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New England Precision

Este caso foi elaborado por Murilo Alambert e destina-se a prática em sala de aula.

Introdução
No início de 1991 Andrew Jorgenson, presidente do Conselho de Administração da
New England Precision (uma empresa que foi coligada à New England Wire and Cables)
não conseguia entender completamente o que estava acontecendo. As ações da empresa
listadas na Bolsa de Nova York (NYSE), que estavam patinando no patamar de US$ 10 por
ação a mais de três anos, tinham subido para US$ 14, graças a um movimento de compra
realizado por Larry Garfield, um conhecido investidor profissional baseado em Nova York.
Perplexo com a tentativa hostil de tomada de controle, o velho capitão, uma
verdadeira lenda viva da indústria de fios e cabos, rememorava o primeiro encontro que
ele tivera com Garfield, quando a lógica do raciocínio frio do investidor ficará clara. O
valor patrimonial da empresa superava, praticamente na proporção de um para três, o
seu valor de mercado. As ações estavam subavaliadas e a recomendação de Garfield era
clara: liquidar a empresa, considerada até então despreparada para enfrentar os novos
tempos que então estavam por vir, distribuindo o valor de liquidação para os acionistas.
Maximizar o valor do acionista, na linguagem fria, técnica e segura dos jovens MBA’s de
plantão. Andrew não concordava, evidentemente, com este raciocínio, e tomava alguns
goles de café enquanto pensava numa estratégia para recuperar a empresa, colocando-a
novamente no caminho do sucesso.
Para tanto, Andrew já havia de convencido de que era necessária a realização de
um diagnóstico estratégico e a determinação de um curso de ação para a empresa. Na
verdade, uma decisão crítica deveria ser tomada no mais curto espaço de tempo possível.
Andrew e os executivos estavam considerando a compra de uma nova máquina, a Bond-
O-Matic, uma máquina de moldagem automática que automatizaria a produção,
resolvendo gargalos e garantindo a eficácia e a eficiência de um processo crítico para a
empresa. A Bond-O-Matic substituiria máquinas antigas, garantiria melhorias na
qualidade e capacidade adicional para expansão da produção. Máquinas similares já

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tinham sido analisadas nos últimos anos e as aquisições tinham sido rejeitadas, por razões
econômicas, em três ocasiões. Agora, com as recentes turbulências na economia do país,
sob o choque do que tinha acontecido com a New England Wire and Cables (vítima dos
“liquidador” Garfield) o projeto da Bond-O-Matic estava sendo analisado com carinho.
Andrew Jorgenson contava com a ajuda de sua sagaz equipe de jovens executivos para
alinhar estrategicamente a empresa, efetuando uma análise cuidadosa e criteriosa da
situação da empresa e da possibilidade de execução do projeto de expansão através da
compra das novas máquinas.

A empresa
A New England Precision era especializada na fabricação de peças e equipamentos
de alta precisão, e ao longo do tempo tinha diversificado sua produção para várias linhas
de produtos da indústria metal-mecânica. A empresa tinha adquirido reputação pela
qualidade de seus produtos, principalmente as peças para a indústria aeroespacial.
Devido ao ambiente altamente competitivo e a pressão dos clientes por produtos de alta
qualidade, a New England Precision buscava com insistência a redução de sua taxa de
rejeitos, que estava na faixa (ainda confortável) de 70 partes por milhão.
A reputação de qualidade da New England Precision levava a elaboração de
alianças estratégicas com os clientes: existia o intercâmbio de pessoal técnico e equipes
de ambas as empresas elaboravam novos projetos de peças e equipamentos de precisão.
Além disso, os clientes partilhavam informações confidenciais sobre a demanda com a
New England Precision, o que levava a um planejamento de produção bastante preciso.
Em alguns momentos os clientes chegaram a conceder empréstimos subvencionados para
a expansão da Precision. Finalmente, a empresa tinha preferência na concorrência por
contratos de longo prazo.
Os principais clientes da empresa eram a Boeing (aeroespacial), BMW, Peugeot e
Ferrari. Estes clientes já tinham premiado a empresa várias vezes pela sua qualidade e
avanço tecnológico. Mas, ultimamente, a empresa estava sofrendo de problemas sérios
no processo decisório, o que levava a perda de atualização tecnológica. As peças de alta

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qualidade da Precision continuavam a ser de “alta qualidade”, mas a Ferrari já estava
testando e utilizando novos materiais (fibra de carbono) em peças críticas como para os
sistemas de freios, e também para calípseros, transmissões e retro-embreagens a vácuo.
O que era pior, informantes garantiam que a Ferrari estava entrando em conversações
com a empresa fornecedora dessas peças de vanguarda, e pretendia conceder para o
concorrente benefícios semelhantes aos que a Precision possuía. Perder um cliente
tradicional como a Ferrari significaria começar com pé-esquerdo a gestão da empresa,
pois a mesma representava 20% do faturamento bruto.
A competição pelo estado-da-arte da tecnologia era percebida pelos consumidores
finais e até mesmo incentivada. Os clientes dos automóveis de luxo demandavam avanços
tecnológicos compatíveis com os preços premium desembolsados para adquirir os
automóveis. Na indústria aeroespacial, por sua vez, era crucial manter os sistemas
hidráulicos produzidos pela Precision posicionados na fronteira tecnológica do setor. E
isto não era conseguido apenas através do marketing industrial e institucional. Era
necessário reforçar a área de P&D e contar com equipamentos de última geração.
A New England Precision estava listada na Bolsa de New York desde 1950 e
Andrew e sua família possuíam 55% das ações ordinárias. Nos últimos cinco anos a
empresa tinha perdido 25% de seu valor cotado em bolsa. As vendas para o ano corrente
estavam estimadas em US$ 177 milhões e o lucro líquido projetado para US$ 18 milhões.
A geração de caixa da empresa no ano corrente estava representando apenas 65% do que
era gerado nos áureos tempos (apenas doze anos atrás). O patrimônio líquido da empresa
era de US$ 120 milhões. Estes valores, considerando-se as condições atuais da economia,
poderiam ser projetados para os próximos três anos.
A taxa de retorno geralmente utilizada no orçamento de capital da empresa era de
12% (esta taxa não era revisada desde 1985). O período de payback dos investimentos era
de cinco anos, e o valor de mercado do capital da empresa estava constituído de 33% de
débito e 67% de capital próprio. O endividamento, relativamente pequeno, consistia
inteiramente de um empréstimo de curto prazo com o Banco de Nova York, pagando uma
taxa de juros de 16%.

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Aproximadamente 65% das receitas eram provenientes do setor automotivo, o
qual já estava bastante amadurecido em termos de crescimento, o que era compensado
pelo expressivo market-share alcançado. Os 30% da receita que eram auferidos com os
clientes da indústria aeroespacial tinham apresentado crescimento expressivo nos últimos
cinco anos, mas agora o crescimento estava diminuindo com o amadurecimento do setor.
Assim, o nível de investimentos realizados nos produtos desta linha também estava
descendo de nível, e uma fatia de 17% do market-share estava já consolidada. Cerca de
2% do faturamento provinha da indústria de equipamentos para construção civil
(guindastes, betoneiras, moto niveladoras). O setor de equipamentos para construção
civil era considerado bastante promissor, e o executivo de marketing considerava a
atuação da empresa até então bastante tímida. Estimativas mais otimistas consideravam
que a empresa poderia aumentar seu faturamento em até 18% se focasse melhor os
produtos deste segmento. A lucratividade poderia alcançar 30% do faturamento total no
setor. Porém, a empresa necessitaria das novas máquinas e de investimentos em P&D
orçados em US$ 8 milhões apenas para o primeiro ano.
Andrew Jorgenson era uma lenda na indústria de peças e equipamentos de
precisão, com uma reputação de competência, honestidade e caráter reconhecida por
todos os stakeholders. A principal engenheira e projetista chefe era sua sobrinha (que
também era formada em advocacia), que já tinha obtido o título de PhD em metalurgia e
trabalhava na empresa desde 1983.

A máquina Bond-O-Matic
As máquinas antigas (no total de seis máquinas semi-automáticas) da New England
já estavam “abrindo o bico a anos”, segundo um experiente operador da empresa. As
máquinas eram relativamente intensivas em trabalho, requerendo treinamento e
retreinamento dos operadores para obter um produto com a qualidade exigida pelos
clientes. A incidência de faltas ao trabalho devido à fadiga e acidentes de trabalho tinha
dobrado nos últimos cinco anos.

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A nova máquina iria substituir um conjunto de máquinas que já tinham sido
lançados como depreciação, e tinham custado originalmente US$ 540 mil. Depreciação no
montante de US$ 169 mil já tinha sido lançado a custo, e a depreciação anual era da
ordem de US$ 62 mil. Andrew acreditava que estas máquinas deveriam ser substituídas
em seis anos, e já tinha recebido uma oferta de US$ 192 mil por elas. O investimento total
na Bond-o-Matic alcançaria US$ 1 milhão mais custos de instalação de US$ 200 mil. O
investimento seria depreciado ao longo de oito anos, vida útil da máquina.
As máquinas antigas precisavam de 12 trabalhadores por turno (24 no total), a 10
dólares o trabalhador/hora, mais 3 trabalhadores para manutenção (a 10,8 dólares a
hora), mais um custo fixo de manutenção de US$ 4 mil por ano e um consumo de
eletricidade de US$ 18 mil anuais. A máquina automática necessitaria de dois operadores
qualificados (um por turno), ao custo de US$ 15,40 por hora (incluindo benefícios), mais
um contrato de manutenção de US$ 70 mil. Eram esperadas economias anuais da ordem
de US$ 8 mil devido à melhoria de processos da empresa.
Com as máquinas semi-automáticas, mais de 30% do espaço do galpão industrial
era necessário para as amplas galerias que as máquinas necessitavam. A matéria-prima e
os bens em processamento precisavam estar próximos a cada máquina para suavizar o
fluxo de trabalho. Com as máquinas automáticas, praticamente metade do espaço seria
disponibilizado para outros propósitos (embora, no momento presente não existisse
necessidade de novos espaços).

Considerações Finais
Certos aspectos da aquisição da Bond-O-Matic tornavam a decisão difícil de ser
quantificada. Primeiro, Andrew não estava certo de que a barganha com os funcionários,
que certamente envolveria demissão de gente muito antiga na fábrica, seria levada num
bom termo. Isto é, o sindicato (e nem mesmo Andrew) não aceitaria as demissões
facilmente, exigindo, no mínimo, a realocação do pessoal. Poderia até mesmo ocorrer
uma greve! Realocar os funcionários significaria colocá-los numa função inferior, com
salários de US$ 6,00 a hora.

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Segundo, Andrew acreditava que a nova máquina levaria a maiores níveis de
qualidade do produto, menores taxas de rejeito e maior produção. Considerando-se a
acirramento da competitividade no setor, estas melhorias poderiam se tornar uma
importante fonte de vantagens competitivas. Finalmente, a Bond-O-Matic possuía uma
capacidade de produção teórica cerca de 30% superior aos níveis atuais das seis máquinas
semi-automáticas. Estas máquinas já operavam a 90% de capacidade, porém Andrew não
tinha certeza se seria necessário um aumento da capacidade instalada. Ainda por cima, os
últimos cenários elaborados para a economia indicavam a ameaça de uma recessão para
os próximos anos, o que poderia afetar severamente os setores para os quais a empresa
trabalhava. A inflação estava sob controle, mas o desemprego avançava, os sindicatos
pressionavam e a sociedade apresentava novas demandas às empresas e aos governos.
Demitir empregados neste ambiente poderia prejudicar os interesses sociais da empresa,
assim como a velocidade de tramitação dos pedidos de renovação das linhas de
financiamento e de novos empréstimos. O governo poderia até mesmo insistir no
depósito antecipado do seu novo imposto, o ACMS.
Considerando-se as informações acima, assuma um papel na equipe de Andrew
Jorgenson e ajude a elaborar o ciclo de planejamento estratégico da empresa. Responda
as questões da prova considerando sempre a necessidade de Andrew e os executivos
entenderem os conceitos básicos do ciclo de planejamento estratégico e identifique os
principais conceitos nas situações apresentadas no caso. Ao final, tome uma decisão com
relação ao realinhamento estratégico da New England Precision: Comprar ou não a Bond-
o-Matic?

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Glossário
Aquisição hostil - Uma aquisição hostil é uma aquisição na qual a empresa que
está sendo comprada não deseja ser comprada, ou não deseja, em particular, ser
comprada pelo comprador que está fazendo a oferta.
As aquisições hostis somente funcionam com empresas de capital aberto. Isto é,
elas emitiram ações que podem ser compradas e vendidas nos mercados de ações
públicos.
Se uma empresa emitiu mil ações, e você detém 100 delas, você possui 1/10 dessa
empresa. Se você detém mais de 500 ações, você possui uma maioria ou participação
controladora naquela empresa. Quando a empresa toma decisões importantes, os
acionistas devem votar nelas. Quanto mais ações você detém, mais votos você tem.
Assim, uma aquisição hostil resume-se a isso: o comprador precisa obter o
controle da empresa-alvo e forçá-la a concordar com a venda.

O valor patrimonial - Se todos os ativos da empresa forem vendidos e todas as


dívidas e contas forem pagas, o valor remanescente seria o valor patrimonial.

O valor de mercado - É o preço corrente da ação conforme relatado


pelas bolsas de valores. Ele é o preço pelo qual um número igual de compradores e
vendedores estão dispostos a vender e comprar o estoque de ações.

Empréstimo subvencionado de clientes – adiantamento de recursos financeiros


por meio da antecipação de compras futuras.
Ações ordinárias – ações negociadas na bolsa de valores que dão direito a votos
no Conselho de Administração da empresa.

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