ctividades divertidas;
•q  ualquer actividade é importante.

Exposição tabágica
Pontos-chave a serem abordados: evitar/prevenir exposição passiva; prevenir iniciação; interrupção
do tabagismo activo.
Sugestões práticas:
•q uestionar tabagismo nos pais e criança ou adolescente em cada consulta;
• vigorosa atitude contra o tabagismo (casa, amigos, escola e trabalho).
Prevenção da doença cardiovascular

Alto risco cardiovascular em pediatria


O processo aterosclerótico começa na criança normal mas a sua progressão é muito acelerada
quando associada a certas patologias crónicas, em particular na presença de hipercolesterolémia
familiar, diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2, doença renal crónica, transplante cardíaco, doença de
Kawasaki, cardiopatia congénita, doença inflamatória crónica e neoplasias. Este subgrupo de alto
risco cardiovascular deve ter um acompanhamento e rastreio mais precoces e objectivos mais exi-
gentes para redução ou eliminação dos factores de risco cardiovasculares. 38
Pediatria Geral

Aspectos práticos na prevenção do risco cardiovascular pediátrico


É muito importante definir objectivos realistas para evitar a frustração e a desistência. É importante
lembrar que nas crianças com excesso de peso ou obesidade ligeira a moderada e a crescer, a ma-
nutenção do peso é suficiente para melhorar o bem-estar e o perfil metabólico; a redução aguda
de peso tem pouco sucesso a longo prazo, são preferíveis reduções de peso ligeiras mas estáveis.
A mudança da composição corporal, mesmo sem redução do peso, melhora o bem-estar e o perfil
metabólico. Os pais e a família são actores principais da perda de peso, que devem participar acti-
vamente no exercício e na mudança alimentar; é necessário educar não só a criança, mas também
a família e a comunidade.

Prevenção da doença cardiovascular

39
Pediatria Geral

6. A criança imigrante e os filhos de imigrantes


em Portugal
Sandra Lobo

Introdução
O imigrante é todo o indivíduo que vive fora do seu país de nascimento durante um período de
pelo menos um ano, segundo definição da ONU. São filhos de imigrantes aqueles em que pelo
menos um dos pais é proveniente de outro país.
Em 2013 residiam em Portugal 401.320 cidadãos estrangeiros com título de residência válido.
Crianças e adolescentes dos 0 aos 14 anos, representam cerca de 10% do total dos imigrantes,
segundo o relatório anual do SEF (RIFA 2013). Os imigrantes oriundos de países de língua oficial
portuguesa representam 41,9% do total. Actualmente as comunidades mais numerosas são as do
Brasil, Cabo Verde, Ucrânia, Roménia e Angola.
É importante ter em mente que existe grande diversidade entre as famílias e crianças imigrantes
tanto a nível cultural, como económica ou de contexto social. A considerar: as crianças prove-
nientes de países desenvolvidos, as provenientes de países em desenvolvimento, as nascidas em
Portugal filhas de imigrantes e as adoptadas.
Estas crianças e suas famílias são mais susceptíveis a problemas de saúde e deparam-se com diver-
sas barreiras que podem dificultar o seu acesso aos cuidados de saúde. A Constituição da Repúbli-
ca Portuguesa garante a todas as crianças o direito a cuidados de saúde, sejam elas nacionais ou
imigrantes, em situação legal ou ilegal.
As patologias mais frequentemente encontradas variam segundo o país de origem e a comunidade
onde estas se encontram inseridas em Portugal.

Factores de risco e barreiras


São diversos os factores de risco e barreiras que enfrentam: proveniência de países com elevada

A criança imigrante e os filhos de imigrantes em Portugal


prevalência de algumas doenças infecciosas e genéticas, práticas culturais de alguns grupos étni-
cos, condições psico-sociais precárias, famílias destruturadas e por vezes numerosas, programas
de vacinação distintos, imigração ilegal, institucionalização, medo de acções discriminatórias, de-
sinformação sobre os cuidados de saúde e direitos das crianças e famílias e barreira linguística. A
falta de informação credível sobre os cuidados médicos recebidos no país de origem é mais uma
das dificuldades enfrentadas pelos técnicos de saúde.

Patologias e problemas mais frequentes


Patologias reactivas ou de adaptação à imigração como fenómeno de stress para a criança e famí-
lia, nomeadamente transtornos psicológicos ou psiquiátricos.
Patologias infecciosas de elevada prevalência no país de origem: tuberculose, infecções virais (VIH, 40
VHA, VHB, VHC, sarampo), parasitoses intestinais ou sistémicas (malária).
Patologias de base genética, frequentes no país de origem: anemias hereditárias (drepanocitose,
talassémia).
Pediatria Geral

Patologias desencadeadas ou agravadas por hábitos culturais dos países de origem (hábitos ali-
mentares que podem condicionar anemias carenciais, mutilação genital).
Problemas sociais e económicos: pobreza, negligência, agressão física e abandono.

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Considerar país de origem, rota migratória, data de entrada em Portugal, história de doenças
hereditárias, consanguinidade, dados registados no boletim de saúde do país de nascimento
sobre o seguimento da gravidez, parto, patologia e internamentos prévios; registo de vacinas
recebidas no país de origem (considerar a hipótese de boletins de vacinas falsos).

Exame objectivo
Avaliação da somatometria, indícios de patologia crónica ou de maus tratos; avaliação do
desenvolvimento psico-motor.

Exames complementares de diagnóstico


Não devem ser considerados por rotina na primeira avaliação da criança imigrante, mas serão
definidos caso a caso, consoante os dados clínicos da criança, o país de origem e as informações
disponíveis no boletim de saúde infantil, quando disponível.
Sugere-se: hemograma, esfregaço de sangue periférico, electroforese de hemoglobinas para crian-
ças com risco de anemias hereditárias, cinética do ferro, função hepática, VDRL, serologias virais
(VHB, VHC, VHA, VIH), exame sumário da urina, exame parasitológico de fezes incluindo pesquisa
de antigénio para Giardia lamblia, radiografia do tórax e prova de tuberculina.
Considerar função tiroideia em menores de 2 anos, em particular na criança hipotónica ou com
atraso do desenvolvimento psico-motor.

Orientação e terapêutica
A criança imigrante está na maioria das vezes integrada em famílias e comunidades com importan-

A criança imigrante e os filhos de imigrantes em Portugal


tes problemas sociais e económicos.
O profissional de saúde deverá conhecer os direitos das crianças imigrantes e de suas famílias e
tentar perceber as características do país de origem e as condições de vida da família antes da imi-
gração. Assim poderá ter um papel determinante na vida destas crianças e na promoção do acesso
integral aos cuidados de saúde, minimizando os constrangimentos e barreiras, dando a conhecer
os direitos e integrando as famílias.
Deve ser promovido o acesso de todas as crianças imigrantes e filhos de imigrantes à vigilância
regular de saúde e ao programa nacional de vacinação.
O tratamento de situações específicas deve seguir protocolos locais de orientação e terapêutica,
dependendo de alguns aspectos particulares dos países de origem, como sejam a existência local
de resistências a antimicrobianos. 41
Pediatria Geral

7. Seguimento do prematuro
Ana Teresa Maria, Sara Noéme Prado

Introdução
A prematuridade é responsável por grande percentagem de mortalidade e morbilidade perinatal,
sendo maior o risco nos recém-nascidos (RN) com menos de 32 semanas de idade gestacional (IG)
e/ou peso ao nascer (PN) inferior a 1.500g (habitualmente com necessidade de acompanhamento
multidisciplinar hospitalar). Os prematuros tardios, durante muito tempo considerados como de
risco semelhante aos RN de termo, têm maior mortalidade e mais complicações a curto e longo
prazo.
O médico assistente deve assegurar a continuação dos cuidados na comunidade, manter a ar-
ticulação entre as diferentes valências e rastrear as situações mais prevalentes nos prematuros,
promovendo um crescimento e desenvolvimento adequados.

Definições
Prematuro: RN com IG inferior a 37 semanas.
Prematuro tardio: RN com IG entre as 34 e as 36 semanas e 6 dias.
Baixo peso ao nascer: PN inferior a 2.500g.
Muito baixo peso ao nascer (MBP): PN inferior a 1.500g.
Extremo baixo peso ao nascer (EBP): PN inferior a 1.000g.
Idade real/cronológica: tempo desde o nascimento (expresso em dias, semanas, meses ou anos).
Idade pós-menstrual (IPM) = idade gestacional + idade real/cronológica (expressa em semanas,
utilizada no período perinatal até às 40 semanas).
Idade corrigida (IC) = idade real/cronológica - (40 semanas - IG em semanas ao nascimento), ex-
pressa em semanas, meses ou anos e utilizada após as 40 semanas, até aos 2 ou 3 anos de idade
(de acordo com evolução estaturo-ponderal e DPM).

Orientação e seguimento
Periodicidade de consultas
Primeira avaliação: cerca de 2 semanas após a alta hospitalar.
Seguimento (RN de risco ou com patologia): a cada 2 a 4 meses até aos 18 meses; depois a cada
6 a 12 meses até idade escolar; acompanhamento hospitalar complementado com o estabelecido
pelo Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil.
Seguimento do prematuro

Na primeira consulta confirmar: realização de rastreio neonatal, rastreio auditivo, oftalmológico


e de cardiopatia congénita por oximetria (se aplicado); administração de vacinas; eventual segui-
mento por equipa multidiscipilinar (Neonatologia/Pediatria, Desenvolvimento, Oftalmologia, Pneu-
mologia, Cardiologia, Neurologia ou Cirurgia Pediátricas, Medicina Física e Reabilitação, Nutrição);
referenciação a equipa de intervenção precoce, se presentes critérios de elegibilidade1. 42

1 https://www.dgs.pt/sistema-nacional-de-intervencao-precoce-na-infancia.aspx
Pediatria Geral

Parâmetros de vigilância
Parâmetros somatométricos e crescimento (Tabela 7)
Não existem ainda curvas longitudinais específicas para o seguimento a longo prazo de prematu-
ros; utilizar curvas de crescimento de Fenton & Kim 2013 do nascimento até às 40-50 semanas de
IC; posteriormente curvas de crescimento da OMS, adaptando à IC até atingir o catch-up growth.

Tabela 7: Progressão somatométrica


Progressão somatométrica 40 semanas (IPM) 3 a 6 meses (IC)
a 3 meses (IC)
Peso 25-30 g/dia 15-20 g/dia

Comprimento 1 cm/semana 0,5 cm/semana

PC 0,5 cm/semana 0,2 cm/semana

Crescimento de recuperação (catch-up growth): aumento da velocidade de crescimento traduzido


pelo cruzamento ascendente de percentis nas curvas de crescimento até alcançar P50 para IC ou
P3/P5 para idade real; normalmente evidente numa primeira fase no PC e posteriormente no peso
e comprimento; dependente da variabilidade individual e de outros factores como grau de prema-
turidade e restrição do crescimento fetal; considerar catch-up growth até aos 18 meses (PC), 2-3
anos (peso) e 3-4 anos (comprimento).

Exame objectivo
Completo, com avaliação da pressão arterial em todas as visitas médicas por aumento de
risco de hipertensão arterial e morbilidade cardiovascular.
Alimentação
Controvérsia entre uma nutrição com um maior aporte calórico (com melhores resultados no neu-
rodesenvolvimento), e uma nutrição com aporte calórico mais controlado (menor risco cardiovas-
cular/síndrome metabólica).
Aportes hídricos entre 150-180 mL/kg/dia e aportes calóricos entre 110-135 kcal/kg/dia até cerca
das 40 semanas de IPM.
Aleitamento materno – primeira escolha.
Nos RN com peso adequado à IC: LM ou fórmula para lactentes; se peso abaixo do P3 para IC:
ponderar LM fortificado ou PDF (post-discharge formula) até aos 3 meses de IC, adaptando de
acordo com a evolução ponderal e controle laboratorial (nomeadamente cálcio, fósforo e fosfatase
Seguimento do prematuro

alcalina).
Horário de cerca de 3 em 3 horas, sem pausas superiores a 4 horas, mantendo 7-8 refeições em
24 horas e 6-8 fraldas molhadas em 24 horas.
Diversificação alimentar: entre os 3 a 6 meses de IC, de acordo com desenvolvimento psico-motor
e adaptada ao grau de prematuridade; introdução gradual de novos alimentos, com progressiva
aproximação com a dieta dos lactentes de termo. 43
Pediatria Geral

Suplementação vitamínica
De acordo com as recomendações da ESPGHAN, Consenso Nacional e considerando as formula-
ções actualmente comercializadas em Portugal:
• v itamina D: 800 a 1000 UI/dia até aos 3 meses de IC e posteriormente 400 UI/dia (Vigantol®:
1 gota = 667 UI vitamina D3; Dedrogyl®: 1 gota = 200 UI vitamina D3);
• f erro: 2-3 mg/kg/dia a iniciar entre as 2 e as 6 semanas de vida (Ferrum Hausmann®:
1 gota = 2,8 mg).
Até aos 3 meses de IC:
• se aleitamento materno exclusivo ou PDF: Protovit infantil® 10 gotas/dia, Vigantol® 1 gota/dia
ou Dedrogyl® 3 gotas/dia e Ferrum Hausmann® 1 gota/kg/dia;
• se fórmula para lactentes: Protovit infantil® 15 gotas/dia, Vigantol® 1 gota/dia ou Dedrogyl®
3 gotas/dia e Ferrum Hausmann® 1 gota/kg/dia.
Depois dos 3 meses de IC: Vigantol® 1 gota/dia ou Dedrogyl® 2 gotas/dia até aos 12 meses
de idade real e Ferrum Hausmann® 1 gota/kg/dia até aos 6 a 12 meses de idade real.

Imunizações
De acordo com a idade real/cronológica. Cumprir o PNV.

Particularidades
BCG (vacinação na maternidade): vacinar quando peso superior a 2.000g; se mais de 2 meses de
idade real fazer antes prova da tuberculina e vacinar se resultado negativo.
Vacina VHB (esquema dependente do PN e estado imunológico materno):
• mãe AgHBs negativo - 1ª dose quando peso igual ou superior a 2.000g ou 1 mês de vida (o
que ocorrer primeiro). Doses seguintes aos 2 e 6 meses;
• mãe AgHBs positivo - 1ª dose nas primeiras 12h de vida (com imunoglobulina específica)
- RN com PN igual ou superior a 2.000g: doses subsequentes ao 1 e 6 meses;
- RN com PN inferior a 2.000g: doses subsequentes ao 1, 2 e 6 meses (total 4 doses);
- t estar AgHBs e Ac anti-HBs aos 9 a 15 meses, se negativos vacinar com nova série vacinas
VHB (3 doses).
Nota: nos lactentes com IG inferior a 28 semanas a administração das vacinas dos 2 meses deve
ser feita em meio hospitalar.

Vacinas não contempladas no PNV


Anti-pneumocócica (Pn23): vacinação se IG igual ou inferior a 28 semanas ou doença crónica,
Seguimento do prematuro

acima dos 24 meses.


Anti-influenza: no início do outono; se idade superior a 6 meses; vacinação de contactos em espe-
cial se RN com menos de 6 meses de idade.
Anti-rotavírus e anti-meningococo B: doses e idades recomendadas para os RN termo.

Profilaxia da infecção VSR com anticorpo monoclonal (Palivizumab) 44


De acordo com norma da DGS2.

2 D
 irecção geral de Saúde, Norma 012/2013: Prescrição de Palivizumab para Prevenção de Infecção pelo Vírus Sincicial Respiratório em Crianças de
Risco (actualizada em 08/10/2014)
Pediatria Geral

Avaliação do desenvolvimento psico-motor


No primeiro ano deve ser frequente, com intervalo médio de 3 meses; adequar de acordo com o
grau de prematuridade, morbilidade neonatal e informações de exames imagiológicos (ecografia
cerebral, RM crânio-encefálica).
Deve incluir por rotina: exame neurológico, funções sensoriais (visão e audição) e avaliação glo-
bal do DPM com escalas apropriadas (Schedule of Growing Skills II, Ruth Griffiths, Bayley Scale,
Denver, Mary Sheridan) adaptadas à IC, em especial durante os primeiros 2 anos.
Para além da avaliação de rotina, é necessária uma avaliação formal do neurodesenvolvimento
com escalas diagnósticas, em consulta de Desenvolvimento (idealmente com apoio de Psicolo-
gia) para diagnóstico precoce de alterações do DPM, rastreio de autismo (Modified Checklist for
Autism in Toddlers - M-CHAT, entre os 18 a 24 meses), problemas comportamentais, funciona-
mento intelectual, rendimento escolar, perturbações da linguagem e despiste de PDAH).

Avaliação da visão
Nos grupos de risco para retinopatia da prematuridade (IG inferior a 32 semanas; PN inferior a
1.500g; PN inferior a 2.000g com necessidade prolongada de O2 suplementar; RN gravemente
doentes e/ou submetidos a grande cirurgia), o primeiro exame oftalmológico é realizado habi-
tualmente na unidade de neonatologia; avaliações subsequentes de acordo com a gravidade das
lesões encontradas; reavaliações aos 6 a 12 meses e posteriormente com periodicidade em média
anual.

Avaliação da audição
Rastreio auditivo universal (RANU-SPP).
Grupos de risco (nomeadamente MBP) devem fazer potenciais evocados sempre e ser referencia-
dos a Consulta de Audiologia/ORL.

Segurança, orientação e integração familiar e social


Transporte de RN prematuros - particularidades:
- o sistema de retenção deve ser experimentado antes da alta; podem ser usadas toalhas ou
fraldas enroladas para suporte postural;
- as viagens longas devem ser evitadas, aconselhando a paragens frequentes; o RN deve ser
visualizado por um adulto (directamente ou através de um espelho) e não deve ser deixado
sozinho no carro, nem por um curto período.
Prevenir a síndrome de morte súbita do lactente:
Seguimento do prematuro

-p  osição de dormir em decúbito dorsal; não dormir na cama dos pais;


-q  uarto arejado, evitar o sobreaquecimento;
- colchão firme, com tamanho adequado; os pés devem tocar no fundo da cama e a roupa
da cama não deve ultrapassar os ombros; não usar almofada ou outros objectos dentro da
cama;
- a mbiente livre de fumo. 45
Ponderar necessidade de apoio psicológico, social.
Esclarecimento de dúvidas parentais; informação e ensino (nomeadamente suporte básico de vida
e como actuar em caso de engasgamento).
Pediatria Geral

Abordagem de patologias da prematuridade


Anemia da prematuridade
De origem multifactorial por interrupção da constituição das reservas de ferro que ocorrem maio-
ritariamente no 3º trimestre de gestação, perda iatrogénica (necessidade de colheitas laboratoriais
frequentes), semi-vida mais curta dos eritrócitos, produção inadequada de eritropoietina e cresci-
mento rápido. O nadir atinge-se cerca das 4-8 semanas de vida e com valores mais baixos do que
no RN termo (7-9 g/dL).
Avaliação: frequência de hemograma não consensual; ponderar realização cerca dos 4-6 meses e
repetir aos 12-15 meses, em especial se RN sem catch-up growth ou com má progressão ponderal
(hemograma com reticulócitos, ferro e ferritina).
Tratamento: ferro em dose terapêutica (3-6 mg/kg/dia) durante 4-6 meses.
Prevenção: suplementação com ferro profiláctico conforme referido previamente.

Apneia da prematuridade
Interrupção da respiração superior a 20 segundos ou superior a 10 segundos se associada a bradi-
cárdia ou dessaturação. Mais prevalente se IG inferior a 36 semanas (em mais de 50% dos MBP),
mas após as 43 semanas de IPM os estudos não demonstram maior frequência do que nos RN de
termo.
Monitorização no domicílio (monitor de apneia): sem eficácia comprovada, não estão indicados por
rotina; considerar apenas em casos seleccionados nomeadamente necessidade de oxigenoterapia
no domicílio. Deve ser reforçado o ensino parental de manobras de reanimação cardiorrespiratória.

Displasia broncopulmonar (DBP)


Necessidade de O2 suplementar aos 28 dias de vida. Pode ser ainda necessário oxigenoterapia no
domicílio, em especial no primeiro ano de vida ou durante episódios de infecção respiratória; pon-
derar igualmente corticóide inalado e broncodilatador. Referenciação a consulta de Pneumologia
Pediátrica.

Osteopénia da prematuridade
Diminuição da densidade óssea no prematuro, causada por deficiência de cálcio, fósforo e/ou
vitamina D, associada a fracturas e deformações ósseas.
Prevenção e tratamento: optimização dos aportes nutricionais e suplementação de vitaminas/mi-
nerais (conforme referido anteriormente); monitorização dos valores de cálcio, fósforo e fosfatase
alcalina com periodicidade de acordo com sinais de alarme (fosforémia inferior a 4-4,5 mg/dL e
Seguimento do prematuro

fosfatase alcalina superior a 800-900 UI/L).

Refluxo gastroesofágico
Entidade mais frequente neste grupo de risco, em especial se maior imaturidade. Para orientação
e terapêutica ver Capítulo 37. Refluxo gastro-esofágico. Referenciação a consulta de Gastroente-
rologia Pediátrica nos casos refractários a terapêutica médica.
46
Pediatria Geral

Má progressão estaturo-ponderal
Grupos de risco: prematuridade, RCF, DBP, osteopénia da prematuridade, doença neurológica e
atraso do desenvolvimento psico-motor. Crianças com história de restrição do crescimento fetal,
sem catch-up growth ou com baixa estatura aos 3 a 4 anos devem ser referenciados à consulta de
Endocrinologia Pediátrica por eventual indicação para terapêutica com hormona de crescimento.

Problemas cirúrgicos
Criptorquidia: presente em 30% dos RN prematuros; deve ser referenciado à Cirurgia Pediátrica
à data do diagnóstico (bilateral) ou aos 12 a 24 meses (unilateral). Hérnia inguinal: 30% dos RN
EBP; mais frequente no sexo masculino e se ventilação prolongada; com indicação cirúrgica desde
o diagnóstico.

Patologia audiológica e oftalmológica


Maior risco de surdez, retinopatia da prematuridade, defeitos de refracção (miopia, astigmatismo
e anisometropia), perturbações do equilíbrio oculomotor (estrabismo e nistagmo) e ambliopia.

Alterações do desenvolvimento
Grupo de alto risco para alterações do desenvolvimento. O prognóstico é variável de acordo com
a IG, PN, sexo, etnia, co-morbilidades (nomeadamente alteração na ecografia cerebral como he-
morragia peri-intraventricular ou leucomalácia periventricular), e dependente da estimulação e in-
tervenção do neurodesenvolvimento. O espectro de alterações do desenvolvimento varia de défice
intelectual grave ou paralisia cerebral, a dificuldades de aprendizagem manifestas apenas na idade
escolar, justificando a importância do seguimento a longo prazo.

Prognóstico
Nas sociedades desenvolvidas a sobrevivência de RN com maior grau de imaturidade tem vindo a
aumentar (no RN MBP é cerca de 85%). A prematuridade é causa de sequelas major como paralisia
cerebral, défice cognitivo, alterações neurosensoriais, ou disfunções minor como atraso da lingua-
gem, PDAH, alterações do comportamento e labilidade emocional, com implicações no sucesso
escolar e na vida adulta. Existe ainda aumento do risco de complicações médicas a longo prazo
como HTA, aterosclerose, resistência à insulina, obesidade, doença renal crónica e baixa estatura.
O risco neurobiológico destas crianças implica um acompanhamento ambulatório pluridiscipilinar
e prolongado.
Seguimento do prematuro

47
Pediatria Geral

8. A família vegetariana
Filipa Santos

Introdução
O vegetarianismo é uma opção alimentar que exclui total ou parcialmente alimentos de origem
animal. No entanto, as dietas vegetarianas têm composições muito variadas, havendo umas mais
restritivas e radicais do que outras.
Consoante a sua composição, definem-se vários subgrupos.
Semi-vegetariana: não é uma verdadeira dieta vegetariana, mas está frequentemente incluída
nesta classificação. Dieta sem carne bovina ou suína mas que inclui o consumo de carne de aves ou
peixe. Existe a variante pesco-vegetariana (inclui o consumo de peixe) e a pollo-vegetariana (inclui
o consumo de carne de aves).
Ovo-lacto-vegetariana: é a dieta vegetariana mais comum e baseia-se no consumo de produtos
de origem vegetal, ovos, leite e derivados; não recomenda o consumo de carne, peixe, aves e
outros produtos derivados.
Dentro deste grupo, existem variantes:
• lacto-vegetariana - leite e derivados estão incluídos na alimentação, exclui os ovos;
•o  vo-vegetariana - permite o consumo de ovos, sem o consumo de lacticínios.
Vegan: é considerada a dieta vegetariana mais radical. Para além de excluir qualquer alimento de
origem animal, exclui também produtos que exijam o sacrifício de animais (lacticínios, ovos, mel),
assim como produtos testados em animais. Esta dieta baseia-se no consumo de legumes, nozes,
sementes, grãos e frutos. Mais do que uma dieta, é considerado um estilo de vida.
Macrobiótica: tipo de alimentação específica, baseada em cereais integrais, vegetais, frutos, le-
gumes e algas. Pode ou não ser vegetariana; neste caso a carne e o peixe branco são consumidos
1 a 2 vezes por semana. Neste tipo de dieta há indicações particulares quanto à proporção dos
grupos alimentares a serem utilizados, não sendo incluído o consumo de leite, lacticínios e ovos.

Recomendações gerais
A ESPGHAN (European Society Paediatric Gastrenterology Hepatology and Nutrition) considera
inadequada para as crianças uma dieta vegetariana vegan pela constatação de casos de desnutri-
ção energético-proteica, carências vitamínicas D, B12, cálcio, ferro, zinco, com repercussões impor-
tantes no desenvolvimento estaturo-ponderal, composição corporal e desenvolvimento cognitivo.
Alerta também que os adolescentes que optem por uma dieta vegetariana com o objectivo de
A família vegetariana

controlar o peso, devem ser monitorizados de uma forma regular, porque a opção por esta dieta
pode ser uma manifestação de restrição alimentar ou de perturbação de comportamento alimen-
tar. Recomenda ainda que as crianças que efectuem dieta vegetariana devem receber um aporte
diário de 500 mL de leite (materno ou fórmula infantil) ou de lacticínios e ainda a oferta semanal
de produtos animais. 48
Pediatria Geral

Segundo a ADA (American Dietetic Association) as dietas vegetarianas desde que nutricionalmente
adequadas e individualmente planeadas são adequadas para qualquer pessoa em qualquer altura
da vida, incluindo a gravidez, a fase de aleitamento, primeira e segunda infância, adolescência,
adultos e atletas. A ADA considera também que estas dietas podem ser benéficas para a saúde na
prevenção e tratamento de determinadas doenças (obesidade, doenças coronárias, HTA, diabetes
tipo 2), benefícios estes associados ao menor consumo de gorduras saturadas e colesterol, e ao
maior consumo de fibras alimentares, magnésio, potássio, vitamina C, E e folatos, carotenóides,
flavenóides.
De acordo com a Academia Americana de Pediatria a alimentação macrobiótica não é um regime
recomendado em crianças, pelo risco de défice nutricional e as suas complicações.

Abordagem diagnóstica
Nas consultas de vigilância destas crianças e jovens, deverá ser dado particular ênfase à avaliação
nutricional (ver Capítulo 1. Avaliação do estado de nutrição).
A realização de uma história clínica completa, mas com maior destaque para os hábitos alimentares
(preferências alimentares, composição e aporte da dieta) e o exame objectivo são fundamentais.

Anamnese
Antecedentes familiares: ter em conta a existência de doenças crónicas ou hereditárias; antecedentes
pessoais: patologias agudas ou crónicas; infecções de repetição, síndrome de má absorção, apetite,
actividade física.

Exame objectivo
Avaliação global do estado geral e de nutrição (peso, altura, IMC, pregas cutâneas, velocidade
de crescimento, avaliação da composição corporal) e identificação de sinais sugestivos de défice
nutricional (Tabela 8).

Tabela 8: Sinais sugestivos de défice nutricional


Exame objetivo Sinais clínicos Défice
Estado geral Peso e altura diminuídos Calorias globais
Edema Proteínas

Pele Palidez Ferro, vitamina E, ácido fólico


Despigmentação Proteínas
Xerose, hiperqueratose Vitamina A, C
Petéquias, púrpura Vitamina C
A família vegetariana

Faneras Coloníquia Ferro


Distrofia Zinco
Estrias Proteínas, calorias
Cabelo escasso, quebradiço Proteínas, zinco

Olhos Conjuntiva pálida Ferro, ácido fólico, vitamina B12 49


Lábios Queilite Vitamina B, ferro

Língua Glossite, atrofia papilar Ácido fólico, vitamina B12, ferro

Músculo Atrofia Calorias, proteínas


Pediatria Geral

Exames complementares de diagnóstico


Por vezes poderá ser necessário a realização de exames laboratoriais com destaque para o estudo
das proteínas séricas, doseamento de vitaminas e minerais.
Hemoglobina, hematócrito, índices eritrocitários: permitem detectar anemia carencial (ferro,
vitamina B12); linfopénia: indicador de má nutrição.
Albumina: proteína de síntese hepática, com vida média de 18 a 20 meses, útil na avaliação de ca-
sos de desnutrição crónica; os seus níveis estão influenciados pela temperatura, infecções, doenças
gastrointestinais e hepáticas, metabolismo hormonal.
Transferrina: proteína de síntese hepática com vida média de 8-9 dias; é a principal proteína trans-
portadora de ferro. Os seus valores estão aumentados quando há défice de ferro e hipóxia; estão
diminuídos em casos de infecção crónica, doenças gastrointestinais e hepáticas.
Glicose: hipoglicémia em casos de má nutrição extrema.
Minerais (ferro, zinco, iodo, cobre, selénio, cálcio, fósforo, magnésio): podem estar alterados de
forma global em casos de má nutrição, sendo a ferropénia o mais frequente.
Vitaminas (ADEK, ácido fólico, vitamina C, vitamina B12): podem estar diminuídas em situações de
má nutrição no geral; o défice de vitamina B12 ocorre sobretudo nas dietas vegetarianas.

Orientação e terapêutica
Uma das principais preocupações é ter a certeza que as crianças e jovens em regime vegetariano
consomem a quantidade suficiente de nutrientes essenciais. O seguimento em consulta implica o
apoio regular de nutricionista. Quando a dieta é muito restritiva e não é bem planeada pode cau-
sar défices nutricionais importantes, com repercussões graves no crescimento e desenvolvimento
cognitivo. Assim, o aporte nutricional de cada dieta deve ser avaliado individualmente, não basea-
do na sua definição, mas sim na quantidade e variedade de alimentos que são consumidos, com
particular atenção ao aporte energético, aporte de proteínas, ferro, zinco, cálcio, vitaminas D e B12,
ácidos gordos de cadeia longa, ómega 3 e fibra.
É, por isso, fundamental ter um acompanhamento personalizado e continuado, com conhecimen-
to dos aportes nutricionais recomendados (para a idade e peso). O reajuste, de acordo com tabelas
de composição de alimentos e aporte calórico, e a distribuição dos diferentes nutrientes nos vários
tipos de dieta, deve ser feita tendo em conta as necessidades nutricionais de cada criança.

Recomendações nutricionais em grupos específicos (Tabela 9)


Lactentes
Nos filhos de mães vegetarianas o ideal será manter aleitamento materno exclusivo, mas se a mãe
A família vegetariana

for vegan, esta deve realizar dieta enriquecida em vitamina B12 e o lactente deve ser suplementado
com 0,4 μg/dia.
Na ausência de leite materno, a opção será uma fórmula com proteína de soja, realçando que as
bebidas de soja não devem ser introduzidas antes dos 2 anos. Todas as bebidas devem ser enri-
quecidas em ferro, vitamina D e zinco. Quanto ao ferro deve ser iniciada a suplementação entre 50
os 4 e os 6 meses.
Os lactentes em dietas vegetarianas restritivas devem fazer suplementação com DHA (ácido doco-
sahexaenóico - tipo ómega 3), vitamina B12 e ferro.
Pediatria Geral

Crianças e adolescentes
Se pretenderem fazer um regime alimentar vegetariano, devem ser sempre aconselhados e orien-
tados por nutricionista, para evitar défices.
Energia: a pequena capacidade gástrica, aliada a uma dieta com baixo teor calórico, pode
condicionar o aporte energético adequado para o crescimento da criança. Devem efectuar pe-
quenas refeições (frutos secos, barras de cereais) intercaladas com as principais refeições.
Proteínas: ajudam na manutenção da saúde - pele, ossos, músculos, órgãos. Os ovos e deriva-
dos do leite são boas fontes, não sendo necessários grandes aportes para atingir as quantidades
ideais. O aporte proteico numa dieta vegetariana, é determinado pela quantidade total e varieda-
de de aminoácidos ingeridos durante o dia. A proteína animal possui 9 aminoácidos essenciais e a
vegetal tem défice de um ou mais aminoácidos essenciais. Há necessidade de combinar alimentos
que contenham aminoácidos essenciais, nomeadamente metionina (grãos de arroz integral, trigo,
aveia, quinoa) e lisina (leguminosas como feijão, lentilha, ervilha, soja, grão de bico).
Ferro e vitamina C: a carência de ferro é a principal causa de anemia. O défice de ferro
pode causar astenia, atraso no desenvolvimento psico-motor e cognitivo da criança, maior
susceptibilidade a infecções. Numa dieta vegetariana, o aporte de ferro deverá ser 1,8 vezes
superior ao habitual numa dieta não vegetariana, porque a biodisponibilidade do ferro dos
alimentos que consomem é muito menor. São fontes alimentares de ferro: gema de ovo, cereais,
tofu, leguminosas secas, leguminosas verdes, espinafres, batata, brócolos, ameixa, frutos secos,
alperce. Haverá a necessidade de suplementação apenas em casos de aporte deficitário.
Também se aconselha um maior consumo de alimentos ricos em vitamina C, por favorecerem a
absorção de ferro, tais como: laranjas, morangos, manga, pimentos, couve-bruxelas, brócolos,
tomate. O consumo de bebidas com cafeína e teína (chá preto ou verde, café, colas) às refeições
deve ser evitado por inibirem a absorção de ferro.

Tabela 9: Doses da suplementação dos nutrientes


Nutriente Suplementação
Vitamina B12 1 - 3 anos: 0,9 μg/dia
4 - 8 anos: 1,2 μg/dia
9 - 13 anos: 1,8 μg/dia
> 14 anos: 2,4 μg/dia

DHA Lactentes: a mãe deve tomar 200 mg/dia


Crianças e adolescentes: 400 mg /dia

Zinco 0 - 6 meses : 2 mg/dia


A família vegetariana

7 meses - 3 anos: 3 mg/dia


4 - 8 anos: 5 mg /dia
9 - 13 anos: 8 mg/dia
adolescentes/feminino: 9 mg/dia
adolescentes/masculino: 11 mg/dia

Cálcio 1-3 anos: 500 mg/dia 51


4-8 anos: 800 mg/dia
9-18 anos: 1.300 mg/dia

Vitamina D 400 UI/ dia para todas as crianças e adolescentes


DHA: ácido docosahexaenóico tipo ómega 3.
Pediatria Geral

Zinco: é um elemento importante no metabolismo proteico, estimula a actividade de várias


enzimas, é necessário na cicatrização de lesões cutâneas e essencial no funcionamento adequado
do sistema imunológico. O leite materno contém quantidade suficiente de zinco para o lactente
até ao 7º mês de vida, a partir daí são necessárias outras fontes alimentares. A biodisponibilidade
do zinco nas dietas vegetarianas é menor do que nas dietas omnívoras, sendo muito importante o
consumo de alimentos ricos em zinco: feijão, cereais, legumes, bivalves. O queijo é também uma
boa opção (se ingerirem leite ou derivados).
Cálcio e vitamina D: o cálcio é um mineral, essencial para a manutenção da saúde óssea.
A vitamina D permite a fixação do cálcio nos ossos e nos dentes. O seu défice favorece o
desenvolvimento de raquitismo na criança e osteoporose em adultos. O nível de cálcio no leite
materno é independente do padrão alimentar, pelo que só as mulheres vegetarianas com ingestão
de cálcio comprometida deverão fazer suplemento de cálcio. São fontes importantes de cálcio:
leite e derivados, mas se não fazem parte da dieta, os cereais, os legumes de folha verde escura,
o tofu, os sumos, o leite e iogurtes de soja, as algas hizki são uma opção. A vitamina D é obtida
pela exposição solar (10 a 15 minutos por dia).
Vitamina B12: é fundamental na eritropoiese e no funcionamento do sistema nervoso (na
conservação da mielina). A deficiência desta vitamina pode ocasionar alterações hematológicas
(anemia megaloblástica), neurológicas (neuropatia periférica, regressão psico-motora, hipotonia,
atrofia cerebral), alterações cardiovasculares e má progressão estaturo-ponderal. Fontes alimen-
tares enriquecidas em vitamina B12: iogurtes, cereais fortificados, leite de vaca, ovos, bebida de
soja; alimentos de origem vegetal: algas como kombu, nori, wakame, hiziki, dulse. A dieta vegan
ou outra, que não contenha aporte adequado de vitamina B12, implica fazer suplementação.
Ácidos gordos essenciais: as dietas vegetarianas são ricas em ácidos gordos ómega 6, mas
pobres em ómega 3. Estes ácidos gordos, são importantes para o desenvolvimento cerebral, visual
e do sistema cardiovascular. Não são sintetizados pelo homem, sendo adquiridos via alimentar. Os
óleos de girassol, milho, sésamo, linho, as sementes de linhaça, o azeite e a soja são uma opção.
Iodo: é um componente das hormonas tiroideias, que ajuda na regulação metabólica, cres-
cimento e funcionamento de órgãos chave. Os vegan têm um consumo muito baixo de iodo,
para além de consumirem alimentos como soja, vegetais crucíferos e batata doce, que podem
favorecer o desenvolvimento de bócio. É por isso aconselhado o consumo de sal iodado (¼ de
colher de chá por dia) e algas.

Alimentos alternativos (Tabela 10)


A família vegetariana

Tabela 10: Alimentos alternativos na dieta vegetariana


Lactícinios Bebida de soja, leite de kefir, iogurte de soja

Carne / peixe Soja, tofu, tempeh, miso, seitan

Cereais e derivados Arroz, esparguete, quinoa, cuscus, aveia, sementes de sésamo


52
Gorduras Azeite, óleo de milho ou girassol, margarinas polinsaturadas
Pediatria Geral

Situações especiais
Hipertensão arterial: evitar o consumo de tempeh e molho de soja (elevado teor de sódio).
Diabetes: preferir a soja; evitar o consumo de algas kombu.
Osteopénia: preferir a soja se não houver consumo de leite e derivados.
Hipercolesterolémia: preferir a soja (é isenta em colesterol).
Doença celíaca: evitar o consumo de seitan.
Obesidade: preferir as algas kombu.

Agradecimentos
Mónica Pitta Grós Dias e Elisabete Dionísio

A família vegetariana

53
Pediatria Geral

9. Febre prolongada
Eugénia Monteiro Carrilho

Introdução
A febre, definida como uma elevação da temperatura corporal habitualmente considerada acima
de 38,3°C (rectal), é um dos principais motivos de consulta pediátrica.
É actualmente aceite que toda a febre que se prolonga por 8 ou mais dias sem que a história
clínica, o exame físico e uma avaliação laboratorial preliminar esclareçam a situação, deva ser alvo
de maior investigação, tendo em conta que a grande maioria das situações virais resolve neste
período de tempo.
Febre prolongada de origem desconhecida é assim um diagnóstico provisório, passando a desig-
nar-se síndrome febril indeterminada ou febre prolongada de origem inexplicável sempre
que após investigação exaustiva da etiologia da febre, não seja possível chegar a um diagnóstico.
Sempre que surge uma criança com febre prolongada deve ser pedido aos pais o registo diário,
de manhã e à noite, da temperatura da criança, de forma a ser elaborado um gráfico que permita
confirmar a existência real de febre e o seu padrão. Não esquecer que frequentemente os adoles-
centes têm febres simuladas - síndrome de Munchausen - pelo que deverão ser os pais a avaliar e
registar a temperatura.

Etiologia
A febre prolongada é mais frequentemente devida a uma apresentação rara de uma doença
comum, do que a uma apresentação comum de uma doença rara.
O diagnóstico diferencial pode ser dividido em 4 grandes grupos:
• doenças infecciosas;
• doenças inflamatórias;
• neoplasias;
• miscelânea.
Numa revisão sistemática1 envolvendo 1638 crianças com febre prolongada, concluiu-se que cerca
de 23% dos casos de febre prolongada de origem desconhecida ficam sem diagnóstico, apesar
de uma avaliação laboratorial exaustiva. Neste estudo, 51% são devidos a infecções e, de entre
estas, 59% são bacterianas (osteomielite, tuberculose, bartonelose e infecções do tracto urinário,
nos países desenvolvidos; brucelose, febre tifóide, tuberculose e infecções urinárias nos países em
desenvolvimento), 7% são causadas por vírus, com o EBV responsável por mais de metade dos
casos, 10% por parasitas (predominando a Leishmania), 0,3% causado por infecções por fungos;
Febre prolongada

23% das síndromes infecciosas estavam associadas a pneumonia.

Etiologia infecciosa (as mais comuns)


Infecções respiratórias: 54
• sinusite - manifestada frequentemente apenas por febre e cefaleias;
• pneumonia - a febre e a tosse podem prolongar-se por 3 ou mais semanas, com ausência
de dados semiológicos na auscultação pulmonar, quando o agente etiológico é por exemplo
Mycoplasma pneumoniae.
Infecções urinárias que podem passar despercebidas por ausência de sintomas.
1 Robinson JL World J Pediatr 2011
Pediatria Geral

Infecções entéricas (Yersinia enterocolitica, Salmonella spp, Campylobacter jejuni) frequentemente


associadas a dor abdominal e/ou diarreia.
Infecções virais principalmente causada por EBV, CMV e parvovírus B19.
Infecções parasitárias mais frequentemente Leishmania (kala-azar) e toxoplasmose.
Outras infecções menos comuns, mas cujo diagnóstico será de ser considerado consoante a histó-
ria clínica: tuberculose, endocardite infecciosa, doença da arranhadela do gato, doença de Lyme,
febre escaronodular, brucelose.

Causa inflamatória (ver Capítulo 25. Doença Reumatológica)


Doenças do tecido conjuntivo (9%), com maior incidência a partir dos 6 anos de idade (LESJ,
dermatomiosite, AIJ - em que a febre pode preceder as artralgias em semanas ou meses, com 2
picos diários).
Vasculites (doença de Kawasaki, doença de Behçet), doenças auto-imunes inespecíficas, doença
intestinal inflamatória (doença de Crohn e colite ulcerosa) em 11% dos casos.

Neoplasias
Em 6% (leucemias, linfomas, neuroblastomas e tumores de Willms) provavelmente por produção,
pelas células neoplásicas, de pirogénios endógenos e citoquinas.

Miscelânia
Disfunção hipotalâmica (após traumatismo crânio-encefálico), hidrocefalia, tumores cerebrais, di-
sautonomia familiar, febre mediterrânea familiar e fármacos (febre resolve geralmente em 2 dias,
após suspensão da medicação), pseudo-febre, diabetes insípida (de origem central ou nefrogénica,
associada a poliúria e polidipsia) e síndrome de PFAPA.

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Antecedentes pessoais: drepanocitose (infecções mais frequentes por Salmonella spp e pneumo-
coco); traumatismos anteriores (osteomielites, hematomas traumáticos), internamentos prévios;
transfusões de sangue ou hemoderivados (hepatite B, C, D, VIH, CMV).
Para a orientação diagnóstica é de crucial importância uma anamnese cuidada e pormenorizada
tentando abordar todas as eventuais possibilidades diagnósticas. Nos jovens com idade igual ou
superior a 12 anos, dever-se-á fazer uma entrevista a sós, na perspectiva de se obter informação
dificilmente fornecida na presença dos pais (relação com os amigos, escola, actividade sexual).
Sintomas de doença específica: diarreia sanguinolenta (diarreias infecciosas, DII), artralgias (EBV,
CMV, doença de Lyme, neoplasias), mialgias (brucelose), alterações do estado de consciência,
Febre prolongada

sinais focais, convulsões (encefalites, abcessos cerebrais, meningite tuberculosa, malária cerebral,
endocardite infecciosa, miocardite).
Contexto epidemiológico: tuberculose pulmonar, infecções respiratórias por Mycoplasma pneu-
moniae, hepatites. 55
Contexto familiar: outros membros da família com episódios recorrentes de febre; ter em conta
a etnia da criança e a maior prevalência de algumas doenças hereditárias (neutropénia cíclica;
febre mediterrânica familiar nos árabes, arménios e judeus sefarditas; disautonomia familiar com
ausência de sudorese e língua lisa, nos judeus askenazi).
Pediatria Geral

Exposição a animais, incluindo domésticos, roedores e animais da quinta: gato (doença da arra-
nhadela do gato, toxoplasmose), hamsters domésticos (vírus da coriomeningite linfocítica), cão
(kala-azar, toxocara, borreliose, ricketsiose, tularémia, leptospirose, brucelose, Yersinia enteroco-
litica), pássaros (psitacose por Chlamydia psittaci).
Picadas recentes: carraças (febre escaronodular - com exantema maculopapular de envolvimento
palmoplantar; doença de Lyme; tularémia - com nódulo maculopapular, adenomegálias, faringite,
conjuntivite e hepatoesplenomegália).
Viagens recentes para regiões endémicas de determinadas doenças: malária (África, Índia, Su-
doeste asiático, América Central e do Sul), febre tifóide (regiões tropicais e subtropicais); hepatite,
leptospirose, abcesso hepático amebiano, filaríase, histoplasmose, coccidioidomicose e blasto-
micose, fungos endémicos no sudoeste dos EUA; dengue (África, Ásia, Índia); amebíase (África
e Ásia); kala-azar (norte de África, Médio Oriente e Índia); shistosomíase (Vale do Nilo, Índia,
América Central e do Sul); ébola (África Ocidental – Libéria, Guiné, Serra Leoa, Senegal, Nigéria).
Hábitos alimentares: queijo fresco ou leite não pasteurizado (brucelose), alimentos crus (toxoplas-
mose), água não canalizada (giardíase); come terra ou lixo - pensar em Toxocara canis, catis ou
toxoplasmose.
Medicação: antibióticos beta-lactâmicos, cefalosporinas, paracetamol, salicilatos, furosemido,
sulfonamidas, metilfenidato, hidantoína, fenobarbital e colírios com atropina.

Exame objectivo
Numa criança com febre com mais de 8 dias de evolução, o exame físico deverá ser feito de
preferência, e sempre que possível, durante o período febril, e se houver deterioração do estado
geral, em meio hospitalar, durante pelo menos 48 horas com reavaliação diária (em 25% dos casos
desenvolvem-se sinais e/ou sintomas que não estavam presentes na admissão do internamento).
Avaliação do estado geral: é o objectivo primordial, constatando se há aspecto de doente, pa-
lidez, (leucemia, linfoma, doenças inflamatórias/vasculites), má progressão estaturo-ponderal
(doença subjacente grave, nomeadamente doença do tecido conjuntivo , neoplasia ou DII).
Exantema generalizado (infecção por EBV, CMV ou Mycoplasma pneumoniae; AIJ, doença de
Kawasaki); eritema migrans (doença de Lyme), eritema marginatum (febre reumática), eritema
nodoso (tuberculose ou sarcoidose) e prurido generalizado (linfoma).
Adenomegálias principalmente se generalizadas: infecção (EBV, CMV, VIH, toxoplasmose), linfoma.
Hiperémia conjuntival (doença de Kawasaki, principalmente se associada a glossite, lábios fissura-
dos, eritema ou edema palmoplantar), uveíte (doenças do tecido conjuntivo).
Palpação dolorosa dos seios perinasais, associada a rinorreia purulenta e/ou obstrução nasal e
halitose, sem outros sintomas (sinusite aguda).
Febre prolongada

Amigdalite exsudativa (mononucleose infecciosa).


Alterações na auscultação cardíaca: sopro ou atrito pericárdico (endocardite bacteriana, pericardi-
te ou febre reumática); taquicárdia persistente (endocardite, mio ou pericardite).
Alterações na auscultação: fervores (pneumonia, histoplasmose, sarcoidose, coccidioidomicose). 56
Hepatoesplenomegália (hepatite, infecção por CMV, EBV, VIH, toxoplasmose, kala-azar; leuce-
mia, linfoma, AIJ, LESJ).
Sinais inflamatórios articulares (AIJ, DII); dor à palpação óssea (osteomielites, leucemias, AIJ,
artrites sépticas).
Fissuras e abcessos perianais (doença de Crohn).
Pediatria Geral

Exames complementares de diagnóstico


A avaliação laboratorial deverá ser dirigida para as causas mais prováveis de diagnóstico, pelo que,
numa investigação inicial, deverão ser solicitados os exames de FASE 1.

Exames de FASE 1
Hemograma completo (trombocitose na doença de Kawasaki; eosinofilia na larva migrans visce-
ral; pancitopénia nas leucemias; anemia nas doenças do tecido conjuntivo, na endocardite e na
malária).
Esfregaço de sangue periférico: pode sugerir malignidade ou detectar Plasmodium.
VS (aumentada nas infecções, doenças do tecido conjuntivo e DII).
Proteína C reactiva.
Função hepática, renal, ionograma.
Hemoculturas, fundamentais em situações de endocardite, salmonelose, brucelose.
Exame sumário de urina e urocultura, com base na relativamente alta incidência de infecções do
tracto urinário. Pode ainda surgir piúria estéril na doença de Kawasaki.
Exame bacteriológico do exsudado faríngeo.
Radiografia de tórax.
Prova da tuberculina.
Teste rápido de anticorpos heterófilos (Monospot®) ou serologia para EBV.
Eventualmente, tendo em conta os dados da anamnese, coprocultura (se diarreia), pesquisa de
Plasmodium (se oriunda de África), observação por ORL.
Os resultados destes primeiros testes, uma nova colheita de história, bem como a reavaliação diária
da criança, irão orientar os pedidos subsequentes de exames complementares. Estes deverão ser
avaliados de forma individualizada e pedidos racionalmente, de acordo com os dados semiológicos
positivos que forem surgindo dia após dia. Os exames de FASE 2 e de FASE 3 (Tabela 11), serão
realizados apenas se os primeiros forem inconclusivos e se a febre persistir.

Exames de FASE 2
Hemograma, VS, proteína C reactiva.
Hemoculturas (meios especiais ou incubação prolongada para Francisella, Spirilium, Leptospira,
brucelose (incubação 3 a 6 semanas).
Repetição de radiografia de tórax postero-anterior e perfil.
Serologia para EBV, CMV, hepatites A,B,C.
Considerar serologia para Brucella, Borrelia, Bartonella, Salmonella, tularémia, Leptospira, con-
soante a história clínica.
Febre prolongada

Considerar serologia para parasitas (Toxoplasma, Toxocara, Fasciola, consoante a história clínica).
ANAs e factor reumatóide, C3, C4, CH50, proteinograma e imunoglobulinas.
LDH e ácido úrico.
Considerar VDRL, VIH1 e 2.
57
Considerar pesquisa de sangue oculto nas fezes.
Considerar radiografia ou TC seios perinasais e mastóides.
Considerar observação oftalmológica (uveíte).
ECG e ecocardiograma (endocardite, aneurismas coronários na doença de Kawasaki).
Pediatria Geral

De realçar, que a bartonelose (Bartonella henselae), embora se manifeste habitualmente como


doença da arranhadela do gato, pode manifestar-se simplesmente com febre e abcessos hepatoes-
plénicos, linfadenopatia ou doença do SNC, pelo que se há contacto com gatos dever-se-á fazer a
serologia e se positiva pedir ecografia abdominal.

Tabela 11: Exames de FASE 3


Com sinais ou sintomas específicos Sem sinais ou sintomas específicos

Cardíacos Ecografia cardíaca/abdominal


Electrocardiograma Radiografia gastrointestinal/clister opaco
Ecocardiograma (vegetações na endocardite infecciosa, miocardite) TC abdominal/corpo/seios perinasais
Hemoculturas (endocardite infecciosa por Brucella ou Coxiella burneti)
Radiografia do esqueleto
Cintigrafia com gálio (vegetações da endocardite infecciosa)
Cintigrafia óssea com tecnésio (osteomielite)
SNC
Cintigrafia corpo com gálio (osteomielite,
EEG, TC cranioencefálica, punção lombar
artrite séptica, abcessos pélvicos, vegetações da
Respiratórios endocardite)
Exames bacteriológicos das secreções brônquicas/LBA Marcadores tumorais: LDH (tumores malignos);
Radiografia/TC seios nasais LDH2 e LDH3 (neuroblastoma ou doença
Radiografia de tórax metastática); alfafetoproteína (hepatoma,
Pesquisa de micobactérias no suco gástrico e secreções respiratórias teratomas); enolase (neuroblastoma)
Urinários Mielograma (Ricketsias, parasitas, micobactérias,
Ecografia renal, urografia de eliminação, cistografia fungos, histiocitose, leucemia, metástases)
Digestivos Mielocultura (bactérias, micobactérias,
Ecografia/TC abdominal Francisella, fungos)
Pesquisa de sangue oculto nas fezes RM extensa
Coprocultura, exame parasitológico fezes Urografia de eliminação
Trânsito gatrointestinal/clister opaco
Biópsia ganglionar, cutânea, hepática
Endoscopia digestiva, exame do suco duodenal
Biópsia hepática Catecolaminas séricas e urinárias, ácido
Exame cultural de micobactérias vanilmandélico e homovanílico urinários

Osteoarticulares
Radiografias ósseas/articulares
Ecografia, cintigrafia óssea com gálio ou tecnésio
Biópsia, TC/RM
Mielograma, mielocultura
Exame do líquido sinovial, TASO, exsudado faríngeo, ANA, C3,C4, CH50
Imunoglobulinas
Cutâneos
Ecocardiograma (doença de Kawasaki) Febre prolongada

58
Pediatria Geral

Tratamento
O tratamento de uma febre prolongada, deverá ser o tratamento da causa subjacente, variável
consoante se trate de doença infecciosa, neoplásica ou outra.
No que diz respeito ao tratamento antipirético, este deverá ser instituído sempre que associada à
febre a criança tenha “mal estar geral”, como gemido, prostração, hiporreactividade, utilizando
paracetamol na dose de 15 mg/kg/dose 3 a 4 vezes por dia, até um máximo de 80mg/kg/dia. Se
necessário poderá intercalar-se ibuprofeno 8 a 10mg/kg/dose, 3 a 4 vezes por dia, até um máximo
de 20 mg/kg/dia.
De salientar que a febre é um mecanismo benéfico no combate contra as infecções, pois reduz di-
recta ou indirectamente a multiplicação bacteriana, ao interferir na quantidade de ferro disponível
para as bactérias. Para além disso, a febre estimula ainda várias respostas imunológicas, como a
fagocitose, migração leucocitária, transformação linfocitária e produção de interferão.

Febre prolongada

59
Pediatria Geral

10. Anemia
Sara Noéme Prado, Sílvia Jorge, Helena Pedroso

Introdução
Anemia consiste na diminuição da concentração da hemoglobina e/ou hematócrito mais do que
2DP abaixo do valor médio para a população normal, considerando a idade e o sexo (Tabela 12).

Tabela 12: Índices eritrocitários (valores médios e -2DP para a população normal,
considerando a idade e o sexo)
Hemoglobina Média Hematócrito Volume Globular
Idade -2DP -2DP -2DP
(g/dL) Médio (%) Médio (fL)

Nascimento 16,5 13,5 51 42 108 98

1-3 dias 18,5 14,5 56 45 108 95

1 meses 14,0 10,0 43 31 104 85

2 meses 11,5 9,0 35 28 96 77

3-6 meses 11,5 9,5 35 29 91 74

6 meses
12,0 10,5 36 33 78 70
a 2 anos

2-6 anos 12,5 11,5 37 34 81 75

6-12 anos 13,5 11,5 40 35 86 77

12-18 anos
Feminino 14,0 12,0 41 36 90 78
Masculino 14,5 13,0 43 37 88 78

18-49 anos
Feminino 14,0 12.0 41 36 90 80
Masculino 15,5 13,5 47 41 90 80
Adaptado de Nathan DG et al, 2003.

Classificação
Critérios fisiológicos
Perda de sangue (aguda ou crónica); alteração da produção de eritrócitos (Tabela 13); aumento da
destruição de eritrócitos (anemias hemolíticas) (Tabela 14).

Critérios morfológicos
Baseado nos índices eritrocitários VGM e CMHG classificam-se as anemias em macro, micro ou
Anemia

normocíticas e hipo ou normocrómicas, respectivamente (consoante 2DP abaixo ou acima do valor


médio). 60
Pediatria Geral

Tabela 13: Alteração da produção de eritrócitos


Falência medular
Congénita: anemia de Diamond-Blackfan, síndrome de Aase

Aplasia eritróide pura Adquirida: doenças auto-imunes, infecção (hepatite, EBV, VIH, HHV6, echovírus
11 e parvovírus B19), fármacos (fenitoína, ácido valpróico, isoniazida, azatioprina,
cloranfenicol), eritroblastopénia transitória da infânciaa

Infiltração medular (neoplasia), anemia aplástica, anemia de Fanconi, mielofibrose (insuficiência renal, deficiência de
vitamina D, hipoparatiroidismo), osteopetrose
Diminuição de eritropoietina
Hipotiroidismo, anemia da doença crónica, jejum prolongado
Eritropoiese ineficaz
Deficiência de ferro, anemia sideroblástica, intoxicação por chumbo, anemia megaloblástica, anemias diseritropoiéticas
congénitas
Eritroblastopénia transitória da infância ocorre na criança saudável (pico de incidência entre 1 e 4 anos de idade), por supressão temporária da
a

eritropoiese, com resolução espontânea em 1 a 2 meses.

Tabela 14: Anemias hemolíticas


Causas intracorpusculares

Defeitos da membrana eritrocitária, defeitos da hemoglobina (qualitativos e quantitativos), defeitos do metabolismo


eritrocitário (enzimopatias), hemoglobinúria paroxística nocturna

Causas extracorpusculares
Mecanismos imunológicos
Doença hemolítica do recém-nascido (isoimunização Rh, AB0 ou grupos minor)
Anemia hemolítica auto-imune
-p  rimária: auto-anticorpos reactivos a quente, hemoglobinúria paroxística ao frio, doença de aglutininas a frio
- s ecundária: doença auto-imune sistémica, síndrome de Evans, linfoma, leucemia, imunodeficiência (primária e
secundária-VIH), infecção (EBV, varicela, rubéola, sarampo), fármacos (penicilina, cefalosporinas, eritromicina,
paracetamol, ibuprofeno)
Mecanismos não-imunológicos
Infecção: bactérias, parasitas, toxinas
Agentes químicos: metais pesados, oxidantes
Lesão mecânica: microangiopática (coagulação intravascular disseminada, púrpura trombótica trombocitopénica, síndrome
hemolítica-urémica, síndrome de Kasabach-Merritt, prótese valvular cardíaca); hemoglobinúria induzida por exercício, lesão
induzida por temperatura, hiperesplenismo e esplenomegália

Abordagem diagnóstica
Sendo a anemia um sinal e não um diagnóstico final, o objectivo da abordagem da criança é deter-
minar a causa da perturbação no equilíbrio destruição/produção de eritrócitos (Figura 2).

Anamnese
Anemia

Antecedentes familiares de icterícia, litíase vesicular, esplenomegália, colecistectomia ou esplenec-


tomia; raça ou etnia; história peri e neonatal: grupo sanguíneo da mãe e RN, transfusões intra-u- 61
terinas, gemelaridade ou idade gestacional (risco de ferropénia da prematuridade), icterícia (nas
primeiras 24 horas de vida), anemia no período neonatal; aquisições psico-motoras (atrasos na
anemia ferropénica e megaloblástica); história alimentar: aleitamento materno, uso de fórmulas,
introdução do leite de vaca em natureza (antes dos 12 meses de vida) ou consumo superior a 700
mL/dia; história de APLV, ingestão de leite de cabra, dietas vegetarianas (défice de vitamina B12 e
folatos); “pica” (ferropénia, intoxicação por chumbo).
Pediatria Geral

Sintomas e sinais gerais: recusa alimentar, letargia, irritabilidade, palidez, palpitações, cansaço,
dispneia; episódios hemolíticos - icterícia, alteração da cor da urina; perda hemática - sintomas
gastrointestinais, alteração da cor das fezes, fluxo menstrual abundante; patologia concomitante
- doenças infecciosas ou inflamatórias, doença crónica (renal, endócrina, hepática, mal-absorção
intestinal); exposição a toxinas ou ingestão medicamentosa - hemólise induzida por agentes oxi-
dantes (défice de G6PD), ingestão de produtos de ervanária ou homeopáticos (chumbo, toxinas);
outras - hemólise traumática induzida por exercício intenso (maratona, natação), viagens recentes
(malária).

Exame objectivo
Palidez, organomegálias, hiperpigmentação da pele e microcórnea (anemia aplástica de Fanconi),
petéquias e púrpura (anemia hemolítica auto-imune, síndrome hemolítica-urémica, aplasia ou in-
filtração medular), deformações ósseas por expansão medular - proeminência malar, bossa frontal,
má oclusão dentária (anemias hemolíticas graves), hemangioma cavernoso (anemia microangio-
pática), glossite (deficiência de ferro ou de vitamina B12), hemorragia activa, taquicárdia (sugere
anemia aguda; na anemia crónica compensada a frequência cardíaca é normal).

Exames complementares de diagnóstico


Hemograma, índices eritrocitários: VGM, HGM, CMHG; RDW (variabilidade no tamanho do eri-
trócito, usado para determinar a presença de anisocitose; se superior a 14% sugere deficiência de
ferro em fase inicial, anemia hemolítica e anemia megaloblástica).
Reticulócitos: indicador da actividade eritropoiética medular (normal: RN = 2,5-6%; idade superior
a 2 semanas = 0,5-1,5%).
Contagem reticulócitos absoluta (CRA): % reticulócitos x número de eritrócitos/L (superior a
100.000/μL sugere hemólise).
Contagem de reticulócitos corrigida (CRC): % reticulócitos x Htc doente/Htc normal para idade e
sexo (superior a 2%: hemorragia aguda, hemólise, instituição recente de terapêutica com ferro
ou ácido fólico; inferior a 2%: falência medular, défice de produção de eritropoietina, eritropoiese
ineficaz).
Esfregaço do sangue periférico (ESP): avaliação da morfologia eritrocitária, leucocitária e plaquetária.

Anemia microcítica (Tabela 15)


A ferropénia é a causa mais comum, seguida do traço talassémico, e evolui em 3 estadios: 1º)
défice de ferro - reserva de ferro diminuída (ferritina inferior a 10μg/L), sem alteração da Hb ou
outros parâmetros funcionais de ferro, ou apenas ligeiro aumento da CTFF; 2º) défice de ferro
eritropoiético - reserva de ferro esgotada, CTFF aumentada, saturação da transferrina sérica e
siderémia diminuídas; 3º) anemia ferropénica.
Anemia

O índice de Mentzer (VGM/número de eritrócitos) pode ser útil na orientação da avaliação subse-
quente (superior a 14 sugere ferropénia e inferior a 12 traço de talassémia).
62
Pediatria Geral

Tabela 15: Resumo das diferenças entre as causas mais frequentes de anemia
microcítica
Anemia Traço talassémiaa Doença Intoxicação por
ferropénica (α-tal ou β-tal) inflamatória chumbo
VGM Baixo Baixo Normal-Baixo Normal-Baixo

Nº eritrócitos Baixo Normal-Alto Normal Baixo

Índice Mentzer > 14 < 12 ------- -------

RDW Alto Normal Normal Normal-Alto

Nº plaquetas Normal-Alto Normal Normal-Alto Normal

CRC ↓ sem terapêutica Alta Baixa Baixa

Ferritina Baixa Normal Normal-Alta Normal-Baixa

% Sat. transferrina Baixa (CTFF alta) Normal Baixa Normal-Baixa


(Ferro sérico/CTFF)
x100

Electroforese Hb Normal α-tal: normal. Diagnóstico: Normal Normal


estudo molecular.
β-tal: HbA2 ↑ (> 3,5%), HbF
Normal/pouco↑

Outros ESP: poiquilocitose marcada, VS ou proteína C Chumbo sérico ↑


células em alvo, grânulos reactiva elevada
basófilos
nº: número; tal: talassémia. a Para diagnóstico de um traço de talassémia é necessário primeiro avaliar se coexiste ferropénia e corrigi-la, sob pena
da electroforese de hemoglobina poder não mostrar alterações.

A anemia ferropénica tem dois picos de prevalência aos 1-3 anos e adolescência, por combina-
ção de crescimento rápido, ingestão sub-óptima (por vezes associado a ingestão excessiva de leite)
e depleção das reservas acumuladas na gestação ou perdas menstruais, respectivamente.
Na prova terapêutica com ferro oral (Figura 2), o diagnóstico é confirmado pela subida da CRC
(pico em 5 a 10 dias), aumento da Hb em 1g/dL um mês após o início da terapêutica, e progressiva
normalização do VGM. A terapêutica deve ser mantida 4 a 6 meses e pelo menos 1 mês após
normalização da Hb, seguida de reavaliação periódica com confirmação da estabilidade dos valores
de hemograma e ferritina.
São causas de falência terapêutica: má adesão ao tratamento, má absorção do ferro (a nível do
duodeno ou jejuno proximal), perdas de sangue contínuas, o problema inicial não ser ferropénia.
Justifica avaliação adicional a anamnese não sugestiva de ferropénia, idade inferior a 12 meses ou
superior a 3 anos ou anemia grave (Hb inferior a 7g/dL).
Etiologias mais frequentes de anemia ferropénica: aumento das necessidades fisiológicas (cres-
cimento rápido), hemorragia (uterina, urinária, APLV, divertículo de Meckel, gastrite, parasitas),
Anemia

prematuridade, aporte de ferro inadequado (leite materno exclusivo prolongado, dieta com aporte
de ferro inadequado ou pouco biodisponível), malabsorção (doença celíaca, gastrite a Helicobacter 63
pylori - menor acidez gástrica, doença inflamatória intestinal, ressecção intestinal extensa).
A avaliação da cinética do ferro permite distinguir anemia ferropénica (ferritina e ferro diminuídos,
CTFF aumentada) de outras anemias microcíticas e caso seja normal deve ser solicitada a electro-
forese de Hb.
Pediatria Geral

As talassémias são defeitos quantitativos da produção das cadeias da globulina (α ou β) com


destruição precoce dos eritrócitos. São mais prevalentes em asiáticos, africanos e mediterrânicos
e clinicamente podem variar de assintomáticos (traço/portador) a anemia muito grave (Tabela 16).

Tabela 16: Electroforese de hemoglobinas em algumas talassémias


Estrutura / β-tal Doença
Hb Normal Traço β-tal β-tal major Traço α-tal
cadeias intermédia Hb H

A α 2 β2 > 95% Normal ↓ Ausente Normal ↓↓

F α2 γ2 < 2% Normal/↑ ↑ ↑ Normal ↑

A2 α2 δ2 < 3,5% > 3,5% > 3,5% > 3,5% Normal ↓

Hb H (β4):
Outras Hb - - - - -a
4-20%c

Valor de Hb - Normal ↓ ↓↓ ↓↓↓ Normal/↓b ↓↓

Tal: talassémia. No RN, Hb Barts (γ4): 5-10%. Diagnóstico por estudo molecular. No RN, Hb Barts (γ4): 20-30%.
a b c

Anemia normocítica
A determinação do CRC permite avaliar a resposta medular e direccionar a investigação etiológica
(Figura 2).
A esferocitose hereditária é uma anemia hemolítica familiar por deficiência ou anomalia de
proteínas estruturais da membrana do eritrócito; em cerca de 3/4 dos casos tem um padrão de
transmissão autossómico dominante e caracteriza-se pela presença de esplenomegália, anemia
normocítica hipercrómica (CMHG superior a 35 g/dl), RDW superior a 14%, presença de esferóci-
tos no esfregaço de sangue periférico e teste de Coombs negativo; a anomalia pode ser demons-
trada por testes de fragilidade osmótica (com soluções hipotónicas).

A deficiência de G6PD é uma alteração enzimática da via glicolítica eritrocitária, de transmissão


ligada ao X que ocorre fundamentalmente na população africana e mediterrânica (variante mais
grave); existe uma susceptibilidade dos eritrócitos à lesão oxidativa provocada por infecções, fár-
macos e alimentos (favas); as características encontradas incluem “bite cells”, corpos de Heinz e
evidência de hemólise intravascular aguda; o diagnóstico depende da demonstração da actividade
reduzida da G6PD (esta enzima tem uma actividade aumentada nos reticulócitos, pelo que pode
ser necessário repetir doseamento algumas semanas após o evento hemolítico).

Os defeitos da hemoglobina incluem alterações quantitativas da hemoglobina (talassémias) e


qualitativas, nomeadamente associadas à presença de Hb anómalas.
Anemia

A drepanocitose e as síndromes drepanocíticas são mais frequentes em africanos ou afro-his-


pânicos; as anomalias da cadeia β (Hb S, C, E) são assintomáticas até aos 6 a 12 meses de idade,
64
altura em que a Hb F é substituída pela Hb A; as formas combinadas SC e S-talassémia são geral-
mente menos graves que a drepanocitose (Tabela 17). A co-ocorrência de persistência hereditária
de Hb F também diminui a gravidade da clínica.
Pediatria Geral

Tabela 17: Alterações laboratoriais nas principais síndromes drepanocíticas


Estrutura Traço Anemia S-Talassémia S-Talassémia
Hb da cadeia Normal falciforme falciforme: SS Beta0 Beta+ SC
A α β > 95% 52% a 65% - - 10% a 30% -
2 2

F α γ < 2% < 2% 2-20% 5-25% < 20% < 5%


2 2

A2 α δ < 3,5% < 3,5% < 3,5% > 3,5% > 3,5% < 3,5%
2 2

S α βS 2 - 32% a 45% a
80-95% 75-90% > 65-85% 50%
2

C α βC 2 - - - - - 50%
2

Valor de Hb - Normal Normal 6 a 10 g/dL 6 a 10 g/dL 8 a 12 g/dL 10 a 12 g/dL

VGM (fL) - 78 a 90 78 a 90 > 80 < 80 < 75 > 75

Morfologia - Normal Normal CIFb CIF CIF CIF


Policromasia Policromasia Policromasia Policromasia
Anisocitose Anisocitose Anisocitose Anisocitose
GV nucleados GV nucleados GV nucleados Células em
Células em alvo Células em alvo Células em alvo alvo

Clínica 0 ++ a ++++ ++ a ++++ + a +++ + a +++


a
A percentagem de Hb S pode descer até 21% no traço falciforme associado a α-talassémia; b CIF: células irreversivelmente falciformizadas

Anemia macrocítica
A anemia megaloblástica caracteriza-se por macrocitose com VGM superior a 120 fL, hiperseg-
mentação dos neutrófilos e plaquetas gigantes no sangue periférico, megaloblastose na citomor-
fologia da medula óssea. Ocorre por défice de vitamina B12 ou ácido fólico e é rara em crianças.

Anemia

65
Anamnese: Prova terapêutica
Anemia Idade Sugestivo de SIM com ferro oral
VGM ↓ Resposta em 6-8 semanas
Microcítica História alimentar ferropénia? 3-6mg/kg/dia
Índices eritrócitários se Hb > 7g/dl

SIM

Anemia ferropénica
NÃO

Cinética do ferro
Ponderar: Talassémia
NÃO Electroforese Hb Anemia da doença crónica
Estudo genético α-tal Intoxicação por chumbo
Mielograma Défice de cobre
Pesquisa sangue oculto Anemia sideroblástica
Doseamento cobre e chumbo

Cinética ferro
Anemia ferropénica (inicial)
Função renal
Anemia Anemia da doença crónica
Hemograma hepática
isolada Hipotiroidismo
Índices tiroideia
História Aplasia eritróide
Anemia eritrocitários Mielograma
clínica < 2%
Reticulócitos
Figura 2: Algoritmo de diagnóstico na anemia

ESP Neoplasia
Anemia aplástica
Pancitopénia Mielograma
Anemia Infecção aguda
VGM N CRC Hiperesplenismo
Normocítica
Perda de
Hemorragia
sangue

α-tal: α-talassémia; Bil: bilirrubina; D: doença; TC: teste de Coombs; TF: teste de fragilidade; U: urina.
Anemia hemolítica
> 2% TC +
imunológica

Evidência TC - Alterações membrana


hemólise: Alterações enzimáticas
Bil indirecta↑ Defeitos da Hb
Urobilinogénio U↑ Anemia hemolítica
Electroforese Hb microangiopática
LDH ↑ Enzimas
Haptoglobina↓ Outras anemias hemolíticas
TF osmótica
Anemia megaloblástica
Mielograma Hipotiroidismo/D. Hepática
Anemia Vitamina B12 Anemia Diamond Blackfan
VGM ↑
Macrocítica Ácido fólico Síndromes mielodisplásicos
Função tiroideia/hepática Anemia aplástica
Anemias diseritropoiéticas
Pediatria Geral

Anemia

66
Pediatria Geral

11. Adenopatias
Sofia Moura Antunes, Helena Pedroso

Introdução
Adenopatia ou linfadenopatia (doença dos gânglios linfáticos) pode ocorrer apenas como adeno-
megália (aumento do tamanho) ou associada a aumento do número e/ou consistência dos gân-
glios. É um achado muito frequente na criança, traduzindo na maioria das situações uma resposta
benigna, auto-limitada e reaccional a uma infecção, mas pode ser uma manifestação de doença
grave, incluindo de doença neoplásica, sendo, por essa razão, fonte de grande ansiedade para
os pais. Cabe ao médico a tarefa de avaliar e decidir quando assegurar acerca da benignidade ou
quando investigar.

Etiologia
Existem quatro causas principais para o aparecimento de adenopatia:
• reactiva - hiperplasia por proliferação dos linfócitos e macrófagos intrínsecos, como resposta
imune a um estímulo antigénico (infecções virais), benigna e auto-limitada;
• adenite - infiltração de células extrínsecas inflamatórias, como resposta a bactérias ou toxinas,
associada a eritema, calor e dor;
• neoplasia (primária ou secundária) - proliferação neoplásica de linfócitos ou macrófagos (linfo-
mas) ou infiltração por metástase;
•d  oenças de armazenamento dos lípidos (raro).

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Idade: o tecido linfóide aumenta progressivamente até à puberdade, pela constante exposição
a novos antigénios, com atrofia progressiva subsequente. Como tal, os gânglios linfáticos são
mais proeminentes nas crianças entre os 4 e os 8 anos de idade, sendo a causa infecciosa mais
frequente em idades inferiores a 5 anos. No RN, habitualmente não palpáveis, deve ser excluída
infecção congénita (VIH, infecções do grupo TORCH). A possibilidade de doença neoplásica au-
menta na adolescência.
Localização: a região de drenagem das cadeias linfáticas explica a localização das adenopatias
(Tabela 18); a região cervical é a mais comum, habitualmente associada a infecção das vias aéreas
superiores. A palpação de um gânglio na região supraclavicular sugere situação patológica e
representa frequentemente doença neoplásica. Denomina-se linfadenopatia generalizada a pre-
Adenopatias

sença de duas ou mais adenopatias em regiões ganglionares não contíguas; as suas causas estão
enumeradas na Tabela 19.
Forma de aparecimento e duração: aparecimento súbito e duração inferior a 2 semanas são maio-
67
ritariamente por situações infecciosas; duração superior a 4 semanas define adenopatia crónica e
justifica investigação (infecção crónica ou doença neoplásica).
Sintomas associados: locais (sugestivo de possível foco de infecção respiratória, odontogénica,
cutânea) ou constitucionais (febre, perda de peso, astenia, sudação nocturna, exantema, artral-
gia); infecções recorrentes (défice imunitário, nomeadamente da fagocitose na doença granulo-
matosa crónica).
Pediatria Geral

História sexual (IST), imunizações, hábitos alimentares (carne crua ou mal cozinhada - toxoplas-
mose; produtos lácteos não pasteurizados - brucelose).
Contexto epidemiológico: contacto com pessoas doentes, viagens recentes, contacto com ani-
mais (gato: toxoplasmose, doença da arranhadela do gato - Bartonella henselae; gado: brucelose;
roedores: tularémia; pássaros e morcegos: histoplasmose).
Fármacos (adenopatias generalizadas): penicilina, cefalosporinas, tetraciclinas, fenitoína, car-
bamazepina, isoniazida e captopril.

Tabela 18: Etiologia de adenopatias localizadas


Localização Patologia
Cervical Infecção da orofaringe (vírus, Streptococcus ß-hemolítico do grupo A, estafilococos, anaeróbios)
Infecção do couro cabeludo e face
Linfadenite por tuberculose e outras micobactérias
Infecção viral (CMV, EBV, HHV-6)
Doença da arranhadela do gato
Toxoplasmose
PFAPA
Doença de Kawasaki
Doença de Kikuchi
Patologia da tiroideia
Histiocitose
Doença linfoproliferativa auto-imune
Neoplasia

Pré-auricular Conjuntivite, outras infecções do olho


Doença da arranhadela do gato
Celulite da face
Otite média aguda
Infecção viral (parvovírus, rubéola)
Tularémia oculoglandular

Sub-mandibular Infecção da orofaringe, face


Doença da arranhadela do gato
Linfadenite por tuberculose e outras micobactérias
Linfoma

Supraclavicular Direita - neoplasia ou infecção mediastínica (linfoma, tuberculose)


Esquerda - neoplasia primária ou secundária abdominal
BCGite

Axilar Doença da arranhadela do gato


Infecção do membro superior ou parede torácica
Neoplasia da parede torácica
Adenopatias

Leucemia/linfoma
Brucelose
BCGite
(continuação) 68
Pediatria Geral

(continuação)

Localização Patologia
Epitroclear Infecção do membro superior
Doença da arranhadela do gato
Linfoma (se bilateral)
Sarcoidose
Sífilis

Abdominal Neoplasia
Adenite mesentérica

Inguinal Infecção urinária ou genital (IST)


Outras infecções do períneo
Infecção supurativa do membro inferior

Hilo pulmonar Tuberculose


(identificada por Leucemia/linfoma
radiografia ou TC do Doença de Hodgkin
tórax) Neoplasia secundária
Histoplasmose
Blastomicose
Coccidioidomicose
Sarcoidose
Doença de Castleman
Adaptado de Sahai S, 2013.

Exame objectivo
Características do gânglio: dimensão (são considerados normais gânglios axilares e cervicais até
1 cm, inguinais até 1,5 cm e epitrocleares até 0,5 cm; com tamanho superior a 2 cm aumenta a
probabilidade de doença grave), número, consistência, dor, mobilidade e adesão aos tecidos subja-
centes e sinais inflamatórios na pele suprajacente; sinais acompanhantes: febre, palidez, perda de
peso, exantema, hiperémia conjuntival; exame minucioso da região em causa pode revelar foco in-
feccioso primário (nomeadamente cabeça, pescoço e orofaringe); presença de adenopatias de outra
localização ou hepatoesplenomegália; lesões cutâneas regionais; dor ou outros sinais inflamatórios
osteoarticulares.
A anamnese e exame objectivo, quando pormenorizados, orientam frequentemente o diagnóstico
e determinam a necessidade de investigação adicional com exames complementares. Na presença
de adenopatias localizadas com quadro clínico benigno pode ser feito a monitorização clínica
durante 3 a 4 semanas; nas adenopatias generalizadas ou na presença de sinais de alarme, deve
haver sempre investigação.
Adenopatias

Exames complementares de diagnóstico


Avaliação laboratorial: hemograma completo, esfregaço de sangue periférico, proteína C reac-
tiva e VS. Se suspeita de doença sistémica: função renal e hepática, exame sumário de urina. Se
69
suspeita de doença neoplásica (ver Capítulo 24. Doença oncológica): LDH, ácido úrico, cálcio e
fósforo. Serologias: EBV, CMV, VIH, parvovírus, toxoplasmose, Bartonella henselae1.
De acordo com a história clínica e exame objectivo, ponderar: outras serologias, hemocultura,
mielograma, exame microbiológico do exsudado faríngeo e/ou pesquisa do antigénio Strepto-
coccus ß-hemolítico do grupo A, estudo de doenças reumatológicas (ver Capítulo 25. Doença
reumatológica).

1 Na infecção por Bartonella henselae ponderar como segunda linha pedido de PCR no sangue.
Pediatria Geral

Prova da tuberculina.
Exames de imagem: ecografia (método de eleição), radiografia de tórax (nas adenomegálias
crónicas, para exclusão de alargamento do mediastino e tuberculose pulmonar) e TC.
Citologia aspirativa: execução mais acessível, pode não necessitar de anestesia geral e pode ob-
viar um procedimento mais invasivo, nomeadamente cirúrgico. Contudo, existe o risco de falsos
negativos assim como de formação de trajecto fistuloso com disseminação da infecção, sobretu-
do no caso de infecção por micobactérias.
Biópsia excisional: deve ser considerada quando existe elevado grau de suspeição para doença
maligna. Deve ser biopsado o maior gânglio acessível. Se negativo, estes gânglios devem ser mo-
nitorizados ao longo do tempo e, se necessário, repetida a biópsia.

Sinal de alarme de doença grave


Localização supraclavicular ou cervical inferior, consistência dura ou pétrea, aderência aos planos
profundos, dimensão superior ao normal para o território anatómico, aumento progressivo num
curto espaço de tempo, ausência de foco infeccioso regional, generalizadas sem etiologia esclare-
cida, presença de sintomas constitucionais (perda ponderal, anorexia, febre prolongada, sudorese
nocturna), hepatoesplenomegália, radiografia de tórax com alargamento do mediastino ou altera-
ções analíticas sugestivas de malignidade (citopenias, elevação de LDH ou ácido úrico).

Tabela 19: Etiologia de adenopatias generalizadas e respectivas adenopatias


localizadas predominantes
Adenopatias Hepato-
Localizadas esplenomegália
Doença Generalizadas associada
Mediastino Cervical Outra
Espiroquetas
Sífilis secundária ++++ + ++ ++ -
Leptospirose ++++ - ++ ++ ++++
Doença de Lyme + - - ++ + (H)

Infecções mesentéricas
Febre tifóide ++++ - - - ++++
Yersinose + ++ +++ +++ + (E)

Infecções pulmonares
Mycoplasma + ++ ++ - -
Doença dos legionários + - - - + (E)
Tuberculose ++ ++++ ++ + ++++
Histoplasmose + +++ ++ ++ ++++
Coccidioidomicose + ++ - + -

Outras bactérias
Escarlatina + - ++++ +++ +
Adenopatias

Doença da arranhadela do gato + - +++ ++++ + (E)


Brucelose +++ - ++ + +++
Tularémia ++ - +++ ++ ++
Linfogranuloma venéreo + - - ++++ -
70
(continuação)
Pediatria Geral

(continuação)

Adenopatias Hepato-
Localizadas esplenomegália
Doença Generalizadas associada
Mediastino Cervical Outra
Doenças exantemáticas
Sarampo +++ +++ (A) +++ + ++ (E)
Rubéola ++ - ++++ + + (E)
Varicela ++ - - - -

Síndromes mononucleose-like
EBV ++++ + ++++ ++ +++
CMV +++ - +++ ++ +++
VIH ++++ + ++ ++ +++
HHV-6 ++++ - ++ + +++
Parvovírus B19 ++ - - +++ ++
Hepatite A + - +++ + +++ (H)
Toxoplasmose ++ - ++++ ++ +

Doença de Castleman ++++ +++ +++ +++ +++

Febre faringoconjuntival ++ - ++++ ++ +++

Doenças tropicais
Doença de Chagas ++++ - + + ++
Leishmaniose ++ - + + ++++
Filaríase +++ - - +++ -
Shistosomíase +++ - + + +++
Dengue ++ - + + +
Ébola +++ - - - ++
Febre do Nilo ++ - - - -

Infecções congénitas
VIH ++++ - +++ + +++
Rubéola +++ - - + ++++
CMV + - - - ++++
Toxoplasmose +++ - + + ++++
Sífilis ++ - +++ +++ ++++

Outros
Sarcoidose ++++ +++ +++ + +++
Síndrome hemofagocítica ++++ - +++ +++ ++++
Doença granulomatosa crónica +++ ++ +++ +++ ++
Eczema atópico crónico ++ - +++ +++ +
(A) - atípico; (H) - hepatomegália predominante; (E) - esplenomegália predominante
++++ associação característica; +++ associação frequente; ++ associação ocasional; + associação rara

Adaptado de Long SS, 2012.

Diagnóstico diferencial
Adenopatias

Região cervical: quisto branquial, linfangioma, quisto do canal tireoglosso, costela cervical, nódulos
tiroideus, fibroma do estenocleidomastoideu, parotidite e quisto epidermóide.
Outras regiões: lipoma, hemangioma, lesões traumáticas das partes moles, hérnia inguinal.
71
Pediatria Geral

Orientação e terapêutica
O tratamento está dependente da etiologia. Na presença de uma adenomegália localizada, sem
foco infeccioso determinado, mas cujas características sugerem tratar-se de uma adenite por infec-
ção bacteriana, é lícito fazer uma prova terapêutica com um antibiótico que cubra o Staphylococcus
aureus e o Streptococcus ß-hemolítico do grupo A. Se houver suspeita de infecção por Bartonella,
deve adicionar-se azitromicina. Investigação laboratorial e imagiológica pode ser necessária se não
houver regressão após o tratamento ou após resolução dos sintomas agudos associados.

Prognóstico
Na maioria das situações, tratando-se de adenopatias reactivas, são auto-limitadas e benignas, sem
necessidade de qualquer investigação adicional ou tratamento específico. Nas restantes etiologias
o prognóstico depende do diagnóstico definitivo.

Adenopatias

72
Pediatria Geral

12. Hepatomegália
Sofia Moura Antunes, Margarida Chaves

Introdução
Hepatomegália define-se como o aumento do volume do fígado e pode traduzir doença hepática
intrínseca ou ser um sinal de doença sistémica.
Clinicamente pode ser documentada por palpação, percussão e auscultação:
• distância do bordo hepático à margem da grelha costal na linha médio-clavicular direita: no RN
superior a 3,5 cm; até aos 6 meses superior a 3 cm; na criança mais velha superior a 2 cm;
• altura da macicez hepática, avaliada na linha médio-clavicular direita, a partir do 5º espaço inter-
costal (percussão): superior a 4,5-5 cm no RN; superior a 5-6,5 cm na criança; superior a 7-8 cm
aos 12 anos no sexo masculino e superior a 6-6,5 cm aos 12 anos no sexo feminino;
• distância do limite superior da macicez por percussão ao bordo hepático palpável na linha mé-
dio-clavicular direita.
Existem situações que podem originar pseudo-hepatomegália: pectus escavatum, tórax estreito,
hiperinsuflação pulmonar, pneumotórax, tumor renal ou outra massa abdominal, lobo de Riedel
(variante do normal em que existe alongamento do lobo hepático direito).

Etiologia
A hepatomegália pode ser congénita ou ocorrer primordialmente por cinco mecanismos fisiopato-
lógicos: inflamação, excesso de armazenamento, infiltração, congestão vascular e obstrução biliar
(Tabela 20).

Abordagem diagnóstica (Figuras 3 e 4)


Anamnese
Idade: a etiologia da hepatomegália é variável consoante a idade (Tabela 21).
Presença de sintomas prodrómicos (como astenia, anorexia, náuseas, vómitos ou diarreia su-
gestivos de hepatite aguda vírica) ou sintomas acompanhantes (hiperbilirrubinémia e acolia na
obstrução da árvore biliar; odores particulares, vómitos, hipotonia e atraso do desenvolvimento
psico-motor na doença metabólica).
Forma de início: súbito (como nas hepatites víricas) ou progressivo (como na hepatite crónica acti-
va, doenças de armazenamento ou tumores).
Presença de factores desencadeantes: infecção respiratória prévia; ingestão de fármacos, drogas
ou tóxicos; história de traumatismo abdominal.
Hepatomegália

Viagens recentes (sugestivas de hepatite por parasitas).


Ingestão de alimentos suspeitos como marisco (hepatite A), queijo fresco (brucelose), cogumelos
frescos (hepatite tóxica).
73
Contacto com pessoas doentes (hepatites víricas) ou com animais [leishmaniose visceral (infecção
através de vector, após contágio a partir de cães ou roedores infectados), larva migrans visceral
(ingestão de ovos contaminados presentes na terra ou nas fezes de cães e gatos)]; transfusões de
sangue ou derivados, cirurgias prévias.
Pediatria Geral

Tabela 20: Causas de hepatomegália


Congénitas
Atrésia das vias biliares extra-hepáticas
Síndrome de Alagille
Doença de Zellweger
Hipoplasia dos ductos intra-hepáticos
Doença de Caroli
Fibrose hepática congénita
Inflamação
Infecções
- Bactérias: sífilis, brucelose, salmonelose, Bartonella henselae, Borrelia burgdorferi, leptospirose
- Hepatites víricas: A, B, C, D, EBV, CMV, VIH, Coxsackie A e B; adenovírus, echovírus
- P arasitas: toxoplasmose, leishmaniose visceral, malária, dengue, febre amarela, shistosomíase, larva migrans visceral,
fasciolíase, amebíase, quisto hidático, Ascaris lumbricoides
- Fungos: histoplasmose, actinomicose, coccidioidomicose
Toxinas: Amanitas phaloides
Tóxicos: paracetamol, anti-inflamatórios não esteróides, isoniazida, álcool, valproato de sódio, corticóides, tetraciclinas,
halotano, sulfonamidas
Hepatite neonatal
Auto-imune: hepatite auto-imune, LESJ, AIJ
Hiperplasia das células de Kupffer: sépsis, hepatite granulomatosa, hipervitaminose A
Armazenamento inapropriado
Hidratos de carbono: galactosémia, glicogenoses, diabetes mellitus, nutrição parentérica
Lípidos: doença de Wolman, doença de Neimann-Pick, doença de Gaucher, defeitos da β-oxidação, obesidade, diabetes
mellitus, nutrição parentérica, síndrome de Reye
Proteínas: défice de α1-antitripsina, tirosinémia, amiloidose
Metais: doença de Wilson (cobre), hemocromatose (ferro)
Outros: mucopolissacaridoses I-IV, fibrose quística
Infiltração
Tumores hepáticos malignos primitivos (hepatoblastoma, carcinoma hepatocelular) e secundários (leucemia, linfoma,
neuroblastoma, histiocitose de Langerhans, tumor de Wilms)
Tumores hepáticos benignos: hemangioma, hemangioendotelioma, hamartoma, teratoma
Hiperplasia nodular focal
Quistos: de parasitas, doença hepática poliquística
Síndrome hemofagocítica
Hematopoiese extra-medular
Sarcoidose
Congestão vascular
Supra-hepática: insuficiência cardíaca congestiva, pericardite restritiva, trombose da veia supra-hepática (síndrome de Budd-
Chiari)
Intra-hepática: doença veno-oclusiva
Hepatomegália

Obstrução biliar
Litíase vesicular
Quisto do colédoco
Atrésia das vias biliares 74
Tumores (hepático, biliar, pancreático e duodenal)
Outros
Traumatismos (hematoma subcapsular hepático)

Adaptado de Wol AD et al, 2000


Pediatria Geral

Tabela 21: Causas mais frequentes de hepatomegália de acordo com a idade


Recém-nascido Lactente 1ª Infância Criança e Adolescente
Infecções congénitas Doença metabólica Anemia hemolítica Hepatite vírica
do grupo TORCH Desnutrição Insuficiência cardíaca Hepatite tóxica e alcoólica
Infecção bacteriana (sépsis, Fibrose quística congestiva Doenças metabólica
meningite) Atrésia biliar Hepatite por parasitas Hemocromatose
Hepatite neonatal Insuficiência cardíaca Síndrome de Reye Tumores primários e
Atrésia vias biliares extra- congestiva Hepatite tóxica secundários
hepáticas Tumores primários e Tumores primários ou Fibrose quística
RN de mãe diabética secundários secundários Diabetes
Insuficiência cardíaca Histiocitose Obesidade (esteatose Doença hematológica
congestiva Síndrome hemofagocítica hepática) Sarcoidose
Doença hemolítica do Osteopetrose Síndrome de Budd Chiari
recém-nascido
Abcesso hepático
Doença metabólica
Nutrição parentérica

Exame objectivo
Aspecto geral: fácies peculiar (mucopolissacaridoses, doença de Zellweger), odores peculiares, má
progressão ponderal (doença metabólica).
Pele e mucosas: icterícia, lesões de coceira, petéquias e/ou púrpura, aranhas vasculares (na doença
hepática crónica), acrodermite papular.
Cabeça: tamanho (microcefalia na infecção no grupo TORCH); olhos (cataratas na rubéola congé-
nita, galactosémia ou doença de Wilson), nariz (pólipos nasais na fibrose quística); boca (amigda-
lite na mononucleose infecciosa).
Pescoço: adenomegálias (mononucleose infecciosa, linfomas); ingurgitamento jugular na insufi-
ciência cardíaca congestiva.
Tórax: sopros (cardiopatias).
Abdómen: características da hepatomegália (superfície lisa, consistência elástica, bordo rombo,
palpação dolorosa sugerem hepatite ou congestão hepática; superfície nodular, consistência firme,
bordo cortante e indolor sugerem cirrose; superfície assimétrica, de consistência pétrea e geral-
mente indolor surgem nas neoplasias); esplenomegália (hipertensão portal, insuficiência cardíaca
congestiva, drepanocitose, talassémia), rede venosa superficial (na hipertensão portal).
Coluna e membros: cifose (nas doenças de armazenamento lisossómico); hipocratismo digital (na
fibrose quística, doença inflamatória intestinal).
Exame neurológico: hipotonia (na doença metabólica), tremor, disartria e rigidez (na doença de
Wilson); confusão e hiperreflexia (na encefalopatia).

Exames complementares de diagnóstico


Hepatomegália

Avaliação inicial geral: hemograma completo com reticulócitos, esfregaço de sangue periférico,
glicose, ionograma, AST, ALT1, fosfatase alcalina, GGT, bilirrubina total e conjugada, albumina, TP,
exame sumário de urina e ecografia abdominal. 75
Avaliação de infecção: proteína C reactiva, hemocultura, urocultura, serologias do grupo TORCH
e das hepatites, exame parasitológico das fezes, prova da tuberculina; fibrinogénio e D-dímeros
(se suspeita de coagulação intravascular disseminada).

1 A
 lesão hepatocelular resulta numa elevação predominante das transaminases; a ALT é mais específica do fígado do que a AST, que existe noutros
tecidos como o músculo. A magnitude da elevação das transaminases não tem relação directa com o prognóstico.
Pediatria Geral

Avaliação de doença hemolítica: haptoglobina, urobilinogénio urinário, teste de Coombs directo,


teste de fragilidade osmótica, doseamento enzimático se indicado.
Avaliação de doença hepática intrínseca: TP, albumina, ceruloplasmina, excreção urinária do co-
bre, fibrinogénio, D-dímeros, α1-antitripsina, ANA, anticorpos anti-músculo liso e anti-microsso-
mais do rim e fígado2.
Avaliação de doença colestática3: colangiografia (endoscópica - CPRE ou por RM - colangiores-
sonância).
Avaliação de doença congestiva: ecografia doppler do sistema porta, ecocardiograma; ponderar
endoscopia digestiva alta para avaliação de varizes esofágicas.
Avaliação de doença metabólica: glicose, pH e gases, amónia, lactato, piruvato, triglicéridos,
carnitina e acilcarnitina, aminoácidos plasmáticos, aminoácidos urinários, ácidos orgânicos, subs-
tâncias redutoras na urina; doseamentos enzimáticos específicos; biópsia hepática, exame oftal-
mológico, biópsia de pele.
Avaliação de doença neoplásica (primária ou secundária): VS, α-fetoproteína, LDH ponderar TC e
RM para melhor caracterização das lesões4 e sua extensão; biópsia hepática; eventual mielograma
e biópsia óssea.
Outros: prova do suor, elastase nas fezes, tripsina imunorreactiva (fibrose quística); ferritina (he-
mocromatose).
Biópsia hepática percutânea: quando é necessária a análise histológica do fígado, como nas
doenças do parênquima, de armazenamento ou nas enzimopatias.

Tratamento e prognóstico
Na dependência da etiologia em causa.

Hepatomegália

76

2 Na suspeita de doença auto-imune sistémica ponderar incluir C3, C4, CH50, factor reumatóide, imunoglobulinas.
3 Causa um aumento predominante da bilirrubina directa, da fosfatase alcalina e da GGT.
4 Detectam lesões com dimensões inferiores a 1 cm e invasão de órgãos e estruturas adjacentes.
Hemograma completo, reticulócitos
HEPATOMEGÁLIA
Esfregaço de sangue periférico
AST, ALT, GGT, fosfatase alcalina
de idade

S – sérico; U - urinário
História clínica
Glicose
Exame objectivo Bilirrubina total e conjugada
Albumina, TP
Hiperbilirrubinémia

Adaptado de Wolf AD et al, 2000


Ecografia abdominal
Sim Não

Esplenomegália

↑ bilirrubina ↑ bilirrubina
indirecta ou directa Sim Não
mista

VS Serologias
TC abdominal Auto-imunidade
↑↑ Transaminases ↑↑ Fosfatase alcalina
+/-
↑ Fosfatase alcalina ↑ Transaminases Biópsia hepática +/-
Ecocardiograma Biópsia hepática
Mielograma

Serologias virais
CPRE / CPRM
ceruloplasmina, cobre S/U
+/- biópsia hepática

Hemólise Obstrução biliar Infecção viral Hepatite auto-imune / viral


Hepatite viral
Sépsis Quisto / tumor do colédoco Doenças de armazenamento Quisto / abcesso hepático
Hepatite tóxica
CID Infecção parasitária Leucemia, linfoma Doença de armazenamento do
Doença de Wilson
Insuf. cardíaca Nutrição parentérica Insuf. cardíaca glicogénio
Hipertensão portal Tumor hepático primário
Tumor hepático Metástases hepáticas
Infecção parasitária Obesidade / esteato-hepatite
Figura 3: Algoritmo de diagnóstico na hepatomegália em crianças acima de um ano
Pediatria Geral

Hepatomegália

77
Hemograma completo, reticulócitos
HEPATOMEGÁLIA
Esfregaço de sangue periférico
AST, ALT, GGT, fosfatase alcalina
História clínica Glicose
Bilirrubina total e conjugada

Adaptado de Wolf AD et al, 2000


Exame objectivo
Albumina, TP
Hiperbilirrubinémia Ecografia abdominal

Sim Não

Esplenomegália

↑ bilirrubina ↑ bilirrubina
indirecta ou directa Sim Não
mista

Esplenomegália
Teste de Coombs Ecografia doppler
Ecocardiograma Não Sim
+/- Estudo metabólico
Biópsia hepática
Figura 4: Algoritmo diagnóstico na hepatomegália no RN

Serologias
Serologias CPRE/CPRM
Estudo metabólico +/-
Biópsia hepática

Infecção TORCH
Insuf. cardíaca Hepatite neonatal Obstrução vascular Tumor hepático
Sépsis Quisto do colédoco Atrésia das
Fármacos Nutrição parentérica Tumor hepático RN de mãe diabética
Doença Tumor hepático vias biliares
Hemólise Fármacos Doença metabólica Malnutrição
metabólica
Pediatria Geral

Hepatomegália

78
Pediatria Geral

13. Esplenomegália
Raquel Firme, Sofia Moura Antunes

Introdução
O baço é palpável 1 a 2 cm abaixo da grelha costal em 30% dos RN de termo, em 10% das crian-
ças e em 2% dos jovens adultos saudáveis. A sua palpação mais de 2 cm abaixo da grelha costal,
bem como de uma superfície irregular ou consistência dura representam achados físicos anormais.

Etiologia
Considerando a função do baço (imunológica, sequestro de células senescentes, regulação de flu-
xo sanguíneo portal e hematopoiese extra-medular), a etiologia da esplenomegália pode dever-se
a um aumento da sua função normal (como nas anemias hemolíticas ou nos processos infecciosos
ou inflamatórios) ou dever-se a processos infiltrativos, infecciosos ou doenças vasculares (Tabela
22). A causa mais frequente de esplenomegália na criança é a infecção viral.

Tabela 22: Causas de esplenomegália


Infecciosas
Bactérias: infecção sistémica aguda ou crónica, endocardite infecciosa, abcessos, tifóide, tuberculose, tularémia
Vírus: EBV, CMV, VIH, hepatites A, B, C
Espiroquetas: sífilis, doença de Lyme, leptospirose
Ricketsias: febre Q
Protozoários: malária, toxoplasmose, Toxocara canis, Toxocara catis, leishmaniose, schistosomíase
Fungos: candidíase disseminada, histoplasmose, coccidioidomicose
Hematológicas
Anemias hemolíticas (talassémia, sequestro esplénico na drepanocitose, esferocitose hereditária)
Hematopoioese extra-medular (osteopetrose, mielofibrose)
Doenças mieloproliferativas (policitémia vera, trombocitémia essencial)
Infiltrativas
Histiocitose de células de Langerhans
Doenças de armazenamento (doença de Gaucher, doença de Niemann-Pick, gangliosidose, doenças do armazenamento do
glicogénio)
Amiloidose, sarcoidose
Leucemia
Linfoma (Hodgkin e não-Hodgkin)
Congestivas
Intra-hepática (hipertensão portal)
Obstrução pré-hepatoesplénica (trombose, malformações vasculares)
Esplenomegalia

Imunológicas
Doença do soro, doença do enxerto vs hospedeiro
Doenças do tecido conjuntivo (LESJ, AIJs, síndrome de Sjögren, mastocitose sistémica)
Imunodeficiência comum variável
Síndrome linfoproliferativa auto-imune (ALPS) 79
Causas esplénicas primárias
Quistos
Tumor benigno (hemangioma, linfangioma, hamartoma)
Traumatismo e/ou hemorragia (hematoma subcapsular)
Pediatria Geral

Tabela 23: Causas de esplenomegália maciça1


Doenças mieloproliferativas (leucemia mielóide crónica, Linfohistiocitose hemofagocítica
policitémia vera, trombocitémia essencial) Síndrome linfoproliferativa auto-imune (ALPS)
Doenças linfoproliferativas Doença de Castleman
Talassémia major Doença de Gaucher
Histioctose de células de Langerhans SIDA com o complexo Mycobacterium avium
Leishmaniose visceral Síndrome de esplenomegália malárica hiperreactiva

Abordagem diagnóstica (Figura 5)


Anamnese e exame objectivo
A esplenomegália raramente é um achado isolado.
Inquirir acerca de viagens recentes (malária, schistosomíase), traumatismo abdominal, medicação
habitual ou ocasional, história sexual; consanguinidade parental, doenças congénitas ou heredi-
tárias.
Sinais e sintomas agudos como febre, faringite e adenomegálias reactivas podem sugerir doença
viral recente (como EBV, CMV, hepatite).
Sinais e sintomas sistémicos ou crónicos como febre prolongada, sudorese nocturna, perda pon-
deral e astenia sugerem doença sistémica (linfoma, SIDA, LESJ, AIJ, sarcoidose, malária, tubercu-
lose ou doença hematológica).
Idade: RN (infecções congénitas – TORCH; história de onfalite neonatal ou cateterização da veia
umbilical – risco de trombo da veia porta ou veia cava inferior).
Género: doenças do tecido conjuntivo (mais frequente no feminino), anemias hemolíticas (mais
frequente no sexo masculino).
Etnia ou proveniência: raça negra (drepanocitose); África [hepatite B, malária, schistosomíase,
leishmaniose visceral (endémico também em regiões de Portugal, como Vale do Jamor e vale
do Sado)]; bacia mediterrânica (talassémia, défice de G6PD); norte da Europa (défice de G6PD);
judeus askenazi (doença de Gaucher, doença de Niemman-Pick).
Sinais e sintomas específicos:
• cutâneos - palidez (anemias hemolíticas, hiperesplenismo secundário a hipertensão portal), ic-
terícia (anemia hemolítica ou doença hepática), discrasia hemorrágica (hiperesplenismo, doença
auto-imune ou infiltração da medula óssea), exantema maculopapular (EBV, CMV, rickettsiose,
leptospirose), urticariforme (schistosomíase), na região malar em asa de borboleta (LESJ); derma-
tite ou eczema (histiocitose ou imunodeficiências);
• gastrointestinais - diarreia (salmonelose, doença inflamatória intestinal), vómitos (doença infec-
ciosa ou metabólica);
Esplenomegalia

• respiratórios - tosse, pieira ou dispneia [sarcoidose, histiocitose, larva migrans visceral (se
eosinofilia)];
• sopro sistólico - endocardite infecciosa, insuficiência cardíaca;
• adenopatias generalizadas: EBV, CMV, VIH, toxoplasmose; com outros sintomas sistémicos - VIH, 80
tuberculose, LESJ, doença linfoproliferativa;
• queixas articulares - AIJs, LESJ, leucemia (se diátese hemorrágica), doença de Lyme;
• atraso do DPM ou deterioração neurológica - doença metabólica;
• associado a hepatomegália - causas congestivas, metabólicas ou infiltrativas.

1 baço com pólo inferior na região pélvica ou que cruza a linha média.
Pediatria Geral

Exames complementares de diagnóstico


Perante um índice de suspeição baixo para doença grave, numa criança clinicamente bem, pode ser
realizada reavaliação clínica em 2 semanas e protelados os exames.
Avaliação geral inicial: hemograma completo, reticulócitos, estudo morfológico do sangue perifé-
rico, provas de função hepática (AST, ALT, GGT, fosfatase alcalina, bilirrubina, tempo de protrom-
bina, albumina), proteína C reactiva, VS e ecografia abdominal2.
Avaliação de infecção: hemocultura, serologias dirigidas (EBV, CMV, parvovírus B19, VIH, hepati-
tes, TORCH), prova de tuberculina, pesquisa de Plasmodium, radiografia de tórax.
Avaliação de doença hemolítica: haptoglobina, urobilinogénio urinário, teste de Coombs directo,
teste de fragilidade osmótica, doseamento enzimático se indicado (défice de G6PD).
Avaliação de doença hepática: α1-antitripsina; cobre sérico; ceruloplasmina; ponderar biópsia
hepática.
Avaliação de hipertensão portal: ecografia doppler do sistema porta; ponderar endoscopia diges-
tiva alta para avaliação de varizes esofágicas.
Avaliação de doença do tecido conjuntivo: C3, C4, CH50, ANA, factor reumatóide, exame sumário
de urina, ureia e creatinina.
Avaliação da imunidade: imunoglobulinas e subclasses.
Avaliação de doença infiltrativa (benigna ou maligna): LDH, ácido úrico, mielograma e biópsia ós-
sea (exclusão de blastos, histiócitos ou células de armazenamento); TC torácica e/ou abdominal;
doseamento enzimático para a doença de Gaucher; biópsia de adenopatia, se presente; exame
oftalmológico.
Biópsia esplénica (raramente, pelo risco hemorrágico).

Diagnóstico diferencial
Tumor de Wilms, massa da glândula suprarrenal, teratoma retroperitoneal, neuroblastoma, hepato-
megália (à custa do lobo esquerdo).

Orientação e tratamento
Deve ser feita referenciação à Hematologia ou Oncologia Pediátrica sempre que a causa for deste
foro ou não for evidente. Ponderar necessidade de envolvimento de outras subespecialidades (In-
fecciologia, Reumatologia, Doenças Metabólicas).
O tratamento é dirigido à etiologia em causa. A esplenectomia é indicada em situações
seleccionadas.
A presença de esplenomegália dolorosa de aparecimento agudo, palidez e dispneia numa criança
com drepanocitose é sugestiva de sequestro esplénico e é uma emergência médica.
Esplenomegalia

81

2 L imites da normalidade (maior eixo): 6 cm aos 3 meses, 7 cm aos 12 meses, 11,5 cm aos 12 anos, 15 e 13 cm para os adolescentes do sexo feminino
e masculino, respectivamente, com idade superior a 15 anos
Pediatria Geral

Complicações e prognóstico
A esplenomegalia é auto-limitada nas situações virais (4 a 6 semanas e habitualmente baço inferior
a 5 cm abaixo da grelha costal). Nas restantes situações a morbilidade está associada à doença de
base.
Há risco de ruptura esplénica em esplenomegália aguda associada a EBV (1:1.000; mais frequente
nas 3 primeiras semanas de doença); está indicada a evicção de desportos de contacto até 4 sema-
nas após diagnóstico ou até o baço deixar de ser palpável.
Há risco de trombocitopénia em situação de hiperesplenismo (com ou sem associação de outras
citopénias, habitualmente ligeiras) e morbilidade associada.

Figura 5: Algoritmo de diagnóstico na esplenomegália

Hemograma completo, reticulócitos


Esplenomegália Esfregaço de sangue periférico
VS e proteína C reactiva
Provas função hepática
Ecografia abdominal

Hepatomegália Linfocitose atípica


Anemia e/ou pancitopénia Leucocitose ou leucopénia Massas
(hiperesplenismo) Eosinofilia

Reticulocitose Ecografia doppler Serologias


Teste de Coombs Radiografia de tórax Hemoculturas
LDH, Haptoglobina LDH, ácido úrico Radiografia de tórax
Mielograma Pesquisa de Plasmodium
Hematopoiose Biópsia (fígado, gânglios, baço) Prova da tuberculina
Anemias extra-medular: Exame oftalmológico
hemolíticas Osteopetrose Ecocardiograma
Mielofibrose

Esplenomegália Doenças Processos Processos Processos


congestiva metabólicas infiltrativos inflamatórios infecciosos
Esplenomegalia

Adaptado Carrilho EM, 2003

82
Pediatria Geral

14. Seguimento da criança com asplenia e hiposplenia


Inês Candeias, Anabela Brito

Introdução
Asplenia anatómica define-se como ausência de baço sendo as causas mais frequentes a esplenec-
tomia e a asplenia congénita. A asplenia funcional ou hipoesplenismo corresponde ao deficiente
funcionamento do baço, observando-se caracteristicamente corpos de Howell-Jolly na superfície
dos eritrócitos. As principais causas incluem: hemoglobinopatias, anemias hemolíticas, asplenia
congénita, doenças vasculares do colagénio e transplante de células hematopoiéticas alogénico.
Os doentes asplénicos apresentam maior risco de infecção bacteriana grave por bactérias encapsu-
ladas, particularmente nos primeiros três anos de vida ou pós-esplenectomia.
Consideram-se com risco acrescido os que apresentam causas adicionais de imunodeficiência
(hipogamaglobulinémia, infecção VIH, transplantados, sob quimioterapia ou radioterapia, doença
hepática avançada) ou que durante o período de profilaxia antibiótica apresentem doença invasiva
por bactérias encapsuladas. O risco é superior nos esplenectomizados de etiologia hematológica
relativamente aos de causa traumática.

Complicações infecciosas
Bactérias mais comuns: Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae tipo b, Neisseria me-
ningitidis, Salmonella spp e Escherichia coli.
Outras bactérias: Capnocytophaga spp (mordedura de cão e gato), Staphylococcus aureus, Pseu-
domonas, Klebsiella e Streptococcus spp.
Protozoários: babesiose, malária.

Orientação e terapêutica
Educação do doente e cuidadores
Informar sobre a susceptibilidade a infecções graves e educar para a comunicação precoce com

Seguimento da criança com asplenia e hiposplenia


o médico assistente, ou recurso ao serviço de urgência, em caso de qualquer episódio de doença
febril aguda, especialmente se associada a calafrios ou sintomas sistémicos.
Educar para a família e/ou o próprio informarem os profissionais de saúde da sua condição de
hiposplenia ou asplenia.
Alertar para a necessidade de tratamento precoce em caso de mordedura por animal com antibio-
terapia adequada, pela elevada susceptibilidade a Capnocytophaga canimorsus.
Esclarecer em caso de viagens internacionais o risco aumentado relativo a infecções por parasitas
como a malária (necessidade de profilaxia adequada à idade assim como medidas preventivas da
picada de insecto).
83
Pediatria Geral

Vacinação
Além do cumprimento rigoroso do calendário do PNV as crianças com asplenia anatómica ou
funcional têm indicação da DGS para a vacinação contra a doença invasiva pneumocócica e anual-
mente contra a gripe.
Na esplenectomia electiva, as vacinas devem ser administradas no mínimo 14 dias antes do proce-
dimento e quando tal não é possível ou na esplenectomia de urgência, devem ser administradas
idealmente após 14 dias depois da intervenção cirúrgica. No entanto, se houver dúvida no cumpri-
mento vacinal, deverá ser ponderada a sua realização à data da alta.

Vacinação contra a doença invasiva pneumocócica


A vacina pneumocócica conjugada de 13 valências (Pn13) foi incluída no plano nacional de vaci-
nação para as crianças nascidas a partir de 01 de janeiro de 2015. As crianças com asplenia ana-
tómica ou funcional incluem-se no grupo de risco elevado para doença invasiva pneumocócica e
se nascidas antes de 2015 têm indicação, segundo norma da DGS1, para vacinação gratuita com a
Pn13 e a vacina pneumocócica polissacárida de 23 valências (Pn23).
Em relação à Pn13, para crianças que iniciem o esquema de vacinação entre os 2 e os 9 meses
recomenda-se 2 doses no 1º ano de vida (com pelo menos 8 semanas de intervalo) e reforço aos
12 meses de vida. Na criança entre os 10 e os 24 meses recomenda-se duas doses de Pn13 (com
intervalo superior a 8 semanas). Na criança que inicia a vacinação entre os 2 e os 17 anos reco-
menda-se uma dose.
Em relação à Pn23 recomenda-se uma dose administrada após os 24 meses de idade, com 6-12
meses de intervalo após a Pn13 (intervalo mínimo 8 semanas).

Vacinação contra a gripe


A DGS recomenda a vacinação anual em crianças com asplenia anatómica ou funcional com idade
superior a 6 meses2.
Em crianças até aos 8 anos de idade inclusive sem vacinação anterior contra a gripe deve ser admi-
nistrada uma segunda dose com 4 semanas de intervalo na primovacinação.

Vacinação contra doença invasiva por Haemophilus influenzae b

Seguimento da criança com asplenia e hiposplenia


Recomenda-se o esquema de vacinação segundo o PNV. Se não tiver a vacinação adequada na
idade preconizada recomenda-se a administração de uma dose em qualquer idade. Considerar
administração de dose adicional em doentes com esquema actualizado e esplenectomia electiva.
Em caso de doença invasiva por Haemophilus influenzae b, a infecção não confere imunidade
duradoura pelo que se recomenda completar o esquema de vacinação de acordo com o PNV, com
início um mês após a doença ou o mais precocemente possível.

Vacinação anti-meningocócica
Em Portugal a vacinação contra o meningococo do serotipo C com a vacina meningocócica conju-
gada C está incluída no PNV e recomenda-se a realização do esquema preconizado.
A vacinação com a vacina meningocócica conjugada tetravalente (4vMCV contra os serotipos 84
ACWY) está disponível em Portugal, não estando incluída no PNV. É recomendada internacional-
mente em todos os doentes com asplenia anatómica ou funcional. O esquema recomendado é de
3 doses nos primeiros 6 meses de vida e reforço aos 12 a 15 meses. Para crianças que iniciem o

1 C
 ircular Normativa DGS nº12/2015: Vacinação contra infecções por Streptococcus pneumoniae de grupos de risco acrescido para doença invasiva
pneumocócica (DIP) em idade pediátrica.
2 Orientação da DGS nº12/2013: Vacinação contra a gripe com a vacina trivalente para a época 2013/2014.
Pediatria Geral

esquema entre os 7 e os 23 meses recomendam-se 2 doses com mínimo de 8 semanas de intervalo


e reforço após 12 meses. Em crianças acima dos 2 anos recomenda-se 2 doses com pelo menos 8
semanas de intervalo.
A vacinação com a vacina meningocócica conjugada B (4CMenB) está igualmente disponível em
Portugal mas não incluída no PNV. É recomendada internacionalmente em todos os doentes com
asplenia anatómica ou funcional. O esquema recomendado é de 3 doses nos primeiros 6 meses de
vida e reforço aos 12 a 23 meses. Para crianças que iniciem o esquema entre os 6 e os 23 meses
recomendam-se 2 doses com mínimo de 8 semanas de intervalo e reforço após 12 meses. Em
crianças acima dos 2 anos recomenda-se 2 doses com pelo menos 8 semanas de intervalo.

Profilaxia antibiótica
Recomenda-se a profilaxia antibiótica até aos 5 anos de idade ou pelo menos um ano após es-
plenectomia. Nos doentes de risco acrescido (para além da asplenia: com hipogamaglobulinémia,
infecção VIH, transplantados ou doença hepática avançada, sob quimioterapia ou radioterapia, ou
que durante o período de profilaxia antibiótica apresentem doença invasiva por bactérias encapsu-
ladas) considerar prolongar profilaxia até à idade adulta.
Esquemas recomendados:
• amoxicilina: idade inferior a 5 anos: 20 mg/kg/dia 12/12h via oral; idade superior a 5 anos: 250
mg 12/12h;
• se alergia à penicilina (confirmada em consulta de Alergologia): eritromicina (idade inferior a 2
anos: 125 mg/dia; idade 2 a 8 anos: 250 mg/dia; idade superior a 8 anos: 500 mg/dia) ou trime-
toprim-sulfametoxazol (8 mg/kg/dia de trimetoprim).

Antibioterapia profiláctica na realização de procedimentos


Intervenções das vias respiratórias (como cirurgia dos seios perinasais endoscópica, broncoscopia):
amoxicilina oral dose única 1 hora antes do procedimento (idade superior a 3 meses e peso inferior
a 40kg: 50 mg/kg; peso superior a 40kg: 2g).
Intervenções estomatológicas, gastrointestinais ou genitourinárias: sem indicação para antibiote-
rapia profiláctica.

Seguimento da criança com asplenia e hiposplenia


Antibioterapia profiláctica na mordedura de animais
Amoxicilina e ácido clavulânico 5 dias.

Actuação em caso de doença febril aguda


A criança com asplenia anatómica ou funcional deve ser observada precocemente em cada doença
febril aguda pelo risco de sépsis.
Deve ser realizada avaliação laboratorial e hemocultura. Deve ser iniciada terapêutica antibiótica
empírica com ceftriaxone (100 mg/kg/dia ev) e vancomicina (60 mg/kg/dia ev) à menor suspeita
de infecção bacteriana.

85
Pediatria Geral

15. Parotidite recorrente


Rita Calado, Ana Ehrhardt Pinheiro

Introdução
A parotidite aguda é uma situação frequente em idade pediátrica, auto-limitada, maioritariamente
de causa infecciosa vírica.
Existem várias condições possíveis de causar aumento uni ou bilateral das glândulas parótidas, por
vezes com carácter recorrente. A inflamação recorrente e auto-limitada da parótida, está frequen-
temente associada à parotidite recorrente idiopática, mas pode ser uma manifestação de doença
subjacente, em especial se os episódios se iniciam a partir dos seis anos de idade e o atingimento
é bilateral.

Etiologia
Causa infecciosa
Virus (paramixovírus, EBV, CMV, Herpes simplex). A parotidite epidémica (papeira) tornou-se rara no
nosso país desde a implementação da vacina contra o paramixovírus no PNV. Trata-se de uma
doença auto-limitada caracterizada por febre baixa, mal-estar, dor e distensão súbita das glândulas
parotídeas. Após a puberdade pode ter como complicações a orquidite e ooforite.
Bactérias (Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae, Streptococcus viridans,
Staphylococcus aureus, tuberculose).

Causas obstrutivas
Litíase, malformações canaliculares congénitas e adquiridas, neoplasias benignas (adenoma pleo-
mórfico) e malignas (carcinoma muco-epidermoide, linfoma parotídeo).

Parotidite recorrente idiopática


Entidade pouco comum, de etiologia desconhecida, caracterizada por episódios recorrentes de in-
flamação da glândula parotídea, uni ou bilaterais, geralmente não obstrutivos e não supurativos. O
aumento de volume da parótida, geralmente doloroso, pode associar-se a febre e mau estar geral.
Em idade pediátrica predomina no sexo masculino, principalmente entre os 3 e os 6 anos, diminuin-
do progressivamente até à puberdade. Os episódios duram em média 3 a 7 dias, num máximo de
2 a 3 semanas, com uma frequência de 1 a 5 por ano. Os períodos intercrise são assintomáticos.

Imunodeficiência
Défice selectivo de IgA, imunodeficiência comum variável, infecção por VIH.
Parotidite recorrente

Doença auto-imune
Síndrome de Sjögren, sarcoidose, LESJ, dermatomiosite.

Causa nutricional 86
Obesidade, hipervitaminose A, hipoproteinémia.

Traumatismo
Mordedura do orifício do canal de Stenon; pneumoparotidite (insuflação de ar na parótida nos toca-
dores de instrumentos de sopro, mergulhadores ou após procedimentos dentários ou anestésicos).
Pediatria Geral

Outras causas
Genéticas, alérgicas, hipossialia.

Abordagem diagnóstica
O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado na história recorrente de tumefacção dolorosa, uni
ou bilateral da glândula parotídea, complementado pela evolução clínica e estudo imagiológico.

Anamnese
Contacto com indivíduos com suspeita de parotidite, imunizações (parotidite epidémica); presença
de febre, mal-estar ou outros sintomas sistémicos acompanhantes (sugestivos de infecção bacte-
riana); queixas articulares e/ou oftalmológicas (doença auto-imune); envolvimento do nervo facial
ou sintomas persistentes (patologia tumoral); uso de fármacos anti-histamínicos ou psicotrópicos
que podem condicionar diminuição da produção de saliva; traumatismo local; história de infecções
recorrentes, má progressão ponderal (imunodeficiências). Presença de xerostomia e queratoconjun-
tivite (síndrome de Sjögren).

Exame objectivo
Tumefacção parotídea de consistência dura ou elástica com apagamento do ângulo da mandíbula,
geralmente dolorosa à palpação, com ou sem rubor associado. Na parotidite recorrente idiopática
ou nas causas infecciosas, a criança pode apresentar-se com febre e mal-estar ligeiro. Devem ser
pesquisadas cáries dentárias, sinais inflamatórios ou drenagem de conteúdo purulento através do
orifício do canal de Stenon.

Exames complementares
O recurso a exames complementares deve ser criterioso e ponderado caso a caso. A abordagem
inicial deve começar por avaliação analítica e ecografia da glândula parotídea. Para identificação de
doença subjacente e/ou diagnóstico diferencial, devem depois ser criteriosamente solicitados outros
exames, se necessário.
Exames de imagem da parótida
Radiografia simples: de pouca utilidade; podendo demonstrar cálculos radiopacos ao nível da
parótida.
Ecografia: é o exame de eleição, por ser sensível e pouco invasivo. Permite detectar lesões quísticas,
sólidas (abcesso, cálculo, neoplasia) e alterações ductais.
Sialografia: método clássico, invasivo, requer injecção de contraste iodado no canal paro-
tídeo, verificando-se por vezes diminuição das recorrências ou mesmo resolução da doen-
Parotidite recorrente

ça após a sua execução. Permite identificar deformidades do sistema ductal. Na fase aguda
pode revelar sialectasia.
TC, RM: menos disponíveis e usados no diagnóstico e monitorização, indicados se suspeita de pre-
sença de lesões sólidas na ecografia. A RM é um meio menos invasivo que oferece um estudo mais
detalhado tanto do parênquima como do sistema canalicular e é capaz de diferenciar processos de 87
inflamação aguda e crónica.
Sialoendoscopia: pode auxiliar no diagnóstico pela visualização do sistema ductal, bem
como no tratamento pela lavagem e instilação de antibióticos e corticóides, com ou sem colocação
de sialostent para manter uma drenagem adequada.
Pediatria Geral

Estudo analítico
Ponderar, na intercrise, se episódios com início acima dos seis anos, em especial se bilaterais, se
clínica sugestiva de doença subjacente ou episódios muito frequentes e graves.
Solicitar: hemograma, VS, proteína C reactiva, ALT, AST, proteinograma, amilase, doseamento de
imunoglobulinas, serologias virais (VIH, vírus da parotidite epidémica), auto-anticorpos (ANAs, fac-
tor reumatóide, anti-SSA/Ro, anti-SSB/La).
Se suspeita de malignização, considerar biópsia (requer experiência, pelo risco de lesão do nervo
facial).

Orientação e terapêutica
O tratamento é geralmente conservador e sintomático.
Na parotidite recorrente idiopática baseia-se principalmente nas medidas gerais de alívio sinto-
mático: hidratação, massagem e calor local, higiene bucal, anti-inflamatórios, analgésicos e anti-
piréticos. Agentes sialogogos (mastigar pastilha elástica, sumo de limão e outras bebidas ácidas)
parecem ser benéficos na fase aguda e na prevenção, com redução do número de episódios.
A utilização de antibióticos é controversa, com indicação apenas se suspeita de sobreinfecção bac-
teriana, nomeadamente complicações supurativas ou quando atingimento sistémico significativo.
Deve permitir a cobertura empírica dos agentes mais frequentemente envolvidos (amoxicilina e
ácido clavulânico, cefalosporina de 1ª geração).
O tratamento cirúrgico pode ser necessário nos casos mais graves ou com risco de lesão do nervo
facial, bem como na ausência de resposta à terapêutica conservadora.
Considerar, se possível, tratamento da doença de base quando identificada.

Prognóstico
Depende da etiologia. Em relação à parotidite recorrente idiopática, a evolução é geralmente boa,
com resolução espontânea dos episódios de parotidite até ao início da idade adulta em 90% dos
casos. Se persistente para além da puberdade, pode ocorrer perda progressiva de função do pa-
rênquima parotídeo, associando-se a pior prognóstico.

Parotidite recorrente

88
Pediatria Geral

16. BCGites
Isabel Esteves, José Gonçalo Marques

Introdução
A vacina Bacille Calmette-Guérin (BCG) é uma vacina viva, desenvolvida em 1921 a partir de uma
estirpe atenuada de Mycobacterium bovis. Existem actualmente várias vacinas que diferem quanto
às estirpes utilizadas, concentração de partículas vivas por dose de vacina (variável de 50.000 a 3
milhões de partículas por dose), reactogenicidade e incidência de reacções adversas.
A vacina BCG integra o Programa Nacional de Vacinação Português desde 1965. Os diferentes
estudos demonstram uma eficácia variável entre 0 e 80% na prevenção da tuberculose, sendo o
seu efeito mais significativo na prevenção da infecção disseminada e do sistema nervoso central.
A vacina pode apresentar diversos efeitos adversos (Tabela 24) de frequência e gravidade variáveis,
incluindo a BCGite, que corresponde à linfadenite local associada à administração da vacina. O ris-
co de reacções locais aumenta com a dose e técnica de administração incorrecta (via intramuscular
ou subcutânea em vez da administração intradérmica), estirpe específica, inóculo de bacilos viáveis
no lote vacinal e idade precoce na administração.

Clínica
As reacções adversas à vacina (Tabela 24) incluem o eritema, pápula ou induração no local de
administração, que ocorrem na maioria dos vacinados.
Menos frequente é a ocorrência de BCGite, que pode assumir diversas formas, com incidência va-
riável. Na maioria dos vacinados manifesta-se com linfadenite axilar ipsilateral ao local de inocula-
ção da vacina, de dimensão reduzida (inferior a 1,5 cm), não aderente à pele ou planos profundos.
Se a vacina for administrada no local recomendado (região deltóide), a linfadenite ocorre em geral
nos gânglios axilares, mas poderá envolver também os supraclaviculares ou cervicais.
Mais raramente (1:1.000-10.000 vacinados) a linfadenite atinge dimensões superiores e os gân-
glios podem tornar-se aderentes, com flutuação ou fistulização/supuração. Nos casos auto-limita-
dos, o início das manifestações (incluindo a supuração) tem sido reportado desde uma semana a
11 meses após a data da vacinação, e a resolução até aos 18 meses de idade. A linfadenite mais
tardia e de maiores dimensões, pode não resolver espontaneamente.
Outras reacções adversas locais mais graves incluem: abcesso local, supuração prolongada e outras
lesões cutâneas (scrofuloderma e lupus vulgaris).
As reacções adversas sistémicas, estão habitualmente associadas a imunodeficiência (ID) primária
ou secundária e incluem: osteomielite ou osteíte, lesões cutâneas multifocais e doença dissemina-
da (ganglionar, pulmonar, hepatoesplénica, ocular, meníngea).
BCGites

89
Pediatria Geral

Tabela 24: Reacções adversas após administração de vacina BCG


Tipo de reacção Manifestações (início após vacinação) Incidência (vacinados)
Pápula (2-4 semanas)
Ligeira local Ulceração (1-2 meses) Maioria dos vacinados
Escara (2-5 meses)

Local
Abcesso, linfadenite 1:1.000 a 10.000
Quelóide
Supuração (2-6 meses)
Moderada a grave
Sistémico
Osteíte 1: 3.333 a 1:108
BCG disseminada 1: 230.000-640.000
Síndrome de reconstituição imune 1: 640.000
Adaptado de WHO, 2012

Abordagem diagnóstica
Perante uma criança com BCGite, o aspecto diagnóstico mais relevante prende-se com a avaliação
da localização, gravidade das manifestações e eventual extensão da infecção.
Em todos os doentes deve realizar-se uma anamnese e observação completas que permitam avaliar
a hipótese de ID primária (ver Capítulo 23. Imunodeficiência Primária) ou secundária.

Anamnese
Questionar sobre diagnósticos de IDP conhecidos, infecções graves ou mortes na infância não escla-
recidas, consanguinidade, serologia materna VIH do 3º trimestre. Deve avaliar-se a progressão esta-
turo-ponderal do doente, história de outras infecções e presença de sintomatologia constitucional
ou sinais sugestivos de infecção sistémica: febre, anorexia, prostração, perda de peso.

Exame objectivo
Verificar a mobilidade do membro superior ipsilateral e a presença de sinais inflamatórios ou lesões
loco-regionais, nomeadamente excluir sinais sugestivos de osteíte ou osteomielite do membro su-
perior e parede torácica; pesquisar outras adenomegálias, hepatoesplenomegália, lesões cutâneas
multifocais, bem como sinais sugestivos de outras focalizações (respiratória ou neurológica).
A manifestação inicial da doença por BCG nas ID (primária ou secundária) pode apresentar um
espectro variável, desde BCGite de dimensões reduzidas (por exemplo em doente com doente com
linfopénia grave, sem capacidade de activação e linfoproliferação), até doença loco-regional muito
agressiva e invasiva, ou com disseminação sistémica com múltiplas focalizações.

Exames complementares de diagnóstico


Se a história e observação não forem suspeitas de ID, não são necessários outros exames comple-
BCGites

mentares de diagnóstico. A BCGite é uma reacção adversa da vacina BCG, amplamente reconheci-
da e cuja evolução está documentada. Deve manter-se a vigilância clínica em consulta, até aos 18 90
meses de idade, altura em que a maioria das BCGites auto-limitadas estará resolvida.
Pediatria Geral

Se a anamnese ou observação revelarem aspectos sugestivos de ID, deve admitir-se a existência de


doença disseminada na abordagem diagnóstica e terapêutica. Perante esta suspeita, é obrigatória
a investigação microbiológica e documentação da extensão da doença:
•h emocultura (bactec®);
• suco gástrico (3 amostras, em jejum);
• LBA no caso de realização de broncofibroscopia;
• LCR no caso de realização de punção lombar;
• medula óssea, no caso de realização de mielograma.
Todas as amostras devem enviar-se para pesquisa de micobactérias por exame directo, cultural e
PCR.
Realizar radiografia de tórax e restante avaliação imagiológica de acordo com o quadro clínico
(radiografia do membro superior esquerdo ou outros locais de focalização suspeita, TC tórax, eco-
grafia ou TC abdominal, TC crânio-encefálica). Pode ser útil a realização de ecografia ganglionar
para avaliar a presença de liquefação.
Relativamente à etiologia da ID subjacente, a causa secundária e de exclusão obrigatória, é a
infecção VIH.
Quanto à hipótese de imunodeficiência primária, as doenças que se manifestam com infecção por
BCG são muito raras. São imunodeficiências que condicionam susceptibilidade à infecção por mi-
crorganismos de baixa virulência (Tabela 25) e cursam com outros sinais suspeitos, acima descritos.

Tabela 25: Imunodeficiências primárias com susceptibilidade a micobactérias de baixa


virulência, incluindo BCG
Susceptibilidade
Susceptibilidade grave Susceptibilidade ligeira
moderada
Defeitos do eixo IL-12/IL-23-IFN-γ Sínd. Hiper IgM ligado ao X Neutropénias
SCID (Defeito de CD40L) Defeito de adesão leucocitária (LADs)
Linfopénia CD4 idiopática Defeito MHC-I / MHC-II
Defeitos de activação da via NF-κB Defeito de IRAK-4
DGC Asplenia congénita
Defeito de complemento
Defeitos humorais
Adaptado de Carneiro-Sampaio M et al, 2007

No diagnóstico diferencial de IDP, os exames complementares devem ser criteriosamente solici-


tados (Tabela 26). Perante a suspeita de IDP, o doente deve ser referenciado a centro terciário de
referência nesta área, dado que a continuação da investigação complementar inclui a realização
de estudos ou ensaios laboratorialmente complexos, disponíveis em centros de investigação. Adi-
cionalmente, o seguimento terapêutico e o eventual equacionamento de transplante de células
BCGites

progenitoras hematopoiéticas (TCPH), necessitam de referenciação urgente.


91
Pediatria Geral

Tabela 26: Investigação complementar na suspeita de imunodeficiência primária com


susceptibilidade a BCG
EXAMES DE 1ª LINHA Achados suspeitos Exemplos de IDPs em estudo

Hemograma completo Neutropénia Neutropénias congénitas


com contagem diferencial Monocitopénia Defeito de GATA2, IRF8
Linfopénia SCID

Subpopulações lifocitárias Linfopénia SCID, imunodeficiência combinada

IgG, IgM, IgA Hipogamaglobulinémia, ↑IgM SCID, imunodeficiência combinada

Capacidade oxidativa ↓ capacidade oxidativa DGC


de fagócitos

Terapêutica
Na maioria dos casos não é necessária qualquer terapêutica local ou sistémica da BCGite, pois
quase todas as linfadenites não supuradas resolvem espontaneamente em 4 a 6 meses.
A aspiração por agulha pode ser considerada nos casos de adenomegália de grandes dimensões,
com flutuação e risco elevado de supuração com fistulização, pelo resultado inestético da cicatri-
zação resultante. A excisão ganglionar local está reservada para os casos sem resposta a aspiração,
ou que já se apresentam fistulizados. O objectivo é um melhor resultado estético e mais rápida
cicatrização. Está contraindicada a incisão para drenagem de abcesso, pelo risco de fistulização
mantida. Não está comprovado qualquer benefício da terapêutica antibacilar nos casos de BCGite
localizada.
Nos casos raros associados a ID, é necessário o início de terapêutica antibacilar combinada com
pelo menos 3 antibacilares activos para a estirpe BCG (é intrinsecamente resistente à pirazinami-
da). Habitualmente o esquema terapêutico inicial engloba isoniazida, rifampicina e etambutol. Se
necessário um antibacilar adicional, pode estar indicada a estreptomicina, ciprofloxacina ou clari-
tromicina. A terapêutica deve ser adequada ao TSA, assim que esteja disponível.
No caso de IDP com susceptibilidade grave e permanente às micobactérias (como seja imunodefi-
ciência combinada grave, defeitos completos do eixo IL12/IFN-γ), é necessário manter a terapêutica
antibacilar até que seja possível a reconstituição imunológica, através do TCPH.
Em qualquer dos casos de ID com infecção por BCG, quando ocorre a reconstituição imunológica
(cerca de 3 meses após início de terapêutica antiretroviral ou após TCPH), pode manifestar-se a
síndrome inflamatória de reconstituição imune. Deve-se a uma desregulação inflamatória após
aquisição de resposta imunológica para os antigénios específicos, com lesão imunopatológica dos
tecidos infectados. Manifesta-se com agravamento de linfadenite regional que pode supurar ou
fistulizar, sem disseminação. Nos doentes com infecção VIH, que ainda não iniciaram terapêuti-
BCGites

ca antiretroviral, o risco poderá diminuir se esta for protelada para 2 semanas após o início dos
antibacilares.
92
Pediatria Geral

Prognóstico
A maioria dos casos de BCGite é auto-limitada (resolução até aos 18 meses de idade) e sem com-
plicações. É essencial a tranquilização dos pais, para que haja adesão à atitude de vigilância clínica,
sem investigação ou medidas terapêuticas desnecessárias.
Nos casos com invasão loco-regional ou sistémica, o prognóstico depende da causa da ID subjac-
tente. De acordo com o grau de susceptibilidade condicionado pela ID (primária ou secundária), a
cura pode atingir-se com terapêutica antibacilar prolongada (12 a 18 meses), sendo facilitada pela
resolução do estado de ID.

BCGites

93
Pediatria Geral

17. “Dores de crescimento”


Manuel Salgado

Introdução
As denominadas “dores de crescimento” foram descritas pela primeira vez em 1823 pelo médico
francês Marcel Duchamp. Embora sejam a causa mais frequente de dores nos membros na criança
e início da adolescência, o seu nome levanta algumas controvérsias: no nome em si e nos diferen-
tes significados, etiopatogenia, modelo de diagnóstico e consequente significado.
As dores de crescimento caracterizam-se por serem dores intermitentes, geralmente referidas aos
membros inferiores, sempre bilaterais, mal localizadas, vespertinas ou nocturnas, mas nunca pela
manhã ao acordar, sempre com exame físico normal. Ocorrem durante vários meses ou anos, em
crianças com idades compreendidas principalmente entre os 3 e os 13 anos, sempre sem evidente
causa desencadeante.
Cerca de 10% das crianças saudáveis referem ocasionalmente dores nos membros inferiores. Os
quadros clínicos suficientemente importantes para justificarem consulta médica afectam cerca de
3% das crianças normais.

Etiopatogenia
À semelhança de outras dores recorrentes na criança, também é desconhecida a etiopatogenia das
dores de crescimento. Têm sido atribuídas diversas causas, mas nenhuma explica todos os casos. A
reacção tardia ao exercício físico excessivo é a mais vezes apontada, pelo facto de as dores de cres-
cimento serem mais frequentes nas horas seguintes ou na noite seguinte à prática de actividade
mais intensa que o habitual. Mas não explica as dores de crescimento de predomínio nocturnas,
em que os pais não relacionam com aumento da actividade física. A única certeza sobre as dores
de crescimento é a de que nada terão a ver com o crescimento (Tabela 27).

Tabela 27: Argumentos contra o papel do crescimento nas dores de crescimento


Não se iniciam nem têm maior incidência nos períodos de maior crescimento (primeiros 2 anos e na puberdade).
Os locais de dor são geralmente as diafisárias; o crescimento ósseo é nas metáfises.
 aramente estão afectados outros segmentos do corpo para além das pernas; os membros superiores e o tronco também
R
crescem e raramente são envolvidos.
 as crianças com dores de crescimento não ocorrem anomalias do crescimento e mantêm o mesmo ritmo de crescimento
N
que as outras crianças sem dores de crescimento.
“Dores de crescimento”

Clínica
A idade de início das dores de crescimento é muito variável, surgindo entre os 3 e os 13 anos de
idade, especialmente na idade escolar. É ligeiramente mais comum no sexo feminino.
94
É comum as crianças queixarem-se de outras dores recorrentes (dores abdominais, cefaleias). Não
é raro existirem antecedentes de dores de crescimento em algum dos familiares em primeiro grau.
Pediatria Geral

Em mais de 90% dos casos as dores localizam-se exclusivamente aos membros inferiores, sempre
de forma bilateral (em simultâneo ou não). Nos casos em que são referidos outros locais do corpo,
em regra afecta também os membros inferiores (em simultâneo ou não).
Outras características sempre presentes nas crianças com dores de crescimento são a ausência de
sinais sistémicos, um crescimento normal e o exame objectivo sempre normal: ausência de claudi-
cação, de tumefação, de pontos dolorosos despertados pelo exame ou outras alterações.
As dores de crescimento têm manifestações clínicas muito características na localização e caracte-
rísticas das dores nas crises (Tabela 28), e no perfil temporal e na estereotipia das crises (Tabela 29).

Tabela 28: Características das crises dolorosas


 ores de início súbito, intensas (de intensidade 7/10 ou mais).
D
Em regra localizadas aos membros inferiores, mais na face anterior das pernas, mas também nas coxas, joelhos e dorso dos
pés.
Em regra não se localizam às articulações.
Quando referidas à zona dos joelhos, não envolve em exclusivo a articulação, afectando também as zonas distais dos
fémures e proximais das tíbias e a região popliteia.
A criança não consegue definir nem localizar com precisão os locais das dores são dores “internas”, “profundas”,
de localização e limites imprecisos.
São sempre bilaterais, em simultaneamente ou não.
As crises melhoram com a massagem e calor local das zonas dolorosas.
Os pais não referem qualquer outro sintoma ou sinal concomitante.
Na manhã seguinte à crise, a criança levanta-se normalmente e sem qualquer tipo de queixa subjectiva ou objectiva.

Tabela 29: Perfil temporal das crises (horário, duração, periodicidade) e mimetismo
 orário: geralmente vespertinas e/ou nocturnas; quando nocturnas unicamente no primeiro terço da noite, frequentemente
H
acordando a criança; nunca presentes pela manhã ao acordar.
Duração das crises: sempre inferior a 2 horas (raramente mais de 30 minutos).
Número de crises numa noite: em regra uma única crise.
Intervalos livres: variável (dias, semanas ou meses).
Frequência das crises: variável, de uma ou mais vezes por semana, a uma a várias vezes por mês; nunca mais de 7 dias
seguidos com crises.
Mimetismo das crises (horário, localização, padrão das dores): está sempre presente, é característica de cada criança.

Formas atípicas
Existem algumas características atípicas, que embora não excluam, deverão pôr em causa o diag-
nóstico de dores de crescimento: localização diferente dos membros inferiores, horário diurno,
ocorrerem na segunda metade da noite, mais do que uma crise nocturna, vários dias ou noites
seguidas, duração da crise superior a 30 minutos.
“Dores de crescimento”

Critérios de exclusão
O diagnóstico diferencial das dores nos membros é muito vasto; deverá evocar outro diagnóstico
a presença de qualquer tipo de queixa pela manhã ao levantar (dor, tumefacção, rigidez), existi-
rem outros sintomas para além das dores, se a dor é bem localizada, se é referida sempre num só
membro e no mesmo, se surgem durante os esforços, se há alterações do exame objectivo ou se
95
há queixas contínuas (Tabela 30).
Pediatria Geral

Orientação e terapêutica
Investigação
Perante quadros típicos, em regra será desnecessário qualquer exame complementar; perante ca-
racterísticas atípicas ou com critérios de exclusão (basta um) será prudente fazer uma investigação
mínima. Os mais indicados são o hemograma e a velocidade de sedimentação; se unilateralidade
das queixas (que por definição exclui dores de crescimento), poderá ser útil a realização de radio-
grafia dos membros (contemplando as articulações acima e abaixo das zonas dolorosas) e, even-
tualmente, a cintigrafia osteoarticular.
Nalguns raros casos poderá ter de se excluir a síndrome de pernas inquietas.

Conduta prática
O conhecimento das características típicas das dores de crescimento, assim como das caracte-
rísticas atípicas e dos critérios clínicos de exclusão (Tabela 30), poderá evitar dois tipos de erros
frequentes: diagnosticar “dores de crescimento” em situações claramente orgânicas e a solicitação
sistemática de exames complementares em quadros clínicos típicos de dores de crescimento.

Tabela 30: Critérios de exclusão de dores de crescimento: a presença de 1 ou mais dos


sinais seguintes devem levar a procurar outro diagnóstico
Início antes dos 3 ou depois dos 13 anos.
Localização não nos membros inferiores.
Dores sempre unilaterais.
Dores com localização bem definida.
Dores articulares (excepto joelhos).
Presença de qualquer tipo de queixa pela manhã (como dor, claudicação, rigidez, tumefacção).
Presença de qualquer outra queixa para além das dores.
Dores contínuas.
Dores intermitentes com duração superior a 3 horas.
Acordar a criança mais do que 2 vezes por noite.
Dores diárias mais de 7 dias seguidos.
Ausência de mimetismo no horário, localização, padrão das dores.
Modificação recente nas características das dores.
Dores que sejam despertadas por qualquer estímulo (como movimento, massagem).
Algum tipo de alteração no exame objectivo, especialmente se recente.

Tratamento
Nos quadros clínicos típicos, que são a maioria dos casos, bastará o esclarecimento da família; mui-
“Dores de crescimento”

tas crianças aliviam com a massagem e/ou aplicação de calor nas zonas dolorosas. Nos casos mais
aparatosos poderá estar indicado o tratamento sintomático com analgésicos; contudo, e dado a dor
ter curta duração, o interesse destes é questionável pois, na maioria dos casos, a dor desaparecerá
antes do fármaco poder ter tempo para fazer qualquer efeito.
96
Prognóstico
O prognóstico das dores do crescimento é excelente, na sua maioria com auto-resolução até 2
anos de evolução, antes ou durante a puberdade.
Pediatria Geral

18. Artralgia
Carolina Vasconcelos Guimarães, Helena Pedroso, Marta Conde

Introdução
Artralgia é uma dor articular sem outros sinais inflamatórios, que pode igualmente ter origem
em estruturas próximas da articulação (osso, ligamento, tendão, músculo ou nervo); pode ser um
sintoma de artrite ou de doença não inflamatória.
Artrite define-se como uma articulação dolorosa com tumefação e/ou limitação funcional. Pode
haver rubor ou calor (na artrite séptica). Mais frequentemente a situação é aguda, auto-limitada e
relacionada com trauma minor ou stress mecânico.

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Antecedentes familiares (DII, espondiloartropatias, psoríase, doenças auto-imunes, tuberculose,
hemoglobinopatias); antecedentes pessoais [DII, patologia oncológica, psoríase, uveíte, coagulo-
patias, infecções de repetição (imunodeficiência); vida sexual (artrite gonocócica); contexto psico-
-social e familiar (maus tratos, síndromes de amplificação dolorosa); prática desportiva (síndromes
de sobreuso)].

Características da dor
Número articulações envolvidas:
• monoarticular (habitualmente grande articulação) - infecções bacterianas (artrite séptica, os-
teomielite), trauma, osteocondrite, AIJ oligoarticular, artrite reactiva; doença maligna, sinovite
vilonodular (diagnóstico depende do tempo de evolução e manifestações clínicas associadas);
• envolvimento de mais de 1 articulação - AIJ (oligoarticular com 1 a 4 articulações ou poliarticular
com 5 ou mais articulações envolvidas), LESJ e outras doenças do tecido conjuntivo, espondiloar-
tropatias, artrite reactiva, artrite pós-infecciosa, artrite viral; febre reumática; borreliose (diagnós-
tico depende do tempo de evolução e manifestações clínicas associadas).

Intensidade da dor: avaliar a interferência com actividades diárias, a incapacidade de carga, a


necessidade e resposta à analgesia.
Cronologia da dor:
•p  ersistente ou intermitente;
• diurna ou nocturna (as dores de crescimento podem ser localizadas às articulações e são por
definição vespertinas ou nocturnas mas de manhã estão assintomáticos; nas neoplasias a dor é
nocturna intensa e mantém-se durante o dia; as lombalgias inflamatórias provocam despertar
Artralgia

nocturno na segunda metade da noite);


• a guda ou crónica (duração superior a 6 semanas);
97
• ritmo inflamatório - agravamento matinal com rigidez (mais de 30 minutos) e melhoria com
actividade ao longo do dia; ritmo mecânico - agravamento durante o dia com o uso articular e
melhoria com repouso.
Pediatria Geral

Envolvimento articular: migratório (PHS, LESJ, leucemia ou linfoma, febre reumática) ou aditivo
(AIJ, espondiloartropatias, LESJ).

Factores desencadeantes: traumatismo; actividade física (sobreuso); imunizações (rubéola, hepa-


tite B); infecções prévias (GEA, amigdalite); história epidemiológica [consumo queijo fresco, con-
tacto com animais, viagens (vírus Chikungunya no Brasil e Angola; Borrelia no Alentejo, Algarve,
EUA e montanhas Europa Central)].

Manifestações extra-articulares
Sintomas constitucionais: febre (se concomitante considerar infecção bacteriana sobretudo se
monoarticular; doenças do tecido conjuntivo como LESJ, vasculites sistémicas, febre reumática,
AIJs; neoplasias); a anteceder em dias ou semanas considerar sinovite transitória ou artrite reacti-
va); astenia, anorexia, emagrecimento (doença neoplásica, doença reumatológica sistémica, DII).
Muco-cutâneas: exantema, enantema, aftas, nódulos cutâneos (DII, doença reumatológica -
doenças do tecido conjuntivo, síndromes auto-inflamatórias); fenómeno de Raynaud (doenças
do tecido conjuntivo, vasculites); livedo reticular (LESJ, síndromes anti-fosfolípidos, vasculites);
úlceras genitais; psoríase.
Oculares: uveíte; xeroftalmia; conjuntivite; queratite.
Gastrointestinais: dor abdominal, diarreia (DII, artrites reactivas, PHS ou outra vasculite sistémica).
Neurológicas: parestesias, cefaleias, diminuição da força.

Exame objectivo
Avaliação do sistema músculo-esquelético: inspecção (tumefação, rubor, posição antálgica), pal-
pação (calor, induração; palpação articular e óssea), mobilidade articular (passiva e activa, limita-
ção, amplitude, simetria - pGALS1), tónus muscular, atrofia.
Restante exame completo: adenomegálias, organomegálias, alterações muco-cutâneas e faneras,
observação cardio-vascular (HTA, alterações pulsos periféricos, pericardite), alterações oculares,
exame neurológico (ver Capítulo 25. Doença Reumatológica).
Na hipermobilidade articular considerar síndrome de hipermobilidade benigna e síndromes de
hiperlaxidão patológicos (Marfan, Ehlers-Danlos). A hipermobilidade articular é causa frequente
de artralgias. Na ausência de dor à palpação ou de limitação funcional, pensar em dor referida.

Exames complementares de diagnóstico (Tabela 31)


Sinais de alarme
Sintomas sistémicos (febre, emagrecimento), ritmo inflamatório, dor persistente, de predomínio
nocturno e desproporcional aos achados clínicos, aumento da VS e/ou da proteína C reactiva,
alterações no leucograma.
Artralgia

Diagnóstico diferencial
O extenso diagnóstico diferencial de artralgia inclui patologias benignas e auto-limitadas e doenças 98
sistémicas graves, que podem comprometer a função ou a vida (Tabela 32). A etiologia pode ser
pouco óbvia e o diagnóstico precoce depende muitas vezes do elevado grau de suspeição (ver
Capítulo 25. Doença Reumatológica).

1 F oster HE, Jandial S. pGALS – paediatric Gait Arms Legs and Spine: a simple examination of the musculoskeletal system. Pediatric Rheumatology
2013;11:44
Pediatria Geral

Tabela 31: Exames complementares de diagnóstico na abordagem da artralgia


1ª Linha
Hemograma (com eventual Leucocitose/trombocitose – infecção/inflamação (LESJ, AIJ sistémica,
morfologia sangue periférico) infecções bacterianas ou virais, vasculite)
Citopénias – LESJ, doença maligna (hemogramas seriados)

Proteína C reactiva, VS Marcadores inespecíficos de inflamação

AST, ALT, creatinina, ureia Doença/repercussão sistémica

LDH ↑↑ na doença maligna, ↑ miosite, doença hepática ou anemia


Laboratório hemolítica

CK ↑ na miosite

Exame sumário de urina Pode estar alterado no LESJ, PHS e outras vasculites sistémicas; uretrite
(artrite reactiva)

Aspiração de líquido sinovial Na suspeita de artrite séptica ou por micobactérias; ponderar também
na monoartrite com mais de 4-6 semanas de evolução, com ANA
negativo e sem uveíte

Radiografia Fracturas, osteocondroses, tumor ósseo, osteocondrite dissecante;


Imagiologia osteopénia periarticular; erosões (artrite inflamatória)

Ecografia articular Na artrite monoarticular febril ou patologia da anca


2ª Linha – caso a caso, de acordo com suspeita clínica
Hemocultura, cultura do exsudado faríngeo, coprocultura, TASO,
DNAse
Pesquisa por serologia, PCR ou culturas adequadas aos agentes
Laboratório Artralgia aguda
(parvovírus B19, EBV, CMV, adenovírus, enterovírus, VHB, Borrelia
burgdorferi, Brucella, Salmonella, Shigella, Campylobacter, Yersinia
enterocolitica, Chlamydia trachomatis, Bartonella spp)

ANA, factor reumatóide (se suspeita AIJ), HLA-B27 (se suspeita


espondiloartropatia), proteinograma, ANCA (se suspeita de DII ou
Artralgia crónica
vasculite sistémica); complemento, Ac anti-dsDNA e anti-ENA (se
suspeita de LESJ)

TC articular, RM; ponderar cintigrafia óssea (se suspeita de tumor ou osteomielite não detectados por
Imagiologia
outro exame de imagem ou de síndrome de dor regional complexa)

Outros Exame oftalmológico, ecocardiograma, mielograma, biópsia óssea

Tabela 32: Etiologia inflamatória e não inflamatória na artralgia


Não inflamatória Inflamatória
Dores de crescimento Infecção (artrite séptica, osteomielite, artrite viral,
tuberculose)

Síndrome de hipermobilidade articular benigna Doença reumatológica


(AIJ, LESJ e outras doenças do tecido conjuntivo, PHS, DK,
Artralgia

artrite reactiva, síndromes auto-inflamatórias)

Osteocondrites Sinovite transitória

Doença hematológica (hemofilia, drepanocitose, talassémia) Eritema nodoso


99
Síndrome de sobreuso DII

Doença maligna (leucemia, linfoma, tumor ósseo)

Traumatismo
Pediatria Geral

Tratamento e prognóstico
O tratamento e o prognóstico da artralgia depende do dignóstico definitivo. Numa fase inicial o
repouso da articulação, o gelo local e os AINE poderão ser benéficos e deverão ser individualizados.
A referenciação a outras consultas, nomeadamente de Reumatologia, Ortopedia e MFR deverá ser
ponderada.

Artralgia

100
Pediatria Geral

19. Eritema nodoso


Ana Teresa Maria, Helena Pedroso

Introdução
O eritema nodoso é uma paniculite septal, caracterizada pelo aparecimento agudo de nódulos
subcutâneos eritematosos, dolorosos e quentes, de bordos mal definidos, ocasionalmente com
prurido e de distribuição simétrica. Envolve preferencialmente a região pré-tibial, podendo ter
outra localização (coxas, superfícies extensoras dos antebraços).
Tem uma prevalência de 5 a 24:100 mil habitantes, um pico de incidência entre a 2ª e 4ª décadas
da vida e predomínio no sexo feminino (4:1) na idade adulta. A maioria dos casos ocorre na Pri-
mavera e final do Inverno.
O eritema nodoso é um processo cutâneo reactivo, resultante de reacção de hipersensibilidade
(tipo III ou IV) a estímulo infeccioso ou não infeccioso; pode ocorrer em doenças sistémicas de
etiologia desconhecida como doença de Behçet, doença inflamatória intestinal (DII) ou sarcoidose
e pode preceder em meses ou anos as outras manifestações destas doenças.

Etiologia
Infecções
 actérias: Streptococcus ß-hemolítico do grupo A (causa mais frequente em idade pediátrica – 28
B
a 48%), tuberculose, micobactérias atípicas, Bartonella henselae (doença da arranhadela do gato),
Yersínia enterocolitica, Salmonela spp, Shigella spp, Campylobacter spp, Mycoplasma pneumo-
niae, Chlamydia trachomatis, Chlamydophila pneumoniae, sífilis, brucelose, rickettsioses, leptospi-
rose, doença de Whipple, psitacose, tularémia.
Vírus: EBV, CMV, VHS, VHB e VHC, parvovírus B19, vírus da parotidite epidémica.
Parasitas: amibíase, giardíase, toxoplasmose.
Fungos: coccidioidomicose, histoplasmose, blastomicose, dermatofitose.

Fármacos
Antibióticos (cefalosporinas, penicilina, amoxicilina, macrólidos, trimetoprim, sulfonamidas), anti-
conceptivos orais contendo estrogénios (maior risco com doses hormonais mais altas), AINE, para-
cetamol, omeprazol, isotretinoína, vacina anti-VHB.

Doenças crónicas
DII, doença celíaca, sarcoidose, doença de Behçet, LESJ.

Doenças neoplásicas
Eritema nodoso

Leucemia, linfoma.

Gravidez
101
Idiopática (30-50%)
Pediatria Geral

Abordagem diagnóstica
O diagnóstico é clínico. Os nódulos de 1 a 5 cm de maior diâmetro, que podem confluir em placas,
aumentam tipicamente nos primeiros dias, permanecem estáveis durante 1 a 2 semanas e resol-
vem entre 2 a 8 semanas, sem ulceração, supuração, cicatriz ou atrofia cutânea.
O aspecto eritematoso inicial evolui progressivamente para uma coloração purpúrica ou amare-
lo-esverdeada na fase de resolução, podendo persistir hiperpigmentação residual durante meses.
Nas primeiras semanas de doença podem surgir novas lesões e podem estar presentes outros sin-
tomas como febre (38-39ºC), mialgias e poliartralgias (50 a 90%) com ou sem artrite.
Os exames complementares devem ser criteriosamente solicitados, de acordo com anamnese e exa-
me objectivo e tendo em conta a identificação de doença subjacente e/ou diagnóstico diferencial.

Exames complementares de diagnóstico


Hemograma, esfregaço de sangue periférico, VS, proteína C reactiva, AST, ALT, fosfatase alcalina, LDH.
Exame microbiológico do exsudado faríngeo e/ou pesquisa do Ag Streptococcus ß-hemolítico do
grupo A; doseamento de TASO e de anti-DNase B (com repetição 2 a 4 semanas depois).
Radiografia do tórax.
Prova da tuberculina (numa segunda fase ponderar IGRA).
Considerar consoante a clínica: coprocultura, hemocultura, serologias, investigação de DII, de
doença celíaca e LESJ, teste gravidez, teste de patergia.
Considerar biópsia cutânea se: localização atípica dos nódulos, sem envolvimento da região pre-
tibial; atingimento unilateral; ulceração das lesões ou evolução para cicatriz ou atrofia cutânea;
persistência para além das 8 semanas; recorrência.

Diagnóstico diferencial
Erisipela, celulite infecciosa, hipersensibilidade a picada de insecto, granuloma anular subcutâ-
neo, vasculite nodular (eritema induratum de Bazin), paniculite nodular recidivante febril de We-
ber-Christian, tromboflebite superficial, paniculite lúpica, vasculite nodular da doença de Behçet,
paniculite da dermatomiosite, poliartrite nodosa cutânea, paniculite do défice de α1-antitripsina,
urticária aguda, púrpura de Henoch-Schönlein.

Terapêutica e prognóstico
O tratamento é sintomático, com medidas gerais, repouso, elevação dos membros inferiores, anal-
gesia e/ou AINE. Tratamento da doença de base. Não utilizar corticóides se etiologia desconhecida.
A maioria dos casos de eritema nodoso é auto-limitada (até 8 semanas) e sem complicações, mas
Eritema nodoso

deve ser considerada como uma manifestação de situação subjacente a investigar. A recorrência
justifica o alargamento da investigação etiológica.

102
Pediatria Geral

20. Fenómeno de Raynaud


Carolina Vasconcelos Guimarães, Rita Calado

Introdução
O fenómeno de Raynaud é uma entidade rara em pediatria, mais comum no sexo feminino, com
início entre os 12 a 15 anos, resultante da vasoconstrição exagerada das artérias digitais e arterío-
las cutâneas em resposta à exposição ao frio ou stress emocional.
Manifesta-se clinicamente por episódios de alteração da coloração da pele, com duração de minu-
tos a horas, podendo atingir os dedos das mãos, dos pés, pavilhões auriculares, nariz ou lábios. A
área atingida sofre habitualmente variação trifásica da coloração: inicialmente palidez (isquémia),
depois cianose (desoxigenação) e posteriormente eritema (rubor da reperfusão). Geralmente inicia-
-se num dedo da mão (2º, 3º ou 4º dedos), distribuindo-se pelos restantes de forma simétrica em
ambas as mãos. O envolvimento do 1º dedo é mais raro. A simetria do envolvimento e a presença
das 3 fases de coloração nem sempre se verificam. A dor, a tumefacção articular, as parestesias ou
as lesões cutâneas podem coexistir com as alterações da coloração.

Etiologia
Classifica-se como primário ou idiopático (doença de Raynaud) ou como secundário quando é
manifestação de uma doença ou condição subjacente (Tabela 33).

Tabela 33: Fenómeno de Raynaud secundário


Doença do tecido LESJ, AIJ, esclerodermia juvenil sistémica, síndrome de Sjögren, dermatomiosite juvenil,
conjuntivo poliarterite nodosa, síndrome dos anticorpos anti-fosfolípidos

Doença oclusiva arterial Aterosclerose, tromboangeíte obliterante, oclusão arterial aguda

AVC, discopatia, seringomielia, tumores da espinal medula, síndrome do canal cárpico,


Doença neurológica
poliomielite

Doença hematológica Crioaglutininas, policitémia vera, crioglobulinémia, síndromes mieloproliferativas

Doença infecciosa Helicobacter pylori, parvovírus B19

Neoplasias (pulmão, leucemia, feocromocitoma), hipotiroidismo


Causas físicas: vibração, traumatismo repetido, choque eléctrico
Outras Fármacos (anticonceptivos orais, ergotamina, ciclosporina, cisplatina, interferão-α,
simpaticomiméticos, β-bloqueantes)
Tóxicos: cocaína, nicotina.
Fenómeno de Raynaud

Abordagem diagnóstica
O diagnóstico é essencialmente clínico, apoiado pelos exames complementares, com destaque
para a capilaroscopia e estudo da auto-imunidade.
O fenómeno de Raynaud pode ser, durante anos, a primeira e única manifestação de uma doença 103
potencialmente grave, pelo que a investigação e seguimento destes doentes deverá ser feita em
consulta especializada (Reumatologia Pediátrica).
Pediatria Geral

Anamnese
Antecedentes pessoais (doenças, fármacos, hábitos tabágicos, traumatismos repetidos, stress) e fa-
miliares (doença reumatológica), identificar na manifestações de doença reumatológica subjacente
(ver Capítulo 25. Doença Reumatológica)). Caracterizar os episódios: desencadeantes, frequência,
duração, sintomas associados.

Exame objectivo
No fenómeno de Raynaud primário o exame é habitualmente normal; deve ser avaliado o estado
geral, sinais de possível doença subjacente e efectuada avaliação cuidadosa das extremidades e
pulsos periféricos (Tabela 34).

Exames complementares de diagnóstico


Estudo analítico: hemograma, VS, função renal, hepática e tiroideia, auto-anticorpos (ANAs, fac-
tor reumatóide, anticorpo anti-centrómero, anticorpo anti-topoisomerase - anti Scl-70), comple-
mento (C3 e C4), proteínas C e S, antitrombina III, exame sumário de urina.
Outros exames: capilaroscopia, radiografia de tórax, ecocardiograma transtorácico.
É essencial diferenciar o fenómeno de Raynaud primário do secundário. Alguns dados da história,
exame objectivo e exames complementares fornecem indícios importantes nesse sentido (Tabela 34).

Tabela 34: Características do fenómeno de Raynaud primário e secundário


Fenómeno de Raynaud Fenómeno de Raynaud
primário secundário
episódios simétricos bilaterais,
Distribuição das lesões episódios assimétricos, atípicos
início súbito

Factores precipitantes frio, stress traumatismos repetidos, vibração, fármacos

Sinais e sintomas de doença subjacente ausente presente

alterados (assimétricos, dificilmente palpáveis


Pulsos periféricos normais
ou ausentes)

necrose, gangrena, úlceras digitais, alterações


Alterações das extremidades ausentes
tróficas da pele

Doença vascular periférica sem evidência evidência de isquémia

Capilaroscopia normal alterada (deformação e ruptura dos capilares)

Auto-anticorpos negativos positivos


Fenómeno de Raynaud

VS normal aumentada

104
Pediatria Geral

Diagnóstico diferencial
Perniose: situação benigna, auto-limitada, vulgarmente denominada como “frieiras”. Resulta de
uma resposta inflamatória anormal ao frio. Observam-se nódulos vermelho ou violeta que por vezes
ulceram e se distribuem simetricamente nos dedos das mãos e pés, e, menos frequentemente, nos
tornozelos, nariz e orelhas. Estas lesões, habitualmente, provocam dor, ardor e prurido.
Acrocianose: traduz-se por cianose periférica contínua que agrava com temperaturas baixas ou
stress emocional, atingindo as mãos e os pés. É uma entidade benigna e idiopática.
Livedo reticular: coloração persistente das extremidades em rede, azulada ou arroxeada. Pode ser
benigno ou associado a vasculite, LESJ ou síndrome de anticorpos anti-fosfolípidos.

Orientação e terapêutica
O tratamento do fenómeno de Raynaud primário baseia-se em medidas de suporte, visando me-
lhorar a qualidade de vida e prevenir a isquémia tecidual. A educação do doente é fundamental,
passando pela alteração do estilo de vida: evitando o stress emocional, a exposição ao frio (pro-
tecção com roupa quente, cachecol, luvas e gorro, massagem das mãos, aquecimento em água
morna ou na região axilar) e outros factores potencialmente desencadeantes (traumatismos de
repetição, vibração, tabagismo, fármacos como anticonceptivos orais e β-bloqueantes).
A dor pode ser controlada recorrendo a fármacos analgésicos. Nos casos mais graves ou quando
as medidas gerais não são eficazes, o controlo dos sintomas requer o uso de fármacos vasodilata-
dores, na forma sistémica ou tópica. Os fármacos de primeira linha são os antagonistas dos canais
de cálcio (nifedipina).
A intervenção cirúrgica (simpatectomia digital) pode estar indicada nas situações extremas. Na
presença de causa secundária deve iniciar-se terapêutica dirigida.
Os doentes com fenómeno de Raynaud devem ser orientados para consulta especializada.

Prognóstico
O fenómeno de Raynaud primário é geralmente uma situação benigna esperando-se boa evolu-
ção. Nos casos de fenómeno de Raynaud secundário a morbilidade é maior e depende estreita-
mente do prognóstico da doença a que está associado.
Fenómeno de Raynaud

105
Pediatria Geral

21. Aftose oral recorrente


Marta Conde

Introdução
A aftose oral recorrente é na maioria dos casos benigna, no entanto pode, quando complexa e/ou
major, causar impacto na qualidade de vida pela dor e interferência na alimentação e na fala. Por
outro lado, pode ser manifestação de doenças sistémicas de maior ou menor gravidade.

Etiologia
A fisiopatologia da aftose oral recorrente idiopática ainda não é bem conhecida, no entanto, o
processo inflamatório parece ser mediado por linfócitos T e pela produção de TNFα.
São factores de risco ou predisponentes a história familiar de aftose oral recorrente (mais de 30
a 40% tem um familiar em primeiro grau com aftose oral recorrente), a deficiência em ferro e
vitaminas, o traumatismo oral, o stress, as alterações hormonais e o tabagismo (adolescentes).
A aftose oral recorrente pode ser manifestação de várias doenças sistémicas (Tabela 35), nomea-
damente a doença de Behçet. A aftose oral recorrente é a sua manifestação mais frequente (99 a
100% dos doentes) e a manifestação inicial em cerca de 60-80% dos casos pediátricos, podendo
preceder o diagnóstico de doença de Behçet em muitos anos (Tabela 36). Pode ainda ser causada
por agentes infecciosos como o VHS ou fármacos.

Classificação
Morfológica
Simples (75 a 85%): 1 ou poucas úlceras orais; menores que 1 cm; cura até 7 dias, sem cicatriz.
Major (10 a 15%): 1 a poucas úlceras; profundas e maiores que 1 cm diâmetro; cura em mais de
2 semanas; muitas vezes com cicatriz.
Herpetiforme (5 a 10%): 10 a centenas de pequenas úlceras com 1 a 3 mm; cura em dias a se-
manas; por vezes com cicatriz.

De acordo com a gravidade


Aftose simples: crises recorrentes de aftas de qualquer morfologia com períodos intercrise bem
definidos, sem aftas.
Aftose complexa: presença quase constante de 3 ou mais aftas ou aftose oral recorrente associada
a úlceras genitais recorrentes.
Aftose oral recorrente

106
Pediatria Geral

Tabela 35: Factores predisponentes, etiológicos e doenças associadas a aftose oral


recorrente
Locais Trauma
Tabagismo
Desregulação da composição da saliva

Nutricionais Deficiência ferro, ácido fólico, zinco, vitamina B1, B2, B6, e B12

Infecciosos Bactéria: Streptococcus spp


Vírus: VHS, varicela-zoster, CMV, enterovírus, VIH

Genéticos História familiar aftose oral recorrente; etnia


HLA A2, A11 e B12,
HLA-B5, HLA-B44, HLA-B51, HLA-B52, HLA-DR2, HLA-DR7

Doenças auto-imunes, síndromes auto- Doença de Behçet


inflamatórias, imunodeficiências primárias DII
Doença celíaca
PFAPA
MAGIC (Mouth and genital ulcers with inflamed cartilage)
Síndrome Reiter
Síndrome Hiper IgD
Penfigus
Neutropénia cíclica

Alérgicos ou imunológicos Citotoxicidade local Linfócito T


Desregulação níveis citoquinas (TNFα)
Sensibilidade a determinados alimentos

Fármacos AINE
β-bloqueantes
Imunossupressores

Outros Stress; hormonal (ciclo menstrual)

Abordagem diagnóstica
Anamnese
História familiar de doença de Behçet ou outras causas de aftose oral recorrente (DII, doença celía-
ca, LESJ); origem geográfica (doença de Behçet mais frequente no Médio Oriente e Rota da Seda);
caracterização da aftose: frequência, morfologia, cicatrizes; possíveis factores precipitantes: trauma
local, alimentos; repercussão da aftose na evolução estaturo-ponderal, na alimentação, na fala;
caracterização da presença ou não de úlceras genitais; revisão de orgãos e sistemas de forma a
Aftose oral recorrente

identificar manifestações de doença reumatológica subjacente (ver Capítulo 25. Doença Reumato-
lógica); factores de risco para causas secundárias de aftose oral recorrente (deficiências nutricionais,
VIH, imunossupressores, imunodeficiências) (Tabela 35).

107
Pediatria Geral

Tabela 36: Critérios de diagnóstico de doença de Behçet


ISG criteria – 1990 ICBD criteria – 2013
International Study Group for Behçet's Disease The International Criteria for Behcet’s Disease
Sensibilidade 70-81% Sensibilidade 92-94%
Especificidade 92-96% Especificidade 89-92% score

Critério obrigatório Diagnóstico se score ≥ 4


≥ 3 episódios de úlceras orais num período de 12 ≥ 3 episódios de úlceras orais num período de 12 meses 2
meses observado por médico ou relatado por doente observado por médico ou relatado por doente
Mais 2 dos seguintes:
• Úlceras genitais recorrentes que curam com cicatriz Úlceras genitais recorrentes que curam com cicatriz 2
•D
 oença oftalmológica: uveíte anterior ou posterior Doença oftalmológica: uveíte anterior ou posterior ou 2
ou vasculite retiniana vasculite retiniana
• Pele: eritema nodoso like, pseudo-foliculite Pele: eritema nodoso like, pseudo-foliculite 1
• Teste patergia positivo: formação de pápula Manifestações vasculares: flebite superficial; trombose 1
ou pústula estéril ≥ 2 mm 48 horas após a sua venosa profunda, trombose grande veia, trombose arterial
realização ou aneurisma arterial
Na ausência de outra patologia que explique os Neurológico (SNC ou periférico) 1
sintomas
Teste patergia positivo: formação de pápula eritematosa 1
estéril ≥ 2 mm 48 horas após a sua realização (quando
realizado)
Na ausência de outra patologia que explique os sintomas

Exame objectivo
Caracterização das úlceras orais (dimensão, número, distribuição, cicatrizes), observação dos geni-
tais (úlceras genitais/cicatriz); para além do exame objectivo completo procurar outras manifesta-
ções de doença sistémica (ver Capítulo 25. Doença Reumatológica).

Exames complementares de diagnóstico


Devem ser criteriosamente solicitados, tendo em conta a identificação de uma possível doença
subjacente.

Aftose oral recorrente simples (quanto à gravidade e à morfologia)


Se a anamnese e o exame objectivo forem inocentes, não necessita de investigação com exames
complementares de diagnóstico complexos, devendo manter-se a vigilância clínica da sua evolução
ou do aparecimento de outras manifestações associadas. Poderá ser útil a realização de um calen-
dário alimentar e de eventos, para a detecção de possíveis factores desencadeantes.
Aftose oral recorrente

Aftose oral recorrente simples com crises frequentes e aftose major


e/ou complexa
Exames de primeira linha
Hemograma e leucograma completos; VS, proteína C reactiva, cinética do ferro, ácido fólico e
vitamina B12; pesquisa de PCR para VHS na úlcera oral; anticorpo anti-transglutaminase IgA; po- 108
pulações linfocitárias e imunoglobulinas.
HLA-B51 (em Portugal: presente em 40 a 60% na doença de Behçet versus 23 a 28% na popu-
lação geral).
Teste de patergia (no antebraço, 2 ou 3 picadas, 3 mm de profundidade com agulha 22-24 gauge
estéril, bisel para cima, com ângulo a 30º).
Pediatria Geral

Exames de segunda linha


Caso a caso, de acordo com suspeita clínica.
Suspeita de LESJ e/ou síndrome de Sjögren: ANA, anticorpo anti-dsDNA, anticorpo anti-Sm, anti-
-SSA e anti-SSB, C3, C4, Coombs directo, exame sumário de urina com sedimento, proteinúria 12
horas noite ou 24 horas; função renal; consulta de Reumatologia Pediátrica.
Suspeita de DII: calprotectina fecal, ASCA, ANCAs; consulta de Gastroenterologia Pediátrica.
Ponderar serologia para VIH.
Considerar biópsia da lesão oral, sobretudo se crónica (para excluir penfigus, lichen planus oral) ou
das glândulas salivares minor (se suspeita de síndrome de Sjögren).
Se a investigação da aftose oral recorrente major e/ou complexa foi negativa o diagnóstico final é
de aftose complexa primária idiopática.

Orientação e terapêutica
A terapêutica da aftose oral recorrente tem como objectivo controlar a dor, diminuir a duração dos
episódios e reduzir a sua frequência. Deve ser individualizado, dependendo da sua gravidade, fre-
quência, repercussão na fala e alimentação. Se a investigação permitiu um diagnóstico de doença
sistémica, a aftose denomina-se de aftose complexa secundária e deve ser orientada de acordo
com diagnóstico de doença de base.

Aftose oral recorrente simples idiopática


Cuidados gerais: boa higiene oral e saúde Periodontal; bochecho com elixir de clorhexidina à noite
antes de deitar (5 minutos); evicção de eventuais desencadeantes (traumatismo, alimentos como
frutos secos, picantes ou ácidos).
No episódio de aftose: terapêuticas tópicas com sucralfato (3 a 4 vezes ao dia); ácido hialurónico
nas lesões, ou outros filmes oclusivos; lidocaína a 2% em gel (antes das refeições). Em pediatria
não há estudos que sustentem estas terapêuticas.

Aftose major ou complexa (para além dos referidos para aftose oral recorrente simples)
No início da crise: corticóides tópicos na lesão (hexacetonido triamcinolona, betametasona diluí-
da). Ter em atenção que o uso continuado de corticóides tópicos na mucosa oral pode aumentar
o risco de candidíase oral.
Nos casos mais graves: curso curto de corticóide sistémico (prednisolona 0,5 mg/kg, 3 a 5 dias).
Para diminuir frequência das crises: colchicina (0,5 mg em menores de 6 anos; 1 mg em maiores
de 6 anos) com atenção aos efeitos secundários possíveis (gastrointestinais, hematológicos; terato-
Aftose oral recorrente

génico); outros imunossupressores e talidomida em consulta de especialidade).


Todas as crianças e adolescentes com aftose complexa idiopática devem ter seguimento prolonga-
do, de forma a monitorizar uma possível evolução para doença de Behçet (que pode ocorrer anos
após o início das manifestações) ou outra doença sistémica.
109
Pediatria Geral

Prognóstico
A aftose oral recorrente é na maioria dos casos idiopática, simples e benigna. Alguns doentes têm
uma aftose complexa e estes podem evoluir para doença de Behçet (cerca de 10% na Europa
Ocidental e América do Norte; se originários do Médio Oriente e ao longo da Rota da Seda a
probabilidade é maior, cerca de 50%). No entanto, a grande maioria tem uma boa evolução, com
boa resposta à terapêutica e excelente prognóstico. É impossível prever quais doentes com aftose
oral recorrente vão evoluir para doença de Behçet, mas alguns estudos apontam para que quanto
maior a gravidade e a frequência dos episódios da aftose oral recorrente maior a possibilidade de
desenvolver uma doença de Behçet.

Aftose oral recorrente

110
111
Quando suspeitar de

22. Maus tratos em crianças e jovens


Carolina Vasconcelos Guimarães, Clarisse Jacinto

Introdução
Os maus tratos constituem um problema social complexo com consequências a nível da saúde fí-
sica e emocional da criança ou jovem. Podem causar sequelas físicas, cognitivas, afectivas e sociais
irreversíveis, a médio e longo prazo e até causar a morte.
Os profissionais de saúde têm um papel importante na detecção precoce dos maus tratos, na
sua orientação e essencialmente na prevenção. O contexto da consulta é um local de observação
privilegiado.

Definições
Maus tratos
“Qualquer acção ou omissão não acidental, perpetrada pelos pais, cuidadores ou outrém, que
ameace a segurança, dignidade e desenvolvimento biopsicossocial e afectivo da vítima.” Os
maus-tratos constituem um crime público, pelo que o procedimento criminal não depende da
apresentação de queixa por parte da vítima ou de quem detenha as responsabilidades parentais
da mesma.1

Os maus tratos a crianças e jovens englobam as seguintes situações:


Negligência - incapacidade de proporcionar à criança a satisfação das necessidades básicas (higie-
ne, alimentação, afecto, educação e saúde).
Mau trato físico - acção não acidental, isolada ou repetida que provoca (ou pode provocar) dano
físico.
Mau trato psicológico - privação de um ambiente de segurança e de bem-estar afectivo indispen-
sável ao crescimento, desenvolvimento e comportamento equilibrados.
Abuso sexual - envolvimento da criança ou adolescente em actividades cuja finalidade visa a
satisfação sexual de um adulto ou outra pessoa mais velha.
Síndrome de Munchausen por procuração - atribuição à criança, por parte do cuidador, de sinais e
sintomas vários com o intuito de convencer o profissional de saúde da existência de uma doença,
na tentativa de gerar procedimentos de diagnóstico, terapêutica e hospitalizações frequentes.
Maus tratos em crianças e jovens

Factores de risco
Os factores de risco aumentam a probabilidade da ocorrência ou manutenção de situações de
maus tratos (Tabela 37).

112

1 art.º 152º - A, art.º 152º - B e art.º 178º do Código Penal e art.º 70º da Lei 147/99 de 1 de Setembro.
Quando suspeitar de

Tabela 37: Factores de risco


Factores de risco da criança / jovem Factores de risco familiares / contextos
Nascimento prematuro/baixo peso Cuidadores vítimas de maus tratos
Perturbação do comportamento Disfunção familiar
Filho não desejado Défice de competências parentais
Défice físico ou psíquico Ausência prolongada de um dos cuidadores
Doença crónica Perturbações emocionais, mentais ou físicas
Disciplina rígida, autoritária ou inconsistente
Ausência de suporte sócio-familiar
Comportamentos aditivos
Insegurança económica /pobreza

Existem ainda factores de agravamento que podem precipitar uma situação de maus tratos:
luto, doença súbita, migração, desemprego, divórcio, detenção, alteração económica e
institucionalização.
Na presença de factores de risco e agravamento o clínico deve actuar na prevenção dos maus
tratos e na colaboração do desenvolvimento das competências parentais.

Abordagem diagnóstica
A abordagem de uma possível situação de maus tratos inclui uma análise detalhada da anamnese
e um exame físico pormenorizado (Tabela 38).
Dado o impacto familiar e social que esta situação implica é essencial que se trate de um diag-
nóstico fundamentado e que se excluam as possíveis causas orgânicas que possam mimetizar as
lesões intencionais.

Anamnese
Entrevistar a criança sozinha, na presença de outro profissional de saúde (quando os pais não o
permitem estamos perante um sinal de alerta); formular perguntas abertas e prosseguir depois para
questões mais específicas; antecedentes pessoais - seguimento da criança: regularidade das consul-
tas programadas, cumprimento das orientações recomendadas, avaliar visitas prévias à consulta ou
serviço de urgência por acidentes, traumatismos ou outros sintomas potencialmente relacionados
com maus tratos.
Suspeitar de maus tratos se história inconsistente com as lesões apresentadas, vaga e pouco deta-
Maus tratos em crianças e jovens

lhada, incompatível com a fase de desenvolvimento da criança, diferentes versões fornecidas pela
mesma ou várias pessoas.

Exame objectivo
Verificar se existem sinais de negligência ou lesões características; podem existir lesões ocultas (frac-
turas ósseas, lesões abdominais ou cerebrais).
113
Orientação
Deve ser garantida a privacidade, bem como tranquilizar e transmitir confiança à criança ou jovem.
Descrever pormenorizadamente no relatório clínico todas as alterações encontradas ao exame
físico e se possível fotografar (com autorização).
Raramente é possível concluir seguramente numa fase inicial se as lesões são devidas a maus tra-
Quando suspeitar de

tos, pelo que é fundamental evitar uma postura acusatória com a família e explicar a necessidade
de mais avaliação.
Uma situação de urgência “constitui uma situação de perigo actual ou iminente para a vida
ou integridade física da criança ou do jovem” e implica realização de Procedimento de
Urgência (artigo 91º da lei 147/99) se a intervenção não for aceite pelos cuidadores.
Nas situações suspeitas ou confirmadas de maus tratos mas que não constituem uma situação
de urgência deve ser promovida a continuidade da intervenção a nível dos cuidados de saúde
primários, com sinalização aos Núcleos de Apoio a Crianças e Jovens em Risco (da comunidade ou
hospitalar), através da ficha de sinalização2.

Tabela 38: Indicadores, sinais e sintomas de maus tratos


Negligência Maus tratos físicos
Incumprimento do calendário de consultas programadas Equimoses, hematomas, escoriações, queimaduras, cortes
e/ou do PNV em locais incomuns

Perturbações do desenvolvimento psico-motor que não Lesões provocadas que deixam marca (fivela, dentes, corda,
estejam a ser acompanhadas mãos, chicote, régua)

Fracturas (costelas, corpos vertebrais, fémur antes da


Doença crónica sem cuidados adequados
marcha, múltiplas, diferentes estadios de consolidação)

Carência de higiene, vestuário desadequado, inexistência TCE em crianças menor de 1 ano, sem explicação
de rotinas consistente

Hematomas ou outras lesões inexplicadas, acidentes por


Demora na procura de cuidados médicos
falta de supervisão, intoxicações de repetição
Maus tratos psicológicos Abuso sexual
Episódios de urgência repetidos por cefaleias, dores Lesões externas nos órgãos genitais (eritema, edema,
musculares e abdominais sem causa orgânica aparente laceração do hímen, fissuras, erosão, infecção)

Alterações do controlo dos esfíncteres (enurese, encoprese) Presença de esperma no corpo da criança/jovem

Comportamentos agressivos (autoagressividade e/ou Laxidão anormal do esfíncter anal ou do hímen, fissuras
heteroagressividade) e/ou auto-mutilação anais

Excessiva ansiedade ou dificuldade nas relações afectivas Prurido, dor ou edema na região vaginal ou anal, leucorreia
interpessoais persistente ou recorrente

Comportamento ou ideação suicida Infecções sexualmente transmissíveis

Perturbações do comportamento alimentar Gravidez


Maus tratos em crianças e jovens

Choro incontrolável no primeiro ano de vida

114

2 D
 isponível para download em www.dgs.pt/accao-de-saude-para-criancas-e-jovens-em-risco/maus-tratos-em-criancas-e-jovens/formularios-de-traba-
lho-para-profissionais-de-saude/formulario-2.aspx.
Quando suspeitar de

23. Imunodeficiência primária


Isabel Esteves, José Gonçalo Marques

Introdução
As imunodeficiências primárias (IDP) são motivadas por defeitos congénitos do sistema imunitário
e manifestam-se pelo aumento da susceptibilidade às infecções e/ou manifestações de desregula-
ção imunológica (auto-imunidade, neoplasias, auto-inflamação). Os sinais de alerta podem assim
ser de natureza infecciosa e não infecciosa (Tabela 39).
Cada uma das IDP é uma doença rara, mas no seu conjunto têm uma incidência global de 1:10.000
indivíduos (excluindo o défice selectivo de IgA, com incidência de 1:400-1.000). Apesar do natural
predomínio na idade pediátrica, algumas IDP podem manifestar-se apenas na adolescência ou
idade adulta.
O diagnóstico precoce é decisivo no prognóstico quanto à vida e à qualidade de vida. É boa regra
considerar a possibilidade de imunodeficiência perante qualquer quadro infeccioso que se compor-
te de forma inabitual ou por agentes raros, sobretudo se há história familiar ou consanguinidade.
Contudo, antes da decisão de investigar uma possível IDP deve ter-se presente o largo espectro da
normalidade (grupo etário, frequência do infantário) e outras causas de aumento de susceptibili-
dade às infecções como rinite alérgica, asma, doença crónica cutânea ou pulmonar, malformações
anatómicas; e imunodeficiência secundária (infecção VIH, malnutrição grave, terapêutica imunos-
supressora, doença crónica).
Por sua vez, algumas síndromes que se sabe poderem cursar com um grau variável de imunode-
ficiência devem ser referenciadas sem esperar que esta se manifeste por infecções graves. São
exemplo a ataxia-telangiectasia e as síndromes de Schimke e de Griscelli.

Classificação
ID combinadas sem fenótipo não imunológico (exemplo: ID combinada grave, síndrome de
Omenn).
ID combinadas em doenças sindromáticas (exemplo: DiGeorge, Wiskott-Aldrich).
ID predominantemente de anticorpos (exemplo: agamaglobulinémia ligada ao X, ID comum
variável).
Doenças de desregulação imunitária (exemplo: síndrome hemofagocítica familiar, síndrome lin-
foproliferativa auto-imune).
Imunodeficiência primária

Defeitos dos fagócitos (exemplo: neutropénia congénita, doença granulomatosa crónica).


Defeitos da imunidade inata (exemplo: NEMO, MyD88).
Síndromes auto-inflamatórias (exemplo: febre mediterrânica familiar, hiper IgD).
Defeitos do complemento.

115
Quando suspeitar de

Tabela 39: Manifestações de imunodeficiências primárias


Grupo de
Descrição
manifestações

Infecções bacterianas de repetição (≥ 6/ano na criança, ≥ 4/ano no adulto), com toma


prolongada de antibióticos, intervalo livre curto
Infecções com evolução atípica, mais grave que o esperado, sem resposta a terapêutica habitual
(com necessidade de antibioticoterapia ev), crónicas ou complicadas
≥ 2 episódios de infecção grave: pneumonia, meningite, osteomielite, sépsis
Abcessos recorrentes cutâneos ou ganglionares
Abcesso de órgão profundo
Gengivoestomatite persistente
Infecciosas
Bronquiectasias, pneumatocelo
Infecção viral de curso anormal ou grave (exemplo: varicela grave, meningoencefalite a
enterovírus, infecção disseminada por molusco contagioso ou HPV)
Infecções fúngicas persistentes ou graves (exemplo: candidíase muco-cutânea persistente acima
de 1 ano de idade)
Infecções por agentes oportunistas (Pneumocystis jirovecci, Aspergillus, Cryptosporidium)
Infecção clinicamente significativa por microrganismos vacinais (BCG, VASPR, varicela, polio
oral)

Linfopénia (< 2.500/mL em menores de 6 meses de idade), neutropénia, trombocitopénia com


Hematológicas volume plaquetário baixo, leucocitose sem infecção ou eosinofilia para o grupo etário, sem
outra causa

Ausência de sombra tímica na radiografia de tórax de lactente


Ausência de gânglios linfáticos, amígdalas e adenoides
Sistema imunológico Hepatoesplenomegália, adenomegálias
Inflamação granulomatosa inexplicada (granulomas de orgão)
Reacção de enxerto versus hospedeiro mãe-RN ou após transfusão

Estado geral Má progressão estaturo-ponderal sem outra causa evidente

Diarreia persistente sem outra causa evidente


Gastrointestinais
Doença inflamatória intestinal no primeiro ano de vida

Citopénias auto-imunes
Auto-imunes Manifestações auto-imunes nos primeiros meses de vida, não associadas a doença auto-imune
materna (diabetes mellitus tipo 1, insuficiência supra-renal, hipotiroidismo, falência gonadal)

Dermatite descamativa grave, eritrodermia generalizada


Pele e faneras
Alopécia universal
Dentição
Alteração da erupção / morfologia dentária (exemplo: dentes cónicos)
Cordão umbilical
Queda tardia do cordão umbilical (> 30 dias)

Cardíacas Cardiopatia congénita (anomalias conotruncais)


Imunodeficiência primária

Familiares com IDP ou suspeita de IDP


História familiar Mortes na infância por infecção ou de causa não determinada
Consanguinidade

116
Quando suspeitar de

Tabela 40: Orientação clínica para diagnóstico de imunodeficiências primárias


Defeito imunitário
Apresentação clínica
mais provável

Início das queixas após os 6 meses de vida


Desenvolvimento estaturo-ponderal em parâmetros normais
Infecções respiratórias bacterianas de repetição / infecções graves por bactérias comuns
Humoral
Diarreia recorrente (incluindo por Giardia lamblia)
Manifestações sequelares (exemplo: bronquiectasias)
Infecção grave por enterovírus (meningoencefalite)

Início das queixas nos primeiros meses de vida


Infecções graves por agentes comuns ou oportunistas (bactérias, vírus, incluindo respiratórios e
entéricos, fungos, protozoários)
Má progressão estaturo-ponderal
Combinada
Diarreia arrastada
Dermatite grave
Ausência de sombra tímica na radiografia do tórax
Linfopénia absoluta

Idade variável de aparecimento


Abcessos recorrentes cutâneos ou ganglionares
Abcesso de órgão profundo; pneumonia com pneumatocelo
Gengivoestomatite persistente
Pneumonia por Staphylococcus spp e fungos
Fagócitos
Infecção por micobactéria não tuberculosa e salmonela
Infecções fúngicas persistentes ou graves (exemplo: candidíase mucocutânea persistente acima
de 1 ano de idade, aspergilose, histoplasmose)
Queda tardia do cordão umbilical
Quadro de doença inflamatória intestinal

Infecção grave ou recorrente por N. meningitidis ou N. gonorrhoeae


História familiar de doença meningocócica
Complemento
Doença auto-imune e episódio de doença invasiva por S. pneumoniae, H. influenzae ou
Neisseria

Susceptibilidade aumentada a agentes específicos:


- micobactérias não tuberculosas e Salmonella spp
Defeitos específicos da
- encefalite herpética
imunidade inata
- papilomavírus
- candida
- doença pneumocócica grave sem parâmetros de inflamação alterados

Infecção fulminante por EBV


Imunodeficiência primária

Síndrome hemofagocítica
Imuno-desregulação
Colite precoce
Endocrinopatias e susceptibilidade aumentada a infecções

Todas ≥ 2 episódios de infecção grave: pneumonia, meningite, osteomielite/artrite, sépsis

117
Quando suspeitar de

Abordagem diagnóstica
De acordo com a idade de aparecimento das primeiras manifestações, a clínica, os microrganismos
isolados e exames complementares simples [hemograma, doseamento de imunoglobulinas (IgG,
IgA, IgM, Ig E total), CH50, radiografia do tórax] é muitas vezes possível orientar a investigação
pelos grupos principais de IDP (Tabela 40).
Há que ter presente que os diferentes grupos podem partilhar muitas manifestações clínicas, que
a obtenção de resultados normais na avaliação inicial não exclui IDP e que a investigação comple-
mentar poderá ter que ser orientada em centros especializados.
Na suspeita de défice imunitário grave, e obrigatoriamente sempre que se suspeita de imunodefi-
ciência combinada grave, deve ser contactado de imediato um centro com experiência em IDP, sem
esperar por pedidos ou resultados de exames complementares.

Imunodeficiência primária

118
Quando suspeitar de

24. Doença oncológica


Ana Forjaz de Lacerda

Introdução
A patologia oncológica é rara em idade pediátrica, podendo estimar-se que em Portugal sejam
diagnosticados anualmente cerca de 350 novos casos (o Registo Oncológico Pediátrico Português
iniciou-se apenas em 2014).
Existem no país quatro unidades de oncologia pediátrica (UOP) – Instituto Português de Oncologia
Francisco Gentil de Lisboa e do Porto, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra e Centro Hos-
pitalar do Hospital de São João. Estas UOP dispõem de equipas multidisciplinares aptas a efectuar
rapidamente a avaliação do caso (e por vezes intervindo com objectivos simultaneamente diag-
nósticos e terapêuticos).
Os diagnósticos mais frequentes são as leucemias agudas (em particular as linfoblásticas) e os
tumores do sistema nervoso central; seguem-se vários tipos de linfomas e de tumores sólidos, des-
tacando-se entre estes os neuroblastomas, nefroblastomas, retinoblastomas e sarcomas de vários
tecidos (osso, músculo, partes moles).
Para além do diagnóstico histológico do tumor é necessário proceder a exames para estadiamento.
De uma forma geral, o estadio I é uma doença localizada e delimitada, o II é localmente invasiva,
o III de nível regional e no IV existe doença à distância (metástases).
Na actualidade a probabilidade geral de sobrevivência é de cerca de 75-80%, embora dependa do
diagnóstico e do estadiamento – nalgumas situações (por exemplo glioma do tronco cerebral) é de
0% e noutras (por exemplo nefroblastoma estadio I) pode aproximar-se de 100%.

Diagnóstico
Os sinais e sintomas provocados por patologia tumoral na criança podem ser muito inespecíficos,
decorrendo por vezes algumas semanas ou meses entre o seu início e o diagnóstico. É por isso
importante manter um elevado nível de alerta e suspeição, sobretudo quando os diagnósticos mais
frequentes vão sendo excluídos e/ou o quadro se mantém sem melhoria apesar de terapêutica
apropriada. É preferível discutir o caso precocemente com a UOP a fim de planear conjuntamente
a abordagem diagnóstica, de forma a evitar situações que venham a comprometer a sobrevivência
e/ou a qualidade de vida. Por exemplo, em 2013 no IPO de Lisboa em cerca de 25% das primeiras
consultas não foi diagnosticada doença oncológica.

Neoplasia hematológica (leucemia ou linfoma)


Doença oncológica

As manifestações mais frequentes são a febre, as dores ósseas, a claudicação dos membros inferio-
res, as organo e adenomegálias e a diátese hemorrágica. Com exclusão desta última manifestação,
que impõe uma avaliação urgente, todas as outras se enquadram facilmente numa patologia
infecciosa, habitual neste grupo etário. No entanto, a persistência ou recorrência do quadro (o que 119
por vezes é difícil de detectar quando os pais vão recorrendo a múltiplos observadores) deve fazer
pensar na necessidade de avaliação mais aprofundada.
Quando suspeitar de

Adenomegálias
Situação com que os pediatras se deparam frequentemente. As características que devem fazer
pensar num possível diagnóstico oncológico são: localização cervical inferior, supraclavicular, axilar
ou epitroclear; dimensão superior a 1 cm; conglomerados; consistência firme; aderência aos planos
profundos; inexistência de sinais inflamatórios (dor, rubor, calor); persistência após período adequado
de observação e/ou tratamento para as causas mais comuns; associação a outros sinais e sintomas
pouco frequentes, como a dor óssea ou a diátese hemorrágica (ver Capítulo 11. Adenopatias).

Tumores sólidos
Quando existe uma massa observável e/ou palpável é fácil pensar em tumor. No entanto, quando
a massa se localiza numa cavidade (tórax, abdómen, pélvis) os sinais e sintomas iniciais podem
ser frustres e indirectos, causados pela compressão exercida sobre as estruturas vizinhas: dor,
parestesias, alterações neurológicas focais, dificuldade respiratória, dificuldade de retorno venoso,
colestase, incontinência de esfíncteres, obstipação. A clínica pode também ser devida à presença de
metástases, sendo as mais frequentes as ósseas ou pulmonares.

Tumores do sistema nervoso central


O paradigma são as cefaleias matinais persistentes, que aliviam com o vómito (muitas vezes em
jacto). Também é necessário excluí-los no caso de convulsão inaugural não febril e/ou aparecimento
de défices focais.
Para além do referido, alguns quadros clínicos devem fazer evocar imediatamente a suspeita de
tumor: estrabismo fixo, leucocória (retinoblastoma), opsomioclonus (neuroblastoma), síndrome de
Claude-Bernard-Horner (massa cervical ou do mediastino superior), síndrome da veia cava superior
(massa do mediastino).

Não sendo uma doença oncológica, mas habitualmente tratada em UOP pela frequente necessi-
dade de quimioterapia, vale a pena ainda referir a histiocitose de células de Langerhans. Deve
considerar-se este diagnóstico em face de diabetes insípida, otorreia e/ou dermatite e/ou diarreia
crónica (sobretudo no lactente) e/ou de lesão(ões) óssea(s) lítica(s).

Orientação
O correcto diagnóstico e classificação da patologia oncológica só são possíveis em centros especia-
lizados, pelo que se deve evitar a duplicação de exames complementares, em especial de técnicas
invasivas.

Suspeita de leucemia
Doença oncológica

Hemograma completo, com avaliação do esfregaço de sangue periférico.


Estudo da coagulação (TP, aPTT, fibrinogénio; D-dímeros se diátese hemorrágica).
Creatinina, ácido úrico, ionograma, cálcio, fósforo, LDH, transaminases, bilirrubinas.
Radiografia do tórax.
120
Se os resultados desta avaliação inicial favorecerem o diagnóstico de leucemia: contactar a UOP
da área, a fim de discutir o caso; informar os pais da necessidade de transferência, que poderá ser
urgente, para ser realizado medulograma (geralmente sob sedação profunda e jejum prévio); se
possível enviar uma lâmina com esfregaço de sangue periférico, para agilizar a avaliação; corrigir
alterações laboratoriais de acordo com as indicações da UOP.
Quando suspeitar de

Iniciar:
• hiperhidratação alcalina (dextrose 5% 1.000mL + bicarbonato de sódio 8,4% 20 mEq/12mL;
ritmo 3 L/m2 ou seja, o dobro do calculado para a manutenção diária);
• alopurinol (10 mg/kg/dia dividido em 2-3 tomas per os; comprimidos são de 100 ou 300 mg; as
doses podem ser arredondadas).
Se existir febre a terapêutica antibiótica deverá também ser discutida com a UOP.

Suspeita de linfoma ou tumor sólido


O prognóstico é influenciado pela precocidade do diagnóstico e por uma abordagem (diagnóstica e
terapêutica) orientada por uma UOP, que deve ser rapidamente contactada para discussão do caso
e planeamento dos estudos a realizar, antes de tentar qualquer abordagem.
Exames de imagem: desde que não origine um atraso e/ou duplicação, e após combinação
com a UOP, poderão ser efectuados no serviço de origem - radiografia, ecografia, tomografia
computorizada (TC) e/ou ressonância magnética (RM), estas sempre que possível com contraste;
sempre que for feita uma TC dirigida ao abdómen deve incluir também a pélvis; se a suspeita é de
um linfoma é importante estudar todos os territórios ganglionares – cervical, torácico, abdominal
e pélvico. Todos os exames de imagem efectuados deverão acompanhar a criança.
Exames laboratoriais: nos tumores volumosos e/ou sugestivos de crescimento rápido deve avaliar-
se a possibilidade de síndrome de lise tumoral, através do estudo do hemograma, creatinina,
ureia, ionograma, cálcio, fósforo, ácido úrico, LDH. Nestes casos deve iniciar-se hiperhidratação
alcalina e alopurinol (ver acima).
Obtenção de material tumoral para diagnóstico: a equipa da UOP deve ser contactada
atempadamente a fim de se planear a obtenção de uma amostra adequada, que seja suficiente
para realizar todas as técnicas necessárias não só ao correcto diagnóstico do tumor mas também
à avaliação das suas características com implicações terapêuticas e/ou prognósticas.
A cirurgia e a biópsia cirúrgica são cada vez menos utilizadas como primeira abordagem, sendo
mais frequente o recurso a biópsias com agulha cortante tru-cut® (guiadas por TC ou ecografia)
ou mesmo a citologia aspirativa por agulha fina.
Em função das hipóteses diagnósticas colocadas previamente, poderá ter de ser colhido material
para exame anátomo-patológico (incluindo imunocitoquímica), citometria de fluxo e estudos
genéticos (cariótipo, CGH, MLPA, SNP-arrays, detecção de oncogenes e/ou rearranjos por FISH).
Caso exista um derrame seroso e seja efectuada a sua drenagem, 5 a 10mL de líquido poderão ser
enviados sem aditivos, a fresco e urgentemente à UOP.
No caso de se tratar de uma massa envolvendo o rim, é importante avaliar a tensão arterial (e tratar
caso os valores estejam acima do P90 para a idade).
Doença oncológica

Suspeita de tumor do SNC


Referenciar para um centro de Neurocirurgia com experiência pediátrica o mais rapidamente
possível. Se a suspeita é de um tumor germinativo, é importante estudar marcadores tumorais
(αFP e HCG) no soro e no líquor antes de se efectuar uma cirurgia. 121
Quando suspeitar de

Urgências de actuação
São critérios de possível urgência diagnóstica e/ou terapêutica:
• discrasia, diátese hemorrágica;
• hiperleucocitose (leucócitos superiores a 100.000/mm3);
• esfregaço de sangue periférico compatível com leucemia mieloblástica aguda promielocítica
(LMA M3);
• síndrome de lise tumoral (hiperuricémia, hipocalcémia, hiperfosfatémia);
• alargamento do mediastino;
• síndrome da veia cava superior (edema, circulação colateral, dificuldade respiratória);
• sinais de hipertensão intracraniana e/ou alterações da consciência.

Doença oncológica

122
Quando suspeitar de

25. Doença reumatológica


Cristina Henriques, Marta Conde

Introdução
A área da Reumatologia Pediátrica engloba um grande número de patologias que são importantes
causas de morbilidade na infância. Estas doenças têm um espectro de gravidade variável, podendo
em determinadas situações colocar em risco a vida das crianças afectadas. Assim, a prioridade para
o médico assistente será a de identificar uma potencial doença reumatológica o mais precocemen-
te possível, no sentido de evitar complicações e sequelas da mesma.
As doenças reumatológicas têm diferentes etiologias, podendo ser auto-imunes (através da produ-
ção de auto-anticorpos) ou auto-inflamatórias (processo inflamatório sistémico em que não existe
evidência de auto-imunidade; estes últimos denominam-se síndromes auto-inflamatórias).

Diagnóstico
Anamnese
Artrite ou artralgia crónica (ver Capítulo 18. Artralgia)

Febre periódica ou recorrente: as síndromes febris periódicas são síndromes auto-inflama-


tórias (Tabela 41 e 42) que se caracterizam por:
• episódios recorrentes de febre habitualmente elevada, com duração variável para as diferentes
entidades;
• a febre é acompanhada de outros sinais e sintomas que apontam para um diagnóstico específico;
• na maioria das síndromes auto-inflamatórias existe um intervalo livre de febre em que a criança
está assintomática;
• estes intervalos livres são variáveis à excepção do PFAPA em que tende a haver um intervalo fixo
entre episódios (é possível prever o próximo episódio);
• existe elevação dos parâmetros inflamatórios no episódio febril; em alguns das síndromes
auto-inflamatórias estes podem permanecer elevados nos intervalos assintomáticos, no PFAPA
obrigatoriamente normalizam fora do episódio febril;
• a síndrome auto-inflamatória mais frequente na idade pediátrica é o PFAPA.
É importante ter sempre presente que a causa mais frequente de febre na infância (e sobretudo
abaixo dos 6 anos de idade) é infecciosa, pelo que esta etiologia deve ser sempre excluída. O diag-
nóstico das síndromes febris periódicas obrigam ao seguimento da criança durante algum tempo,
Doença reumatológica

habitualmente 6 a 9 meses, antes de se poder formalizar o diagnóstico. Um calendário das “crises”


febris e sintomas e/ou sinais associados é extremamente útil na avaliação destes doentes.

Febre persistente (ver Capítulo 9. Febre prolongada): algumas doenças do tecido conjuntivo
e síndromes auto-inflamatórias podem apresentar-se como um episódio de febre prolongada,
associada aos outros sinais e sintomas que definem cada entidade (vasculites sistémicas, TRAPS, 123
CAPS, LESJ, AIJs) (Tabelas 41, 42 e 43).
Quando suspeitar de

Doenças com envolvimento multissistémico, manifestações constitucionais (febre,


emagrecimento, astenia, entre outras) e elevação de parâmetros de inflamação que não
se enquadram em outras entidades mais comuns, nomeadamente infecciosas ou neoplásicas, po-
dem tratar-se de doenças do tecido conjuntivo (Tabela 43), como o LESJ ou vasculites sistémicas.
As vasculites sistémicas (Tabela 44) mais frequentes na idade pediátrica são a doença de Kawasaki
(DK), púrpura de Henoch-Schönlein (PHS), poliarterite nodosa (PAN), granulomatose com polian-
geíte (GPA) e arterite de Takayasu (AT) – listadas de acordo com a idade em que surgem, da mais
precoce (meses) à mais tardia (adolescência). O diagnóstico destas entidades exige um elevado
índice de suspeição.
Outras entidades podem mesmo isoladamente fazer suspeitar de doença reumatológica
subjacente. São exemplos: eritema nodoso recorrente ou crónico, fenómeno de Raynaud, aftose
oral recorrente, uveíte, osteomielite recorrente não bacteriana, pioderma gangrenoso.

Exame objectivo
Estado geral incluindo peso e avaliação de sinais vitais (temperatura, tensão arterial nos quatro
membros, frequência cardíaca, frequência respiratória).
Mobilidade global: características da marcha, sentar/deitar/levantar.
Olhos: conjuntivite ou hiperemia conjuntival (uveíte associada a AIJ, TRAPS, CAPS, SS), alterações
do contorno pupilar (sequelas de inflamação ocular).
Mucosas: úlceras (localização, dimensões) ou cicatrizes das mesmas (orais, nasais, genitais) (LESJ,
DB, PFAPA), eritema do palato (LESJ), hidratação das mucosas (SS).
Presença ou ausência de adenomegálias (AIJs, síndromes auto-inflamatórias, sarcoidose).
Hipertrofia das glândulas salivares, nomeadamente parótidas (SS, sarcoidose).
Aumento das dimensões da tiroideia (tiroidite).
Pele: exantema macular róseo (AIJs); exantema maculo-papular eritematoso (síndrome hiper-IgD,
vasculites); placas eritematosas e edemaciadas dolorosas (TRAPS); exantema purpúrico (vasculite,
trombocitopénia); exantema morbiliforme (DK); exantema urticariforme (CAPS, TRAPS); eritema
marginado (febre reumática); eritema tipo erisipela das extremidades inferiores (FMF); exantema
heliotropo (DMJ); eritema malar (LESJ, DMJ), livedo reticular (doenças do tecido conjuntivo, vascu-
lites), exantema papulo-descamativo liquenóide (sarcoidose de início precoce/síndrome de Blau),
acrocianose, fenómeno de Raynaud (doenças do tecido conjuntivo), úlceras cutâneas (SSc, vas-
culites, LESJ), eritema palmar (LESJ); sinal ou pápulas de Gottron (DMJ); pregueamento cutâneo
alterado (SSc); eritema nodoso (inespecífico).
Unhas: pitting ungueal.
Doença reumatológica

Cabelo: alopécia (LESJ).


Sistema cardiovascular: alterações de ritmo (LESJ), sopro cardíaco (febre reumática, LESJ), sinais de
insuficiência cardíaca (febre reumática, LESJ), sinais de pericardite (LESJ, AIJs); pulsos periféricos
(vasculites).
Sistema respiratório: sinais de dificuldade respiratória ou presença de ruídos adventícios (envolvi- 124
mento pulmonar de várias doenças do tecido conjuntivo e algumas vasculites), sinais de derrame
pleural (AIJs, LESJ, FMF).
Abdómen: dor abdominal (LESJ, FMF, PHS, PAN); presença de organomegálias, nomeadamente
hepatoesplenomegália (LESJ, AIJs, síndromes auto-inflamatórias); sopros (vasculites).
Quando suspeitar de

Osteo-articular: rastreio com pGALS (paediatric Gait Arms Legs and Spine1), devendo ser quantifi-
cadas as articulações afectadas e avaliada cada uma destas em maior pormenor quanto aos sinais
inflamatórios presentes, simetria das articulações afectadas.
Muscular: dor à palpação das massas musculares, assimetria das massas musculares; avaliação da
força muscular (sarcoidose), nomeadamente da proximal utilizando o CMAS (Childhood Myositis
Assessment Scale) (DMJ, PM).
Exame neurológico: défices focais (vasculites, SAF, LESJ, sarcoidose, DB); neuropatia periférica
(LESJ, vasculites, sarcoidose); envolvimento medular por exemplo mielite transversa (LESJ, vasculi-
tes, SAF); meningite asséptica (LESJ, CAPS, DB).

Exames complementares de diagnóstico


Avaliação do estado inflamatório: hemograma completo (habitualmente existirá leucocitose e neu-
trofilia assim como trombocitose, mas poderão existir, pelo contrário, citopénias de causa imune);
fibrinogénio; VS, proteína C reactiva, ferritina (reagentes positivos de fase aguda).
Na presença de febre, hepatoesplenomegália, elevação marcada da ferritina, sem leucocitose
ou trombocitose (ou mesmo com bi- ou pancitopénia) e hipofibrinogenémia, devemos sempre
suspeitar de síndrome de activação macrofágica, uma das verdadeiras emergências da doença
reumatológica.
Proteína amilóide A sérica: muito útil na avaliação das síndromes auto-inflamatórias sendo que
nas síndromes febris periódicas se encontra muito elevada nos períodos de “crise”. Normaliza
obrigatoriamente nos intervalos assintomáticos no PFAPA, podendo manter-se elevada em menor
grau nas outras síndromes auto-inflamatórias. A persistência de um valor elevado desta proteína é
preditivo de complicações a longo prazo, nomeadamente de amiloidose renal.
Procalcitonina: elevação mais específica de infecção. Útil no diagnóstico diferencial, nomeadamen-
te quando existem dúvidas se há uma exacerbação da doença inflamatória ou uma intercorrência
infecciosa.
Avaliação de outros órgãos consoante potencial envolvimento: função renal e análise sumária de
urina (eventual proteínuria em colheita de 24 horas); enzimas e função hepáticas; enzimas muscu-
lares (CK, mioglobina, aldolase); gasimetria.
Auto-anticorpos e complemento (C3, C4 e CH50 ou CH100) devem ser pedidos apenas quando
existe suspeita de doença auto-imune. Os auto-anticorpos devem ser dirigidos à(s) entidade(s)
prováveis (Tabela 43).
Exames imagiológicos consoante necessário para esclarecer as queixas: radiografia simples, eco-
grafia com eventual estudo doppler, TC ou RM.
Doença reumatológica

Electromiograma na suspeita de miopatia inflamatória ou neuropatia periférica.

125

1 F oster HE, Jandial S. pGALS – paediatric Gait Arms Legs and Spine: a simple examination of the musculoskeletal system. Pediatric Rheumatology
2013;11:44
Quando suspeitar de

Orientação
Perante a forte suspeita ou confirmação de doença reumatológica, o doente deve ser encaminha-
do para uma consulta especializada no sentido de determinar investigação adicional necessária e
prontamente iniciar terapêutica dirigida. Não deve ser protelada medicação de suporte que seja
necessária, desde analgesia a anti-hipertensores, até à observação por Reumatologia Pediátrica.

Tabela 41: Síndromes auto-inflamatórias monogénicas ou hereditárias


Hereditariedade Característicasa
FMF (febre mediterrânica familiar) monogénica Febre 24-72h
autossómica Origem mediterrânea
recessiva Dor abdominal e/ou torácica (+)
Artrite
Exantema

TRAPS (síndrome periódica associada ao monogénica Febre 7-14 dias


receptor do factor de necrose tumoral) autossómica História familiar presente
dominante Artralgia (+)
Mialgia/fasceíte (+)
Exantema
Envolvimento ocular/peri-orbitário

MKD (deficiência de mevalonatoquinase, monogénica Febre 3-6 dias


anteriomente conhecido por síndrome de autossómica Início precoce
hiper-IgD) recessiva Hepatoesplenomegália (+)
Dor abdominal/diarreia (+)
Adenomegálias
Úlceras orais
Exantema

CAPS (síndromes periódicas associadas à monogénica Febre (+)


criopirina: FCAS; síndrome Muckle-Wells; Exantema urticariforme (+)
CINCA) Conjuntivite (+)
Artralgia ou artrite (+)
FCAS: síndrome de urticária familiar ao frio Desencadeado/agravado pela exposição ao frio
CINCA: síndrome crónica infantil neurológica
cutânea e articular

CANDLE (dermatose neutrofílica atípica monogénica Aparecimento nas primeiras semanas de vida
crónica com lipodistrofia e febre) autossómica Lesões cutâneas eritematosas ou violáceas com lesão
recessiva purpúrica residual (biópsia mostra paniculite)
Lipodistrofia (+)
Doença reumatológica

PAPA (síndrome de artrite piogénica estéril, monogénica Artrite piogénica estéril (+), recorrente
pioderma gangrenoso e acne) autossómica Pioderma gangrenoso
dominante Acne
Furunculose/abcessos cutâneos estéreis

Artrite granulomatosa pediátrica (inclui a monogénica Início precoce


síndrome de Blau e a sarcoidose de início autossómica Artrite poliarticular (+) 126
precoce) dominante Tenossinvite (+)
Panuveíte granulomatosa (+)
Exantema ictiosiforme (biópsia com granulomas)
(continuação)
Quando suspeitar de

(continuação)

Hereditariedade Característicasa
DIRA (deficiência do antagonista do monogénica Início neonatal (+)
receptor de interleucina-1) autossómica Inflamação sistémica grave (+)
recessiva Febre pouco frequente
Pustulose estéril (+)
Lesões osteolíticas estéreis com periostite

DITRA (deficiência do antagonista do monogénica Inflamação sistémica grave (+)


receptor de interleucina-36) autossómica Pustulose estéril (+)
recessiva Ausência de envolvimento de outros órgãos ou sistemas

CAMPS monogénica Pustulose estéril


(psoríase mediada por CARD14) autossómica
dominante

Síndrome de Majeed monogénica População do Médio Oriente


Lesões osteolíticas estéreis
Anemia diseritropoiética
Dermatite neutrofílica
a
As características mais típicas e/ou frequentes estão assinaladas com (+)

Tabela 42: Síndromes auto-inflamatórias poligénicas


Hereditariedade Característicasa
PFAPA (síndrome da febre periódica, aftas, multifactorial Febre periódica e pelo menos um dos seguintes:
faringite e adenopatias) Faringo-amigdalite (+)
Aftas orais (+)
Adenopatias cervicais (+)

CNO (osteomielite crónica não bacteriana) multifactorial Aparecimento na idade escolar


Dor óssea (uni ou multifocal) (+)
Lesões osteolíticas estéreis (+)
Parâmetros inflamatórios normais/ligeiramente
elevados

SAPHO (síndrome de sinovite, acne, multifactorial Aparecimento na idade escolar


pustulose, hiperostose, osteíte) Sinovite
Acne
Pustulose
Hiperostose
Osteíte (lesões estéreis)

AIJs multifactorial Artrite ++


Doença reumatológica

Febre (diária, pelo menos duas semanas) ++


MAIS um de:
Exantema evanescente
Adenomegálias
Hepato e/ou esplenomegália
Serosite 127
a
As características mais típicas e/ou frequentes estão assinaladas com (+)
Quando suspeitar de

Tabela 43: Doenças do tecido conjuntivo


Características Auto-anticorpos
Lúpus eritematoso Sintomas constitucionais ANA
sistémico juvenil (LESJ) Exantema (eritema malar +) Anti-dsDNA
Fotossensibilidade Anti-Sm
Úlceras orais ou nasais Anti-fosfolípido (anticoagulante lúpico,
Alopécia β2 glicopreína-1 ou cardiolipina)
Artrite ou artralgias
Serosite
Sintomas neurológicos
Potencial envolvimento de todos os órgãos e
sistemas

Diagnóstico: critérios de classificação SLICC para o


LES (2012)

Dermatomiosite juvenil / Fraqueza muscular proximal Específicos (myositis specific antibodies):


polimiosite (DMJ/PM) Eritema helitropo (só DMJ) Anti-Mi-2
Sinal ou pápulas de Gottron (só DMJ) Anti-CADM-140 (MDA5)
Anti-SAE
Diagnóstico: critérios de Bohan e Peter modificados Anti-p-155/140
Anti-MJ (NXP-2)
Anti-t-RNA-sintetase
Anti-Jo-1
Anti-PMS-1

Associados (myositis associated


antibodies):
Anti-SSA
Anti-U1RNP
Anti-PM-Scl75
Anti-PM-Acl100
Anti-Ku

Esclerodermia juvenil (JSc) Espessamento cutâneo (focal ou sistémico) Anti-centrómero


- localizada Fenómeno de Raynaud Anti-Scl-70
- sistémica Manifestações extra-cutâneas (20% na forma Anti-PM-Scl
localizada): gastrointestinais, cardíacas, renais,
pulmonares, musculo-esqueléticas, neurológicas

Diagnóstico: clínico (forma localizada); critérios de


classificação para a JSc sistémica (2007)
Doença reumatológica

Síndrome de Sjögren (SS) Xeroftalmia ANA


Xerostomia Anti-SS-A
Anti-SS-B
Diagnóstico: clínica E auto-anticorpos OU biópsia
glândulas salivares minor
(continuação) 128
Quando suspeitar de

(continuação)

Características Auto-anticorpos
Doença mista do tecido Fenómeno de Raynaud Anti-RNP
conjuntivo (DMTC) Clínica de LESJ ou JSc ou DMJ/PM Outros auto-anticorpos consoante
as doenças implicadas
Diagnóstico: Critérios de Kasukawa para a doença
mista do tecido conjuntivo (1987)

Doença indiferenciada do Sintomas variáveis que ainda não são enquadrados


tecido conjuntivo (DITC) nos critérios diagnósticos de outras doenças do
tecido conjuntivo.
Pode permanecer estável ou evoluir em menor
ou maior tempo para outra doenças do tecido
conjuntivo.

Vasculites Ver Tabela 44

Doença reumatológica

129
Quando suspeitar de

Tabela 44: Vasculites


Vasos envolvidos Entidades
Grandes Arterite de Takayasu (mal estar geral, diminuição pulsos periféricos, claudicação,
diferencial de TA > 10 mmHg entre 2 membros, sopros vasculares, elevação VS
e proteína C reactiva)

Diagnóstico: Critérios da EULAR/PRINTO/PRES para a arterite de Takayasu

Arterite de células gigantes

Médios Poliarterite nodosa (febre, púrpura, livedo reticular, nódulos cutâneos, enfartes
cutâneos, mononeuropatia ou polineuropatia, mialgia, artralgia e/ou artrite)

Diagnóstico: Critérios da EULAR/PRINTO/PRES para a poliarterite nodosa

Doença de Kawasaki (febre, conjuntivite bilateral não-exsudativa, enantema,


exantema, alterações das extremidades, adenopatia cervical)

Diagnóstico: Critérios de diagnóstico para a doença de Kawasaki

Pequenos ANCA negativo Púrpura de Henoch-Schönlein (púrpura palpável nos membros inferiores, dor
abdominal, artralgia e/ou artrite, proteinúria e/ou hematúria)

Diagnóstico: Critérios da EULAR/PRINTO/PRES para a PHS

Vasculite urticariforme hipocomplementémica

Vasculite crioglobulinémica

Vasculite anti-membrana basal glomerular (anti-GBM)

ANCA positivo Poliangeíte microscópica


(MPO-ANCA ou
Granulomatose com poliangeíte - anteriormente doença de Wegener (mal estar,
PR3-ANCA)
febre, rinorreia ou epistaxis recorrentes, crostas nasais ou granulomas
nasais, perfuração do septo nasal, envolvimento laringo-traqueo-brônquico,
envolvimento pulmonar, proteinúria e/ou hematúria)

Diagnóstico: Critérios da EULAR/PRINTO/PRES para a granulomatose com


poliangeíte

Granulomatose eosinofílica com poliangeíte - anteriormente doença de Churg-


Strauss

Variável Doença de Behçet

Síndrome de Cogan

Vasos de um único órgão Vasculites do sistema nervoso central


Doença reumatológica

Outros órgãos excepto glomerulonefrite com ANCA positivo (faz sempre parte
de vasculite sistémica ANCA positivo)

Vasculites associadas a uma entidade Vasculite associada a doença do tecido conjuntivo


específica (exemplos) Vasculite associada a fármacos
Vasculite associada a infecções
130
Quando suspeitar de

26. Doença neuromuscular


Sofia Nunes

Introdução
Por definição, as doenças neuromusculares afectam a unidade motora, que inclui quatro compo-
nentes: corpo celular do 2º neurónio motor (localizado no tronco cerebral ou no corno anterior
da medula); axónio do 2º neurónio ao longo das raízes anteriores, plexos e nervos periféricos;
placa motora ou junção neuromuscular, onde o axónio faz sinapse com o músculo; e as fibras
musculares. Assim, topograficamente, podem considerar-se quatro grupos de patologias: as doen-
ças do corno anterior da medula ou neuronopatias, as neuropatias, as síndromes miasténicas e
as miopatias, respectivamente. As doenças neuromusculares podem ainda ser classificadas como
congénitas, adquiridas, agudas ou crónicas (Tabela 45).
Vamos excluir deste capítulo as doenças neuromusculares de início agudo ou rapidamente pro-
gressivo, adquiridas na maioria das vezes, e das quais as lesões medulares traumáticas, a síndrome
de Guillain-Barré, a paralisia facial periférica idiopática (paralisia de Bell) e as miosites infecciosas
são os exemplos mais comuns.

Abordagem diagnóstica
As doenças neuromusculares cursam habitualmente com hipotonia associada a diminuição da
força muscular.
Com a evolução da doença, pode-se objectivar artrogripose, atrofia muscular, retracções tendino-
sas (como seja do tendão de Aquiles, também responsável por alterações da marcha), deformida-
des esqueléticas (como o pé equino).
Outras manifestações possíveis de doença neuromuscular são:
•p  alato arqueado, luxação congénita da anca (pela hipomobilidade intrauterina);
• doença sistémica (hepática, cardíaca) e metabólica (como acidose láctica), presentes nas doenças
mitocondriais.

Hipotonia
O tónus é uma contracção muscular mantida associada a uma resistência à distensão dos múscu-
los. Por exemplo, é o tónus muscular que permite a manutenção de uma postura (em decúbito,
sentado, em ortostatismo) contra a gravidade. O tónus muscular resulta das ligações entre o sis-
tema nervoso central (córtex, cerebelo, via piramidal – 1º neurónio, medula), os nervos periféricos
Doença neuromuscular

e os músculos. Nas crianças mais velhas e nos adultos, as alterações do tónus muscular de origem
central com algum tempo de evolução caracterizam-se por hipertonia e espasticidade; a presença
de hipotonia (excluindo a de instalação aguda) aponta à partida para o diagnóstico de doença neu-
romuscular. Ao contrário, nos recém-nascidos e lactentes, na suspeita de doença neuromuscular
importa fazer o diagnóstico diferencial entre hipotonia de causa central e de causa neuromuscular. 131
Quando suspeitar de

A hipotonia de causa central, ou seja secundária a lesão do sistema nervoso central, caracteri-
za-se por:
• s er predominante em relação à parésia (a força está preservada e a mobilidade mantida);
• s er sobretudo axial, atingindo os músculos extensores;
• hiperreflexia – persistência de reflexos primitivos, aumento dos reflexos osteotendinosos (mais
vivos e com uma área reflexogénica aumentada); este achado torna altamente improvável o
diagnóstico de doença neuromuscular, à excepção das síndromes miasténicas;
• associar-se a outros défices neurológicos – alterações da consciência, convulsões, défices fo-
cais, assimetrias da força ou da mobilidade, fenótipo sindromático (sugerindo a existência de
cromossomopatias).
São causas de hipotonia de causa central as múltiplas formas de encefalopatias não progressi-
vas [de etiologia hipoxico-isquémica, infecciosa, traumática, associada a síndromes malformativas
(como malformações congénitas do SNC, defeitos de migração), ou síndromes genéticas (como
síndrome de Down ou Prader-Willi)], as encefalopatias progressivas (doenças neurodegenerativas
e neurometabólicas) e as mielopatias (traumáticas, malformativas).
Na hipotonia de tipo periférico ou neuromuscular, ou seja, causada por lesão da unidade
motora, observa-se:
• parésia e hipomobilidade (quando o quadro se inicia no período pré-natal pode haver história de
diminuição dos movimentos fetais e poli-hidrâmnios, por compromisso da deglutição do feto);
• atingimento generalizado e simétrico de todos os músculos (embora haja variações entre as
diversas doenças neuromusculares);
•h  iporreflexia ou arreflexia osteotendinosa ou dos reflexos primitivos;
• possível associação com artrogripose (que poderá já estar presente na altura do nascimento),
atrofia muscular, compromisso da face (face “miopática”, com pouca expressão), fasciculações
(indicadora de desnervação muscular).
Há ainda a considerar as formas de hipotonia mista, em que há evidência de atingimento quer
central quer periférico, como acontece em doenças sistémicas (como citopatias mitocondriais),
nalguns tipos de leucodistrofias ou em crianças com doença neuromuscular que, por esse motivo,
sofreram insulto isquémico peri-natal.

Parésia e outros sinais e sintomas de doença neuromuscular


Nas crianças, de uma forma global, todas as doenças neuromusculares podem resultar num atraso
das aquisições de desenvolvimento, chamando a atenção quando o atraso motor não se acompa-
nha de alterações noutras áreas do desenvolvimento.
Doença neuromuscular

Outros sintomas que podem desencadear a suspeita de doença neuromuscular, são o cansaço,
a fadigabilidade e as perturbações da marcha (que inicialmente se podem traduzir em sinais tão
inespecíficos como a sua aquisição tardia, as quedas frequentes, a dificuldade em correr ou subir
escadas).
132
Quando suspeitar de

Formas de doença neuromuscular


De um modo mais específico, podemos descrever e classificar alguns sinais e sintomas como mais
ou menos característicos das várias formas de doença neuromuscular (Tabela 45).

Doenças do 2º neurónio motor ou do corno anterior da medula


Parésia ou tetraparésia com preservação dos músculos faciais e oculomotores.
Hiporreflexia ou arreflexia, presente nas atrofias musculares espinhais.
Fasciculações, que resultam da contracção espontânea das fibras musculares e não como resposta
a um estímulo nervoso.
Marcha com báscula da bacia, semelhante à marcha miopática (ver abaixo).

Doenças das raízes e nervos periféricos ou neuropatias


Parésia dos músculos distais (sobretudo mãos e pés) associada muitas vezes a défice de sensibilidade.
Marcha tipo steppage, na qual se observa elevação e flexão acentuada das coxas para compensar
parésia flácida dos pés.

Doenças da junção neuromuscular ou síndromes miasténicas


Parésia dos músculos proximais mas também pode haver envolvimento da musculatura ocular
extrínseca e orofaríngea (parésia oculomotora, ptose palpebral, disfonia, disfagia).
A fraqueza muscular manifesta-se ou agrava-se após um exercício físico repetido e/ou intenso, o
que define a fatigabilidade. Esta tem tipicamente um padrão de agravamento ao longo do dia.
Os reflexos osteotendinosos encontram-se preservados.

Doenças dos músculos ou miopatias


Os músculos predominantemente afectados são os grandes músculos proximais e as cinturas es-
capulares e pélvicas o que, clinicamente, se traduz por dificuldades em assumir a posição ortos-
tática, subir escadas, levantar os braços. Observa-se o sinal de Gowers – passagem de decúbito
ventral para a posição de pé como “se se estivesse a subir sobre si mesmo”, adoptando primeiro a
posição de apoio de cotovelos e joelhos, elevando o tronco depois e apoiando as mãos nos joelhos
e nas coxas como que para ajudar o tronco a endireitar-se. Este sinal é característico de doença
neuromuscular sobretudo quando está presente nas crianças mais velhas (acima dos 3 anos).
O padrão de agravamento da fraqueza muscular por surtos – relacionados com intercorrências
infecciosas, actividade física, jejum – podem estar presentes nas miopatias de etiologia metabólica
(como doenças mitocondriais, glicogenoses).
Marcha “de pato” ou marcha miopática, em que há báscula alternada da bacia para compensar
parésia proximal dos membros inferiores.
Doença neuromuscular

Miotonia definida pela dificuldade em relaxar grupos musculares após uma contracção voluntária
mantida (por exemplo aperto de mão que não se desfaz) e que é um sinal patognomónico da
distrofia miotónica de Steinert.
Ao contrário das restantes formas de doença neuromuscular que podem levar a atrofia muscular,
nas distrofias musculares pode observar-se pseudo-hipertrofia por substituição das fibras muscu- 133
lares por tecido conjuntivo.
Quando suspeitar de

Exames complementares de diagnóstico


Alguns exames são úteis para confirmar a suspeita de doença neuromuscular e também na
abordagem inicial do diagnóstico diferencial dos grandes subtipos (Tabela 45).

Creatininafosfoquinase (CK)
Principal indicação: suspeita de miopatia.
A CK é uma enzima cujos valores séricos aumentados são indicadores de necrose muscular (car-
díaca ou esquelética).
Nas doenças neuromusculares, está aumentada nas doenças primárias do músculo (como distro-
fias musculares e miopatias inflamatórias) mas também pode estar ligeiramente aumentada nas
doenças do corno anterior da medula.
Outras situações que cursam com aumento da CK a ter em consideração na suspeita de doenças
neuromusculares: na população em geral, após o exercício físico; após a realização de electro-
miograma e biópsia muscular; na presença de acidose láctica (por exemplo nos recém-nascidos
normais nas primeiras 24 horas após o parto e nas asfixias perinatais, em que estes valores se
encontraram extremamente elevados).

Electromiograma (EMG), estudo das velocidades de condução nervosa e estimulação


repetitiva
Principal indicação: suspeita de doença do neurónio motor, neuropatia ou doença da junção neu-
romuscular (para demonstrar fatigabilidade do músculo).
Nas lesões do neurónio motor no corno anterior da medula, observa-se aspecto de desnervação
(potenciais de fibrilhação e de fasciculação e potenciais da unidade motora polifásicos, de grande
amplitude e duração).
Nas neuropatias, pode distinguir as axonais (envolvimento primário do axónio) em que a veloci-
dade de condução é normal ou reduzida e a amplitude dos potenciais de acção é baixa, das des-
mielinizantes (envolvimento da bainha de mielina) em que a velocidade de condução está muito
reduzida.
Com a estimulação muscular repetitiva pode demonstrar-se a fatigabilidade do músculo, caracte-
rística das síndromes miasténicas, se houver redução progressiva do potencial de acção do músculo
em resposta a esse estímulo.

Prova terapêutica com edrofónio


Principal indicação: suspeita de doença da junção neuromuscular.
O edrofónio (Tensilon®) é um fármaco anticolinesterásico que se administra por via endovenosa.
Doença neuromuscular

Obtém-se uma resposta positiva nas síndromes miasténicas a qual consiste numa reversão dos
sintomas de fraqueza muscular cerca de 30 a 60 segundos depois (como seja melhoria da ptose
palpebral ou clara tolerância aos exercícios repetitivos). Esta resposta é transitória, persistindo du-
rante 5 a 10 minutos.
134
Quando suspeitar de

Tabela 45: Classificação topográfica das doenças neuromusculares - quadro clínico e


exames complementares de diagnóstico
Doença do 2º Doença da junção Doenças do
Neuropatias
neurónio motor neuromuscular músculo
Quadro clínico

Generalizada Generalizada Generalizada Generalizada


Hipotonia
Simétrica Simétrica Simétrica Simétrica

Proximal, distal, sem Proximal, com face/


Parésia Distal Proximal, cinturas
face/olhos olhos

ROTs 0 ou ↓ 0 ou ↓ N ↓

Marcha Báscula bacia Steppage N Báscula baciaa

Fasciculações + Não Não Não

Atrofia muscular + + + + ou pseudo-hipertrofia

Miotonia Não Não Não Simb

Flutuações Não Não Diurna Surtosc

Exames de diagnóstico

CK N ou ­↑ N N N ou ­­↑↑

Axonal:
↓ potenciais N
Desnervação ↓ potenciais
EMG VC N ou ↓ ↓ potenciais na
VC N ou ↓ VC N
Desmielinizante: estimulação repetitiva
VC ↓↓

Necrose, substituição
Desnervação (fibras Desnervação (fibras
Biópsia muscular Normal por tecido gordo
normais e atrofiadas) normais e atrofiadas)
e colagénio

Formas clínicas

Distrofia muscular
HMSN congénita, de
SMA I,II,III, AD, ligado Síndromes miasténicas
Genéticas (D. Charcot-Marie- Duchenne, de Becker,
ao X, ELA juvenil congénitas
Tooth 1 e 3) miopatias congénitas,
miopatias metabólicas

Síndrome
Guillain-Barré, Miastenia gravis Miosites (virais,
Adquiridas Poliomielite
Paralisia de Bell, Botulismo dermatomiosite)
Neuropatias tóxicas
Doença neuromuscular

N: normal; VC: velocidade de condução; AD: autossómica dominante; ELA: esclerose lateral amiotrófica; EMG: electromiograma; HMSN: neuro-
patias hereditárias sensitivo-motoras (hereditary motor sensory neuropathies); ROT: reflexo osteo-tendinoso; SMA: atrofia muscular espinhal (spinal
muscular atrophy).
a
Marcha “de pato” ou “miopática”; b Distrofia miotónica; c Miopatias metabólicas.

Biópsia muscular e do nervo


Principal indicação: suspeita de miopatias estruturais e neuropatias. 135
Nas distrofias musculares há degeneração e regeneração das fibras musculares, que são de várias
dimensões e que estão separadas por tecido conjuntivo em proliferação. Podem diagnosticar-se
vários tipos através de técnicas de histoquímica e imunohistoquímica.
A biópsia do nervo pode ajudar a confirmar o diagnóstico de neuropatia desmielinizante.
Quando suspeitar de

Para além destes, há a considerar os estudos de genética molecular, que são dirigidos e reservados
para quando há um elevado grau de suspeição para determinado tipo de doença neuromuscular
(atrofias musculares espinhais, algumas neuropatias, síndromes miasténicas congénitas, vários ti-
pos de distrofias musculares e miopatias).

Tratamento
O tratamento das doenças neuromusculares é de suporte ou paliativo em áreas como a reabilita-
ção motora, uso de ortóteses, cirurgia ortopédica, melhoria do compromisso da função respirató-
ria (ventilação não invasiva), das dificuldades de deglutição (gastrostomia) para além da promoção
da integração socio-familiar, em que o envolvimento dos recursos comunitários e escolares é
essencial.
Algumas formas de doença neuromuscular têm tratamento farmacológico:
•miastenia gravis - anticolinesterásicos, terapêutica imunomoduladora (imunoglobulina, plas-
maferese) e imunosupressora (corticosteróides, anticorpos monoclonais anti-linfócitos B);
•d istrofias musculares progressivas: corticosteróides (terapêutica genética em estudo).

Todas as crianças com doença neuromuscular deverão ter um seguimento multidisciplinar. Todos
os casos suspeitos ou confirmados deverão ser encaminhados para a consulta de Neurologia Pe-
diátrica de um centro de referência.

Doença neuromuscular

136
Quando suspeitar de

27. Alergia às proteínas do leite de vaca


Raquel Firme, Cristina Silvério

Introdução
A alergia às proteínas do leite de vaca (APLV) constitui a alergia alimentar mais comum na primeira
infância, com uma prevalência estimada de 2-3% dos lactentes e crianças. Tem um pico de inci-
dência aos três meses de idade, a maioria após introdução de leite adaptado, mas em 0,4 a 2% po-
de apresentar-se uma semana após o nascimento em lactentes sob aleitamento materno exclusivo.
Constitui uma reacção imunológica a uma ou várias proteínas do leite de vaca das quais se desta-
cam: caseína, b-lactoglobulina e a-lactoalbumina.
Cerca de 6-17% de crianças com APLV são-no também às proteínas do leite de soja.
São factores de risco potenciais para APLV: predisposição genética (antecedentes de atopia familiar
em 50 a 75% dos casos), prematuridade, antibioterapia nos primeiros meses de vida e/ou contacto
precoce e esporádico com proteínas do leite de vaca.

Abordagem diagnóstica
Clínica
Quadro clínico heterogéneo (Tabela 46) e de baixa especificidade (pode indicar outras doenças
como DRGE, diarreia infecciosa, alterações anatómicas).
Avaliação do peso e comprimento (para avaliação do grau de repercussão) e/ou sinais e sintomas
sugestivos de APLV (50-60% cutâneos/gastrointestinais e 20-30% respiratórios).
A grande maioria das crianças (75-92%) apresenta atingimento de mais que um órgão ou sistema,
embora a expressão cutânea seja a mais frequente (eritema, urticária, angioedema).
Evolução temporal varia de acordo com tipo:
• IgE-mediada, usualmente reacção imediata de poucos minutos até 2 horas após o contacto com
o antigénio (hipersensibilidade de tipo I) - sintomas cutâneos em 80% mas também gastrointes-
tinais ou mesmo anafilaxia;
• não IgE-mediada, habitualmente reacção tardia de horas a dias (2-7 dias) após exposição ao leite
de vaca (hipersensibilidade de tipo III ou IV) - predominantemente gastrointestinal;
• t ipos mistos (muitas vezes não é possível diferenciar, só pela clínica, as duas entidades).
Alergia às proteínas do leite de vaca

Diagnóstico
O diagnóstico é essencialmente clínico e pode ser confirmado por:
• testes cutâneos por picada e doseamento de IgE específicas (caseína, α-lactoalbumina, β-lacto-
globulina) - alta sensibilidade e baixa especificidade; indicam apenas sensibilização com possível
reacção imediata (IgE-mediada); podem ser negativos nas crianças com sintomas gastrointesti-
nais e provável reacção tardia (não IgE-mediada); não usar como critérios de diagnóstico defini-
tivo; quanto mais elevados os títulos ou diâmetro de reacção, maior probabilidade de reacção 137
futura ou persistência da alergia (sobretudo à caseína);
• ensaio terapêutico com dieta sem proteínas do leite de vaca (da criança e/ou mãe no caso de leite
materno) se clínica importante e diagnóstico provável; período de remissão clínica varia entre
3 e 6 dias (IgE-mediada) a 2 a 4 semanas (não IgE-mediada); se após este período não ocorrer
melhoria o diagnóstico de APLV é pouco provável;
Quando suspeitar de

• prova de provocação oral - embora seja o gold standard para o diagnóstico, não é realizada ro-
tineiramente; não deve ser realizada se suspeita clínica de APLV for fortemente apoiada por IgE
específicas positivas e se exposição ao antigénio é potencialmente fatal, como por exemplo uma
crise anafiláctica anterior.

Tabela 46: Manifestações clínicas na alergia às proteínas do leite de vaca


Tipo de Manifestações clínicas
reacção
Cutâneas Urticária, angioedema, dermite atópica
IgE-mediada Gastrointestinais Náuseas e vómitos, dor abdominal, diarreia
(+ de 50% dos
doentes) Respiratórias Rinoconjuntivite, sibilância e/ou tosse, edema laríngeo

Generalizadas Anafilaxia

Cutâneas Urticária, dermite atópica

Gastrointestinais Refluxo gastro-esofágico, hematoquésia, obstipação, esofagite eosinofílica,


Não IgE-
enteropatia perdedora de proteínas, proctocolite
mediada
Inespecíficas Anemia ferropénica, irritabilidade, recusa alimentar, má progressão
ponderal

Orientação e terapêutica
Exclusivamente amamentados
Manter LM exclusivo até aos 6 meses de idade, sempre que possível. Exclusão de leite e derivados
na dieta materna durante o período de ensaio terapêutico e até prova de provocação oral e após
a mesma se a re-introdução provocar sintomas (mãe deve ser suplementada com cálcio 1.000 mg/
dia e fazer aconselhamento nutricional). Nos casos graves ou complicados (eczema grave, colite
com má progressão e/ou hipoproteinémia e/ou anemia grave) mudar para uma dieta elementar
enquanto a mãe faz transição para dieta isenta de lácteos (máximo 12 dias).

Exclusivamente leite adaptado


Leite extensamente hidrolisado de caseína ou proteínas do soro. Uma dieta elementar pode ser
considerada se casos graves ou se sintomas persistem por 2 a 4 semanas (5% dos casos) com um
leite extensamente hidrolisado. Os leites de soja, apesar de mais baratos e de maior palatabilidade,
Alergia às proteínas do leite de vaca

são uma alternativa apenas em lactentes com idade superior a 6 meses, em formas leves da doença
e de reacção não IgE-mediada, pelo risco simultâneo de alergia ao leite de soja (obrigatório excluir),
por serem nutricionalmente menos equilibradas e por conterem isoflavonas (efeito estrogénico).
Leites de outros animais: nutricionalmente pobres com risco de reactividade cruzada (80%).

Diversificação alimentar ou dieta familiar


Exclusão de leite e derivados da dieta (Tabela 47). Não adiar a introdução de alimentos com maior
potencial alergénico (como o ovo, peixe, frutos secos), a não ser que haja alergia concomitante. 138
Quando suspeitar de

Prova de provocação oral


Sempre sob supervisão médica deve ser feito preferencialmente em meio hospitalar (mesmo nos
casos em que as IgE específicas são negativas) e obrigatoriamente se: história de reacção imediata,
resposta não previsível (crianças com IgE específica que nunca foram expostos a leite de vaca ou
estiveram muito tempo sem estarem expostos) e dermite atópica grave. Geralmente 3 a 6 meses
após a evicção ou 12 meses a 2 anos se reacção anafiláctica prévia. Não é necessária a negativação
das provas cutâneas ou das IgE específicas.

Referenciação
Consulta de Imunoalergologia ou Gastroenterologia Pediátrica: devem ser encaminhadas todas as
crianças com suspeita de APLV para consulta de especialidade de forma a ser programada a prova
de provocação oral.
Consulta de Nutrição nos doentes com dieta restrita depois dos 12 meses, de forma a planear
uma dieta nutricionalmente equilibrada, para garantir o aporte de nutrientes, nomeadamente de
proteínas, cálcio, vitaminas A e D.
Consulta de Gastroenterologia Pediátrica: se sintomas gastrointestinais não explicados, má pro-
gressão ponderal ou anemia ferropénica para eventual endoscopia.

Tabela 47: Fontes de proteínas do leite de vaca e proteínas de soja


Alimentos/ingredientes que contém proteínas do leite de vaca Alimentos que contém proteínas
Leite, natas, chantilly, manteiga, leite condensado/evaporado/desnatado, de soja
margarina, soro de leite, lactose, caseína, lactoalbumina, lactoglobulina, Soja, sementes da soja, miso, tofu
iogurtes, queijo (qualquer tipo), gelado, papas lácteas
Alimentos que podem conter
Alimentos que podem conter proteínas do leite de vaca proteínas de soja
Carnes processadas, preparados de vegetais, sopas, rebuçados, hambúrgueres, Cereais, pastilhas elásticas, sobremesas,
bolos, molhos para saladas, alimentos pré-confeccionados (fritos em carnes processadas, molhos, temperos,
margarina), papas não lácteas (podem conter vestígios ou caseinatos) snacks, sopas, espessantes

Prognóstico
A APLV é geralmente transitória. Na forma IgE-mediada remite em 50% aos 5 anos de idade e em
75% na adolescência. Nos casos de APLV não IgE-mediada, a remissão ocorre mais cedo.
São factores de pior prognóstico, no que diz respeito às taxas de remissão: IgE-mediada, maior Alergia às proteínas do leite de vaca

diâmetro de reacção nos testes cutâneos ou maiores níveis de IgE específica (sobretudo caseína),
persistência de APLV aos 5 anos, existência de sensibilizações concomitantes ou coexistência de
dermatite atópica (50%). Dezoito a 50% destas crianças desenvolve alergias a outros alimentos.

139
Como interpretar

28. Hemograma
Anabela Morais

Introdução
O hemograma é um meio complementar diagnóstico de primeira linha na avaliação de doença
sistémica ou da função medular. Frequentemente sugere o diagnóstico e tem um potencial de
informação excelente quando interpretado em correlação com a clínica. Faz a análise quantitativa
e parcialmente qualitativa dos elementos celulares maduros do sangue periférico (eritrócitos, leu-
cócitos e plaquetas).
Actualmente, o método utilizado é o automático, pelos contadores hematológicos, que permi-
tem quantificar os vários parâmetros com maior precisão e rapidez. A grande desvantagem é
a insensibilidade da caracterização, identificação das células anormais e imaturas e, por isso, o
exame morfológico em esfregaço de sangue periférico (ESP) é um complemento insubstituível do
hemograma.
Os parâmetros eritrocitários consistem na contagem dos eritrócitos, hemoglobina (Hb), hematócri-
to (Htc), volume globular médio (VGM), hemoglobina globular média (HGM), concentração média
de hemoglobina globular (CMHG), dispersão dos volumes eritrocitários (RDW) e reticulócitos. Os
leucocitários incluem a contagem total e diferencial dos leucócitos e os plaquetários o número de
plaquetas, plaquetócrito, volume plaquetário médio (VPM), dispersão volume plaquetário (PDW).

Parâmetros eritrocitários
Para se definir correctamente alterações da eritropoiese (na série eritrocitária) é fundamental co-
nhecer os valores normais adaptados à idade, sexo e raça. Existe no RN eritrocitose, macrocitose e
reticulocitose fisiológica e na raça negra os valores são em média mais baixos, cerca de 0,5 g/dL.
O eritrócito, unidade funcional da eritropoiese, é caracterizado por 3 parâmetros quantitativos – os
eritrócitos, o Htc e a Hb. A concentração da Hb é o mais fiável e por isso o utilizado para definir
alterações da eritropoiese – anemia e eritrocitose.
Dos índices qualitativos, o VGM é o mais utilizado e com maior significado na classificação mor-
fológica das anemias. Avalia com precisão o volume eritrocitário e define-o em microcítico, nor-
mocítico, macrocítico, quando está diminuído, normal ou elevado, respectivamente. É a alteração
mais precoce, comparativamente com os outros índices qualitativos, constituindo um excelente
sinal de alarme.
A HGM e a CMHG, têm um valor diagnóstico limitado, porque são indicadores cuja alteração tem
um aparecimento mais tardio. O RDW quantifica a variação individual do volume e tamanho do
eritrócito. É útil no diagnóstico diferencial das anemias microcíticas e em particular entre a anemia
Hemograma

ferropénica em fase inicial e as formas minor de talassémia. O RDW elevado é a alteração mais
precoce na anemia ferropénica.
Os reticulócitos são um sinal de juventude, reflectem actividade real hematopoiética, e são essen- 140
ciais na classificação funcional das anemias, em regenerativas e arregenerativas. Como índice de
produção medular, deve ser utilizado a contagem de reticulócitos absoluta (CRA) que se calcula
multiplicando a % de reticulócitos pelo número de eritrócitos/L ou a percentagem absoluta. Na
prática clínica usa-se o valor absoluto e consensualmente define-se resposta reticulocitária adequa-
da, face a anemia, um valor absoluto de reticulócitos superior a 100.000/μL.
A interpretação dos índices eritrocitários tem como objectivo detectar sinais de alarme.
Como interpretar

Anemia
Em primeiro lugar avaliar se a alteração eritrocitária consiste em anemia, se é isolada ou associada
a outras citopénias; duas ou mais séries envolvidas, até prova em contrário, sugerem envolvimento
medular, causa central.
Em segundo lugar avaliar os reticulócitos. Há resposta reticulocitária adequada?
Se sim, estamos perante uma anemia regenerativa e as hipóteses diagnósticas mais prováveis são
a hemorragia aguda ou a hemólise. Normalmente é uma anemia normocítica ou ligeiramente
macrocítica e a morfologia em ESP é fundamental, porque pode fazer o diagnóstico pelas caracte-
rísticas específicas – drepanócitos, esferócitos.
Se não, estamos perante uma anemia arregenerativa e sugere alteração da eritropoiese e com base
nas características morfológicas eritrocitárias, são possíveis vários cenários:
• se VGM diminuído, na prática clínica as hipóteses diagnósticas mais prováveis são: a anemia
ferropénica e as formas minor de talassémia; o padrão hematológico fortemente sugestivo de
anemia ferropénica consiste em RDW elevado, anisocitose, microcitose, anemia proporcional
à microcitose e índice de Mentzer superior a 14 (calcula-se dividindo o VGM pelo número de
eritrócitos); o fenótipo hematológico típico das síndromes talassémicas é microcitose acentuada,
hipocromia acentuada, ponteado basófilo, células em alvo, anemia ligeira, eritrócitos em número
normal ou ligeiramente aumentado e índice de Mentzer inferior a 12;
• se VGM normal e anemia arregenerativa, é uma doença hematológica primária central ou ma-
nifestação de doença sistémica; nas causas centrais a anemia é grave, pode ser isolada ou asso-
ciada a outras citopénias; se ESP revelar características leucoeritroblásticas pensar em infiltração
medular; se existe clínica evidente de patologia associada, renal, hepática ou endócrina, o diag-
nóstico é relativamente fácil; normalmente a anemia é ligeira, excepto na doença renal em que
é mais acentuada;
• o VGM elevado (macrocitose) associado à reticulocitopénia, per si, constitui um sinal de alarme –
sinal de lesão medular; com base na morfologia em ESP as duas hipóteses possíveis são doença
hematológica primária central ou anemia por défice de vitamina B ou de ácido fólico.

Eritrocitose
Na criança, e por consenso, considera-se eritrocitose quando Hb superior a 17 g/dL ou Htc superior
a 50%. A principal causa na prática clínica é eritrocitose relativa associada à hemoconcentração
e desidratação.

Parâmetros leucocitários
O hemograma avalia com precisão alterações quantitativas dos leucócitos e dos vários tipos de leu-
cócitos, mas a caracterização das alterações qualitativas leucocitárias só com base nos parâmetros
Hemograma

automatizados não é possível. Na prática clínica, quando confrontados com as várias alterações
leucocitárias, a prioridade é na distinção entre alterações benignas e malignas, isto é, se é reactiva
a um desafio ou stress, ou se é doença clonal (mielo ou linfoproliferativa). 141
A contagem total de leucócitos pode estar aumentada (leucocitose) ou diminuída (leucopénia) por
aumento ou diminuição de um ou mais tipos de leucócitos respectivamente.
À semelhança dos parâmetros eritrocitários, os leucocitários têm que ser adaptados à idade e raça.
Deve-se sempre calcular o número absoluto dos vários tipos de leucócitos.
Como interpretar

Neutropénia
Classifica-se a neutropénia como ligeira quando o número absoluto de neutrófilos é de 1.000 a
1.500/μL, moderada entre 500 a 1.000/μL e grave quando é inferior a 500 neutrófilos/μL. Existe
neutropénia ligeira constitucional da raça negra.
Constituem sinais de alarme perante uma neutropénia, fundamentalmente o contexto clínico:
criança doente versus criança saudável, o estado geral, antecedentes pessoais de infecções (gravi-
dade e número), má progressão ponderal, sintomas associados como diarreia, eczema. No hemo-
grama existem alguns sinais de alarme, nomeadamente outras citopénias e macrocitose associadas
(fortemente sugestivas de lesão medular). A associação de neutropénia com linfopénia, eosinofilia
e monocitose surgem frequentemente em situações graves como imunodeficiência, síndrome de
falência medular hereditária (síndrome de Kostman).

Neutrofilia
Após as duas semanas de vida, define-se neutrofilia quando o número absoluto de neutrófilos é
igual ou superior a 7.500/μL.
A criança tem maior facilidade em libertar granulócitos imaturos e atingir leucocitoses maiores,
face a um stress, podendo atingir contagens acima de 50.000/μL, que associada a neutrofilia,
define-se como reacção leucemóide, que é um sinal de alarme. A basofilia, eosinofilia e a presença
no ESP de células mieloides imaturas, inclusive metamielócitos, mielócitos, promielócitos, mielo-
blastos, também são um sinal de alarme.
É obrigatório fazer diagnóstico diferencial entre neutrofilia reactiva (infecção) e doença mieloproli-
ferativa. Na neutrofilia reactiva, os basófilos e eosinófilos são sempre normais.

Linfopénia
Define-se linfopénia, quando o número absoluto de linfócitos é inferior a 1.500/μL, sendo grave se
inferior a 500/μL. Perante linfopénia, pensar em imunodeficiência, se clínica e existência de outras
alterações hematológicas.

Linfocitose
É conhecida a linfocitose fisiológica até aos 4 anos. Após os 4 anos, considera-se linfocitose quan-
do o número absoluto de linfócitos é superior a 4.000/μL.
Na prática clínica, a causa mais frequente de linfocitose absoluta é infecção viral aguda, sendo a
infecção por EBV a que cursa com linfocitose mais acentuada. A linfocitose absoluta merece sem-
pre atenção. A prioridade é fazer diagnóstico diferencial entre linfocitose reactiva versus linfocitose
por doença clonal (doença linfoproliferativa).
São sinais de alarme perante uma linfocitose, o contexto clínico associado a outras citopénias. A
morfologia do esfregaço de sangue periférico é fundamental.
Hemograma

Monocitose, Basofilia
A monocitose (acima de 500/μL) e a basofilia (acima de 100/μL) têm de ser interpretadas em cor-
relação com as outras alterações leucocitárias e outras citopénias e obviamente contexto clínico. 142
A monocitose por si não tem valor diagnóstico, normalmente é um mecanismo fisiológico com-
pensador face a uma neutropénia. Os basófilos estão associados a reacções de hipersensibilidade
de tipo imediato.
Como interpretar

Eosinofilia
Considera-se contagem normal de eosinófilos entre 150 e 400/μL. A eosinofilia classifica-se em li-
geira (400 a 1.500/μL), moderada (1.500 a 5.000/μL) e grave (superior a 5.000/μL). As causas mais
frequentes são a alergia e a parasitose, por parasitas invasivos. A eosinofilia causada pela alergia é
sempre ligeira a moderada.
São sinais de alarme na eosinofilia grave a coexistência de outras alterações hematológicas e a
clínica.

Parâmetros plaquetários
Trombocitopénia
A causa mais frequente de trombocitopénia em pediatria é a trombocitopénia imune, cujo diag-
nóstico é de exclusão, e assenta num quadro clínico caracterizado por uma discrasia cutânea
(petéquias), sem outros sinais ou sintomas associados e cujo exame objectivo é normal. Labora-
torialmente caracteriza-se exclusivamente por trombocitopénia isolada, normalmente inferior a
10.000/μL.
Perante uma trombocitopénia, são sinais de alarme: clínica de astenia, mau estado geral, dor
óssea; no exame objectivo, organomegália, adenomegália, alterações fenotípicas; coexistência de
outras citopénias, macrocitose, plaquetas com dismorfias.

Trombocitose
A trombocitose classifica-se como ligeira se a contagem plaquetária estiver entre 500.000 e
700.000/μL, moderada se entre 700.000 e 900.000/μL e grave se superior a 1.000.000/μL. É
fundamental diferenciar as causas primárias das secundárias ou reactivas. Em pediatria, a maioria
são trombocitoses reactivas e a contagem é ligeira ou moderadamente aumentada; normalmente
a causa é aparente.
São sinais de alarme: a trombocitose extrema (superior a 1.500.000 /μL), a clínica e plaquetas com
dismorfias.
O hemograma é um meio complementar diagnóstico de primeira linha na avaliação de doença
sistémica ou da função medular. Frequentemente sugere o diagnóstico e tem um potencial de
informação excelente quando interpretado em correlação com a clínica.
Hemograma

143
Como interpretar

29. Provas da coagulação


Anabela Morais

Introdução
Para a identificação adequada de uma alteração da coagulação é suficiente, numa primeira fase, o
estudo do tempo de protrombina e do tempo de tromboplastina parcial activada. O fibrinogénio,
assim como os seus fragmentos e os da fibrina, só devem ser doseados caso se suspeite de uma
coagulopatia mais complexa.

Tempo de protrombina e tempo de tromboplastina


activada
O tempo de protrombina (TP) e o tempo de tromboplastina parcial activada (aPTT) avaliam a inte-
gridade da cascata da coagulação (vias intrínseca, extrínseca e comum).
O primeiro factor que influencia as suas determinações é exógeno à coagulação, e diz respeito à
técnica de colheita de sangue:
• deve ser evitado o mais possível traumatismo na punção, pois este procedimento liberta trom-
boplastina tecidular endógena;
• a quantidade de sangue colhido deve obedecer ao preconizado pelo laboratório que fará as
determinações pois existe uma relação precisa com a quantidade de anticoagulante utilizado;
• a aspiração durante a colheita e a sua passagem para o tubo deve ser suave para evitar a hemó-
lise traumática;
• o envio da amostra de sangue ao laboratório deve ser imediata ou com a maior brevidade possí-
vel para evitar a degradação dos factores da coagulação.

Na prática clínica justifica-se a utilização destes dois exames em simultâneo porque devem ser
interpretados comparados um com o outro.
Se o TP está prolongado e o aPTT normal o doente tem um défice de factor VII hereditário, se for
excluído terapêutica com anticoagulantes orais e insuficiência hepática.
Se o aPTT está prolongado e o TP normal pensar em défice dos factores da via intrínseca e anticor-
pos anticoagulantes em circulação, se excluirmos terapêutica com heparina.
Para identificar a existência de anticoagulante circulante, deve repetir-se a realização do aPTT com
o chamado teste de mistura que consiste numa mistura de 1:1 de plasma do doente e plasma
normal: se o aPTT corrigir estamos perante a existência de um anticoagulante circulante; esta é
Provas da coagulação

uma situação que na prática clínica acontece com alguma frequência quando se realizam estudos
da coagulação (TP e aPTT) em episódios infecciosos nomeadamente virais.

Tempo de protrombina
Avalia as vias extrínseca e comum.
É mais sensível para os défices de factores dependentes de vitamina K e factor VII. 144
Está alterado na presença de anticoagulantes orais.
Os valores normais dependem das tromboplastinas comerciais utilizadas pelos laboratórios.
O INR é utilizado para controlo de anticoagulação, o que permite comparar resultados de labora-
tórios diferentes.
Como interpretar

Tempo de tromboplastina parcial activada


Avalia as vias intrínseca e comum.
É mais sensível para os défices de factores XII, XI X, IX, VIII e V.
Está alterado na presença de anomalias do plasminogénio, de anticoagulantes circulantes e de
heparina.
Os valores normais também dependem de cada laboratório, considerando-se um valor anormal
(aPTT prolongado) quando o tempo do doente é 4 a 5 vezes superior ao tempo normal de controlo.

Tendo em conta um esquema muito simplificado da cascata da coagulação (Figura 6) é possível


elaborar um algoritmo prático de interpretação das provas da coagulação básicas que habitual-
mente são efectuadas em ambulatório (Figura 7).

Figura 6: Esquema básico da cascata da coagulação

VIA INTRÍNSECA

XII XIIa

XI XIa VIA EXTRÍNSECA

IX IXa / VIIIa VIIa VII

V X Xa/V
I XIII
A
Protrombina Trombina
C
O
M XIIIa
U
M
Fibrina
Fibrinogénio
(coágulo)

Figura 7: Coagulação – Algoritmo de interpretação

Alteração da Hemostase
Provas da coagulação

Défice XIIa, XI, IX, VIII


TP N Anticoagulantes circulantes.
Na via intrínseca
aPTT ↑ Heparina
Doença de von Willebrand

Défice factor VIIb


Na via extrínseca
TP ↑
Varfarina 145
aPTT N
Défice de vit. K

Défice I, II, V, X
TP ↑ Défice de vit. K
Na via comum
aPTT ↑ Doença hepática
CID

a
O défice de factor XII não cursa com hemorragias; b O défice hereditário é muito raro
TP: tempo de protrombina; aPTT: tempo de tromboplastina parcial activada; CID: coagulação intravascular disseminada
Como interpretar

30. Exame citoquímico de urina


Carla Simão

Introdução
O exame de urina proporciona ao clínico informações sobre patologia renal e do tracto urinário,
bem como sobre algumas patologias extra-renais. É um exame a que frequentemente se recorre
pela sua simplicidade, baixo custo e pela facilidade na obtenção da amostra para análise. O exame
completo envolve o exame físico ou macroscópico, exame químico, exame microscópico ou do
sedimento urinário e o exame microbiológico.
O exame de urina requer a colheita de uma amostra fresca de urina vesical, uma amostra de urina
colhida e processada no intervalo de 2 horas se mantida à temperatura ambiente ou 4 horas se
refrigerada. Idealmente a urina deve ser obtida a partir do jacto médio, após limpeza adequada da
área circundante ao meato urinário. A primeira urina da manhã fornece melhor informação porque
é habitualmente mais concentrada e mais ácida (preservando melhor as células e os cilindros).
A interpretação dos resultados do exame sumário de urina e exame microscópico da urina requer
sempre a correlação com dados clínicos.

A urina tipo II é um exame automatizado, quantitativo, que engloba:


• características fisico-químicas - cor, aspecto, densidade, pH, esterase leucocitária ou leucócitos,
nitritos, proteínas, glicose, corpos cetónicos, urobilinogénio, bilirrubina, hemoglobina;
• e studo do sedimento urinário, por citometria de fluxo.

O exame com tira reagente é um exame químico, qualitativo (semi-quantitativo):


• a tira reagente permite a pesquisa e a dosagem de elementos presentes na urina de modo
mais rápido, mais simples e mais económico, podendo ser utilizada no gabinete de consulta e/
ou urgência. É um método de análise das características químicas da urina, qualitativo e não
automatizado;
• pesquisa-se: densidade, pH, glicose, corpos cetónicos, bilirrubina, urobilinogénio, proteínas, he-
moglobina, nitritos e leucócitos.

Características físico-químicas da urina


Cor: é variável e pouco confiável, podendo estar alterada pela presença de sangue, hemoglobina,
bilirrubina, corantes alimentares e medicamentos (Tabela 48). Normalmente tem coloração
Exame citoquímico de urina

entre amarelo-citrino e amarelo-avermelhado. O urocromo é o principal responsável pela cor


amarela e a uroeritrina pela vermelha. Em condições patológicas (estado febril, por exemplo) o
teor de uroeritrina aumenta e a urina torna-se acentuadamente vermelha. A coloração amarela-
esverdeada geralmente é produzida pela presença de pigmentos biliares, principalmente a
bilirrubina. A urina ácida em geral é mais escura do que a alcalina.
146
Aspecto: geralmente a urina, recentemente emitida, é límpida. A turvação pode dever-se à
precipitação de fosfatos (sem importância clínica) ou uratos, leucocitúria, hematúria, quilúria ou
presença de microorganismos.
Como interpretar

Densidade: o valor normal oscila entre 1.010 e 1.020. Correlaciona-se com a osmolalidade
urinária, ajudando a definir o estado de hidratação do doente. Este parâmetro reflete a capacidade
do rim em concentrar a urina. Valores abaixo de 1.010 podem traduzir bom estado de hidratação
ou defeito de capacidade de concentração da urina. Valores acima de 1.020 podem traduzir
desidratação.

Tabela 48: Alteração da cor da urina


Cor da urina Substâncias/Fármacos

Bilirrubina
Nitrofurantoína
Amarela Cloroquina
Riboflavina
Sulfasalazina

Hemoglobina
Mioglobina
Castanha ou vermelha
Eritrócitos
Rifampicina

Ácido homogentísico
Metronidazol
Castanha ou preta
Quinina
Metildopa

Azul de metileno
Azul ou verde Amitriptilina
Infecção por pseudomonas

Leucocitúria abundante
Branco ou leitosa Linfa
Cristais de fosfatos

pH: o pH urinário pode variar entre 4,5 e 8. O pH normal é ligeiramente ácido, entre 5,5 a 6,5. As
alterações do pH urinário são geralmente produzidas em resposta às variações do pH sérico. São
excepção os doentes com acidose tubular renal, nos quais há uma incapacidade de acidificação
da urina para atingir um pH inferior a 5,5. Ou seja, o doente tem acidose, mas a urina é alcalina,
devido à incapacidade de reabsorver bicarbonato ou de secretar iões hidrogénio.
A determinação do pH é ainda útil no diagnóstico e abordagem da litíase renal e infecções uriná-
rias. A presença de uma urina alcalina num doente com infecção urinária é sugestiva da presença
de um organismo produtor de urease (exemplo: Proteus spp ou Klebsiella spp) os quais se associam
Exame citoquímico de urina

a cálculos de fosfato de amónia. Urina ácida e litíase é geralmente sinónimo de cálculos de ácido
úrico.

Leucócitos ou esterase leucocitária: na tira reagente a esterase leucocitária, produzida


pelos neutrófilos, constitui um sinal de presença de leucócitos na urina. Falsos positivos são
raros. Falsos negativos podem ocorrer em especial se proteinúria ou glicosúria significativas. A
147
especificidade é baixa e a sensibilidade de 80-90%.
A causa mais frequente de resultado positivo são as infecções urinárias, mas também pode ocorrer
na balanite, vulvoginite, tuberculose, litíase e tumor da bexiga.

Nitritos: a presença de nitritos na urina resulta da conversão dos nitratos por bactérias,
presentes em quantidade significativa (superior a 10.000/mL) e na maioria dos casos são Gram
negativas. A tira teste apresenta baixa sensibilidade e elevada especificidade (98%).
Como interpretar

Proteínas: na criança considera-se normal uma excreção urinária de proteínas inferior a 100
mg/m2/dia, ou inferior a 4 mg/m2/hora ou total de 150 mg/dia. No recém-nascido pode ser
normal até 300 mg/m2/dia. Define-se proteinúria nefrótica se proteinúria superior a 1 g/m2/dia ou
superior a 40 mg/m2/hora e este valor é sempre indicador de doença renal. Numa amostra isolada
de urina uma relação proteína/creatinina na urina superior a 2 é nefrótica.
O método mais utilizado para medir a proteinúria é a tira reagente e mede a concentração de al-
bumina por um método colorimétrico (Tabela 49). Não detecta proteínas de baixo peso molecular
nem baixas concentrações de albumina. A sensibilidade do teste é muito boa, detecta concen-
trações de 5 a 10 mg/dL, abaixo do limite clínico para definição de proteinúria. A sensibilidade e
especificidade na detecção de albuminúria é de 99%.

Tabela 49: Valor da proteinúria na tira reagente


Resultado Estimativa

+1 30 mg/dL

+2 100 mg/dL

+3 300 mg/dL

+4 ≥ 1.000 mg/dL

Em crianças com uma tira reagente positiva para proteínas é necessário quantificar a excreção
através da medição da proteinúria numa amostra de urina de 24 horas ou calculando a relação
proteína/creatinina numa amostra isolada, utilizando preferencialmente a primeira urina da ma-
nhã. Considera-se normal um valor inferior a 0,2 em crianças com mais de 2 anos ou inferior a 0,5
em crianças com menos de 2 anos.
O aumento da excreção urinária de proteínas pode dever-se a aumento da filtração de proteínas,
diminuição da absorção ou sobrecarga proteica. O significado clínico é variável, pode associar-se
a patologias graves ou ser benigna. A proteinúria pode ser transitória, ortostática ou persistente.
A persistência associa-se a risco elevado de doença renal. A proteinúria é um marcador de doença
renal e cardiovascular.

Glicose: vários hidratos de carbono (glicose, lactose, galactose, frutose) podem ocasionalmente
estar presentes na urina. O mais frequente é a glicose, livremente filtrada no glomérulo e
reabsorvida no tubo contornado proximal em condições normais. A glicosúria ocorre se a
Exame citoquímico de urina

quantidade filtrada ultrapassa a capacidade de reabsorção (cerca de 200 mg/dL) como acontece
na diabetes mellitus ou quando existe disfunção do tubo contornado proximal (síndrome de
Fanconi, efeito de fármacos).

Corpos cetónicos: este parâmetro detecta a presença de acetoacetato e acetona na urina.


São excretados na urina corpos cetónicos em diferentes situações: cetoacidose diabética, jejum
prolongado, vómitos e exercício físico intenso. 148
Bilirrubina e urobilinogénio: em condições normais a urina não contém quantidade
detectável de bilirrubina. Esta encontra-se no sangue sob as formas livre (não conjugada) e
combinada (conjugada). A presença de bilirrubina na urina ocorre quando a bilirrubinémia se
situa acima dos 2 mg/dL e representa a bilirrubina conjugada, podendo indicar possível colestase.
Como interpretar

O urobilinogénio aumenta em situações de hemólise e doença hepatocelular. A urina normalmen-


te contém traços de urobilinogénio, que rapidamente se oxida para urobilina. A taxa está elevada
quando há hemólise (anemia hemolítica) ou em hepatopatias. Encontra-se elevada também na
policitémia, no quisto hemorrágico do ovário, na doença hemolítica perinatal, em alguns estadios
da malária, na insuficiência cardíaca e na cirrose hepática.

Sangue e hemoglobina: hematúria é um termo utilizado para referir a presença de eritrócitos


na urina em número aumentado. Hematúria macroscópica designa presença de sangue na urina,
visível a olho nú (prevalência 0,13%). Hematúria microscópica traduz presença de sangue na
urina, detectada por citometria de fluxo ou exame microscópico (prevalência 1,5 %).
A definição de hematúria depende do método utilizado:
• citometria de fluxo (exame automatizado): superior a 20 eritrócitos/µL;
• microscopia: superior a 5-10 eritrócitos/µL na amostra de urina fresca não centrifugada, ou supe-
rior a 3 eritrócitos/campo de alta resolução na amostra de urina fresca centrifugada.
Quando se utiliza a tira reagente, a reacção colorimétrica que ocorre avalia a presença do grupo
heme, permitindo inferir indirectamente sobre a presença de eritrócitos. A hemoglobina peroxi-
dase, converte (oxida) o cromogéneo incorporado na tira reagente. Resultado positivo: coloração
verde/azul e pode significar sangue, hemoglobina, mioglobina, agentes oxidantes – hipoclorito,
peroxidases microbianas. A tira reagente tem alta sensibilidade (cerca de 100%), detecta até 150
µg/L, e baixa especificidade. Falsos negativos podem surgir em presença de agentes redutores (áci-
do ascórbico), urina concentrada (densidade urinária superior a 1.030), urina ácida (pH inferior a
5), proteinúria (superior a 5 g/L), tratamento com IECA (captopril). A positividade da tira reagente
determina a realização de estudo do sedimento urinário por citometria de fluxo ou de preferência
por exame microscópico para identificar a presença de eritrócitos.
A infecção urinária é a causa mais frequente de hematúria não glomerular; os traumatismos e
a hipercalciúria são também causas frequentes. A nefropatia a IgA é uma causa de hematúria
glomerular (habitualmente macroscópica, recidivante e ocorrendo em associação com infecção
respiratória alta). Não esquecer a patologia tumoral como uma causa de hematúria, que embora
seja rara é grave.

Sedimento urinário
O estudo do sedimento urinário pode ser efectuado por método automatizado (citometria de
fluxo) ou exame microscópico.
Exame citoquímico de urina

Citometria de fluxo
Permite identificar e quantificar a presença de células epiteliais, células redondas, leucócitos,
eritrócitos, cilindros hialinos e cilindros granulosos.
No caso de hematúria não permite fazer a distinção entre hematúria de causa glomerular ou não
glomerular, sendo neste caso necessário o exame microscópico.
149
Exame microscópico
Para proceder ao exame microscópico do sedimento urinário a urina deve ser recente, caso
contrário os elementos organizados (células, cilindros e cristais) perdem a sua estrutura normal.
A sua finalidade é detectar e identificar os elementos insolúveis. Alguns elementos não têm
significado clínico e outros são considerados normais, excepto se estiverem presentes em
Como interpretar

quantidade significativa, pelo que este exame deve compreender tanto a identificação quanto a
quantificação dos elementos encontrados.

Célula epiteliais: é comum encontrar este tipo de células que provêm do sistema de
revestimento do aparelho urogenital.

Leucócitos: geralmente são encontrados menos de 5 leucócitos por campo de grande ampliação
na urina normal, mas na urina feminina esse número pode ser maior. A inflamação e infecção
do sistema urogenital são causas de leucocitúria. A presença de piúria (leucócitos modificados)
ocorre em contexto infeccioso (pielonefrite, cisitite, uretrite e prostatite). A leucocitúria pode ser
observada em situações não infecciosas como o lúpus, glomerulonefrite e tumores.

Eritrócitos: já foi anteriormente definida a hematúria como a presença de eritrócitos em


número aumentado na urina. A visualização e caracterização morfológica dos eritrócitos é útil na
diferenciação da hematúria glomerular versus não glomerular.
No sexo feminino, após a menarca, também se deve considerar a possibilidade de contaminação
menstrual como causa de hematúria.

Cilindros: os cilindros são formados no túbulo renal adquirindo a forma do lúmen do túbulo
onde se formaram.
Cilindros hialinos: são os cilindros mais frequentes, formam-se nos túbulos distais e colectores. A
presença de até 2 cilindros por campo de pequena ampliação é considerado normal. Assumem
significado clínico quando o seu número é elevado, como pode acontecer no contexto de glo-
merulonefrite, pielonefrite, doença renal crónica e insuficiência cardíaca congestiva.
Cilindros granulares: é frequente observarem-se no sedimento urinário e podem ter significado
clínico ou não. A sua excreção está aumentada após stress e exercício físico intenso.
Cilindros celulares (células do túbulo renal): podem estar associados a qualquer lesão tubular mas
são mais frequentemente encontrados na necrose tubular aguda.
Cilindros hemáticos: traduzem a presença de patologia renal.
Cilindros leucocitários: a sua presença pode significar infecção ou inflamação. Podem aparecer no
caso de pielonefrite, glomerulonefrite aguda, ou lesão intersticial aguda ou crónica.

Bactérias: a sua presença em condições de colheita e processamento adequados de urina


traduzem infecção urinária. A bacteriúria assintomática caracteriza-se pela presença de bactérias,
sem piúria, na urina de um paciente assintomático, sendo mais frequente em raparigas em idade
Exame citoquímico de urina

escolar.

Cristais: os cristais mais comummente encontrados na urina ácida são constituídos por ácido
úrico. Os cristais de oxalato de cálcio também são frequentes. Na urina alcalina a maioria dos
cristais observados são fosfatos. Os cristais anormais mais importantes são de cistina, colesterol,
leucina, tirosina, bilirrubina, corantes radiológicos, sulfonamidas e outros medicamentos. A
maioria destes cristais estão presentes em urina ácida ou neutra. 150
Como interpretar

31. Electrocardiograma
Ana Rita Araújo, Inês Carmo Mendes, Rui Anjos

Introdução
Perante suspeita de patologia cardíaca o ECG é um exame de primeira linha: informativo, de fácil e
rápida execução e de baixo custo. Em idade pediátrica, a sua interpretação deve ter em conta va-
riações específicas da idade, relacionadas com características fisiológicas e anatómicas da criança.

Indicações mais frequentes para realização de ECG em idade pediátrica


Suspeita de doença cardíaca estrutural ou funcional cardíaca: precordialgia, palpitações, intole-
rância ao esforço, síncope, alterações de ritmo no exame clínico, sopros, alteração dos pulsos,
hipertensão arterial.
Suspeita de doença metabólica ou endocrinológica.
Início de terapêutica específica (exemplo: metilfenidato).
Avaliação médica para a prática de desporto.

Noções gerais e interpretação do ECG


Derivações
Plano frontal: I, II, III, AVR, AVL e AVF
Plano transversal: V1, V2, V3,V4,V5, V6
Derivações adicionais pediátricas: V3R, V4R, V7

Colocação dos eléctrodos (Figura 8)


V1: 4º espaço intercostal (EIC) direito, bordo esterno; V2: 4º EIC esquerdo, bordo esterno; V3: entre
V2 e V4; V4: 5º EIC esquerdo, linha médio-clavicular; V5: 5º EIC esquerdo, linha axilar anterior; V6:
5º EIC esquerdo, linha médio-axilar; V7: linha axilar posterior; V3R e V4R : “espelho” de V3 e V4.
AVR: punho direito; AVL: punho esquerdo; AVF: maléolo esquerdo

Figura 8: Colocação dos eléctrodos no tórax e orientação dos eixos das derivações
clássicas e precordiais
Electrocardiograma

Calibragem 151
Horizontal/duração (25mm/seg): 1 mm = 1 quadrado pequeno = 0,04 seg; 1 quadrado grande =
0,2 seg; 5 quadrados grandes = 1 seg.
Vertical / amplitude (10mm/mV): 1 mm = 1 quadrado pequeno = 0,1 mVolt; 2 quadrados grandes
= 1 mVolt.
Como interpretar

Ritmo sinusal
Ritmo normal é gerado no nódulo sinusal.
Onda P antecede QRS.
Defleção P positiva em DII e AVF, negativa em AVR.

Frequência cardíaca
FC = 300/número de unidades de 0,2 seg (quadrados grandes)
Valores normais de FC por grupo etário (repouso)
RN = 110 – 150 bpm
2 anos = 85 – 125 bpm
4 anos = 75 – 115 bpm
6 anos = 65 – 100 bpm

Ondas e intervalos (Tabela 50)

Tabela 50: Características das ondas e dos intervalos do ECG1


Onda P Despolarização auricular
Relação com dimensão das aurículas e com a origem estímulo eléctrico
Amplitude < 3 mm
Duração < 0,1seg

Onda Q Despolarização septal


Amplitude: DIII < 5 mm até 3 meses; < 8 mm até aos 3 anos; < 3 mm a partir 5 anos; V6: < 3mm
Duração < 0,02 seg

QRS Despolarização ventricular; mecanicamente corresponde à sístole ventricular


Q: despolarização do septo interventricular
R: despolarização do ápex
S: despolarização das paredes ventriculares
Duração: RN 0,05-0,08 seg; criança 0,05-0,06 seg; adolescência 0,06-0,08 seg

Onda T Repolarização ventricular; mecanicamente corresponde à diástole ventricular


É negativa de V4R a V1-3 do 4º dia de vida aos 11-14 anos e sempre positiva de V5-V7

Intervalo PR Início da onda P até início do QRS


ou PQ Representa a despolarização auricular, tempo de chegada do estímulo elétrico desde o nódulo sinusal até
ao nódulo aurículo-ventricular; mecanicamente corresponde à sístole auricular
Duração: < 12meses 0,75-0,15 seg; < 5 anos 0,85-0,16 seg, > 6 anos 0,9-0,17 seg

Intervalo QT Início da onda Q até ao final da onda T


Representa despolarização e repolarização ventricular, ou seja a duração da estimulação eléctrica do
ventrículo. Deve ler-se nas derivações DII, V5-V6 e usar o maior valor
Electrocardiograma

Grande variação com a FC: correcção com a fórmula de Bazett


Duração QTc: 0,03 - 0,48 seg

Intervalo ST Início da onda S até final da onda T, habitualmente isoeléctrico


Elevação/depressão < 1 mm (membros) < 2 mm (precordiais)
Duração < 0,08 seg
152

1 Ver http://www.mdcalc.com/corrected-qt-interval-qtc
Como interpretar

Eixo eléctrico do QRS


Eixo eléctrico do QRS no plano frontal
0 a +90o (+ DI e + AVF)
0 a -90o (+ DI e - AVF)
+90o a 180o (- DI e + AVF)
-90o a 180o (- DI e - AVF)

Eixo eléctrico QRS normal por grupo etário


1 semana a 1 mês: +30o a + 180o
1 a 3 meses: +10o a + 125o
3 meses a 3 anos: +10o a + 110o
Maior que 3 anos: +20o a + 120o
Adulto: -30o a + 105o

Figura 9: Eixo eléctrico do QRS

Electrocardiograma

153
Como interpretar

Valores normais em Pediatria (Tabela 51)

Tabela 51: Valores normais em Pediatria


Idade FC Eixo QRS Intervalo Q Q R S R/S R S R/S S V1 + (R + S)
PR DIII V6 V1 V1 V1 V6 V6 V6 R V6 V4
bpm Graus msec mm mm mm mm mm mm mm mm

< 1 dia 94-155 58-168 79-160 5 2 5-27 0.5-23 0.2-9.8 0-12 0.2-10 0.5-9 2-27 12-52
(122) (+135) (107) (14) (9) (2.3) (5) (4) (2.5) (13) (32)

1-3 dias 91-158 65-171 81-139 5 2 5-27 0.5-21 0.2-6.0 0.1-12 0.2-10 0.5-11 2-28 17-53
(24) (+134) (106) (15) (10) (2.0) (5) (3) (3) (14) (33)

3-7 dias 90-166 76-168 75-137 5 3 3-25 0.5-17 0.2-9.8 0.5-12 0.4-10 0.5-10 2-25 13-48
(128) (+133) (104) (13) (7) (2.8) (5) (4) (2.5) (12) (31)

7-30 dias 106-182 65-159 73-138 4 3 3-22 0.5-12 1.0-7.0 3-17 0.2-10 0.5-12 3-22 15-48
(148) (110) (101) (11) (4) (2.9) (8) (3) (4) (12) (31)

1-3 meses 120-179 31-115 73-130 5 3 3-19 0.5-13 0.3-7.5 5-22 0.3-7 0.5-12 6-29 22-58
(149) (75) (98) (10) (5) (2.3) (12) (3) (4.5) (17) (36)

3-6 meses 105-185 7-105 74-145 7 3 3-20 0.5-17 0.2-6.0 6-23 0.2-10 0.5-18 7-35 21-58
(142) (60) (106) (10) (6) (2.4) (14) (3) (6.5) (19) (38)

6-12 meses 107-168 7-98 73-156 6 3 2-20 0.5-18 0.1-3.9 6-23 0.2-8 0.5-22 7-33 21-50
(132) (54) (156) (9) (7) (1.8) (13) (2) (8) (19) (34)

1-3 anos 90-151 8-100 82-148 5 3 3-18 1-21 0.1-4.2 6-23 0.1-7 0.5-28 7-38 17-48
(119) (55) (114) (9) (9) (1.4) (14) (2) (9.5) (22) (33)

3-5 anos 73-137 7-104 85-161 4 3 2-18 2-22 0-2.8 9-25 0.1-6 0.8-30 13-42 17-52
(108) (55) (118) (8) (10) (0.9) (15) (2) (11) (25) (35)

5-8 anos 65-133 10-140 90-164 3 5 1-13 3-24 0-2.0 9-27 0.1-4 1-30 13-47 20-53
(100) (66) (124) (7) (12) (0.8) (17) (1) (12) (28) (36)

8-12 anos 63-129 9-115 87-171 3 3 0.5-10 3-26 0-1.9 10-26 0.0-4 2-33 15-45 21-50
(92) (61) (128) (6) (12) (0.6) (17) (1) (14) (28) (35)

12-16 anos 66-120 11-133 92-175 3 3 0.5-10 3-22 0-1.8 7-23 0-4 2-39 11-42 12-49
(86) (58) (135) (5) (11) (0.5) (15) (1) (15) (25) (29)
Limites normais correspondentes aos percentis P2-P98 ; valores médios entre parentesis (média).

Adaptado de Davignon et al, 1979.

Arritmia sinusal
Electrocardiograma

A FC aumenta durante a inspiração e diminui durante a expiração; ondas P sempre com a mesma
morfologia (Figura 10).

Figura 10: Arritmia sinusal


154
Como interpretar

Depressão do ponto J (Figura 11)

Figura 11: Depressão do ponto J

A B
(A) Depressão normal do ponto J (junção entre o QRS e o segmento ST), com ST ascendente; (B) Segmentos ST patológicos.

Repolarização precoce
As derivações com ondas T positivas têm elevação do segmento ST, com concavidade superior,
com ou sem ponto J, sem depressão recíproca do ST e com ondas T altas e simétricas. Estes acha-
dos são mais frequentes no adolescente e adulto jovem e mantêm-se durante anos (Figura 12).

Figura 12: Repolarização precoce

ECG patológico na criança


Hipertrofia ventricular
Critérios de hipertrofia ventricular direita: desvio direito do eixo eléctrico; ondas Q nas derivações
precordiais direitas; amplitude da onda R em V1 superior ao P98 e da onda S em V6 superior ao P98
na ausência de duração prolongada do complexo QRS; onda R em V1 e onda S em V6 superior
ao P98; relação R/S em V1 superior ao P98; ondas R exclusivas nas derivações precordiais direitas
acima dos 6 meses de idade; padrão RSR´ com R superior a 10-15 mm (sobrecarga de volume);
Electrocardiograma

ondas T positivas nas derivações precordiais direitas (em idade superior a 4 dias de vida e inferior
a 8-14 anos).
Critérios de hipertrofia ventricular esquerda: amplitude da onda R em V6 superior ao P98 e da onda
S em V1 superior ao P98 na ausência de duração prolongada do complexo QRS; onda R em V6 e 155
onda S em V1 superior ao P98; relação R/S em V6 superior ao P98; onda Q em DIII ou V6 superior
ao P98; ondas T apiculadas em V5 e V6.
Critérios de hipertrofia biventricular: critérios positivos para hipertrofia ventricular direita e esquer-
da na ausência de duração prolongada do complexo QRS ou complexos QRS de amplitude aumen-
tada e bifásicos em duas ou mais derivações dos membros e nas precordiais médias.
Como interpretar

Doença inflamatória ou infecciosa cardíaca

Pericardite (Figura 13)

Figura 13: Pericardite


A B C
(A) Fase inicial: elevação do segmento ST nas derivações esquerdas. (B) 2-3 dias: normalização do segmento ST. (C) 2-4 semanas: inversão da onda T.
Complexo QRS de baixa voltagem (inferior a 5 mm) em todas as derivações dos membros se existir derrame pericárdico

Miocardite
Complexo QRS de baixa voltagem; alterações da repolarização; prolongamento do intervalo PR;
prolongamento do intervalo QT; arritmias (especialmente extrassístoles).

Enfarte do miocárdio (Figura 14)

Figura 14: Enfarte do miocárdio

A B C D
(A) Fase hiperaguda (horas): elevação do segmento ST (inferior a 2 mm), onda Q profunda e larga (superior a 0,035 seg). (B) Fase de evolução precoce
(dias): elevação do segmento ST, onda Q profunda e larga, onda T bifásica. (C) Fase de evolução tardia (2-3 semanas): onda Q profunda e larga, onda T
invertida. (D) Fase de resolução (anos): onda Q profunda e larga, onda T normal

Distúrbios electrolíticos
Cálcio (Figura 15)

Figura 15: Hipo e hipercalcémia


Electrocardiograma

A B
(A) Hipocalcémia: prolongamento do intervalo QTc. (B) Hipercalcémia: encurtamento do intervalo QTc

156
Como interpretar

Potássio (Figura 16)

Figura 16: Hipo e hipercaliémia

A B C D
(A) K inferior a 2,5 mEq/L: depressão do segmento ST, onda T bifásica, onda U proeminente. (B) K superior a 6 mEq/L: onda T apiculada. (C) K superior
a 7,5 mEq/L: intervalo PR aumentado, complexo QRS largo, onda T apiculada. (D) K superior a 9 mEq/L: ausência de onda P, onda sinusoidal

Arritmias
Bloqueio aurículo-ventricular de 1º grau
Prolongamento do intervalo PR (PR superior a 0,15 seg em RN, PR superior a 0,18 seg em crianças
e adolescentes, PR superior a 0,20 seg no final da adolescência e adulto) (Figura 17).

Figura 17: Bloqueio aurículo-ventricular de 1º grau

Bloqueio aurículo-ventricular de 2º grau

MOBITZ TIPO I ou WENCKEBACH (Figura 18)


Aumento gradual do intervalo PR até ausência do complexo QRS, com repetição cíclica.

Figura 18: Mobitz tipo I

Electrocardiograma

MOBITZ TIPO II (Figura 19)


Complexo QRS ausente de forma esporádica ou com determinada periodicidade (não há aumento
progressivo do intervalo PR antes da ausência do complexo QRS).

157
Figura 19: Mobitz tipo II
Como interpretar

Bloqueio aurículo-ventricular de 3º grau ou completo


Ondas P e complexos QRS dissociados (Figura 20).

Figura 20: Bloqueio aurículo-ventricular de 3º grau

Taquicárdia supraventricular
Episódios paroxísticos, com início e fim abruptos; FC regular (FC superior a 220 bpm em lactentes
e FC superior a 180 bpm em crianças e adolescentes); onda P geralmente não visível, quando
presente é aberrante e pode preceder ou seguir o complexo QRS; complexo QRS estreito (duração
inferior a 0,08 seg) (Figura 21).

Figura 21: Taquicárdia supraventricular

Taquicárdia ventricular
Três ou mais complexos QRS aberrantes, de duração prolongada (superior a 0,08 seg), ondas T
com polaridade oposta ao do complexo QRS (Figura 22).

Figura 22: Taquicárdia ventricular

Fibrilhação ventricular
Complexos QRS bizarros, com morfologia anárquica, tamanho e duração variável, frequência mui-
Electrocardiograma

to rápida (Figura 23).

Figura 23: Fibrilhação ventricular

158
159
Imunoalergologia e Pneumologia

32. Infecções respiratórias de repetição


Carolina Vasconcelos Guimarães, Rita Calado

Introdução
As infecções respiratórias, comuns em idade pediátrica, são motivo frequente de consulta e inter-
namento associando-se a morbilidade e mortalidade significativas. As infecções respiratórias recor-
rentes constituem um desafio para o clínico, na tentativa de distinguir entre a criança saudável com
infecções respiratórias recorrentes (relacionadas com o aumento da exposição a factores de risco)
e a criança em que as infecções respiratórias recorrentes resultam de doença crónica associada.
As infecções respiratórias prevalecem a partir dos 6 meses, aquando da entrada na creche ou
escola (muitas vezes coincidente) e nos meses de Outono e Inverno.
A definição de infecções respiratórias recorrentes não é consensual. Crianças saudáveis podem
ter cinco a oito infecções respiratórias por ano, mas cerca de 10% chegam a ter 10 ou até mais
episódios.
Pode considerar-se infecções respiratórias recorrentes quando:
•o  tite média aguda: mais de 3 em 6 meses ou 8 por ano;
• faringite ou amigdalite: mais de 5 a 7 por ano, ou mais de 5 por ano em 2 anos, ou mais de 3
por ano em 3 anos consecutivos;
•p  neumonia: 2 por ano ou 3 em qualquer período de tempo;
•o  utras infecções respiratórias baixas: 3 ou mais por ano.
Mais importante que definir um número de infecções respiratórias é perceber se a criança se en-
contra bem entre os episódios ou se existe algum dado na história ou exame físico que apontem
para doença subjacente.

Abordagem diagnóstica
Na avaliação das infecções respiratórias recorrentes devemos ter em conta a gravidade, persistên-
cia e recorrência dos episódios. As crianças saudáveis com infecções respiratórias recorrentes têm
episódios com características semelhantes às crianças com menor incidência de infecções respira-
tórias. Nestas não existem habitualmente infecções recorrentes noutros sistemas (gastrointestinal,
SNC, urogenital ou pele), verifica-se boa resposta às medidas terapêuticas habituais, não existe
Infecções respiratórias de repetição

história familiar de imunodeficiência, apresentam um crescimento normal e mantêm bom estado


geral entre os episódios infecciosos.
A decisão chave de quem, quando e como investigar deve ter em conta as características das infec-
ções respiratórias recorrentes e dados da história clínica e exame físico (Tabela 52).

Tabela 52: Indicações para investigar infecções respiratórias recorrentes


Infecções recorrentes em vários órgãos ou sistemas Agente etiológico incomum (fungos, agentes oportunistas)
160
História familiar de imunodeficiência ou morte inexplicada Infecção persistente

Infecções graves (necessidade antibiótico intravenoso) Fraca resposta ou resistência à terapêutica antibiótica

Má progressão ponderal/emagrecimento Sinais e/ou sintomas de doença sistémica


Imunoalergologia e Pneumologia

Existem várias patologias que podem condicionar o aparecimento de infecções respiratórias recor-
rentes (Tabela 53). As mais frequentes são as doenças do foro alérgico e do foro ORL. Contudo,
o diagnóstico diferencial é extenso, incluindo doenças potencialmente graves, que carecem de
diagnóstico e intervenção precoces.

Tabela 53: Doenças associadas com infecções respiratórias recorrentes


Síndromes aspirativas
Asma
- RGE, fístula traqueo-esofágica, corpo estranho

Compressão das vias aéreas


Fibrose quística, défice de α1-antitripsina, discinésia ciliar
- anel vascular, anomalias brônquicas, quisto congénito

Outras doenças pulmonares


Patologia ORL
- displasia broncopulmonar, bronquiolite obliterante,
- disfunção trompa de eustáquio, hipertrofia adenoideia
pneumonia de hipersensibilidade, hemosiderose pulmonar

Imunodeficiências Outras doenças


- primárias, secundárias (infecção VIH, asplenia, - neuromusculares, cardíacas congénitas, metabólicas, renais,
imunosupressão) hematológicas

Alguns dados na história clínica e exame físico podem sugerir a presença de doença subjacente.
Patologia ORL: obstrução nasal, roncopatia e sinusite crónicas.
Asma: tosse e sibilância, boa resposta à terapêutica broncodilatadora, antecedentes pessoais e
familiares de atopia.
Anomalias congénitas, presença de corpo estranho: infecções respiratórias recorrentes na mesma
localização.
Fibrose quística: ileus meconial, má progressão ponderal, síndrome de má absorção ou diarreia
crónica (esteatorreia), prolapso rectal, pólipos nasais, deformação torácica, hipocratismo digital,
atraso pubertário.
RGE: pirose, relação dos sintomas com refeições e decúbito.
Imunodeficiência: atraso na queda do cordão umbilical (superior a 30 dias), infecção disseminada
por BCG ou localizada grave, candidíase oral ou cutânea persistente, alopécia total (Ver Capítulo
23. Imunodeficiência primária).

Exames complementares de diagnóstico


Devem ser faseados e seleccionados individualmente com base na anamnese e exame objectivo.
Infecções respiratórias de repetição

Primeira linha: hemograma, proteína C reactiva, proteinograma, doseamento de IgG, IgA, IgM e
IgE total, radiografia de tórax, IgE específicas para mistura de alergénios inalantes, testes cutâneos
alergológicos, radiografia cavum faríngeo e avaliação por ORL.
Segunda linha: prova de suor, elastase fecal, serologia VIH, doseamento sub-classes IgG, estudo
das populações linfocitárias, C3, C4, CH50, broncofibroscopia, TC torácico.

161
Imunoalergologia e Pneumologia

Orientação e terapêutica
Na criança saudável o tratamento é essencialmente de suporte, recorrendo à antibioterapia se
suspeita de etiologia bacteriana. A antibioterapia profiláctica não está recomendada.
Deve ser evitada a exposição a potenciais factores de risco ambientais (Tabela 54) e implementadas
medidas de higiene (boa ventilação dos espaços, lavagem frequente e correcta das mãos). Na
criança com patologia subjacente a terapêutica passa pela orientação da doença de base.

Tabela 54: Factores de risco para infecções respiratórias em crianças saudáveis


Poluição atmosférica, exposição ao fumo do tabaco (pré e pós
Prematuridade, baixo peso ao nascer
natal)

Diminuição do aleitamento materno Frequência de creche

Más condições sócio-económicas ou agregado familiar


Irmãos mais velhos em jardim de infância ou escola
numeroso

Os agentes imunoestimulantes podem reduzir a incidência de infecções respiratórias recorrentes


em até 40% de crianças susceptíveis. No entanto, não existem recomendações actuais para a sua
utilização na prevenção das infecções respiratórias recorrentes e o benefício do seu uso deverá ser
ponderado individualmente.

Infecções respiratórias de repetição

162
Imunoalergologia e Pneumologia

33. Síndrome de apneia obstrutiva do sono


Helena Cristina Loureiro

Introdução
A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) define-se como a ausência ou redução do fluxo
de ar nas vias aéreas superiores, que ocorre durante o sono e que apesar do esforço respiratório,
condiciona uma alteração da oxigenação/ventilação e uma alteração dos padrões normais de sono.
Em Pediatria tem uma prevalência de 1-5% (variando entre 0,7 e 10,3% consoante as séries). Atin-
ge todos os grupos etários, desde os recém-nascidos, sobretudo pré-termo, até aos adolescentes,
com maior prevalência em crianças obesas.

Fisiopatologia
A fisiopatologia relaciona-se com factores anatómicos que reduzem efectivamente o calibre da via
aérea [genéticos (retrognatismo), étnicos, hipertrofia do tecido linfoide ou infiltrado adiposo do
pescoço, na obesidade] e com alterações dos mecanismos que regulam a patência da via aérea;
neuromotores – por lesão continuada causada pela roncopatia, provocando uma polineuropa-
tia local ou pela redução do tónus muscular durante a fase REM, com maior colapsibilidade e
consequente maior probabilidade de ocorrência de fenómenos obstrutivos. Ambos os factores,
condicionam uma diminuição do espaço das vias aéreas superiores com consequente aumento da
resistência e obstrução o que pode causar apneia e hipopneia, eventos que caracterizam a SAOS.
A inflamação é igualmente apontada como um factor determinante, o que está relacionado com
a evidência histopatológica, com a detecção de citoquinas pro-inflamatórias a nível do tecido
linfoide (amígdalas e adenoides) e com a elevação de marcadores de inflamação como a proteína
C reactiva.

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Pormenorizada, tem apenas um valor preditivo positivo de 65%.
Sintomatologia diurna: cansaço, fraco desempenho escolar, irritabilidade, cefaleias matinais. Síndrome de apneia obstrutiva do sono
Sintomatologia nocturna: ressonar (reportado pelos pais e nem sempre com valor fidedigno), difi-
culdade respiratória durante o sono (como respiração paradoxal ou apneia presenciada), desperta-
res frequentes (apenas identificados em crianças solicitadoras), posicionamentos anómalos (como
hiperextensão da cabeça), agitação nocturna, sudorese e enurese.

Exame objectivo
Tem um valor preditivo positivo de apenas 46%: fácies adenoideu, hipoplasia maxilar ou retrog-
natismo, desvio do septo nasal, hiperplasia dos cornetos, voz nasalada, palato ogival ou mordida
cruzada que apontam para um provável estreitamento da via aérea superior. 163
Avaliação por score de Mallampati (I-IV) é fundamental, que apesar de não ser patognomónico
pode apontar para uma má permeabilidade da via aérea superior (Figura 24).
Imunoalergologia e Pneumologia

Exames complementares
Polissonografia (PSG): técnica gold standard para o diagnóstico, que permite identificar dessatu-
rações, despertares, apneias e hipopneias [e assim calcular o índice de apneia/hipopneia (IAH)].
Permite ainda: classificação em graus conforme severidade do IAH e adequar o seguimento pos-
terior; identificar risco de complicações pós-operatórias e a necessidade de recobro monitorizado;
comparação posterior após tratamento, em casos de maior gravidade. Tem como desvantagens o
custo elevado e a acessibilidade reduzida.

Outros métodos de diagnóstico: rinomanometria (sensibilidade 91% e especificidade 96%); poli-


grafia no laboratório de sono (sensibilidade 93% e especificidade 100%; valores obtidos apenas
em adolescentes com mais de 14 anos, o que exclui a idade de maior prevalência da SAOS);
marcadores urinários (uromodulina, orosomucoide1, calicreína1, urocortina 3; com sensibilidade
100% e especificidade 96%; mas custo elevado); proteína C reactiva (marcador inespecífico mas
promissor, pois normaliza os valores após tratamento em doentes com SAOS com boa correlação
com o diagnóstico). A oximetria nocturna é considerada um método inaceitável para o diagnóstico
de SAOS por ter uma sensibilidade de 67% e especificidade de apenas 60%.
Os questionários de rastreio, como o Sleep Related Breathing Disorder Scale (22 itens), com sen-
sibilidade de 78% e especificidade 72%, constituem também um bom método para uso em lar-
ga escala em consultas de Pediatria, existindo já versões validadas para a população portuguesa
(OSA-18pv, Figura 25).

Diagnóstico diferencial
Ressonar primário: caracterizado por ressonar frequente não condicionando despertares identifi-
cados na PSG nem alterações na oxigenação ou ventilação, que ocorre pelo menos 3 noites por
semana e que pode ter implicações neurocognitivas relacionadas com a fragmentação de sono. Tem
uma prevalência de 3-12%.
Síndrome de Resistência Aumentada Vias Aéreas Superiores (SRAVAS): caracterizada por limita-
ção do fluxo respiratório que condiciona despertares frequentes, não relacionados com episódios
apneia/hipopneia, mas que podem estar associados a aumento de CO2 (sinal precoce). A técnica
gold standard para o diagnóstico é a monitorização da pressão esofágica, mas por se tratar de um
método invasivo não constitui prática habitual; o uso de cânula nasal, em que se apura um traçado Síndrome de apneia obstrutiva do sono

típico na PSG, apresenta uma boa correlação para realizar este diagnóstico. A prevalência em Pe-
diatria é desconhecida.

Terapêutica
A abordagem terapêutica da SAOS difere consoante o grau de gravidade. Um dos parâmetros
obtidos na PSG é o IAH, que permite classificar a SAOS. O valor normal em Pediatria é inferior a 1
evento/hora. A SAOS divide-se em 3 graus: ligeira (IAH entre 1 e 5/hora); moderada (IAH entre 5 e
164
10/hora); grave (IAH superior a 10/hora).
Na SAOS grave a terapêutica preconizada é a adenoamigdalectomia. Um estudo multicêntrico
comparativo entre as duas abordagens (cirúrgica versus vigilância) concluiu haver redução de sinto-
mas, melhoria do comportamento, da qualidade de vida e do resultado da PSG (79% vs 46%) no
grupo que realizou a cirurgia, assim é esta a abordagem actualmente preconizada como adequada.
Imunoalergologia e Pneumologia

Na SAOS moderada a abordagem varia consoante os autores, embora a maioria recomende a ci-
rurgia, eventualmente com terapêutica médica prévia. Na SAOS ligeira é preconizada a realização
de terapêutica médica.

Terapêutica farmacológica
Corticóide nasal tópico (pela existência de receptores glicocorticóides no tecido linfoide da via
aérea superior) e inibidores de leucotrienos (os leucotrienos são mediadores inflamatórios chave
no sistema respiratório, e nos adenoides e amígdalas são abundantes os linfócitos T que expressam
os receptores cisteinil LT1, tornando estas células um alvo terapêutico). Preconiza-se o esquema
terapêutico de corticóide nasal e inibidores de leucotrienos durante 12 a 16 semanas, com melhor
resposta em idade inferior a 7 anos e não obesos.
Na SAOS grave preconiza-se a realização de PSG 6 a 12 meses depois da cirurgia, para avaliar a
presença de SAOS residual, Nestes casos é lícito fazer corticóide nasal durante 6 semanas após a
cirurgia e repetir PSG 8 semanas depois.

Ventilação não invasiva (VNI)


Nas crianças sem indicação cirúrgica com síndromes malformativas, com doenças neuro-
degenerativas e com SAOS residual, constitui uma opção terapêutica. A aplicação de VNI deve
ser realizada em regime de internamento e posteriormente aferidos os parâmetros de ventilação
durante uma PSG através do protocolo de adaptação (Positive Airway Pressure Titration Taskforce
AASM Feb 2008). A colocação de uma criança em VNI domiciliária exige um acompanhamento
sistemático e adesão familiar (em vários estudos é reportado falência da terapêutica em 1/3 dos
casos).

Medidas adjuvantes
Evicção de fumos e poluentes, tratamento de eventual atopia subjacente e controlo rigoroso do
peso (pela maior gravidade e menor resposta terapêutica em situações de obesidade).

Técnicas terapêuticas complementares


Expansão rápida do maxilar, que permite aumentar o diâmetro transverso do palato duro por
abertura da sutura palatina após uso continuado durante 3 a 4 meses; terapêutica de reeducação
miofuncional para evitar a deformação palatina (em situações particulares nomeadamente nos
recém-nascidos pré-termo).
Síndrome de apneia obstrutiva do sono

Prognóstico
A SAOS é uma doença com repercussões a breve prazo em termos neurocognitivos mas também a
médio-longo prazo a nível de aumento de incidência de hipertensão arterial, diabetes, obesidade e
síndrome metabólica devido ao aumento do colesterol-LDL e diminuição do colesterol-HDL, quan-
do não devidamente tratada. O tratamento adequado da SAOS em idade pediátrica é fundamental
para prevenir sequelas na idade adulta.
165
Imunoalergologia e Pneumologia

Fig. 24: Score de Mallampati

Adaptado de Mallampati RS et al, 1985

Figura 25: Versão Portuguesa do OSA-18 (OSA-18pv)


OSA-18 Versão Portuguesa (OSA-18-pv) Data: / /
Nome:
Em cada uma das questões seguintes, faça por favor um círculo à volta do número que melhor descreve a frequência de cada sintoma
ou problema nas últimas 4 semanas. Assinale apenas um número por questão. Obrigado.
Quase Poucas Algumas Bastantes Quase
Nunca Sempre
nunca vezes vezes vezes sempre
Distúrbio do sono
Nas últimas 4 semanas, com que frequência o seu filho teve...
... ressonar alto? 1 2 3 4 5 6 7
... paragens na respiração durante a noite? 1 2 3 4 5 6 7
... engasgos ou respiração ofegante enquanto dormia? 1 2 3 4 5 6 7
... sono agitado ou despertares frequentes do sono? 1 2 3 4 5 6 7
Sintomas físicos
Nas últimas 4 semanas, com que frequência o seu filho teve...
... respiração bucal por obstrução nasal? 1 2 3 4 5 6 7
... resfriados ou infecções das vias aéreas superiores? 1 2 3 4 5 6 7
... secreção e congestão nasal? 1 2 3 4 5 6 7
... dificuldade em engolir alimentos? 1 2 3 4 5 6 7
Problemas emocionais
Nas últimas 4 semanas, com que frequência o seu filho teve...
Síndrome de apneia obstrutiva do sono
... alteração do humor ou acessos de raiva? 1 2 3 4 5 6 7
... comportamento agressivo ou hiperactivo? 1 2 3 4 5 6 7
... problemas disciplinares? 1 2 3 4 5 6 7
Problemas do quotidiano
Nas últimas 4 semanas, com que frequência o seu filho teve...
... sonolência diurna excessiva? 1 2 3 4 5 6 7
... episódios de falta de atenção ou concentração? 1 2 3 4 5 6 7
... dificuldade ao levantar da cama de manhã? 1 2 3 4 5 6 7
Opinião do informante
Nas últimas 4 semanas, com que frequência os problemas acima descritos... 166
... causaram preocupação com a sua saúde? 1 2 3 4 5 6 7
... preocuparam-no pelo seu filho não poder respirar ar suficiente? 1 2 3 4 5 6 7
... interferiram com as suas actividades diárias? 1 2 3 4 5 6 7
... deixaram-no frustrado? 1 2 3 4 5 6 7
Adaptado de Fernandes FM et al, 2013
Imunoalergologia e Pneumologia

34. Rinite alérgica


Raquel Firme, Cristina Silvério

Introdução
A rinite alérgica é a doença respiratória crónica de maior prevalência, afectando 10 a 30% dos
adultos e até 40% das crianças nos países industrializados.
É caracterizada por uma inflamação nasal desencadeada por hipersensibilidade imunologicamente
mediada (maioria IgE-mediada), após exposição a um alergénio. Define-se clinicamente por paro-
xismos de espirros, rinorreia, obstrução nasal, frequentemente acompanhados de prurido ocular,
nasal e do palato.
São factores de risco: história familiar e pessoal de atopia, sexo masculino, nascimento na época
polínica, primeiro filho, exposição ao fumo do tabaco no primeiro ano de vida, exposição aos
alergénios indoor (como ácaros), IgE total superior a 100 UI/mL antes dos 6 anos e IgE específicas
positivas.

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Rinorreia anterior e/ou posterior, obstrução nasal, prurido nasal, crises de espirros (em salvas/
paroxismos), tosse, irritabilidade e fadiga e prurido do palato.
O diagnóstico é clínico (Tabela 55). Idade de diagnóstico acima dos 2 anos; se menor que 2 anos
avaliar outras causas como hipertrofia adenoideia, anomalias congénitas e presença de corpo
estranho.

Tabela 55: Questionário de rinite alérgica


1. Tem algum dos seguintes sintomas?
Sintomas de uma só narina Sim Não
Secreção amarela, verde ou espessa do seu nariz Sim Não
Sensação de secreção posterior pela garganta Sim Não
Dor facial Sim Não
Sangra frequentemente do nariz Sim Não
Perda de cheiro Sim Não
2. Tem algum dos seguintes sintomas por pelo menos 1 hora na maioria dos dias durante a época de
sintomas (se sazonais)?
Corrimento nasal aquoso Sim Não
Espirros, especialmente violentos e em paroxismos Sim Não
Obstrução nasal Sim Não
Rinite alérgica

Comichão nasal Sim Não


Conjuntivite (olhos vermelhos e com comichão) Sim Não

Ponto 1: sintomas habitualmente não presentes na rinite alérgica, se algum presente considerar diagnóstico diferencial.
Ponto 2: a presença de corrimento nasal e 1 outro sintoma sugere rinite alérgica.
167
Adaptado de ARIA, 2008
Imunoalergologia e Pneumologia

Classificação clínica da rinite alérgica


Segundo a duração
Intermitente: sintomas em mais de 4 dias/semana ou sintomas por menos de 4 semanas.
Persistente: sintomas em 4 ou mais dias/semana e sintomas por 4 ou mais semanas.

Segundo a gravidade
Ligeira: sono normal, actividades diárias, de lazer e/ou desporto normais, actividades normais na
escola, sem sintomas incómodos.
Moderada-grave: perturbação do sono, interferência nas actividades diárias, lazer e/ou desporto,
interferência nas actividades escolares, sintomas incómodos.

Exame objectivo
Fácies adenoideu, edema e escurecimento infra-orbitário, linhas de Dennie-Morgan, saudação
alérgica. Rinoscopia anterior: mucosa pálida, cornetos inferiores hipertrofiados e edemaciados,
rinorreia. Orofaringe: hiperplasia do tecido linfóide na faringe. Otoscopia: otite média crónica com
derrame (por vezes).

Exames complementares de diagnóstico


Apesar do diagnóstico ser clínico, ponderar eventual estudo alergológico: hemograma, IgE total
(eosinofilia e IgE elevada: baixa sensibilidade e especificidade; marcadores indirectos de atopia) e
mistura de alergénios inalantes (não obrigatório).

Orientação e terapêutica
O tratamento é de acordo com a classificação clínica.
Sintomas intermitentes e ligeiros: anti-histamínico oral (2ª ou 3ª geração) em SOS.
Sintomas intermitentes e moderados-graves: anti-histamínico oral ou/e corticóide nasal (iniciar
1xdia; 2ª geração pela menor biodisponibilidade e menor risco de efeitos adversos).
Sintomas persistentes e ligeiros: anti-histamínico oral ou/e corticóide nasal.
Sintomas persistentes e moderados-graves: corticóide nasal e anti-histamínico oral de 2ª geração
+/- antagonistas dos receptores dos leucotrienos (sobretudo nos casos de asma associada).
Reavaliação da rinite alérgica persistente ou moderada a grave: em 4 semanas (nova consulta
ou instruir o cuidador neste sentido); se mantiver queixas aumentar dose (corticóide nasal passa
a 2xdia) ou adicionar outra terapêutica (anti-histamínico tópico se espirros, rinorreia) ou ponde-
rar doses curtas de descongestionante nasal se obstrução nasal e ponderar envio à consulta de
Imunoalergologia. Se melhoria continuar por um mês e parar ou desmamar (no caso de doses
elevadas).
Rinite alérgica

Técnica correcta de aplicação de corticóide inalado (facilitada pela ergonomia de alguns dispositivos):
aplicar soro fisiológico previamente (sobretudo se presença de crostas), aplicar afastado do septo
(uso da mão contralateral), inclinação ligeira da cabeça para a frente (não inclinar a cabeça para
trás), fungar após colocação mas não em demasia. 168
Imunoalergologia e Pneumologia

Co-morbilidades
Conjuntivite alérgica (até 60% dos doentes, usualmente bilateral; associar anti-histamínico tópico
ocular se ausência de controlo de sintomas com anti-histamínico oral).
Sinusite (30% sinusite aguda e 80% sinusite crónica).
Asma (até 15-38% dos doentes com rinite alérgica; ver Capítulo 36. Asma).
Dermatite atópica (70% de risco de asma, rinite alérgica ou ambas).
Síndrome da alergia oral (forma de alergia alimentar em doentes sensibilizados aos pólenes; resulta
de reactividade cruzada entre pólenes e alimentos com a maçã, pêra, alperce, cereja, alguns frutos
secos).
Outras: OMA ou otite média crónica com derrame; polipose nasal; perturbação do sono; anosmia;
enxaqueca; PDAH.

Referenciação
Consulta de Imunoalergologia:
• rinite alérgica moderada a grave;
• sintomas prolongados ou refractários à terapêutica;
• asma concomitante;
• sintomas que podem ser melhorados após identificação do alergénio.
Consulta de Otorrinolaringologia:
• episódios recorrentes de sinusite ou OMA;
• polipose nasal;
• roncopatia.

Prognóstico
A rinite alérgica atenua com a idade embora não apresente cura. O tratamento adequado permite
remissão dos sintomas por período prolongado, menor uso de medicamentos e melhoria da qua-
lidade de vida.

Rinite alérgica

169
Imunoalergologia e Pneumologia

35. Sibilância recorrente


Inês Candeias, Cristina Silvério

Introdução
O sibilo é um som musical contínuo que se ouve na auscultação pulmonar, durante a expira-
ção, produzido pela oscilação das paredes de uma via respiratória estreitada quase no ponto de
obstrução.
A sibilância pode ser aguda, recorrente (três ou mais episódios) ou persistente (quando duração su-
perior a quatro semanas) e pode classificar-se em: fenótipos epidemiológicos (retrospectivamente)
(Tabela 56) ou fenótipos clínicos (prospectivamente) (Tabela 57).

Tabela 56: Fenótipos epidemiológicos


Asma Atopia FEV1 FEF25-75 HRB
Sibilância precoce transitória
(frequente dos 6 aos 18 meses, rara após os 3 anos ü û ↓ ↓ ↑
e meio)

Sibilância precoce prolongada


(frequente dos 6 meses aos 4 anos e meio, rara após üü û ↓ ↓↓ ↑
os 6 anos)

Sibilância de início intermédio


(frequente após os 18 meses, rara antes)
üüüü üü ↓↓ ↓↓ ↑↑
Sibilância de início tardio
(frequente após 3 anos e meio)
üüü üü ↓ ↓ ↑↑
Sibilância persistente
(frequente a partir dos 6 meses)
üüüü ü ↓↓ ↓↓ ↑↑
(û) sem associação, (ü) com associação, (↓) diminuído, (↑) aumentado. HRB: hiperreactividade brônquica

Tabela 57: Fenótipos clínicos


Sibilância episódica induzida por vírus Sibilância desencadeada por múltiplos estímulos
Sintomas nas agudizações e nos períodos intercrise
Assintomático entre crises
Desencadeada por múltiplos estímulos (vírus, alergénios, exercício,
Associadas a infecções por vírus respiratórios
tabaco)

Uma em cada três crianças apresenta pelo menos um episódio de sibilância antes dos três anos de
idade, sendo as causas mais frequentes as infecções respiratórias virais e a asma. Esta patologia
Sibilância recorrente

é uma entidade heterogénea, com uma evolução clínica apenas possível de definir retrospectiva-
mente, o que dificulta a abordagem diagnóstica e terapêutica. Qualquer tipo de sibilância pode
estar associado com o diagnóstico de asma, contudo esta associação é mais forte na sibilância de
início súbito intermédio ou tardio e na sibilância persistente (fenótipos com maior prevalência de 170
atopia).
Imunoalergologia e Pneumologia

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Antecedentes familiares: asma, rinite alérgica, eczema atópico, tabagismo; antecedentes pessoais:
prematuridade, atopia (eczema atópico, alergia alimentar), infecções respiratórias graves no primei-
ro ano de vida, idade do episódio inicial, padrão temporal, factores desencadeantes (esforço, riso),
dificuldade na deglutição, episódios de engasgamento, relação com as refeições, má progressão
ponderal, estridor, resposta à terapêutica da asma.

Exame objectivo
Evolução estaturo-ponderal, conformação torácica, alterações torácicas (hiperinsuflação,
diminuição do murmúrio vesicular, sibilos, estridor, crepitações, sopro cardíaco), condições
associadas (rinite, conjuntivite, eczema), hipocratismo digital, cianose.

Exames complementares de diagnóstico


Testes cutâneos: simples, económicos, rápidos, sem idade mínima, painel depende da idade (ali-
mentos, aeroalergénios), suspender anti-histamínicos 7 dias antes.
Doseamento de IgE específicas: se não há possibilidade de fazer testes cutâneos (eczema gra-
ve, impossibilidade de interromper o anti-histamínico, risco de anafilaxia) ou se testes cutâneos
duvidosos.
Provas de função respiratória: colaboração a partir dos 6-7 anos, em alguns centros realiza-se em
idade pré-escolar.
Radiografia de tórax (para exclusão de alterações estruturais): sintomas persistentes sem resposta
aos broncodilatadores, sintomas desde o primeiro dia de vida, associados a mudança de posição,
sintomas de início súbito, associados a engasgamento, assimetria do murmúrio vesicular ou sibi-
lância fixa.
Outros (de acordo com a clínica): pHmetria, ecografia abdominal, prova de suor, broncofibrosco-
pia, TC torácica.

Diagnóstico diferencial
Alterações estruturais: traqueobroncomalácia, anel ou compressão vascular, estenose traqueal,
lesões ou massas quísticas, tumores, linfadenopatias, cardiomegália.
Alterações funcionais: asma, refluxo gastroesofágico, fibrose quística, imunodeficiência, discinésia
ciliar primária, displasia broncopulmonar, corpo estranho retido (traqueia ou esófago), bronquiolite
obliterante, edema pulmonar, disfunção das cordas vocais, doença pulmonar intersticial,
Sibilância recorrente

insuficiência cardíaca.

Orientação e terapêutica
Tratamento das agudizações
Oxigénio suplementar se hipoxémia. 171
β2-agonistas de curta acção: salbutamol inalado (preferir em câmara expansora) - 2 puffs (200
μg) abaixo dos 10 kg, 3 puffs (300 μg) dos 10 aos 20 kg, 4 puffs (400 μg) acima dos 20 kg; em
nebulização - 0,15 mg/kg/dose, mínimo 1,5 mg, máximo 5 mg), pode-se repetir a cada 20 minutos
na primeira hora.
Imunoalergologia e Pneumologia

Anticolinérgicos: em associação com o salbutamol reduz sintomas e diminui taxa de internamen-


tos; brometo de ipratrópio [câmara expansora - 1 puff (20 μg) abaixo dos 3 anos, 1-2 puffs (20-40
μg) acima dos 3 anos (máximo 6/6h); nebulização - 125 μg abaixo dos 2 anos, 250 μg acima dos
2 anos].
Corticóide oral: não indicado quando etiologia viral, apenas em situações refractárias à terapêutica
broncodilatadora; prednisolona (dose de impregnação com 2 mg/kg, seguido de 1-2 mg/kg/dia
oral, 3 a 5 dias).

Fármacos de controle (tratamento individualizado)


Ponderar se três ou mais agudizações em 6 meses, sibilância persistente, duas ou mais agudizações
com necessidade de corticoterapia oral em 6 meses ou pelo menos uma agudização recente com
necessidade de internamento. Manter num período mínimo de 3 a 6 meses, devendo ajustar-se ao
longo do tempo consoante a doença esteja controlada ou não.
Corticóide inalado (primeira linha): budesonido (100-200 µg/dia, 2xdia) ou fluticasona (100 µg/dia,
2xdia). Na sibilância episódica induzida por vírus os corticóides inalados não são eficazes.
Antagonista dos receptores dos leucotrienos (em idade superior a 6 meses): montelucaste (4 mg
até 5 anos, 5 mg dos 6 aos 14 anos); primeira linha se sibilância episódica induzida por vírus,
ou como alternativa se sintomas induzidos pelo exercício, sintomas intermitentes ou persistentes
ligeiros.
Se controlo insuficiente: aumentar dose do corticóide inalado, associar montelucaste, ou corticóide
inalado. Os β2-agonistas de longa acção (salmeterol, formoterol) devem ser somente usados em
associação com corticóide inalado, a partir dos 5 anos.

Prognóstico
A sibilância recorrente induzida por vírus está geralmente associada a bom prognóstico. Quando
multifactorial relaciona-se com maior predisposição alérgica e a sintomas persistentes. Estas crian-
ças com risco de apresentar asma, podem ser identificadas através do Índice Preditivo de Asma
(quando positivo indica um risco 4 a 7 vezes maior): menos de três anos de idade e sibilância recor-
rente, associado a um critério major (asma parental ou eczema) ou dois critérios minor (eosinofilia,
sibilância não associada a infecção respiratória superior e/ou rinite alérgica).
Sibilância recorrente

172
Imunoalergologia e Pneumologia

36. Asma
Ana Teresa Maria, Cristina Silvério

Introdução
A asma é uma doença pulmonar inflamatória obstrutiva crónica, associada a estreitamento das vias
aéreas, parcial ou totalmente reversível e a hiperreactividade brônquica. A prevalência na popu-
lação portuguesa é superior a 11%, na idade pediátrica vai aumentando com a idade, atingindo
10,9% nos rapazes e 8,3% nas raparigas aos 6-7 anos e 13,8% e 15,0% respectivamente aos
13-14 anos.

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Episódios recorrentes caracterizados por: tosse (não produtiva, irritativa, em resposta a exposições
específicas); pieira (pode ser de carácter recorrente, durante o sono ou desencadeado pelo esfor-
ço (actividade, riso ou choro); dispneia; sensação de opressão torácica e/ou toracalgia; alteração
do padrão de sono (despertares nocturnos, tosse nocturna); fadiga e diminuição do rendimento
escolar.

Exame objectivo
Podem coexistir características fenotípicas de doença alérgica (eczema atópico, sinais de rino-con-
juntivite). No período intercrise a auscultação pulmonar pode ser normal e nas exacerbações pode
revelar diminuição do murmúrio vesicular regional ou global, sibilos, fervores e/ou roncos.

Exames complementares de diagnóstico


Idade inferior a 5 anos: nesta idade o diagnóstico é clínico, e frequentemente é estabelecido
mediante o seguimento a longo prazo da criança.
Na avaliação etiológica podem utilizar-se os testes de sensibilização alergénica (IgE-mediada):
testes cutâneos (skin prick tests) em que o painel de alergénios utilizado depende da idade da
criança e da sintomatologia. Não existe idade mínima para realização destes testes e um resultado
negativo não exclui a presença de asma. Uma vez que podem ocorrer novas sensibilizações pode
ser necessária a repetição dos testes em crianças que permanecem sintomáticas.
O doseamento de IgE específicas é útil na impossibilidade de realizar os testes cutâneos (dermatite
atópica grave, impossibilidade de interrupção dos anti-histamínicos, história de anafilaxia a
alimento ou inalante).
Idade superior a 5 anos: conjugação da história clínica, testes cutâneos e a espirometria com
prova de broncodilatação (acima dos 6-7 anos é o gold standard) (Tabela 58).
Asma

173
Imunoalergologia e Pneumologia

Tabela 58: Espirometria com prova de broncodilatação


Obstrução via aérea Reversibilidade da obstrução
FEV1 ≤ 80%
FEV1/FVC (x100) < 85% Aumento FEV1 ≥ 12% e/ou 200 mL
FEF25-75 < 65%

A espirometria deve ser realizada na avaliação diagnóstica inicial, depois de se ter iniciado o tra-
tamento e atingido a estabilidade clínica, perante agravamento progressivo ou prolongado e pelo
menos a cada dois anos.

Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial em idade pediátrica é extenso e inclui causas infecciosas, congénitas ou
mecânicas (Tabela 59).

Tabela 59: Diagnóstico diferencial de asma na criança


Causas infecciosas
Infecções recorrentes do tracto respiratório
Rinossinusite crónica
Tuberculose
Bronquiolite obliterante
Causas congénitas
Traqueomalácia
Fibrose quística
Displasia broncopulmonar
Malformações congénitas com obstrução via aérea intratorácica (anéis vasculares, estenose traqueal)
Discinésia ciliar primária
Imunodeficiência
Cardiopatia congénita
Causas mecânicas
Doença de refluxo gastroesofágico
Aspiração de corpo estranho
Aspiração recorrente
Doença intersticial pulmonar
Disfunção das cordas vocais

Orientação e terapêutica
Educação para a doença: incluindo ensino da técnica inalatória; importância de adesão
à terapêutica, reconhecimento de sintomas que traduzem agravamento e quando devem ser
procurados os Serviços de Saúde; plano de acção por escrito.
Asma

Controlo de factores desencadeantes: fumo de tabaco (domicílio e automóvel); 174


alergénios conhecidos em asmáticos sensibilizados (ácaros, gatos, cães, bolores) e substâncias
irritantes das vias aéreas (lareiras, odores químicos fortes, perfumes, poeiras). Tratamento de
co-morbilidades associadas (rinite, sinusite). Vacina da gripe anual (asma sob terapêutica com
corticóide sistémico).
Imunoalergologia e Pneumologia

Tratamento farmacológico
Fármacos de controlo
Corticóides inalados: é a terapêutica mais eficaz no controlo a longo prazo da asma persistente.
As doses utilizadas dependem da gravidade da doença. Budesonido: doses baixas – 100-200 µg
(1 a 2x dia); doses intermédias – 200-400 µg (1 a 2x dia). Fluticasona: doses baixas – 100-200 µg;
doses intermédias 200-500 µg.
Antagonistas dos receptores dos leucotrienos: habitualmente como coadjuvantes dos corticóides
inalados; podem constituir primeira escolha nos casos de sibilância induzida por vírus em crianças
com 2-5 anos e nos que apresentem rinite alérgica concomitante. Montelucaste dose única diária,
oral: 2-5 anos - 4 mg/dia; 5-14 anos - 5 mg/dia; acima dos 15 anos - 10 mg/dia.
b2-agonistas de longa acção: em idade pediátrica usados apenas em combinação com corticóides
inalados. Salmeterol (acima dos 4 anos): 50 µg/dose, dose diária 50-100 µg (1 a 2 x dia); em as-
sociação com fluticasona (nas doses de 50 µg salmeterol + 100, 250 ou 500 µg de fluticasona).
Formoterol (acima dos 5 anos): 4,5µg/dose, 1-2 x/dia; em associação com budesonido (nas doses
de 4,5 ou 9 µg de formoterol + 80, 160 ou 320 µg de budesonido).
Anticorpo monoclonal anti-IgE (omalizumab): terapêutica complementar, indicada nas formas mo-
deradas a graves com fraca resposta à terapêutica standard. Iniciar em consulta de especialidade,
considerar em crianças com idade igual ou superior a 12 anos, sensibilização IgE-mediada docu-
mentada a aeroalergénios, níveis séricos elevados de IgE, função pulmonar reduzida (FEV1 menor
que 80%), sintomas diurnos e despertares nocturnos frequentes.
Imunoterapia específica: única terapêutica que pode alterar o curso da doença. Realizada em con-
sulta de especialidade. Habitualmente iniciada em crianças com mais de 5 anos, com sintomas de
asma alérgica associados a exposição a alergénio específico, com sensibilização IgE documentada
e que apresentem fraca resposta à terapêutica farmacológica e medidas de controlo ambiental,
efeitos farmacológicos adversos importantes e/ou intoleráveis ou coexistência de rinite ou conjun-
tivite alérgica.

Fármacos de alívio sintomático


b2-agonistas de curta acção: actividade máxima em 30-90 min. Duração de acção até 4-6 horas.
Salbutamol - suspensão pressurizada para inalação (pMDI + câmara expansora) 2 puffs (200 µg)
abaixo dos 10kg, 3 puffs (300 µg) dos 10 aos 20kg, 4 puffs (400 µg) acima dos 20kg, máximo
de 1.000 a 1.600 µg/dia; solução respiratória para nebulização (segunda linha) 0,15 mg/kg/dose
(mínimo 1,5 mg, máximo 5 mg); inalador de pó seco: 600-1200 µg /dia (máximo 1200 µg/dia).
Procaterol - solução respiratória para nebulização abaixo dos 20 kg: 30 µg/dose; acima dos 20 kg:
50 µg/dose.
Anticolinérgicos: brometo de ipratrópio - suspensão pressurizada para inalação 20 µg/puff (pMDI
+ câmara expansora) 60-120 µg/dia; solução respiratória para nebulização (segunda linha) abaixo
Asma

dos 2 anos: 125 µg/dose, dos 2 aos 5 anos: 250 µg/dose; acima dos 5 anos: 500 µg/dose. Dispositi-
vos preferenciais para administração terapêutica - abaixo dos 4 anos: inalador pressurizado (pMDI) 175
+ câmara expansora com máscara facial; 4 a 5 anos: pMDI + câmara expansora com bucal; acima
dos 6 anos: inalador de pó seco (DPI), se capaz de executar técnica adequada.
Imunoalergologia e Pneumologia

Tabela 60: Classificação da gravidade da asma


Persistente
Intermitente
Ligeira Moderada Grave
> 2 dias/semana mas
Sintomas diurnos ≤ 2 dias/semana Diariamente Ao longo do dia
não diários

Despertares nocturnos

0-4 anos ≤ 2×/mês 1-2×/mês 3-4×/mês > 1×/semana

> 1×/semana não Frequente 7×/


≥ 5 anos ≤ 2 dias/semana 3-4×/mês
em todas as noites semana

Necessidade de β2-agonistas
para alívio de sintomas > 2 dias/semana mas
(exclui prevenção Nenhum não diariamente e não Diariamente Várias vezes/dia
broncospasmo induzido pelo mais do que 1x/dia
exercício)

Interferência com actividade Alguma


Nenhuma Interferência mínima Limitação extrema
habitual interferência
Função pulmonar (> 5 anos)
FEV1 normal entre as
60-80% do < 60% do
agudizações, ≥ 80% do esperado
% FEV1 esperado esperado para a esperado para a
> 80% do esperado para a idade
idade idade
para a idade

FEV1/FVC (x100)

5-11 anos > 85% > 80% 75-80% < 75%

≥ 12 anos Normal Normal Reduzido 5% Reduzido > 5%

Terapêutica de acordo com a gravidade


A terapêutica deve ser iniciada de acordo com a gravidade da asma, calculada com base na fre-
quência de sintomas diurnos, nocturnos, necessidade de medicação de alívio, interferência com
actividade habitual e função pulmonar (Tabela 60).
Asma intermitente: iniciar com b2-agonistas de curta acção em SOS (degrau 1).
Persistente ligeira: iniciar com corticóide inalado em baixa dose ou em alternativa montelucaste
(degrau 2).
Asma persistente moderada: corticóide inalado em dose intermédia (degrau 3).
Asma persistente grave: até aos 4 anos corticóide inalado em dose intermédia, a partir dos 5 anos
corticóide inalado em dose intermédia ± b2-agonistas de longa acção ou montelucaste (degrau 3
ou 4), mantendo a terapêutica de alívio em SOS com b2-agonistas de curta acção. Na ausência de
controlo, acima dos 5 anos, considerar corticóide inalado em alta dose + b2-agonistas de longa
acção e eventual terapêutica complementar com anticorpo monoclonal anti-Ig E (ver critérios aci-
Asma

ma) (degrau 5).


O grau de controlo deve ser posteriormente aferido com base nos sintomas em controlado, par- 176
cialmente controlado ou mal controlado (Tabela 61), determinando o ajuste terapêutico, escalando
degrau a degrau até obtenção do controlo ou descalando a terapêutica se asma controlada por
um período mínimo de 3 a 6 meses.
Imunoalergologia e Pneumologia

Tabela 61: Classificação do controlo de asma


Controlada Parcialmente controlada Mal controlada
≤ 2 dias/semana, mas não mais > 2 dias/semana ou múltiplas
Sintomas Ao longo do dia
que 1x em cada dia vezes em ≤ 2 dias/semana

Despertares noturnos

0-4 anos ≤ 1×/mês > 1×/mês > 1×/semana

5-11 anos ≤ 1×/mês ≥ 2×/mês ≥ 2×/semana

≥ 12 anos ≤ 2×/mês 1-3×/semana ≥ 4×/semana

Necessidade de β2-agonistas
para alívio de sintomas (exclui
≤ 2 dias/semana > 2 dias/semana Várias vezes/dia
prevenção broncospasmo
induzido pelo exercício)

Interferência com actividade


Nenhuma Alguma interferência Limitação extrema
habitual

Função pulmonar

< 60% do
  % FEV1 esperado > 80% do esperado 60-80% do esperado
esperado

  FEV1/FVC (x100): > 80% 75-80% < 75%

A referenciação para consulta de especialidade deve ser feita mediante dificuldade em atingir ou
manter o controlo da doença, em crianças com idade inferior a 4 anos com asma moderada per-
sistente com necessidade de terapêutica acima do degrau 2 e crianças com idade igual ou superior
a 5 anos com terapêutica acima do degrau 3.

Asma induzida pelo exercício


Aconselhamento: evitar factores de agravamento como actividades aeróbicas contínuas (ventilação
acrescida), exercício muito intenso ou com duração muito prolongada; ar seco e frio; poluição e
irritantes.
Tratamento preventivo: medidas gerais como aquecimento físico prévio; paragem gradual do exer-
cício; suspensão da actividade se sintomas.
Tratamento farmacológico: b2-agonistas de curta acção 10-15 minutos antes do início da activida-
de física (efeito protector durante 3-4 horas): terbutalina (pode ser utilizada a partir dos 3 anos):
500-1.000 µg; b2-agonistas de longa acção (menos potentes, indicado em crianças mais pequenas
(mínimo 6 anos), quando não existe previsão das horas de maior esforço (efeito protector até 8-12
horas): formoterol 9-12 µg/dose, 1 inalação 30-45 minutos antes do exercício.

Prognóstico
Asma

A gravidade da asma aos 7 a 10 anos é preditiva da doença na idade adulta, com maior probabili-
dade de persistência nas crianças com asma moderada a grave e diminuição da função pulmonar. 177
Gastroenterologia

37. Refluxo gastro-esofágico


Raquel Firme, Sara Noéme Prado

Introdução
Define-se refluxo gastro-esofágico (RGE) como a passagem de conteúdo gástrico para o esófago,
com ou sem regurgitação ou vómito. Ocorre em mais de 2/3 dos lactentes saudáveis. Pode ser
um processo fisiológico, ocorrendo várias vezes por dia em lactentes (bolçador, happy spitter,
normalmente desaparecendo até aos 18 meses), crianças e adultos saudáveis. No outro extremo
do RGE temos o patológico, a doença do refluxo gastro-esofágico (DRGE), associada a sintoma-
tologia e/ou complicações. No lactente, a DRGE tem um pico de incidência de cerca de 50% aos
4 meses de idade, diminuindo para 5-10% aos 12 meses e é mais frequente em grupos de risco:
prematuridade, compromisso do neurodesenvolvimento, obesidade, anomalias gastrointestinais
(hérnia diagramática, onfalocelo, hérnia do hiato, atrésia do esófago corrigida, acalásia), patologia
respiratória crónica (fibrose quística, displasia broncopulmonar).

Abordagem diagnóstica
Anamnese e exame objectivo
Na maioria dos casos, a história clínica e o exame objectivo, na ausência de sinais de alarme, são
suficientes para diagnosticar RGE fisiológico (não complicado). Embora, no lactente, seja difícil
individualizar sintomas atribuíveis a RGE ou a DRGE, as manifestações clínicas que podem fazer
suspeitar de DRGE são:
• no lactente - vómitos recorrentes, irritabilidade e/ou choro persistente, alterações do sono, re-
cusa alimentar e/ou anorexia, má progressão ponderal, síndrome de Sandifer, ALTE, sintomas
respiratórios;
•n  a criança ou adolescente - anorexia e/ou recusa alimentar, vómitos recorrentes, sibilância ou
asma, dor abdominal ou torácica, regurgitação, azia e pirose crónicas, disfagia, odinofagia, es-
tridor, tosse, rouquidão.

Complicações
Gastrointestinais: esofagite de refluxo, estenose esofágica, esófago de Barret, erosões dentárias,
hemorragia digestiva.
Respiratórias: asma persistente (normalmente nocturna), pneumonias recorrentes, rouquidão e/ou
tosse crónica, sinusite, otite média crónica.
Refluxo gastro-esofágico

Exames complementares de diagnóstico


Incluem avaliação laboratorial e exames imagiológicos/especiais que podem ser úteis para docu-
mentar a presença de conteúdo gástrico no esófago, estabelecer uma relação causal com a sinto-
matologia, detectar complicações, avaliar a eficácia terapêutica e para excluir outras patologias.
Ponderar investigação se apresentação clínica atípica, ausência de resposta a medidas conserva- 178
doras e DRGE.
Impedância intraluminal multicanal e pHmetria: a impedância intraluminal detecta todos os tipos
de refluxo (ácido, não ácido, sólido e ar), tem maior sensibilidade que a pHmetria (isolada detecta
apenas refluxo ácido). São raramente úteis para diagnosticar DRGE por ausência de correlação
com a gravidade dos sintomas ou complicações. Ponderar nos sintomas atípicos de refluxo (respi-
Gastroenterologia

ratórios, ALTE, apneia), diagnóstico diferencial com outras patologias, RGE refractário à terapêu-
tica (monitorização terapêutica) e correlação entre sintomas e episódios refluxivos em doentes
seleccionados.
EDA e biópsia: útil para avaliar a inflamação da mucosa esofágica (evidência mais fiável de esofa-
gite de refluxo) e para excluir outras patologias como esofagite eosinofílica. Indicada nos casos de
DRGE refractária à terapêutica e no caso de sintomas como má evolução ponderal, hematemeses,
sangue oculto nas fezes, anemia inexplicada e pneumonia recorrente.
Outros estudos no diagnóstico diferencial de patologias que podem mimetizar o RGE: estudos de
motilidade (acalásia ou outras alterações motoras) e radiografia com contraste (alterações anató-
micas do tracto gastrointestinal superior). A ecografia abdominal superior não é recomendada por
rotina (excepção: vómitos em jacto no lactente com suspeita de estenose hipertrófica do piloro).

Orientação e terapêutica (Figura 26)


Lactente
Medidas não farmacológicas ou conservadoras: educação (tranquilização dos pais, posi-
cionamento ao deitar em decúbito dorsal com elevação da cabeceira, evitar exposição ao fumo
do tabaco); dieta (fraccionamento das refeições, ponderar LA-AR ou espessantes de leite - evitar
o uso de espessante nos prematuros em internamento ou nos primeiros 30 dias após alta hospi-
talar, por possível relação com enterocolite necrotizante); prova terapêutica (2-4 semanas com
leite extensamente hidrolisado ou restrição da dieta materna de leite/ovo se aleitamento materno
exclusivo para exclusão de APLV - neste grupo etário o doseamento de IgE específicos para APLV
são normalmente negativos).
Terapêutica farmacológica com anti-secretores: considerar nos casos de irritabilidade, má
progressão ponderal ou recusa alimentar e se ineficácia das medidas conservadoras - ranitidina
oral1 5 mg/kg/dia de 12/12h ou 8/8h (risco de taquifilaxia ou tolerância; usar por curtos períodos;
menor eficácia que o IBP no alívio dos sintomas ou na resolução da esofagite de refluxo); em
maiores de 12 meses de idade preferir IBP. Outros fármacos, como procinéticos, antiácidos ou
protectores da mucosa, não estão recomendados por rotina.

RGE com regurgitação frequente não-complicada (bolçador/happy spitter): medidas con-


servadoras (educação e dieta).
RGE com vómitos frequentes e/ou má evolução ponderal: avaliação laboratorial adequada;
investigação de acordo com história clínica; medidas conservadoras; considerar prova terapêutica
Refluxo gastro-esofágico

com leite extensamente hidrolisado.


RGE com choro persistente e/ou irritabilidade: o RGE não é uma etiologia comum; excluir
infecção ou APLV; prova terapêutica com leite extensamente hidrolisado; ponderar pHmetria/im-
pedância intraluminal (tentar estabelecer causalidade); ensaio de 2 semanas com anti-secretores
conforme referido anteriormente (referenciação para a consulta de Gastroenterologia Pediátrica).
Apneia ou ALTE: na maioria dos casos não existe associação com RGE; se história clínica muito 179
sugestiva, considerar pHmetria ou impedância intraluminal associado a estudo polissonográfico
(causalidade) e leite AR ou espessante.
Síndrome de Sandifer: rara, mas manifestação específica de RGE; terapêutica conservadora e
farmacológica.

1 Apenas disponível em comprimido 150/300 mg ou preparados manipulados (suspensão oral 15 mg/mL).


Gastroenterologia

Criança ou adolescente
Medidas não farmacológicas ou conservadoras: educação (dormir em posição de decúbi-
to ventral ou lateral esquerdo e de cabeceira elevada; evitar a obesidade); dieta (evitar refeições
abundantes e condimentadas, alimentação tardia, evicção de tabaco, álcool, cafeína, bebidas
gaseificadas, chocolate, tomate, citrinos, fritos e gorduras).
Terapêutica farmacológica: considerar prova terapêutica com IBP por 2-4 semanas; indicado
na pirose e na esofagite de refluxo; se melhoria clínica manter durante 3 meses (omeprazol,
lansoprazol ou esomeprazol 0,7-3 mg/kg/dia (uso da menor dose efectiva2); se sintomas ligei-
ros/moderados e intermitentes (menos de 1 vez/semana): ranitidina e avaliar risco/benefício de
agentes antiácidos ou protectores da mucosa de uso intermitente. Não está indicado o uso de
procinéticos.
A cirurgia poderá ter indicação em doentes seleccionados com DRGE refractária à terapêutica,
dependência ou incumprimento da terapêutica médica, complicações graves.

Figura 26: Orientação e terapêutica no refluxo gastro-esofágico

Lactente
Criança/adolescente
Vómitos recorrentes e/ou
Pirose
regurgitação

Anamnese Anamnese
e exame objectivo e exame objectivo

Sim Ponderar prova Educação;


Sinais de Alarme * terapêutica com leite IBP 2 semanas
extensamente hidrolisado
Não Fármacos
Sim ** Referenciação
Gastroenterologia
DRGE complicada? Melhoria
Pediátrica

Não
Continuar IBP
RGE não complicado
8-12 semanas
happy spitter

Não efectuar ECD Descontinuar IBP


Educação; sinais de alarme
Refluxo gastro-esofágico

considerar LA-AR

Sim
Resolve aos 18 meses? Criança bem Vigilância Recidiva

Não ** Referenciar à Gastroenterologia


Pediátrica; considerar ECD
180
ECD: exames complementares de diagnóstico.
* Sinais de alarme (suspeita de outro diagnóstico/patologia) - obstrução/doença gastrointestinal: vómitos biliosos/persistentes, hemorragia digestiva,
obstipação/diarreia, distensão/hipersensibilidade abdominal; patologia neurológica: macro/microcefalia, convulsões, hipo/hipertonia, hidrocefalia;
doença renal/metabólica/genética; sintomas não específicos/sistémicos/infecção: letargia, má progressão ponderal, febre, pneumonia, infecção
urinária.
** Referenciar à Gastroenterologia Pediátrica: RGE com regurgitação >18 meses; pirose que persiste ou recorre após terapêutica com IBP; má pro-
gressão ponderal ou outras complicações que não resolvem após terapêutica instituída.

2 Omeprazol: comprimidos de 10, 20 ou 40 mg; Lansoprazol: dose mínima disponível em comprimidos orodispersíveis de 15 mg; se necessário diluir e
converter para mL; Esomeprazol: dose mínima disponível em granulado para suspensão oral de 10 mg; se necessário diluir e converter para mL.
Gastroenterologia

38. Vómitos recorrentes


Sofia Rodrigues Almeida, Margarida Chaves

Introdução
Os vómitos são um motivo frequente de consulta em Pediatria, na maioria das vezes associados a
quadros benignos, mas também podem traduzir doença grave.
Os vómitos recorrentes definem-se como pelo menos 3 episódios de vómitos num período de 3
meses. Podem ser subdivididos em vómitos crónicos (episódios de vómitos frequentes, mas de
baixa intensidade, mais de 2 vezes por semana, 1 a 2 por hora no pico de intensidade) e vómitos
cíclicos ou episódicos (episódios descontínuos de vómitos de alta intensidade, que ocorrem espo-
radicamente entre intervalos assintomáticos, mais de 6 por hora no pico de intensidade, em mais
de 50% necessitam de hidratação ev).
A síndrome dos vómitos cíclicos é uma entidade clínica distinta, idiopática, com início na infância,
caracterizada por episódios repetidos de vómitos matinais que levam frequentemente a desidrata-
ção (em média mais de 12 por dia, 2 a 3 dias), com pródromos de náuseas e cefaleias, intercalados
por períodos assintomáticos.

Definição da síndrome dos vómitos cíclicos (NASPGHAN)


Episódios de náusea intensa e vómitos repetidos que duram entre 1 hora e 10 dias e com pelo
menos 1 semana de intervalo entre cada episódio.
Episódios caracterizados por pelo menos 4 vómitos por hora durante pelo menos 1 hora.
Ocorrência de pelo menos 5 episódios com as características anteriores em qualquer intervalo de
tempo, ou um mínimo de 3 episódios durante um período de 6 meses.
Padrão e sintomas estereotipados em cada indivíduo.
Retorno ao normal no intervalo intercrise.
Os sintomas não são atribuíveis a outra entidade clínica (diagnóstico de exclusão).

Etiologia
Os vómitos podem ter uma grande variedade de causas, orgânicas e não orgânicas, gastrointes-
tinais e extra-intestinais (Tabela 62). As causas não orgânicas são consideradas um diagnóstico de
exclusão.

Diagnóstico
Vómitos recorrentes

O diagnóstico diferencial é dependente do grupo etário.

Anamnese
Antecedentes familiares (enxaqueca, patologia gastrointestinal) e pessoais; altura do dia em que
os vómitos ocorrem; conteúdo (alimentos digeridos ou não, biliosos, hemáticos, fecalóides, mu-
181
cosos); relação com as refeições; história de perturbação do comportamento alimentar; sinais e
sintomas associados (gastrointestinais, como diarreia, dor abdominal e sua localização específica;
ou extra-intestinais, como odinofagia, otalgia, retenção urinária, disúria, dor lombar, icterícia, ce-
faleias, vertigem, exantema); história de ingestão de tóxicos ou fármacos, ou de trauma recente;
contexto epidemiológico.
Gastroenterologia

Exame físico
Avaliar a nível abdominal: grau de distensão, sensibilidade, organomegálias, ruídos hidro-aéreos,
peristálise visível; inspecção dos locais de possível hérnia estrangulada, dos genitais e do anús.
A nível extra-abdominal: icterícia, palidez, exantema, otoscopia, fundoscopia, tónus muscular, ten-
são da fontanela anterior, sinais meníngeos.

Exames complementares de diagnóstico


A avaliação laboratorial e radiológica deve ser adaptada à suspeita diagnóstica e gravidade da
doença, podendo incluir: análise sumária de urina, hemograma completo, glicose, ionograma,
gasimetria, função renal e hepática, VS, radiografia simples do abdómen em pé, ecografia ab-
dominal, trânsito esófago-gastro-duodenal, TC abdominal, EDA, estudo metabólico (pH sangue,
amónia, lactato, piruvato, corpos cetónicos no sangue e urina, electrólitos na urina, porfirinas e
substâncias redutoras).
Na presença de sinais de alarme (como vómitos biliosos ou com sangue, alteração do estado de
consciência, ar séptico, choro inconsolável, irritabilidade extrema, desidratação moderada a gra-
ve, hipoglicémia sintomática, emagrecimento significativo, posição anti-álgica) a criança deve ser
referenciada ao SU.

Tabela 62: Causas de vómitos


Gastrointestinal
Anatómica (estenose congénita, atrésia), perturbação da motilidade (dispepsia funcional), corpo estranho, obstrução
(malrotação intestinal com volvo, doença de Hirschsprung, estenose pilórica, invaginação intestinal, hérnia encarcerada),
DRGE, esofagite eosinofílica, colecistite, apendicite, enterocolite necrotizante, peritonite, vómitos cíclicos, úlcera péptica,
trauma, pancreatite, doença hepatobiliar, DII
Infecção
Gastroenterite, meningite, infecção urinária, parasitas, amigdalite aguda estreptocócica, infecção H. pylori, OMA, doença
viral, sépsis
Neurológica
Massa intracraniana, edema cerebral, hidrocefalia, síndrome pós-concussional, pseudotumor cerebri, enxaqueca,
convulsões
Endócrina
Cetoacidose diabética, hiperplasia suprarrenal congénita
Renal
Uropatia obstrutiva, insuficiência renal aguda ou crónica, glomerulonefrite, acidose tubular renal
Respiratória
Pneumonia, esforço da tosse (asma, corpo estranho), sinusite
Metabólica
Vómitos recorrentes

Erros congénitos do metabolismo, síndrome de Reye


Imunológica
Anafilaxia (alergia às proteínas do leite de vaca e soja), intolerância às proteínas da dieta (enterite, em lactentes), doença
granulomatosa crónica, doença do enxerto contra hospedeiro
Genital
182
Torsão testicular ou do ovário, epididimite, dismenorreia, doença inflamatória pélvica
Outras
Gravidez, bulimia, psicogénica, ingestão de tóxicos (como digoxina), quimioterapia, síndrome de Munchausen com e sem
procuração
Gastroenterologia

Orientação e terapêutica
A prioridade é o tratamento da desidratação, se presente, por via endovenosa. Nos doentes com
vómitos biliosos persistentes é importante: pausa alimentar, descompressão gástrica com SNG e
avaliação por cirurgia.
O uso de antieméticos é controverso. O ondansetron é o fármaco mais consensual em crianças
com intolerância da via oral devido a vómitos prolongados, vómitos pós-operatórios, vómitos indu-
zidos por quimioterapia, síndrome dos vómitos cíclicos e enjoo do movimento. A metoclopramida
também pode ser utilizada, tendo em atenção os efeitos extrapiramidais. O uso de domperidona,
dexametasona e prometazina não é recomendado.
Na síndrome dos vómitos cíclicos considerar:
• intervenção na crise - hidratação ev; ondasetron (0,15 mg/kg/dose ev a cada 4/6h, máx. 8 mg/
dose); se náusea intensa associar lorazepam (0,05-0,1 mg/kg/dose 6/6h ev); se dor abdominal
marcada considerar cetorolac (0,4-1 mg/kg/dose ev, máx. 30 mg/dose ou 120 mg/dia) e antago-
nistas dos receptores H2 da histamina ou inibidor da bomba de protões;
• profilaxia (se mais de 1 a 2 crises/mês, com necessidade de internamento ou de evicção escolar)
- dos 2 aos 5 anos: prometazina (5 mg 1 vez/dia oral) ou propanolol (0,25 a 1 mg/kg/dia, oral,
dividido em 2 ou 3 tomas); maiores de 5 anos: amitriptilina (dose inicial 0,25 a 0,5 mg/kg/dia,
toma única à noite, aumentando semanalmente até 1 a 1,5 mg/kg/dia); a terapêutica profiláctica
deve ser associada a modificações no estilo de vida (evicção de factores precipitantes) e o doente
deve ser referenciado à consulta de Gastroenterologia Pediátrica.

Prognóstico
O prognóstico é variável consoante a sua etiologia. Na maioria dos casos são auto-limitados e de
simples resolução. No entanto, os vómitos podem ser a forma de apresentação de doenças graves,
pelo que a primeira abordagem deve ser identificar e orientar estes casos e proporcionar um alívio
sintomático aos restantes.

Vómitos recorrentes

183
Gastroenterologia

39. Dor abdominal recorrente


Ana Ehrhardt Pinheiro, Margarida Chaves

Introdução
A dor abdominal recorrente é um motivo frequente de consulta em Pediatria. Em 1957 foi definida
como pelo menos 3 episódios de dor abdominal nos últimos três meses, sem causa identificável e
com intensidade suficiente para interferir nas actividades quotidianas da criança. Em 1999, com
os Critérios de Roma II, as alterações funcionais do intestino surgem como entidades autónomas,
com critérios bem definidos, actualizados depois em 2006, com os Critérios de Roma III. Mais re-
centemente, qualquer dor abdominal que tenha duração superior a um a dois meses é considerada
crónica.

Etiologia
A etiologia da dor abdominal recorrente pode ser orgânica (rara), funcional ou por somatização.

Causas orgânicas
Doença péptica, intolerância à lactose, doença celíaca, obstipação, RGE, parasitose intestinal, be-
zoar, DII, hepatite crónica, litíase vesicular, colescistite, pancreatite crónica, infecção urinária, ne-
frolitíase, dismenorreia, endometriose, doença inflamatória pélvica, gravidez, hematocolpos, dor
músculo-esquelética, neoplasias, vasculite, intoxicação por chumbo, angioedema hereditário.

Causas funcionais
Dispepsia funcional, síndrome do colon irritável, enxaqueca abdominal, dor abdominal funcional,
síndrome da dor abdominal funcional.

Abordagem diagnóstica
Anamnese e exame objectivo
Na abordagem da criança com dor abdominal recorrente é importante excluir uma causa orgânica.
Deve-se suspeitar de doença orgânica quando: idade inferior a 5 anos, febre, perda ponderal, atra-
so de crescimento, alterações cutâneas, artralgia, vómitos (principalmente biliosos), dor ou diarreia
de padrão nocturno, dor de localização não-periumbilical, sintomas urinários, doença perianal,
sangue nas fezes, massa abdominal, hepatoesplenomegália e história familiar de doença celíaca,
DII ou úlcera péptica.
Dor abdominal recorrente

No grupo da dor abdominal recorrente de causa funcional existem várias entidades cujo diagnós-
tico é clínico, baseando-se na história clínica e exame objectivo completo (critérios de diagnóstico
de Roma III de 2006).
Dispepsia funcional - deve incluir todos os seguintes (presentes pelo menos uma vez por semana
durante pelo menos dois meses antes do diagnóstico): desconforto ou dor persistente ou recorren- 184
te, na região epigástrica; sem alívio com a defecação e sem relação com alterações da consistência
das fezes ou frequência das dejecções; sem evidência de um processo inflamatório, anatómico,
metabólico ou neoplásico que explique os sintomas.
Síndrome do cólon irritável - deve incluir dois dos seguintes (presentes pelo menos uma vez
por semana durante pelo menos dois meses antes do diagnóstico): dor ou desconforto abdominal
associado a um ou mais dos seguintes, pelo menos 25% das vezes - melhoria com a defecação,
início associado com alterações na frequência das dejecções, início associado a alterações na forma
das fezes; sem evidência de um processo inflamatório, anatómico, metabólico ou neoplásico que
explique os sintomas.
Enxaqueca abdominal - deve incluir todos os seguintes (dois ou mais episódios nos últimos 12
meses): paroxismos de dor intensa aguda periumbilical que dura pelo menos uma hora; intervalos
longos sem sintomas (semanas ou meses); a dor interfere com a actividade diária; a dor está asso-
ciada a dois dos seguintes - anorexia, náusea, vómito, cefaleia, fotofobia, palidez; sem evidência
de um processo inflamatório, anatómico, metabólico ou neoplásico que explique os sintomas.
Dor abdominal funcional - deve incluir todos os seguintes (presentes pelo menos 1 vez por se-
mana, durante pelo menos 2 meses antes do diagnóstico): dor abdominal episódica ou contínua;
critérios insuficientes para outra categoria de alteração gastrointestinal da infância; sem evidência
de um processo inflamatório, anatómico, metabólico ou neoplásico que explique os sintomas.
Síndrome da dor abdominal funcional - deve satisfazer os critérios de dor abdominal funcional
e pelo menos em 25% do tempo, um ou mais dos seguintes: perturbação da actividade diária,
sintomas somáticos como cefaleia, dor nos membros ou dificuldade em dormir.

Exames complementares de diagnóstico


Os exames complementares devem ser criteriosamente solicitados, tendo em conta a história clí-
nica e o exame objectivo.
Avaliação analítica inicial: exame das fezes (pesquisa de ovos, quistos e parasitas, Ag Giardia e
sangue oculto); hemograma, VS, proteína C reactiva; glicose, ureia, creatinina, AST, ALT, fosfatase
alcalina, GGT; exame sumário de urina e urocultura.
Exames imagiológicos: ecografia abdominal (ponderar renal e pélvica), teste respiratório de rastreio
Helicobacter pylori, endoscopia digestiva alta, colonoscopia.
Exames específicos: substâncias redutoras fecais, gasimetria, ácido láctico, teste H2 expirado (in-
tolerância à lactose), HCG (adolescente), amilasémia (dor abdominal persistente nos quadrantes
superiores), IgE total e testes de sensibilização alergológica cutâneos (alergia alimentar), cintigrafia
(divertículo de Meckel), prova do suor (fibrose quística).

Diagnóstico diferencial (Tabela 63)

Tabela 63: Causas frequentes de dor orgânica por faixa etária


< 12 meses 1-5 anos 5-12 anos > 12 anos
Dor abdominal recorrente

Cólica do lactente Obstipação Obstipação Obstipação


RGE/esofagite de refluxo Infecção urinária Infecção urinária Dismenorreia
APLV Parasitose intestinal Parasitose intestinal DII
Anomalias intestinais PHS Adenite mesentérica Doença péptica
Drepanocitose PHS Litíase renal
DII Drepanocitose Fibrose quística
Má absorção (fibrose Má absorção (fibrose Torsão do ovário 185
quística) quística) Doença inflamatória pélvica
Gastroenterologia

Orientação e terapêutica
Dor orgânica
Tratar a causa.

Dor funcional
Embora pouco consensual a abordagem baseia-se na teoria biopsicossocial. O objectivo é que a
criança retome a sua actividade habitual e não focar o tratamento na eliminação da dor. Medidas
gerais: relação médico-doente-família; aceitação dos pais que a dor é real e do diagnóstico de
perturbação funcional; educação para saúde (alimentação, higiene do sono); manutenção das ac-
tividades diárias; relaxamento; apoio psicológico (terapia cognitivo-comportamental); diário da dor.
Síndrome do cólon irritável e dor abdominal funcional: o tratamento não é consensual, mas
têm sido utilizadas dietas restritivas (quando predomina a diarreia), sem lactose e sem frutose que
podem ter benefícios; dieta rica em fibras insolúveis nos casos em que predomina a obstipação
(tornam as fezes menos consistentes regularizam o trânsito intestinal, podem diminuir a dor); pro-
bióticos; fármacos: antidepressivos, antiespamódicos, procinéticos, antiácidos.
Dispepsia funcional: evitar gorduras, cafeína, alimentos condimentados ou outros alimentos as-
sociados com a sintomatologia; inibidores da bomba de protões, antagonista dos receptores H2 e
sucralfato têm sido utilizados com resultados muito variáveis (prova terapêutica de 4 a 6 semanas).
Enxaqueca abdominal: evitar potenciais desencadeantes (como bebidas ricas em cafeína, ami-
nas, jejum prolongado, alterações do padrão de sono); se episódios muito frequentes terapêutica
profiláctica com pizotifeno, sumatriptano ou propanolol.

Prognóstico
A dor funcional tem uma natureza benigna, sem progressão para doença orgânica e com resolu-
ção da sintomatologia em 30 a 70% das crianças e adolescentes, 2 a 8 semanas após diagnóstico.
Se persistência das queixas, é importante referenciar a um centro especializado.
Estão descritos como factores de mau prognóstico: família que hipervaloriza a dor, sexo masculi-
no, idade inferior a 6 anos, duração da dor superior a 6 meses antes do diagnóstico, associação a
ansiedade e estados depressivos.
Dor abdominal recorrente

186
Gastroenterologia

40. Obstipação
Carolina Vasconcelos Guimarães, Margarida Chaves

Introdução
A obstipação é um motivo frequente de consulta em Pediatria (3-5%) e de 25% das referenciações
a consulta de Gastroenterologia Pediátrica. Caracteriza-se por dejecções pouco frequentes, incom-
pletas ou difíceis, defecação dolorosa, fezes duras, dor abdominal ou retenção de fezes. Pode estar
associada a encoprese ou soiling.

Etiologia
A obstipação pode ser sintoma de várias patologias orgânicas (Tabela 64).

Tabela 64: Causas orgânicas de obstipação


Neurogénica Fármacos / tóxicos
Doença de Hirschsprung Opiáceos
Paralisia cerebral Antidepressivos
Patologia da medula espinhal Anticolinérgicos
Pseudo-obstrução intestinal Intoxicação por chumbo
Endócrina / metabólica Metilfenidato
Hipotiroidismo Outras
Diabetes mellitus Fibrose quística
Hipocaliémia APLV
Hipercalcémia Doença celíaca
Anatómica Botulismo
Malformações ano-rectais

Em cerca de 95% dos casos em idade pediátrica não existe causa orgânica definida designando-se
como obstipação funcional.

Definição de obstipação funcional (Critérios de Roma III de 2006, adaptados)


Presença de 2 ou mais dos seguintes critérios (durante 1 mês em crianças com idade inferior a 4
anos, ou durante 2 meses em crianças com idade igual ou superior a 4 anos):
•2  ou menos dejecções por semana;
•1  ou mais episódios de incontinência fecal após aquisição de controlo de esfíncteres;
•h  istória de retenção fecal;
•h  istória de dejecções dolorosas ou duras;
Obstipação

•elevado volume fecal ao toque rectal;


• f ezes de grandes dimensões, que obstroem a sanita.
A obstipação funcional tende a estabelecer-se em etapas de risco como o início da diversificação 187
alimentar, o treino do controlo de esfíncteres e o início da escolaridade. Pode ter alguns factores
associados: defecação dolorosa (fissura anal, irritação perianal), mudança de ambiente (escolar,
familiar), treino de continência de esfíncteres desadequado ou perturbação emocional.
Gastroenterologia

Abordagem diagnóstica (Figura 27)


Anamnese
Antecedentes pessoais (doenças anteriores e medicação habitual - ver etiologia) e familiares (obs-
tipação, hipotiroidismo, fibrose quística, doença celíaca). Idade de início, hábitos defecatórios,
caracterização das dejecções, controle de esfíncteres, evacuação dolorosa, incontinência fecal; há-
bitos alimentares, alterações do comportamento, ambiente social e escolar; sintomas associados:
anorexia, vómitos, emagrecimento, enurese, dor abdominal.

Exame objectivo
Inclui o exame físico global e somatometria; região ano-rectal: posição do ânus, eritema, marisca
anal, fissura perianal, abcessos, fístulas, toque rectal (diagnóstico incerto ou sinais de alarme);
abdómen: distensão abdominal, massa abdominal, palpação dolorosa; região lombo-sagrada:
fosseta, tufo piloso, desvio da fenda glútea, agenésia sagrada; exame neurológico: tónus, força
muscular, reflexos.

Sinais de alarme
Início neonatal, eliminação de mecónio após as 48 horas de vida, vómitos, febre, sangue nas fezes
(excepto se fissura anal), má progressão ponderal, ampola rectal vazia, fezes em fita (estenose
anal), fístula peri-anal, alterações do tónus do esfíncter anal, distensão abdominal marcada, enure-
se ou patologia vesical, sintomas extra-intestinais, suspeita de disrafismo espinhal oculto, história
familiar de doença de Hirschsprung.

Exames complementares de diagnóstico


Sem indicação na obstipação funcional; se sinais de alarme devem ser investigadas as patologias
orgânicas de acordo com a suspeita clínica.
Avaliação analítica: hemograma, função tiroideia, ionograma, cálcio.
Radiografia simples de abdómen em pé: permite valorizar retenção fecal; pode ser útil em crianças
obesas.
Outros: clister opaco (se obstipação funcional grave ou suspeita de patologia orgânica para avaliar
estenoses ou dilatações); manometria anorrectal e biópsia rectal (suspeita de doença de Hirschs-
prung); RM da medula (se suspeita de disrafismo e alterações neurológicas).

Orientação e terapêutica
Na obstipação de etiologia orgânica a terapêutica assenta na orientação da patologia de base em
articulação com as subespecialidades.
Na obstipação funcional a abordagem assenta em três vertentes: farmacoterapia, medidas dieté-
ticas e ensino.
Obstipação

Farmacoterapia (Tabela 65)


Deve ser instituída precocemente; titular a dose de acordo com a resposta, até atingir uma dejeção 188
mole diária.
Gastroenterologia

Tabela 65: Laxantes mais utilizados em idade pediátrica


Dose inicial: 0,4-0,8 g/kg/dia
Polietilenoglicol (PEG)
Manutenção: 0.2-1 g/kg/dia

PEG 3350 com electrólitos 2-6 anos: 1 saqueta/dia


Movicol pediátrico chocolate® 6,9g 7-11 anos: 2 saquetas/dia
Movicol® saqueta 13,8g > 12 anos: 1 saqueta (Movicol®) ou 25mL/solução
1ª linha
Movicol laranja® sol.oral 13g/25mL (Movicol laranja®)

PEG 4000 sem electrólitos 6m-1 ano: 1 saqueta/dia


Casenlax® 4g 1-4 anos: 1 a 2 saquetas/dia
4-8 anos: 2 a 4 saquetas/dia
Casenlax® 10g > 8 anos: 1 a 2 saquetas/dia

2ª linha
PEG indisponível / Lactulose 1-3 mL/kg/dia, 1-2 tomas diárias
intolerância

Outros Hidróxido de magnésio > 12 meses: 1–3 mL/kg/dia, 2 tomas diárias

Duração e suspensão da medicação - deve ser mantida durante pelo menos 2 meses (habitualmen-
te até 6 meses) e só deve ser interrompida na presença de treino intestinal estabelecido e ausência
de sintomas durante pelo menos um mês. A dose deve ser reduzida gradualmente.
Desimpactação (iniciar antes da manutenção) - primeira linha (por ser melhor tolerada): PEG com
ou sem electrólitos 1-1,5 g/kg/dia (em doses crescentes) durante 3 a 6 dias; segunda linha: enemas
(um por dia durante 3 a 6 dias).
O seguimento em consulta deve ser assegurado após a suspensão das medidas farmacológicas
durante pelo menos 6 meses.

Medidas dietéticas
Assegurar ingesta adequada de água e fibras (alimentos ricos em fibras: frutos, vegetais, cereais
integrais, pão de cereais). Não está comprovado o benefício dos suplementos de fibras (necessida-
des diárias de fibras acima dos 2 anos: 0,5 g/kg) nem da ingesta aumentada de líquidos; ponderar,
na ausência de resposta terapêutica, a evicção do leite de vaca durante 2 a 4 semanas; pré e
probióticos sem indicação.

Ensino
Esclarecimento e desculpabilização, explicar fisiopatologia da obstipação, treino do bacio (adiar até
deixar de ter defecações dolorosas ou medo; na criança maior sentar no bacio ou sanita após prin-
cipais refeições durante 5 a 15 minutos, com treino da manobra de Valsalva), reforço positivo (pelo
esforço), evitar comportamentos de retenção, não obrigar a evacuar fora de casa. Biofeedback,
Obstipação

terapia comportamental e abordagem multidisciplinar não estão recomendados como rotina, mas
pode ser necessário em alguns casos o apoio de psicologia e/ou nutrição.
189
Prognóstico
A maioria das crianças (80%) recupera após instituição das medidas terapêuticas precocemente,
mas cerca de metade pode reiniciar os sintomas no espaço de 5 anos.
Gastroenterologia

Figura 27: Algoritmo de diagnóstico na obstipação

História clínica
Sinais de alarme
Exame objectivo

Obstipação
Não Sim
funcional

Exames complementares
Sinais de impactação fecal?
(hipotiroidismo, celíaca, hipercalcémia)

Desimpactação fecal
Não eficaz Consulta Pediatria (Gastro)
(oral; rectal)

Medidas dietéticas (fibras, exercício físico) Investigação clínica:


Educação hábitos intestinais (horário; posição) Manometria ano-rectal
Terapêutica farmacológica: Biópsia
laxante osmótico (1ª linha);
Clister opaco
mínimo 2-6 meses

Sem melhoria NORMAL ANORMAL


Após 2 meses após optimizar Optimizar Terapêutica
medidas/laxantes terapêutica específica

Verificar adesão
Melhoria/resolução

Redução progressiva laxante


Medidas dietéticas/educação

Adaptado de: Ruiz FS et al, 2010.


Obstipação

190
Gastroenterologia

41. Encoprese
Isabel Afonso

Introdução
Incontinência fecal, encoprese ou soiling, são termos utilizados para definir a eliminação voluntária
ou involuntária de fezes em locais desadequados, após os 4 anos. É mais frequente no sexo mas-
culino e a idade média é de 8 anos.
Classifica-se em 2 tipos: retentiva - associada a obstipação funcional; não retentiva - não associada
a sinais e sintomas de obstipação funcional.

Etiologia
A principal causa de encoprese é a obstipação crónica (em mais de 80% dos casos). Outras causas
são a resistência ao treino do bacio, doença neurológica, atraso do desenvolvimento psico-motor
e inflamação do tracto digestivo.
Causas mais raras: doença de Hirschsprung, hipotiroidismo, doença de Crohn, malnutrição, altera-
ções psicológicas e de comportamento, fibrose quística, malformações ano-rectais e alterações da
musculatura voluntária (como paralisia cerebral, polineurite infecciosa).

Abordagem diagnóstica
Em muitos casos a obstipação inicia-se anos antes da encoprese ser avaliada por um médico.
Episódios de soiling ocorrem durante o dia quando a criança está acordada e activa. Em muitas
crianças em idade escolar o soiling ocorre ao fim do dia, em casa após regressarem da escola. O
soiling durante a noite é raro.
Forma retentiva: evidência de obstipação e soiling; emissão involuntária de fezes (a criança não
sente vontade de evacuar por perda do tónus e sensibilidade do cólon distal) sujando a roupa; dor
nos quadrantes inferiores do abdómen e recto; rectorragias; enurese (pressão do cólon na bexiga);
baixa auto-estima, sentimentos de vergonha e culpa.
Forma não retentiva: soiling sem obstipação; fezes de consistência e calibre normal.
A história clínica e o exame objectivo são habitualmente suficientes para o diagnóstico.

Anamnese
Alimentação, treino do bacio, hábitos de defecação, comportamento e desenvolvimento
psico-motor.

Exame objectivo
Somatometria, exame abdominal (distensão, ruídos hidro-aéreos, fezes palpáveis), inspecção
Encoprese

da região sagrada (fossetas, tufos pilosos), inspecção perineal (fezes, posicionamento do ânus,
alterações cutâneas, fissuras, fístulas, cicatrizes), toque rectal (tónus do esfíncter, fezes no recto,
191
tamanho da ampola), exame neurológico (incluindo reflexo anal e sensibilidade, força e reflexos
dos membros inferiores).
Gastroenterologia

Exames complementares
Avaliação laboratorial raramente necessária. Se persistência da obstipação pedir serologia da
doença celíaca, função tiroideia, ionograma, cálcio e doseamento do chumbo. Radiografia simples
de abdómen: permite avaliar a quantidade de fezes retidas e dilatações do cólon. Clister opaco:
permite detectar estreitamentos ou outras alterações anatómicas. Manometria ano-rectal: deve ser
realizada em caso de obstipação grave, para caracterização do reflexo recto-anal inibitório. Biópsia
rectal: se suspeita de doença de Hirschsprung.

Diagnóstico diferencial
Incontinência fecal retentiva
Causas anais: fissura anal, estenose ano-rectal, posicionamento anterior do ânus, abuso sexual ou
cirurgia ano-rectal.
Causas neurogénicas: doença de Hirschsprung, pseudo-obstrução intestinal crónica, disrafismos,
paralisia cerebral, massa pélvica.
Causas neuromusculares, endócrinas ou metabólicas: hipotiroidismo, hipercalcémia, intoxicação
pelo chumbo.

Incontinência fecal não retentiva


Colite ulcerosa grave, doenças adquiridas da medula espinal (lipoma sagrado, tumor medula), fís-
tula recto-perineal com ânus imperfurado, lesão pós-cirúrgica do esfíncter anal, paralisia cerebral,
hipotonia).

Tratamento
Incontinência fecal retentiva
Tratamento da obstipação: desimpactação; tratamento prolongado com laxantes e terapia com-
portamental para manter dejecções regulares; correcção alimentar; redução gradual de laxantes
de acordo com a evolução.

Incontinência fecal não retentiva


Hábitos de defecação; terapêutica psicológica.

Prognóstico
A encoprese melhora em todas as crianças e regride totalmente na grande maioria, se o programa
terapêutico for cumprido. O tempo de evolução, a associação com alterações do comportamen-
to e o tipo de participação da família no tratamento, são factores importantes que afectam o
prognóstico.
Encoprese

192
Gastroenterologia

42. Diarreia crónica


Isabel Afonso

Introdução
Diarreia crónica define-se como a emissão de fezes moles ou líquidas, pelo menos 3 vezes por
dia, por um período superior a 14 dias, sendo a alteração da consistência mais importante que a
frequência.
É uma situação frequente nos países em desenvolvimento, tendo como etiologia principal a infec-
ciosa e a malnutrição. Nos países desenvolvidos a prevalência é menor e as causas não infecciosas
são as mais frequentes.
As causas de diarreia crónica na criança são várias: funcionais, infecciosas, erros inatos do meta-
bolismo, imunodeficiências, alterações da permeabilidade da mucosa ou do transporte. Nos países
desenvolvidos a diarreia funcional é uma causa muito frequente. A doença celíaca, que se pode
apresentar com grande variedade de sintomas, é também uma causa frequente de diarreia crónica.

Etiologia
Diarreia funcional ou diarreia crónica inespecífica da infância ou
diarreia da criança
Emissão indolor de fezes moles 3 ou mais vezes por dia, apenas no período diurno, com duração
superior a 4 semanas. Trata-se de uma situação benigna que se inicia no lactente ou em idade
pré-escolar, associa-se a crescimento normal e não tem causa definida. O padrão intestinal regula-
riza por volta dos 4 anos. Nalguns casos esta situação associa-se a ingestão excessiva de sumos de
frutas, sorbitol ou outros hidratos de carbono osmoticamente activos.

Infecciosa
Síndrome pós–gastroenterite (infecções recorrentes ou sequenciais ou deficiência de dissacaridases).
Bactérias: Campylobacter spp, Salmonella spp (mais frequentes em imunossuprimidos), Clostri-
dium difficile (tratamento recente com antibióticos).
Parasitas (Giardia).

Imunodeficiência
A diarreia crónica pode surgir como complicação numa imunodeficiência já conhecida, como por
exemplo a infecção por VIH; nesta situação é importante pesquisar parasitas e infecções oportu-
nistas (Cryptosporidium spp, Isospora spp, Cyclospora spp).
A diarreia crónica pode ser o primeiro sintoma de uma imunodeficiência primária numa criança. Se
Diarreia crónica

ocorrer infecção por agente não habitual ou infecções recorrentes do tracto digestivo devem ser
feitos estudo da imunidade.

193
Gastroenterologia

Alteração da resposta auto-imune


Doença celíaca, doença inflamatória do intestino (colite ulcerosa, doença de Crohn), enteropatia
alérgica, gastroenterite eosinofílica, colite microscópica, enteropatias auto-imunes.

Má digestão das gorduras


Fibrose quística, outras causas de insuficiência pancreática; diarreia colerética (ressecção íleon ter-
minal), colecistectomia.

Enteropatia perdedora de proteínas (hipoalbuminémia e hipogamaglobulinémia)


Lesão da mucosa, obstrução linfática, linfangiectasia intestinal primária e secundária.

Obstrução intestinal ou dismotilidade


Doença de Hirschsprung; pseudo-obstrução intestinal.

Causas mais raras


Diarreias osmóticas e secretórias congénitas: alterações genéticas que afectam a digestão, absor-
ção e transporte dos nutrientes, o desenvolvimento e a função do enterócito ou da função ente-
roendócrina. Diarreias secretórias, tumores neuroendócrinos (gastrinoma, vipoma), mastocitose,
falsa diarreia (abusos de laxantes, manipulação das amostras de fezes).

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Antecedentes familiares (doença celíaca, doença inflamatória do intestino); idade de início da diar-
reia (congénita, súbita, gradual), relação com a introdução de novos alimentos, padrão (contínua,
intermitente, apenas diurna), características das fezes (líquidas, com muco ou sangue, gordurosas),
associação com outros sintomas (má progressão ponderal, anorexia, vómitos dor abdominal, febre,
artralgias, infecções de repetição), factores agravantes (dieta, stress, drogas) causas iatrogénicas
(drogas, laxantes, radioterapia, cirurgia).

Exame objectivo
Somatometria, estado nutricional, pele e faneras (exantema, dermatografismo), tiroideia (massas),
abdómen (hepatoesplenomegália, massas, ascite, dor), inspecção perianal (fossetas, fístulas, erite-
ma), membros (edema, hipocratismo digital).
Considerar diarreia funcional se: início entre os 6 e os 36 meses de idade; fezes moles mais de 3
dejecções por dia, indolores, apenas durante o dia; boa progressão ponderal. Realizar reavaliação
analítica para exclusão de malabsorção ou giardíase se persistência.
Diarreia crónica

Exames complementares de diagnóstico


Pela elevada prevalência, em todas as crianças com diarreia crónica deve ser excluída doença celíaca.
Avaliação laboratorial inicial: hemograma, proteína C reactiva, ferritina, AST, ALT, albumina, anti-
corpo anti-transglutaminase tecidular IgA e doseamento de IgA (abaixo dos 2 anos dosear também 194
anticorpo antigliadina IgG), IgE específica para proteínas do leite de vaca. Coprocultura e exame
parasitológico de fezes (3 amostras) com pesquisa de antigénio de Giardia.
Outros exames: colesterol, triglicéridos, VS, tempo de protrombina, imunoglobulinas, acido fóli-
co, vitamina B12, vitaminas lipossolúveis. Grau de digestão das fezes, pH, electrólitos, substâncias
redutoras, quantificação da gordura fecal, α-1-antitripsina nas fezes (enteropatia exsudativa). Elas-
tase e quimiotripsina fecal (insuficiência pancreática). Sangue oculto e calprotectina fecal (doença
Gastroenterologia

inflamatória do intestino). Prova do suor. Teste H2 expirado com lactose ou sucrose (intolerância
aos açúcares).
Endoscopia digestiva alta com biópsia duodenal (atrofia vilositária na doença celíaca, infiltrado
eosinófilos, dilatação linfática, retenção de gordura, doença por inclusão microvilositária).
Colonoscopia (doença inflamatória do intestino, colite alérgica).

Orientação e terapêutica
Tratamento da causa específica
Diarreia funcional: reduzir sumos de fruta ou hidratos de carbono com carga osmótica elevada
(maçãs, ameixas, sumo de pêra) e liberalizar a ingestão de gorduras para 35 a 50% do total de
calorias. Outras alterações na dieta não são úteis e podem até ser prejudiciais.
Doença celíaca: evicção total de glúten.
Giardíase: metronidazol (15 mg/kg/dia, máximo 250mg/dose de 8/8h, 5 a 10 dias); albendazol (10-
15 mg/kg, máximo 400mg 1x/dia, 5 dias); tinidazol (dose única de 40mg/kg, máximo 2 g).
Intolerância à lactose ou sucrose: restrição de lactose e sucrose.
Défice de sacarose-isomaltase: restrição de sacarose.
Doença inflamatória do intestino: dieta polimérica, mesalazina oral e enemas, corticóides, imuno-
moduladores, terapêutica biológica.

Correcção da desnutrição
Aporte calórico adequado, nutrição entérica ou parentérica se necessário.
Suplementos vitamínicos e oligoelementos (vitamina A, zinco, ácido fólico, selénio).

Outros
Probióticos: Lactobacillus rhamnosus GG e Saccharomices boulardii podem estar indicados na sín-
drome pós-gastroenterite.
Octreótido: considerar na diarreia secretória grave.

Diarreia crónica

195
Gastroenterologia

43. Hemorragia digestiva baixa


Sofia Rodrigues Almeida, Margarida Chaves

Introdução
A hemorragia digestiva baixa em crianças e adolescentes é um motivo frequente de consulta.
Denomina-se hemorragia digestiva baixa a hemorragia distal ao ligamento de Treitz. Clinicamente
pode apresentar-se sob a forma de:
•h  ematoquézia - emissão de sangue vivo pelo ânus, por vezes com coágulos, misturado com
fezes, originando-se tipicamente no cólon ou ânus;
• r ectorragia - emissão de sangue por via rectal, independente da sua origem no tubo digestivo;
•m  elena - passagem de fezes negras, cor de alcatrão e cheiro intenso que sugere hemorragia
digestiva alta (90%), podendo contudo ter origem no intestino delgado ou cólon proximal;
• s angue oculto nas fezes - perda sanguínea não visível nas fezes, confirmada apenas com reagen-
tes (hematest® ou hemacult®).

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Idade, início e duração da hemorragia digestiva baixa; quantidade, coloração do sangue, relação
com as fezes e a sua consistência; dor abdominal e diarreia (sugere colite), febre (colite infecciosa),
perda ponderal, tenesmo, história de hemorragia não gastrointestinal (pensar em coagulopatia),
episódios anteriores de hemorragia (sugere cronicidade, como na fissura e na doença inflamatória
intestinal), uso de AINE ou outros fármacos, sintomas extra-digestivos, atraso pubertário, história
alimentar; antecedentes familiares (história de polipose familiar, doenças hemorrágicas) e doenças
de base (associação entre imunodeficiência e colite infecciosa; doença hepática crónica e hemor-
ragia digestiva baixa por varizes).

Exame objectivo
Intensidade e repercussão hemodinâmica (TA, FC e tempo de reperfusão capilar) da hemorragia di-
gestiva baixa; pele - diátese hemorrágica, vasculite, angiomas, lesões pigmentares, telangiectasias,
icterícia; abdómen - sinais de irritação peritoneal, dor, distensão, massas, organomegálias, ascite,
ruidos hidroaéreos (ausência ou diminuição se hemorragia digestiva baixa significativa sugere pa-
tologia cirúrgica); ânus - fissuras, fístulas ou hemorróidas; toque rectal (detecção de massas); naso
Hemorragia digestiva baixa

e orofaringe - epistáxis recente, úlceras orais.

Exames complementares
Dependem da suspeita diagnóstica e gravidade da HDB.
Laboratoriais - gasimetria, hemograma, tipagem AB0 e Rh, coagulação, ionograma, glicose, fun-
ção hepática, amónia, função renal, VS, albumina; exame das fezes (coprocultura, pesquisa de
vírus, parasitas, toxina do Clostridium difficile). 196
Imagiológicos - radiografia simples abdómen em pé (obstrução intestinal), ecografia abdominal
(invaginação intestinal), cintigrafia com Tc99 (divertículo de Meckel e duplicação intestinal); outros:
angiografia (malformações vasculares); TC ou RM abdominal.
Gastroenterologia

Endoscópicos - colonoscopia, na hemorragia digestiva baixa massiva e de causa incerta (DII, colite
pseudomembranosa, pólipos e angiodisplasia); cápsula endoscópica (angiodisplasia, DII, pólipos
ou tumores do intestino delgado).
Existe ainda a possibilidade de diagnóstico cirúrgico, com realização de laparoscopia ou laparoto-
mia e enteroscopia intra-operatória.

Diagnóstico diferencial
As causas de hemorragia digestiva baixa variam consoante o grupo etário.

Período neonatal
Sangue materno deglutido - ocorre durante o parto ou na amamentação por fissuras dos mamilos;
é identificado através da detecção de hemoglobina fetal (Apt-Downey teste).
Enterocolite necrotizante - associada a necrose intestinal, é mais frequente em prematuros após
início da alimentação entérica; suspeitar perante sinais sistémicos (apneia, letargia, recusa alimen-
tar) e sinais de distensão abdominal, retenção gástrica, vómitos, diarreia, associados a hemorragia
digestiva baixa; a radiografia simples do abdómen revela ileus que pode evoluir para pneumotose
intestinal.
Malrotação intestinal com volvo - associa-se a distensão abdominal, vómitos (biliosos ou não) e
hematoquézia ou melena; a radiografia simples do abdómen e a ecografia com doppler podem
sugerir o diagnóstico; é uma emergência cirúrgica.
Doença de Hirschsprung - ocorre com frequência um atraso na emissão do mecónio (mais de 48
horas após o nascimento); apresenta-se como obstrução aguda com vómitos (biliosos ou fecalói-
des) e distensão abdominal ou, semanas mais tarde, como obstipação progressiva ou diarreia e
distensão abdominal; apenas 25% têm hemorragia digestiva baixa; após o toque rectal podem ser
expelidos gases e fezes em grande quantidade; o clister opaco é o exame inicial e o tratamento é
cirúrgico; pode complicar-se de megacólon tóxico (enterocolite).
Coagulopatia - situação rara, em geral com manifestações extra-intestinais; pode estar associada
a deficiência de vitamina K (hemorragia cutânea, gastrointestinal e intracraneana, na primeira se-
mana de vida), hemofilia (menos de 5% dos casos, prolongamento isolado do aPTT), doença von
Willebrand (maioria assintomática).

Primeira infância (1 mês – 2 anos)


Fissuras anais - é a causa mais comum de hemorragia digestiva baixa em crianças menores de 1
ano; associa-se a defecação muito dolorosa, com fezes raiadas de sangue vivo, muitas vezes em
Hemorragia digestiva baixa

contexto de obstipação; podem estar associadas ao início da diversificação alimentar ou a introdu-


ção do leite de vaca em natureza.
Colite alérgica (às proteínas do leite de vaca ou soja) - é uma enteropatia inflamatória; ocorre so-
bretudo nos primeiros três meses de vida e que resolve geralmente em 6 a 12 meses; manifesta-se
por diarreia que pode conter sangue, oculto ou em grande quantidade; deve ser retirada a proteí-
197
na em causa da dieta materna (se LM exclusivo), ou ser dado um leite extensamente hidrolisado
ou de aminoácidos livres, no caso de APLV.
Invaginação intestinal - é a causa mais comum de obstrução intestinal entre os 6 e os 36 meses;
60% das crianças têm menos de 1 ano; é idiopática e ocorre sobretudo na região ileocecal; po-
de manifestar-se por choro intenso, irritabilidade, dor abdominal tipo cólica, prostração, massa
abdominal, vómitos, diarreia e hemorragia digestiva baixa com muco (“geleia de framboesa ou
Gastroenterologia

groselha”); a ecografia abdominal é o exame de escolha; a redução imagiológica (hidrostática


eco-guiada ou por clister opaco sob fluoroscopia em centro de referência de Cirurgia Pediátrica)
resolve 75 a 90% dos casos.
Divertículo de Meckel - é um remanescente do canal onfalomesentérico, presente em 1 a 2% da
população e em geral assintomático; a hemorragia digestiva baixa, crónica ou aguda, é causada
por ulceração da mucosa devido a tecido gástrico ectópico; é diagnosticado por cintigrafia com
Tc99 e o tratamento é a ressecção cirúrgica.
Outras causas - hiperplasia linfonodular; duplicação gastrointestinal, coagulopatia.

Idade pré-escolar (2 – 5 anos)


Fissuras anais (especialmente associadas ao treino do bacio).
Invaginação intestinal.
Divertículo de Meckel.
Colite infecciosa: certos agentes patogénicos podem causar hemorragia digestiva baixa (Cam-
pylobacter jejuni, Shigella spp, Escherichia coli, Salmonella spp, Yersinia, Clostridium difficile, e
Entamoeba histolytica); a suspeitar em crianças com febre, dor abdominal, tenesmo e diarreia com
sangue e pús; o diagnóstico implica isolamento do microrganismo nas fezes ou sangue.
Síndrome hemolítica-urémica: é uma complicação da infecção por um agente patogénico produtor
de toxina shiga (como a Escherichia coli O157:H7) e manifesta-se por anemia hemolítica microan-
giopática, trombocitopénia e lesão renal aguda; mais comum em crianças menores de 5 anos;
desenvolve-se 5 a 10 dias depois do início da diarreia.
Púrpura de Henoch-Schönlein: é uma vasculite sistémica de etiologia desconhecida caracterizada
por púrpura cutânea palpável, dor abdominal e artralgias; até cerca de 50% desenvolve hemorra-
gia digestiva baixa (na maioria dos casos oculta).
Pólipos juvenis: são hamartomas benignos, mais frequentes entre os 2 e os 10 anos; 60% estão
no recto; nas crianças 85% dos pólipos são juvenis (hamartomas); a colonoscopia permite o diag-
nóstico e excisão imediata com posterior avaliação histológica (exclusão de adenoma); doentes
com polipose familiar juvenil ou síndrome da polipose juvenil devem fazer vigilância de carcinoma
colo-rectal.

Idade escolar e adolescência (maiores de 5 anos)


Causas já descritas (fissuras anais, PHS, divertículo de Meckel, colite infecciosa, pólipos juvenis).
Doença inflamatória intestinal (DII) - inclui a colite ulcerosa (que afecta só o cólon) e a doença de
Crohn (que pode envolver qualquer parte do tubo digestivo); o pico de incidência é a adolescência
Hemorragia digestiva baixa

tardia ou início da idade adulta; a apresentação mais comum é a diarreia (com ou sem sangue) e
pode haver sintomas extra-intestinais (anorexia, perda de peso, artralgia); o diagnóstico é confir-
mado por exames de imagem do intestino delgado, colonoscopia e biópsia.
Outras causas mais raras: malformações vasculares, pólipos adenomatosos, tumores do estroma
gastrointestinal, úlcera rectal solitária, tiflite.
198
Gastroenterologia

Orientação e terapêutica
Além da abordagem geral inicial, assegurando o ABC, a terapêutica posterior depende da etiologia
da hemorragia digestiva baixa. A hematoquézia ou melena podem ser manifestações de hemorra-
gia digestiva alta e na sua suspeita colocar SNG, manter repouso intestinal e aspiração passiva. O
tratamento farmacológico (comum à hemorragia digestiva alta) pode incluir:
• inibidores das bombas de protões - omeprazol, pantoprazol, lansoprazol, esomeprazol;
• a gentes vasoactivos endovenosos - octreótido ou somatostatina;
• v itamina K - doença hemorrágica do RN, coagulopatia.
Se o doente continuar instável considerar a instituição de terapêutica antibiótica endovenosa de
largo espectro, angiografia com embolização, ou até mesmo cirurgia.
Nos casos associados a obstipação (fissuras) as medidas dietéticas, treino dos esfíncteres e o uso
de laxantes são medidas importantes.

Prognóstico
O prognóstico depende do diagnóstico da hemorragia digestiva baixa, que varia de entidades
benignas e auto-limitadas, a situações de emergência, implicando diagnóstico e tratamento
imediatos.

Hemorragia digestiva baixa

199
Nefro-urologia

44. Alterações mais frequentes dos genitais externos


Inês Candeias, Ana Ehrhardt Pinheiro

Introdução
As malformações dos genitais são comuns e geralmente são resultado de alguma alteração du-
rante a gestação, no entanto, muitas vezes o seu diagnóstico é tardio. Estas alterações podem
surgir de forma isolada ou associadas, nomeadamente a outras malformações génito-urinárias ou
de outros órgãos ou sistemas. Etiologicamente podem estar relacionadas com factores genéticos,
hormonais ou ambientais.
Adicionalmente, alterações dos genitais consideradas variantes do normal são frequentemente
motivo de preocupação parental.

Alterações dos genitais externos no sexo feminino


Sinéquias dos pequenos lábios
Junção dos pequenos lábios, desde parcial a completa, mais frequente em crianças com idade
inferior a 6 anos, e geralmente assintomática. Pode no entanto estar associada a vulvovaginite,
disúria, bacteriúria assintomática e infecção urinária, como resultado de um certo grau de retenção
urinária. A prevenção passa pela correcta higiene dos genitais externos. Nos casos assintomáticos
e por ser uma alteração que resolve espontaneamente ao longo do crescimento, não é necessá-
rio tratamento. Nos casos sintomáticos, disúria com ou sem infecção urinária, retenção urinária,
gotejamento pós-miccional ou constatação de bacteriúria assintomática, o tratamento indicado
é a aplicação de creme com estrogénios (estriol a 0,1%, 1 a 2 semanas), seguido da aplicação
de vaselina ou pasta de óxido de zinco durante 1 a 2 meses, para evitar recidivas. Mesmo após
tratamentos adequados, não são raras as recorrências, e pode haver necessidade de aplicações
repetidas de estrogénios ou utilização de corticóide tópico (betametasona a 0,05%). Se ausência
de melhoria proceder à separação mecânica sob anestesia.

Hipertrofia dos lábios

Alterações mais frequentes dos genitais externos


Pequenos lábios aumentados, geralmente sem complicações. Se presença de sintomas, tais como
desconforto ou abaulamento com roupa justa, tem indicação cirúrgica.

Hipertrofia do clítoris
Corresponde ao aumento do clítoris (sugestivo se diâmetro superior a 5 mm e comprimento supe-
rior a 16 mm) e pode ser de etiologia congénita ou adquirida, sendo a causa mais comum a hiper-
plasia congénita da suprarrenal. A intervenção cirúrgica pode estar indicada por motivos estéticos.

Quistos para-uretrais
Resultam da obstrução das glândulas de Skene com retenção secundária de secreções, estando
presentes ao nascimento. A maioria regride nas primeiras 4 a 8 semanas de vida, mas pode ser 200
necessária a sua incisão.
Nefro-urologia

Obstrução vaginal baixa


Pode ter várias causas, nomeadamente: hímen imperfurado, fusão vertical incompleta da vagina,
septo vaginal transverso, alteração da fusão lateral. Estas situações podem estar associadas a útero
didelfo. No período neonatal manifesta-se com mucocolpos ou hidrometrocolpos, e mais tarde
com amenorreia primária, dor abdominal cíclica e/ou massa pélvica. Tem indicação cirúrgica na
altura do diagnóstico.

Obstrução vaginal alta


Verifica-se a existência de um sinus urogenital, que se manifesta no período neonatal com hidro-
colpos ou hidromucocolpos. À observação: períneo com orifício único, ausência de uretra feminina
normal e massa pélvica. Tem indicação para correcção cirúrgica.

Alterações dos genitais externos no sexo masculino


Criptorquidia
Corresponde ao testículo ausente da bolsa escrotal, não se conseguindo manipular para a mesma
mas, sendo possível identificar nalgum ponto do seu trajecto normal de descida. Tem uma maior
incidência nos prematuros, uma vez que a descida dos testículos ocorre no final da gestação. A
maioria desce espontaneamente até aos 3 meses de vida, mas se aos 6 meses ainda não estão nas
bolsas, provavelmente, vão manter a criptorquidia. Se bilateralidade (10% dos casos) tem indica-
ção cirúrgica na altura do diagnóstico, se unilateral tem indicação cirúrgica aos 12 a 18 meses. A
criptorquidia pode complicar com infertilidade, malignização, hérnia inguinal e torção do testículo.
Deve-se fazer o diagnóstico diferencial com testículo retráctil (testículos nas bolsas no período
neonatal, mas que durante a infância não permanecem no escroto, conseguindo-se manipular o
testículo para a bolsa com tensão no cordão espermático) e testículo ectópico (testículo fora do
trajecto normal de descida, geralmente na coxa ou períneo, região supra-púbica ou bolsa escrotal
contra-lateral).

Espermatocelo
Dilatação quística do epidídimo ou do cordão espermático devido a acumulação de secreções

Alterações mais frequentes dos genitais externos


espermáticas. À observação verifica-se tumefacção elástica, associada ao epidídimo, indolor e sem
características inflamatórias. Tem indicação cirúrgica se aumento das dimensões ou dor.

Hidrocelo
Acumulação de líquido na túnica vaginalis, geralmente não comunicante e desaparece por volta
do ano de idade. Se comunicante, o hidrocelo persiste, aumentando em posição ortostática e
diminuindo em decúbito, podendo complicar com hérnia inguinal. À observação: escroto disten-
dido, sem tensão e com transiluminação. Se persistir além dos 18 meses tem indicação cirúrgica.
O diagnóstico diferencial inclui o tumor testicular (massa dura, indolor e sem transiluminação) que
pode surgir em qualquer idade e a hérnia inguinal (massa redutível, aumenta com aumento da
pressão intra-abdominal ou posição ortostática). 201
Nefro-urologia

Varicocelo
Verifica-se em 5% dos adolescentes sendo raro antes dos 10 anos. Corresponde à dilatação anor-
mal do plexo pampiniforme no escroto e é mais frequente à esquerda. Se aparecimento antes dos
10 anos ou do lado direito pode indicar uma massa abdominal ou retroperitoneal, devendo-se
realizar ecografia. O tamanho testicular deve ser determinado porque se for mais pequeno a es-
permatogénese provavelmente está comprometida. O tratamento cirúrgico está indicado se dis-
paridade significativa do tamanho testicular, dor ou testículo contralateral ausente ou patológico.

Fimose
Estenose fisiológica do prepúcio com incapacidade de retracção do mesmo. Em 90% dos rapazes
não circuncisados o prepúcio torna-se retráctil por volta dos 3 anos. A presença de aderências ba-
lanoprepuciais sem fimose associada é comum, podendo ainda coexistir quistos de retenção que
podem ser eliminados com a retracção do prepúcio. O tratamento indicado é a aplicação de creme
com corticóides (como fluticasona 0,05%, mometasona 0,1% ou betametasona 0,1% durante 4
a 6 semanas). Se ausência de melhoria, tem indicação cirúrgica após a idade de controlo de esfínc-
teres ou antes se fimose esclerótica obliterante ou balanites de repetição.

Hipospádia
Anomalia congénita do pénis caracterizada por localização ventral do meato urinário, curvatura
ventral do pénis, ausência de artéria frenular, prepúcio com rafe não fundido na linha média e na
porção ventral. Classifica-se de acordo com a posição do meato urinário: glandular, coronal, subco-
ronal, peniana média, penoscrotal, escrotal e perineal. Deve ser realizada ecografia renal e vesical
(para detecção de anomalias anatómicas associadas do sistema urinário) e no caso de hipospádia
proximal ou peniana média associada a criptorquidia também deve ser realizado cariótipo. Indica-
ção cirúrgica entre os 6 e 12 meses de idade.

Falso micropénis
Pénis com dimensões normais mas ocultado pela gordura suprapúbica. A intervenção cirúrgica é
apenas por razões estéticas.

Alterações mais frequentes dos genitais externos

202
Nefro-urologia

45. Vulvovaginites e balanites


Carolina Vasconcelos Guimarães, Sofia Deuchande

Vulvovaginite
Introdução
A vulvovaginite é o problema ginecológico mais frequente em Pediatria. Clinicamente caracteriza-
-se pela presença de prurido, irritação ou ardor vulvar, exsudado vaginal, hemorragia e sintomas
urinários como disúria ou polaquiúria.

Etiologia (Tabela 66)

Tabela 66: Etiologia da vulvovaginite


Criança pré-púbere Adolescente
Inespecífica Candida albicans
Infecciosa (Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae, Vaginose bacteriana
Haemophilus influenzae, Escherichia coli, Shigella, Staphylococcus Infecções sexualmente transmissíveis (Trichomonas,
aureus, Enterobius vermicularis, Candida albicans) vaginalis, Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia
Infecções sexualmente transmissíveis (Neisseria gonorrhoeae, trachomatis)
Trichomonas vaginalis e Chlamydia trachomatis) Outras (doença de Crohn com fístula, abcesso pélvico,
Alteração cutânea vulvar (líquen escleroso, eczema, psoríase) tumor vaginal)
Corpo estranho
Alterações anatómicas (fístula, ureter ectópico)
Outras (doença de Crohn com fístula, abcesso pélvico, tumor
vaginal)

Criança pré-púbere
Na maioria dos casos (25 a 75%) a etiologia é inespecífica.
Factores locais que aumentam o risco de vulvovaginite: mucosa fina, atrófica, hipoestrogénica,
ausência de desenvolvimento dos grandes lábios e da pilosidade púbica, pH mais alcalino, proxi-
midade anatómica do ânus.
Outros factores: má higiene, transmissão de patogéneos respiratórios através das mãos, irritantes
locais como banhos de espuma, roupa interior de nylon, roupas apertadas, obesidade.
As infecções locais específicas são menos frequentes, podem ser causadas por patogéneos respi-
Vulvovaginites e balanites

ratórios, entéricos ou mais raramente sexualmente transmitidos. Na presença de infecções sexual-


mente transmissíveis suspeitar de abuso sexual.
A oxiuríase (infecção por Enterobius vermicularis) é frequente e deve ser considerada quando o
prurido nocturno na região perineal é o principal sintoma.
A candidíase não é frequente excepto se factores predisponentes como: utilização recente de
antibioterapia, imunossupressão, diabetes mellitus ou uso de fraldas. 203
Nefro-urologia

Adolescente
As principais causas são a candidíase, a vaginose bacteriana e a tricomoníase.
Factores locais protectores: aumento dos níveis de estrogénio, espessamento da mucosa vaginal,
colonização por lactobacilos (com diminuição do pH para 4,0 - 4,5). Existe habitualmente leucor-
reia fisiológica: transparente ou esbranquiçada, inodora, não aderente às paredes, ácida, com
consistência e quantidade afectadas pelo ciclo menstrual.

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Caracterização da presença e duração dos sintomas, leucorreia (quantidade, consistência, cor,
odor), disúria, polaquiúria, urgência miccional, prurido anal.
Utilização recente de antibiótico, infecções respiratórias recentes, patologia cutânea.
Práticas de higiene, utilização de possíveis irritantes, tipo de roupa.
Nas adolescentes inquirir história menstrual e sexual.

Exame objectivo
Inspecção do períneo, vulva e região perineal em posição de rã. À observação: inflamação dos
lábios e introito vaginal com eritema e edema. Se leucorreia persistente, recorrente ou purulenta
ou na suspeita de abuso sexual ou de corpo estranho deve ser realizada observação por médico
ginecologista.

Exames complementares de diagnóstico


Exame sumário de urina na presença de sintomas de infecção urinária.
Sintomas persistentes ou graves, leucorreia profusa: zaragatoa do introito vaginal para coloração
Gram, exame cultural, e na suspeita de infecções sexualmente transmissíveis para pesquisa de
Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae por método PCR.
Se sintomas nocturnos: exame parasitológico para pesquisa de oxiúros.
Ter em conta que o isolamento bacteriano não indica necessariamente agentes patogéneos, po-
dendo tratar-se de flora vaginal saprófita.

Orientação e terapêutica
Vulvovaginite inespecífica
Medidas de higiene: lavagem de frente para trás com secagem adequada, roupa interior de algo-
Vulvovaginites e balanites

dão, não apertada e frequentemente trocada, evitar banhos de imersão, géis de banho ou outros
produtos potencialmente irritantes.
Utilização de solução de lavagem anti-séptica e creme barreira.

204
Nefro-urologia

Vulvovaginite infecciosa (Tabela 67)

Tabela 67: Terapêutica da vulvovaginite infecciosa


Mebendazol 100 mg oral toma única OU albendazol 400 mg oral toma única OU pamoato de
Oxíuros
pirantel 10 mg/kg oral toma única (máximo 1g). Repetir toma após 2 semanas

Clotrimazol creme intravaginal 7-14 dias OU clotrimazol 100 mg óvulo 7 dias OU fluconazol
Candida albicans
150 mg oral toma única

Amoxicilina 50 mg/kg/dia (máximo 1 g) oral 8/8 horas 10 dias


Streptococcus pyogenes
Alternativas: azitromicina, clindamicina

Amoxicilina e ácido clavulânico 50 mg/kg/dia oral 8/8h, 7 dias


Staphylococcus aureus
Alternativas: cefalexina

Metronidazol 500 mg oral 2xdia 7 dias OU metronidazol 500 mg óvulo 5 dias OU clindamicina
Vaginose bacteriana
creme intravaginal 7 dias

Metronidazol 2 g oral toma única OU 500mg oral 2xdia 7 dias


Trichomonas vaginalis
Tratar o parceiro

Ceftriaxone 250 mg IM toma única OU cefixime 400 mg oral toma única


Neisseria gonorrhoeae
Tratar o parceiro

Chlamydia trachomatis Azitromicina 1 g oral toma única OU doxiciclina 100 mg oral 2xdia 7dias

O diagnóstico de infecções sexualmente transmissíveis na criança implica investigação de abuso


sexual e referenciação urgente ao Núcleo de Apoio à Criança e Jovem em risco.

Balanite
Introdução
A balanite é a inflamação da glande do pénis com ou sem inflamação do prepúcio (postite). Ocorre
em todas as idades, é mais frequente em jovens não circuncisados. Os sintomas incluem edema,
eritema e irritação a nível da glande, disúria, exsudado purulento ou hemorragia.

Etiologia
A maioria dos casos em Pediatria é devida à inflamação provocada pela retracção ainda incompleta
do prepúcio, com acumulação de esmegma sob o mesmo.
Outras causas incluem:
Vulvovaginites e balanites

• infecciosas - bactérias (Streptococcus pyogenes), fungos (Candida albicans), infecções sexualmen-


te transmissíveis (Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis, Herpes simplex tipo 1 e 2 );
• patologia cutânea - psoríase, eczema, líquen escleroso;
• alergia a produtos químicos (sabão, gel) ou látex.
205
Abordagem diagnóstica
Habitualmente não é necessária investigação complementar, excepto na presença de sintomas
graves (extensão do processo inflamatório com celulite local) ou persistentes. Neste caso, e/ou se
presença de outro sintomas urinários deve ser realizado exame sumário de urina.
Nefro-urologia

Orientação e terapêutica
Higiene: lavagem do pénis em água morna com retracção suave do prepúcio duas vezes por dia;
evicção de potenciais irritantes, lavagem frequente das mãos.
Na suspeita de etiologia infecciosa bacteriana: antibioterapia tópica (bacitracina ou gentamicina ou
neomicina duas vezes ao dia, 5 a 7 dias) ou antibioterapia oral semelhante ao preconizado para as
vulvovaginites (referido acima para Streptococcus pyogenes e Staphylococcus aureus).
Na suspeita de etiologia fúngica (candidíase): antifúngico tópico (clotrimazol creme aplicado duas
vezes ao dia 7 dias) ou fluconazol 150mg oral dose única.
Na presença de infecção urinária concomitante ou celulite local preconiza-se a utilização de anti-
bioterapia sistémica (amoxicilina e ácido clavulânico).
Na presença de alteração cutânea (eczema, psoríase): avaliação e seguimento por Dermatologia
Pediátrica.
Nos casos de fimose ou infecção urinária recorrentes ponderar referenciação a Cirurgia Pediátrica.

Vulvovaginites e balanites

206
Nefro-urologia

46. Enurese
Inês Candeias, Sofia Deuchande

Introdução
A enurese corresponde a episódios nocturnos de micções involuntárias numa idade na qual o
controlo voluntário já deveria existir, ou seja, em crianças com idade igual ou superior a 5 anos. Ac-
tualmente a enurese é considerada exclusivamente nocturna, caindo em desuso o termo enurese
diurna. A enurese diz-se monossintomática se ausência de sintomas urinários inferiores e inconti-
nência diurna. Divide-se em primária se nunca houve período de continência durante pelo menos
6 meses ou secundária se ocorreu este período de continência. Na presença de sintomas urinários
inferiores designa-se de enurese não-monossintomática. A enurese monossintomática é mais co-
mum no sexo masculino, ocorrendo em cerca de 16% das crianças com 5 anos e 10% com 7 anos.

Etiologia
A enurese pode resultar da combinação de vários factores, sendo os mais comuns: poliúria noc-
turna (diminuição da secreção da vasopressina e da resposta à mesma durante o sono), crianças
com sono excessivamente profundo e aumento do ritmo de actividade do detrusor da parede
vesical (estes dois últimos com ou sem poliúria). Em relação à história familiar, é frequente a his-
tória parental de enurese. Outros factores possíveis: capacidade vesical reduzida para a idade,
atraso de maturidade do sistema nervoso central, treino inadequado dos esfíncteres, obstipação
e encoprese, higiene inadequada, infecção urinária e oxiuríase, malformações urológicas (como
ureter ectópico), síndrome de apneia obstrutiva do sono, disfunção neurológica ou lesão medular,
diabetes mellitus, diabetes insípida e doença renal crónica.

Abordagem diagnóstica
Anamnese
História familiar de enurese nocturna, nefropatia, HTA, diabetes (insípida ou mellitus); nos ante-
cedentes pessoais rever idade de controlo do esfíncteres, questionar presença de obstipação ou
encoprese, apneia do sono, diabetes, infecções urinárias, alterações neurológicas, malformações
urológicas, stress psicológico (desencadeantes ou associados) ou associação a PDAH ou problemas
psiquiátricos.
Clínica: frequência dos episódios (número de noites por semana, volume aproximado de cada
episódio, acontecimentos associados aos episódios), sintomas associados (urgência, manobras de
retenção, micção interrompida, jacto fraco, esforço para iniciar micção), incontinência diurna, vo-
lume de líquidos ingerido durante o dia e sua distribuição.
Enurese

É útil a elaboração de um diário de ingestão total de fluidos (para excluir polidipsia) e micções
durante pelo menos 2 dias, com número de micções e tempo máximo entre elas por dia; relação
207
com as refeições, intervalos escolares ou outras actividades. Para se estimar o volume de urina
pode ser tentada contabilização do total do peso de fraldas durante a noite (pesar uma fralda seca
e subtrair este peso de todas as fraldas molhadas) para detectar uma eventual poliúria nocturna
(numa fase inicial de avaliação, mas recomendar sempre a descontinuação do uso das fraldas). É
importante questionar a família se já houve intervenções ou tratamentos anteriores e qual a sua
postura em relação à enurese.
Nefro-urologia

Exame objectivo
Deve ser excluído atraso de crescimento e/ou HTA; observação do jacto urinário; hipertrofia amig-
dalina, obstrução nasal crónica ou outros sinais de apneia do sono; roupa interior húmida; fezes ou
corda cólica na palpação abdominal; escoriações perianais ou vulvovaginite; alterações da região
lombo-sagrada e/ou alterações do exame neurológico do períneo e dos membros inferiores.

Exames complementares de diagnóstico


Exame sumário de urina e urocultura e ecografia renal e vesical.
Outros exames, se alterações patológicas dos exames efectuados ou clínica sugestiva de etiologia
orgânica: avaliação ecográfica pré- e pós-miccional com determinação de resíduo urinário, de-
terminação analítica da função renal, RM da região lombo-sagrada, cisto-uretrografia miccional
directa, estudos urodinâmicos e urofluxometria (caso a caso, na investigação de enurese refrac-
tária, não monossintomática ou incontinência, devendo ser situações orientadas em consulta de
especialidade).

Orientação e terapêutica
Medidas educacionais
Calendário de noites “secas/molhadas” (permite avaliar a resposta terapêutica e seguimento).
Modificação dos hábitos urinários (urinar pelo menos 5 a 6 vezes ao dia, urinar antes de deitar,
treino dos esfíncteres vesicais em cada micção diurna tentando reter a urina e não responder à
primeira sensação de bexiga cheia para fortalecer a musculatura pélvica, evitar comportamentos
para reter urina).
Aumento da ingestão hídrica durante o dia com redução dos líquidos nas 3 horas antes do deitar
e durante a noite.
Tratar obstipação.
Reforço positivo, recompensar as “noites secas” e não punir “noites molhadas”.
Não utilizar fraldas (no máximo usar resguardos do colchão).

Alarme de enurese
Indicado nas crianças sem resultado com as medidas educacionais e após os 6 anos de idade. Não
tem efeitos adversos e tem sucesso em 2/3 dos casos. A criança deve ser ajudada nas primeiras
semanas de tratamento, em que um dos pais deve ajudar a criança a levantar-se e urinar quando
o alarme toca. Deve tentar-se pelo menos 2 a 3 meses de forma consistente, se efeitos positivos
(a criança acorda mais facilmente, maior número de noites secas e/ou volume de urina menor na
cama) o tratamento deve continuar até registo de 14 noites secas consecutivas. Podem verificar-se
recaídas mas muitas vezes há boa resposta após novo ciclo terapêutico com o alarme.
Enurese

208
Nefro-urologia

Desmopressina
Pode ser útil nas crianças com poliúria nocturna (produção de urina nocturna superior em 130%
da capacidade vesical para a idade). É administrada 30 a 60 minutos antes de deitar, com efeito
de 8 horas (redução da produção de urina apenas durante este tempo). Para prevenir os efeitos
adversos, como hiponatrémia e convulsões, é importante evitar ingerir líquidos no final do dia e
durante a noite. Iniciar na dose de 0,24 mg oral durante 3 meses. Se efeitos positivos (redução
de pelo menos 50% das noites molhadas) manter mais 3 meses na dose de 0,12 mg. Ao fim dos
6 meses interromper a terapêutica e verificar se ainda é necessária, nesse caso pode ser mantida.
Este processo pode manter-se alguns anos até a criança crescer e resolver a enurese. Por outro
lado, se não se verificar nenhum efeito positivo ao fim de 2 semanas, o tratamento deve ser inter-
rompido. Os efeitos adversos (cefaleia, pesadelos, vómitos, epigastralgia) são raros e desaparecem
com a interrupção do tratamento.

Alternativas
Associar o alarme e a desmopressina (efeito sinérgico); anticolinérgicos (oxibutinina, propi-
verina) que inibem a hiperactividade do músculo detrusor que pode estar presente na enurese
monossintomática.

Enurese

209
Nefro-urologia

47. Seguimento da infecção urinária


Catarina Figueiredo, Sofia Deuchande

Introdução
A infecção urinária define-se pela presença de bactérias, em número significativo, na urina colhi-
da de modo asséptico, associada a sintomatologia clínica concordante. Pode afectar o aparelho
urinário superior (pielonefrite aguda) ou inferior (cistite aguda). A pielonefrite aguda associa-se a
sintomas sistémicos como febre e/ou dor lombar e é uma das infecções bacterianas graves mais
frequentes em idade pediátrica, afectando cerca de 5% das crianças febris com menos de 2 anos
e sem foco de infecção. O diagnóstico atempado e o tratamento antibiótico adequado permitem
diminuir de modo significativo o risco de lesão renal e complicações a longo prazo, incluindo ci-
catrizes renais, HTA e doença renal crónica. O seguimento após o diagnóstico de infecção urinária
centra-se na avaliação de possíveis factores predisponentes (anomalias funcionais e/ou estruturais
do aparelho urinário) e na prevenção de recorrências e possíveis complicações.

Abordagem diagnóstica
Anamnese
História familiar de RVU ou doença renal; alterações ecografias pré e pós-natais, sintomatologia re-
corrente sugestiva de infecção urinária (febre, vómitos, recusa alimentar, dor abdominal ou lombar,
sintomas urinários), obstipação e disfunção vesical (micções raras ou muito frequentes, urgência
miccional, alterações do jacto urinário, incontinência, enurese).

Exame objectivo
Palpação de massa abdominal sugestiva de aumento da dimensão renal ou vesical, disrafismo espi-
nhal, avaliação dos genitais (fimose, sinéquia dos pequenos lábios), monitorização do crescimento
estaturo-ponderal e TA.

Exames complementares de diagnóstico


Ecografia renal e vesical: deve ser realizada a todas as crianças após o primeiro episódio de pielo-
nefrite aguda. Recomenda-se realizar na fase aguda se infecção urinária atípica (não causada por
Escherichia coli, aspecto séptico, débito urinário diminuído, massa abdominal ou vesical, lesão
renal aguda, falência do tratamento após 48 horas) ou infecção urinária recorrente. O objectivo é
Seguimento da infecção urinária

detectar alterações da anatomia e da morfologia do aparelho urinário (duplicações, hidronefrose)


e do parênquima renal.
Cintigrafia renal com DMSA: ponderar a sua realização após episódio de pielonefrite aguda, princi-
palmente em crianças abaixo dos 3 anos com infecções urinárias atípicas ou em infecções urinárias
recorrentes. Deve ser realizada mais de 6 meses após o episódio agudo. O objectivo é detectar ci-
catrizes renais e displasia renal (áreas de hipocaptação) e avaliar a função renal diferencial (normal
entre 45 e 55%). 210
Cisto-uretrografia miccional seriada directa: indicada se ecografia renal e vesical revelar hidrone-
frose, suspeita de cicatriz renal, alterações sugestivas de RVU de alto grau, uropatia de refluxo,
em infecções urinárias febris recorrentes ou em crianças com história familiar de doença renal ou
urológica. Pode ser realizada após o episódio agudo (desde que a criança esteja assintomática).
Nefro-urologia

O objectivo é o diagnóstico de RVU e a avaliação morfológica do aparelho urinário. Conduta:


realizar urocultura prévia e profilaxia antibiótica na véspera, no dia do exame e no dia seguinte
(trimetoprim 4 mg/kg/dia 2x ao dia).
Renograma com MAG3: em crianças com cicatrizes renais, permite avaliar a perfusão e excreção
renal e quantificar a função renal diferencial.

Seguimento
Recomenda-se o seguimento em consulta hospitalar (Nefrologia ou Pediatria) de todas as crianças
com infecção urinária febril até aos 3 anos de idade. Se os resultados dos exames complementares
de diagnóstico forem normais (ecografia renal e vesical e eventual cintigrafia renal) a criança pode
ter alta, com informação escrita para o médico assistente. Se a infecção urinária for recorrente, atí-
pica ou complicada, ou haver patologia nefro-urológica associada, deve ser mantido o seguimento
hospitalar (mesmo se idade superior aos 3 anos).
O seguimento das crianças com alterações do parênquima renal e/ou cicatrizes (sem RVU e com re-
nograma normal) deve incluir vigilância semestral (TA, crescimento estaturo-ponderal e proteinúria
ou microalbuminúria), função renal anual e ecografia renal e vesical a cada dois anos.
Referenciar a consulta de Cirurgia ou Urologia Pediátrica: crianças com RVU de grau III a V, uropatia
obstrutiva e disfunção vesical refractária às medidas primárias de re-educação vesical.

Prevenção
Ensino aos pais
Reconhecimento precoce de recorrências, sintomas sugestivos (nomeadamente febre sem outra
sintomatologia) e condutas (observação médica em menos de 48 horas e realização de exame
sumário de urina).

Tratamento da obstipação e disfunção vesical


Dieta, laxantes, re-educação vesical (micções frequentes: a cada 2 a 3 horas, micções “duplas”:
pedir à criança para urinar logo após uma primeira micção), reforço da ingestão hídrica.

Profilaxia antibiótica
Profilaxia com trimetoprim 1-2 mg/kg/dia ou nitrofurantoína 1 mg/kg/dia pode ser considerada
em casos particulares:
Seguimento da infecção urinária

• infecções urinárias recorrentes;


•R  VU do grau III a V;
• alterações renais (cicatrizes, alterações do parênquima, dilatação pielo-calicial superior a 15 mm,
dilatação do ureter);
• a lterações da bexiga;
• infecções urinárias associadas a disfunção vesical em crianças em idade escolar.
211
Nefro-urologia

48. Dilatação pielocalicial e hidronefrose


José Esteves da Silva

Introdução
A dilatação da pélvis renal, hidronefrose, com ou sem dilatação dos cálices, é uma situação fre-
quentemente diagnosticada desde a implementação da ecografia fetal (diagnóstico pré-natal), em
cerca de 0,5 a 1% das gestações. Actualmente são muito mais raros os casos de hidronefrose sem
diagnóstico pré-natal, como por exemplo na investigação de uma primeira infecção urinária ou de
dor abdominal recorrente. Na maioria das vezes a dilatação da pélvis renal de diagnóstico pré-natal
é transitória, fisiológica e sem significado patológico. No entanto pode ser causada por obstrução
do tracto urinário ou por refluxo vesico-ureteral, situações que se não diagnosticadas e tratadas
podem resultar em lesão renal.
Não existem consensos para o seguimento pós-natal da hidronefrose de diagnóstico pré-natal, so-
bretudo nas alterações moderadas e unilaterais. O objectivo será identificar os casos com anomalia
congénita do rim ou do tracto urinário, mas também evitar o excesso de exames complementares
e consultas, assim como a acrescida preocupação para os seus cuidadores.
A identificação precoce das situações patológicas permite uma intervenção precoce minimizando e
prevenindo os efeitos adversos das anomalias congénitas. Estima-se uma prevalência de 0,3 a 1,6
por 1.000 RN com anomalias congénitas do rim e tracto urinário.

Abordagem diagnóstica
As uropatias caracterizam-se por dilatação a qualquer nível da árvore renal e as nefropatias fetais
sobretudo por alteração das dimensões renais, da ecogenicidade do parênquima com perda da di-
ferenciação cortico-medular e/ou presença de quistos renais. Na prática uma dilatação pielocalicial
pode ser resultado de RVU, de obstrução ou ser fisiológica (50%) e é importante avaliar se é uni
ou bilateral (ou em rim único), e se a dilatação está associada a alterações renais, com eventual
compromisso da função renal do rim afectado.

Critérios ecográficos de dilatação pré-natal


Antes das 24 semanas de gestação - diâmetro antero-posterior do bacinete (DAPB) superior a 4
mm ou caliectasias, ureter dilatado ou bexiga alterada.
Dilatação pielocalicial e hidronefrose

Depois das 24 semanas de gestação - DAPB igual ou superior a 7 mm ou caliectasias, ureter dila-
tado ou bexiga alterada.

Sinais de mau prognóstico


Dilatação grave bilateral - DAPB igual ou superior a 15 mm ou qualquer grau de dilatação do
bacinete se associado a dilatação calicial ou do ureter.
Presença de displasia - aumento da ecogenicidade do parênquima, perda de diferenciação cortico-
-medular ou presença de quistos corticais. 212
Presença de oligoâmnios no 2º trimestre.
São raras as situações de obstrução renal que obriguem a uma intervenção cirúrgica nos primeiros
dias ou semanas de vida. As válvulas da uretra posterior são a excepção, que deve ser corrigida o
mais precocemente possível.
Nefro-urologia

Exame objectivo
Alguns sinais no RN podem sugerir anomalias congénitas como massa abdominal (rim multiquísti-
co displásico, obstrução), bexiga palpável (válvulas da uretra posterior), alteração da parede abdo-
minal (síndrome de prune belly), alterações da coluna vertebral ou membros (bexiga neurogénica).

Exames complementares de diagnóstico


A ecografia renal e vesical é um exame fundamental na orientação diagnóstica e seguimento.
São critérios ecográficos de gravidade pós-natal:
• ectasia ligeira a moderada - DAPB de 7 a 14 mm, sem outras alterações ecográficas associadas;
• dilatação grave - DAPB superior ou igual a 15 mm ou inferior se associado a ectasias caliciais ou
do ureter, diminuição da espessura do parênquima ou alterações vesicais.
Outros exames complementares de diagnóstico importantes são:
• cisto-uretrografia miccional seriada directa (CUMS) - é a técnica de eleição para diagnosticar o
RVU e malformações da bexiga e da uretra (válvulas da uretra posterior, divertículos vesicais e
ureterocelos);
• renograma renal com MAG3 e prova diurética - avaliação da função renal diferencial (direito e
esquerdo) e estudo da fase de eliminação para diagnóstico de obstrução;
• cintigrafia renal com DMSA - no diagnóstico de lesão renal associado a RVU e na confirmação
do diagnóstico de displasia renal multiquística e rim único.

Orientação e terapêutica
Dilatações pré-natais ligeiras a moderadas
Nas dilatações pré-natais ligeiras a moderadas (7 a 14 mm) realiza-se a primeira ecografia reno-ve-
sical entre as 2 e as 4 semanas de vida. Se normal (DAPB inferior a 5 mm), a criança deverá ter alta
para o médico assistente. Se DAPB for igual ou superior a 7 mm e inferior a 15 mm, sem outras
alterações ecográficas associadas, mantém-se o seguimento, sem profilaxia antibiótica, e deve
repetir ecografia renal aos 3, 6 e 12 meses; se houver uma redução e normalizar, a criança tem alta.
Se na primeira primeira ecografia reno-vesical, houver uma DAPB inferior a 15 mm mas associado
a ectasia calicial ou do ureter, a alterações da ecogenecidade do parênquima ou a alterações da
bexiga, inicia-se profilaxia antibiótica (trimetoprim suspensão oral a 1%, na dose de 2 mg/kg/dia)
e é orientada como nas dilatações pré-natais graves. Dilatação pielocalicial e hidronefrose

Dilatações pré-natais graves


Nos casos de dilatação pré-natal grave (DAPB igual ou superior a 15 mm), está indicada profilaxia
antibiótica nas primeiras horas de vida e realizar ecografia reno-vesical no 2º a 3º dia de vida,
sobretudo se bilateral. Caso se confirme o DAPB igual ou superior a 15 mm ou inferior mas asso-
ciado a ectasia calicial ou do ureter, a alterações vesicais ou a hiperecogenecidade do parênquima,
deve-se realizar CUMS para diagnostico de RVU. No rapaz com hidronefrose grave e bilateral, a
CUMS deve ser realizada o mais precocemente possível, pelo risco de se tratar de válvulas da uretra
213
posterior, que obrigam a tratamento imediato.
Se a causa da dilatação for o RVU grave (grau III a V) mantém-se a profilaxia com antibiótico e
deve-se realizar cintigrafia renal com DMSA para avaliação de nefropatia cicatricial. Caso não se
confirme a suspeita de RVU, deve-se excluir a presença de obstrução com a realização de reno-
grama com MAG3 e prova diurética. Uma obstrução é considerada significativa quando se verifica
uma diminuição de 40% de função do rim afectado. Na presença de alterações renais ecográficas,
Nefro-urologia

na ausência de RVU, a cintigrafia com DMSA permite avaliar eventuais lesões cicatriciais.
Todas estas situações devem ser avaliadas por Urologia e Nefrologia Pediátricas de forma a estabe-
lecer o seu tratamento, nomeadamente a necessidade de intervenção cirúrgica.
Um melhor conhecimento da história natural do RVU veio modificar as indicações para correcção
cirúrgica de RVU, actualmente mais restritas.

Prognóstico
As malformações congénitas nefro-urológicas são das causas mais frequentes de doença renal
crónica. É factor preditivo o grau da dilatação, o qual está associado ao grau de perda de função
renal do rim afectado. Cerca de 16% dos casos de hidronefrose pré-natal tem um compromisso
significativo (inferior a 35 %) de função. Se na avaliação pós-natal se detectar uma dilatação su-
perior a 15 mm existe um risco de doença renal. Outros factores preditivos são: ser bilateral, em
rim único ou a presença de oligoâmnios. O prognóstico está dependente da gravidade das lesões
displásicas ou cicatriciais irreversíveis e o compromisso da função renal já existentes assim como de
uma intervenção atempada das situações passíveis de correcção (como a obstrução).
Importa também lembrar o risco de infecção urinária associado (RVU e obstrução) e a importân-
cia do seu diagnóstico e tratamento; os episódios de pielonefrite são factores de agravamento
da função renal residual. No seguimento a longo prazo das crianças com doença renal crónica é
também fundamental a vigilância da pressão arterial; a hipertensão é um dos factores determi-
nantes na evolução e progressão da doença renal crónica. É muito importante tratar e controlar a
pressão arterial. A criança com doença renal crónica deve ter um acompanhamento por Nefrologia
Pediátrica.

Dilatação pielocalicial e hidronefrose

214
Nefro-urologia

49. Hematúria
Carina Carvalho Cardoso, Sofia Deuchande

Introdução
A hematúria define-se pela presença de eritrócitos na urina, procedentes do rim ou de outro seg-
mento do aparelho urinário. A definição de hematúria depende do método utilizado:
• c itometria de fluxo (exame automatizado) - superior a 20 eritrócitos/µL;
• microscopia - superior a 5 eritrócitos/µL na amostra de urina fresca não centrifugada ou superior
a 5 eritrócitos/campo de alta resolução na amostra de urina fresca centrifugada.
A hematúria ocasional pode surgir num contexto de exercício intenso, desidratação ou febre. Deve
ser considerada patológica se persiste em pelo menos duas amostras de urina diferentes, separa-
das entre si entre 2 a 4 semanas.
A hematúria ocorre em 3-4% das crianças entre os 6 e os 15 anos, e destes apenas 0,4% tem
hematúria persistente secundária a nefropatia subjacente.

Classificação
De acordo com o aspecto da urina
Macroscópica: hematúria visível a olho nu (1 mL de sangue é visível em 1 L de urina). A urina
adquire uma tonalidade escura ou avermelhada. É importante a exclusão de “falsas hematúrias”,
em que a urina apresenta uma tonalidade rosa, avermelhada ou escura (castanha ou negra) na
ausência de eritrócitos.
Falsa macro-hematúria endógena: mioglobinúria ou hemoglobinúria (a presença do grupo heme
reage na tira reagente); uratos; outras doenças (como porfirias, alocaptonúria, metahemoglobiné-
mia, tirosinose).
Falsa macro-hematúria exógena: fármacos e tóxicos (como ibuprofeno, amlodipina, nitrofurantoí-
na, salicilatos, rifampicina, benzeno, alanina); corantes (como a fenolftaleína e amoras); bactérias
(Serratia spp).
Microscópica: hematúria detectada apenas por tira reagente ou análise sumária de urina
(leitura de 1+ de sangue).

Considerando a origem no aparelho urinário


Glomerular: urina de tonalidade escura (castanha, coca-cola) e uniforme durante a micção,
frequentemente associada a proteinúria; à microscopia são observados cilindros eritrocitários e
eritrócitos, dos quais cerca de 80% são dismórficos (distorcidos e com contornos irregulares,
hipocrómicos, microcíticos e formas variáveis) e mais de 5% são acantócitos (dismorfia muito
Hematúria

específica de origem glomerular).


Extra-glomerular (outros segmentos do rim e restante aparelho urinário): urina vermelha e/
ou com coágulos, sendo a hematúria inicial durante a micção (na uretrite e na litíase vesical) ou 215
terminal ou total (na cistite); à microscopia geralmente não são observados cilindros eritrocitários
e os eritrócitos visualizados são eumórficos (uniformes em tamanho e semelhantes aos circulantes)
e com VGM aumentado.
Nefro-urologia

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Sintomas gerais: febre, mal-estar, dor abdominal, anemia, exantema, dispneia, dor abdominal/
flanco, icterícia, artralgia, menstruação.
Sintomas específicos do aparelho urinário: cor da urina, localização da hematúria durante a mic-
ção, disúria, frequência, urgência, oligúria/anúria, incontinência, HTA; história de infecção respira-
tória recente; exposição a VIH, hepatite ou tuberculose; viagens a zonas endémicas de schistosso-
míase; traumatismo (abdominal fechado, corpo estranho, abuso sexual); exercício físico vigoroso.
Antecedentes familiares: surdez, HTA, doença nefro-urológica, coagulopatia, drepanocitose.
Antecedentes pessoais: infecção urinária (recorrente ou não), doença sistémica (púrpura de Heno-
ch-Schönlein, lúpus eritematoso disseminado, coagulopatia, drepanocitose ou heterozigotia AS),
fármacos nefrotóxicos (AINE, antibióticos, ciclofosfamida), período neonatal (asfixia, cateterização
umbilical).

Exame objectivo
Somatometria, pressão arterial, febre, palidez, icterícia, exantema, discrasia hemorrágica e púrpu-
ra, edema e outros sinais de sobrecarga hídrica, sopros, massas abdominais, Murphy renal, genitais
(traumatismo, infecção) e sinais de artrite.
A hematúria pode ser agrupada em três grupos sindromáticos:
• hematúria microscópia assintomática isolada - não acompanhada por manifestações clínicas nem
outras alterações do sedimento urinário ou da função renal;
• hematúria microscópica não isolada - acompanhada por outros sintomas e sinais (disúria, po-
liúria, enurese, febre, mal-estar, dor abdominal, exantema, edema, HTA) e/ou por alterações da
função renal ou do sedimento urinário (como por exemplo proteinúria ou elevação da creatinina);
• hematúria macroscópica.

Exames complementares de diagnóstico


Exame sumário de urina ou tira reagente: reacção com o heme da hemoglobina de elevada sen-
sibilidade (100%) e especificidade variável (65-99%). Considera-se hematúria patológica com 1+
ou mais de sangue.
Recomenda-se a utilização da primeira urina da manhã, colhida a meio do fluxo miccional, com
evicção de cateterismo vesical e exercício físico intenso nas 48 horas precedentes.
Falsos positivos: leituras tardias (amostra não deve aguardar mais de 1 hora à temperatura am-
biente), pH superior a 7, mioglobinúria ou hemoglobinúria, substâncias oxidantes (hipocloritos,
iodopovidona).
Falsos negativos: densidade urinária superior a 1.030, substâncias redutoras (ácido ascórbico,
Hematúria

formalina).
A proteinúria quando devida exclusivamente à hematúria, não excede as 2+ (1g/L) na tira reagen-
216
te. Acima disso deve ser suspeitada glomerulonefrite.
Se persistente em mais de duas amostras, não isolada, ou se suspeita de origem glomerular (como
na suspeita de síndrome nefrítica), realizar estudo microscópico do sedimento urinário, avaliando
também a presença de eventuais de cilindros eritrocitários, eritrócitos dismórficos, leucócitos, bac-
térias, cristais.
Nefro-urologia

Se hematúria associada a sintomas urinários baixos com ou sem febre, sugestivo de infecção uri-
nária, deve ser pedida urocultura.
Se cólica renal, disúria ou outras manifestações sugestivas de litíase, deve ser pedido estudo ima-
giológico e estudo de litíase renal.
Se hematúria associada a traumatismo abdominal deve ser pedida ecografia renal e eventualmente
TC abdominal.

Orientação
Se hematúria microscópica assintomática isolada, vigiar medições subsequentes (2 ou 3 espaçadas
entre si de 2 a 4 semanas). Se desaparece parar investigação.
Se a hematúria persiste (fora do exercício) e/ou é macroscópica (excluindo a infecção e o trauma-
tismo) referenciar a consulta de Nefrologia Pediátrica. As causas mais frequentes de hematúria
microscópica persistente são a nefropatia de IgA ou doença de Berger, a nefropatia de membrana
basal fina e a hipercalciúria idiopática.
Avaliação inicial a pedir (pode ser faseada): ecografia renal e vesical com eventual doppler dos
vasos renais (excluir síndrome de Nutcracker); creatinina e ureia, ionograma, cálcio, fósforo, mag-
nésio, albumina, hemograma, TP e aPTT, perfil lipídico, proteinúria, calciúria, creatininúria. Even-
tual electroforese das hemoglobinas e pesquisa de hematúria aos familiares. A audiometria tonal
e exame oftalmológico são pedidos se suspeita de síndrome de Alport ou hematúria familiar. Se
suspeita de nefropatia secundária a doenças sistémica (auto-imune, infecção crónica), dosear C3
e C4, ANA, Ac anti-dsDNA e serologia VIH, VHB e VHC.

Hematúria

217
Nefro-urologia

50. Proteinúria
Carina Carvalho Cardoso, Sofia Deuchande

Introdução
A proteinúria consiste na presença de proteínas na urina. Em condições fisiológicas, o glomérulo
renal impede a filtração das proteínas de elevado peso molecular pelo seu tamanho e carga eléc-
trica. As proteínas de baixo peso molecular como a albumina podem ser filtradas em pequenas
concentrações, sendo depois reabsorvidas na quase totalidade pelo túbulo proximal. A proteinúria
detectável na urina em condições fisiológicas é derivada das células epiteliais do tracto urinário,
sendo constituída em 50% pela proteína de Tam-Horsfall (uromodulina), em 40% pela albumina e
na restante fracção por outras proteínas de baixo peso molecular (β2-microglobulina, α1-microglo-
bulina, lisozima, retinol binding protein) e aminoácidos.
A proteinúria acima de valores fisiológicos ocorre em 5-10% das crianças em idade escolar e ado-
lescentes saudáveis, e destes apenas 0,1% tem proteinúria persistente secundária a doença renal
subjacente.

Classificação (Tabela 68)

Tabela 68: Classificação da proteinúria


mg/m2 proteinúria/creatinúria
Classificação mg/m2/dia
relação/h mg/mg mg/mmol
< 2 Anos

Proteinúria < 0,5 < 50 Albuminúria


<4 < 100 < 30 mg/dia/1.73m2
fisiológica > 2 Anos fisiológica

< 0,2 < 20


Albuminúria patológica
Proteinúria patológica
(proteinúria glomerular)
< 2 Anos
30 - 300
0,5 – 1
Microalbuminúria albumina mg/
Ligeira 4 - 20 -
> 2 Anos creatinina g
0,2 – 1
> 300
Moderada 20 - 40 - Macroalbuminúria albumina mg/
Grave (nefrótica) > 40 > 1.000 >2 > 250 creatinina g

A proteinúria pode ser intermitente, englobando as entidades clínicas benignas proteinúria tran-
Proteinúria

sitória e proteinúria ortostática, ou então persistente, geralmente em contexto de uma nefropatia


subjacente.
218
Proteinúria transitória
A mais frequente (5-10% da população pediátrica). Detecta-se numa amostra de urina e desapa-
rece em amostras subsequentes. Associa-se a febre, exercício físico, desidratação, exposição ao
frio, insuficiência cardíaca, convulsão, stress, infecção, cirurgia; desaparece com a resolução do
factor desencadeante. Não está associada a outros sintomas renais ou a patologia renal significa-
tiva e raramente atinge a faixa nefrótica.
Nefro-urologia

Proteinúria ortostática ou postural


Proteinúria aumentada em ortostatismo (podendo ser detectável em várias ocasiões) mas mínima
ou ausente num doseamento em decúbito (de manhã, antes de se levantar, esvaziando a bexiga
ao deitar). Normalmente ocorre em adolescentes do sexo masculino, com hiperlordose e após
exercício físico ou ortostatismo prolongado.

Proteinúria persistente:
Proteinúria aumentada na primeira urina da manhã em 3 medições consecutivas (em dias dife-
rentes, por exemplo ao longo de 15 dias). Pode indicar doença do parênquima renal, primária
ou secundária, podendo surgir associada a outros sintomas de foro nefrológico (edema, HTA,
oligúria/anúria e hematúria).

Considerando a sua origem, a proteinúria pode ser classificada em glomerular, tubular, de sobre-
carga ou pós-renal.
Glomerular
Aumento da filtração glomerular de proteínas de elevado peso molecular secundária a:
• lesões glomerulares com perda de electronegatividade da membrana basal glomerular e/ou alte-
rações estruturais (síndrome nefrótica, glomerulonefrites primárias e secundárias);
• c ondições sem nefropatia subjacente (febre, proteinúria ortostática, exercício vigoroso).
Pode ser selectiva e predominantemente constituída por proteínas de baixo peso molecular (como
a albumina), ou não selectiva traduzindo lesões estruturais mais graves com permissividade para
proteínas de elevado peso molecular como imunoglobulinas. A presença de microalbuminúria é
indicativa de lesão glomerular subtil.

Tubular
Alterações na reabsorção ou excreção tubular de proteínas de baixo peso molecular. Raramente
atinge a faixa nefrótica e pode associar-se a outras alterações da excreção tubular renal (como gli-
cosúria, fosfatúria, calciúria e aminoacidúria).

De sobrecarga
Pouco frequente em idade pediátrica. Ocorre se ingestão ou produção proteica excessivas, supe-
rando a capacidade de reabsorção tubular, como neoplasias hematológicas (mieloma múltiplo e
leucemias), hemólise intravascular e rabdomiólise.

Pós-renal
Lesões no tracto urinário secundárias a parasitoses ou litíase. Tem uma composição semelhante ao
plasma.
Proteinúria

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Febre, sintomas urinários, edema, hematúria, noctúria, poliúria, exantema, artralgias, uso de fár- 219
macos nefrotóxicos, história de infecção respiratória recente; traumatismo abdominal, convulsão,
exercício físico vigoroso; antecedentes familiares: surdez, HTA, doença nefro-urológica; anteceden-
tes pessoais: surdez, doenças renais, infecções urinárias prévias, doença sistémica (púrpura de He-
noch-Schönlein, lúpus eritematoso disseminado).
Nefro-urologia

Exame objectivo
Pressão arterial, somatometria, edema, sinais de sobrecarga hídrica, exantema, massas abdominais,
sopros.

Exames complementares de diagnóstico


Tira reagente e exame sumário de urina: detectam exclusivamente albumina na urina de forma
qualitativa (Tabela 49).
Proteinúria aumentada (patológica): igual ou superior a 1+ se densidade urinária superior a 1.015.
Se vestígios com densidade urinária inferior a 1.010 considerar possivelmente aumentada (repetir).
Falsos positivos: pH superior a 7, limpeza genital com anti-sépticos, hematúria macroscópica, urina
concentrada, terapêutica com fenazopiridina. Falsos negativos: densidade urinária inferior a 1.005,
nefropatias espoliadoras de proteínas que não a albumina.
Se proteinúria aumentada em mais de uma medição, quantificar numa amostra através do índice
proteinúria/creatininúria e se persistente, realizar uma colheita de urina de 24 horas (ver limites
patológicos na Tabela 68).

Orientação
O doseamento da albuminúria permite detecção de eventual lesão glomerular incipiente. Na sus-
peita de proteinúria tubular, dosear a β2-microglobulina urinária.
Se proteinúria ligeira isolada, num doente assintomático vigiar medições subsequentes (excluindo
proteinúria do ortostatismo), revendo depois em 6 meses e em 1 ano; se avaliações negativas não
é necessária mais investigação.
Se proteinúria persistente ou associada a hematúria, mesmo se assintomático, recomenda-se exa-
mes complementares de diagnóstico (podendo ser faseados): creatinina, ureia, ionograma, albu-
mina séricos e perfil lipídico; considerar ecografia renal e vesical com doppler; doseamentos de C3
e C4, ANA, anti-dsDNA; serologia VIH, VHB e VHC e audiometria tonal. Estes doentes devem ser
referenciados a Nefrologia Pediátrica.

Proteinúria

220
Nefro-urologia

51. Púrpura Henoch-Schönlein


Carolina Vasconcelos Guimarães, Sofia Deuchande, Carla Simão

Introdução
A púrpura de Henoch-Schönlein (PHS) é a vasculite mais frequente em idade pediátrica. É uma
vasculite aguda, mediada por imunocomplexos IgA, que afecta os pequenos vasos da pele, siste-
ma gastrointestinal, rins, articulações e mais raramente SNC, cardiovascular, pulmonar, testicular
e outros órgãos. É mais frequente entre os 3 os 10 anos e nos meses de Outono e Inverno. Habi-
tualmente é precedida 2 a 3 semanas por uma infecção respiratória alta (rinofaringite, amigdalite
a Streptococcus do grupo A) ou gastrointestinal, vacinação, medicamentos ou picada de insecto.

Abordagem diagnóstica
Clínica (Tabela 69)
Púrpura palpável: obrigatória para o diagnóstico, é frequentemente a primeira manifestação.
Lesões maculopapulares eritematosas ou urticariformes com evolução para púrpura palpável e
simétrica, localização preferencial em áreas de pressão (nádegas, face extensora dos membros
inferiores, tornozelos, cotovelos), frequentemente acompanhada de edema dos pés, mãos, perior-
bitário ou couro cabeludo. Duração de uma a duas semanas.
Artralgias ou artrite (65-75%): inflamação periarticular dolorosa, sobretudo à mobilização, migra-
tória, atinge essencialmente tornozelos e joelhos. É transitória, não deixa sequelas. Em 25% pode
preceder a púrpura, habitualmente por 1 a 2 dias.

Tabela 69: Critérios de diagnóstico (2006, EULAR e PRES)


Púrpura palpável (obrigatório) e pelo menos um dos seguintes critérios:

Dor abdominal difusa


Artrite aguda ou artralgia
Envolvimento renal definido por qualquer forma de hematúria ou proteinúria
Biópsia (cutânea, renal) demonstrando depósitos de IgA

Dor abdominal (50-65%): dor tipo cólica que pela intensidade pode mimetizar um quadro de
abdómen agudo. Em 30% dos casos podem existir vómitos e hemorragia gastrointestinal (mais
frequentemente oculta). Surge habitualmente uma semana após o exantema. A complicação gas-
Púrpura Henoch-Schönlein

trointestinal mais frequente é a invaginaçao intestinal ileo-ileal causada por hematoma intramural.
Manifestações renais (25-50%): habitualmente surgem entre um a seis meses após o início do
quadro e são o mais importante marcador de prognóstico. Os factores de risco para envolvimento
renal são: sexo masculino, idade superior a 7 anos, dor abdominal intensa, púrpura recorrente e
envolvimento do SNC. As manifestações mais comuns incluem a hematúria micro ou macroscópica
com ou sem proteinúria (não nefrótica), que habitualmente desaparecem em dois a três meses. 221
Outras manifestações incluem síndrome nefrítica ou nefrótica (6 a 7%) ou a hipertensão arterial
isolada (rara) ou relacionada com o atingimento renal. A doença renal na maioria dos casos resolve
espontaneamente, mas pode verificar-se evolução para doença renal crónica (1 a 5%).
Outras manifestações menos frequentes incluem: neurológicas (cefaleias, alterações de comporta-
mento, convulsões ou coma); genito-urinárias (edema e equimose escrotal, inflamação e hemorra-
gia testicular, risco de torção testicular); pulmonares (hemorragia, pneumonia intersticial).
Nefro-urologia

Exames complementares de diagnóstico (Tabela 70)

Tabela 70: Exames complementares de diagnóstico


Avaliação laboratorial inicial

Hemograma, proteína C reactiva


Estudo coagulação
Perfil bioquímico (ureia, creatinina)
Exame citoquímico da urina (com determinação proteinúria/creatinúria)
VS e eventualmente TASO

Avaliação complementar

Imunoglobulinas (IgG, IgA, IgM); doseamento C3 e C4; ANA; anti-dsDNA; ANCA


Exames de imagem podem ser úteis (ecografia renal e abdominal)

Diagnóstico diferencial
Trombocitopénia imune, sépsis, reacção adversa a fármacos, coagulopatias, poliarterite nodosa,
outras vasculites.

Orientação e terapêutica
Terapêutica de suporte
Repouso, hidratação, analgesia com paracetamol.
Referenciação para Serviço de Urgência
Para eventual internamento se: ar tóxico, dor abdominal intensa, hemorragia gastrointestinal, sin-
tomas osteoarticulares graves com limitação funcional, HTA, síndrome nefrótica, síndrome nefrítica,
alteração da função renal, sintomas neurológicos.
Considerar corticoterapia se sintomatologia abdominal ou osteoarticular grave. Prednisolona 1 mg/
kg/dia oral (máximo 60 mg/dia), 1 a 2 semanas, seguido de 2 semanas de desmame.

Seguimento
Em todos os doentes com diagnóstico de PHS deve ser monitorizada a TA e exame sumário de
urina (ou tira reagente) com periodicidade semanal no primeiro mês, quinzenal nos dois meses se-
guintes, e seguidamente rever aos seis meses. Se sempre assintomático e exame de urina normal,
rever aos doze meses após o episódio inaugural. Se se mantiver assintomático ou apenas hema-
túria microscópica isolada, sem proteinúria e TA normal manter seguimento no médico assistente.
Púrpura Henoch-Schönlein

Salienta-se que se não houver envolvimento renal o seguimento pode realizado na consulta de
Pediatria. A referenciação à consulta de Nefrologia Pediátrica está indicada sempre que seja detec-
tado envolvimento renal (proteinúria persistente, hematúria associada a proteinúria ou HTA) e/ou
estejam presentes critérios de biópsia renal:
•d  eterioração da função renal, com retenção azotada; 222
• s índrome nefrítica na apresentação inicial;
• síndrome nefrótica ou proteinúria nefrótica com função renal normal, com evolução superior a 4
semanas, (sem melhoria espontânea);
• proteinúria persistente (relação proteinúria/creatininúria superior a 250 mg/mmol mais de 4 se-
manas, superior a 100 mg/mmol durante mais de 3 meses ou superior a 50 mg/mmol mais de
6 meses, particularmente se o diagnóstico é duvidoso).
Nefro-urologia

Prognóstico
O prognóstico a curto e longo prazo é habitualmente excelente. A recorrência da PHS é comum,
surge em até 1/3 dos doentes e é mais frequente na presença de envolvimento renal. Os episódios
recorrentes surgem habitualmente até 6 meses após o quadro inicial e são semelhantes, mas de
menor gravidade e duração.
A morbilidade a longo prazo relaciona-se com a doença renal. Os factores de risco para pior prog-
nóstico e progressão para doença renal crónica são: proteinúria nefrótica, elevação da creatinina,
HTA, presença de glomerulonefrite crescêntica (mais de 50% crescentes) ou nefrite tubulo-inters-
ticial na biópsia renal.

Púrpura Henoch-Schönlein

223
Endocrinologia

52. Hipotiroidismo adquirido


Carolina Vasconcelos Guimarães, Sara Martins

Introdução
As hormonas tiroideias têm um papel essencial no crescimento somático e maturação esqueléti-
ca, no metabolismo e função de múltiplos órgãos e no desenvolvimento cerebral, sendo essen-
ciais na mielinização do SNC nos três primeiros anos de vida. As alterações da função tiroideia
no recém-nascido, na criança ou no adolescente têm um impacto significativo no crescimento e
desenvolvimento.
O hipotiroidismo é a alteração da função tiroideia mais frequente nas crianças. Pode ser congénito
ou adquirido e pode ser causado pelo défice de produção das hormonas tiroideias, resistência dos
tecidos à sua acção ou alterações no transporte e metabolismo. O hipotiroidismo adquirido surge
habitualmente após os 6 meses de idade e tem um início insidioso podendo ser difícil reconhecer
numa fase inicial.

Etiologia
O défice de iodo é a causa mais frequente a nível mundial. Nos países desenvolvidos a causa mais
frequente é a tiroidite de Hashimoto (Tabela 71).

Tabela 71: Causas de hipotiroidismo adquirido


Primário
Défice de iodo
Tiroidite de Hashimoto (tiroidite auto-imune ou linfocitária crónica)
– Isolada
– Associado a síndrome de Turner ou síndrome de Down
– Associado a outras doenças auto-imunes (diabetes mellitus tipo 1, doença celíaca) ou parte de síndromes
poliglandulares auto-imunes
Tiroidite subaguda de Quervain (hipotiroidismo geralmente transitório na fase de recuperação)
Doenças infiltrativas da tiroideia
Iatrogénico: cirurgia, radiação, iodo radioactivo, fármacos (amiodarona, fármacos antitiroideus, lítio)
Central (hipotálamo ou hipófise)
Infecções, tumores, radiação, neurocirurgia, trauma

Abordagem diagnóstica
Hipotiroidismo adquirido

Anamnese
Antecedentes familiares de doenças tiroideias ou outras doenças auto-imunes (tiroidite auto-
-imune).
As manifestações clínicas são insidiosas e inicialmente subtis. A apresentação mais comum é a
desaceleração do crescimento resultando frequentemente em baixa estatura, que pode estar pre- 224
sente antes do aparecimento dos outros sintomas.
Os sintomas mais frequentes são: fadiga, fraqueza muscular, sonolência, palidez, intolerância ao
frio, obstipação, pele seca, cabelo quebradiço e aumento da pilosidade corporal. Pode haver histó-
ria de diminuição do aproveitamento escolar. Na rapariga com puberdade completa são frequentes
as irregularidades menstruais.
Endocrinologia

Exame objectivo
Bócio (frequente), excesso de peso relativamente à estatura, baixa estatura, mixedema da face com
expressão apática, cabelo quebradiço e pele seca, bradicárdia, pseudo-hipertrofia muscular e atraso
na solicitação dos reflexos osteotendinosos. O atraso pubertário é frequente mas pode ocorrer em
alternativa pseudo-puberdade precoce com desenvolvimento mamário ou macro-orquidia. No hi-
potiroidismo grave pode haver derrame pericárdico ou pleural.

Exames complementares de diagnóstico (Figura 28)


A avaliação laboratorial da função tiroideia deve ser solicitada quando há sintomas e sinais suges-
tivos de hipotiroidismo, na baixa estatura ou periodicamente nas situações associadas a um risco
elevado de hipotiroidismo (doença celíaca, diabetes mellitus tipo 1, síndrome de Turner, síndrome
de Down, terapêutica com amiodarona).

Figura 28: Exames complementares de diagnóstico no hipotiroidismo adquirido

Anti-TPO
↓ fT4, ↑ TSH Hipotiroidismo primário
Anti-TG

TSH, T3,
T4, fT3, fT4

RM crânio-encefálica
↓ fT4, ↓ TSH Hipotiroidismo central
Teste estimulação com TRH
Estudo das outras hormonas
hipofisárias

A idade óssea encontra-se geralmente atrasada em relação à idade cronológica.


A ecografia da tiroideia deve ser realizada se nódulo palpável, bócio assimétrico ou hipotiroidismo
primário com auto-anticorpos negativos (suspeita de apresentação tardia de disgenésia tiroideia).

Orientação e terapêutica
Hipotiroidismo adquirido

As crianças com hipotiroidismo devem ser orientadas para a consulta de Endocrinologia Pediátrica.
No hipotiroidismo adquirido primário a terapêutica de escolha é a levo-tiroxina. O objectivo é a
reposição fisiológica da hormona tiroideia em circulação para restabelecer o crescimento e desen-
volvimento adequados.
A levo-tiroxina deve ser iniciada de acordo com a idade e peso (uma toma diária de manhã de 100
µg/m2 ou em função da idade: 1-3 anos 4-6 µg/kg/dia; 3-10 anos 3-5 µg/kg/dia; 10-16 anos 2-4 225
µg/kg/dia). No hipotiroidismo grave inicia-se com uma dose mais baixa e ajusta-se gradualmente.
Inicialmente a monitorização clínica e da função tiroideia deve realizar-se a cada 2 a 4 semanas e
após estabilidade clínica a cada 6 meses. A terapêutica com levo-tiroxina é ajustada de forma a
manter a TSH na metade inferior dos valores de referência e a fT4 na metade superior dos valores
de referência. No hipotiroidismo central ajusta-se de acordo com a T4 e fT4.
Endocrinologia

No início da terapêutica a criança pode desenvolver irritabilidade, dificuldade de concentração e


labilidade emocional, especialmente no hipotiroidismo grave. Outras complicações são o pseu-
dotumor cerebri (vigiar aparecimento de cefaleias ou alterações visuais de novo) e a epifisiólise
superior do fémur (vigiar dor na anca e claudicação da marcha).
No seguimento a longo prazo é importante a monitorização regular da função tiroideia e a vigi-
lância do crescimento somático, observando-se um crescimento de recuperação na fase inicial.
No hipotiroidismo subclínico (TSH elevada com fT4 normal), a necessidade de terapêutica deve ser
ponderada individualmente. Deve ser considerada se sintomas de hipotiroidismo, bócio significati-
vo, TSH superior a 10 mIU/L e/ou auto-anticorpos positivos.
O aumento ligeiro da TSH é frequente em obesos e não necessita de terapêutica.

Prognóstico
O prognóstico para a recuperação do crescimento linear depende da duração do hipotiroidismo
e da idade da criança. Se o diagnóstico é feito durante a puberdade ou se o hipotiroidismo é de
muito longa duração pode não haver recuperação completa do crescimento linear. Em relação ao
desenvolvimento psico-motor, o hipotiroidismo que surge após os 2 a 3 anos de idade em geral
não tem repercussões permanentes no estado neurológico ou desenvolvimento.

Hipotiroidismo adquirido

226
Endocrinologia

53. Hipertiroidismo
Carolina Vasconcelos Guimarães, Sara Martins

Introdução
O hipertiroidismo consiste na produção excessiva de hormona tiroideia pela glândula tiroideia.
O conjunto das manifestações clínicas e bioquímicas resultantes do hipertiroidismo designa-se
por tirotoxicose. O hipertiroidismo é raro em idade pediátrica, estimando-se uma incidência de
0,9:100.000 crianças e adolescentes até aos 15 anos de idade.

Etiologia
A causa mais frequente em idade pediátrica é a doença de Graves (ou Graves-Basedow), respon-
sável por cerca de 96% dos casos (Tabela 72). A doença de Graves é uma doença auto-imune que
resulta da presença de auto-anticorpos estimuladores do receptor da TSH (TRAb), que activam o
receptor da TSH e levam à produção excessiva de hormonas tiroideias e consequente tirotoxicose.
É mais frequente no sexo feminino e a sua frequência aumenta com a idade, com um pico de
incidência na adolescência.
A tiroidite de Hashimoto, a tiroidite subaguda e aguda e a administração de hormona tiroideia
podem causar tirotoxicose temporária. Causas mais raras de tirotoxicose são tumores produtores
de TSH ou de hormonas tiroideias, síndrome de McCune-Albright e mutações no gene do receptor
da TSH.

Tabela 72: Causas de hipertiroidismo


Tiroidite
- Tiroidite auto-imune
Doença de Graves
Fase tirotóxica da tiroidite de Hashimoto (“hashitoxicose”)
- Tiroidite subaguda de Quervain
- Tiroidite aguda supurativa
Hipersecreção hipofisária de TSH
Adenoma hipofisário
Resistência hipofisária à hormona tiroideia
Nódulo funcionante autónomo
- Síndrome de McCune-Albright
- Adenoma tóxico
- Carcinoma papilar ou folicular hiperfuncionante
Tumores produtores de HCG
Hipertiroidismo

Hipertiroidismo induzido pelo iodo (iodo, contraste iodado, amiodarona)


Hipertiroidismo por ingestão de hormonas tiroideias
Hipertiroidismo congénito (mutação hereditária ou de novo do receptor da TSH)

227
Endocrinologia

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Na doença de Graves existe frequentemente história familiar de doença tiroideia ou doenças auto-
-imunes. O início é geralmente insidioso com manifestações clínicas inicialmente subtis. O quadro
clínico é semelhante ao da idade adulta, mas as crianças podem apresentar também repercussões
no crescimento e desenvolvimento.
Os sintomas mais frequentes são: palpitações, aumento do apetite, perda de peso, cansaço, tre-
mores, irritabilidade, sudorese, intolerância ao calor, diarreia, irregularidade dos ciclos menstruais
(oligomenorreia ou amenorreia), insónia e alterações do comportamento com diminuição da aten-
ção, oscilações de humor e diminuição do aproveitamento escolar.

Exame objectivo
O bócio (geralmente difuso) é um achado muito frequente. Observa-se frequentemente taquicár-
dia, HTA, exoftalmia, fraqueza muscular proximal, reflexos osteotendinosos hiperactivos e fasci-
culações da língua. Pode haver aceleração da velocidade de crescimento. A fibrilhação auricular,
insuficiência cardíaca, mixedema pré-tibial e a miopatia tirotóxica são manifestações raras na crian-
ça. Na doença de Graves pode existir oftalmopatia (inflamação dos músculos extra-oculares e
tecido conjuntivo orbitário com exoftalmia, diplopia, dor e úlcera de córnea), embora na criança
esta seja geralmente mais ligeira que no adulto.
A crise tirotóxica ou “tempestade tiroideia” é uma forma de tirotoxicose rara na criança, de início
agudo, que pode ser precipitada por cirurgia, infecção, terapêutica com iodo ou interrupção da
terapêutica médica. Caracteriza-se por hipertermia, taquicárdia grave e irritabilidade e pode haver
alteração do estado de consciência, delírio, coma ou morte.

Exames complementares de diagnóstico (Figura 29)

Figura 29: Exames complementares de diagnóstico no hipertiroidismo

↑ fT4, ↓ TSH Anti-TPO; anti-TG; TRAb


+ Hipertiroidismo auto-imune

FT4, TSH,
- Cintigrafia tiroideia I123
T4, T3
Hipertiroidismo

Hipersecreção hipofisária
↑ fT4, ↑ TSH
de TSH

228
A idade óssea está geralmente avançada em relação à idade cronológica. Na presença de hiper-
tiroidismo sem bócio, pensar nas etiologias mais raras. A ecografia tiroideia permite estimar o
volume da glândula e a detecção de nódulos. Na presença de nódulos deve proceder-se a punção
aspirativa dos mesmos.
Endocrinologia

Orientação e terapêutica
As crianças e adolescentes com hipertiroidismo devem ser orientadas para a consulta de Endocri-
nologia Pediátrica. O objectivo da terapêutica é restituir o estado eutiroideu.
A terapêutica de primeira linha na doença de Graves é a terapêutica médica com um fármaco
anti-tiroideu de síntese, geralmente o metimazol. O propiluracilo é uma alternativa a considerar
apenas em segunda linha devido ao risco de insuficiência hepática. Numa fase inicial é frequen-
temente necessário o propanolol (0,5-2,0 mg/kg/dia de 8/8h), em associação com o anti-tiroideu
de síntese, com o intuito de normalizar a hiperactividade cardiovascular, sendo depois diminuído
progressivamente. A melhoria da sintomatologia ocorre em 3 a 4 semanas e a normalização da fT4
em 4 a 8 semanas de terapêutica. A normalização da TSH demora algumas semanas adicionais.
Após 6 a 12 semanas, a fT4 e fT3 diminuem para a metade inferior dos valores de referência, sendo
necessário o ajuste terapêutico.
A vigilância clínica e a monitorização da função tiroideia devem ser realizadas a cada 2 a 4 semanas
numa fase inicial; depois de atingir o estado eutiroideu pode ser progressivamente espaçada para
avaliação a cada 3 a 6 meses.
Nas recidivas devem ser consideradas as outras opções terapêuticas: o iodo radioactivo (I131) (ge-
ralmente após os 10 anos de idade) e a tiroidectomia total ou quase-total (nos casos de bócios de
grandes dimensões, contra-indicação ou recusa do iodo radioactivo).

Prognóstico
Menos de 30% das crianças com doença de Graves atingem remissão duradoura após 24 meses
de terapêutica médica inicial. A menor idade, a maior gravidade na apresentação e a menor dura-
ção da terapêutica médica inicial relacionam-se directamente com maior probabilidade de recidiva,
pelo que se preconiza uma duração de terapêutica médica inicial superior na criança. O hipertiroi-
dismo está associado a repercussões no aproveitamento escolar e na qualidade de vida relacionada
com a saúde, morbilidade cardiovascular e osteopénia a longo prazo. A adesão terapêutica é um
ponto importante no seguimento destas crianças.
Tanto o iodo radioactivo como a cirurgia são terapêuticas definitivas do hipertiroidismo na doença
de Graves, mas induzem um hipotiroidismo iatrogénico permanente com necessidade de terapêu-
tica substitutiva com levo-tiroxina. Hipertiroidismo

229
Endocrinologia

54. Baixa estatura


Maria de Lurdes Sampaio

Introdução
Define-se baixa estatura como aquela que se encontra dois desvios-padrão (DP), ou mais, abaixo
da estatura média dos indivíduos da mesma idade e sexo, numa determinada população, ou dito
de outra forma, aquela que se situa abaixo do percentil 2,3 (P2,3).
Na abordagem da criança com baixa estatura pretende-se distinguir as situações consideradas
variantes do normal, ou seja a baixa estatura familiar e o atraso constitucional do crescimento
e puberdade, das situações patológicas em que exista uma causa que possa ser identificada e
potencialmente tratada. Na avaliação inicial terá que se efectuar o diagnóstico de baixa estatura,
determinar a sua gravidade e fazer uma previsão da evolução do crescimento, para se estabelece-
rem critérios de eventual referenciação e tratamento atempados.

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Na colheita da história clínica é muito importante apurar e valorizar: antecedentes familiares -
consanguinidade, baixa estatura, patologia endócrina, displasias ósseas ou doenças auto-imunes;
saber e, se possível, medir correctamente a altura dos pais bem como a idade da sua puberdade;
antecedentes pessoais - somatometria ao nascer (usar curvas de Fenton) e idade gestacional, doen-
ças ou fármacos na gravidez, parto pélvico ou traumático, asfixia, hipoglicémia e micropénis (as-
sociadas com défice de hormona de crescimento), icterícia prolongada; doenças prévias, cirurgias,
medicação (glucocorticóides), quimio ou radioterapia; sintomas de doenças sistémicas - cardíacas,
respiratórias, intestinais, renais, endócrinas ou do SNC (qualquer doença sistémica grave tem po-
tencial para afectar o crescimento); hábitos alimentares e estado de nutrição; sinais pubertários e
idade de início; desenvolvimento psico-motor (se existir défice cognitivo há maior probabilidade de
a baixa estatura poder estar relacionada com síndromes, cromossomopatias ou doenças metabóli-
cas); situação psicossocial; intensidade da prática desportiva.

Exame objectivo
Deve ser cuidadoso e pormenorizado.
Medição correcta de comprimento/altura e peso: abaixo dos 2 anos (ou quando há incapacidade
de manter o ortostatismo) a medição deve ser feita com craveira numa superfície plana e firme
(parte fixa junto do crânio e parte móvel nos pés) e com 2 observadores, para se poder fazer a
tracção necessária sobre os joelhos e o posicionamento da cabeça e dos pés. Acima dos 2 anos a
Baixa estatura

altura deve ser avaliada com a criança descalça, de pés bem apoiados no chão, calcanhares encos-
tados e formando um ângulo de 60º, braços ao longo do corpo, cabeça olhando em frente. Para
esta medição em pé utiliza-se craveira não flexível, com escala em milímetros, de preferência, um 230
estadiómetro. O peso deve ser obtido com a criança despida. Abaixo dos 2-3 anos deve incluir-se
a medição do perímetro cefálico nesta avaliação.
Endocrinologia

Segmentos corporais: a avaliação dos segmentos é especialmente importante quando há a noção


visual de desproporção. O segmento inferior mede-se entre o bordo superior da sínfise púbica e
a superfície plantar, com os membros inferiores estendidos; o segmento superior obtém-se da di-
ferença entre a altura total e o segmento inferior; a relação segmento superior/segmento inferior
vai diminuindo desde o nascimento (1,7) até à puberdade (inferior a 1).
Estadio pubertário: avaliar mama e pêlo púbico segundo estádios de Tanner e, sempre que possí-
vel, medir o volume testicular comparando com orquidómetro; no sexo feminino, o aparecimento
de mama (telarca) marca geralmente o início da puberdade, sabendo-se que o crescimento acele-
ra na sua fase inicial e desacelera depois do aparecimento da menarca que sobrevém, em média,
2 anos depois do início; no sexo masculino o aumento do volume testicular (igual ou superior a
4 mL) assinala o início da puberdade mas o ritmo de crescimento só acelera consideravelmente
depois do estadio III.
Dismorfias (como pescoço alado, hipertelorismo e ptose palpebral, incisivo central único): se pre-
sentes, podem apontar para situações sindromáticas ou patologias associadas a baixa estatura.
Sinais de doença crónica como bócio, alterações das mucosas e faneras, distensão abdominal,
organomegálias.

Auxologia (estudo do crescimento somático)


Curvas de crescimento: as medições obtidas de forma seriada são colocadas em curvas de per-
centis adequadas à população em causa. No caso de Portugal são actualmente recomendadas
as curvas da OMS1. No caso dos prematuros, os valores medidos devem ser corrigidos de acordo
com o número de semanas de diferença em relação ao termo. Não há consenso em relação ao
tempo durante o qual essa correcção deve ser feita, geralmente referem-se os 24 meses para o
peso, 40 meses para a altura e 18 meses para o perímetro cefálico. Indiscutivelmente deve fazer-
-se essa correcção durante o primeiro ano de vida.
Velocidade de crescimento: determinar o número de centímetros que a criança cresce por ano.
Como o crescimento não é homogéneo devem evitar-se extrapolações e o intervalo mínimo de
tempo para este cálculo são 6 meses. Velocidade de crescimento conforme as idades (acima dos
2 anos; estão referidos os P10 e P90): 2 a 4 anos: 5,5-9 cm/ano; 4 a 6 anos: 5-8,5 cm/ano; 6 anos
até à puberdade: 4-6 cm/ano nos rapazes e 4,5-6,5 cm/ano nas raparigas; na puberdade 8-14
cm/ano.
Estatura alvo: usando um cálculo simples que considera a estatura média dos pais e a correcção
conforme o sexo (13 cm é a diferença média das alturas finais entre os sexos) - sexo feminino
= (altura da mãe+altura do pai–13)/2; sexo masculino = (altura do pai+altura da mãe+13)/2
- conseguimos ter uma expectativa da altura potencial determinada geneticamente. A este ponto
assim calculado acrescentamos 8,5 cm para cada lado, representando o percentil 3 e o 97, ou
Baixa estatura

seja, o intervalo de possível dispersão dos valores da altura final esperada.

Idade óssea
Pode avaliar-se a maturação do esqueleto, ou seja, a verdadeira idade biológica do indivíduo, atra- 231
vés da radiografia da mão e punho (geralmente o esquerdo) e comparando o aspecto dos centros
epifisários mais representativos com imagens exemplificativas das várias idades, para cada sexo
(geralmente compiladas em atlas, em que o mais usado é o de Greulich e Pyle). Pode considerar-se
normal uma diferença até 1 a 2 anos em relação à idade cronológica. Muitas das situações que
causam défice de crescimento apresentam atraso da maturação óssea (superior a 2 anos) e por
1 Disponível em: www.who.int/childgrowth/standards/en/
Endocrinologia

isso, este achado não tem especificidade diagnóstica mas indica que o potencial de crescimento é
maior nestas situações, uma vez que o crescimento irá continuar até ao encerramento epifisário.

Etiologia
As duas causas mais frequentes de baixa estatura são as chamadas variantes do crescimento nor-
mal: baixa estatura familiar e atraso constitucional do crescimento e puberdade (Tabela 73). Estas
situações podem apresentar-se de forma combinada e surgir com velocidade de crescimento muito
baixa na pré-adolescência, altura em que pode ser necessário referenciar para um estudo mais
aprofundado.

Tabela 73: Características clínicas na baixa estatura familiar e no atraso constitucional


de crescimento e maturação
Baixa estatura familiar Atraso constitucional
do crescimento e maturação
Altura dos pais Baixa (um ou ambos) Média

Puberdade dos pais Adequada Geralmente tardia

Comprimento ao nascer Normal/↓ Normal

Crescimento (0-2 anos) Normal Lento (> 1 ano até meio da infância)

Crescimento (puberdade) Normal Lento

Idade óssea Normal Atrasada

Puberdade Adequada Tardia

Velocidade de crescimento na
Limite inferior do normal Surto tardio; ligeiramente diminuída
puberdade

Altura final Baixa Normal


Adaptado de Rogol A, 2014

Outros grupos de causas de baixa estatura ou de deficiente crescimento:


•b aixa estatura intrínseca – pequeno para idade gestacional, síndromes genéticas (síndromes
de Down, Turner e Prader-Willi – características dismórficas presentes), displasias esqueléticas
(acrondroplasia, hipocondroplasia – desproporção entre segmentos);
•d oença sistémica – infecciosa (VIH, tuberculose), cardíaca, renal (acidose tubular renal, insu-
ficiência renal crónica), gastrointestinal (fibrose quística, doença inflamatória intestinal), SNC,
pulmonar crónica, neoplásica;
•d oença endócrina (peso superior a altura, com aumento do IMC) – hipotiroidismo, hipopi-
tuitarismo, deficiência isolada de hormona de crescimento (tumores, defeito da linha média,
Baixa estatura

hemossiderose), insensibilidade à hormona do crescimento (síndrome de Laron), hipercortiso-


lismo (síndrome de Cushing, exógenos), diabetes mellitus mal controlada, puberdade precoce,
pseudo-hipoparatiroidismo; 232
• etiologia não orgânica (peso diminuído) – privação psicossocial, “nanismo” nutricional.
Endocrinologia

Orientação
Perante uma criança ou adolescente com baixa estatura (estatura igual ou inferior a 2 DP abaixo da
média para idade e sexo ou seja menor que P2,3) calcular velocidade de crescimento.
Velocidade de crescimento normal e sem alterações sugestivas de outras doenças quer nos ante-
cedentes quer no exame objectivo: acalmar e vigiar regularmente.
Velocidade de crescimento normal com sintomas ou sinais sugestivos de patologia ou se velocida-
de de crescimento diminuída: calcular estatura-alvo e avaliar idade óssea.
Se velocidade de crescimento normal ou baixa, estatura-alvo adequada e idade óssea normal:
provável baixa estatura familiar - vigiar, reavaliar crescimento.
Se velocidade de crescimento e estatura-alvo adequadas e atraso da idade óssea: provável atra-
so constitucional do crescimento e maturação (pode combinar-se com baixa estatura familiar)
– atenção à história familiar; atenção a doença sistémica subclínica em que a desaceleração do
crescimento pode anteceder outros sintomas evidentes - vigiar, reavaliar crescimento, puberdade,
sintomas.
Se velocidade de crescimento diminuída e percentil de estatura inferior ao percentil da estatura-
-alvo e atraso da idade óssea: provável causa endócrina, sistémica ou genética; realizar história e
exame objectivo dirigidos, avaliação laboratorial básica2, cariótipo nas raparigas e nos rapazes com
anomalias genitais associadas. Se tudo normal provável atraso constitucional de crescimento e
maturação; se alterado referenciar para consulta de Endocrinologia Pediátrica.
Se velocidade de crescimento diminuída e percentil de estatura inferior ao percentil da estatura-
-alvo e idade óssea normal: causa endócrina pouco provável mas considerar referenciação pela
grande probabilidade de causa patológica.
Se velocidade de crescimento normal e percentil de estatura inferior ao percentil da estatura-alvo
e idade óssea avançada: avaliar se há avanço dos sinais sexuais secundários; provável puberdade
precoce ou hipertiroidismo prolongado, não tratado.

Situações que necessitam de investigação imediata


Estatura igual ou inferior a -3DP para idade e sexo.
Estatura significativamente abaixo do potencial genético (inferior a -1,5 DP da estatura-alvo).
Baixa velocidade de crescimento (mesmo sem baixa estatura se fôr inferior a -2 DP durante 1 ano
ou inferior a -1,5 DP durante 2 anos).
Descida rápida de mais de 2 percentis de altura acima dos 18 meses de idade.
Sinais de lesão do SNC, de défice hipofisário múltiplo ou de deficiência de hormona de crescimen-
to no período neonatal (hipoglicémia, micropénis, icterícia prolongada).
Baixa estatura

233

2 Avaliação analítica que pode ser efectuada inicialmente, especialmente se existirem sinais de alarme: hemograma, VS, gasimetria, ureia, creatinina,
ionograma, ALT, AST, cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, exame sumário de urina, anticorpos para a doença celíaca, TSH, fT4, IGF-1, IGF-BP3.
Endocrinologia

55. Puberdade precoce


Carla Pereira

Introdução
A puberdade é o período de transição entre a infância e a idade adulta e caracteriza-se por al-
terações endócrinas que levam à maturação sexual e à aquisição de capacidade reprodutiva. A
maturação sexual não é um evento isolado e faz-se acompanhar de profundas alterações físicas,
nomeadamente aceleração do crescimento longitudinal (“surto” de crescimento pubertário) e das
alterações psicológicas e emocionais típicas da adolescência.
O início da puberdade corresponde ao despertar de um complexo mecanismo neuro-endócrino,
cujo factor desencadeante é, até à data, desconhecido. Sabe-se, no entanto, que para o normal
desenvolvimento pubertário é crucial a integridade do eixo hipotálamo-hipófise-gónadas. É a acti-
vação de um “relógio biológico” intrínseco que vai levar à desinibição dos neurónios hipotalâmicos
produtores de GnRH, e a acção deste neuropéptido a nível da adenohipófise vai desencadear a
produção de gonadotofinas (FSH e LH) em níveis pubertários. Por sua vez as gonadotrofinas vão
estimular as gónadas (ovário ou testículo) a produzirem esteróides sexuais sendo estes os respon-
sáveis pelo aparecimento dos caracteres secundários que marcam o início da puberdade.
O primeiro sinal, objectivável, na rapariga de que a puberdade já se iniciou é o aparecimento do
botão mamário e o início da puberdade masculina, por sua vez, caracteriza-se pelo aumento do
volume testicular (volume testicular de 4 mL).

A puberdade precoce define-se como aparecimento de caracteres sexuais secundários antes dos
8 anos na rapariga e dos 9 anos no rapaz. A sua incidência estimada é de 1:5-10.000, é mais
frequente na rapariga (20:1) e as suas consequências são mais graves, quanto mais cedo se iniciar
(maturação esquelética rápida com baixa estatura; problemas de comportamento e imagem cor-
poral negativa).

São consideradas variantes do normal a telarca precoce isolada, a menarca precoce isolada e a
pubarca precoce isolada.
Telarca precoce isolada - desenvolvimento mamário isolado, que não ultrapassa o estadio II de
Tanner e que ocorre, habitualmente, entre o 1º e o 4º ano de vida. Resulta de uma activação, parcial
e transitória, do eixo hipotálamo-hipofisário, com aumento pulsátil de LH e FSH durante o sono.
Cerca de 15% dos casos evoluem para puberdade precoce central.
Menarca precoce isolada - perdas menstruais, cíclicas, não acompanhadas de outros sinais
pubertários, ocorrendo entre o 1º e o 9º ano de vida e que, geralmente, não progridem para
Puberdade precoce

puberdade precoce. Resultam de uma activação, parcial e transitória, do eixo hipotálamo-hipofisário,


com aumento pulsátil de LH e FSH durante o sono. Devem ser excluídas causas locais de hemorragia
vaginal (traumáticas, infecciosas, malformações).
Pubarca precoce isolada - aparecimento de pêlo púbico, associado ou não a pêlo axilar e suor com 234
cheiro. Resulta da maturação precoce da zona reticular do córtex da supra-renal. Pode associar-se a
aceleração do crescimento e avanço da idade óssea mas, geralmente, não progride para puberdade
precoce. Laboratorialmente, caracteriza-se por elevação do DHEA-S com 17-hidroxiprogesterona
normal, o que permite fazer o diagnóstico diferencial com as situações de hiperplasia congénita da
supra-renal.
Endocrinologia

Etiologia
Classicamente, a puberdade precoce pode classificar-se como central, periférica ou mista.

Puberdade precoce central ou dependente das gonadotrofinas (com activação do eixo


hipotálamo-hipófise)
Idiopática (esporádica ou familiar): causa mais frequente de puberdade precoce central, responsá-
vel por cerca de 75% dos casos de puberdade precoce central na rapariga mas apenas 20% dos
casos no rapaz (sendo que nestes é obrigatório excluír causa orgânica).
Secundária a lesão do SNC (tumores, infecções, traumatismos, malformações congénitas,
irradiação).
Secundária a outras endocrinopatias (hipotiroidismo).

Puberdade precoce periférica ou independente das gonadotrofinas (elevação dos esteróides


sexuais sem activação do eixo hipotálamo-hipófise)
Administração exógena de esteróides sexuais (estrogénios ou androgénios).
Tumores gonadais (ovário ou testículo).
Hiperplasia congénita da supra-renal.
Tumores da glândula supra-renal.
Síndrome de McCune-Albright .
Tumores produtores de HCG (hepatoblastoma, coriocarcinoma, teratoma e disgerminoma).

Puberdade precoce mista (puberdade precoce central secundária a puberdade periférica)


Hiperplasia congénita da supra-renal.
Síndrome de McCune-Albright.
Tumores das gónadas ou das supra-renais.
Exposição a esteróides exógenos.

Abordagem diagnóstica
O diagnóstico assenta na história clínica, exame objectivo e exames complementares de diagnós-
tico, sempre que estes se justificarem.

Anamnese
História familiar da puberdade (na rapariga, a grande maioria dos casos de puberdade precoce cen-
tral idiopática são familiares); idade de aparecimento dos sinais pubertários e sua evolução (sinais
pubertários que se iniciam em idades muito precoces ou com evolução muito rápida são sugestivos
de causa orgânica); patologia associada.
Puberdade precoce

Exame objectivo
Peso, altura, IMC, velocidade de crescimento (as situações de puberdade precoce acompanham-
-se, invariavelmente, de aceleração da velocidade de crescimento); avaliação dos sinais pubertários
235
(estadios de Tanner; Figura 30), presença de acne ou suor com cheiro; outros sinais e/ou sintomas
de patologia associada (fenótipo peculiar, hiperpigmentação cutânea; alterações neurológicas ou
massas abdominais).
Endocrinologia

Exames complementares de diagnóstico


Laboratório: doseamento de gonadotrofinas basais (LH e FSH) - se LH basal superior a 0,6 mU/mL ou
relação LH/FSH superior a 1, provável puberdade precoce central; doseamento de esteróides sexuais
(testosterona ou estradiol) - usar valores de referência adequados à idade, sexo e estadio pubertá-
rio; avaliação endócrina dirigida se suspeita de outra causa subjacente (hipotiroidismo, hiperplasia
congénita da supra-renal); se suspeita de puberdade precoce central - prova de GnRH (gonadorelina
2,5 mg/kg), a ser realizada em centro especializado.
Imagiologia: radiografia da mão e punho esquerdo para avaliação da idade óssea - valorizar avanços
da idade óssea superiores a 2 anos, em relação à idade cronológica; ecografia abdomino-pélvica
(avaliação da morfologia uterina, dimensões útero e ovários, exclusão de massas gonadais ou da
supra-renal) - se útero superior a 4 cm de maior eixo e com relação corpo/colo superior a 1, provável
puberdade precoce em evolução; RM crânio-encefálica nos casos de puberdade precoce central.

Orientação e terapêutica
As situações em que existe forte suspeita clínica de puberdade precoce (central ou periférica),
devem ser referenciadas a consultas de subespecialidade para confirmação diagnóstica e início de
terapêutica.

Terapêutica da puberdade precoce central


Triptorelina (Decapeptyl®) 60 a 100 µg/kg, IM, de 4/4 semanas.
São critérios para iniciar terapêutica:
• puberdade em evolução, associada a aceleração do crescimento (3-6 meses);
• idade cronológica – se inferior a 6 anos é indiscutível (ganho estatural 9-10 cm); dos 6 aos 8 anos
é discutível (ganho estatural menor) - avaliar caso a caso;
• achados laboratoriais – LH basal ou após estimulação púbere; LH/FSH após estimulação púbere;
• ecografia pélvica com características púberes.

Terapêutica da puberdade precoce periférica


Tratamento da causa subjacente.
Objectivos da terapêutica:
• suprimir função gonadal de forma selectiva e eficaz;
• parar o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários;
• frenar maturação óssea acelerada, com vista a uma estatura final normal;
• preservar a fertilidade;
• tratar causa subjacente;
Puberdade precoce

• apoio psicológico adequado.

Prognóstico
O prognóstico depende da causa subjacente à puberdade precoce. Estudos a longo prazo, nas 236
situações de puberdade precoce central, apontam para uma evolução pubertária normal, após
suspensão da terapêutica e para uma vida reprodutiva normal, parecendo existir, no entanto, um
aumento da prevalência de síndrome de ovário poliquístico. Existem poucos estudos que estudem
o impacto a nível comportamental e psicológico da puberdade precoce.
Endocrinologia

Fig. 30: Estadios pubertários de Tanner

No sexo masculino – estadio I: pré-púbere; estadio II: aumento dos testículos (4mL) e escroto mais avermelhado e com alteração da textura; estadio
III: aumento do pénis (em comprimento) e crescimento do testículo; estadio IV: alargamento do pénis e desenvolvimento da glande; crescimento do
testículo e escurecimento do escroto; estadio V: genitais tipo adulto.
No sexo feminino – estadio I: pré-púbere; estadio II: botão mamário; estadio III: aumento da mama e aréola sem separação dos contornos; estadio IV:
projecção da aréola e mamilo para além do contorno da mama; estadio V: forma madura, projecção apenas do mamilo, com aréola no contorno da
mama.
Em ambos os sexos (pêlo púbico) – estadio I: pré-púbere; estadio II: pêlo longo pigmentado na base do pénis ou ao longo dos grandes lábios; estadio
III: pêlo mais escuro e encaracolado espalhando-se pelo púbis; estadio IV: pêlo tipo adulto mas cobrindo uma área inferior ao do adulto; estadio V: tipo
adulto com extensão à face interna das coxas.
Adaptado de Marshall WA, Tanner JM, 1969 e Marshall WA, Tanner JM 1970.

Puberdade precoce

237
Endocrinologia

56. Atraso pubertário


Ana Teresa Maria, Sara Martins

Introdução
O início da puberdade é definido por um volume testicular de 4 mL no rapaz e pela telarca na ra-
pariga. O atraso pubertário define-se como o atraso no início da puberdade, a sua não progressão
ou a sua não finalização, suficiente para causar preocupação ao adolescente, pais e médicos. O
atraso no início da puberdade consiste na ausência de caracteres sexuais secundários numa idade
cronológica superior a +2 DP em relação à idade média de início da puberdade. Na prática clínica
utilizam-se os 14 anos de idade no rapaz e os 13 anos de idade na rapariga. A não progressão ou
a não finalização da puberdade é a permanência num estadio pubertário intermédio durante mais
de 2 anos ou a evolução incompleta da puberdade durante mais de 5 anos desde o seu início. A
amenorreia primária é a ausência de menarca acima dos 15 anos de idade.
O atraso pubertário tem uma prevalência de 3% na população, sendo mais frequente nos rapa-
zes (7:1). A maioria dos casos deve-se a atraso constitucional do crescimento e maturação que
representa uma variante do crescimento normal em que o eixo hipotálamo-hipofisário se encontra
intacto, havendo atraso na sua activação.

Etiologia
O atraso pubertário pode dever-se a insuficiência gonadal primária (hipogonadismo hipergona-
dotrófico ou primário) ou a um défice de produção hipotálamo-hipofisária de gonadotrofinas
(hipogonadismo hipogonadotrófico ou secundário), o qual pode ser funcional (transitório; com
eixo hipotálamo-hipofisário intacto) ou estrutural (persistente; com lesão ou deficiência do eixo
hipotálamo-hipofisário) (Tabela 74).

Tabela 74: Causas de atraso pubertário


Défice de gonadotrofinas (hipogonadismo hipogonadotrófico ou secundário)
Funcional
– Atraso constitucional do crescimento e maturação
– Doença crónica (insuficiência renal crónica, doença de Crohn, fibrose quística, doença celíaca, drepanocitose,
talassémia, artrite reumatóide, asma grave)
– Má nutrição, anorexia, exercício físico intenso
– Hipotiroidismo
Persistente
– Pan-hipopituitarismo congénito, displasia septo-óptica
Atraso pubertário

– Défice congénito isolado de gonadotrofinas (associado a anosmia: síndrome de Kallmann; não associado a anosmia:
idiopático)
– Síndrome de Prader-Willi, síndrome de Laurence-Moon-Bardet-Biedl
– Radiação, trauma, cirurgia, tumores (craniofaringioma, glioma óptico, astrocitoma)

Insuficiência gonadal primária (hipogonadismo hipergonadotrófico ou primário)


238
Congénitas: cromossomopatias [síndrome de Klinefelter (47,XXY); síndrome de Turner (45,X0)], disgenésia gonadal, atrésia
das gónadas, défices da síntese das hormonas sexuais ou dos receptores, associada a outras síndromes (síndromes de
Noonan, Bloom e Smith-Lemli-Opitz)
Adquiridas: lesão testicular ou ovárica bilateral (doença auto-imune, quimio ou radioterapia, torção testicular, galactosémia,
hemocromatose, tumores, cirurgia)
Endocrinologia

Atraso constitucional de crescimento e maturação


A criança tem uma somatometria normal ao nascer, com desaceleração do crescimento nos primei-
ros 2 a 3 anos de vida, mantendo depois ao longo da infância um crescimento regular com estatura
próxima ao P3. As proporções corporais são normais, a idade óssea está atrasada e a estatura e velo-
cidade de crescimento são mais adequadas à idade óssea do que à idade cronológica. Há ausência
de doença crónica, cromossomopatia, doença endocrinológica ou nutrição inadequada. Pode haver
história familiar de atraso pubertário em pais ou irmãos. A puberdade acaba por ocorrer sem qual-
quer tratamento e a estatura final, na maioria dos casos, fica dentro da estatura alvo familiar. No
entanto, pode ser difícil de diferenciar de hipogonadismo hipogonadotrófico persistente.

Hipogonadismo hipogonadotrófico funcional


Por doença crónica, anorexia ou exercício físico intenso; as manifestações clínicas são dependentes
da causa primária, havendo em geral um peso baixo e uma baixa percentagem de massa gorda.

Hipogonadismo hipogonadotrófico persistente


Se congénito, pode haver história de micropénis, hipoglicémia neonatal e/ou baixa estatura (pan-hi-
popituitarismo), malformações da linha média (displasia septo-óptica), anosmia (síndrome de Kall-
mann) ou fenótipo característico (síndromes de Prader-Willi e Laurence-Moon); mas pode não haver
nenhuma alteração prévia ao atraso pubertário (défice isolado de gonadotrofinas). Se adquirido, há
geralmente antecedentes pessoais (cirurgia, radioterapia ou traumatismo) ou sinais ou sintomas da
causa primária (cefaleias ou alterações visuais no caso de tumores).

Hipogonadismo hipergonadotrófico
Pode haver alterações fenotípicas características (síndrome de Turner, síndrome de Klinefelter) ou
história pregressa significativa (anorquidia congénita, cirurgia, tumores, galactosémia).

Abordagem diagnóstica
Anamnese
História familiar: idade de início da puberdade nos progenitores e irmãos (menarca e desenvolvi-
mento pubertário), consanguinidade, estatura familiar, hipogonadismo, infertilidade, hipoanosmia
ou anosmia; antecedentes pessoais: gestação e parto (RCF, sofrimento fetal), somatometria ao nas-
cimento, micropénis, criptorquidia bilateral, malformações, existência de doença crónica, terapêuti-
cas ou cirurgias prévias, hábitos nutricionais e exercício físico, dificuldades de aprendizagem.

Exame objectivo
Peso, estatura, padrão de crescimento, velocidade de crescimento e estadiamento pubertário de
Atraso pubertário

acordo com Tanner (Figura 30). Observar eventuais dismorfias ou defeitos da linha média.

239
Endocrinologia

Exames complementares de diagnóstico (Figura 31)

Figura 31: Exames complementares de diagnóstico no atraso pubertário

↓ FSH e LH
Hipogonadismo De acordo com a clínica
↓ Estradiol/ hipogonadotrófico
testosterona • Exclusão de doença crónica:
LH, FSH,
hemograma, VS, ureia, creatinina,
estradiol (♀),
ionograma, fosfatase alcalina, ALT,
testosterona (♂),
AST, GGT, albumina, Ac anti-
Idade óssea
transglutaminase tecidual
Ecografia
• Avaliação de outros défices
pélvica (♀) ↑ FSH e LH
Hipogonadismo hormonais: fT4,TSH, IGF1, IGF-BP3,
↓ Estradiol/ prolactina
hipergonadotrófico
testosterona • Prova de estimulação com GnRH,
prova de estimulação HCG; RM
Cariótipo cerebral

Orientação e terapêutica
Na maioria dos casos de atraso constitucional do crescimento e maturação não é necessário tra-
tamento, sendo fundamental o esclarecimento ao adolescente e pais e o seguimento periódico.
Se há atraso pubertário marcado ou sofrimento psicológico significativo associado ao atraso pu-
bertário pode estar indicada a indução hormonal da puberdade em consulta de Endocrinologia
Pediátrica.
No atraso pubertário por doença crónica, o tratamento da doença de base leva a uma recuperação
espontânea do eixo hipotálamo-hipofisário com puberdade espontânea.
No hipogonadismo hipogonadotrófico persistente e no hipogonadismo hipergonadotrófico está
indicada a indução hormonal da puberdade.
A indução hormonal da puberdade deve iniciar-se quando a idade cronológica é de 12 a 13 anos
(ou idade óssea superior a 11 anos) na rapariga e a idade cronológica é de 13 a 14 anos (ou idade
óssea superior a 12 anos) no rapaz.
No sexo masculino: testosterona 50-100 mg IM a cada 4 semanas, durante 3 a 6 meses. Aumento
de 25-50 mg/dose a cada 6 meses durante 3 anos até dose de substituição no adulto.
No sexo feminino: estrogénio oral (estradiol micronizado 0,25 mg/dia) ou transdérmico (6,25 µg) e
aumentar gradualmente a dose a cada 6 a 12 meses durante 2 a 4 anos, até à dose de adulto. A
progesterona (progesterona micronizada 200 mg/dia em 10 dias do ciclo menstrual) deve ser inicia-
Atraso pubertário

da após 2 anos de terapêutica com estrogénios ou antes se ocorrer hemorragia vaginal. A ecografia
pélvica tem indicação para ser realizada a cada 6 a 12 meses para documentar dimensões uterinas
e actividade folicular ovárica.
240
Prognóstico
O prognóstico no atraso constitucional do crescimento e maturação é bom e a estatura final, na
maioria dos casos, fica dentro da estatura alvo familiar. No hipogonadismo hipogonadotrófico
congénito e no hipogonadismo hipergonadotrófico a terapêutica de substituição oferece um bom
prognóstico quanto ao desenvolvimento pubertário.
Endocrinologia

57. Hirsutismo
Catarina Limbert

Introdução
O hirsutismo não sendo um diagnóstico per si, é uma situação frequente que afecta 5 a 10% das
mulheres em idade fértil. É uma situação benigna mas pode traduzir alterações endócrinas im-
portantes e sobretudo é causa de grande ansiedade e de baixa auto-estima. Surge habitualmente
após a menarca e define-se como o excesso de pêlo terminal (longo e pigmentado) em zonas
androgénio-dependentes masculinas tais como mento, buço, dorso, mama e abdómen. Deve-se
à produção excessiva de andrógenios e/ou ao aumento da sensibilidade cutânea aos andrógenios.
O hirsutismo deve distinguir-se de hipertricose que corresponde ao excesso de pêlo velo (curto e
não pigmentado) ou penugem, de distribuição generalizada, incluindo zonas androgénio-inde-
pendentes. Este é geralmente hereditário ou resultante de medicação e não traduz aumento de
androgénios. A ocorrência de pêlo pubico e/ou axilar em idades pré-púberes tanto no rapaz como
na rapariga, designa-se por pubarca prematura e deve ser avaliada como uma entidade endocri-
nológica distinta do hirsutismo.

Etiologia
No sexo feminino, a testosterona é produzida pelos ovários, pela medula supra-renal (50%) e
pela conversão periférica da androstenediona e DHEA em testosterona (50%). Esta, por sua vez, é
convertida em DHT pela 5α-redutase ao nível da pele e do folículo piloso.
Assim, o hirsutismo pode ser de causa ovárica, supra-renal ou idiopática. A síndrome do ovário
poliquístico é responsável por 95% dos casos de hirsutismo. Os tumores secretores de androgénios
podem ser de origem ovárica ou adrenal (inferior a 1%). A hiperplasia congénita da supra-renal
(HCSR) forma não-clássica é a causa adrenal de hirsutismo mais frequente e surge em 1 a 5% das
mulheres com hiperandrogenismo. A síndrome de Cushing, a acromegália, a hiperprolactinémia e
o hipotiroidismo são causas endócrinas raras de hirsutismo que se manifestam habitualmente pela
sua sintomatologia mais característica.
A insulinorresistência grave pode por si só causar hirsutismo, pelo efeito androgenizante da
insulina.
O hirsutismo é idiopático quando não se detecta aumento de androgénios circulantes.
Substâncias anabolizantes, glucocorticóides e valproato de sódio são causas de hirsutismo. A feni-
toína e a ciclosporina, bem como a anorexia nervosa, levam a hipertricose.

Abordagem diagnóstica
Hirsutismo

O diagnóstico é clínico, baseado na escala de Ferriman-Gallwey (0-36 pontos). Considera-se hir-


sutismo se pontuação superior a 8, hirsutismo ligeiro se 8 a 15 e hirsutismo moderado a grave
241
se superior a 15 (Figura 32). Para o diagnóstico etiológico são necessários a anamnese, o exame
objectivo e os exames complementares.

Anamnese
A idade e a velocidade de aparecimento (casos lentos após a menarca são de carácter benigno;
início súbito e evolução rápida obrigam a despiste de tumores produtores de androgénios). História
Endocrinologia

menstrual (oligomenorreia? amenorreia primária ou secundária? suspeitar de síndrome do ovário


poliquístico).
Sintomatologia de hipotiroidismo (apatia, queda do cabelo, pele seca), síndrome de Cushing (fácies
em lua cheia, giba cervical, astenia, fraqueza muscular proximal), acromegália (fácies grosseiro, ex-
tremidades e pavilhões auriculares aumentados, macroglóssia) ou hiperprolactinémia (amenorreia
secundária, diminuição da líbido, diminuição do pêlo púbico ou axilar e galactorreia; ginecomastia,
impotência funcional no sexo masculino). História medicamentosa: anticoncepcionais orais com
progestagénios androgenizantes, anabolizantes, anti-epilépticos, ciclosporina e glucocorticóides.
Antecedentes familiares de diabetes tipo 2, hipercolesterolémia, hirsutismo, obesidade.

Exame objectivo
Evidência de outros sinais de hiperandrogenismo - acne, seborreia, pele e cabelo oleosos, adenites
supurativas ou alopécia bitemporal.
Acantose nigricans, obesidade e aumento do perímetro abdominal, sugerem insulinorresistência
e provável síndrome do ovário poliquístico. Se HTA, suspeitar de síndrome de Cushing. Sinais de
virilização, tais como voz grave, aumento da massa muscular, alopécia e cliteromegália, devem ser
pesquisados em casos de hirsutimo grave.

Exames complementares de diagnóstico


Exames laboratoriais: determinação da testosterona total (8:00 da manhã), na fase folicular do ciclo
(D4-D10). Se possível dosear também testosterona livre (não varia com a concentração de SHBG
mas exige método laboratorial mais complexo). Níveis de testosterona elevados (de acordo com
faixa etária e fase do ciclo) traduzem a existência de hiperandrogenismo.
Exames de imagem: a ecografia pélvica, para avaliação das dimensões e morfologia dos ovários,
permite identificar síndrome do ovário poliquístico e tumores do ovário. A ausência de quistos não
exclui a existência de síndrome do ovário poliquístico.

Orientação e terapêutica
No hirsutismo ligeiro (pontuação 8 a 15), sem história sugestiva de síndrome do ovário poliquís-
tico, tumor virilizante ou endocrinopatias, pode iniciar-se tratamento cosmético sem avaliação
endócrina prévia.
O hirsutismo moderado ou grave (superior a 15) com testosterona normal, sugere hirsutismo idio-
pático, podendo também iniciar-se tratamento cosmético. Os métodos utilizados dependem da
faixa etária e localização do pêlo: branqueamento, depilação química, epilação com cera ou fotoe-
pilação (laser ou luz pulsada).
Em ambas as situações, se após 6 meses não se observar melhoria, as adolescentes com idade
superior a 15 anos podem iniciar tratamento farmacológico uma vez que pode existir hiperandro-
Hirsutismo

genismo supra-renal ou ovárico minor não detectáveis em laboratório de rotina. Se não houver
contra-indicações, inicia-se anticoncepcional oral com progestagénio anti-androgénico (como ace-
242
tato de ciproterona, drospirenona ou cloromadinona) associado a estrogénio de baixa de dosa-
gem. Uma avaliação endócrina mais detalhada e monitorização em consulta de Endocrinologia
Pediátrica são aconselháveis.
Endocrinologia

O hirsutismo com irregularidades menstruais e testosterona elevada, aponta para síndrome do


ovário poliquístico, a causa mais frequente de hiperandrogenismo e tem indicação para anticon-
cepcionais orais para diminuição do hirsutismo e regularização dos ciclos menstruais. Na popu-
lação portuguesa, é conveniente o despiste de HCSR não-clássica mesmo sem história familiar,
devido à elevada prevalência desta patologia (1:40).
Se suspeita clínica e laboratorial de tumor virilizante (tumor do ovário se testosterona superior a
200 ng/dL, tumor adrenal se DHEA-S superior a 700 µg/dL) referenciar de imediato a consulta de
Endocrinologia Pediátrica.
O hirsutismo associado a manifestações clínicas sugestivas de doença endocrinológica deve ser
investigado em consulta da especialidade.
No hirsutismo associado a ingestão de medicamentos androgenizantes suspender medicação, se
possível.

Fig. 32: Score de Ferriman-Gallwey

Hirsutismo

Adaptado de Ferriman D, Gallwey JD, 1961

243
Endocrinologia

58. Ginecomastia
Ana Monteiro

Introdução
A ginecomastia corresponde ao crescimento da glândula mamária no sexo masculino, devido a
um aumento concêntrico do tecido glandular e do estroma. O seu crescimento e o seu desen-
volvimento são regulados por hormonas e factores de crescimento. Os estrogénios favorecem
esse crescimento, em presença da prolactina e da somatropina. A progesterona actua de forma
sinérgica com a prolactina e os estrogénios, estimulando a formação dos ácinos glandulares. Ou-
tras hormonas com acção permissiva no crescimento mamário são: a insulina, os glucocorticóides
e as hormonas tiroideias. Por sua vez, os androgénios têm uma acção inibidora no crescimento
mamário. A enzima aromatase tem um papel muito importante no aparecimento da ginecomastia,
por converter androgénios em estrogénios. Cerca de 85% do estradiol e 95% da estrona circu-
lantes produzem-se perifericamente nos tecidos extra-gonadais, por aromatização dos percursores
androgénicos.

Etiologia e etiopatogenia
De acordo com a Tabela 75, a ginecomastia pode ser fisiológica ou patológica. Das várias causas,
a idiopática e a pubertária são as mais frequentes, com uma incidência de 25% cada. A causa
secundária a fármacos ocorre em cerca de 10 a 20%. As restantes têm uma incidência bastante
mais baixa.

Tabela 75: Causas de ginecomastia


Ginecomastia fisiológica Ginecomastia patológica
Neonatal Hipogonadismo

Pubertária Patologia tiroideia

Senil Patologia suprarrenal

Ginecomastia farmacológica Tumores

Ginecomastia idiopática Doenças sistémicas

Ginecomastia familiar Outras: obesidade

Excesso aromatase

É a relação tissular entre estrogénios (aumentados) e androgénios (diminuídos) que determina, em


Ginecomastia

última análise, o aparecimento de ginecomastia. O aumento dos estrogénios livres pode resultar
do aumento da sua secreção, do aumento da aromatização, pode ser de causa exógena ou por
menor metabolismo. A diminuição dos androgénios por sua vez resulta de menor secreção ou de
maior metabolismo. Os defeitos dos receptores dos androgénios também podem estar implicados 244
na génese da ginecomastia, o mesmo acontecendo com a maior sensibilidade da glândula mamá-
ria aos estrogénios, o que acontece por mecanismo desconhecido.
A ginecomastia com menos de 2 anos de evolução está relacionada com a proliferação do epitélio
ductal, com a hiperplasia e edema do tecido conjuntivo e do estroma periductal. Esta fase prolife-
rativa é reversível. Se ultrapassa os 2 anos de evolução, existe hialinização e fibrose do estroma pe-
riductal, com dilatação dos condutos e redução da proliferação epitelial, deixando de ser reversível.
Endocrinologia

Ginecomastia neonatal
Ocorre em mais de 60% dos recém nascidos, por passagem de estrogénios da mãe para o filho. Tem
resolução em semanas e pode surgir secreção mamária.

Ginecomastia pubertária
A prevalência varia com os critérios utilizados para definir ginecomastia, podendo variar entre 50
a 75%. É muito notória em menos de 10% dos casos. Clinicamente as dimensões habituais são
inferiores a 4 cm, surge em média entre os 13 e os 14 anos e raramente persiste depois dos 17 anos.
No início pode ser mais unilateral, com crescimento lento e auto-limitado, regredindo em 1 a 2
anos. A macroginecomastia, correspondendo a um aumento maior do que 5 cm, impõe diagnóstico
diferencial com ginecomastia patológica (Tabela 76).

Tabela 76: Diferenças entre ginecomastia pubertária e patológica


Pubertária Patológica
Idade Pubertária Pré-pubertária

Fármacos Não Sim (ou não)

Evolução Transitória Permanente

Doença crónica Não Sim (ou não)

Estadio Tanner Estadio III/IV De acordo com idade

Início puberdade Antes da ginecomastia Depois da ginecomastia

Observação Botão mamário Assimétrica, dura

Dor Hipersensibilidade Dor mais intensa

Galactorreia Não Pode existir

Avaliação geral Normal Alterações da doença de base

Avaliação hormonal Normal Normal ou alterada

Tratamento Não Etiológico

Ginecomastia patológica
O hipogonadismo primário ou secundário, ao cursar com alterações na relação entre estrogénios
e testosterona, pode evoluir com ginecomastia. Como exemplo temos a síndrome de Klinefelter,
situações de resistência aos androgénios ou defeitos da síntese de testosterona e radiação testicular.
Em 30% dos jovens com doença de Graves existe ginecomastia associada. Pode surgir também em
casos de hipotiroidismo primário ou hiperprolactinémia secundária.

Ginecomastia farmacológica
Ginecomastia

A Tabela 77 refere alguns dos fármacos mais frequentemente implicados nesta situação.

245
Endocrinologia

Tabela 77: Fármacos causadores de ginecomastia


Fármacos Exemplos
Hormonais Esteróides, anovulatórios, insulina

Antibióticos Tuberculostáticos, antimicóticos e retrovirais

Antiulcerosos Omeprazol, cimetidina e ranitidina

Quimioterapia Ciclofosfamida e metrotrexato

Cardiovasculares Amiodarona, digitoxina, espironolactona e IECA

SNC Diazepam, haloperidol e antidepressivos tricíclicos

Drogas Álcool, metadona, heroína

Antidopaminérgicos Domperidona

Outros Pravastatina, vitamina D e hormona de crescimento.

Diagnóstico
O mais importante face a uma criança ou jovem com ginecomastia é tentar distinguir entre uma
ginecomastia fisiológica ou não.

Anamnese
Como habitual, é só por si muito esclarecedora nesta situação.

Exame objectivo
É importante avaliar o diâmetro mamário transverso e as características (sensibilidade ou dor, mas-
sas ou galactorreia), sinais de doença sistémica, estado de nutrição, estadio pubertário e avaliação
testicular (massas, tamanho ou assimetrias).

Exames complementares de diagnóstico


Deverão ser solicitados de acordo com a suspeita clínica.
Exames laboratoriais gerais: hemograma, função hepática, função renal, VS.
Exames hormonais específicos: LH, FSH, testosterona, estradiol, DHEA-S, fT4 e TSH, HCG, prolactina.
Os exames imagiológicos como a ecografia testicular e a RM crânio-encefálica raramente são
exames de primeira linha.
Alguns resultados hormonais podem dar uma orientação muito directa:
• o aumento da HCG sugere tumor testicular ou extra-testicular produtor de HCG;
• o aumento da LH pode ser acompanhado de testosterona elevada ou baixa; se associado a ele-
vação da testosterona, pensar em situações de hipertiroidismo ou de resistência aos androgénios
(se função tiroideia normal); se associado a diminuição da testosterona pensar em hipogonadis-
Ginecomastia

mo primário e esclarecer com cariótipo;


• se LH normal/baixa e diminuição da testosterona, avaliar a prolactina e se diminuída pensar em
hipogonadismo secundário, se aumentada pensar em prolactinoma; 246
• se LH normal/baixa e estradiol elevado, esclarecer melhor a hipótese de tumor testicular ou das
supra-renais.
Endocrinologia

Orientação e terapêutica
Existe remissão completa antes da fibrose periductal e em situações de suspensão de fármacos.
O tratamento será médico ou cirúrgico de acordo com o tempo de evolução, o tamanho, a etio-
logia e se existir dor. Em relação ao tratamento médico, pode ser com anti-estrogénios como o
tamoxifeno 10–20 mg/dia 2 x/dia ou inibidores da aromatase como a testolactona 150 mg 3x/dia.
O tratamento cirúrgico poderá estar indicado se: evolução com mais de 4 anos; se superior a 6 cm;
desconforto psíquico ou físico. Deve realizar-se quando crescimento testicular completo.

Ginecomastia

247
Dermatologia

59. Estrófulo
Inês Candeias, Ana Ehrhardt Pinheiro

Introdução
O estrófulo, também conhecido por urticária papular, é frequente na infância, principalmente
entre os 2 e os 10 anos de idade. Caracteriza-se por uma erupção pruriginosa desconfortável
resultante da reacção de hipersensibilidade à saliva dos artrópodes.
Os agentes causais variam de acordo com a área geográfica, embora as pulgas e os mosquitos
sejam os mais frequentemente implicados. A reacção é variável, podendo as lesões ocorrer ime-
diatamente após a picada ou algum tempo depois, dependendo sobretudo do tipo de resposta
imunológica e da exposição prévia durante 1 ou 2 estações quentes. É mais frequente nos meses
quentes (Primavera e Verão) e os factores de risco são a idade superior a 2 anos, história de atopia,
contacto com animais domésticos e actividades ao ar livre.

Etiologia
Parece consensual que se trata de uma reacção de hipersensibilidade à saliva dos artrópodes ino-
culada durante a picada:
• a racnídeos - ácaros, carraças;
• insectos - pulgas, mosquitos, melgas, percevejos, formigas.
O estrófulo envolve mais do que um mecanismo imunológico: nas reacções imediatas (pápulas
10 a 15 minutos após picada) há evidência de um mecanismo de hipersensibilidade de tipo I; nas
reacções tardias (1 a 3 dias depois da picada, persistindo vários dias) parece estar envolvido um
mecanismo de hipersensibilidade de tipo IV mediada por células T e de fase tardia mediada por
eosinófilos. A reactivação de lesões prévias pode ocorrer com uma nova picada.

Diagnóstico
O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado no aspecto típico das lesões e na história clínica.
As lesões localizam-se preferencialmente em zonas expostas (particularmente superfícies exten-
soras dos membros e extremidades), agrupadas de maneira irregular, poupando habitualmente
a face, embora possam surgir em qualquer área corporal. Apresenta-se como pápulas com halo
inflamatório, com cerca de 3 a 10 mm de diâmetro, muito pruriginosas, mas também se pode
manifestar sob forma de vesículas ou bolhas (estrófulo bolhoso). Frequentemente consegue-se
identificar um ponto central (local da picada), e as lesões persistem cerca de 2 a 10 dias, po-
dendo no entanto estender-se até 4 a 6 semanas. Pode estar associado a escoriações devido ao
prurido intenso, mas as lesões evoluem para crosta, com lesão residual hipo ou hiperpigmentada
Estrófulo

pós-inflamatória.
As lesões, principalmente se associadas a escoriações, podem complicar-se com infecções cutâ-
248
neas, nomeadamente impétigo e celulite.

Diagnóstico diferencial
Varicela, impétigo bolhoso, celulite, doença mão-pé-boca, escabiose, dermatite atópica, derma-
tite de contacto, dermatite herpetiforme, dermatose da IgA linear, urticária aguda de contacto,
urticária pigmentosa, reacções induzidas por drogas, miliária rubra, síndrome de Gianotti-Crosti.
Dermatologia

Orientação e terapêutica
O diagnóstico é clínico, não sendo necessário habitualmente a realização de exames complemen-
tares de diagnóstico.
A prevenção é a atitude mais eficaz, com a remoção e identificação da causa, embora geralmente
seja difícil. É importante a prevenção das picadas, nomeadamente, com a eliminação dos artró-
podes dos animais domésticos e do ambiente, a utilização de repelentes [mais eficazes os que
contêm DEET (N,N-dimetil-meta-toluamida ou benzamida)], redes protectoras e roupa que proteja
os membros.
O tratamento sintomático tem como objectivo principal o controle do prurido com o recurso a
anti-histamínicos H1 orais (preferencialmente não sedativos, como a cetirizina, ebastina, deslo-
ratadina, mas podendo recorrer à hidroxizina e dimetindeno se prurido nocturno muito intenso)
e corticóides tópicos (média ou alta potência). Os anti-histamínicos tópicos não estão indicados.
O corte apropriado das unhas e a desinfecção das lesões escoriadas são também importantes.
Quando há sobreinfecção bacteriana os antibióticos tópicos ou sistémicos devem ser considerados.

Prognóstico
O estrófulo é uma entidade muito prevalente e com impacto na qualidade de vida das crianças
afectadas, mas com um bom prognóstico. Embora possa ser recorrente nos primeiros anos de vida,
é transitório, uma vez que há aquisição natural de tolerância secundária à exposição repetida às
picadas de artrópodes.

Estrófulo

249
Dermatologia

60. Eczema atópico


Maria João Rodrigo

Introdução
A dermite atópica ou eczema atópico é a doença inflamatória cutânea que mais atinge as crianças.
Surge precocemente e pelo seu carácter crónico, tem um grande impacto quer na vida das famílias
quer a nível social. Há uma predisposição genética e a probabilidade de aparecimento aumenta
com o número de familiares directos atingidos.

Etiopatogenia
O eczema atópico, tem como causa um processo complexo em que há alteração de regulação
imunitária, com excesso de produção de IgE como resposta quer a alergénios quer a factores de-
sencadeantes vários. Há também um défice da relação dos linfócitos T helper e linfócitos B.
Na sua etiologia, há uma causa genética, com modificação específicas de genes, nomeadamente
nos genes responsáveis pela diferenciação epitelial (1q21) e codificação para as citoquinas, inter-
leucinas e GM CFS envolvidos na regulação da IgE (5q31-33). É frequente assistir-se à mutação do
gene FLG (1q21-3), que codifica a filagrina (proteína essencial na estrutura da pele). Resulta destas
modificações uma barreira cutânea mais frágil, com desarranjo celular, deficiência na produção
dos lípidos, o que vai condicionar a uma maior perda de água trans-epidérmica (TEWL).
A patogenia é complexa e sabe-se que há interacção entre os genes, de genes com factores do
ambiente e imunitários, responsáveis pela inflamação.
Estas crianças são ainda mais susceptíveis à infecção cutânea, porque há uma redução dos pép-
tidos antimicrobianos da pele, que facilita a colonização sobretudo pelo Staphylococcus aureus e
Malassezia.

Clínica
É uma doença com padrão cutâneo inflamatório associado a prurido intenso. Na maioria dos
casos surge no primeiro ano de vida, raramente antes dos quatro meses de idade. No lactente, há
eritema da face com pápulas e vesículas exsudativas e escoriadas, mais na periferia. É frequente a
pele de todo o tegumento ser seca, xerótica e de tom avermelhado. O prurido, sempre presente,
interfere com o sono e o comportamento da criança. À medida que a criança cresce, as lesões
tendem a acantonar-se e estendem-se sobretudo nas áreas de flexão dos membros. O seu aspecto
modifica-se, tornando-se mais descamativas em base eritematosa, podendo surgir crostas, lesões
arredondadas e numulares. No jovem, mantêm-se nas zonas flexurais, pescoço e mãos, podendo
Eczema atópico

disseminar pelo tronco e membros. Há uma tendência para a cronicidade, a pele torna-se espessa
e liquenificada.
O prurido mantém-se sempre e a este associam-se as lesões de coceira. É frequente nestes doentes
250
as infecções secundárias a vírus, fungos, bactérias, sendo talvez as mais recorrentes o impétigo a
estafilococos, o molusco contagioso e lesões herpéticas.
Surgem desde o início alterações cutâneas típicas, os chamados estigmas de atopia, que também
facilitam o diagnóstico: xerose cutânea, intensa e permanente; prega atópica ou prega de Dennie-
-Morgan (dupla pálpebra inferior); hiperlinearidade palmo plantar; queratose pilar; palidez e baixa
temperatura como resultado de alterações vasomotoras com vasoconstrição periférica.
Dermatologia

Diagnóstico
O diagnóstico é clínico e baseado na história, morfologia e distribuição das lesões, no prurido e
na cronicidade do quadro. A presença de estigmas de atopia, de outras manifestações de alergia,
assim como a história familiar reforçam o diagnóstico.
O doseamento da IgE tem pouco interesse pela sua inespecificidade.
O papel de alergénios respiratórios ou alimentares no desencadeamento do eczema atópico é
controverso.

Terapêutica
Medidas gerais
Eliminação dos factores de agravamento: os principais agressores da pele com eczema são o ves-
tuário, a lavagem e factores ambienciais. Aconselha-se roupa de algodão, macia e larga (evitando
as fibras, lycras e lãs, que por si só são factores suficientes para desencadear as crises). O banho
deve ser rápido, pouco quente, com produtos de pH neutro (de preferência óleos ou syndets), sem
fricção na lavagem nem na secagem.
Hidratação cutânea: aplicar ainda sobre pele molhada um creme hidratante rico em ceramidas e
sobretudo de origem mineral ou vegetal. A hidratação deve ser frequente de modo a reduzir a
xerose. Está provado que a utilização diária de emolientes pode reduzir até 50% a aplicação dos
corticóides.

Medicamentos
Controlo do prurido: os anti-histamínicos sedativos anti-H1 são fundamentais no controlo do
prurido (embora controverso segundo determinados autores). O mais eficaz é a hidroxizina por
via oral (1-2 mg/kg/dia para a criança). Em crianças muito pequenas (menor que 12 meses) acon-
selha-se a desloratadina ou a cetirizina.
Controlo da inflamação: se há lesões não controladas, após a utilização sistemática dos emolien-
tes e os anti-histamínicos sedativos, poderá ser necessário utilizar corticóides tópicos e inibidores
da calcineurina. Nesta altura aconselha-se o pedido de ajuda a dermatologista.
Corticóides: o corticóide tópico de eleição é a hidrocortisona a 1% em creme, de baixa potência.
A utilização deve ser em pouca quantidade, 3 a 5 dias, evitando a face e zonas em oclusão.
Perante uma crise intensa de eczema atópico generalizado, sugere-se a administração de corti-
cóides sistémicos: 0,5-1 mg/kg/dia de prednisona ou equivalente, durante 3 a 5 dias, reduzindo
depois, progressivamente, a dose, que deverá ser interrompida logo que possível.
Inibidores da calcineurina: o tacrolimus e o pimecrolimus são anti-inflamatórios e imunossupres-
sores eficazes, de boa tolerância e sem grandes efeitos secundários, substituindo com vantagem
Eczema atópico

os corticosteróides tópicos. Recomenda-se que não sejam usados em crianças com menos de 12
meses. Na forma de creme a sua absorção é muito reduzida. A taxa de absorção eleva-se com o
aumento da superfície tratada, do tempo de utilização e do grau de lesão da pele. O tacrolimus
251
tem indicação para o uso nas formas moderadas e graves de eczema atópico. Na criança, deve
ser usado a pomada a 0,3%, em camada fina uma vez ao dia. O efeito é rápido com melhoria
das lesões ao fim de 1 semana. A utilização durante 3 a 6 semanas provoca não só uma melhoria
do eczema como o afastamento e diminuição da gravidade das recidivas. Após a aplicação pode
haver um discreto ardor, que é momentâneo. A aplicação deve ser descontinuada logo que haja
resultados terapêuticos.
Dermatologia

61. Dermite seborreica


Maria João Rodrigo

Introdução
A dermite seborreica é a inflamação da pele nas áreas seborreicas do corpo.
A seborreia é o aumento de produção de sebo pelas glândulas sebáceas, em alturas em que há
estimulação e aumento dos androgénios. O seu aparecimento pode ser fisiológico, relacionado
com os picos hormonais do crescimento, mas por outro lado, condicionar o aparecimento de pa-
tologias tais como a dermite seborreica ou a acne. É a inflamação destas glândulas, que têm uma
distribuição corporal específica, que dá origem à dermite seborreica. A resposta inflamatória está
também dependente da presença de leveduras lipofílicas (Malassezia); as suas lipases ao actuarem,
aumentam a produção de ácidos gordos que desencadeiam a inflamação.

Clínica
Surge normalmente em duas fases da vida, no lactente e no adulto jovem.
No lactente é precoce, surge nas primeiras semanas de vida, e caracteriza-se por aparecimento de
manchas eritematosas descamativas, espessas e de cor amarelada, nas áreas onde existem mais
glândulas sebáceas: couro cabeludo (crosta láctea), região média da face, pré-esternal, retro-auri-
culares, pregas axilares e glúteas. A inflamação causada pelo atrito da roupa, pelo calor e oclusão
predispõe à disseminação das lesões em áreas mais alargadas. Na zona das fraldas, a maceração
provocada pela urina e fezes leva ao aparecimento de dermite em toalha, sem zonas poupadas.
É raro as lesões apresentarem vesículas ou exsudado, assim como prurido.
No adolescente, fase de grande estimulação androgénica, as lesões mais frequentes são no couro
cabeludo caracterizando-se por cabelo oleoso, descamação fina (caspa) com prurido. Pode esten-
der-se à região frontal e supraciliar, assim como à região média da face (nariz e sulcos nasogenia-
nos). Ao contrário da dermite seborreica do lactente, esta tende a aparecer variadas vezes ao longo
da vida, dependente não só de factores hormonais como também de psicológicos e ambientais.

Diagnóstico
O diagnóstico é sobretudo clínico, tendo em conta a idade (antes dos 3 meses de idade), a locali-
zação, aspectos e semiologia das lesões. Por vezes, é confundido com o eczema, mas a idade da
criança e a ausência do prurido ajudam no diagnóstico diferencial.
Dermite seborreica

Terapêutica
A atitude terapêutica varia de acordo com a localização e a intensidade da doença. Sobretudo no
jovem e no adulto os resultados são transitórios com agravamentos e recidivas fáceis.
O tratamento geralmente é tópico. O uso de produtos agressivos e muito concentrados pode 252
aumentar a inflamação.
Hoje em dia não se justifica a utilização de manipulados, existem no mercado soluções muito
eficazes.
Na crosta láctea, a aplicação de produtos com ácido salicílico a 5% ou a keluamida (efeito cerato-
lítico e anti-inflamatório) durante 6 a 8 horas, seguido de champô com ácido salicílico ou coaltar
saponificado, durante uns dias, costuma ser eficaz. Nas seborreias mais exuberantes, os champôs
Dermatologia

ou solutos que contêm derivados do imidazol, ajudam no controle e na proliferação das leveduras
lipofílicas comensais.
Nos adolescentes, é fundamental a utilização de solutos e champôs anti-seborreicos (contendo
ácido salicílico, enxofre ou óleo de cade) associados a champôs que contenham derivados azólicos,
que podem ser utilizados no couro cabeludo, na face e no tronco.
É de evitar a utilização de corticosteróides tópicos no tratamento das formas infantis e juvenis.

Dermite seborreica

253
Dermatologia

62. Acne juvenil


Maria João Rodrigo

Introdução
Doença frequente nos adolescentes, auto-limitada, que se inicia na puberdade estendendo-se
até ao adulto jovem. No entanto, tem períodos de agravamento que justificam atitudes terapêu-
ticas individuais, sobretudo pelo impacto negativo que tem na vida social do jovem. Impõe-se
evitar a desvalorização do problema, “passa com a idade”, devendo actuar-se sobre os factores
patogénicos.
Acne é a inflamação dos folículos pilosos e das glândulas sebáceas com retenção de sebo. Apenas
os “folículos sebáceos” são a sede do mecanismo inflamatório, justificando assim a formação de
lesões de acordo com uma determinada distribuição tegumentar. Este tipo de folículos, possuem
glândulas sebáceas mais volumosas, maior capacidade de acumulação de sebo, assim como são
mais susceptíveis de colonização por microrganismos.

Etiologia
A patogénese da acne é multifactorial, depende assim de vários factores: estimulação androgénica
das glândulas sebáceas que possuem receptores hormonais com consequente aumento da produ-
ção de sebo; acumulação e retenção de sebo nas glândulas; proliferação de bactérias lipofílicas,
Propionibacterium acnes no seu interior; inflamação secundária à proliferação bacteriana.

Clínica
Localiza-se sobretudo na face e no dorso. O quadro clínico da acne, tipicamente polimorfo, surge
mais cedo nas raparigas que nos rapazes. Podem surgir várias apresentações clínicas, de acordo
com o tipo de lesões que predominam. Os comedões são normalmente as lesões iniciais, surgindo
posteriormente com maior ou menor intensidade as pápulas eritematosas, pústulas, nódulos e
abcessos.
Existem factores que podem exacerbar a acne: a genética, o traumatismo, o stress, medicamen-
tos (corticosteróides), desregulação hormonal, cremes gordos comedogénicos. Não parece haver
relação com alimentos.

Diagnóstico
O diagnóstico é clínico e normalmente não sugere dúvidas.
Acne juvenil

Terapêutica
Medidas gerais
Na abordagem do jovem há que perceber qual a importância da acne no seu bem-estar e se inter- 254
fere na sua vida social e psicológica.
As atitudes terapêuticas, além de dependerem destes factores, baseiam-se no padrão inflamatório,
tipo de pele e estação do ano.
O tratamento é sobretudo tópico, embora nas formas mais graves se associe a terapêutica oral
(combinada).
Dermatologia

Medicamentos
A terapêutica inicial deve ser suave, tópica, com fármacos que tenham acção ceratolítica,
comedolítica e esfoliante.

Medicamentos tópicos
• Peróxido de benzoílo: ceratolítico e bactericida (Propionibacterium acnes); uso associado a anti-
biótico tópico; bem tolerado a 5%.
• Retinóides: acção anti-inflamatória, imunomodeladora, comedolítica e esfoliante; podem origi-
nar secura e irritação cutânea. Os mais usados são tretinoina, isotretinoina e adapaleno. Devem
ser usados em baixa concentração e progressivamente ir aumentando a dose e o tempo de
exposição.
• Antibióticos: eritromicina ou clindamicina – ajudam a controlar a proliferação bacteriana, são
bem tolerados e têm boa resposta nas acnes ligeiras.
Existem no mercado muitas associações, como é o caso de ceratolíticos e antibióticos.

Medicamentos sistémicos
Usados sobretudo nas acnes moderadas e graves, que além de atingirem a face progridem para o
dorso e que apresentam lesões inflamatórias com pústulas e nódulos infiltrados.
• Antibiótico oral: tetraciclinas ou azitromicina. Usado sobretudo os que tem acção sobre o Propioni-
bacterium acnes. A sua administração tem que ser cautelosa pela indução de fármaco-resistência.
• Isotretinoína oral: usado nas formas de acne mais severa. Actua directamente sobre a produção
do sebo, alterando as glândulas quer em número quer na sua diferenciação. É teratogénico; nas
adolescentes deve ser administrado associado a contracepção oral.
• Contraceptivos orais: as pílulas com efeito anti-androgénico, têm uma acção importante no
controlo do sebo.

Acne juvenil

255
Dermatologia

63. Micoses
Maria João Rodrigo

As infecções causadas por fungos são designadas por micoses. Os fungos são células eucariotas,
de estrutura filamentosa, designadas por hifas, que podem ser ou não septadas. Os unicelulares
são também conhecidos por leveduras. A sua reprodução é feita através de esporos, não sinteti-
zam os seus nutrientes e não necessitam de luz para o seu crescimento.
As micoses classificam-se em superficiais, subcutâneas ou sistémicas de acordo com o quadro
clínico e o local onde se desenvolvem.

Micoses Superficiais
Introdução
As micoses superficiais (tinhas) são as infecções da superfície da pele, mucosas e anexos cutâneos
(folículos pilosos e unhas). Estas estruturas cutâneas, ceratinizadas, são na maioria colonizada por
fungos dermatófitos – Microsporum spp, Trichophyton spp e Epidermophyton spp, dando origem
às chamadas dermatofitias.
À mesma espécie podem corresponder quadros clínicos diferentes, assim como diferentes derma-
tófitos podem originar quadros clínicos semelhantes. Há no entanto agentes mais frequentes em
determinadas localizações. Os dermatófitos dos animais contagiam com facilidade o homem (cão,
gato e coelho). Fazem ainda parte deste grupo a candidíase muco-cutânea e a pitiríase versicolor.

Tinhas
Tinha do couro cabeludo (tinea capitis)
Mais frequente nas crianças do que nos adultos e de fácil contágio. É comum surgirem casos em
crianças que co-habitam ou que frequentam o mesmo infantário. Os agentes mais frequentes da
infecção do couro cabeludo são o Microsporum canis, Trichophyton violaceum e Trichophyton
tonsurans.
O quadro clínico típico (tinha tonsurante) são áreas circunscritas de alopécia, com observação fácil
dos cotos pilosos na epiderme (cabelo partido), associado a descamação e prurido. Pode apresen-
tar-se sob duas formas: a microspórica, em que há uma área principal de alopécia e a tricofítica em
que as áreas de cabelos partidos com cotos são múltiplas e pequenas.

Tinha da pele glabra (tinea corporis)


Conhecida pela vulgar “impigem”, surge na criança com alguma frequência na face, pescoço e
tronco. O seu aspecto característico é uma mancha anelar de bordos circinados inflamatórios e
Micoses

descamativos com tendência para a cura central. As lesões podem ter aspectos atípicos, maiores,
com vesículas nos bordos, sobretudo quando houve aplicação prévia de corticóides. Podem ser
únicas, múltiplas, confluentes e o seu crescimento é sempre excêntrico. Normalmente há prurido.
256

Tinha dos pés (tinea pedis)


Rara nas crianças, sendo confundida frequentemente com infecção bacteriana e eczema desidró-
tico. Atinge as pregas dos 4º e 5º dedos e espaços interdigitais. As lesões são descamativas, infla-
matórias, podendo surgir fissuras, vesículas e pústulas. O prurido é intenso. O calor, a humidade
e a oclusão favorece o seu crescimento e disseminação para a planta do pé.
Dermatologia

Diagnóstico
O diagnóstico clínico baseia-se na história clínica, na observação da semiologia das lesões e seu
aspecto dérmico.
O diagnóstico laboratorial é obrigatório não só para confirmação e identificação do agente, como
também para controlo da doença, identificação de portadores e estudo de resistência ou sensi-
bilidade à terapêutica antifúngica. Deve ser feita a colheita de escamas e cotos para entre duas
lâminas de vidro. O exame directo, ao microscópio óptico permite a observação de esporos e hifas.
O exame cultural, permite a observação, identificação das colónias e diagnóstico definitivo.

Terapêutica
Medidas gerais
É fundamental fazer a pesquisa e identificação dos contágios (humanos e animais). Deve ser feita
lavagem e desinfecção das roupas, fitas de cabelo, objectos, brinquedos, mantas, sofás, sem
esquecer o local onde os animais dormem.
Não se justifica a evicção escolar, embora seja obrigatório, por lei, a entrega de uma declaração
médica que comprove o diagnóstico e o início da terapêutica.

Medidas específicas
Tinhas do couro cabeludo: têm indicação para tratamento oral, durante 6 semanas. A terapêu-
tica escolhida deve depender da dermatofitia e da susceptibilidade individual, tendo em atenção
aos efeitos secundários da medicação (toxicidade, fotossensibilidade e reacções cruzadas com
outros medicamentos) (Tabela 78).
Deve ser aplicado durante esse período um soluto e um champô derivado imidazólico. No final do
tratamento deve ser repetido o exame micológico direto e cultural.

Tabela 78: Fármacos antifúngicos


Fármaco / Formulação Dose Duração Observações
Fármaco de escolha
Bem tolerado
Griseofulvina 12,5 mg/kg/dia 6 semanas
Mais eficaz nas tinhas das crianças
Não comercializado em Portugal

Itraconazol
3-5 mg/kg/dia
- Comprimidos: 100 mg 4-6 semanas Boa opção
(1-2 tomas)
- Solução oral: 10 mg/mL

Terbinafina Menos eficaz na


3-6 mg/kg/dia 4 semanas
- Comprimidos 250 mg tinha microspórica

Fluconazol
6 mg/kg/dia
- Comprimidos 50 mg, 100 mg e 150 mg 6 semanas
(1 toma)
Micoses

- Solução oral: 10 mg/mL e 40 mg/mL

257
Tinha da pele glabra e dos pés: o tratamento deve ser tópico excepto se forem lesões dissemi-
nadas, com mais de três meses de evolução, em imunodeprimidos ou se não houver resposta à
terapêutica tópica. Recomendam-se derivados imidazólicos ou terbinafina em creme, duas vezes
ao dia, durante quatro semanas ou até o desaparecimento das lesões.
Dermatologia

Candídiase muco-cutânea
Introdução
A candidíase muco-cutânea é uma infecção causada por leveduras do género Candida. Nas crian-
ças, a espécie mais frequente é a Candida albicans. É um agente comensal, habita o intestino e
mucosas oral e vaginal, sem causar doença. Habitualmente não parasita a pele saudável.
Nas crianças, os quadros clínicos mais frequentes são superficiais, agudos e auto-limitados. Quan-
do há modificações do ambiente (calor e humidade) e/ou alterações da barreira dérmica associado
a situações orgânicas gerais que interferem com os mecanismos de defesa, pode haver um aumen-
to das leveduras e surgir um parasitismo.

Clínica
Nos lactentes a monilíase oral (“sapinhos”) é a infecção mais frequente, adquirida e favorecida por
colonização materna, na maioria das vezes.
As lesões surgem na mucosa oral e são pequenas pápulas brancas, nacaradas, aderentes à mucosa
jugal e língua, de aspecto semelhante a leite coalhado, podendo estender-se aos lábios. A dor e o
desconforto tornam a criança inquieta e dificultam a alimentação.
A dermite das fraldas por Candida, traduz-se por inflamação da pele, com eritema descamativo em
toalha, de bordos mal definidos, não poupando as pregas. A oclusão, a maceração e a humidade
condicionada pelas fraldas, urina, fezes e processos agressivos de limpeza podem agravar as lesões
e surgirem assim áreas de descolamento epidérmico com erosões.

Diagnóstico
O diagnóstico, perante as lesões tão sugestivas, é clínico. Na dúvida, é feito exame micológico para
isolamento e caracterização do agente.

Terapêutica
Medidas gerais
É mandatório a identificação e a eliminação dos factores desencadeantes, assim como corrigir os
factores patogénicos condicionantes. A aplicação dos produtos deve ser feita após limpeza suave.
Deve ser igualmente realizada: esterilização de chuchas e biberons usados pelo lactente, protec-
ção da pele mais frágil com creme com óxido de zinco, mudança de fraldas frequentes e uso de
fraldas super-absorventes. Iniciar o tratamento de possível candidíase materna.

Medidas específicas
Candidíase oral - miconazol (gel): 4 aplicações diárias, 1 semana; nistatina (solução oral): menos
eficaz, meio conta-gotas de 2/2 horas, 1 semana; violeta de genciana (soluto aquoso a 1%): a usar
se existe irritação da mucosa.
Candidíase perineal - miconazol ou outros derivados do imidazol em creme; clotrimazol creme 1%
Micoses

aplicado na mudança da fralda, 7 dias. Estes cremes devem ser aplicados em mistura (de partes
iguais) com creme de óxido de zinco (em Portugal existem fórmulas comerciais).
258
Dermatologia

Candidíase disseminada - se as lesões são disseminadas ou houve insucesso terapêutico com a


aplicação tópica, a criança deve ser estudada, visto a candidíase poder ser um indicador biológico
de doença. Recomenda-se no tratamento o uso de itraconazol ou fluconazol nas doses em cima
mencionadas.

Pitiríase versicolor
Introdução
A pitiríase versicolor é uma micose superficial, provocada por um fungo leveduriforme designa-
do por Malassezia furfur. A maioria das suas espécies são comensais, habitam a pele humana e
invadem o estrato córneo. É um fungo lipofílico, necessitando de meios ricos em lípidos para se
desenvolver.
A doença pode surgir todos os anos, sendo que este aspecto crónico não está associado a compli-
cações. É mais frequente nos jovens, na pele oleosa e que é sujeita à oclusão e à humidade, sendo
rara nas crianças pequenas.

Clínica
As lesões cutâneas são manchas descamativas, de várias cores (versicolor), dispersas pelo tronco,
pescoço e membros superiores e tendem a confluir. Nas zonas pigmentadas, expostas à luz solar,
são mais brancas (hipocrómicas) e na pele clara são mais acastanhadas ou rosadas. A descamação
é fina, por vezes imperceptível. Não há prurido nem desconforto.

Diagnóstico
O diagnóstico clínico é fácil e intuitivo, face ao aspecto versicolor das lesões e à sua distribuição.
No caso de dúvidas, deve ser feita colheita das escamas para observação ao microscópio óptico. O
aspecto é característico, pequenas hifas e aglomerados de esporos, conhecidos por “esparguete
com almôndegas”.

Terapêutica
Medidas gerais
O jovem deve ser informado que esta doença tem carácter benigno e que corresponde apenas
ao desenvolvimento exagerado de um fungo comensal. É importante desmistificar que não é um
“fungo da praia”, nem a manifestação de uma doença geral. Deve ficar também claro que as
manchas cutâneas só irão desaparecer com o tempo. Não faz sentido a desinfestação da roupa e
objectos.

Medidas específicas
O tratamento tópico é eficaz. Em pediatria são usados sobretudo derivados azólicos (como o ce-
taconazol). Podem ser usados solutos ou champôs, aplicados durante alguns minutos, de modo a
Micoses

cobrir todo o tegumento da raiz do pescoço até à cintura. O tratamento deve ser diário durante
duas a três semanas.
259
Como a recidiva é frequente, aconselha-se a reaplicação do produto ao longo do ano mesmo que
não haja lesões.
A medicação oral (cetaconazol ou fluconazol) não se justifica pelo risco de toxicidade, benignidade
da doença e por não se evitar deste modo a recidiva.
Dermatologia

64. Pediculose do couro cabeludo


Maria João Rodrigo

Introdução
É conhecida e designada na generalidade por piolhos. É mais comum em regiões quentes, nas
crianças em idade escolar e no sexo feminino. O contágio é directo (cabelos, pentes, chapéus).
O principal sintoma é o prurido do couro cabeludo, sobretudo na região occipital, onde a irritação
causada pela picada ou saliva do parasita, associada ao acto de coçar, leva ao aparecimento de
escoriações, infecção bacteriana secundária com consequente aumento de adenopatias cervicais
e sub-occipitais.

Etiologia
A pediculose é uma infestação causada por um artrópode, Pediculus humanus capitis e Pediculus
humanus corporis. A colocação dos ovos (lêndeas) é feita na haste do pêlo ou do cabelo. O seu
ciclo de vida é de cerca de 30 dias e cada fêmea tem uma postura diária de 5 a 10 ovos.

Diagnóstico
O diagnóstico é sobretudo clínico. Nem sempre é possível observar os piolhos. A presença de pe-
quenos ovos (lêndeas), fixados à raiz do pêlo é muito sugestivo de infestação.
O prurido na região occipital, assim como a presença de adenopatias neste local, deve levar sempre
à suspeita do diagnóstico.

Terapêutica
Medidas gerais
É frequente o insucesso terapêutico pela utilização dos produtos de modo inadequado. O tratamen-
to deve envolver os contactos assim como deve ser feita uma limpeza dos objectos envolvidos no
contágio directo. Repetir o tratamento ao fim de 7 dias para assegurar a morte das formas larvares
que entretanto eclodiram. As lêndeas (que não são destruídas por agentes químicos) devem ser
todas retiradas com um pente fino de metal ou um pente eléctrico (ao passar no cabelo electrocu-
tam o parasita); só assim se conseguem evitar as recidivas.
Pediculose do couro cabeludo

Medicamentos
Usar o soluto, evitando o champô; este deve actuar algumas horas após ser aplicado em todo o
couro cabeludo. Não deve ser feita oclusão nem molhado o cabelo.
Permetrina a 1%: de primeira linha, pode permanecer no couro cabelo algumas horas (está apro-
vado para crianças com mais de 2 meses de idade); permetrinas associada a butóxido de piperonilo
são mais eficazes; benzoato de benzilo a 20% ou 30 %; solutos oleosos (na maioria sem insecti-
260
cidas; o mecanismo de acção baseia-se na asfixia, através da obstrução dos orifícios respiratórios).
Dermatologia

65. Escabiose
Maria João Rodrigo

Introdução
A escabiose ou sarna é uma doença parasitária humana, que atinge todas as idades, raças e
estratos económicos. O contágio é fácil, a partir de contactos íntimos e partilha de roupa e cama.
O ácaro só sobrevive (ou completa o seu ciclo) se habitar no homem. São activos acima dos 20ºC
e morrem acima dos 50ºC ou se 24 horas sem contacto humano.

Etiologia
O agente causal é um ácaro, Sarcoptes scabiei, variedade hominis.

Clínica
O seu principal sintoma é o prurido intenso, com exacerbação nocturna, que surge após as pri-
meiras manifestações cutâneas. As lesões cutâneas são sobretudo pápulas em base eritematosa,
podendo surgir lesões vesicopustulosas. Nos locais em que a pele é mais fina (punhos), podem-se
observar pequenos trajectos eritematosos subcutâneos, as galerias, que correspondem ao trajecto
do ácaro.
Os locais mais atingidos são as pregas interdigitais e face anterior das mãos, axilas, antebraços, cin-
tura, região periumbilical, testículos e pénis, face anterior das coxas e plantas dos pés. São raras as
lesões na face e no couro cabeludo. Podem ainda surgir os nódulos escabióticos, lesões de maiores
dimensões, provocadas pela inflamação e coceira arrastada.

Diagnóstico
O diagnóstico é clínico, pelo aspecto das lesões, presença de galerias nos locais típicos e prurido
com exacerbação nocturna. Podem ajudar a confirmar o diagnóstico a existência de co-habitantes
com quadro clínico semelhante. A observação do ácaro pode ser feita ao microscópio óptico, sen-
do dispensável na maioria dos casos.

Terapêutica
Medidas gerais
A sarna instalada numa família obriga a determinados cuidados e esclarecimentos:
•o  ácaro é estritamente humano, não havendo transmissão pelo cão ou outros animais;
• t oda a família nuclear deve ser tratada mesmo que não tenha sintomas;
Escabiose

• o banho e a desinfestação das roupas da cama e do vestuário são fundamentais; a roupa que não
pode ser lavada a 90ºC, aconselha-se a que fique afastada do contacto humano (fechada num
saco plástico) pelo menos três dias; 261
•o  prurido vai-se manter durante mais algum tempo, não se devendo prolongar a terapêutica.
Dermatologia

Medicamentos
Há no mercado vários medicamentos eficazes.
Permetrina a 5%: em creme, é o tratamento de escolha pela facilidade de aplicação e menor toxi-
cidade, mas não está disponível em Portugal.
Benzoato de benzilo a 30%: aplica-se em todo o tegumento (mesmo onde não há lesões) evitando
a cabeça, a face e o meato uretral, durante três dias seguidos. Este produto, aplicado desta forma,
pode causar dermite traumática que juntamente com as escoriações provocadas pela coceira, jus-
tificam a aplicação de emolientes, anti-histamínicos e até corticóides tópicos numa fase posterior.
É necessário avisar a família que vai haver necessidade de tratar o eczema residual.
Manipulado de vaselina com enxofre a 3% e ácido salicílico a 1%: utiliza-se nas crianças muito
pequenas (menores de dois anos) e nas grávidas, pelo risco de absorção e toxicidade do produto
anterior. Aplica-se 3 dias seguidos. Tem como desvantagem o cheiro e estragar a roupa, mas a
vantagem de a própria vaselina hidratar a pele, aliviando assim a dermite traumática residual.
A nível hospitalar, dispomos ainda para o tratamento dos indivíduos com imunodeficiência huma-
na a ivermectina oral (150 a 200 µg/kg de peso) em dose única.

Escabiose

262
263
Cardiologia

66. Sopro cardíaco


Joana Marinho, Rui Anjos

Introdução
O sopro cardíaco em idade pediátrica é um achado frequente e muitas vezes considerado como
“doença” e não como sinal de doença.

Abordagem diagnóstica
A auscultação cardíaca era considerada como “o” método de diagnóstico preferencial da doença
cardíaca na criança, apresentando-se actualmente como método de rastreio. Torna-se por isso, im-
portante distinguir o “sopro inocente” do “sopro patológico”, de forma a seleccionar os doentes
e em que altura devem ser referenciados ao Cardiologista Pediátrico.
A auscultação cardíaca deve integrar de forma rotineira o exame objectivo de uma criança e o clíni-
co deve estabelecer a sua própria forma de avaliação, com uma sequência constante ou uma rotina
própria de avaliação. Em idades pediátricas, esta deve englobar todo o tórax, incluindo as faces
laterais e o dorso. Devem ser caracterizados o primeiro e segundo sons cardíacos, sons cardíacos
adicionais e os sopros audíveis nas várias fases do ciclo cardíaco.

Sons cardíacos
O primeiro som cardíaco (S1) corresponde ao encerramento das válvulas mitral e tricúspide e é
mais audível na região do ápex ou na porção inferior do bordo esquerdo do esterno.
O segundo som cardíaco (S2) traduz o encerramento das válvulas semilunares, com um compo-
nente inicial (válvula aórtica) e tardio (válvula pulmonar). É mais audível no foco pulmonar e apre-
senta habitualmente um desdobramento fisiológico.
Os sons ou ruídos cardíacos patológicos incluem o segundo som com intensidade aumentada, o
desdobramento fixo de S2 (exemplos: comunicação interauricular ou retorno venoso pulmonar
anómalo), um segundo som único (exemplos: hipertensão arterial pulmonar, tetralogia de Fallot
ou estenose aórtica grave). O terceiro som (S3), audível no ápex ou bordo esquerdo do esterno
inferior, pode corresponder a uma variante do normal no recém-nascido e na criança, ou pode
surgir em situações com alterações ventriculares. O quarto som (S4) é sempre patológico, audível
no ápex, e surge em quadros de dilatação ventricular ou insuficiência cardíaca grave. O ritmo de
galope é o resultado de uma situação patológica e resulta da combinação de um S3 ou S4 com
taquicárdia. O estalido de ejecção é um ruído seco audível no início da sístole e está associado a
estenose da válvula pulmonar ou aórtica ou a situações em que há dilatação das grandes artérias
(exemplo: hipertensão sistémica ou pulmonar). O estalido mesosistólico, melhor audível no ápex,
Sopro cardíaco

pode ser acompanhado de sopro sistólico tardio e é muito sugestivo de prolapso da válvula mitral.
O estalido de abertura ou protodiastólico é audível no início da diástole, no ápex, em doentes com
estenose mitral. 264
Cardiologia

Sopros cardíacos
São ruídos longos com origem no coração ou sistema vascular com uma frequência entre 20 e
os 2.000 Hz. Devem ser analisados em função da sua intensidade, fase do ciclo cardíaco em que
ocorrem, localização, irradiação e qualidade.

Caracterização dos sopros cardíacos


Intensidade
Com ou sem frémito associado:
•g rau I - sopro suave e dificilmente audível;
•g rau II - também suave mas facilmente audível;
•g rau III - sopro intenso mas sem frémito;
•g rau IV - sopro intenso e com frémito;
•g rau V - sopro muito intenso e com frémito;
•g rau VI - sopro com intensidade máxima, com frémito, ouve-se sem estetoscópio.
Os sopros de grau IV, V e VI são sempre orgânicos ou patológicos. Os de grau I, II e III podem ser
funcionais ou patológicos.

Fase do ciclo cardíaco em que ocorre


Sistólico, diastólico e contínuo.

Duração
Os sopros podem ser:
• mesossistólicos - sopros de ejecção audíveis em crescendo-decrescendo; aumentam progressiva-
mente até atingir uma intensidade máxima a meio da sístole e diminuem de seguida até ao final
da mesma; reflecte a existência de maior fluxo a meio da sístole e menor intensidade de fluxo
no princípio e final da mesma; exemplos: estenose aórtica, estenose pulmonar, comunicação
interauricular (CIA) e alguns sopros funcionais;
• holossistólico ou pansistólicos - decorrem durante toda a sístole; são sopros que começam com
o S1, têm a mesma intensidade durante toda a sístole e terminam com o S2; exemplos: comuni-
cação interventricular (CIV), insuficiência mitral, insuficiência tricúspide;
• sopro sistólico tardio - é audível por vezes após um estalido mesossistólico, na região apical,
traduz habitualmente um prolapso da válvula mitral;
• os sopros diastólicos - mais raros nas crianças, são sempre patológicos; os sopros audíveis apenas
no início da diástole são protodiastólicos, habitualmente em decrescendo e traduzem regurgita-
ção aórtica ou pulmonar; os sopros mesodiastólicos ou rodados são auscultados na área mitral
ou tricúspide; são causados por alto débito através destas válvulas ou por estenose valvular; os
sopros pressistólicos, auscultados na área mitral ou tricúspide, no final da diástole, são mais raros
Sopro cardíaco

e habitualmente causados por estenose valvular mitral ou tricúspide;


• os sopros contínuos - são sopros que se auscultam na sístole, ultrapassam o S2 e ouvem-se em
toda ou parte da diástole; podem ser causados por várias situações, incluindo a persistência do 265
canal arterial, fístulas arterio-venosas, colaterais aortopulmonares e o zumbido venoso.

“Qualidade” ou frequência
Suave, áspero ou rude, piante ou vibratório.

Local de máxima intensidade e irradiação

Variação com mudanças de posição


Cardiologia

Sopros inocentes
Os sopros funcionais, fisiológicos ou inocentes, observam-se em mais de 50% das crianças em
alguma fase da sua vida. Ocorrem por aceleração do fluxo sanguíneo em estruturas cardíacas ou
vasculares, ou pela presença de “falsas cordas” ou tendões que constituem variantes do normal.
Por definição, são sopros cardíacos que ocorrem em corações estruturalmente normais, em crian-
ças completamente assintomáticas do ponto de vista cardiovascular. Constituem o maior grupo de
sopros. São em geral sistólicos, de baixa intensidade, sem frémito, variam com a posição do doente
(na maioria dos casos ouvem-se melhor com o doente deitado).
Exemplos de sopros funcionais:
• sopro de ejecção pulmonar - sopro grau I-II/VI, suave ou vibratório, sistólico, de ejecção, audível
na base esquerda, sem irradiação ou nas faces laterais e axilas, por vezes irradia para o dorso,
aumenta com taquicárdia, agitação, febre;
• sopro vibratório ou sopro de Still - menos frequente no recém-nascido do que na criança, grau
I-II/VI, vibratório, sistólico, de ejecção, audível entre o ápex e o esterno, sem irradiação, mais
intenso em decúbito ou com FC elevada, diminui na posição vertical ou sentado;
• sopros carotídeos - mais frequente nas crianças mais velhas, grau I-II/VI, rude, sistólico, de ejec-
ção, supraclavicular, irradia para o pescoço, aumenta de intensidade com o exercício;
• zumbido venoso - mais frequente entre os 3 e os 8 anos, grau I-II/VI, suave, contínuo, acentuado
em diástole, supraclavicular, irradia para a base, aumenta rodando a cabeça para o lado oposto
e diminui com decúbito ou pressão sobre o pescoço.

Sopros patológicos
Os sopros patológicos são habitualmente mais rudes, ásperos, habitualmente de grau III a VI. Todos
os sopros de grau IV a VI são patológicos. Também todos os sopros holossistólico e diastólicos são
patológicos. Habitualmente não se alteram com a mudança de posição e irradiam para a base, pes-
coço e dorso. Podem associar-se a alterações dos sons cardíacos, ser acompanhados de estalidos
(ou “clicks”), apresentar sinais e/ou sintomas de doença cardíaca (como insuficiência cardíaca, cia-
nose, ausência ou diminuição de pulso), muitas vezes associados a síndromes ou outras anomalias.

Sopro no recém-nascido (RN)


Perante a presença de um sopro cardíaco num RN, é fundamental defini-lo (inocente ou funcional
versus patológico). Se o RN se encontrar completamente assintomático e o sopro apresentar ca-
racterísticas funcionais, deve ser reavaliado posteriormente. Se há suspeita de patologia minor e
estamos perante um RN que se encontra clinicamente bem, deve ser referenciado electivamente à
consulta de Cardiologia Pediátrica. Perante outros sinais e/ou sintomas de doença cardíaca (ciano-
se, sinais de insuficiência cardíaca), a referenciação torna-se urgente.
Sopro cardíaco

Orientação e terapêutica
No caso dos sopros inocentes, a conduta adequada passa por dar alta à criança, tranquilizando os
266
pais e explicando-lhes a benignidade do sinal auscultatório. Para os sopros patológicos, as orienta-
ções terapêuticas são muito diversas, dependendo da patologia subjacente, mas a referenciação à
Cardiologia Pediátrica é mandatória.
Cardiologia

67. Síncope
Inês Carmo Mendes, Ana Teixeira, Rui Anjos

Introdução
Síncope é definida como perda súbita e transitória do conhecimento e do tónus postural, habi-
tualmente precedida por pródromos (pré-síncope): palidez, sudorese, tonturas, alterações visuais,
sensação de fraqueza. Na síncope de causa cardiovascular o mecanismo fisiopatológico consiste
num período transitório de hipoperfusão cerebral sendo a recuperação geralmente rápida, espon-
tânea e completa.
É frequente em idade pediátrica, ocorrendo em cerca de 15-20% das crianças e adolescentes. A
recorrência é frequente, verificando-se em até 35% dos casos.

Etiologia
Na maioria dos casos é de etiologia benigna mas em raros casos pode estar associada a patologia
grave, do foro cardíaco, com risco de morte súbita. A abordagem diagnóstica deve, por isso, ser
detalhada para excluir patologia mais grave subjacente.

Causas frequentes (benignas)


Síncope neurocardiogénica: a mais frequente causa de síncope em idade pediátrica. O me-
canismo subjacente consiste na diminuição súbita da pressão arterial e frequência cardíaca por
alterações na regulação do tónus vasomotor por resposta reflexa paradoxal do sistema nervoso au-
tónomo. Pode acompanhar-se de movimentos tónico-clónicos de curta duração por hipoperfusão
cerebral (superior a 15-20 segundos), com recuperação habitualmente espontânea e completa.
Síncope vasovagal: mais frequente na adolescência, desencadeada por estímulos físicos (dor, ca-
lor, desidratação, ortostatismo prolongado) ou psíquicos (ansiedade, medo – colheita de sangue).
Hipotensão ortostática: associada a mudança brusca para posição ortostática.
Espasmo do choro: associado a um episódio de choro intenso desencadeado por medo, dor ou
stress com perturbação da ventilação e perda de conhecimento. Cessa no início da idade escolar.
Síncope situacional: em situações particulares tais como micção, defecação, deglutição, tosse.

Causas raras (potencialmente fatais, 2-6% casos)


Cardiopatia congénita ou adquirida (síncope secundária a compromisso hemodinâmico grave)
Perturbação do ritmo cardíaco: síndrome do QT longo e síndrome do QT curto; síndrome de Bru-
gada, taquicárdia polimórfica familiar, displasia arritmogénica do ventriculo direito, disfunção do
nódulo sinusal, bloqueio auriculo-ventricular, síndrome de Wolff-Parkinson-White.
Lesão estrutural e/ou obstrutiva: cardiomiopatia hipertrófica, estenose aórtica, coartação da aorta,
Síncope

pericardite constritiva.
Disfunção miocárdica: miocardiopatia dilatada, miocardite, isquémia, entre outros.
267
Cardiologia

Diagnóstico diferencial
Causas neurológicas: epilepsia, lesão do SNC (vascular, ocupando espaço), epilepsia, enxaqueca.
Causas metabólicas: hipoglicémia, alterações hidroelectrolíticas.
Perturbação psiquiátrica: histeria, perturbação da ansiedade, pânico e hiperventilação.
Intoxicações medicamentosas ou adictivas: antidepressivos tricíclicos, barbitúricos, fenotiazidas,
álcool, cocaína, marijuana, exposição a CO, entre outros.

Abordagem diagnóstica (Figura 33)


Anamnese
Antecedentes familiares relevantes: cardiomiopatia (hipertrófica ou dilatada); história de síncope,
caracterização dos episódios; epilepsia; morte súbita em idade jovem (inferior a 30 anos) ou asso-
ciada a acidentes (afogamento ou queda); arritmias conhecidas (perturbação do QT, síndrome de
Brugada, Wolff-Parkinson-White). Antecedentes pessoais relevantes: cardiopatia estrutural ou fun-
cional; consumo de fármacos (vasodilatadores, diuréticos, perturbação do QT), substâncias ilícitas
ou exposição a tóxicos; caracterização dos ciclos menstruais (gravidez, anemia).
História clínica detalhada e exclusão prioritária de causas graves. Pesquisar factores desencadeantes:
desidratação, ortostatismo ou elevação prolongada dos membros superiores, stress físico ou emo-
cional (dor ou medo), alterações posturais bruscas, micção, dejecção, tosse, choro, após exercício fí-
sico (sugerem síncope neurocardiogénica); durante exercício físico (sugere causa cardíaca, arritmia);
cefaleia ou aura prévia (sugestivo de enxaqueca). Situações atípicas: desencadeado por estímulo
sensorial intenso como alarme (sugere taquicárdia ventricular catecolaminérgica); desencadeado
por stress físico ou emocional (sugere síndrome QT longo). Sintomatologia associada: tonturas,
alterações visuais, náusea, palidez, ansiedade ou stress (sugere síncope vasovagal); palpitações,
dor precordial (sugere causa cardíaca ou neurocardiogénica ou ansiedade); movimentos tónico-
-clónicos após o início da crise (sugere causa cardíaca como arritmia, neurocardiogénica); fome,
fraqueza muscular, tremor e sudorese (sugere hipoglicémia); movimentos focais, período pós críti-
co prolongado, alterações neurológicas que se mantêm (sugestivos de epilepsia).

Exame objectivo
Completo, com especial atenção a: FC, TA e sua variação posicional (descida 20mmHg e/ou au-
mento 20 bpm ao levantar) - hipotensão ortostática; diferencial TA membros superiores e inferio-
res (superior a 20mmHg) - coartação da aorta; sons cardíacos (S3, S4, ritmo de galope), sopros e
variação com posição, estalidos, atritos; alterações no exame neurológico, avaliação de eventuais
traumatismos.

Exames complementares de diagnóstico


ECG 15 derivações: primeira linha em todos os doentes. Pode sugerir doença cardíaca: ausência
Síncope

de ritmo sinusal, bloqueio aurículo-ventricular completo, perturbação do QT; padrão de Brugada,


ondas épsilon (displasia arritmogénica do ventrículo direito), onda delta e pré excitação (Wolff- 268
-Parkinson-White), hipertrofia do ventrículo esquerdo (obstáculo esquerdo).
Tilt test: alta especificidade (90%) e baixa sensibilidade (65-75%) para síncope vasovagal. Nos
episódios recorrentes graves sugestivos de etiologia vasovagal ou atípicos com restante investiga-
ção inconclusiva, para tranquilizar a família.
Cardiologia

Avaliação analítica: gasimetria arterial ou venosa (distúrbios metabólicos ou da ventilação), glico-


se, hemograma, HCG, pesquisa substâncias ilícitas ou tóxicos.
Avaliação cardiológica: ecocardiograma transtorácico, Holter de 24h, prova de esforço se suspeita
de cardiopatia estrutural ou arritmia a partir dos achados anteriores (incluindo história familiar) ou
se síncope vasovagal recorrente sem resposta ao tratamento empírico.
Avaliação neurológica: EEG quando episódio sugestivo de causa neurológica (perda de conheci-
mento e período pós crítico prolongados, crises convulsivas desde o início do episódio, alterações
neurológicas persistentes no exame objectivo, TCE significativo).

Orientação terapêutica
Sempre dirigida à causa. Esclarecimento, tranquilização e ensino da criança e da família.
Medidas gerais de prevenção da síncope vasovagal: reforço hídrico e salino; evicção de posi-
ções estáticas prolongadas e de ambientes muito aquecidos; reconhecimento dos sinais e sintomas
de alarme: adoptar precocemente posição de decúbito com elevação dos membros inferiores ou
sentado (aumento retorno venoso e perfusão cerebral), chamar por ajuda; posicionamento de
segurança no caso de síncope, em decúbito lateral.
Critérios de internamento: episódios atípicos com necessidade de reanimação ou perda de co-
nhecimento prolongada; evidência de cardiopatia grave: arritmia, insuficiência cardíaca, cianose,
precordialgia; evidência de lesão neurológica.

Síncope

269
Cardiologia

Fig 33: Orientação diagnóstica na síncope

Precedida por cefaleia?


Perda controlo de esfíncteres?
Perda de conhecimento prolongada?

Sim Não

Convulsão, Enxaqueca, Lesão SNC Perda conhecimento transitória

História familiar sugestiva de doença cardíaca?


Precordialgia? Palpitações?
Relação com exercício físico?
Alterações ao exame cardiovascular e/ou ECG?

Sim Não

Doença cardíaca estrutural, Arritmia Alterações analíticas: glicémia, hematócrito, Beta-HCG?

Sim Não

Hipoglicémia, Anemia, Gravidez Ingestão medicamentosa ou exposição a tóxicos?

Sim Não

Síncope secundária a tóxicos Alteração padrão respiratório antes ou durante síncope

Sim Não

Hiperventilação? Precedida Relação com ortostatismo? Pródromos: tonturas,


por crise de choro? náuseas,fraqueza muscular, alterações visuais?

Não Sim

Alterações metabólicas, Espasmo Perturbação Hipotensão ortostática


Distúrbio da ansiedade do choro psiquiátrica Síncope vasovagal
Síncope

270
Cardiologia

68. Hipertensão arterial


Duarte Saraiva Martins, Isabel Menezes, Rui Anjos

Introdução
Há uma elevada variabilidade da pressão ou tensão arterial (TA) em idade pediátrica, influenciada
sobretudo pela idade, estatura e género. Há também uma grande dificuldade em estabelecer
valores limite de tensão arterial com aumento demonstrado da morbilidade para cada um destes
subgrupos. Na prática, recorremos a tabelas de percentil de tensão arterial, para definir que valores
de tensão arterial são considerados acima dos limites normais e para classificar a HTA em graus, de
acordo com o percentil1 (Tabela 79).

Tabela 79: Definição e classificação de hipertensão arterial em idade pediátrica


Classificação Percentil TAs/TAd
Normal < P90

Normal-alta ≥ P90 e < P95 (ou ≥ 120/80 mmHg)

Hipertensão – estadio I ≥ P95 e < P99 + 5 mmHg

Hipertensão – estadio II ≥ P99 + 5 mmHg

Etiologia
A hipertensão arterial pode ser de causa primária (associada muitas vezes a história familiar, seden-
tarismo e excesso de peso) ou secundária. A pesquisa de causa secundária é um passo importante
na avaliação de uma criança com suspeita ou diagnóstico de hipertensão arterial (Tabela 80). No
seu conjunto, a proporção de causas secundárias é tanto maior quanto menor a idade da criança
(99% nos lactentes, 70-85% em crianças com menos de 12 anos e 5-15% em crianças com mais
de 12 anos) e quanto maior a elevação da tensão arterial e refractoriedade a medidas terapêuticas.

Abordagem diagnóstica
Avaliação da tensão arterial
A avaliação por rotina da TA em consulta de vigilância de saúde deve ser realizada anualmente
a partir dos 3 anos de idade. Esta avaliação é recomendada mais precocemente em crianças
com factores de risco (Tabela 81). É necessário um ambiente calmo, encontrando-se a criança
Hipertensão arterial

sentada com costas e pés apoiados e frequência cardíaca estabilizada. O método recomendado é
o auscultatório, visto ter sido este o método utilizado na criação das tabelas de percentil, embora o
método oscilométrico possa ser utilizado como método de triagem, desde que sejam confirmados
achados anómalos pelo método auscultatório e se utilize um aparelho validado2. A escolha da
braçadeira (que deverá ser colocada no braço direito ao nível aproximado do coração) é uma das 271
etapas determinantes, visto que uma braçadeira demasiado pequena irá sobrestimar a tensão
arterial. A porção insuflável da braçadeira deverá ter uma largura de aproximadamente 40% e
comprimento de 80-100% da circunferência do braço.

1 consultar Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil 2013. Direção-Geral da Saúde. Disponível em http://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/
programa-tipo-de-atuacao-em-saude-infantil-e-juvenil-png.aspx
2 A lista dos aparelhos validados encontra-se publicada em www.dableducational.org
Cardiologia

Tabela 80: Etiologia da hipertensão arterial secundária


Grupos etiológicos Dados clínicos a pesquisar
Causa renal
Doença renal crónica Antecedentes familiares de doença renal hereditária; antecedentes pessoais de lesão renal
(infecção urinária, trauma, prematuridade); atraso estaturo-ponderal; perda ponderal;
nictúria; edema
Glomerulonefrite aguda Antecedentes pessoais de infecção estreptocócica recente, endocardite, vasculite, edema,
hematúria macroscópica, febre, artralgia, exantema cutâneo
Doença poliquística renal Antecedentes familiares
Tumor de Wilms Antecedentes pessoais de síndrome associada; massa abdominal e febre sem foco
Causa vascular
Coartação da aorta Diferencial de TA membro superior direito - membros inferiores, pulsos femorais de
amplitude diminuída, sopro sistólico com irradiação ao dorso
Estenose artéria renal Sintomatologia de doença renal crónica E sopro abdominal/flanco
Trombose da veia renal Dor no flanco de início súbito, hematúria
Causa endocrinológica
Hipertiroidismo Boa progressão estatural com perda ponderal, exoftalmia, fraqueza muscular proximal,
tremor fino, intolerância ao calor
Síndrome de Cushing Obesidade centrípeta, estrias, fraqueza muscular proximal
Hiperplasia suprarrenal Ambiguidade genital, virilização, amenorreia
Diabetes mellitus Antecedentes pessoais, perda ponderal, poliuria, polifagia e polidipsia
Feocromocitoma Paroxismos de taquicárdia, diaforese e cefaleia
Outras causas
Farmacológica/tóxica Simpaticomimétimos, corticosteróides, estimulantes
Síndromes neurocutâneas Estigmas cutâneos (neurofibromas, manchas café au lait)
Apneia obstrutiva do sono Roncopatia, cefaleia matinal, sonolência excessiva
Psicológicas Ansiedade, depressão, stress psicológico

Tabela 81: Factores de risco para hipertensão arterial em idade pediátrica


Vigilância da tensão arterial em idade inferior a 3 anos
Prematuridade; muito baixo peso ao nascer; internamento em cuidados intensivos neonatais; catéter arterial umbilical

Cardiopatia congénita

Malformação nefro-urológica; história recorrente de infecção urinária, hematúria ou proteinúria; história familiar de doença
renal

Transplante de órgão sólido ou medula óssea; fármacos com potencial hipertensor; doenças sistémicas associadas a
hipertensão arterial tais como esclerose tuberosa e neurofibromatose elevação da pressão intracraniana
Hipertensão arterial

Diagnóstico de hipertensão arterial


O diagnóstico de hipertensão arterial pressupõe o registo de tensão arterial elevada em duas oca-
siões. A brevidade da reavaliação depende do grau de elevação da tensão arterial e da presença ou
ausência de sintomatologia associada. Na Figura 34 podemos encontrar um algoritmo orientador,
272
que deverá ser integrado com os restantes dados da história clínica e exame objectivo.
Cardiologia

Figura 34. Algoritmo de reavaliação de alterações da tensão arterial

Manter avaliação de
Normal
rotina anual

Normal-alta Reavaliar 6 meses

Sintomática Reavaliar < 1 semana


Pressão arterial
Hipertensão
estadio I
Reavaliar
Assintomática
1-2 semanas

Sem necessidade
Sintomática
de reavaliar
Hipertensão
estadio II
Reavaliar
Assintomática
< 1 semana

O MAPA (monitorização ambulatória da pressão arterial) é um registo de 24 horas da tensão arte-


rial em ambulatório, medida a intervalos regulares. É importante para exclusão de hipertensão da
bata branca ou para pesquisa de hipertensão não objectivada nas consultas (hipertensão oculta)
numa população de alto risco (como doentes renais e pós-transplante, entre outros).

Avaliação de lesão de órgão alvo


A hipertensão arterial induz alterações no miocárdio e em vários territórios vasculares que impli-
cam lesão orgânica a longo prazo. Esta lesão deve ser activamente investigada no momento do
diagnóstico e no seguimento, e inclui hipertrofia ventricular esquerda, retinopatia hipertensiva e
nefropatia hipertensiva (com surgimento precoce de microalbuminúria e redução progressiva da
taxa de filtração glomerular). A encefalopatia hipertensiva raramente está presente em idade pe-
diátrica a não ser aquela de instalação aguda em emergências hipertensivas.

Exames complementares de diagóstico (na avaliação inicial)


São orientados tanto para a pesquisa de etiologia secundária como para pesquisa de lesão de ór-
Hipertensão arterial

gão alvo. Devem sempre incluir, para além de exames específicos orientados pela restante clínica,
os seguintes:
• avaliação laboratorial - hemograma, função renal com ionograma completo, glicémia em jejum,
perfil lipídico, exame sumário de urina com microalbuminúria; 273
• ecografia renal;
• radiografia de tórax; ECG e ecocardiograma;
• fundoscopia (não consensual).
Cardiologia

Orientação e terapêutica
A terapêutica tem como objectivo a redução da tensão arterial para valores inferiores ao P90 (infe-
riores ao P75 em caso de doença renal crónica; inferiores ao P50 se proteinúria). Para além de medi-
das específicas para cada etiologia secundária, a terapêutica assenta inicialmente em medidas não
farmacológicas (excepto em situações de maior risco, Figura 35), nomeadamente o exercício físico
aeróbico de intensidade moderada (40 minutos 3 a 5 vezes por semana), dieta normocalórica com
restrição de sódio e controlo do excesso de peso (com objectivo de IMC inferior ao P85 e inferior
ao P95 nos lactentes).

Figura 35. Algoritmo de terapêutica de HTA

Pressão Hipertensão arterial Hipertensão arterial


normal-alta estadio I estadio II

Presença
de sintomas,
etiologia Medidas farmacológicas
secundária, + não farmacológicas
diabetes,
lesão de orgão alvo

Medidas não
farmacológicas

A terapêutica farmacológica fica habitualmente reservada para os casos mais graves e refractários,
devendo a escolha do(s) fármaco(s) ter em conta as características de cada criança (Tabela 82).

Tabela 82. Escolha de anti-hipertensor


Grupo de fármacos Indicações Contraindicações
Diuréticos poupadores de potássio Hiperaldosteronismo Doença renal crónica

Diuréticos de ansa Doença renal crónica; insuficiência cardíaca

β- Bloqueantes Coartação; insuficiência cardíaca Asma

Antagonistas canais de cálcio Pós-transplante Insuficiência cardíaca


Hipertensão arterial

IECAs Doença renal crónica; diabetes mellitus; Estenose artéria renal bilateral
insuficiência cardíaca ou unilateral em rim único;
hipercaliémia; gravidez
Antagonistas do receptor Doença renal crónica; diabetes mellitus;
da angiotensina II insuficiência cardíaca

Vasodilatadores Urgências e emergências


274

Define-se como resistente a HTA persistente apesar de instituição de medidas não farmacológicas
e com 3 ou mais anti-hipertensores, incluindo diurético. Esta deve conduzir a pesquisa exaustiva
de etiologia secundária não esclarecida ou má adesão terapêutica.
Mais uma vez o MAPA surge como um exame complementar de diagnóstico útil para avaliar eficá-
cia terapêutica no subgrupo de doentes de alto risco.
Cardiologia

Urgências e emergências hipertensivas


A tensão arterial pode elevar-se de forma grave e aguda associada a grande risco de lesão orgâni-
ca, necessitando de tratamento farmacológico imediato. Define-se como urgente uma crise hiper-
tensiva na qual não há demonstração de lesão orgânica. Já quando se objectiva disfunção orgânica
de novo (tipicamente encefalopatia e/ou retinopatia, insuficiência cardíaca ou lesão renal aguda),
podemos dizer que estamos perante uma emergência hipertensiva, implicando internamento em
cuidados intensivos para realização de terapêutica anti-hipertensora endovenosa contínua (habi-
tualmente labetalol ou nitroprussiato) sob monitorização hemodinâmica de forma a garantir uma
descida eficaz (embora lenta) do perfil tensional, limitando a lesão orgânica.

Hipertensão arterial

275
Cardiologia

69. Rastreio na actividade desportiva


Morte súbita e desporto
Raquel Firme, Graça Nogueira, Rui Anjos

Introdução e etiologia
Uma das causas mais frequentes de morte súbita é a doença cardíaca, dos quais 90% é de causa
estrutural e passível de rastreio clínico.
A morte súbita cardíaca define-se como uma morte inesperada e súbita (1 a 24 horas desde o
início dos sintomas), de causa cardíaca não traumática, num indivíduo sem suspeita prévia de
qualquer doença potencialmente fatal.
Tem uma incidência de 0,3-6,2:100.000 por ano, é mais frequente no sexo masculino (10:1), na
raça negra e nos jogadores de futebol e basquetebol, com uma idade mediana de ocorrência de
13 anos. A maioria dos casos ocorre durante ou imediatamente após o exercício, com um risco 2,5
vezes superior nos jovens atletas face aos não atletas.
A morte súbita relaciona-se em 53 a 85% com doença previamente conhecida (34% de epilepsia,
23% de doença cardíaca e 21% de asma), 33% com doença não conhecida (37% de infecções
respiratórias e 30% de cardiopatia) e 15% de causa não esclarecida. A cardiomiopatia hipertró-
fica é, na grande maioria dos estudos, a principal causa de paragem cardíaca relacionada com o
esforço (Tabela 83).

Tabela 83. Etiologia da morte súbita cardíaca


Cardiomiopatia hipertrófica a,b (2-36%)
Miocardiopatia ventricular direitab,c (4-26,7%)
Anomalias congénitas das artérias coronárias (7-23%)
Commotio cordis (19,9%)
Doença coronária ateroscleróticaa (2,6-19%)
Hipertrofia ventricular esquerda idiopática (7,5-10%)

Distúrbios da condução eléctrica (10%): síndrome de Wolff-Parkinson-White, síndrome de QT longo/curtob, síndrome de


Brugadab, taquicárdia ventricular polimórfica catecolaminérgicab, bloqueio AV completo

Outras: ruptura de aneurisma aórtico (síndrome de Marfanb), miocardite, miocardiopatia dilatadab, estenose valvular aórtica,
prolapso da válvula mitral, fármacos (como eritromicina, carbamazepina), tóxicos/drogas (como cocaína), pós correcção
cirúrgica de cardiopatia congénita, hipertensão arterial primáriab
Rastreio na actividade desportiva

a
Duas principais causas de morte em desportistas. b Familiar/genética. cAnteriormente designada displasia arritmogénica do ventrículo direito.

A maioria dos jovens (80%) que sofrem morte súbita cardíaca durante o esforço, eram assinto-
máticos até à data, pelo que se impõe um exame médico rigoroso antes de iniciarem a actividade
desportiva de forma a diagnosticar doença cardíaca com risco de morte súbita.
Os exames médicos constituem um instrumento imprescindível para avaliar a aptidão à prática de
desporto, representando um importante meio de rastreio de determinadas patologias, principal- 276
mente na população jovem. Neste contexto, o exame médico-desportivo, de periodicidade anual,
torna-se obrigatório, em todas as situações e para todos os praticantes desportivos, árbitros, juízes
e cronometristas filiados ou que se pretendam filiar em federações desportivas e pode ser realiza-
do por qualquer médico, com preenchimento de impresso próprio. É obrigatória a realização do
exame médico-desportivo nos Centros de Medicina Desportiva de Lisboa, Coimbra e Porto aos
praticantes desportivos inscritos no regime de alto rendimento e exames de sobreclassificação.
Cardiologia

Abordagem diagnóstica
Até 50% dos casos de morte súbita cardíaca apresentam sinais ou sintomas de alarme pessoal ou
familiar. Por outro lado, a história clínica bem documentada revela-se de extrema importância, já
que muitas anomalias não têm nenhuma evidência auscultatória e a maioria das doenças associa-
das à morte súbita cardíaca é geneticamente determinada (Tabela 84).
A história clínica e o exame objectivo provaram ser mais eficazes na detecção de risco de morte
súbita cardíaca se forem realizados nas consultas de rotina pelo médico assistente desde a infância
até à adolescência e não como método de rastreio isolado (como no rastreio médico-desportivo).

Anamnese
Antecedentes pessoais relevantes: diagnóstico prévio de sopro cardíaco ou de hipertensão arterial,
doença de Kawasaki, febre reumática, miocardite, convulsões ou asma desencadeada pelo exercício
não controlada. Antecedentes familiares relevantes: morte inexplicada na família (morte súbita ou
não, como acidente de viação, afogamento) em idade inferior a 50 anos; síncopes ou convulsões
inexplicadas, patologia cardíaca conhecida: cardiomiopatia hipertrófica, síndrome de Marfan, sín-
drome do QT longo/curto, síndrome de Brugada, miocardiopatia dilatada, miocardiopatia ventricular
direita, doença aterosclerótica coronária ou outras arritmias clinicamente importantes; implantação
de pacemaker ou cardioversor desfibrilhador implantável. Clínica: dor ou desconforto precordial,
síncope, palpitações, fadiga excessiva e desproporcional e/ou dispneia relacionadas com o esforço.

Exame objectivo
Obrigatório incluir: medição da tensão arterial; auscultação cardíaca (em decúbito e posição or-
tostática) - detecção de sopros patológicos, S2 único ou com desdobramento fixo, arritmia; pulsos
femorais - rastreio de coartação da aorta; estigmas de síndrome de Marfan (aracnodactilia, hiper-
laxidão articular, escoliose, pectus excavatum ou carinatum) ou outros sinais de doença sistémica.

Exames complementares de diagnóstico (ver Orientação)


ECG de 12 derivações: baixa especificidade, alta sensibilidade (97%). Permite rastrear cerca de 60%
de patologias relacionadas com a morte súbita cardíaca (Tabela 85).
Outros exames complementares: a ponderar por médico especialista após referenciação (ecocar-
diograma, prova de esforço, Holter, RM cardíaca, angio-TC cardíaca).

Tabela 84. Quatro principais sinais de alarme para morte súbita cardíaca (opinião de
Rastreio na actividade desportiva

peritos)
Síncope ou convulsão repentina sem pré-aviso, especialmente durante o exercício ou em resposta a desencadeantes
auditivos (campaínhas, alarmes, telefone)
Toracalgia ou dispneia induzida pelo exercício
Antecedentes familiares de morte inexplicável/inesperada precoce (idade inferior a 50 anos)
Antecedentes familiares de condições predisponentes (cardiomiopatia hipertrófica, síndrome de QT longo, síndrome de
Brugada)
277
Cardiologia

Tabela 85. Alterações do ECG presentes em patologias predisponentes para morte


súbita cardíaca
Cardiomiopatia hipertrófica 96% tem achados anormais no ECG; aumento de voltagem do QRS nas precordiais
esquerdas, ondas Q patológicas e alteração das ondas T

Síndrome de WPW PR curto, complexo QRS alargado com onda δ

Síndrome QT longo QTc > 440/460ms para ♂/♀, onda T alternans

Síndrome de Brugada Bloqueio de ramo direito, elevação do segmento ST de V1 a V3

Cardiomiopatia dilatada taquicárdia sinusal, PR prolongado, bloqueio de ramo esquerdo

Miocardiopatia ventricular direita QRS alargado, onda ε (potenciais de pequena amplitude no final do QRS e no início do
segmento ST), bloqueio de ramo direito, ondas T invertidas em V1 a V3

Doença das artérias coronárias Infradesnivelamento do segmento ST, ondas T negativas, ondas Q patológicas

Orientação
Exame médico-desportivo (Figura 36)
Se história pessoal, familiar e exame objectivo negativos na avaliação inicial e se atletas não fede-
rados: sem necessidade de outros exames complementares (de acordo com guidelines norte-ame-
ricanas) ou ponderar ECG (de acordo com guidelines europeias).
Se atletas de competição/federados independentemente do exame objectivo, história familiar ou
pessoal: ECG.
Se alterações no exame objectivo, história familiar ou pessoal positiva ou alterações no ECG: refe-
renciar à Cardiologia Pediátrica.

Prognóstico
Fora do hospital a sobrevivência das crianças com paragem cardíaca é inferior a 10%, a grande
maioria com sequelas neurológicas. No contexto hospitalar cerca de 50% das crianças sobrevive a
uma paragem cardíaca. O prognóstico das patologias identificadas e as indicações para evicção do
desporto dependem da situação clínica de base.

Rastreio na actividade desportiva

278
Cardiologia

Figura 36: Orientação no exame médico-desportivo

Atletas de competição

História pessoal e familiar, exame objectivo, ECG de 12 derivações

Achados negativos Achados positivos

Sem evidência de
doença cardiovascular
Referenciação à
Cardiologia Pediátrica
Sem evidência de doença cardiovascular para outros exames
Elegível para competição
(ecocardiograma, Holter,
prova de esforço, angio-
RM)

Evidência de doença
Orientação por
protocolos específicos

Rastreio na actividade desportiva

279
Desenvolvimento e Neurologia

70. Avaliação do neurodesenvolvimento e sinais


de alarme
Catarina Figueiredo, Sílvia Jorge

Introdução
O desenvolvimento psico-motor (DPM) é o processo contínuo e dinâmico de aquisição de compe-
tências em diferentes áreas, traduzindo a maturação do SNC – daí a designação de neurodesen-
volvimento. A sistematização em motricidade global, motricidade fina/visão/cognição não verbal,
linguagem/audição/raciocínio prático e comportamento/adaptação social é uma das possíveis. A
definição de áreas é organizadora na vigilância, mas não é estanque. Uma dada competência qua-
se sempre envolve aspectos de diferentes áreas, interligadas e que se desenvolvem em conjunto.
Os desvios devem ser avaliados e valorizados sob esta óptica.
A sequência do DPM é constante e geneticamente determinada, mas o ritmo é variável entre indi-
víduos. Cada aquisição constrói-se sobre as já adquiridas, podendo definir-se uma janela temporal
normativa de emergência. O DPM normal define-se pela adequação a esses limites de idade e pela
adequação qualitativa e funcional das competências adquiridas.
É do âmbito das consultas de saúde infantil a vigilância do neurodesenvolvimento, no sentido de
identificar oportunidades de intervenção para promoção das competências e da saúde da criança
e identificar precocemente alterações que justifiquem a referenciação para intervenção imediata e
a consultas de especialidade.
Podem ser identificados diferentes tipos de alterações do DPM.
Anomalias qualitativas: tarefa mal executada ou efectuada com lentidão excessiva.
Atraso do desenvolvimento: desfasamento entre a idade cronológica e a de desenvolvimento
(correspondente às aquisições demonstradas), que se manifesta de modo mais ou menos uniforme
em pelo menos duas áreas.
Dissociação: diferença significativa entre as várias áreas, com uma mais gravemente afectada.
Desvio: aquisição não sequencial de competências numa ou mais áreas. Geralmente tem por base

Avaliação do neurodesenvolvimento e sinais de alarme


alterações neurológicas.
Paragem ou regressão: perda de competências já adquiridas. Associam-se a doenças graves,
nomeadamente neurodegenerativas.

Avaliação do neurodesenvolvimento
A avaliação do DPM deve ser realizada de forma contínua, em idades-chave, e de forma oportu-
nista noutras consultas, a todas as crianças1.
Procurar e valorizar dúvidas e preocupações de pais, cuidadores e educadores ou professores.
Observação informal da criança: observação da actividade espontânea desde a entrada no gabine-
te, com a criança vestida e na companhia dos pais. O médico tem papel de observador e facilitador,
280
proporcionando um ambiente calmo e tempo de adaptação, com jogos apelativos que despertem
o interesse da criança. Permite avaliar o contacto e o seguimento ocular, atenção, comportamento,
manipulação, jogo, audição, linguagem e a qualidade da interacção familiar.

1 c onsultar Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil 2013. Direção-Geral da Saúde. Disponível em http://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/
programa-tipo-de-atuacao-em-saude-infantil-e-juvenil-png.aspx
Desenvolvimento e Neurologia

Reconhecimento de factores moduladores do DPM, de cujo balanço depende um DPM harmo-


nioso. Os factores de risco biológico são situações com potencial de lesão do SNC (prematuri-
dade abaixo das 34 semanas, PN inferior a 1.500g, asfixia perinatal, necessidade de ventilação
mecânica, anomalias ou infecções do SNC, infecções congénitas, traumatismo crânio-encefálico
grave, antecedentes pessoais ou familiares de doença genética, metabólica ou dismorfias). Consi-
deram-se factores de risco ambiental a existência de factores parentais ou contextuais, que limitam
as oportunidades de desenvolvimento da criança (pais adolescentes, com patologia psiquiátrica,
défice cognitivo ou sensorial significativo, toxicodependência, maus-tratos ou negligência, insti-
tucionalização, pobreza, isolamento). Estes interagem com factores protectores (nomeadamente
ambiente socio-familiar promotor das competências da criança).

Anamnese
Englobando a caracterização dos factores supra enumerados e a cronologia das aquisições prévias.

Exame objectivo
Crescimento estaturo-ponderal, PC, dismorfias, alterações cutâneas.
Exame neurológico: pares cranianos, visão e audição, tónus, força, ROT, movimentos e coorde-
nação, marcha. No lactente: postura, reflexos primitivos (presentes no RN e diminuição aos 3-6
meses; aumento da intensidade, persistência ou reaparecimento podem ser sinais de lesão do
SNC) e reacções posturais (ausentes ao nascimento e aparecimento aos 3-10 meses, paralelamente
ao desaparecimento dos reflexos e início dos movimentos voluntários), reacção à manipulação e
estímulos.
Avaliação clínica do DPM, estruturada pelo recurso a testes como a escala de avaliação de desenvol-
vimento de Mary Sheridan2 e valorizando sinais de alarme de acordo com o grupo etário (Tabela 86).
Frisa-se que a utilização de testes de rastreio (como Denver, SGS II, M-CHAT) aumenta em 2 a 6
vezes a detecção de crianças com perturbações do DPM face à vigilância clínica não estruturada.
A avaliação do DPM antes do ingresso na escola (5-6 anos) tem por objectivo a promoção da
aprendizagem, pela antecipação e vigilância de fragilidades e identificação de necessidades es-
peciais, e não decidir se a criança deve ou não entrar para a escola. Embora inclua a avaliação de

Avaliação do neurodesenvolvimento e sinais de alarme


algumas competências pré-académicas, deve ser multidimensional, abrangendo factores socio-e-
mocionais (curiosidade da criança pela aprendizagem, forma como coopera com os pares, em gru-
po, como interpreta e expressa sentimentos) e a forma como a família encara e valoriza a escola.
A par do desenvolvimento do SNC, o DPM continua até ao final da adolescência, em áreas como
a abstracção e raciocínio, memória de trabalho, controlo de impulsos, planeamento e tomada de
decisões, devendo por isso a vigilância ser mantida.

Orientação
É importante conhecer bem o DPM “típico”, quer para reconhecimento das variantes do normal,
quer porque a fronteira com o patológico não se materializa numa “linha” mas numa “banda”,
281
por vezes só evidente quando as solicitações passam a ultrapassar as competências adaptativas da
criança. Em caso de incerteza, devem ser reforçadas as medidas de estimulação junto dos pais e
cuidadores, mantidas em consideração as suas preocupações, e agendada reavaliação com inter-
valo curto.

2 c onsultar Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil 2013. Direção-Geral da Saúde. Disponível em http://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/
programa-tipo-de-atuacao-em-saude-infantil-e-juvenil-png.aspx
Desenvolvimento e Neurologia

A suspeita de patologia do DPM implica a referenciação precoce a consulta de Desenvolvimento


e/ou Neurologia Pediátrica. No caso das crianças com menos de 6 anos, deve ser feita de imedia-
to a sinalização ao SNIPI de acordo com os critérios de elegibilidade3, para avaliação e início de
intervenção.
A abordagem da criança com perturbação do desenvolvimento deve ser multidisciplinar, com o ob-
jectivo de estabelecer um diagnóstico mas acima de tudo encontrar um perfil funcional individual,
de forma a adequar as intervenções educativas e terapêuticas para optimizar as competências de
cada criança.
Na comunicação com os pais é importante a reserva e o bom senso na discussão de prognósticos,
já que a plasticidade do SNC, a instituição do perfil adequado de apoios, o mais precoce possível,
e a interacção destes factores com outros promotores do DPM mantêm a evolução em aberto.

Avaliação do neurodesenvolvimento e sinais de alarme

282

3 Consultar https://www.dgs.pt/sistema-nacional-de-intervencao-precoce-na-infancia.aspx
Motricidade fina/ visão Linguagem / audição / raciocínio Comportamento
Idadea Motricidade global
/ cognição não verbal e competências académicasb / adaptação social
RN Hipo/hipertonia; reflexos primitivos Reflexo pupilar vermelho ausente ou Sucção fraca, irregular ou ausente Irritabilidade persistente
e/ou osteotendinosos alterados assimétrico; não fixa; não reage à luz (excepto se saciado) Choro gritado, não consolável

4-6 Sem tentativa de controlo cefálico Não segue face ou olho-de-boi Não reage ao som (pára ou olha Não fica alerta por curtos
semanas Hiper/hipotonia (20 cm de distância) para fonte sonora) períodos; transição abrupta
Movimentos oculares erráticos sono/irritabilidade

3 meses Sem controlo cefálico Mãos persistentemente fechadas Não localiza o som Não sorri
Membros rígidos em repouso Não fixa nem segue objectos ou face Sobressalto ao menor ruído
Pobreza/assimetria de movimentos Chora/grita quando é tocado

6 meses Membros inferiores rígidos (fica de Não segue nem pega em objectos com as Não responde à voz Não gosta de estar ao colo
pé se sentado a partir de decúbito) 2 mãos Não vocaliza Chora/grita sempre que é
Não apoia os pés no chão Estrabismo manifesto e constante Palrar monótono tocado
Persistência dos reflexos primitivos Irritabilidade, inconsolável
Assimetria de movimentos/postura Desinteresse pelo ambiente;
apatia

9 meses Não se senta sem apoio Sem preensão palmar Não reage aos sons Apatia
Fica imóvel, sem mudar de posição Não transfere objectos Vocalização monótona ou perda Sem reacção aos familiares
Sem exploração oral dos objectos de vocalização Engasga-se com facilidade
Estrabismo, mesmo inconstante

12 meses Não suporta o peso nos membros Sem noção de permanência do objecto Não emite polissílabos Não brinca
inferiores, de pé Não pega nos objectos ou fá-lo sempre Não usa gestos simples na Não estabelece contacto
Fica imóvel, não tem uma forma só com uma mão comunicação (apontar) Não reage ao nome
de deslocação (gatinhar ou Não mastiga
equivalente)

18 meses Não se põe de pé Sem pinça fina madura (polegar-indicador) Não responde quando o chamam Não se interessa pelo meio
Tabela 86: Sinais de alarme no desenvolvimento psico-motor

Não anda sem apoio Sem uso funcional dos objectos (mantém Sem palavras com significado e sem Não estabelece contacto
Padrão rígido de marcha em lançamento sistemático ou exploração gestos como suporte da comunicação ocular nem tem intenção
pontas predominantemente oral) Não cumpre ordens simples comunicativa
Não percebe a função de
objectos simples (colher, bola)

2 anos Não puxa ou empurra objectos Sem jogo construtivo Não compreende o que se lhe diz Sem jogo de imitação
Não sobe escadas Sem palavras inteligíveis Birras desajustadas e excessivas
Não aponta, não pede, não mostra

3 anos Quedas frequentes Não usa funcional e criativamente Não compreende o que lhe dizem Não tenta interagir, não
Dificuldade em subir escadas os objectos; dificuldade em manipular os Não faz frases simples socializa, não mostra, não
Anda sempre nas pontas dos pés mais pequenos Não usa o gesto como suporte da partilha
Flapping dos braços quando Não constrói torre de 4 cubos comunicação, sobretudo no caso de Não tem jogo simbólico
Desenvolvimento e Neurologia

excitado Não copia a linha e o círculo dificuldades expressão verbal


Não se equilibra num só pé
Motricidade fina/ visão Linguagem / audição / raciocínio Comportamento
Idadea Motricidade global
/ cognição não verbal e competências académicasb / adaptação social
4-5 anos Não atira uma bola (4A) Não conhece as cores Fala incompreensível, gaguez (4A) Não tem jogo imaginativo
Não salta em pés juntos (4A) Não pega correctamente no lápis: tripé rígido Não descreve uma figura (4A) Ignora pessoas não familiares
Não anda de triciclo (4A) (4A); tripé flexível (5A) Não faz frases com ≥ 3 palavras (4A) Não compreende as regras de
Não anda sobre uma linha (5A) Não copia a cruz (5A) ou gramaticalmente correctas (5A) interacção social
Desenho da figura humana pobre (exemplo: Não executa ordens com 2 instruções Não conhece normas sociais
5A e não representa o tronco) (5A) (ex.: certo ou errado roubar)
Substituições fonéticas, erros Não é sensível às necessidades
articulatórios (5/6A) e sentimentos dos outros (5A)
Não identifica algumas letras (5/6A) Hiperactivo, desatento,
Dificuldade com conceitos de distraído
magnitude (muito/pouco, alto/baixo),
posição relativa (meio) (5/6A)
Não conta até 10 (5/6A)

6-10 anos Desajeitamento motor que Letra ilegível, escrita lenta com esforço Não descreve acontecimentos com Desatento, pouco persistente,
interfere com a socialização ou Dificuldades na execução de sequências lógica, não responde a perguntas com disperso, não finaliza tarefas
condiciona rejeição da actividade motoras, nomeadamente condicionando alguma complexidade Comportamento difícil,
física limitações na autonomia (vestir/despir) Vocabulário pobre, erros sintácticos opositivo, desafiante, não
Não desenvolve capacidade de controlável
abstracção Não adquire capacidade de
Dificuldade no cálculo, fixar tabuada analisar as consequências de
Não aprende letras (1º ano) acções
Não sabe ler (final do 1º ano) Isola-se, sem amigos
Erros de leitura e/ou ortográficos preferenciais
persistentes
Não compreende o que lê
Leitura não automatizada (3º/4º ano)

Adolescência Dificuldade no reconto sequencial Não cumpre regras, não há


Não consegue expor pensamentos remorso
Não mantém uma conversação Comportamentos de risco
Dificuldades no raciocínio indutivo/
dedutivo e no pensamento abstracto
Desenvolvimento e Neurologia

Avaliação do neurodesenvolvimento e sinais de alarme

284
Desenvolvimento e Neurologia

71. Sinais de alarme nas perturbações da linguagem


Sílvia Jorge, Isabel Batalha

Introdução
As alterações da fala e da linguagem são as perturbações do DPM mais frequentes em idade
pré-escolar. Fala é a produção de sons articulados com significado num contexto linguístico. Lin-
guagem é um conjunto de símbolos organizados segundo regras, que formam um código usado
para compreender e comunicar ideias, conceitos e emoções. A linguagem verbal (oral ou escrita),
focada neste capítulo, é a forma preferencial de comunicação na criança e o principal e mais visível
indicador do seu desenvolvimento cognitivo.
Para compreender o desenvolvimento da linguagem, importa clarificar alguns conceitos. A análise
da linguagem pode fazer-se sucessivamente ao nível da palavra, da frase e do discurso, e nas
dimensões de compreensão (linguagem receptiva) e produção (linguagem expressiva). Podemos
distinguir 5 componentes linguísticos. Fonologia refere-se à capacidade de processar e discrimi-
nar os sons da língua (fonemas), o que permite aos falantes distinguir significados – por exemplo,
que a substituição do fonema inicial /p/ por /b/ altera o significado nas palavras pala [‘palɐ] e
bala [‘balɐ]. A consciência fonológica é a habilidade metalinguística de tomada de consciência
das características formais da fonologia. Esta habilidade compreende dois níveis: a consciência de
que a língua falada pode ser segmentada em unidades distintas (frase, palavra, sílaba, fonema)
e a consciência de que essas mesmas unidades se repetem em diferentes contextos. A fonética
remete-nos para os pontos de articulação dos sons da fala. Morfologia engloba a classificação,
a formação e estrutura das palavras, enquanto sintaxe se refere à forma como as palavras se
combinam para formar frases. O significado das palavras isoladas e das combinações de palavras
na frase corresponde à semântica; implica o acesso ao léxico – repositório cerebral de conceitos
ou significado das palavras. A pragmática inclui todos os aspectos da utilização da linguagem
em contexto social, nomeadamente comunicação não-verbal (contacto ocular, expressão facial,
movimento corporal), prosódia (ênfase, ritmo e entoação das palavras e frases), e expressão verbal
(tópico da conversação, coerência e coesão do discurso).

Sinais de alarme nas perturbações da linguagem


A capacidade para aprender a linguagem é inata, assente na integridade sensorial (auditiva e
visual) e das estruturas neurológicas envolvidas no seu processamento e produção. A capacidade
para falar assenta, ainda, na integridade do aparelho fonatório. Um recém-nascido pode adquirir
qualquer língua, mas desde o primeiro ano de vida desenvolve especificidades fonológicas e mor-
fossintácticas da língua à qual é exposto e os princípios de utilização da comunicação em contexto
social. O desenvolvimento da linguagem é exponencial nesta fase e ao longo do período pré-es-
colar e depende de forma crítica da estimulação ambiental e da vontade de comunicar – não há
desenvolvimento da linguagem sem partilha social.

285
Desenvolvimento e Neurologia

Avaliação
A aquisição da linguagem ocorre a par com as outras áreas do DPM e deve ser valorizada e enqua-
drada na avaliação do DPM global, obedecendo aos mesmos princípios (ver Capítulo 70. Avaliação
do neurodesenvolvimento e sinais de alarme). Em particular, devem ser enfatizados os seguintes
aspectos:
•p  reocupação parental e/ou dos educadores;
•h  istória familiar de perturbação da linguagem, surdez, dificuldades de aprendizagem;
• no exame físico, avaliação do aparelho oromotor (sialorreia, dificuldades na deglutição ou
mastigação);
• a valiação auditiva adaptada à idade, colaboração e nível cognitivo, obrigatória.
Como para todo o DPM normal, as sequências são constantes mas o ritmo variável para os com-
ponentes da linguagem descritos. Há uma evolução desfasada entre a compreensão e a expressão,
em que as crianças compreendem mais do que aquilo que conseguem exprimir. Assim, além da
comparação com o grupo etário é importante valorizar a evolução da própria criança ao longo do
tempo.
Não existe evidência de que a utilização de testes de rastreio das competências de linguagem seja
superior à avaliação clínica, integrando os elementos acima com a avaliação informal da lingua-
gem. Esta passa pela observação atenta do discurso espontâneo, descrição de imagens e resposta
a perguntas abertas do tipo porquê, o quê, como. Esta abordagem permite a identificação dos
principais sinais de alarme para a presença de uma perturbação da linguagem (Tabela 87) e abran-
ge a totalidade dos componentes da linguagem descritos.
O desenvolvimento atípico da linguagem ou fala pode ser um sintoma comum a diversas patolo-
gias (compromisso cognitivo ou global do DPM, hipoacúsia, autismo, paralisia cerebral ou outra
lesão cerebral estrutural, alteração da estrutura orofacial, privação psicossocial significativa) ou
uma alteração primária.
Clinicamente, podem ser identificadas perturbações da fala, da fluência (gaguez), da voz, e pertur-
bações da linguagem. Estas subdividem-se em:
• atraso do desenvolvimento da linguagem - persistência de padrão linguístico característico de
idades anteriores em todos os componentes; habitualmente com factor causal, de cuja melhoria
depende a evolução; Sinais de alarme nas perturbações da linguagem
• perturbação específica no desenvolvimento da linguagem - sem causa identificada, sem compro-
misso cognitivo não-verbal. Pode afectar apenas a expressão, a compreensão e expressão, ou de
forma desfasada os componentes linguísticos.
A criança bilingue pode apresentar competências linguísticas um pouco mais tardias mas dentro
da norma - um atraso significativo deve ser abordado da mesma forma que na criança monolin-
gue. Uma hipocúsia ligeira e intermitente associada a otite serosa não é habitualmente suficiente
para ter impacto no desenvolvimento da linguagem, e não deve atrasar a referenciação. Algumas
crianças têm um padrão de emergência tardia da linguagem, frequentemente familiar, com DPM
286
e comunicação não verbal mantidas. Pode ocorrer recuperação sem intervenção directa, facilitada
pela integração escolar, mas há risco de evolução para atraso do desenvolvimento da linguagem,
pelo que a vigilância deve ser estreita.
Desenvolvimento e Neurologia

Tabela 87: Sinais de alerta para a presença de perturbação da linguagem


Idade Sinal
Não reage ao som
Sem interesse na interacção com as pessoas
Qualquer idade
Regressão de competências já adquiridas
Sem intenção comunicativa

Vocalização monótona ou perda de vocalização já adquirida


6 a 10 meses Não compreende frases familiares em contextoa
Não palra sequências de consoante ou vogal (8-10M)

Não aponta
12 meses
Não compreende pistas verbais para acções familiares (“diz adeus”, “palminhas”)

Não responde ao nome


Não cumpre ordens verbais simples (uma instrução), sem gesto acompanhante
15 a 18 meses
Ausência de jargãob
Não diz palavras com intenção comunicativa

Não identifica figuras ou partes do corpo nomeadas


24 a 30 meses Linguagem incompreensível para os pais
Não faz frases de 2 palavras

Não cumpre ordem com 2 instruções


Mais de 75% do discurso incompreensível para estranhos
3 anos
Ecolália persistente (imediata ou tardia)
Prosódia plana, discurso rígido, fixa de forma mecânica palavras ou frases

Discurso não é totalmente compreensível


Não faz perguntas, não conta histórias ou experiências ou fá-lo de forma desorganizada
Não faz frases completas, gramaticalmente correctas (5A)
Apresenta estrutura sintáctica da frase alterada
Não participa e mantém o tópico numa conversação
4 a 5 anos
Gaguez persistente (repete sons iniciais ou intermédios, prolonga sons, sinais de esforço)
Dificuldades na consciência fonológica (não faz rima, não fixa canções)
Dificuldades na nomeação rápidac (cores, objectos, figuras)
Dificuldades em definir conceitos simples (exemplo: “para que serve o livro?”)
Erros articulatórios persistentesd

Sinais de alarme nas perturbações da linguagem


Dificuldades na consciência fonológica (sons iniciais de palavras, manipulação silábica)
6 a 7 anos
Dificuldades na nomeação rápida (letras, números)
a
Exemplo: “Vamos papar?”; a compreensão é da frase em contexto, não das palavras individualmente. b Jargão: produção vocal imperceptível,
que inclui sequências de combinações consoante ou vogal com inflexões que simulam o discurso. c A nomeação rápida reflecte a capacidade de
evocar. d Excepto: ɾ (para); ʎ (lh); grupos consonânticos (prato, bruxa); R (rato), adquiridos até aos 6-7 anos.

287
Desenvolvimento e Neurologia

Orientação
Pelos 4 anos de idade a criança deve ter adquiridas as bases da sua língua. A qualidade e variedade
da linguagem à qual está exposta precocemente afecta as competências que alcança. As compe-
tências de linguagem são um pré-requisito fundamental para a aprendizagem, nomeadamente da
leitura e escrita. Como tal, as alterações da linguagem têm potencial de repercussão até à idade
adulta, pelas dificuldades na comunicação e aprendizagem, dificuldades na inserção social e profis-
sional e alterações do comportamento e emocionais que podem condicionar. Em todas as crianças,
desde lactente, deve ser abordada junto da família a promoção da linguagem e literacia precoce.
A suspeita de alteração da linguagem implica referenciação precoce a equipa multidisciplinar, de
acordo com as alterações identificadas (MFR, Desenvolvimento, Terapia da fala, Psicologia, Neuro-
logia Pediátrica), para avaliação e início de intervenção.
Os objectivos da intervenção precoce são:
• maximizar a aprendizagem da linguagem na infância, que é um período crítico para a aquisição
desta competência;
•d  iminuir as repercussões comportamentais do compromisso da comunicação;
• e ducação parental sobre estratégias e intervenções terapêuticas eficazes;
• minorar o compromisso do percurso educativo e da concretização das competências globais da
criança.

Sinais de alarme nas perturbações da linguagem

288
Desenvolvimento e Neurologia

72. Perturbações comportamentais do sono


Carolina Vasconcelos Guimarães, Helena Cristina Loureiro

Introdução
As perturbações comportamentais do sono são frequentes em idade pediátrica, com uma preva-
lência estimada de 10 a 30%. Frequentemente são subestimadas pois são pouco abordadas nas
consultas de rotina. São maioritariamente transitórias mas perturbam o desenvolvimento adequa-
do e o bem-estar das crianças e família.

Abordagem diagnóstica
A avaliação dos hábitos do sono deve fazer parte da rotina em qualquer consulta, mais pormeno-
rizada quando referido um problema do sono pelos pais ou criança.

Anamnese
Antecedentes familiares (perturbações do sono, constituição do agregado familiar, tipo de família,
horário laboral dos pais, ordem da fratria) e pessoais (doenças anteriores, medicação habitual).
História do sono: horário do sono (hora de adormecer e acordar, sestas, duração total diária), mo-
vimentos e comportamentos durante o sono, descrição do local e ambiente onde dorme, hábitos
de sono da família. Se detectado problema do sono averiguar: duração, frequência e evolução,
estratégias já utilizadas.
Avaliação: diário do sono, registo de vídeo, utilização de questionários específicos, como seja Chil-
dren Sleep Habits Questionnaire (CSHQ)1.
Na avaliação dos hábitos e perturbações do sono deve ser tida em conta a idade e fase do desen-
volvimento da criança, de acordo com a Tabela 88.

Para além das perturbações comportamentais que irão ser descritas neste capítulo, é necessário
ter em conta as perturbações orgânicas mais comuns na infância e que podem condicionar uma
perturbação do sono (como seja SAOS, RGE, síndrome das pernas inquietas, bruxismo).

Classificação Perturbações comportamentais do sono


As perturbações primárias do sono dividem-se em dissónias e parassónias.

Dissónias
São anomalias da quantidade, qualidade ou horário do sono.
Insónia: sono deficiente em quantidade ou qualidade, com dificuldade em iniciar ou manter o
período de sono. Nas crianças pequenas o mais frequente é a insónia comportamental da infância
que pode ser de 3 tipos: início do sono (mais frequente em idade pré-escolar), misto e dificuldade
na imposição de limites (mais frequente em idade escolar).
Hipersónia: rara na criança, sonolência diurna excessiva apesar de uma duração de sono aparen- 289
temente não diminuída.

1 Versão portuguesa - CSHQ-PT - validado para crianças dos 4 aos 10 anos, disponível para download em http://sonoescolas.com/materiais-cientificos/
Desenvolvimento e Neurologia

Alterações do ritmo circadiano do sono: alteração do padrão de vigília e sono em desarmonia


com a alternância dia e noite. A alteração mais frequente é o síndrome de atraso de fase que se
caracteriza por uma duração de sono normal mas desfasada da actividade social, o que resulta
numa hora tardia de adormecer e consequente tempo de sono diminuído de forma a cumprir os
compromissos sociais.

Parassónias
São eventos comportamentais ou fisiológicos anormais que ocorrem durante o sono. Podem ser
fonte de grande preocupação para a família pela sua exuberância, mas são habitualmente benig-
nas, tendendo a desaparecer com a idade.
Terrores nocturnos: episódios de manifestações comportamentais e autonómicas de medo intenso,
associadas a gritar, agitação e ansiedade, que ocorrem no sono não-REM, na primeira metade da
noite, com amnésia para o episódio, sendo mais frequentes entre os 4 e os 12 anos, e costumam
desaparecer até à adolescência.
Sonambulismo: ocorre no sono não-REM, caracteriza-se por um acordar sereno, com deambula-
ção pela casa de olhos abertos, mais frequente no sexo masculino e é frequente história familiar.
Pesadelos: ocorrem no sono REM, mais frequentes na segunda metade da noite, em crianças dos
5 aos 10 anos, consistem em sonhos assustadores que terminam com um despertar assustado ou
angustiado, sem amnésia ou seja podem ser reportados.

Tabela 88: Avaliação das perturbações do sono por faixa etária


Horas de sono /dia Questões específicas Principais problemas
Primeiro ano de vida
0 a 2 meses: 10-19 h Posição de dormir; local onde dorme. Despertares nocturnos frequentes, choro,
2 a 12 meses: 10-12 h/ Como lidam com os despertares nocturnos? irritabilidade
noite + 3-4 h/sesta Como dormem os pais? Suspeita de doença orgânica (RGE, atopia)

1 a 5 anos
1 a 3 anos: 10 h/noite + Rotina da hora de deitar; o que acontece Não adormece sozinho, despertares
2-3 h/sesta quando os pais saem? frequentes (insónia comportamental da
3 a 5 anos: 10-12 h Existe algum objecto de transição? infância), parassónias
Perturbações do desenvolvimento podem
interferir (autismo, atraso DPM) Perturbações comportamentais do sono
Idade escolar
9-10 h Aparelhos electrónicos no quarto? Medos, enurese, parassónias, SAOS, insónia
Recusa em adormecer, medo do escuro, comportamental da infância
medo de estranhos? Perturbações neuropsicológicas podem
interferir (PDAH, perturbações de
aprendizagem, ansiedade)
Adolescência
9-9,5 h Actividades durante o dia? (desporto, outras Privação de sono, fadiga crónica, distúrbios
- horários?) do ritmo circadiano - síndrome de atraso de
Aparelhos electrónicos no quarto? fase 290
Queixas de cansaço? Consumo de cafeína e Perturbações psicológicas podem interferir
outros estimulantes? (ansiedade, depressão, abuso de drogas)
Desenvolvimento e Neurologia

Orientação e terapêutica
A maioria das perturbações comportamentais do sono é de carácter benigno e transitório. A abor-
dagem passa pela educação parental com a explicação do processo normal do sono, quais as
expectativas em cada fase e o benefício em termos comportamentais e orgânicos a curto e longo
prazo de uma boa higiene de sono.

Higiene do sono
Horário regular, deitar a criança à mesma hora todos os dias (manter regularidade ao fim de sema-
na, diferença máxima de 30 minutos).
Ambiente calmo, tranquilo, escuro, temperatura adequada.
Rotina de deitar: ritual que precede o ir para a cama, deve ser idêntico ­– lavar os dentes, contar
história.
Exposição matinal à luz solar.
Uso de objecto transicional (fralda, chucha, boneco).
Evitar adormecer em local que não a própria cama.
Deitar a criança ainda acordada.
Não permitir o uso de aparelhos electrónicos no quarto (televisão, computador, telemóvel).
Evitar actividade estimulante antes de adormecer (exercício físico, filmes ou jogos).
Nos adolescentes: tentar respeitar hora de acordar regular mesmo ao fim de semana (diferença
aceitável de 30 a 60 minutos), evitar cafeína no final do dia, evitar tabaco e álcool, adequar horário
das actividades desportivas para terminar cerca de 3 horas antes da hora de deitar.

Farmacoterapia
A intervenção farmacológica não é opção de primeira linha, mas pode ser necessário em crianças
com determinadas patologias ou em determinadas fases de um tratamento comportamental. Nun-
ca deve ser realizada isoladamente mas como coadjuvante duma intervenção em curso.

Quando referenciar ao especialista?


Após análise cuidada do diário de sono, equacionar a referenciação para o especialista na consulta
de patologia do sono nas seguintes situações:
• na realização de questionários, idealmente validados para a população portuguesa, quando a
cotação obtida o sugira (no CSHQ-PT cotação superior a 44); Perturbações comportamentais do sono

• parassónias exuberantes que não melhorem com correcção de hábitos de higiene de sono, prin-
cipalmente na presença de história familiar;
• insónia comportamental da infância;
• repercussão diurna com sonolência diurna excessiva e/ou comportamento agitado;
• síndrome de atraso de fase nos adolescentes;
• perturbação familiar excessiva.
A referenciação deve ser ponderada sempre que não exista melhoria após implementação das
regras de higiene de sono. 291
Desenvolvimento e Neurologia

73. Plagiocefalias e craniossinostoses


Raquel Firme, José Carlos Ferreira

Introdução
A craniossinostose define-se pela fusão prematura de uma ou mais suturas cranianas com con-
sequente deformação craniana. Resulta de um defeito primário da ossificação (craniossinostose
primária) ou de uma falha no crescimento do cérebro (craniossinostose secundária a doenças
sistémicas – por exemplo hipertiroidismo ou raquitismo hipofosfatémico).
Falamos em craniossinostose simples quando envolve apenas uma sutura (a maioria; geralmente
esporádica) e complexa quando envolve múltiplas suturas (13%).
Tem uma incidência de 0,04 a 0,1% (2 a 8% das quais primárias), sendo a craniossinostose sagital
a mais frequente.
São factores de risco potenciais: a idade materna avançada, a exposição ao fumo de tabaco ma-
terno, a residência materna em alta altitude, os tratamentos de fertilidade, a raça branca e o sexo
masculino.
O termo plagiocefalia significa “cabeça oblíqua” e inclui a plagiocefalia sinostótica (anterior e
posterior) e a plagiocefalia sem sinostose, designada comummente por plagiocefalia posicional.
Esta constitui a deformação craniana mais frequente com registo de aumento progressivo (48%
de todos os lactentes) após a campanha da síndrome de morte súbita do lactente, que pre­­ssupõe
o decúbito dorsal durante o sono. Os factores de risco associados a esta entidade incluem a ges-
tação múltipla, a prematuridade, o oligohidrâmnios, a posição pélvica ou transversa, a limitação
da rotação cefálica, a posição supina para dormir e a diminuição dos níveis de actividade motora.

Figura 37: Classificação das craniossinostoses e plagiocefalia (em destaque encontram-se


as suturas fundidas)

metópica

coronal

sagital
Plagiocefalias e craniossinostoses

lambdóide
Escafocefalia Trigonocefalia Braquicefalia

O crescimento A maioria; não patológico


craniano ocorre
prependicularmente
a cada sutura
% de suturas 292
envolvidas
Sagital 50-58%

Coronal 20-29%

Lambdóide 4-10%

Metópica < 2% Plagiocefalia anterior Plagiocefalia posterior Plagiocefalia posicional


Desenvolvimento e Neurologia

Clinicamente observa-se deformação craniana (Figura 37) com cavalgamento persistente de linhas
de sutura (podem não ser palpáveis) que podem ser evidentes ao nascimento ou tornarem-se evi-
dentes no lactente nas primeiras semanas ou meses de vida.
Escafocefalia (dolicocefalia): alongamento do eixo antero-posterior do crânio por encerramento
precoce da sutura sagital; pode ser variante do normal ou posicional (factores de risco: apresentação
pélvica, prematuridade).
Trigonocefalia: encerramento prematuro da sutura metópica; região frontal triangular com uma
crista frontal proeminente e depressão da região orbitária supero-externa.
Braquicefalia: sinostose prematura coronal bilateral; pode ser posicional.
Plagiocefalia com sinostose: encerramento prematuro unilateral da sutura coronal (anterior)
ou lambdoide (posterior). Se anterior resulta em achatamento frontal e elevação da sobrancelha
ipsilateral com bosseamento frontal contralateral compensatório e deslocamento anterosuperior
da orelha do lado afectado; se posterior ocorre achatamento ipsilateral e bosseamento frontal
contralateral ligeiro e a região auricular pode assumir as mais diversas posições (mais frequentemente
posterior relativamente ao lado afectado ou ao achatamento occipital).
Plagiocefalia posicional: não pressupõe sinostose de nenhuma sutura mas sim condicionantes
posicionais, assemelha-se a um paralelograma e é caracterizada pela posição anterior da orelha
(sinal mais fiável) e pela bossa frontal no lado do achatamento occipital (diferente da plagiocefalia
posterior); associa-se frequentemente a torticollis congénito. Usualmente é de aparecimento
progressivo.
A craniossionostose, usualmente múltipla, pode estar associada a síndromes craniofaciais esporá-
dicas (síndromes de Crouzon, Apert, Chotzen, Pfeiffer, Muenchen ou Carpenter). Nestas situações
as anomalias craniofaciais específicas ou outras (ver pescoço, coluna, dedos e pés), sugerem o
diagnóstico.

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Antecedentes familiares: idade materna, tabagismo materno, tratamentos de fertilidade; multípara,
malformações uterinas, síndromes e malformações; antecedentes pessoais - gemelaridade, prema-
turidade, oligohidrâmnios, posição intrauterina, torticollis congénito, posição de deitar, evolução
do perímetro cefálico, atraso do DPM, enfarte perinatal, défices neurológicos, hidrocefalia. Clínica:
Plagiocefalias e craniossinostoses

as craniossinostoses raramente se acompanham por sintomatologia se a fusão é apenas de uma


sutura. No entanto, o aumento da pressão intracraniana pode ocorrer na fusão de várias suturas ou
nas craniossinostoses sindromáticas.

Exame objectivo
A observação do crânio deverá incluir a visão craniana de topo (Figura 37), a palpação craniana,
de suturas e fontanelas (considerar nos casos de encerramento precoce), a medição de perímetro
cefálico, a avaliação de dismorfias ou de outras anomalias nomeadamente musculo-esqueléticas 293
(coluna, dedos das mãos e pés) ou cardíacas em contexto sindromático e a avaliação do DPM. O
olho de arlequim (elevação do canto supero-externo da órbita) pode estar presente na plagiocefalia
anterior ou na braquicefalia. A microcefalia usualmente sugere uma craniossionostose secundária.
Desenvolvimento e Neurologia

Exames complementares de diagnóstico


Indicados se suspeita de craniossinostose (98% de especificidade ao exame físico).
Radiografia do crânio antero-posterior, perfil e incidência de Water - identificação da ausência de
suturas e cavalgamento da linha de sutura associada.
TC crânio-encefálica (eventualmente com reconstrução 3D) - raramente necessária para diagnósti-
co; ponderar se dúvidas em exame anterior, para planeamento cirúrgico ou suspeita de anomalias
intracranianas (hidrocefalia, agenésia do corpo caloso).
Avaliação analítica eventual se as características identificadas sugerem um diagnóstico como por
exemplo função tiroideia.
O diagnóstico de plagiocefalia posicional é clínico (se dúvidas ou ausência de melhoria com medi-
das físicas ponderar exames complementares).

Orientação e terapêutica
Craniossinostose
Monitorizar DPM e perímetro cefálico (se microcefalia: investigar causa de microcefalia e orientar
em concordância; se macrocefalia: excluir hidrocefalia).
Monitorizar sinais de aumento da pressão intracraniana - realizar fundoscopia e alertar pais para
sinais de alarme.
Referenciação precoce:
• Neurologia Pediátrica - para avaliação da craniossinostose e diferenciar de primária ou secundária;
• Neurocirurgia - se craniossinostose de 1 ou 2 suturas (média de idade para cirurgia 3 a 12
meses, dependendo do tipo), sinais de aumento da pressão intracraniana ou craniossinostose
sindromática;
•G  enética - se suspeita de craniossinostose sindromática ou complexa;
• Neuroftalmologia - se sinais de aumento da pressão intracraniana ou assimetrias da órbita (risco
de estrabismo);
•C  irurgia Plástica - se deformação facial concomitante;
•o  utras subespecialidades - se doença sistémica subjacente.

Plagiocefalia posicional (usualmente sem indicação cirúrgica)


Posicionamento do RN de forma a parte achatada da cabeça não esteja em contacto com o col-
chão; alternar decúbitos e direccionar o RN para que o objecto de interesse promova a rotação
Plagiocefalias e craniossinostoses

para ambos os lados, sobretudo para o lado contralateral à plagiocefalia. Evitar posições supinas
(exemplo: cadeirinha do carro).
Fisioterapia: sobretudo se torticollis concomitante; início ideal antes dos 3 meses de idade.
Tummy time ou prone position: promoção do decúbito ventral durante a fase de vigília, mínimo 30
a 60 minutos por dia, com o objectivo de fortalecimento muscular, melhor aquisição de etapas do
DPM e promoção do crescimento harmonioso cefálico.
Almofadas posicionais: poucos estudos, sem segura eficácia; suporte cefálico que previne e corrige 294
a plagiocefalia ligeira.
Se mantiver plagiocefalia importante referenciar à Neurocirurgia idealmente entre os 4 e os 6 me-
ses de idade, para se ponderar: ortótese craniana - capacete (estudos controversos; utiliza-se após
medidas anteriores ineficazes; usado idealmente entre ao 4 e os 12 meses); cirurgia (casos graves
e refractários às medidas anteriores).
Desenvolvimento e Neurologia

Complicações ou co-morbilidades
Craniossinostose
Deformação craniana inestética que conduz a baixa auto-estima e isolamento social.
Aumento da pressão intracraniana (rara e apenas nas complexas) e hidrocefalia com inibição do
crescimento craniano.
Atraso do DPM (associado sobretudo a craniossinostoses secundárias ou sindromáticas).
Após cirurgia: na craniossinostose primária as co-morbilidades usualmente estão ausentes; na cra-
niossinostose secundária depende da doença de base.

Plagiocefalia posicional
Após um pico de deformação aos 4 meses, a maioria melhora significativamente com o tempo;
podem prevalecer assimetrias ligeiras, sem registo de afecção da qualidade de vida.

Plagiocefalias e craniossinostoses

295
Desenvolvimento e Neurologia

74. Encerramento da fontanela anterior


Ana Teresa Maria, José Carlos Ferreira

Introdução
As fontanelas são os espaços membranosos resultantes da justaposição de mais de dois ossos do
crânio. Ao nascimento o recém-nascido possui seis fontanelas: fontanela anterior (losângica, entre
as duas metades do osso frontal e os dois ossos parietais), fontanela posterior (triangular, entre o
osso occipital e os dois ossos parietais), duas fontanelas mastóides e duas fontanelas esfenóides.
A fontanela anterior é a maior e mais relevante para a avaliação clínica. As dimensões são variáveis
(em média 2 por 2 cm), podendo haver um aumento transitório das suas dimensões nos primeiros
meses de vida.
O tamanho das fontanelas é influenciado pelo crescimento cerebral, inserções da dura-máter,
desenvolvimento das suturas e pelo processo de osteogénese.
As variações no ritmo de encerramento da fontanela anterior e idade do seu encerramento são
enormes, sendo a idade média de encerramento aos 13,8 meses; aos 3 meses encontra-se encer-
rada em cerca de 1% das crianças, aos 12 meses em 38% e aos 24 meses em 96%.
Na realidade, a idade de encerramento da fontanela tem um limitado significado clínico desde que
a forma e a dimensão do crânio sejam adequadas.
A fontanela anterior tende a encerrar mais cedo nos rapazes e mais tarde nos prematuros.
A moldagem do crânio do RN decorrente do parto pode influenciar o tamanho da fontanela pal-
pável, contudo, em geral estas alterações revertem nos primeiros 3-5 dias.

Etiologia
Encerramento precoce
Variação do normal; craniossinostose (idiopática, secundária a hipertiroidismo, hipofosfatásia, ra-
quitismo ou síndromes dismórficas); microcefalia (alterações cromossómicas, infecções congénitas,
síndrome alcoólica fetal, encefalopatia hipóxico-isquémica).

Encerramento tardio
Variação do normal; acondroplasia; hipotiroidismo congénito; síndrome de Down; macrocefalia fa-
miliar; hidrocefalia; aumento da pressão intracraniana; raquitismo; menos frequentes: restrição de
Encerramento da fontanela anterior

crescimento fetal, outras anomalias cromossómicas, osteogénese imperfeita, infecção congénita


(sífilis, rubéola), síndromes dismórficas (VATER, Apert, Beckwith-Wiedemann).

Abordagem diagnóstica
Anamnese
Antecedentes familiares: consanguinidade, macro ou microcefalia familiar, doenças neurológicas
ou neurocutâneas, patologia materna (diabetes, epilepsia, fenilcetonúria); antecedentes pessoais: 296
consumos maternos durante a gravidez, infecções perinatais (TORCH), restrição de crescimento
fetal, prematuridade, parto, somatometria ao nascimento, período neonatal, evolução do períme-
tro cefálico, evolução do DPM, doença sistémica. Verificar rastreio metabólico neonatal. Clínica: na
maioria dos casos inespecífica; atraso do DPM, convulsões, sinais neurológicos focais.
Desenvolvimento e Neurologia

Exame objectivo
Avaliar estado geral de nutrição, características fenotípicas dismórficas, exame ocular (proptose,
estrabismo), perímetro cefálico, forma do crânio (observação de topo) e palpação das suturas.
Exame da fontanela anterior: com a criança calma, em posição ortostática, incluir auscultação (na
presença de sopro craniano considerar malformação arterio-venosa). A fontanela normal apre-
senta pulsação ténue (ausente na hidrocefalia). Avaliar o DPM para a idade, exame neurológico e
fundoscopia.
É essencial controlar evolutivamente a progressão do perímetro cefálico para exclusão de causas
patológicas.
A abordagem depende da presença de achados clínicos concomitantes, desenvolvimento psico-
-motor e evolução do perímetro craniano.
Numa criança com suspeita de encerramento precoce da fontanela anterior, procurar alterações
da conformação craniana e encerramento prematuro das suturas (sugestivo de craniossinostose),
decréscimo de percentil do perímetro cefálico (sugestivo de microcefalia).
Numa criança sem dismorfias, com DPM adequado, exame neurológico e fundoscopia normais e
progressão do perímetro cefálico regular, o achado de uma fontanela pequena ou não palpável
pode ter pouco significado clínico dada a variabilidade na idade de encerramento e dimensões.
Nestas circunstâncias, em que não existe repercussão clínica, não está indicada avaliação com-
plementar, nomeadamente imagiológica, sendo contudo essencial manter uma vigilância clínica
regular.
Nos casos de encerramento tardio da fontanela anterior, muitas das causas estão associadas a
características dismórficas que direccionam a suspeita diagnóstica. A monitorização da progressão
do perímetro cefálico é fundamental para a exclusão de situações de macrocefalia e aumento da
pressão intracraniana.

Exames complementares de diagnóstico


O eventual pedido deve ser criterioso, orientado pela suspeita diagnóstica e sobretudo em função
das alterações na forma e dimensão do crânio associadas.
Ponderar avaliação laboratorial: hemograma, ureia, creatinina, ionograma, cálcio, fósforo, glicose,
proteínas totais, albumina, fosfatase alcalina, ALT, AST, TSH e fT4 (se suspeita de hipertiroidismo),
cariótipo, teste genético dirigido (em consulta de especialidade). Encerramento da fontanela anterior

Radiografia do crânio (se suspeita de craniossinostose): avaliação das suturas (encerramento ou


diástase) e ossos do crânio.
Ecografia cerebral transfontanelar (se fontanela permeável): avaliação de dilatação ventricular,
massas encefálicas.
TC ou RM craniana, de acordo com suspeita clínica.

Orientação e terapêutica
A terapêutica é dirigida à causa subjacente. Ponderar eventual referenciação a Neurocirurgia, se 297
dúvida ou suspeita de patologia (por exemplo craniossinostose; ver Capítulo 73. Plagiocefalias e
craniossinostoses).
Se ausência de repercussão clínica, com boa progressão do perímetro cefálico e DPM, tranquilizar
os pais e manter vigilância regular.
Desenvolvimento e Neurologia

Prognóstico
O prognóstico está dependente da causa subjacente.

Encerramento da fontanela anterior

298
Desenvolvimento e Neurologia

75. Macrocefalia e microcefalia


Raquel Firme, José Carlos Ferreira

Introdução
Macrocefalia: perímetro cefálico (PC) igual ou superior ao P97 ou 2DP acima da média para a
idade, género e idade gestacional (considerar as curvas de percentil do BSIJ em vigor, z-score da
OMS1 ou curvas de Nellhaus2).
Crescimento repentino do PC: cruzamento de mais de 2 curvas de percentil está associado a maior
risco (sinal de alarme - crescimento de mais de 2 cm por mês, dos 0 aos 6 meses).

Microcefalia: PC igual ou inferior ao P3 ou 2DP abaixo da média para a idade, género e idade
gestacional (considerar as curvas de percentil do BSIJ em vigor ou z-score da OMS1).
Classifica-se como ligeira se PC entre 2DP e 3DP e grave se PC menor ou igual que 3DP abaixo da
média para a idade, sexo e idade gestacional (considerar as curvas de z-score da OMS).
A macrocefalia pode ser benigna mas também indicadora de patologia congénita, genética ou
adquirida (Tabela 89).

Tabela 89: Etiologia da macrocefalia (principais causas)


Osteopetrose
Raquitismo
Crânio Osteogenesis imperfecta
Hematopoiese extra-medular na anemia crónica
Craniossinostose
Megalencefalia anatómica
Macrocefalia familiar benigna (+ comum)
Gigantismo (síndrome de Sotos)
Síndrome de Beckwith-Wiedemann
Acondroplasia
Síndromes neurocutâneas (neurofibromatose, esclerose tuberosa)
Perturbação do espectro do autismo
Síndrome do X frágil
Megalencefalia metabólica (depósito de substâncias)
Leucodistrofias
Parênquima
Gangliosidoses
Mucopolissacaridoses
Acidúria glutárica tipo I
Galactosémia
Macrocefalia e microcefalia

Edema cerebral
Vitamina A (deficiência ou excesso)
Chumbo
Tetraciclinas
Pseudotumor cerebri
Lesões ocupando espaço (quistos, neoplasias, abcessos)
Colecção extra-cerebral benigna (hidrocefalia externa)
Líquido cefalo-raquidiano
Hidrocefalia (comunicante e não comunicante) 299
Malformações vasculares
Espaço vascular e sub-dural Hemorragia subdural intraventricular, subaracnoideia
(obrigatório despiste de maus tratos)
Adaptado de Ferreira JC, 2003 e Boom JA, 2014

1 Disponível em http://www.who.int/childgrowth/standards/hc_for_age/en/
2 Nelhaus G. Head circunference from birth to eighteen years. Pediatrics 1968; 41(1):106
Desenvolvimento e Neurologia

A microcefalia implica sempre microencefalia, mas o contrário nem sempre é verdade. Pode decor-
rer de uma variedade de doenças genéticas e insultos externos (Tabela 90).

Tabela 90: Etiologia da microcefalia (principais causas)


Microcefalia vera ou microcefalia isolada
Forma autossómica recessiva
Forma autossómica dominante
Associada ao X
Alterações cromossómicas (1.) ou síndromes dismórficas (2.)
1. Síndromes de Down, de Edwards, de Patau e outras
2. Síndromes de Seckel, de Cornelia de Lange, de Smith-Lemli-Opitz, de Rett, de Angelman, de Williams, velo-cardio-facial,
cri-du-chat e outras
Malformações cerebrais
Holoprosencefalia, atelencefalia, lisencefalia, esquizencefalia, polimicrogiria, macrogiria
Defeitos da migração neuronal
Anencefalia, hidranencefalia, encefalocelo
Lesão intra-uterina
Radiação
Infecções do grupo TORCH – toxoplasmose, CMV, rubéola, herpes simplex, sifílis, VIH
Tóxicos – fenilananina, álcool, cocaína, anti-epilépticos, citostáticos, vitamina A, mercúrio
Vascular (insuficiência placentária)
Diabetes gestacional mal controlada, hipotiroidismo materno, deficiência materna de ácido fólico, má-nutrição materna
Lesão peri-natal
Encefalopatia hipóxico-isquémica grave
Infecções – meningite, encefalite
Outras
Doença crónica – rins poliquísticos, atrésia biliar, insuficiência renal, cardiopatia congénita
Má-nutrição
Asfixia por imersão
Desidratação hipo ou hipernatrémica
Hipoglicémia
Anemia
Acção de tóxicos
Traumatismo crânio-encefálico
AVC isquémico/hemorrágico
Doenças metabólicas: aminoacidúrias, acidúrias orgânicas, doenças do ciclo da ureia, doenças de armazenamento
Adaptado de Herrero MM et al, 2008
Macrocefalia e microcefalia

Abordagem diagnóstica de macrocefalia (Figura 38)


Anamnese
Antecedentes familiares: existência de macrocefalia em pais ou irmãos sem outra doença neu-
rológica associada (para identificação de possível macrocefalia familiar benigna), doenças neu-
rológicas, neoplasias, síndromes neurocutâneas ou consanguinidade (3 gerações); antecedentes 300
pessoais: prematuridade com hemorragia intraventricular, história de traumatismo e infecção do
SNC, DPM e progressão estaturo-ponderal anormais. Clínica: vómitos, letargia, irritabilidade, ce-
faleias, recusa alimentar, alterações da marcha, défices visuais, convulsões, alterações do tónus ou
da força.
Desenvolvimento e Neurologia

Exame objectivo3
Alterações fenotípicas com dismorfia facial (síndrome do X frágil ou de Sotos, mucopolissacaridoses).
Avaliação craniana: sinais de displasia óssea, palpação de suturas (craniossinostose, HIC), encerra-
mento precoce ou tardio e palpação de fontanelas (no encerramento tardio considerar hidrocefalia,
acondroplasia, osteopetrose, hipotiroidismo e raquitismo), sopros cranianos (MAV), transilumina-
ção craniana (abaixo de 1 ano de idade).
Alterações cutâneas (síndromes neurocutâneas).
Sopros cardíacos ou sinais de insuficiência cardíaca (síndromes neuro-cardio-facio-cutâneas).
Hepatoesplenomegália (doença metabólica ou do armazenamento).
Displasia do sistema musculo-esquelético (acondroplasia).
Caracterização do DPM (perturbação do espectro do autismo ou atraso do DPM em contexto de
síndrome genético ou doença metabólica).
Exame neurológico.

Macrocefalia familiar benigna: diagnóstico mais frequente (50-70% das crianças); ausência de
sintomas; macrocefalia em pais ou irmãos, ou várias gerações (medição do PC de ambos os pais
com canal alvo colocado por exemplo na curva de Nellhaus que permite monitorização até aos 18
anos); PC inicial normal a alto, estatura e peso normal; PC aumenta até 2 DP ou mais nos primeiros
6 meses (até 0,6-1 cm/semana) com posterior velocidade de crescimento normal (curva paralela;
0,4 cm/semana); normalidade do DPM e do exame neurológico.

Exames complementares de diagnóstico


Não são necessários se macrocefalia familiar benigna (PC dentro no canal-alvo familiar colocado
nas curvas de Nellhaus) tendo em conta o exame neurológico sem alterações, a velocidade de
crescimento do PC e o DPM normais, e na ausência de uma síndrome específica e de história
familiar de malformações ou doenças neurológicas.
Não havendo um diagnóstico de macrocefalia familiar benigna, ponderar exames complementares
de diagnóstico se crescimento repentino do PC, sinais e sintomas neurológicos ou alterações do
DPM.
Ecografia cerebral transfontanelar (se fontanela anterior permeável): exame de 1ª linha se ausência
de sinais de HIC e um DPM normal.
TC e/ou RM encefálica (RM com maior sensibilidade): se alterações neurológicas, crescimento pro-
gressivo do PC (não paralelo), atraso do DPM, sinais de HIC, fontanela anterior encerrada – sobre-
tudo em crianças não sindromáticas.
Macrocefalia e microcefalia

Ambos os exames podem identificar uma situação benigna e frequente designada de macrocefalia
por colecção extra-cerebral benigna ou hidrocefalia externa benigna: colecções subaracnoideias
frontais com ou sem dilatação do sistema ventricular; tendência familiar; mais frequente no sexo
masculino; tem início entre os 3-6 meses (pode estar presente ao nascimento), estabiliza aos 12-18
meses (curva paralela) e tem resolução espontânea 24-36 meses; o exame neurológico e o DPM
são normais ou com atraso motor ligeiro; existe maior risco de hematoma subdural. 301
Outros exames:
• radiografia do crânio e do esqueleto se suspeita de displasias ósseas ou HIC (sinais HIC: alarga-
mento de suturas, marcas proeminentes das circunvoluções cerebrais e erosão da sela turca);

3 se suspeita de síndrome pesquisar na base de dados Online Mendelian Inheritance in Man: www.ncbi.nlm.nih.gov/omim
Desenvolvimento e Neurologia

• avaliação metabólica (ácidos orgânicos no sangue, urina e LCR quando a colecção subaracnoi-
deia é muito volumosa e possa pôr-se o diagnóstico diferencial com acidúria glutárica; rastreio de
mucopolissacaridoses se dismorfia característica) ou genética (cariótipo, análise molecular para
estudo de X frágil);
• avaliação de outras anomalias específicas em outros órgãos se crianças sindromáticas, com atra-
so do desenvolvimento ou suspeita de doença degenerativa ou metabólica.

Figura 38. Abordagem da macrocefalia


MACROCEFALIA
Anamnese e Exame Físico

REFERENCIAÇÃO
OU eventualmente
Sim NEUROIMAGEM,
Medir PC de pais e irmãos Síndrome evidente?
Cariótipo, X frágil, Rx
Não Esqueleto ou estudo
molecular

Medir PC
Normal Não Sinais e sintomas neurológicos?
de pais e irmãos
Atraso de desenvolvimento?
Crescimento repentino PC?

Macrocefalia Macrocefalia
Sim
constitucional isolada

NEUROIMAGEM

VIGIAR

Hidrocefalia Lesão ocupando espaço; Normal: efectuar


Externa Benigna Hidrocefalia; Craniossinostose estudo metabólico

Tranquilizar pais NEUROCIRURGIA


VIGIAR NEUROPEDIATRIA

Normal Doença metabólica


Macrocefalia e microcefalia

VIGIAR ou considerar
REFERENCIAÇÃO
REFERENCIAÇÃO

302
Desenvolvimento e Neurologia

Aborgagem diagnóstica da microcefalia (Figura 39)


Anamnese
Antecedentes familiares: doenças neurológicas, microcefalia ou consanguinidade (3 gerações), va-
riação familiar do PC (pais) para avaliação de contributo genético - pode identificar microcefalia
familiar autossómica dominante; antecedentes pessoais: pré-natal (patologia materna - diabetes,
epilepsia, fenilcetonúria; exposição a fármacos, tabaco, álcool, abuso de substâncias, radiação;
ecografias pré-natais); parto (complicações perinatais, infecções do grupo TORCH); pós-natal (his-
tória de traumatismo ou infecção do SNC, AVC, má-nutrição, doença sistémica, somatometria ao
nascimento para estabelecer o início da microcefalia e para determinar o equilíbrio com outros
parâmetros de crescimento - proporcional versus desproporcional); trajectória do PC (estática ou
progressiva); caracterização do DPM; história de convulsões, cegueira, surdez. Clínica: atraso do
desenvolvimento (presente em todas as crianças com microcefalia grave); convulsões, cegueira,
surdez, malformações viscerais, fenótipo atípico, défices motores, dificuldades na alimentação,
alterações do movimento.

Exame objectivo3
Alterações fenotípicas com dismorfia facial; olhos (coriorretinite, cataratas).
Defeitos da linha média (lábio leporino, úvula bífida, fenda palatina).
Avaliação craniana: palpação de suturas (considerar craniossinostose global), fontanelas (encerra-
mento prematuro da fontanela anterior está associado a microcefalia, craniossinostose, hipertiroi-
dismo e hipoparatiroidismo).
Petéquias e/ou icterícia do RN (infecções intra-uterinas) ou exantema (fenilcetonúria).
Sopros cardíacos (cardiopatia pós-infecciosa ou em contexto de síndrome).
Hepatoesplenomegália (infecções).
Avaliação do DPM e avaliação neurológica.
Microcefalia familiar autossómica dominante: forma autossómica dominante da microcefalia
isolada ou microcefalia vera, aplicável a crianças com microcefalia ligeira (entre -2 DP e -3 DP), com
estatura e DPM normais ou com ligeiro atraso intelectual e sem anomalias somáticas associadas.

Exames complementares de diagnóstico


Se PC entre -2DP e -3DP: em crianças não sindromáticas confirmar uma possível microcefalia fa-
miliar autossómica dominante; em crianças com características sindromáticas ou sinais de doença
metabólica - referenciação ou colaboração em consulta de especialidade e eventual avaliação me-
Macrocefalia e microcefalia

tabólica (aminoácidos e ácidos orgânicos no sangue, urina, LCR) e/ou avaliação genética (cariótipo,
estudos moleculares).
Se PC abaixo de -3DP, alterações neurológicas ou atraso do DPM: referenciação ou colaboração em
consulta de especialidade e eventualmente RM e/ou TC crânio-encefálica com janela óssea (maior
sensibilidade na RM, que permite o estudo da arquitectura do SNC para detecção, por exemplo,
de defeitos na migração; a TC crânio-encefálica permite a identificação de calcificações), serologias 303
para TORCH (infecção intrauterina) ou outras serologias virais, radiografia do esqueleto se sinais
de displasia óssea.
Orientação
Crianças com macrocefalia familiar benigna: vigilância até aos 2-3 anos.
Crianças com macrocefalia por colecção extra-cerebral benigna ou hidrocefalia externa benigna:
vigilância deve ser mensal (repetir exame imagiológico e referenciar à consulta de Neurologia Pe-
diátrica se: desvio de PC da curva, exame neurológico anormal ou atraso do DPM).
Crianças com microcefalia familiar autossómica dominante ou microcefalia isolada (entre -2DP e
-3DP): vigilância até aos 3 anos, sobretudo pelo aumento do risco de lesões neurológicas até aí não
identificadas (paralisia cerebral, epilepsia e défice cognitivo).
Nas restantes crianças ponderar vigilância em consultas de especialidade (colaboração ou
referenciação):
• Neurologia Pediátrica - se convulsões, alterações nos exames de neuroimagem ou alterações do
DPM;
•G  enética - se fenótipo sindromático;
•D  oenças metabólicas - se suspeita de doença metabólica;
•N  eurocirurgia pediátrica - se hidrocefalia ou lesão ocupando espaço;
•D  esenvolvimento - se alterações no DPM;
• ORL e Oftalmologia – se suspeita de alterações visuais ou auditivas; pedir colaboração para ob-
servação do fundo ocular nas suspeitas de hipertensão craniana ou alterações neurológicas (ede-
ma da papila na hidrocefalia e lesões ocupando espaço); recomendado o rastreio oftalmológico
em crianças com microcefalia (avaliação de infecção congénita ou doença genética).

Figura 39: Abordagem da microcefalia

MICROCEFALIA
Anamnese e Exame Físico

Síndrome evidente Sim NEUROIMAGEM, Cariótipo,


ou AF de doença Rx Esqueleto, estudo
específica ou síndrome? molecular ou metabólico
Medir PC de pais e irmãos

Não

Microcefalia Macrocefalia Craniossinostose Inf. TORCH


Não Sinais e sintomas neurológicos
Familiar isolada
Atraso de desenvolvimento?
Macrocefalia e microcefalia

Microcefalia grave (<P3)? Inf. TORCH


Calcificações
D.Metabólicas
Microcefalia
Vera (AD) D.Metabólicas
Sim Malformações
Hipóxia pré-natal
cerebrais/defeitos
VIGIAR (TORCH
Proporcional da migração
ou tóxicos)
NEUROIMAGEM neuronal
ao peso e D. genética
comprimento? 304
Hipóxia pré-natal
Infecções
Normal D. genética
D. metabólica
Reavaliar Considerar S. Rett
Se agravamento ou sintomas neurológicos, Referenciar a Neuropediatria (♀; microcefalia
considerar RM, doença genética ou metabólica e/ou outras subespecialidades > 6M)

AF: antecedentes familiares; Inf.: infecção; D.: doença; S.: síndrome


Desenvolvimento e Neurologia

76. Espasmos do choro, desmaios e tiques


José Carlos Ferreira

Introdução
O universo pediátrico dos fits, faints and funny turns que se pode traduzir por “ataques, chiliques e
espasmos esquisitos” é um mundo fascinante que não cessa de surpreender, mesmo o clínico mais
experiente, de cada vez que uma criança apresenta um evento próprio e diferente. Na realidade
o diagnóstico diferencial dos fenómenos paroxísticos da consciência e do movimento, é muito
diversificado e se a maioria das situações é benigna e variante do normal, há igualmente doenças
sérias que se manifestam de forma aparentemente semelhante.

Manifestações clínicas
Espasmos do choro ou do soluço
Apesar de haver algumas variações as manifestações são muito características. Tipicamente ocor-
rem em crianças susceptíveis, em circunstâncias bem definidas que motivam uma forte vontade
de chorar, como um susto, uma dor súbita ou uma contrariedade. No entanto, nem sempre a
anamnese consegue esclarecer o desencadeante inicial que pode ser muito banal e passar desper-
cebido às testemunhas. Na forma mais frequente, cianótica, após uma longa expiração a chorar,
segue-se uma apneia, cianose, hipotonia e se se prolonga, uma perda do conhecimento. Na forma
pálida, a criança pode não chegar a chorar e surge mais rapidamente a perda do conhecimento
acompanhada de palidez e bradicárdia. Em qualquer caso podem ocorrer espasmos, mioclonias
ou posturas tónicas que nada têm a ver com epilepsia. A prevalência é maior entre pouco antes de
1 ano e os 5 anos de idade.

Lipotímias vaso-vagais
Também neste caso as circunstâncias desencadeantes são bem conhecidas e consistem mais fre-
quentemente em susto ou dor súbitos, proximidade de sangue ou feridas, ambientes quentes e
fechados, postura prolongada de pé ou o permanecer de pé após um exercício físico. De novo, a
progressão é típica, sucedendo-se mal-estar, tonturas, palidez, perturbação da visão e/ou da au-
dição seguida de perda breve do conhecimento com queda se permanecer de pé, e recuperação Espasmos do choro, desmaios e tiques

rápida da consciência, desde que seja possível baixar a cabeça e aumentar o retorno venoso dos
membros inferiores. A prevalência é maior na idade escolar e adolescência.

Tiques
Movimentos involuntários repetidos sem um padrão rítmico que tendem a manter-se muito este-
reotipados numa certa época, variando em intensidade e tipo ao longo do tempo. A maioria tem
um carácter motor simples, mas podem também ser vocalizações de sons simples ou palavras e
mesmo adquirir padrões motores complexos, num contínuo que termina em comportamentos
compulsivos. Na realidade a sobreposição ou progressão para uma perturbação obsessivo-compul- 305
siva pode surgir. Mais frequentemente os tiques surgem por volta dos 5 a 8 anos e atingem um
pico de intensidade pelos 10 a 12 anos. Distinguem-se formas transitórias e formas crónicas de
tiques, designando-se síndrome de Tourette a forma crónica que associa tiques motores e vocais.
Desenvolvimento e Neurologia

Etiologia
A etiologia dos espasmos do soluço e das lipotímias vaso-vagais relaciona-se com características
individuais, muitas vezes de tendência vagamente familiar. No caso dos primeiros, é frequente
associar-se a uma “personalidade forte” da criança. As lipotímias cursam com um tónus paras-
simpático aumentado, estando implicada a redistribuição da volémia, com redução transitória da
perfusão cutânea e encefálica.
A etiologia dos tiques é quase universalmente genética e no caso da síndrome de Tourette, de
hereditariedade directa, dominante.

Abordagem diagnóstica
O diagnóstico destes eventos é clínico. No caso dos espasmos do soluço, a anamnese é suficiente
para reconhecer a associação característica de desencadeante e progressão dos sintomas e asso-
ciada a um exame objectivo normal e exclusão clínica de outras patologias é suficiente para um
diagnóstico. Os tiques são também identificáveis pela anamnese e na maior parte das vezes pela
observação directa, dada a sua habitual elevada frequência. Numa fase inicial pode ser impossível
estabelecer a diferença entre uma perturbação provisória (duração inferior a 12 meses) e uma
perturbação crónica (duração superior a 12 meses).

Diagnóstico diferencial
Em casos menos típicos ou que não tenham sido suficientemente testemunhados, coloca-se diag-
nóstico diferencial dos espasmos do soluço e das lipotímias com as outras perturbações paroxísti-
cas da consciência, designadamente as epilepsias e síncopes de causa cardíaca. As crises epilépticas
tendem a não ter a progressão típica das lipotímias, a ocorrer independentemente da posição
e não sempre de pé, a poder ocorrer durante o sono, a implicar olhos abertos e fixos, a incluir
posturas ou movimentos muito estereotipados de um evento para o outro. As síncopes de origem
cardíaca tendem a ocorrer em pleno esforço e não no fim dele, a ser de instalação mais súbita,
podendo ser notadas palpitações prévias.
Os tiques raramente são confundidos com outro tipo de movimentos involuntários. Estão descri-
tos tiques de instalação aguda, associados a outros sintomas neurológicos e psiquiátricos como
parkinsonismo, convulsões, mioclonias, perturbação da consciência e sonolência, irritabilidade, al- Espasmos do choro, desmaios e tiques
terações do comportamento e alimentares. Estas devem levantar a suspeita de uma encefalite au-
to-imune por anticorpos contra receptores dos neurotransmissores ou canais iónicos. Podem ainda
integrar o quadro de uma perturbação aguda pós-infecciosa - síndrome neuropsiquiátrica aguda
pediátrica (PANS), sendo o agente alegadamente mais vezes implicado o estreptococo do grupo A.

306
Desenvolvimento e Neurologia

Exames complementares de diagnóstico


Na maioria dos casos não estão indicados exames complementares. Qualquer patologia transitória
ou paroxística do movimento ou da consciência beneficia da facilidade que actualmente existe em
ser registada em vídeo caseiro para posterior análise em consulta.
O EEG não é um exame adequado para “rastreio” ou quando a suspeita de uma epilepsia não é
muito consistente. A ocorrência de falsos positivos e falsos negativos torna-o um exame de signi-
ficado difícil de interpretar para um não especialista.
Raramente estão indicados exames de imagem e a excepção é a suspeita de encefalite auto-imu-
ne ou de síndrome neuropsiquiátrica aguda pediátrica (PANS), casos em que é igualmente útil, o
exame citoquímico do LCR, a procura dos auto-anticorpos ou dos anticorpos e/ou ADN específico
dos agentes infecciosos suspeitos.

Terapêutica
A terapêutica dos espasmos do choro passa pela tranquilização das famílias e cuidadores, esclare-
cendo o significado e o mecanismo pelo qual a tentativa intempestiva de reanimação só prejudica
e atrasa a normal recuperação do ritmo respiratório e por consequência do tónus e da consciência.
A partir do momento em que os pequenos traumatismos ou sustos, as pequenas pausas respirató-
rias decorrentes do choro, forem lidadas no momento adequado com calma e desvalorizando-os,
a criança aprende a lidar de forma mais autónoma com a situação e de forma surpreendente os
eventos deixam de ocorrer.
O tratamento das lipotímias de origem vasovagal é a prevenção da perda do conhecimento, bai-
xando a cabeça e facilitando o retorno venoso dos membros inferiores, logo que sejam sentidos
os primeiros sintomas.
A maior parte das crianças com tiques não necessita de tratamento farmacológico. Basta assegurar
a benignidade da situação no sentido de não ser causada por uma doença neurológica ou psiquiá-
trica grave nem haver prejuízo dos próprios tiques para a saúde da criança. Por outro lado é útil
preparar de antemão a criança para que desvalorize os inevitáveis comentários desfavoráveis de
terceiros, sobretudo dos pares e esclarecer as famílias e professores sobre o significado involuntário
dos tiques e sobre a desvantagem em estar permanentemente a chamar à atenção o assunto.
Em casos mais refractários ou intensos, quando os tiques envolvem dor ou incómodo físico ou Espasmos do choro, desmaios e tiques
quando há repercussão negativa na auto-estima ou no humor, pode ser necessária uma medicação
transitória com um neuroléptico ou com um agonista alfa-adrenérgico. Casos raros em adultos,
refractários à medicação farmacológica e com uma acentuada perturbação da qualidade de vida,
podem beneficiar da implantação de uma estimulação cerebral profunda.

Prognóstico
O prognóstico dos espasmos do soluço e das lipotímias é universalmente excelente, desde que
tenha adequada compreensão e atitude por parte das famílias e cuidadores como referido. 307
As perturbações de tique têm uma tendência para se atenuarem antes do fim da adolescência. Há
no entanto uma minoria em que os tiques persistem de uma forma refractária na idade adulta. A
mais gravosa consequência dos tiques é a possível repercussão na auto-estima e no humor, provo-
cada pelas alterações na auto-imagem e pelos comentários desfavoráveis de terceiros.
Desenvolvimento e Neurologia

77. Perturbação de défice de atenção e hiperactivida-


de e perturbações específicas da aprendizagem
Catarina Figueiredo, José Carlos Ferreira

Introdução
A perturbação de défice de atenção e hiperactividade (PDAH) é uma doença do neurode-
senvolvimento caracterizada por sintomas de inatenção, desorganização e/ou hiperactividade e
impulsividade que afectam o funcionamento individual. A sua patogénese tem como base uma
alteração genética no metabolismo da noradrenalina e dopamina no córtex frontal.
As perturbações específicas da aprendizagem são um grupo heterogéneo de patologias que
se manifestam no período escolar com uma incapacidade persistente na aprendizagem das bases
académicas da leitura, escrita e matemática, de forma inconsistente com o potencial intelectual
da criança. Têm uma etiologia multifactorial, contribuindo alterações genéticas ou adquiridas da
estrutura e função cerebral.
A prevalência da PDAH e das perturbações específicas da aprendizagem é de, respectivamente, 8 a
10% e 5 a 15% em idade escolar. Ambas são mais comuns no sexo masculino (2:1). Nas crianças
do sexo feminino com PDAH predominam os sintomas de inatenção. A exposição ao fumo do
tabaco, a prematuridade e o muito baixo peso ao nascer são factores de risco ambientais para
ambas as patologias.

Perturbação de défice de atenção e hiperactividade e perturbações de aprendizagem específicas


Abordagem diagnóstica
O diagnóstico de PDAH faz-se pela existência de pelo menos 6 sintomas de inatenção (PDAH de
predomínio desatento), hiperactividade/impulsividade (PDAH de predomínio hiperactivo/impulsivo)
ou ambos (PDAH mista ou apresentação combinada), persistentes por pelo menos 6 meses, in-
consistentes com o grau de desenvolvimento do indivíduo e condicionando impacto negativo no
funcionamento social, académico ou ocupacional, não sendo explicados por outra doença mental
(DSM-5; Tabela 91). A doença tem início na infância, sendo necessário que alguns dos sintomas
ocorram antes dos 12 anos. As manifestações devem estar presentes em mais do que um contexto
(escola, trabalho, casa).

Tabela 91: Critérios de diagnóstico de PDAH DSM-5


Sintomas de inatenção Sintomas de hiperactividade/impulsividade
Não presta atenção aos pormenores Inquietação (mexe mão e pés e não permanece sentado)

Dificuldade em manter a atenção Sai do lugar inadequadamente

Parece não ouvir Corre ou salta excessivamente

Não segue instruções Dificuldade em jogar tranquilamente

Dificuldade em organizar tarefas Actua como se estivesse “ligada à corrente” 308


Evita tarefas que requeiram esforço mental contínuo Fala em excesso

Perde coisas com frequência Precipita as respostas

Distracção com estímulos externos Dificuldade em esperar pela sua vez

Esquecimento de tarefas diárias comuns Interrompe os outros


Desenvolvimento e Neurologia

Para o diagnóstico de perturbações específicas da aprendizagem é necessário pelo menos um


dos seguintes sintomas, persistente por mais de 6 meses, apesar das intervenções pedagógicas
adequadas (DSM-5):
• leitura de palavras imprecisa ou lenta e com esforço;
•d  ificuldade em compreender o significado do que é lido;
•d  ificuldades na soletração (adição, omissão ou substituição de letras);
• dificuldades na expressão escrita (múltiplos erros de gramática ou pontuação, má organização de
parágrafos ou caligrafia ilegível, expressão de ideias pouco clara);
• dificuldade em reconhecer o sentido e os factos numéricos e em realizar cálculos (pouco conhe-
cimento dos números, quantidade e relação);
• dificuldade no raciocínio matemático (aplicação de factos, conceitos ou procedimentos matemá-
ticos para resolver problemas).
Genericamente definem-se 4 tipos de perturbações específicas da aprendizagem.
Dislexia é uma perturbação específica da aprendizagem da leitura que tem como base um dé-
fice no componente fonológico da linguagem. Caracteriza-se por dificuldades no correcto e/ou
fluente reconhecimento das palavras e por pobres capacidades de soletração e de descodificação.
Secundariamente podem surgir problemas na compreensão da leitura e reduzidas experiências de
leitura.
Discalculia é uma perturbação específica da aprendizagem da matemática caracterizada por pro-
blemas no processamento de informação numérica, na aquisição de factos aritméticos e na reali-

Perturbação de défice de atenção e hiperactividade e perturbações de aprendizagem específicas


zação de cálculos matemáticos.
Disgrafia é uma perturbação específica da aprendizagem da escrita, que abrange dificuldades
nas competências mecânicas da escrita (caligrafia deficiente, com letras pouco diferenciadas, mal
elaboradas e mal proporcionadas).
Disortografia é caracterizada por uma dificuldade no conhecimento da linguagem escrita, ma-
nifestada por erros ortográficos e de pontuação, desconhecimento de regras gramaticais e cor-
respondências incorrectas entre os sons e os símbolos escritos (substituições, adições ou omissões
de letras).

Anamnese
Antecedentes familiares: doenças psiquiátricas, dificuldades de aprendizagem; história social: tipo
de família, interacção com os pais ou cuidadores, contexto económico, emprego, abuso ou ne-
gligência; antecedentes pessoais: exposição pré-natal ao tabaco, drogas e álcool, infecções ou
traumatismos do SNC, DPM (nomeadamente linguagem e competências sociais), doenças crónicas
(cromossomopatias, doenças psiquiátricas, neurológicas ou do desenvolvimento), medicação ha-
bitual; história educacional: caracterização da escola, problemas escolares, absentismo, retenções,
educação especial e apoios. Se indicação para iniciar terapêutica é importante averiguar: história
alimentar, perturbações do sono, doenças cardíacas, abuso de tóxicos.
309
Exame objectivo
Somatometria e parâmetros vitais (pressão arterial e frequência cardíaca), dismorfias, alterações
neurocutâneas, exame neurológico completo (incluindo audição e visão) e avaliação do DPM.
Desenvolvimento e Neurologia

Meios complementares de diagnóstico


PDAH
Contexto familiar: entrevista com a criança e pais (perguntas genéricas e específicas para carac-
terizar os sintomas), complementado com questionário de Conners para pais. Contexto escolar:
informação do professor ou educador sobre comportamento na sala de aula, problemas de apren-
dizagem, trabalhos e avaliações escolares, complementado com questionário de Conners para pro-
fessores. Recolha de informação em outros contextos (como sejam actividades extracurriculares,
avaliações psicológicas). Observação informal do comportamento em consulta.

Perturbações específicas da aprendizagem


Avaliação das preocupações parentais e dos educadores. Valorizar falhas académicas, problemas
de comportamento ou de interacção social em crianças com exposição educacional adequada.
Observação informal em consulta (avaliar atenção, raciocínio e resolução de problemas, memória,
linguagem, coordenação motora, escrita, leitura e matemática), trabalhos e avaliações escolares,
avaliações cognitivas e psicopedagógicas.

Diagnóstico de co-morbilidades
Perturbação de oposição-desafio e conduta, alterações do humor, depressão, ansiedade, défice
cognitivo ligeiro e perturbações da coordenação motora.

Orientação e terapêutica

Perturbação de défice de atenção e hiperactividade e perturbações de aprendizagem específicas


Educação e envolvimento familiar
Esclarecimento dos pais e professores (informação escrita sobre capacidades que podem estar atra-
sadas ou comprometidas e estratégias ou acomodações a adoptar), aconselhamento e ligação a
outras famílias ou redes de apoio, coordenação entre serviços de saúde e educação.

Apoio psicossocial
Permite diminuir o impacto de problemas emocionais e comportamentais secundários (ansiedade,
depressão, perturbações da conduta).

PDAH
Terapia comportamental (pais e professores)
Primeira linha nas crianças em idade pré-escolar ou combinada com terapia farmacológica nas
mais velhas. Alteração do ambiente físico e social que permite corrigir comportamentos, utilizando
recompensas e consequências não punitivas. São exemplo o reforço positivo, estabelecimento de
rotinas, ambiente e disciplina calma (tempo livre, intervalos), limitação das escolhas, actividades
extracurriculares, locais específicos para trabalho ou lazer, checklists.

Terapia farmacológica
Primeira linha nas crianças em idade escolar ou em pré-escolar se terapia comportamental for
insuficiente. 310
Desenvolvimento e Neurologia

Pré-requisitos: esclarecimento à criança e/ou aos pais de efeitos esperados (melhoria do auto-
controlo e atenção) e potenciais efeitos adversos (anorexia, perda de peso, alterações do sono,
labilidade emocional, desaceleração do crescimento – efeito limitado e com recuperação posterior,
aumento da pressão arterial, taquicárdia, cefaleias, tonturas e sintomas gastrointestinais – geral-
mente ligeiros e de curta duração). História direccionada para risco cardiovascular e exame físico
completo.
Fármacos: metilfenidato ou atomoxetina (raramente). Formulações: Tabela 92. Seguimento: pelo
menos semestral, com avaliação do crescimento estaturo-ponderal e parâmetros vitais, aderência,
efeitos e resposta ao tratamento.

Intervenções escolares
Apoio individual ou em contexto de aula, modificações e adaptações escolares (local próximo do
professor, ambiente de menor distracção, informação escrita no quadro, mais tempo para com-
pletar tarefas).

Tabela 92: Formulações de metilfenidato existentes em Portugal


Nome Apresentação Duração do efeito Dose diária inicial Dose diária máxima
comercial

Rubifen® Comprimidos 3 – 5h 5 mg 35 mg (< 25 kg)


5, 10 e 20 mg 60 mg (> 25 kg)

Perturbação de défice de atenção e hiperactividade e perturbações de aprendizagem específicas


Ritalina LA® Cápsulas 6 – 8h 10 a 20 mg 60 mg (< 50 kg)
20, 30 e 40 mg 80 mg (> 50 kg)

Concerta® Comprimidos 10 – 12h 18 mg 90 mg


18, 27, 36 e 54 mg

Metilfenidato Comprimidos 10 – 12h 18 mg 90 mg


Sandoz® 18, 27, 36 e 54 mg

Perturbações específicas da aprendizagem


A referenciação a programa de educação especial (Decreto-Lei 3/2008) permite adequação do pro-
cesso educativo. Utilização de métodos e estratégias adequadas e adaptadas ao perfil da criança.

Prognóstico
Os sintomas de hiperactividade da PDAH tendem a atenuar-se na adolescência. No entanto, a im-
pulsividade e a inatenção podem persistir até à idade adulta, com aumento do risco de isolamento
social, baixa auto-estima, acidentes, instabilidade familiar e laboral, consumo de drogas de abuso
e delinquência.
Nas perturbações específicas da aprendizagem, os sintomas melhoram ao longo do tempo, prin-
cipalmente quando existem apoios escolares e comunitários adequados. Dificuldades subtis da
leitura podem persistir para além da adolescência. Os estudos indicam uma menor probabilidade 311
de sucesso escolar e de conclusão do ensino secundário, associando-se a menor satisfação laboral,
pobreza e baixa auto-estima. A identificação precoce é essencial para optimizar o potencial de
aprendizagem e prevenir os problemas secundários e co-morbilidades, nomeadamente de carácter
emocional.
Desenvolvimento e Neurologia

78. Sinais de alarme na perturbação do espectro


do autismo
Raquel Firme, Sílvia Jorge

Introdução
A perturbação do espectro do autismo caracteriza-se por um atraso ou desvio em áreas especí-
ficas do desenvolvimento e alterações do comportamento presentes antes dos 2 anos de idade.
Apesar de inicialmente se poder assemelhar ao atraso global do desenvolvimento, a dissociação
entre áreas, com predomínio das dificuldades na interacção e comunicação social face às restan-
tes, associadas a comportamentos repetitivos, permitem diferenciar a perturbação do espectro
do autismo de outras perturbações. As manifestações variam em função da idade, do nível de
desenvolvimento e da própria gravidade da condição, daí o termo “espectro”. Segundo o DSM-5
as características essenciais da perturbação do espectro do autismo envolvem:
• c ompromisso persistente na comunicação e interacção social recíprocas;
• r epertório restrito, repetitivo, de comportamentos, actividades ou interesses;
• s intomas presentes precocemente no período de desenvolvimento;
• a s características interferem com as actividades da vida diária.
A prevalência reportada tem vindo a aumentar na última década, de 1:6.000 até cerca de 1% em
crianças em idade escolar, com predomínio do sexo masculino.
O autismo é uma condição de base neurobiológica com elevada hereditariedade. A hereditarieda-
de é difícil de identificar, por ser maioritariamente poligénica, com vários genes de susceptibilidade
de penetrância incompleta e expressividade variável. Em 5 a 10% dos casos está associado a
síndromes (como X-frágil, esclerose tuberosa). O ambiente exerce uma modulação importante na
expressão fenotípica.

Diagnóstico e orientação

Sinais de alarme na Perturbação do Espectro do Autismo


O diagnóstico é baseado em critérios clínicos (nomeadamente critérios do DSM-5); é frequente-
mente tardio face ao início dos sintomas (maioria entre os 3 e 6 anos); o exame objectivo normal
com excepção de possíveis dismorfias associadas a síndromes específicas e, por vezes, macrocefalia
(ver Capitulo 75. Macrocefalia e microcefalia). Os sinais de alarme do desenvolvimento precoces
sugestivos de perturbação do espectro do autismo (primeiros 2 anos de vida) conferem 50% de se-
gurança no diagnóstico aos 14 meses de idade. As idades-chave de rastreio são as dos problemas
globais do desenvolvimento, nas consultas de vigilância dos 9, 18, 24 e 30 meses.

Sinais de compromisso da atenção conjunta


São os mais precoces, sensíveis e específicos da presença de uma perturbação do espectro do
autismo. As preocupações parentais surgem na perturbação do espectro do autismo antes de em
qualquer outra perturbação do DPM – sintomas não atribuídos especificamente a perturbação 312
do espectro do autismo, mas descritos como “qualquer coisa que não está bem”. Apesar dos
sinais precoces, o alerta é mais frequente após os 18 meses, pelo atraso da linguagem (frequente
mas não presente em todas as perturbações do espectro do autismo). Na ausência de atraso da
linguagem e de baixas competências cognitivas, o diagnóstico tende a ser mais tardio (até à idade
escolar).
Desenvolvimento e Neurologia

Em caso de suspeita clínica, na consulta de vigilância dos 18 meses (16 a 30 meses), preconiza-se a
aplicação do teste de rastreio M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers)1. Para minimizar
a ocorrência de falsos negativos o teste pode ser repetido entre os 24 e os 30 meses, de forma a
detectar os casos mais ligeiros ou com regressão no segundo ano de vida.

Tabela 93: Sinais de alarme que fazem suspeitar de perturbação do espectro do autismo
(em cada faixa etária somam-se as alterações que podem estar presentes em etapas anteriores)
Diminuição da interacção social (exemplo: fixar a face do cuidador, com expressão de emoções,
alternadamente); ausência de sorriso social
4 a 6 meses Anomalias da comunicação pré-linguística: choro inapropriado, passividade excessiva ou irritabilidade
marcada de difícil consolo; não estende os braços para ser pegado
Marcada dificuldade em alternar entre estímulos visuais competitivos

Compromisso da atenção conjuntaa não segue o olhar do cuidador e olha na mesma direcção
Dificuldades: no contacto visual, imitação de gestos e “gracinhas”, em vocalizar ou adquirir gestos
8 a 10 meses com intenção comunicativa
Ausência de proto-conversação: não palra de forma interactiva com o cuidador (palra muitas vezes
de forma sobreposta)

Compromisso da atenção conjunta: não vocaliza nem acompanha o olhar quando apontamos para
algo, nem responde socialmente (exemplo: sorrir quando vê o objecto)
Não aponta para pedir (proto-imperativo)
10 a 14 meses
Não responde ao nome quando chamado (mesmo após estímulo táctil)
Interesse visual atípico, mais fixado nos objectos que na face humana
Ausência de jargãob

Compromisso da atenção conjunta: não aponta para mostrar interesse num objecto (apontar proto-
14 a 16 meses
declarativo), ou outro gesto indicador de interesse ao cuidador

Compromisso da atenção conjunta: não aponta com o indicadorc e não vocaliza (mais tardio) para
partilhar o interesse, não há partilha do olhar antes ou após obter o objecto. Não traz objectos de
interesse ao cuidador, para partilhar a experiênciac
Atraso da linguagem (menos de 10 palavras com significado esperadas), associada a desinteresse pela
comunicação e escassez de gestos ou de comunicação não verbal compensatória; a criança reage a
estímulos sonoros de interesse, mas ignora as vozes humanas
16 a 18 meses

Sinais de alarme na Perturbação do Espectro do Autismo


Não desenvolve jogo simbólico simples (não finge alimentar bonecos com um biberão/colher, não
finge falar ao telefone com os pais)
Não se interessa por outras criançasc
Não imita o adulto (careta)c
Não olha quando o chamam pelo nomec
Não obedece a ordens simples

Discrepância entre o atraso na linguagem ou competências sociais e o funcionamento motor, adaptativo e cognitivo
(diagnóstico diferencial com atraso global do desenvolvimento ou perturbação do desenvolvimento intelectual)
Pode ocorrer regressão da linguagem (diagnóstico diferencial com doenças neurodegenerativas)
a
 ompetência que permite à criança coordenar o foco da sua atenção com o dos outros, com interacção em tríade entre o próprio, o outro e o
C
objecto ou evento de interesse. b Jargão: produção vocal imperceptível, que inclui sequências de combinações consoante/vogal com inflexões que
simulam o discurso. c Realizar M-CHAT se mais de 2 itens presentes.

Identificação de factores de risco para perturbação do espectro do autismo: 313


• irmão(s) com perturbação do espectro do autismo (risco de recorrência em cerca de 5%);
• preocupação parental ou do cuidador com o desenvolvimento e/ou comportamento;
• outras pessoas que convivem com as crianças estarem preocupadas;
• o médico ficar preocupado (Tabela 93).

1
Disponível no Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil 2013 – versão portuguesa. Versão revista, em inglês (M-CHAT-R), disponível em www.m-chat.org.
Desenvolvimento e Neurologia

Se a criança tem um factor de risco e menos de 18 meses de idade deve ser reforçada a vigilância
de competências de interacção social. Se tem mais de 18 meses, deve ser aplicado teste de rastreio.
Um resultado negativo no rastreio deve ser reavaliado com intervalo de um mês. As crianças com
rastreio positivo, e todas as que têm dois ou mais factores de risco, devem ser referenciadas simul-
taneamente a consulta para avaliação diagnóstica e ao Sistema Nacional de Intervenção Precoce
na Infância22.

Outros sinais, mais comuns depois dos 2 anos de idade


Presença de estereotipias e fixações (abanar as mãos, rodar objectos, botões e interruptores, luzes;
não são específicas, podem ocorrer no défice visual e atraso global do desenvolvimento).
Obsessões e interesses excessivos: cores, formas, números, animais.
Linguagem atípica: ecolália (imediata e mais frequentemente tardia), ritualística, não funcional
(palavras fora do contexto, sem intenção comunicativa).
Perseveração, adesão excessiva a rotinas, comportamentos ritualizados (ansiedade extrema com
pequenas mudanças, dificuldade em gerir alterações, mudanças de caminhos, padrões de pensa-
mentos rígidos, rituais de saudação, restrições/ aversões alimentares).
Hiper- ou hiporreactividade sensorial ou interesse sensorial invulgar (indiferença à dor, texturas,
sons, cheiros, luzes ou movimentos).
Dificuldades na interacção com os pares.
Em idade pré-escolar e escolar:
•d  ificuldade em interpretar e partilhar o estado emocional dos outros, em estabelecer empatia;
• dificuldade em perceber a perspectiva dos outros;
• dificuldade em interpretar estímulos de forma global, com fixação em detalhes, menor percep-
ção do contexto e falha em apreender o “conjunto”;
• desinteresse, ou dificuldade em iniciar e manter amizades;
• dificuldades na compreensão da linguagem (sobretudo conteúdo mais abstracto) e no domínio
semântico (interpretação literal do discurso, dificuldade em perceber figuras de estilo, piadas e
sentidos implícitos); pragmática atípica.

Sinais de alarme na Perturbação do Espectro do Autismo


Prognóstico
O prognóstico depende do diagnóstico e início precoce de intervenção adequada, da intensidade
dos sintomas nucleares e da resposta à intervenção instituída, e não é possível de estabelecer na
infância, sobretudo antes dos 3 anos de idade. O nível cognitivo e as competências de linguagem
são os factores com maior impacto.
São indicadores de prognóstico favorável o desenvolvimento de atenção conjunta antes dos 4
anos, e de linguagem funcional antes dos 5-6 anos.
Adicionalmente, o prognóstico é afectado pelas co-morbilidades presentes, nomeadamente:
•p  erturbação do desenvolvimento intelectual (em menos de 50%, em séries mais recentes);
• P DAH (30 a 50%); 314
•p  erturbação depressiva e/ou de ansiedade;
• perturbação obsessivo-compulsiva;
• perturbação do desenvolvimento da coordenação;
• epilepsia;
• perturbação do sono.

2 Consultar https://www.dgs.pt/sistema-nacional-de-intervencao-precoce-na-infancia.aspx
Desenvolvimento e Neurologia

Mesmo quando não suficientes para um diagnóstico adicional à perturbação do espectro do autis-
mo, as alterações nestas áreas são frequentes, têm impacto no funcionamento adaptativo e devem
ser objecto de avaliação e intervenção.
O diagnóstico de perturbação do espectro do autismo mantém-se frequentemente depois da ida-
de escolar, mas com a intervenção precoce e adequada a maioria das crianças melhora o seu perfil
de competências e adaptação social, com uma fracção a revelar um nível de funcionamento nor-
mal em ambiente escolar, embora com sinais clínicos residuais.

Sinais de alarme na Perturbação do Espectro do Autismo

315
Desenvolvimento e Neurologia

79. Convulsões e epilepsia


José Carlos Ferreira

Introdução
Convulsões é o termo corrente entre a população em geral para designar crises epilépticas, embora
em rigor só se devesse chamar assim, entre estas, às que têm manifestações motoras convulsi-
vas. Ocorrem devido a uma sincronização excessiva da despolarização de um grupo de neurónios
corticais.
As crises epilépticas podem ser agudas sintomáticas (crises provocadas), como as convulsões febris
ou as crises que ocorrem no contexto agudo de meningite, hipocalcémia, AVC ou traumatismo,
por exemplo. Outras crises epilépticas são espontâneas e repetidas (crises não provocadas); a esta
última condição, chama-se epilepsia.

Manifestações clínicas e tipos de crises


As crises epilépticas, independentemente da sua causa, podem manifestar-se de formas muito
distintas dependendo da sua localização no cérebro. Designam-se crises focais quando têm início
numa área restrita do cérebro, embora possam generalizar-se no decurso da crise. Os sintomas
podem ser motores, em qualquer localização do tronco, membros, olhos ou face, sensitivos, sen-
soriais ou cognitivos.
As crises generalizadas primárias, quando ambos os hemisférios estão envolvidos logo no início,
podem ser ausências, tónicas, clónicas, mioclónicas, tónico-clónicas.
Perante uma crise, muito mais importante do que tentar classificá-la, o profissional de saúde tem
a responsabilidade de apurar e registar a descrição de quais foram as circunstâncias que a prece-
deram, que manifestações clínicas constituíram a crise, que partes do corpo envolveu, qual foi a
progressão ao longo do evento, a sua duração e o estado pós-crítico.

Etiologia das crises agudas sintomáticas ou provocadas


Numa criança sem o diagnóstico de epilepsia, que está a ter uma crise esporádica ou inaugural, a
prioridade é o diagnóstico da causa imediata que pode estar subjacente:
• AVC na fase aguda (isquémico ou hemorrágico);
• infecções agudas do SNC (meningite, encefalite, abcesso cerebral);
• alterações sistémicas da homeostase;
Convulsões e epilepsia

• hidroelectrolíticas (hiponatrémia, hipocalcémia);


• endócrinas (hiper- ou hipoglicémia, tiroideias);
• renais;
• hepáticas;
• infecciosas gerais;
316
• intoxicações e/ou abstinência de fármacos, drogas ou álcool;
• traumatismo craniano;
• lesão ocupando espaço;
• convulsões febris.
Desenvolvimento e Neurologia

Abordagem diagnóstica
O diagnóstico das crises epilépticas e o diagnóstico de epilepsia é clínico, não dependendo de
forma absoluta de nenhum exame complementar.
Os exames complementares indicados nesta fase são os necessários para excluir determinadas
etiologias, quando existe uma suspeita clínica.
Nas crises primariamente generalizadas, mioclónicas ou de ausências e nas crises que ocorrem no
contexto de síndromes epilépticas idiopáticas, mesmo focais, como a epilepsia rolândica benigna
da infância, não estão indicados exames imagiológicos.
Passada a fase aguda, após uma crise sem diagnóstico está indicada a realização de um EEG, que
na criança deve ser feito sempre com um período de vigília e de sono. Este exame não deve ser
feito como um exame de rastreio, nem quando os eventos clínicos não são sugestivos de crises
epilépticas.
Em determinadas epilepsias podem estar indicados outros exames complementares destinados à
procura de uma causa ou de uma localização (RM, testes genéticos, metabólicos ou imunológicos,
vídeo-EEG, tomografia por emissão de positrões – PET, tomografia computorizada por emissão de
fotões únicos - SPECT).

Diagnóstico diferencial
Nas crianças, os fenómenos que se confundem potencialmente com crises epilépticas são muitos e
incluem todos os fenómenos paroxísticos com manifestações motoras, sensitivas ou sensoriais ou
com perturbação da consciência:
• síncopes e lipotímias;
• apneias e espasmos do soluço;
• crises psicogénicas e ansiosas;
• fenómenos paroxísticos próprios do sono;
• estados de distracção;
• fenómenos de auto-estimulação;
• síndrome de Sandifer e torcicolos paroxísticos;
• cólicas do lactente;
• enxaqueca e variantes;
• doenças paroxísticas do movimento (ataxia, distonia, coreia);
• tiques e estereotipias.
Convulsões e epilepsia

Terapêutica
A atitude médica adequada no decorrer da crise é proteger o doente, evitar complicações secun-
dárias por traumatismo, asfixia, aspiração. A maioria esmagadora das crises é auto-limitada em
poucos minutos e não necessita de uma interrupção farmacológica. Estas crises breves também
não necessitam de manobras de reanimação agressiva nem de administração de oxigénio.
317
Ao contrário, passados 5 minutos de crise ou numa criança com antecedentes de crises prolonga-
das, a probabilidade de se prolongar muito mais é grande e deve ser desencadeado o protocolo de
estado de mal, começando pela administração de benzodiazepinas (ev ou em dispositivos próprios
para administração rectal ou gengival).
Desenvolvimento e Neurologia

A terapêutica profiláctica das epilepsias nas crianças deve ser feita sob a orientação de uma con-
sulta especializada. Quando esta não está disponível e se julga muito importante iniciar uma te-
rapêutica, esta deve ser feita com um antiepiléptico de largo espectro (desde que não haja uma
contraindicação específica) como o valproato de sódio ou levetiracetam.

Prognóstico
O prognóstico das crises agudas sintomáticas depende da doença de base e da possibilidade da
sua correcção. O prognóstico das epilepsias varia também com a sua etiologia.
É excelente nos síndromes epilépticas idiopáticas dependentes da idade e pode ser muito lesivo
da função neurológica e desenvolvimento em epilepsias refractárias das crianças pequenas, muitas
vezes relacionadas com malformações ou doenças metabólicas.

Convulsões e epilepsia

318
Desenvolvimento e Neurologia

80. Cefaleias
Raquel Firme, Sofia Nunes

Introdução
As cefaleias são comuns nas crianças e adolescentes, aumentando de frequência com a idade (3%
em crianças em idade escolar e 20% nos adolescentes), ligeiramente maior no sexo masculino e
na primeira década de vida, invertendo-se progressivamente esta relação a partir da puberdade e
até à idade adulta, altura em que a prevalência é significativamente superior nas mulheres. Classifi-
cam-se em primárias ou idiopáticas (enxaqueca, cefaleia do tipo de tensão e cefaleias autonómicas
trigeminais: Tabela 94) ou secundárias a uma condição médica subjacente. Podem igualmente ser
classificadas de acordo com o padrão de frequência, que pode ser útil quando se tenta estabe-
lecer o diagnóstico etiológico (Tabela 95). Algumas síndromes episódicas da infância podem ser
variantes da enxaqueca nomeadamente a síndrome dos vómitos cíclicos, a enxaqueca abdominal,
a vertigem benigna paroxística da infância e o torcicolo benigno paroxístico.

Tabela 94: Características clínicas das cefaleias primárias


Tipo
Enxaqueca Cefaleia de tensão Cefaleias autonómicas trigeminais
Crianças mais pequenas:
usualmente bilateral; Sempre unilateral, usualmente começa
Localização adolescentes e adultos jovens: Bilateral à volta do olho associada a dor
60-70% unilateral, temporo-parietal (território do trigémio)
30% bifrontal e global
Dor rápida, atinge o crescendo em minutos;
a dor é profunda, contínua, excruciante e
Gradual, em crescendo, Pressão ou aperto que explosiva na qualidade. Inclui cefaleias em
Características pulsátil, moderada a severa, vai aumentando ou salvas, SUNCT (cefaleia de curta duração,
agravada pelo exercício físico diminuindo unilateral, neuralgiforme com hiperémia
conjuntival e lacrimejo) e cefaleia tipo
“facada”
Necessidade de repouso num Activo ou pode
Comportamento Activo
quarto escuro e silencioso necessitar de repouso
Duração 1 a 72 horas Variável Segundos a poucas horas
Lacrimejo ipsilateral e hiperémia ocular,
Náusea, vómitos, fonofobia
Sintomas obstrução e rinorreia, palidez, sudorese,
e fotofobia, podem ter aura Nenhum
associados síndrome de Horner, sinais neurológicos
(usualmente visual)
focais (raros).
Adaptado de Bonthius DJ et al, 2013.

Abordagem diagnóstica
Cefaleias

A história clínica e o exame físico, com particular destaque para as características clínicas sugestivas
de patologia intracraniana, permitem o diagnóstico clínico das cefaleias primárias (critérios defini-
319
dos pela Sociedade Internacional de Cefaleias).
Desenvolvimento e Neurologia

Anamnese
Antecedentes familiares: enxaqueca (60-70% de influência genética) ou outros tipos de cefaleia
(3 gerações); o padrão de cefaleia pode ser diferente entre os membros da família. Antecedentes
pessoais: trauma, doença sistémica (alteração tiroideia, drepanocitose, doença reumatológica),
sinusite ou doença odontológica, doença neurológica (como neurofibromatose, epilepsia) ou psi-
quiátrica, hipertensão, fármacos.

Tabela 95: Classificação etiológica da cefaleia na criança


Aguda
Localizada Generalizada
Infecção respiratória superior (sinusite, OMA) ou infecção Febre
viral (influenza) Infecção sistémica (influenza)
Pós-traumática Infecção do SNC (meningite, encefalite viral)
Relacionada com a cavidade oral (abcesso dentário, Hipertensão arterial, encefalopatia hipertensiva
disfunção articulação temporo-mandibular) Relacionada com o exercício físico
Abcesso cerebral Primeiro episódio de enxaqueca
Primeiro episódio de enxaqueca Trauma ou hemorragia intracraniana
Toxinas (monóxido de carbono), fármacos (contraceptivos
orais) ou substâncias ilícitas (anfetaminas)
Aguda e recorrente
Enxaqueca Sinusopatia recorrente
Cefaleias autonómicas trigeminais (cefaleia em salvas) Exposição recorrente a tóxicos (álcool, toxinas, substâncias
Cefaleia do tipo de tensão ilícitas, fármacos)
Causa psiquiátrica (perturbações alimentares) Doença mitocondrial
Crónica e não progressiva
Cefaleia do tipo de tensão Doença tiroideia
Enxaqueca crónica ou persistente Malformação de Chiari
Sinusopatia crónica Cefaleias autonómicas trigeminais
Doença odontológica Causa psiquiátrica (depressão, fobia escolar, perturbações
Síndrome de apneia obstrutiva do sono alimentares)
Hipertensão intracraniana idiopática Pós-traumática, pós-concussão
Abuso de fármacos (analgésicos)
Crónica e progressiva
Hipertensão intracraniana idiopática Trombose do seio venoso
Lesão ocupando espaço (tumor, abcesso, hemorragia, Doença endócrina: tiroideia ou paratiroideia
hidrocefalia) Malformação de Chiari
Malformação vascular Pós-traumática/pós-concussão
Infecção (meningite crónica)
Vasculite
Adaptado de Bonthius DJ et al, 2013 e Blume HK, 2012.
Cefaleias

Características da dor
Idade de aparecimento - enxaqueca habitualmente na primeira década; cefaleias crónicas não
progressivas na adolescência. 320
Forma de aparecimento - abrupta e intensa pode significar hemorragia intracraniana.
Padrão e periodicidade (enxaqueca: 2 a 4 vezes/mês, crónica não progressiva: 5 a 7 dias/semana,
em salvas: 2 a 3 vezes/dia).
Duração - enxaqueca 30 minutos a 72h, tensão pode durar até todo o dia, em salvas 5 a 15
minutos.
Desenvolvimento e Neurologia

Presença de aura ou pródromo - sugestivo de enxaqueca; de resolução completa; aura: alterações


visuais são as mais frequentes seguido das sensitivas; fonofobia ou fotofobia são mais comuns na
enxaqueca mas podem estar presentes também nas de tensão.
Horas do dia - despertar nocturno ou ao acordar pode indicar HIC ou lesão ocupando espaço;
vespertina nas cefaleias de tensão.
Qualidade - pulsátil nas enxaquecas; pressão nas de tensão e crónicas não-progressivas; profunda
nas cefaleias em salvas.
Local - occipital: neoplasia da fossa posterior ou enxaqueca basilar; temporal ou retro-orbitária e
unilateral: em salvas; localizada: sinusite, otite, abcesso dentário; frontal, em banda ou temporal:
tensão; variável na enxaqueca: usualmente unilateral embora possa ser mais bilateral nas crianças.
Factor desencadeante ou de agravamento - decúbito ou com manobras de valsava: HIC; alimen-
tos, odores, evicção de sono, menstruação, movimentos cefálicos rápidos: enxaqueca; stress, luz,
barulho, actividade física vigorosa: enxaqueca ou de tensão.
Factor de alívio ou de melhoria - repouso ou decúbito: em salvas; escuro, silêncio, compressas frias,
repouso ou sono: enxaqueca.
Sintomas associados - défices neurológicos: HIC e lesão ocupando espaço; febre: infecção; rigidez
da nuca: meningite, faringite complicada ou hemorragia intracraniana; dor localizada: otite mé-
dia aguda, faringite, sinusite, abcesso dentário; sintomas autonómicos, como tonturas, síncope,
náuseas ou vómitos, lacrimejo: enxaqueca ou em salvas; sintomatologia intercrise: náuseas ou
vómitos progressivos ou sintomas neurológicos são sugestivos de HIC e/ou lesão ocupando espaço;
polidipsia ou poliúria e/ou defeitos do campo visual: sugestivo de lesões hipotálamo-quiasmáticas;
a resolução dos sintomas é sugestivo de cefaleias de etiologia primária.

Exame objectivo
Sinais vitais nomeadamente a tensão arterial (exclusão de HTA - pode estar na origem das cefaleias
ou ser uma resposta a HIC) e temperatura (para exclusão de febre); somatometria deve incluir
perímetro cefálico (pode indicar aumento da pressão intracraniana) e progressão estaturo-ponde-
ral; avaliação do estadio pubertário (má progressão ou atraso pubertário pode indicar patologia
intracraniana); alterações cutâneas (síndromes neurocutâneas, eritema malar no LESJ ou trauma);
palpação da tiroideia, sinais meníngeos, exame neurológico incluindo se possível a fundoscopia
(papiledema sugestivo de HIC; hemorragia retinianas sugestivo de HIC ou trauma).

Exames complementares de diagnóstico


A neuroimagem não está usualmente indicada em crianças com cefaleias crónicas, não progressi-
vas ou enxaqueca, e na ausência de sinais ou sintomas de disfunção neurológica ou aumento da
pressão intracraniana. Quando realizada, deverá ser sem contraste. A TC crânio-encefálica está
indicada em situações agudas ou em situações em que a suspeita é fractura ou hemorragia; a RM
Cefaleias

crânio-encefálica está indicada em situação não emergente pela melhor caracterização, embora
exija, muitas vezes, sedação em lactentes e crianças pequenas.
321
Desenvolvimento e Neurologia

Tabela 96: Sinais de alarme para patologia intracraniana (características de alto risco)
Características da cefaleia Sinais ou sintomas específicos
Cefaleia intensa súbita Náusea/vómito matinal ou em jejum (não associado com
Cefaleia intensa de início recente (até 6 meses) enxaqueca típica)
Cefaleia occipital Disfunção neurológica (outra que não a típica enxaqueca
Cefaleia em salvas acompanhada de aura)
Cefaleia ao acordar/início da manhã Papiledema
Cefaleia que desperta do sono Confusão/desorientação
Agravamento da cefaleia em decúbito e/ou durante Convulsões
manobra de Valsava Alterações do comportamento e/ou personalidade
Alteração das características da cefaleia em doentes com Declínio cognitivo
cefaleia primária prévia Poliúria, polidipsia
Aumento do perímetro cefálico
Má progressão ponderal
Atraso pubertário ou puberdade precoce
Adaptado de Roser et al, 2013

Indicação para neuroimagem


Dos 3 aos 18 anos, em crianças com cefaleias recorrentes não associadas a trauma agudo, febre
ou outros agentes desencadeantes óbvios se (ver também Tabela 96):
• e xame neurológico anormal e/ou convulsões;
• a parecimento recente de cefaleia intensa (a “pior de sempre”);
• alteração no padrão ou nas características das cefaleias (para crianças e adolescentes com cefa-
leia crónica, como cefaleia crónica progressiva);
• s uspeita de meningite, encefalite ou sinusite com extensão intracraniana;
• cefaleia intensa em criança com doença subjacente que predispõe para patologia intracraniana
[imunodeficiência, anemia das células falciformes, coagulopatia, HTA, neurofibromatose ou ou-
tra síndrome neurocutânea, história de neoplasia (leucemia; as metástases cerebrais de neopla-
sias sólidas são raras)];
• c efaleia que desperta o doente durante o período do sono.
Considerar também em crianças com menos de 3 anos com cefaleias graves e recorrentes não
explicadas.

Orientação e terapêutica
Medidas gerais
Diário da cefaleia (registo do dia e altura do dia, gravidade, precipitante, medicação efectuada; ver
Figura 40).
Tratar co-morbilidades (asma e alergias, sinusopatia, obesidade, epilepsia, perturbações do sono e
factores psicológicos ou emocionais).
Cefaleias

Modificação de estilo de vida: evitar factores precipitantes (privação de sono, períodos prolongados
de jejum, desidratação, stress, cafeína quando aplicável) e promoção de actividade física aeróbica. 322
Desenvolvimento e Neurologia

Enxaqueca: repouso, ausência de ruído e luz perante uma crise.

Terapêutica das crises


Usar com cautela (inferior a 2-3 dias/semana; medicação específica para enxaqueca (inferior a 6x/
mês) pelo risco de cefaleia por abuso de fármacos:
• paracetamol (15-20 mg/kg/dose; máximo 1 g/dose; 4xdia);
• ibuprofeno (10 mg/kg/dose; máximo 40 mg/kg/dia; 3xdia);
• naproxeno (em idade superior a 12 anos; 250 mg/dose; máximo 3xdia).
• triptanos: ponderar se ausência de resposta ao naproxeno (em idade superior a 12 anos; exem-
plo - almotriptano: dose inicial de 12,5 mg ou sumatriptano: dose inicial de 25 mg); administrar
logo no início da dor;
• antieméticos se vómitos ou náuseas: prometazina (em idade superior a 2 anos); metoclopramida
(risco de reacções distónicas) ou ondansetron: reservados para o serviço de urgência.

Terapêutica profiláctica da enxaqueca


Considerar se mais de 4 episódios/mês e se estes requerem medicação significativa ou cefaleias
que interferem adversamente com as actividades diárias. Considerar também se ausência de res-
posta ou tolerância à medicação aguda. Algumas opções (mínimo 8 a 12 semanas para resposta;
titulação por um período de 4 a 12 semanas; adaptar os efeitos secundários às co-morbilidades;
objectivos: menos de 1-2 episódios por mês):
• flunarizina: 10 mg/dia (5 mg/dia em idade inferior a 10 anos) durante 4 semanas com desmame
subsequente (por exemplo passar para dias alternados); nas enxaquecas mas também cefaleias
de tensão; pode ser primeira linha na profilaxia nas crianças; efeitos adversos - ganho ponderal
e sonolência;
• a mitriptilina: 10-50 mg uma toma à noite; dose inicial: 5 mg 24/24h com aumento 0,25 mg/kg/
dia no mínimo a cada 2 semanas até controlo ou até máximo de 1 mg/kg/dia; efeitos adversos -
sedação, ganho de peso; agrava defeitos de condução cardíacos (QT longo) - indicação para ECG
prévio; também pode ser usada nas cefaleias de tensão crónicas;
• propranolol: 2-4 mg/kg/dia; dose inicial: 0,5-1 mg/kg/dia, monitorizar FC e TA; vigilância a cada
3 meses; manter FC superior a 60 bpm após 1 minuto de exercício; contra-indicada na asma e
com cautela se síndrome depressiva, diabetes ou hipotensão ortostática; dados controversos
relativamente à eficácia;
• valproato de sódio: dose inicial 10-20 mg/kg de 12/12h (ou 250 mg de 12/12 horas); teratogéni-
co - evitar como primeira linha em adolescentes do sexo feminino; monitorizar função hepática
e hemograma - risco de trombocitopénia; outros efeitos adversos - sonolência, náuseas ou vómi-
tos, aumento do apetite, alopécia, tremor postural e de acção;
• topiramato: 2-4 mg/kg/dia; dose inicial - ¼ da dose com aumento a cada 2 semanas; dose habi-
Cefaleias

tual do adulto - 50 mg de 12/12h; efeitos adversos - tonturas, parestesias, disfunção da memória


ou linguagem, anorexia, dor abdominal.
323
Medidas cognitivo-comportamentais
Treino de biofeedback e técnicas de relaxamento (sobretudo quando associadas à medicação);
difícil adesão e controverso.
Desenvolvimento e Neurologia

Indicações para referenciação


Cefaleia secundária (a lesão ocupando espaço, hipertensão intracraniana idiopática).
Cefaleias associadas com perturbações do humor ou ansiedade.
Cefaleias refractárias à abordagem terapêutica primária.
Cefaleia crónica diária (mais de 15 dias/mês; embora o médico assistente deva ter conhecimento
do plano terapêutico e ajudar com a sua implementação).

Prognóstico
Num estudo que analisou um período de seguimento de 8 anos, a remissão ocorreu em 88% das
crianças com cefaleia crónica diária, 44% das crianças com cefaleias de tensão, 28% em crianças
com enxaqueca.
As co-morbilidades psiquiátricas estão associadas a ausência de remissão ou agravamento progres-
sivo do quadro clínico com o tempo.

Cefaleias

324
Desenvolvimento e Neurologia

Figura 40: Diário de Cefaleias


Factores de Alívio/
Medicação
Acompanhantes
Sintomas
Desencadeantes
Diário de Cefaleias
Sintomas Antes
da Cefaleia
Gravidade
Local/Qualidade
Data/Hora

Cefaleias

325

Legenda:
Local: lado esquerdo/lado direito, ambos os lados, à frente, atrás, atrás do olho, à volta da cabeça
Qualidade: pulsátil, aperto, facada
Gravidade de 1 a 10 (1 – dor menos forte; 10 – dor mais forte de todas)
Sintomas antes da cefaleia: luzes, pontos negros na visão, visão desfocada, náusea, tremores
Desencadeantes: alimentos, odores, luzes, calor, exercício, viagem de carro, falta de sono
Sintomas acompanhantes: náuseas, vómitos, tonturas
Factores de alívio: medicação (dose), sono, inactividade, compressas frias
Desenvolvimento e Neurologia

81. Paralisia cerebral


Pontos-chave de seguimento e tratamento
Sílvia Jorge, Teresa Mirco

Introdução
A paralisia cerebral é uma perturbação do movimento e/ou postura com disfunção motora, que
resulta de uma anomalia ou lesão permanente, não progressiva, do cérebro em desenvolvimento.
À disfunção motora que caracteriza a paralisia cerebral associam-se frequentemente alterações
sensoriais, perceptivas, cognitivas, da comunicação e/ou comportamento, epilepsia e problemas
músculo-esqueléticos secundários.
A clínica varia com o crescimento e é modificável com a intervenção. Em Portugal a incidência
de paralisia cerebral entre 2001 e 2003 foi de 1,6:1.000 nados-vivos, sendo a prematuridade o
maior factor de risco (41,5% dos casos com causa identificada, risco relativo mais elevado abaixo
das 32 semanas de idade gestacional)1. Foram atribuíveis a asfixia perinatal 15% dos casos. Nas
crianças de termo um dos grandes preditores de paralisia cerebral, independentemente da causa,
é a presença de encefalopatia com disfunção neurológica importante, dificuldade respiratória e
alteração do tónus.

Diagnóstico
O diagnóstico é clínico, de exclusão, baseado numa história e exame objectivo minuciosos. É mais
consistente no 2º ano de vida, dada a maior maturação do córtex. Considera-se 4 anos a idade
óptima para diagnóstico definitivo, a fim de reduzir falsos positivos. Mais de 80% das crianças com
paralisia cerebral têm alterações neuro-imagiológicas, sendo a RM o exame de eleição. Quando a
clínica e as alterações imagiológicas são concordantes, o diagnóstico pode ser estabelecido mais
precocemente.
Constituem sinais de alarme (Capítulo 70. Avaliação do neurodesenvolvimento e sinais de alarme):

Paralisia Cerebral Pontos-chave de seguimento e tratamento


padrão de movimentos globais do lactente alterado, mãos persistentemente fechadas, controlo
cervical precoce, persistência de reflexos primitivos, atraso nas aquisições motoras, dificuldades
alimentares, uso assimétrico dos membros, lateralidade definida antes dos 18 meses, sinais de
espasticidade (ortostatismo rígido, membros inferiores em tesoura, marcha fixa em pontas), discre-
pância cognitivo/motora, sialorreia persistente2, hipotonia (formas não espásticas), alterações da
coordenação, movimentos involuntários.

Classificação
A classificação adoptada pela Surveillance of Cerebral Palsy in Europe define quatro subtipos de
paralisia cerebral de acordo com o quadro clínico predominante:
• e spástica (bilateral ou unilateral);
326
•d  isquinética (distónica ou coreo-atetósica);
• atáxica;
•n  ão classificável.

1 Dados do Relatório do Programa de Vigilância Nacional da Paralisia Cerebral aos 5 anos - Crianças nascidas entre 2001 e 2003
2 O controlo da baba é adquirido pelos 24 meses, a sua ausência é anormal depois dos 4 anos.
Desenvolvimento e Neurologia

O Sistema de Classificação da Função Motora Global (GMFCS ou Gross Motor Function Classifica-
tion System for Children)3 é essencial na caracterização funcional e correlaciona-se com a morbili-
dade. Agrega a função com a incapacidade motora, definindo 5 níveis de acordo com as limitações
funcionais e em função da idade. O título atribuído a cada nível corresponde à forma de mobili-
dade mais característica do desempenho após os seis anos de idade: nível I - anda sem limitações;
nível II - anda com limitações; nível III - anda com auxiliar de marcha; nível IV - auto-mobilidade
com limitações, requer assistência física ou cadeira de rodas eléctrica; nível V - transportado em
cadeira de rodas.

Orientação e terapêutica
O tratamento deve ser iniciado de imediato, sem aguardar confirmação diagnóstica definitiva. A
criança deve ser referenciada à Medicina Física e de Reabilitação, na medida em que o acompa-
nhamento é feito desde lactente a idoso, adequando o tratamento médico a todas as fases. Os
objectivos são melhorar as competências e perfil de funcionalidade e promover a saúde em termos
de locomoção, desenvolvimento cognitivo, interacção social e autonomia. É dirigido à manutenção
das amplitudes articulares, controlo do tónus, prevenção da deformidade articular, apoio à comu-
nicação, alimentação, integração em meio escolar, obtenção de produtos de apoio nas diferentes
fases de crescimento e de evolução da doença, bem como ensino dos pais e cuidadores4. Face às
manifestações da paralisia cerebral e perfil de co-morbilidades, a abordagem é necessariamente
multidisciplinar (Tabela 97), passando por fisioterapia, terapia da fala e terapia ocupacional, trata-
mentos cirúrgicos e farmacológicos, meios de apoio e tratamento de condições médicas associa-
das, com envolvimento do médico assistente da criança.

Prognóstico
A pergunta comum a todos os pais é se a criança vai andar. Os principais factores preditivos pa-
recem ser a persistência dos reflexos primitivos, o desenvolvimento motor não fino e o tipo de

Paralisia Cerebral Pontos-chave de seguimento e tratamento


paralisia cerebral. A persistência dos reflexos e a ausência de reacções posturais aos 2 anos estão
associados a um fraco prognóstico para a deambulação, assim como um compromisso cognitivo
grave. Em relação ao tipo de paralisia cerebral, quadros de hemiparésia espástica têm melhor
prognóstico em relação à marcha.
O controlo da dor e a melhoria das consequências da imobilidade são factores determinantes na
qualidade de vida, existindo terapêutica farmacológica e não farmacológica para actuar a estes
níveis.

327

3 Disponível em http://motorgrowth.canchild.ca/en/GMFCS/resources/FINALGMFCS-ERwebformat-Portuguese.pdf.
4 Informação para pais disponível em http://neuropediatria.pt/para-os-pais/paralisia-cerebral
Desenvolvimento e Neurologia

Tabela 97: Tratamento da paralisia cerebral e co-morbilidades


Espasticidade
Pode ser generalizada ou focal. É uma das causas de deformidade articular. O tratamento visa a melhoria da função,
conforto e facilidade dos cuidados, não a normalização do tónus.
Cinesiterapia - como tratamento primário, e em simultâneo com o farmacológico.
Toxina botulínica tipo A - acção local, dependente do componente dinâmico articular; músculos mais infiltrados: gémeos,
solhar, tibial posterior, isquiotibiais, adutores da anca e psoas, bicípite e flexores do carpo. O efeito persiste 3 a 4 meses.
Baclofeno - oral ou bomba de baclofeno intratecal (nos quadros graves sem resposta ao oral).
Diazepam - tratamento de espasmos (por exemplo associados a dor aguda), com compromisso cognitivo minor.
Ortóteses - para pé e tibiotársica promovendo a dorsiflexão e estabilização da articulação. Na coluna em situações de
grande especificidade podem atrasar a evolução gradativa da curva.
Hipoterapia - estímulo sensorial e cognitivo; melhora a coordenação, equilíbrio e a abdução das ancas.
Deformidade articular
Alterações músculo-esqueléticas multinível, associadas a espasticidade, fraqueza muscular, hipomobilidade e
posicionamentos estáticos ou desadequados.
Pés equinovarus.
Alterações da coluna (escoliose, cifose e lordose), que agravam nos surtos de crescimento.
Retracção do psoas com flexão da anca.
Luxação da anca devido a deslocamento externo progressivo das cabeças femurais, por anteversão femural excessiva e
espasticidade dos adutores e flexores da anca. Geram-se pressões assimétricas, com displasia da cabeça e/ou acetábulo,
dor, limitação do movimento, luxação e obliquidade pélvica. Mais frequente nos níveis de menor funcionalidade (GMFCS
IV e V). Avaliação por radiografia pélvica antero-posterior aos 2 anos de idade, ou antes se existir clínica de luxação, com
medição do índice de migração, para intervir precocemente no sentido de prevenir ou atrasar a luxação.
Risco de fractura patológica por baixa densidade mineral óssea (sobretudo nos grupos não andantes).
Tratamento – tratamento da espasticidade, posicionamento, cirurgia multinível ortopédica (se não há componente
dinâmico articular).
Sialorreia
Dificuldades na interacção social, risco de engasgamento.
Tratamento: TF, anticolinérgicos, toxina botulínica intra-glandular, cirurgia.
Alterações respiratórias
Infecções respiratórias frequentes (predisponentes: tosse ineficaz; menor expansão torácica por espasticidade intercostal;
episódios de engasgamento e aspiração - que pode ser silenciosa, sem tosse).

Paralisia Cerebral Pontos-chave de seguimento e tratamento


SAOS, insuficiência respiratória.
Dificuldades alimentares
Frequentemente subvalorizadas pelos cuidadores, atingem mais de 90% nos níveis GMFCS IV e V.
Caracterizar sistematicamente as refeições (duração, ingesta, tipo de alimentos, episódios de tosse).
Ocorrem por alterações da sucção-deglutição e oromotricidade, com baixa ingestão alimentar, má progressão ponderal e
risco de engasgamento e de aspiração (maior nos GMFCS IV e IV).
Tratamento: dieta personalizada (aporte calórico, consistência dos alimentos); posicionamento; TF; gastrostomia (se risco
elevado de aspiração ou aporte deficitário com medidas prévias).
Alterações gastrointestinais
Obstipação, RGE, vómitos.
Má progressão ponderal
Multifactorial, nomeadamente por dificuldades alimentares, RGE, alterações respiratórias e episódios infecciosos frequentes
e aumento do dispêndio energético decorrente das alterações do tónus. Associada a aumento da morbi-mortalidade. 328
Abordagem: vigilância da progressão ponderal mediante curvas adaptadas ao nível de funcionalidadea. Tratamento de
causas identificadas. Ponderar referenciação a Gastroenterologia/Nutrição com experiência se progressão abaixo do P5 para
GMFCS I-II ou abaixo do P20 para GMFCS III-V.
(continuação)
Desenvolvimento e Neurologia

(continuação)

Dor
Elevada prevalência, obrigando a avaliação sistemática, dificultada se há compromisso grave da comunicação. Pode
traduzir-se por aumento súbito da espasticidade, espasmos musculares, irritabilidade ou alterações do sono. Causas
frequentes: dor músculo-esquelética com fisioterapia, mudanças de posição e espasmos (nas crianças com maior
espasticidade), subluxação da anca, cáries, RGE, obstipação, dismenorreia, infecção urinária, febre ou outra doença aguda.
Tratamento: analgesia (nomeadamente profiláctica, em formas não espásticas, por exemplo antes de sessões de FT);
tratamento da espasticidade ou de outra causa de dor identificada.
Alterações da visão e audição
Estrabismo, miopia, defeitos do campo visual, ROP.
Hipoacúsia.
Avaliar a visão e audição em todas as crianças.
Alterações da linguagem e comunicação
Abordagem: TF, meios de apoio (métodos aumentativos) e sistemas de comunicação alternativa para optimizar o potencial
de comunicação não verbal.
Dificuldades de aprendizagem e alterações do comportamento
Défice cognitivo, dificuldades específicas de aprendizagem, PDAH, ansiedade, depressão.
Abordagem: valorizar a impressão dos cuidadores quando referem que a criança compreende mais do que expressa.
Avaliação cognitiva incluindo avaliação da cognição não verbal. Plano educativo individualizado potenciando as
competências identificadas.
Epilepsia
Mais frequente nas crianças com GMFCS IV e V e nas formas espásticas bilaterais. Frequentemente são convulsões focais,
colocando-se o diagnóstico diferencial com contracções distónicas.
Avaliação e acompanhamento por Neurologia Pediátrica.
Incontinência urinária
Atraso na aquisição da continência urinária face ao esperado para o funcionamento motor e cognitivo. Episódios de
urgência por hiperactividade do detrusor e bexiga de baixa capacidade; bexiga neurogénica.
Tratamento: oxibutinina, algaliação com esvaziamento, uso de fralda, exercícios de biofeedback, cirurgia.
Alterações do sono
Avaliar se secundárias a dor, ansiedade ou RGE, tratamento em conformidade com a causa.

Paralisia Cerebral Pontos-chave de seguimento e tratamento


FT: fisioterapia; GMFCS: Gross Motor Classification Function System For Children; ROP: retinopatia de prematuridade ; TF: terapia da fala
a
Dísponíveis em: http://www.lifeexpectancy.org/ articles/NewGrowthCharts.shtml.

329
Desenvolvimento e Neurologia

82. Neurofibromatose tipo 1 e esclerose tuberosa


José Carlos Ferreira

Neurofibromatose tipo 1
Introdução
A neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma doença genética de transmissão autossómica dominante
em que cerca de metade dos casos ocorrem de forma esporádica por mutações de novo. O gene
NF1 tem uma localização em 17q11 e é responsável pela produção do supressor tumoral neurofi-
bromina. A incidência da doença ao nascimento é cerca de 1:3.000. As mutações conduzem a um
risco aumentado para a geração de tumores benignos e malignos.

Manifestações clínicas e diagnóstico


As lesões afectam sobretudo o sistema nervoso central e periférico, os olhos e o esqueleto. O
diagnóstico é clínico e baseia-se na existência de 2 ou mais critérios (Tabela 98). Os sintomas e
sinais vão surgindo ao longo da vida e assim, em doentes que não reúnam critérios suficientes
num determinado momento, não se pode excluir definitivamente o diagnóstico. As crianças com
seis ou mais manchas café-com-leite mas sem história familiar devem ser acompanhadas como se
tivessem a doença, já que 95% delas irão ter posteriormente critérios diagnósticos.
A maioria das crianças afectadas com NF1 são completamente assintomáticas, mas para além dos
sinais que constituem critérios diagnósticos, é um pouco maior do que na população em geral a
prevalência de dificuldades de aprendizagem e de outros sintomas neurológicos, de macrocefalia
relativa e baixa estatura, de deformações esqueléticas e escoliose, problemas cardiovasculares,
neoplasias.

Tabela 98: Critérios diagnósticos de neurofibromatose tipo 1


Seis ou mais manchas café-com-leite com diâmetro ≥ 5 mm em doentes pré-púberes e ≥ 15 mm em pós-púberes
Dois ou mais neurofibromas de qualquer tipo ou um neurofibroma plexiforme
Efélides nas regiões axilar ou inguinal
Neurofibromatose tipo1 e esclerose tuberosa
Glioma da via óptica
Dois ou mais nódulos de Lisch (hamartomas da íris)
Uma lesão óssea característica, nomeadamente displasia da asa do esfenóide ou adelgaçamento da cortical dos ossos
longos, com ou sem pseudo-artrose
Um familiar em primeiro grau com NF1
Adaptado de Ferner RE et al, 2007

Diagnóstico diferencial
Outras formas de neurofibromatose (NF1 segmentar, manchas café-com-leite isoladas autossómi-
cas dominantes, NF2, schwanomatose), outras doenças com manchas café-com-leite (síndrome 330
de McCune-Albright, síndromes de carcinoma do cólon familiar), doenças com outras manchas
pigmentadas (síndrome de LEOPARD, síndrome de Peutz-Jeghers, melanose neurocutânea, piebal-
dismo), síndromes com hipertrofias localizadas (Proteus, Klippel-Trenaunay), doenças com tumores
que se confundem com neurofibromas (lipomatose, fibromatose, neoplasias endócrinas múltiplas
tipo 2B).
Desenvolvimento e Neurologia

Orientação
As crianças com o diagnóstico de NF1 ou com mais de 6 manchas café-com-leite isoladas devem
ter um acompanhamento de vigilância em consultas de Pediatria, Neurologia e Oftalmologia. Exa-
mes complementares não estão recomendados de uma forma universal mas devem ser pondera-
dos caso a caso em função da clínica.
A vigilância anual deve incidir sobre:
•d  esenvolvimento, comportamento e progressão escolar;
• s intomas visuais, acuidade visual e fundoscopia, para rastreio de gliomas das vias ópticas;
• sinais neurológicos focais e de hipertensão intracraniana para rastreio de gliomas do tronco,
malformações e hidrocefalia;
•p  erímetro cefálico, peso e altura (percentis específicos para NF1);
•d  esenvolvimento pubertário;
• t ensão arterial e sintomas cardiovasculares;
• r astreio de escoliose;
• avaliação das lesões cutâneas, designadamente neurofibromas cutâneos, subcutâneos e
plexiformes.

Terapêutica
As medidas terapêuticas apropriadas não são específicas da NF1 mas sim das suas manifestações.
Os gliomas encefálicos e das vias ópticas têm frequentemente um comportamento mais benigno
na NF1 e esse aspecto deve ser tido em conta nas decisões para tratamento médico e cirúrgico.
Os neurinomas plexiformes desfigurantes podem necessitar de cirurgias múltiplas mas é quase
impossível a sua ressecção completa, pelo carácter infiltrativo do seu crescimento.

Esclerose tuberosa
Introdução
A esclerose tuberosa é uma doença genética de transmissão autossómica dominante em que cerca
de 2/3 dos casos ocorrem de forma esporádica por mutações de novo. A incidência é de 1:6.000
Neurofibromatose tipo1 e esclerose tuberosa
nados-vivos. As mutações conhecidas surgem em um de dois genes (TSC1 na localização 9q34 e
TSC2 em 16p13) envolvidos na regulação da via mTOR do metabolismo intracelular. A desinibição
desta via causada pela mutação, conduz a um aumento do crescimento e multiplicação celulares
que em última análise é responsável por todas as manifestações da doença.

Manifestações clínicas e diagnóstico (Tabela 99)


As lesões podem surgir numa multiplicidade de órgãos e provocar sintomas muito variáveis nos
diferentes doentes. Os órgãos mais frequentemente afectados são a pele, o cérebro, os rins e o
331
coração.
As diferentes manifestações têm idades próprias para se manifestarem. A suspeita diagnóstica é
frequentemente levantada pelos rabdomiomas cardíacos, detectáveis nas ecografias pré-natais,
ou pelas manchas acrómicas, presentes quase sempre nas primeiras semanas de vida. Também
os sintomas neurológicos podem surgir desde muito cedo, designadamente as crises epilépticas
causadas pelas displasias corticais, o atraso do desenvolvimento psico-motor e autismo.
Desenvolvimento e Neurologia

Os angiomiolipomas renais podem surgir e aumentar de volume em qualquer idade sendo o risco
de hemorragia grave proporcional à sua dimensão. Pelo contrário, a linfangioleiomiomatose pul-
monar, por exemplo, é quase exclusivamente uma manifestação de mulheres adultas.

Tabela 99: Novos critérios diagnósticos de esclerose tuberosa (Consensos Internacionais


de 2012)
Características major Características minor
Manchas hipomelanóticas (≥ 3, com ≥ 5mm diâmetro) Lesões na pele tipo “confetti”
Angiofibromas (≥ 3) ou placas fibrosas Fossetas múltiplas no esmalte dentário (≥ 3)
Fibromas ungueais (≥ 3) Fibromas intraorais (≥ 2)
Pele de chagrin (nevus de tecido conjuntivo) Manchas acrómicas retinianas
Hamartomas retinianos múltiplos Quistos renais múltiplos
Displasias corticais (≥ 3) a Hamartomas não renais
Nódulos subependimários (≥ 2)
Astrocitoma de células gigantes subependimário
Rabdomiomas cardíacos
Linfangioleiomiomatose b
Angiomiolipomas renais (≥ 2) b
a
Inclui tuberomas corticais e linhas de migração radiária na substância branca. b A combinação das duas características major linfangioleiomioma-
tose e angiomiolipomas só por si não constitui critério para diagnóstico definitivo

Esclerose tuberosa – diagnóstico definitivo:  Esclerose tuberosa – diagnóstico possível:


• 2 critérios major ou • 1 critério major ou
• 1 critério major + 2 critérios minor ou • 1 critério major + 1 critério minor ou
• mutação patogénica nos genes TSC1 ou TSC2 • ≥ 2 critérios minor
Mutação patogénica nos genes TSC1 ou TSC2 é suficiente para o diagnóstico definitivo
Adaptado de Calais da Silva F, 2014

Orientação
Na altura do diagnóstico a criança tem indicação para:
• E CG e ecocardiograma;
•R  M encefálica;
Neurofibromatose tipo1 e esclerose tuberosa
• EEG;
• e ducação dos pais para reconhecerem precocemente o eventual início de e spasmos infantis;
• a valiação de manifestações neuropsiquiátricas;
• imagiologia renal (ecografia ou RM);
• a valiação da tensão arterial e função renal;
• inspecção detalhada da pele e dentes;
• a valiação oftalmológica completa;
• a conselhamento genético.
332
Em idade pediátrica, o diagnóstico de esclerose tuberosa implica a referenciação e seguimento
numa consulta de Neurologia Pediátrica, onde se está em melhor posição para coordenar a vigi-
lância e terapêutica. Se existirem lesões cardíacas sintomáticas, a referenciação para Cardiologia
Pediátrica é a mais urgente.
Desenvolvimento e Neurologia

Ao longo da vida, estes doentes devem ser periodicamente vigiados. Estão indicados:
• RM encefálica a cada 1 a 3 anos até aos 25 anos; em doentes com astrocitoma de células gigan-
tes subependimário pode estar indicada uma frequência maior e depois dos 25 anos;
• avaliação de manifestações neuropsiquiátricas em idades chave do desenvolvimento (lactente,
pré-escolar, escolar, adolescente, adulto jovem);
• imagiologia renal (ecografia ou RM) cada 1 a 3 anos ao longo de toda a vida (pelo menos 1 vez
deve ser feita RM);
• a valiação da tensão arterial e função renal anualmente;
• avaliação regular das lesões cutâneas e dentárias; referenciação para Dermatologia dos doentes
com angiofibroma facial, fibromas ungueais ou lesões de chagrin desfigurantes;
• E CG a cada 3 a 5 anos em doentes assintomáticos;
• ecocardiograma a cada 1 a 3 anos em doentes assintomáticos com rabdomiomas até à sua
regressão espontânea;
• avaliação oftalmológica anual em doentes com lesões retinianas identificadas ou com sintomas
visuais.

Terapêutica
O tratamento da esclerose tuberosa é por enquanto limitado ao tratamento das suas manifesta-
ções. É possível que no futuro venha a estabelecer-se como terapêutica generalizada, fármacos
que actuam directamente no mecanismo da doença como os inibidores da mTOR.

Neurofibromatose tipo1 e esclerose tuberosa

333
Sindromes polimalformativas

83. Trissomia 21
Sofia Moura Antunes, Sílvia Jorge

Introdução
A trissomia 21 ou síndrome de Down tem uma incidência de aproximadamente 1:1.000 nascimen-
tos e é uma das principais causas genéticas de atraso global do desenvolvimento.
As crianças com síndrome de Down podem ter múltiplos problemas médicos tratáveis, anomalias
congénitas e alterações do desenvolvimento devido à presença de material genético extra, pro-
veniente do cromossoma 21. Em 95% dos casos a alteração genética é esporádica e resulta da
presença de uma cópia extra desse cromossoma. Com menor frequência, o fenótipo é explicado
por translocações cromossómicas ou mosaicismo.

Clínica
O fenótipo é variável e pode incluir: hipotonia, hiperlaxidão ligamentar, braquicefalia, fendas pal-
pebrais oblíquas, epicanto, manchas de Brushfield, base nasal achatada, pavilhões auriculares pe-
quenos, macroglossia relativa, prega palmar única transversal, alargamento do espaço entre o 1º e
2º dedo dos pés e clinodactilia do 5º dedo.
A expressão clínica e co-morbilidades associadas vão variando ao longo da vida, com repercussão
no plano de seguimento. Destacam-se as mais frequentes (Tabela 100).

Tabela 100: Co-morbilidades associadas à síndrome de Down


Alterações do desenvolvimento – perturbação do desenvolvimento intelectual (~100%), de ligeira (a maioria) a grave
Atraso da linguagem, perturbação do espectro do autismo

Hipoacúsia (75%), de condução (50-70%) ou neurossensorial

Síndrome de apneia obstrutiva do sono (50-79%)

Patologia ocular (60%), incluindo erros de refracção (50%), catarata (15%), obstrução do canal lacrimal

Anomalias cardíacas congénitas (50%), nomeadamente defeitos do septo AV, persistência do canal arterial e tetralogia de
Fallot; valvulopatias adquiridas, cor pulmonale

Hipodontia ou atraso da erupção dentária (23%)

Alterações neurológicas (1-13%), incluindo convulsões

Patologia gastrointestinal, incluindo dificuldades alimentares, refluxo gastroesofágico, malformações congénitas (10%),
doença celíaca (5%), doença de Hirschsprung (1%)

Alterações hematológicas incluindo ferropénia (10%), anemia (3%), doença mieloproliferativa transitória neonatal (4-10%),
policitémia e trombocitopénia neonatal, leucemia (1%)
Trissomia 21

Alterações ortopédicas, incluindo luxação congénita da anca (6%), instabilidade atlanto-axial (1-2%), subluxação da rótula,
escoliose, metatarso varo, pés planos, necrose avascular do fémur

Patologia endócrina: patologia tiroideia (4-18%), diabetes, obesidade, infertilidade


334
Disfunção imunitária: infecções frequentes, nomeadamente respiratórias.
Doenças auto-imunes, incluindo artrite, vitiligo, alopecia areata

Alterações psiquiátricas: perturbações do humor, demência (no adulto)


Sindromes polimalformativas

Orientação e terapêutica
Avaliação diagnóstica e orientação inicial, no RN com fenótipo sugestivo:
• avaliação laboratorial: hemograma, estudo morfológico de sangue periférico;
• avaliação genética: cariótipo;
• planear avaliação por cardiologia pediátrica (imediata se sintomático);
• avaliação e intervenção nas dificuldades alimentares;
• avaliação por MFR, pela hipotonia e risco de instabilidade atlanto-axial; aconselhamento posicio-
nal (evitar a extensão ou a flexão cervical excessivas);
• r eflexo pupilar vermelho (se ausente, observação por Oftalmologia);
•o  toemissões acústicas.
Ao diagnóstico, orientar dos pais para grupos de apoio, Sistema Nacional de Intervenção Precoce
na Infância (SNIPI) e prestações sociais (bonificação por deficiência).
O seguimento a longo prazo é multidisciplinar, atendendo às manifestações clínicas: Desenvolvi-
mento, Cardiologia Pediátrica, ORL, Oftalmologia, Estomatologia (Tabela 101).

Prognóstico
Actualmente, a esperança média de vida ultrapassa os 55 anos, resultado de melhor acesso a
cuidados de saúde.
Na maioria dos casos o compromisso cognitivo é ligeiro. O início precoce da intervenção, com
fisioterapia, reabilitação neurocognitiva e da linguagem (passando por ferramentas de comunica-
ção alternativa, não verbal, e depois literacia precoce como formas de promoção da linguagem
verbal) são essenciais. Junto com a educação inclusiva e o acesso a treino de competências sociais
e adaptativas, estas medidas possibilitam a estas crianças melhor concretização do seu potencial
cognitivo e uma melhor integração na sociedade.

Trissomia 21

335
Sindromes polimalformativas

Tabela 101: Seguimento das crianças com síndrome de Down


0-1 mês 1 mês-1 ano 1-5 anos 5-13 anos 13-18 anos
Consulta de Desenvolvimentoa ü ü Anual Anual Anual

Hemograma b
ü Anual Anual Anual

TSH e fT4 Rastreio


6 e 12 meses Anual Anual Anual
neonatal

Resposta comportamental aos sons,


ü ü Anual Anual Anual
linguagem; rastreio de hipoacúsiac

Exame oftalmológico ü ü ü ü ü

Vigilância do crescimentod ü ü ü ü ü

Obstipação, diarreia, outras queixas


ü ü ü ü ü
gastrointestinais e

Medidas de protecção da coluna


ü ü ü ü ü
cervical; sinais de mielopatiaf

Roncopatia, apneia e outros sinais de


ü ü ü ü
perturbações respiratórias do sonog

Oftalmologia 6 meses Anual 2/2 anos 2/2 anos

Cardiologia Pediátrica h
ü

Estomatologia Referenciar

Vacina anti-pneumocócica Pn13: reforço


Pn13
(norma nº 12/2015 de 23/06/2015) Pn23: 1 dose

Puberdade, contracepção e IST;


ü ü
consulta de Ginecologia na adolescente
a
Referenciar aquando do diagnóstico. Em cada consulta: rever DPM, comportamento. Adequar a intervenção multidisciplinar ao perfil individual
(apoio educativo, terapia da fala, terapia ocupacional, psicologia). b No primeiro mês de vida com exame morfológico de sangue periférico, pelo risco
de policitémia, trombocitopénia e doença mieloproliferativa transitória. Posteriormente, associar ferritina e proteína C reactiva se risco de ferropénia
ou hemoglobina inferior a 11 g/dl. c Avaliação adequada à idade e nível de desenvolvimento; potenciais evocados auditivos aos 6 meses; tim-
panograma de 6 em 6 meses até aos 4 anos; d Somatometria incluindo IMC em cada consulta (curvas da OMS; avaliar desvios comparando com
curvas específicas para a população com trissomia 21) e Se presentes, rastreio de doença celíaca, com IgA total, IgA anti-transglutaminase (e IgA
anti-gliadina abaixo dos 2 anos). f Se presentes fazer radiografia cervical; se alterada, referenciar à consulta Neurocirurgia; se não alterado, mas
criança sintomática, fazer radiografia em extensão e flexão. g Baixo limiar para polissonografia h No primeiro mês para identificação de cardiopatia
congénita, depois de acordo a cardiopatia.
Nota: quando a periodicidade não é especificada pretende-se a cada consulta de seguimento.

Trissomia 21

336
Sindromes polimalformativas

84. Síndrome de Noonan


Sofia Moura Antunes, Anabela Brito

Introdução
A síndrome de Noonan é uma doença genética frequente, com uma incidência entre 1:1.000 a
1:2.500 nados vivos. Não tem predomínio de sexo ou de raça.
Transmite-se de forma autossómica dominante com expressividade variável, mas a maioria (60%)
dos casos surge de mutações de novo (50% no gene PTPN11; outros genes responsáveis: RAF1,
SOS1, KRAS). O cariótipo é normal.

Clínica
Clinicamente caracteriza-se predominantemente por baixa estatura, dismorfia facial, cardiopatia
congénita e alterações esqueléticas. Podem existir outras alterações, nomeadamente da hemostase,
linfáticas, atraso do desenvolvimento psico-motor, alterações oculares e auditivas e criptorquidia.
Crescimento: ao nascimento, a somatometria é adequada à idade gestacional. Pode existir má
progressão ponderal nos primeiros meses por dificuldades alimentares, que se resolvem espon-
taneamente até aos 18 meses. Após o nascimento ocorre uma desaceleração do crescimento,
originando baixa estatura (50-70%). Há um atraso na idade óssea (em média 2 anos) e verifica-se
atraso e diminuição do surto pubertário em ambos os sexos, acentuando a baixa estatura. Existem
tabelas de crescimento específicas para a síndrome de Noonan1.
Cardiopatia (em mais de 80%): estenose da válvula pulmonar (a mais típica, em 20 a 50%)
e/ou miocardiopatia hipertrófica (20-30%). Menos frequente: defeitos do septo, estenose das
artérias pulmonares, tetralogia de Fallot, coartação da aorta, entre outras. Existem alterações elec-
trocardiográficas (QRS largos, predominantemente negativos nas derivações esquerdas e desvio
esquerdo do eixo eléctrico) em cerca de 50% dos doentes independentemente da presença de
cardiopatia estrutural.
Fenótipo facial: altera-se com a idade. É mais característico na infância, atenua-se na adolescên-
cia e pode ser muito discreto na idade adulta. Caracteriza-se por hipertelorismo, desvio inferior do
canto externo das fendas palpebrais, ptose, epicanto, orelhas baixamente implantadas e rodadas,
pescoço curto e largo (pterigium coli) e implantação baixa do cabelo.
Alterações esqueléticas: peito em escudo [carinatum na parte superior e excavatum na inferior
(75-95%)], hipertelorismo mamilar; pode haver escoliose. Com menos frequência: cubitus valgus,
clinobraquidactilia, sinostose radiocubital e hiperlaxidão ligamentar.
Síndrome de Noonan

Desenvolvimento psico-motor: atraso nas aquisições motoras devido à hipotonia e hiperlaxi-


dão; dificuldades de aprendizagem (≈25%) e défice cognitivo ligeiro (15-35%).
Hematológico (até 60%): maior tendência hemorrágica, sobretudo muco-cutânea, com aumento
do tempo de tromboplastina parcial activada (aPTT) devido a défice de factores VIII, XI e XII, trom-
bocitopénia ou defeito da função plaquetária. 337
Displasia linfática (em menos de 20%): edema do dorso das mãos e dos pés (o mais frequente);
pode haver linfangiectasia intestinal, pulmonar ou testicular, ascite e quilotórax.
Visão: as alterações mais frequentes são estrabismo, alterações da refracção e ambliopia; menos
frequentemente: alterações da câmara anterior e nistagmo.

1
Management of Noonan syndrome. A clinical guideline. Disponível em http://www.dyscerne.org.
Sindromes polimalformativas

Audição: otites recorrentes; raramente hipoacusia neurosensorial.


Génito-urinário: criptorquidia (77%), com infertilidade frequente na idade adulta; a fertilidade
na mulher é normal. Podem existir malformações renais (estenose e dilatação pieloureteral, hidro-
nefrose, rim único, duplicação do sistema colector).
Pele: queratose folicular, nevus, manchas café-com-leite, efélides, distrofia ungueal.
Outras: malformação de Chiari tipo I, hipotiroidismo, maior frequência de doenças auto-imunes
(como doença celíaca, lúpus, uveíte), leucemia mielomonocítica juvenil.

Diagnóstico
O diagnóstico é clínico. A análise genética identifica mutações em 60 a 70% dos casos e deve ser
realizada; quando negativa, não exclui o diagnóstico (Tabela 102).
O diagnóstico definitivo requer a presença de:
• critério 1A + 1 dos critérios 2A a 6A ou 2 critérios 2B a 6B;
• critério 1B + 2 critérios 2A a 6A ou 3 critérios 2B a 6B.

Tabela 102: Critérios de diagnóstico da síndrome de Noonan


Característica A = major B = minor
1. Facial Fácies típica (requer avaliação por especialista) Fácies sugestiva

Estenose da válvula pulmonar e/ou


2. Cardíaca Outras cardiopatias
miocardiopatia hipertrófica

3. Estatura < P3 < P10

4. Tórax Pectus carinatum/excavatum Tórax largo

Familiar em 1º grau com diagnóstico de


5. História Familiar Familiar em 1º grau com suspeita de de Noonan
síndrome de Noonan confirmado

Ligeiro atraso do DPM, criptorquidia E displasia Ligeiro atraso do DPM, criptorquidia OU displasia
6. Outras
linfática linfática
Adaptado de Van der Burgt, 2007

O diagnóstico diferencial faz-se com a síndrome de Turner (cariótipo 45,X0) e com outras síndro-
mes causadas por mutações em genes que intervêm na mesma via de sinalização intracelular:
síndrome cardio-facio-cutânea, síndrome de Costello, síndrome de Leopard.

Orientação
Síndrome de Noonan

O seguimento a longo prazo das crianças com síndrome de Noonan implica o envolvimento de
uma equipa multidisciplinar, com vista a suprir todas as especificidades inerentes à doença (Tabela
103).

338
Sindromes polimalformativas

Tabela 103: Recomendações para o seguimento de crianças com síndrome de Noonan


Situação clínica Recomendações

Avaliação por Cardiologista Pediátrico na altura do diagnóstico, com ECG e


ecocardiograma
Cardíaca - Com alterações: seguimento determinado pelo especialista
- Sem alterações: ECG + ecocardiograma de 5 em 5 anos, mesmo durante a vida adulta
(podem surgir alterações em qualquer idade)

Somatometria de acordo com curvas de crescimento próprias: 3/3 meses no 1º ano;


anualmente depoisa
Avaliação por Endocrinologia se:
Crescimento - desaceleração no crescimento ou estatura < P3 (ponderar tratamento com hormona de
crescimento)
- ausência de caracteres sexuais aos 13 anos no sexo feminino e 14 anos no sexo masculino
(ponderar indução da puberdade)

Ecografia renal aquando do diagnóstico


Renal e
Se criptorquidia persistente referenciar para Cirurgia Pediátrica para orquidopexia
genito-urinário
(idealmente antes dos 12 meses)

Hemograma completo e estudo da coagulação aquando do diagnóstico; repetir 6-12


meses depois se primeira avaliação antes dos 5 anos
Se sintomas de discrasia hemorrágica ou avaliação pré-operatória:
Hematológica - 1ª linha - hemograma completo com estudo da coagulação
- 2ª linha (Hematologia Pediátrica) - doseamento e actividade dos factores XI, XII, IX, VIII e
factor de Von Willebrand e provas de função plaquetária
Evitar medicamentos com aspirina

Desenvolvimento Avaliação anual (início aos 6 meses ou na altura do diagnóstico)


psico-motor Referenciação para intervenção precoce se alterações

Cariótipo e estudo molecular aquando da suspeita diagnóstica


Genética
Aconselhamento parental e do doente na adolescência e idade adulta

Avaliação por especialista, aquando do diagnóstico


Visão e audição Avaliação da visão de 2 em 2 anos se ausência de problemas
Avaliação anual da audição durante a infância

Estomatologia Referenciação entre os 12 e os 24 meses e avaliação anual


A adaptar aos momentos de avaliação previstos no programa nacional de saúde infantil e juvenil
a

Adaptado de Romano AA et al, 2010. Síndrome de Noonan

339
Sindromes polimalformativas

85. Síndrome de DiGeorge


Susana Santos, Sara Martins

Introdução
A síndrome de DiGeorge (síndrome de deleção 22q11.2) tem uma incidência de aproximadamente
1:4.000 crianças, o que corresponde a cerca de 25 novos casos por ano em Portugal.
Caracteriza-se por um conjunto de malformações resultantes de um defeito no desenvolvimento
das estruturas do sistema faríngeo embrionário. Classicamente inclui defeitos cardíacos e dos gran-
des vasos, hipoplasia ou aplasia do timo e das paratiroideias e dismorfias faciais. Em cerca de 90%
dos casos resulta de uma deleção na região 22q11.2, a maioria por mutação espontânea. Esta
deleção é ainda responsável pela maioria dos casos da síndrome de Shprintzen (velocardiofacial) e
da síndrome de Takao (anomalias conotruncal e facial), pelo que a designação síndrome de deleção
22q11.2 engloba as diferentes manifestações fenotípicas.

Clínica
Fenótipo: hipertelorismo, sobrancelhas grandes e arqueadas, implantação baixa e rotação poste-
rior dos pavilhões auriculares, nariz de base alargada e ponta bulbosa, filtro curto, boca pequena e
micrognatia, palato em ogiva.
Alterações cardíacas: cardiopatia congénita conotruncal (tetralogia de Fallot, interrupção do arco
aórtico, truncus arteriosus), CIV, anéis vasculares.
Alterações imunológicas: aplasia ou hipoplasia do timo com defeitos imunológicos de gravidade
variável entre imunodeficiência combinada grave (síndrome de DiGeorge completa; menos de 1%
dos casos) a alterações variáveis dos linfocitos T (síndrome de DiGeorge parcial) sendo as infecções
sinopulmonares recorrentes a manifestação mais frequente. As doenças auto-imunes (citopénias,
artrites e endocrinopatias auto-imunes) são mais frequentes que na população em geral.
Alterações ORL: fenda palatina ou submucosa do palato, insuficiência velofaríngea (voz nasalada,
regurgitação nasal), otite média serosa, surdez de condução ou neurosensorial.
Alterações endócrinas: hipoparatiroidismo (hipocalcémia), hipo ou hipertiroidismo, baixa estatura.
Neurodesenvolvimento: convulsões (hipocalcémia), hipotonia, perturbação do desenvolvimento
intelectual, perturbação da linguagem expressiva, PDAH.
Outras: alterações gastrointestinais (refluxo gastro-esofágico, dismotilidade esofágica); alterações
génito-urinárias (anomalias do tracto urinário, agenésia renal unilateral, rins multiquísticos); alte-
rações oftalmológicas (estrabismo, embriotoxon posterior, vasos retinianos tortuosos); alterações
Síndrome de DiGeorge

esqueléticas (escoliose, vértebras em borboleta).

340
Sindromes polimalformativas

Diagnóstico
Exames complementares de diagnóstico
Avaliação cardiológica: ecocardiograma.
Avaliação laboratorial: hemograma completo, cálcio, fósforo e PTH, função tiroideia. Estudo das
populações linfocitárias, doseamento de imunoglobulinas e se adequado anticorpos contra anti-
génios vacinais (proteicos: difteria e tétano; polissacáridos: pneumococo).
Avaliação imagiológica: radiografia de tórax e ecografia renal.
Avaliação genética: estudo genético (FISH e outras técnicas).

Critérios de diagnóstico
Definitivo: diminuição do número de linfócitos T CD3+ (inferior a 1.500/mm3) e duas das três
características: 1. defeito cardíaco conotruncal; 2. hipocalcémia de duração superior a 3 semanas,
com necessidade de tratamento; 3. deleção 22q11.2.
Provável: diminuição do número de linfócitos T CD3+ (inferior a 1.500/mm3) e deleção
22q11.2.
Possível: diminuição do número de linfócitos T CD3+ (inferior a 1.500/mm3) e pelo menos um
dos seguintes: 1. defeito cardíaco; 2. hipocalcémia com duração superior a 3 semanas, com
necessidade de tratamento; 3. fácies dismórfica ou anomalia do palato.

Orientação e terapêutica
A abordagem inicial ao recém-nascido com síndrome de DiGeorge é orientada para as manifes-
tações clínicas iniciais: correcção da cardiopatia congénita, terapêutica da hipocalcémia (suple-
mentação de cálcio e se necessário vitamina D) e intervenção nas dificuldades alimentares e de
deglutição.
O seguimento a longo prazo implica uma equipa multidisciplinar atendendo às manifestações
clínicas: Cardiologia Pediátrica, Imunodeficiências, Desenvolvimento, ORL, Cirurgia Plástica (fenda
palatina), Terapia da fala, Oftalmologia, Genética e Endocrinologia (Tabela 104).

Tabela 104: Avaliação e seguimento da criança com síndrome de DiGeorge


Avaliação RN 0-12 meses 1-5 anos 6-11 anos 12-18 anos > 18 anos
Hemograma (anual),
ü ü ü ü ü ü
cálcio ionizado, PTHa
TSH ü ü ü ü ü
Cardiologiab ü
Síndrome de DiGeorge

Imunodeficiênciasc ü ü ü
Avaliação do palatod ü ü ü ü
ORLe ü ü ü ü
Desenvolvimentof ü ü ü ü ü ü
Genética ü ü ü
Oftalmologia ü ü
341
Ginecologia ü ü
Estomatologia ü ü ü ü
a
Aumento de susceptibilidade a hipocalcémia com o stress (cirurgia, infecção, peri-parto, ingestão de álcool). b Ao diagnóstico para identificação
de cardiopatia congénita, depois de acordo a cardiopatia. c A periodicidade adequada à gravidade do defeito imune. d Ao diagnóstico: visualizar
o palato e detectar alterações de deglutição e regurgitação. Idade pré-escolar até à vida adulta avaliar problemas da fala. eAdenoidectomia pode
agravar insuficiência velofaringea. f Necessidade de intervenção multidisciplinar com terapia da fala, apoio educativo, psicologia.

Adaptado de Bassett AS et al, 2011.


Sindromes polimalformativas

O lactente com imunodeficiência combinada grave necessita de isolamento em centro especializa-


do e transplantação tímica ou de células hematopoiéticas.
As crianças com síndrome de DiGeorge parcial (com imunodeficiência de gravidade variável) po-
dem necessitar de reforços vacinais mais frequentes. As vacinas vivas são administradas caso-a-ca-
so. Em termos gerais podem fazer vacinas vivas as crianças com síndrome de DiGeorge maiores de
12 meses e sem imunodeficiência grave (CD4+ acima de 500/mm3). Estas crianças geralmente não
necessitam de profilaxia de infecções oportunísticas.

Prognóstico
Nos lactentes com síndrome de DiGeorge completa a sobrevida sem transplante é inferior a um
ano. O prognóstico na criança com síndrome de DiGeorge parcial está dependente da gravidade
da cardiopatia congénita, grau de hipoparatiroidismo e desenvolvimento cognitivo.

Síndrome de DiGeorge

342
Sindromes polimalformativas

86. Síndrome do X-frágil


Ana Teresa Maria, Helena Pedroso

Introdução
A síndrome do X-frágil é uma das causas hereditárias mais frequente de défice cognitivo. É uma
doença genética ligada ao cromossoma X, causada por uma mutação no gene FMR1 localizado
na região Xq27.3, que leva à redução ou ausência de produção da proteína FMRP. Esta proteína
parece ter um papel importante no desenvolvimento e maturação neuronal. Em mais de 99% dos
casos a alteração genética consiste numa expansão instável de tripletos CGG. Os indivíduos clini-
camente afectados pela síndrome do X-frágil têm uma mutação completa, a qual consiste numa
expansão superior a 200 sequências de CGG, com ausência de produção de FMRP. Os portadores
de pré-mutação possuem uma expansão mais pequena (55 a 200 sequências de tripletos) com
uma diminuição da produção de FMRP.
Sendo uma doença ligada ao X, o grau de envolvimento no sexo feminino é habitualmente menor,
estando contudo dependente do grau de inactivação individual do cromossoma X mutado nos
tecidos. A prevalência estimada da mutação completa é de 1:4.000­–5.000 no sexo masculino
e 1:8.000­–9.000 no sexo feminino e da pré-mutação é de 1:813 e 1:259 respectivamente. Não
existe diferença entre grupos raciais e étnicos.

Clínica
O espectro clínico é amplo. Todos os rapazes com mutação completa têm manifestações da síndro-
me do X-frágil, as raparigas têm sintomas e características físicas menos pronunciados.

Indivíduos com mutação completa (fenótipo de síndrome do X-frágil)


As características fenotípicas são habitualmente subtis na pré-puberdade e os sinais precoces são
sobretudo do foro cognitivo-comportamental.
Alterações do neuro-desenvolvimento: atraso global do desenvolvimento (de predomínio mo-
tor e da linguagem); défice cognitivo em grau variável, afecta praticamente todos os rapazes, na
rapariga atinge 50-70% dos casos e em grau mais ligeiro; dificuldades na linguagem expressiva;
dificuldades de aprendizagem (em especial na área da matemática), compromisso visuo-espacial,
da coordenação visuo-motora e das funções executivas.
Alterações comportamentais: irritabilidade, défice de atenção, impulsividade, ansiedade, di-
ficuldades na interacção social, contacto visual pobre, maneirismos e estereotipias. Por vezes
comportamentos agressivos, obsessivo-compulsivos, humor lábil e auto-mutilação.
Síndrome do X-frágil

Fenótipo: face longa e estreita com proeminência da fronte e da mandíbula, hipoplasia do andar
médio da face, olhos encovados, orelhas grandes e evertidas, macrocrânia, hiperlaxidão ligamen-
tar (mais evidente nos dedos das mãos e punhos), hipotonia, pés planos, palato ogival, escoliose,
pele fina e aveludada, macrorquidia (volume testicular superior a 25 mL em 80% dos rapazes 343
pós-púberes). Na rapariga as características são habitualmente menos acentuadas e presentes
até 50% dos casos.
Outras: estrabismo (30%), erros de refracção (23-50%; miopia, astigmatismo ou hipermetropia),
nistagmo, OMA recorrente, otite média crónica, prolapso da válvula mitral (50%), doença displá-
sica da anca, pé boto, hérnias da parede abdominal, dificuldades alimentares e doença do refluxo
gastro-esofágico na infância (30%).
Sindromes polimalformativas

Indivíduos portadores de pré-mutação


Alterações neurocognitivas mais ligeiras (dificuldades de socialização, compromisso de funções
executivas, défice cognitivo ligeiro), problemas emocionais (ansiedade, pensamentos obsessivos,
depressão), insuficiência ovárica primária (20%), síndrome de tremor e ataxia associada ao X-frágil
(condição neurodegenerativa em portadores adultos especialmente do sexo masculino).

Co-morbilidades
Autismo (25-30% das crianças com síndrome do X-frágil), epilepsia (10-20% dos rapazes com sín-
drome do X-frágil e 5% das raparigas; com pico de incidência entre os 6 meses e 4 anos).

Diagnóstico
Confirmação por teste molecular (detecção de alteração no gene FMR1) em consulta de especiali-
dade (Genética, Desenvolvimento ou Neurologia Pediátrica).
Indicações: atraso do desenvolvimento, défice cognitivo, diagnóstico de autismo de causa desco-
nhecida, estado limite de funcionamento cognitivo, particularmente na presença de história fami-
liar (de síndrome do X-frágil, défice cognitivo, doença psiquiátrica, insuficiência ovárica primária
ou síndrome de tremor e ataxia com padrão de transmissão sugestivo de hereditariedade ligada ao
cromossoma X). A presença das características dismórficas sugestivas suporta a suspeição diagnós-
tica, mas a ausência não a exclui.

Orientação e terapêutica
A abordagem da criança com síndrome do X-frágil implica uma avaliação multidisciplinar incluin-
do: avaliação completa do desenvolvimento e necessidades educativas; avaliação psicológica,
cognitiva e comportamental; avaliação de problemas médicos tais como DRGE, hipotonia, hiper-
laxidão ligamentar, prolapso da válvula mitral, convulsões, estrabismo, OMA recorrente/otite sero-
sa e escoliose (Tabela 105).
O tratamento é de suporte e dirigido aos sintomas, devendo ser individualizado de acordo com o
perfil global de desenvolvimento e as alterações comportamentais da criança. Devem ser referen-
ciadas o mais breve possível para permitir a intervenção precoce e implementação de programas
educativos adequados.

Intervenções cognitivo-comportamentais (após avaliação individualizada)


Apoio educativo individualizado, terapia da fala, terapia ocupacional, terapia comportamental
(redução de comportamentos agressivos e estereotipias), apoio psicológico e/ou pedopsiquiátrico
(adolescentes e pais/cuidadores), com o objectivo de reduzir ansiedade, depressão e melhorar a
Síndrome do X-frágil

socialização.

Terapêutica farmacológica
Dirigida aos sintomas, quando não é possível o controlo com terapêutica comportamental e sempre
sob supervisão em consulta de especialidade (Desenvolvimento, Neurologia Pediátrica, eventual- 344
mente Pedopsiquiatria).
Ponderar: psicoestimulantes (metilfenidato se idade igual ou superior a 5 anos; clonidina se idade
inferior a 5 anos) nos casos associados a sintomas de hiperactividade, défice de atenção ou im-
pulsividade; antidepressivos nas perturbações do humor, ansiedade, comportamentos obsessivo-
-compulsivos; antipsicóticos atípicos reservados para alguns casos associados a comportamentos
extremos, especialmente agressividade, labilidade do humor ou auto-mutilação.
Sindromes polimalformativas

Se associada, tratamento da epilepsia, em geral facilmente controlada com um único anticonvulsi-


vante (carbamazepina, valproato de sódio, lamotrigina).

Prognóstico
A esperança média de vida para indivíduos com síndrome do X-frágil é igual à da população em
geral. Na idade adulta, os homens afectados tipicamente apresentam défice cognitivo moderado
(QI médio de 40) mas a gravidade pode ir de ligeira a grave. No sexo feminino, 30 a 50% dos
indivíduos com mutação completa têm um desempenho cognitivo normal, e quando existe défice
cognitivo é habitualmente ligeiro.

Tabela 105: Síndrome do X-frágil: orientações no seguimento


Avaliação RN 1-6 meses 6-12 meses 1-5 anos 5-12 anos > 13 anos
Ocular üa üa üa ü a,j üj üj
ORL ü g
ü g
ü g
ü p
ü
Musculo-esquelética üb ük ü
Cardíaca üq üq
Volume testicular ü ü ü
Desenvolvimento üc üc ü ül ü ü
Neurológica üh üh ür ü
Comportamento ü d
ü d
ü i
ü i,m m, s m,s

Cuidados antecipatórios

Genética üe ü ü ü üt üt
Apoio psicossocial üf üf üf üf üf üf
Grupos de apoio ü ü ü ü ü ü
Intervenção precoce,
terapia da fala/ ü ü ün ü ü
ocupacional/ outras
Comportamento ü ü ü ü ü üv
Educação üo üu üu
a
Estrabismo (pode ocorrer em qualquer altura desde o nascimento aos 4 anos). b Hiperlaxidão ligamentar, DDA, pé boto. c Hipotonia. d Irritabilidade,
habitualmente secundária a alterações sensoriais, como hipersensibilidade táctil. Dificuldades alimentares/DRGE - iniciar medidas gerais, se persis-
tência ou repercussão clínica referenciar para consulta de especialidade; se dificuldades oromotoras referenciar para terapia da fala. e Diagnóstico
molecular (se história familiar conhecida ou rastreio pré-natal), aconselhamento genético a familiares. f A nível familiar e/ou individual. g Otite média
Síndrome do X-frágil

crónica pode agravar compromisso da linguagem; referenciar para ORL. h Convulsões mais frequentes neste grupo etário. iIrritabilidade, birras.
j
Exame oftalmológico, erros de refracção, nistagmo. k Pés planos, hiperlaxidão articular, escoliose. Hérnias parede abdominal (1-3 anos). l Atraso
da linguagem particularmente evidente aos 2 anos. m Acessos/explosões de fúria podem surgir neste grupo etário. Estereotipias, interacção social.
n
Avaliação psicológica formal. o Adequação do programa educativo pré-escolar e escolar. p Roncopatia, SAOS. q Prolapso da válvula mitral. r Vigilância
de convulsões atípicas, especialmente se coexistência de sintomas neurológicos ou diminuição do rendimento escolar. s Ansiedade, comportamento
obsessivo-compulsivo. t Aconselhamento e revisão do risco de transmissão. u Discutir necessidade de curriculum educativo individual/formação pro-
fissional. v Abordar dúvidas/questões de foro sexual.

Adaptado de Hersh JH et al, 2011. 345


Sindromes polimalformativas

87. Síndrome de Marfan


Ana Teresa Maria, Helena Pedroso

Introdução
A síndrome de Marfan é uma doença hereditária de transmissão autossómica dominante que afec-
ta o tecido conjuntivo, na maioria dos casos por mutações no gene de uma glicoproteína da matriz
extracelular (fibrilina-1, FBN1). A incidência na população é de 1:3.000-5.000, sem predomínio de
sexo e até 25% dos casos são esporádicos. A expressão fenotípica é muito variada e envolve vários
sistemas, sendo os mais atingidos o aparelho esquelético, ocular e cardiovascular.

Clínica
Fenótipo: face alongada e estreita, enoftalmia, fendas palpebrais oblíquas, hipoplasia malar, mi-
crognatia, palato em ogiva.
Alterações cardiovasculares: dilatação da raíz da aorta, aneurismas da aorta torácica e/ou abdo-
minal, maior risco de dissecção ou ruptura da aorta, insuficiência da válvula aórtica, espessamento
e/ou prolapso das válvulas aurículo-ventriculares (principalmente válvula mitral) com ou sem regur-
gitação, dilatação proximal da artéria pulmonar, insuficiência cardíaca congestiva.
Alterações oculares: miopia, subluxação do cristalino (ectopia lentis), queratocone, íris hipoplási-
ca; risco aumentado de descolamento de retina, glaucoma e catarata.
Alterações esqueléticas e do crescimento1: crescimento linear exagerado dos ossos longos
com extremidades desproporcionalmente grandes em relação ao tronco: rácio segmento superior/
segmento inferior reduzido e rácio envergadura/altura aumentado (superior a 1,05). Hiperlaxidão
articular, aracnodactilia, deformidade da parede torácica (pectus excavatum – mais frequente ou
pectus carinatum), escoliose, cifose torácica, protusão acetabular, pés planos.
Alterações pulmonares: pneumotórax espontâneo e bolhas apicais, capacidade funcional reduzi-
da, padrão ventilatório restritivo (pelas deformações esqueléticas), apneia obstrutiva do sono.
Alterações cutâneas e tecido conjuntivo: estrias atróficas, hérnias abdominais, inguinais ou
incisionais.
Outros: ectasia da dura mater (alargamento do canal raquidiano) e erosões dos foramen neuro-
nais na região lombo-sagrada; alterações da oclusão e alinhamento dentário.

Diagnóstico
Baseado nos achados clínicos e história familiar (Tabelas 106 e 107). Algumas manifestações
Síndrome de Marfan

são dependentes da idade requerendo revisão periódica de critérios nos indivíduos suspeitos ou
em risco. Os critérios de diagnóstico não incluem todas as formas clínicas de síndrome de Mar-
fan, nomeadamente as mais ligeiras. Nos casos em que exista forte suspeita clínica mas que não
preencham os critérios pode ser ponderada a pesquisa de mutação FBN1 – a realizar em consulta
346
especializada.

Exames complementares de diagnóstico


Avaliação cardiológica: ecocardiograma, eletrocardiograma, eventual TC ou RM (controlo da dila-
tação aórtica e prolapso valvular).
1 C
 urvas de crescimento adaptadas para rapazes e raparigas com síndrome de Marfan. Em: Erkula G, Jones KB, Sponseller PD, Dietz HC, Pyeritz RE.
Growth and maturation in Marfan syndrome. Am J Med Genet. 2002.
Sindromes polimalformativas

Avaliação oftalmológica incluindo observação com lâmpada de fenda (alterações cristalino).


Avaliação imagiológica (ponderar caso a caso): radiografia de tórax, eventual radiografia do esque-
leto (mão, coluna vertebral, bacia, pés e crânio); ressonância magnética (ectasia da dura mater).
Avaliação genética: pesquisa mutação FBN1 (em casos seleccionados - forte suspeita clínica sem
preenchimento de critérios; características de sobreposição com outras síndromes; diagnóstico
pré-natal). Cariótipo para exclusão de síndrome de Klinefelter em indivíduos index com predomínio
de manifestações músculo-esqueléticas.

Tabela 106: Critérios de diagnóstico da síndrome de Marfan


(Critérios de Ghent – revistos)
Definitivo (qualquer um dos seguintes):
• Raíz aórtica ≥ +2 z-score e ectopia do cristalino
• Raíz aórtica ≥ +2 z-score e mutação FBN1
• Raíz aórtica ≥ +2 z-score e score sistémico ≥ 7
• Ectopia do cristalino e mutação FBN1 conhecida como associada a síndrome de Marfan
• História familiar de síndrome de Marfan e ectopia do cristalino
• História familiar de síndrome de Marfan e score sistémico ≥ 7
• História familiar de síndrome de Marfan e raiz aórtica ≥ +3 z-score se < 20 anos de idade ou ≥ +2 z-score se > 20 anos
de idade.

Possível: Mutação FBN1 e raiz aórtica com < +3 z-score em indivíduo com < 20 anos de idade.

Tabela 107: Síndrome de Marfan - cálculo do score sistémico


Característica Valor
Sinal do punhoa E do polegarb 3
Sinal do punho OU do polegar 1
Pectus carinatum 2
Pectus excavatum ou assimetria torácica 1
Deformidade do retropé (calcâneo/astrágalo) (exemplo: valgo) 2
Pés planos 1
Pneumotórax 2
Ectasia da dura mater 2
Protusão acetabularc 2
Rácio segmento superior/inferior reduzido e rácio envergadura /altura aumentadod 1
Escoliose ou cifose toraco-lombar 1
Redução da extensão do cotovelo (≤170° na extensão completa) 1
Síndrome de Marfan

Caracteristicas crânio-faciais: 3 das seguintes – dolicocefalia, fendas palpebrais oblíquas, enoftalmos, 1


retrognatia, hipoplasia malar
Estrias cutâneas 1
Miopia 1
Prolapso da válvula mitral 1 347
a
Sinal do punho: envolvendo o punho contralateral com a mão, a falange distal do polegar e 5º dedo sobrepõem-se completamente. b Sinal do
polegar: adução do polegar contra a face palmar e flexão dos dedos sobre ele. O sinal é positivo se a falange distal do polegar ultrapassar o bordo
cubital da região palmar. cDepressão anormalmente funda da cavidade articular com erosão do osso pélvico. d Rácio segmento superior (altura-seg-
mento inferior em centímetros) / segmento inferior (distância sínfise púbica ao chão em centímetros): < 1 dos 0-5 anos; < 0,95 aos 6-7 anos; < 0,9
aos 8-9 anos; < 0,85 > 10 anos.
Sindromes polimalformativas

Orientação e terapêutica
O seguimento requer a articulação coordenada de uma equipa multidisciplinar com Pediatria, Car-
diologia, Cirurgia Cardiotorácica, Oftalmologia, Ortopedia, Genética, MFR (Tabela 108).

Terapêutica (em consulta de especialidade)


Cardiologia e cirurgia cardiotorácica: a dissecção da aorta é a principal causa de morbilidade; o ris-
co de complicações aórticas (ruptura e dissecção) é significativamente maior quando o diâmetro da
raíz da aorta é superior a 5 cm. Profilaxia da dilatação aórtica: tratamento médico - β-bloqueante,
bloqueador dos canais de cálcio, eventual inibidor da enzima de conversão da angiotensina II ou
antagonistas dos receptores da angiotensina II; tratamento cirúrgico - reparação da raíz da aorta
(diâmetro máximo superior a 5 cm, progressão da dilatação igual ou superior a 1 cm por ano,
regurgitação da válvula aórtica progressiva).
Ortopedia: escoliose progressiva - ortótese ou correcção cirúrgica (curvatura superior a 40-50º);
deformidade torácica - correcção cirúrgica se compromisso pulmonar, cardíaco, motivos estéticos;
pés planos - ortótese, eventual cirurgia correctiva se dor ou ausência de resposta a terapêutica
conservadora.
MFR e Fisioterapia: laxidão articular - exercícios de estabilização articular, postura.
Oftalmologia: correcção da refracção, substituição ou estabilização cirúrgica do cristalino.
Pneumologia: pneumotórax de repetição - pleurodese, ressecção cirúrgica das bolhas.
Ortodôncia.

Tabela 108: Síndrome da Marfan - orientações no seguimento


Ao
Avaliação 0-12 meses 1-5 anos 6-12 anosa 13-18 anosa > 18 anos
diagnóstico
Cada visita
Cardiológicab Cada visita Cada visita Anual Anual
de acordo
Ecocardiograma ü Anual Anual Anual Anual
com indicação
Oftalmologia ü Anual Anual Anual Anual

Musculo-esqueléticob
Escoliose ü Cada visita Anual Cada 6 M Cada 6 M Anual
Laxidão articular ü Cada visita Anual Cada 6 M Cada 6 M
Deformidade torácica Cada visita Anual Cada 6 M Cada 6 M
ü
Idade óssea üc
Conforme Conforme Conforme Conforme Conforme
Revisão de sintomasd ü necessário necessário necessário d necessário d necessário d
Conforme Conforme Conforme Conforme Conforme
Síndrome de Marfan

Observação familiares ü necessário necessário necessário necessário necessário


Aconselhamento
genético ü üe üe
Estilo de vidaf ü ü ü
Discussão do Iniciar
348
Transição seguimento
plano transição
a
Períodos de crescimento rápido requerem vigilância mais apertada. b Se alterações referenciar para especialidade. c Determinação da idade óssea na
pré-adolescência; se discrepância relativamente a idade cronológica, considerar consulta de Endocrinologia Pediátrica. d Rever sintomas de poten-
ciais eventos catastróficos como disseção da aorta, alterações visuais, pneumotórax. e Abordagem individualizada e discussão do risco na gravidez. f
Rever restrições à actividade física e modificações de estilo de vida.

Adaptado de Tinkle BT et al, 2013.


Sindromes polimalformativas

Medidas gerais e de prevenção


Exercício: evicção de desportos de contacto ou explosão (sprint) e exercício isométrico (levan-
tamento de pesos, basquetebol, hóquei, esqui, ténis, surf, escalada). Evitar mergulho e despor-
tos em altitude, especialmente se história familiar de pneumotórax. Manter actividade aeróbica
em moderação, considerar caminhada (intensidade moderada), bicicleta estática, bowling, golfe,
patinagem.
Outros: profilaxia da endocardite (se doença valvular), evicção de uso por rotina de desconges-
tionantes nasais (estimuladores do sistema cardiovascular), evicção de actividades de sopro contra
resistência (instrumentos de sopro).
Gravidez: mulheres com síndrome de Marfan apresentam um maior risco de dissecção aórtica du-
rante a gravidez, sobretudo se o diâmetro da raiz da aorta for superior a 4 cm no início da gestação
ou se houver progressão da dilatação ao longo do período gestacional.
Mulheres com diâmetro da raiz da aorta superior a 5 cm estão em elevado risco de ruptura da
aorta devendo a gravidez ser protelada até tratamento definitivo.

Prognóstico
Nos doentes com seguimento apropriado a sobrevida aproxima-se à da população geral, sendo li-
geiramente inferior nos indivíduos do sexo masculino afectados. As complicações cardiovasculares
são a principal causa de morbilidade e mortalidade.

Síndrome de Marfan

349
Sindromes polimalformativas

88. Síndrome de Turner


Sara Martins, Ana Ehrhardt Pinheiro

Introdução
A síndrome de Turner é uma das anomalias genéticas mais comuns e afecta aproximadamente
1:2.500 recém-nascidos vivos do sexo feminino. É causado pela ausência completa (45,X0) ou
parcial de um dos cromossomas X (com ou sem mosaicismo das linhas celulares) associando-se cli-
nicamente a baixa estatura, falência ovárica precoce, malformações cardíacas e renais e alterações
fenotípicas, com diferentes graus de intensidade.

Clínica
Os indivíduos afectados podem apresentar um largo espectro de manifestações clínicas desde
malformações cardíacas graves com diagnóstico no período neonatal, até pequenas alterações
fenotípicas minor. A baixa estatura e a falência ovárica precoce são quase constantes.
Fenótipo: fácies característica com micrognatia, palato em ogiva, pavilhões auriculares proemi-
nentes e baixamente implantados, epicanto, ptose palpebral, pescoço curto e alado, tórax em
escudo e mamilos afastados e invertidos, baixa estatura, cúbito valgo, 4º metacarpo curto, defor-
midade de Madelung e displasia ungueal. Edema dos pés e mãos no período neonatal.
Alterações cardiovasculares: anomalias do arco aórtico, coartação aorta, válvula aórtica bicúspi-
de, dissecção aórtica, HTA, QT prolongado.
Alterações oftalmológicas: estrabismo, miopia, ambliopia, cataratas.
Alterações ORL: OMA de repetição, otite serosa, surdez neurossensorial.
Alterações endócrinas: baixa estatura (estatura final cerca de 20 cm menos que a estatura alvo
familiar), atraso pubertário, falência ovárica precoce, infertilidade, insulinorresistência, diabetes
mellitus tipo 2, obesidade centrípeta, dislipidémia.
Alterações renais: rim em ferradura, obstrução da junção ureteropélvica, duplicação do sistema
colector.
Neurodesenvolvimento: inteligência geralmente normal com dificuldade em áreas não verbais e
organização visual-espacial e aumento de incidência de PDAH.
Outras: doenças auto-imunes (frequência aumentada de doença celíaca, tiroidite de Hashimoto
e doença inflamatória intestinal), osteoporose, alteração da função hepática (adulto), risco au-
mentado de neoplasias (gonadoblastoma; na presença de material do cromossoma Y), escoliose
(adolescência).
Síndrome de Turner

Diagnóstico
O diagnóstico de síndrome de Turner pode ser pré-natal, colocado ao nascimento pela presença
de características fenotípicas ou mais tardiamente na infância ou adolescência por baixa estatura, 350
atraso pubertário ou amenorreia secundária. A síndrome de Turner deve ser suspeitada em todos
os recém-nascidos do sexo feminino com linfedema ou coartação da aorta e em todas as crianças
e adolescentes do sexo feminino com baixa estatura.
O diagnóstico confirma-se pelo cariótipo de sangue periférico. Em alguns casos (com mosaicismo
de linhas celulares), o cariótipo em sangue periférico é normal e confirma-se o diagnóstico pelo
cariótipo em fibroblastos cultivados (biópsia de pele).
Sindromes polimalformativas

Avaliação clínica e exames complementares de diagnóstico


Exame objectivo completo com caracterização das alterações fenotípicas, dados somatométricos
(peso, estatura e IMC), estimativa de estatura alvo familiar, estadio pubertário de Tanner.
Avaliação cardiológica: TA nos 4 membros, ECG e ecocardiograma (e em casos seleccionados RM
cardíaca).
Avaliação imagiológica: ecografia renal; se alterações: função renal e exame sumário de urina.
Avaliação ORL e Oftamologia.

Orientação e terapêutica
O acompanhamento médico deve ser multidisciplinar (Endocrinologia, Genética, Cardiologia, Gi-
necologia, Nefrologia, Ortopedia, Oftalmologia, ORL, Desenvolvimento), não esquecendo o apoio
psicológico.
Vigilância do crescimento somático de 6 em 6 meses. Em criança com mais de 2 anos, quando
há diminuição da velocidade de crescimento (velocidade de crescimento menor que P25 ou que
-1DP) ou estatura inferior ao P3 (ou -2DP), há indicação para iniciar terapêutica com hormona do
crescimento (0,05 mg/kg/dia). Manter terapêutica até idade óssea ultrapassar os 14 anos, estatura
satisfatória ou velocidade de crescimento inferior a 1,5 cm/ano.
Monitorização da puberdade espontânea (estadio pubertário de Tanner) e doseamento de LH, FSH
e estradiol entre os 10 e os 12 anos. Se FSH elevada e sem puberdade espontânea aos 12 a 13
anos iniciar terapêutica de reposição hormonal com baixas doses de estradiol e aumentar progres-
sivamente ao longo de 2 a 4 anos para a dose de adulto. A terapêutica com progesterona deve ser
iniciada 2 anos depois do início do estrogéneo (antes se hemorragia vaginal), do 20º ao 30º dia de
cada mês ou pílula estroprogestativa.
Vigilância anual da idade óssea, função tiroideia (acima dos 4 anos de idade), glicémia e insuliné-
mia em jejum, perfil lipídico e enzimas hepáticas. Está indicado ainda o rastreio de doença celíaca.
Na adolescente durante a puberdade: ecografia pélvica anual e LH, FSH e estradiol a cada 6 meses.
Se presença de material do cromossoma Y no cariótipo tem indicação para gonadectomia profi-
láctica (risco de gonadoblastoma).
Prevenção e tratamento da obesidade. Promoção de dieta rica em cálcio e prática de exercício
físico.
O seguimento em Cardiologia Pediátrica é programado de acordo com a patologia cardíaca. Se
ausência de cardiopatia a criança e adolescente deve ser avaliada a cada 5 anos, na transição para
a medicina de adultos e antes de considerar gravidez. Em todos os casos: vigilância regular da TA
em cada avaliação clínica.
Síndrome de Turner

Se alterações morfológicas renais: vigilância regular da função renal e ecografia renal a cada 3
anos. Em relação ao seguimento ORL, monitorizar audição e audiograma a cada 3-5 anos. A
avaliação oftalmológica deve ser realizada na altura do diagnóstico e depois de acordo com a
necessidade.
351
É recomendado seguimento em consulta de Desenvolvimento e acompanhamento psicológico de
acordo com as necessidades ao longo da vida.
Sindromes polimalformativas

Prognóstico
Os indivíduos com síndrome de Turner têm um risco acrescido de morbilidade e mortalidade car-
diovascular, em todas as idades, devido a malformações cardíacas e renais, HTA, obesidade e
alterações metabólicas. A maioria das mulheres é infértil, com necessidade de adaptação psico-
-social e eventualmente técnicas de reprodução assistida. Durante a gravidez há risco aumentado
de dissecção aórtica pelo que o acompanhamento cardiológico desde a fase pré-concepcional é
fundamental.

Síndrome de Turner

352
Sindromes polimalformativas

89. Síndrome de Klinefelter


Sara Martins, Helena Pedroso

Introdução
A síndrome de Klinefelter é a anomalia cromossómica mais comum no sexo masculino e a causa
mais frequente de hipogonodismo primário e de infertilidade masculina. A prevalência estimada é
de 1:660 RN vivos do sexo masculino.
Caracteriza-se pela presença de pelo menos um cromossoma X adicional. Em cerca de 80-90% dos
casos o cariótipo é 47,XXY, em cerca de 10% há mosaicismo de linhas celulares e nos restantes
existem múltiplos cromossomas X ou Y (48,XXXY; 49,XXXXY; 48,XXYY). O cromossoma X adi-
cional pode ser de origem paterna ou materna, neste caso associado a idade materna avançada.
Caracteriza-se por um hipogonadismo hipergonadotrófico, com testículos pequenos, infertilidade
e perturbações de linguagem e aprendizagem. O processo degenerativo testicular (fibrose e hiali-
nização dos túbulos seminíferos) é o responsável pelas alterações clínicas e laboratoriais.
O fenótipo clássico (estatura elevada, proporções eunucóides e ginecomastia) está frequentemente
ausente ou tem expressão mínima pelo que apenas 25% dos casos estimados são diagnosticados.
Destes, apenas 10% são diagnosticados em idade pré-púbere, na sequência de esclarecimento de
perturbações da linguagem e/ou de aprendizagem.

Clínica
A apresentação clínica é muito variável mas os indivíduos afectados apresentam uma elevada taxa
de co-morbilidades na idade adulta.
Fenótipo (de expressão variável): estatura elevada com predomínio do segmento inferior, ombros
estreitos e ancas largas, adiposidade com distribuição feminina (ginecomastia, obesidade abdomi-
nal), massas musculares pouco desenvolvidas, pêlo facial e corporal escasso, atrofia testicular de
consistência firme. A baixa estatura não exclui o diagnóstico, sendo mais frequente nos casos em
que há vários cromossomas X adicionais.
Alterações endócrinas: ginecomastia, atraso pubertário (a puberdade inicia-se geralmente na
idade habitual mas após um aumento inicial dos testículos para tamanho púbere não ocorre desen-
volvimento testicular adicional e há atrofia testicular posterior). No adulto há infertilidade (> 90%),
risco aumentado de síndrome metabólica (resistência à insulina, diabetes mellitus tipo II, colesterol-
-LDL elevado) e risco aumentado de tiroidite auto-imune e hipotiroidismo.
Neurodesenvolvimento: perturbações específicas da linguagem (com dificuldades na área de
Síndrome de Klinefelter

processamento verbal), dificuldades de aprendizagem, PDAH, perturbações do espectro do autis-


mo, ataxia, tremor intencional.
Perturbações psiquiátricas: ansiedade, imaturidade, dificuldade na adaptação social, depressão,
esquizofrenia.
Alterações genitais: criptorquidia, micropénis, escroto bífido, hipospádias. 353
Alterações oftalmológicas: estrabismo, coloboma, microesferofaquia.
Alterações cardíacas: prolapso da válvula mitral, estenose aórtica.
Outras: fenda palatina, hérnia inguinal, aracnodactilia, escoliose, insuficiência venosa dos mem-
bros inferiores. Risco aumentado de neoplasias (mediastino e mama), de doenças auto-imunes (dia-
betes mellitus, artrite reumatóide, tiroidite e lúpus) e de osteoporose.
Sindromes polimalformativas

Diagnóstico
Avaliação clínica inicial: somatometria (peso, estatura, IMC), TA, estádio pubertário de Tanner,
ginecomastia.
Avaliação genética: cariótipo.
Avaliação laboratorial na altura do diagnóstico: FSH, LH, testosterona, estradiol, SHBG; glicose,
HbA1c, perfil lipídico, função tiroideia.

Orientação e terapêutica
O diagnóstico precoce permite a intervenção multidisciplinar adequada (Pediatria, Endocrinologia,
Desenvolvimento, Terapia da fala, apoio educacional, Psicologia, Urologia e Infertilidade).
O tratamento substitutivo com testosterona deve ser iniciado no início da puberdade (aos 12-13
anos) com o objectivo de assegurar um desenvolvimento adequado dos caracteres secundários
masculinos, uma aquisição adequada de massa óssea e muscular e propiciando melhoria da auto-
-estima, energia, concentração e relações sociais. A testosterona pode ser administrada por via IM,
oral, transdérmica ou em gel, sendo a forma IM a mais frequentemente utilizada, com aumento
progressivo da dose até à dose de adulto, vigiando o hematócrito por risco de policitémia.
A terapêutica com testosterona tem indicação para ser continuada na idade adulta de forma a
prevenir as co-morbilidades (obesidade, síndrome metabólica, osteoporose). A testosterona não
tem efeito sobre a atrofia testicular, infertilidade ou ginecomastia.
No seguimento é importante:
• a valiação do crescimento somático e desenvolvimento pubertário;
• acompanhamento em consulta de Desenvolvimento com terapia da fala e apoio educacional
adaptado às necessidades;
• a valiação do estado geral, energia e, quando adequado, actividade sexual e líbido;
• monitorização regular das hormonas sexuais (LH, FSH, testosterona, estradiol e SHBG) - no início
do tratamento substitutivo de 3 em 3 meses; na idade adulta anualmente;
• monitorização regular da função tiroideia, glicémia em jejum e HbA1c, perfil lipídico, hemogra-
ma, cálcio, fósforo e vitamina D. Densitometria óssea a cada 5 a 10 anos;
• c onsiderar referenciação para Cirurgia Plástica para correcção de ginecomastia;
• referenciação para consulta de Infertilidade (paternidade biológica possível com extracção testi-
cular de espermatozóides viáveis e injecção intracitoplasmática do esperma no óvulo).

Prognóstico
Síndrome de Klinefelter

A esperança de vida nos indivíduos com síndrome de Klinefelter é inferior à média em 2-3 anos.
O aumento da mortalidade e morbilidade está relacionado não só com as complicações da sín-
drome metabólica e risco acrescido de neoplasias mas também com o menor nível educacional e
sócio-económico, menor taxa de casamento e dificuldade de adaptação social.
354
O diagnóstico precoce, o tratamento médico e o acompanhamento educacional adequados
podem contribuir para melhorar o prognóstico a longo prazo.
355
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