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Sabrina no. 50
Robyn Donald
Resumo:
Fiona Ward estava nervosa. Isto se via pela maneira como seus dedos magros
apertavam a alça da bolsa. A força era tanta que eles pareciam brancos em contraste
com o couro escuro. Evidenciava-se também pela tensão dos olhos, pela linha contraída
dos lábios, normalmente tão suaves e calmos. O anel de ouro no dedo parecia uma
algema. Embora tivesse vinte e três anos, não aparentava mais do que dezenove.
Somente seus olhos, tristes e sombreados pela lembrança de uma velha mágoa,
revelavam que não era mais uma garotinha.
Quando a eficiente Sra. Dobbs, da agência de empregos, lhe falou sobre aquele
cargo, ela teve a impressão de que suas preces haviam sido atendidas.
– A meu ver é ideal, Sra. Ward. Acredito que sela uma antiga fazenda. A sede é
uma residência em estilo colonial e o proprietário precisa de uma secretária. Você
também colaboraria com a mãe dele que, é uma escritora de alguma reputação. Os dois
serviços devem mantê-la ocupada por uma parte do dia, apenas. O salário é bom e eles
não têm objeções quanto a criança. Parece que a esposa de um dos pastores está
preparada para cuidar dela durante as horas de trabalho. É uma propriedade no litoral e a
casa fica perto da praia. A maior parte dessas velhas casas de fazenda foram construídas
quando havia poucas estradas no Norte e o único acesso era por mar.
– Isto... isto parece ideal – disse Fiona com tranqüilidade, imaginando Jonathan
moreno e bronzeado, sadio e alegre, correndo e gritando ao sol. Com esforço, trouxe
seus pensamentos de volta à realidade. Graças a Deus seu pai insistira para que fizesse
um curso de secretariado depois que Jonathan nasceu.
– Smith?
– Sim. Este não é seu nome verdadeiro, lógico, mas não se preocupe, Sra. Ward.
Temos negócios com a família há muitos anos e garanto-lhe que não terá problemas
com os... Smith, Boa sorte!
Bem, ela precisava mesmo de boa sorte nesse exato momento. Jonathan... mas
recusou-se a pensar em Jonathan. O som de um movimento atrás da porta fez com que
Fiona apertasse os lábios trêmulos e relaxasse os dedos que apertavam a alça da bolsa.
Devia aparentar calma e segurança a qualquer custo! O Sr. Smith, fosse ele quem fosse,
não podia perceber quão desesperadamente necessitava daquele emprego.
O homem abriu a porta e caminhou em sua direção, dizendo com um tom de voz
grave e calculado:
– Sra. Ward? Sinto muito tê-la feito esperar tanto... – parou de falar quando a
viu.
Ele era alto, moreno e belo, obviamente rico. e muito seguro de si.
Com os lábios sem cor, Fiona sussurrou: – Não... não! – estendendo os braços
como que para afastá-lo. Então a sala girou e ela sentiu-se escorregando ao lado do
b~aço de uma poltrona.
Uma náusea a oprimia, apertando sua garganta. Com a mão trêmula, tirou uma
mecha de cabelos da testa úmida. Por um momento perguntou-se o que tinha acontecido
e então um copo foi encostado aos seus lábios e Logan Sutherland disse de forma
resoluta: – Beba isto!
Um forte tremor sacudiu seu corpo magro quando lhe voltou a consciência e,
com ela, o medo e o desespero.
– Não – retrucou com um fio de voz. Então, sentiu-se sufocar quando foi
forçada, sem piedade alguma, a engolir o líquido que lhe queimava a boca.
– E apenas um conhaque. Vai beber ou vou precisar pôr pela sua garganta?
Lentamente, Fiona abriu os olhos. Ele estava ajoelhado ao lado do sofá, com um
braço que parecia de ferro em volta de seus ombros. A expressão era fria, mas
determinada.
Bebeu o líquido devagar, com a cabeça inclinada para evitar aquele olhar
acusador. Quando o conhaque terminou, o homem ergueu-se e ficou de costas para ela,
olhando pela janela.
– Por quê?
Fitou-o, sentindo-se perplexa.
– Por quê? – repetiu como uma idiota. – Eu... pensei que fosse tão óbvio. Com
certeza não vai querer que eu trabalhe para você, e eu... – sua voz tomou-se mais forte –
eu não quero trabalhar para você.
– Possivelmente. – Mas ele não fez nenhum movimento para abrir-lhe a porta, o
que não era uma atitude normal para quem sempre fora tão cortês, e Fiona lembrava-se
muito bem. – Acho que não deve ir agora. O copo de conhaque estava bem cheio e, pelo
que me lembro, você não tem muita resistência para bebida alcoólica.
Fiona conseguiu retrucar com frieza: – Estou bem mesmo, obrigada. Até logo.
Atravessou a sala, mas Logan foi mais rápido, interrompendo-a com uma mão
em seu braço e a expressão impassível.
– Por quê? Não temos nada mais a discutir, Sr. Sutherland, e me sinto muito bem
para voltar para casa em segurança.
– Oh, mas nós temos algumas coisas a discutir – disse ele com firmeza. – A
mulher da agência de empregos disse-me que você tem um filho. A criança está com
quatro anos de idade. Você deve ter, se casado logo depois que nos conhecemos...
O aperto tornou-se mais forte, os dedos cravando-se sem piedade em sua carne
macia.
– Casou-se e enviuvou tão rápido. Você tem vivido momentos, bastante trágicos
desde a última vez em que nos encontramos, Sra. Ward. Como seu marido faleceu?
Ela mordeu os lábios, mas a mentira, praticada com tanta freqüência, veio
facilmente.
– Estou certa que sim – disse aparentando calma. – eu realmente não gosto de
relembrar o passado, é um exercício sem graça, a não ser que as lembranças sejam
muito remotas. Portanto, devemos dizer apenas que nos conhecemos algum dia, certo?
– Oh, não, Sra. Ward, não podemos falar nestes termos. Qual é o nome do seu
filho?
– Jonathan – respondeu com rapidez. – E ele ainda não tem quatro anos.
– Sério? Perdoe-me, mas não acredito. Sabe, tenho muita vontade de vê-lo. Vou
levá-la para casa e assim conhecerei Jonathan.
– Não! – O monossílabo áspero rasgou o ar, e ela mentiu: – Ele vai passar a noite
na casa de um amigo.
– É uma pena – retrucou com frieza. – Com quem ele se parece? Com você ou
com o pai?
– Que lhe interessa? – interpelou. – Não sei o que você tem em mente, mas não
tenho que ficar aqui, aturando sua intromissão em minha vida. Até logo.
– A maior parte das mães – disse com insolência – carrega uma fotografia de
seus filhos na bolsa. Minha mãe sempre fez isso.
O fecho abriu-se. Enquanto os dedos dele vasculhavam a bolsa de Fiona sentiu-
se sufocar.
Empurrou-o com o braço. Com uma rapidez que chocou Fiona, Logan jogou
todas as coisas que estavam na bolsa sobre a mesa, examinou os objetos e finalmente
abriu a carteira. Fiona respirou fundo e chutou com força a canela de Logan. Mas,
quando foi pegar a foto, ele levantou-a à altura da cabeça, impedindo que ela a
alcançasse. As lágrimas brotaram dos olhos de Fiona. Soluçou e esfregou as mãos na
nuca, tentando relaxar a tensão.
Parecia que estava ali há uma eternidade. Mais, uma vez, tentou arrancar-lhe a
fotografia, mas ele esquivou-se, virando a foto para ler o que estava escrito atrás.
– Jonathan Logan Ward, quatro anos – disse com frieza. Rasgou a foto em
pedaços, deixando-os cair sobre o carpete. – Devia ser Jonathan Logan Sutherland, sua
cadela.
– Vou ter que mandar fazer outra cópia – disse ela estrepidificada. – Só tinha
esta.
– Por que, Fiona? – A voz de Logan estava cheia de um rancor frio e as mãos
apertaram os ombros dela com força. – Por que você não me contou?
– Depois do que me disse! – sussurrou. – Depois do que fez comigo? Você teria
acreditado que o bebê era seu, se lhe tivesse dito que estava grávida? – Sua voz falhava,
mas continuou assim mesmo. – Se bem me lembro, você me chamou de suja,
promíscua, “uma qualquer”, e isto foi antes de você desaparecer completamente.
– Lógico que fiz isto. – Sacudiu-a levemente e afastou-a, como se o contato dela
lhe fizesse mal. – Por Deus do céu, Fiona, eu estava furioso! Você tinha apenas dezoito
anos e caiu em minhas mãos como uma ameixa madura. Eu tinha vinte e seis, uma idade
suficiente para pensar bem antes de ir para a cama com uma menina que mal saíra do
colégio. Como você queria que eu reagisse?
Sentindo-se exausta, Fiona passou a mão pelos cabelos, afastando-os do rosto.
– Bem, tudo isto são águas passadas, não é? – disse ela com voz fraca. – Eu... eu
entendo que foi um choque para você...
– Não seja boba – disse ele com impaciência. – Lógico que temos que discutir
sobre isto. Você sabe que eu não teria ido embora e abandonado você se soubesse do
menino e você não tivesse se esforçado tanto para impedir que eu o descobrisse.
– Eu também, mas pelo menos você deu vazão às suas emoções. Seria melhor
beber mais um pouco de conhaque.
Com uma voz gentil ele disse: – Você parece prestes a ter um colapso. Vá até o
banheiro retocar a maquilagem, enquanto peço chá para nós. Então poderemos
conversar.
O quarto era grande, luxuoso e muito limpo. Havia um pequeno despertador
sobre. o criado-mudo e isto era tudo que indicava a presença de Logan. Já no banheiro,
Fiona suspirou ao ver sua imagem refletida no espelho. Durante todos os anos, desde
que começara a amar Logan e o perdera, nunca tinha visto tanto desespero em seu rosto,
nem mesmo quando seus pais tinham morrido tão brutalmente, dois anos atrás.
– Mas ele não vai tirar você de mim, viu, amorzinho? – sussurrou, como se seu
filho estivesse ali.
Logan estava em pé ao lado da janela quando ela voltou, mais uma vez fitando a
tarde cinzenta e nebulosa com a expressão triste e fechada. Virou-se quando ela entrou.
– Eu... estou mesmo com fome – admitiu ela devagar, encostando-se no braço de
uma poltrona. – Você gosta de chá sem leite, não é?
– Como vê, também me lembro do que você gosta – disse Logan com suavidade.
Houve uma pausa longa. Então continuou: – Fale-me sobre ele, Fiona. Como é
Jonathan?
– Ele é grande para a idade que tem – começou lentamente. – Chora quando é
magoado, mas é muito decidido. Às vezes tem acessos de mau humor, que estão se
tomando cada vez mais raros; parece que está aprendendo a se controlar. g muito
carinhoso, muito delicado com as pessoas que conhece. É inteligente. Ele é – Fiona
encolheu os ombros e esfregou as mãos – Jonathan. Uma pessoa, não uma cópia de
quem quer que seja ou um veículo de esperanças ou de sonhos.
– Mentira, Fiona. Ele é a sua esperança e a fonte de seus sonhos. Por que você
não me contou? No começo fui um bruto e você era jovem demais para compreender
que minha raiva era dirigida apenas a mim, não a você. Mas depois você devia saber
que eu a ajudaria.
Logan disse impulsivamente: – Seu pai devia ter insistido para você dizer. Como
pai da criança eu tinha alguns direitos.
– Eu sei, mas estava ferida demais pela sua rejeição para... para perceber isto.
Realmente não achei que o bebê pudesse ter algo a ver com você, por mais estúpido que
isto possa parecer. Até que ele começou a parecer tanto com você, que comecei a achar
que você realmente tinha alguns direitos sobre ele. Então meus pais faleceram e
Jonathan passou a ser tudo o que eu tinha. Temia que, se soubesse da criança, iria querer
interferir.
Ela levantou os olhos de repente, mas se tivesse esperado surpreender alguma
emoção nele teria ficado desapontada, pois a expressão de Logan era distante, tão fria
quanto o auxílio que lhe ofereceria para o tratamento da saúde de Jonathan.
– Não é tanto por causa de dinheiro, mas por causa de Jonathan. Ele teve um
ataque de bronquite muito grave há alguns meses e ainda não está bom. O médico diz
que ele precisa de banhos de sol e de uma vida no campo. Por esta razão, esta me
pareceu uma oportunidade maravilhosa.
– Não!
– Bem, acho que podemos oferecer a Jonathan a vida no campo. – Logan falou
em tom ameno, recostando-se na cadeira.
– Não posso trabalhar para você! – exclamou ela. – Não seja idiota.
– Não quis dizer isto. Sugiro que nos casemos. Com cinco anos de atraso,
reconheço, mas vamos seguir o velho ditado, “antes tarde do que nunca”.
– Você pode e deve, minha cara. – Ele inclinou-se para a frente e sua expressão
era atenta e resoluta. – Quando estiver tudo resolvido você vai ver que é apenas a
melhor solução. O garoto precisa de uma família, de um pai. Jonathan é meu filho e sou
responsável por ele. Não tenho intenção de deixá-lo sofrer sob o estigma da
ilegitimidade, portanto devemos nos casar. Será apenas pro forma, prometo-lhe, a
menos que você deseje um casamento de verdade.
– Não!
– Pobre Fiona, tem sofrido tanto por uma noite de insensatez, causada pelo
sangue quente da juventude e por champanhe demais. Nunca lhe poderei devolver estes
últimos cinco anos, mas posso garantir-lhe que seu futuro será seguro e o de Jonathan
também. Você deve isso a ele.
Lentamente, com uma clareza crescente, veio a certeza de que não conseguiria
escapar dele. Havia desespero em sua voz quando objetou: – Mas... todo mundo vai
saber. Quero dizer... sinto muito, Logan, mas eu não poderia encarar as pessoas que
soubessem como fui tola e estúpida em fazer amor com você – concluiu como num
desafio, virando a cabeça para que ele não visse o rubor em seu rosto.
– Você tem uma maneira ultrapassada de falar, minha cara, mas entendi o que
quis dizer. Não tenho intenção nenhuma de permitir que todos saibam, exceto minha
mãe, que terá que ser informada, mas não precisa preocupar-se com ela. Sua única
ambição durante estes últimos cinco anos tem sido conseguir que eu me case, portanto
aceitará a situação, especialmente quando conhecer Jonathan. A história que contaremos
será a seguinte: nós nos conhecemos e casamos há cinco anos, apesar das objeções de
seus pais, mas brigamos e rompemos. Você não me informou sobre o nascimento de
Jonathan porque tinha medo que eu o tirasse de você. Nos encontramos de novo e
percebemos que a velha magia que nos envolvia ainda existia e resolvemos continuar
juntos. Isto tem a vantagem de corresponder a quase todos os detalhes da realidade.
– E por que você não teria contado sobre o seu casamento? – perguntou Fiona,
incrédula.
– Porque meu orgulho ferido não permitiria que eu contasse que urna mulher me
abandonou. Muitas pessoas vão considerar minha recusa em admitir um fracasso
exatamente como uma de minhas características.
Fiona estremeceu com a nota de desdém em sua voz. Fitou-o, percebendo as
diferenças depois de quase cinco anos, as linhas que denotavam uma freqüente
expressão de escárnio, a aspereza de seus lábios, que o fazia parecer mais cruel do que
quando tinham discutido depois daquela noite, que começara com risos e alegria,
continuara com ardor e terminara com a humilhação que ainda marcava as emoções de
Fiona.
Naquela época, ele era incrivelmente gentil, despreocupado com o poder de sua
aparência e de seu vigor; e a força de sua personalidade fez com que se apossasse do
coração e do corpo da garota com uma facilidade tremenda. A despreocupação e a
paixão de ambos é que tinham gerado Jonathan e era a criança, fruto daquele arroubo de
juventude, que importava. Sem pensar qualquer outra coisa, Fiona compreendeu que se
casaria com aquele estranho, frio e calculista. Calmamente, ela disse:
– Muito bem, então, mas Jonathan é que dará a última palavra. Se ele gostar de
você, levaremos isto adiante. Caso contrário, não.
– Você vai casar-se comigo mesmo que ele grite e esperneie toda vez que me vir.
Jonathan é um Sutherland. Não espero que saiba o que isto significa até que viva em
Whangatapu, mas ele tem direito a muito mais da vida do que você sozinha poderá
oferecer-lhe. Portanto, ponha isto de urna vez por todas em sua cabeça, Fiona.
Considere como obra do destino que tenhamos nos encontrado novamente, uma
predestinação, se quiser. Não há escapatória para você nem para mim. Agora, se acabar
de comer aquele último sanduíche, vou levá-la para casa. Quero conhecer meu filho.
– Não pode me forçar a casar com você – disse com firmeza, tentando afastar o
medo de sua voz.
– Não? Não acredite nisto – retrucou ele com delicadeza, embora houvesse uma
determinação fria nas palavras. – Não há esperança para você, minha cara. Você precisa
aceitar a idéia, pois vai ter que aparentar ser uma esposa. Não farei comentários além do
indispensável. Apesar disto, as línguas não terão trégua durante algumas semanas até
que apareça um assunto melhor para discussão. Muito bem, o que está esperando? Já é
hora de irmos.
Afinal, estacionou ao lado de uma velha mansão, que agora era apenas um
amontoado de quartos de aluguel, de aparência desagradável.
– Isto não é lugar para uma criança – comentou ele com frieza. – Entre e traga
Jonathan. Diga a quem está tomando conta dele que vai passar a noite em casa de
parentes. Pegue algumas roupas decentes.
– Ele quer que Jonathan se acostume com a idéia antes de partirmos para a sua
fazenda.
– Fico contente, querida. Você merece ser feliz e ter alguém que lhe dê atenção.
Mas mantenha contato comigo. Vou gostar de saber sobre sua nova vida.
– Não – respondeu.
– Com a mamãe?
– Não, acho melhor mamãe sentar-se na frente, assim poderá ver para onde
estamos indo.
Com a cabeça inclinada para um lado, Jonathan observou o pai com olhos
atentos. Não era difícil perceber que havia uma afinidade entre os dois.
Ela vestira sua melhor roupa, um vestido azul, meio fora de moda, que lhe caía
bem, embora um pouco largo. Quando se olhara no espelho achou-se elegante, mas
agora, ao lado de Logan, se sentiu mal vestida. Logan podia ser rico, mas não era com
isto que ganharia a afeição de seu filho. Jonathan não conhecia nada além de bondade e
amor e, de alguma maneira, ela sabia que Logan ansiava pelo amor do garoto. “Pelo
menos uma vez em sua vida, terá que lutar para conseguir isto”, pensou Fiona franzindo
a testa, pois sua marcante presença física, que o fazia quase irresistível para as
mulheres, não teria nenhum efeito sobre seu filho. Não estava preocupada quanto ao
comportamento de Logan em relação a Jonathan, mas sim pela idéia da intimidade
forçada por um casamento sem amor.
Com muita calma, Fiona achou que seria fácil render-se àquela atração que ainda
existia entre eles. No hotel, o toque de Logan em seu braço incendiara seu sangue e
compreendeu o que não sabia quando era apenas uma garota imatura de dezoito anos:
que os homens conseguiam sentir interesse sexual com quem nem mesmo
simpatizavam. Por mais que os olhos dele estivessem frios quando a fitaram, havia um
calor incontido, esperando apenas por um sinal de Fiona para que se acendessem. Não
seria desagradável fazer isto. O breve desejo entre eles tinha sido uma coisa
maravilhosa, uma noite de paixão e capitulação, um dar e receber, um êxtase de prazer.
Isto poderia acontecer novamente, se fosse insensível o bastante para aceitar as
necessidades de sua masculinidade em vez de amor. Fiona compreendeu, mesmo sem
pensar muito sobre a possibilidade, que nunca faria isto. Nem mesmo para assegurar o
futuro de Jonathan ou para amenizar as necessidades ocultas no fundo de seu ser.
Aprendera a lição numa escola rígida e aprendera muito bem. O gosto amargo da
humilhação não se apagara de sua lembrança.
Capítulo II
– Ele adormeceu?
Fiona fez que sim com a cabeça, encostando a porta. O quarto que Logan lhe
reservara era ao lado do dele. Sentia-se agradecida pela consideração que ele
demonstrara, não interferindo em seus arranjos para fazer Jonathan jantar e depois
dormir.
– Você parece cansada. Pedi que nosso jantar fosse servido aqui mesmo e sugiro
que vá dormir mais cedo esta noite. Ternos muito o que fazer amanhã.
– Tanto assim?
Antes de tudo, comprar algumas roupas para vocês dois e depois providenciar
sua mudança daquele apartamento.
– Sim? – Logan foi indiferente, quase brusco. – Beba um pouco de vinho. Posso
vê-la procurando coragem para chegar ao ponto central.
Fiona aceitou o copo, mas colocou-o na mesinha a seu lado, sem experimentá-lo.
Aquilo tinha que ser dito, embora a pergunta de Logan fosse claramente
desanimadora.
– Quero dizer que ele tem sido muito feliz até agora com muito pouco. Não
deixe que ele sinta que basta pedir para obter tudo o que deseja.
– Fiona, por sua causa, perdi alguns anos da vida de meu filho.
Ela empalideceu ante a amargura daquela voz. Como uma máscara de madeira,
as feições dele estavam gélidas e ameaçadoras, mas sua voz era suave quando
prosseguiu: – A culpa não é toda sua, seus pais e eu temos que dividi-la, mas os fatos
permanecem e ele é um estranho para mim. Não sou tão idiota para pensar que posso
comprar o amor de Jonathan, mas ele ainda é muito pequeno e alguns brinquedos vão
ajudá-la a perder qualquer constrangimento que possa estar sentindo. Você o criou
muito bem, mas deve saber que ele está chegando a uma idade em que um pai se torna
cada vez mais importante. – Logan sorriu de repente e atravessando o quarto pegou as
mãos dela, puxando-a para que ficasse em pé. – Suas mãos estão frias. Está com medo
de mim?
Com a mão sob o queixo de Fiona, forçou-a a levantar os olhos para encontrar os
seus.
A boca de Logan estava macia e rude ao mesmo tempo, pronta para arrancar à
força o que Fiona não estava preparada para oferecer.
Um instinto oculto advertiu-a para que permanecesse passiva sob aquele beijo.
Assim, ficou imóvel enquanto os lábios de Logan exploravam os belos contornos de sua
face, como se estivessem famintos por aquela pele macia.
– Agora você está mais bonita do que antes – disse ele. – Mas tão fria! Você se
colocou atrás de uma parede de gelo, Fiona? Fui eu quem fez isto a você? Acabei com
toda aquela sua paixão ardente? – Ele riu de súbito e largou-a. – Por quanto tempo vai
conseguir manter a barreira? Vamos apostar?
– Não. – Fiona esforçou-se por aparentar indiferença e fez dela um manto. – Não
faz qualquer diferença, Logan. Desculpe-me, mas se deseja este tipo de relacionamento
entre nós é melhor ir embora e não me levar com você.
Os olhos dele estreitaram-se.
– Eu desejo meu filho mais do que você – disse com crueldade –, mas estou
bastante certo de que muito antes do que espero terei vocês dois.
– Você não parecia muito preocupado com meus sentimentos quando nos
conhecemos – retrucou, com um tom de desprezo na voz.
– Responda.
Nos anos posteriores, Fiona nunca conseguiu lembrar-se de muita coisa sobre os
dias que se seguiram. Fragmentos e imagens vagas t?do o q,:,:e permaneceu – a compra
de roupas, Jonathan e Logan rindo muito naquele carro alugado, as dúvidas que sentia
diante do que Logan dizia , a velha Sra. Wilson colocando uma lembrancinha nas mãos
de Jonathan; vento, chuva e frio, e depois a cerimônia no cartório. Logan alto e elegante
a seu lado, enquanto colocava a aliança em seu dedo e a falta de emoção no beijo
obrigatório...
Depois, a viagem de avião para Rotorua, o cheiro de enxofre e fumaça das fontes
de água quente; ela e Logan lentamente relaxando as relações entre si, enquanto
Jonathan demonstrava ser um excelente intermediário. Risadas infantis misturadas com
um riso forte; a primeira vez que Jonathan deu um beijo de boa-noite em seu pai ; a
primeira vez que colocou sua mãozinha na de Logan enquanto caminhavam por uma
rua; as perguntas da criança sobre sua avó e o telegrama vindo de Whangatapu enviado
pela mãe de Logan. E então, após três semanas, outra viagem de avião para a imensa
Auckland, que se estendia entre dois portos; uma xícara de café no aeroporto entre os
vôos e a viagem até Whangatapu, para encontrar lá o esplendor calmo de uma tarde
morna de primavera.
A ansiedade da chegada trouxe um sorriso pálido aos lábios de Fiona, mas algo
muito próximo do pânico a fez ficar tensa. Por causa de Jonathan devia levar tudo
aquilo adiante, mas seu coração estremeceu quando pensou na Sra. Sutherland e nos
outros que os esperavam naquela casa branca lá embaixo. A aliança que Logan lhe
comprara brilhava em seu dedo, e de repente lhe parecia não ser nova.
Ela desceu do avião para a pista de concreto, caminhando ao lado do marido, que
carregava o filho adormecido, em direção a uma mulher que os esperava, alta e magra,
vestindo calças compridas pretas e um sobretudo vermelho, com as mãos virilmente
colocadas nos bolsos.
Um dedo longo tocou a face corada a criança, então Ailsa Sutherland sorriu e
olhou para a garota magra que estava um pouco atrás.
Logan endireitou-se, pegou no braço dela e disse: – Vamos entrar, o sereno está
caindo e é melhor irmos para dentro. Se eu conheço a Jinny, já tem uma chaleira
fervendo há mais de uma hora.
– Vai sim. – Fiona pegou-o, segurou-o contra si por um instante e então colocou-
o no chão. – Entretanto, está chegando a hora do banho e do jantar.
– Posso ficar acordado até mais tarde esta noite? Já dormi muito no avião.
Essa era uma das coisas à qual Fiona achava mais difícil se adaptar. Tinha sido o
único árbitro da vida de Jonathan por tanto tempo e agora não conseguia evitar um certo
ressentimento todas as vezes que Logan tomava uma decisão por ela. Era algo que
precisava ser superado. Fiona assentiu para Jonathan, e entraram.
– Como pode fazer isto, minha cara? Você não deve conhecer Logan muito bem.
– Parou na frente de uma porta: – Não é um homem fácil de se conviver, mas, por causa
dos outros, isto não deve ser demonstrado. Nunca o vi tão calmo quanto está agora com
Jonathan. – Os olhos azuis, tão parecidos com os do filho, encontraram os de Fiona para
dar ênfase a suas próximas palavras. – Perdoe-me se o que vou lhe dizer parecer rude,
mas precisa compreender nossa posição. Todos nós estávamos preparados para receber
você por causa de Logan e da criança. Existe muita curiosidade quanto a você, é lógico.
Logan é muito querido, e respeitado por todos; como sua esposa, você será muito
observada, e até mesmo invejada. As pessoas esperam de nós um certo padrão de caráter
e de comprometimento. Se você não estiver a altura, então terá que ir embora.
Fiona piscou, escondendo suas emoções. Uma raiva fria a apertava, mas
endireitou os ombros enquanto replicava com delicadeza: – De fato, a intrusa está
avisada. Obrigada, Sra. Sutherland.
– Fiz você ficar zangada, eu sei, mais isto tinha que ser dito; e acredite-me,
Fiona, foi muito melhor eu lhe dizer do que se deixasse que Logan o fizesse. – Ela deve
ter percebido a contração involuntária das sobrancelhas de Fiona, pois meneou a cabeça.
– Sim, você sabe como ele é quando está furioso. Por isto não se deve despertar a raiva
dele. Este é o seu quarto. Agora vou deixá-la sozinha.
– Não vou dormir neste quarto com você – disse ela, antecipando o comentário
que viria para que perdesse sua auto confiança.
– Mas por que não? – Ele atravessou o quarto em direção a cama e puxou a
colcha. – Esta cama é mais confortável, posso garantir-lhe, e, além do mais, não gosto
de dormir no chão.
– Atrevo-me a dizer que estou acostumada com isto. – Pegou a mala para abri-la,
determinada a não ser amedrontada.
– Por que lutar contra o inevitável? Para preservar seu orgulholho? Ou para me
fazer sofrer um pouco mais por ser realista ou suficiente para admitir que isto é
inevitável? Você deseja que eu lhe faça a corte com todo o romantismo e assim
podermos fingir que estamos apaixonados um pelo outro? O amor é um sonho
romântico, Fiona, você devia saber disto.
Ela virou-se, com olhos enfurecidos, odiando-o pela confiança arrogante que ele
possuía em sua atraçãco
Ele riu suavemente, nem um pouco impressionado pelas palavras ditas com
esforço em voz baixa, pois assim Jonathan, que estava ocupado em abrir e olhar os
guarda-roupas, não podia ouvir.
– Ele deve compreender bem seu estilo. Terei que certificar-me que ele está por
perto quando você der mostras de quere fungar. Deixe isso por ora. Apenas se lembre,
Fiona, que a proximidade é uma grande sedutora. E minha paciência não é inesgotável.
– Você disse... você prometeu que seria um casamento apenas pro forma – disse
ela com voz rude.
Encolhendo os ombros, retorquiu com frieza: – Estou preparado para esperar até
que você supere esse desejo bastante compreensível de e pagar-me na mesma moeda o
que eu lhe disse há cinco anos atrás. Só Deus sabe que aprendi o suficiente sobre as
mulheres para entender que elas têm um boa memória para os rancores e estou
realmente feliz em deixar que você alimente os seus por algum tempo. Mas não para
sempre, Fiona. Jonathan tem necessidade de outras crianças na família, e somos nós que
vamos satisfazê-lo, quando você admitir que esta sua atitude é apenas uma máscara para
encobrir o fato de que agora você me quer muito mais do que sempre quis.
O rubor espalhou-se pelas maçãs do rosto de Fiona que o fitou com os olhos
arregalados, chocada pela acusação.
– Oh, pelo amor de Deus, pare com isto, Fiona – reclamou ele com impaciência.
– Pare de bancar a inocentezinha iludida! Você devia saber que eu não tinha a intenção
de viver como solteiro depois do nosso casamento. Que diabo você pensa que eu sou?
Um homem pela metade? Pare com isso e apronte o garoto para o jantar. – Houve uma
pausa. Ele continuou: – Você talvez não se lembre do prazer que sentimos um com o
outro, minha cara, mas acontece que tenho uma memória muito melhor que a sua. Você
era muito inocente, mas o que lhe faltava em experiência foi compensado pelo seu ardor
e espontaneidade imensos. Vai ser assim de novo. Isto é uma promessa, não uma
ameaça.
– Sim. – Deu um último olhar para o espelho e pegou a criança pela mão. –
Vamos, vamos ver onde estão papai e vovó.
O cansaço e a disciplina que impusera a si mesma faziam com que seus olhos
pesassem, e Fiona ficou satisfeita em ficar sentada calmamente, saboreando seu vinho
após o jantar e ouvindo Logan conversar com a mãe sobre os negócios da fazenda,
sempre com um olho no filho que ainda jantava.
– Vou verificar se Jonathan está bem – disse ele com suavidade, perto da porta
do quarto.
Fiona fechou as pesadas cortinas na frente das janelas e caminhou com desânimo
em direção à sua mala, recusando-se a olhar para a cama, como se, deste modo, o leito
deixasse de existir e tudo o que representava parasse de amedrontá-la.
Tirou uma camisola cor-de-rosa da mala e ficou parada, olhando-a com o rosto
pálido. Então, sentindo uma determinação que lhe levantou os ombros, caminhou para o
lado da cama e começou a tirar as grossas cobertas acolchoadas.
A voz de Logan sobressaltou-a, mas ela continuou, replicando com frieza: – Vou
arrumar uma cama no chão.
– É aqui que vou dormir – disse ele em voz baixa, soltando-a. – Pelo menos até
que você supere seu acesso de mau humor.
Disse com resolução: – Não há necessidade que você se desloque. Posso dormir
aqui. E não estou mal-humorada!
Fiona ficou rija, com os olhos fixos dentro dos dele, que estavam meio
selvagens, e abriu um sorriso magoado. – Você é um tirano – disse –, mas como você é
o pai de Jonathan, suponho que terei de aturá-lo.
Capítulo III
– Ela acordará de vez se lhe der um beijo – disse Logan a seu filho. – Sempre se
deve acordar as senhoras com um beijo.
Quando eles voltaram, Fiona já estava pronta e arrumava as roupas de sua mala
nas gavetas do armário.
– É lógico que, quanto à voz, ele puxou o seu lado – disse Logan depois de um
momento. – Eu não tenho ouvido para música.
Naquele momento houve uma batida na porta e Jinny entrou carregando uma
bandeja enorme.
– Por que desculpar-se? – Logan sorriu para Fiona que estava mais corada ainda,
antes de pegar a bandeja sem muita pressa.
– Você trouxe-nos o chá, Jinny? Obrigado, mas você já tem muito o que fazer
sem empanturrar uma senhora preguiçosa como Fiona.
– Pensei que ela gostaria de tomar o café na cama, já que é seu primeiro dia aqui
– reprovou-o Jinny.
– Muito obrigada. – Fiona estava contente por ter tido tempo de arrumar a cama.
Logan queria que este casamento se parecesse com um verdadeiro, com certeza,
ninguém perceberia que não tinham dormido na mesma cama.
Jinny negou com a cabeça. – Não, Tom vai começar a berrar que quer seus ovos
daqui a um minuto e é melhor eu ir logo. – Virou-se para Fiona. – Fiz mingau de aveia
para Jonathan. Ele gosta?
– Existem apenas duas coisas que ele não aprecia – respondeu Fiona. – Vagem e
jiló. De resto, vai aceitar tudo o que lhe oferecer. Posso fazer algo para ajudá-la?
– Não, obrigada, sou organizada o suficiente para lidar com o serviço – disse a
velha senhora, brusca, e saiu do quarto, endireitando os ombros e com a cabeça erguida.
– Oh, entendo. – Mas achava difícil entender que a governanta pudesse ser tão
obstinada por suas tarefas, que desdenhasse uma ajuda oferecida de boa vontade.
Parecia que mesmo sendo a esposa de Logan, sua posição na família era ambígua aos
olhos de Jinny.
– Apenas deixe estar por algum tempo – aconselhou Logan. Ela é um tanto rude,
mas, se ficar sua amiga, garanto-lhe que nunca encontrará tanta fidelidade.
– Acho que vai levar muito tempo para que se firme uma amizade verdadeira –
disse Fiona em voz baixa, lutando contra algo próximo do desconsolo que ameaçava
dominar seu coração. Parecia que a solidão corrosiva dos anos passados não
desaparecera, embora tivesse mudado tanta coisa. Então seus olhos depararam-se com
Jonathan, que apertava o cinturão das calças com seriedade e percebeu que tudo valeria
a pena. As pessoas de Whangatapu talvez nunca a aceitassem, pois supunham que ela se
entregara a Logan por ser leviana, mas estavam preparadas para receber Jonathan em
seus corações e por esta razão Fiona enfrentaria qualquer coisa.
Foi um dia horrível. Depois do café da manhã Logan retirou-se para o estúdio e a
Sra. Sutherland disse a Fiona que acabasse de guardar as coisas e ficou com Jonathan.
Por volta de meio-dia os dois quartos estavam impecáveis. Por alguns minutos
Fiona ficou parada à frente das janelas, olhando para o jardim que estivera tão bonito na
noite anterior. Ainda estava agradável, mesmo com o cinza do céu e a chuva que caía
forte.
Seria culpa do tempo estar se sentindo tão deprimida? Viera para Whangatapu
onde o inverno era ameno, pensou com um sorriso seco. Bem, com certeza o frio nem
chegava perto do que fazia normalmente em Wellington, mas esperava encontrar a
primavera! O céu começara a clarear no lado leste e um trovão ressoou ao redor das
montanhas do norte. Em algum lugar, um pássaro cantava, com clareza e alegria.
Talvez, pensou, sua vida fosse aqui. Não tinha sido capaz de não alimentar esperanças
em sua mudança para Whangatapu, pensando mesmo com otimismo que seria uma
chance de recomeçar a viver. Como a maior parte dos grandes sonhos, os seus não se
realizariam completamente. A Sra. Sutherland deixara dolorosamente clara sua posição
na família, e a atitude de Jinny reforçara a impressão de que estava ali apenas por
tolerância. Por que deveria esperar mais? Tolice achar que a mãe de Logan pudesse ser
como sua própria mãe, bondosa e gentil.
O andar de baixo estava tão quieto como se a casa estivesse vazia. A sala de
música não era muito grande, separada da sala de estar por grandes venezianas de
dobrar. Nela havia um piano. Fiona sentiu-se feliz. Sabia tocar e isto poderia
proporcionar-lhe conforto e paz de espírito.
Muito tempo depois, pelo menos era o que parecia, Ailsa Sutherland tocou-lhe o
ombro. Já está quase na hora do almoço, e tenho certeza de que você deve estar faminta.
– Eu... sim, acho, que estou com fome. – Fiona perguntou-se se aquilo não teria
sido uma alusão gentil de que uma hora ouvindo música de piano não era um exagero.
A conversa durante o almoço confirmou aquele sentimento.
– Sim – e sorriu para a esposa. – Gosto muito de Rachmaninov. Você tem que
praticar muito para recuperar a sua técnica.
Houve um silêncio aturdido e então Fiona disse com a voz mais calma de que foi
capaz: – Você acha que podemos conhecer os tratores logo depois do almoço, Logan?
Notei que o céu está limpo.
– Bem, acho que é necessário, porque tenho certeza de que quando perder o
medo vai gostar de andar a cavalo. A não ser que tenha um pavor real.
Ela sorriu com relutância. – Não, não tenho. Por que tem tantos cavalos. Pensei
que todos usassem bicicletas motorizadas atualmente.
– Prefiro os cavalos. E, além do mais, existem algumas áreas por aqui que você
só consegue atingir a cavalo. Olhe. – Ele virou-a para o lado oeste, apontando para onde
a península elevava-se em um amontoado de morros, contrafortes e depressões, a maior
parte deles cobertos de arbustos. – É um velho vulcão, Puiamumu, ou o vulcão do
soldado valente.
A mão dele estava pousada levemente sobre seu ombro, perturbadora, morna
mesmo através de sua jaqueta grossa. Sentindo necessidade e dizer qualquer coisa,
Fiona perguntou: – Você já o escalou?
– Lógico que sim. A primeira vez tinha mais ou menos oito anos. É uma trilha
bastante fácil até o topo.
– Sim. Pode-se ver o contorno do litoral por quilômetros e quilômetros. Ei, seu
diabinho, onde pensa que vai?
– Sim, mas...
– Entendido, Jonathan?
Houve um choque de vontades. Jonathan ficou olhando com audácia para seu
pai, a rebeldia aparecendo em seus lábios. Lançou um olhar apelador para Fiona, mas
ela meneou a cabeça. Afinal, com o rosto ruborizado, o garoto se rendeu. – Está bem,
não vou entrar, prometo. Por que, papai?
– Porque alguns destes cavalos não estão acostumados com crianças e você pode
assustá-los. Vou ensiná-lo a cavalgar, não se preocupe. Agora, vamos para o galpão das
máquinas.
– Como vai? – disse ele com suavidade, vindo inclinar-se sobre a imensa roda
traseira do trator. – Quem é você? Não, não me diga. Você é a esposa do patrão, que
todos nós estávamos morrendo de vontade de ver desde que ouvimos falar sobre você,
com cinco anos de atraso.
– Sou Fiona Sutherland. – Fiona percebeu que a tranqüilidade de sua voz fora
estudada, mas não gostara da expressão do rapaz nem da insolência aberta de suas
palavras.
– Uau! Se você fosse a minha esposa tenho certeza de que não a deixaria sozinha
logo depois do casamento.
– Você quer conversar com Logan? Ele está em algum lugar deste galpão.
– Se está se referindo a nosso filho, está com Logan. – Fiona virou a cabeça
conforme as vozes de Jonathan e de seu marido ficaram mais próximas. Podia ser fruto
de sua imaginação, mas os passos de Logan pareceram aumentar quando viu quem
estava parado ao lado do trator.
Logan sorriu. – Mamãe disse que há três semanas o tempo está assim. É normal,
a primavera é a estação mais desagradável que temos.
– Mas não para você, não é mesmo, Logan? Esta deve ser uma época de muita
alegria para você.
Logan virou-se, com a expressão atenta e controlada. – Estamos conversando
sobre o tempo, Denise.
Enquanto seu marido fazia as apresentações, Fiona sentia o olhar da outra garota
sobre si. Não havia entusiasmo nem cordialidade no castanho-escuro daqueles olhos,
embora parecessem bastante acolhedores quando pousaram sobre Jonathan, que fitava a
desconhecida como se estivesse perplexo. Logo depois todos entraram.
Dez minutos depois, Fiona abria a porta da sala de estar. Uma risada leve e a voz
grave da Sra. Sutherland tinham-lhe indicado onde estavam esperando. Respirando
fundo, entrou com Jonathan.
Ailsa Sutherland estava sentada em sua poltrona predileta ao lado da lareira que
crepitava, trabalhando num desenho com detalhes esquisitos. Logan e Denise estavam
em pé do outro lado do fogo, encarando-se e rindo um para o outro. Os três pareciam
muito familiarizados, como se houvesse uma harmonia completa entre eles. Ela e
Jonathan eram os estranhos; então, a criança correu para a frente e recostou-se sobre o
joelho de sua avó e agora apenas Fiona era a intrusa, a estranha.
– Acabei de dizer a seu marido que ele age muito secretamente – observou
Denise com um certo charme, afastando-se um pouco de Logan enquanto Fiona se
aproximava. – Não é de se admirar que ele nunca sucumbiu a nenhuma de nossas
astúcias! Você deve saber, Fiona, que ele era o homem mais procurado de todo o Norte;
todas as garotas andavam atrás dele! Você se colocava bem alto, como para dizer-nos
que era inatingível, Logan. Mas acho que gostava de ser caçado. Confesse agora!
– Está exagerando, Denise. – Ele foi seco, pois um brilho estranho se estampou
no olhar da garota.
Os olhos de Denise não perdiam nada. – Céus, você não está usando aliança! –
exclamou. – Nunca pensei que pudesse deixar de usar aquele símbolo de afeição,
Logan. Ou será que você se casou há cinco anos com tanta pressa que não teve tempo de
comprar uma?
– Já mandei diminuir a aliança que foi de meu avô – retrucou Logan com calma.
– Está com frio, Fiona? Quer uma bebida quente?
– Então vamos todos. Sei o que vai acontecer se você e Jinny começarem a
trocar receitas, não vamos beber nunca nosso chá. Fiona, chegue mais perto do fogo,
querida. Você parece muito pálida. – A Sra. Sutherland saiu da sala, seguida de perto
por Denise e Jonathan.
Encolhendo os ombros, Fiona respondeu: – Oh, nada demais, apenas não gostei
da atitude dele. O rapaz trabalha para você?
– Sim, ele é filho de um amigo de meu pai e está passando um ano conosco para
ganhar experiência antes de assumir um posto na baía de Hawkes. O que você não
gostou na atitude dele?
Fiona sentia-se num dilema. A última coisa que queria fazer era criar algum
problema entre Logan e seus empregados. – Ele... bem, apenas me pareceu muito jovem
e impetuoso.
– Por quê?
– Sim. Veja, o homem com quem ela se casou é meu irmão Stephen. Mary e ele
moram a sessenta quilômetros daqui, em Punere. Quando Stephen descobriu que tinha
sido apenas um substituto, tratou de transformar a vida dela num inferno. Stephen era
um grande amigo de Danny. Colocaram em mim a culpa pela amizade rompida e pela
infelicidade de Mary e de Stephen.
– Ele deve ser mesmo bastante insensível – comentou Fiona com calma.
Logan encolheu os ombros, atiçou o fogo com a ponta do sapato e inclinou-se
para colocar outro pedaço de madeira para queimar.
– Obrigado pelo voto de confiança. É bom completar que fui quase brutal com
ela.
Ele dirigiu-lhe um sorriso de mofa. – Exatamente como fiz com você, apenas
com a diferença que em seu caso, eu estava com muita raiva de mim mesmo e pus os
pontos nos is. Mas você foi embora para chorar suas mágoas, sozinha. Nunca lhe
ocorreu que, se tivesse colocado as cartas na mesa, eu teria me casado com você
naquela ocasião?
O brilho da lâmpada acesa refletiu o vermelho dos cabelos de Fiona enquanto ela
balançava a cabeça.
– Não, porque este casamento foi feito por causa de Jonathan. Dar segurança a
ele faz a mentira que é este casamento valer a pena.
– Espero que ainda pense assim daqui a dez anos – retrucou ele. – Não vamos
nos divorciar.
– Eu não tinha pensado... – A voz dela sumiu, pois seus olhares se cruzaram e se
fixaram um no outro até que uma chama de desejo acabou com a aspereza dos olhos de
Logan, que sorriu e veio em sua direção, puxando-a da poltrona para seus braços. Sem
resistência, Fiona continuou passiva enquanto ele a segurava. Logan beijou-a sem
ternura, com seus lábios sensuais e exigentes, usando toda sua perícia para conseguir
que ela correspondesse.
– Quando não há nada mais, o sexo ajuda para que venham coisas melhores –
retrucou ele, fechando com beijos as pálpebras de Fiona e apertando-a contra seu corpo
com mãos firmes. Quando abriu a boca para protestar, foi envolvida por um beijo
ardoroso. Todos os pensamentos desapareceram; abraçou-o, segurando-lhe a cabeça
entre as mãos, incapaz de controlar as necessidades que subjugara por tanto tempo,
movendo-se de encontro a ele, numa demonstração confessa de paixão.
Quando, afinal, Logan afastou seus lábios dos dela, uma satisfação profunda
estava presente naqueles olhos, transformando o azul-gélido numa chama.
– Que bobões somos nós, os mortais – comentou ele. – Você e eu, Fiona.
– Porque seria muito fácil possuir você, caso não me importasse com os
escrúpulos que seu coração romântico colocou em meu caminho. Se lhe dissesse que a
amei, acreditaria em mim?
Seria tão confortante responder que sim, permitir que ele lhe fizesse a corte,
lembrar que ele podia ser um temo amante apaixonado! Seus olhos encheram-se de
lágrimas ao pensar em tudo isto.
Ela deu uma risada leve. – Posso ver isto acontecendo, você não?Como quer que
eu o avise? Por carta?
Ele também riu, passando, de leve, a mão em seu rosto. – Pode declarar-se
abertamente para mim, querida.
– Está fácil perceber que foi beijada – caçoou ele –, mas fica bem para você.
– É melhor limpar o batom que ficou em você. – Ela riu ante a expressão
desanimada de Logan, pegou um lenço e limpou o cor-de-rosa claro que estava em seus
lábios. Num momento o batom foi removido e a porta abriu-se. Antes que Fiona
pudesse afastar-se, Logan passou o braço em volta de sua cintura magra e depositou-lhe
um beijo no topo da cabeça.
– Ei, o que é isto agora? – Denise entrou rindo na sala e colocou a bandeja sobre
uma das mesinhas. – Nunca pensei que o veria acariciando alguém em público, Logan.
O que fez com ele, Fiona? Que magia é esta que faz com que nosso orgulhoso e
reservado Logan mostre seu coração tão abertamente?
– O público é pequeno – disse a Sra. Sutherland com secura, mas seu olhar não
estava tão insatisfeito quanto o de Fiona, que, ruborizada, se afastou dos braços
dominadores de Logan.
Era bastante óbvio o que a garota estava tentando fazer. Fiona achou que o
pensamento de Logan beijando outra mulher era bastante desagradável, mas estava mais
interessada em saber por que Denise estava insinuando sutilmente que sabia muito bem
o que era perder-se nos braços de Logan. Não havia nada a apreender-se do rosto da
outra garota; aparentava ingenuidade, mas não havia cordialidade em seus olhos, apenas
um brilho superficial que ocultava quaisquer emoções. Fiona não pôde evitar uma
sensação inquietante de que Denise estava seguindo algum plano que formulara, que
sabia a verdade sobre aquele casamento e que queria se certificar de que Fiona
percebesse isto.
– Você é sempre assim tão quieta? – Denise perguntou a Fiona, sorrindo como
se estivesse caçoando.
Logan respondeu e sua voz suavizou-se enquanto o fazia: – Ela uma criatura
tranqüila, Denise. E, além disso, Jonathan fala pelo menos por três.
– Ele é um amor. – Havia uma ternura sincera e inesperada na voz da garota,
desta vez. Enquanto falava, Denise abraçou Jonathan sorrindo para ele. – Espero que
não seja uma mãe possessiva, Fiona porque eu gostaria muito de conhecer Jonathan
melhor. Estive pensando... você sabe, Logan, que levo as duas crianças de Evely
Dickinson do parque infantil para a escola uma vez por semana, no dia em que vou ao
Clube Feminino? Você gostaria que eu também levasse Jonathan? Ele vai adorar o
parque e será bom que conheça as crianças com quem freqüentará a escola. Sou boa
motorista, Fiona. Diga a ela, Logan.
Ela esperava que seu marido decidisse sozinho e sentiu-se emocionada por ele
ter pedido sua opinião. – Acho ótimo – disse com calma. – Assim, daremos a ele
algumas semanas para que se adapte à nova vida e a mim uma Oportunidade para que
me acostume a dirigir em estradas não asfaltadas. Então poderei levá-lo nos outros dias.
São três vezes por semana que você disse, não foi, Logan?
Denise regozijou-se. – Tudo bem, Jonny. Você acha que vai gostar de ir ao
parque infantil comigo?
– Fui eu que pedi que ele me chamasse pelo nome, Fiona. Jonathan não está
sendo mal-educado, portanto não fique brava com ele. – Tocou a face do garoto com
afeição. – Acho que este negócio de tratar os mais velhos de modo tão formal está
terrivelmente ultrapassado. Se você insistir em que ele me trate por Srta. Page, ficarei
muito sentida. Por favor, não faça isto.
Era uma nuvem escura que se movia com rapidez e de quando em quando era
iluminada por rasgos de luz azul. Denise deu um gritinho imitando medo e correu,
despedindo-se apressada. Logan precipitou-se assim pôde abrir-lhe a porta do carro
vermelho estacionado em frente à porta principal da casa.
Quando atravessou a porta, Fiona viu-o inclinando-se para ouvir algo que Denise
dizia, com as feições atentas, mas austeras, perto do charme encantador da garota. Ela
disse algo, tocou a face de Logan que endireitava o corpo e se afastava do carro. O
motor roncou, um braço cor-de-rosa claro acenou um adeus e o veículo saiu em direção
a estrada.
Capítulo IV
– Fiona – chamou Logan. – Tenho uma pilha de cartas para datilografar. Você
pode fazer isso esta manhã?
– Quantas cartas? – Ela deu uma olhada para a pilha de papéis sobre a
escrivaninha e levantou as sobrancelhas fingindo horror. – Você tem alguma indicação
específica para as respostas?
– Sim. As três que estão em cima são as mais urgentes, mas eu ficaria satisfeito
se todas fossem feitas hoje. Onde está Jonathan?
– Andando de triciclo pelo pátio. Ele o ganhou há apenas três dias, e do jeito que
gostou garanto que os pneus não vão agüentar por muito tempo.
– Com certeza este lugar não lhe fez nenhum mal – disse seu marido,
observando o rubor delicado que lhe subira ao rosto. – Além de Jonathan, você também
me parece muito disposta.
Depois daquele primeiro dia em que Logan fora indiferente, quase grosseiro,
passou a comportar-se com cortesia para com ela, mas sem nenhuma alusão de que
algum dia esperara ou quisera uma aproximação maior do que aquela amizade crescente
entre eles. Nenhuma chama de paixão mostrava-se nos olhos de Logan, nem ele fizera
qualquer tentativa de beijá-la ou abraçá-la e, embora seu braço estivesse com freqüência
ao redor da cintura ou dos ombros de Fiona, isto só acontecia quando havia gente por
perto. Mesmo contra sua vontade, Fiona não conseguia deixar de sentir-se ressentida por
aquela indiferença; isto não resolvia o problema, pois ela sabia que esta era exatamente
a reação que Logan desejava que sentisse.
Algumas vezes lhe vinha à mente o comentário de Logan dizendo que ela
poderia declarar-se abertamente e perguntava-se se era exatamente isto que ele esperava
que fizesse. Mas, em outras vezes, quando ele era tudo o que um companheiro seria,
Fiona o desculpava pelas suas tentativas de manobrá-la e sentia-se agradecida pela
consideração e cortesia que demonstrava.
Além do mais, Logan não poderia ter sido melhor para com Jonathan. Alegrava-
se o coração de Fiona ao vê-los juntos, o homem alto e o garoto robusto; observar
Jonathan, que passara a adorar seu pai, que o estava ensinando a montar um pônei
audacioso; que o levava a pescar nos arredores e que nunca dissera que Jonathan era
criança demais para tentar fazer algo que desejasse. Também havia respeito no
relacionamento entre os dois. Jonathan aprendera que um olhar de seu pai era uma
advertência tão forte quanto quaisquer palavras ou castigos físicos podiam ser.
– Você tem muito jeito para lidar com as flores – a voz da Sra. Sutherland
interrompeu seus pensamentos. – Fiona, você poderia datilografar umas coisas para
mim? Já reescrevi metade do terceiro capítulo e o quarto inteiro.
– Tenho algumas coisas para fazer para Logan, mas não me tomarão muito
tempo. Acho que posso acabar até a hora do jantar.
– Oh, não trabalhe como uma escrava. Quero dizer-lhe que pretendo sair com
Jonathan depois do almoço. Vou visitar a família Page. Lilian não está muito bem
ultimamente. Quando conversei com Denise pelo telefone ontem à noite, ela me disse
que sua mãe precisava de alguém que a alegrasse e Jonathan, com certeza, é a pessoa
indicada. Isto lhe dará a tarde livre.
– Muito bom. Se eu não for interrompida, o tempo é suficiente para fazer tudo.
Jonathan ainda está andando no triciclo?
– Sim, que Deus o abençoe. Ele já deve ter andado alguns bons quilômetros
naquela coisa. Ele se adaptou tão bem! É muito parecido com Logan quando tinha a
mesma idade, determinado e destemido. Logan era sempre o líder. Stephen sempre o
seguia, imitando seu irmão como se fosse uma sombra, mas nunca se saindo tão bem
quanto Logan. Costumava perguntar-me se isto era por terem pouca diferença de idade;
apenas catorze meses. Preocupava-me muito a adoração de Stephen pelo irmão mas,
lógico, ele cresceu e livrou-se disto. Logan é que tem o caráter forte. Stephen não é
propriamente fraco, é um Sutherland de qualquer modo, mas sempre será um imitador. –
Ela sorriu com as lembranças e então uma certa tristeza tomou conta de sua expressão. –
Logan contou-lhe, sobre Stephen e Mary?
– Sei que eles não são muito felizes juntos – disse Fiona com rapidez, desejando
evitar algum tipo de confidência. Por alguma razão, sentia que não suportaria escutar
aquela história trágica de novo.
– Não são. Receio que Mary tenha muito do caráter do irmão. Danny. E era de
Stephen que ela gostava antes de ter aquela paixão súbita e estúpida por Logan, e foi
para Stephen que ela se voltou, depois que tudo terminou. Tenho certeza de que o ama.
Infelizmente, Stephen sabe ser mordaz quando se sente deixado para trás por alguém
que ama. Estariam muito bem se apenas se apercebessem disto e deixassem de
amargurar-se com autocomiseração.
– Estou certa de que eles vão se acertar. Afinal de contas, não estariam juntos há
tanto tempo se a vida deles fosse um inferno terrível, a senhora não acha?
Mas a Sra. Sutherland recusava-se a ser consolada com chavões.
– Não sei. Stephen é possessivo, como Logan. Acho que é capaz de qualquer
afeição que Mary tenha por ele como uma arma.
– Não, minha querida, apenas um homem que sempre teve pouco de ciúme de
seu irmão; que não aceita o fato de que sua esposa o usou como um amparo. Será
interessante ver como reagem a sua presença. De fato, você entende, estou esperando
que as novidades sobre seu casamento com Logan ajam como uma espécie de
catalisador, quebrando as amarras do passado, permitindo assim que consigam começar
de novo.
– Eles vêm para cá? – Fiona não os desejava ali, perturbando sua tranqüilidade.
– Não, Logan não me disse nada. – Fiona tentou sorrir. – Com certeza pensou
que eu já soubesse.
– Bem, Jinny e eu estivemos conversando sobre isso, mas acho que nenhuma das
vezes você estava por perto.
– Não se importe – continuou – agora você sabe. O que vai vestir no sábado à
noite?
– Deixe que Logan escolha por você. Ele tem um gosto excelente e sabe
exatamente como você deve estar.
Ailsa ficaria assustada se tivesse adivinhado os pensamentos de Fiona enquanto
ela voltava para o estúdio. Deixar Logan escolher, realmente! Repetia em silêncio.
Como se ela não fosse digna de confiança para decidir o que usaria numa festa! Como
se atrevia! Que tremenda arrogância a dos Sutherland!
– Não consigo me lembrar de ter escrito isto. Oh... sim, lógico. É o freguês uma
firma de equipamentos que quer promover uma competição. Sugira que ele entre em
contato com o administrador da Associação dos Fazendeiros, aqui estão o nome e o
endereço e que acerte com ele.Terá que ser um dia limpo; não quero permitir que
Whangatapu seja usada para promover produtos manufaturados. Mas uma competição
pode ser uma boa idéia se o administrador tomar o cuidado de inspecionar.
– Está bem.
Metade da carta tinha sido escrita quando o toque alegre do sino indicou a hora
do almoço. Logan praguejou: – Diabos! – mas levantou-se e estendeu a mão para Fiona.
Nada escapava a Logan. Enquanto pegava a mão de sua esposa perguntou com
frieza: – Você ainda não gosta dela, não é?
– É muito difícil gostar de alguém tão esquivo – murmurou Fiona– Mas eu não a
culpo, não se preocupe.
– Oh, isto é muita indulgência de sua parte. Por que não a culpa?
Ela riu para Logan, com aquela espécie de travessura brilhando em seu sorriso. –
Porque tudo o que ela sabe de mim é que o abandonei. E Jinny não pode imaginar que
alguém pudesse querer abandoná-lo a não ser por alguma razão vergonhosa, pois você é
perfeito em todas as coisas. – Fiona comprimiu os lábios, mas seus olhos estavam
sorridentes, apesar da gravidade de seu semblante.
– Acho que essa é uma atitude radical – disse ela com objevidade. – É muito
difícil encontrar-se governantas na Nova Zelândia e, na verdade, Jinny é um tesouro.
Ela não me aborrece. Sinceramente ela tem um tipo de integridade obstinada que eu
admiro. Portanto, não diga nada, pois ela pensaria que estive tentando criar problemas.
Ela gosta de Jonathan e isto é o principal.
Ele lançou-lhe um olhar curioso e quase áspero. – Isto é tudo com que se
preocupa? Que Jonathan seja feliz? Você nunca pensou em si mesma como outra coisa a
não ser a mãe dele?
– Ora! – retrucou ela. – Eu sou eu. E não tenho que me mostrar para as pessoas.
No momento é Jonathan quem necessita de mim. Por quanto tempo necessitar, eu
estarei aqui.
Fiona encarou-o, ciente de que Logan estava intrigado com a frieza para com
ele. Não poderia dizer-se que Logan era mimado, era óbvio que recebera muito poucas
recusas em sua vida. Metade da população feminina o adorava, porque ele era alto,
bonito e possuia aquele magnetismo mágico; e os homens gostavam dele também por
seu caráter e porque tinha aquela qualidade indefinível que fazia algumas pessoas serem
líderes. No momento, ele fazia um jogo de espera dando-lhe tempo para acostumar-se
com a idéia de ser sua esposa e com tudo o que um casamento acarretava, mas Fiona
sabia que a paciência fazia parte da natureza de Logan.
Ele apertou o braço de Fiona com força. – E você acha que sabe tudo sobre isto,
não é? Bem, suponho que seja melhor não continuarmos esta discussão por mais tempo
ou Jinny virá nos buscar pelos cabelos. Mas pretendo prossegui-la numa hora mais
conveniente.
No fim da tarde daquele mesmo dia, Denise Page chegou com a Sra. Sutherland
e começou a exibir-se para Fiona de uma maneira tão sutil e inteligente que tudo o que
Ailsa podia ver era as duas garotas conversando. Fiona, pálida ao lado da beleza
extraordinária de Denise, tornava-se uma sombra, uma criatura sem substância, sem
traços marcantes, sem cor a não ser as mechas avermelhadas na cabeça. Até mesmo
Jonathan parecia preferir Denise.
Um ar de triunfo brilhou nos olhos negros de Denise. Olhou para Fiona e disse
com um quê de complacência na voz delicada:
– Mágoa? Não, por que deveria? – A voz de Fiona estava tão distante como se
não estivesse prestando atenção à conversa, mas seu cérebro estava trabalhando
ativamente. Desde o começo, percebera que Denise não gostava dela; agora tinha que
descobrir o porquê. Fiona pensou com tristeza que já sabia.
Mas, aparentemente, Denise ainda não estava pronta para isso. A garota deu uma
exclamação que pareceu muito perto de desdém e então perguntou: – E você, está
gostando de viver aqui? Acho que Whangatapu fez muito bem a Jonathan, mas não
posso dizer o mesmo a seu respeito. Você sempre foi pálida ou está precisando tomar
um fortificante?
– Sempre fui pálida. E isso combina com meus cabelos vermelhos. – Havia um
tom de gozação em sua voz que não passou despercebido para Denise.
Um rubor subiu pelas maçãs do rosto da moça. Descontrolando-se disse: – Então
deve ter sido exatamente seus cabelos que atraíram os olhos de Logan, pois não há nada
mais que pudesse fazê-lo! Espero que tenha percebido que se não tivesse reaparecido
numa hora tão inconveniente ele e eu teríamos nos casado.
– Ele não podia ter se casado com você quando já era casado comigo. – As
pálpebras de Fiona baixaram-se ocultando seus pensamentos. Oh, Logan, Logan!
Portanto ela sabia sobre o casamento apressado, mas ainda não estava pronta
para se fazer valer disso. Fiona sentiu uma piedade súbita por ela. Mimada, amável e
segura, Denise provavelmente depara-se com a primeira contrariedade de sua vida
quando Fiona e Jonathan apareceram em Whangatapu como esposa e filho. Que ela
queria Logan era óbvio pela raiva demonstrada no tom de voz; Fiona tinha quase certeza
de que Denise queria mais a posição de proprietária da fazenda. Ela devia estar muito
certa da realização de seus desejos; talvez Logan tivesse tido algum entendimento com
ela, embora informal.
Fiona não estava certa quanto aos sentimentos de Logan com relação à garota.
Até mesmo um homem com um formidável autocontrole como ele teria mostrado
alguns sinais de amor reprimido, mas não houvera nenhum; nem um mínimo piscar de
olhos ou enrijecer de músculos para denotar tensão quando Denise estava perto dele.
Fiona não conseguia esquecer que Logan não era da espécie de homem que se
apaixonaria terrivelmente por uma garota como Denise, que era mais atirada e fútil do
que inteligente.
– Você? – Denise disse isto com um arrogante meneio de cabeça. – Sinto muito
por você! Você pode ser a esposa de Logan, mas posso garantir que ele não perdeu um
momento sequer de todos os anos em que estiveram separados pensando em você. Além
disso, seu marido a ignora a maior parte do tempo, mesmo agora que estão juntos, é
muito claro que ele quer Jonathan e aceitou-a apenas como parte de um negócio.
A mão de Fiona apertou o braço da poltrona por um momento. Desarmada pelo
veneno de Denise, disse com rapidez: – Acho que a conversa é totalmente indesejável.
Vamos terminar por aqui antes que alguém vá longe demais.
– Isso é bom se você estiver preparada para pagar os gastos – disse Fiona,
sombria, lembrando-se de outra ocasião em que ela também quisera e conseguira.
Mas Denise, com a arrogância que apenas a juventude pode ter, disse
zombeteira: – Oh, pagarei com alegria. As recompensas serão imensas, você verá.
Aquelas palavras ainda ecoavam na mente de Fiona. Uma noite de sono não
conseguira livrá-la de suas implicações, especialmente porque, na noite seguinte, a
orgulhosa Denise pôde reforçar sua exatidão. Ela estava belíssima, vestida com suas
cores preferidas, cor-de-rosa e prata e, sem esforço, já se tornara o centro das atenções.
Era como se estivesse se exibindo deliberadamente para mostrar a Fiona com quem teria
que combater. Ao mesmo tempo, era uma visitante encantadora; a Sra. Sutherland tinha
convidado também dois velhos amigos seus, um artista chamado Forrest Thurston e sua
esposa e, com o amparo de Ailsa, Denise tornara-se uma espécie de co-anfitriã.
Suas palavras foram seguidas por um daqueles silêncios que sempre acontecem
em qualquer reunião social e foi, Logan, com a voz um pouco divertida, que respondeu:
– O sorriso de Fiona foi a primeira coisa que me chamou a atenção, Forrest.
Conhecemo-nos no Coronet Peak na South Island num dia em que estávamos
esquiando.
– Cabelos cor de cobre – disse Forrest –, tão lindos e tão raros. Você sabia que o
cobre é o metal de Vênus, a deusa do amor?
O sol banhava com sensualidade seu rosto e braços nus, hipnotizando-a levando-
a a um estado de semi-sonolência que, embora delicioso, era uma perda de tempo.
Atrás, em um lado da estrada de pedregulhos que dividia a propriedade, estava
estacionado o carro verde que Logan lhe comprara há mais ou menos uma semana. Esta
era a razão por que estava a três quilômetros de distância da casa, naquele lugar
silencioso onde as cotovias cantavam alegremente e as únicas outras coisas móveis eram
os barcos ancorados na enseada. Tudo o que dizia respeito à fazenda parecia muito,
muito longe, pequeno, remoto e sem importância, até mesmo a dor importuna que se
tornara parte dela desde que mais uma vez dera seu coração a Logan.
Às vezes parecia-lhe que deveria ceder a todos os desejos ardentes de seu sangue
e efetivar sua condição de esposa, deixando as barreiras de lado. Era besteira querer
abraçar o mundo com as mãos, ser tão ingênua a ponto de exigir o amor como um
requisito para aquela união! E ainda... e ainda que... Mas se o fizesse, se o casamento
fosse baseado na paixão, seria apenas tão forte quanto aquela paixão, e depois que esta
tivesse esmorecido o que lhes restaria? Logan dissera-lhe que ele devia um pai para
Jonathan, por isso, casara-se com ele.
Mas ela devia mais do que um pai para Jonathan, devia-lhe a dádiva de pais que
respeitassem a si mesmos e um ao outro e, caso deixasse de lado sua resistência contra
os desejos casuais, seu auto-respeito teria se esvaído e com ele, tinha certeza, qualquer
consideração que Logan tivesse por ela. Não tinha receio da infidelidade, pois seu
marido trocara promessas com ela e, na certa, as cumpriria. O que temia mais era a ela
própria e a suas dúvidas interiores.
Dissera com orgulho a Logan, que ela era uma pessoa, não apenas a mãe de
Jonathan. Sabia que se lhe desse o que seu marido queria, ele passaria a vê-la como sua
esposa, não como Fiona, uma mulher com caráter, força de vontade e talento, uma
mulher que nunca se contentaria em que a busca de sua individualidade se tomasse
apenas a extensão do ego de um Sutherland.
– Divagando?
Aquela voz, totalmente inesperada, fez com que Fiona tivesse uma reação que
não era de seu comportamento. Deu um salto e prendeu a respiração antes de virar o
rosto sem cor para o homem que chegara em silêncio até aquele lugar.
– Bem, você o fez – disse ela, tropeçando nas palavras. – Desculpe-me, eu não
esperava que alguém aparecesse. Como chegou até aqui?
– Deixei o cavalo perto do córrego quando a vi e subi a pé, mas não, repito, com
a intenção de amedrontá-la. Pensei que gostaria de alguém para lhe fazer companhia.
– De volta para Logan? – Ele riu com ironia, sentou-se no chão encostando-se na
roda do carro e fitou-a com uma insolência deliberada. – Se for agora, terá que passar
por cima de mim; realmente não se pode dar ao luxo de ter outros boatos circulando a
seu respeito, você sabe. Apenas por uma razão: isto faria Logan conclui que, afinal de
contas, não foi uma boa idéia trazê-la para cá.
Danny estava lançando uma isca, tentando levá-la para... para quê? Um rancor
contido, alguma reação para alimentar seu ódio talvez. Fiona não pretendia demonstrar
qualquer coisa de que e pudesse fazer uso e, assim, reunindo todo seu autocontrole,
disse com tranqüilidade: – Não seja bobo, Sr. Harmon. Está um dia muito bonito para
comparações dramáticas.
Sem mover-se o rapaz disse: – Eu não sou seu precioso filho, Sra. Sutherland.
Esperei muito por este momento, desde a primeira vez que a vi, e você vai ficar aqui até
que tenha lhe dito tudo o q pretendo dizer.
Fiona levantou os ombros em sinal de indiferença. – Diga, então, sem dúvida lhe
fará bem tirar o que você considera um peso sobre suas costas.
– Suponho que seu marido tenha se antecipado e lhe contado sua versão dos
fatos. Muito bem, Sra. Logan Sutherland, terá agora a oportunidade de ouvir a verdade e
espero que isto a sufoque, ou talvez eu não espere, não; você não é a culpada pelo que
seu marido fez nos anos em que agia como um solteiro, seguro com o fato de ter uma
esposa enfiada em algum lugar, se uma de suas namoradas se mostrasse importuna
demais. Pois, não sei se você sabe, receio que Logan não lhe tenha sido muito fiel nos
anos que estiveram separados. Logan seduziu minha irmã – continuou Danny, com o
mesmo tom de voz. – Seduziu-a e, quando se cansou, livrou-se dela casa do-a com o
irmão, Stephen. Ela, pobre garota, pensou que não tivesse problema algum em dormir
com o homem com quem se casaria. Eu podia tê-la avisado que homens do tipo de
Logan não se casam com garotas apaixonadas, mas eu não estava aqui. Quando cheguei,
tu já havia acontecido e Mary e Stephen já estavam ocupados em fazer a felicidade um
do outro.
Capítulo V
Fiona foi recebida por uma gritaria. A voz alta e cheia de raiva de Jinny vinha da
cozinha; era a primeira vez que a governanta perdia o controle, desde que Fiona chegara
a Whangatapu, ou, pelo menos era a primeira vez que se deixava ouvir.
O som da porta se abrindo pareceu congelar num quadro vivo as pessoas que
estavam na cozinha. Jinny, alta e magra, com o rosto muito vermelho, Jonathan
encarando-a com os lábios trêmulos, mas com a rebeldia faiscando em seus olhos, e, por
fim, Ailsa, completamente embaraçada.
Fiona reprimiu um suspiro, compreendendo por que Ailsa perdera sua pose
normal. Seria uma tarefa delicada, a de tentar salvar a pele dos dois, Jinny e Jonathan.
– Sabe, Jonathan, algumas vezes você ouve coisas que não foram dirigidas a
você. Estou certa de que esta foi uma destas coisas. Um cavalheiro nunca é rude com
uma senhora, por mais que esteja bravo com ela, portanto você deve pedir desculpas
para Jinny. Você a fez ficar triste e agora deve tentar alegrá-la novamente...
Por um momento, Fiona pensou que não se tivesse saído bem, Jonathan olhou
para Jinny com rebeldia, deu um suspiro profundo e acalmou-se. Com as maneiras de
um adulto, atravessou a cozinha de ladrilhos polidos e estendeu a mão.
Fiona virou-se para sair, ciente de que Ailsa acalmara-se, feliz por tudo ter
acabado bem. Jinny aprendera uma lição e, talvez, Jonathan também.
Mas ,a governanta a impediu, segurando-a com uma mão desajeitada. –
Desculpe-me também – disse, com alguma dificuldade – pelo que disse. Eu não tinha o
direito...
Fiona podia não gostar muito de Jinny, mas não suportava vê-la humilhada. Com
um sorriso que era raro, disse: – Não na frente de Jonathan, mas você tem todo o direito
de manter suas próprias opiniões. Não se preocupe com isto, por favor.
Quando já estavam fora da cozinha, tinham subido metade das escadas, Ailsa
parou de falar e olhou ao redor.
– Fiona – disse –, você foi ótima. Obrigada, querida. Você acabou com a
resistência de Jinny e não vai demorar muito tempo para que se esqueça que nem
sempre gostou de você. É provável que ela tente emendar a situação, pedindo-lhe que a
ajude em algumas tarefas da casa, mas, seja como for, não se ofereça. Ela interpreta isto
como um sinal de que seu serviço não está bom.
Olhou-a, furioso, e então atravessou o quarto em três passos e parou à sua frente.
– Que Mary e eu éramos amantes?
Era uma afirmação, não uma pergunta. Fiona negou com a cabeça.
– Não sou tão estúpida a ponto de não saber quando um homem odeia e quer
magoar. Mas ele acredita nisto, Logan. Por quê?
– Está querendo dizer que você não? – Ele parecia incrédulo, embora o tom
cortante ainda estivesse presente em sua voz e a mão com que lhe levantou o queixo não
fosse gentil.
– Não, não acredito nele, Logan. Você não é do tipo que faz isso.
Ele a fitou, riu e levantou-a, trazendo-a para seus braços, ela ficou tensa e as
batidas de seu coração pareciam sufocá-la.
– Já lhe disse que você não é o tipo de homem que se comporta daquele jeito.
Por que Danny acredita nisso, Logan?
– Não sei... Se tivesse contado, você poderia pensar que eu estava querendo
apenas arrumar uma desculpa aceitável.
Apressada, para ocultar o efeito que ele exercia sobre ela, Fiona disse: – Logan,
ele é perigoso. Você já tentou discutir estas coisas com ele?
– Por que essa súbita preocupação? Tinha lhe dito o que ele sentia, lembra-se?
Mas como você mesma pode ver, não há necessidade de se inquietar por causa dele. Ele
não pode prejudicá-la, agora que você sabe de tudo. Vai tentar, mas o veneno dele não
pode atingir você ou Jonathan, de jeito nenhum. Quanto a mim – ele riu, arrogante e
cheio de confiança –, não acha que eu posso com ele?
– Oh, claro – retrucou ela, falando depressa porque a auto segurança dele sempre
a insultava –, estou certa de que você consegue lidar com qualquer coisa, desde que se
convença disso.
Por um longo tempo, Fiona continuou ali como uma estátua de pedra. Então,
forçou-se a relaxar os músculos, antes de ir até a penteadeira e pegar sua escova de
cabelos.
Cuidar dos cabelos trouxe-lhe alguma calma, pelo menos exterior, apenas ela
sabia que em seu íntimo havia medo, excitação e ansiedade.
Portanto, após o almoço, podia-se ficar certo de que em todas as casas haveria
um período de calma, em que todos liam os jornais ou as cartas recebidas.
Ailsa interrompeu aquele silêncio, murmurando algo com tanta agitação que
Fiona levantou os olhos de seu livro. Franzindo a testa, Ailsa consultou um calendário
que nunca estava muito longe dela.
– O que foi?
Por um momento, Ailsa manifestou surpresa, mas estava apressada demais para
objetar. Fiona deixou-se conduzir da sala de estar para o estúdio.
– Ela o faz porque você permite. Não gosto disto. Se fizer algum esforço, é
capaz de lhe colocar rédeas. Minha mãe nunca foi particularmente caseira, mas você é
minha esposa, Fiona! Não quero pessoas discutindo sobre meu casamento, perguntando
por que você não tenta defender-se, como já vi os Thurston fazendo. Só Deus sabe
quantos boatos circulam por aí.
O modo brusco de seu marido enfureceu-a. Sem parar para pensar, respondeu: –
Não é necessário que eu aja como anfitriã, aqui! Este lugar funciona tão bem que minha
presença é quase dispensável, especialmente quanto a você, que tem Denise Page como
uma substituta ideal.
Com firme persistência, Fiona afirmou: – Se fizer isso, vai destruir qualquer
chance minha de ser o que quero. Não tenho experiência de lidar com uma casa como
esta e, se você forçar sua mãe, e principalmente Jinny, a aceitar esta imposição, vão me
odiar; e, pensando bem, não as culparei.
– Então você terá que vencer a aversão das duas – retrucou ele com frieza. – E
não dramatize. Nenhuma das duas tem propensão a ter ataques de sentimentalismo;
portanto, embora possam ficar surpresas com minha decisão, não a acharão estranha.
Ficarão muito mais surpresas se eu permitir que esta situação continue. Minha esposa
não é uma ficção e recuso-me a permitir que você se comporte como se fosse. Você tem
ciúme de Denise apenas porque enxerga nela coisas que queria para você. Uma vez que
sua posição esteja definida, nesta casa, não haverá razão para invejá-la; vai achar que é
uma garota agradável e uma ótima amiga.
As palavras de Logan eram como pedras que a acertavam com tanta precisão que
ocorreu a Fiona se não era essa mesma a intenção de seu marido. Seria essa a forma de
ele dizer-lhe que estava vivendo num mundo de ilusões? Fosse qual fosse o sentimento
dele par Denise, era suficientemente forte para que seu breve comentário sobre ela o
enfurecesse.
– É. Estou preparado para esperar um pouca mais, como lhe disse antes do
almoço, para que se convença de que tenha direitos sobre sua pessoa, mas você pode
começar a se empenhar de outras maneiras. Jonathan não necessita de sua atenção
constante, portanto você não pode transformá-lo numa desculpa para não querer assumir
responsabilidades.
Com os lábios pálidos, ela retrucou decidida: – Você tem uma maneira
encantadora de dizer as coisas, Logan. Compreendo-o perfeitamente. A recompensa
pelo dinheiro gasto, não é isto o que quer? Muito bem, você a terá. Espero que o
satisfaça!
Fora exatamente dessa maneira que Logan se comportara, após a noite que
tinham passado juntos, a noite em que Jonathan foi concebido, e não conseguia mais
suportar a brutalidade dele. Sem vontade própria, Fiona entrou na cozinha.
– O que... – Jinny jogou o pano de prato com agitação. – Aqui, sente-se. Vou
trazer-lhe um capa de água.
– Ele diz que eu tenho que tomar as rédeas da casa. – As palavras saíram claras.
Outro suspiro da governanta. – Bem, por que essa tragédia toda? Você pode
fazer isto. A Sra. Sutherland ficará feliz com isso, e eu não posso dizer-lhe que faça
tudo sem ajuda.
– Oh, não é bem isso. – retrucou Fiona, sombria. – Não, nesta parte; se me
ensinar a lidar com as coisas, passa aprender. Mas terei que ser a dona da casa, a Sra.
Sutherland. E ela nunca entenderá.
– Meu Deus, você não percebe muito as coisas, não é? – A voz de Jinny estava
irritada enquanto lavava a louça. – Ela tem se perguntado, desde que você chegou, por
que se colocou definitivamente na retaguarda e se recusa a adaptar-se à família. – Jinny
pegou a chaleira do fogão, colocou chá num bule e derramou água fervente. – Lembro-
me de que foi quando você e eu tínhamos pouca conversa. Agora, beba uma xícara de
chá e ouça.
– Não sei muito bem como começar – afirmou Jinny, com os olhos atentos –,
mas acho que seria melhor dizer logo de uma vez.
– Não foi muito bom, para você, chegar aqui de repente, em especial porque
todos nós pensávamos que Logan e Denise Page se casariam e gostávamos da idéia. Ela
é tudo o que uma Sutherland deve ser: bonita, charmosa, uma anfitriã delicada, uma
mulher que poderia tomar o lugar da Sra. Sutherland nas tarefas da distrito. É um lugar
importante. Através dos anos, as pessoas daqui adquiriram o hábito de procurar as
Sutherland, esperando que eles ajam como uma força motivadora sempre que é preciso.
E Denise seria ideal. Ela é popular e conhece todo mundo. Tudo bem, eu estava feliz
porque sabia, como a Sra. Sutherland, que as coisas continuariam as mesmas. Denise
não interferiria comigo ou com meus afazeres. Então, você chegou. – Jinny tomou um
gole da xícara de chá, examinando o rosto deprimido a sua frente, de expressão próxima
da raiva. – Bem, você não pode culpar-nos por sermos desconfiados. Não sabíamos que
espécie de pessoa você era. Mas decidimos fazer o melhor, por Jonathan e por Logan.
Quando chegou, você era completamente diferente do que esperávamos. Quanto ao
aspecto físico, não. Você é bonita, fala bem, seu comportamento é excelente. Mas isso é
tudo. Denise a supera sempre que está aqui, e você parece não se importar. Está claro
que você não está apaixonada por Logan. Em quase todos os aspectos, você é tão
negativa quanta Denise é positiva. Bem, não, sei como você reage quando conhece
alguém que parece ser melhor em tudo, mas me faz sentir muita raiva.
– Fico doente quando ouço essas palavras – disse Fiona. – Devo algo a todos.
Ninguém deve nada para mim.
– Pare de ter pena de si mesma. Se queria uma vida fácil, não devia ter-se
envolvido com os Sutherland!
Fiona sorriu com relutância. A análise simples da situação feita por Jinny, por
algum método misterioso, restaurara a fé em si mesma uma fé que parecia bastante
gasta naquelas últimas semanas. – Não me envolvi com eles – replicou –, fui agarrada
pela situação.
– Então trate de fazer o melhor possível com a situação. Sob o aspecto material,
você conseguiu tudo o que sempre quis. Logan é um milionário, embora eu acredite que
você não saiba disso. Você não é gananciosa.
A perplexidade fez com que Fiona ficasse com a boca aberta por alguns
instantes. – É mesmo? Não sabia que havia milionários na Nova Zelândia e não me
ocorreu que Logan fosse um deles.
Por nada deste mundo Jinny admitiria quanto aquela tosse a preocupara, mas sua
expressão era suave, quando disse: – Você agiu certo, vindo para cá, sabe?
– Foi bom para todos – disse Jinny com firmeza. – Algum dia perceberá isso.
Agora, o trabalho. Se quiser, pode começar a cuidar da casa, da organização e da
arrumação. Isso vai me dar mais tempo para a cozinha e as faxinas. Com esse tipo de
coisa e mais o serviço de datilografia, vai achar seus dias muito cheios. Estas casas
velhas têm que ser cuidadas continuamente, caso se queira que elas pareçam bonitas. Se
eu fosse você, não diria nada à Sra. Sutherland. Vá em frente e faça o que é necessário.
É provável que ela nem perceba, pois, na verdade, nem presta muita atenção à casa. Ela
gosta mesmo é dos jardins.
– Oh! Isto me lembrou de uma coisa. – Fiona contou-lhe sobre u visita dos
membros do Clube de Jardinagem.
– No terraço, se o tempo ajudar – respondeu Fiona. – Se não, bem, terá que ser
na sala de estar, acho. Mas não sei se cabem todas as pessoas.
– Está nervosa?
Fiona riu, lembrando-se de sua fúria pela falta de tato de sua sogra. – Algo que
faça todos caírem de joelhos – disse, cheia de mistério. – Até mesmo aquele bruto
bonito que é meu marido arregalará os olhos!
– Espero que esteja preparada para assumir as conseqüências –, disse Jinny num
tom de desaprovação. – Logan tem uma idéia explícita do que convém para sua posição.
Puxou ao pai, neste aspecto; o velho era o próprio militar, mas era um bom sujeito,
muito gentil e justo. Logan é mais humano, apesar de tão disciplinado quanto o pai.
– Faça-o por causa de Logan, ou melhor, por sua causa. – tom de voz era
austero, mas havia suavidade na expressão de Jinny.
Capítulo VI
O novo relacionamento entre elas fez uma grande diferença para Fiona. Pelo
menos, pensava ela nos dias seguintes, havia um membro da casa que não a
desaprovava inteiramente. Deixava-a perplexa o fato de ter sido Jinny quem se
enternecera, pois, após o primeiro olhar frio e penetrante da governanta, no dia de sua
chegada a Whangatapu, Fiona estava convencida de que o máximo que poderia esperar
de Jinny era tolerância. Mas agora, mesmo que apenas por causa de Logan, a conversa
com Jinny dera novas perspectivas a muitos de seus problemas, com exceção do maior
deles: Logan. Ele se refugiara atrás de uma parede fria de indiferença, quando estavam a
sós, e atrás de uma cortesia reservada, mas possessiva quando havia outras pessoas
presentes. Os Thurston ficavam em casa nas manhãs e noites; de tarde, saíam para
longas excursões, durante as quais faziam esboços de desenhos. Fiona afeiçoara-se ao
casal. Embora devessem ter ouvido a história sobre o casamento apressado e sua
conseqüente separação, os Thurston demonstravam, por olhares ou palavras, que
consideravam a presença de Fiona na casa como um assunto de interesse.
Houve um silêncio antes que seu marido dissesse: – Toque algo apropriado,
Fiona. Sinto uma melancolia tomando conta de mim e quero abandonar-me a ela.
Fiona sorriu e foi até a sala de música. Por alguns momentos, brincou com o
teclado, até que começou a tocar uma canção simples, antiga e tristonha.
– Conheço a letra – disse Forrest, com calma, quando a música terminou. – Tem
mais ou menos uns trezentos anos.
– Acalme-se, Ailsa. – Thurston colocou seu copo de vinho sobre a mesa como se
tivesse tomado uma decisão. Trocou um olhar com sua esposa. Quando recebeu dela um
assentimento quase imperceptível, virou-se para Logan, que estava na frente das
cortinas, e disse: – Gostaria de pintar o retrato de sua esposa, Logan. Alguma objeção?
O desapontamento brilhou nos olhos estreitos do artista, mas ele apenas disse: –
Talvez não, embora seja esse ar de inocência o que gostaria de captar, antes que
desapareça. Um ano junto a você, Logan, e Fiona o terá perdido.
Logan sorriu. – Tomarei isso como um elogio, mesmo estando certo de que não
quis fazê-lo. Quem já ouviu falar na mãe de um garoto de quatro anos sendo inocente?
– Sempre aparece algum por aqui. – Fiona levantou-se, atravessou a sala e parou
à frente da porta. – Sim, é sim e está acompanhado!
Por trás dela chegou a voz de Logan, e havia um tom de zombaria sutil em suas
palavras: – Lógico! A primavera é a época das uniões. Não tinha percebido, Fiona?
Fez-se ouvir, então, a voz de Ailsa: – E isto, acho, é uma das vantagens de se
morar numa fazenda; até os jovens encaram o sexo com mais naturalidade. A propósito,
Logan, Denise telefonou hoje e avisou que Jody deu cria, e que é para você ir lá e
escolher o filhote que quiser. Parece que Jonathan quer um cãozinho, embora eu ache
que um cachorro de fazenda seria muito mais sensato. O que vamos fazer com um fox-
terrier?
– Não é o que vamos fazer, é o que Jonathan fará – disse Logan com firmeza,
movendo-se para a frente para separar Fiona do resto das pessoas da sala. Virando-se,
ela lhe dirigiu um olhar de desagrado e depois se deixou guiar por Logan para fora da
casa. Assim que chegaram ao caramanchão, Logan perguntou: – Desapontada?
– Porque eu não vou deixar que nosso hóspede pinte seu retrato.
Os jasmins perfumavam o ar. Fiona levantou a mão para pegar um galho fino,
decidida a não questionar o porquê da recusa ao pedido de Forrest, ainda que relutasse
em irritar Logan com seu silêncio.
– Não está curiosa? – perguntou ele, com uma zombaria evidente na voz.
Logan pegou-lhe uma mecha dos cabelos com tanta força, que lhe provocou
lágrimas aos olhos. – Não brinque comigo, amor. – Os dedos enrolaram-se no cacho
sedoso, puxando-a para perto de seu corpo.
Fiona ficou submissa, com a pulsação acelerada pela proximidade. A fúria era
quase palpável, nos dedos e na voz de Logan, quando disse: – Nenhum outro homem
vai ter o que você me nega, quero dizer, seu tempo, sua atenção, sua confiança. Forrest
enxerga muito e conseguiria colocar seu espírito na tela, e seu espírito, minha querida,
além de seu corpo, pertence a mim, não a alguém que deseje retratá-la.
Logan puxou-lhe os cabelos com mais força. Fiona olhava para o rosto
sombreado de seu marido e uma luz fraca revelou suas feições, ameaçadoras e rudes.
O beijo foi selvagem, como se ele estivesse expiando a culpa de sua raiva e
frustração, esmagando os lábios de Fiona. Depois de alguns instantes, sua atitude
mudou, Logan sussurrou-lhe algo contra os lábios, antes de lhe beijar a pele fria do
pescoço, pressionando o colar contra os ossos delgados dos ombros dela. A emoção
começou a embotar o pensamento de Fiona; sem vontade própria, relaxou os músculos e
suspirou. Pegou a cabeça de Logan, abaixando-a, quando em outra ocasião, a teria
afastado.
– Fiona... – murmurou ele, abraçando-a. – Querida...
Ela abriu a boca para dizer algo, mas se perdeu num rodopio de sensações,
enquanto ele mostrava uma ternura, que apenas suspeitava que existisse.
– Chame a isto de uma recompensa pelo seu bom comportamento – disse ele. –
Tenho notado seu trabalho na casa.
A reação fez com que Fiona desse um passo para trás. Endireitando os ombros,
replicou: – Bem, você disse que queria a compensação pelo dinheiro que gastou. Espero
que a esteja obtendo.
– Foi você quem disse isso, não eu. Você não sabe o que quero de você. Nunca
duvidei de sua destreza em conduzir uma casa. Agora, tudo o que tem a fazer é mostrar
um desempenho considerável como anfitriã. Vou observá-la amanhã e durante o fim de
semana. Dois dias com meu irmão rabugento e sua esposa frustrada vão me mostrar
como você está. Eles intimidam até mesmo minha mãe!
Fiona afastou-se e foi contemplar o mar. – Logan, por que se casou comigo? –
perguntou Com calma. – Você devia saber que eu me sentiria deslocada aqui.
– Nos primeiros dois anos também tive meus pais – murmurou ela. – Acho que
não teria sido capaz de conseguir sem o apoio deles.
– Apoio que deveria ter sido dado por mim – replicou ele. – Nunca pensou em
deixar que alguém adotasse Jonathan?
Virou-se para Logan; a emoção emprestava-lhe um aspecto decidido. – Não.
Nunca. Ele era meu. Acho que foi egoísmo, talvez ele ficasse melhor com uma família.
Fingindo indiferença, respondeu: – Assim dizem. Com certeza, maior parte das
mulheres parece necessitar disto.
– Exceto Fiona Sutherland, que se arrumou muito bem, durante dois anos, sem
nada disso, não é? – Logan sorriu e pegou-lhe o braço. – Olhe, a lua está aparecendo, é
melhor voltarmos. O jantar já deve estar sendo servido...
Por volta das três e meia da tarde, Fiona estava bastante cansada, mas animada.
As senhoras do Clube de Jardinagem estavam felizes, Tom e Ailsa também, e até
mesmo Jinny parecia calma.
Tom tirara seu macacão e as luvas de trabalho e vestira suas melhores roupas,
pronto para mostrar seu amado jardim aos visitantes. Até mesmo o motorista do ônibus
estava contente. Ele devia ter sido escolhido por seu interesse em jardinagem, pois
examinava com olhos de conhecedor as camélias.
Fiona olhou para o terraço, viu a sogra esfregar a testa e foi até ela. – Está com
dor de cabeça? – perguntou.
– Oh, querida, estava tão evidente assim?
– Não, fui a única a perceber. Por que não vai deitar um pouco? Jinny e eu
podemos colocar a casa em ordem.
Ailsa resistiu, mas acabou se rendendo. – Acho que vou, obrigada. Não disse
nada, mas você tirou muito trabalho de minhas costas e estou grata. Onde está Jonathan?
– Saiu com Logan; foram velejar. Farei com que ele não a perturbe, quando
voltar.
O ruído de um trinco fez Fiona levantar a cabeça. Eles estavam entrando, ambos
vestidos de forma igual, com calças de brim azul e camisetas de mangas curtas.
Jonathan parecia cansado, mas caminhava com altivez. Seu andar era tão parecido com
o de Logan!
Fiona olhou para o rosto de Logan, rindo. Mas ficou séria quando cruzou os
olhos do marido, pois ele a fitava com uma intensidade jamais vista, fazendo-lhe uma
espécie de exame minucioso e penetrante que a deixou sem resistência.
A paz que a envolvia desapareceu. Sem vontade própria, Fiona estendeu a mão,
mas Logan ignorou-a e continuou imóvel. Fiona deixou cair a mão ao longo do corpo;
estava ruborizada, enquanto perguntava, incerta: – Teve um bom dia, Logan?
Ela se levantou, fez um gesto desnecessário, como se limpasse sua saia, pegou
na mão de Jonathan e começou à andar ao lado de Logan.
Quando o disco terminou, Logan fitou-a, sorrindo com um entusiasmo que Fiona
nunca esperara ver em seus olhos. – Você está muito bonita, mas muito distante. Venha
e sente-se aqui no sofá, comigo.
Não havia desculpas que pudesse dar para impedir aquela intimidade perigosa.
Sentou-se ao lado do marido e rapidamente, para ocultar o nervosismo, perguntou: – O
que está lendo?
– Mas é tudo teoria. – Fiona olhou uma página e franziu as sobrancelhas, quando
leu diversas palavras estranhas. – Deus meu, parece tão difícil! Você entende? –
Apontou para um parágrafo.
Ele riu e pegou a mão dela, segurando-a um pouco antes de levá-la aos lábios.
Depois, então, murmurou: – Sim, entendo, mas também acho bastante complicado e
pouco conveniente para a ocasião. Você percebeu, minha querida esposa, que esta é a
primeira vez, em todas estas semanas, que ficamos uma noite a sós? Seu pulso está
acelerado! Está com medo de mim, Fiona?
Com dificuldade, ela forçou uma risada. – Sim, quando você está deste jeito.
Você é o rei dos galanteios, Logan.
– Sinais de uma juventude esbanjada. – Logan virou-se e puxou-a para si. Jogou
o livro no chão e traçou os contornos da face dela com os dedos, movendo-os
lentamente pela pele fina com um toque carinhoso. – Deus, como você é bonita! Por que
escolhi uma esposa de princípios tão ortodoxos? E por que sou tão estúpido em
considerá-los? Devia seduzi-la esta noite, e então acabaríamos com toda esta tensão. –
Cobriu-lhe os lábios com a mão. – Não diga nada, ainda não.
Era fácil demais virar a cabeça e repousá-la nos ombros de Logan, fácil demais
regozijar-se com as batidas do coração dele de encontro a seu rosto. Fiona não pôde
mais resistir. Deixou-se acalmar naquele abraço morno e respondeu com a mesma
intensidade ao desejo impetuoso dos lábios de Logan. Quando ele começou a abaixar o
zíper do vestido, Fiona protestou, mas ele riu, encobrindo-lhe as palavras.
Depois ela não pensou mais, pois seu ardor aumentou, ao somar-se ao dele, e
compreendeu que era para aquele doce êxtase do corpo e da mente que tinha nascido.
Foi o toque insistente do telefone o que a fez voltar a si. Logan levantou a
cabeça de entre os seios da esposa e murmurou com raiva: – Diabos!
Fiona ficou tensa. Seus primeiros pensamentos, enquanto levantava o zíper nas
costas do vestido, foram os piores, mas logo se sentiu satisfeita com a interrupção, pois
a voz de Logan se tornara suave e gentil, com uma nota de intimidade que ofendia seus
ouvidos.
– Sim, sim, recebi o seu recado. Estive ocupado com outras coisas.
“Tentando seduzir a esposa”, pensou Fiona com amargura, passando a mão pelos
cabelos.
Ele riu. – Não, minha criança, não tinha esquecido. Oh, é mesmo? Sim, lógico
que ficarei encantado ao levá-la comigo. Vou sair bem cedo e já vou avisando: se você
não estiver pronta, deixo-a para trás... Passar a noite? Excelente idéia. – Seus olhos
passearam pelo cômodo, afinal pousando com ar especulativo sobre Fiona, que agora
parecia muito interessada na coleção de discos. – Não, Fiona não vai objetar. E por que
deveria?
Foi aquela afirmação irônica o que fez Fiona comprimir seus lábios. Como ele
conseguia falar com tanta suavidade se há poucos minutos tivera tentando
violentamente fazer amor com ela? Era bom, pensar que Denise tivesse telefonado antes
que sofresse a humilhação de se render à paixão de Logan, apenas para descobrir que
nada mudara. Parecia que ele ainda estava determinado a ter as fatias dos dois bolos.
Ele riu de novo e depois se despediu. Fiona pegou um disco e ficou olhando a
capa de cores vivas, sem enxergar nada.
– Não vai gostar dele – disse Logan atrás dela. – É um dos discos de Denise,
música para namorar.
– Espero que cumpra o objetivo – retrucou ela com educação, empurrando com
raiva, o disco para dentro da capa.
– Humm, humm, não posso deixá-la tratar os discos desta maneira. – Tirou-o das
mãos de Fiona, guardou-o e ficou olhando para ela com um sorriso perturbador. –
Denise vai comigo para Auckland, no domingo, como deve ter adivinhado, e vai dormir
aqui amanhã para que possamos sair bem cedo.
– Sei. Ela pode dormir no quarto azul. – A voz de Fiona era firme.
O cinismo na voz de Logan fez com que tivesse vontade de bater nele, açoitá-lo
com palavras cruéis, que o magoassem, mas nada que dissesse poderia romper sua
couraça.
– Então, se é assim, por que não me pega e coloca um ponto final em toda esta
tensão? – perguntou ela por entre dentes, furiosa com a habilidade que ele tinha de ler
seus pensamentos e mais furiosa ainda consigo mesma, porque sua pulsação estava
acelerada pelo toque das mãos.
Logan deu um sorriso sarcástico. – Você gostaria disto, não é? Assim você teria
o prazer da realização física que tanto quer, mas ainda se consideraria como uma vítima
de minha maldade. Oh não, não vou chicotear minhas próprias costas.
Largou os pulsos dela de repente e deu um passo atrás. Bastante nervosa, Fiona
deixou Logan e dirigiu-se para seu quarto. Mais de duas horas depois, ouviu-o subir e
entrar no quarto em que dormia. Só então adormeceu.
Capítulo VII
Denise chegou às dez e meia da manhã seguinte. Fiona estava sozinha na casa.
Jinny fora visitar Joyce Welsh, a esposa do capataz, de Logan, e Ailsa levara Jonathan,
junto com os Thurston, para um piquenique.
Fiona arrumou a parte de baixo da casa e depois subiu para arrumar a cama do
quarto cor-de-rosa, com lençóis, fronhas e toalhas do mesmo tom. Limpou-o
cuidadosamente, embora não estivesse sujo, mas Fiona estava decidida a não dar
nenhuma chance a Denise de encontrar qualquer falha.
– Olá! – disse Denise, enquanto descia do veículo. – Ora, Fiona, você parece a
própria dona-de-casa! Que apropriado! Onde está Logan?
– Sim, lógico, daqui a mais ou menos uma semana, os tosquiadores vão chegar.
Logan contou-me que a chuva os retardou. Ele estava aborrecido, coitadinho. Onde me
alojou, Fiona?
– Não, é meu dia de dar uma ajuda no parque infantil e não posso deixar de ir.
Fiona levou-a da sala de estar para o terraço, onde havia uma bandeja sobre uma
das mesas de ferro batido. Fizera chá e café enquanto Denise estava no andar de cima e,
agora, perguntava por sua preferência.
Houve um súbito silêncio, antes que Denise dissesse, com uma casualidade
elaborada: – Vocês estão planejando ter outros filhos?
Fiona deixou que um pequeno sorriso, que esperava parecesse distante, brincasse
em seus lábios. – Bem, Logan está. Ele gostaria de ter outros, acha que Jonathan já foi
mimado demais. E, com certeza, Ailsa adoraria ter outros netos correndo pela casa.
Houve outro curto silêncio e Denise comentou: – Então Logan está pensando em
fundar uma dinastia! Como se sente em relação a isso?
– Bastante feliz. Pode ser incômodo, lógico, mas os resultados valem a pena.
Com voz doce e ácida, Denise perguntou: – Não a preocupa o fato de Logan
pensar em você da mesma maneira que pensa em suas vacas prenhes? Eu odiaria isso.
Quando me casar, quero ser a pessoa mais importante na vida de meu marido, mais
importante do que qualquer filho que possamos ter.
Isto foi um golpe para você, pensou Fiona, reconhecendo que acertara com
precisão o ponto fraco de Denise. Mas não demonstrou nenhum sinal disso, quando
Fiona prosseguiu: – Não acredito que Logan me considere exatamente da mesma
maneira que suas vacas prenhes. Existem... certas diferenças.
Denise riu, charmosa, mas seus olhos estavam penetrantes e cautelosos quando
fitaram o perfil de Fiona. – Dizem que as águas calmas são profundas. Espero que sim,
por causa de Logan; ele tem aquela extraordinária virilidade magnética. – Interrompeu-
se e, logo em seguida voltou ao ponto crucial: – Não fica preocupada sabendo que
Logan não lhe foi fiel? Não que eu saiba de algo concreto, lógico, mas este lugar é tão
pequeno que é impossível não se ouvir boatos. E por alguma razão, o homem parece
muito mais excitante quando se sabe que ele é experiente. Isto deve fazê-lo um marido
muito melhor.
– Talvez você tenha vivido uma ou duas aventuras. – A voz de Denise era
insinuante, embora amigável. – Tenho certeza de que ninguém a culparia, embora os
homens tenham umas idéias engraçadas, não é? Quero dizer, posso imaginar Logan
achando perfeito fazer amor com todas as mulheres que estejam dispostas, e quem não
estaria disposta a fazer amor com ele? Mas ficaria muito furioso se você tomasse a
mesma liberdade.
Fiona acalmou-se um pouco. Denise devia estar esperando que ela fosse fazer
confidências tolas, mas nada havia a confessar. De fato, nunca sentira o mínimo
interesse por qualquer outro homem.
Parecia, no entanto, que Denise ainda não estava pronta para revelar seu
conhecimento, pois parecia um pouco confusa e apressou-se a continuar, com um leve
sorriso: – Quero dizer, se você pensava que nunca mais ia vê-lo. Foi uma coincidência
tremenda terem se encontrado em Wellington, não foi? As coincidências acontecem nas
horas mais estranhas. Aposto que se sentiu como Cinderela, quando Logan a trouxe para
cá; você devia viver em um lugar terrível, num bairro bem pobre, não?
– Não era bem assim – conseguiu dizer Fiona, imaginando se Logan dissera
aquilo, mas afastou esta idéia com desprezo. Denise estava apenas tentando semear a
discórdia entre eles.
– Bem, lógico que não era assim – observou a garota. – Deve ter sido
maravilhoso quando percebeu o quanto Logan é rico. Que sorte!
A raiva quase tomou conta de Fiona, mas ela conseguiu reprimi-la. – Sim, tive
bastante sorte. Mas acho que Jonathan é o maior beneficiado pela mudança.
– Sim. Aquela tosse horrível sarou – disse Denise com felicidade –, e estou certa
que Jonathan será muito alto. Vai ser tão alto quanto Logan. Suponho, como mãe dele,
que você sinta que qualquer sacrifício por seu filho vale a pena.
Fiona desviou o rosto para não ver aquela demonstração e serviu chá para Logan
da maneira que ele gostava, sem leite e sem açúcar. Não viu o encontro deles, pois
Denise descera os degraus correndo em sua direção, mas quando chegaram, estavam de
braços dados e a garota ria.
Fiona não conseguiu impedir um olhar desdenhoso que lhe congelou o sorriso.
Logan não tinha o direito de fazer aquilo com Denise, nenhum direito. Tinha que fazê-la
entender que sua esperança com relação a ele era impossível, que estava perdendo sua
juventude por um sonho vão.
Quando levantou a cabeça, estava sorrindo e havia arrogância em sua voz: – Olá,
querida, fazendo sala quando há uma pilha de um quilômetro de altura de cartas a serem
datilografadas?
– Ótimo, estou seco por dentro. Como está sua mãe, Denise? – perguntou com
aquele charme natural que acabou com o mau humor da garota, na hora.
– Oh, o médico quer que ela consulte um especialista na cidade. Ele acha que
não há nada de grave, mas quer se certificar. Pobre mamãe, está terrivelmente confusa.
Papai quer levá-la para um cruzeiro, mas parece que ela não sabe o que quer fazer. É
por minha causa, sabe? Não quero ir junto, já que eles desejam uma segunda lua-de-
mel, mas ficarão muito preocupados se eu ficar aqui sozinha.
Como se você não tivesse maquinado isso, pensou Fiona com ironia, tomada por
um ciúme tolo e fútil. Eu só espero que saiba o que está fazendo, meu querido marido.
Ailsa ficou encantada com a idéia, e correu ao telefone para sugerir à Sra. Page,
que concordou. E Jonathan também ficou encantado quando Denise lhe perguntou se
gostaria de sua companhia por alguns dias. De fato, estavam todos morrendo de
encantamento. Fiona foi para a cozinha preparar o jantar.
– Bom; amassar pão é melhor, mas acho que as pobres batatas serviram para seu
objetivo. Você tem que superar isto, Fiona. Os Sutherland sempre foram muito
hospitaleiros.
– Mesmo que isto faça mal para eles, acho. – As batatas foram temperadas,
colocadas em uma forma de alumínio e levadas ao forno. – Está tudo muito bem, mas...
– Fiona suspirou antes de continuar: – Bem, se eu conseguir descarregar toda minha
energia aqui não haverá problema algum. Por que você é tão boa para mim, Jinny?
– Por causa da família – disse Jinny, breve. – Em primeiro lugar, pelo menos.
Fico irritada de ver uma pessoa tão nervosa quanto você. Acho que sempre tive uma
queda pelos tolos.
Fiona riu e deu um beijo na maçã do rosto da governanta, a primeira vez que
ousava tal intimidade. – Adoro você – disse – é o que eu precisava para manter meus
pés firmes no chão.
– Oh, sua boba! – Jinny estava muito vermelha, mas o comentário seguinte foi
feito num tom de voz tão gentil que Fiona nunca ouvira antes.
– Você é uma pessoa muito doce e sabe conquistar os outros. Por que não tenta
isto com Logan?
Jinny, lógico, devia saber que não dormiam na mesma cama, pois sabia tudo o
que acontecia naquela casa, mas era a primeira vez que se referia à situação, mesmo
indiretamente. Fiona corou e não conseguiu encontrar as palavras para responder.
– Bem, você deve saber melhor do que eu. – Jinny sorriu. – Agora vá trocar de
roupa para o jantar. E, pelo amor de Deus, lembre-se de quem você é.
– Não, lógico que não. – Os olhos de Logan fitaram Jonathan por um momento e
então se voltaram para a face sorridente de Fiona.
Ela estava fazendo o possível para parecer indignada com o método usado para
acabar com a brincadeira deles, mas seus pulsos estavam acelerados. Seus olhares se
encontraram fixos; Fiona pegou o vidro de perfume com a mão que estava livre,
levantou-o e derrubou um pouco do líquido sobre o ombro nu de Logan.
– Não, tenho uma idéia melhor. Pegue o perfume da mão dela, assim não poderá
derramá-lo mais.
Então Jonathan disse, cheio de desapontamento: – Mas ela gosta quando você a
beija.
– Mas vou lhe dar um beijo cruel – disse Logan com solenidade. – Assim.
Ela riu, balançou a cabeça e respondeu: – Você está muito cheiroso, querido.
Colocando Jonathan no chão, pediu-lhe que fosse até o outro quarto e trouxesse
o pacotinho que estava na primeira gaveta do armário. Enquanto esperava, manteve o
braço em redor dos ombros de Fiona, com firmeza, mas sem força. Ela relaxou,
resistindo ao forte impulso de passar os dedos nos pêlos do tórax de seu marido,
contentando-se em sentir seu braço nu sobre os ombros.
– Já tinha usado esse vestido antes? – perguntou ele. – É bonito e lhe fica muito
bem.
Logan concordou. – Lembro-me. Agi certo em insistir. Faz com que você pareça
uma deusa d'água.
– Eu... agradeço muito, Logan. – Num impulso, colocou-se na ponta dos pés e
deu-lhe um beijo no rosto.
Ele estava muito calmo quando comentou: – Devo adquirir o hábito de lhe dar
jóias, se esta sempre for sua reação. Quem sabe o que faria se ganhasse de presente um
colar de brilhantes!
– Não é pelo anel – disse ela rapidamente, e ele riu ante a expressão de Fiona e
passou-lhe o braço pelos ombros mais uma vez.
– Eu sei, ora! Agora, deixe-me, assim posso acabar de vestir-me, ou vamos nos
atrasar para o jantar. Vamos, Jonathan, vou colocar um pouco de loção de após barba
em seu rosto. É muito melhor que o perfume da mamãe.
– Igual a sua?
Por alguns momentos, Fiona ficou olhando os dois; depois começou a pentear os
cabelos. Logan os desarrumara e como Denise era sempre impecável, Fiona não queria
descer daquele jeito.
Denise, lógico, percebeu o anel em seu dedo, logo que ela entrou na sala. Fiona,
vendo aqueles olhos pretos fixos no anel brilhante, teve que resistir ao impulso ridículo
de cobri-lo com a outra mão.
Então, Denise fitou-a. Seu rosto estava inexpressivo, parecia uma boneca,
impecavelmente vestida, penteada e maquilada, mas sem qualquer centelha de vida.
Mas esta lhe voltou, entretanto, quando Logan chegou com Jonathan.
Com relutância, Fiona admitiu para si mesma que, quando queria, Denise se
tornava o centro das atenções, sem parecer tentar fazê-lo. A garota ria e conversava com
desembaraço, usando toda a fascinação de sua beleza e charme para chamar a atenção
de todos os presentes.
Mais uma vez relegada a segundo plano, pensou Fiona com amargura; mas azar,
não iria sair dali. A lembrança daquela cena bastante íntima, no andar de cima, voltou-
lhe à mente. Sem perceber, Fiona sorriu. Logan, que estava próximo a Denise, sorriu-lhe
também e, saindo do círculo, atravessou a sala em direção a ela.
Ele riu. – Meu avô. Você gosta daquela caixinha de rapés? Aquela que tem uma
cena esmaltada de Cupido atirando flechas em um casal de namorados?
– É muito bonita.
Fiona deu uma risadinha. – Então teremos que nos levantar às cinco horas. Vou
mandar Jonathan para você, Denise. Ele sempre me acorda com um beijo, o que é muito
melhor do que um despertador.
– Quase todas – replicou Logan. – Ainda bem que foi educado para não acordar
mais ninguém a esta hora. Provavelmente porque sua mãe é tão mal-humorada que não
fala nada até que não tenha tomado pelo menos duas xícaras de café.
– Oh! Mentiroso! – Fiona exagerou sua indignação. – Mal humorada, que é isso?
Apenas não consigo acordar depressa!
A Sra. Thurston esvaziou o copo de vinho e disse: – Entendo o que quer dizer,
Logan, porque eu também me comporto assim. Mas você já pensou algum dia em como
é doloroso para pessoas como nós sermos confrontadas com uma máquina de escrever
todas as manhãs?
O jantar transcorreu muito bem, mas houve outro momento embaraçoso quando
Logan pegou Jonathan no colo para levá-lo para a cama.
Jonathan encostou a cabeça contra o tórax do pai e disse meio sonolento: – Você
está com um cheiro bom, papai! Esqueceu de lavar-se para tirar o perfume da mamãe.
– Esqueci mesmo.
– Não me diga que substitui loção após barba pelos perfumes de Fiona, Logan!
– Foi a mamãe que jogou nele – informou Jonathan. – Mas não conseguiu jogar
em mim. E papai disse que ia castigá-la, mas apenas beijou-a e mamãe gosta disto. –
Sua voz ainda tinha um pouco de desapontamento. – Mas – completou com satisfação –
papai disse que era um beijo muito cruel.
Fiona assentiu. Joe Welsh era o trabalhador mais antigo da fazenda, um homem
sério e esforçado, o braço direito de Logan. Joe falava pouco, mas quando o fazia era
breve e objetivo, e Fiona sabia que Logan confiava nele.
Ele sorriu. – Numa fazenda, sempre pode ocorrer algo errado. Mas não se
preocupe. Aqui está o número do telefone do hotel onde ficarei hospedado, o Central;
estarei lá todas as manhãs e telefonarei todas as noites para você. Não se preocupe.
Apenas uma coisa: mantenha distância de Danny. Joe me contou que ele anda
maquinando alguma coisa.
Um choque deixou-a quase sem respirar por alguns instantes. Então era esta a
razão para toda a amargura de Danny! O pecado original de Logan, ou o que ele
considerava um pecado, tinha sido combinado por uma paixão impossível por Denise. –
Pobre Danny – disse Fiona, distraída...
– Sim, lógico. Não gosto muito dele, embora não possa deixar de sentir pena.
– Você sentiria pena até mesmo do diabo – disse ele. – Entretanto, sua
compaixão não chega até mim.
Fiona se aproximou dele, colocando a mão direita sobre o braço dele. – Pobre
Logan! – exclamou. – É compaixão que quer de mim?
O rosto dele iluminou-se. – Não, por Deus, não é, e você sabe muito bem disso.
– Cobriu a mão de Fiona com a sua. – Por que não se deixa apaixonar por mim, Fiona?
É orgulho, independência ou apenas um pouco de falta de disposição?
– Uma mistura dos três, eu acho. – Seu tom foi leve, mas a seriedade de suas
palavras soou com força. – Oh, eu sei que isto tornaria as coisas mais fáceis para todos
nós, mas você quer que as coisas sejam fáceis demais para você.
– Sim, acho que sim. – E com um sorriso insinuante que quase acabou com a
resistência de Fiona, acrescentou: – E também gosto de caça, por isso, esperar por sua
capitulação dá um certo sabor à vida.
– Você disse, há pouco tempo, que não esperaria por isto, que me salvaria de
meu orgulho, tomando a decisão.
– Mudei de idéia, querida. A decisão tem que ser inteiramente sua. Você não é
uma mulher para ser conquistada com indelicadeza e, sinceramente, eu não sentiria
muita satisfação nisto. Sei que você me quer, se; disso desde o começo, assim como
sabia também que poderia possuí-la na hora que quisesse. Além disso, se você lembra
com tanta clareza tudo o que lhe disse, deve lembrar-se também que eu falei que não
faria amor com você contra sua vontade, porque isto faria com que você se considerasse
vítima da maldade masculina. E não é isto, Fiona, que quero que aconteça.
– Sei que sou cruel – disse ele. – Mas você sabia disto, Fiona, quando veio para
cá como minha esposa. Mas isto, na verdade, é um detalhe. Você não pode negar que eu
respeito seus direitos enquanto pessoa.
– Você está cansada, e tem que se levantar muito cedo amanhã. – Ele sorriu e
deu-lhe um beijo de boa-noite.
Capítulo VIII
Fiona estava deitada sob a sombra de uma árvore velha e enorme, pois o sol da
primavera era quente demais quando não havia vento.
Tinha um livro aberto à sua frente, mas estava sonolenta demais para ler. Fiona
bocejou, mas resistiu à tentação de fechar os olhos. Logan ia voltar para casa naquela
tarde e não queria estar dormindo quando ele chegasse. Telefonemas, embora
tranqüilizadores, não substituem as pessoas, pensou Fiona.
Tudo tinha funcionado como um relógio. Joe ia até a casa uma vez por dia para
dizer-lhe, com solenidade, que tudo ia bem. Ailsa conseguira superar as dificuldades
com seu novo livro e os Thurston ainda passeavam e faziam esboços por toda a
propriedade. E, ainda que tivesse visto Danny, o rapaz não fizera outra tentativa de
conversar, e apenas trocaram cumprimentos. Jinny e Fiona estavam bastante adiantadas
com os preparativos para a festa do sábado. Até mesmo o seu dia de ajuda no parque
infantil tinha sido muito divertido.
Fiona sentia que estava começando a adaptar-se a sua nova vida. Agora sua
posição em Whangatapu parecia segura. Um sorriso irônico aflorou em seus lábios.
Quanta segurança se conseguia sob um cobertor quente! A mágoa e a preocupação de
poucos meses atrás tinham quase desaparecido. Não era exatamente feliz, pois seu amor
por Logan consumia suas emoções, e sentia muito ciúme de Denise.
Fosse qual fosse o relacionamento entre eles, com certeza havia terminado, mas
uma das perguntas mais inquietantes que Fiona formulava em sua mente era se Logan
não se lembrava disso com pesar. Em vão, tentava convencer-se de que Logan não a
beijara, que não tinha partilhado momentos de paixão com ela, que até mesmo não havia
existido o desejo. Tudo o que sabia era que Logan não admitia ouvir nada contra Denise
e que as suas palavras indignadas sobre a garota tinham provocado uma reação violenta
em seu marido. Não seria tão estúpida de novo! Seria uma amargura saber que Denise
Page era algo sagrado para Logan, mas aprenderia a conviver com ela.
Distraída, Fiona encheu a mão de areia. Três dias de sol forte tinham acabado
com a umidade da superfície e a areia corria solta por seus dedos. As crianças gritaram,
riram e depois ficaram em silêncio. Alguém caminhava em direção a ela. Mas não foi
Logan que apareceu à sua frente.
– Não, nada. Vim pedir desculpas pela maneira como a aborreci naquele dia. Já
faz algum tempo que estou esperando por esta chance.
Dobrando as pernas para que pudesse colocar o queixo sobre os joelhos, Fiona
pensou rapidamente na recomendação de Logan para não se aproximar de Danny. A
delicadeza e a profunda simpatia que sentia pelo rapaz fizeram com que desse uma
resposta.
– Muito obrigado – disse ele, calmo. – Sinto-me bastante melhor agora, embora
saiba que não mereço seu perdão. – Ele hesitou e depois se sentou na areia, ainda a
alguns passos de distância. – Está animada para a festa? Será a primeira vez que
encontrará a maior parte dos amigos dos Sutherland, não é?
– Sim, e estou muito animada. – Não admitiria nem para si mesma que uma
parte dela queria sumir de todas aquelas pessoas curiosas.
– Tinha pensado comigo que seria mais fácil conhecer as pessoas sozinhas ou
aos pares, mas talvez seja melhor passar pela provação de uma só vez, por assim dizer.
Eu também estarei lá. – Encarou-a com um sorriso doce. – Não vou criar confusão,
prometo-lhe, portanto não se preocupe. Sei ser bem-comportado.
Aqui estava outro homem que parecia ser capaz de ler seus pensamentos! Fiona
encolheu os ombros. – Eu não tinha pensado nisto.
– Não, acredito que não – disse ele devagar. – Você não tem idéias maldosas,
tenho certeza.
– Não me conte – Fiona apressou-se a dizer. – Vai ser uma surpresa. Não
querem que eu saiba de seus progressos. Acho que Jonathan espera que eu fique
encantada com sua habilidade!
– Oh, ele vai conseguir, você vai ver.
– Parece que já estamos no verão, não é? – comentou ele por trás de uma nuvem
de fumaça. – Já passou algum verão no norte?
– Não, nunca.
– Você notará o tempo esquentando aos poucos. Eu percebi quando vim morar
aqui – Mary também. A gente consegue se aclimatar, lógico, mas o primeiro verão,
geralmente, é duro de agüentar. E há muita coisa a se fazer também. Hóspedes na casa
da fazenda e as baches sempre cheias.
– O que é isto?
Danny suspirou e foi adiante: – Depois aconteceu um monte de coisas. Mas não
dizem respeito a você. Quero fazer-lhe outra pergunta. Quando Mary vier para cá, você
tentará fazer amizade com ela? Mary precisa de alguém na família que goste dela. Penso
que você e ela têm coisas em comum, mas Mary não é feliz. Devo ser um chato, Sra.
Sutherland, mas amo minha irmã e daria minha vida para fazê-la feliz.
– Duvido que Mary lhe peça um sacrifício como este – disse Fiona emocionada.
Levantou-se e pegou a esteira antes de dizer com calma: – Se sua irmã estiver disposta,
ficarei contente em sermos amigas.
– Mary estará disposta – afirmou Danny com certeza. Quando Fiona se levantou
ele também o fez e agora a fitava com a aparência de um homem sério e com um
problema, que Fiona poderia ajudar a resolver. – Ela não tem amigos na família, e você
deve saber o que é a solidão.
Fiona chegou a abrir a boca, mas calou-se. A última observação parecera ser um
teste, e sua situação na casa da fazenda não era da conta dele. Assim, sorrindo, disse: –
Oh, já me adaptei bem. Agora, vou embora, se me permite.
– Claro. Preciso ir também ou serei despedido. Vou carregar a esteira para você.
Fiona não pôde recusar a oferta e assim caminhou ao lado de Danny até a casa
da fazenda, chamando Jonathan no caminho.
Logan e Denise chegaram meia hora mais tarde, quando Fiona estava colocando
um pernil de cordeiro no fomo. Soube da chegada pelo gritinho de Jonathan, que viu o
carro.
Fiona tirou o avental e correu; parou em frente à porta principal, respirou fundo,
abriu-a e desceu os degraus com calma, enquanto o enorme automóvel estacionava.
– Sim. E você?
– Fiz tudo o que queria e estou feliz por voltar para casa.
Quando ele se afastou com uma rápida desculpa, Fiona viu a garota e quase
cambaleou com o choque, pois Denise estava bonita, langorosa como uma gata, um
sorriso encantador e os olhos indolentes e satisfeitos enquanto pousavam, com um
brilho significativo sobre Logan. Fiona viu o rápido olhar de censura que Logan dirigiu
a Denise, como para adverti-la, e sentiu a dor do golpe revelador; como um punhal em
seu coração. Queria gritar, esbofetear o rosto de Denise, amaldiçoá-la, ofendê-la e
magoá-la, mas era a esposa de Logan Sutherland e, lógico, não podia fazer nenhuma
daquelas coisas. Assim, descruzou as mãos e disse com a voz inexpressiva: – Vocês
devem estar com sede. Gostariam de beber algo?
Bebeu chá e contou que seus pais estavam em Auckland para uma consulta
médica e que, por isso, teria que abusar da hospitalidade por mais uma noite.
Logan não subiu com eles, disse que tinha algumas coisas para resolver e foi
para o estúdio, deixando Fiona dilacerada pela agonia da dúvida. Devia descer e pedir
uma explicação? O bom senso veio em sua ajuda. O que havia para ser explicado? Uma
troca de olhares, um momento em que Denise se esvaíra de satisfação sexual. Logan
zombaria dela até desconcertá-la! Desesperada, tentou convencer-se de que estava
enganada, que aquilo era apenas mais um truque sutil de Denise, mas este pensamento
não surtiu o menor resultado.
Encarou outro fato. Era possível que estivesse enganada durante o tempo todo e
que Logan realmente amasse Denise. Neste caso, cometera um grande erro casando-se
com ele, mas não tão grande quanto o de seu marido que renunciara à mulher que
amava por um sentimento de obrigação para com seu filho. Era a decisão de que
Jonathan deveria crescer como um Sutherland a causa de toda aquela confusão.
Também por causa do menino, ele nunca deixaria que Fiona fosse embora.
Sentia náuseas e sua cabeça latejava. Foi então até o banheiro de Ailsa apanhar
um de seus comprimidos para dormir. Se tomasse um deles, talvez se acalmasse.
Com cuidado, para que Logan não a ouvisse, caminhou pelo tapete grosso,
tomou as pílulas e voltou. Perto das escadas, olhou e viu seu marido e Denise apertados
num forte abraço sob uma lâmpada acesa no vestíbulo do andar de baixo.
Sem parar continuou até seu quarto, vestiu a camisola e jogou-se na cama para
tentar acalmar seu coração ferido.
Quando ouviu uma batida na porta, não respondeu, esperando que Logan
acreditasse que ela estava adormecida. Mas ele a abriu e acendeu a luz, dizendo com
calma: – Sei que está acordada, Fiona.
Tremendo ela se sentou, passando a mão pelos cabelos para tirá-los da frente do
rosto. Na claridade, suas feições estavam pálidas e seus lábios pareciam inanimados.
– Pensei tê-la ouvido – disse ele com tranqüilidade, fechando a porta. Encostou-
se nela com os braços cruzados e a expressão distante. – Posso ver também a que
conclusões chegou.
O nome da garota fez Fiona respirar fundo, enquanto lutava por controlar sua
raiva e seu ciúme.
– Pobre Fiona – escarneceu ele – Irrita-lhe saber que se não tivesse aparecido em
meu quarto de hotel naquele dia eu teria me casado com Denise? Pelo menos – disse
com uma amargura que tornou sua voz áspera –, teria uma esposa apaixonada e
carinhosa todas as noites em vez de um pedaço de gelo.
– Por quê? Causa-lhe aversão meus braços ainda aquecidos pelos de Denise?
Que o beijo dela ainda me queima os lábios? – Ele riu, e o escárnio daquela atitude a fez
encolher-se, tentando desesperadamente libertar-se das roupas de cama para fugir
daquele quarto e daquele homem que a dominava.
Mas não conseguiu esquivar-se dos braços e lábios de Logan. Teve que sofrer a
Suprema humilhação de seu beijo e dos movimentos ansiosos de suas mãos que abriam
sua camisola e apalpavam cada polegada de seu corpo, acariciando-o com seus lábios
macios.
– Não vou violentá-la – disse ele desgostoso. Seus olhos eram frios enquanto
observavam a nudez de Fiona. – Devo dizer que você tem escondido muito bem seu
desejo até agora. Pare de fazer isto, esta é a última vez que lhe toco, até que me implore
que o faça.
– Fiona.
A preocupação em sua voz a fez sorrir. – Duas pílulas para dormir, daquelas que
Ailsa toma – murmurou. – Apenas duas. Estou tão cansada...
Ele não disse mais nada e puxou o lençol para cobri-la. Fiona caiu em um sono
profundo.
Mary era miúda e elegante, mais engraçadinha do que bonita. Seu marido
parecia uma cópia menos vigorosa de Logan. Pareciam estar à vontade e trouxeram o
que Mary chamava de um presente de casamento atrasado.
– Aposto que ninguém lhe deu um – disse com orgulho –, o que me parece uma
tremenda falha. Eu adoro olhar meus presentes de casamento, mesmo os mais horríveis.
Vamos, abra-o.
Depois de uma rápida olhada para a expressão contraída de Logan, Fiona abriu o
pacote e suspirou quando viu as figuras de cerâmica: era um presépio.
– Sei que você disse que não a queria retratada, Logan – comentou Forrest
sorrindo – mas acho que eu sou muito inescrupuloso quando encontro um bom modelo.
Este foi feito de memória.
Era uma tela pequena, mas Fiona saltava dela com muita vida. Sua expressão era
pensativa e melancólica, com os dedos sobre um teclado estilizado e os olhos viam
coisas que os pincéis de Thurston apenas insinuavam.
– Fiona tocando – disse Thurston com firmeza, colocando a tela sobre a lareira. –
Quando eu tiver sua permissão, Logan, farei um retrato apropriado, porque este é apenas
o esboço de um estado de espírito.
– Você o captou de uma forma muito bonita – disse Ailsa, rompendo o que
ameaçava tornar-se um silêncio embaraçoso. – Já vi com freqüência esta expressão em
Fiona quando está tocando. Em que pensa, Fiona, quando está tocando piano?
Fiona não se atrevia a olhar para Logan, temendo ver sua raiva estampada no
rosto e agarrou-se à pergunta de Ailsa como a uma tábua de salvação.
Foi uma risada geral, e o momento de tensão passou. Logan também agradeceu
e, quando Fiona foi pegar o retrato, disse-lhe que o deixasse ali.
– É uma peça muito decorativa – disse ele – e permanente. Deixe-o, Fiona. Que
acha de fazer outro, Forrest? Fiona rindo?
– Está autorizando meus serviços?
Logan sorriu e negou com a cabeça. – Parece que você não precisa de minha
permissão.
Stephen e Logan saíram para dar uma olhada na propriedade. Aquela noite seria
um inferno pensou Fiona, pois seria apresentada a todos os amigos dos Sutherland como
a esposa de Logan, num momento em que a situação de ambos não era das melhores.
Arrepios intensos percorriam seu corpo magro enquanto travava essa batalha
silenciosa consigo mesma. Tudo isso a deixava esgotada, sem chegar a uma conclusão
final. Mas, afinal de contas, pensou ela, não precisava se decidir assim tão depressa,
pois os tosquiadores chegariam na segunda-feira e Jinny poderia precisar de sua ajuda
até eles irem embora. Era uma atitude covarde, mas não deixava de ser um adiamento.
Se eu resolver adiar, pensou ela, não vou mais querer ir embora, e não apenas
por ter que abandonar as pessoas que mais amava na vida. Por muito mais do que isso.
Devagar, tendo cuidado para não perturbar a criança que dormia, levantou-se e
caminhou até a janela. Aprendera a amar Whangatapu e abandoná-la seria duro! E as
pessoas? Ailsa, brusca, embora estranhamente carinhosa e solícita, a teimosa Jinny, seu
marido cordial e silencioso, a família Welsh, os Sanderson? Aprendera a gostar de todos
e a sentir-se à vontade com eles. Enfim, se habituara com a vida da fazenda.
Ouviu vozes vindas do andar de baixo. Percebeu que Logan e seu irmão estavam
no terraço, já de volta do passeio.
– Sim, pensei nisto. Gostei de sua esposa. Não é o que esperávamos que fosse.
– Oh, ninguém tão equilibrada e brilhante. Denise escreveu para Mary dizendo
que ela era bonita, mas sem personalidade. Não consegui imaginá-lo casando-se com
uma mulher sem um pingo de inteligência, por mais bonita que fosse. Suponho que
Denise não tenha ficado muito feliz em descobrir que você tinha uma esposa há algum
tempo.
– Denise não tem razão para ter ciúmes. – A voz de Logan era fria, como a de
alguém que estivesse se controlando com dificuldade.
Seu irmão sorriu sem parecer impressionado. – Oh, vamos lá, Logan, não tente
enganar-me. Todos esperavam que vocês dois se casassem. Ela parecia a garota ideal
para você.
– Está tentando me dizer que durante o tempo todo Denise sabia que você não
possuía a mínima intenção de se casar com ela?
Stephen parecia em dúvida, pensou Fiona amargamente. Quase conseguiu ver
Logan encolher os ombros, enquanto respondia: – Não estou tentando dizer-lhe nada,
Stephen. Vamos deixar este assunto de lado, está bem? O que aconteceu entre Denise e
eu diz respeito a mim e a ninguém mais.
– Se você quiser assim... Eu diria que foi você quem saiu ganhando. Denise é
uma garota agradável, mas é egocêntrica demais. E Fiona possui algo de extraordinário
e está claro que se adaptou muito bem aqui. Gosto da maneira como lida com mamãe.
Tem muito tato e garra!
Fiona afastou-se da janela, mas conseguiu ouvir a voz de Logan suavizada pelo
orgulho e afeição, enquanto falava de seu filho. Pelo menos, pensou com tristeza, tinha
dado a ele alguma coisa para se orgulhar, mesmo não tendo sido capaz de conquistá-lo.
Se Logan tivesse que escolher entre Denise e Jonathan, escolheria a criança; já o fiz
casando-se com ela. Dera seu coração a seu filho, mesmo sendo Denise bonita e tão
conveniente.
Capítulo IX
Embora ajudasse Jinny na cozinha até o fim, Fiona teve ainda muito tempo para
se vestir antes do jantar. Jonathan veio dar-lhe seu beijo de boa-noite, abraçando-a com
força. Retribuindo o abraço, Fiona encostou seu rosto nos cabelos úmidos do garotinho.
Jonathan jantara com Jinny e Tom, e Fiona dissera-lhe que fosse para a cama antes de
os convidados chegarem, pois teria tempo de adormecer antes que a festa barulhenta
começasse.
Ele estava elegante em seu traje a rigor e, aproximando-se dela, com sua
arrogante autoconfiança, perguntou:
– E você conseguirá.
Não se disseram mais nada, durante todo o caminho até o andar de baixo, mas
aquelas poucas palavras a ajudaram. Logan serviu vinho para eles, na enorme sala de
estar ainda vazia e quando o resto da família entrou, o que viram foi um casal
perfeitamente normal conversando.
Duas horas mais tarde Fiona sentiu-se extremamente feliz ao perceber que sua
primeira festa naquele lugar corria às mil maravilhas. Talvez pelo fato de a maior parte
das pessoas se conhecerem bem.
Fiona observou a Sra. Page por um momento. Era uma mulher magra, muito
bem vestida e a impressão de cansaço que lhe dera instantes atrás fora substituída por
uma alegre jovialidade, embora a mão de seu marido estivesse pousada sobre seu
cotovelo como se quisesse confortá-la ou protegê-la de algo.
Flertava ao mesmo tempo com três homens, um dos quais era Danny Harmon.
Quando Fiona passou os olhos pelo grupo, o rapaz levantou as pálpebras e fitou-a. De
imediato, Danny levantou-se e caminhou resoluto em direção a ela.
Maldição, pensou Fiona, mas não se moveu. Bem, não devia preocupar-se, o
rapaz certamente não se atreveria a dizer algo de pessoal com tantas pessoas por perto,
mas, apesar de sua simpatia por ele, Danny a deixava sempre embaraçada. Preferia não
ter que conversar com ele.
– Olá – disse ele gentil, quando chegou perto dela. – Está sozinha? Onde está seu
marido?
– Ocupado.
– Ah, sim, o perfeito anfitrião. Da mesma maneira que você é a perfeita anfitriã.
Está se divertindo?
Ele riu com uma expressão cheia de interesse. – Sei exatamente o que você está
querendo dizer. Saiu-se muito bem em tudo. Todos estão se divertindo bastante e esteja
certa de que ainda será lembrada daqui a seis meses. Posso dizer-lhe o quanto você está
fabulosa, hoje?
Fiona sentiu-se corar pois havia uma certa ansiedade no tom de voz do rapaz que
desmentia seu olhar divertido. – Sim, lógico – disse ela. – Acho que todos estamos, não
é? Podemos chamar esta festa de uma assembléia de pessoas bonitas e elegantes. Quem
é aquela mulher morena que está naquele canto, Danny? Ela está me parecendo bastante
deslocada.
– Sônia Raintree. E aquele homem alto e loiro que está flertando tão
ardentemente com Denise é o marido dela. Se sua esposa sumisse da sala agora, num
passe de mágica, garanto-lhe que ele nem iria perceber.
– Pobre garota. Terei que ir falar com ela, Danny. Parece-me tão perdida.
– Irei com você. Cá entre nós, precisamos alegrar aquele rosto tão carregado.
Depois de cinco minutos, Danny conseguira que Sônia Raintree risse, revelando
que sob aquela expressão carregada havia um rosto de pouca beleza, mas de grande
charme.
Momentos depois, Fiona pediu licença, e atravessou a sala. Logan e ela
encontraram-se. Seu marido segurava um copo.
– Beba alguma coisa – disse ele em seu ouvido. – Você deve estar com sede.
Eles pareciam um casal que se dava muito bem para qualquer observador. Logan
era gentil, mas ninguém, a não ser ela, podia ver que a gentileza estava apenas no
sorriso e não em seus olhos.
– Vou beber bem devagar – prometeu, sorrindo como se ele fosse o amor de sua
vida. – Tudo parece estar indo bem. Devo colocar um disco na vitrola?
A maior parte das pessoas jovens e algumas das mais velhas também não
resistiram à tentação de dançar à luz da lua. Logo depois que os acordes suaves da
orquestra inundaram o ar, a multidão que se concentrava na sala dispersou-se
consideravelmente. Fiona, conversando com Sylvia Bond, uma das mães que conhecera
no parque infantil, viu Denise conversando com Logan. Ela parecia estar pedindo algo,
que ele recusou, pois fez beicinho ante a resposta, virando-se e encontrando os olhos de
Fiona.
Uma súbita malícia brilhou naqueles olhos negros; Denise dirigiu-lhe um sorriso
lento, disse algo para Logan e deixou que o Sr. Raintree, que se aproximava, a levasse
para fora.
– Estou contente que esteja se divertindo – disse Logan cortês, passando o braço
sobre os ombros de Fiona. – Onde está Kevin?
Logan era um ótimo dançarino. Fazia muitos anos que Fiona não dançava, mas
conseguiu acompanhá-lo com sucesso. Depois de um certo tempo, sentiu-se menos
tensa em seus braços, feliz por deixar a ele o supremo controle de suas ações, mesmo
que por alguns minutos.
Eles não conversavam muito enquanto dançavam. Logan costumava dizer que
isto perturbava sua concentração. Tinha sido uma das pequenas coisas que o fizera tão
único para ela. Agora, sua mão movia-se gentilmente sobre a pele de suas costas, como
se adorasse senti-la; então disse em seu ouvido: – É melhor que eu não veja ninguém
tocando você desse jeito.
Ela riu, mas, advertida pelo brilho dos olhos de Logan, afastou as mãos,
reassumindo um abraço mais convencional, certa de que perdera irremediavelmente a
chance de tornar normal seu casamento. Sua tentativa infeliz de conquistar o marido, só
fez com que ele sentisse desprezo por ela. Muito certo, pensou ela com amargura, já
tivera sua chance e a jogara fora por um desejo arrogante de possuir o amor de Logan.
Devia ter se contentado com o que ele lhe oferecera e não querer abraçar o mundo.
Agora havia perdido tudo. Levantou a cabeça e sentiu o rubor subir-lhe ao rosto, ao
perceber o olhar penetrante de Logan.
– Você. Aposto que é a única esposa em toda a sala que fica enrubescida quando
o marido a olha.
O rubor tornou-se mais forte em seu rosto, mas Fiona encarou o olhar irônico de
seu marido com candura.
– Heim?
– Oh, não interessa.
Ele concordou. – E por causa da hora e do lugar, não é? Fiona onde você
aprendeu a dançar tão bem? Você parece deslizar sobre nuvens.
– Sim. Queria saber se você se lembrava. Lembra-se da primeira vez que nos
encontramos?
– Quando eu caí a seus pés? – Ela sorriu, com saudade. – Você deve ter-me
achado leviana, não é?
– Talvez. Eu não resisti a você, como sabe. Foi a primeira vez em minha vida
que perdi a cabeça completamente. Você era tão bonita e inocente e entregou-se a mim
com uma intensidade tão grande. Tentei localizá-la depois que foi embora, mas não tive
sorte. Meu pai, então, faleceu, e tive que voltar para cá.
– A morte de seu pai deve ter sido um grande choque – comentou. – Foi algo
totalmente inesperado, não foi?
Ela reagiu à impaciência da voz dele com aquele jeito que a tornava
extremamente provocante. – Sim, mas você não precisa se desculpar pelo que aconteceu
tanto tempo atrás, Logan. Embora fosse muito inocente, eu sabia que não era a primeira
mulher com quem você fazia amor. Naquela época, você já devia ser muito experiente.
Sentiu as mãos dele crisparem-se sobre suas costas. – Então você me achava um
cafajeste?
De súbito lhe pareceu que deveria eliminar aquela impressão da cabeça de seu
marido. – Oh, Logan... não! Como você, eu também perdi completamente a cabeça. E
como poderia culpá-lo quando me ofereci a você com tanta facilidade? Não o culpei, e
não o culpo. Nunca poderia fazê-lo. Afinal de contas, Jonathan foi o fruto daquele,
momento de loucura.
– Sim. – Ele ficou em silêncio por alguns momentos e então disse
inesperadamente: – Gostaria de ter conhecido seus pais.
– Eles eram uns amores – murmurou Fiona. – Bondosos e gentis! Acho que eles
nunca aceitaram direito minha situação mas, como eram muito compreensivos,
respeitaram meu estado e nunca fizeram muitas perguntas. Adoravam Jonathan.
– Aliás, como todo mundo – disse ele. – O charme é uma arma invencível.
Ela riu para ele. – Você deve saber bem disso, com o charme que você tem! Ele
só pode ter puxado a você, nesse particular.
Logan sorriu um tanto sem graça. Quando a música acabou, atravessaram a sala
e foram ao encontro de Mary e Stephen.
Mary parecia pálida, como se estivesse com dor de cabeça. Fiona murmurou
algo sobre o calor e sugeriu que bebessem algo.
– Ótima idéia! – respondeu Mary. – Para mim, suco de limão, Logan. Chega de
champanhe por hoje!
– Vamos sentar um pouco? – propôs Fiona. – Não sei como está se sentindo,
mas meus pés estão me matando e parece que Ailsa retomou o comando da festa.
– Ela despistou o velho e fiel Bob? – Mary deu um suspiro de alívio, enquanto se
sentava num sofá perto das janelas do estúdio. – Oh, como é bom sentar um pouco,
quando se está com os pés doendo! Não preciso lhe dizer do sucesso estrondoso que
está tendo sua festa, Fiona!
– Está indo tudo muito bem e me sinto feliz. Durante semanas tremia só de
pensar nesta noite, mas eu devia saber que, com Jinny e Logan no comando, nada sairia
errado.
– E você também – disse Mary. – Você se saiu muito bem. Fiona... sei que não é
a hora, e nem o lugar não é o dos mais apropriados, mas quero lhe dizer algumas coisas.
Fiona sentiu um vazio no estômago, mas conseguiu disfarçar o mal estar. A
última coisa que desejava era uma troca de confidências com Mary; no entanto, era
inevitável, pelo que pôde ver no olhar de sua cunhada.
– É sobre Logan e eu. Não aconteceu nada. Tive uma grande paixão por Logan,
mas foi sempre Stephen quem amei. Embora fosse preciso que uma atitude brutal de
Logan me mostrasse isso. Só Danny não quer acreditar. Ele gosta de Denise e morre de
ciúmes porque ela não quer nada com ele. Danny quer criar problemas e não consigo
fazê-lo ver que... bem, acho que isso não é muito importante.
O coração de Fiona comoveu-se. – Acho que você é muito corajosa – disse ela
gentilmente, colocando sua mão sobre a de Mary. Ao ver que Danny se aproximava,
Mary recompôs-se num instante.
– Acho que Logan tem muita sorte – disse Mary, antes de sorrir para seu irmão.
Ele respondeu ao sorriso da mesma forma, com sua expressão alerta, enquanto colocava
uma cadeira ao lado de Fiona.
– As duas garotas mais bonitas de toda a festa e nenhum homem para fazer-lhes
companhia! – exclamou ele. – Seus maridos não a merecem, meus amores.
– Lógico que sim, ela nunca me enganou. – Colocou uma mão sobre o ombro de
Fiona. – Você precisa admitir que ela é uma bela porta-voz do movimento feminista.
– Oh, certamente. – Danny levantou-se num salto, fez uma reverência elaborada.
– Tanto é que devo pedir para que ela dance comigo. Tenho sua permissão, Logan?
Aquilo era um desafio direto. Fiona sentiu uma pressão em seu ombro, mas
Logan apenas disse: – Ela não precisa de minha permissão para dançar, Danny.
– Então, minha cara Sra. Sutherland, vamos dançar comigo. Agora pode deixar
Mary em segurança com Logan.
Ele pareceu envergonhado. – Não, e o que fiz me parece grosseiro. Vou pedir
desculpas.
– Melhor deixar pra lá – aconselhou ela. – Trate apenas de não cometer o erro
novamente.
Dando um longo suspiro, o rapaz disse: – Agora consegui que você ficasse brava
comigo. E havia prometido me comportar bem. Ei, relaxe, não vou morder você.
Depois disso, a noite voou. A maior parte das pessoas mais velhas foram embora
logo depois da ceia, mas as mais jovens estavam decididas a passar a noite em claro, e
às três horas da manhã estavam todos cantando na praia, ao som de um violão e ao redor
de uma fogueira.
Ela se assustou, mas pegou o instrumento. Logan retirou o braço de seus ombros
e disse animado: – Toque, Fiona.
Era um ótimo violão, suave e muito bem conservado. Dedilhou as cordas por
alguns momentos, e então tocou uma canção Maori, com versos que contavam uma
história de amantes apaixonados. Todos cantaram e, quando acabou a canção, Fiona
continuou tocando músicas populares e folclóricas, deixando todos entretidos por mais
de meia hora. Quando olhou à sua volta e viu várias pessoas bocejando, começou a
tocar a Valsa do Adeus. Houve uma risada geral no início, mas todos acabaram
acompanhando a velha melodia. E foi esse o belo final da festa. Os homens apagavam a
fogueira, enquanto as mulheres pegavam suas coisas. Houve uma despedida geral, entre
agradecimentos e congratulações e, cansada, Fiona começou a recolher os copos
espalhados por toda a casa e a colocá-los num grande carrinho de chá, enquanto Logan
levava Denise para casa, pois seus pais haviam ido embora, algumas horas antes.
Aquilo a magoara, mas Fiona afastou o ciúme feroz que ameaçava devorá-la,
enquanto se movia pela sala, esvaziando cinzeiros, tentando enfim fazer algo para matar
o tempo.
Na terceira vez que entrou na cozinha, Stephen estava lá, sentado à mesa com a
cabeça entre as mãos. Ao pressentir a presença dela, levantou a cabeça, dirigiu um
sorriso sarcástico para Fiona e disse: – A dona-de-casa perfeita. Ou você está esperando
para ver o quanto Logan demora para levar Denise para casa?
Ele não estava bêbado, mas bebera mais do que o necessário. – Minha esposa
odeia Denise – continuou ele, antes que Fiona pudesse falar qualquer coisa. – Ela a
odeia, também.
– Você acha? – Fiona estava surpresa. – Oh, eu não penso assim. Espero que ela
não me odeie, pois isso tornaria as coisas muito embaraçosas.
Ele a olhou de esguelha. – Você é uma pessoa fria, não é? Estive pensando no
que Logan pode ter visto em você. Talvez seja esse ar de inatingível. Meu caríssimo
irmão sempre gostou de um bom desafio, e devo dizer que você lhe proporciona um.
Quanto a Mary... oh, sim, ela odeia você. Você conquistou Logan e ela ainda o quer. O
irmão mais novo não a satisfaz. – Ele suspirou pesadamente – Tenho vigiado minha
esposa durante todos estes anos. É engraçado: eu a vigio, ela vigia Logan, Logan vigia
você, e você... você fica como um gatinho mimado e não vigia nada, oh sim, existe seu
filho. Não gosto de me lembrar que Mary fica magoada por e vigiá-la. Eu a amo..
– Sério? – Fiona não estava certa se as táticas que estava usando eram as
melhores, mas foi adiante. – Pensei que sua atitude fosse deliberada.
– Bem, você presta tanta atenção na presença de Logan que força sua esposa a
prestar também. Não a conheço muito bem, mas sou uma mulher, e o que você faz não
deixa de ser uma humilhação para ela. E você deve viver prestando atenção em seu
irmão, não é? Não me admiro que ela fique nervosa quando percebe que você a está
vigiando. Estou certa que ela pensa que você gosta mesmo é de fazê-la sofrer, mas se
você a ama...
Propositadamente, deixou que sua voz saísse com um tom casual e encolheu os
ombros para reforçar essa impressão.
– Eu a amo – disse ele, sombrio.
Fiona pôde notar em seus olhos uma centelha de dor, que devia ser sua
companheira constante. No entanto não era hora de sentir compaixão. Endurecendo seu
coração, retrucou: – Então, seu desejo de revanche deve ser muito maior ou, então, você
que me desculpe, mas é um estúpido. É inacreditável que ela não o tenha abandonado
até agora! Ela deve amá-lo muito, para conseguir suportar isso.
– Então ela é masoquista – disse Fiona com firmeza, dando-lhe uma xícara de
café preto. – Só pode ser masoquista, para gostar dessa situação horrível. Entretanto, ela
me parece bastante infeliz.
– Acho que ela não se sente muito encorajada – replicou Fiona. – O que você
esperava que ela fizesse? Você acreditaria se Mary dissesse a você que o ama?
– Eu... – Ele a fitou com a expressão contraída e então meneou a cabeça com
veemência. – Não, por que deveria?
– O quê? Você deve estar querendo que ela faça um grande gesto para provar
isso? – Ela sorriu com um ar de mofa. – É muito difícil hoje em dia alguém se matar por
amor e, como ela nunca faria isso, o que lhe resta é suportá-lo, apesar de tudo.
Houve um longo silêncio. Ele bebeu o resto do café e respondeu com raiva: –
Por que você se preocupa tanto conosco? Você nem mesmo nos conhece direito.
– Porque – disse ela escolhendo as palavras com cuidado – me irrita ver duas
pessoas que se agridem o tempo todo deixando todos os que estão por perto
embaraçados. E se você não consegue perceber que Mary o ama, meu caro cunhado,
você é tão insensível que não merece nem a ela, nem ao bebê.
Fiona jogara aquelas palavras calculadamente; no fundo, rezava para que Mary a
perdoasse por revelar a verdade sobre seu estado.
– O que você ouviu. Acho que ela não contou para ninguém mas, no minuto em
que a vi, percebi que estava grávida.
Com o rosto, sem cor, de repente parecendo muito mais velho, Stephen meneou
a cabeça. – Eu... ela... – Por que não me contou? Ela sabe que eu... que eu...
Para espanto de Fiona, lágrimas vieram aos olhos do homem sentado a seu lado;
ele suspirou e disse: – Nunca acusei Mary de ser... de ser infiel. Nunca!
– Não em palavras, talvez – disse Fiona, subitamente comovida com ele. – Mas a
acusação está implícita em suas atitudes com ela.
– Oh, meu Deus! – exclamou ele. Colocou a mão direita na testa e ficou nessa
posição, enquanto Fiona lavava e guardava a xícara. Então disse com seriedade: – Você
é o tipo de pessoa que sabe colocar seus pontos de vista de uma maneira bem fria,
quando quer. Bem, e o que é que eu faço agora? Você parece saber de tudo... diga-me
como devo agir.
– Apenas confie nela... e demonstre isso a ela – disse Fiona, gentilmente. – Mary
também é orgulhosa! Vocês, os Sutherland, não têm o monopólio desse sentimento,
você deve saber. Não a deixe perceber que você sabe sobre o bebê. Ela vai querer lhe
contar. Por Deus do céu, homem, não tenho que lhe dizer como deve tratar sua mulher!
Você deve saber como fazê-la feliz, já que a fez infeliz durante todo esse tempo!
Stephen recuou ante esta afirmação, mas pegou-a pelo cotovelo quando ela
passou por ele e, com olhos quase suplicantes, disse: – Ela vai querer saber por que eu
mudei tão rápido.
Fiona dirigiu-lhe um sorriso muito doce. – Talvez, mas aposto que ficará tão
feliz que não vai se preocupar muito. Duvido que ela queira qualquer explicação.
Ele riu, levantou-se e deu-lhe um abraço carinhoso. – Acho que meu irmão
ganhou muito, escolhendo você como esposa. Denise disse que você era uma pessoa
sem nenhuma personalidade. Adoraria ver o rosto dela quando perceber o erro que
cometeu.
Stephen fitou-a, magra e pequena, mas cheia de uma força de vontade que
chegava quase a assustar. Com uma súbita preocupação nos olhos azuis idênticos aos de
Logan, ele disse: – Talvez, mas...
– Boa sorte para você também. E fique certa de que eu desejo isso de todo
coração.
“Não é uma questão de sorte, Stephen”, pensou Fiona, mas não disse nada. Se
ela havia conseguido fazer com que ele visse seu casamento sob uma nova perspectiva,
então valera a pena a sua estado naquele lugar; talvez Logan pensasse nela com carinho,
se algum dia viesse a ficar sabendo. Continuou seu trabalho e logo depois os cômodos
estavam limpos, as janelas abertas para deixar o ar circular, mas Logan ainda não havia
voltado.
Capítulo X
Para quem não dormira quase nada na noite anterior, Logan parecia
inacreditavelmente bem disposto.
– Acorde – disse ele, sacudindo os ombros da mulher. – São dez horas, Fiona;
seu filho quer lhe mostrar uma coisa.
Cheia de sono, com a cabeça pesada, colocou a mão nos lábios enquanto
bocejava, murmurando: – Por que você não morre, hem? – Aí engasgou de susto. – Dez
horas! Não pode ser! Coloquei o relógio para despertar às sete!
Por um momento, Fiona ficou espantada ante o olhar zombeteiro mas, logo em
seguida, percebendo o que ele quis dizer, virou a cabeça e viu o travesseiro amassado ao
lado do seu e o emaranhado dos lençóis do outro lado da cama...
Logan encolheu os ombros. – Com hóspedes em casa, não tive outra escolha. No
entanto, você não está me parecendo muito preocupada. Ou você normalmente abraça
quem quer que esteja a seu lado na cama? Fiona adormecida é muito melhor do que
Fiona acordada!
– Acalme-se – disse ele. – Eu estava cansado demais para reagir a seu convite
declarado, mas... – falava de uma maneira, tão pausada e irônica que Fiona teve que se
conter para não esbofeteá-lo. – Posso reunir minhas energias agora, se você continuar
com o mesmo estado de espírito. Essa sua camisola revela muito mais do que esconde, é
provocante demais.
– Oh, vá plantar batatas nos asfalto, Logan! – esbravejou ela, furiosa consigo
mesma por permitir que a simples presença de seu marido conseguisse fazer vibrar cada
nervo de seu corpo.
– Não fique brava. Você tem muito o que fazer para dar-se ao luxo de perder a
paciência agora. Jonathan e eu vamos dar-lhe exatamente meia hora para levantar-se e
tomar o café da manhã, antes de levá-la até o estábulo. Os tosquiadores chegarão
amanhã e isso significa que você e Jinny terão que fazer muita comida esta tarde. Os
Thurston já estão indo embora e Denise virá para dar-lhes uma mão. – Ele sentiu Fiona
ficar tensa e murmurou com crueldade: – Isso vai ser muito bom, pois, como você tem
um olho tão clínico, poderá ver se eu fiz mesmo amor com ela nesta madrugada, como
você deve estar matutando aí em sua cabecinha.
O que ela teria dito, ou feito naquele instante, nunca veio a saber; sentiu seu
corpo todo tremer de raiva, quando foram interrompidos por uma batida na porta, e
Mary entrou como um vendaval, vestindo um robe branco. Fiona olhou espantada para
ela.
– Vocês dois estão tão engraçados! Não, Logan, não fiquei louca, estou apenas
muito feliz. Pergunte a Fiona o porquê, ela vai lhe contar. Fiona, Stephen e eu tivemos
uma longa conversa na noite passada depois que ele foi se deitar e acho que finalmente
colocamos todos os pingos nos “is”, e tudo por causa de você, sua menina maravilhosa,
sensível e compreensiva! Assim, contei a ele sobre o bebê, você vai ser tio daqui a seis
meses, Logan, e, se for uma garotinha, vou colocar seu nome, Fiona. Estou tão feliz que
sou capaz de chorar!
– Aqui não! – disse Fiona com alegria, encantada pelo fato de que, com tão
poucas palavras, tivesse conseguido unir novamente o casal. Lutou contra uma leve
fisgada de inveja pela felicidade dos dois; Mary e Stephen mereciam aquela alegria,
depois de tantos anos de sofrimento. – Você sabe o que os homens sentem quando as
mulheres caem na choradeira? – perguntou ela. – Você embaraçaria o pobre Logan.
– Pobre Logan nada! – Mary assoou o nariz. – Logan não se desconcerta com
tanta facilidade assim.
Deixou, então, o quarto, tão feliz que seus pés nem tocavam o chão.
Logan esperou até que a porta se fechasse, antes de olhar para o rosto de Fiona. –
Está com inveja? Isso não fica bem para você. Como conseguiu a reconciliação?
– Com uma pequena, mas sincera conversa. – Fiona mexeu-se nos braços dele,
tentando libertar-se, mas ele a apertou com mais força.
– Não... fique aqui. Você não está pensando em abandonar Whangatapu, está?
Durante o curto silêncio que se seguiu àquela pergunta, Fiona lutou com
desespero para encontrar palavras que a negassem. Não encontrou nenhuma e percebeu,
para o seu pesar, que devia estar parecendo, aos olhos de Logan, a própria imagem da
culpa. A expressão dele tornou-se rude.
– Então eu estava certo! Fiona, se algum dia tentar ir embora daqui, eu a seguirei
até encontrá-la, e aí você vai se arrepender de ter nascido. Acredite no que estou lhe
dizendo! – Seus olhos pareciam de aço.
Todas as tentativas para tentar esconder o que se passava pela sua mente eram
inúteis. Nervosa, teve que umedecer os lábios, antes de perguntar numa voz que era
pouco mais que um sussurro: – Como você sabe?
A expressão de Logan continuou dura. Nunca lhe parecera tão nervoso e
determinado. – Conheço você muito bem, minha cara. Você está pensando que sou
cego?
– Não podemos conversar agora mas, até que possamos lembre-se de uma coisa:
você não vai embora de Whangatapu, não interessa o que possa acontecer, não interessa
que justificativas você tenha tramado nessa sua cabecinha de vento para dar um passo
como esse. Você fez sua opção quando concordou em casar-se comigo e não me
importa o quanto esteja sendo dolorosa esta escolha para você. Terá que aprender a
viver com ela!
– Você não me disse nada sobre Denise mas, se o tivesse feito, não teria me
casado com você – disse Fiona, sentindo-se incrivelmente magoada.
– Logan. Eu....
– Fiona, se você tivesse casado comigo também por vontade' própria e não
apenas pela felicidade de Jonathan, nunca estaria no beco sem saída que se encontra
agora. Pensei que você fosse começar a confiar em mim, porque nunca lhe dei motivos
para que agisse de outra maneira. Até que você se decida a confiar em mim,
continuaremos do jeito que estamos agora. Vamos, levante-se, ou você quer deixar
Jonathan esperando?
– Não.. pelo menos... – Ela parou, mas não fez nenhum movimento para
levantar-se da cama. – Logan, você não vai sair?
Logan estava ao lado da penteadeira, olhando para uma fotografia dos pais de
Fiona. Ele não se virou quando ela entrou. De repente, Fiona sentiu uma onda de desejo
fulminante e tão cheia de amor que a fez estremecer. Então, como cega, disse: –
Logan...
– Ah, você está pronta. Vamos, então. Seu filho deve estar morrendo de
impaciência lá na cozinha e Jinny já deve estar meio louca com ele a seu redor.
Todos estavam no andar térreo. Até mesmo Ailsa, que havia se queixado de uma
leve dor de cabeça. Ela pareceu muito tranqüila a Fiona. Talvez tranqüila não fosse o
caso, pensou Fiona. Talvez ela estivesse feliz porque Stephen e Mary estavam tão bem.
Ailsa nunca fora muito maternal, mas a situação entre seu segundo filho e sua esposa
devia tê-la preocupado muito. Isso fez com que. Fiona pensasse em outra coisa: talvez
Ailsa se preocupasse também com o casamento de Logan. Mas, em público, ela e Logan
pareciam sempre um casal perfeito. Pelo menos esperava que sim!
– O verão já está próximo – comentou Mary. – Você vai ver só que calor faz
aqui, Fiona.
Houve uma risada geral. – Vocês sabem, eu fico lá na minha cozinha, mas bem
que me preocupo com todo mundo aqui – defendeu-se com alegria. – Depois da tosquia,
Fiona, precisamos conversar sobre o Natal.
– Você vai adorar passar o Natal aqui, com a gente, na fazenda, Fiona – disse
Mary, com entusiasmo. – Logan sempre oferece um enorme churrasco para todos, na
véspera de Natal; cada um segura uma vela e, à meia-noite, cantamos todas aquelas
canções tradicionais. As crianças adoram, especialmente a distribuição dos presentes. É
uma festa digna dos Sutherland!
Logan riu, colocou a mão sob o cotovelo de Fiona e estendeu a outra para
Jonathan, que estava aborrecido, por estarem andando muito devagar. – E você, meu
amor, terá que comprar os presentes este ano. Tenho certeza que mamãe vai transferir
para você esta incumbência, com muita gratidão.
– Relaxe – disse ele ao seu ouvido. – Ele está acostumado a fazer isso.
Fiona sentiu um nó na garganta. Respirou fundo por duas vezes e então disse: –
Querido, você foi ótimo! Você é um aluno excelente!
– Agora você não vai ficar mais preocupada quando eu montar – disse ele.
Segurou-a mais um pouco e então levantou seu lindo rosto para a mãe: – Agora
você viu como é fácil? Se você quiser, pode aprender também.
Fiona engoliu em seco. – Ah, sim... eu acho que sim – replicou um pouco sem
graça. Olhou para o lado, procurando alguma coisa na expressão de Logan. As palavras
que ele havia dito há poucos minutos, de forma tão amarga, vieram a sua mente. “Fiona,
se você tivesse casado comigo também por sua própria vontade e não apenas pela
felicidade de Jonathan!” – Fiona descobriu o que deveria ter respondido.
– Nunca diga que meu filho pode fazer algo que eu não possa – disse ela com
firmeza. – Querido, você e o papai podem me ensinar e eu me tornarei uma ótima
amazona, tão capaz quanto você e ele, vocês vão ver!
Assim Fiona não percebeu qualquer sinal de que sua proposta havia sido notada
ou apreciada pelo marido. Durante o resto do dia, sentiu-se flutuar, como se tivesse
tomado uma decisão muito importante que mudaria sua vida totalmente.
– Você nunca lidou com eles antes, Fiona – explicou-lhe a Sra. Thurston com
calma – mas vai ver que trabalheira eles dão, minha cara. Comem feito cavalos! E a
situação vai piorar ainda mais se você tiver visitas.
Foi a tarde mais ocupada que Fiona passara na fazenda. Jinny trabalhava a todo
vapor, assando enormes quantidades de tortas e pães simultaneamente, aprontando-os
para os tosquiadores. Fiona a ajudava, contente de estar fazendo algo, pois assim não
tinha tempo para pensar. Quando Denise chegou, graciosa e satisfeita, Fiona estava
embrulhando alguns alimentos em plásticos para colocá-los no congelador. Denise era
eficiente e só depois de terem colocado aquela quantidade de comida nas prateleiras, foi
que Jinny serviu-lhes uma xícara de chá e as dispensou não muito polidamente.
Nesta mesma hora a turma dos tosquiadores tinha chegado e alojara-se num dos
galpões. Tinha seu próprio fogareiro, mas a comida da casa da fazenda é que era servida
nas refeições principais.
– Vamos para a sala? – sugeriu Denise, como se fosse a dona da casa, ao invés
de Fiona.
Uma súbita luz passou pelos olhos de Fiona. – Não estou disposta a conversar
com você, se continuar bancando a garotinha mimada – retrucou amigável.
Agora que Denise se expusera, Fiona sentia-se muito calma. Eram as indiretas
que acabavam com seus nervos; esse ataque direto ela poderia enfrentar.
– Estou certa de que você faria o melhor que pudesse – respondeu tranqüila. –
Sei que você se apegou ao garoto, mesmo que tenha sido apenas porque ele se parece
muito com meu marido. Mas Jonathan não é uma miniatura de seu pai, você sabe.
Denise, então, cometeu seu maior erro: – Se você está se referindo ao fato de ele
tocar piano – disse ela com escárnio na voz – posso resolver isso. B uma excelente
habilidade para festas, mas Logan quer um filho que cuide de Whangatapu e é isso que
Jonathan fará. Sou quase tão rude quanto Logan, mas neste caso não serei severa com
Jonathan por vontade própria. Logan ama o garoto e, por ele querer tanto um herdeiro
que o honre, farei tudo para que Jonathan corresponda, mesmo sendo seu filho, Fiona.
A garota não conhecia mesmo Logan!, pensou Fiona. Tudo o que conseguia ver
nele era o patriarca de Whangatapu, não o homem, não o Logan que nunca pensaria em
obrigar Jonathan a ter uma vida que o garoto não desejasse. O amor de Logan por seu
filho não era um sentimento possessivo; não o via como extensão de si mesmo.
Era certo que ele via o filho como um Sutherland, mas o via também como um
ser humano, antes de tudo. Cega pelo poderio que representava o nome da família
Sutherland, Denise não compreendia o homem que pensava amar.
Em voz alta, Fiona disse com calma: – Denise, não há necessidade de você
continuar com essa conversa. Isso só vai magoá-la ainda mais. Eu não vou embora
daqui e, se você pensar um pouco, perceber por quê. Por favor, não me faça ter que lhe
explicar isso.
Denise riu de maneira arrogante. – Oh, eu sei que você não iria embora antes de
travar uma verdadeira batalha. Você acha a vida aqui confortável demais, apesar de ser
apenas tolerada pelas pessoas! Olhe, Fiona, facilite as coisas. Não estou disposta a
insultá-la ainda mais, mas estou preparada para ser grosseira, se você insistir em não
querer ver as coisas com bom senso. Materialmente você estará bem. Logan cuidará
para que não lhe falte nada. Sei que será uma grande tristeza abandonar Jonathan, mas
você não quer o melhor para ele? Uma família feliz... você pode dar isso a ele! É
evidente que você e Logan não têm um relacionamento normal! Mesmo antes de ele me
contar, eu já sabia disso. Não existe amor entre vocês. E, mesmo que você conseguisse
seduzi-lo, eu sempre estaria por perto. – Depois de uma leve hesitação, continuou: –
Você sabe que Logan e eu somos amantes, não sabe? E foi a infelicidade e a frustração
desse casamento que finalmente acabaram com sua resistência em Auckland. Ele me
ama, Fiona. E eu o amo também. Oh, ele tentou ser fiel, mas a carne é fraca, você sabe...
e, alem do mais, haveria razão para ele ser fiel com uma esposa que o vê apenas como
pai de seu filho, que lhe recusa tudo? Uma esposa que aceita todas as coisas materiais
que ele lhe dá, mas continua fria como um bloco de gelo, não lhe oferecendo nada? Não
existe nada que você possa dar a Logan que eu não possa, e além disso eu o amo, e
continuarei amando. Já provei isto me tornando sua amante.
Fiona levantou-se com o rosto pálido e com os lábios comprimidos. – Denise,
pare com isso! – disse ela. – Se você ama Logan, sinto muitíssimo por você, mas eu não
vou embora daqui.
Respirando fundo, Denise disse entre dentes: – Sua... sua vagabunda! Não tente
apelar para, meus melhores princípios porque no que diz respeito a Logan, não tenho
nenhum! Você não tem orgulho? Você tem coragem de continuar aqui, sabendo que seu
marido deseja outra mulher, que faz amor com ela sempre que existe uma oportunidade?
– Os olhos negros cintilaram. – E existirão milhares de oportunidades quando eu estiver
aqui! Como isso poderia afetar você? Saber que seu marido é...
– Denise, pare com isso! Você pode dizer o que quiser sobre mim ou sobre você,
mas pare de caluniar Logan dessa maneira! – Fiona respirou fundo, reunindo toda a sua
reserva de forças, rezando para que encontrasse as palavras certas para acabar de vez
com tudo aquilo. – Olhe, sinto muito, mas isso não vai acontecer, você sabe. Eu não sei
e não me importo com o que aconteceu em Auckland, mas se você pensa que Logan vai
se deixar envolver por uma intriga sórdida em sua própria casa, sob os olhos das pessoas
que mais ama, você não sabe nada sobre ele. Nada! Agora, por favor, vamos terminar
com isso. Não suporto mais. Eu não vou embora. – Ela não podia contar para, Denise
que fora o próprio Logan que impedira definitivamente sua partida de Whangatapu. No
fundo, ainda desejava que sua rival mantivesse um mínimo de orgulho.
Mas Denise não podia aceitar aquilo. Com a beleza ausente de se rosto, avançou
pela sala, a cabeça levantada e os olhos estreitos num expressão de ódio.
– Oh, você vai sim – ameaçou a garota –, porque, se não for embora quando eu
mandar, farei com que todas as pessoas daqui saibam exatamente quando você se casou!
– Parou para observa a reação de Fiona. – Você não pensou – que eu soubesse, não é?
Suspeitei desde o começo e por isso uma pessoa foi investigar o cartórios para mim. Se
continuar aqui, todo mundo vai saber que seu filho é ilegítimo e que você não passa de
uma prostituta! Então pense muito bem em Logan. Ele herdou grande parte do orgulho
do Sutherland e ao ver seu nome arrastado na lama seria afetado em seu ponto mais
vulnerável e sua mãe morreria!
Respirando fundo, começou a dizer com um tom de voz que não admitia
interrupções: – Mesmo que não houvesse outras razões, o que você acabou de dizer
convenceu-me de que a pior coisa que eu faria seria ir embora. Você conseguiu o efeito
contrário, Denise. Receio que você tenha se superestimado demais. O que me revelou
foi que nem ao menos compreende Logan, que só enxerga as coisas sob o ângulo de
suas obsessões. Quanto aos outros, surgirão algumas fofocas, não tenho dúvidas, e
algumas línguas maliciosas sentirão prazer, mas muito mais em discutir sua participação
em toda a história, em atribuir prós e contras a você.
A garota replicou então com amargura: – Não precisa tentar persuadir-me. Farei
com que nenhuma pessoa decente coloque de novo os pés nesta casa e isto será por sua
culpa!
– Não seja estúpida! Você sabe muito bem que esta é uma ameaça vazia.
Estamos no século 20, Denise, e, se você levar esta sua ameaça adiante, as pessoas
começarão a pensar que você tem boas razões para ser tão maliciosa e isso não
agradaria muito a seus pais.
Até mesmo para seus ouvidos aquilo pareceu mais um apelo infantil do que uma
afirmação triunfante. Fiona, agora que o pior tinha passado, não sentia nada além de
uma pena profunda pela garota. Com delicadeza, disse: – Mesmo que ele a ame não
existe futuro para você, Denise. Você deve receber muitas propostas de outros homens,
mais certos para você. Seja adulta e aceite o que não pode ser mudado.
– Sim, você gostaria mesmo que eu sumisse, não é? – Com um soluço, Denise
deu-lhe as costas. – Eu não a compreendo – continuou. – Realmente não a compreendo.
Pensei que conseguisse!
Escolhendo as palavras com cuidado, Fiona respondeu: – Você tem uma vida
muito fácil, Denise, pelo menos nos últimos anos, não foi? Como podia esperar
compreender-me? – Sorriu. – Às vezes nem eu mesma me entendo.
Denise fitou-a pela primeira vez, erguendo o queixo bem feito, os lábios
carnudos e os olhos calmos e serenos. Com um grande suspiro, disse devagar: – Tenho
sido uma idiota, não? Pensei que soubesse tantas coisas! Não... não diga nada. – Tentou
dar um sorriso sem sucesso. – Neste momento eu a odeio. Talvez... daqui a algum
tempo possa aprender a gostar de você. Não sei. Acho que vou voltar para casa agora.
– Seria melhor que você ficasse aqui mais um pouco – sugeriu Fiona, temendo
que a garota não estivesse em condições de dirigir.
– Acho que não conseguiria. Não se preocupe, o carro conhece o caminho. Mas
antes que eu me vá... eu menti. Logan nunca fez amor comigo. Eu achava... achava que
era porque Logan é honesto demais. Deliberadamente, tentei dar a você a impressão de
que tínhamos nos tornado amantes. Ele... ele sabia o que eu estava fazendo, eu acho. A
noite passada decidi que me livraria de você hoje porque... porque quando me levou
para casa, Logan disse que... que não havia nada que eu pudesse fazer. Foi educado,
mas definitivo; só que eu continuei pensando que, se você o abandonasse, se voltaria
para mim. – Pressionou os lábios trêmulos, ignorando o murmúrio de consternação de.
Fiona. – Eu não sou idiota. Sei quando sou derrotada. Espero que sejam felizes juntos –
concluiu com a voz rouca, como uma criança que é forçada a desculpar-se contra sua
vontade.
– Denise...
– Não, não diga nada. Deixe-me um pouco de dignidade! Eu teria tirado Logan
de você com o maior prazer e sem nenhum escrúpulo, mas agora vejo que Logan nunca
foi meu para que eu pudesse querê-lo de volta. Pensei que pudesse manipular você e
tudo o consegui foi ridicularizar-me completamente. Vai contar para Logan.
Denise encolheu os ombros. – Não importa. Nada mais importa agora. Oh, não
quero agir como uma estúpida – disse quando percebeu o olhar preocupado de Fiona. –
Sou ambiciosa demais para isso. Não vou ficar mais aqui, lógico. Diga para Ailsa que
resolvi viajar com meus pais; não, eu mesma direi. Amanhã telefono para ela. –
Enquanto falava, caminhou em direção à porta, com as costas eretas e a cabeça
levantada. Voltou-se então para Fiona e perguntou:
Fiona assentiu.
– Sim, isto explica muita coisa. Acho que você não o merece mas espero que
saiba o que está fazendo. Até logo.
Capítulo XI
As nuvens tinham travado sua batalha contra o sol e, quando a noite chegou,
começou a soprar um vento frio vindo das colinas.
Logan parecia perturbado; os carneiros que seriam tosquiados na manhã seguinte
já estavam separados em um dos terreiros cercados mas, se chovesse, perderiam um dia
para que secassem e assim fosse feita a tosquia.
Depois do jantar ele foi para o galpão onde os tosquiadores estavam alojados
para discutir alguns pontos com o chefe da equipe. Fiona colocou Jonathan na cama e
encontrou Ailsa quando descia as escadas.
– Já vou me deitar – disse-lhe sua sogra. – Não me sinto bem quando vou me
deitar tarde, e amanhã preciso estar em forma. Quero dar os últimos retoques em meu
assassino e acabar aquele livro de uma vez. Dê boa-noite a Logan por mim, Fiona, e
boa-noite para você.
Estava muito frio depois de um dia quente. Fiona acendeu a lareira, fechou as
cortinas e colocou um disco na vitrola. Apesar de ter dormido até tarde naquela manhã,
sentia-se muito cansada. Tivera emoções demais, pensou, e deitou-se no sofá, esperando
que a sinfonia pastoral de Beethoven, lhe trouxesse a calma habitual.
Não trouxe. Por alguma razão, a música não podia resolver as atribulações de
sua mente. Assim, logo depois, estava andando de um lado para outro pela enorme sala
como um tigre prestes a dar o bote. Em momentos como este, Fiona desejava poder
fazer qualquer outra coisa que a ajudasse a controlar seus nervos; nem mesmo o piano
podia ajudá-la a resolver sua inquietação. O problema tinha que ser encarado e encarado
bem de frente, ou não conseguiria ter mais nenhum momento de sossego.
A decisão tinha que ser sua, caso resolvesse viver bem com Logan.
O que ele queria não era apenas uma reação física a, seus carinhos; deixara isso
muito claro. O que mais desejava era confiança e sinceridade. Bem, isso ela poderia
oferecer-lhe. Talvez fosse tudo o que ele aceitasse dela, mas Logan não tinha revelado
um certo amor quando se recusou a tirar vantagens de sua reação física quando em
contato com ele?
Ela estava agindo exatamente como ele. Queria provas de um amor que talvez
Logan nem sentisse.
– Decida-se – disse para o retrato. – Você tem chance de ser feliz com ele. É
importante que as únicas vezes em que o coração dele bater mais depressa sejam apenas
enquanto estiverem fazendo amor? – Ele tinha mostrado, desde o começo que estava
preparado para tornar aquele casamento um casamento de verdade, e ela o bloqueara em
todas as tentativas, recusando entregar-se por causa de um sonho romântico.
Caminhou até a janela e abriu a cortina. O céu não estava mais encoberto,
embora o ar continuasse frio. O silêncio era total, pois a vitrola se desligara
automaticamente. Assim, os passos de Logan no vestíbulo pareceram mais fortes
quando ele entrou no estúdio.
Fiona virou-se, olhou para suas mãos e, com um movimento rápido, fechou a
vitrola e saiu da sala. Sem dar-se tempo para pensar, caminhou em direção à luz que
vinha da porta entreaberta do estúdio.
– Pensei que você já estivesse dormindo – disse ele. – Você está querendo me
dizer alguma coisa?
Fiona desejou ardentemente que ele tivesse ouvido o que acabara de dizer, mas
ele parecia tão absorvido naqueles papéis! Finalmente voltou os olhos em sua direção e
ela pôde ver então o quanto eles pareciam frios e insensíveis.
– Ah, você gostaria? – Sua voz soava perigosa. Mais fria do que ela estava
acostumada a ouvir.
– Muito bem – disse ele. – Você me parece cansada, suba. Encontro-me com
você logo mais.
A porta do quarto estava meio aberta. Fiona entrou, fechou-a, acendeu a luz e,
por alguns momentos, ficou olhando para o quarto. Havia muito luxo, mas nenhuma
felicidade para ela naquele aposento. Aqui ela havia desabafado suas mágoas, sem
decidir fazer coisa alguma. Mas poderia dar seu amor a Logan, sem pensar em mais
nada!
Assim como uma noiva na noite de núpcias, Fiona preparou-se para ele,
deixando seus cabelos soltos sobre os ombros. A camisola que escolhera era longa e de
seda. Depois de pronta, apagou a luz e ficou em frente à janela, incapaz de se deitar na
cama enorme.
– Então? – zombou ele, quando Fiona parou a apenas alguns passos dele.
Continuava com os braços cruzados e encostado na porta.
Era uma tortura que ele lhe impunha. Fiona mordeu os lábios, levantou os braços
e passou as mãos ao redor de seu pescoço másculo, oferecendo-se inteira para ele. Sua
capitulação era completa e absoluta, como ele tanto quisera, mas mesmo assim ele não
se moveu, embora chamas de paixão aquecessem seus olhos.
– Importa sim. Quero saber o que lhe provocou esta mudança súbita. – Seu olhar
estreitou-se, tornando-se cruel. – Você decidiu competir com Denise? Jogar seu poder
de sedução sobre mim para ver se me conquista definitivamente?
Ela sentiu raiva, mas ao tentar afastar-se dele, Logan segurou-a, forçando seus
pulsos e impedindo-a de se mexer. Respirando fundo, disse com os lábios trêmulos: – E
se for isso, o que é que tem?
– Vai ser interessante ver se você tem coragem de levar isso até o fim – retrucou
ele, antes de pousar seus lábios sobre os dela, com uma falta total de ternura.
O líquido escorreu frio e gostoso em sua garganta. Havia ainda em seus olhos
uma chama que não se apagaria assim tão facilmente. A vida nunca havia lhe parecido,
mesmo em seus instantes mais negros, tão fútil, tão sem esperanças como naquela hora.
Seria sempre assim? Desejo, satisfação, então a terrível sensação de um amor frustrado.
Com o tempo, sem dúvida, se acostumaria com o fato de Logan possuir todas as
qualidades para ser um excelente amante, exceto a falta de ternura que ele demonstrava;
mas naquele momento isso lhe parecia a pior humilhação do mundo.
A coragem que sempre tinha para superar os problemas mais difíceis de sua vida
voltou com toda a força. Levantando-se, dirigiu-se para o quarto e, deliberadamente, pôs
de lado aquela sensação de infelicidade. Logan se mexeu quando ela se deitou de novo e
disse com voz mansa: – Você bem que poderia ter trazido um pouco de água para mim.
– Não sabia que você estava acordado – disse ela. – Quer que eu vá buscar?
Ele tomou a água e continuou à observá-la quando mais uma vez se deitou.
– Você não vai apagar a luz? – perguntou ela com cuidado, receando que, caso
chegasse muito perto dele, Logan fosse interpretar o seu gesto como um convite para
que fizessem amor novamente.
Fiona pensara que uma vez que tivesse lhe entregue seu corpo seus problemas
estariam resolvidos, ou pelo menos grande parte deles. Que idiotice, os problemas
estavam apenas começando!
Surpresa, Fiona virou-se para fitá-lo. Seus cabelos caíam sobre as têmporas e a
barba já começava a aparecer; ele parecia mais relaxado do que o normal.
– Não... você está sendo indelicado – protestou ela, confusa. – O que há para ser
discutido?
Havia ternura na voz de seu marido? Fiona não sabia, mas sentiu sua respiração
acelerada quando ele tocou em seus ombros. – Você está exalando um perfume muito
sensual, o que eu aprovo com muito gosto. Onde você conseguiu esta mancha roxa?
Um brilho cintilou em seus olhos, mas sua voz estava calma quando retrucou: –
Você desconhece sua própria força?
Ele beijou a marca com ternura e disse: – Não tomei muito cuidado com você
esta noite, mas desculpe-me se fui grosseiro. Quando uma represa fica comprimida
muito tempo, tende a explodir. Agora, pare de tentar me provocar, você e eu temos
muito a dizer. Ainda quero saber por que resolveu conceder meus direitos legais sobre
você. Tenho absoluta certeza de que você não tinha intenção alguma de fazer isso
ontem.
– Não – disse Fiona. Hesitou por um momento e então resolveu explicar-lhe com
a maior honestidade possível, deixando de lado todo seu orgulho.
– Foi o ponto culminante de diversas coisas – disse ela, tentando fingir que não
percebia a maneira como Logan brincava com uma mecha de seus cabelos. – Eu sabia
que não poderia mantê-lo afastado por muito tempo por razões óbvias mas, enquanto eu
pensava que você estava apaixonado por Denise, não queria ser usada como uma
espécie de substituta.
– Você pensou que eu estivesse apaixonado por Denise? – Ele parecia incrédulo.
– Pensei que tivesse deixado bem claro que, embora tivesse admitido casar-me com ela,
nunca a amei.
– Você não deixou nada claro – retrucou ela um pouco áspera. – Como eu
poderia saber o que você sentia?! Não conhecia você! Não tinha idéia de como você
pensava ou reagia, e Denise deixou mais do que claro que tinha alguns direitos sobre
você! Primeiro, pensei que você a achava uma esposa mais conveniente, mas... – Ela
hesitou, amassando o lençol com os dedos nervosos, sem ousar encará-lo.
– Sei muito bem o que você deduziu – disse ele. – Nunca senti tanta raiva em
minha vida, mesmo sabendo que talvez um pouco de ciúmes fosse fazer com que você
tomasse uma decisão.
– Sim, bem... de uma certa forma você conseguiu. Só que eu achei que, se você
tinha se tornado amante de Denise, era porque a amava de verdade. Não podia acreditar
que faria amor com ela sem amá-la.
– Você pelo menos não ignorava esse dado sobre meu caráter – disse ele,
abraçando-a.
– Decidi então ir embora e deixar o campo livre para Denise. Então, você disse
que não queria que eu o abandonasse e falou em confiança. Percebi que realmente não
tinha confiado em você. Eu tinha aceitado tudo, a segurança, seu amor por Jonathan, a
vida em Whangatapu e não estava lhe oferecendo nada. Portanto, decidi que já era hora
de lhe dar alguma coisa... não em sinal de gratidão, ou qualquer coisa assim, mas
porque, caso você amasse Denise, tudo o que eu poderia oferecer a você era eu mesma,
como uma espécie de... refúgio, eu acho. – Levantou as pálpebras lentamente e, olhando
para ele, completou: – Veja, Logan, eu o amo. Acho que sempre o amei, mesmo nos
anos em que achei que nunca mais fosse encontrá-lo de novo. Tudo o que eu mais quero
é sua felicidade.
– Mentirosa – disse ele, apertando-a com mais força, mas com a maior
delicadeza. – Você quer muito mais do que isso, portanto não finja ser tão nobre e
desinteressada.
Ele começou a rir e Fiona sentiu um conforto indescritível tomar conta de todo
seu corpo.
Logan então lhe disse: – Oh, Fiona, sua pequena idiota, eu a amo tanto, sua
boba, e você fez tudo isso comigo! Devia dar-lhe uma surra!
– Lembre-se de que fico com manchas roxas muito facilmente! – murmurou ela,
dócil, abraçando-o com força e com um prazer que nunca sentira antes em sua vida.
Queria confessar-lhe de novo seu amor; mas a única coisa que conseguiu fazer foi
pressionar sua cabeça no peito dele e abraçá-lo com mais força ainda.
– Ainda não – disse ele divertido, com uma ameaça em sua voz que a deixou
mais excitada.
– Logan, por que você deixou Denise ir tão longe? – perguntou ela.
– Esperei que você ficasse com ciúme. – Pegando a mão de Fiona, beijou-a. –
Vamos logo às explicações, pois aí não existirão mais dúvidas. Antes de você
reaparecer, eu havia decidido que Denise seria uma esposa tão conveniente para mim
quanto qualquer outra.
Ele concordou. – Receio que sim. Ela adorava a idéia de tornar-se uma
Sutherland e eu dedicava-lhe certa afeição. Você deve admitir, querida, que ela é bonita
o suficiente para abalar os nervos de qualquer homem.
Mesmo agora, ouvindo-o dizer aquilo, sentiu ciúme. Incapaz de dizer qualquer
coisa, apenas meneou a cabeça.
– Percebi que a amava – disse ele com simplicidade. – Foi assim mesmo. No dia
em que você nos esperou debaixo da nogueira, depois que as senhoras do Clube de
Jardinagem foram embora. Você abraçou Jonathan, olhando-me com os olhos cansados,
e aí eu percebi que você era a mulher que eu sempre quis. Não era apenas uma atração
física, como pensei, mas uma necessidade muito mais profunda. Não sabia o que fazer.
Quando eu a trouxe para Whangatapu, estava quase certo de que você me amaria depois
de um mês, mas suas defesas nunca se rompiam, exceto as físicas. E isso não era o
suficiente para mim. Eu queria você inteira mas você não dava sinal de como se sentia
em relação a mim!
– Não me interrompa – disse ele, fingindo-se aborrecido. – Você sabia que logo
que o dia clarear a tosquia vai começar? Não temos muito tempo, meu amor. Ainda
existem algumas coisas para contar. Deixei Denise agir daquela maneira porque pensei
que um pouco de ciúme ajudaria você a decidir-se. Deixei que as coisas corressem e
esperei para ver o resultado. Não pensei que tudo fosse ocorrer assim tão depressa.
Aquele beijo que você viu, foi o único e apenas um agradecimento por eu tê-la levado
comigo para Auckland. Denise tirou o máximo proveito do beijo, lógico, e eu não me
importei. Queria que você ficasse com ciúme, mas quando vi a repulsa em seus olhos,
compreendi que havia cometido um grave erro.
Fiona riu, mas disse com seriedade: – Ontem à noite por que você estava tão
frio, tão insensível com tudo o que eu lhe disse?
– Eu vi quando Denise foi embora e imaginei o que poderia ter acontecido. – Ele
se apoiou sobre um cotovelo e fitou-a com um sorriso nos lábios. – Realmente não sei
por que me comportei dessa maneira. Não tinha intenção de possuir você até que tudo
estivesse explicado, mas perdi o controle de toda a situação no minuto em que você me
tocou e aí já era tarde demais. – E, depositando-lhe um beijo entre os seios, continuou: –
Devo confessar que algo pecaminoso e primitivo me fez gostar de possuí-la e em
especial porque estava tão claro que você estava gostando...
Fim