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MARKETING

Uma atualização da miopia em marketing


Amy Gallo

9 de setembro de 2016

PAUL GARBETT PARA A HBR

Todos os anos, grande parte dos lançamentos de produtos fracassa. Há uma


controvérsia sobre qual é exatamente essa porcentagem — alguns falam em
75%, outros arriscam perto de 95%. Independentemente de qual seja o
número correto, não há dúvida que muito tempo e energia são investidos
no marketing dos produtos, que, um ano depois, já não existirão. Porque isso
acontece? Parte do fracasso pode ser atribuída ao fato de que muitos líderes
empresariais, incluindo executivos, sofrem do que é conhecido como miopia
em marketing — um foco de curto alcance na venda de serviços e produtos,
em vez de ver o perceber os consumidores realmente querem.

Eu conversei com John Deighton, professor da Harvard Business School e


uma autoridade em comportamento do cliente e marketing, para entender
melhor esse conceito clássico, suas origens e sua relevância para as
organizações de hoje.

Qual a origem do conceito?

O termo foi cunhado pelo ex-professor de marketing da Harvard Business


School, Theodore Levitt, num artigo de 1960 com o mesmo nome
(republicado em 2004). O “coração do artigo”, segundo Deighton, é o
argumento de Levitt de que as empresas estão focadas demais na produção
de mercadorias ou serviços e não dedicam tempo suficiente para entender
o que os consumidores desejam ou precisam. Por isso, ele “encorajou os
executivos a mudar de um modelo orientado para a produção, para um
modelo orientado para o consumidor”. Como Levitt costumava dizer aos
seus alunos, “as pessoas não querem um broca de um quarto de polegada.
Elas querem um furo de um quarto de polegada! ”

“O ponto alto do artigo original é que é muito fácil ser míope quando se trata
de marketing”, afirma Deighton. “Qualquer profissional de marketing tem
obrigação de se interessar em programas, táticas, campanhas, etc..
Infelizmente, o relógio não para o tempo suficiente para responder a
pergunta, ‘por que você está fazendo o que está fazendo? ’ Por isso é muito
fácil perder a dimensão do panorama. Outra coisa que tornou o artigo tão
importante quando foi publicado é que ele lembrava aos CEOs que
o marketing faz parte do seu trabalho: “(Levitt) diz ao líder da organização:
você está no negócio porque tem clientes. Então precisa pensar
em marketing“, explica Deighton.

O que é miopia em marketing?

A miopia que Levitt descreve é a falta de insight sobre o que o negócio está
fazendo por seus clientes. As organizações investem demasiado tempo,
energia e dinheiro no que atualmente fazem e acabam, muitas vezes, cegas
para o futuro. Elas se sentem confortáveis em pensar que estão numa
“indústria em crescimento”, o que, de acordo com Levitt, não existe. Por
outro lado, existem realmente empresas que estão continuamente só
capitalizando oportunidade de crescimento.

Inúmeros exemplos no artigo ilustram o conceito principal de que seu


produto não é seu negócio. Talvez o mais famoso seja o das ferrovias, que,
segundo Levitt, sofreram um vertiginoso declínio porque acreditavam que
estavam no negócio de trens e não no negócio de transportes. Se aqueles
líderes tivessem percebido que estariam ajudando os clientes a se deslocar
de um lado para outro, deveriam ter expandido o negócio para outras formas
de transporte como carros, caminhões ou aviões. Infelizmente, em vez disso,
eles permitiram que outras empresas agarrassem essas oportunidades e
roubassem seus passageiros.

Felizmente, a miopia em marketing tem cura. Levitt sugere que os líderes se


perguntem: em que negócio realmente estamos? Deighton observa que a
melhor forma para os líderes responderem a essa pergunta é fazendo-se
outra pergunta: O que estamos realmente fazendo pelo cliente? Empresas
bem-sucedidas focam nas necessidades do cliente, não em seus próprios
produtos e serviços, o que pode — e deve — ser substituído por alternativas
competitivas, produzidas por elas mesmas ou pelos concorrentes existentes
ou potenciais.

Qual sua relevância hoje?

Deighton afirma que a ideia da miopia em marketing “ainda é muito aplicável”


atualmente, “em parte, porque a ideia original não foi muito prescritiva, Levitt
não forneceu os ‘dez passos para eliminar a miopia em marketing’. Ao
contrário, ele estava sempre instigando as pessoas a pensarem de forma
diferente”. Na verdade, Deighton ainda usa o conceito com frequência
quando ele apresenta o que é marketing para seus alunos da faculdade de
administração.

E você não precisa olhar muito longe para encontrar empresas ou indústrias
que sofrem dessa doença hoje. Deighton mostra um exemplo dentro de casa
para este escritor: o setor editorial. Ele sugere que é hora de os editores
fazerem a pergunta central de Levitt: em que negócio realmente
estamos? “Parece haver uma ligação míope com a palavra ‘publicar’ que é a
parte orientada para a produção do setor. Mas o que os clientes estão
realmente procurando?” Eles não querem jornais e revistas, ele diz. “Eles
querem ser entretidos, informados, estimulados, por pessoas mais
interessantes que seus amigos e conhecidos”. “Somente um editor orientado
para a produção colocaria a forma de entrega acima do valor da experiência
que ela representa”.

Obviamente existem organizações contemporâneas que estão levando o


conselho de Levitt muito a sério. Deighton menciona a IBM Interactive
Experience, uma consultoria da IBM que combina métodos
analíticos, design e tecnologia (e capta US$2 bilhões de receita) como uma
“tentativa de pensar além do que produzem e dizer, ‘não estamos no negócio
de processamento de informação, estamos produzindo as comunicações
que os consumidores valorizam’”.

Como a miopia em marketing evoluiu?

O conceito permaneceu intacto nos últimos 50 anos ou mais. Deighton


afirma que foi porque o artigo original era um tanto “polêmico, quase como
uma religião. E qualquer tentativa de ampliar, complicar ou interferir na
polêmica não funcionava”. A ideia tornou-se a base do marketing moderno.

Isso não significa que ela não teve seus limites. Em 2010, Craig Simith, da
Insead, Minette Drumwright, da Texas University, em Austin, e Mary Gentile
Babson publicaram um artigo intitulado “A nova miopia em marketing”. Eles
postularam que os profissionais de marketing exageraram ao seguir o
conselho de Levitt, criando um novo tipo de falta de visão marcada por um
foco fixo no cliente, uma definição muito limitada do cliente, e uma total
impossibilidade de atender os vários stakeholders que surgiram fora do
“contexto social transformado do negócio”. Não há dúvida de que Levitt
acreditava que a corporação inteira precisava ser vista como um organismo
que cria para o cliente e que satisfaz o cliente, e Deighton admite que essa é
uma das potenciais armadilhas da ideia original de Levitt: ela “deposita muita
confiança no cliente”. No artigo original, Levitt concorda que pode ser muito
difícil ouvir o cliente. Ele escreveu: “os clientes são imprevisíveis, volúveis,
variados, tolos, sem visão, teimosos e quase sempre chatos”. Mas Smith.
Drumwright e Gentile vão ainda mais longe, argumentando que não se trata
somente de ouvir o cliente, mas de ouvir todos os stakeholders que
contribuem para o sucesso da empresa, como funcionários, fornecedores,
acionistas, concorrentes, mídia, e membros da sociedade.

Deighton observa que o conceito de “indústrias” também foi desafiado ao


longo da última década. A indústria na qual uma empresa está inserida
atualmente pode não ser a mesma que estará no próximo ano: “em tempos
tão fluidos atuais, é mais correto dizer ‘ecossistema’. As disrupções estão
constantemente desafiando a estabilidade das indústrias”. Considere uma
compra de anúncio programática. Como Deighton explica. “As pessoas que
aplicam a tecnologia para um anúncio com alvo bem determinado não
necessariamente pensam que estão numa indústria específica. Elas
reconhecem que o produto mudará, o ambiente mudará, tudo o que está do
lado da produção está em jogo. A única constante são as necessidades do
cliente que elas preenchem”.

A miopia em marketing continua sendo um lembrete importante dos riscos


que sua companhia corre se você não prestar muita atenção às necessidades
do cliente. Levitt acreditava que os executivos não podem prever o futuro —
e não devem tentar. Se as empresas se concentrarem em satisfazer as
necessidades do cliente, em vez de se preocupar em vender produtos — sem
nunca se esquecer do negócio em que realmente estão — elas poderão estar
mais bem preparadas para o que quer que o futuro lhes reserve.

Amy Gallo é editora colaboradora da Harvard Business Review e autora


de HBR Guide to Managing Conflict at Work. Ela escreve e fala sobre a dinâmica
do local de trabalho.

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