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Resenha

Resenha

A entrevista psiquiátrica na
prática clínica
Roger A. MacKinnon, Robert Michels e Peter Buckley
Porto Alegre, Artmed, 2007, 2ª edição

Gustavo Schestatsky*
* Psiquiatra.

Em outubro último, foi lançada a segunda edição 3) Situações clínicas especiais; e 4) Fatores técnicos
em português de A entrevista psiquiátrica na prática que afetam a entrevista.
clínica (Artmed, 2007), livro consagrado da literatura A primeira parte traz dois capítulos que, embora
psiquiátrica, publicado originalmente em 1971. Os introdutórios, são altamente relevantes, pois fornecem as
autores MacKinnon e Michels, agora juntamente com bases fundamentais da entrevista. Apresentam conceitos
Peter Buckley, voltam à cena depois de 35 anos, com e orientações bastante úteis ao entrevistador psiquiátrico,
uma edição amplamente renovada e adaptada às especialmente ao iniciante. O primeiro capítulo, sobre
vicissitudes dos tempos atuais. princípios gerais da entrevista, aborda, de modo bastante
Conforme muito apropriadamente assinalado por abrangente, temas como as características básicas da
Glen Gabbard em sua introdução, esse livro chega em entrevista psiquiátrica, aspectos relevantes do exame
boa hora. Sua primeira edição foi publicada em uma psiquiátrico, bem como técnicas de condução da entrevista.
época em que os programas de formação de residentes O segundo capítulo introdutório, sobre princípios gerais
em psiquiatria contemplavam, de forma natural, uma da psicodinâmica, revela a ênfase central dos autores na
compreensão muito mais abrangente do paciente, importância do conhecimento (ao menos básico) do
visando conhecê-lo mais profundamente como pessoa. funcionamento psicodinâmico para o sucesso da entrevista.
Já essa edição aparece dentro de um contexto de Aborda, de forma clara e simplificada, conceitos básicos
progressivo “desaprendizado” da arte da boa da psicodinâmica e da psicanálise, bem como aspectos
entrevista. O psiquiatra contemporâneo muitas vezes psicodinâmicos das condições psicopatológicas. Além
encontra-se preso a um reducionismo biológico, disso, apresenta, de modo sumário, os principais modelos
limitando suas entrevistas a inventários de sintomas psicanalíticos do funcionamento mental.
que possam satisfazer critérios de manuais A parte do livro que mais se destaca, por sua grande
diagnósticos e, assim, orientá-lo a uma prescrição abrangência e relevância à prática cotidiana do psiquiatra,
medicamentosa. é a que engloba diversos capítulos que abordam as
Estruturalmente, o livro é dividido em quatro partes: principais síndromes clínicas com as quais o
1) Princípios gerais; 2) Síndromes clínicas importantes; entrevistador normalmente se depara. Ali estão incluídos:

Correspondência: gschstatsky@hotmail.com
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Psiquiatr
Psiquiatr
RS.RS.
2007;29(3):337-338
2007;29(3) – 337
Resenha

o paciente obsessivo-compulsivo, o histriônico, o técnicos que afetam a entrevista. Além de temas que já
narcisista, o masoquista, o deprimido, o ansioso, o constavam da edição anterior, como anotações e ligações
traumatizado, o borderline, o anti-social, o paranóide, o telefônicas, é interessante constatar a presença de uma
psicótico, o psicossomático e o com deficiência situação tipicamente contemporânea, inimaginável à
cognitiva. Cada capítulo apresenta noções sobre a época da primeira edição, como e-mails. Como se tratam
psicopatologia e a psicodinâmica da síndrome em de assuntos pouco estudados, são interessantes as
questão, aspectos fundamentais da condução da orientações dos autores, muitas vezes baseadas em suas
entrevista, além de questões de transferência e próprias experiências clínicas e no seu preciso bom
contratransferência normalmente envolvidas. De modo senso.
bastante ilustrativo, os autores apresentam várias De maneira geral, ao longo do livro, os autores
vinhetas que incluem situações clínicas vivenciadas por enfatizam o papel fundamental do entrevistador na
eles próprios ao longo de sua prática psiquiátrica, tanto psiquiatria clínica, bem como o enorme valor da
clínica como na condição de supervisores de psiquiatras compreensão psicodinâmica para a boa condução da
em formação. Nessa seção, o leitor encontrará uma boa entrevista e para o adequado estabelecimento da aliança
fonte de orientação, que o auxiliará a obter um melhor terapêutica. Esses princípios se aplicam a qualquer
entendimento e uma conduta mais apropriada em paciente, mesmo para aqueles que não serão pacientes
situações específicas de entrevistas, nas mais variadas psicoterápicos.
condições. Talvez o maior mérito do livro seja o de possuir
Indo além das síndromes mais clássicas, também uma linguagem clara, repleta de exemplos de situações
são interessantes os capítulos que abordam situações clínicas que poderão ser úteis especialmente aos
clínicas especiais, como aquelas que envolvem o psiquiatras iniciantes. Os mais experientes,
paciente na emergência, o paciente hospitalizado e aquele principalmente aqueles que não tiveram contato
com características específicas que normalmente diferem suficiente com as psicoterapias psicodinâmicas durante
das do entrevistador (por exemplo, paciente de a sua formação, também poderão se beneficiar. Em
determinada religião, etnia, orientação sexual, etc.). muitos casos, o leitor se “enxergará” em situações
Assuntos não comumente abordados, mas que relatadas, assim como ampliará seu leque de opções
fazem parte do dia-a-dia do entrevistador psiquiátrico, sobre como conduzir situações de entrevista que
são abordados na última parte do livro, sobre fatores exigem maior perícia.

338 – Rev Psiquiatr RS. 2007;29(3)

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