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Em busca do amor perdido (Bride at Whangatapu) Robyn Donald

Sabrina no. 50

Em Busca do Amor Perdido


Bride at Whangatapu (1978)

Robyn Donald

Digitalizado por: Afrodite

Resumo:

Fiona precisava desesperadamente daquele emprego! Dele dependia sua


sobrevivência e a de seu filho Jonathan. Mas, para sua surpresa, seu novo patrão era
Logan Sutherland, um homem que ela não via há cinco anos e que a fizera sofrer tanto
no passado. Ele estava agora disposto a se casar com ela e a assumir, embora
tardiamente, a paternidade de Jonathan. Fiona sabia que era impossível apagar as
lembranças amargas e entregar-se a um casamento de mentira. Além do mais, Logan era
um homem duro e, ao que tudo indicava, estava apaixonado por outra mulher. Fiona não
tinha outra escolha, senão aceitar. Valeria a pena o seu sacrifício de amor?
Capítulo I

Fiona Ward estava nervosa. Isto se via pela maneira como seus dedos magros
apertavam a alça da bolsa. A força era tanta que eles pareciam brancos em contraste
com o couro escuro. Evidenciava-se também pela tensão dos olhos, pela linha contraída
dos lábios, normalmente tão suaves e calmos. O anel de ouro no dedo parecia uma
algema. Embora tivesse vinte e três anos, não aparentava mais do que dezenove.
Somente seus olhos, tristes e sombreados pela lembrança de uma velha mágoa,
revelavam que não era mais uma garotinha.

A demora estava se tomando insuportável. Tanta coisa dependia daquela


entrevista! A saúde de Jonathan, sua própria paz de espírito, tudo dependia do homem
que estava naquele hotel. O médico tinha dito que Jonathan precisava passar pelo menos
um ano no campo, correndo e brincando ao sol e aproveitando o ar fresco, se quisesse
sarar daquela tosse terrível que o atormentava o inverno inteiro. Que Deus permitisse
que aquela entrevista corresse bem e que ela pudesse trocar temporariamente a fria e
úmida Wellington por aquela península adorável da Nova Zelândia.

Quando a eficiente Sra. Dobbs, da agência de empregos, lhe falou sobre aquele
cargo, ela teve a impressão de que suas preces haviam sido atendidas.

– Secretária – dissera –, de preferência com algum conhecimento de


biblioteconomia, mas isto não é absolutamente necessário.

Os grandes olhos castanhos da Sra. Dobbs expressavam compaixão, diante da


figura magra da garota sentada do outro lado da escrivaninha: a Sra. Ward parecia muito
jovem para ser viúva e ainda mais para ser mãe de um menino de quatro anos. Era
trágico que seu marido não lhe tivesse deixado algumas posses, pois era obrigada a
procurar um emprego em que seu filho fosse também aceito, o que não era nada fácil.

– A meu ver é ideal, Sra. Ward. Acredito que sela uma antiga fazenda. A sede é
uma residência em estilo colonial e o proprietário precisa de uma secretária. Você
também colaboraria com a mãe dele que, é uma escritora de alguma reputação. Os dois
serviços devem mantê-la ocupada por uma parte do dia, apenas. O salário é bom e eles
não têm objeções quanto a criança. Parece que a esposa de um dos pastores está
preparada para cuidar dela durante as horas de trabalho. É uma propriedade no litoral e a
casa fica perto da praia. A maior parte dessas velhas casas de fazenda foram construídas
quando havia poucas estradas no Norte e o único acesso era por mar.

– Isto... isto parece ideal – disse Fiona com tranqüilidade, imaginando Jonathan
moreno e bronzeado, sadio e alegre, correndo e gritando ao sol. Com esforço, trouxe
seus pensamentos de volta à realidade. Graças a Deus seu pai insistira para que fizesse
um curso de secretariado depois que Jonathan nasceu.

A Sra. Dobbs ficou satisfeita.

– Aqui está o endereço. O proprietário está hospedado no Hotel Settlers. Sua


entrevista está marcada para amanhã, às quatro horas da tarde. Vá e peça para ver o Sr.
Smith.

– Smith?

A Sra. Dobbs sorriu.

– Sim. Este não é seu nome verdadeiro, lógico, mas não se preocupe, Sra. Ward.
Temos negócios com a família há muitos anos e garanto-lhe que não terá problemas
com os... Smith, Boa sorte!

Bem, ela precisava mesmo de boa sorte nesse exato momento. Jonathan... mas
recusou-se a pensar em Jonathan. O som de um movimento atrás da porta fez com que
Fiona apertasse os lábios trêmulos e relaxasse os dedos que apertavam a alça da bolsa.
Devia aparentar calma e segurança a qualquer custo! O Sr. Smith, fosse ele quem fosse,
não podia perceber quão desesperadamente necessitava daquele emprego.

O homem abriu a porta e caminhou em sua direção, dizendo com um tom de voz
grave e calculado:

– Sra. Ward? Sinto muito tê-la feito esperar tanto... – parou de falar quando a
viu.
Ele era alto, moreno e belo, obviamente rico. e muito seguro de si.

Com os lábios sem cor, Fiona sussurrou: – Não... não! – estendendo os braços
como que para afastá-lo. Então a sala girou e ela sentiu-se escorregando ao lado do
b~aço de uma poltrona.

Depois disso não se lembrou de mais nada.

Uma náusea a oprimia, apertando sua garganta. Com a mão trêmula, tirou uma
mecha de cabelos da testa úmida. Por um momento perguntou-se o que tinha acontecido
e então um copo foi encostado aos seus lábios e Logan Sutherland disse de forma
resoluta: – Beba isto!

Um forte tremor sacudiu seu corpo magro quando lhe voltou a consciência e,
com ela, o medo e o desespero.

– Não – retrucou com um fio de voz. Então, sentiu-se sufocar quando foi
forçada, sem piedade alguma, a engolir o líquido que lhe queimava a boca.

– E apenas um conhaque. Vai beber ou vou precisar pôr pela sua garganta?

Lentamente, Fiona abriu os olhos. Ele estava ajoelhado ao lado do sofá, com um
braço que parecia de ferro em volta de seus ombros. A expressão era fria, mas
determinada.

Bebeu o líquido devagar, com a cabeça inclinada para evitar aquele olhar
acusador. Quando o conhaque terminou, o homem ergueu-se e ficou de costas para ela,
olhando pela janela.

– Eu... estou me sentindo melhor agora. – disse ela.

– Bom. – O homem virou-se e observou-a de modo penetrante. – Sim, a cor já


está voltando ao seu rosto. Tem certeza que já está bem?

– Sim, obrigada. – Ela levantou-se, sentiu a sala rodopiar, e apressadamente se


apoiou no braço do sofá. – Estou muito bem disse com determinação. – Já vou embora.

– Por quê?
Fitou-o, sentindo-se perplexa.

– Por quê? – repetiu como uma idiota. – Eu... pensei que fosse tão óbvio. Com
certeza não vai querer que eu trabalhe para você, e eu... – sua voz tomou-se mais forte –
eu não quero trabalhar para você.

– Possivelmente. – Mas ele não fez nenhum movimento para abrir-lhe a porta, o
que não era uma atitude normal para quem sempre fora tão cortês, e Fiona lembrava-se
muito bem. – Acho que não deve ir agora. O copo de conhaque estava bem cheio e, pelo
que me lembro, você não tem muita resistência para bebida alcoólica.

Fiona conseguiu retrucar com frieza: – Estou bem mesmo, obrigada. Até logo.

Atravessou a sala, mas Logan foi mais rápido, interrompendo-a com uma mão
em seu braço e a expressão impassível.

– Você deve ficar, Fiona.

Aquele toque incendiou suas veias. Orgulhosamente levantou a cabeça e fitou-o,


não disfarçando seu desprezo.

– Por quê? Não temos nada mais a discutir, Sr. Sutherland, e me sinto muito bem
para voltar para casa em segurança.

– Oh, mas nós temos algumas coisas a discutir – disse ele com firmeza. – A
mulher da agência de empregos disse-me que você tem um filho. A criança está com
quatro anos de idade. Você deve ter, se casado logo depois que nos conhecemos...

Todos os vestígios de cor abandonaram o rosto de Fiona.

– E foi mesmo – disse, tentando livrar o braço da mão dele.

O aperto tornou-se mais forte, os dedos cravando-se sem piedade em sua carne
macia.

– Casou-se e enviuvou tão rápido. Você tem vivido momentos, bastante trágicos
desde a última vez em que nos encontramos, Sra. Ward. Como seu marido faleceu?
Ela mordeu os lábios, mas a mentira, praticada com tanta freqüência, veio
facilmente.

– Num acidente de automóvel – sussurrou. – Largue-me, está me machucando!

– Desculpe-me. – Os dedos relaxaram e largaram seu braço, mas ele continuou


perto, com olhos perscrutadores. – Tinha me esquecido de sua fragilidade. Às vezes a
gente se esquece das coisas, não?

– Estou certa que sim – disse aparentando calma. – eu realmente não gosto de
relembrar o passado, é um exercício sem graça, a não ser que as lembranças sejam
muito remotas. Portanto, devemos dizer apenas que nos conhecemos algum dia, certo?

Ele riu suavemente.

– Oh, não, Sra. Ward, não podemos falar nestes termos. Qual é o nome do seu
filho?

– Jonathan – respondeu com rapidez. – E ele ainda não tem quatro anos.

– Sério? Perdoe-me, mas não acredito. Sabe, tenho muita vontade de vê-lo. Vou
levá-la para casa e assim conhecerei Jonathan.

– Não! – O monossílabo áspero rasgou o ar, e ela mentiu: – Ele vai passar a noite
na casa de um amigo.

– É uma pena – retrucou com frieza. – Com quem ele se parece? Com você ou
com o pai?

– Que lhe interessa? – interpelou. – Não sei o que você tem em mente, mas não
tenho que ficar aqui, aturando sua intromissão em minha vida. Até logo.

Tão rápido quanto uma cobra, o homem agarrou a bolsa de Fiona.

– A maior parte das mães – disse com insolência – carrega uma fotografia de
seus filhos na bolsa. Minha mãe sempre fez isso.
O fecho abriu-se. Enquanto os dedos dele vasculhavam a bolsa de Fiona sentiu-
se sufocar.

– Não se atreva! Não...

Empurrou-o com o braço. Com uma rapidez que chocou Fiona, Logan jogou
todas as coisas que estavam na bolsa sobre a mesa, examinou os objetos e finalmente
abriu a carteira. Fiona respirou fundo e chutou com força a canela de Logan. Mas,
quando foi pegar a foto, ele levantou-a à altura da cabeça, impedindo que ela a
alcançasse. As lágrimas brotaram dos olhos de Fiona. Soluçou e esfregou as mãos na
nuca, tentando relaxar a tensão.

Parecia que estava ali há uma eternidade. Mais, uma vez, tentou arrancar-lhe a
fotografia, mas ele esquivou-se, virando a foto para ler o que estava escrito atrás.

– Jonathan Logan Ward, quatro anos – disse com frieza. Rasgou a foto em
pedaços, deixando-os cair sobre o carpete. – Devia ser Jonathan Logan Sutherland, sua
cadela.

– Vou ter que mandar fazer outra cópia – disse ela estrepidificada. – Só tinha
esta.

– Por que, Fiona? – A voz de Logan estava cheia de um rancor frio e as mãos
apertaram os ombros dela com força. – Por que você não me contou?

Fiona levantou os olhos.

– Depois do que me disse! – sussurrou. – Depois do que fez comigo? Você teria
acreditado que o bebê era seu, se lhe tivesse dito que estava grávida? – Sua voz falhava,
mas continuou assim mesmo. – Se bem me lembro, você me chamou de suja,
promíscua, “uma qualquer”, e isto foi antes de você desaparecer completamente.

– Lógico que fiz isto. – Sacudiu-a levemente e afastou-a, como se o contato dela
lhe fizesse mal. – Por Deus do céu, Fiona, eu estava furioso! Você tinha apenas dezoito
anos e caiu em minhas mãos como uma ameixa madura. Eu tinha vinte e seis, uma idade
suficiente para pensar bem antes de ir para a cama com uma menina que mal saíra do
colégio. Como você queria que eu reagisse?
Sentindo-se exausta, Fiona passou a mão pelos cabelos, afastando-os do rosto.

– Bem, tudo isto são águas passadas, não é? – disse ela com voz fraca. – Eu... eu
entendo que foi um choque para você...

– Um choque? – ele interrompeu-a, respirando pesadamente. Então continuou


com mais calma: – Sim, suponho que se possa chamar de um choque. Sente-se, Fiona.
Temos muito a conversar.

– Não temos absolutamente nada para conversar – replicou com frieza. –


Absolutamente nada.

– Não seja boba – disse ele com impaciência. – Lógico que temos que discutir
sobre isto. Você sabe que eu não teria ido embora e abandonado você se soubesse do
menino e você não tivesse se esforçado tanto para impedir que eu o descobrisse.

– Nada mudou – disse Fiona desesperada, com receio da profundeza de sua


emoção. – Jonathan é meu filho.

– E meu também – ele disse tranqüilamente e ameaçou-a. – Você vai sentar-se


ou terei que forçá-la?

Fiona mordeu os lábios e começou a chorar.

– Meu Deus! – exclamou ele, colocando um lenço na mão dela e segurando-a de


encontro a seu peito.

– Eu... eu sinto muito – sussurrou, dando um passo para trás.

– Eu também, mas pelo menos você deu vazão às suas emoções. Seria melhor
beber mais um pouco de conhaque.

– Não... não, muito obrigada.

Com uma voz gentil ele disse: – Você parece prestes a ter um colapso. Vá até o
banheiro retocar a maquilagem, enquanto peço chá para nós. Então poderemos
conversar.
O quarto era grande, luxuoso e muito limpo. Havia um pequeno despertador
sobre. o criado-mudo e isto era tudo que indicava a presença de Logan. Já no banheiro,
Fiona suspirou ao ver sua imagem refletida no espelho. Durante todos os anos, desde
que começara a amar Logan e o perdera, nunca tinha visto tanto desespero em seu rosto,
nem mesmo quando seus pais tinham morrido tão brutalmente, dois anos atrás.

Rapidamente lavou o rosto, penteou os cabelos e passou um ligeiro batom nos


lábios. Agora iria enfrentar uma batalha, Fiona tinha certeza disto. E, embora estivesse
reprimindo seus pensamentos e emoções, não conseguiu impedir que um
estremecimento lhe percorresse o corpo diante desta idéia.

– Mas ele não vai tirar você de mim, viu, amorzinho? – sussurrou, como se seu
filho estivesse ali.

Logan estava em pé ao lado da janela quando ela voltou, mais uma vez fitando a
tarde cinzenta e nebulosa com a expressão triste e fechada. Virou-se quando ela entrou.

– Pronta para a luta, percebo. Você está se precipitando, Fiona. Aqueles


sanduíches são para você.

– Eu... estou mesmo com fome – admitiu ela devagar, encostando-se no braço de
uma poltrona. – Você gosta de chá sem leite, não é?

– Sim. – Ele atravessou a sala e sentou-se do lado oposto ao dela, pegando a


xícara com aquela cortesia solene que em determinada época Fiona achara tão
encantadora. – Vamos, coma. Você parece não saber o que fazer com a comida.

Fiona resolveu esquecer o regime e saboreou os sanduíches com um apetite


enorme.

– Como vê, também me lembro do que você gosta – disse Logan com suavidade.
Houve uma pausa longa. Então continuou: – Fale-me sobre ele, Fiona. Como é
Jonathan?

Amedrontada, colocou a xícara na mesa e pela primeira vez encarou-o.


Sobrepostas àquelas feições maduras bem feitas, ela viu as de Jonathan quando bebê,
tão parecidas, que até mesmo um simples olhar para uma fotografia seria suficiente para
proclamar a paternidade de seu filho.

– Ele é grande para a idade que tem – começou lentamente. – Chora quando é
magoado, mas é muito decidido. Às vezes tem acessos de mau humor, que estão se
tomando cada vez mais raros; parece que está aprendendo a se controlar. g muito
carinhoso, muito delicado com as pessoas que conhece. É inteligente. Ele é – Fiona
encolheu os ombros e esfregou as mãos – Jonathan. Uma pessoa, não uma cópia de
quem quer que seja ou um veículo de esperanças ou de sonhos.

Um sorriso aflorou aos lábios dele.

– Mentira, Fiona. Ele é a sua esperança e a fonte de seus sonhos. Por que você
não me contou? No começo fui um bruto e você era jovem demais para compreender
que minha raiva era dirigida apenas a mim, não a você. Mas depois você devia saber
que eu a ajudaria.

– Sim, suponho que sim. – Enrugando a testa lembrou-se de como tinha se


sentido durante todos aqueles anos. Lentamente, olhando para os dedos, continuou: – Eu
não sei como me sentia, juro. Veja bem, eu amava você e pensava que era
correspondida. Era muito ingênua, e, quando você ficou furioso daquela forma, eu fugi
e voltei para a casa de meus pais. Então, ao descobrir que estava grávida, contei a eles.
Foram maravilhosos. Meu pai queria entrar em contato com você, mas não lhe disse
quem você era.

Logan disse impulsivamente: – Seu pai devia ter insistido para você dizer. Como
pai da criança eu tinha alguns direitos.

Ela baixou a.cabeça.

– Eu sei, mas estava ferida demais pela sua rejeição para... para perceber isto.
Realmente não achei que o bebê pudesse ter algo a ver com você, por mais estúpido que
isto possa parecer. Até que ele começou a parecer tanto com você, que comecei a achar
que você realmente tinha alguns direitos sobre ele. Então meus pais faleceram e
Jonathan passou a ser tudo o que eu tinha. Temia que, se soubesse da criança, iria querer
interferir.
Ela levantou os olhos de repente, mas se tivesse esperado surpreender alguma
emoção nele teria ficado desapontada, pois a expressão de Logan era distante, tão fria
quanto o auxílio que lhe ofereceria para o tratamento da saúde de Jonathan.

– Você quer interferir, não quer? – inquiriu de modo tenso.

– Sou obrigado, Fiona. Você não tinha o direito de esconder de mim o


nascimento de Jonathan, mesmo que eu compreenda por que fez isto. Você precisa de
dinheiro senão não teria vindo para esta entrevista.

– Não é tanto por causa de dinheiro, mas por causa de Jonathan. Ele teve um
ataque de bronquite muito grave há alguns meses e ainda não está bom. O médico diz
que ele precisa de banhos de sol e de uma vida no campo. Por esta razão, esta me
pareceu uma oportunidade maravilhosa.

– Sinto muito. – Logan curvou as sobrancelhas, batendo os dedos no joelho. –


Há perigo do garoto não se curar?

– Não!

– Bem, acho que podemos oferecer a Jonathan a vida no campo. – Logan falou
em tom ameno, recostando-se na cadeira.

– Não posso trabalhar para você! – exclamou ela. – Não seja idiota.

– Não quis dizer isto. Sugiro que nos casemos. Com cinco anos de atraso,
reconheço, mas vamos seguir o velho ditado, “antes tarde do que nunca”.

Fiona engoliu em seco, completamente incapaz de falar. Tocou os lábios com a


mão trêmula e murmurou: – Você deve estar louco. . Eu não poderia...

– Você pode e deve, minha cara. – Ele inclinou-se para a frente e sua expressão
era atenta e resoluta. – Quando estiver tudo resolvido você vai ver que é apenas a
melhor solução. O garoto precisa de uma família, de um pai. Jonathan é meu filho e sou
responsável por ele. Não tenho intenção de deixá-lo sofrer sob o estigma da
ilegitimidade, portanto devemos nos casar. Será apenas pro forma, prometo-lhe, a
menos que você deseje um casamento de verdade.
– Não!

– Já sabia que não. – Sorrindo com cinismo, Logan levantou-se.

– Pobre Fiona, tem sofrido tanto por uma noite de insensatez, causada pelo
sangue quente da juventude e por champanhe demais. Nunca lhe poderei devolver estes
últimos cinco anos, mas posso garantir-lhe que seu futuro será seguro e o de Jonathan
também. Você deve isso a ele.

Lentamente, com uma clareza crescente, veio a certeza de que não conseguiria
escapar dele. Havia desespero em sua voz quando objetou: – Mas... todo mundo vai
saber. Quero dizer... sinto muito, Logan, mas eu não poderia encarar as pessoas que
soubessem como fui tola e estúpida em fazer amor com você – concluiu como num
desafio, virando a cabeça para que ele não visse o rubor em seu rosto.

– Você tem uma maneira ultrapassada de falar, minha cara, mas entendi o que
quis dizer. Não tenho intenção nenhuma de permitir que todos saibam, exceto minha
mãe, que terá que ser informada, mas não precisa preocupar-se com ela. Sua única
ambição durante estes últimos cinco anos tem sido conseguir que eu me case, portanto
aceitará a situação, especialmente quando conhecer Jonathan. A história que contaremos
será a seguinte: nós nos conhecemos e casamos há cinco anos, apesar das objeções de
seus pais, mas brigamos e rompemos. Você não me informou sobre o nascimento de
Jonathan porque tinha medo que eu o tirasse de você. Nos encontramos de novo e
percebemos que a velha magia que nos envolvia ainda existia e resolvemos continuar
juntos. Isto tem a vantagem de corresponder a quase todos os detalhes da realidade.

– E por que você não teria contado sobre o seu casamento? – perguntou Fiona,
incrédula.

Logan deu um sorriso.

– Porque meu orgulho ferido não permitiria que eu contasse que urna mulher me
abandonou. Muitas pessoas vão considerar minha recusa em admitir um fracasso
exatamente como uma de minhas características.
Fiona estremeceu com a nota de desdém em sua voz. Fitou-o, percebendo as
diferenças depois de quase cinco anos, as linhas que denotavam uma freqüente
expressão de escárnio, a aspereza de seus lábios, que o fazia parecer mais cruel do que
quando tinham discutido depois daquela noite, que começara com risos e alegria,
continuara com ardor e terminara com a humilhação que ainda marcava as emoções de
Fiona.

Naquela época, ele era incrivelmente gentil, despreocupado com o poder de sua
aparência e de seu vigor; e a força de sua personalidade fez com que se apossasse do
coração e do corpo da garota com uma facilidade tremenda. A despreocupação e a
paixão de ambos é que tinham gerado Jonathan e era a criança, fruto daquele arroubo de
juventude, que importava. Sem pensar qualquer outra coisa, Fiona compreendeu que se
casaria com aquele estranho, frio e calculista. Calmamente, ela disse:

– Muito bem, então, mas Jonathan é que dará a última palavra. Se ele gostar de
você, levaremos isto adiante. Caso contrário, não.

Ele riu, mas não havia o mínimo sinal de bom humor.

– Você vai casar-se comigo mesmo que ele grite e esperneie toda vez que me vir.
Jonathan é um Sutherland. Não espero que saiba o que isto significa até que viva em
Whangatapu, mas ele tem direito a muito mais da vida do que você sozinha poderá
oferecer-lhe. Portanto, ponha isto de urna vez por todas em sua cabeça, Fiona.
Considere como obra do destino que tenhamos nos encontrado novamente, uma
predestinação, se quiser. Não há escapatória para você nem para mim. Agora, se acabar
de comer aquele último sanduíche, vou levá-la para casa. Quero conhecer meu filho.

Fiona levantou-se, ignorando a última frase.

– Não pode me forçar a casar com você – disse com firmeza, tentando afastar o
medo de sua voz.

– Não? Não acredite nisto – retrucou ele com delicadeza, embora houvesse uma
determinação fria nas palavras. – Não há esperança para você, minha cara. Você precisa
aceitar a idéia, pois vai ter que aparentar ser uma esposa. Não farei comentários além do
indispensável. Apesar disto, as línguas não terão trégua durante algumas semanas até
que apareça um assunto melhor para discussão. Muito bem, o que está esperando? Já é
hora de irmos.

O carro de Logan era alugado, um modelo médio, fácil de estacionar, e luxuoso.


Ele dirigia bem, com eficiência, as mãos relaxadas sobre o volante, mas com o mesmo
controle com que dirigia sua vida.

Afinal, estacionou ao lado de uma velha mansão, que agora era apenas um
amontoado de quartos de aluguel, de aparência desagradável.

– Isto não é lugar para uma criança – comentou ele com frieza. – Entre e traga
Jonathan. Diga a quem está tomando conta dele que vai passar a noite em casa de
parentes. Pegue algumas roupas decentes.

– Mas, aonde vamos?

– Reservei um quarto para você no hotel. No caminho de volta acertarei as


coisas para o casamento. Isto nos dará três dias para que possamos nos conhecer um ao
outro. Então seria melhor tirarmos umas duas semanas de férias para que o garoto se
acostume inteiramente comigo. – Lançou-lhe um olhar irônico. – E você também.

Jonathan estava sentado na minúscula sala de estar da Sra. Wilson assistindo a


um programa infantil na televisão.

Fiona corou levemente quando encontrou aqueles olhos tão cheios de


preocupação. A Sra. Wilson era gentil e só no mundo. Iria sentir muita falta de Jonny,
como o chamava. Fiona não poderia lhe mentir. Assim, disse com tranqüilidade: –
Jonathan, vá assistir televisão mais um pouco, meu anjo. – Quando o garoto tinha se
sentado, continuou: – Aconteceu uma coisa maravilhosa hoje, Sra. Wilson. O homem
que me entrevistou é o pai de Jonathan. Não sou viúva, sabe. Abandonei-o antes que ele
soubesse que estava esperando um bebê, e mudei meu nome com medo que tentasse
tirá-lo de mim. Ele quer que voltemos a viver juntos.
– Oh, minha querida! – exclamou a Sra. Wilson excitada. – Que bom para você e
para Jonny. Vou sentir muita falta de vocês. Esfregou um lenço nos olhos e disse
rapidamente: – Mas lógico que você está certa em voltar. Jonny precisa de um pai.
Quando vão partir?

– Ele quer que Jonathan se acostume com a idéia antes de partirmos para a sua
fazenda.

– Que inteligência e sensibilidade! Está feliz?

Fiona sorriu, desejando demonstrar felicidade.

– Sim, muito feliz, não só por causa de Jonathan, Sra. Wilson.

– Fico contente, querida. Você merece ser feliz e ter alguém que lhe dê atenção.
Mas mantenha contato comigo. Vou gostar de saber sobre sua nova vida.

Emocionada, Fiona inclinou-se para beijá-la.

– Obrigada – disse com suavidade, e rapidamente, antes que rompesse em


lágrimas, chamou Jonathan.

Ele veio, despediu-se e, em seguida, acompanhou a mãe até o quarto.

Enquanto colocava rapidamente as roupas em sua única mala, Fiona sentiu as


batidas de seu coração se acelerarem. Qualquer sacrifício valeria a pena se fosse um
sacrifício por seu filho!

Logan esperava-os ao lado do carro. Endireitou os ombros e veio a passos largos


em direção a eles.

Enquanto pegavam mala, Logan perguntou: – Contou-lhe algo!

– Não – respondeu.

– Bom. – Sorriu para o filho. – Olá, Jonathan.


– Oi, moço. – Seu tom de voz ingênuo parecia interessado. – Nós vamos com
você?

– Sim. Sente-se no banco de trás.

– Com a mamãe?

Logan colocou a bagagem no porta-malas.

– Não, acho melhor mamãe sentar-se na frente, assim poderá ver para onde
estamos indo.

Com a cabeça inclinada para um lado, Jonathan observou o pai com olhos
atentos. Não era difícil perceber que havia uma afinidade entre os dois.

Entraram no carro; Fiona descruzou as mãos tensas.

Ela vestira sua melhor roupa, um vestido azul, meio fora de moda, que lhe caía
bem, embora um pouco largo. Quando se olhara no espelho achou-se elegante, mas
agora, ao lado de Logan, se sentiu mal vestida. Logan podia ser rico, mas não era com
isto que ganharia a afeição de seu filho. Jonathan não conhecia nada além de bondade e
amor e, de alguma maneira, ela sabia que Logan ansiava pelo amor do garoto. “Pelo
menos uma vez em sua vida, terá que lutar para conseguir isto”, pensou Fiona franzindo
a testa, pois sua marcante presença física, que o fazia quase irresistível para as
mulheres, não teria nenhum efeito sobre seu filho. Não estava preocupada quanto ao
comportamento de Logan em relação a Jonathan, mas sim pela idéia da intimidade
forçada por um casamento sem amor.

Com muita calma, Fiona achou que seria fácil render-se àquela atração que ainda
existia entre eles. No hotel, o toque de Logan em seu braço incendiara seu sangue e
compreendeu o que não sabia quando era apenas uma garota imatura de dezoito anos:
que os homens conseguiam sentir interesse sexual com quem nem mesmo
simpatizavam. Por mais que os olhos dele estivessem frios quando a fitaram, havia um
calor incontido, esperando apenas por um sinal de Fiona para que se acendessem. Não
seria desagradável fazer isto. O breve desejo entre eles tinha sido uma coisa
maravilhosa, uma noite de paixão e capitulação, um dar e receber, um êxtase de prazer.
Isto poderia acontecer novamente, se fosse insensível o bastante para aceitar as
necessidades de sua masculinidade em vez de amor. Fiona compreendeu, mesmo sem
pensar muito sobre a possibilidade, que nunca faria isto. Nem mesmo para assegurar o
futuro de Jonathan ou para amenizar as necessidades ocultas no fundo de seu ser.
Aprendera a lição numa escola rígida e aprendera muito bem. O gosto amargo da
humilhação não se apagara de sua lembrança.

– Você está preocupada?

– Não, agora não.

Mais tranqüila, voltou-se para ele.

– Fale-me sobre a fazenda, Logan.

– É uma velha propriedade na Nova Zelândia. O primeiro Sutherland encontrou


uma área de terra cuja população fora totalmente extinta pelas guerras entre as tribos e
comprou-a. Foi chamada de Whangatapu, “Recanto Sagrado” ou “Recanto Proibido”,
porque se pensava que um povo encantado tinha vivido lá, os turehu. Ian Sutherland e
sua mulher construíram uma pequena nikau whare e moraram nela durante quinze anos.
Tiveram seis filhos, que os ajudaram a trabalhar a terra. Quando contavam com recursos
suficientes para construir uma casa mais apropriada, ele trouxe da Austrália alguns
artesãos que trabalhavam com pedra e construiu uma casa em estilo georgiano com
pedras vulcânicas.

– A que distância fica a cidade mais próxima?

Ele lançou-lhe um olhar sardônico.

– Não fica longe, apenas uns trinta quilômetros.

– Sei – e, em seguida, perguntou: – Quando Jonathan começar a freqüentar a


escola, ele irá de ônibus?

– Sim. O ônibus pára em frente ao nosso portão. Pega as crianças às oito e


quinze e leva-as para uma escolinha de duas professoras, a dez quilômetros. Quando ele
chegar na idade de freqüentar o primário irá para uma escola em Somerville, onde
fazemos as compras. Você sabe dirigir?

– Sim, mas não tenho experiência em estradas de cascalho.

– Você logo aprende. E pode praticar nas estradas da fazenda.

Uma pequena cabeça de cabelos negros com brilhos avermelhados insinuou-se


entre eles. – Nós vamos morar com você, moço? – perguntou Jonathan com interesse;

– Sim. Você gosta da idéia?

– E como devo chamá-lo? – perguntou a criança.

Depois de um breve silêncio, Logan disse friamente: – Pode chamar-me de pai,


ou de Logan, como quiser.

– Você é meu pai?

– Sim, sou seu pai.

– Mamãe, ele é mesmo meu pai?

Fiona assentiu, tentando engolir o nó em sua garganta.

– Sim, ele é seu pai, Jonathan.

Capítulo II

– Ele adormeceu?
Fiona fez que sim com a cabeça, encostando a porta. O quarto que Logan lhe
reservara era ao lado do dele. Sentia-se agradecida pela consideração que ele
demonstrara, não interferindo em seus arranjos para fazer Jonathan jantar e depois
dormir.

A julgar pelo monte de papéis espalhados, Logan passara o tempo examinando-


os, mas agora colocava tudo numa pasta e, enquanto se levantava, ficou olhando-a com
um frio interesse.

– Você parece cansada. Pedi que nosso jantar fosse servido aqui mesmo e sugiro
que vá dormir mais cedo esta noite. Ternos muito o que fazer amanhã.

– Tanto assim?

Antes de tudo, comprar algumas roupas para vocês dois e depois providenciar
sua mudança daquele apartamento.

Ela deu um sorriso desolado, sentando-se numa poltrona.

– Não queira ser condescendente. Não tenho vergonha do apartamento, embora,


com certeza, ele não combine com seus padrões. Gostaria de conversar com você sobre
Jonathan.

– Sim? – Logan foi indiferente, quase brusco. – Beba um pouco de vinho. Posso
vê-la procurando coragem para chegar ao ponto central.

Fiona aceitou o copo, mas colocou-o na mesinha a seu lado, sem experimentá-lo.

– Logan, você não vai estragá-la, vai?

– O que quer dizer com isso?

Aquilo tinha que ser dito, embora a pergunta de Logan fosse claramente
desanimadora.

– Quero dizer que ele tem sido muito feliz até agora com muito pouco. Não
deixe que ele sinta que basta pedir para obter tudo o que deseja.
– Fiona, por sua causa, perdi alguns anos da vida de meu filho.

Ela empalideceu ante a amargura daquela voz. Como uma máscara de madeira,
as feições dele estavam gélidas e ameaçadoras, mas sua voz era suave quando
prosseguiu: – A culpa não é toda sua, seus pais e eu temos que dividi-la, mas os fatos
permanecem e ele é um estranho para mim. Não sou tão idiota para pensar que posso
comprar o amor de Jonathan, mas ele ainda é muito pequeno e alguns brinquedos vão
ajudá-la a perder qualquer constrangimento que possa estar sentindo. Você o criou
muito bem, mas deve saber que ele está chegando a uma idade em que um pai se torna
cada vez mais importante. – Logan sorriu de repente e atravessando o quarto pegou as
mãos dela, puxando-a para que ficasse em pé. – Suas mãos estão frias. Está com medo
de mim?

– Não. Não há razão para isto, há?

Com a mão sob o queixo de Fiona, forçou-a a levantar os olhos para encontrar os
seus.

– Não pretende apaixonar-se por mim novamente? – perguntou com suavidade


antes de inclinar a cabeça para beijá-la.

A boca de Logan estava macia e rude ao mesmo tempo, pronta para arrancar à
força o que Fiona não estava preparada para oferecer.

Um instinto oculto advertiu-a para que permanecesse passiva sob aquele beijo.
Assim, ficou imóvel enquanto os lábios de Logan exploravam os belos contornos de sua
face, como se estivessem famintos por aquela pele macia.

– Agora você está mais bonita do que antes – disse ele. – Mas tão fria! Você se
colocou atrás de uma parede de gelo, Fiona? Fui eu quem fez isto a você? Acabei com
toda aquela sua paixão ardente? – Ele riu de súbito e largou-a. – Por quanto tempo vai
conseguir manter a barreira? Vamos apostar?

– Não. – Fiona esforçou-se por aparentar indiferença e fez dela um manto. – Não
faz qualquer diferença, Logan. Desculpe-me, mas se deseja este tipo de relacionamento
entre nós é melhor ir embora e não me levar com você.
Os olhos dele estreitaram-se.

– Eu desejo meu filho mais do que você – disse com crueldade –, mas estou
bastante certo de que muito antes do que espero terei vocês dois.

– Você não parecia muito preocupado com meus sentimentos quando nos
conhecemos – retrucou, com um tom de desprezo na voz.

– Responda-me com sinceridade a uma pergunta, Fiona. Quando fizemos amor


foi a única vez que você se entregou a um homem?

Ela espantou-se e o rubor coloriu sua face.

– Você não tem direito de me fazer esse tipo de pergunta!

– Responda.

–Já me respondeu. – Logan deu um sorriso, mas os olhos observadores de Fiona


não perceberam. – Nenhum outro homem possuiu você. Bem, isso torna tudo mais fácil
para nós dois. Vamos, beba seu vinho. Vai acalmar-lhe e abrir-lhe o apetite para que
possamos jantar.

Nos anos posteriores, Fiona nunca conseguiu lembrar-se de muita coisa sobre os
dias que se seguiram. Fragmentos e imagens vagas t?do o q,:,:e permaneceu – a compra
de roupas, Jonathan e Logan rindo muito naquele carro alugado, as dúvidas que sentia
diante do que Logan dizia , a velha Sra. Wilson colocando uma lembrancinha nas mãos
de Jonathan; vento, chuva e frio, e depois a cerimônia no cartório. Logan alto e elegante
a seu lado, enquanto colocava a aliança em seu dedo e a falta de emoção no beijo
obrigatório...

Depois, a viagem de avião para Rotorua, o cheiro de enxofre e fumaça das fontes
de água quente; ela e Logan lentamente relaxando as relações entre si, enquanto
Jonathan demonstrava ser um excelente intermediário. Risadas infantis misturadas com
um riso forte; a primeira vez que Jonathan deu um beijo de boa-noite em seu pai ; a
primeira vez que colocou sua mãozinha na de Logan enquanto caminhavam por uma
rua; as perguntas da criança sobre sua avó e o telegrama vindo de Whangatapu enviado
pela mãe de Logan. E então, após três semanas, outra viagem de avião para a imensa
Auckland, que se estendia entre dois portos; uma xícara de café no aeroporto entre os
vôos e a viagem até Whangatapu, para encontrar lá o esplendor calmo de uma tarde
morna de primavera.

A ansiedade da chegada trouxe um sorriso pálido aos lábios de Fiona, mas algo
muito próximo do pânico a fez ficar tensa. Por causa de Jonathan devia levar tudo
aquilo adiante, mas seu coração estremeceu quando pensou na Sra. Sutherland e nos
outros que os esperavam naquela casa branca lá embaixo. A aliança que Logan lhe
comprara brilhava em seu dedo, e de repente lhe parecia não ser nova.

Logan apertou seus dedos em redor dos dela.

– Vamos – disse com suavidade – você conseguirá.

Ela desceu do avião para a pista de concreto, caminhando ao lado do marido, que
carregava o filho adormecido, em direção a uma mulher que os esperava, alta e magra,
vestindo calças compridas pretas e um sobretudo vermelho, com as mãos virilmente
colocadas nos bolsos.

– Ele está dormindo? – perguntou, e sua sincera curiosidade transpareceu na voz.


– Deixe-me vê-lo, Logan.

Um dedo longo tocou a face corada a criança, então Ailsa Sutherland sorriu e
olhou para a garota magra que estava um pouco atrás.

– Seja bem-vinda, Fiona – disse gentilmente.

A casa era protegida do mar por um cinturão largo de casuarinas.

– A previsão é para vento e chuva amanhã – disse a Sra. Sutherland, enquanto


abria um portãozinho no muro de pedra. – Mas não preciso lhe dizer isto, Logan.

Ele sorriu. – Não. Já posso sentir o cheiro da chuva.


Fiona dirigiu-lhe um olhar e estremeceu quando ele passou o braço m volta de
seus ombros. Era estranho sentir o braço de Logan em seus ombros, mas sabia que ele
estava fazendo aquilo por causa de sua mãe e de qualquer outra pessoa que pudesse
estar observando, por isso tentou relaxar

Logan endireitou-se, pegou no braço dela e disse: – Vamos entrar, o sereno está
caindo e é melhor irmos para dentro. Se eu conheço a Jinny, já tem uma chaleira
fervendo há mais de uma hora.

– O que Jonathan está fazendo? – perguntou Ailsa.

Todos olharam. Jonathan estava em pé ao lado do tronco cinza de um jacaranda


desfolhado, olhando os galhos lisos com um ar de resoluçaõ inabalável. Conforme eles
chegaram mais perto, ele levantou um braço, abraçou o galho mais baixo e pendurou-se,
sorrindo com uma felicidade absoluta.

– Amanhã vou subir nesta árvore – comunicou. – Bem lá em cima.

– Vai sim. – Fiona pegou-o, segurou-o contra si por um instante e então colocou-
o no chão. – Entretanto, está chegando a hora do banho e do jantar.

– Posso ficar acordado até mais tarde esta noite? Já dormi muito no avião.

Fiona ia responder, mas Logan antecipou-se.

–Só um pouco mais tarde do que o de costume.

Essa era uma das coisas à qual Fiona achava mais difícil se adaptar. Tinha sido o
único árbitro da vida de Jonathan por tanto tempo e agora não conseguia evitar um certo
ressentimento todas as vezes que Logan tomava uma decisão por ela. Era algo que
precisava ser superado. Fiona assentiu para Jonathan, e entraram.

A Sra. Sutherland conduziu-a para um vestíbulo enorme. Subiu as escadas


acarpetadas e entrou em outro vestíbulo, observando Jonathan com um curioso sorriso
nos lábios, enquanto o garoto subia as escadas. A expressão da velha senhora deixou em
Fiona um forte sentimento de culpa por lhe ter ocultado o neto. Disse querendo
aparentar calma: – Sinto muito. Sabe, eu nunca pensei...
Não havia pretexto para ser mal interpretada.

– Como pode fazer isto, minha cara? Você não deve conhecer Logan muito bem.
– Parou na frente de uma porta: – Não é um homem fácil de se conviver, mas, por causa
dos outros, isto não deve ser demonstrado. Nunca o vi tão calmo quanto está agora com
Jonathan. – Os olhos azuis, tão parecidos com os do filho, encontraram os de Fiona para
dar ênfase a suas próximas palavras. – Perdoe-me se o que vou lhe dizer parecer rude,
mas precisa compreender nossa posição. Todos nós estávamos preparados para receber
você por causa de Logan e da criança. Existe muita curiosidade quanto a você, é lógico.
Logan é muito querido, e respeitado por todos; como sua esposa, você será muito
observada, e até mesmo invejada. As pessoas esperam de nós um certo padrão de caráter
e de comprometimento. Se você não estiver a altura, então terá que ir embora.

Fiona piscou, escondendo suas emoções. Uma raiva fria a apertava, mas
endireitou os ombros enquanto replicava com delicadeza: – De fato, a intrusa está
avisada. Obrigada, Sra. Sutherland.

– Fiz você ficar zangada, eu sei, mais isto tinha que ser dito; e acredite-me,
Fiona, foi muito melhor eu lhe dizer do que se deixasse que Logan o fizesse. – Ela deve
ter percebido a contração involuntária das sobrancelhas de Fiona, pois meneou a cabeça.
– Sim, você sabe como ele é quando está furioso. Por isto não se deve despertar a raiva
dele. Este é o seu quarto. Agora vou deixá-la sozinha.

O quarto era imenso, mobiliado tão luxuosamente quanto o quarto de vestir,


embora num estilo muito mais severo, mas a primeira coisa que Fiona viu foi a larga
cama de casal. Quase protestou, mas seus lábios apertaram-se fortemente. Com certeza
Logan não tinha contado à mãe todos os detalhes sobre o casamento, mas se ele tinha
pensado em apresentá-la como um fato consumado, valendo-se daquela cama luxuosa, e
quisesse forçá-la a cair em seus braços, teria uma bela surpresa! Logo ela estaria
dormindo com Jonathan, e ele, com raiva, sozinho, a noite inteira!

Logan trouxe a mala, colocou-a no chão e observou Fiona demoradamente com


os olhos brilhantes.

– Não vou dormir neste quarto com você – disse ela, antecipando o comentário
que viria para que perdesse sua auto confiança.
– Mas por que não? – Ele atravessou o quarto em direção a cama e puxou a
colcha. – Esta cama é mais confortável, posso garantir-lhe, e, além do mais, não gosto
de dormir no chão.

– Atrevo-me a dizer que estou acostumada com isto. – Pegou a mala para abri-la,
determinada a não ser amedrontada.

– Por que lutar contra o inevitável? Para preservar seu orgulholho? Ou para me
fazer sofrer um pouco mais por ser realista ou suficiente para admitir que isto é
inevitável? Você deseja que eu lhe faça a corte com todo o romantismo e assim
podermos fingir que estamos apaixonados um pelo outro? O amor é um sonho
romântico, Fiona, você devia saber disto.

Ela virou-se, com olhos enfurecidos, odiando-o pela confiança arrogante que ele
possuía em sua atraçãco

– Isto não é inevitável – disse ela, controlando-se com grande dificuldade. –


Você é muito convencido, pois pensa que todas as mulheres que dormiram com você
gostariam de tê-lo para o resto da vida! Pois bem, minhas lembranças de qualquer
prazer que nos tivemos foram abaladas pelas reações de quando acordamos na manhã
seguinte. Tive quase cinco anos para pensar na minha insensatez e em sua brutalidade, e
a única conclusão a que cheguei foi que nunca mais desejo correr o risco de que
qualquer das duas coisas se repita!

Ele riu suavemente, nem um pouco impressionado pelas palavras ditas com
esforço em voz baixa, pois assim Jonathan, que estava ocupado em abrir e olhar os
guarda-roupas, não podia ouvir.

– Ele deve compreender bem seu estilo. Terei que certificar-me que ele está por
perto quando você der mostras de quere fungar. Deixe isso por ora. Apenas se lembre,
Fiona, que a proximidade é uma grande sedutora. E minha paciência não é inesgotável.

– Você disse... você prometeu que seria um casamento apenas pro forma – disse
ela com voz rude.
Encolhendo os ombros, retorquiu com frieza: – Estou preparado para esperar até
que você supere esse desejo bastante compreensível de e pagar-me na mesma moeda o
que eu lhe disse há cinco anos atrás. Só Deus sabe que aprendi o suficiente sobre as
mulheres para entender que elas têm um boa memória para os rancores e estou
realmente feliz em deixar que você alimente os seus por algum tempo. Mas não para
sempre, Fiona. Jonathan tem necessidade de outras crianças na família, e somos nós que
vamos satisfazê-lo, quando você admitir que esta sua atitude é apenas uma máscara para
encobrir o fato de que agora você me quer muito mais do que sempre quis.

O rubor espalhou-se pelas maçãs do rosto de Fiona que o fitou com os olhos
arregalados, chocada pela acusação.

– Você... você é um demônio! – exclamou. – Você me enganou déliberadamete!


Você...

– Oh, pelo amor de Deus, pare com isto, Fiona – reclamou ele com impaciência.
– Pare de bancar a inocentezinha iludida! Você devia saber que eu não tinha a intenção
de viver como solteiro depois do nosso casamento. Que diabo você pensa que eu sou?
Um homem pela metade? Pare com isso e apronte o garoto para o jantar. – Houve uma
pausa. Ele continuou: – Você talvez não se lembre do prazer que sentimos um com o
outro, minha cara, mas acontece que tenho uma memória muito melhor que a sua. Você
era muito inocente, mas o que lhe faltava em experiência foi compensado pelo seu ardor
e espontaneidade imensos. Vai ser assim de novo. Isto é uma promessa, não uma
ameaça.

O fato de que precisava cuidar de Jonathan ajudou-a. Depois de tê-lo banhado e


lhe mostrado seu quarto, pequeno, mas muito luxuoso, e de ter respondido a várias
perguntas do garoto, as batidas de seu pulso já estavam regulares, mas as sombras não
haviam saído de seus olhos. Logan tinha ido para o andar de baixo; Fiona voltou para
seu quarto e mudou de roupa com rapidez; lavou o rosto e as mãos no banheiro anexo
antes de fazer uma maquilagem caprichada.

– Muito bem, estou bonita? – perguntou a Jonathan, que a observava com um


interesse intenso.
Ele riu, enrugando os olhinhos. – Linda, como o papai sempre diz. Podemos
descer agora?

– Sim. – Deu um último olhar para o espelho e pegou a criança pela mão. –
Vamos, vamos ver onde estão papai e vovó.

O cansaço e a disciplina que impusera a si mesma faziam com que seus olhos
pesassem, e Fiona ficou satisfeita em ficar sentada calmamente, saboreando seu vinho
após o jantar e ouvindo Logan conversar com a mãe sobre os negócios da fazenda,
sempre com um olho no filho que ainda jantava.

A senhora continuou com um bate-papo leve, superficial, ocasionalmente com


algum humor, mas sem malícia. Fiona apreciava o assunto da conversa e respondia ao
que lhe perguntavam, mas, mesmo com a melhor boa vontade do mundo, não conseguia
colocar mais entusiasmo em sua voz.

Já era noite quando terminaram de beber e houve um súbito respingo de chuva


nas janelas.

– A chuva vai engrossar – disse Logan, levantando-se para fechar as janelas.


Olhou para Fiona sentada numa poltrona e acrescentou: – É hora de ir dormir, querida.
Você parece prestes a desligar aí mesmo. Diga boa noite a mamãe e eu a levarei até o
quarto.

A Sra. Sutherland sorriu.

– Sim, é melhor que você vá. Durma bem, minha querida.

Obedientemente disse boa noite e atravessou a porta na frente de Logan. Não se


sentia bem com o braço dele em volta de sua cintura, mas sabia que era melhor não
protestar e, além disso, sentia as pernas moles.

– Vou verificar se Jonathan está bem – disse ele com suavidade, perto da porta
do quarto.
Fiona fechou as pesadas cortinas na frente das janelas e caminhou com desânimo
em direção à sua mala, recusando-se a olhar para a cama, como se, deste modo, o leito
deixasse de existir e tudo o que representava parasse de amedrontá-la.

Tirou uma camisola cor-de-rosa da mala e ficou parada, olhando-a com o rosto
pálido. Então, sentindo uma determinação que lhe levantou os ombros, caminhou para o
lado da cama e começou a tirar as grossas cobertas acolchoadas.

– O que pensa que está fazendo?

A voz de Logan sobressaltou-a, mas ela continuou, replicando com frieza: – Vou
arrumar uma cama no chão.

Em resposta, ele atravessou o quarto, pegou seus pulsos e segurou-os com


firmeza.

– Venha comigo – ordenou com brevidade, levando-a, apressado, para um


pequeno quarto branco, onde havia uma cama de armar de solteiro.

– É aqui que vou dormir – disse ele em voz baixa, soltando-a. – Pelo menos até
que você supere seu acesso de mau humor.

Sentiu-se furiosa. Ele a molestara deliberadamente, sabendo que estaria


preocupada durante todo o jantar sobre como fariam seus arranjos para dormir!

Disse com resolução: – Não há necessidade que você se desloque. Posso dormir
aqui. E não estou mal-humorada!

– Você vai ficar mais perto de Jonathan instalando-se no quarto principal. E se


não está mal-humorada, está fazendo uma tremenda demonstração do contrário. Não... –
estendeu a mão para impedir a réplica indignada de Fiona. – Você está cansada, eu
também, e recuso-me a ouvir outra tolice de sua boca. – Seus lábios substituíram sua
mão. O beijo foi rude, com uma falta total de gentileza. e tão longo que ela sentiu o
sangue latejar em suas têmporas.
– Se você disser mais alguma coisa – ameaçou-a ainda com os lábios sobre os
dela – vou levá-la para aquele outro quarto, arranco sua roupa e acabo violando-a.
Agora, vá dormir!

Fiona ficou rija, com os olhos fixos dentro dos dele, que estavam meio
selvagens, e abriu um sorriso magoado. – Você é um tirano – disse –, mas como você é
o pai de Jonathan, suponho que terei de aturá-lo.

– Também sou seu marido.

Ela caminhou para o outro quarto.

– É apenas como pai de Jonathan que eu o vejo.

– Bem, que me amaldiçoem se eu a vejo exclusivamente como a mãe de


Jonathan. Você também é minha esposa. Nunca se esqueça disto, pois eu hão vou
esquecer!

Capítulo III

Um risinho próximo acordou Fiona. Jonathan, pensou ela, e sorriu solonenta,


virando-se mais uma vez no colchão macio. Uma voz grave a despertou.

– Ela acordará de vez se lhe der um beijo – disse Logan a seu filho. – Sempre se
deve acordar as senhoras com um beijo.

Jonathan deu uma gargalhada e obedeceu, beijando-a com um estalar de lábios


barulhento e exagerado que a fez cair na risada.
– Está chovendo – disse a criança com tristeza. – Papai disse que mais tarde
poderíamos ir até o galpão ver os tratores.

Logan estava parado ao lado da porta do banheiro, observando-a com sarcasmo,


com um roupão aberto até a cintura mostrando que acabara de tomar banho. Riu
abertamente, passando a mão na barba por fazer, quando ela se recostou de novo nos
travesseiros.

– Suponho que eu deva me barbear antes de dar-lhe um beijo de bom-dia –


zombou ele. – Você vem assistir, Jonathan'?

Logo que Fiona escutou o barulho do barbeador, saltou da cama, calçou os


chinelos, vestiu um robe e começou a pentear os cabelos. Pai e filho foram para o quarto
de vestir e assim Fiona pôde ir ao banheiro e banhar-se rapidamente.

Quando eles voltaram, Fiona já estava pronta e arrumava as roupas de sua mala
nas gavetas do armário.

Logan pegou-a, deu um beijo em sua nuca e largou-a, tudo rapidamente.

Tudo muito doméstico, enquanto Logan guardava a mala na parte de cima do


armário e Jonathan mexia em suas roupas, cantando uma música com animação. Ele
tinha uma vozinha límpida e afinada, o que fez com que o pai o olhasse.

– É lógico que, quanto à voz, ele puxou o seu lado – disse Logan depois de um
momento. – Eu não tenho ouvido para música.

– É mesmo? – Apesar da manhã cinzenta, Fiona sentia-se feliz como há algum


tempo já não se sentia. Logan, naquele estado de espírito gozador, não era uma ameaça
para sua paz de pensamento, a menos que pudesse se chamar de ameaça o fato de ele
dominar no quarto enorme com sua presença e sua aura de virilidade. Assim, Fiona
completou com sinceridade: – Bem, estou satisfeita que você não seja perfeito. Isto me
dá um pouco mais de confiança.

– Oh! – exclamou ele, estendendo um braço para puxá-la de encontro a si.


Colocou os dedos sob o queixo de Fiona, levantou-o; assim podia encará-la. – Seu rosto
seria quase oval se não fosse por este queixinho quadrado – disse Logan suavemente,
seguindo os contornos com a ponta do dedo. – Não me provoque muito, querida, ou
posso esquecer que prometi esperar com paciência. – Inclinou a cabeça e beijou-a.

Naquele momento houve uma batida na porta e Jinny entrou carregando uma
bandeja enorme.

– Oh! – exclamou a criada, um pouco ruborizada. – Desculpem-me!

– Por que desculpar-se? – Logan sorriu para Fiona que estava mais corada ainda,
antes de pegar a bandeja sem muita pressa.

– Você trouxe-nos o chá, Jinny? Obrigado, mas você já tem muito o que fazer
sem empanturrar uma senhora preguiçosa como Fiona.

– Pensei que ela gostaria de tomar o café na cama, já que é seu primeiro dia aqui
– reprovou-o Jinny.

– Muito obrigada. – Fiona estava contente por ter tido tempo de arrumar a cama.
Logan queria que este casamento se parecesse com um verdadeiro, com certeza,
ninguém perceberia que não tinham dormido na mesma cama.

– Você tem tempo de beber uma xícara conosco? – perguntou

Jinny negou com a cabeça. – Não, Tom vai começar a berrar que quer seus ovos
daqui a um minuto e é melhor eu ir logo. – Virou-se para Fiona. – Fiz mingau de aveia
para Jonathan. Ele gosta?

– Existem apenas duas coisas que ele não aprecia – respondeu Fiona. – Vagem e
jiló. De resto, vai aceitar tudo o que lhe oferecer. Posso fazer algo para ajudá-la?

Percebeu de imediato que cometera um erro. O gelo que parecia começar a


quebrar-se tornou-se quase uma barreira que a colocou firmemente em seu lugar.

– Não, obrigada, sou organizada o suficiente para lidar com o serviço – disse a
velha senhora, brusca, e saiu do quarto, endireitando os ombros e com a cabeça erguida.

– Por quê? – Fiona virou-se para seu marido, espantada.


Logan franziu a testa. – Ela e o marido estão aqui há vinte anos, e ela teve a casa
em suas mãos durante a maior parte deste tempo. Minha mãe não é das criaturas mais
caseiras. Creio que Jinny está querendo mostrar-lhe qual é sua posição aqui dentro.

– Oh, entendo. – Mas achava difícil entender que a governanta pudesse ser tão
obstinada por suas tarefas, que desdenhasse uma ajuda oferecida de boa vontade.
Parecia que mesmo sendo a esposa de Logan, sua posição na família era ambígua aos
olhos de Jinny.

– Apenas deixe estar por algum tempo – aconselhou Logan. Ela é um tanto rude,
mas, se ficar sua amiga, garanto-lhe que nunca encontrará tanta fidelidade.

– Acho que vai levar muito tempo para que se firme uma amizade verdadeira –
disse Fiona em voz baixa, lutando contra algo próximo do desconsolo que ameaçava
dominar seu coração. Parecia que a solidão corrosiva dos anos passados não
desaparecera, embora tivesse mudado tanta coisa. Então seus olhos depararam-se com
Jonathan, que apertava o cinturão das calças com seriedade e percebeu que tudo valeria
a pena. As pessoas de Whangatapu talvez nunca a aceitassem, pois supunham que ela se
entregara a Logan por ser leviana, mas estavam preparadas para receber Jonathan em
seus corações e por esta razão Fiona enfrentaria qualquer coisa.

Foi um dia horrível. Depois do café da manhã Logan retirou-se para o estúdio e a
Sra. Sutherland disse a Fiona que acabasse de guardar as coisas e ficou com Jonathan.

Por volta de meio-dia os dois quartos estavam impecáveis. Por alguns minutos
Fiona ficou parada à frente das janelas, olhando para o jardim que estivera tão bonito na
noite anterior. Ainda estava agradável, mesmo com o cinza do céu e a chuva que caía
forte.

Seria culpa do tempo estar se sentindo tão deprimida? Viera para Whangatapu
onde o inverno era ameno, pensou com um sorriso seco. Bem, com certeza o frio nem
chegava perto do que fazia normalmente em Wellington, mas esperava encontrar a
primavera! O céu começara a clarear no lado leste e um trovão ressoou ao redor das
montanhas do norte. Em algum lugar, um pássaro cantava, com clareza e alegria.
Talvez, pensou, sua vida fosse aqui. Não tinha sido capaz de não alimentar esperanças
em sua mudança para Whangatapu, pensando mesmo com otimismo que seria uma
chance de recomeçar a viver. Como a maior parte dos grandes sonhos, os seus não se
realizariam completamente. A Sra. Sutherland deixara dolorosamente clara sua posição
na família, e a atitude de Jinny reforçara a impressão de que estava ali apenas por
tolerância. Por que deveria esperar mais? Tolice achar que a mãe de Logan pudesse ser
como sua própria mãe, bondosa e gentil.

O andar de baixo estava tão quieto como se a casa estivesse vazia. A sala de
música não era muito grande, separada da sala de estar por grandes venezianas de
dobrar. Nela havia um piano. Fiona sentiu-se feliz. Sabia tocar e isto poderia
proporcionar-lhe conforto e paz de espírito.

No começo, sentindo-se indecisa, tocou algumas composições fáceis, depois


suas favoritas. Após algum tempo Jonathan entrou na sala e ficou ao lado da mãe,
observando-a em silêncio, como gostava de fazer, com a expressão tão absorta quanto a
dela.

Muito tempo depois, pelo menos era o que parecia, Ailsa Sutherland tocou-lhe o
ombro. Já está quase na hora do almoço, e tenho certeza de que você deve estar faminta.

– Eu... sim, acho, que estou com fome. – Fiona perguntou-se se aquilo não teria
sido uma alusão gentil de que uma hora ouvindo música de piano não era um exagero.
A conversa durante o almoço confirmou aquele sentimento.

A Sra. Sutherland disse: – Você ouviu Fiona tocando piano, Logan?

– Sim – e sorriu para a esposa. – Gosto muito de Rachmaninov. Você tem que
praticar muito para recuperar a sua técnica.

Houve um silêncio aturdido e então Fiona disse com a voz mais calma de que foi
capaz: – Você acha que podemos conhecer os tratores logo depois do almoço, Logan?
Notei que o céu está limpo.

Caminharam pelo gramado ensopado em direção ao grupo de construções perto


dos currais, que eram protegidos do vento por uma fileira de árvores altas. Jonathan ia
na frente, gargalhando e gritando contra o vento.
Fiona olhou para os animais com algum temor. Pareciam perigosos, mas
Jonathan fitava-os sem medo, e quando um alazão deu alguns passos para o lado deles,
o menino estendeu uma cenoura que Logan colocara em seu bolso e deu uma risada alta
enquanto o cavalo a pegava.

– Você não gosta de andar a cavalo? – perguntou Logan, divertido.

– Não, e a menos que você considere absolutamente necessário, prefiro não


aprender por enquanto – respondeu com firmeza.

– Bem, acho que é necessário, porque tenho certeza de que quando perder o
medo vai gostar de andar a cavalo. A não ser que tenha um pavor real.

Ela sorriu com relutância. – Não, não tenho. Por que tem tantos cavalos. Pensei
que todos usassem bicicletas motorizadas atualmente.

– Prefiro os cavalos. E, além do mais, existem algumas áreas por aqui que você
só consegue atingir a cavalo. Olhe. – Ele virou-a para o lado oeste, apontando para onde
a península elevava-se em um amontoado de morros, contrafortes e depressões, a maior
parte deles cobertos de arbustos. – É um velho vulcão, Puiamumu, ou o vulcão do
soldado valente.

A mão dele estava pousada levemente sobre seu ombro, perturbadora, morna
mesmo através de sua jaqueta grossa. Sentindo necessidade e dizer qualquer coisa,
Fiona perguntou: – Você já o escalou?

– Lógico que sim. A primeira vez tinha mais ou menos oito anos. É uma trilha
bastante fácil até o topo.

– Deve-se ter uma vista maravilhosa de lá.

– Sim. Pode-se ver o contorno do litoral por quilômetros e quilômetros. Ei, seu
diabinho, onde pensa que vai?

Agarrou Jonathan no exato momento em que o garoto estava para lançar-se


dentro do estábulo.
– Aquele, meu filho, é um pônei Shetland velho e mal-humorado e você não
pode pegá-lo. Agora escute, Jonathan. Não quero que entre neste estábulo a não ser que
eu esteja com você. Entendido?

– Sim, mas...

– Entendido, Jonathan?

Houve um choque de vontades. Jonathan ficou olhando com audácia para seu
pai, a rebeldia aparecendo em seus lábios. Lançou um olhar apelador para Fiona, mas
ela meneou a cabeça. Afinal, com o rosto ruborizado, o garoto se rendeu. – Está bem,
não vou entrar, prometo. Por que, papai?

– Porque alguns destes cavalos não estão acostumados com crianças e você pode
assustá-los. Vou ensiná-lo a cavalgar, não se preocupe. Agora, vamos para o galpão das
máquinas.

Era enorme, abarrotado por tantos veículos e implementos. Jonathan adorou.


Depois de cinco minutos, Fiona sentou-se no suporte para pés de um enorme trator
vermelho e ficou ouvindo a voz de seu marido e do filho, que caminhavam por ali, com
os olhos fixos nos espinhos verdes dos arbustos de linho perto do riacho que atravessava
o campo. O sol brilhava e Fiona começou a sentir calor e sono. Com as pálpebras
pesadas, deixou sua mente vazia.

O ruído de passos sobre os pedregulhos acordou-a. Um homem estava entrando


com passos largos dentro do galpão, com os ombros encolhidos' por causa do vento e as
mãos enfiadas nos bolsos do casaco. Era jovem, os bonitos cabelos um tanto longos e
um andar afetado, enfatizado pelas calças de brim apertadas. Quando a viu, parou e
arregalou os olhos com admiração evidente no sorriso que lhe veio aos lábios.

– Como vai? – disse ele com suavidade, vindo inclinar-se sobre a imensa roda
traseira do trator. – Quem é você? Não, não me diga. Você é a esposa do patrão, que
todos nós estávamos morrendo de vontade de ver desde que ouvimos falar sobre você,
com cinco anos de atraso.
– Sou Fiona Sutherland. – Fiona percebeu que a tranqüilidade de sua voz fora
estudada, mas não gostara da expressão do rapaz nem da insolência aberta de suas
palavras.

– Uau! Se você fosse a minha esposa tenho certeza de que não a deixaria sozinha
logo depois do casamento.

– Você quer conversar com Logan? Ele está em algum lugar deste galpão.

Ele riu, bastante descontraído. – Você não conseguirá colocar-me em meu


devido lugar. Um gato pode olhar para um rei, como dizem, e este gato aqui tem a
intenção de olhar para você todas as vezes que puder. Onde está o menino?

– Se está se referindo a nosso filho, está com Logan. – Fiona virou a cabeça
conforme as vozes de Jonathan e de seu marido ficaram mais próximas. Podia ser fruto
de sua imaginação, mas os passos de Logan pareceram aumentar quando viu quem
estava parado ao lado do trator.

– Oi, Logan. Acabei de apresentar-me a sua mulher.

O olhar frio de Logan pousou um momento sobre a face de Fiona e então


desviou-se para encontrar a do rapaz mais jovem. – Danny, dê uma olhada no
reservatório de óleo, sim? Parece que algum idiota arrebentou a tampa. Vamos, Fiona,
vai chover logo. Teremos que correr se quisermos chegar secos em casa.

Fiona encostou-se na parede da varanda depois da breve corrida, com o peito


arfando e o rosto vermelho sob os cabelos molhados.

– Que tempo imprevisível! Isto é freqüente por aqui?

Logan sorriu. – Mamãe disse que há três semanas o tempo está assim. É normal,
a primavera é a estação mais desagradável que temos.

Do batente da porta veio uma voz doce misturada com malícia.

– Mas não para você, não é mesmo, Logan? Esta deve ser uma época de muita
alegria para você.
Logan virou-se, com a expressão atenta e controlada. – Estamos conversando
sobre o tempo, Denise.

Enquanto seu marido fazia as apresentações, Fiona sentia o olhar da outra garota
sobre si. Não havia entusiasmo nem cordialidade no castanho-escuro daqueles olhos,
embora parecessem bastante acolhedores quando pousaram sobre Jonathan, que fitava a
desconhecida como se estivesse perplexo. Logo depois todos entraram.

Dez minutos depois, Fiona abria a porta da sala de estar. Uma risada leve e a voz
grave da Sra. Sutherland tinham-lhe indicado onde estavam esperando. Respirando
fundo, entrou com Jonathan.

Ailsa Sutherland estava sentada em sua poltrona predileta ao lado da lareira que
crepitava, trabalhando num desenho com detalhes esquisitos. Logan e Denise estavam
em pé do outro lado do fogo, encarando-se e rindo um para o outro. Os três pareciam
muito familiarizados, como se houvesse uma harmonia completa entre eles. Ela e
Jonathan eram os estranhos; então, a criança correu para a frente e recostou-se sobre o
joelho de sua avó e agora apenas Fiona era a intrusa, a estranha.

– Acabei de dizer a seu marido que ele age muito secretamente – observou
Denise com um certo charme, afastando-se um pouco de Logan enquanto Fiona se
aproximava. – Não é de se admirar que ele nunca sucumbiu a nenhuma de nossas
astúcias! Você deve saber, Fiona, que ele era o homem mais procurado de todo o Norte;
todas as garotas andavam atrás dele! Você se colocava bem alto, como para dizer-nos
que era inatingível, Logan. Mas acho que gostava de ser caçado. Confesse agora!

– Está exagerando, Denise. – Ele foi seco, pois um brilho estranho se estampou
no olhar da garota.

No entanto, durou apenas um momento e ela disse: – Não exagerei, mas


reconheço que não foi um comentário delicado. Seus cabelos são lindos, Fiona. Uma
vez pensei em tingir os meus dessa cor, mas achei que ficaria com uma aparência muito
vulgar e resolvi não tingi-los.
Se aquela era uma observação sarcástica, Fiona decidiu ignorá-la. Não havia
simpatizado com Denise e não se deixaria envolver num jogo para ver quem venceria.
Assim, resolveu sorrir, deixando que Logan a conduzisse para uma poltrona.

Os olhos de Denise não perdiam nada. – Céus, você não está usando aliança! –
exclamou. – Nunca pensei que pudesse deixar de usar aquele símbolo de afeição,
Logan. Ou será que você se casou há cinco anos com tanta pressa que não teve tempo de
comprar uma?

– Já mandei diminuir a aliança que foi de meu avô – retrucou Logan com calma.
– Está com frio, Fiona? Quer uma bebida quente?

– Que ótima idéia! – A Sra. Sutherland colocou seu trabalho na cesta de


bordados. – Vamos, Jonathan, vamos providenciar um chá para sua mãe.

– Deixe-me levá-lo. – Denise sorriu, pegando a mão de Jonathan. – Já faz


bastante tempo que não vejo Jinny e preciso ter uma conversinha com ela. Tinha
prometido que me daria a receita daquela torta salgada.

– Então vamos todos. Sei o que vai acontecer se você e Jinny começarem a
trocar receitas, não vamos beber nunca nosso chá. Fiona, chegue mais perto do fogo,
querida. Você parece muito pálida. – A Sra. Sutherland saiu da sala, seguida de perto
por Denise e Jonathan.

Um longo silêncio, e então Logan disse de repente:

– O que Danny Harmon disse que a aborreceu?

Encolhendo os ombros, Fiona respondeu: – Oh, nada demais, apenas não gostei
da atitude dele. O rapaz trabalha para você?

– Sim, ele é filho de um amigo de meu pai e está passando um ano conosco para
ganhar experiência antes de assumir um posto na baía de Hawkes. O que você não
gostou na atitude dele?
Fiona sentia-se num dilema. A última coisa que queria fazer era criar algum
problema entre Logan e seus empregados. – Ele... bem, apenas me pareceu muito jovem
e impetuoso.

– Ele é jovem e impetuoso – disse Logan – e me odeia até as entranhas. Se puder


fazer alguma coisa que me prejudique, pode ter certeza de que fará. A única coisa que o
fez vir para cá foi a intenção de criar problemas. Não com relação ao trabalho. É muito
responsável quanto a isto, reconheço, mas não é digno de confiança em qualquer outra
coisa. Portanto, mantenha o mínimo contato possível com ele, Fiona. Danny é esperto,
insensível e não tem a menor consideração em relação a mim.

Fiona olhou-o. Achava difícil acreditar no que Logan dissera:

– Por quê?

Ele enrugou a testa e assumiu um ar de indiferença. – É uma história estúpida e


eu preferia não conversar sobre isto. Mas Danny encontrará uma oportunidade para
contar-lhe e é melhor que ouça a verdade de uma vez. Danny tem uma irmã, uma irmã
gêmea. Nos conhecemos há três anos, quando ela tinha vinte anos. A garota pensou que
tivesse se apaixonado por mim. Quando percebi o que tinha acontecido, devo ter sido
menos delicado do que deveria, mas Mary tinha um pouco da instabilidade de Danny e,
para resumir, não aceitaria um não como resposta a não ser que eu dissesse essa palavra
de uma forma que não poderia ser mal-entendida de maneira alguma. Sua reação foi
casar-se com outro homem.

– E Danny o odeia por causa disto? – Fiona não conseguia acreditar.

– Sim. Veja, o homem com quem ela se casou é meu irmão Stephen. Mary e ele
moram a sessenta quilômetros daqui, em Punere. Quando Stephen descobriu que tinha
sido apenas um substituto, tratou de transformar a vida dela num inferno. Stephen era
um grande amigo de Danny. Colocaram em mim a culpa pela amizade rompida e pela
infelicidade de Mary e de Stephen.

– Ele deve ser mesmo bastante insensível – comentou Fiona com calma.
Logan encolheu os ombros, atiçou o fogo com a ponta do sapato e inclinou-se
para colocar outro pedaço de madeira para queimar.

– Obrigado pelo voto de confiança. É bom completar que fui quase brutal com
ela.

– Sim, posso imaginar.

Ele dirigiu-lhe um sorriso de mofa. – Exatamente como fiz com você, apenas
com a diferença que em seu caso, eu estava com muita raiva de mim mesmo e pus os
pontos nos is. Mas você foi embora para chorar suas mágoas, sozinha. Nunca lhe
ocorreu que, se tivesse colocado as cartas na mesa, eu teria me casado com você
naquela ocasião?

– Que espécie de casamento teria sido?

– O mesmo que agora!

O brilho da lâmpada acesa refletiu o vermelho dos cabelos de Fiona enquanto ela
balançava a cabeça.

– Não, porque este casamento foi feito por causa de Jonathan. Dar segurança a
ele faz a mentira que é este casamento valer a pena.

– Espero que ainda pense assim daqui a dez anos – retrucou ele. – Não vamos
nos divorciar.

– Eu não tinha pensado... – A voz dela sumiu, pois seus olhares se cruzaram e se
fixaram um no outro até que uma chama de desejo acabou com a aspereza dos olhos de
Logan, que sorriu e veio em sua direção, puxando-a da poltrona para seus braços. Sem
resistência, Fiona continuou passiva enquanto ele a segurava. Logan beijou-a sem
ternura, com seus lábios sensuais e exigentes, usando toda sua perícia para conseguir
que ela correspondesse.

O coração de Fiona disparou; batia desordenadamente enquanto seu corpo a traía


denunciando sua reação física para Logan. Quando os lábios dele abandonaram os seus,
comprimidos e suplicantes, o rubor subiu-lhe pela face pálida e Logan disse com frieza:
– Por quanto tempo pensa que pode manter essa máscara, Fiona? Você sabe muito bem
que me quer, e só Deus sabe o quanto já provei que quero você...

– O sexo não é a base de um casamento – respondeu-lhe, desejando não perder o


controle ante o toque daquelas mãos em seus quadris e costas. A loção após-barba que
ele usara naquela manhã penetrou em suas narinas com seu aroma leve misturado com o
cheiro másculo de seu corpo.

– Quando não há nada mais, o sexo ajuda para que venham coisas melhores –
retrucou ele, fechando com beijos as pálpebras de Fiona e apertando-a contra seu corpo
com mãos firmes. Quando abriu a boca para protestar, foi envolvida por um beijo
ardoroso. Todos os pensamentos desapareceram; abraçou-o, segurando-lhe a cabeça
entre as mãos, incapaz de controlar as necessidades que subjugara por tanto tempo,
movendo-se de encontro a ele, numa demonstração confessa de paixão.

Quando, afinal, Logan afastou seus lábios dos dela, uma satisfação profunda
estava presente naqueles olhos, transformando o azul-gélido numa chama.

– Que bobões somos nós, os mortais – comentou ele. – Você e eu, Fiona.

– Por que você também?

– Porque seria muito fácil possuir você, caso não me importasse com os
escrúpulos que seu coração romântico colocou em meu caminho. Se lhe dissesse que a
amei, acreditaria em mim?

– Não – sussurrou ela.

– Devo fazer com que acredite nisto antes de você ceder?

Seria tão confortante responder que sim, permitir que ele lhe fizesse a corte,
lembrar que ele podia ser um temo amante apaixonado! Seus olhos encheram-se de
lágrimas ao pensar em tudo isto.

Logan soltou uma exclamação abafada e beijou as lágrimas para afastá-las,


dizendo: – Não chore, Fiona, por favor. Sou um bruto por magoar você. Prometo que
não vou pressioná-la mais. Quando estiver pronta, faremos disto um casamento de
verdade, antes não.

Ela deu uma risada leve. – Posso ver isto acontecendo, você não?Como quer que
eu o avise? Por carta?

Ele também riu, passando, de leve, a mão em seu rosto. – Pode declarar-se
abertamente para mim, querida.

– E fazer parte de todos os grupos de garotas que o tacharam de inacessível? Eu


não!

A referência às observações de Denise fizeram-no franzir a testa em sinal de


desagrado, mas manteve o mesmo tom de voz quando respondeu: – Flutue à deriva,
Fiona. Viva as coisas conforme elas venham. A proximidade é uma grande ajuda
quando vem para facilitar a solução de problemas. Posso não ser o, que você esperava
de um marido, mas acho que, quando estiver mais, acostumada comigo, vai ver que sou
um bom substituto para o seu príncipe encantado.

O som de risadas vindas do vestíbulo fez com que os dois se afastassem um


pouco um do outro, como se fossem namorados pegos em flagrante. Logan deu uma
risada e Fiona não conseguiu impedir que um sorriso tomasse conta de seus lábios ainda
vermelhos do ataque recebido.

– Está fácil perceber que foi beijada – caçoou ele –, mas fica bem para você.

– É melhor limpar o batom que ficou em você. – Ela riu ante a expressão
desanimada de Logan, pegou um lenço e limpou o cor-de-rosa claro que estava em seus
lábios. Num momento o batom foi removido e a porta abriu-se. Antes que Fiona
pudesse afastar-se, Logan passou o braço em volta de sua cintura magra e depositou-lhe
um beijo no topo da cabeça.

– Ei, o que é isto agora? – Denise entrou rindo na sala e colocou a bandeja sobre
uma das mesinhas. – Nunca pensei que o veria acariciando alguém em público, Logan.
O que fez com ele, Fiona? Que magia é esta que faz com que nosso orgulhoso e
reservado Logan mostre seu coração tão abertamente?
– O público é pequeno – disse a Sra. Sutherland com secura, mas seu olhar não
estava tão insatisfeito quanto o de Fiona, que, ruborizada, se afastou dos braços
dominadores de Logan.

– Um público maior do que o normal – retrucou Denise, mostrando-se alegre. –


E nós que pensamos que um chá a aqueceria, quando tudo o que precisava era de um
abraço de seu marido, é assim que se comporta um homem casado, Logan? Os gritos de
liberdade da vida de solteiro estão atingindo você, aposto. Oh, tinha me esquecido,
vocês já estão casados há tempos, não é? Como sou boba e indelicada.

Era bastante óbvio o que a garota estava tentando fazer. Fiona achou que o
pensamento de Logan beijando outra mulher era bastante desagradável, mas estava mais
interessada em saber por que Denise estava insinuando sutilmente que sabia muito bem
o que era perder-se nos braços de Logan. Não havia nada a apreender-se do rosto da
outra garota; aparentava ingenuidade, mas não havia cordialidade em seus olhos, apenas
um brilho superficial que ocultava quaisquer emoções. Fiona não pôde evitar uma
sensação inquietante de que Denise estava seguindo algum plano que formulara, que
sabia a verdade sobre aquele casamento e que queria se certificar de que Fiona
percebesse isto.

Durante a próxima meia hora, enquanto Denise conversava e ria, deslumbrando


Jonathan com seu comportamento e charme, Fiona procurava calmamente sinais de
tensão entre seu marido e a moça. Logan, lógico, não demonstrou nada e Denise muito
pouco, pois embora usasse uma máscara não conseguia impedir que seus olhos
procurassem os de Logan, nem que sua voz ficasse mais grave quando se dirigia a ele. E
mesmo que isto não pudesse ser considerado como um sinal, havia a ruga leve na testa
da Sra. Sutherland que indicava que estava cuidadosamente alerta, pronta para interferir
a qualquer momento, caso percebesse algo errado no curso que conversa tomava.

– Você é sempre assim tão quieta? – Denise perguntou a Fiona, sorrindo como
se estivesse caçoando.

Logan respondeu e sua voz suavizou-se enquanto o fazia: – Ela uma criatura
tranqüila, Denise. E, além disso, Jonathan fala pelo menos por três.
– Ele é um amor. – Havia uma ternura sincera e inesperada na voz da garota,
desta vez. Enquanto falava, Denise abraçou Jonathan sorrindo para ele. – Espero que
não seja uma mãe possessiva, Fiona porque eu gostaria muito de conhecer Jonathan
melhor. Estive pensando... você sabe, Logan, que levo as duas crianças de Evely
Dickinson do parque infantil para a escola uma vez por semana, no dia em que vou ao
Clube Feminino? Você gostaria que eu também levasse Jonathan? Ele vai adorar o
parque e será bom que conheça as crianças com quem freqüentará a escola. Sou boa
motorista, Fiona. Diga a ela, Logan.

– É, ela é boa motorista. – O olhar de Logan estava pensativo, enquanto fitava a


criança sobre o joelho de Denise. – O que acha da idéia, Fiona?

Ela esperava que seu marido decidisse sozinho e sentiu-se emocionada por ele
ter pedido sua opinião. – Acho ótimo – disse com calma. – Assim, daremos a ele
algumas semanas para que se adapte à nova vida e a mim uma Oportunidade para que
me acostume a dirigir em estradas não asfaltadas. Então poderei levá-lo nos outros dias.
São três vezes por semana que você disse, não foi, Logan?

– Sim, às segundas, quartas e sextas-feiras.

– A reunião do Clube Feminino é às quartas-feiras – acrescentou Denise.

– Então muito obrigada.

Denise regozijou-se. – Tudo bem, Jonny. Você acha que vai gostar de ir ao
parque infantil comigo?

Jonathan bocejou, cobrindo a boca com as mãos, antes de responder com um


prazer sonolento: – Sim, muito obrigado, Denise.

– Jonathan! – Fiona olhou-o com severidade, mas Denise apressou-se a falar


antes que ele fosse repreendido.

– Fui eu que pedi que ele me chamasse pelo nome, Fiona. Jonathan não está
sendo mal-educado, portanto não fique brava com ele. – Tocou a face do garoto com
afeição. – Acho que este negócio de tratar os mais velhos de modo tão formal está
terrivelmente ultrapassado. Se você insistir em que ele me trate por Srta. Page, ficarei
muito sentida. Por favor, não faça isto.

Fiona olhou para Logan, que concordou com a cabeça.

– Ah! – gritou Denise, interceptando aquela comunicação silenciosa. – Se o amo


e senhor permitiu, você não pode negar-se. Sabe, gente, preciso ir embora. Vamos
receber algumas pessoas para jantar esta noite e ainda tenho que fazer o arranjo de
flores. Minha mãe deve telefonar a qualquer instante. Sra. Sutherland, quando vai dar
uma festa para apresentar a esposa de Logan para a sociedade?

– Dentro de algumas semanas – disse a mãe de Logan um pouco brusca. –


Quando Fiona nos conhecer um pouco melhor. E, se você não se apressar, vai apanhar
chuva.

Era uma nuvem escura que se movia com rapidez e de quando em quando era
iluminada por rasgos de luz azul. Denise deu um gritinho imitando medo e correu,
despedindo-se apressada. Logan precipitou-se assim pôde abrir-lhe a porta do carro
vermelho estacionado em frente à porta principal da casa.

Quando atravessou a porta, Fiona viu-o inclinando-se para ouvir algo que Denise
dizia, com as feições atentas, mas austeras, perto do charme encantador da garota. Ela
disse algo, tocou a face de Logan que endireitava o corpo e se afastava do carro. O
motor roncou, um braço cor-de-rosa claro acenou um adeus e o veículo saiu em direção
a estrada.

Capítulo IV
– Fiona – chamou Logan. – Tenho uma pilha de cartas para datilografar. Você
pode fazer isso esta manhã?

– Quantas cartas? – Ela deu uma olhada para a pilha de papéis sobre a
escrivaninha e levantou as sobrancelhas fingindo horror. – Você tem alguma indicação
específica para as respostas?

– Sim. As três que estão em cima são as mais urgentes, mas eu ficaria satisfeito
se todas fossem feitas hoje. Onde está Jonathan?

– Andando de triciclo pelo pátio. Ele o ganhou há apenas três dias, e do jeito que
gostou garanto que os pneus não vão agüentar por muito tempo.

Logan riu, deixando que seus olhos percorressem significativamente o rosto e


depois o corpo de Fiona. O dia estava quente, um contraste enorme com o frio da
quinzena anterior, e por isso ela colocara um vestido de algodão leve no seu tom
preferido de verde-claro.

– Com certeza este lugar não lhe fez nenhum mal – disse seu marido,
observando o rubor delicado que lhe subira ao rosto. – Além de Jonathan, você também
me parece muito disposta.

Por um momento, enquanto seus olhos se encontraram, uma tensão espalhou-se


pelo ar. Então, Logan virou-se e disse um pouco brusco:

– É melhor que comece o trabalho, se pretende fazê-lo. Você acha que


conseguirá acabá-la hoje?

Nunca pudera imaginar que quantidade de documentos e papeladas havia numa


grande fazenda. Além de todos os que diziam respeito diretamente a Whangatapu,
haviam artigos que Logan escrevia para jornais, eram notas sobre sua criação
experimental de gado do tipo Santa Gertrudes e uma correspondência que abrangia o
mundo inteiro. Ele parecia pertencer a um vasto número de organizações, nenhuma
delas relacionada com atividades de fazenda, como Fiona descobriu no dia em que
chegou à casa a carta de uma criança grega da qual ele era padrinho. Logan não lhe
dissera nada, mas, quando começou a colocar a correspondência em ordem, descobriu
cartas de outras duas crianças, uma de Bangladesh e outra de Hong Kong. As cartas
fizeram com que Fiona compreendesse um pouco mais o carinho que Logan sentia por
Jonathan e como sabia pouco sobre aquele homem alto e enigmático que era seu
marido.

Depois daquele primeiro dia em que Logan fora indiferente, quase grosseiro,
passou a comportar-se com cortesia para com ela, mas sem nenhuma alusão de que
algum dia esperara ou quisera uma aproximação maior do que aquela amizade crescente
entre eles. Nenhuma chama de paixão mostrava-se nos olhos de Logan, nem ele fizera
qualquer tentativa de beijá-la ou abraçá-la e, embora seu braço estivesse com freqüência
ao redor da cintura ou dos ombros de Fiona, isto só acontecia quando havia gente por
perto. Mesmo contra sua vontade, Fiona não conseguia deixar de sentir-se ressentida por
aquela indiferença; isto não resolvia o problema, pois ela sabia que esta era exatamente
a reação que Logan desejava que sentisse.

Algumas vezes lhe vinha à mente o comentário de Logan dizendo que ela
poderia declarar-se abertamente e perguntava-se se era exatamente isto que ele esperava
que fizesse. Mas, em outras vezes, quando ele era tudo o que um companheiro seria,
Fiona o desculpava pelas suas tentativas de manobrá-la e sentia-se agradecida pela
consideração e cortesia que demonstrava.

Além do mais, Logan não poderia ter sido melhor para com Jonathan. Alegrava-
se o coração de Fiona ao vê-los juntos, o homem alto e o garoto robusto; observar
Jonathan, que passara a adorar seu pai, que o estava ensinando a montar um pônei
audacioso; que o levava a pescar nos arredores e que nunca dissera que Jonathan era
criança demais para tentar fazer algo que desejasse. Também havia respeito no
relacionamento entre os dois. Jonathan aprendera que um olhar de seu pai era uma
advertência tão forte quanto quaisquer palavras ou castigos físicos podiam ser.

– Você tem muito jeito para lidar com as flores – a voz da Sra. Sutherland
interrompeu seus pensamentos. – Fiona, você poderia datilografar umas coisas para
mim? Já reescrevi metade do terceiro capítulo e o quarto inteiro.

– Tenho algumas coisas para fazer para Logan, mas não me tomarão muito
tempo. Acho que posso acabar até a hora do jantar.
– Oh, não trabalhe como uma escrava. Quero dizer-lhe que pretendo sair com
Jonathan depois do almoço. Vou visitar a família Page. Lilian não está muito bem
ultimamente. Quando conversei com Denise pelo telefone ontem à noite, ela me disse
que sua mãe precisava de alguém que a alegrasse e Jonathan, com certeza, é a pessoa
indicada. Isto lhe dará a tarde livre.

– Muito bom. Se eu não for interrompida, o tempo é suficiente para fazer tudo.
Jonathan ainda está andando no triciclo?

A face da Sra. Sutherland suavizou-se.

– Sim, que Deus o abençoe. Ele já deve ter andado alguns bons quilômetros
naquela coisa. Ele se adaptou tão bem! É muito parecido com Logan quando tinha a
mesma idade, determinado e destemido. Logan era sempre o líder. Stephen sempre o
seguia, imitando seu irmão como se fosse uma sombra, mas nunca se saindo tão bem
quanto Logan. Costumava perguntar-me se isto era por terem pouca diferença de idade;
apenas catorze meses. Preocupava-me muito a adoração de Stephen pelo irmão mas,
lógico, ele cresceu e livrou-se disto. Logan é que tem o caráter forte. Stephen não é
propriamente fraco, é um Sutherland de qualquer modo, mas sempre será um imitador. –
Ela sorriu com as lembranças e então uma certa tristeza tomou conta de sua expressão. –
Logan contou-lhe, sobre Stephen e Mary?

– Sei que eles não são muito felizes juntos – disse Fiona com rapidez, desejando
evitar algum tipo de confidência. Por alguma razão, sentia que não suportaria escutar
aquela história trágica de novo.

– Não são. Receio que Mary tenha muito do caráter do irmão. Danny. E era de
Stephen que ela gostava antes de ter aquela paixão súbita e estúpida por Logan, e foi
para Stephen que ela se voltou, depois que tudo terminou. Tenho certeza de que o ama.
Infelizmente, Stephen sabe ser mordaz quando se sente deixado para trás por alguém
que ama. Estariam muito bem se apenas se apercebessem disto e deixassem de
amargurar-se com autocomiseração.

– Estou certa de que eles vão se acertar. Afinal de contas, não estariam juntos há
tanto tempo se a vida deles fosse um inferno terrível, a senhora não acha?
Mas a Sra. Sutherland recusava-se a ser consolada com chavões.

– Não sei. Stephen é possessivo, como Logan. Acho que é capaz de qualquer
afeição que Mary tenha por ele como uma arma.

Fiona olhou-a com espanto. – A senhora está descrevendo tirano!

– Não, minha querida, apenas um homem que sempre teve pouco de ciúme de
seu irmão; que não aceita o fato de que sua esposa o usou como um amparo. Será
interessante ver como reagem a sua presença. De fato, você entende, estou esperando
que as novidades sobre seu casamento com Logan ajam como uma espécie de
catalisador, quebrando as amarras do passado, permitindo assim que consigam começar
de novo.

– Eles vêm para cá? – Fiona não os desejava ali, perturbando sua tranqüilidade.

A surpresa levantou as sobrancelhas bem delineadas de sua sogra. – Logan não


lhe contou? Eles vêm para a festa no próximo fim de semana e passarão a noite de
sábado aqui. Stephen tem a sorte de ter um excelente administrador e não há problema
quando sai de lá.

– Não, Logan não me disse nada. – Fiona tentou sorrir. – Com certeza pensou
que eu já soubesse.

– Bem, Jinny e eu estivemos conversando sobre isso, mas acho que nenhuma das
vezes você estava por perto.

A Sra. Sutherland parecia indecisa sobre se devia ou não desculpar-se.

– Não se importe – continuou – agora você sabe. O que vai vestir no sábado à
noite?

– Ainda não sei.

– Deixe que Logan escolha por você. Ele tem um gosto excelente e sabe
exatamente como você deve estar.
Ailsa ficaria assustada se tivesse adivinhado os pensamentos de Fiona enquanto
ela voltava para o estúdio. Deixar Logan escolher, realmente! Repetia em silêncio.
Como se ela não fosse digna de confiança para decidir o que usaria numa festa! Como
se atrevia! Que tremenda arrogância a dos Sutherland!

Logan, sentado à sua escrivaninha, notou os olhos cheios de raiva e as faces


coradas de Fiona. Seus olhos estreitaram-se, mas ele não disse nada, apenas a observou
sentar-se e começar a trabalhar. Depois de alguns momentos o rubor desapareceu; um
sorriso secreto e malicioso aflorou em seus lábios carnudos. Fiona, então, passou a
trabalhar com afinco.

– Que significa isto? – Fiona estendeu uma carta a seu marido.

Logan parecia perplexo, passando a mão pelas sobrancelhas.

– Não consigo me lembrar de ter escrito isto. Oh... sim, lógico. É o freguês uma
firma de equipamentos que quer promover uma competição. Sugira que ele entre em
contato com o administrador da Associação dos Fazendeiros, aqui estão o nome e o
endereço e que acerte com ele.Terá que ser um dia limpo; não quero permitir que
Whangatapu seja usada para promover produtos manufaturados. Mas uma competição
pode ser uma boa idéia se o administrador tomar o cuidado de inspecionar.

– Está bem.

Metade da carta tinha sido escrita quando o toque alegre do sino indicou a hora
do almoço. Logan praguejou: – Diabos! – mas levantou-se e estendeu a mão para Fiona.

– Vamos, é melhor chegarmos logo. Jinny detesta que se chegue atrasado.

Fiona fez uma pequena careta.

Nada escapava a Logan. Enquanto pegava a mão de sua esposa perguntou com
frieza: – Você ainda não gosta dela, não é?

– É muito difícil gostar de alguém tão esquivo – murmurou Fiona– Mas eu não a
culpo, não se preocupe.
– Oh, isto é muita indulgência de sua parte. Por que não a culpa?

Ela riu para Logan, com aquela espécie de travessura brilhando em seu sorriso. –
Porque tudo o que ela sabe de mim é que o abandonei. E Jinny não pode imaginar que
alguém pudesse querer abandoná-lo a não ser por alguma razão vergonhosa, pois você é
perfeito em todas as coisas. – Fiona comprimiu os lábios, mas seus olhos estavam
sorridentes, apesar da gravidade de seu semblante.

– Se eu pudesse acreditar no que diz... – ele interrompeu-se então continuou com


calma: – Bem, não quero que- Jinny a aborreça. Pensei que ela fosse acostumar-se a
você com facilidade, que fosse logo começar a tratá-la como minha esposa, mas, já que
ela não consegue, terá que ir embora.

– Acho que essa é uma atitude radical – disse ela com objevidade. – É muito
difícil encontrar-se governantas na Nova Zelândia e, na verdade, Jinny é um tesouro.
Ela não me aborrece. Sinceramente ela tem um tipo de integridade obstinada que eu
admiro. Portanto, não diga nada, pois ela pensaria que estive tentando criar problemas.
Ela gosta de Jonathan e isto é o principal.

Ele lançou-lhe um olhar curioso e quase áspero. – Isto é tudo com que se
preocupa? Que Jonathan seja feliz? Você nunca pensou em si mesma como outra coisa a
não ser a mãe dele?

– Ora! – retrucou ela. – Eu sou eu. E não tenho que me mostrar para as pessoas.
No momento é Jonathan quem necessita de mim. Por quanto tempo necessitar, eu
estarei aqui.

– Você precisa de que necessitem muito de você?

Fiona encarou-o, ciente de que Logan estava intrigado com a frieza para com
ele. Não poderia dizer-se que Logan era mimado, era óbvio que recebera muito poucas
recusas em sua vida. Metade da população feminina o adorava, porque ele era alto,
bonito e possuia aquele magnetismo mágico; e os homens gostavam dele também por
seu caráter e porque tinha aquela qualidade indefinível que fazia algumas pessoas serem
líderes. No momento, ele fazia um jogo de espera dando-lhe tempo para acostumar-se
com a idéia de ser sua esposa e com tudo o que um casamento acarretava, mas Fiona
sabia que a paciência fazia parte da natureza de Logan.

De vez em quando, perguntava-se se a prudência fria de Logan se transformaria


em impaciência; mas não se sentia particularmente amedrontada. Ele não a tomaria à
força e ela sabia que suas próprias defesas eram seguras e fortes, pois o estava amando
de novo, só que esta vez não se contentaria com nada menos do que o amor de Logan.
E, com certeza, não era amor o que ele estava sentindo agora; seus instintos mais
profundos lhe diziam isto. Uma parte era paixão, outra ressentimento e desejo de
possuir completamente o que considerava seu. E outra parte ainda, pensou Fiona,
resíduos de ternura pela criança que ela fora e arrependimento pelos anos em que se vira
obrigada a tornar-se madura, dando à luz seu filho, cuidando dele sem um marido, para
ampará-la. Um homem complexo, mas ela também era uma mulher complexa, e não
ficaria satisfeita com uma paixão efêmera. Se algum dia se desse a ele, isto aconteceria
apenas depois de ter o conhecimento pleno do amor de Logan e, para obter aquele amor,
enfrentaria o mundo se fosse necessário.

Assim, respondeu com tranqüilidade: – Todas as mulheres precisam de que


necessitem delas. Pensei que esta fosse a lição número um de qualquer manual, Logan.

Ele apertou o braço de Fiona com força. – E você acha que sabe tudo sobre isto,
não é? Bem, suponho que seja melhor não continuarmos esta discussão por mais tempo
ou Jinny virá nos buscar pelos cabelos. Mas pretendo prossegui-la numa hora mais
conveniente.

No fim da tarde daquele mesmo dia, Denise Page chegou com a Sra. Sutherland
e começou a exibir-se para Fiona de uma maneira tão sutil e inteligente que tudo o que
Ailsa podia ver era as duas garotas conversando. Fiona, pálida ao lado da beleza
extraordinária de Denise, tornava-se uma sombra, uma criatura sem substância, sem
traços marcantes, sem cor a não ser as mechas avermelhadas na cabeça. Até mesmo
Jonathan parecia preferir Denise.

No momento em que a Sra. Sutherland os deixou, Denise disse com


tranqüilidade: – Você não devia estar tomando banho agora, Jonathan? Já está quase na
hora do seu jantar.
– Você quer me dar banho esta noite, Denise?

Um ar de triunfo brilhou nos olhos negros de Denise. Olhou para Fiona e disse
com um quê de complacência na voz delicada:

– Não quer que sua mãe lhe dê banho?

Jonathan gargalhou, um som encantador que destoava muito da tranqüilidade


esquisita daquela sala de estar. – Não, hoje não.

Fiona escondeu um sorriso. Ia ser interessante. Com uma permissão daquelas,


Jonathan era bem capaz de fazer uma enxurrada no banheiro, mas Denise tinha que
descobrir isso por si mesma!

Com um alegre olhar de desafio para a mãe, Jonathan apressou-se em direção à


porta para descer até o terraço, indo de encontro ao seu pai.

Fez-se silêncio na sala imensa. Denise recostou-se em sua poltrona com o


movimento de um gato, correu os dedos pelos cabelos e disse com leve malícia: –
Parece que ele está se afastando de você. Fiona. Não lhe magoa o fato dele ter
transferido sua afeição com tanta rapidez?

– Mágoa? Não, por que deveria? – A voz de Fiona estava tão distante como se
não estivesse prestando atenção à conversa, mas seu cérebro estava trabalhando
ativamente. Desde o começo, percebera que Denise não gostava dela; agora tinha que
descobrir o porquê. Fiona pensou com tristeza que já sabia.

Mas, aparentemente, Denise ainda não estava pronta para isso. A garota deu uma
exclamação que pareceu muito perto de desdém e então perguntou: – E você, está
gostando de viver aqui? Acho que Whangatapu fez muito bem a Jonathan, mas não
posso dizer o mesmo a seu respeito. Você sempre foi pálida ou está precisando tomar
um fortificante?

– Sempre fui pálida. E isso combina com meus cabelos vermelhos. – Havia um
tom de gozação em sua voz que não passou despercebido para Denise.
Um rubor subiu pelas maçãs do rosto da moça. Descontrolando-se disse: – Então
deve ter sido exatamente seus cabelos que atraíram os olhos de Logan, pois não há nada
mais que pudesse fazê-lo! Espero que tenha percebido que se não tivesse reaparecido
numa hora tão inconveniente ele e eu teríamos nos casado.

– Ele não podia ter se casado com você quando já era casado comigo. – As
pálpebras de Fiona baixaram-se ocultando seus pensamentos. Oh, Logan, Logan!

Portanto ela sabia sobre o casamento apressado, mas ainda não estava pronta
para se fazer valer disso. Fiona sentiu uma piedade súbita por ela. Mimada, amável e
segura, Denise provavelmente depara-se com a primeira contrariedade de sua vida
quando Fiona e Jonathan apareceram em Whangatapu como esposa e filho. Que ela
queria Logan era óbvio pela raiva demonstrada no tom de voz; Fiona tinha quase certeza
de que Denise queria mais a posição de proprietária da fazenda. Ela devia estar muito
certa da realização de seus desejos; talvez Logan tivesse tido algum entendimento com
ela, embora informal.

Fiona não estava certa quanto aos sentimentos de Logan com relação à garota.
Até mesmo um homem com um formidável autocontrole como ele teria mostrado
alguns sinais de amor reprimido, mas não houvera nenhum; nem um mínimo piscar de
olhos ou enrijecer de músculos para denotar tensão quando Denise estava perto dele.
Fiona não conseguia esquecer que Logan não era da espécie de homem que se
apaixonaria terrivelmente por uma garota como Denise, que era mais atirada e fútil do
que inteligente.

Com aquele ar de distância que conseguiu assumir, Fiona murmurou: – Se é


assim, sinto muito por você.

– Você? – Denise disse isto com um arrogante meneio de cabeça. – Sinto muito
por você! Você pode ser a esposa de Logan, mas posso garantir que ele não perdeu um
momento sequer de todos os anos em que estiveram separados pensando em você. Além
disso, seu marido a ignora a maior parte do tempo, mesmo agora que estão juntos, é
muito claro que ele quer Jonathan e aceitou-a apenas como parte de um negócio.
A mão de Fiona apertou o braço da poltrona por um momento. Desarmada pelo
veneno de Denise, disse com rapidez: – Acho que a conversa é totalmente indesejável.
Vamos terminar por aqui antes que alguém vá longe demais.

– Você realmente tem um caráter insípido! – atacou Denise, acalmando-se um


pouco enquanto dizia com ar solene: – Está bem, vamos terminar, por agora. Sabe, de
muitas maneiras eu me pareço muito com os Sutherland. Consigo sempre o que quero.

– Isso é bom se você estiver preparada para pagar os gastos – disse Fiona,
sombria, lembrando-se de outra ocasião em que ela também quisera e conseguira.

Mas Denise, com a arrogância que apenas a juventude pode ter, disse
zombeteira: – Oh, pagarei com alegria. As recompensas serão imensas, você verá.

Aquelas palavras ainda ecoavam na mente de Fiona. Uma noite de sono não
conseguira livrá-la de suas implicações, especialmente porque, na noite seguinte, a
orgulhosa Denise pôde reforçar sua exatidão. Ela estava belíssima, vestida com suas
cores preferidas, cor-de-rosa e prata e, sem esforço, já se tornara o centro das atenções.
Era como se estivesse se exibindo deliberadamente para mostrar a Fiona com quem teria
que combater. Ao mesmo tempo, era uma visitante encantadora; a Sra. Sutherland tinha
convidado também dois velhos amigos seus, um artista chamado Forrest Thurston e sua
esposa e, com o amparo de Ailsa, Denise tornara-se uma espécie de co-anfitriã.

Para Fiona, os Thurston não tinham aparência de artistas. Baixos e corpulentos,


pareciam mais irmãos do que marido e esposa e era orno se estivessem mais à vontade
numa fazenda do que diante de um cavalete. A Sra. Thurston era uma experimentada e
criativa pintora de porcelana, enquanto seu marido ganhara reputação internacional
como retratista de grande percepção e habilidade técnica. Fiona sentia-se um pouco
tímida no começo, mas logo a simplicidade do casal a deixou inteiramente à vontade.
Forrest dirigiu-se a ela com gentileza e fê-la rir com histórias sobre as pessoas que
retratava comentou sobre seu sorriso com os olhos sensíveis e aguçados, enquanto
observava:
– Seu sorriso é hesitante, ainda que um tanto constrangedor. Você deveria sorrir
mais, minha cara. Quando o faz, vejo a verdadeira Fiona.

Suas palavras foram seguidas por um daqueles silêncios que sempre acontecem
em qualquer reunião social e foi, Logan, com a voz um pouco divertida, que respondeu:
– O sorriso de Fiona foi a primeira coisa que me chamou a atenção, Forrest.
Conhecemo-nos no Coronet Peak na South Island num dia em que estávamos
esquiando.

Logan aproximou-se de Fiona e pegou uma mecha de cabelos ao lado do rosto


ruborizado da garota alisando-os com um toque de amor. Aquela atitude fez com que
Fiona estremecesse, mas, se obrigou a não fugir de seu marido nem das lembranças que
ele invocara.

– Cabelos cor de cobre – disse Forrest –, tão lindos e tão raros. Você sabia que o
cobre é o metal de Vênus, a deusa do amor?

Houve outro pequeno silêncio e então soou uma risadinha e as palavras de


Denise: – E pensar que sempre achamos que as pessoas de cabelos vermelhos tem um
temperamento muito ruim! Como é bonito ter as cores de Vênus, embora ela fosse uma
senhora de moral duvidosa, se me lembro corretamente. Pelo menos ela não era
enfadonha.

Agora, enquanto se inclinava sobre a tranca do alto portão a caminho do mar,


Fiona perguntava-se por que a malícia das observações de Denise não haviam ficado
claras para ninguém mais na sala. Talvez porque tivessem sido proferidas com um
charme que apenas Fiona sabia ser falso.

O sol banhava com sensualidade seu rosto e braços nus, hipnotizando-a levando-
a a um estado de semi-sonolência que, embora delicioso, era uma perda de tempo.
Atrás, em um lado da estrada de pedregulhos que dividia a propriedade, estava
estacionado o carro verde que Logan lhe comprara há mais ou menos uma semana. Esta
era a razão por que estava a três quilômetros de distância da casa, naquele lugar
silencioso onde as cotovias cantavam alegremente e as únicas outras coisas móveis eram
os barcos ancorados na enseada. Tudo o que dizia respeito à fazenda parecia muito,
muito longe, pequeno, remoto e sem importância, até mesmo a dor importuna que se
tornara parte dela desde que mais uma vez dera seu coração a Logan.

Às vezes parecia-lhe que deveria ceder a todos os desejos ardentes de seu sangue
e efetivar sua condição de esposa, deixando as barreiras de lado. Era besteira querer
abraçar o mundo com as mãos, ser tão ingênua a ponto de exigir o amor como um
requisito para aquela união! E ainda... e ainda que... Mas se o fizesse, se o casamento
fosse baseado na paixão, seria apenas tão forte quanto aquela paixão, e depois que esta
tivesse esmorecido o que lhes restaria? Logan dissera-lhe que ele devia um pai para
Jonathan, por isso, casara-se com ele.

Mas ela devia mais do que um pai para Jonathan, devia-lhe a dádiva de pais que
respeitassem a si mesmos e um ao outro e, caso deixasse de lado sua resistência contra
os desejos casuais, seu auto-respeito teria se esvaído e com ele, tinha certeza, qualquer
consideração que Logan tivesse por ela. Não tinha receio da infidelidade, pois seu
marido trocara promessas com ela e, na certa, as cumpriria. O que temia mais era a ela
própria e a suas dúvidas interiores.

Dissera com orgulho a Logan, que ela era uma pessoa, não apenas a mãe de
Jonathan. Sabia que se lhe desse o que seu marido queria, ele passaria a vê-la como sua
esposa, não como Fiona, uma mulher com caráter, força de vontade e talento, uma
mulher que nunca se contentaria em que a busca de sua individualidade se tomasse
apenas a extensão do ego de um Sutherland.

Portanto, o pé de guerra silencioso e secreto entre ela e Logan devia continuar.


Ele tinha a razão e a lógica de seu lado, ela, apenas o conhecimento intuitivo do coração
de uma mulher, e isto era uma armadura frágil para a batalha.

– Divagando?

Aquela voz, totalmente inesperada, fez com que Fiona tivesse uma reação que
não era de seu comportamento. Deu um salto e prendeu a respiração antes de virar o
rosto sem cor para o homem que chegara em silêncio até aquele lugar.

A expressão sarcástica de Danny Harmon mudou para uma de preocupação


verdadeira.
– Ei, você está bem? Não tinha intenção nenhuma de assustá-la.

– Bem, você o fez – disse ela, tropeçando nas palavras. – Desculpe-me, eu não
esperava que alguém aparecesse. Como chegou até aqui?

– Deixei o cavalo perto do córrego quando a vi e subi a pé, mas não, repito, com
a intenção de amedrontá-la. Pensei que gostaria de alguém para lhe fazer companhia.

Fiona hesitou; a primeira advertência de Logan voltou-lhe à mente. Mas, parado


ali, sob a luz do sol, o rapaz parecia apenas jovem e bastante ansioso, nem um pouco
perigoso. Assim, Fiona sorriu, aquele sorriso leve que prometia muito mais do que
revelava, e disse: – Preciso ir embora ou Logan vai pensar que me perdi em algum
lugar.

– De volta para Logan? – Ele riu com ironia, sentou-se no chão encostando-se na
roda do carro e fitou-a com uma insolência deliberada. – Se for agora, terá que passar
por cima de mim; realmente não se pode dar ao luxo de ter outros boatos circulando a
seu respeito, você sabe. Apenas por uma razão: isto faria Logan conclui que, afinal de
contas, não foi uma boa idéia trazê-la para cá.

Danny estava lançando uma isca, tentando levá-la para... para quê? Um rancor
contido, alguma reação para alimentar seu ódio talvez. Fiona não pretendia demonstrar
qualquer coisa de que e pudesse fazer uso e, assim, reunindo todo seu autocontrole,
disse com tranqüilidade: – Não seja bobo, Sr. Harmon. Está um dia muito bonito para
comparações dramáticas.

Um brilho rancoroso nos olhos dele indicou-lhe que cometera um erro.

Sem mover-se o rapaz disse: – Eu não sou seu precioso filho, Sra. Sutherland.
Esperei muito por este momento, desde a primeira vez que a vi, e você vai ficar aqui até
que tenha lhe dito tudo o q pretendo dizer.

Fiona levantou os ombros em sinal de indiferença. – Diga, então, sem dúvida lhe
fará bem tirar o que você considera um peso sobre suas costas.

– Suponho que seu marido tenha se antecipado e lhe contado sua versão dos
fatos. Muito bem, Sra. Logan Sutherland, terá agora a oportunidade de ouvir a verdade e
espero que isto a sufoque, ou talvez eu não espere, não; você não é a culpada pelo que
seu marido fez nos anos em que agia como um solteiro, seguro com o fato de ter uma
esposa enfiada em algum lugar, se uma de suas namoradas se mostrasse importuna
demais. Pois, não sei se você sabe, receio que Logan não lhe tenha sido muito fiel nos
anos que estiveram separados. Logan seduziu minha irmã – continuou Danny, com o
mesmo tom de voz. – Seduziu-a e, quando se cansou, livrou-se dela casa do-a com o
irmão, Stephen. Ela, pobre garota, pensou que não tivesse problema algum em dormir
com o homem com quem se casaria. Eu podia tê-la avisado que homens do tipo de
Logan não se casam com garotas apaixonadas, mas eu não estava aqui. Quando cheguei,
tu já havia acontecido e Mary e Stephen já estavam ocupados em fazer a felicidade um
do outro.

Ele se levantou e endireitou-se, com um olhar que parecia suprimir o ar que


havia entre eles. – De uma certa forma, sinto muito por você, Sra. Sutherland. Como eu
e Mary, você está aqui apenas p tolerância. Nenhum amigo, nenhuma posição, a não ser
a de mãe Jonathan e um marido que tem um romance com a encantadora Denise Page.
Você é suave demais para os Sutherland, portanto se machucará, assim como Mary se
machucou. E não há ninguém que cuide de seus interesses, há? Você está muito, muito
sozinha. Até logo, Fiona, vejo você na festa.

Fiona observou-o enquanto ele descia a colina, com os ombros erguidos e o


andar levemente afetado, como se suspeitasse que ela não tirara os olhos dele.

Capítulo V

Fiona foi recebida por uma gritaria. A voz alta e cheia de raiva de Jinny vinha da
cozinha; era a primeira vez que a governanta perdia o controle, desde que Fiona chegara
a Whangatapu, ou, pelo menos era a primeira vez que se deixava ouvir.
O som da porta se abrindo pareceu congelar num quadro vivo as pessoas que
estavam na cozinha. Jinny, alta e magra, com o rosto muito vermelho, Jonathan
encarando-a com os lábios trêmulos, mas com a rebeldia faiscando em seus olhos, e, por
fim, Ailsa, completamente embaraçada.

– O que está acontecendo? – perguntou Fiona, com um tom de voz


propositadamente calmo.

– Vou lhe dizer o que está acontecendo. – Jinny recuperou um pouco de


controle, mas Sua face ainda estava vermelha e sua expressão mostrava um
ressentimento claro, enquanto falava. – Seu filho foi rude e mal-educado, e precisa ser
castigado.

Fiona reprimiu um suspiro, compreendendo por que Ailsa perdera sua pose
normal. Seria uma tarefa delicada, a de tentar salvar a pele dos dois, Jinny e Jonathan.

– Sabe, Jonathan, algumas vezes você ouve coisas que não foram dirigidas a
você. Estou certa de que esta foi uma destas coisas. Um cavalheiro nunca é rude com
uma senhora, por mais que esteja bravo com ela, portanto você deve pedir desculpas
para Jinny. Você a fez ficar triste e agora deve tentar alegrá-la novamente...

Por um momento, Fiona pensou que não se tivesse saído bem, Jonathan olhou
para Jinny com rebeldia, deu um suspiro profundo e acalmou-se. Com as maneiras de
um adulto, atravessou a cozinha de ladrilhos polidos e estendeu a mão.

Jinny fitou-o e ficou vermelha de vergonha. Abaixando-se, pegou a mãozinha do


garoto nas suas e disse: – Desculpe-me também, pois fui grosseira com você. Esqueci
que já é um homenzinho. Agora, vá buscar uns limões no pomar.

A aparência de adulto de Jonathan também sumiu, com um grito e uma corrida


até o pomar, pois não havia nada que adorasse mais do que um pudim de limão, e Jinny
não o fazia com muita freqüência.

Fiona virou-se para sair, ciente de que Ailsa acalmara-se, feliz por tudo ter
acabado bem. Jinny aprendera uma lição e, talvez, Jonathan também.
Mas ,a governanta a impediu, segurando-a com uma mão desajeitada. –
Desculpe-me também – disse, com alguma dificuldade – pelo que disse. Eu não tinha o
direito...

Fiona podia não gostar muito de Jinny, mas não suportava vê-la humilhada. Com
um sorriso que era raro, disse: – Não na frente de Jonathan, mas você tem todo o direito
de manter suas próprias opiniões. Não se preocupe com isto, por favor.

Ailsa riu e, depois de um instante, a expressão de Jinny também era sorridente.


Fiona abriu a boca para oferecer ajuda, mas Ailsa antecipou-se: – Então vamos deixá-la
com seu almoço, Jinny querida. Fiona, detesto dizer-lhe isto, mas já reescrevi aquele
último capítulo, descobri um furo enorme na história que faria dela um fracasso e tive
que fazer tudo de novo. Fiquei acordada metade da noite.

Quando já estavam fora da cozinha, tinham subido metade das escadas, Ailsa
parou de falar e olhou ao redor.

– Fiona – disse –, você foi ótima. Obrigada, querida. Você acabou com a
resistência de Jinny e não vai demorar muito tempo para que se esqueça que nem
sempre gostou de você. É provável que ela tente emendar a situação, pedindo-lhe que a
ajude em algumas tarefas da casa, mas, seja como for, não se ofereça. Ela interpreta isto
como um sinal de que seu serviço não está bom.

Fiona riu. – Então obrigada por poupar-me de cometer outro erro.

Voltando a seu quarto, Fiona ,sentou-se na ponta da cama com um suspiro


profundo e ficou observando suas mãos distraidamente. O incidente no andar de baixo
tinha afastado por algum tempo Danny e suas palavras de sua mente, mas agora
voltavam com nitidez. Fosse qual fosse a verdade, não havia fingimento na sinceridade
de Danny em sua amargura forte e permanente. Era certo que acreditava no que dissera
a Fiona. Ele teria formado suas opiniões com coisas que a irmã lhe contara ou teria
chegado sozinha a suas conclusões? Com uma calma deliberada, levantou-se e começou
a limpar o quarto. Não devia pensar naquele assunto até que Logan tivesse oportunidade
de defender-se.
Seu marido subiu meia hora antes de o sino do almoço tocar, encontrou-a
sentada numa pequena escrivaninha de madeira, escrevendo uma carta para a senhora
Wilson. Fiona virou-se para recebê-lo e viu que ele estava nervoso. Quando Logan
estava com raiva, seu rosto parecia tornar-se uma máscara de madeira. Sem preâmbulos,
perguntou: – O que Danny Harmon lhe disse esta manhã?

– Acho que você sabe – retrucou Fiona.

Olhou-a, furioso, e então atravessou o quarto em três passos e parou à sua frente.
– Que Mary e eu éramos amantes?

Ela assentiu, abaixando a cabeça para evitar a intensidade do olhar de Logan.

– E você acreditou nele.

Era uma afirmação, não uma pergunta. Fiona negou com a cabeça.

– Não sou tão estúpida a ponto de não saber quando um homem odeia e quer
magoar. Mas ele acredita nisto, Logan. Por quê?

– Está querendo dizer que você não? – Ele parecia incrédulo, embora o tom
cortante ainda estivesse presente em sua voz e a mão com que lhe levantou o queixo não
fosse gentil.

– Não, não acredito nele, Logan. Você não é do tipo que faz isso.

Ele a fitou, riu e levantou-a, trazendo-a para seus braços, ela ficou tensa e as
batidas de seu coração pareciam sufocá-la.

– Você continua a me surpreender. Por que, Fiona?

– Já lhe disse que você não é o tipo de homem que se comporta daquele jeito.
Por que Danny acredita nisso, Logan?

– Só Deus sabe – disse ele, imparcialmente. – Não pretendo ser capaz de


compreender todos os mecanismos de pensamento de Danny; um psiquiatra talvez
pudesse explicar o que é necessário para ele acreditar que eu não seduzi Mary. Eu não
posso. Pensei que você acreditasse nele.
– Foi por isso que não me contou?

Logan levantou os ombros, afastando-a com alguma relutância.

– Não sei... Se tivesse contado, você poderia pensar que eu estava querendo
apenas arrumar uma desculpa aceitável.

Enrugando a testa, ele passou a mão na nuca, arqueando as costas como se


tivesse se libertado de um peso. Os músculos firmes, sob a camisa azul, enfatizavam a
vigorosa atração que acelerava a pulsação de Fiona, todas as vezes que estavam no
mesmo cômodo.

Apressada, para ocultar o efeito que ele exercia sobre ela, Fiona disse: – Logan,
ele é perigoso. Você já tentou discutir estas coisas com ele?

Logan levantou uma sobrancelha, zombando de sua inquietação.

– Por que essa súbita preocupação? Tinha lhe dito o que ele sentia, lembra-se?
Mas como você mesma pode ver, não há necessidade de se inquietar por causa dele. Ele
não pode prejudicá-la, agora que você sabe de tudo. Vai tentar, mas o veneno dele não
pode atingir você ou Jonathan, de jeito nenhum. Quanto a mim – ele riu, arrogante e
cheio de confiança –, não acha que eu posso com ele?

– Oh, claro – retrucou ela, falando depressa porque a auto segurança dele sempre
a insultava –, estou certa de que você consegue lidar com qualquer coisa, desde que se
convença disso.

Logan a observava sorrindo, quando Fiona atravessou o quarto e fechou as


cortinas sem necessidade. Sua voz seguiu-a, insinuante e sedutora: – Se não fosse pela
teimosia de uma certa garota, isso seria verdade. Onde conseguiu essa força de vontade
de ferro, Fiona? Você parece tão frágil, ainda que, sob essa máscara encantadora e
pálida que mostra para todos nós, esconda uma força de aço.

Com os músculos tensos e o rosto virado, Fiona respondeu:

– Talvez eu esteja tentando intrigá-lo.


Logan riu enquanto caminhava para a porta do banheiro. – Não, você não tem
malícia, querida. – E, já dentro do banheiro, continuou – É por isso que deixei a decisão
a seu cargo. Você não quer um relacionamento mais chegado ainda, por razões que
consigo entender, embora não concorde com elas. É orgulho, garanto, o desejo de ser
considerada como uma pessoa, independente de ser minha esposa. Não levará muito
tempo para que isso seja um fato. Quando tiver acontecido, Fiona, nada do que você
disser ou fizer impedirá que eu torne este casamento verdadeiro.

Houve um breve silêncio e Logan continuou: – E se é o orgulho também que a


faz ficar calada, agora, não se preocupe. Você tem se mantido intacta por não se
declarar abertamente, como disse que não faria. Você não precisa mesmo concordar em
dividir minha cama comigo; quando eu chegar a conclusão de que já e tempo para isso,
vou libertá-la de seu orgulho.

A ameaça foi sublinhada pela risada de Logan e seguida, um instante depois,


pelo som da água corrente na banheira.

Por um longo tempo, Fiona continuou ali como uma estátua de pedra. Então,
forçou-se a relaxar os músculos, antes de ir até a penteadeira e pegar sua escova de
cabelos.

Cuidar dos cabelos trouxe-lhe alguma calma, pelo menos exterior, apenas ela
sabia que em seu íntimo havia medo, excitação e ansiedade.

Em Whangatapu, a correspondência chegava depois do almoço. Era depositada


numa caixa no topo da colina e o carteiro avisava sua chegada pelo toque prolongado da
buzina de seu furgão. Normalmente Tom subia para pegá-la e, depois de distribuir as
encomendas da residência principal, continuava a entrega nas outras casas. Junto com a
correspondência vinham os jornais e outras coisas que as famílias tinham encomendado
à cidadezinha por telefone, pois o carro do correio entregava quase tudo.

Portanto, após o almoço, podia-se ficar certo de que em todas as casas haveria
um período de calma, em que todos liam os jornais ou as cartas recebidas.
Ailsa interrompeu aquele silêncio, murmurando algo com tanta agitação que
Fiona levantou os olhos de seu livro. Franzindo a testa, Ailsa consultou um calendário
que nunca estava muito longe dela.

– Diabos! – disse, exprimindo frustração. – Com efeito, isto é demais! Logan!

– O que foi?

– Lembra-se de que lhe contei que o clube de jardinagem de Auckland está


fazendo uma espécie de excursão didática por todo o Norte? Eles querem passar mais ou
menos uma hora aqui, porque este é um dos poucos exemplos de jardins coloniais que
ainda existem. Bem, esta carta é da secretária. Ela espera que eu não me importe, mas
eles se anteciparam e estarão aqui na sexta-feira.

– É muito importante o dia em que chegarão? – perguntou Logan.

Ailsa lançou um olhar apressado para a carta em sua mão.

– O chá poderá ficar a cargo de Jinny e do Círculo de Jardinagem. Preciso fazer


uma lista das coisas que devem ser feitas antes que elas cheguem. Vamos, Fiona,
faremos isto agora.

Fiona levantou-se e, enquanto seguia a Sra. Sutherland em direção à porta,


Logan dobrou o jornal, colocou-o de lado e disse: – Você terá que se arrumar sem Fiona
por alguns minutos, mãe. Quero conversar com ela.

Por um momento, Ailsa manifestou surpresa, mas estava apressada demais para
objetar. Fiona deixou-se conduzir da sala de estar para o estúdio.

Logan parou ao lado da escrivaninha e perguntou bruscamente: – Por que você


permite que ela lhe dê ordens como se fosse sua patroa?

Fiona espantou-se. Respirou fundo e disse com calma: – É o comportamento


normal dela. Você devia saber disto, Logan.

– Ela o faz porque você permite. Não gosto disto. Se fizer algum esforço, é
capaz de lhe colocar rédeas. Minha mãe nunca foi particularmente caseira, mas você é
minha esposa, Fiona! Não quero pessoas discutindo sobre meu casamento, perguntando
por que você não tenta defender-se, como já vi os Thurston fazendo. Só Deus sabe
quantos boatos circulam por aí.

O modo brusco de seu marido enfureceu-a. Sem parar para pensar, respondeu: –
Não é necessário que eu aja como anfitriã, aqui! Este lugar funciona tão bem que minha
presença é quase dispensável, especialmente quanto a você, que tem Denise Page como
uma substituta ideal.

Depois de um momento de silêncio e tensão, Logan respondeu: – Então está com


ciúme dela. Pensei nisto. Por quê? Porque ela tem charme e a habilidade de fazer com
que os outros se sintam bem? Porque tem todos os atributos que lhe faltam, Fiona, e,
pelo que parece, você não tem intenção de adquirir?

Logan suspirou, lançando um olhar de desaprovação para ela, e continuou com


decisão: – Você deve achar que as outras pessoas estão muito entrosadas com a vida,
aqui. Whangatapu sempre teve reputação por sua hospitalidade, o que é bom para nós. E
você não vai destruí-la. Ao que me parece, a única maneira de fazê-la sentir-se como
parte integrante da família é tornar isto um fato concreto, direi a Jinny e a minha mãe
que de hoje em diante você cuida da casa inteira.

A raiva e o desdém de Logan chocaram-na, mas não podia deter-se em seus


próprios sentimentos; sua observação maliciosa sobre Denise Page provocara uma
reação que lhe mostrou o quanto eram sem fundamento suas esperanças de conquistá-la.

Com firme persistência, Fiona afirmou: – Se fizer isso, vai destruir qualquer
chance minha de ser o que quero. Não tenho experiência de lidar com uma casa como
esta e, se você forçar sua mãe, e principalmente Jinny, a aceitar esta imposição, vão me
odiar; e, pensando bem, não as culparei.

– Então você terá que vencer a aversão das duas – retrucou ele com frieza. – E
não dramatize. Nenhuma das duas tem propensão a ter ataques de sentimentalismo;
portanto, embora possam ficar surpresas com minha decisão, não a acharão estranha.
Ficarão muito mais surpresas se eu permitir que esta situação continue. Minha esposa
não é uma ficção e recuso-me a permitir que você se comporte como se fosse. Você tem
ciúme de Denise apenas porque enxerga nela coisas que queria para você. Uma vez que
sua posição esteja definida, nesta casa, não haverá razão para invejá-la; vai achar que é
uma garota agradável e uma ótima amiga.

As palavras de Logan eram como pedras que a acertavam com tanta precisão que
ocorreu a Fiona se não era essa mesma a intenção de seu marido. Seria essa a forma de
ele dizer-lhe que estava vivendo num mundo de ilusões? Fosse qual fosse o sentimento
dele par Denise, era suficientemente forte para que seu breve comentário sobre ela o
enfurecesse.

Com o orgulho à flor da pele, Fiona respondeu com igual frieza:

– Muito bem, então, se é isto o que quer.

– É. Estou preparado para esperar um pouca mais, como lhe disse antes do
almoço, para que se convença de que tenha direitos sobre sua pessoa, mas você pode
começar a se empenhar de outras maneiras. Jonathan não necessita de sua atenção
constante, portanto você não pode transformá-lo numa desculpa para não querer assumir
responsabilidades.

Com os lábios pálidos, ela retrucou decidida: – Você tem uma maneira
encantadora de dizer as coisas, Logan. Compreendo-o perfeitamente. A recompensa
pelo dinheiro gasto, não é isto o que quer? Muito bem, você a terá. Espero que o
satisfaça!

Dirigiu-lhe um olhar, mordaz e saiu da estúdio, trêmula com as lembranças que


aquela discussão rude e sufocante lhe tinha trazido.

Fora exatamente dessa maneira que Logan se comportara, após a noite que
tinham passado juntos, a noite em que Jonathan foi concebido, e não conseguia mais
suportar a brutalidade dele. Sem vontade própria, Fiona entrou na cozinha.

– O que... – Jinny jogou o pano de prato com agitação. – Aqui, sente-se. Vou
trazer-lhe um capa de água.

– Desculpe-me – disse Fiona, depois de um momenta –, acabei de ter uma


discussão com Logan.
Mal acabara de dizer as palavras arrependeu-se, Dias Jinny apenas suspirou.

– Nenhum homem me faria ficar nesse estada – replicou a governanta, pegando


o copo. – Não estou surpresa, sabe, percebi que iam discutir. Você também deveria ter
percebido.

Fiona inclinou-se para a frente, descansando os braços sabre o tampão frio da


mesa. – Não o conheço suficientemente bem.

– Não, e ele também não a conhece. Bem, o que se há de fazer?

– Ele diz que eu tenho que tomar as rédeas da casa. – As palavras saíram claras.

Outro suspiro da governanta. – Bem, por que essa tragédia toda? Você pode
fazer isto. A Sra. Sutherland ficará feliz com isso, e eu não posso dizer-lhe que faça
tudo sem ajuda.

– Oh, não é bem isso. – retrucou Fiona, sombria. – Não, nesta parte; se me
ensinar a lidar com as coisas, passa aprender. Mas terei que ser a dona da casa, a Sra.
Sutherland. E ela nunca entenderá.

– Meu Deus, você não percebe muito as coisas, não é? – A voz de Jinny estava
irritada enquanto lavava a louça. – Ela tem se perguntado, desde que você chegou, por
que se colocou definitivamente na retaguarda e se recusa a adaptar-se à família. – Jinny
pegou a chaleira do fogão, colocou chá num bule e derramou água fervente. – Lembro-
me de que foi quando você e eu tínhamos pouca conversa. Agora, beba uma xícara de
chá e ouça.

– Não sei muito bem como começar – afirmou Jinny, com os olhos atentos –,
mas acho que seria melhor dizer logo de uma vez.

– Não foi muito bom, para você, chegar aqui de repente, em especial porque
todos nós pensávamos que Logan e Denise Page se casariam e gostávamos da idéia. Ela
é tudo o que uma Sutherland deve ser: bonita, charmosa, uma anfitriã delicada, uma
mulher que poderia tomar o lugar da Sra. Sutherland nas tarefas da distrito. É um lugar
importante. Através dos anos, as pessoas daqui adquiriram o hábito de procurar as
Sutherland, esperando que eles ajam como uma força motivadora sempre que é preciso.
E Denise seria ideal. Ela é popular e conhece todo mundo. Tudo bem, eu estava feliz
porque sabia, como a Sra. Sutherland, que as coisas continuariam as mesmas. Denise
não interferiria comigo ou com meus afazeres. Então, você chegou. – Jinny tomou um
gole da xícara de chá, examinando o rosto deprimido a sua frente, de expressão próxima
da raiva. – Bem, você não pode culpar-nos por sermos desconfiados. Não sabíamos que
espécie de pessoa você era. Mas decidimos fazer o melhor, por Jonathan e por Logan.
Quando chegou, você era completamente diferente do que esperávamos. Quanto ao
aspecto físico, não. Você é bonita, fala bem, seu comportamento é excelente. Mas isso é
tudo. Denise a supera sempre que está aqui, e você parece não se importar. Está claro
que você não está apaixonada por Logan. Em quase todos os aspectos, você é tão
negativa quanta Denise é positiva. Bem, não, sei como você reage quando conhece
alguém que parece ser melhor em tudo, mas me faz sentir muita raiva.

Jinny enrugou a testa e suas espessas sobrancelhas pretas quase se encontraram


acima do nariz e continuou: – Você não parece tímida. Se fosse, teríamos feito tudo para
ajudá-la a superar isso. Você parece desinteressada. Assim, nos desinteressamos
também. Agora, não quero me meter em seus assuntos pessoais, quer dizer; estou
fazenda isso por causa de Logan, mas já é hora de começar a comportar-se como a
esposa dele, em vez de ficar perambulando como se não estivesse à vontade. Não vai
demorar para que comecem a chegar as visitas de verão, que contarão histórias sobre
você às pessoas amigas de Logan, em Auckland. Você deve isto a seu marido, não dar
nenhum motiva para que se espalhem boatos a respeita de Logan.

– Fico doente quando ouço essas palavras – disse Fiona. – Devo algo a todos.
Ninguém deve nada para mim.

– Pare de ter pena de si mesma. Se queria uma vida fácil, não devia ter-se
envolvido com os Sutherland!

Fiona sorriu com relutância. A análise simples da situação feita por Jinny, por
algum método misterioso, restaurara a fé em si mesma uma fé que parecia bastante
gasta naquelas últimas semanas. – Não me envolvi com eles – replicou –, fui agarrada
pela situação.
– Então trate de fazer o melhor possível com a situação. Sob o aspecto material,
você conseguiu tudo o que sempre quis. Logan é um milionário, embora eu acredite que
você não saiba disso. Você não é gananciosa.

A perplexidade fez com que Fiona ficasse com a boca aberta por alguns
instantes. – É mesmo? Não sabia que havia milionários na Nova Zelândia e não me
ocorreu que Logan fosse um deles.

– Só porque ele trabalha na propriedade? – perguntou Jinny. – Você devia saber


dos outros interesses dele, garota, já que fez o serviço de datilografia. Ele não dirige
umas companhias por nada, existem quotas e outras confusões. Não tenho muito
interesse nisso, mas Logan é um milionário. Terminou de beber o chá?

– Sim, mas quero outra xícara. Deixe que me sirvo.

Quando Fiona sentou de novo, Jinny perguntou, de repente:

– Onde está Jonathan?

– Dormindo. Estava cansado e o fiz deitar-se.

– Como ele está indo, no parque infantil?

A face de Fiona iluminou-se. – Maravilhosamente bem. Ele adora e já fez um


monte de amigos. A tosse desapareceu, como o doutor assegurara.

Por nada deste mundo Jinny admitiria quanto aquela tosse a preocupara, mas sua
expressão era suave, quando disse: – Você agiu certo, vindo para cá, sabe?

– Foi bom para Jonathan.

– Foi bom para todos – disse Jinny com firmeza. – Algum dia perceberá isso.
Agora, o trabalho. Se quiser, pode começar a cuidar da casa, da organização e da
arrumação. Isso vai me dar mais tempo para a cozinha e as faxinas. Com esse tipo de
coisa e mais o serviço de datilografia, vai achar seus dias muito cheios. Estas casas
velhas têm que ser cuidadas continuamente, caso se queira que elas pareçam bonitas. Se
eu fosse você, não diria nada à Sra. Sutherland. Vá em frente e faça o que é necessário.
É provável que ela nem perceba, pois, na verdade, nem presta muita atenção à casa. Ela
gosta mesmo é dos jardins.

– Oh! Isto me lembrou de uma coisa. – Fiona contou-lhe sobre u visita dos
membros do Clube de Jardinagem.

A expressão de Jinny tomou-se sombria. – A tosquia vai começar só daqui a uma


semana e não preciso de um monte de mulheres preparando um chá em minha cozinha –
declarou –, mas acho que terei que acolhê-las. Farei bolos gelados. Você não acredita, a
maior parte dessas senhoras do Clube de Jardinagem tem pra lá de quarenta anos e são
gordas, mas se atiram sobre os bolos recheados de creme! E Tom vai estar à vontade.
Não há nada de que ele goste mais do que mostrar seu abençoado jardim. Onde vai
servir o chá?

– No terraço, se o tempo ajudar – respondeu Fiona. – Se não, bem, terá que ser
na sala de estar, acho. Mas não sei se cabem todas as pessoas.

– Colocam-se algumas cadeiras e elas se acomodam. E, afinal, não há nada tão


bom quanto se sentar num tapete persa – disse Jinny rindo. – É melhor começarmos a
falar sobre a festa. Um jantar com os Pages antes e depois cerca de cinqüenta
convidados, foi o que disse a senhora Sutherland. Tem algumas idéias?

– Agora, não, e provavelmente nunca terei. – Fiona sorriu. – Não é do meu


estilo, mas pensarei sobre o assunto. – Seus olhos tomaram-se distraídos, quase tristes,
enquanto os lábios se enrijeciam.

– Está nervosa?

Olhou para Jinny, viu compreensão no rosto da governanta e as sentiu: – Sim,


mas vou superar isto. Não tinha percebido que Logan era tão importante. Tivemos uma
vida bastante retirada, meus pais e eu. Papai era professor, e mamãe, muito caseira. Ele
adorava seu emprego e o lugar em que morávamos; por isso nunca se preocupou em ser
promovido; Não sabia que existiam pessoas que viviam dessa forma. Acho que me sinto
um bocado... sei lá, inferior. Mas não é isso.
– Todos são humanos – retrucou Jinny –, até mesmo aquele bruto bonito que
arrumou como marido, e todos têm suas necessidades, desejos e falhas normais. Pense
neles assim e não ficará tão assustada. O que está pensando de vestir?

Fiona riu, lembrando-se de sua fúria pela falta de tato de sua sogra. – Algo que
faça todos caírem de joelhos – disse, cheia de mistério. – Até mesmo aquele bruto
bonito que é meu marido arregalará os olhos!

– Espero que esteja preparada para assumir as conseqüências –, disse Jinny num
tom de desaprovação. – Logan tem uma idéia explícita do que convém para sua posição.
Puxou ao pai, neste aspecto; o velho era o próprio militar, mas era um bom sujeito,
muito gentil e justo. Logan é mais humano, apesar de tão disciplinado quanto o pai.

Fiona deu uma gargalhada e levantou-se. – Não vestirei nada ultrajante,


prometo-lhe. E vou comportar-me direitinho, por sua causa, Jinny.

– Faça-o por causa de Logan, ou melhor, por sua causa. – tom de voz era
austero, mas havia suavidade na expressão de Jinny.

Capítulo VI

O novo relacionamento entre elas fez uma grande diferença para Fiona. Pelo
menos, pensava ela nos dias seguintes, havia um membro da casa que não a
desaprovava inteiramente. Deixava-a perplexa o fato de ter sido Jinny quem se
enternecera, pois, após o primeiro olhar frio e penetrante da governanta, no dia de sua
chegada a Whangatapu, Fiona estava convencida de que o máximo que poderia esperar
de Jinny era tolerância. Mas agora, mesmo que apenas por causa de Logan, a conversa
com Jinny dera novas perspectivas a muitos de seus problemas, com exceção do maior
deles: Logan. Ele se refugiara atrás de uma parede fria de indiferença, quando estavam a
sós, e atrás de uma cortesia reservada, mas possessiva quando havia outras pessoas
presentes. Os Thurston ficavam em casa nas manhãs e noites; de tarde, saíam para
longas excursões, durante as quais faziam esboços de desenhos. Fiona afeiçoara-se ao
casal. Embora devessem ter ouvido a história sobre o casamento apressado e sua
conseqüente separação, os Thurston demonstravam, por olhares ou palavras, que
consideravam a presença de Fiona na casa como um assunto de interesse.

A noite anterior à visita ao Clube de Jardinagem estava agradável.

As portas ficaram abertas depois do anoitecer e eles conversaram no terraço até


que o sereno pesado os fez entrar.

– Adoro estes crepúsculos do Norte, comentou a Sra. Thurston.

Houve um silêncio antes que seu marido dissesse: – Toque algo apropriado,
Fiona. Sinto uma melancolia tomando conta de mim e quero abandonar-me a ela.

Fiona sorriu e foi até a sala de música. Por alguns momentos, brincou com o
teclado, até que começou a tocar uma canção simples, antiga e tristonha.

– Conheço a letra – disse Forrest, com calma, quando a música terminou. – Tem
mais ou menos uns trezentos anos.

– Acalme-se, Ailsa. – Thurston colocou seu copo de vinho sobre a mesa como se
tivesse tomado uma decisão. Trocou um olhar com sua esposa. Quando recebeu dela um
assentimento quase imperceptível, virou-se para Logan, que estava na frente das
cortinas, e disse: – Gostaria de pintar o retrato de sua esposa, Logan. Alguma objeção?

Fiona, perplexa, olhou de um para o outro. Forrest estava quase acanhado; de


onde estava, sentada, mal conseguia ver o rosto de Logan.

Em vez de ridicularizar a escolha do artista, Logan retrucou: – Ainda não,


Forrest. Fiona ainda não está suficientemente amadurecida para seu pincel.

O desapontamento brilhou nos olhos estreitos do artista, mas ele apenas disse: –
Talvez não, embora seja esse ar de inocência o que gostaria de captar, antes que
desapareça. Um ano junto a você, Logan, e Fiona o terá perdido.
Logan sorriu. – Tomarei isso como um elogio, mesmo estando certo de que não
quis fazê-lo. Quem já ouviu falar na mãe de um garoto de quatro anos sendo inocente?

– Existe uma inocência interior que nunca desaparece – comentou a Sra.


Thurston, em seu tom de voz amigável, amenizando a tensão. Em seguida, mudando de
assunto, perguntou: – O que eu vi no jacarandá é um pombo nativo? Pensei que
houvesse poucos de sua espécie.

– Sempre aparece algum por aqui. – Fiona levantou-se, atravessou a sala e parou
à frente da porta. – Sim, é sim e está acompanhado!

Por trás dela chegou a voz de Logan, e havia um tom de zombaria sutil em suas
palavras: – Lógico! A primavera é a época das uniões. Não tinha percebido, Fiona?

Ela sentiu um nó na garganta. – Vivendo numa fazenda, como poderia deixar de


perceber? Até Jonathan já se deu conta disso!

Fez-se ouvir, então, a voz de Ailsa: – E isto, acho, é uma das vantagens de se
morar numa fazenda; até os jovens encaram o sexo com mais naturalidade. A propósito,
Logan, Denise telefonou hoje e avisou que Jody deu cria, e que é para você ir lá e
escolher o filhote que quiser. Parece que Jonathan quer um cãozinho, embora eu ache
que um cachorro de fazenda seria muito mais sensato. O que vamos fazer com um fox-
terrier?

– Não é o que vamos fazer, é o que Jonathan fará – disse Logan com firmeza,
movendo-se para a frente para separar Fiona do resto das pessoas da sala. Virando-se,
ela lhe dirigiu um olhar de desagrado e depois se deixou guiar por Logan para fora da
casa. Assim que chegaram ao caramanchão, Logan perguntou: – Desapontada?

– Com o quê? – indagou Fiona.

– Porque eu não vou deixar que nosso hóspede pinte seu retrato.

– Não. Não sabia da intenção dele.


– Já tinha visto antes aquele brilho nos olhos de Forrest, portanto estava de
sobreaviso. Ele sabia que eu não ia permitir, mas não se pode culpar um homem por
tentar.

Os jasmins perfumavam o ar. Fiona levantou a mão para pegar um galho fino,
decidida a não questionar o porquê da recusa ao pedido de Forrest, ainda que relutasse
em irritar Logan com seu silêncio.

– Não, não sabia mesmo – murmurou ela.

– Não está curiosa? – perguntou ele, com uma zombaria evidente na voz.

– Sobre o quê? – Fiona fez-se de desentendida.

Logan pegou-lhe uma mecha dos cabelos com tanta força, que lhe provocou
lágrimas aos olhos. – Não brinque comigo, amor. – Os dedos enrolaram-se no cacho
sedoso, puxando-a para perto de seu corpo.

Fiona ficou submissa, com a pulsação acelerada pela proximidade. A fúria era
quase palpável, nos dedos e na voz de Logan, quando disse: – Nenhum outro homem
vai ter o que você me nega, quero dizer, seu tempo, sua atenção, sua confiança. Forrest
enxerga muito e conseguiria colocar seu espírito na tela, e seu espírito, minha querida,
além de seu corpo, pertence a mim, não a alguém que deseje retratá-la.

Tentando manter-se calma, Fiona respondeu: – Você me trouxe aqui para me


dizer isso? Se foi, o sereno está forte e...

Logan puxou-lhe os cabelos com mais força. Fiona olhava para o rosto
sombreado de seu marido e uma luz fraca revelou suas feições, ameaçadoras e rudes.

O beijo foi selvagem, como se ele estivesse expiando a culpa de sua raiva e
frustração, esmagando os lábios de Fiona. Depois de alguns instantes, sua atitude
mudou, Logan sussurrou-lhe algo contra os lábios, antes de lhe beijar a pele fria do
pescoço, pressionando o colar contra os ossos delgados dos ombros dela. A emoção
começou a embotar o pensamento de Fiona; sem vontade própria, relaxou os músculos e
suspirou. Pegou a cabeça de Logan, abaixando-a, quando em outra ocasião, a teria
afastado.
– Fiona... – murmurou ele, abraçando-a. – Querida...

Ela abriu a boca para dizer algo, mas se perdeu num rodopio de sensações,
enquanto ele mostrava uma ternura, que apenas suspeitava que existisse.

Algum tempo depois, Logan afastou-se, com a respiração ofegante:

– Chame a isto de uma recompensa pelo seu bom comportamento – disse ele. –
Tenho notado seu trabalho na casa.

A reação fez com que Fiona desse um passo para trás. Endireitando os ombros,
replicou: – Bem, você disse que queria a compensação pelo dinheiro que gastou. Espero
que a esteja obtendo.

– Foi você quem disse isso, não eu. Você não sabe o que quero de você. Nunca
duvidei de sua destreza em conduzir uma casa. Agora, tudo o que tem a fazer é mostrar
um desempenho considerável como anfitriã. Vou observá-la amanhã e durante o fim de
semana. Dois dias com meu irmão rabugento e sua esposa frustrada vão me mostrar
como você está. Eles intimidam até mesmo minha mãe!

Fiona afastou-se e foi contemplar o mar. – Logan, por que se casou comigo? –
perguntou Com calma. – Você devia saber que eu me sentiria deslocada aqui.

– Que é isso? Esnobismo às avessas? – Ele parecia divertido, completamente


dono da situação. – Você sabe por que nos casamos. Eu queria Jonathan. Além do mais,
você deve sofrer de um tremendo complexo de inferioridade, se pensa que não pode
controlar uma situação como esta. Whangatapu não é diferente de centenas de fazendas
espalhadas por todo o país, a não ser no tamanho. Qualquer mulher que consegue, sem
marido e apenas com uma mesada do governo, criar uma criança, pode cuidar de uma
casa como esta, ainda mais com Jinny para ajudá-la.

– Nos primeiros dois anos também tive meus pais – murmurou ela. – Acho que
não teria sido capaz de conseguir sem o apoio deles.

– Apoio que deveria ter sido dado por mim – replicou ele. – Nunca pensou em
deixar que alguém adotasse Jonathan?
Virou-se para Logan; a emoção emprestava-lhe um aspecto decidido. – Não.
Nunca. Ele era meu. Acho que foi egoísmo, talvez ele ficasse melhor com uma família.

– Bem, lógico que foi muito melhor assim. Jonathan proporcionou-lhe um


marido e segurança. Estas são as maiores necessidades de uma mulher, não são?

Fingindo indiferença, respondeu: – Assim dizem. Com certeza, maior parte das
mulheres parece necessitar disto.

– Exceto Fiona Sutherland, que se arrumou muito bem, durante dois anos, sem
nada disso, não é? – Logan sorriu e pegou-lhe o braço. – Olhe, a lua está aparecendo, é
melhor voltarmos. O jantar já deve estar sendo servido...

Por volta das três e meia da tarde, Fiona estava bastante cansada, mas animada.
As senhoras do Clube de Jardinagem estavam felizes, Tom e Ailsa também, e até
mesmo Jinny parecia calma.

Tom tirara seu macacão e as luvas de trabalho e vestira suas melhores roupas,
pronto para mostrar seu amado jardim aos visitantes. Até mesmo o motorista do ônibus
estava contente. Ele devia ter sido escolhido por seu interesse em jardinagem, pois
examinava com olhos de conhecedor as camélias.

Quando chegou a hora, as senhoras de Auckland atacaram os bolos e doces


gelados de Jinny, assim como os sanduíches e salgadinhos. Fiona movia-se com calma
por entre elas, sorrindo, conversando, ouvindo-as; enchendo as xícaras e servindo as
guloseimas. Ela achara que se sentiria mal, mas todas estavam determinadas a agradar e
serem agradadas, e Fiona sentiu-se desempenhando seu papel sem qualquer dificuldade.

Mais tarde, a presidente fez um pequeno discurso de agradecimento e presenteou


Ailsa com um belo livro sobre jardinagem. Ao partirem, deixaram aquela sensação de
vazio que sempre vem quando as visitas vão embora, e fica muita coisa para ser limpa.

Fiona olhou para o terraço, viu a sogra esfregar a testa e foi até ela. – Está com
dor de cabeça? – perguntou.
– Oh, querida, estava tão evidente assim?

– Não, fui a única a perceber. Por que não vai deitar um pouco? Jinny e eu
podemos colocar a casa em ordem.

Ailsa resistiu, mas acabou se rendendo. – Acho que vou, obrigada. Não disse
nada, mas você tirou muito trabalho de minhas costas e estou grata. Onde está Jonathan?

– Saiu com Logan; foram velejar. Farei com que ele não a perturbe, quando
voltar.

– Estarei bem daqui a mais ou menos meia hora, não se preocupe.

O ruído de um trinco fez Fiona levantar a cabeça. Eles estavam entrando, ambos
vestidos de forma igual, com calças de brim azul e camisetas de mangas curtas.
Jonathan parecia cansado, mas caminhava com altivez. Seu andar era tão parecido com
o de Logan!

Fiona olhou para o rosto de Logan, rindo. Mas ficou séria quando cruzou os
olhos do marido, pois ele a fitava com uma intensidade jamais vista, fazendo-lhe uma
espécie de exame minucioso e penetrante que a deixou sem resistência.

A paz que a envolvia desapareceu. Sem vontade própria, Fiona estendeu a mão,
mas Logan ignorou-a e continuou imóvel. Fiona deixou cair a mão ao longo do corpo;
estava ruborizada, enquanto perguntava, incerta: – Teve um bom dia, Logan?

– Oh, foi tudo muito bem.

Ela se levantou, fez um gesto desnecessário, como se limpasse sua saia, pegou
na mão de Jonathan e começou à andar ao lado de Logan.

Logan abaixou-se, pegou-o no colo e carregou-o para dentro de casa, com o


rosto inexpressivo e frio, deixando que Fiona o seguisse com um misto de surpresa e
espanto.

Quando ela desceu de novo, os Thurston estavam na sala, com Logan.


O casal retirou-se mais cedo, deixando Fiona e Logan ,a sós na sala de música.
Fiona recostou-se numa poltrona e pôs um disco na vitrola. Ninguém teria adivinhado
que estava muito atenta a Logan que lia um livro grosso.

Quando o disco terminou, Logan fitou-a, sorrindo com um entusiasmo que Fiona
nunca esperara ver em seus olhos. – Você está muito bonita, mas muito distante. Venha
e sente-se aqui no sofá, comigo.

Não havia desculpas que pudesse dar para impedir aquela intimidade perigosa.
Sentou-se ao lado do marido e rapidamente, para ocultar o nervosismo, perguntou: – O
que está lendo?

– Um tratado de genética. – Dirigiu-lhe um sorriso que zombava da admiração


dela. – O conhecimento sempre é útil, quando se lida com animais.

– Mas é tudo teoria. – Fiona olhou uma página e franziu as sobrancelhas, quando
leu diversas palavras estranhas. – Deus meu, parece tão difícil! Você entende? –
Apontou para um parágrafo.

Ele riu e pegou a mão dela, segurando-a um pouco antes de levá-la aos lábios.
Depois, então, murmurou: – Sim, entendo, mas também acho bastante complicado e
pouco conveniente para a ocasião. Você percebeu, minha querida esposa, que esta é a
primeira vez, em todas estas semanas, que ficamos uma noite a sós? Seu pulso está
acelerado! Está com medo de mim, Fiona?

Com dificuldade, ela forçou uma risada. – Sim, quando você está deste jeito.
Você é o rei dos galanteios, Logan.

– Sinais de uma juventude esbanjada. – Logan virou-se e puxou-a para si. Jogou
o livro no chão e traçou os contornos da face dela com os dedos, movendo-os
lentamente pela pele fina com um toque carinhoso. – Deus, como você é bonita! Por que
escolhi uma esposa de princípios tão ortodoxos? E por que sou tão estúpido em
considerá-los? Devia seduzi-la esta noite, e então acabaríamos com toda esta tensão. –
Cobriu-lhe os lábios com a mão. – Não diga nada, ainda não.
Era fácil demais virar a cabeça e repousá-la nos ombros de Logan, fácil demais
regozijar-se com as batidas do coração dele de encontro a seu rosto. Fiona não pôde
mais resistir. Deixou-se acalmar naquele abraço morno e respondeu com a mesma
intensidade ao desejo impetuoso dos lábios de Logan. Quando ele começou a abaixar o
zíper do vestido, Fiona protestou, mas ele riu, encobrindo-lhe as palavras.

Depois ela não pensou mais, pois seu ardor aumentou, ao somar-se ao dele, e
compreendeu que era para aquele doce êxtase do corpo e da mente que tinha nascido.

Foi o toque insistente do telefone o que a fez voltar a si. Logan levantou a
cabeça de entre os seios da esposa e murmurou com raiva: – Diabos!

Levantou-se, empurrando-a para o lado, antes de atravessar a sala e atender. A


camisa de Logan estava desabotoada; enquanto arrumava a parte de cima do vestido,
Fiona não tirava os olhos do tórax largo, bronzeado e cheio de pêlos escuros do marido.

– Oh... Denise – disse Logan, um pouco distraído. – Sim, o que foi?

Fiona ficou tensa. Seus primeiros pensamentos, enquanto levantava o zíper nas
costas do vestido, foram os piores, mas logo se sentiu satisfeita com a interrupção, pois
a voz de Logan se tornara suave e gentil, com uma nota de intimidade que ofendia seus
ouvidos.

– Sim, sim, recebi o seu recado. Estive ocupado com outras coisas.

“Tentando seduzir a esposa”, pensou Fiona com amargura, passando a mão pelos
cabelos.

Ele riu. – Não, minha criança, não tinha esquecido. Oh, é mesmo? Sim, lógico
que ficarei encantado ao levá-la comigo. Vou sair bem cedo e já vou avisando: se você
não estiver pronta, deixo-a para trás... Passar a noite? Excelente idéia. – Seus olhos
passearam pelo cômodo, afinal pousando com ar especulativo sobre Fiona, que agora
parecia muito interessada na coleção de discos. – Não, Fiona não vai objetar. E por que
deveria?

Foi aquela afirmação irônica o que fez Fiona comprimir seus lábios. Como ele
conseguia falar com tanta suavidade se há poucos minutos tivera tentando
violentamente fazer amor com ela? Era bom, pensar que Denise tivesse telefonado antes
que sofresse a humilhação de se render à paixão de Logan, apenas para descobrir que
nada mudara. Parecia que ele ainda estava determinado a ter as fatias dos dois bolos.

Ele riu de novo e depois se despediu. Fiona pegou um disco e ficou olhando a
capa de cores vivas, sem enxergar nada.

– Não vai gostar dele – disse Logan atrás dela. – É um dos discos de Denise,
música para namorar.

– Espero que cumpra o objetivo – retrucou ela com educação, empurrando com
raiva, o disco para dentro da capa.

– Humm, humm, não posso deixá-la tratar os discos desta maneira. – Tirou-o das
mãos de Fiona, guardou-o e ficou olhando para ela com um sorriso perturbador. –
Denise vai comigo para Auckland, no domingo, como deve ter adivinhado, e vai dormir
aqui amanhã para que possamos sair bem cedo.

– Sei. Ela pode dormir no quarto azul. – A voz de Fiona era firme.

– Ela prefere o cor-de-rosa.

Levantando os ombros enquanto se afastava, ela disse: – Muito bem, então. – O


quarto cor-de-rosa era logo ao lado do quarto vestir de Logan, mas não se preocuparia
com aquilo! Ainda no mesmo tom, continuou: – Acho que já vou subir. Sinto-me
bastante cansada.

– Cansada... ou cansada de mim?

O cinismo na voz de Logan fez com que tivesse vontade de bater nele, açoitá-lo
com palavras cruéis, que o magoassem, mas nada que dissesse poderia romper sua
couraça.

– Um pouco dos dois, talvez – replicou. – Boa noite, Logan.

– Oh, não, isso não!


Havia algo tão terrível na voz dele que o coração de Fiona disparasse em pânico.
Quase chegando à porta, parou, virando-se e encontrando-o logo atrás. Por um momento
ficou realmente amedrontada, mas a expressão demoníaca sumiu quando ele viu o rosto
dela. – Qualquer dia destes... ou uma noite destas – enfatizou, pegando-a pelos pulsos –,
sua sorte não irá tão longe, minha querida esposa. Melhor ter cuidado, porque, quando
isto acontecer, não terei clemência.

Os dedos longos apertaram-na com crueldade, quase esmagando os ossos frágeis


de seus pulsos. Fiona empalideceu, mas conseguiu dizer com frieza: – Não me ameace
com isto, Logan. Você não me tomaria à força. Seu ego exigiria uma pronta capitulação.

Os olhos de Logan faiscaram, mas perderam o brilho quando vira o rosto


decidido da garota. Mal movendo os lábios, ele disse asperamente: – Sua bobinha! Se eu
subisse com você agora, estaria me implorando para fazer amor com você depois de
cinco minutos, como estava antes que Denise telefonasse. E não caçoe mais do meu
ego, Fiona. Você fica cheia de vida quando a beijo, e por mais que negue isto, sabe que
é verdade. Você me deseja tanto quanto eu a desejo. Tenha isto sempre em mente!

– Então, se é assim, por que não me pega e coloca um ponto final em toda esta
tensão? – perguntou ela por entre dentes, furiosa com a habilidade que ele tinha de ler
seus pensamentos e mais furiosa ainda consigo mesma, porque sua pulsação estava
acelerada pelo toque das mãos.

Logan deu um sorriso sarcástico. – Você gostaria disto, não é? Assim você teria
o prazer da realização física que tanto quer, mas ainda se consideraria como uma vítima
de minha maldade. Oh não, não vou chicotear minhas próprias costas.

Largou os pulsos dela de repente e deu um passo atrás. Bastante nervosa, Fiona
deixou Logan e dirigiu-se para seu quarto. Mais de duas horas depois, ouviu-o subir e
entrar no quarto em que dormia. Só então adormeceu.

Capítulo VII
Denise chegou às dez e meia da manhã seguinte. Fiona estava sozinha na casa.
Jinny fora visitar Joyce Welsh, a esposa do capataz, de Logan, e Ailsa levara Jonathan,
junto com os Thurston, para um piquenique.

Fiona arrumou a parte de baixo da casa e depois subiu para arrumar a cama do
quarto cor-de-rosa, com lençóis, fronhas e toalhas do mesmo tom. Limpou-o
cuidadosamente, embora não estivesse sujo, mas Fiona estava decidida a não dar
nenhuma chance a Denise de encontrar qualquer falha.

Tirou o avental, deu uma rápida penteada nos cabelos e desceu.

Abriu a porta enquanto o carro estacionava a sua frente.

– Olá! – disse Denise, enquanto descia do veículo. – Ora, Fiona, você parece a
própria dona-de-casa! Que apropriado! Onde está Logan?

– Ele está no galpão de lã preparando umas coisas para os tosquiadores.

– Sim, lógico, daqui a mais ou menos uma semana, os tosquiadores vão chegar.
Logan contou-me que a chuva os retardou. Ele estava aborrecido, coitadinho. Onde me
alojou, Fiona?

– No quarto cor-de-rosa. Posso levar Sua mala?

– Que é isso?! Não está muito pesada. Descerei num minuto.

Denise voltou em seguida, esbanjando charme. Depois de elogiar o arranjo de


flores de Fiona, perguntou sobre Jonathan e disse, sorridente, que esperava que Fiona
não estivesse zangada, pois ela mesma se convidara a passar a noite na casa dos
Sutherland.

– Zangada! – Fiona negou sorrindo, repetindo inconscientemente a palavra que


Logan dissera na noite anterior. – Não, por que deveria estar? Não há razão alguma.
Você vai fazer uma viagem de compras?
– Sim e não. Decidi comprar um vestido novo para usar em sua festa e tenho que
ir ao dentista. Quando Logan me disse que também ia, pareceu-me ideal viajarmos
juntos, com a gasolina ao preço que está, não é? Você não vai conosco?

Como se ela não soubesse!

– Não, é meu dia de dar uma ajuda no parque infantil e não posso deixar de ir.

Fiona levou-a da sala de estar para o terraço, onde havia uma bandeja sobre uma
das mesas de ferro batido. Fizera chá e café enquanto Denise estava no andar de cima e,
agora, perguntava por sua preferência.

Houve um súbito silêncio, antes que Denise dissesse, com uma casualidade
elaborada: – Vocês estão planejando ter outros filhos?

Fiona deixou que um pequeno sorriso, que esperava parecesse distante, brincasse
em seus lábios. – Bem, Logan está. Ele gostaria de ter outros, acha que Jonathan já foi
mimado demais. E, com certeza, Ailsa adoraria ter outros netos correndo pela casa.

Houve outro curto silêncio e Denise comentou: – Então Logan está pensando em
fundar uma dinastia! Como se sente em relação a isso?

– Bastante feliz. Pode ser incômodo, lógico, mas os resultados valem a pena.

Com voz doce e ácida, Denise perguntou: – Não a preocupa o fato de Logan
pensar em você da mesma maneira que pensa em suas vacas prenhes? Eu odiaria isso.
Quando me casar, quero ser a pessoa mais importante na vida de meu marido, mais
importante do que qualquer filho que possamos ter.

Isto foi um golpe para você, pensou Fiona, reconhecendo que acertara com
precisão o ponto fraco de Denise. Mas não demonstrou nenhum sinal disso, quando
Fiona prosseguiu: – Não acredito que Logan me considere exatamente da mesma
maneira que suas vacas prenhes. Existem... certas diferenças.

Denise colocou a xícara sobre a mesa, espreguiçou-se, langorosa, e cruzou as


mãos atrás da cabeça, sorrindo. – Sempre me intriga esse negócio de as pessoas serem
atraídas pelas outras. Deve ter sido uma verdadeira explosão entre vocês para que
desafiasse seus pais e se casasse com Logan com tanta rapidez. Afinal de contas, ele
ficou fora apenas por seis semanas naquele ano! Você deve ser capaz de encobrir seus
sentimentos muito bem; ninguém sabe o que Logan está sentindo, lógico, mas espero
que o mundo realmente pare quando estão perto um do outro.

Denise riu, charmosa, mas seus olhos estavam penetrantes e cautelosos quando
fitaram o perfil de Fiona. – Dizem que as águas calmas são profundas. Espero que sim,
por causa de Logan; ele tem aquela extraordinária virilidade magnética. – Interrompeu-
se e, logo em seguida voltou ao ponto crucial: – Não fica preocupada sabendo que
Logan não lhe foi fiel? Não que eu saiba de algo concreto, lógico, mas este lugar é tão
pequeno que é impossível não se ouvir boatos. E por alguma razão, o homem parece
muito mais excitante quando se sabe que ele é experiente. Isto deve fazê-lo um marido
muito melhor.

Em voz baixa, e com uma compostura serena, Fiona disse:

– Quando eu o deixei, renunciei a quaisquer direitos sobre a vida de Logan,


portanto, nada do que ele fez nos anos em que estivemos separados me preocupa.

– Talvez você tenha vivido uma ou duas aventuras. – A voz de Denise era
insinuante, embora amigável. – Tenho certeza de que ninguém a culparia, embora os
homens tenham umas idéias engraçadas, não é? Quero dizer, posso imaginar Logan
achando perfeito fazer amor com todas as mulheres que estejam dispostas, e quem não
estaria disposta a fazer amor com ele? Mas ficaria muito furioso se você tomasse a
mesma liberdade.

Fiona acalmou-se um pouco. Denise devia estar esperando que ela fosse fazer
confidências tolas, mas nada havia a confessar. De fato, nunca sentira o mínimo
interesse por qualquer outro homem.

– Bem, isto não aconteceu – replicou Fiona com tranqüilidade.

– O que, nenhuma pequena aventura? – Deu uma risadinha. – Na verdade, não


havia razão para permanecer tão ligada à lembrança de Logan.
Será que Denise sabia sobre aquele casamento retardado? Seria muita falta de
sorte se alguém os tivesse visto, mas, com certeza, a garota estava tramando algo. Não
havia equívocos naquele olha significativo. Fiona pagou na mesma moeda com um
levantar espantado de suas pálpebras.

Parecia, no entanto, que Denise ainda não estava pronta para revelar seu
conhecimento, pois parecia um pouco confusa e apressou-se a continuar, com um leve
sorriso: – Quero dizer, se você pensava que nunca mais ia vê-lo. Foi uma coincidência
tremenda terem se encontrado em Wellington, não foi? As coincidências acontecem nas
horas mais estranhas. Aposto que se sentiu como Cinderela, quando Logan a trouxe para
cá; você devia viver em um lugar terrível, num bairro bem pobre, não?

– Não era bem assim – conseguiu dizer Fiona, imaginando se Logan dissera
aquilo, mas afastou esta idéia com desprezo. Denise estava apenas tentando semear a
discórdia entre eles.

– Bem, lógico que não era assim – observou a garota. – Deve ter sido
maravilhoso quando percebeu o quanto Logan é rico. Que sorte!

A raiva quase tomou conta de Fiona, mas ela conseguiu reprimi-la. – Sim, tive
bastante sorte. Mas acho que Jonathan é o maior beneficiado pela mudança.

Não passou despercebida a alteração do rosto de Denise ante este comentário.


Fiona olhou-a e pensou com estupefação: “Ela é louca por ele!”

– Sim. Aquela tosse horrível sarou – disse Denise com felicidade –, e estou certa
que Jonathan será muito alto. Vai ser tão alto quanto Logan. Suponho, como mãe dele,
que você sinta que qualquer sacrifício por seu filho vale a pena.

Havia uma nota estranha em sua voz.

– Sim – disse Fiona, e seus olhos, com uma honestidade transparente,


encontraram os de sua opositora. – Todos os sacrifícios.

Denise levantou-se em um salto, rindo encantadoramente. – Isto é exatamente o


que esperava que você dissesse. Tenho certeza, Fiona, que ninguém questionaria seu
amor por ele. Deve ser uma emoção muito poderosa o amor de mãe.
– Não é apenas uma emoção, é parte de você, de suas entranhas. – Fiona parou
com um sorriso nos lábios. – Deus meu, como isto parece pomposo! Entretanto, é
verdade.

– Lógico – concordou Denise, distraída, caminhando em direção à grade do


terraço. – Oh, lá está Logan – exclamou ela, rindo e acenando enquanto ele se
aproximava da casa. – Oi, Logan! Venha tomar uma xícara de chá! – Animara-se de
súbito e, por um longo momento, todos seus sonhos e esperanças estavam estampados
em sua face enquanto o observava caminhar a passos largos em direção ao terraço.

Fiona desviou o rosto para não ver aquela demonstração e serviu chá para Logan
da maneira que ele gostava, sem leite e sem açúcar. Não viu o encontro deles, pois
Denise descera os degraus correndo em sua direção, mas quando chegaram, estavam de
braços dados e a garota ria.

Fiona não conseguiu impedir um olhar desdenhoso que lhe congelou o sorriso.
Logan não tinha o direito de fazer aquilo com Denise, nenhum direito. Tinha que fazê-la
entender que sua esperança com relação a ele era impossível, que estava perdendo sua
juventude por um sonho vão.

Logan percebeu a condenação nos olhos de Fiona. Sem parar de caminhar,


deixou Denise de lado e abaixou-se para Fiona, tocando-lhe os lábios com uma
superioridade sem carinho, num beijo que era mais uma punição.

Quando levantou a cabeça, estava sorrindo e havia arrogância em sua voz: – Olá,
querida, fazendo sala quando há uma pilha de um quilômetro de altura de cartas a serem
datilografadas?

A raiva cintilou na transparência dos olhos de Fiona, mas ela conseguiu


continuar controlada sob um sorriso inteligente. Percebeu que Denise comprimira os
lábios e que seus olhos faiscavam, furiosos.

– Eu as aprontarei – disse Fiona. – Beba seu chá.

– Ótimo, estou seco por dentro. Como está sua mãe, Denise? – perguntou com
aquele charme natural que acabou com o mau humor da garota, na hora.
– Oh, o médico quer que ela consulte um especialista na cidade. Ele acha que
não há nada de grave, mas quer se certificar. Pobre mamãe, está terrivelmente confusa.
Papai quer levá-la para um cruzeiro, mas parece que ela não sabe o que quer fazer. É
por minha causa, sabe? Não quero ir junto, já que eles desejam uma segunda lua-de-
mel, mas ficarão muito preocupados se eu ficar aqui sozinha.

– Fique aqui – sugeriu Logan. – Fiona ficaria muito contente em recebê-la e


você sabe que não preciso falar nada com relação à minha mãe. Ela sempre adorou
recebê-la em nossa casa.

Uma punição, pensou Fiona estremecendo, forçando-se a sorrir e a apoiar aquele


convite com toda a cordialidade de que era capaz.

– Mas que maravilhoso! – exclamou Denise extasiada. Num impulso, virou-se e


deu um beijo no rosto de Logan; rindo, dirigiu-se a Fiona: – Perdoe-me, querida, por
roubar-lhe isto, mas é um plano perfeito! Mamãe não terá receios em deixar-me aos
cuidados de Logan, e eu adoro ficar em Whangatapu. Obrigada, Logan, pelo convite.

Como se você não tivesse maquinado isso, pensou Fiona com ironia, tomada por
um ciúme tolo e fútil. Eu só espero que saiba o que está fazendo, meu querido marido.

Ailsa ficou encantada com a idéia, e correu ao telefone para sugerir à Sra. Page,
que concordou. E Jonathan também ficou encantado quando Denise lhe perguntou se
gostaria de sua companhia por alguns dias. De fato, estavam todos morrendo de
encantamento. Fiona foi para a cozinha preparar o jantar.

– Você deveria estar descascando estas batatas e não as destruindo – observou


Jinny.

– Usei-as como substitutas de outra coisa ,– retrucou Fiona.

– Bom; amassar pão é melhor, mas acho que as pobres batatas serviram para seu
objetivo. Você tem que superar isto, Fiona. Os Sutherland sempre foram muito
hospitaleiros.

– Mesmo que isto faça mal para eles, acho. – As batatas foram temperadas,
colocadas em uma forma de alumínio e levadas ao forno. – Está tudo muito bem, mas...
– Fiona suspirou antes de continuar: – Bem, se eu conseguir descarregar toda minha
energia aqui não haverá problema algum. Por que você é tão boa para mim, Jinny?

– Por causa da família – disse Jinny, breve. – Em primeiro lugar, pelo menos.
Fico irritada de ver uma pessoa tão nervosa quanto você. Acho que sempre tive uma
queda pelos tolos.

Fiona riu e deu um beijo na maçã do rosto da governanta, a primeira vez que
ousava tal intimidade. – Adoro você – disse – é o que eu precisava para manter meus
pés firmes no chão.

– Oh, sua boba! – Jinny estava muito vermelha, mas o comentário seguinte foi
feito num tom de voz tão gentil que Fiona nunca ouvira antes.

– Você é uma pessoa muito doce e sabe conquistar os outros. Por que não tenta
isto com Logan?

Jinny, lógico, devia saber que não dormiam na mesma cama, pois sabia tudo o
que acontecia naquela casa, mas era a primeira vez que se referia à situação, mesmo
indiretamente. Fiona corou e não conseguiu encontrar as palavras para responder.

– Não é da minha coma – disse Jinny e penalizou-se com o embaraço de Fiona. –


Mas ele é apenas um homem, e é fácil, para um homem, amar de acordo com sua
necessidade.

– Eu não... eu quero mais do que isto – disse Fiona em voz baixa.

– Bem, você deve saber melhor do que eu. – Jinny sorriu. – Agora vá trocar de
roupa para o jantar. E, pelo amor de Deus, lembre-se de quem você é.

Fiona colocou um vestido estampado de flores azuis e verdes, passou um


perfume exótico, que Logan lhe comprara em Rotorua, e começou a correr pelo quarto
atrás de Jonathan, com a tampa do vidro de perfume na mão. Seus gritos e risadas
atraíram Logan que ainda não acabara de se vestir e estava com o dorso nu; ele riu e
pegou a mão de Fiona, torcendo-a em suas costas.
– Coisa de garota – caçoou Jonathan, dançando em frente a eles. – Eu não sou
uma garota!

– Não, lógico que não. – Os olhos de Logan fitaram Jonathan por um momento e
então se voltaram para a face sorridente de Fiona.

Ela estava fazendo o possível para parecer indignada com o método usado para
acabar com a brincadeira deles, mas seus pulsos estavam acelerados. Seus olhares se
encontraram fixos; Fiona pegou o vidro de perfume com a mão que estava livre,
levantou-o e derrubou um pouco do líquido sobre o ombro nu de Logan.

Jonathan gritou: – Você está com cheiro de mulher, papai! Mamãe é


desobediente!

– De fato, a mamãe é muito desobediente – disse Logan. – Como vamos castigá-


la, Jonathan?

O garoto riu travessamente. – Batendo na mão dela? – sugeriu.

– Não, tenho uma idéia melhor. Pegue o perfume da mão dela, assim não poderá
derramá-lo mais.

Os pequenos dedos arrebataram o frasco. Jonathan levantou a mão com o vidro


acima da cabeça em sinal de triunfo enquanto Fiona tentava, em vão, parecer distante e
despreocupada.

– O que vai fazer agora, papai?

– Vou beijá-la – disse Logan, puxando-a para mais perto.

Então Jonathan disse, cheio de desapontamento: – Mas ela gosta quando você a
beija.

– Mas vou lhe dar um beijo cruel – disse Logan com solenidade. – Assim.

Os lábios de Logan arrebataram os dela, esmagando-os com uma exigência


proposital. O sangue latejava nas têmporas de Fiona. Levantou os braços até os ombros
de seu marido, alisando a pele macia até as costas, e então Jonathan entrou no meio
deles até que Logan se afastou e pegou-o no colo. O garoto passou o braço em torno do
pescoço de seus pais, juntando seus lábios de novo.

– Pronto, agora podem se beijar à vontade – disse Jonathan satisfeito.

Os olhos de Fiona encheram-se de lágrimas. Encostou a cabeça no peito de


Logan, ciente apenas de que aqueles ombros eram tão largos que seriam suficientes para
que ela e Jonathan repousassem neles.

– Cheia de sentimentalismos – disse Logan em seu ouvido.

Ela riu, balançou a cabeça e respondeu: – Você está muito cheiroso, querido.

Houve um pequeno silêncio e então: – É a primeira vez que me trata com


carinho – disse ele. – Acho que merece uma recompensa.

Colocando Jonathan no chão, pediu-lhe que fosse até o outro quarto e trouxesse
o pacotinho que estava na primeira gaveta do armário. Enquanto esperava, manteve o
braço em redor dos ombros de Fiona, com firmeza, mas sem força. Ela relaxou,
resistindo ao forte impulso de passar os dedos nos pêlos do tórax de seu marido,
contentando-se em sentir seu braço nu sobre os ombros.

– Já tinha usado esse vestido antes? – perguntou ele. – É bonito e lhe fica muito
bem.

– Você é que me fez comprá-lo, em Wellington.

Logan concordou. – Lembro-me. Agi certo em insistir. Faz com que você pareça
uma deusa d'água.

– Você está poético! – caçoou ela.

Ele apertou-a, mas Jonathan reapareceu, impedindo qualquer outro movimento


de sua parte. Fiona observou o filho, com carinho, enquanto atravessava o quarto
carregando o pacotinho com muito cuidado e o colocava nas mãos de seu pai. Fiona não
pôde reprimir um suspiro quando Logan abriu a caixinha, pois dentro havia um enorme
anel de diamantes, tão bem trabalhado que não parecia muito grande e nem pomposo.
– Chegou hoje. – disse Logan, colocando o anel no dedo de Fiona. Dirigiu-lhe
um olhar zombeteiro antes de levantar a mão de Fiona e beijar primeiro o anel e depois
a palma.

Muito emocionada, ela murmurou: – Oh... é lindo! É diamante verdadeiro?

– Sim. Sua mão o merece, Fiona.

Ruborizando, encarou-o. O ar zombeteiro h'avia desaparecido da expressão de


Logan, dando lugar a uma espécie de seriedade que a deixou maravilhada.

– Eu... agradeço muito, Logan. – Num impulso, colocou-se na ponta dos pés e
deu-lhe um beijo no rosto.

Ele estava muito calmo quando comentou: – Devo adquirir o hábito de lhe dar
jóias, se esta sempre for sua reação. Quem sabe o que faria se ganhasse de presente um
colar de brilhantes!

– Não é pelo anel – disse ela rapidamente, e ele riu ante a expressão de Fiona e
passou-lhe o braço pelos ombros mais uma vez.

– Eu sei, ora! Agora, deixe-me, assim posso acabar de vestir-me, ou vamos nos
atrasar para o jantar. Vamos, Jonathan, vou colocar um pouco de loção de após barba
em seu rosto. É muito melhor que o perfume da mamãe.

– Igual a sua?

– Igualzinha a minha – prometeu Logan.

Por alguns momentos, Fiona ficou olhando os dois; depois começou a pentear os
cabelos. Logan os desarrumara e como Denise era sempre impecável, Fiona não queria
descer daquele jeito.

Denise, lógico, percebeu o anel em seu dedo, logo que ela entrou na sala. Fiona,
vendo aqueles olhos pretos fixos no anel brilhante, teve que resistir ao impulso ridículo
de cobri-lo com a outra mão.
Então, Denise fitou-a. Seu rosto estava inexpressivo, parecia uma boneca,
impecavelmente vestida, penteada e maquilada, mas sem qualquer centelha de vida.
Mas esta lhe voltou, entretanto, quando Logan chegou com Jonathan.

Com relutância, Fiona admitiu para si mesma que, quando queria, Denise se
tornava o centro das atenções, sem parecer tentar fazê-lo. A garota ria e conversava com
desembaraço, usando toda a fascinação de sua beleza e charme para chamar a atenção
de todos os presentes.

Mais uma vez relegada a segundo plano, pensou Fiona com amargura; mas azar,
não iria sair dali. A lembrança daquela cena bastante íntima, no andar de cima, voltou-
lhe à mente. Sem perceber, Fiona sorriu. Logan, que estava próximo a Denise, sorriu-lhe
também e, saindo do círculo, atravessou a sala em direção a ela.

– Oi – disse ele com suavidade – o que há de tão interessante? – Fiona parecia


estar olhando para algumas bugigangas sobre o tampo de vidro de uma mesinha.

– Esta medalha – respondeu, improvisando com rapidez. – Que é isto? Consigo


ler “Logan Sutherland”, mas tenho certeza que você não foi à Primeira Guerra Mundial.

Ele riu. – Meu avô. Você gosta daquela caixinha de rapés? Aquela que tem uma
cena esmaltada de Cupido atirando flechas em um casal de namorados?

– É muito bonita.

Chegou até eles uma risada e em seguida, a voz afetada de Denise.

– Estão trocando segredos?

– Apenas uma conversa de marido e mulher – disse Logan, educado.

Os olhos negros percorreram o casal com atenção. – Fiona está preocupando


você com a preparação do jantar? Pobre Logan, que imensas dificuldades! Pensei que
sempre que quisesse as coisas, bastava estalar os dedos e elas aparecessem prontas.
Deliberadamente, Logan passou o braço sobre os ombros de sua esposa,
puxando-a para perto de si. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Ailsa intrometeu-se
na conversa.

– A que horas vocês dois estão pretendendo sair amanhã? – perguntou.

– Ao romper da aurora. – Havia uma nota de ironia na voz de Denise.

– Às seis horas – disse Logan com a voz imperturbável de sempre.

Fiona deu uma risadinha. – Então teremos que nos levantar às cinco horas. Vou
mandar Jonathan para você, Denise. Ele sempre me acorda com um beijo, o que é muito
melhor do que um despertador.

– Vou lhe dar um beijo de borboleta – disse Jonathan, para Denise.

A tensão dissipou-se de imediato. Denise abaixou-se e tocou a cabeça do garoto


com uma afeição verdadeira. – Eu adoraria, querido. Mas você acorda às cinco horas
todas as manhãs?

– Quase todas – replicou Logan. – Ainda bem que foi educado para não acordar
mais ninguém a esta hora. Provavelmente porque sua mãe é tão mal-humorada que não
fala nada até que não tenha tomado pelo menos duas xícaras de café.

– Oh! Mentiroso! – Fiona exagerou sua indignação. – Mal humorada, que é isso?
Apenas não consigo acordar depressa!

– Mal-humorada – reiterou Logan.

A Sra. Thurston esvaziou o copo de vinho e disse: – Entendo o que quer dizer,
Logan, porque eu também me comporto assim. Mas você já pensou algum dia em como
é doloroso para pessoas como nós sermos confrontadas com uma máquina de escrever
todas as manhãs?

A conversa tornou-se geral. Logan foi encher os copos de novo, Forrest


envolveu Denise numa discussão sobre uma das mostras de arte de uma galeria de
Auckland, e Ailsa, a Sra. Thurston e Fiona conversavam tranqüilamente sobre o último
livro de Ailsa, que não estava indo bem, ou pelo menos era o que ela achava.

O jantar transcorreu muito bem, mas houve outro momento embaraçoso quando
Logan pegou Jonathan no colo para levá-lo para a cama.

Jonathan encostou a cabeça contra o tórax do pai e disse meio sonolento: – Você
está com um cheiro bom, papai! Esqueceu de lavar-se para tirar o perfume da mamãe.

– Esqueci mesmo.

Teria terminado aí, se Denise não perguntasse com ar incrédulo:

– Não me diga que substitui loção após barba pelos perfumes de Fiona, Logan!

– Foi a mamãe que jogou nele – informou Jonathan. – Mas não conseguiu jogar
em mim. E papai disse que ia castigá-la, mas apenas beijou-a e mamãe gosta disto. –
Sua voz ainda tinha um pouco de desapontamento. – Mas – completou com satisfação –
papai disse que era um beijo muito cruel.

Todos riram e Denise mais alto que os outros.

– Você está se revelando um cômico! – murmurou ela. Seus dedos estavam


brancos contra a borda do copo de vinho e o olhar que dirigiu a Fiona não escondia seu
desgosto. – De qualquer forma, não consigo imaginá-lo fazendo brincadeiras infantis,
Logan. Parece... que não combinam com sua imagem.

Logan pareceu levemente divertido, com o filho descansando em seus braços. –


Eu tenho essa imagem? Acho que anda lendo muita coluna de política local nos jornais,
Denise. Vamos, Fiona, vamos colocar este garoto na cama antes que ele durma aqui
mesmo. Está pesado como chumbo.

Depois daquele incidente instalou-se uma tensão desagradável no ar. Denise


admitiu que saiu bem do confronto, mas foi deitar cedo por causa da viagem, na manhã
seguinte.

Quando chegaram ao quarto, Logan surpreendeu sua esposa:


– Certifiquei-me de que Joe está a par de tudo o que está acontecendo Fiona, mas
ele a procurará apenas se algo de errado ocorrer. Pode confiar inteiramente nele, e siga
os conselhos que lhe der.

Fiona assentiu. Joe Welsh era o trabalhador mais antigo da fazenda, um homem
sério e esforçado, o braço direito de Logan. Joe falava pouco, mas quando o fazia era
breve e objetivo, e Fiona sabia que Logan confiava nele.

– Nada de errado pode acontecer, não é? – perguntou ela com um pouco de


timidez.

Ele sorriu. – Numa fazenda, sempre pode ocorrer algo errado. Mas não se
preocupe. Aqui está o número do telefone do hotel onde ficarei hospedado, o Central;
estarei lá todas as manhãs e telefonarei todas as noites para você. Não se preocupe.
Apenas uma coisa: mantenha distância de Danny. Joe me contou que ele anda
maquinando alguma coisa.

Ela fitou-o, espantada. – O que quer dizer com isto?

– Só Deus sabe. – Franzindo a testa, Logan colocou a mão na nuca, forçando a


cabeça para trás. – Ele imagina estar apaixonado por Denise, mas ela não está
interessada. Não vai gostar de saber que Denise foi para Auckland comigo.

Um choque deixou-a quase sem respirar por alguns instantes. Então era esta a
razão para toda a amargura de Danny! O pecado original de Logan, ou o que ele
considerava um pecado, tinha sido combinado por uma paixão impossível por Denise. –
Pobre Danny – disse Fiona, distraída...

– Tenha pena dele se quiser, mas mantenha distância de Danny. Promete?

Surpresa com a aspereza da voz de Logan, Fiona concordou.

– Sim, lógico. Não gosto muito dele, embora não possa deixar de sentir pena.

– Você sentiria pena até mesmo do diabo – disse ele. – Entretanto, sua
compaixão não chega até mim.
Fiona se aproximou dele, colocando a mão direita sobre o braço dele. – Pobre
Logan! – exclamou. – É compaixão que quer de mim?

O rosto dele iluminou-se. – Não, por Deus, não é, e você sabe muito bem disso.
– Cobriu a mão de Fiona com a sua. – Por que não se deixa apaixonar por mim, Fiona?
É orgulho, independência ou apenas um pouco de falta de disposição?

– Uma mistura dos três, eu acho. – Seu tom foi leve, mas a seriedade de suas
palavras soou com força. – Oh, eu sei que isto tornaria as coisas mais fáceis para todos
nós, mas você quer que as coisas sejam fáceis demais para você.

– Sim, acho que sim. – E com um sorriso insinuante que quase acabou com a
resistência de Fiona, acrescentou: – E também gosto de caça, por isso, esperar por sua
capitulação dá um certo sabor à vida.

– Você disse, há pouco tempo, que não esperaria por isto, que me salvaria de
meu orgulho, tomando a decisão.

– Mudei de idéia, querida. A decisão tem que ser inteiramente sua. Você não é
uma mulher para ser conquistada com indelicadeza e, sinceramente, eu não sentiria
muita satisfação nisto. Sei que você me quer, se; disso desde o começo, assim como
sabia também que poderia possuí-la na hora que quisesse. Além disso, se você lembra
com tanta clareza tudo o que lhe disse, deve lembrar-se também que eu falei que não
faria amor com você contra sua vontade, porque isto faria com que você se considerasse
vítima da maldade masculina. E não é isto, Fiona, que quero que aconteça.

Ela suspirou e quase admitiu seu amor, com todas as conseqüências.

– Sei que sou cruel – disse ele. – Mas você sabia disto, Fiona, quando veio para
cá como minha esposa. Mas isto, na verdade, é um detalhe. Você não pode negar que eu
respeito seus direitos enquanto pessoa.

– Respeito não é substituto do amor – disse ela, cheia de ternura e carinho.

– Você está cansada, e tem que se levantar muito cedo amanhã. – Ele sorriu e
deu-lhe um beijo de boa-noite.
Capítulo VIII

A praia de Whangatapu era longa e curva. Do lado oposto ao ancoradouro, corria


um riacho bastante raso. Era um lugar onde Jonathan gostava de brincar e era o que ele
fazia com dois outros garotos.

Fiona estava deitada sob a sombra de uma árvore velha e enorme, pois o sol da
primavera era quente demais quando não havia vento.

Tinha um livro aberto à sua frente, mas estava sonolenta demais para ler. Fiona
bocejou, mas resistiu à tentação de fechar os olhos. Logan ia voltar para casa naquela
tarde e não queria estar dormindo quando ele chegasse. Telefonemas, embora
tranqüilizadores, não substituem as pessoas, pensou Fiona.

Tudo tinha funcionado como um relógio. Joe ia até a casa uma vez por dia para
dizer-lhe, com solenidade, que tudo ia bem. Ailsa conseguira superar as dificuldades
com seu novo livro e os Thurston ainda passeavam e faziam esboços por toda a
propriedade. E, ainda que tivesse visto Danny, o rapaz não fizera outra tentativa de
conversar, e apenas trocaram cumprimentos. Jinny e Fiona estavam bastante adiantadas
com os preparativos para a festa do sábado. Até mesmo o seu dia de ajuda no parque
infantil tinha sido muito divertido.

Fiona sentia que estava começando a adaptar-se a sua nova vida. Agora sua
posição em Whangatapu parecia segura. Um sorriso irônico aflorou em seus lábios.
Quanta segurança se conseguia sob um cobertor quente! A mágoa e a preocupação de
poucos meses atrás tinham quase desaparecido. Não era exatamente feliz, pois seu amor
por Logan consumia suas emoções, e sentia muito ciúme de Denise.
Fosse qual fosse o relacionamento entre eles, com certeza havia terminado, mas
uma das perguntas mais inquietantes que Fiona formulava em sua mente era se Logan
não se lembrava disso com pesar. Em vão, tentava convencer-se de que Logan não a
beijara, que não tinha partilhado momentos de paixão com ela, que até mesmo não havia
existido o desejo. Tudo o que sabia era que Logan não admitia ouvir nada contra Denise
e que as suas palavras indignadas sobre a garota tinham provocado uma reação violenta
em seu marido. Não seria tão estúpida de novo! Seria uma amargura saber que Denise
Page era algo sagrado para Logan, mas aprenderia a conviver com ela.

Distraída, Fiona encheu a mão de areia. Três dias de sol forte tinham acabado
com a umidade da superfície e a areia corria solta por seus dedos. As crianças gritaram,
riram e depois ficaram em silêncio. Alguém caminhava em direção a ela. Mas não foi
Logan que apareceu à sua frente.

Danny puxou um galho baixo da árvore e começou a fazer desenhos na areia;


endireitou então o corpo e veio decidido em direção a ela. Usava roupas velhas e sua
expressão era grave, como se não tivesse completa certeza de ser bem recebido.

– Olá – disse ele, parando a alguma distância.

Fiona sentou-se, contente por não estar com roupa de banho.

– Olá, aconteceu alguma coisa? – perguntou com certa reserva.

– Não, nada. Vim pedir desculpas pela maneira como a aborreci naquele dia. Já
faz algum tempo que estou esperando por esta chance.

Dobrando as pernas para que pudesse colocar o queixo sobre os joelhos, Fiona
pensou rapidamente na recomendação de Logan para não se aproximar de Danny. A
delicadeza e a profunda simpatia que sentia pelo rapaz fizeram com que desse uma
resposta.

– Não se preocupe com isto, Danny.

– Preocupo-me, sim – retrucou com franqueza. – É imperdoável que eu tenha me


comportado como um grosso, e devo admitir que o fiz pelas piores razões. Na verdade,
não pensei em suas reações ou no quanto devo tê-la magoado. Por favor, desculpe-me.
Ele foi tão sincero e parecia tão preocupado, que Fiona se enterneceu. – Lógico
que sim. Não pense mais nisto. – Fitou-o com um meio sorriso nos lábios, encontrou o
olhar do rapaz e piscou. Ninguém poderia interpretar a admiração que lá havia. Fiona já
a tinha percebido antes nos olhos dos homens, mas havia também uma espécie de triste
solidão que tocou seu coração. Pobre Danny, tão envolvido pelas chamas de ódio que se
esquecera de si mesmo! Devia viver num tormento. E o amor não correspondido, como
sabia muito bem, era a mais solitária das emoções.

– Muito obrigado – disse ele, calmo. – Sinto-me bastante melhor agora, embora
saiba que não mereço seu perdão. – Ele hesitou e depois se sentou na areia, ainda a
alguns passos de distância. – Está animada para a festa? Será a primeira vez que
encontrará a maior parte dos amigos dos Sutherland, não é?

– Sim, e estou muito animada. – Não admitiria nem para si mesma que uma
parte dela queria sumir de todas aquelas pessoas curiosas.

– Tinha pensado comigo que seria mais fácil conhecer as pessoas sozinhas ou
aos pares, mas talvez seja melhor passar pela provação de uma só vez, por assim dizer.
Eu também estarei lá. – Encarou-a com um sorriso doce. – Não vou criar confusão,
prometo-lhe, portanto não se preocupe. Sei ser bem-comportado.

Aqui estava outro homem que parecia ser capaz de ler seus pensamentos! Fiona
encolheu os ombros. – Eu não tinha pensado nisto.

– Não, acredito que não – disse ele devagar. – Você não tem idéias maldosas,
tenho certeza.

O barulho da brincadeira das crianças quebrou o silêncio que se estabelecera.


Danny riu, balançando o corpo inteiro. – Estão se divertindo um bocado, não é? O
pequeno Jonathan é um moleque. E, mesmo sendo tão novo, está montando a cavalo
direitinho.

– Não me conte – Fiona apressou-se a dizer. – Vai ser uma surpresa. Não
querem que eu saiba de seus progressos. Acho que Jonathan espera que eu fique
encantada com sua habilidade!
– Oh, ele vai conseguir, você vai ver.

Outro silêncio. Danny tirou um maço de cigarros do bolso e ofereceu a Fiona e,


diante de sua recusa, acendeu um.

– Parece que já estamos no verão, não é? – comentou ele por trás de uma nuvem
de fumaça. – Já passou algum verão no norte?

– Não, nunca.

– Você notará o tempo esquentando aos poucos. Eu percebi quando vim morar
aqui – Mary também. A gente consegue se aclimatar, lógico, mas o primeiro verão,
geralmente, é duro de agüentar. E há muita coisa a se fazer também. Hóspedes na casa
da fazenda e as baches sempre cheias.

– O que é isto?

– Os berços como chamam em South Island. Casas de férias ou casas de praia.


As quatro que ficam na praia do Oceano são emprestadas para os amigos de Auckland.
Foi assim que ficamos conhecendo os Sutherland, através de amigos em comum de
Auckland que arrumaram para que ficássemos em um dos chalés. Passamos três
semanas fabulosas. Foi há três anos.

Danny suspirou e foi adiante: – Depois aconteceu um monte de coisas. Mas não
dizem respeito a você. Quero fazer-lhe outra pergunta. Quando Mary vier para cá, você
tentará fazer amizade com ela? Mary precisa de alguém na família que goste dela. Penso
que você e ela têm coisas em comum, mas Mary não é feliz. Devo ser um chato, Sra.
Sutherland, mas amo minha irmã e daria minha vida para fazê-la feliz.

– Duvido que Mary lhe peça um sacrifício como este – disse Fiona emocionada.
Levantou-se e pegou a esteira antes de dizer com calma: – Se sua irmã estiver disposta,
ficarei contente em sermos amigas.

– Mary estará disposta – afirmou Danny com certeza. Quando Fiona se levantou
ele também o fez e agora a fitava com a aparência de um homem sério e com um
problema, que Fiona poderia ajudar a resolver. – Ela não tem amigos na família, e você
deve saber o que é a solidão.
Fiona chegou a abrir a boca, mas calou-se. A última observação parecera ser um
teste, e sua situação na casa da fazenda não era da conta dele. Assim, sorrindo, disse: –
Oh, já me adaptei bem. Agora, vou embora, se me permite.

– Claro. Preciso ir também ou serei despedido. Vou carregar a esteira para você.

Fiona não pôde recusar a oferta e assim caminhou ao lado de Danny até a casa
da fazenda, chamando Jonathan no caminho.

Logan e Denise chegaram meia hora mais tarde, quando Fiona estava colocando
um pernil de cordeiro no fomo. Soube da chegada pelo gritinho de Jonathan, que viu o
carro.

– Vá – disse Jinny, sem parar de esticar a massa de pastel.

Fiona tirou o avental e correu; parou em frente à porta principal, respirou fundo,
abriu-a e desceu os degraus com calma, enquanto o enorme automóvel estacionava.

Jonathan já estava lá, rindo cheio de excitação enquanto puxava a maçaneta.


Rindo, Logan abriu a porta, saiu e deu um forte abraço em seu filho, que ficou quase
sem respiração. Viu Fiona e subiu os degraus do terraço dois a dois, abraçou-a e beijou-
a. Ela segurou as lapelas do sobretudo de Logan enquanto correspondia ao beijo com
todo seu coração. Logan levantou a cabeça, sorriu e perguntou com delicadeza: – Tudo
bem?

Confusa, assentiu, deixando cair as mãos ao longo do corpo.

– Sim. E você?

– Fiz tudo o que queria e estou feliz por voltar para casa.

A voz alegre de Denise interrompeu-os. – O casamento não melhorou em nada


suas maneiras, Logan – resmungou. – Tive que sair sozinha do carro.

Quando ele se afastou com uma rápida desculpa, Fiona viu a garota e quase
cambaleou com o choque, pois Denise estava bonita, langorosa como uma gata, um
sorriso encantador e os olhos indolentes e satisfeitos enquanto pousavam, com um
brilho significativo sobre Logan. Fiona viu o rápido olhar de censura que Logan dirigiu
a Denise, como para adverti-la, e sentiu a dor do golpe revelador; como um punhal em
seu coração. Queria gritar, esbofetear o rosto de Denise, amaldiçoá-la, ofendê-la e
magoá-la, mas era a esposa de Logan Sutherland e, lógico, não podia fazer nenhuma
daquelas coisas. Assim, descruzou as mãos e disse com a voz inexpressiva: – Vocês
devem estar com sede. Gostariam de beber algo?

– Adoraríamos – murmurou Denise tom serenidade. Aparentemente, a rápida


contração das sobrancelhas de Logan tivera seu efeito, pois não se comportou mais
como uma mulher exibindo-se para seu homem, mas como a amiga da família, quando
cumprimentou Ailsa.

Bebeu chá e contou que seus pais estavam em Auckland para uma consulta
médica e que, por isso, teria que abusar da hospitalidade por mais uma noite.

Em contraste violento com a noite anterior à viagem para Auckland, Denise


estava quase submissa, mas aquele brilho possessivo permanecia em seus olhos, embora
não olhasse diretamente para Logan, nem ele para ela. Por longos momentos ficava
silenciosa com um meio sorriso sensual nos lábios. Talvez estivesse rememorando,
pensou Fiona, mas eliminou rápido este pensamento e concentrou-se em suas tarefas de
anfitriã. Na hora de dormir, os nervos de Fiona estavam a ponto de arrebentar.

Logan não subiu com eles, disse que tinha algumas coisas para resolver e foi
para o estúdio, deixando Fiona dilacerada pela agonia da dúvida. Devia descer e pedir
uma explicação? O bom senso veio em sua ajuda. O que havia para ser explicado? Uma
troca de olhares, um momento em que Denise se esvaíra de satisfação sexual. Logan
zombaria dela até desconcertá-la! Desesperada, tentou convencer-se de que estava
enganada, que aquilo era apenas mais um truque sutil de Denise, mas este pensamento
não surtiu o menor resultado.

O quarto estava escuro e, ainda vestida, sentou-se na cama com as mãos


pressionando as têmporas, tentando afastar as imagens horríveis que pareciam ter
tomado conta de seu cérebro. Afinal, exausta e com uma tremenda dor de cabeça,
forçou-se a encarar os fatos, por piores que parecessem ser. E, estranho, a simples
atitude de encará-los pareceu despojá-los de parte do poder que tinham de magoá-la.
Então Logan e Denise tinham se tornado amantes. Bem, era certo que Denise
não era a primeira mulher na vida de seu marido. E era provável que não fosse a última.
Por mais inverossímil que parecesse, era possível que ele não conseguisse resistir às
mulheres, e se Denise se atirara sobre ele, como era bem capaz de ter feito, talvez
aquele seu autocontrole tivesse se rompido.

Encarou outro fato. Era possível que estivesse enganada durante o tempo todo e
que Logan realmente amasse Denise. Neste caso, cometera um grande erro casando-se
com ele, mas não tão grande quanto o de seu marido que renunciara à mulher que
amava por um sentimento de obrigação para com seu filho. Era a decisão de que
Jonathan deveria crescer como um Sutherland a causa de toda aquela confusão.
Também por causa do menino, ele nunca deixaria que Fiona fosse embora.

A menos que deixasse Jonathan e se fosse.

A idéia encheu a mente torturada de Fiona. Mordendo os lábios, tentou afastá-la,


mas o pensamento tornava-se mais e mais forte, até que deu um suspiro choroso,
sentindo-se derrotada. Seria a única forma de libertar Logan e deixá-lo s~r feliz, mas, oh
Deus, a que custo!

Sentia náuseas e sua cabeça latejava. Foi então até o banheiro de Ailsa apanhar
um de seus comprimidos para dormir. Se tomasse um deles, talvez se acalmasse.

O abajur de parede deixara o vestíbulo praticamente na penumbra.

Com cuidado, para que Logan não a ouvisse, caminhou pelo tapete grosso,
tomou as pílulas e voltou. Perto das escadas, olhou e viu seu marido e Denise apertados
num forte abraço sob uma lâmpada acesa no vestíbulo do andar de baixo.

Sem parar continuou até seu quarto, vestiu a camisola e jogou-se na cama para
tentar acalmar seu coração ferido.

Quando ouviu uma batida na porta, não respondeu, esperando que Logan
acreditasse que ela estava adormecida. Mas ele a abriu e acendeu a luz, dizendo com
calma: – Sei que está acordada, Fiona.
Tremendo ela se sentou, passando a mão pelos cabelos para tirá-los da frente do
rosto. Na claridade, suas feições estavam pálidas e seus lábios pareciam inanimados.

– Pensei tê-la ouvido – disse ele com tranqüilidade, fechando a porta. Encostou-
se nela com os braços cruzados e a expressão distante. – Posso ver também a que
conclusões chegou.

– Isto o aborrece? – não conseguiu deixar de perguntar com amargura.

– Não particularmente. Entretanto, devo aborrecer Denise.

O nome da garota fez Fiona respirar fundo, enquanto lutava por controlar sua
raiva e seu ciúme.

– E isto nunca deveria acontecer, não é?

– Oh... por Deus do céu, Fiona... – Logan parou, controlando-se com


dificuldade. – Pare de agir como uma esposa ciumenta – disse com frieza. – Não tem o
direito de comportar-se assim, você sabe.

Fiona retraiu-se como se tivesse levado uma bofetada. – Desculpe-me por


parecer um cão querendo livrar-se da coleira. Você está certo, lógico. Não tenho
nenhum direito de ressentir-me pelas atenções que você dispensa às pessoas, em
especial a Denise, que parece sentir que tem alguns direitos sobre você.

– Pobre Fiona – escarneceu ele – Irrita-lhe saber que se não tivesse aparecido em
meu quarto de hotel naquele dia eu teria me casado com Denise? Pelo menos – disse
com uma amargura que tornou sua voz áspera –, teria uma esposa apaixonada e
carinhosa todas as noites em vez de um pedaço de gelo.

A raiva desapareceu dos olhos de Fiona, deixando-os frios. – Existe a


possibilidade de eu ir embora – disse.

– Oh, não. – A expressão de Logan era cruel, quase destruidora, quando


atravessou o quarto em direção à esposa. – Não, minha querida. Você é minha esposa e
Jonathan é meu filho, portanto você não sai daqui.
Os lábios de Fiona estavam ressecados, mas conseguiu dizer com rapidez: –
Não... não se atreva a tocar em mim!

– Por quê? Causa-lhe aversão meus braços ainda aquecidos pelos de Denise?
Que o beijo dela ainda me queima os lábios? – Ele riu, e o escárnio daquela atitude a fez
encolher-se, tentando desesperadamente libertar-se das roupas de cama para fugir
daquele quarto e daquele homem que a dominava.

Mas não conseguiu esquivar-se dos braços e lábios de Logan. Teve que sofrer a
Suprema humilhação de seu beijo e dos movimentos ansiosos de suas mãos que abriam
sua camisola e apalpavam cada polegada de seu corpo, acariciando-o com seus lábios
macios.

Fiona afundou a cabeça no travesseiro, com os dentes cerrados, lutando contra as


sensações que a excitação de Logan tinham lhe despertado. Lutou até que sua força se
esvaiu e acalmou-se esgotada, soluçando de medo e vergonha. Então, Logan beijou-a
mais uma vez, forçando-a a abrir os lábios antes de afastá-la e enxugar a boca com as
costas da mão.

– Não vou violentá-la – disse ele desgostoso. Seus olhos eram frios enquanto
observavam a nudez de Fiona. – Devo dizer que você tem escondido muito bem seu
desejo até agora. Pare de fazer isto, esta é a última vez que lhe toco, até que me implore
que o faça.

Os comprimidos começaram a fazer efeito. Suas pálpebras pesavam. As feições


de Logan ondularam se duplicaram-se e voltaram ao normal. Um suspiro escapou-lhe e,
sem tentar cobrir-se, Fiona virou-se e fechou os olhos.

– Fiona.

A voz de Logan quebrou a sensação agradável do sono. Com dificuldade, Fiona


abriu os olhos novamente.

– Fiona, o que você tomou?

A preocupação em sua voz a fez sorrir. – Duas pílulas para dormir, daquelas que
Ailsa toma – murmurou. – Apenas duas. Estou tão cansada...
Ele não disse mais nada e puxou o lençol para cobri-la. Fiona caiu em um sono
profundo.

Uma festa em Whangatapu era verdadeiramente um evento social para o distrito


inteiro, e ainda mais para a família, pois sua reputação de receber estava em jogo. Assim
acreditava Jinny, se sua atividade febril servisse para demonstrar isso. Na realidade,
Fiona também não teve tempo nem mesmo de pensar nos dois dias que se seguiram.
Todos trabalhavam, inclusive os Thurston.

Fiona gostava de Forrest, mas temia aqueles olhos perspicazes, em especial


quando estava no mesmo cômodo que Logan. Era bastante fácil para seu marido agir
como se não houvesse qualquer constrangimento entre eles, e Fiona tentava fazer o
mesmo, mas sentia que Thurston sabia que algo estava errado. Ele era sempre um pouco
protetor em relação a ela e sua esposa também. Em outra época, esta atitude teria
enternecido o coração de Fiona, mas agora não.

Mary e Stephen chegaram na manhã de sábado logo antes do almoço. Fiona


achou fácil recebê-los e enfrentar a curiosidade estampada nos olhos do casal.

Mary era miúda e elegante, mais engraçadinha do que bonita. Seu marido
parecia uma cópia menos vigorosa de Logan. Pareciam estar à vontade e trouxeram o
que Mary chamava de um presente de casamento atrasado.

– Aposto que ninguém lhe deu um – disse com orgulho –, o que me parece uma
tremenda falha. Eu adoro olhar meus presentes de casamento, mesmo os mais horríveis.
Vamos, abra-o.

Depois de uma rápida olhada para a expressão contraída de Logan, Fiona abriu o
pacote e suspirou quando viu as figuras de cerâmica: era um presépio.

– É lindo – disse Fiona. – Muito obrigada! Oh, Logan, olhe o cachorro! –


Acariciou as pequenas figuras com carinho. Ninguém podia duvidar de sua alegria.
Thurston olhou para sua esposa que meneou a cabeça. Com um “com licença”
apenas murmurado, saiu da sala e reapareceu alguns momentos depois, carregando uma
tela retangular.

– Sei que você disse que não a queria retratada, Logan – comentou Forrest
sorrindo – mas acho que eu sou muito inescrupuloso quando encontro um bom modelo.
Este foi feito de memória.

Era uma tela pequena, mas Fiona saltava dela com muita vida. Sua expressão era
pensativa e melancólica, com os dedos sobre um teclado estilizado e os olhos viam
coisas que os pincéis de Thurston apenas insinuavam.

– Fiona tocando – disse Thurston com firmeza, colocando a tela sobre a lareira. –
Quando eu tiver sua permissão, Logan, farei um retrato apropriado, porque este é apenas
o esboço de um estado de espírito.

– Você o captou de uma forma muito bonita – disse Ailsa, rompendo o que
ameaçava tornar-se um silêncio embaraçoso. – Já vi com freqüência esta expressão em
Fiona quando está tocando. Em que pensa, Fiona, quando está tocando piano?

Fiona não se atrevia a olhar para Logan, temendo ver sua raiva estampada no
rosto e agarrou-se à pergunta de Ailsa como a uma tábua de salvação.

– Tenho grandes sonhos românticos – disse, sorrindo com um tom de zombaria.


– Envolvo-me demais com a música, por isso nunca me tornei uma boa pianista.
Obrigada, Forrest! Adorei! Mas meus cabelos têm mesmo estes reflexos verdes?

Foi uma risada geral, e o momento de tensão passou. Logan também agradeceu
e, quando Fiona foi pegar o retrato, disse-lhe que o deixasse ali.

– Você fica bem na sala – disse ele.

Ninguém podia imaginar a dor no coração de Fiona quando replicou,


aparentando alegria: – Recuso-me a fazer parte do cenário, Logan!

– É uma peça muito decorativa – disse ele – e permanente. Deixe-o, Fiona. Que
acha de fazer outro, Forrest? Fiona rindo?
– Está autorizando meus serviços?

Logan sorriu e negou com a cabeça. – Parece que você não precisa de minha
permissão.

– Bem, tentei captar a expressão de Fiona quando ri. – Os olhos de Thurston


pousaram sobre o rosto de Fiona com a peculiar atenção impessoal dos pintores. – É
muito mais difícil. Tende-se sempre a caricaturar quando se pinta a alegria. E Fiona
possui aquela centelha de travessura que é terrível de se retratar sem fazê-la parecer que
está contando uma piada obscena. Mas qualquer dia desses vou tentar.

O riso iluminou seus olhos estreitos. – Com a sua permissão, Logan.

Depois do almoço todos descansaram, as mulheres, pelo menos.

Stephen e Logan saíram para dar uma olhada na propriedade. Aquela noite seria
um inferno pensou Fiona, pois seria apresentada a todos os amigos dos Sutherland como
a esposa de Logan, num momento em que a situação de ambos não era das melhores.

Impelida por uma necessidade urgente entrou no quarto de Jonathan. A criança


dormia tranquilamente. Sentiu seu coração apertar-se. Sentou então na ponta da cama e
passou as mãos sobre o rosto. Não podia abandoná-lo, não podia renunciar a ele, mesmo
que fosse para assegurar a felicidade de Logan. Tremendo, pensou em sua vida sem
Jonathan. Abandoná-lo seria como se lhe amputassem um pedaço de seu próprio corpo,
e ela sabia que nunca iria resistir a tal coisa.

Arrepios intensos percorriam seu corpo magro enquanto travava essa batalha
silenciosa consigo mesma. Tudo isso a deixava esgotada, sem chegar a uma conclusão
final. Mas, afinal de contas, pensou ela, não precisava se decidir assim tão depressa,
pois os tosquiadores chegariam na segunda-feira e Jinny poderia precisar de sua ajuda
até eles irem embora. Era uma atitude covarde, mas não deixava de ser um adiamento.

Se eu resolver adiar, pensou ela, não vou mais querer ir embora, e não apenas
por ter que abandonar as pessoas que mais amava na vida. Por muito mais do que isso.
Devagar, tendo cuidado para não perturbar a criança que dormia, levantou-se e
caminhou até a janela. Aprendera a amar Whangatapu e abandoná-la seria duro! E as
pessoas? Ailsa, brusca, embora estranhamente carinhosa e solícita, a teimosa Jinny, seu
marido cordial e silencioso, a família Welsh, os Sanderson? Aprendera a gostar de todos
e a sentir-se à vontade com eles. Enfim, se habituara com a vida da fazenda.

Ouviu vozes vindas do andar de baixo. Percebeu que Logan e seu irmão estavam
no terraço, já de volta do passeio.

– Sinceramente – dizia Stephen –, sofri um bocado com as larvas no último


verão, mas o pasto parece estar indo muito bem agora. Por falar nisso, soube que você
renunciou a seu cargo na junta do Instituto de Agricultura. O que o fez agir assim?
Pensei que você tivesse o maior interesse.

– As circunstâncias! Como chefe de família preciso passar mais tempo em casa,


agora.

– Sim, pensei nisto. Gostei de sua esposa. Não é o que esperávamos que fosse.

– Sério? – Logan parecia incrédulo. – O que vocês esperavam?

– Oh, ninguém tão equilibrada e brilhante. Denise escreveu para Mary dizendo
que ela era bonita, mas sem personalidade. Não consegui imaginá-lo casando-se com
uma mulher sem um pingo de inteligência, por mais bonita que fosse. Suponho que
Denise não tenha ficado muito feliz em descobrir que você tinha uma esposa há algum
tempo.

– Denise não tem razão para ter ciúmes. – A voz de Logan era fria, como a de
alguém que estivesse se controlando com dificuldade.

Seu irmão sorriu sem parecer impressionado. – Oh, vamos lá, Logan, não tente
enganar-me. Todos esperavam que vocês dois se casassem. Ela parecia a garota ideal
para você.

– Todos estavam errados.

– Está tentando me dizer que durante o tempo todo Denise sabia que você não
possuía a mínima intenção de se casar com ela?
Stephen parecia em dúvida, pensou Fiona amargamente. Quase conseguiu ver
Logan encolher os ombros, enquanto respondia: – Não estou tentando dizer-lhe nada,
Stephen. Vamos deixar este assunto de lado, está bem? O que aconteceu entre Denise e
eu diz respeito a mim e a ninguém mais.

– Se você quiser assim... Eu diria que foi você quem saiu ganhando. Denise é
uma garota agradável, mas é egocêntrica demais. E Fiona possui algo de extraordinário
e está claro que se adaptou muito bem aqui. Gosto da maneira como lida com mamãe.
Tem muito tato e garra!

Fiona afastou-se da janela, mas conseguiu ouvir a voz de Logan suavizada pelo
orgulho e afeição, enquanto falava de seu filho. Pelo menos, pensou com tristeza, tinha
dado a ele alguma coisa para se orgulhar, mesmo não tendo sido capaz de conquistá-lo.
Se Logan tivesse que escolher entre Denise e Jonathan, escolheria a criança; já o fiz
casando-se com ela. Dera seu coração a seu filho, mesmo sendo Denise bonita e tão
conveniente.

Capítulo IX

Embora ajudasse Jinny na cozinha até o fim, Fiona teve ainda muito tempo para
se vestir antes do jantar. Jonathan veio dar-lhe seu beijo de boa-noite, abraçando-a com
força. Retribuindo o abraço, Fiona encostou seu rosto nos cabelos úmidos do garotinho.
Jonathan jantara com Jinny e Tom, e Fiona dissera-lhe que fosse para a cama antes de
os convidados chegarem, pois teria tempo de adormecer antes que a festa barulhenta
começasse.

O garoto saiu, fechando a porta. Fiona olhou-se no espelho, perguntando-se o


que Logan acharia dela. Ele não conhecia o vestido longo que escolhera, era de crepe
cinza-claro, da cor de seus olhos. O modelo era frente-única, com uma gola virada e a
saia cheia de pregas.

Prendera os cabelos num coque. O penteado deixava-lhe o pescoço mais


alongado, dando-lhe elegância e dignidade. Não usou muita maquilagem, apenas um
toque de sombra lilás nos olhos, um batom cor-de-rosa e um pó suave no rosto.

Não se esquecera de usar o anel de diamante e os brincos de prata, presente de


sua mãe, que caíam como grandes gotas d'água de suas orelhas. Eram tailandeses e
davam um ar exótico a seu rosto. Lentamente passou perfume nos pulsos e atrás das
orelhas, colocou o vidro no lugar e virou-se para receber Logan, que acabava de entrar
no quarto.

Ele estava elegante em seu traje a rigor e, aproximando-se dela, com sua
arrogante autoconfiança, perguntou:

– Você está pronta?

– Por quê? Não pareço?

– Então, por favor, feche estas malditas abotoaduras para mim.

Ela riu, sentindo-se à vontade.

– Obrigado – disse ele quando Fiona terminou de colocá-las. – Vamos? – Como


não houve resposta, ele perguntou: – Está nervosa, Fiona?

– Sim – admitiu ela.

– Acalme-se. Não ficarei longe de você e, além do mais, os convidados são


gentis, até mesmo os mais curiosos. – Fitou-a com cuidado. – Prepare-se para deixar
todos de boca aberta. Você deve ter se arrumado para provocar isso, não foi?

– Sim – respondeu ela contente.

– E você conseguirá.
Não se disseram mais nada, durante todo o caminho até o andar de baixo, mas
aquelas poucas palavras a ajudaram. Logan serviu vinho para eles, na enorme sala de
estar ainda vazia e quando o resto da família entrou, o que viram foi um casal
perfeitamente normal conversando.

Duas horas mais tarde Fiona sentiu-se extremamente feliz ao perceber que sua
primeira festa naquele lugar corria às mil maravilhas. Talvez pelo fato de a maior parte
das pessoas se conhecerem bem.

Ou talvez por ela aparentar uma grande segurança e desembaraço.

Mary, muito atraente em seu vestido azul-claro, conversava com algumas


mulheres, sem aquela aparência constrangida que parecia fazê-la medir todas as
palavras que dizia. Os olhos de Fiona percorreram a sala e, ao encontrarem Stephen, ela
franziu a testa. Sim, ali estava o rapaz com mais um copo cheio na mão. Era o quarto
que o via beber naquela mesma noite. Mas, além de um leve rubor, parecia
perfeitamente sóbrio conversando com um casal de meia-idade.

No momento, Logan certificava-se de que todos estavam sendo bem servidos,


enquanto sua mãe, sentada num sofá, conversava animada com um senhor alto, Bob
Standish, que acabara de chegar a Whangatapu. Os pais de Denise pareciam muito
felizes com um grupo de pessoas de sua idade.

Fiona observou a Sra. Page por um momento. Era uma mulher magra, muito
bem vestida e a impressão de cansaço que lhe dera instantes atrás fora substituída por
uma alegre jovialidade, embora a mão de seu marido estivesse pousada sobre seu
cotovelo como se quisesse confortá-la ou protegê-la de algo.

E Denise? Simplesmente deslumbrante em um vestido amarelo-ouro!

Flertava ao mesmo tempo com três homens, um dos quais era Danny Harmon.
Quando Fiona passou os olhos pelo grupo, o rapaz levantou as pálpebras e fitou-a. De
imediato, Danny levantou-se e caminhou resoluto em direção a ela.

Maldição, pensou Fiona, mas não se moveu. Bem, não devia preocupar-se, o
rapaz certamente não se atreveria a dizer algo de pessoal com tantas pessoas por perto,
mas, apesar de sua simpatia por ele, Danny a deixava sempre embaraçada. Preferia não
ter que conversar com ele.

– Olá – disse ele gentil, quando chegou perto dela. – Está sozinha? Onde está seu
marido?

– Ocupado.

– Ah, sim, o perfeito anfitrião. Da mesma maneira que você é a perfeita anfitriã.
Está se divertindo?

Fiona pensou um pouco antes de responder. – Não, na verdade não estou me


divertindo, mas me sinto muito bem. Da mesma maneira que um maestro deve se sentir
quando a orquestra toca uma bela música sob sua regência.

Ele riu com uma expressão cheia de interesse. – Sei exatamente o que você está
querendo dizer. Saiu-se muito bem em tudo. Todos estão se divertindo bastante e esteja
certa de que ainda será lembrada daqui a seis meses. Posso dizer-lhe o quanto você está
fabulosa, hoje?

Fiona sentiu-se corar pois havia uma certa ansiedade no tom de voz do rapaz que
desmentia seu olhar divertido. – Sim, lógico – disse ela. – Acho que todos estamos, não
é? Podemos chamar esta festa de uma assembléia de pessoas bonitas e elegantes. Quem
é aquela mulher morena que está naquele canto, Danny? Ela está me parecendo bastante
deslocada.

– Sônia Raintree. E aquele homem alto e loiro que está flertando tão
ardentemente com Denise é o marido dela. Se sua esposa sumisse da sala agora, num
passe de mágica, garanto-lhe que ele nem iria perceber.

– Pobre garota. Terei que ir falar com ela, Danny. Parece-me tão perdida.

– Irei com você. Cá entre nós, precisamos alegrar aquele rosto tão carregado.

Depois de cinco minutos, Danny conseguira que Sônia Raintree risse, revelando
que sob aquela expressão carregada havia um rosto de pouca beleza, mas de grande
charme.
Momentos depois, Fiona pediu licença, e atravessou a sala. Logan e ela
encontraram-se. Seu marido segurava um copo.

– Beba alguma coisa – disse ele em seu ouvido. – Você deve estar com sede.

– Está muito quente, não é? – Agradecida aceitou o copo e tomou um pequeno


gole. Mas que champanhe deliciosa!

– Não a beba depressa demais, ou terei que carregá-la até o quarto.

Eles pareciam um casal que se dava muito bem para qualquer observador. Logan
era gentil, mas ninguém, a não ser ela, podia ver que a gentileza estava apenas no
sorriso e não em seus olhos.

– Vou beber bem devagar – prometeu, sorrindo como se ele fosse o amor de sua
vida. – Tudo parece estar indo bem. Devo colocar um disco na vitrola?

– Sim, já está na hora. Mas deixe que eu faço isso.

A maior parte das pessoas jovens e algumas das mais velhas também não
resistiram à tentação de dançar à luz da lua. Logo depois que os acordes suaves da
orquestra inundaram o ar, a multidão que se concentrava na sala dispersou-se
consideravelmente. Fiona, conversando com Sylvia Bond, uma das mães que conhecera
no parque infantil, viu Denise conversando com Logan. Ela parecia estar pedindo algo,
que ele recusou, pois fez beicinho ante a resposta, virando-se e encontrando os olhos de
Fiona.

Uma súbita malícia brilhou naqueles olhos negros; Denise dirigiu-lhe um sorriso
lento, disse algo para Logan e deixou que o Sr. Raintree, que se aproximava, a levasse
para fora.

Chocada com o desafio descarado do olhar de Denise, Fiona voltou a atenção


para sua companheira.

– Maravilhoso – Sylvia acabava de dizer com entusiasmo. – Você precisa vir me


visitar. Afinal de contas, apenas dez quilômetros nos separam.
– Eu adoraria – retrucou Fiona. – Ailsa contou-me que você possui um tear e que
não está dando conta de produzir tudo o que lhe encomendam.

Sylvia corou lentamente. – Bem, é verdade – admitiu. – Tudo isso começou


apenas como um passatempo, mas com a procura, percebi logo que existia um grande
mercado para o tipo de coisa que faço. – Sorriu para Logan que se aproximava. – Olá,
Logan, estava justamente congratulando sua esposa pela festa fabulosa.

– Estou contente que esteja se divertindo – disse Logan cortês, passando o braço
sobre os ombros de Fiona. – Onde está Kevin?

– Conversando sobre ovelhas – retrucou Sylvia com um sorriso que a fazia


parecer muito mais jovem. – Não estou mentindo. Ali vem ele.

Por alguns momentos os quatro ficaram conversando. Pouco depois, Logan,


pedindo desculpas ao casal, levou sua esposa para dançar, com aquela habilidade fria
que ela achava tão atraente e, ao mesmo tempo, irritante.

Logan era um ótimo dançarino. Fazia muitos anos que Fiona não dançava, mas
conseguiu acompanhá-lo com sucesso. Depois de um certo tempo, sentiu-se menos
tensa em seus braços, feliz por deixar a ele o supremo controle de suas ações, mesmo
que por alguns minutos.

Eles não conversavam muito enquanto dançavam. Logan costumava dizer que
isto perturbava sua concentração. Tinha sido uma das pequenas coisas que o fizera tão
único para ela. Agora, sua mão movia-se gentilmente sobre a pele de suas costas, como
se adorasse senti-la; então disse em seu ouvido: – É melhor que eu não veja ninguém
tocando você desse jeito.

Como resposta sorriu-lhe divertida, passando a mão ao redor de seu pescoço e


aproximando-se sensualmente dele.

Respirando fundo, Logan sussurrou: – Comporte-se, Fiona!

Com indiferença, consumida por um desejo louco de irritá-lo, replicou: – Por


quê? Sou sua esposa, lembra-se? Todos aqui dentro acham que nosso casamento é
normal. O que há de errado numa esposa namorando seu marido numa festa?
– Nada, exceto que você não está se comportando como uma esposa, minha
querida. Está se exibindo como se fosse uma qualquer.

Ela riu, mas, advertida pelo brilho dos olhos de Logan, afastou as mãos,
reassumindo um abraço mais convencional, certa de que perdera irremediavelmente a
chance de tornar normal seu casamento. Sua tentativa infeliz de conquistar o marido, só
fez com que ele sentisse desprezo por ela. Muito certo, pensou ela com amargura, já
tivera sua chance e a jogara fora por um desejo arrogante de possuir o amor de Logan.
Devia ter se contentado com o que ele lhe oferecera e não querer abraçar o mundo.
Agora havia perdido tudo. Levantou a cabeça e sentiu o rubor subir-lhe ao rosto, ao
perceber o olhar penetrante de Logan.

– O que há de tão interessante? – perguntou ela.

– Você. Aposto que é a única esposa em toda a sala que fica enrubescida quando
o marido a olha.

– Bem, nem tanto assim! – retrucou envergonhada. – Logan, quem é Bob


Standish?

Um sorriso zombeteiro respondeu parte da pergunta. – Um amigo muito antigo


de minha mãe. Ele sempre foi tão devotado a ela que numa época pensei que fossem se
casar, mas ela parece contente apenas com a terna amizade que os une. Deixe de ser
casamenteira, certo? Siga meu conselho e deixe-os. São duas pessoas maduras, capazes
de cuidarem de suas próprias vidas.

– Sem dúvida, é o tipo de resposta que me coloca em meu devido lugar.

– Não, minha cara. Só você pode fazer isso.

O rubor tornou-se mais forte em seu rosto, mas Fiona encarou o olhar irônico de
seu marido com candura.

– Logan... – Ela parou, hesitante.

– Heim?
– Oh, não interessa.

Ele concordou. – E por causa da hora e do lugar, não é? Fiona onde você
aprendeu a dançar tão bem? Você parece deslizar sobre nuvens.

– Você me ensinou, lembra-se?

– Sim. Queria saber se você se lembrava. Lembra-se da primeira vez que nos
encontramos?

– Quando eu caí a seus pés? – Ela sorriu, com saudade. – Você deve ter-me
achado leviana, não é?

– Talvez. Eu não resisti a você, como sabe. Foi a primeira vez em minha vida
que perdi a cabeça completamente. Você era tão bonita e inocente e entregou-se a mim
com uma intensidade tão grande. Tentei localizá-la depois que foi embora, mas não tive
sorte. Meu pai, então, faleceu, e tive que voltar para cá.

– A morte de seu pai deve ter sido um grande choque – comentou. – Foi algo
totalmente inesperado, não foi?

– Sim. Você entende o que estou tentando explicar, Fiona?

Ela reagiu à impaciência da voz dele com aquele jeito que a tornava
extremamente provocante. – Sim, mas você não precisa se desculpar pelo que aconteceu
tanto tempo atrás, Logan. Embora fosse muito inocente, eu sabia que não era a primeira
mulher com quem você fazia amor. Naquela época, você já devia ser muito experiente.

Sentiu as mãos dele crisparem-se sobre suas costas. – Então você me achava um
cafajeste?

De súbito lhe pareceu que deveria eliminar aquela impressão da cabeça de seu
marido. – Oh, Logan... não! Como você, eu também perdi completamente a cabeça. E
como poderia culpá-lo quando me ofereci a você com tanta facilidade? Não o culpei, e
não o culpo. Nunca poderia fazê-lo. Afinal de contas, Jonathan foi o fruto daquele,
momento de loucura.
– Sim. – Ele ficou em silêncio por alguns momentos e então disse
inesperadamente: – Gostaria de ter conhecido seus pais.

– Eles eram uns amores – murmurou Fiona. – Bondosos e gentis! Acho que eles
nunca aceitaram direito minha situação mas, como eram muito compreensivos,
respeitaram meu estado e nunca fizeram muitas perguntas. Adoravam Jonathan.

– Aliás, como todo mundo – disse ele. – O charme é uma arma invencível.

Ela riu para ele. – Você deve saber bem disso, com o charme que você tem! Ele
só pode ter puxado a você, nesse particular.

Logan sorriu um tanto sem graça. Quando a música acabou, atravessaram a sala
e foram ao encontro de Mary e Stephen.

Mary parecia pálida, como se estivesse com dor de cabeça. Fiona murmurou
algo sobre o calor e sugeriu que bebessem algo.

– Ótima idéia! – respondeu Mary. – Para mim, suco de limão, Logan. Chega de
champanhe por hoje!

Os dois homens se afastaram, deixando Fiona e Mary sozinhas no terraço.

– Vamos sentar um pouco? – propôs Fiona. – Não sei como está se sentindo,
mas meus pés estão me matando e parece que Ailsa retomou o comando da festa.

– Ela despistou o velho e fiel Bob? – Mary deu um suspiro de alívio, enquanto se
sentava num sofá perto das janelas do estúdio. – Oh, como é bom sentar um pouco,
quando se está com os pés doendo! Não preciso lhe dizer do sucesso estrondoso que
está tendo sua festa, Fiona!

– Está indo tudo muito bem e me sinto feliz. Durante semanas tremia só de
pensar nesta noite, mas eu devia saber que, com Jinny e Logan no comando, nada sairia
errado.

– E você também – disse Mary. – Você se saiu muito bem. Fiona... sei que não é
a hora, e nem o lugar não é o dos mais apropriados, mas quero lhe dizer algumas coisas.
Fiona sentiu um vazio no estômago, mas conseguiu disfarçar o mal estar. A
última coisa que desejava era uma troca de confidências com Mary; no entanto, era
inevitável, pelo que pôde ver no olhar de sua cunhada.

– Vamos lá, então – disse Fiona.

– É sobre Logan e eu. Não aconteceu nada. Tive uma grande paixão por Logan,
mas foi sempre Stephen quem amei. Embora fosse preciso que uma atitude brutal de
Logan me mostrasse isso. Só Danny não quer acreditar. Ele gosta de Denise e morre de
ciúmes porque ela não quer nada com ele. Danny quer criar problemas e não consigo
fazê-lo ver que... bem, acho que isso não é muito importante.

Os olhos enormes de Mary estavam embaçados, quando se voltaram suplicantes


para Fiona. – Vocês parecem muito felizes juntos. Percebi que você observou Stephen e
eu. Ele não entende. Pensei que me casando com ele estaria mostrando a ele que o
amava, mas infelizmente não foi bem assim. – Ela tentou sorrir. – Passamos a maior
parte do tempo discutindo, você sabe.

O coração de Fiona comoveu-se. – Acho que você é muito corajosa – disse ela
gentilmente, colocando sua mão sobre a de Mary. Ao ver que Danny se aproximava,
Mary recompôs-se num instante.

– Acho que Logan tem muita sorte – disse Mary, antes de sorrir para seu irmão.
Ele respondeu ao sorriso da mesma forma, com sua expressão alerta, enquanto colocava
uma cadeira ao lado de Fiona.

– As duas garotas mais bonitas de toda a festa e nenhum homem para fazer-lhes
companhia! – exclamou ele. – Seus maridos não a merecem, meus amores.

O significado do que dissera era claro, mas Fiona ignorou-o.

– Qual o marido que merece a esposa que tem? – perguntou alegre.

– Ah, uma feminista entre nós! Pergunto-me se Logan sabe.

– Se Logan sabe o quê? – Logan entregou um copo a Mary e outro a Fiona, e


ficou observando Danny com um sorriso.
Danny retribuiu; tentavam parecer cordiais, mas a tensão entre ele era visível.
Mary fez um rápido movimento com os ombros e bebeu metade de seu suco de limão,
enquanto Danny comentava: – Sua esposa acaba de provar que é uma feminista. Você
sabia disso? Pois está dando de comer a uma cobra!

– Lógico que sim, ela nunca me enganou. – Colocou uma mão sobre o ombro de
Fiona. – Você precisa admitir que ela é uma bela porta-voz do movimento feminista.

– Oh, certamente. – Danny levantou-se num salto, fez uma reverência elaborada.
– Tanto é que devo pedir para que ela dance comigo. Tenho sua permissão, Logan?

Aquilo era um desafio direto. Fiona sentiu uma pressão em seu ombro, mas
Logan apenas disse: – Ela não precisa de minha permissão para dançar, Danny.

– Então, minha cara Sra. Sutherland, vamos dançar comigo. Agora pode deixar
Mary em segurança com Logan.

Fiona mordeu os lábios, mas levantou-se para acompanhá-lo, perguntando com


severidade, uma vez fora do alcance das outras pessoas: – Você gosta de embaraçar sua
irmã?

Ele pareceu envergonhado. – Não, e o que fiz me parece grosseiro. Vou pedir
desculpas.

– Melhor deixar pra lá – aconselhou ela. – Trate apenas de não cometer o erro
novamente.

Dando um longo suspiro, o rapaz disse: – Agora consegui que você ficasse brava
comigo. E havia prometido me comportar bem. Ei, relaxe, não vou morder você.

– Você está me apertando muito.

Ele sorriu e afrouxou os braços, fitando-a com o mesmo olhar zombeteiro de


sempre. – Está bem, vou me comportar direitinho, mas é difícil para um homem, você
sabe. Este vestido foi feito para que receba muitos elogios.
Ele ainda a mantinha muito perto de si, mas comportou-se muito bem durante
toda a dança, conversando banalidades. Foi tão bem sucedido que logo depois Fiona já
estava rindo e sentindo-se à vontade em sua companhia.

Depois disso, a noite voou. A maior parte das pessoas mais velhas foram embora
logo depois da ceia, mas as mais jovens estavam decididas a passar a noite em claro, e
às três horas da manhã estavam todos cantando na praia, ao som de um violão e ao redor
de uma fogueira.

Fiona estava se divertindo, sentada entre Logan e Danny, quando o violonista


disse: – Sinto muito, mas tenho que ir embora. Você toca, Fiona?

Ela se assustou, mas pegou o instrumento. Logan retirou o braço de seus ombros
e disse animado: – Toque, Fiona.

Era um ótimo violão, suave e muito bem conservado. Dedilhou as cordas por
alguns momentos, e então tocou uma canção Maori, com versos que contavam uma
história de amantes apaixonados. Todos cantaram e, quando acabou a canção, Fiona
continuou tocando músicas populares e folclóricas, deixando todos entretidos por mais
de meia hora. Quando olhou à sua volta e viu várias pessoas bocejando, começou a
tocar a Valsa do Adeus. Houve uma risada geral no início, mas todos acabaram
acompanhando a velha melodia. E foi esse o belo final da festa. Os homens apagavam a
fogueira, enquanto as mulheres pegavam suas coisas. Houve uma despedida geral, entre
agradecimentos e congratulações e, cansada, Fiona começou a recolher os copos
espalhados por toda a casa e a colocá-los num grande carrinho de chá, enquanto Logan
levava Denise para casa, pois seus pais haviam ido embora, algumas horas antes.

Aquilo a magoara, mas Fiona afastou o ciúme feroz que ameaçava devorá-la,
enquanto se movia pela sala, esvaziando cinzeiros, tentando enfim fazer algo para matar
o tempo.

Na terceira vez que entrou na cozinha, Stephen estava lá, sentado à mesa com a
cabeça entre as mãos. Ao pressentir a presença dela, levantou a cabeça, dirigiu um
sorriso sarcástico para Fiona e disse: – A dona-de-casa perfeita. Ou você está esperando
para ver o quanto Logan demora para levar Denise para casa?
Ele não estava bêbado, mas bebera mais do que o necessário. – Minha esposa
odeia Denise – continuou ele, antes que Fiona pudesse falar qualquer coisa. – Ela a
odeia, também.

– Você acha? – Fiona estava surpresa. – Oh, eu não penso assim. Espero que ela
não me odeie, pois isso tornaria as coisas muito embaraçosas.

Ele a olhou de esguelha. – Você é uma pessoa fria, não é? Estive pensando no
que Logan pode ter visto em você. Talvez seja esse ar de inatingível. Meu caríssimo
irmão sempre gostou de um bom desafio, e devo dizer que você lhe proporciona um.
Quanto a Mary... oh, sim, ela odeia você. Você conquistou Logan e ela ainda o quer. O
irmão mais novo não a satisfaz. – Ele suspirou pesadamente – Tenho vigiado minha
esposa durante todos estes anos. É engraçado: eu a vigio, ela vigia Logan, Logan vigia
você, e você... você fica como um gatinho mimado e não vigia nada, oh sim, existe seu
filho. Não gosto de me lembrar que Mary fica magoada por e vigiá-la. Eu a amo..

– Sério? – Fiona não estava certa se as táticas que estava usando eram as
melhores, mas foi adiante. – Pensei que sua atitude fosse deliberada.

– Deliberada. O que seria deliberado?

– A maneira como você a força a ficar na defensiva o tempo todo.

Na face de Stephen, Fiona pôde ver o orgulho e o espanto lutando.

O orgulho acabou vencendo. – Que diabo você está dizendo?

– Bem, você presta tanta atenção na presença de Logan que força sua esposa a
prestar também. Não a conheço muito bem, mas sou uma mulher, e o que você faz não
deixa de ser uma humilhação para ela. E você deve viver prestando atenção em seu
irmão, não é? Não me admiro que ela fique nervosa quando percebe que você a está
vigiando. Estou certa que ela pensa que você gosta mesmo é de fazê-la sofrer, mas se
você a ama...

Propositadamente, deixou que sua voz saísse com um tom casual e encolheu os
ombros para reforçar essa impressão.
– Eu a amo – disse ele, sombrio.

Fiona pôde notar em seus olhos uma centelha de dor, que devia ser sua
companheira constante. No entanto não era hora de sentir compaixão. Endurecendo seu
coração, retrucou: – Então, seu desejo de revanche deve ser muito maior ou, então, você
que me desculpe, mas é um estúpido. É inacreditável que ela não o tenha abandonado
até agora! Ela deve amá-lo muito, para conseguir suportar isso.

– Mary ama Logan – afirmou ele, como se não conseguisse aceitar as


ponderações de Fiona.

– Então ela é masoquista – disse Fiona com firmeza, dando-lhe uma xícara de
café preto. – Só pode ser masoquista, para gostar dessa situação horrível. Entretanto, ela
me parece bastante infeliz.

Automaticamente, Stephen bebeu o café, fazendo uma careta, como se nunca


tivesse bebido café antes.

– Se ela me amasse, demonstraria isso para mim – disse ele.

– Acho que ela não se sente muito encorajada – replicou Fiona. – O que você
esperava que ela fizesse? Você acreditaria se Mary dissesse a você que o ama?

– Eu... – Ele a fitou com a expressão contraída e então meneou a cabeça com
veemência. – Não, por que deveria?

– O quê? Você deve estar querendo que ela faça um grande gesto para provar
isso? – Ela sorriu com um ar de mofa. – É muito difícil hoje em dia alguém se matar por
amor e, como ela nunca faria isso, o que lhe resta é suportá-lo, apesar de tudo.

Houve um longo silêncio. Ele bebeu o resto do café e respondeu com raiva: –
Por que você se preocupa tanto conosco? Você nem mesmo nos conhece direito.

– Porque – disse ela escolhendo as palavras com cuidado – me irrita ver duas
pessoas que se agridem o tempo todo deixando todos os que estão por perto
embaraçados. E se você não consegue perceber que Mary o ama, meu caro cunhado,
você é tão insensível que não merece nem a ela, nem ao bebê.
Fiona jogara aquelas palavras calculadamente; no fundo, rezava para que Mary a
perdoasse por revelar a verdade sobre seu estado.

Stephen arregalou os olhos, empalidecendo: – O que... o que você disse?

– O que você ouviu. Acho que ela não contou para ninguém mas, no minuto em
que a vi, percebi que estava grávida.

Com o rosto, sem cor, de repente parecendo muito mais velho, Stephen meneou
a cabeça. – Eu... ela... – Por que não me contou? Ela sabe que eu... que eu...

– Acusaria Logan de ser o pai? – interrompeu Fiona com brutalidade,


sustentando sua determinação de ser um bloco de gelo com seu cunhado.

Para espanto de Fiona, lágrimas vieram aos olhos do homem sentado a seu lado;
ele suspirou e disse: – Nunca acusei Mary de ser... de ser infiel. Nunca!

– Não em palavras, talvez – disse Fiona, subitamente comovida com ele. – Mas a
acusação está implícita em suas atitudes com ela.

– Oh, meu Deus! – exclamou ele. Colocou a mão direita na testa e ficou nessa
posição, enquanto Fiona lavava e guardava a xícara. Então disse com seriedade: – Você
é o tipo de pessoa que sabe colocar seus pontos de vista de uma maneira bem fria,
quando quer. Bem, e o que é que eu faço agora? Você parece saber de tudo... diga-me
como devo agir.

– Apenas confie nela... e demonstre isso a ela – disse Fiona, gentilmente. – Mary
também é orgulhosa! Vocês, os Sutherland, não têm o monopólio desse sentimento,
você deve saber. Não a deixe perceber que você sabe sobre o bebê. Ela vai querer lhe
contar. Por Deus do céu, homem, não tenho que lhe dizer como deve tratar sua mulher!
Você deve saber como fazê-la feliz, já que a fez infeliz durante todo esse tempo!

Stephen recuou ante esta afirmação, mas pegou-a pelo cotovelo quando ela
passou por ele e, com olhos quase suplicantes, disse: – Ela vai querer saber por que eu
mudei tão rápido.
Fiona dirigiu-lhe um sorriso muito doce. – Talvez, mas aposto que ficará tão
feliz que não vai se preocupar muito. Duvido que ela queira qualquer explicação.

Ele riu, levantou-se e deu-lhe um abraço carinhoso. – Acho que meu irmão
ganhou muito, escolhendo você como esposa. Denise disse que você era uma pessoa
sem nenhuma personalidade. Adoraria ver o rosto dela quando perceber o erro que
cometeu.

– Bem, este dia nunca vai chegar – retrucou Fiona, afastando-se.

Stephen fitou-a, magra e pequena, mas cheia de uma força de vontade que
chegava quase a assustar. Com uma súbita preocupação nos olhos azuis idênticos aos de
Logan, ele disse: – Talvez, mas...

– Não há necessidade de se preocupar, Stephen – disse ela, com firmeza. – Vá e


boa sorte.

Ainda um pouco perturbado, ele sorriu ao dizer significativamente:

– Boa sorte para você também. E fique certa de que eu desejo isso de todo
coração.

“Não é uma questão de sorte, Stephen”, pensou Fiona, mas não disse nada. Se
ela havia conseguido fazer com que ele visse seu casamento sob uma nova perspectiva,
então valera a pena a sua estado naquele lugar; talvez Logan pensasse nela com carinho,
se algum dia viesse a ficar sabendo. Continuou seu trabalho e logo depois os cômodos
estavam limpos, as janelas abertas para deixar o ar circular, mas Logan ainda não havia
voltado.

Cansada, subiu as escadas, tirou o vestido e pendurou-o. Removeu a maquilagem


e deitou-se, quando o primeiro galo anunciou a chegada da manhã.

Capítulo X
Para quem não dormira quase nada na noite anterior, Logan parecia
inacreditavelmente bem disposto.

– Acorde – disse ele, sacudindo os ombros da mulher. – São dez horas, Fiona;
seu filho quer lhe mostrar uma coisa.

Cheia de sono, com a cabeça pesada, colocou a mão nos lábios enquanto
bocejava, murmurando: – Por que você não morre, hem? – Aí engasgou de susto. – Dez
horas! Não pode ser! Coloquei o relógio para despertar às sete!

– Mas eu o desliguei antes de me deitar – disse ele, sentando-se na ponta da


cama e observando-a com olhos indelicados, enquanto ela afastava os cabelos da frente
do rosto. – Você estava num sono tão profundo, que nem percebeu quando eu me deitei.

Por um momento, Fiona ficou espantada ante o olhar zombeteiro mas, logo em
seguida, percebendo o que ele quis dizer, virou a cabeça e viu o travesseiro amassado ao
lado do seu e o emaranhado dos lençóis do outro lado da cama...

– Com certeza, foi um mal necessário – disse ela.

Logan encolheu os ombros. – Com hóspedes em casa, não tive outra escolha. No
entanto, você não está me parecendo muito preocupada. Ou você normalmente abraça
quem quer que esteja a seu lado na cama? Fiona adormecida é muito melhor do que
Fiona acordada!

– O que... – Ela se interrompeu, vermelha de vergonha e embaraço. Ele tinha


tido a audácia de chegar ainda aquecido pelos abraços de Denise e tentado roubar dela o
que não estava disposta a oferecer?

– Acalme-se – disse ele. – Eu estava cansado demais para reagir a seu convite
declarado, mas... – falava de uma maneira, tão pausada e irônica que Fiona teve que se
conter para não esbofeteá-lo. – Posso reunir minhas energias agora, se você continuar
com o mesmo estado de espírito. Essa sua camisola revela muito mais do que esconde, é
provocante demais.

– Oh, vá plantar batatas nos asfalto, Logan! – esbravejou ela, furiosa consigo
mesma por permitir que a simples presença de seu marido conseguisse fazer vibrar cada
nervo de seu corpo.

Ele pegou suas mãos e abraçou-a, com muito bom humor.

– Não fique brava. Você tem muito o que fazer para dar-se ao luxo de perder a
paciência agora. Jonathan e eu vamos dar-lhe exatamente meia hora para levantar-se e
tomar o café da manhã, antes de levá-la até o estábulo. Os tosquiadores chegarão
amanhã e isso significa que você e Jinny terão que fazer muita comida esta tarde. Os
Thurston já estão indo embora e Denise virá para dar-lhes uma mão. – Ele sentiu Fiona
ficar tensa e murmurou com crueldade: – Isso vai ser muito bom, pois, como você tem
um olho tão clínico, poderá ver se eu fiz mesmo amor com ela nesta madrugada, como
você deve estar matutando aí em sua cabecinha.

O que ela teria dito, ou feito naquele instante, nunca veio a saber; sentiu seu
corpo todo tremer de raiva, quando foram interrompidos por uma batida na porta, e
Mary entrou como um vendaval, vestindo um robe branco. Fiona olhou espantada para
ela.

– Interrompi, alguma coisa? – Mary tropeçava nas palavras, atravessando o


quarto. – Bem, não me importo com isso. Fiona, você é um amor, um amor! Te amo, te
amo, te amo, e, se existe alguma coisa que eu possa fazer por você, farei com muito
prazer, nem que seja vender a aliança do meu casamento! – Abraçou tempestuosamente
o casal, pois Fiona ainda estava nos braços de Logan, beijou Fiona, depois Logan, riu,
enrubesceu, e sentou-se na ponta da cama com lágrimas nos olhos, enquanto os dois a
olhavam espantados.

– Vocês dois estão tão engraçados! Não, Logan, não fiquei louca, estou apenas
muito feliz. Pergunte a Fiona o porquê, ela vai lhe contar. Fiona, Stephen e eu tivemos
uma longa conversa na noite passada depois que ele foi se deitar e acho que finalmente
colocamos todos os pingos nos “is”, e tudo por causa de você, sua menina maravilhosa,
sensível e compreensiva! Assim, contei a ele sobre o bebê, você vai ser tio daqui a seis
meses, Logan, e, se for uma garotinha, vou colocar seu nome, Fiona. Estou tão feliz que
sou capaz de chorar!

– Aqui não! – disse Fiona com alegria, encantada pelo fato de que, com tão
poucas palavras, tivesse conseguido unir novamente o casal. Lutou contra uma leve
fisgada de inveja pela felicidade dos dois; Mary e Stephen mereciam aquela alegria,
depois de tantos anos de sofrimento. – Você sabe o que os homens sentem quando as
mulheres caem na choradeira? – perguntou ela. – Você embaraçaria o pobre Logan.

– Pobre Logan nada! – Mary assoou o nariz. – Logan não se desconcerta com
tanta facilidade assim.

Deixou, então, o quarto, tão feliz que seus pés nem tocavam o chão.

Logan esperou até que a porta se fechasse, antes de olhar para o rosto de Fiona. –
Está com inveja? Isso não fica bem para você. Como conseguiu a reconciliação?

– Com uma pequena, mas sincera conversa. – Fiona mexeu-se nos braços dele,
tentando libertar-se, mas ele a apertou com mais força.

– Não... fique aqui. Você não está pensando em abandonar Whangatapu, está?

Durante o curto silêncio que se seguiu àquela pergunta, Fiona lutou com
desespero para encontrar palavras que a negassem. Não encontrou nenhuma e percebeu,
para o seu pesar, que devia estar parecendo, aos olhos de Logan, a própria imagem da
culpa. A expressão dele tornou-se rude.

– Então eu estava certo! Fiona, se algum dia tentar ir embora daqui, eu a seguirei
até encontrá-la, e aí você vai se arrepender de ter nascido. Acredite no que estou lhe
dizendo! – Seus olhos pareciam de aço.

Todas as tentativas para tentar esconder o que se passava pela sua mente eram
inúteis. Nervosa, teve que umedecer os lábios, antes de perguntar numa voz que era
pouco mais que um sussurro: – Como você sabe?
A expressão de Logan continuou dura. Nunca lhe parecera tão nervoso e
determinado. – Conheço você muito bem, minha cara. Você está pensando que sou
cego?

As mãos que ainda a envolviam, afrouxaram-se, e Logan a afastou.

– Não podemos conversar agora mas, até que possamos lembre-se de uma coisa:
você não vai embora de Whangatapu, não interessa o que possa acontecer, não interessa
que justificativas você tenha tramado nessa sua cabecinha de vento para dar um passo
como esse. Você fez sua opção quando concordou em casar-se comigo e não me
importa o quanto esteja sendo dolorosa esta escolha para você. Terá que aprender a
viver com ela!

– Você não me disse nada sobre Denise mas, se o tivesse feito, não teria me
casado com você – disse Fiona, sentindo-se incrivelmente magoada.

– Não havia nada para dizer – disse ele, implacável. – Nada!

– Logan. Eu....

– Fiona, se você tivesse casado comigo também por vontade' própria e não
apenas pela felicidade de Jonathan, nunca estaria no beco sem saída que se encontra
agora. Pensei que você fosse começar a confiar em mim, porque nunca lhe dei motivos
para que agisse de outra maneira. Até que você se decida a confiar em mim,
continuaremos do jeito que estamos agora. Vamos, levante-se, ou você quer deixar
Jonathan esperando?

– Não.. pelo menos... – Ela parou, mas não fez nenhum movimento para
levantar-se da cama. – Logan, você não vai sair?

– Não – retrucou ele. – Você é minha mulher e tenho todo o direito de


permanecer no quarto enquanto você muda de roupa.

Dirigindo-lhe um olhar furioso, afastou com ira os lençóis, saltou da cama e


vestiu seu robe, amarrando-o com pressa. Ele sorria, caçoando de Fiona, enquanto ela
pegava suas roupas de baixo, um jeans, uma malha e uma blusa, antes de caminhar para
o banheiro e trancar a porta com um barulho desafiador. Cheia de preocupações, tornou
seu banho, vestiu-se e penteou os cabelos, antes de voltar para o quarto.

Logan estava ao lado da penteadeira, olhando para uma fotografia dos pais de
Fiona. Ele não se virou quando ela entrou. De repente, Fiona sentiu uma onda de desejo
fulminante e tão cheia de amor que a fez estremecer. Então, como cega, disse: –
Logan...

– Ah, você está pronta. Vamos, então. Seu filho deve estar morrendo de
impaciência lá na cozinha e Jinny já deve estar meio louca com ele a seu redor.

Passou aquele momento e ela desceu com Logan ao encontro de Jonathan.

Todos estavam no andar térreo. Até mesmo Ailsa, que havia se queixado de uma
leve dor de cabeça. Ela pareceu muito tranqüila a Fiona. Talvez tranqüila não fosse o
caso, pensou Fiona. Talvez ela estivesse feliz porque Stephen e Mary estavam tão bem.
Ailsa nunca fora muito maternal, mas a situação entre seu segundo filho e sua esposa
devia tê-la preocupado muito. Isso fez com que. Fiona pensasse em outra coisa: talvez
Ailsa se preocupasse também com o casamento de Logan. Mas, em público, ela e Logan
pareciam sempre um casal perfeito. Pelo menos esperava que sim!

O sol reapareceu por entre as nuvens quando eles chegaram ao estábulo.

– O verão já está próximo – comentou Mary. – Você vai ver só que calor faz
aqui, Fiona.

Jinny concordou. – Preciso encomendar alguns gansos lá na granja dos Smith,


para o Natal – comentou a governanta. – Ou você prefere peru, Fiona? Ganso deve ser
uma comida muito forte para o nosso pequeno Jonathan.

Houve uma risada geral. – Vocês sabem, eu fico lá na minha cozinha, mas bem
que me preocupo com todo mundo aqui – defendeu-se com alegria. – Depois da tosquia,
Fiona, precisamos conversar sobre o Natal.

– Você vai adorar passar o Natal aqui, com a gente, na fazenda, Fiona – disse
Mary, com entusiasmo. – Logan sempre oferece um enorme churrasco para todos, na
véspera de Natal; cada um segura uma vela e, à meia-noite, cantamos todas aquelas
canções tradicionais. As crianças adoram, especialmente a distribuição dos presentes. É
uma festa digna dos Sutherland!

Logan riu, colocou a mão sob o cotovelo de Fiona e estendeu a outra para
Jonathan, que estava aborrecido, por estarem andando muito devagar. – E você, meu
amor, terá que comprar os presentes este ano. Tenho certeza que mamãe vai transferir
para você esta incumbência, com muita gratidão.

– É mesmo! – exclamou Ailsa.

Todos riram novamente e Danny, que descansava encostado na grade branca do


estábulo, percebeu o grupo alegre que vinha em sua direção. Olhou imediatamente para
o rosto de sua irmã e, depois, cheio de espanto, para o de Stephen. O casal estava
totalmente à vontade, livres de qualquer tensão; enquanto ele os observava, Stephen
abraçou sua esposa e deu-lhe um beijo carinhoso na testa. Quando percebeu o que
deveria ter acontecido, a expressão de Danny modificou-se: sorriu, suspirou e virou-se,
como se aquela felicidade patente, estampada no rosto do casal, o magoasse.

A família Welsh também estava esperando. Depois dos cumprimentos, Jonathan


pulou a cerca, tirou uma cenoura do bolso, e gritou com o seu tom de voz claro. Um
pônei castanho trotou na direção dele, balançando a crina e a cauda. Fiona assistia à
cena, sem perceber que apertava o braço de Logan com tanta força que suas unhas
deixavam marcas na pele morena do braço do marido.

– Relaxe – disse ele ao seu ouvido. – Ele está acostumado a fazer isso.

E, de fato, quando o pônei se abaixou para pegar a cenoura, Jonathan acariciou


sua crina, conversando com o animal, enquanto colocava as rédeas, Janey Welsh
ajudou-o a colocar a sela e, Jonathan, depois de verificar se tudo estava em ordem,
puxou o pônei pelo gramado até um toco de uma velha árvore. Num momento ele estava
sentado orgulhosamente sobre a sela, com os pés nos estribos e a mãos segurando as
rédeas com cuidado e corretamente.

Os garotos da família Welsh gritavam vivas, provocando o pônei para que


levantasse a cabeça, mas Jonathan controlava o animal sem olhar para a sua platéia,
começou a mostrar a sua habilidade.
O pônei, cujo nome, Fiona descobriu, era Flinders, caminhava para frente e para
trás, trotava e cavalgava perante as pessoas extasiadas obediente às mãos de Jonathan.
Para Fiona aquilo parecia mágica.

Esquecido de todos, o garotinho agora fazia o processo inverso, mas quando a


sela e as rédeas já haviam sido retiradas, Flinders seguiu Jonathan até a cerca
focinhando o menino, o que parecia um gesto de verdadeira afeição. Apenas quando
chegou ao lado de sua mãe.

Jonathan levantou a cabeça e sorriu.

Fiona sentiu um nó na garganta. Respirou fundo por duas vezes e então disse: –
Querido, você foi ótimo! Você é um aluno excelente!

– Agora você não vai ficar mais preocupada quando eu montar – disse ele.

– Nunca me preocupei, seu bobinho – disse Fiona, cheia de ternura, abraçando-o.


– Sabia que você estaria em segurança com o papai. Ei, pare com isso, menino! Seu
chapéu está apertando minha barriga!

Segurou-a mais um pouco e então levantou seu lindo rosto para a mãe: – Agora
você viu como é fácil? Se você quiser, pode aprender também.

Fiona engoliu em seco. – Ah, sim... eu acho que sim – replicou um pouco sem
graça. Olhou para o lado, procurando alguma coisa na expressão de Logan. As palavras
que ele havia dito há poucos minutos, de forma tão amarga, vieram a sua mente. “Fiona,
se você tivesse casado comigo também por sua própria vontade e não apenas pela
felicidade de Jonathan!” – Fiona descobriu o que deveria ter respondido.

– Nunca diga que meu filho pode fazer algo que eu não possa – disse ela com
firmeza. – Querido, você e o papai podem me ensinar e eu me tornarei uma ótima
amazona, tão capaz quanto você e ele, vocês vão ver!

Jonathan gritou de contentamento, mas Logan tinha se afastado, impedindo que


Fiona visse se ele tinha prestado atenção no que acabara de dizer. Agora ele se
aproximava novamente, mas não havia nada, além de um prazer convencional em sua
voz, quando falou:
– Boa menina. Nós a ensinaremos até que caia do cavalo, não é, Jonathan?

Assim Fiona não percebeu qualquer sinal de que sua proposta havia sido notada
ou apreciada pelo marido. Durante o resto do dia, sentiu-se flutuar, como se tivesse
tomado uma decisão muito importante que mudaria sua vida totalmente.

Mary e Stephen partiram depois do almoço, e, logo depois deles, os Thurston,


que haviam decidido ir embora quando souberam da chegada dos tosquiadores.

– Você nunca lidou com eles antes, Fiona – explicou-lhe a Sra. Thurston com
calma – mas vai ver que trabalheira eles dão, minha cara. Comem feito cavalos! E a
situação vai piorar ainda mais se você tiver visitas.

Um pouco antes de partirem, Forrest relembrou ao dono da casa seu desejo de


pintar Fiona. Logan manteve uma certa reserva, mas prometeu entrar em contato com
ele proximamente.

Foi a tarde mais ocupada que Fiona passara na fazenda. Jinny trabalhava a todo
vapor, assando enormes quantidades de tortas e pães simultaneamente, aprontando-os
para os tosquiadores. Fiona a ajudava, contente de estar fazendo algo, pois assim não
tinha tempo para pensar. Quando Denise chegou, graciosa e satisfeita, Fiona estava
embrulhando alguns alimentos em plásticos para colocá-los no congelador. Denise era
eficiente e só depois de terem colocado aquela quantidade de comida nas prateleiras, foi
que Jinny serviu-lhes uma xícara de chá e as dispensou não muito polidamente.

Nesta mesma hora a turma dos tosquiadores tinha chegado e alojara-se num dos
galpões. Tinha seu próprio fogareiro, mas a comida da casa da fazenda é que era servida
nas refeições principais.

– Vamos para a sala? – sugeriu Denise, como se fosse a dona da casa, ao invés
de Fiona.

Ela se sentiu indignada, mas controlou-se. A vida já era suficientemente


complicada, sem mostrar sua raiva por Denise, que certamente sentiria prazer em contar
tudo a Logan!
Concordou com calma, mesmo sentindo que algo estava para acontecer. Seu
cérebro rejeitou, no entanto, a idéia. Cansada pela noite passada e pela tarde febril, não
poderia suportar uma troca de indiretas com aquela garota, que estava fazendo o
possível para destruir sua vida. Entretanto, não havia escapatória. Jonathan e Logan
estavam com os tosquiadores, Ailsa em seu quarto, talvez dormindo, e Jinny não seria
de nenhuma ajuda.

Resignando-se, Fiona entrou na sala, seguida por Denise. Por um momento,


Denise pareceu diferente. Caminhou pela sala fitando os objetos sem aquele ar
possessivo tão comum em seus olhos, antes de voltar seu rosto para Fiona, sentada em
uma confortável poltrona.

– Acho que já está na hora de colocarmos as cartas na mesa – disse de forma


brusca.

Uma súbita luz passou pelos olhos de Fiona. – Não estou disposta a conversar
com você, se continuar bancando a garotinha mimada – retrucou amigável.

Os lábios vermelhos comprimiram-se. Denise detestava que lhe dissessem certas


verdades. – Não seja tão insolente – disse ela, com voz rouca. – Não acha que já está na
hora de ir embora deste lugar? – continuou com frieza. – Não há nada que a mantenha
presa na fazenda por mais tempo. Jonathan adaptou-se muito bem e prometo lhe que
cuidarei dele com carinho. Sei que é isso o que a está preocupando.

Agora que Denise se expusera, Fiona sentia-se muito calma. Eram as indiretas
que acabavam com seus nervos; esse ataque direto ela poderia enfrentar.

– Estou certa de que você faria o melhor que pudesse – respondeu tranqüila. –
Sei que você se apegou ao garoto, mesmo que tenha sido apenas porque ele se parece
muito com meu marido. Mas Jonathan não é uma miniatura de seu pai, você sabe.

Denise, então, cometeu seu maior erro: – Se você está se referindo ao fato de ele
tocar piano – disse ela com escárnio na voz – posso resolver isso. B uma excelente
habilidade para festas, mas Logan quer um filho que cuide de Whangatapu e é isso que
Jonathan fará. Sou quase tão rude quanto Logan, mas neste caso não serei severa com
Jonathan por vontade própria. Logan ama o garoto e, por ele querer tanto um herdeiro
que o honre, farei tudo para que Jonathan corresponda, mesmo sendo seu filho, Fiona.

A garota não conhecia mesmo Logan!, pensou Fiona. Tudo o que conseguia ver
nele era o patriarca de Whangatapu, não o homem, não o Logan que nunca pensaria em
obrigar Jonathan a ter uma vida que o garoto não desejasse. O amor de Logan por seu
filho não era um sentimento possessivo; não o via como extensão de si mesmo.

Era certo que ele via o filho como um Sutherland, mas o via também como um
ser humano, antes de tudo. Cega pelo poderio que representava o nome da família
Sutherland, Denise não compreendia o homem que pensava amar.

Em voz alta, Fiona disse com calma: – Denise, não há necessidade de você
continuar com essa conversa. Isso só vai magoá-la ainda mais. Eu não vou embora
daqui e, se você pensar um pouco, perceber por quê. Por favor, não me faça ter que lhe
explicar isso.

Denise riu de maneira arrogante. – Oh, eu sei que você não iria embora antes de
travar uma verdadeira batalha. Você acha a vida aqui confortável demais, apesar de ser
apenas tolerada pelas pessoas! Olhe, Fiona, facilite as coisas. Não estou disposta a
insultá-la ainda mais, mas estou preparada para ser grosseira, se você insistir em não
querer ver as coisas com bom senso. Materialmente você estará bem. Logan cuidará
para que não lhe falte nada. Sei que será uma grande tristeza abandonar Jonathan, mas
você não quer o melhor para ele? Uma família feliz... você pode dar isso a ele! É
evidente que você e Logan não têm um relacionamento normal! Mesmo antes de ele me
contar, eu já sabia disso. Não existe amor entre vocês. E, mesmo que você conseguisse
seduzi-lo, eu sempre estaria por perto. – Depois de uma leve hesitação, continuou: –
Você sabe que Logan e eu somos amantes, não sabe? E foi a infelicidade e a frustração
desse casamento que finalmente acabaram com sua resistência em Auckland. Ele me
ama, Fiona. E eu o amo também. Oh, ele tentou ser fiel, mas a carne é fraca, você sabe...
e, alem do mais, haveria razão para ele ser fiel com uma esposa que o vê apenas como
pai de seu filho, que lhe recusa tudo? Uma esposa que aceita todas as coisas materiais
que ele lhe dá, mas continua fria como um bloco de gelo, não lhe oferecendo nada? Não
existe nada que você possa dar a Logan que eu não possa, e além disso eu o amo, e
continuarei amando. Já provei isto me tornando sua amante.
Fiona levantou-se com o rosto pálido e com os lábios comprimidos. – Denise,
pare com isso! – disse ela. – Se você ama Logan, sinto muitíssimo por você, mas eu não
vou embora daqui.

Respirando fundo, Denise disse entre dentes: – Sua... sua vagabunda! Não tente
apelar para, meus melhores princípios porque no que diz respeito a Logan, não tenho
nenhum! Você não tem orgulho? Você tem coragem de continuar aqui, sabendo que seu
marido deseja outra mulher, que faz amor com ela sempre que existe uma oportunidade?
– Os olhos negros cintilaram. – E existirão milhares de oportunidades quando eu estiver
aqui! Como isso poderia afetar você? Saber que seu marido é...

– Denise, pare com isso! Você pode dizer o que quiser sobre mim ou sobre você,
mas pare de caluniar Logan dessa maneira! – Fiona respirou fundo, reunindo toda a sua
reserva de forças, rezando para que encontrasse as palavras certas para acabar de vez
com tudo aquilo. – Olhe, sinto muito, mas isso não vai acontecer, você sabe. Eu não sei
e não me importo com o que aconteceu em Auckland, mas se você pensa que Logan vai
se deixar envolver por uma intriga sórdida em sua própria casa, sob os olhos das pessoas
que mais ama, você não sabe nada sobre ele. Nada! Agora, por favor, vamos terminar
com isso. Não suporto mais. Eu não vou embora. – Ela não podia contar para, Denise
que fora o próprio Logan que impedira definitivamente sua partida de Whangatapu. No
fundo, ainda desejava que sua rival mantivesse um mínimo de orgulho.

Mas Denise não podia aceitar aquilo. Com a beleza ausente de se rosto, avançou
pela sala, a cabeça levantada e os olhos estreitos num expressão de ódio.

– Oh, você vai sim – ameaçou a garota –, porque, se não for embora quando eu
mandar, farei com que todas as pessoas daqui saibam exatamente quando você se casou!
– Parou para observa a reação de Fiona. – Você não pensou – que eu soubesse, não é?
Suspeitei desde o começo e por isso uma pessoa foi investigar o cartórios para mim. Se
continuar aqui, todo mundo vai saber que seu filho é ilegítimo e que você não passa de
uma prostituta! Então pense muito bem em Logan. Ele herdou grande parte do orgulho
do Sutherland e ao ver seu nome arrastado na lama seria afetado em seu ponto mais
vulnerável e sua mãe morreria!

– Você faria isso a eles?


Denise riu. – Com alegria! Já lhe disse que sei ser grosseira. Se eu não posso ser
a esposa de Logan, farei tudo para que você não sinta o mínimo prazer em tirar o lugar a
que eu tenho direito.

Com um movimento rápido, Fiona levantou-se, subitamente furiosa com Denise.


Quando Fiona ficava furiosa, seus olhos escureciam e toda a sua beleza se enriquecia e
se vitalizava. E agora, estava furiosa demais, pois lutava por seu filho e por seu marido,
por Ailsa e por Jinny.

Respirando fundo, começou a dizer com um tom de voz que não admitia
interrupções: – Mesmo que não houvesse outras razões, o que você acabou de dizer
convenceu-me de que a pior coisa que eu faria seria ir embora. Você conseguiu o efeito
contrário, Denise. Receio que você tenha se superestimado demais. O que me revelou
foi que nem ao menos compreende Logan, que só enxerga as coisas sob o ângulo de
suas obsessões. Quanto aos outros, surgirão algumas fofocas, não tenho dúvidas, e
algumas línguas maliciosas sentirão prazer, mas muito mais em discutir sua participação
em toda a história, em atribuir prós e contras a você.

Denise fitava-a com a frustração estampada em seus olhos. Sua expressão de


ódio eu gradualmente superada pelo espanto. Aquela Fiona ela desconhecia; pior ainda,
nunca percebera que existira. Totalmente no controle de si mesma e da situação quando
deveria estar pedindo desculpas ou recuando, Fiona mostrava uma força que Denise não
podia suportar.

A garota replicou então com amargura: – Não precisa tentar persuadir-me. Farei
com que nenhuma pessoa decente coloque de novo os pés nesta casa e isto será por sua
culpa!

– Não seja estúpida! Você sabe muito bem que esta é uma ameaça vazia.
Estamos no século 20, Denise, e, se você levar esta sua ameaça adiante, as pessoas
começarão a pensar que você tem boas razões para ser tão maliciosa e isso não
agradaria muito a seus pais.

A derrota estampou-se nas feições de Denise. Quando levantou a cabeça e viu


compaixão nos olhos de Fiona, não pôde reprimir seu rancor.
– Não sinta pena de mim! – exclamou ríspida. – Eu é que sinto pena de você.
Você é que terá que viver sabendo que é apenas a segunda! E não fará diferença alguma
em meu relacionamento com Logan. Ele me ama. Ele me ama!

Até mesmo para seus ouvidos aquilo pareceu mais um apelo infantil do que uma
afirmação triunfante. Fiona, agora que o pior tinha passado, não sentia nada além de
uma pena profunda pela garota. Com delicadeza, disse: – Mesmo que ele a ame não
existe futuro para você, Denise. Você deve receber muitas propostas de outros homens,
mais certos para você. Seja adulta e aceite o que não pode ser mudado.

– Sim, você gostaria mesmo que eu sumisse, não é? – Com um soluço, Denise
deu-lhe as costas. – Eu não a compreendo – continuou. – Realmente não a compreendo.
Pensei que conseguisse!

Escolhendo as palavras com cuidado, Fiona respondeu: – Você tem uma vida
muito fácil, Denise, pelo menos nos últimos anos, não foi? Como podia esperar
compreender-me? – Sorriu. – Às vezes nem eu mesma me entendo.

Denise fitou-a pela primeira vez, erguendo o queixo bem feito, os lábios
carnudos e os olhos calmos e serenos. Com um grande suspiro, disse devagar: – Tenho
sido uma idiota, não? Pensei que soubesse tantas coisas! Não... não diga nada. – Tentou
dar um sorriso sem sucesso. – Neste momento eu a odeio. Talvez... daqui a algum
tempo possa aprender a gostar de você. Não sei. Acho que vou voltar para casa agora.

– Seria melhor que você ficasse aqui mais um pouco – sugeriu Fiona, temendo
que a garota não estivesse em condições de dirigir.

– Acho que não conseguiria. Não se preocupe, o carro conhece o caminho. Mas
antes que eu me vá... eu menti. Logan nunca fez amor comigo. Eu achava... achava que
era porque Logan é honesto demais. Deliberadamente, tentei dar a você a impressão de
que tínhamos nos tornado amantes. Ele... ele sabia o que eu estava fazendo, eu acho. A
noite passada decidi que me livraria de você hoje porque... porque quando me levou
para casa, Logan disse que... que não havia nada que eu pudesse fazer. Foi educado,
mas definitivo; só que eu continuei pensando que, se você o abandonasse, se voltaria
para mim. – Pressionou os lábios trêmulos, ignorando o murmúrio de consternação de.
Fiona. – Eu não sou idiota. Sei quando sou derrotada. Espero que sejam felizes juntos –
concluiu com a voz rouca, como uma criança que é forçada a desculpar-se contra sua
vontade.

– Denise...

– Não, não diga nada. Deixe-me um pouco de dignidade! Eu teria tirado Logan
de você com o maior prazer e sem nenhum escrúpulo, mas agora vejo que Logan nunca
foi meu para que eu pudesse querê-lo de volta. Pensei que pudesse manipular você e
tudo o consegui foi ridicularizar-me completamente. Vai contar para Logan.

– Não! – respondeu Fiona com calma.

Denise encolheu os ombros. – Não importa. Nada mais importa agora. Oh, não
quero agir como uma estúpida – disse quando percebeu o olhar preocupado de Fiona. –
Sou ambiciosa demais para isso. Não vou ficar mais aqui, lógico. Diga para Ailsa que
resolvi viajar com meus pais; não, eu mesma direi. Amanhã telefono para ela. –
Enquanto falava, caminhou em direção à porta, com as costas eretas e a cabeça
levantada. Voltou-se então para Fiona e perguntou:

– Você está apaixonada por ele, não é?

Fiona assentiu.

– Sim, isto explica muita coisa. Acho que você não o merece mas espero que
saiba o que está fazendo. Até logo.

Capítulo XI

As nuvens tinham travado sua batalha contra o sol e, quando a noite chegou,
começou a soprar um vento frio vindo das colinas.
Logan parecia perturbado; os carneiros que seriam tosquiados na manhã seguinte
já estavam separados em um dos terreiros cercados mas, se chovesse, perderiam um dia
para que secassem e assim fosse feita a tosquia.

Depois do jantar ele foi para o galpão onde os tosquiadores estavam alojados
para discutir alguns pontos com o chefe da equipe. Fiona colocou Jonathan na cama e
encontrou Ailsa quando descia as escadas.

– Já vou me deitar – disse-lhe sua sogra. – Não me sinto bem quando vou me
deitar tarde, e amanhã preciso estar em forma. Quero dar os últimos retoques em meu
assassino e acabar aquele livro de uma vez. Dê boa-noite a Logan por mim, Fiona, e
boa-noite para você.

Estava muito frio depois de um dia quente. Fiona acendeu a lareira, fechou as
cortinas e colocou um disco na vitrola. Apesar de ter dormido até tarde naquela manhã,
sentia-se muito cansada. Tivera emoções demais, pensou, e deitou-se no sofá, esperando
que a sinfonia pastoral de Beethoven, lhe trouxesse a calma habitual.

Não trouxe. Por alguma razão, a música não podia resolver as atribulações de
sua mente. Assim, logo depois, estava andando de um lado para outro pela enorme sala
como um tigre prestes a dar o bote. Em momentos como este, Fiona desejava poder
fazer qualquer outra coisa que a ajudasse a controlar seus nervos; nem mesmo o piano
podia ajudá-la a resolver sua inquietação. O problema tinha que ser encarado e encarado
bem de frente, ou não conseguiria ter mais nenhum momento de sossego.

Assim, sentou-se e tentou ordenar os pensamentos. Achou que poderia


considerar-se feliz porque suas suspeitas quanto a Logan não tinha qualquer fundamento
mas, mesmo assim, a felicidade plena pareci estar muito distante. Além disso sentia um
arrependimento amargo por ter-se deixado enganar com tanta facilidade e também um
enorme remorso por sua estupidez. Infelizmente o amor que sentia pelo marido não fora
o suficiente para impedir, que o magoasse com suas suspeitas; percebia agora que a
raiva de Logan era uma expressão daquela mágoa. E o orgulho, a arrogância, ou fosse o
que fosse, tinham evitado que ele lhe contasse a verdade. Talvez pensasse que Fiona não
acreditaria.
– Boba! – disse em voz baixa. – Boba, boba! – Bateu no braço da cadeira com o
punho fechado, num sinal da raiva de si mesma. Logan havia dito a verdade e ela
negara-lhe sua confiança, mesmo quando sentiu que o amava. Ali estava o ponto onde
havia errado, desde o começo, recusando-se a dar a ele outro lugar em sua vida que não
fosse o de pai de Jonathan. Fiona tinha se convencido de fato que Logan se sentiria
humilhado em ter que se portar como seu marido em todos os sentidos, quando não
existia amor entre eles. Tinha sido orgulho de sua parte e, admitiu, no fundo sentia um
desejo reprimido de fazê-lo pagar na mesma moeda a terrível desilusão que lhe causara
há cinco anos. Mas aquela ferida já não existia há tanto tempo!

A decisão tinha que ser sua, caso resolvesse viver bem com Logan.

O que ele queria não era apenas uma reação física a, seus carinhos; deixara isso
muito claro. O que mais desejava era confiança e sinceridade. Bem, isso ela poderia
oferecer-lhe. Talvez fosse tudo o que ele aceitasse dela, mas Logan não tinha revelado
um certo amor quando se recusou a tirar vantagens de sua reação física quando em
contato com ele?

Lembrou-se com tristeza de si mesma, quando conversara com Stephen, há


menos de vinte e quatro horas.

“Você quer que Mary prove seu amor?”, perguntara. “Como?”

Ela estava agindo exatamente como ele. Queria provas de um amor que talvez
Logan nem sentisse.

Afinal, exausta, mas estranhamente triunfante, Fiona levantou-se e caminhou em


direção ao retrato que Thurston lhe pintara. Os olhos do retrato a fitavam.

– Decida-se – disse para o retrato. – Você tem chance de ser feliz com ele. É
importante que as únicas vezes em que o coração dele bater mais depressa sejam apenas
enquanto estiverem fazendo amor? – Ele tinha mostrado, desde o começo que estava
preparado para tornar aquele casamento um casamento de verdade, e ela o bloqueara em
todas as tentativas, recusando entregar-se por causa de um sonho romântico.
Caminhou até a janela e abriu a cortina. O céu não estava mais encoberto,
embora o ar continuasse frio. O silêncio era total, pois a vitrola se desligara
automaticamente. Assim, os passos de Logan no vestíbulo pareceram mais fortes
quando ele entrou no estúdio.

Fiona virou-se, olhou para suas mãos e, com um movimento rápido, fechou a
vitrola e saiu da sala. Sem dar-se tempo para pensar, caminhou em direção à luz que
vinha da porta entreaberta do estúdio.

Logan estava examinando alguns documentos, com aquela concentração de


sempre, uma de suas características mais marcantes.

Quando Fiona entrou, levantou a cabeça e dirigiu-lhe um olhar frio.

– Pensei que você já estivesse dormindo – disse ele. – Você está querendo me
dizer alguma coisa?

– Sim. – Ruborizada, engoliu em seco antes que conseguisse falar. – Gostaria...


isto é, se você ainda quiser, que nosso casamento se tornasse um casamento de verdade.

Fiona desejou ardentemente que ele tivesse ouvido o que acabara de dizer, mas
ele parecia tão absorvido naqueles papéis! Finalmente voltou os olhos em sua direção e
ela pôde ver então o quanto eles pareciam frios e insensíveis.

– Ah, você gostaria? – Sua voz soava perigosa. Mais fria do que ela estava
acostumada a ouvir.

– Sim – ela murmurou, recusando-se a ceder ao medo que tentava tomar-lhe de


assalto.

– Muito bem – disse ele. – Você me parece cansada, suba. Encontro-me com
você logo mais.

Falou como se estivessem combinando algum negócio. Fiona engoliu em seco


novamente, antes de sair. Ela não esperava grandes efusões de alegria, mas que pelo
menos ele recebesse sua decisão com um pouco mais de carinho. A frieza de Logan
quase fez com que ela corresse daquela casa para sempre. Parecia impossível que ele
visse aquela sua decisão, tomada depois de tanto pensar e repensar, simplesmente como
o fim de uma barganha, mas era exatamente essa a impressão que ele lhe causara, por
mais que isso lhe ferisse a dignidade. Mas ele tinha que saber o quanto custara a ela
aquelas poucas palavras, nas quais estava implícita sua total capitulação!

Por que ele tinha sido tão grosseiro com ela?

Parou no meio da escada e deliberadamente relaxou os músculos e continuou a


subir. Não podia voltar atrás agora. Se ele tinha sido grosseiro, com certeza fora por
causa da demora de sua resposta, e essa tinha sido sua grande falta.

A porta do quarto estava meio aberta. Fiona entrou, fechou-a, acendeu a luz e,
por alguns momentos, ficou olhando para o quarto. Havia muito luxo, mas nenhuma
felicidade para ela naquele aposento. Aqui ela havia desabafado suas mágoas, sem
decidir fazer coisa alguma. Mas poderia dar seu amor a Logan, sem pensar em mais
nada!

Assim como uma noiva na noite de núpcias, Fiona preparou-se para ele,
deixando seus cabelos soltos sobre os ombros. A camisola que escolhera era longa e de
seda. Depois de pronta, apagou a luz e ficou em frente à janela, incapaz de se deitar na
cama enorme.

Sentia-se agora perplexa, amedrontada, desejando um refúgio, e quando sentiu


um súbito arrepio passar por todo o seu corpo, notou que não era de frio...

A suave batida da porta do quarto de Logan pareceu-lhe um estrondo em seus


ouvidos; ficou mais tensa ainda, contraiu as mãos, enquanto ouvia os movimentos de
seu marido. Ouviu o barulho do chuveiro e foram longos os minutos de espera antes que
a porta se abrisse e ele entrasse.

Seus olhos já estavam acostumados à escuridão e assim pôde vê-lo sem


dificuldade. Na penumbra ele parecia mais alto, com uma toalha negra enrolada na
cintura. Quase imediatamente ele acendeu as luzes e Fiona teve que piscar diversas
vezes antes que seus olhos se acostumassem com a claridade.
Havia um brilho insolente no olhar de Logan, mas seu rosto permanecia sério.
Corando, Fiona sentiu seu corpo inteiro aquecer-se sob aquele olhar, e forçou-se a
encará-lo. – Venha cá – disse ele com suavidade.

Sustentando o olhar, Fiona atravessou o quarto. Seu coração batia loucamente, a


ponto de temer que ele pudesse ouvir.

– Então? – zombou ele, quando Fiona parou a apenas alguns passos dele.
Continuava com os braços cruzados e encostado na porta.

Era uma tortura que ele lhe impunha. Fiona mordeu os lábios, levantou os braços
e passou as mãos ao redor de seu pescoço másculo, oferecendo-se inteira para ele. Sua
capitulação era completa e absoluta, como ele tanto quisera, mas mesmo assim ele não
se moveu, embora chamas de paixão aquecessem seus olhos.

– Por que a mudança, Fiona? – perguntou ele.

– Que importa isso?

– Importa sim. Quero saber o que lhe provocou esta mudança súbita. – Seu olhar
estreitou-se, tornando-se cruel. – Você decidiu competir com Denise? Jogar seu poder
de sedução sobre mim para ver se me conquista definitivamente?

Ela sentiu raiva, mas ao tentar afastar-se dele, Logan segurou-a, forçando seus
pulsos e impedindo-a de se mexer. Respirando fundo, disse com os lábios trêmulos: – E
se for isso, o que é que tem?

– Vai ser interessante ver se você tem coragem de levar isso até o fim – retrucou
ele, antes de pousar seus lábios sobre os dela, com uma falta total de ternura.

Por um momento Fiona entrou em pânico, tentando libertar-se. Mas logo se


sentiu incapaz de pensar, perdida no turbilhão de emoções que a inundou,
correspondendo com tanta paixão, como nunca pensara que pudesse sentir. O pouco de
consciência que ainda lhe restava avisava-lhe que aquilo era mais um ato de sedução,
não propriamente de amor, mas a boca e as mãos de Logan acenderam um fogo, dentro
dela, que só seria apagado com uma união total entre eles. Por isso, quando ele a
carregou para a cama, não pôde protestar.
Logan deitou-a, desfez-se da toalha e deitou-se a seu lado, encostando-se nela.
Enquanto a beijava febrilmente, tirou-lhe a camisola. Fiona estremeceu ao vê-lo
olhando seu corpo e, louca de paixão, começou a acariciar a pele úmida dos ombros
dele, enquanto lhe beijava selvagem ente o pescoço. Então um êxtase apoderou-se dela
e, sem saber de onde vinha, ouviu sua própria voz sussurrar o nome de Logan.

Satisfeitos, dormiram abraçados. Ainda estava escuro quando Fiona acordou.


Lentamente, movendo seu corpo com cuidado para não acordá-lo, levantou-se e foi até
o banheiro beber um copo de água.

O líquido escorreu frio e gostoso em sua garganta. Havia ainda em seus olhos
uma chama que não se apagaria assim tão facilmente. A vida nunca havia lhe parecido,
mesmo em seus instantes mais negros, tão fútil, tão sem esperanças como naquela hora.
Seria sempre assim? Desejo, satisfação, então a terrível sensação de um amor frustrado.
Com o tempo, sem dúvida, se acostumaria com o fato de Logan possuir todas as
qualidades para ser um excelente amante, exceto a falta de ternura que ele demonstrava;
mas naquele momento isso lhe parecia a pior humilhação do mundo.

A coragem que sempre tinha para superar os problemas mais difíceis de sua vida
voltou com toda a força. Levantando-se, dirigiu-se para o quarto e, deliberadamente, pôs
de lado aquela sensação de infelicidade. Logan se mexeu quando ela se deitou de novo e
disse com voz mansa: – Você bem que poderia ter trazido um pouco de água para mim.

– Não sabia que você estava acordado – disse ela. – Quer que eu vá buscar?

– Sim, por favor.

Logan acendeu a luz observando-a com os olhos semi-cerrados, enquanto ela


atravessava o quarto. Bem, pensou ela com amargura, tinha optado por aquilo, ser a
esposa de Logan e fazer tudo o que ele desejasse. Deus lhe daria forças para continuar a
viver daquela maneira.

Ele tomou a água e continuou à observá-la quando mais uma vez se deitou.
– Você não vai apagar a luz? – perguntou ela com cuidado, receando que, caso
chegasse muito perto dele, Logan fosse interpretar o seu gesto como um convite para
que fizessem amor novamente.

Fiona pensara que uma vez que tivesse lhe entregue seu corpo seus problemas
estariam resolvidos, ou pelo menos grande parte deles. Que idiotice, os problemas
estavam apenas começando!

– Não; temos que conversar – retrucou ele.

Surpresa, Fiona virou-se para fitá-lo. Seus cabelos caíam sobre as têmporas e a
barba já começava a aparecer; ele parecia mais relaxado do que o normal.

O coração de Fiona contraiu-se insuportavelmente. Pelo menos conseguira


proporcionar-lhe aquele conforto físico.

– Não, primeiro vamos conversar um pouquinho – disse ele caçoando do rubor


que subira às faces de Fiona diante de suas palavras. – Depois desta noite pensei que
você nunca mais ficasse vermelha por minha causa – concluiu significativamente.

– Não... você está sendo indelicado – protestou ela, confusa. – O que há para ser
discutido?

– Como se você não soubesse!

Havia ternura na voz de seu marido? Fiona não sabia, mas sentiu sua respiração
acelerada quando ele tocou em seus ombros. – Você está exalando um perfume muito
sensual, o que eu aprovo com muito gosto. Onde você conseguiu esta mancha roxa?

Um brilho cintilou em seus olhos, mas sua voz estava calma quando retrucou: –
Você desconhece sua própria força?

Ele beijou a marca com ternura e disse: – Não tomei muito cuidado com você
esta noite, mas desculpe-me se fui grosseiro. Quando uma represa fica comprimida
muito tempo, tende a explodir. Agora, pare de tentar me provocar, você e eu temos
muito a dizer. Ainda quero saber por que resolveu conceder meus direitos legais sobre
você. Tenho absoluta certeza de que você não tinha intenção alguma de fazer isso
ontem.

– Não – disse Fiona. Hesitou por um momento e então resolveu explicar-lhe com
a maior honestidade possível, deixando de lado todo seu orgulho.

– Foi o ponto culminante de diversas coisas – disse ela, tentando fingir que não
percebia a maneira como Logan brincava com uma mecha de seus cabelos. – Eu sabia
que não poderia mantê-lo afastado por muito tempo por razões óbvias mas, enquanto eu
pensava que você estava apaixonado por Denise, não queria ser usada como uma
espécie de substituta.

– Você pensou que eu estivesse apaixonado por Denise? – Ele parecia incrédulo.
– Pensei que tivesse deixado bem claro que, embora tivesse admitido casar-me com ela,
nunca a amei.

– Você não deixou nada claro – retrucou ela um pouco áspera. – Como eu
poderia saber o que você sentia?! Não conhecia você! Não tinha idéia de como você
pensava ou reagia, e Denise deixou mais do que claro que tinha alguns direitos sobre
você! Primeiro, pensei que você a achava uma esposa mais conveniente, mas... – Ela
hesitou, amassando o lençol com os dedos nervosos, sem ousar encará-lo.

– Mas...? – insistiu ele.

– Bem, as coisas se precipitaram e quando vocês voltaram de Auckland,


Denise... bem, você sabe. Você a viu e sabe muito bem o que ela pretendia com seu
comportamento.

– Sei muito bem o que você deduziu – disse ele. – Nunca senti tanta raiva em
minha vida, mesmo sabendo que talvez um pouco de ciúmes fosse fazer com que você
tomasse uma decisão.

– Sim, bem... de uma certa forma você conseguiu. Só que eu achei que, se você
tinha se tornado amante de Denise, era porque a amava de verdade. Não podia acreditar
que faria amor com ela sem amá-la.
– Você pelo menos não ignorava esse dado sobre meu caráter – disse ele,
abraçando-a.

– Decidi então ir embora e deixar o campo livre para Denise. Então, você disse
que não queria que eu o abandonasse e falou em confiança. Percebi que realmente não
tinha confiado em você. Eu tinha aceitado tudo, a segurança, seu amor por Jonathan, a
vida em Whangatapu e não estava lhe oferecendo nada. Portanto, decidi que já era hora
de lhe dar alguma coisa... não em sinal de gratidão, ou qualquer coisa assim, mas
porque, caso você amasse Denise, tudo o que eu poderia oferecer a você era eu mesma,
como uma espécie de... refúgio, eu acho. – Levantou as pálpebras lentamente e, olhando
para ele, completou: – Veja, Logan, eu o amo. Acho que sempre o amei, mesmo nos
anos em que achei que nunca mais fosse encontrá-lo de novo. Tudo o que eu mais quero
é sua felicidade.

– Mentirosa – disse ele, apertando-a com mais força, mas com a maior
delicadeza. – Você quer muito mais do que isso, portanto não finja ser tão nobre e
desinteressada.

Ela sorriu, acreditando afinal no que os olhos, as mãos e a voz de Logan


revelavam. – Você está certo, é claro. Sinto muito se você ama Denise, porque
praticamente eu a botei para fora daqui ontem, e se eu a vir com muita freqüência daqui
por diante acabo arrancando os olhos dela!

Ele começou a rir e Fiona sentiu um conforto indescritível tomar conta de todo
seu corpo.

Logan então lhe disse: – Oh, Fiona, sua pequena idiota, eu a amo tanto, sua
boba, e você fez tudo isso comigo! Devia dar-lhe uma surra!

– Lembre-se de que fico com manchas roxas muito facilmente! – murmurou ela,
dócil, abraçando-o com força e com um prazer que nunca sentira antes em sua vida.
Queria confessar-lhe de novo seu amor; mas a única coisa que conseguiu fazer foi
pressionar sua cabeça no peito dele e abraçá-lo com mais força ainda.

– Ainda não – disse ele divertido, com uma ameaça em sua voz que a deixou
mais excitada.
– Logan, por que você deixou Denise ir tão longe? – perguntou ela.

– Esperei que você ficasse com ciúme. – Pegando a mão de Fiona, beijou-a. –
Vamos logo às explicações, pois aí não existirão mais dúvidas. Antes de você
reaparecer, eu havia decidido que Denise seria uma esposa tão conveniente para mim
quanto qualquer outra.

– Assim, tão friamente?

Ele concordou. – Receio que sim. Ela adorava a idéia de tornar-se uma
Sutherland e eu dedicava-lhe certa afeição. Você deve admitir, querida, que ela é bonita
o suficiente para abalar os nervos de qualquer homem.

Mesmo agora, ouvindo-o dizer aquilo, sentiu ciúme. Incapaz de dizer qualquer
coisa, apenas meneou a cabeça.

– Então nos encontramos novamente e eu queria Jonathan a meu lado. E no meu


jeito frio de raciocinar, decidi que poderia moldá-la como queria e decidi casar-me com
você. Não sou um homem paciente, mas não ia forçá-la a fazer nada que não desejasse.
Você já tinha pago um preço muito alto por uma noite de loucura. Sabendo disso, não
conseguiria pressioná-la. – Logan levantou o queixo da garota para poder ver-lhe o rosto
e disse: – Eu mal podia manter as mãos longe de você e tive que fazer muita força para
me manter íntegro durante todo este tempo. E ainda tivemos que agüentar a reação dos
outros. Foi uma situação terrível. Jinny estava intransigente, mamãe em dúvida, Danny
querendo criar problemas, Denise fazendo o máximo para se evidenciar. E você
parecendo uma violeta tímida, com medo de sair ao sol! Acredite-me, eu quase a forcei
a ir para a cama comigo, apenas para acabar com uma de minhas preocupações! De fato,
estava pensando seriamente em fazer isso, pois você tinha demonstrado uma reação
favorável a meus impulsos. Então, aconteceu algo que me deixou completamente
atordoado, como um garoto vivendo seu primeiro caso de amor.

– O quê? – perguntou ela com curiosidade.

– Percebi que a amava – disse ele com simplicidade. – Foi assim mesmo. No dia
em que você nos esperou debaixo da nogueira, depois que as senhoras do Clube de
Jardinagem foram embora. Você abraçou Jonathan, olhando-me com os olhos cansados,
e aí eu percebi que você era a mulher que eu sempre quis. Não era apenas uma atração
física, como pensei, mas uma necessidade muito mais profunda. Não sabia o que fazer.
Quando eu a trouxe para Whangatapu, estava quase certo de que você me amaria depois
de um mês, mas suas defesas nunca se rompiam, exceto as físicas. E isso não era o
suficiente para mim. Eu queria você inteira mas você não dava sinal de como se sentia
em relação a mim!

– E você não é um homem paciente – sussurrou ela com carinho.

– Mas foi muito paciente comigo!

Beijaram-se, então, longamente.

– Não me interrompa – disse ele, fingindo-se aborrecido. – Você sabia que logo
que o dia clarear a tosquia vai começar? Não temos muito tempo, meu amor. Ainda
existem algumas coisas para contar. Deixei Denise agir daquela maneira porque pensei
que um pouco de ciúme ajudaria você a decidir-se. Deixei que as coisas corressem e
esperei para ver o resultado. Não pensei que tudo fosse ocorrer assim tão depressa.
Aquele beijo que você viu, foi o único e apenas um agradecimento por eu tê-la levado
comigo para Auckland. Denise tirou o máximo proveito do beijo, lógico, e eu não me
importei. Queria que você ficasse com ciúme, mas quando vi a repulsa em seus olhos,
compreendi que havia cometido um grave erro.

Fiona riu, mas disse com seriedade: – Ontem à noite por que você estava tão
frio, tão insensível com tudo o que eu lhe disse?

– Eu vi quando Denise foi embora e imaginei o que poderia ter acontecido. – Ele
se apoiou sobre um cotovelo e fitou-a com um sorriso nos lábios. – Realmente não sei
por que me comportei dessa maneira. Não tinha intenção de possuir você até que tudo
estivesse explicado, mas perdi o controle de toda a situação no minuto em que você me
tocou e aí já era tarde demais. – E, depositando-lhe um beijo entre os seios, continuou: –
Devo confessar que algo pecaminoso e primitivo me fez gostar de possuí-la e em
especial porque estava tão claro que você estava gostando...

– Selvagem! – exclamou Fiona, passando os braços ao redor do pescoço de


Logan, atraindo-o ainda roais para perto de si.
– É verdade! – Ele parecia exultante aos olhos dela, com aquele ar perigoso de
caçador que finalmente agarrara sua presa, dizendo, antes que seus lábios se
encontrassem mais uma vez: – Mas será muito melhor daqui pra frente, meu coração,
porque agora não existem barreiras entre nós. Você é minha esposa e tudo o que
fizermos juntos será assim, com amor.

Fiona afastou-o por um momento. – Meu querido, você se esqueceu de algo! –


disse ela com uma falsa preocupação no tom de voz.

– Esqueci-me do que, ora bolas!

– A tosquia, meu bem!

– Para o inferno a tosquia!

Fim

Livros Florzinha - 131 -

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